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Revista Arqueologia Pública! - Nepam - Unicamp

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1<br />

A R Q U E O L O G I A<br />

P Ú B L I C A<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011


A R Q U E O L O G I A<br />

P Ú B L I C A<br />

EDITORES<br />

Aline Carvalho (LAP/NEPAM/UNICAMP)<br />

Pedro Paulo A. Funari (LAP/NEPAM/UNICAMP)<br />

COMISSÃO EDITORIAL<br />

Ana Pinon (Universidad Complutense de Madrid, Espanha)<br />

Andrés Zarankin (UFMG)<br />

Erika Marion Robrahn-González (Documento - Patrimônio Cultural, <strong>Arqueologia</strong> e Antropologia Ltda)<br />

Gilson Rambelli (LAAA / NAR / UFS)<br />

<br />

Lúcio Menezes Ferreira (UFPel)<br />

Nanci Vieira Oliveira (UERJ)<br />

Pedro Paulo A. Funari (NEPAM/UNICAMP)<br />

Charles Orser (Illinois State University, EUA)<br />

CONSELHO EDITORIAL<br />

Bernd Fahmel Bayer (Universidad Nacional Autónoma de México)<br />

Gilson Martins (UFMS)<br />

José Luiz de Morais (MAE/USP)<br />

Laurent Olivier (Université de Paris)<br />

<br />

<br />

COMISSÃO TÉCNICA<br />

Gabriela Berthou de Almeida<br />

<br />

Marcos Rogério Pereira<br />

PROJETO GRÁFICO<br />

Luiza de Carvalho


4<br />

5<br />

13<br />

20<br />

32<br />

44<br />

52<br />

63<br />

68<br />

EDITORIAL<br />

ARTIGOS<br />

S U M Á R I O<br />

<strong>Arqueologia</strong>, Educação e Museus: uma proposta para estágios em História<br />

Lúcio Menezes Ferreira, Diego Lemos Ribeiro e Jaime Mujica Sallés<br />

<strong>Arqueologia</strong> Participativa: uma experiência com Indígenas Guaranis<br />

Nanci Vieira de Oliveira, Pedro Paulo A. Funari e Leandro K. Mendes Chamorro<br />

Considerações conceituais e metodológicas sobre projetos de educação patrimonial<br />

<br />

<strong>Arqueologia</strong> e nacionalismo espanhol: A prática arqueológica durante o franquismo<br />

(1939-1955)<br />

<br />

<br />

<br />

Registro arqueológico como instrumento de memória social<br />

Rossano Lopes Bastos<br />

RESENHA<br />

FUNARI, Pedro Paulo; PIÑON, Ana. A temática indígena na escola: subsídios para os<br />

professores.<br />

<br />

ENTREVISTA<br />

Perspectivas da <strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> no Brasil e em Cuba. Entrevista com a professora<br />

Lourdes Dominguez<br />

Isabela Backx


4<br />

Após dois anos, retomamos o projeto e a publicação da <strong>Revista</strong> <strong>Arqueologia</strong><br />

<strong>Pública</strong>! Continuamos com a proposta de abrir espaços para discussões democráticas e<br />

plurais neste campo arqueológico. Reconhecemos que não há consensos sobre o que é<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong>, mas, independente dos consensos, acreditamos nesta <strong>Arqueologia</strong><br />

como uma prática social engajada e que tem o compromisso da construção de diálogos e<br />

<br />

<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong>.<br />

Além do novo layout (tanto para capa como para a disposição dos artigos), optamos<br />

por publicar a <strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> apenas em sua versão digital. A proposta é que ela<br />

possa chegar a um grande número de leitores e instituições ultrapassando a barreira da<br />

distribuição da versão impressa. Para os leitores há duas opções de acesso à <strong>Arqueologia</strong><br />

<strong>Pública</strong>: o número completo da <strong>Revista</strong><br />

<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> Paulo Duarte (LAP/<strong>Nepam</strong>/<strong>Unicamp</strong>). Assim, o leitor poderá escolher<br />

<br />

Nesta edição, reunimos artigos que versam sobre as relações históricas entre<br />

museus, arqueologia e educação (Lúcio Menezes Ferreira, Diego Lemos Ribeiro e Jaime<br />

Mujica Sallés); acerca do conceito de <strong>Arqueologia</strong> participativa e sobre a <strong>Arqueologia</strong><br />

Participativa com os índios de etnia guarani no estado do Rio de Janeiro (Nanci Vieira<br />

de Oliveira, Pedro Paulo A. Funari, Leandro K. Mendes Chamorro); das questões teóricas<br />

e metodológicas sobre educação patrimonial (Fábio Vergara Cerqueira, Mariciana<br />

<br />

Nacionalismo, centrando-se no caso espanhol durante o regime do General Francisco<br />

<br />

<br />

cultural e suas relações com o patrimônio arqueológico (Rossano Lopes Bastos). Além<br />

dos artigos, o leitor encontrará uma resenha do livro FUNARI, Pedro Paulo; PIÑON, Ana. A<br />

temática indígena na escola: subsídios para os professores. São Paulo: Editora Contexto, 2011<br />

<br />

cubana Lourdes S. Domingues sobre <strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> (produzida por Isabela Backx).<br />

Esperemos que todos aproveitem esta edição e que se sintam convidados a<br />

participar dos próximos números com textos, resenhas, entrevistas, indicações de leituras<br />

<br />

de <strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> Paulo Duarte, com seus diversos colaboradores, pelo trabalho<br />

realizado. E que a valorização dos “espíritos moços” e “combativos” descritos por Paulo<br />

Duarte nos sirvam de inspiração para a construção de nossos diálogos.<br />

Boa leitura!<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

E D I TO R I A L<br />

Aline Carvalho e Pedro Paulo Funari


A U T O R<br />

Lúcio Menezes Ferreira<br />

Laboratório Multidisciplinar de Investigação<br />

Arqueológica – LÂMINA/UFPEL; pesquisador<br />

do CNPq.<br />

Contato: luciomenezes@uol.com.br<br />

R E S U M O<br />

I N T R O D U Ç Ã O<br />

5<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

A R Q U E O LO G I A , E D U C A Ç Ã O E M U S E U S :<br />

UMA PROPOSTA PARA ESTÁGIOS EM HISTÓRIA<br />

“NO CÉU, APRENDER É VER; NA TERRA, É LEMBRAR-SE”<br />

(PÍNDARO)<br />

Diego Lemos Ribeiro<br />

Laboratório Multidisciplinar de Investigação<br />

Arqueológica – LÂMINA/UFPEL;<br />

Contato: dlrmuseologo@yahoo.com.br<br />

Jaime Mujica Sallés<br />

Laboratório Multidisciplinar de Investigação<br />

Arqueológica – LÂMINA/UFPEL;<br />

Contato: mujica.jaime@gmail.com<br />

O objetivo desse artigo é discutir uma proposta para estágio em história<br />

em museus de arqueologia. Após uma discussão sobre as relações históricas<br />

entre museus, arqueologia e educação, mostra-se como o estágio em história<br />

nos museus de arqueologia pode realizar-se na interação entre professores,<br />

alunos e as comunidades locais.<br />

Palavras-chave: museus de arqueologia, estágio em história, comunidades.<br />

<br />

história é aproximar os futuros professores da realidade em que atuarão. O<br />

<br />

prática, à medida que é conseqüente à teoria e aos métodos estudados durante<br />

<br />

culturais das escolas. O estágio não é a prática docente propriamente dita,<br />

mas a teoria sobre a prática docente. E será tão mais formador do professor<br />

<br />

escolar.<br />

É preciso enfatizar, contudo, que a realidade escolar não é a única viável<br />

<br />

professor de história relacionam-se, além da escola, a ambientes diversos:<br />

as editoras, a produção de materiais didáticos e paradidáticos, montagem<br />

<br />

patrimônio cultural, serviço educativo em museus de arqueologia, de história,<br />

artes e ciências, dentre outras possibilidades de desenvolvimento de estágios<br />

supervisionados.<br />

Como ninguém pode (e talvez tampouco tenha a pretensão de) conhecer<br />

<br />

<br />

Visamos a mostrar que os museus de arqueologia, ou aqueles que possuam<br />

coleções arqueológicas, podem ser extremamente pertinentes para a práxis de<br />

estágio em história. Para tanto, esquadrinharemos as relações entre museus,<br />

arqueologia e educação. Ao fazê-lo, nosso objetivo é demonstrar que estágios<br />

<br />

a produção de conhecimentos em consonância interativa com os interesses<br />

das comunidades.


M U S E U S ,<br />

A R Q U E O L O G I A<br />

E E D U C A Ç Ã O<br />

O primeiro passo para um estágio consistente em museus de arqueologia<br />

<br />

museus, arqueologia e educação. Tais relações recuam, no mundo ocidental,<br />

<br />

pelo desenvolvimento das ciências e, particularmente, da arqueologia. O<br />

<br />

originado no Renascimento, mas que ganhou maior vitalidade com as<br />

descobertas de Pompéia e Herculano e dos primeiros fósseis humanos),<br />

<br />

para o controle do Estado, permitiram uma nova organização dos museus.<br />

Inaugurou-se, desde então, uma nova interação com o público, marcada<br />

essencialmente pela Educação (Poulout, 1983:13-33.). Os museus tornaramse,<br />

assim, extremamente populares; calcula-se que, no decorrer dos séculos<br />

<br />

(Pyeson e Sheets-Pyeson, 1999: 55).<br />

Mas qual habitus os museus pretendiam inculcar nas populações que<br />

visitavam os museus? Neste ponto, destaca-se um grande evento da História<br />

<br />

da ciência Patrick Petitjean argumenta que a expedição napoleônica ao Egito<br />

<br />

expedição, de origem militar, começa a ser empregado nas ciências de campo.<br />

<br />

<br />

As expedições enlaçaram, assim, uma forte aliança entre Estado e ciência, tanto<br />

por sua organização como por sua estratégia colonialista subjacente (Petitjean,<br />

<br />

(Description de l’Egypte). Com seus nove volumes de texto e quatorze de<br />

pranchas, a Descrição do Egito apresenta não propriamente descrições, mas<br />

<br />

pinturas de monumentos decrépitos e empoeirados, são representações que<br />

<br />

Napoleão reproduziu essa conjugação entre Estado e ciência em outras<br />

campanhas militares. Às campanhas integravam-se cientistas e eruditos, que<br />

se apropriavam de livros, pinturas, espécimes botânicas, mineralógicas e<br />

zoológicas, além de artefatos arqueológicos. Todo esse espólio era exibido<br />

em marchas pela cidade de Paris: os artefatos eram mostrados à população<br />

em carros abertos, e do cortejo participavam militares, membros do Estado e<br />

funcionários de museus (Alexander e Alexander, 2008: 29). Essa carnavalização<br />

<br />

dos artefatos forjavam o sentimento patriótico de um Estado forte, aglutinador<br />

das massas. A população, a partir de então, imbuiu-se do habitus da grandeza<br />

da missão imperial.<br />

As campanhas expansionistas de Napoleão levaram aos museus da<br />

França o despojo e a pilhagem oriundos da lógica colonialista. Para isso se<br />

montou, no Museu do Louvre, por exemplo, toda uma seção dedicada à<br />

Egiptologia, dentre outras que denotavam o poderio colonialista francês.<br />

6<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011


<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

Mas, além da França, outros museus metropolitanos, como os da Alemanha,<br />

<br />

Isto é particularmente verdadeiro no que se refere à montagem de coleções<br />

<br />

primordial da <strong>Arqueologia</strong> clássica, nos museus da Alemanha, Inglaterra e<br />

Estados Unidos, foi a de acicatar a segregação “racial”, a dominação colonial e<br />

a destilação de uma “natural” superioridade ocidental. Os museus mostravam<br />

que a História do Ocidente derivava diretamente (quase geneticamente!) de<br />

povos essencialmente racionais e democratas – os gregos.<br />

A grandeza da missão imperial, exposta nos museus, inculcava e<br />

naturalizava também o sentimento nacionalista. As discussões especializadas<br />

enfatizam que a inserção da <strong>Arqueologia</strong> em museus do mundo, nos séculos<br />

<br />

Champion : 1996 ; Kohl e Fawcett: 1995). A arqueologia institucionalizou-se<br />

vocalizando identidades nacionais. Por meio da cultura material, a arqueologia<br />

<br />

vinculações ancestrais, enraizando, por meio da educação, o sentimento de<br />

pertença a uma nação e a um território nacional.<br />

<br />

a arqueologia, o nacionalismo e o colonialismo foram linhas de força que<br />

atuaram conjuntamente (Lyons e Papadopoulos, 2002). É que o nacionalismo,<br />

<br />

agenciadores e modeladores do mundo moderno, o nacionalismo e o<br />

colonialismo nunca se desassociaram. A construção da idéia de nação visou<br />

<br />

<br />

baseadas no sentimento de pertença a uma comunidade nuclear.<br />

<br />

expansionistas, as quais concebiam o Estado e a Nação como um centro<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

um cânone cultural: os museus eram lugares de exibição do que se tinha<br />

como estrangeiro, exótico, “bárbaro”, ou mesmo indesejado (Harrison: 2006).<br />

Nessa acepção, o museu, como diria Andreas Huyssen, “suportou o olho cego<br />

do furacão do progresso ao promover a articulação entre a nação e a tradição,<br />

a herança e o cânone, além de ter proporcionado a planta principal para a<br />

construção da legitimidade cultural tanto no sentido nacional como universal”<br />

(Huyssen, 1996: 35)<br />

Mas o timbre nacionalista e colonialista das relações entre museus,<br />

arqueologia e educação não se imprimiu somente nas metrópoles colonialistas.<br />

<br />

<br />

<br />

expedição, apelidada como Conquista do Deserto (quase um homônimo<br />

da Conquista do Oeste dos Estados Unidos), juntaram-se antropólogos<br />

<br />

antropólogos e arqueólogos coletaram artefatos e crânios. Um museu foi


O S E S T Á G I O S<br />

E M M U S E U S E O<br />

P Ú B L I C O<br />

8<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

<br />

de La Plata (Politis: 1995).<br />

O desejo pelos artefatos dos “bárbaros” duplicou-se nos anelos<br />

<br />

<br />

<br />

a noção de argentinidad, ajudando a formular uma identidade nacional.<br />

<br />

nacionalização dos fósseis e artefatos na Argentina, com a lei de proteção<br />

par<br />

excellence<br />

de História. Neles, apresentavam-se, ainda, os Outros indesejados da<br />

nação: uma série de imagens estereotipadas de “los indígenas bárbaros”,<br />

produzidas graças à Conquista do Deserto (Podgorny, 1999).<br />

A efeciência de uma práxis em estágio supervisionado em museus<br />

depende decisivamente do conhecimento das relações históricas acima<br />

descritas. Os futuros professores de história precisam saber que os<br />

<br />

de preciosidades históricas e artefatos arqueológicos. Os museus, como<br />

mostram os autores dos diversos ensaios reunidos por Peter Stone e<br />

Robert MacKenzie (1994), resultaram de processos de violência: a tomada<br />

<br />

populações, a pilhagem da cultura material de “povos primitivos”, a tentativa<br />

de incutir hábitos civis e o habitus da nacionalidade. O conhecimento deste<br />

passado é fundamental para que os alunos possam desvelar os projetos<br />

de poder a que estão ligados os museus de arqueologia que servirem<br />

ao estágio supervisionado. Somente assim eles poderão propor projetos<br />

alternativos de pesquisa que congreguem as comunidades locais e a<br />

pletora das memórias sociais.<br />

Mas como proceder a este estágio? Essa questão ata-se fortemente às<br />

discussões de teoria e metodologia do ensino de história. De modo geral,<br />

<br />

Unidos (Seixas, 2000), e as feitas no Brasil, a partir dos anos 1980, por vários<br />

historiadores (p. ex: Marcos A. da Silva, Déa Fenelon, Elza Nadai, Circe<br />

Bittencourt, Conceição Cabrini, Vavy Pacheco Borges etc), há que superar<br />

a dicotomia entre ensino e pesquisa. Acata-se o pressuposto de que o<br />

<br />

produção acadêmica. Compreende-se que o ponto de partida das aulas<br />

de história deva resultar da interação entre alunos, professores e do meio<br />

<br />

próprios alunos.<br />

Reconhece-se, portanto, que ensinar a história é também ensinar<br />

o seu método, acatando-se a premissa de que o conteúdo não pode ser<br />

tratado de forma isolada. Deve-se, pois, menos ensinar quantidades e<br />

fatos, e mais ensinar a pensar historicamente (Segal, 1984). Compreendese,<br />

nesta linha, que os alunos e professores são sujeitos da história; agentes


9<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

que interagem na construção do movimento social. Assim, enfatiza-se a<br />

<br />

o passado e o presente; como interpretação das diferentes perspectivas,<br />

instituições e memórias sociais.<br />

<br />

<br />

produção de conhecimento. Além de desvelar os projetos de poder a que se<br />

ligam os museus locais, os alunos entrariam em contato com os sentidos da<br />

narrativa material da instituição. Descobririam, ademais, que um museu de<br />

arqueologia é muito mais do que a exposição aberta ao público. Ele contém (ou<br />

deveria conter!) documentação escrita e reserva técnica, que podem e devem<br />

ser pesquisadas. Mutatis mutandis, professores e alunos poderiam realizar<br />

pesquisas e trabalharem em consonância com as comunidades. O intuito seria<br />

o de montar exposições alternativas e dar voz a memórias coletivas que foram<br />

silenciadas nos museus.<br />

<br />

museus de arqueologia no que concerne às representações sobre o passado.<br />

Na medida em que há diversas versões e contradições sobre o passado, qual<br />

<br />

lado deles, o estagiário de história? Sob esse ângulo, concordamos com a<br />

proposição de Sarah Colley: “Em uma sociedade plural e democrática, deveria<br />

haver espaço para pessoas expressarem opiniões diferentes e tolerarem as<br />

crenças de cada um. Museus e interpretações in situ com abordagem pósmoderna<br />

estimulam a multivocalidade, na qual diferentes versões da história<br />

e visões sobre o passado são consideradas, mesmo que em oposição” (Colley,<br />

2002: 83).<br />

E mesmo nos lugares onde não há museus de arqueologia, por mais<br />

<br />

se a alternativa de congregar diferentes linguagens no ensino de história.<br />

Internet sejam<br />

visitados para que se visualize o passado e o presente imperial, por exemplo,<br />

do Louvre ou do British Museum. De outro lado, principalmente nas regiões<br />

<br />

de algumas das regiões brasileiras), poder-se-ia, usando-se programas de<br />

computador, como o Power Point, montarem-se “exposições virtuais”, com<br />

<br />

<br />

O trabalho didático em museus de arqueologia, ao transformar os<br />

futuros professores e alunos em produtores de conhecimento, ao dissolver,<br />

<br />

confrontação com o mundo material e subverte o discurso da autoridade<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

arqueológico. Com o apoio de arqueólogos e curadores de museus, os


C O N C L U S Ã O<br />

10<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

inglês. Muitos australianos (que se concebiam como descendentes dos<br />

<br />

colonial da Austrália. O que gerou a promoção de um amplo debate em várias<br />

instituições de ensino da Austrália. O resultado mais imediato foi a inclusão<br />

<br />

2001).<br />

Os estágios em museus de arqueologia, ao promoverem a pesquisa e<br />

<br />

as memórias sociais das comunidades locais; produção de materiais didáticos;<br />

montagens de exposições alternativas, nos próprios museus, em painéis ou por<br />

meio de programas de computador. Os estágios em museus podem mesmo<br />

alavancar o desenvolvimento de uma arqueologia pública, uma vez que ela<br />

dedica-se, como diz Nick Merriman, a toda a gama de implicações de poder<br />

da disciplina, do cuidado pelo patrimônio aos direitos humanos (Merriman:<br />

2004).<br />

Cabe, também, ao estagiário de história, ter conhecimento sobre os<br />

<br />

se refere ao tratamento dispensado aos restos humanos e aos materiais de<br />

<br />

basilar do Conselho Internacional de Museus (ICOM), tal tipologia de acervo<br />

não deveria se limitar à curiosidade, da mesma forma que a sua pesquisa e<br />

<br />

também, para os membros de uma comunidade em particular. Ainda segundo<br />

esse documento, é necessário que as práticas museais sobre esses materiais,<br />

<br />

dignidade humana comum a todos os povos (ICOM, 2004).<br />

O estágio supervisionado em museus pode instituir uma práxis que<br />

aplique os pressupostos da arqueologia pública: fomentando a pesquisa<br />

<br />

<br />

em museus de arqueologia evidenciam que, ao trabalhar ao lado das<br />

comunidades, pode-se contemplar múltiplos paradigmas e exibir para o<br />

público os processos de interação, diálogo e tradução cultural. Arqueólogos, ao<br />

incorporarem diferentes memórias sociais e seus conhecimentos tradicionais<br />

<br />

os artefatos (Simpson, 2001). Na verdade, o trabalho arqueológico ao lado<br />

das comunidades, o desenvolvimento de narrativas plurais e em contra-pêlo<br />

<br />

<br />

lugares do mundo, como nas Américas do Sul e Central (Tamanini, 1998;<br />

<br />

Realizar estágios supervisionados que promovam as discussões e o<br />

trabalho conjunto entre professores, alunos e as comunidades locais, portanto,<br />

deve tornar-se, hoje, componente fundamental na formação do professor de<br />

história.


11<br />

B I B L I O G R A F I A<br />

Museums in motion: an introduction to the history and functions of museums.<br />

2nd ed. Lanham: Altamira Press.<br />

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Entre lonkos y ólogos: la participácion de la comunidad indígena Rankülche de<br />

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<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011


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<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011


A U T O R<br />

Prof. Dra. Nanci Vieira de Oliveira<br />

UERJ<br />

Contato: nancivieira@uol.com.br<br />

R E S U M O<br />

I N T R O D U Ç Ã O<br />

13<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

A R Q U E O L O G I A P A R T I C I P A T I V A :<br />

UMA EXPERIÊNCIA COM INDÍGENAS GUARANIS<br />

Prof.Dr. Pedro Paulo A. Funari<br />

UNICAMP<br />

Contato: ppfunari@uol.com.br<br />

Leandro K. Mendes Chamorro<br />

Aldeia Sapukai<br />

Contato: pueblombya@gmail.com<br />

<br />

índios de etnia guarani no estado do Rio de Janeiro. Descreve-se, primeiro,<br />

<br />

os indígenas envolvidos na atividade conjunta. As atividades incluem<br />

<br />

<br />

e nativos.<br />

A <strong>Arqueologia</strong> tem passado por um aggiornamento<br />

seu universo de preocupações, das questões relativas à sociedade, em geral,<br />

e em particular no que se refere aos indígenas. Este é um processo de longo<br />

prazo, cujo marco pode ser considerado o surgimento do Congresso Mundial<br />

<br />

do Congresso. Essa postura da disciplina, em termos mundiais, encontrou eco<br />

nas transformações sociais e políticas brasileiras, principalmente a partir do<br />

<br />

da democracia no país. Nos últimos vinte e cinco anos, a <strong>Arqueologia</strong> brasileira<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

em Angra, Parati-mirim e Patrimônio, em Paraty, todas M’ybiá. A aldeia de<br />

<br />

pouco tempo. A de Rio Pequeno, também em Paraty, é constituída por Guarani<br />

Nandeva.<br />

<br />

<br />

<br />

desenvolvidas com a Eletronuclear e parceria com o Programa “Jovens Talentos<br />

<br />

<br />

projeto.


14<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

indígenas e, ao mesmo tempo, problematizar os encontros e desencontros,<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

marcadores de identidade étnica e cultural, bem como no estabelecimento<br />

dos vínculos entre a comunidade e seu patrimônio.<br />

<br />

interpretações sobre patrimônio cultural Guarani, aspectos do cotidiano,<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

A língua Guarani pertence à família linguística Tupi-Guarani. De<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

de vida autenticamente Guarani.<br />

A partir do século XVII os Guaranis sofreram o impacto da catequese<br />

por parte dos jesuítas e dos ataques paulistas para a captura de indígenas. O<br />

<br />

fato de serem agricultores, mas devido a facilidade de captura por, inicialmente,<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

por miséria, fome e epidemias, que acabaram dizimando povoados inteiros.<br />

Desta forma, muitos grupos locais desapareceram, como também alguns dos<br />

<br />

A partir da profunda ruptura entre o modo de vida pré-colonial e o<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Os Guaranis da atualidade, em certos aspectos apresentam-se abertos<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

As aldeias se organizam a partir de uma grande parentela em torno de


A L D E I A<br />

S A P U K A I -<br />

B R A C U Í / A N G R A<br />

D O S R E I S<br />

<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

um líder religioso. Este alcançará maior prestigio pelo número de parentes que<br />

congrega em torno de si. As aldeias, embora autônomas, se inter-relacionam<br />

<br />

As informações sobre os Guaranis no Rio de Janeiro, anteriores a sua<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

passado. Entretanto, as fontes documentais indicam a presença Guarani desde<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

no Rio de Janeiro, constituída por índios Mbya-Guarani. As famílias lideradas<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

devido aos constantes deslocamentos das famílias, decorrentes das constantes<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

A aldeia apresenta suas casas dispersas e distantes umas das outras,<br />

<br />

da aldeia o local onde encontra-se a Casa da Reza. Desta maneira, subindo o<br />

<br />

escola construída em alvenaria, o posto de saúde e casas esparsas pela mata,<br />

mais ao alto alcança-se uma área com algumas casas e a casa da reza, a casa de


16<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

Verá-mirim, considerada o centro da aldeia.<br />

<br />

<br />

fato de que junto ao mar encontram-se vários condomínios, que discriminam<br />

<br />

<br />

da Prefeitura e doações de universidades.<br />

Como eles ocupam uma área de encosta da serra do Mar, o solo pobre<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

A caça ainda é uma das atividades importantes para o grupo, que por<br />

<br />

apreciadas para o consumo. Entretanto, os Guaranis estabeleceram regras de<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

valorizados pelos indígenas. O acesso a esses bens vem se tornando cada vez<br />

mais ampliado, através de recursos gerados por projetos, como o de turismo<br />

na aldeia, conquista de salários pelos professores e agentes de saúde.<br />

O idioma guarani Mbya é falado por todos da aldeia, mesmo na presença<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

que divide suas responsabilidades com o vice-cacique e o presidente da<br />

<br />

mirim é também o líder religioso do grupo.


A<br />

A R Q U E O L O G I A<br />

E O S G U A R A N I S<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

das atividades sempre despertaram maior interesse e, em seguida podemos<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

patrimônio englobando o material e imaterial foi muito mais consistente entre<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

As pesquisas que vem sendo desenvolvidas pelos jovens da aldeia<br />

<br />

<br />

<br />

o registro das informações coletadas para as futuras gerações.<br />

<br />

<br />

<br />

cambuxi<br />

Cambuxi<br />

kaguijy<br />

um cambuxi<br />

Ka’arandy<br />

<br />

<br />

<br />

índios Guarani enterram o morto estendido, mas reforçam que a cerimônia é<br />

<br />

<br />

monde <br />

nhuã mondepí<br />

<br />

OjáNha’ embéKambuxi<br />

<br />

<br />

<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011


eles realizam seus cultos religiosos.<br />

C O N C L U S Ã O<br />

18<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

prima ossos de mamíferos. Queimava-se os ossos e depois eram socados no<br />

<br />

<br />

“A Ojá <br />

Nha’embé usa-se para guardar alguns alimentos cozidos, e a Kambuxi para<br />

armazenar mel e kaguijy a bebida tradicional guarani. Na Nha’embé e na<br />

Kambuxi<br />

<br />

<br />

<br />

interesse veio a reforçar o projeto de turismo da aldeia.<br />

<br />

Patrimônio Cultural serem na sua maioria de elementos imateriais é uma<br />

<br />

eles o verdadeiro valor está contido na palavra e no modo de ser guarani.<br />

<br />

<br />

<br />

a Igreja da Matriz de Paraty, a Igreja de Santa Rita, as fazendas, as danças, a<br />

<br />

<br />

da aldeia, a aldeia, entre outros.<br />

<br />

<br />

<br />

fundada, muitas vezes, em modelos interpretativos pouco comprovados<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

A G R A D E C I M E N T O S<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

aos autores.


19<br />

B I B L I O G R A F I A<br />

Notícia de visita realizadas a população Guarani do litoral do Estado de São Paulo e Rio de Janeiro. Museu do<br />

<br />

<br />

<br />

An ecological of the spread of pottery and agriculture into Eastern South America.<br />

<br />

Terra sem mal<br />

Clastres, Pierre .A sociedade contra o Estado.<br />

A temática indígena na escola: subsídios para os professores<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Aspectos fundamentais da cultura Guarani.<br />

Hábitos alimentares e nível de hemoglobina em crianças indígenas Guarani, menores de 5 anos, dos<br />

estados de São Paulo e Rio de Janeiro.<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011


A U T O R<br />

20<br />

CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS E METODOLÓGICAS<br />

SOBRE PROJETOS DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL<br />

Prof. Dr. Fábio Vergara Cerqueira<br />

Historiador, Doutor em Antropologia Social. Departamento de<br />

História da Universidade Federal de Pelotas<br />

Contato: fabiovergara@uol.com.br<br />

Jezuína Kohls Schwanz<br />

Pedagoga e Especialista em Memória, Identidade e Cultura<br />

Material. Mestre em Memória e Patrimônio, Universidade<br />

Federal de Pelotas. Professora Pesquisadora da Universidade<br />

Aberta do Brasil/Universidade Federal de Pelotas<br />

Contato: jezuinaks@gmail.com<br />

R E S U M O<br />

E D U C A Ç Ã O<br />

P A T R I M O N I A L :<br />

S E N S I B I L I Z A R<br />

P A R A<br />

P R E S E R V A Ç Ã O ,<br />

F O M E N T A R<br />

A U T O E S T I M A<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

Luísa Lacerda Maciel<br />

Licenciada em História e Especialista em Educação. Mestranda<br />

em Memória e Patrimônio, Universidade Federal de Pelotas.<br />

Tutora da Universidade Aberta do Brasil/Universidade Federal<br />

de Pelotas<br />

Contato: luisamaciel@gmail.com<br />

Mariciana Zorzi<br />

Turismóloga, Mestranda em Memória e Patrimônio,<br />

Universidade Federal de Pelotas<br />

Contato: mari.zorzi@gmail.com<br />

O presente artigo tem como proposta apresentar algumas<br />

considerações teóricas e metodológicas sobre educação patrimonial.<br />

Coloca como objetivos maiores sensibilizar para a preservação e fomentar a<br />

autoestima. Toma como premissa a escuta da comunidade e como metas o<br />

reconhecimento das comunidades no patrimônio e o estímulo à tolerância.<br />

Entre as potencialidades, destacamos a capacitação dos agentes sociais para<br />

a preservação, a participação das comunidades e o despertar de vocações<br />

<br />

patrimonial na escola e a pesquisa prévia que deve ser feita sobre o patrimônio<br />

<br />

com o “empoderamento” das comunidades, no sentido de garantir o direito<br />

à cultura e à memória coletiva, e, valor supremo, com a pluralidade social e a<br />

diversidade cultural.<br />

Palavras-chave: museus de arqueologia, estágio em história,<br />

comunidades.<br />

Um dos principais objetivos que motivam a educação patrimonial é,<br />

por meio de abordagem inclusiva, o fomento à autoestima das comunidades<br />

locais, estimulando o conhecimento e valorização de seu patrimônio, memória<br />

e identidades culturais. Paralelamente, busca sensibilizar as comunidades<br />

para a preservação de suas variadas formas de patrimônio material e imaterial,<br />

que constituem suportes de sua memória e identidade cultural. (GONÇALVES,<br />

2004: 19. FUNARI, PELEGRINI, 2006. CERQUEIRA, MACIEL, ZORZI, SCHWANTZ,<br />

<br />

Esta sensibilização é necessária para se efetivar a preservação do<br />

patrimônio cultural, em termos amplos. É necessário salientar que o olhar<br />

e parecer do técnico – arquiteto, historiador, arqueólogo, antropólogo,<br />

historiador da arte, restaurador, etc. – é indispensável para que as políticas de


E S C U T A R A<br />

C O M U N I D A D E ,<br />

E S T I M U L A R O<br />

R E C O N H E C I M E N T O<br />

E A T O L E R Â N C I A<br />

P O T E N C I A L I D A D E S :<br />

C A P A C I T A Ç Ã O ,<br />

P A R T I C I P A Ç Ã O ,<br />

V O C A Ç Õ E S<br />

21<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

nos modismos e no senso comum, muitas vezes incapazes, pela falta de formação<br />

<br />

aplicação das medidas adequadas à conservação e eventual restauro destes bens.<br />

<br />

parte de administradores municipais dos pequenos e médios municípios de nosso<br />

<br />

funções públicas e execução das ações de preservação.<br />

De outro lado, é mister ressalvar que a intervenção do técnico por si só não<br />

<br />

população diretamente envolvida com os bens culturais patrimonializados precisa<br />

<br />

<br />

A comunidade é a melhor guardiã do patrimônio. [...]<br />

Só se protege o que se ama, só se ama o que se conhece. [...]<br />

Este reconhecimento, da comunidade no patrimônio, deve se dar em dois<br />

caminhos complementares, traçados entre o local e o global: pela trajetória<br />

<br />

mas também pela capacidade de sentimento de pertença a bens entendidos como<br />

da humanidade<br />

<br />

A educação patrimonial, ao mesmo tempo em que deve estimular o<br />

conhecimento e valorização dos testemunhos culturais e identitários das<br />

comunidades locais, deve também encetar nelas o sentimento de tolerância para<br />

a diversidade cultural, a sensibilidade para admirar a cultura dos outros povos, de<br />

outras regiões e outras épocas, cujos registros culturais expressam a riqueza da<br />

cultura humana. (DECLARAÇÃO DA UNESCO SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL,<br />

<br />

Assim, a educação patrimonial tem a potencialidade de propiciar aquilo<br />

que está além das prerrogativas do técnico: 1. pode capacitar a população para<br />

<br />

comunidade para participar do processo de eleição dos bens culturais a serem<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

De forma idealista, podemos imaginar que a educação patrimonial seja um<br />

instrumento importante para a construção de uma democracia cultural em escala<br />

planetária, baseada em formas de cidadania que se sustentem na valorização de


sua cultura e, na mesma medida, na admiração da cultura do outro.<br />

E D U C A Ç Ã O<br />

P A T R I M O N I A L N A<br />

E S C O L A<br />

Na primeira década do século XXI, a escola, em decorrência da constatação da<br />

importância social da educação patrimonial, foi colocada diante de um impasse: ao<br />

chamar para si a responsabilidade pela promoção da educação patrimonial entre<br />

<br />

patrimonial, que deve ser necessariamente multidisciplinar e indispensavelmente<br />

participativa – precisa não somente introduzir entre os educandos conceitos e<br />

informações técnicas, mas, sobretudo, semear a sensibilidade para o patrimônio<br />

cultural, para que, em futuro próximo, possamos colher os frutos de uma sociedade<br />

mais comprometida com a valorização de seu patrimônio, de sua memória e de<br />

<br />

Para tanto, é indispensável que os projetos de educação patrimonial sejam<br />

precedidos de mecanismos de escuta, em que se possa diagnosticar a percepção<br />

<br />

<br />

aqui, portanto, um princípio freiriano, pois a educação patrimonial fundamentada<br />

exclusivamente em conhecimentos técnicos exógenos à percepção e memória<br />

<br />

<br />

de exclusão social, o que não deveria ser o objetivo da educação patrimonial. (ZAN,<br />

<br />

22<br />

Fig. 1: Bagé. Fig. 2 e 3: Arroio Grande. Fonte: Banco Cultural – Programa Memoriar – LEPAARQ/UFPEL<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

Figuras 1, 2 e 3<br />

Conversar com moradores ou aplicar questionários estruturados, no comércio<br />

ou na rua, com adultos ou jovens, são algumas das alternativas para realizar a<br />

escuta das percepções locais do patrimônio cultural.<br />

Um dos objetivos da educação patrimonial, para a consolidação de uma<br />

<br />

outros setores envolvidos com a questão patrimonial (gestores, jornalistas,<br />

<br />

<br />

universo multidisciplinar constituído pelas várias formas de patrimônio. Estes são<br />

<br />

básicas em termos de cultura patrimonial, podem exercer um papel multiplicador.<br />

<br />

<br />

<br />

foi apontado por Débora Coimbra Nuñez, em sua análise da situação da Educação<br />

Patrimonial nas escolas municipais da cidade mineira de São João del Rei (NUÑEZ,


¹Programa Regional de<br />

Educação Patrimonial da<br />

Região Sul do Rio Grande do<br />

Sul, executado pelo Laboratório<br />

de Ensino e Pesquisa em<br />

Antropologia e <strong>Arqueologia</strong> da<br />

UFPEL, desenvolvido entre 2005<br />

e 2008, por meio do convênio<br />

“<strong>Arqueologia</strong> e Educação<br />

Patrimonial da Região Sul do<br />

<br />

empresa Votorantim Celulose e<br />

Papel, aplicado em 12 cidades<br />

<br />

grandense (Aceguá, Arroio<br />

Grande, Bagé, Candiota, Capão<br />

do Leão, Cerrito, Herval do Sul,<br />

Hulha Negra, Jaguarão, Pedras<br />

Altas, Pedro Osório, Pinheiro<br />

<br />

U M A C O N D I Ç Ã O :<br />

P E S Q U I S A P R É V I A<br />

D A S F O R M A S E<br />

P E R C E P Ç Õ E S D O<br />

P A T R I M Ô N I O L O C A L<br />

23<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

<br />

de desenvolvimento do Programa MEMORIAR¹ indicaram, como se constatou na<br />

fala dos participantes, o desejo e necessidade de uma capacitação mais profunda<br />

do professor, dado o despreparo para lidar com o campo multidisciplinar do<br />

patrimônio cultural.<br />

A aplicação, na escola, de práticas pedagógicas multidisciplinares é uma<br />

condição para o desenvolvimento da educação patrimonial: a temática do<br />

patrimônio cultural, assim como a temática ambiental, demanda um tratamento<br />

transversal, que participe das instâncias formais e informais da educação escolar,<br />

<br />

<br />

faculdade cognitiva do olhar, como sentimento humano de fruição e intelecção<br />

do patrimônio.<br />

De forma precedente ou paralela à aplicação de um programa educativo,<br />

<br />

levantamento dos Bens Culturais Materiais e Imateriais das comunidades, pois não<br />

<br />

Cultural, que dispense o estudo direto destes bens nas comunidades envolvidas,<br />

inclusive a própria percepção que estas possuem sobre o seu patrimônio. (LIMA<br />

<br />

A pesquisa sobre o Patrimônio Cultural deve se sustentar na interpretação de<br />

fontes diversas, de natureza escrita, oral, visual e material. (CERQUEIRA, MACIEL,<br />

<br />

<br />

<br />

comunidades locais, que têm muito a contar sobre suas trajetórias de vida e sobre a<br />

história da cidade. No campo da visualidade, é produtivo inventariar algumas fotos<br />

<br />

materiais do Patrimônio Cultural, nomeadamente a diversidade do patrimônio<br />

<br />

<br />

o patrimônio imaterial, ao registrar performances de produção e fruição do saber<br />

<br />

Fonte: Banco Cultural – Programa Memoriar – LEPAARQ/UFPEL<br />

Figura 4<br />

Uso de tear tradicional. Retomada do saber<br />

fazer da tecelagem artesanal a partir da lã<br />

de ovelha


24<br />

Fonte: Banco Cultural – Programa Memoriar – LEPAARQ/UFPEL<br />

²Grifo nosso.<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

Figuras 5 e 6<br />

Competições eqüestres. Tradições campeiras gauchescas.<br />

<br />

<br />

O conjunto destes dados forma um Banco Cultural, que constitui uma<br />

ferramenta indispensável à organização de encontros e de exposições: através dele<br />

se podem montar as apresentações multimídias utilizadas nas ações educativas.<br />

Quando o educando olha a sua cidade representada em imagens, diferentes<br />

leituras são feitas. A praça é vista de um novo ângulo, cores e formas, e deixa de<br />

ser um simples local de encontros e brincadeiras para ganhar um novo sentido. A<br />

arquitetura, os detalhes, um banco da praça... Novos olhares atentos de crianças<br />

e adultos, que passam a perceber de formas diferentes o Patrimônio Cultural que<br />

está presente no seu cotidiano. “Não importa a cidade, cada um olhará a partir<br />

de suas relações com o lugar, pois sempre estaremos aprendendo com ela e<br />

<br />

Os desenho e maquetes do patrimônio, feitos pelas crianças que participam de<br />

projetos de educação patrimonial, revelam esta sensibilização do olhar. Conforme<br />

<br />

criança presente seria o desejo impulsionando a ação, o movimento. O desenho,<br />

como exercício do desejo, se transforma em manifestos de identidade”.² (Figura<br />

<br />

Fonte: Projeto de Salvamento Arqueológico da Enfermaria Militar de Jaguarão, Instituto de Memória e Patrimônio – IMP, Pelotas / RS.<br />

Figura 7 (detalhe)<br />

Aluno da Escola Municipal de Ensino Fundamental Manuel Pereira<br />

Vargas., Jaguarão/RS, apresenta desenho do Mercado Público Municipal.


25<br />

Fonte: Projeto de Salvamento Arqueológico da Enfermaria Militar de Jaguarão, Instituto de Memória e Patrimônio – IMP, Pelotas / RS.<br />

U M A C O N D I Ç Ã O :<br />

P E S Q U I S A P R É V I A<br />

D A S F O R M A S E<br />

P E R C E P Ç Õ E S D O<br />

P A T R I M Ô N I O L O C A L<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

Figura 8<br />

Maquete confeccionada por alunas da E.M.E.F Manuel Pereira Vargas,<br />

Jaguarão/RS.<br />

Nesse sentido, a metodologia a ser seguida em projetos de educação<br />

patrimonial deveria levar em conta algumas diretrizes, no que se refere à<br />

conceituação de Patrimônio cultural e suas implicações sociais (CERQUEIRA, 2005:<br />

<br />

1. A indissociabilidade entre o patrimônio humano e natural na<br />

conceituação do Patrimônio Cultural, de modo que as pesquisas, intervenções e<br />

políticas públicas sejam pensadas de forma integrada.<br />

<br />

entre o patrimônio tangível (material) e intangível (imaterial).<br />

3. Valorização da cultura material e do patrimônio arqueológico como<br />

expressões de notável valor do Patrimônio cultural da humanidade, e que ao<br />

mesmo tempo nos dão acesso às pessoas comuns, muitas vezes ofuscadas ou<br />

<br />

Atrás de cada artefato há uma pessoa, ou muitas pessoas. Descobrir quem<br />

eram e como viviam é um fator fundamental para a experiência humanizante<br />

que nos é proporcionada pelos objetos do patrimônio cultural. (PARREIRAS<br />

<br />

Tanto os documentos escritos quanto a Cultura material são produtos<br />

de uma mesma sociedade, mas não são necessariamente complementares<br />

ou convergentes, pois o documento escrito representa as ideais ou interesses<br />

<br />

<br />

uma minoria dos que sabem ler e escrever. A escrita, assim, é um instrumento<br />

de poder de classe. A Cultura material, por outro lado, é o resultado, em grande<br />

<br />

assim se queira ou planeje, como testemunhos involuntários da história.


26<br />

<br />

com a visão hegemônica de grupos dominadores do passado, em favor de uma<br />

visão plural, que dê conta da diversidade sócio-cultural existente nas sociedades<br />

do passado, assim como do presente. Nesta perspectiva, patrimônio não é mais<br />

visto como sinônimo da excepcionalidade, da erudição, da genialidade. Hoje –<br />

sem que isto implique perder o gosto pelo excepcional, pelo monumental – falar<br />

<br />

memória da expressão cultural do homem comum e de sua vida corriqueira.<br />

5. A preservação do patrimônio deve envolver as comunidades, pois<br />

<br />

se interessem pela salvaguarda de sua memória. Para tanto, é necessário que o<br />

patrimônio não seja abordado como algo distante, exógeno a estas comunidades,<br />

sendo para tanto necessário desenvolver mecanismos de escuta da percepção que<br />

estas têm de sua memória e patrimônio, de modo a desenvolver um programa<br />

de educação patrimonial capaz de fomentar a autoestima das comunidades. É<br />

de fundamental importância que os agentes envolvidos no processo conheçam<br />

e reconheçam o patrimônio local, para que a partir daí passem a valorizar e a<br />

preservar esse bem.<br />

Entendemos que a preservação do Patrimônio Arqueológico, Cultural<br />

<br />

cidadãos, em que o desejo ou o impulso pela preservação não seja somente<br />

o ato de celebrar o “monumental” passado acadêmico, mas sim uma tentativa<br />

de promover novos valores baseados em uma concepção completamente<br />

transformada da tradição e patrimônio, ou seja, a reapropriação da cidadania.<br />

<br />

6. Um programa de educação patrimonial precisa alcançar um equilíbrio<br />

entre a bagagem de conhecimentos técnicos da equipe, balizados nas várias<br />

formas de conhecimentos universitários relativos às suas expressões culturais<br />

percepções populares<br />

Ciência e<br />

Senso Comum, entre Erudito e Popular, numa perspectiva pluralista, humanista<br />

e universalizante. Mas, sem dúvida, há que prevalecer uma atitude intelectual de<br />

humildade:<br />

Para estudar o passado de um povo, de uma instituição, de uma classe, não<br />

basta aceitar ao pé da letra tudo quanto nos deixou a simples tradição escrita.<br />

<br />

panorama da história e são muitas vezes mais interessantes e mais importantes<br />

<br />

7. Um programa de educação patrimonial deve estar atento às<br />

declarações da UNESCO referentes ao patrimônio imaterial e à diversidade cultural<br />

<br />

salvaguarda do Patrimônio cultural da humanidade (Cf. Cartas de Atenas, Veneza,<br />

<br />

legislação vigente no Brasil, no que se refere ao Patrimônio cultural em geral e<br />

<br />

<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011


27<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

<br />

<br />

<br />

Há que se considerar ainda que a educação patrimonial exerce um papel<br />

no desenvolvimento regional, tanto do ponto de vista social – pois valoriza<br />

as identidades dos diferentes grupos que compõem a sociedade, estimulando<br />

<br />

impacto sobre o desenvolvimento de turismo com enfoque no patrimônio. Um<br />

programa pode vir a alimentar assim o turismo, que emerge como possibilidade<br />

para a sustentabilidade, de forma integrada, da preservação das diferentes<br />

manifestações do patrimônio cultural e ambiental.<br />

O patrimônio, assim como a educação patrimonial, exige uma abordagem<br />

<br />

áreas variadas. Em vista disso, é salutar compor uma equipe com formação<br />

multidisciplinar, seus integrantes possuindo formação em áreas tais como:<br />

<br />

Museologia, Literatura, Teatro, Música e Pedagogia.<br />

É importante ressaltar que os projetos devem buscar, nas práticas com as<br />

crianças, um foco na ludicidade, sendo o lúdico fundamental no processo de<br />

ensino/aprendizagem, tanto no que diz respeito à educação de crianças como<br />

<br />

Fonte: Banco Cultural – Programa Memoriar – LEPAARQ/UFPEL<br />

A ludicidade é uma necessidade do ser humano em qualquer idade e não<br />

pode ser vista apenas como diversão. O desenvolvimento do aspecto lúdico<br />

facilita a aprendizagem, o desenvolvimento pessoal, social e cultural, colabora<br />

uma boa saúde mental, facilita os processos de socialização do conhecimento.<br />

<br />

Figura 9 e 10<br />

Teatro de Fantoches. Alternativa lúdica para se abordar o papel dos<br />

objetos na memória.<br />

<br />

se à formação de cidadania com qualidade, preocupada com o fortalecimento da<br />

identidade cultural sustentada na memória das expressões culturais dos diferentes


³Os temas locais, tradicional<br />

mente tratados na terceira e<br />

quarta série, passam, dentro<br />

do novo sistema, com o ensino<br />

fundamental perfazendo nove<br />

anos, a ser abordados no quarto<br />

e quinto ano.<br />

C O N S I D E R A Ç Õ E S<br />

F I N A I S<br />

28<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

<br />

A educação patrimonial precisa ser desenvolvida de forma criativa e<br />

<br />

<br />

dinamismo, marcado, por parte dos educandos, pela sua participação em um<br />

<br />

suas experiências pessoais e familiares com as experiências coletivas expressas<br />

<br />

rotina, que circule, que ande pela cidade, para gerar uma interação de olhares entre<br />

a escola e a cidade baseada numa “leitura estática, sensível e crítica do cotidiano”.<br />

<br />

<br />

patrimonial, é necessário que conheçam os conceitos e a legislação nacional<br />

atinente à preservação do patrimônio cultural, assim como as experiências já<br />

realizadas em outras escolas.<br />

É comum que os projetos de educação patrimonial estejam focados<br />

<br />

se precipuamente às séries iniciais, uma vez que ali costumam ser ensinados<br />

aspectos de história local³ . Há que se fazer uma série de ponderações sobre<br />

estas tendências, que podem assumir conseqüências negativas, mormente seus<br />

objetivos sejam nobres. Em primeiro lugar, é necessário frisar que todos os jovens,<br />

<br />

ser colocados em contato com a educação patrimonial, do mesmo modo como é<br />

feito no que concerne à educação ambiental, pois todos deveriam ser no futuro<br />

cidadãos comprometidos com a preservação dos valores culturais das sociedades.<br />

Interessa que tanto trabalhadores quanto empresários sejam comprometidos com<br />

a preservação patrimonial.<br />

De outro lado, restringir a educação patrimonial à população estudantil, e<br />

sobretudo, infantil, é um erro grave, pois os agentes sociais que estão atuando hoje,<br />

<br />

movimentos sociais ou mesmo como consumidores, precisam, de forma urgente,<br />

ser sensibilizados, aproximados das questões patrimoniais: pode custar muito caro<br />

à preservação do patrimônio esperar que as atuais crianças se tornem adultos,<br />

para então reverter a tendência de perda dos valores e registros patrimoniais, dos<br />

suportes de identidade cultural coletiva, dos suportes de memória. Em 20 anos,<br />

<br />

do que hoje nos circunda como referenciais identitários e de memória social terá<br />

se esvanecido por completo, em certa parte pelo próprio processo natural do<br />

<br />

social de interesses imobiliários, do lucro exasperado, bem como da falta de<br />

informação e das visões preconceituosas e elitistas de patrimônio.<br />

Os projetos de Educação patrimonial possibilitam uma aproximação maior<br />

entre a população das comunidades envolvidas e os agentes promotores da<br />

sensibilização patrimonial, pertençam eles ao espectro universitário, ao setor<br />

público, ao terceiro setor ou mesmo à área de responsabilidade social do setor<br />

<br />

que muitas vezes parecem não se enxergar como portadoras de uma memória


29<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

extremamente importante para a constituição de sua história, a história de sua<br />

<br />

destas comunidades portadoras de memória, para ocuparem seu espaço na seara<br />

política de construção e reconstrução do patrimônio cultural. Entendemos, em<br />

<br />

<br />

<br />

Do ponto de vista político, a prática da educação patrimonial implica<br />

um compromisso com os valores da pluralidade social e diversidade cultural<br />

(DECLARAÇÃO DA UNESCO SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL, 2001, Artigo 2º<br />

<br />

invertendo assim a abordagem tradicional: a abordagem que privilegiava<br />

elementos patrimoniais relativos às elites pretéritas, o que por anos tem afastado<br />

<br />

patrimônio cultural.


30<br />

D O C U M E N T A Ç Ã O<br />

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DA UNESCO SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL. Resolução aprovada em 02 de novembro de 2001. Fonte:<br />

http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001246/124687s.pdf<br />

B I B L I O G R A F I A<br />

“Identidade cultural e memória – objetos de construção do patrimônio<br />

histórico”<br />

<br />

CERQUEIRA, Fábio Vergara e CUNHA, Welcsoner Silva da. “Proteção legal do patrimônio arqueológico”. In: I CONGRESSO INTERNACIONAL<br />

DA SAB. XIV CONGRESSO BRASILEIRO DE ARQUEOLOGIA. ARQUEOLOGIA, ETNICIDADE E TERRITÓRIO. FLORIANÓPOLIS, 2007. Anais (CD<br />

<br />

CERQUEIRA, Fábio Vergara. “Educação Patrimonial na Escola: Por que e Como?”<br />

<br />

<br />

CERQUEIRA, Fábio Vergara. “Patrimônio cultural, escola, cidadania e desenvolvimento sustentável”. Diálogos. <strong>Revista</strong> do Departamento de<br />

<br />

“Entre o passado e o futuro: um encontro<br />

com a memória através dos objetos”.<br />

CERQUEIRA, Fábio Vergara. “Proteção legal do Patrimônio Cultural e Arqueológico. Avanços e percalços no Brasil Contemporâneo”. In: AXT,<br />

<br />

<br />

. São Paulo, Scipione, 1989.<br />

FUNARI, P.P. <strong>Arqueologia</strong>. São Paulo, Contexto, 2003.<br />

FUNARI, Pedro Paulo e PELEGRINI, Sandra de Cássia Araújo. Patrimônio histórico e cultural. Rio de Janeiro, Zahar, 2006.<br />

GALVANI, Maria Aparecida Magero. “Leitura da Imagem: uma interação de olhares entre a cidade e escola”. <strong>Revista</strong> Educação e Realidade.<br />

<br />

GONÇALVES, José Reginaldo Santos. “Ressonância, Materialidade e Subjetividade: as culturas como Patrimônios”. Horizontes Antropoló<br />

<br />

<br />

HOLANDA, Sérgio Buarque de. “Introdução às memórias de Thomas Davatz”.<br />

<br />

“Por uma antropologia do objeto documental: Entre a ‘Alma das coisas’ e a<br />

<br />

<br />

LIPMAN, Matthew. São Paulo, Summus, 1990.<br />

MAGALHÃES, Aloísio. E triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, Fundação Roberto Mari<br />

nho,1997.<br />

MENDES, José Manuel Oliveira. <br />

<br />

MONTICELLI, Gislene. . Tese de doutorado. Programa de<br />

<br />

NUÑEZ, Débora Coimbra. Educação Patrimonial, nos bastidores do processo. A formação dos agentes multiplicadores e as metodologias de<br />

ensino aplicadas na apreensão de bens clturais: o caso de São João del Rei/Minas Gerais<br />

Memória Social e Patrimônio Cultural, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2011.<br />

PARREIRAS HORTA, Maria de Lourdes. Educação patrimonial<br />

vação do Patrimônio Cultural, jun. 1991. [cópia xerox]<br />

-<br />

<br />

. Rio de Janeiro, Vozes, 1997.<br />

SOARES, Inês Virgínia Prado. <br />

obras e atividades impactantes. Erechim, Habilis, 2007.<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011


31<br />

B I B L I O G R A F I A<br />

SOUZA, Marise Campos de. <br />

<br />

TAMANINI, Elisabeth. <br />

histórica.<br />

ZAN, Dirce Djanira Pacheco e. <br />

<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011


32<br />

A U T O R<br />

A R Q U E O L O G I A E N A C I O N A L I S M O E S PA N H O L<br />

A PRÁTICA ARQUEOLÓGICA DURANTE O FRANQUISMO (1939-1955)<br />

<br />

Mestrando em História Cultural pelo IFCH/UNICAMP, sob orientação do<br />

Prof. Dr. Pedro Paulo Funari e Pesquisador do Laboratório de <strong>Arqueologia</strong><br />

<strong>Pública</strong> Paulo Duarte – NEPAM/UNICAMP. Bolsista CNPq<br />

rafaelnakayama@hotmail.com<br />

R E S U M O<br />

I N T R O D U Ç Ã O<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

O objetivo do artigo é discutir a relação entre <strong>Arqueologia</strong> e Nacionalismo,<br />

centrando-se no caso espanhol durante o regime do General Francisco Franco.<br />

Inicia-se com uma exposição, em linhas gerais, das primeiras atividades de<br />

<br />

do século XIX. Posteriormente, analisa-se o que seria a institucionalização<br />

de uma “<strong>Arqueologia</strong> franquista”, a partir da criação da Comisaría General de<br />

Excavaciones Arqueológicas – organismo que centralizou toda a atividade<br />

<br />

<strong>Arqueologia</strong> durante o franquismo como uma <strong>Arqueologia</strong> a serviço do<br />

regime.<br />

<strong>Arqueologia</strong>; Nacionalismo; Espanha franquista.<br />

Nos últimos tempos, o campo da <strong>Arqueologia</strong> tem recebido o aporte<br />

de uma discussão epistemológica que visa demarcar o aspecto discursivo<br />

<br />

<br />

pesquisador na produção do conhecimento arqueológico (LUMBRERAS, 1974<br />

e UCKO, 1987). Isso quer dizer que suas interpretações devem ser entendidas<br />

a partir das motivações que o levaram a olhar para o objeto a partir de uma<br />

<br />

<br />

observar as considerações críticas de Margarita Díaz-Andreu a respeito dos<br />

que “adotam uma ótica internalista, isto é, que fundamentalmente discutem<br />

qual autor disse, o que disse, em que época, e os que suas idéias contribuíram<br />

<br />

<br />

arqueológicos (PATTERSON, 2001 e FUNARI, 2003a). Isso implica tornar visíveis<br />

as “categorias discursivas utilizadas, que raramente constituem o tema de<br />

a priori<br />

<br />

<br />

Acredito, como muitos outros que estudam a História da<br />

<strong>Arqueologia</strong>, que o enfoque histórico oferece uma posição especialmente<br />

vantajosa a partir da qual é possível examinar as relações de mudança entre<br />

a interpretação arqueológica e seu meio social e cultural. A perspectiva<br />

<br />

diferente para o estudo dos vínculos entre a <strong>Arqueologia</strong> e a sociedade.


33<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

mediante a observação de como e sob quais circunstâncias tem variado<br />

<br />

<br />

uma crítica ao modelo positivista na <strong>Arqueologia</strong>, representado, em grande<br />

<br />

defendem que, sempre que os dados disponíveis sejam os adequados e<br />

<br />

conclusões resultantes é independente das crenças do investigador” (TRIGGER,<br />

<br />

<br />

dependendo das condições sociais e culturais do pesquisador. Esse tipo de<br />

posicionamento alimentou a constituição de uma <strong>Arqueologia</strong> denominada<br />

Contextual ou Pós-Processual, que leva em conta o contexto na produção do<br />

<br />

A <strong>Arqueologia</strong> Processual não se caracterizava precisamente por<br />

<br />

que o mais importante era a contrastação, independente das teorias, a<br />

<br />

tempo que os arqueólogos começaram a mostrar um maior interesse pela<br />

subjetividade dos passados que reconstruímos em relação às estratégias<br />

<br />

<br />

<br />

regime franquista na Espanha (1939-1975) e compreender a relação entre a<br />

<strong>Arqueologia</strong> e a ideologia política do nacionalismo espanhol desenvolvida<br />

<br />

de <strong>Arqueologia</strong>, produzidos durante o regime, estavam de alguma forma<br />

conectados com as principais bandeiras defendidas pelo poder político, tais<br />

como a criação de uma identidade nacional, de uma unidade nacional, de uma<br />

origem comum a todos os espanhóis, entre outras, pois, como observa Pedro<br />

Paulo Funari, “a criação e a valorização de uma identidade nacional ou cultural<br />

relacionam-se, muitas vezes, com a <strong>Arqueologia</strong>”, visto que “a <strong>Arqueologia</strong> é<br />

sempre política, responde a necessidades político-ideológicas dos grupos<br />

<br />

<br />

papel da <strong>Arqueologia</strong> como portadora de uma legitimidade.<br />

O Nacionalismo é uma forma particular de ideologia que pode<br />

ser usada por uma nação para construir e fortalecer a unidade. Uma<br />

vez que a ideologia do nacionalismo é geralmente construída com<br />

base no entendimento das pessoas acerca de seu passado, a história<br />

e a arqueologia podem fornecer uma contribuição essencial para a sua<br />

criação. [...] A ditadura é um tipo político, um entre muitos, que pode optar<br />

por utilizar o nacionalismo. Os ditadores costumam usar o nacionalismo<br />

para reforçar o apoio para os seus anseios e, com isso, podem cultivar um


A N T E C E D E N T E S<br />

¹Sobre a Escuela Superior de Diplomática<br />

<br />

ALLENDE, 2008).<br />

34<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

É o interesse pela <strong>Arqueologia</strong>, demonstrado pelos autores franquistas,<br />

que o presente trabalho se propõe a questionar. Inicia-se com uma exposição,<br />

em linhas gerais, das primeiras atividades de preservação dos vestígios<br />

<br />

analisa-se o que seria a institucionalização da “<strong>Arqueologia</strong> franquista”, a partir<br />

da criação de um organismo que centralizou toda a atividade arqueológica,<br />

entre 1939 e 1955, a Comisaría General de Excavaciones Arqueológicas<br />

discute a <strong>Arqueologia</strong> durante o franquismo como uma <strong>Arqueologia</strong> a serviço<br />

do regime.<br />

A preocupação com a preservação de vestígios arqueológicos teve início<br />

na Espanha em meados do século XIX. Nesse período é possível vislumbrar os<br />

primórdios de uma <strong>Arqueologia</strong> espanhola, bem como a tentativa de construir<br />

<br />

arqueológico espanhol. Segundo Margarita Díaz-Andreu, “objetos antigos não<br />

eram considerados como parte da herança nacional até a década de 1830”<br />

<br />

<br />

de 1830; os nacionais, por sua vez, reservados a objetos artísticos, foram<br />

abertos na década de 1840. Como esses museus necessitavam de curadores,<br />

foi criada, em 1856, a Escuela Superior de Diplomática<br />

pelo ensino de <strong>Arqueologia</strong> e o lugar onde os curadores eram treinados¹. O<br />

último passo na criação de museus de <strong>Arqueologia</strong> foi a abertura do Museo<br />

Nacional de Arqueología, em 1867, localizado em Madri.<br />

No início do século XX, os esforços são voltados para a organização de<br />

uma base institucional para a <strong>Arqueologia</strong> espanhola e a construção de uma<br />

legislação que incorporasse em seus artigos e decretos uma base normativa<br />

para as escavações arqueológicas. É nesse contexto que surge, em 1900, o<br />

Ministério de Instrucción Publica e Bellas Artes. Um pouco mais tarde, em 1907, é<br />

criada a Junta de Ampliación de Estudios <br />

na <strong>Arqueologia</strong> espanhola, congregando outras instituições arqueológicas<br />

que dela dependiam, como o Centro de Estudios Históricos, que desde a década<br />

de 20 possuía uma seção de <strong>Arqueologia</strong>, e a Comisión de Investigaciones<br />

Paleontológicas y Prehistóricas. A importância que a <strong>Arqueologia</strong> tinha<br />

Ato de Excavaciones, de<br />

1911, que criava a Junta Superior de Excavaciones e Antiguedades.<br />

<br />

Junta Superior de Tesoro<br />

Artistico, criado, em maio de 1933, pela Lei de Defensa do Patrimônio Histórico<br />

Artistico Nacional. No mesmo ano é promulgado o Ato de Excavaciones, em<br />

uma tentativa de regulamentar as escavações arqueológicas ocorridas no<br />

território espanhol.<br />

Com o início da Guerra Civil (1936-1939), as atividades arqueológicas<br />

foram momentaneamente paralisadas. Como desde o dia 1 de outubro de<br />

1936 o General Francisco Franco era considerado o chefe de Governo do<br />

Estado Espanhol e Generalissimo dos Exércitos de terra, mar e ar (chefe das<br />

<br />

Servicio de Defensa do Patrimonio Artistico Nacional (SDPAN), em 22 de abril


35<br />

²No dia 1 de outubro de 1936, dois<br />

meses após iniciada a Guerra Civil que<br />

derrubaria a República espanhola,<br />

foi constituído em Burgos, cidade<br />

<br />

de Castilla y León, o governo dos<br />

rebeldes sob a liderança do General<br />

Francisco Franco, que receberia o título<br />

<br />

(chefe supremo das forças armadas).<br />

A partir desse momento, a Espanha<br />

estava literalmente dividida em duas,<br />

pois Madri continuava sendo a capital<br />

do governo legítimo da República.<br />

Os únicos países que reconheceram<br />

a legitimidade do governo rebelde<br />

<br />

nacional-socialista.<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

de 1938, dependente da Jefatura Nacional de Bellas Artes e caracterizado<br />

por “uma administração fortemente centralizada e hierarquizada” (DÍAZ-<br />

<br />

SDPAN seria rebatizado,<br />

em 12 de agosto de 1938, com o nome de Servicio de Defensa e Recuperación<br />

do Patrimonio Histórico Nacional (SDRPHN).<br />

<br />

<br />

<br />

(Galícia). Filho de um general amigo de Franco, ele planejou a reorganização<br />

da <strong>Arqueologia</strong> espanhola a partir da criação de um novo organismo que<br />

Instituto Arqueológico<br />

Nacional y Imperial. Como observa Francisco Gracia Alonso, Martínez Santa<br />

Olalla.<br />

Amparado no Decreto de 22 de abril de 1938, pelo qual se criava<br />

o SDPAN (Servicio de Defensa del Patrimonio Histórico Nacional), que<br />

não mencionava explicitamente a <strong>Arqueologia</strong>, pretendeu aglutinar<br />

no novo organismo toda a atividade arqueológica de investigação,<br />

conservação e difusão, em qualquer de seus âmbitos presentes e futuros<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

implantar seu plano, após muita negociação com a comunidade arqueológica<br />

espanhola.<br />

A COMISARÍA DE<br />

EXCAVACIONES<br />

ARQUEOLÓGICAS (1939-1955)<br />

A S P E C TO S P O L Í T I CO S<br />

Pouco antes do término da Guerra civil, foi criada pelo Ministerio<br />

de Educación Nacional, em 9 de março de 1939, a Comisaría General de<br />

Excavaciones Arqueológicas, em substituição da antiga Junta Superior de<br />

Excavaciones y Antiguedades. Passava nesse momento a ser dependente da<br />

Jefatura de Archivos, Bibliotecas y Museos. A criação foi por meio de uma Ordem<br />

<br />

La necesidad de atender a la vigilancia de las excavaciones<br />

arqueológicas que desde su iniciación en 1905 han permitido reconstruir<br />

<br />

patrimonio arqueológico con maravillosas o heroicas ruinas como las de<br />

Mérida, Italica, Numancia, Azaila, etc., y la conveniencia de lograr el máximo<br />

<br />

<br />

la guerra actual, hechos que aconsejan la creación de una Comisaría General<br />

de Excavaciones a cuyo cargo quede el cuidado administrativo, la vigilancia<br />

(citado por GRACIA


36<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

A principal função do organismo recém criado era “propor os planos<br />

gerais de escavações que seriam realizados a cada ano e supervisionar a<br />

<br />

que diz respeito à organização, houve uma nova orientação que propiciou a<br />

<br />

<br />

Comisario General <br />

Basch e Isidro Ballester, consultores. Integravam também outros importantes<br />

arqueólogos simpatizantes do regime, como Blas Taracena Aguirre e Antonio<br />

García y Bellido.<br />

A partir de abril de 1941, foi autorizada a nomeação de Comisarios<br />

Provinciales Locais e Provinciais de Excavaciones Arqueológicas. Esses eram<br />

subordinados ao Comisario General, o que denota uma organização muito<br />

bem centralizada e hierarquizada, que colocava nas mãos de pessoas mais<br />

próximas do poder político a responsabilidade em matéria de proteção do<br />

<br />

um rigoroso processo seletivo que, por sua vez, não estava preocupado, em<br />

primeiro lugar, com os méritos intelectuais do candidato ou sua produção<br />

<br />

algum indivíduo no passado, ou simplesmente a suspeita de ter participado<br />

<br />

exercer o cargo de Comisario Provincial ou Local de Escavaciones Arqueológicas<br />

Comisario eram requisitadas<br />

informações pela Comisaría General<br />

que diagnosticaria se o indivíduo estava “apto” ou não para desempenhar a<br />

função. Dependendo do posicionamento político do candidato era aceito ou<br />

<br />

<br />

a expressão persona non grata devido a sua atuação política anterior não<br />

condizente com o governo franquista.<br />

<br />

da função de Comisario Provincial, Local ou Insular? “Todas aquelas pessoas<br />

devidamente capacitadas, segundo expressava a Ordem de 30 de abril de<br />

1941, pertencentes à Falange ou que possuam uma irrepreensível e inequívoca<br />

<br />

Aqueles que correspondiam aos critérios escolhidos para desempenhar o<br />

cargo de Comisario, ao invés de representarem persona non grata, recebiam a<br />

<br />

<br />

glorioso movimento nacional”; “goza de irrepreensível conduta moral, pública<br />

e religiosa, assim como político-social”. Um exemplo desse tipo de seleção é o<br />

<br />

um cargo na Comisaría Local de Excavaciones Arqueológicas de Palencia, que foi<br />

recusado por ter sido considerado ateu, a despeito de sua boa conduta moral e<br />

<br />

importantes que deviam possuir os candidatos a desempenhar as funções de<br />

Comisario<br />

se limitavam aos antecedentes políticos, sua atividade pública ou seus dotes<br />

morais. Raras vezes esses informes contribuíam com informações sobre a


U M A<br />

A R Q U E O L O G I A<br />

A S E R V I Ç O D O<br />

R E G I M E<br />

37<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

atividade de trabalho destes candidatos ou seu nível de instrução.<br />

Durante a década de 40, as escavações arqueológicas no território<br />

espanhol foram intensas e seguiram sempre o plano anual de escavações,<br />

elaborado pela Comisaría General de Excavaciones Arqueológicas, que, como foi<br />

colocado, centralizava todo o trabalho arqueológico entre as suas atribuições.<br />

Para a divulgação das pesquisas foi organizado, em janeiro de 1950, o Congresso<br />

, um momento<br />

ímpar para que o Comisario General mostrasse às autoridades do regime os<br />

resultados dos trabalhos realizados pela Comisaría desde a sua criação. Uma<br />

das propostas apresentadas no Congresso, que demonstra o vínculo entre a<br />

<strong>Arqueologia</strong> e a construção de uma identidade (no caso, cristã), consistiu em<br />

solicitar ao Caudillo, Francisco Franco, que estimulasse a realização de um <br />

Santo de los Comisarios de Excavaciones Arqueológicas, que teria como objetivo<br />

<br />

Em meados dos anos 50, inicia-se um processo de transformações<br />

<br />

equilíbrio de poder entre os diferentes grupos que sustentavam o governo de<br />

Franco, que resultou na substituição da Falange pela Opus Dei” (DÍAZ-ANDREU;<br />

<br />

Comisarios, que eram falangistas, começaram a perceber uma diminuição<br />

<br />

em uma posição de fraqueza política dentro do regime. Os tempos haviam<br />

mudado e o sistema centralizado que Martínez Santa Olalla havia organizado<br />

a partir da Comisaría General de Excavaciones Arqueológicas estava fadado a<br />

desaparecer ou, ao menos, sofrer importantes transformações. Foi assim que,<br />

por meio de um Decreto de 2 de dezembro de 1955, foi extinta a Comisaría<br />

e, em seu lugar, foi criado o Servicio Nacional de Excavaciones Arqueológicas<br />

(SNEA). Em síntese, esse decreto implicou uma mudança do antigo regime<br />

<br />

civil, que havia colocado sob o poder do Comisario General de Excavaciones<br />

Arqueológicas o controle absoluto sobre a investigação arqueológica na<br />

Espanha.<br />

A partir do exposto, é possível perceber, por parte da nova administração<br />

governamental, a tentativa de exercer um controle total das escavações<br />

arqueológicas, construindo para isso um aparato administrativo e legislativo<br />

para tal empreendimento. Nesse sentido, podemos nos questionar acerca do<br />

motivo que levou à <strong>Arqueologia</strong> a se tornar parte integrante das preocupações<br />

do governo franquista. Qual era a utilidade da <strong>Arqueologia</strong>? Por que um<br />

controle governamental tão rígido das escavações? O que se pretendia com<br />

seus estudos? Por que sítios arqueológicos como o de Numância, Ampurias,<br />

<br />

<br />

franquista”?


38<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

que a <strong>Arqueologia</strong> teria se constituído como um campo de pesquisa a partir<br />

do processo de formação dos Estados-nacionais europeus (DÍAZ-ANDREU;<br />

CHAMPION, 1996 e KOHL; FAWCETT, 1995). Com isso, entende-se que é no<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

dois tipos de nacionalismo, o primeiro foi<br />

O nacionalismo cívico ou político, surgido na Revolução francesa,<br />

<br />

associando ao conceito de soberania nacional. Uma nação era concebida,<br />

<br />

<br />

Percebe-se que as características do nacionalismo exposto acima não<br />

estavam baseadas em identidades culturais e não consideravam a origem<br />

cultural da nação. Por outro lado,<br />

O nacionalismo cultural ou étnico, surgido a partir da metade<br />

<br />

naturalmente em culturas e essas culturas deveriam ser idealmente<br />

entidades políticas. Foi essa interpretação essencialista de nação que deu<br />

à história uma importância antes desconhecida, pois agora tornava-se<br />

<br />

[...] A base da nação tornou-se cultural, e foi na base dessa suposta unidade<br />

cultural que os nacionalistas exigiam unidade política (idem).<br />

O nacionalismo cultural ou étnico teve um grande impacto no campo<br />

<br />

<br />

espacial, cronológica e culturalmente, a partir de uma série de características<br />

<br />

material (cerâmica, tipologia dos enterramentos, das plantas das casas (DE LA<br />

<br />

em 1929, a noção de que os restos arqueológicos podem ser portadores de<br />

uma determinada cultura.<br />

Encontramos certos tipos de restos – vasilhas, ornamentos, ritos<br />

de enterramento, plantas de casas – que constantemente se encontram<br />

associadas. A tal complexo de características regularmente associadas<br />

denominaremos um “grupo cultural” ou simplesmente uma “cultura”<br />

<br />

Nesse sentido, a <strong>Arqueologia</strong> forneceria dados que possibilitaria a<br />

reconstrução do passado nacional. As nações se constituiriam como tal a partir<br />

<br />

como exclusivo. Por meio da <strong>Arqueologia</strong> seria possível encontrar vestígios<br />

dos “nossos antepassados” e, conseqüentemente, encontrar a raiz mais


³Um dos lemas do franquismo que<br />

consiste em um entendimento<br />

<br />

se referem à Espanha como indivisível,<br />

<br />

estrangeiras, respectivamente.<br />

39<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

profunda e original na busca incessante pelo “espírito de um povo”. Os objetos<br />

encontrados em um determinado território legitimariam automaticamente a<br />

posse do mesmo pelo povo que se colocasse como descendente dos antigos<br />

habitantes.<br />

No que diz respeito ao caso espanhol, se no século XIX o nacionalismo<br />

estava enfraquecido, ocasionado, principalmente, pelo insucesso nas<br />

<br />

apenas um interesse limitado no passado arqueológico, no século XX, por<br />

<br />

<br />

<br />

conduzido durante o século XIX com o realizado no século seguinte. No<br />

<br />

XX, seu nacionalismo tinha se desenvolvido ao ponto de ser mencionado<br />

expressivamente em seu trabalho. Em 1906, Mélida foi incluído na equipe<br />

de escavação em Numância. Suas publicações tinham um claro objetivo<br />

nacionalista. Por exemplo, ele iniciou o relatório da primeira escavação com<br />

<br />

<br />

similar, ele admitiu que o sítio havia sido escavado não apenas por razões<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

maneiras de compreender a Espanha como nação. Alguns a viam como uma<br />

unidade multicultural (entendida durante a Segunda República Espanhola –<br />

1931 / 1936/9); outros, como o general Francisco Franco, viam o país como<br />

uma unidade cultural única. Foi essa última a vencedora e que vigorou na<br />

Espanha de 1939 a 1975.<br />

<br />

<br />

uma comunidade étnica, entendida por Anthony Smith como detentora de<br />

<br />

históricas compartilhadas, elementos diferenciadores da cultura comum,<br />

<br />

<br />

de vista do regime franquista, a <strong>Arqueologia</strong> viria a se constituir como uma<br />

disciplina de grande importância para a construção simbólica de uma “<br />

Una, Grande y Libre”³ , uma vez que ela oferecia ao nacionalismo símbolos<br />

<br />

durante o regime franquista o enfoque da teoria arqueológica históricocultural<br />

prevaleceu e obteve grande adesão entre os autores franquistas,<br />

<br />

<br />

políticas serão, entre outras, a unidade nacional, o centralismo administrativo,<br />

<br />

<br />

Nesse sentido, muitos trabalhos arqueológicos foram feitos permeados<br />

por essa noção de unidade nacional espanhola. Cumpre destacar o trabalho do


40<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

arqueólogo espanhol Martín Almagro Basch (1911-1984) que, inclusive, exerceu<br />

o cargo de consultor na Comisaría General de Excavaciones Arqueológicas. Foi<br />

publicada pelo autor a obra Del pueblo hispano (1958), um estudo etnológico<br />

da península ibérica desde a pré-história até os nossos dias, desde os homens<br />

<br />

<br />

da homogeneidade etnológica ou racial primeva, em detrimento de outras<br />

<br />

17). O estudo inicia-se pelo período Paleolítico (Cro-Magnon), onde estaria a<br />

base da “raça” espanhola. No período Neolítico (cultura megalítica), houve<br />

<br />

Neolítico hispano, porém os colonizadores não tiveram contato com a costa<br />

africana, pois vinham direto pelo mar. E, posteriormente, ocorre a chegada do<br />

<br />

não foi étnico, mas cultural. Fundamentalmente o idioma e a concretização<br />

da idéia de Espanha como unidade. Nesse caso, Roma conseguiu dotar a<br />

<br />

<br />

vestígios humanos, para que sirva, a posteriori, como um argumento a mais<br />

à idéia de uma unidade nacional que, pouco a pouco, iria se aperfeiçoando e<br />

conformando à estrutura política estatal moderna” (idem: 24).<br />

Outra importante contribuição de Almagro Basch foi a publicação da<br />

revista Ampurias – <strong>Revista</strong> de Arqueología, Prehistoria e Etnología, em 1939,<br />

na qual era o diretor. Ampurias foi uma cidade localizada na região nordeste<br />

da Espanha, na região da Catalunha, fundada por colonos gregos, em 575<br />

a.C. Durante o regime franquista, o sítio arqueológico de Ampurias foi<br />

intensamente escavado, o que demonstrava a grande importância atribuída a<br />

um símbolo entendido como parte integrante do passado nacional espanhol.<br />

No editorial do primeiro número da revista, foi colocado que<br />

Ampurias es la última ciudad griega de occidente. En ella los romanos<br />

desembarcaron por primera vez para combatir a Cartago. Y en ella asienta<br />

Catón el Grande el primer gran campamento civilizador. Tras la conquista<br />

<br />

que en Tarragona y en Córdoba o Itálica, en Ampurias, la Hispania Antiqua<br />

tomó contacto con el mundo clásico. Ella fue la primera ventana hacia el<br />

Mediterráneo que nos trajo ambiciones y sentido histórico. Roma tras los<br />

<br />

para siempre (AMPVRIAS, 1939: 3-4)<br />

<br />

na Espanha durante o governo de Francisco Franco esteve em consonância com<br />

as ideias norteadoras que serviram para legitimar o regime. O autoritarismo<br />

<br />

Comisaría General de Excavaciones Arqueológicas, propiciou que os trabalhos<br />

fossem utilizados para respaldar as aspirações nacionalistas do governo<br />

<br />

<br />

que não são condizentes com a visão do poder instituído. Dessa forma, é


C O N S I D E R A Ç Õ E S<br />

F I N A I S<br />

41<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

<br />

Arco Aguilar, para o período franquista<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

desenvolvimento desses enunciados teóricos em um mesmo contexto<br />

<br />

<br />

É importante ressaltar, no entanto, que não houve uma vontade dos autores<br />

franquistas de enganar ou deformar uma suposta realidade arqueológica.<br />

Não existiu um pensamento estratégico dos arqueólogos, que produziram<br />

um determinado trabalho para legitimar um regime político. Mas é o próprio<br />

<br />

interpretação dos vestígios arqueológicos em prol de certa leitura do passado.<br />

<br />

trabalhos e que de alguma forma “serviram” ao regime. Como foi exposto<br />

anteriormente, a teoria arqueológica histórico-cultural possuiu uma grande<br />

<br />

Pelos pressupostos dessa teoria de traçar, por meio da cultura material, as<br />

características de um povo desde os tempos mais remotos até o presente,<br />

ela foi utilizada para reconstruir a identidade e unidade nacional espanhola,<br />

<br />

uma postura “mal intencionada” aos arqueólogos que contribuíram com seus<br />

estudos para a construção e consolidação de um regime ditatorial, torna-se<br />

<br />

<br />

<br />

instrumental epistemológico que o pesquisador deve ser responsabilizado<br />

pelos resultados de seu trabalho<br />

O presente artigo buscou discutir a questão da discursividade do<br />

conhecimento arqueológico, a partir do papel que a <strong>Arqueologia</strong> teve na<br />

Espanha durante o regime franquista. Os estudos arqueológicos foram<br />

importantes para a legitimação política do regime ao fornecer subsídios<br />

(cultura material) para a construção da unidade nacional espanhola e dotar os<br />

espanhóis de uma identidade nacional, avessa a qualquer tipo de separatismo.<br />

Porém, toda essa construção se valeu de um determinado olhar<br />

interpretativo dos vestígios arqueológicos. Não era imanente ao objeto o<br />

<br />

sentido é dado pelo pesquisador, imbuído de um arcabouço teórico e de<br />

<br />

<br />

interpretação da cultura material, pois se é adotado uma postura acrítica e


A G R A D E C I M E N T O S<br />

42<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

não problematizante, o risco é, ainda hoje, a legitimação de políticas ditatoriais. O<br />

arqueólogo Laurent Olivier, estudioso da <strong>Arqueologia</strong> do Terceiro Reich alemão<br />

<br />

pesquisar, nos materiais arqueológicos, o testemunho da identidade étnica ou<br />

<br />

cujo coração ardente ainda bate, enterrado sob os escombros da velha Europa”<br />

<br />

Portanto, se não houver um questionamento acerca das categorias<br />

interpretativas utilizadas, corre-se o risco de estar praticando uma <strong>Arqueologia</strong><br />

aos moldes nazistas. Daí a importância de trabalhos que adotam uma “ótica<br />

externalista”, que buscam adotar uma postura problematizante. Para concluir,<br />

gostaria de citar as palavras de dois arqueólogos, Michael Galaty e Charles<br />

<br />

Mesmo quando uma nação tem sofrido uma transformação política<br />

completa - da ditadura para a democracia, por exemplo - os indivíduos,<br />

especialmente os arqueólogos, continuam a ter uma participação muito<br />

grande na criação da história e da identidade nacionais. Ironicamente,<br />

<br />

desacreditadas após a queda de um ditador, mas sim, elas podem ser<br />

<br />

<strong>Arqueologia</strong>, como ele evoluiu sob ditaduras modernas, é hoje, mais do que<br />

nunca, de extrema importância. Em muitos países europeus, por exemplo,<br />

aqueles que praticavam a <strong>Arqueologia</strong> sob a ditadura estão se aposentando<br />

<br />

acriticamente por uma nova geração de arqueólogos. Agora é hora, portanto,<br />

<br />

<br />

Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Pedro Paulo Funari, aos professores<br />

<br />

<br />

<br />

seu autor.


43<br />

B I B L I O G R A F I A<br />

<strong>Revista</strong> de Arqueología, Prehistoria y Etnología. n.° 1, Barcelona – 1939. p. 3-4)<br />

<br />

p.17-25.<br />

La Arqueología en Canarias durante el régimen franquista:<br />

el tema del primitivo poblamiento de las islãs como paradigma (1939-1969). Trabajos de Prehistoria 61, n.1, 2004. p. 7-22.<br />

Nationalism,<br />

politics, and the practice of archaeology<br />

DÍAZ- ANDREU, Margarita. Nacionalismo y Arqueología: el contexto político de nuestra disciplina. <strong>Revista</strong> do Museu de <strong>Arqueologia</strong><br />

e Etnologia. n.11. São Paulo, 2001. p.3-20.<br />

DÍAZ-ANDREU, M.; CHAMPION, T. Nationalism and Archaeology in Europe: An Introduction<br />

<br />

DIÁZ-ANDREU, Margarita; RAMÍREZ SÁNCHEZ, Manuel. La Comísaria General de Excavaciones Arqueológicas (1939-1955). La<br />

administración del patrimonio arqueológico en Espana durante la primera etapa de la dictadura franquista. Cumplutum, 12,<br />

<br />

DIÁZ-ANDREU, Margarita; RAMÍREZ SÁNCHEZ, Manuel. Archaeological Resource Management Under Franco’s Spain. The Comisaría<br />

General de Excavaciones Arqueológicas-<br />

<br />

FUNARI, Pedro Paulo A. <strong>Arqueologia</strong><br />

___________________. Resenha de Thomas Patterson, A social history of anthropology<br />

GALATY, Michael L.; WATKINSON, Charles. The practice of archaeology under dictatorship<br />

<br />

GRACIA ALONSO, Francisco. La Comisaría General de Excavaciones Arqueológicas (1939-1945). In: La arqueología durante el<br />

primer franquismo (1939-1956)<br />

HODDER, Ian. Interpretación en Arqueología. Corrientes actuales.<br />

Categorias históricas e práxis da identidade: a interpretação da etnicidade na <strong>Arqueologia</strong> Histórica.<br />

<br />

<br />

KOHL, Philip L., FAWCETT, Clare. Archaeology in the Service of the State: Theoretical Considerations.<br />

<br />

LUMBRERAS, Luis. La Arqueología como ciencia social<br />

ral<br />

de Información y Documentación. Universidad Complutense de Madrid. 2008, 18. p.173-189.<br />

A <strong>Arqueologia</strong> do Terceiro Reich e a França: notas para servir ao estudo da “banalidade do mal” em <strong>Arqueologia</strong><br />

<br />

PATTERSON, Thomas. A social history of anthropology in the United States<br />

PEIRÓ, Ignacio; PASAMAR, Gonzalo. ránea.<br />

SMITH, Anthony D. National Identity<br />

TRIGGER, Bruce. Historia del pensamiento arqueológico. Trad. Isabel García Trócoli.<br />

UCKO, Peter. Academic Freedom and Apartheid: The Story of the World Archaeological Congress<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011


A U T O R<br />

44<br />

BOUDICA E O USO DE SUA FIGURA FEMININA<br />

Tais Pagoto Bélo<br />

Doutoranda do Departamento de História/ IFCH/ UNICAMP<br />

Orientador: Pedro Paulo Funari<br />

Contato: taispbelo@gmail.com<br />

R E S U M O<br />

A Q U E S T Ã O D A<br />

P Ó S - M O D E R N I D A D E<br />

– C O N T R I B U I Ç Õ E S<br />

H I S T O R I O G R Á F I C A S<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

Este artigo objetiva demonstrar como o passado é utilizado para<br />

<br />

para abraçar novos temas de pesquisa, como os estudos de gênero.<br />

<br />

<br />

<br />

Palavras-chave:<br />

<br />

teóricas que a História passou nos últimos tempos. Com isso, busca-se, aqui,<br />

contextualizar, dentro de todas essas mudanças, como se originou projetos de<br />

<br />

<br />

pronunciadas nesse meio.<br />

Sendo assim, pode-se constatar que aconteceu uma crise na História, a<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

como, o Estado Absolutista e o Cristianismo.<br />

<br />

<br />

demonstrada e teorizada por Charles Darwin (1869), em sua obra The origin<br />

of species<br />

humanos. Logo, o pensamento evolucionista e o pensamento teleológico, que<br />

<br />

diretamente intelectuais como Hegel, Kant, Comte e Marx, que, assim,


¹O primeiro está relacionado ao descrédito<br />

nos grandes discursos explicadores<br />

dos atos humanos. E o segundo, a<br />

<br />

<br />

A A B E R T U R A P A R A<br />

O S E S T U D O S D E<br />

G Ê N E R O<br />

45<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

<br />

<br />

<br />

passa a demonstrar uma perspectiva histórica mais democrática, includente e<br />

revisionista (Silva, 2004).<br />

Sendo assim, percebeu-se um esgotamento da modernidade, a<br />

<br />

totalizantes, acabando com os valores, concepções e modelos tradicionais,<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

suspeita acabou por resultar em uma crise dos paradigmas modernos, a qual,<br />

<br />

critério de verdade epistemológica criada no Iluminismo, além dos modelos<br />

<br />

Portanto, nos últimos tempos os historiadores começaram a<br />

<br />

momento começou a ser denominado como pós-modernismo, com algumas<br />

controvérsias até os dias de hoje.<br />

<br />

<br />

<br />

consecutivas no campo da literatura, artes e ciências (Funari & Silva, 2008).<br />

<br />

<br />

<br />

incredulidade sobre as metanarrativas e a morte dos centros¹.<br />

<br />

<br />

insere a ideia de uma pós-modernidade, abrindo as portas, nos estudos<br />

<br />

<br />

o critério da subjetividade através de nomes como Nietzsche (1844 – 1900),<br />

<br />

<br />

apenas a história das mulheres, mas sim das relações dos dois sexos, homens<br />

<br />

<br />

surgimento da história das mulheres que essas outras categorias começaram<br />

a ser exploradas.<br />

A abertura para esse tipo de estudo aumentou abruptamente nos últimos<br />

<br />

Sociologia e Antropologia. Esse boom<br />

consequência de estudiosos como Michel Foucault e pelo espaço conquistado<br />

pelos estudos da História Cultural, mas, também, em grande parte, por


B O U D I C A : N O<br />

P A S S A D O E N O<br />

P R E S E N T E<br />

46<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

<br />

<br />

no quadro da sociedade e das novas condições assumidas por elas, as quais<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Sendo assim, é nesse palco de mudanças dos paradigmas das Ciências<br />

Humanas, crise da modernidade, das metanarrativas, dos essencialismos que<br />

<br />

<br />

<br />

se debates e problematizações sobre esse assunto dentro do pensamento<br />

intelectual acadêmico.<br />

<br />

sobre Boudica nas obras Anais, A vida de Agrícola e História de Roma. Diziam<br />

que ela tinha vivido no primeiro século depois de Cristo, durante a presença<br />

<br />

Iceni, junto com seu marido Prazutago.<br />

<br />

contratempos entre eles se iniciaram depois da troca de governante da<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

do Império.<br />

A estratégia da guerreira iniciou-se enquanto os romanos estavam<br />

guerreando contra uma tribo de druidas na ilha de Mona. Ela, junto com<br />

sua tribo e os Trinovantes, iniciaram um ataque contra Camulodunum, atual<br />

<br />

<br />

A investida dos romanos contra a tribo de druidas aconteceu devido ao<br />

<br />

<br />

<br />

romanos investiram um ataque contra eles.<br />

Os escritores da Antiguidade, que escreveram sobre ela, tinham como<br />

<br />

<br />

mulher como governante e muito menos como comandante de um exército.<br />

<br />

<br />

sua liderança.


U T I L I Z A Ç Õ E S<br />

D A F I G U R A D E<br />

B O U D I C A<br />

47<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

assim, autores e artistas readaptaram essa mesma história, em muitos casos,<br />

<br />

<br />

<br />

Por muito tempo, muitas governantes mulheres que a Inglaterra teve<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

sendo retratada como uma mulher patriota que lutou bravamente contra<br />

<br />

galeses eram considerados descendentes diretos dos Bretões, ela acabou por<br />

<br />

e contrastes (MIKALACHKI, 1998).<br />

<br />

The History of Great<br />

Britaine; outra obra que segue com o mesmo viés é The exemplary lives and<br />

memorable acts of nine the most worthy women of the word, de 1640, do autor<br />

<br />

Posteriormente, depois da morte de Elizabeth, Boudica ainda era<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

nelas, as mulheres tinham papéis negativos, além de mostrar que Boudica<br />

era totalmente inadequada para lidar com negócios masculinos, como por<br />

<br />

gloriosos quando se juntaram aos romanos (WILLIAMS, 1999; CRAWFORD,<br />

1999).O caráter negativo que Fletcher dá a Boudica teve maiores impactos nos<br />

50 e 100 anos posteriores a estréia de sua peça.<br />

Boadicea,<br />

<br />

<br />

Fletcher.<br />

<br />

<br />

aspecto chama-se Complete History of England, de 1757, de Tobias Smollett. A<br />

<br />

<br />

Império Britânico, ou seja, para demonstrar as origens e a grandeza do passado<br />

<br />

Nesse contexto, William Cowper, 1782, escreve a obra Boudicea: an<br />

ode


48<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

1870.<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

a maioria eram obras indicadas para crianças.


49<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

<br />

<br />

dela e suas ações do passado, contada pelos antigos romanos, o uso de sua<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

como se avançasse sobre o parlamento.<br />

-<br />

morating-boadicea-1908,<br />

18/09/2011)<br />

<br />

1914<br />

<br />

crachá, e com o nome de Boadicea<br />

<br />

<br />

<br />

reivindicações do movimento.<br />

Até os dias de hoje, a estátua de Boudica é utilizada por grupos<br />

<br />

denominado Climate Rush, que além de lutarem pelos direitos das mulheres,


50<br />

<br />

C O N C L U S Ã O<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

<br />

o movimento também tem a presença de homens como militantes e ainda<br />

Deeds not Words <br />

palavras.<br />

Foto com o nome: Boudicca agrees, “deeds not words”<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

nacional.


51<br />

B I B L I O G R A F I A<br />

COWPER, W. 1980. Boadicea: an ode, In: J. D. Baird and C. Ryskamp (ed.) The poems of William Cowper, Oxford, Clarendon Press. 1:1748 – 82,<br />

<br />

Fletcher’s the tragedie of Bonduca and the anxieties of the masculine government of James I, Studies in English literatu-<br />

<br />

<br />

‘Bonduca’, In: F. Bowers (ed.) The dramtic works in the beaumont and Flecher canon<br />

<br />

Boadicea<br />

The legacy of Boadicea: gender and nation in early Modern England, London, Routledge.<br />

Pós-modernismo.<br />

Gênero em questão – apontamentos para uma discussão teórica. Mnme – <strong>Revista</strong> virtual de Humanidades, Dossiê História Cul-<br />

<br />

SMOLLETT, T. 1758. A complete history of England from the descent of Julius Caesar to the treay of aix la capelle.<br />

<br />

TACITUS, C. The annals of Imperial Rome<br />

Boudica: the British revolt against Rome<br />

WILLIAMS, C. 1999. This frantic woman: Boadicea and English neo-classical embarrassment<br />

<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011


A U T O R<br />

Rossano Lopes Bastos<br />

Arqueólogo do IPHAN, Livre docente em arqueologia brasileira,<br />

professor convidado do MAE/USP, catedrático da Universidade de<br />

Coimbra/PT, Instituto Politécnico de TOMAR/PT e Universidade<br />

Trás-os-Montes/PT.<br />

Contato: rossano.lopes.bastos@hotmail.com<br />

R E S U M O<br />

C O N S I D E R A Ç Õ E S<br />

I N I C I A I S : O S<br />

C O N C E I T O S<br />

52<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

R E G I S T R O A R Q U E O L Ó G I C O<br />

COMO INSTRUMENTO DE MEMÓRIA SOCIAL<br />

O presente artigo procura jogar luzes sobre a temática do patrimônio<br />

<br />

instrumento de memória social. Procura abordar suas novas formas e<br />

entendimentos atualizados para os tempos pós-modernos. Assim, o texto<br />

parte dos conceitos originários de patrimônio e segue procurando cotejar com<br />

sua base legal contida nas legislações ordinárias e infraconstitucionais por um<br />

caminho que possibilite uma interpretação mais arrojada e comprometida com<br />

os grupos vulneráveis. Por outro lado, explicita a formação de um conjunto<br />

de registros arqueológicos históricos até bem pouco tempo desdenhado<br />

pela arqueologia brasileira. A matriz transversal utilizada como abordagem<br />

traz elementos essenciais ao debate para a arqueologia pública no Brasil, no<br />

<br />

<br />

de 1988, que os direitos culturais são direitos humanos fundamentais, uma<br />

vez que o patrimônio cultural base essencial destes direitos ungido por todas<br />

as formas de expressão, manifestação e saber constitui na sua matriz a força<br />

motriz do pertencimento que estabelece nossas identidades e caracteriza os<br />

bens culturais com bens de uso público, de todo o povo brasileiro.<br />

Palavras-chave: Patrimônio, arqueologia, memória.<br />

Para iniciar nosso texto, consideramos importante frisar os conceitos<br />

que nortearam nosso pensamento na elaboração deste artigo, já que o texto<br />

almeja mostrar a importância do registro arqueológico enquanto instrumento<br />

para a construção da memória social.<br />

O conceito de Patrimônio Cultural<br />

<br />

Constituem Patrimônio Cultural Brasileiro os bens de natureza<br />

material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores<br />

de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos<br />

<br />

urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,


ta_de_Lausanne_1990.pdf<br />

Data de<br />

<br />

53<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

<br />

<br />

coletiva”, a qual designava o conjunto de bens de valor cultural que passaram<br />

a ser propriedade da nação, ou seja, do conjunto de todos os cidadãos.<br />

O Patrimônio Histórico no Brasil tem sua origem orgânica no projeto<br />

<br />

<br />

denominava Patrimônio Histórico. Acompanhando o pensamento de Marly<br />

<br />

O patrimônio Histórico é uma vertente particular da ação<br />

desenvolvida pelo poder público para a instituição da memória social.<br />

O patrimônio se destaca dos demais lugares de memória uma vez que o<br />

<br />

às disputas econômicas e simbólicas que o tornam um campo de exercício<br />

de poder.<br />

Dito isso, podemos entender que o Patrimônio Histórico, mais do que<br />

um testemunho do passado, é um retrato do presente, uma expressão das<br />

possibilidades políticas dos diversos segmentos sociais, expressos em grande<br />

parte pela herança cultural dos bens que materializam e documentam sua<br />

presença, sua marca no fazer histórico da sociedade.<br />

O patrimônio não é, porém uma representação de todos. Este modo de<br />

concebê-lo resultou de um momento histórico no qual os bens protegidos<br />

<br />

<br />

variada, se deslocando da nação para a sociedade, portanto com um novo<br />

estatuto interventivo. A política do patrimônio aparece como um elemento<br />

do modernismo funcionalista, pois ela participa de um zoneamento funcional<br />

dos espaços, atribuindo-se a alguns as funções “Patrimoniais”.<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

a apresentação de projetos de arqueologia em todo território nacional e<br />

consolida-se com as Portarias IPHAN 230/02 e 28/03, respectivamente que<br />

compatibiliza as fases do licenciamento ambiental aos processos arqueológicos<br />

e dispõe sobre os estudos arqueológicos de diagnóstico para licenças de<br />

operação em empreendimentos hidrelétricos antigos que não foram objeto<br />

de pesquisas arqueológicas preventivas.<br />

O patrimônio arqueológico compreende a porção do patrimônio material<br />

para o qual os métodos de arqueologia fornecem conhecimentos primários.<br />

Engloba todos os vestígios da existência humana e interessam todos os<br />

lugares onde há indícios de atividades humanas, não importando quais sejam<br />

elas, estruturais e vestígios abandonados, na superfície, no subsolo ou sob as<br />

<br />

O patrimônio arqueológico, segundo Mendonça de Souza e Souza


54<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

caracterizado como o conjunto de locais em que habitaram as<br />

populações pré-históricas, bem como toda e qualquer evidência das<br />

atividades culturais destes grupos pretéritos e inclusive seus restos<br />

biológicos. O patrimônio arqueológico é assim integrado não só por<br />

<br />

<br />

pelas informações deles dedutíveis a partir, por exemplo, da sua própria<br />

disposição locacional, das formas adotadas para ocupação do espaço e<br />

dos contextos ecológicos selecionados para tal.<br />

<br />

diferentemente de outros sistemas não comporta restauração, sua capacidade<br />

<br />

<br />

uma preocupação constante em obras e empreendimentos de potencial dano<br />

<br />

O registro arqueológico<br />

O registro arqueológico tem sua delimitação legal contida em diversas<br />

normas pelo mundo. Comparece nas preocupações da UNESCO, tem lugar<br />

<br />

<br />

sua amplitude e proteção. No Brasil, o registro arqueológico tem sua primeira<br />

<br />

<br />

ser objeto do procedimento de Tombamento. Este procedimento que se<br />

constitui do instrumento do tombamento se demonstrou ao longo do tempo<br />

<br />

Desde a edição do decreto lei de tombamento poucos foram os sítios<br />

arqueológicos tombados e os que foram tem resultados, enquanto proteção,<br />

bastante duvidoso. Um exemplo disto é o sítio arqueológico tipo sambaqui<br />

denominado Pindaí, localizado próximo a São Luiz, no Maranhão, que hoje<br />

ainda tombado tem sobre ele uma rodovia, um loteamento e um bairro.<br />

<br />

arqueológicos e pré-históricos” é emblemática, pois vem suprir uma lacuna<br />

<br />

<br />

<br />

do patrimônio arqueológico foi editada primeiramente no Estado de São<br />

Paulo em 1955, em função de pesquisadores e intelectuais da Universidade<br />

de São |Paulo.<br />

<br />

<br />

dezembro de 1988 da portaria IPHAN nº 230/02 e ainda da Portaria 28/03.<br />

Dentro desse escopo temos uma circunstância histórica para a formulação<br />

<br />

circunscreviam o objeto arqueológico. Uma das demandas mais polêmicas a<br />

época era a temática ligada à naturalidade ou a culturalidade dos sambaquis.<br />

Sítios arqueológicos de populações pré-históricas, que tinham uma dieta


55<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

baseada nos frutos do mar, notadamente com a primazia dos peixes e que<br />

construíam enormes montes com carapaças de moluscos. Na perspectiva da<br />

época em que vigoravam conceitos ainda não muito sólidos sobre as categorias<br />

dos sítios arqueológicos, os sambaquis geraram dúvidas e intenso debate, em<br />

especial as com questões relacionadas com a sua importância cultural.<br />

O registro arqueológico hoje é considerado uma assinatura material das<br />

ações resultantes da atividade humana que resistiram no tempo e no espaço.<br />

Ressalte-se que com o avanço da compreensão sobre a construção do passado<br />

e sua natureza identitária perante a humanidade, a sociedade em busca de<br />

símbolos de pertencimento e memória, também passaram a considerar como<br />

<br />

lugares e espaços que foram utilizados pela humanidade, assim como para<br />

<br />

<br />

de volume e dinâmica espacial pelos arqueólogos. A utilização de grutas,<br />

abrigos sob rochas, cavernas ou cavidades subterrâneas, lugares de combate,<br />

<br />

são entre outros, exemplos de locais que foram utilizados pela humanidade,<br />

<br />

<br />

Entretanto, os estudos arqueológicos de matriz transversal têm ocupado<br />

<br />

sociedade e com a inclusão social dos grupos vulneráveis e, desta forma,<br />

tem apontado para a multiplicidade de sítios arqueológicos até então<br />

desconhecidos pela população e relegados ao plano do esquecimento da<br />

maioria dos arqueólogos brasileiros, até bem pouco tempo atrás.<br />

<br />

De que maneira nós poderíamos compatibilizar, harmonizar e<br />

conscientemente optar por incorporar à nossa trajetória cultural àqueles<br />

<br />

próprios para o progresso tecnológico e material e que venham ao longo<br />

<br />

personalidade?<br />

Essa pergunta parece que não quer calar, é atual e remete a uma discussão<br />

ampla que demanda tensões, pela natureza teórica e de entendimento do que<br />

se constituem as bases efetivas do patrimônio cultural arqueológico em toda<br />

sua extensão. Durante muito tempo, e este tempo remete ao atual, estabeleceu-<br />

<br />

campo arqueológico, que se denominou o campo da arqueologia histórica. A<br />

<br />

e interesse, principalmente dentro da academia que só muito recentemente<br />

<br />

IPHAN, a matéria é controversa, em especial com os arquitetos, e encontra


<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

conhecimento, o mesmo viés não se dá com a arquitetura, onde a preferência<br />

<br />

<br />

Entretanto, passo fundamental foi dado, no sentido de oferecer<br />

instrumentos para o estabelecimento de uma política para a arqueologia<br />

histórica, durante o “Seminário Internacional de Reabilitação Urbana de Sítios<br />

Históricos”, realizado em dezembro de 2002, pelo Departamento de Proteção<br />

<br />

A organização do referido seminário distribuiu as discussões por grupos<br />

de trabalhos e o grupo de trabalho nº 4 foi intitulado “<strong>Arqueologia</strong> aplicada ao<br />

processo de reabilitação”. A temática proposta já sinalizava em certa medida a<br />

compreensão dos organizadores de um dos lugares que deve ter a arqueologia.<br />

Esta constatação ganha contornos precisos e importantes levando-se em<br />

consideração que o seminário em tela foi organizado pelo Instituto do<br />

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, autarquia federal responsável pelas<br />

políticas de preservação dos bens culturais no território nacional. Se por um<br />

lado, mostra a preocupação dos organizadores em discutir a participação da<br />

arqueologia no processo de reabilitação urbana de sítios históricos, por outro,<br />

entende a disciplina como auxiliar ao processo de reabilitação com matrizes<br />

arquitetônicas, não reconhecendo nela o papel de agente fundamental<br />

<br />

Estas limitações, muitas vezes, estão na raiz dos problemas enfrentados pela<br />

arqueologia nos dias de hoje.<br />

Um esforço semelhante mais pouco divulgado no âmbito do IPHAN, e<br />

realizado no mesmo ano do Seminário Internacional de Reabilitação Urbana<br />

de Sítios Históricos, é o Manual de <strong>Arqueologia</strong> Histórica para projetos<br />

de restauração, elaborada pela arqueóloga Rosana Najjar para o projeto<br />

Monumenta/BID. Esta situação de falta de extroversão da produção realizada<br />

é característica de um descompasso entre o IPHAN, a academia e a sociedade.<br />

Dentro desta perspectiva, retomando o grupo de trabalho do Seminário<br />

Internacional de Reabilitação Urbana, que discutiu a arqueologia aplicada<br />

ao processo de reabilitação, estamos falando da proposição mais arrojada<br />

formulada até hoje no IPHAN para discutir a questão. Neste sentido, vale<br />

ressaltar as suas conclusões, que apontam para recomendações que objetivam<br />

a formatação de conduta para o desenvolvimento de projetos em áreas<br />

urbanas históricas.<br />

A formulação ali apresentada pretende ser uma contribuição para a<br />

<br />

e manejo de áreas protegidas ou não. A primeira constatação foi de que os<br />

sítios arqueológicos situados em áreas urbanas podem tanto ser históricos<br />

como pré-históricos. Os sítios arqueológicos pré–históricos, tanto na cidade<br />

como no campo, encontram-se contemplados para efeitos de proteção na<br />

<br />

históricos.<br />

<br />

arqueológico, segundo o capítulo II, item um do decreto – lei nº 25 de 30 de


<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

Sítio arqueológico histórico em áreas urbanas são espaços<br />

<br />

processo de ocupação do território pós-contato. Este tema será retomado<br />

mais a frente com sua devida caracterização.” Seminário Internacional de<br />

Reabilitação Urbana,2002 IPHAN.Brasília.<br />

Um novo momento da disciplina arqueológica logrou estabelecimento<br />

no Brasil, a partir da edição da Portaria IPHAN 230/02. Quando ocupávamos<br />

<br />

disciplinou os estudos arqueológicos no âmbito dos Estudos de Impactos<br />

Ambientais e respectivos Relatórios de Estudos Impactos Ambientais,<br />

que atendem pela sigla de EIA/RIMA, RAS, RAP, PCA, PBA, entre outras. A<br />

implantação formal dos estudos arqueológicos preventivos, cercado pela<br />

normalização federal abriu espaços para a elaboração de novas práticas<br />

relacionadas à arqueologia preventiva. No campo do registro arqueológico<br />

podemos observar o comparecimento cada vez maior de sítios arqueológicos<br />

de diferentes épocas e de distintas categorias de representatividade da<br />

memória que constitui os elementos formadores da identidade social do Brasil.<br />

Sendo assim, o conceito de registro arqueológico tem sido alargado para<br />

contemplar todos os seguimentos que compõem a memória social do Brasil.<br />

<br />

<br />

haveria sempre apenas o presente, não haveria prolongamento do passado<br />

atual, não haveria evolução, não haveria duração concreta. A duração e o<br />

progresso continuam do passado que rói o porvir e incha na medida em que<br />

avança. Uma vez que o passado cresce incessantemente, também se conserva<br />

<br />

numa gaveta e inscreve¬-las num registro pura e simplesmente. Não há<br />

registro, não há gaveta, não há aqui propriamente falando, sequer faculdade,<br />

pois uma faculdade se exerce de forma intermitente, quando quer ou quando<br />

pode, ao passo que a acumulação do passado sobre o passado prossegue sem<br />

trégua. Na verdade o passado se conserva por si mesmo, automaticamente,<br />

o que nos cabe é exorcizá-lo, depurá-lo, para que ele não retorne enquanto<br />

tragédia.<br />

Precisamente, e debruçado sobre o presente que ele irá se juntar,<br />

forçando a porta da consciência que gostaria de deixá-la de fora. Trata-se de<br />

recuperar uma lembrança, de evocar um período de nossa historia. A verdade<br />

é que jamais atingiremos o passado se não nos colocarmos nele de saída.<br />

Entre as doenças da memória a que é mais danosa a sociedade é aquela que<br />

insiste em ser esquecida.<br />

Não há nada mais simples que a explicação deles, em queimar os<br />

documentos da época escravidão brasileira, em sumir com pessoas, não há<br />

nada mais simples que subtrair das gerações futuras sua memória ancestral.<br />

Se elas desaparecem da memória é porque os elementos antagônicos em que<br />

repousavam a ação foram alterados ou destruídos.<br />

Aqui estamos falando do dano intergeracional que, conforme Lemos<br />

<br />

<br />

diminuição, total ou parcial de elemento, ou de expressão, componente da


P A T R I M Ô N I O<br />

A R Q U E O L Ó G I C O E A S<br />

F O R M A S J U R Í D I C A S :<br />

D I R E I T O S C U L T U R A I S<br />

E N Q U A N T O D I R E I T O S<br />

H U M A N O S .<br />

O S S U P O R T E S L E G A I S<br />

58<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

estrutura e bens psíquicos, físicos, morais ou materiais.<br />

<br />

não é só um entendimento teórico, ao contrário, é o único meio de trazer<br />

efetividade ao exercício dos direitos culturais.<br />

No Brasil podemos dizer sem medo de cometer injustiças que direitos<br />

<br />

da sociedade, políticos e também por parte do judiciário, visto no conjunto,<br />

bastante conservador. Infelizmente, essa conduta não exceção, é regra.<br />

Queremos aqui estabelecer um campo de entendimento do que seja<br />

conservador. Isto é, aquele entendimento da lei que prima pela primorosa<br />

observância do conteúdo escrito, sem levarmos em consideração as opções<br />

<br />

formulações interpretações socialmente mais justas na medida em que<br />

avançam as conquistas dos movimentos sociais.<br />

No Brasil, em particular, nas questões ambientais que envolvem a<br />

construção e operação de empreendimentos hidrelétricos de grande porte,<br />

que em geral desloca centenas, às vezes milhares de famílias de seus territórios<br />

constituídos para lugares sem memória. Na esteira dessas intervenções surgiu<br />

<br />

Barragem não”, que poderia muito bem ter a variante terra sim, enchente não.<br />

O MAB foi responsável por grandes conquistas para os agricultores rurais,<br />

moradores, posseiros e proprietários das áreas inundadas para a construção<br />

dos reservatórios das empresas geradoras de energia.Cabe lembrarmos que<br />

os grandes reservatórios, pertencem à ideologia do Brasil grande, oriundo do<br />

<br />

direitos culturais eram pauta vencida.<br />

Desta forma, aqui discorreremos sobre os direitos culturais enquanto<br />

direitos humanos. Antes, porém, gostaríamos de fazer uma advertência<br />

teórica de fundo ideológico, para deixar explicitada a nossa posição no campo<br />

do exercício dos direitos. Em princípio, todos os direitos são humanos, aqui<br />

entendidos enquanto prática social para o favorecimento da organização das<br />

sociedades.<br />

Queremos deixar ainda consignado que a sua organização, digo do direito<br />

enquanto prática social, está sujeita a uma complexidade de forças políticas,<br />

que atuam ora tencionando o arranjo institucional, ora distencionando<br />

demandas represadas de determinado seguimento social organizado.<br />

A ideia aqui não é sermos excessivos, mas apenas deixarmos registrados<br />

que existemarcos legais que atendem satisfatoriamente as demandas de<br />

preservação do patrimônio cultural arqueológico.<br />

A nossa constituição elencou um conjunto muito interessante de<br />

leis para a proteção da cidadania cultural. Também devemos marcar que a


C O N S I D E R A Ç Õ E S<br />

F I N A I S<br />

59<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

<br />

que sinalizavam para a preservação do patrimônio cultural arqueológico.<br />

Dentro do espectro que reúne o patrimônio cultural, legítima categoria<br />

dos direitos culturais, escolherá aqui o patrimônio arqueológico, pois nos<br />

parece dentre as inúmeras distinções aquele que mais reúne elementos e<br />

pode ter uma amplitude que contemple vários seguimentos do pensamento<br />

patrimonial e suas relações com os direitos humanos.<br />

A arqueologia por si é uma disciplina em constante formação e<br />

transformação, toma emprestado tanto na rigidez do pensamento cartesiano<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

ciências arqueológicas. Para adentrar nesse seara convém delimitar nosso<br />

campo de entendimento da transdisciplinaridade, condição sinequa non para<br />

operar a religação dos saberes tão essencial para compreensão das práticas<br />

arqueológicas.<br />

<br />

retomadas para a construção de novos postulados, onde são recuperados<br />

sentidos, valores, sentimentos, pensamentos e ações, descartadas ou<br />

supostamente superadas em momentos anteriores e as reintegramos no<br />

cenário do conhecimento.<br />

Neste sentido, a arqueologia brasileira toma para si, a partir de outros<br />

<br />

nova geração de pesquisadores/educadores, mais conectados com a inclusão<br />

social e com o conhecimento emancipatório, que devemos esperar para uma<br />

arqueologia verdadeiramente pública e de acesso comum a todos.


B I B L I O G R A F I A<br />

Cartas de Trabalho-correspondência com Rodrigo Melo Franco de Andrade (1936-1945)-<br />

<br />

BASTOS, Rossano Lopes e TEIXEIRA, Adriana. Normas e Gerenciamento do Patrimônio Arqueológicoza,<br />

M. C. IPHAN. 2ª edição 2008. São Paulo/SP.<br />

BASTOS, R. L. Representações Sociais, Patrimônio Arqueológico e Preservação<br />

Uma viagem nas representações socias. Universidade federal de \Santa Ca-<br />

<br />

<br />

BERGSON, Henri. Memória e vida textos escolhidosGiles Deleuze<br />

<br />

IPHAN, Seminário Internacional de Reabilitação Urbanade Sítios Históricos. Brasília, 2002<br />

Meio ambiente e responsabilidade civil do proprietário<br />

2008.<br />

Construções do passado: Concepções sobre a Proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Brasil:<br />

anos 70 –80)<br />

MACHADO, P. A. L.. Direito Ambiental Brasileiro. 14º edição, revista, atualizada e ampliada. Malheiros editores LTDA. São<br />

<br />

MAGALHÃES, A. E Triunfo? A Questão dos Bens Culturais no Brasil<br />

MENDONÇA DE SOUZA, A. A. C. & SOUZA,J.C. O patrimônio arqueológico da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.ISCB. Rio<br />

de Janeiro, 1981.<br />

KENSKY, V. M. A Formação do Professor-Pesquisador. In: Anais do Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino-<br />

<br />

KISS, A. C. La Notion da PatrimoineCommun de L´humanité<br />

<br />

RODRIGUES, Marly. De quem é o patrimônio? Um olhar sobre a prática preservacionista em São Paulo. <strong>Revista</strong> do Patrimônio<br />

<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011


61<br />

FUNARI, Pedro Paulo; PIÑON, Ana. A temática indígena na escola:<br />

subsídios para os professores. São Paulo: Editora Contexto, 2011.<br />

Aline Vieira de Carvalho<br />

Pesquisadora do NEPAM e coordenadora do<br />

Laboratório de <strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> Paulo Duarte<br />

– NEPAM/<strong>Unicamp</strong>.<br />

Contato: alinev81@gmail.com<br />

1 Para consultar o texto dos<br />

<br />

Nacionais: http://portal.mec.gov.<br />

br/seb/arquivos/pdf/livro051.pdf<br />

2 Este número foi publicado pelo<br />

Programa Povos Indígenas no Brasil<br />

e está disponível no site: http://<br />

pib.socioambiental.org/pt/c/0/1/2/<br />

populacao-indigena-no-brasil. É<br />

preciso destacar, como o próprio<br />

Programa sinaliza, que este número<br />

<br />

internas de cada um dos grupos<br />

indígenas listados.<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

Victor Henrique da Silva Menezes<br />

R E S E N H A<br />

Graduando em História pela Universidade<br />

Estadual de Campinas – e estagiário do<br />

Laboratório de <strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> Paulo Duarte<br />

– NEPAM/<strong>Unicamp</strong>.<br />

Contato: henrique.menezes92@gmail.com<br />

Porque seria necessário produzir um livro sobre a temática indígena em<br />

<br />

Nacionais 1 discutimos exaustivamente em nossas escolas (e em nossos<br />

projetos pedagógicos) a questão da cidadania, da pluralidade do patrimônio<br />

sociocultural brasileiro, da luta contra qualquer forma de discriminação baseada<br />

em diferenças culturais (e também diferenças de classe social, de crenças, de<br />

sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais), da pluralidade<br />

das memórias, entre outros temas onde, teoricamente, os grupos indígenas<br />

que compartilham o território que chamamos de Brasil estariam incluídos<br />

nos debates. Ou, mesmo nas Universidades, temas como o multiculturalismo,<br />

<br />

<br />

<br />

ao nos defrontar com o livro A temática indígena na escola: subsídios para os<br />

professores, publicado pela Editora Contexto (2011). A resposta, todavia, salta<br />

aos nossos olhos logo nas primeiras páginas.<br />

A obra, arquitetada para ser lida e discutida por um amplo público, e,<br />

em especial, professores, destaca o papel ativo do Estado Nacional brasileiro<br />

no apagamento das memórias relacionados aos nativos americanos. O foco,<br />

<br />

de que a leitura do tempo passado é sempre realizada sobre o viés do presente,<br />

os autores destacam como as memórias sobre os indígenas são vivenciadas nos<br />

dias de hoje e são projetadas para o passado. Por mais surpreendente que possa<br />

ser, expressiva parcela dos jovens estudantes brasileiros continuam a perceber<br />

<br />

<br />

existem no presente e, quando existem, estão nas ocas da Amazônia (p. 109).<br />

O completo desconhecimento dos 235 povos indígenas existentes no<br />

Brasil atual 2


62<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

ao último ano do século XV, a memória que nos resta é sempre do indígena<br />

vencido ou desimportante! No geral, as pessoas não se percebem com<br />

<br />

importantíssimas da convivência destes diferentes grupos culturais: do universo<br />

da alimentação (da mandioca à batata, do tomate ao chocolate, algumas das<br />

<br />

léxicos (Mogi, Caju, Pindamonhangaba, Anhanguera, entre tantos outros!)<br />

até a herança cultural do banho diário, os diálogos culturais entre os nativos e<br />

europeus são incomensuráveis e, constantemente, silenciados e esquecidos.<br />

O livro, neste contexto, apresenta-se como fundamental ao Brasil dos<br />

dias de hoje. E sua inovação está na característica de mostrar, partindo de uma<br />

linguagem acessível e de conhecimentos produzidos em diversas ciências, que<br />

nenhum desses esquecimentos e memórias são naturais. Ou seja, o livro tem<br />

como premissa que os mecanismos de exclusão não são estáticos, atemporais<br />

ou simplesmente dados. Por não terem datas e locais de nascimento, essas<br />

<br />

alteradas.<br />

Para a transformação, entretanto, é preciso ter conhecimento sobre<br />

esses poderes. O livro almeja suprir uma lacuna: oferecer uma visão plural<br />

e acessível sobre a constituição da temática indígena no Brasil. Para isso, os<br />

autores conceberam uma obra que se divide em quatro eixos temáticos (“As<br />

identidades”, “Os índios”, “A escola” e “A república”), e, em sua base, trabalha<br />

com a proposta de que não existem raças, mas apenas a raça humana.<br />

Criticando, dessa forma, a contraposição entre “índios” e “brancos” como<br />

categoria de tipo racial, os autores iniciam o livro com a polêmica discussão<br />

acerca de quando se principia a História do Brasil. A história do continente<br />

americano tem sido narrada a partir de uma perspectiva européia, o que<br />

pode ser observado, por exemplo, quando é difundida a ideia de que a nossa<br />

história teria iniciado em 1500 com a chegada dos portugueses ou até mesmo<br />

em 1140 no momento de formação do Estado de Portugal. Tais abordagens na<br />

maioria das vezes acabam por excluir o fato de que bem antes de 1500 essas<br />

terras já haviam sido povoadas. Partindo desse pressuposto, Funari e Piñón<br />

inserem uma crítica quanto à forma que este tema é trabalhado dentro de<br />

<br />

<br />

país – “esquecem” de levar em consideração a (pré) e/ou história desses povos<br />

que aqui habitavam como um dos agentes que contribuem para a formação<br />

<br />

a ideia – presente em muitas pessoas, como mostra a pesquisa feita pelos<br />

autores e exposta no livro – de que a parte do continente que constituiria<br />

nosso país só passara a ser povoada com a chegada dos europeus.<br />

Após essa breve discussão, nos capítulos que se sucedem, os autores<br />

<br />

indígenas, como por exemplo, Tupinambás (os descendestes do ancestral),<br />

Tupiniquins (o galho do ancestral), Tupi (ancestral), Guarani (guerreiro), Inca<br />

<br />

ao mesmo tempo, a ideia de que todos aqueles que habitavam o continente<br />

antes de 1492 formavam um único povo. Funari e Piñón salientam que esses<br />

povos se autodenominavam “(…) de milhares de maneiras, cada povo a seu


63<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

<br />

<br />

culturais.<br />

Os autores tiveram também a preocupação em explicar alguns termos<br />

técnicos e conceitos que já foram utilizados, ou ainda são, nos estudos que<br />

versam sobre os povos indígenas, como “assimilação” (p.22), “aculturação” (p. 24),<br />

“modelo normativo” (p. 24), “etnogênese” (p. 26), “transculturação” (p. 26), “olhar<br />

antropológico” (p. 30), “desnaturalização” (p. 30), “abordagens culturalistas” (p.<br />

44), “deculturação” (p. 72), “americanismos” (p. 95) e “invisibilidade do indígena”<br />

(p. 110). Essa estratégia de explicação de conceitos básicos nos estudos de<br />

determinados campos, tão presente nos demais trabalhos de Funari, mostrou-se<br />

<br />

parte do leitor de como o tema em questão deve ser estudado, além de auxiliar<br />

no entendimento das diferentes maneiras que o índio já foi apresentado a partir<br />

de conceitos tão fortes como estes; o que faz com que o leitor acompanhe<br />

as críticas relacionadas à abordagem da temática indígena que os autores<br />

constroem no decorrer da narrativa.<br />

Há uma valorização das pesquisas arqueológicas, o que não poderia faltar<br />

em um livro escrito por arqueólogos que tem uma profunda preocupação<br />

em introduzir em seus trabalhos os estudos realizados com comunidades do<br />

passado e do presente através de sua cultura material. Pois, como enfatiza Funari<br />

<br />

e que, portanto, vale a pena ver o que descobriram e anotaram os arqueólogos”<br />

(p. 34), sendo que “(…) os vestígios arqueológicos podem mostrar como eram<br />

as aldeias indígenas, as ocas e a estrutura arquitetônica de importantes centros<br />

como as cidades maias ou as estradas incas, nos Andes, as melhores do mundo<br />

no século XV” (p. 37).<br />

A trajetória do homem e povoação da América é trabalhada a partir das<br />

teorias difundidas pelas arqueólogas Maria Conceição Beltrão e Niède Guidon, e<br />

<br />

de que nas sociedades caçadoras e coletoras havia necessariamente uma divisão<br />

de tarefas por sexo, ou seja, que o homem era o caçador e a mulher a que fazia<br />

a coleta e que, por isso, o homem seria hierarquicamente superior à mulher (p.<br />

46) é fortemente criticada pelos autores que trabalham com a ideia de que “(…)<br />

nem todas as sociedades indígenas eram (ou são) patriarcais” (p. 48). Partindo<br />

<br />

mulheres sejam levadas à sala de aula, pois o tema do protagonismo social das<br />

<br />

Funari e Piñón, caberia comentar sobre a diversidade de sexualidades registrada<br />

em tribos indígenas, onde pesquisas têm mostrado a existência de sociedades<br />

indígenas que reconheciam mais do que dois sexos (p.49).<br />

<br />

indígenas que deveriam ser inseridas nas salas de aulas, os autores discutem<br />

e criticam a forma que a temática indígena foi tratada quando introduzida nos<br />

livros didáticos a partir de 1943, em que “(…) os índios eram quase sempre<br />

enfocados no passado e apareciam, muitas vezes, como coadjuvantes e não<br />

como sujeitos históricos, à sombra da atividade dos colonos europeus” (p. 97),<br />

e a “(…) colonização do continente americano pelos indígenas praticamente<br />

não era mencionada e os índios eram descritos por meio da negação de traços


64<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

<br />

tecnologia” (p. 98). Situação esta que só mudou a partir da segunda metade<br />

dos anos 1990 onde buscou-se a universalização da escola fundamental de oito<br />

anos e a valorização da diversidade cultural, o que resulta então na produção<br />

de novos materiais didáticos no qual passa a ser tratado com maior atenção<br />

temas indígenas, apresentando “(…) a povoação do continente como um tema<br />

em discussão pelos pesquisadores, com a apresentação de diversas teorias, o<br />

que favorece uma visão crítica sobre o conhecimento histórico por parte de<br />

estudantes” (p. 100).<br />

Uma observação por parte dos autores que é importante destacar, é que,<br />

apesar da maior atenção dada nos livros didáticos e de novas políticas por<br />

parte do Ministério da Educação e das Secretarias Estaduais de Educação em<br />

relação à temática indígena, é perceptível que entre os estudantes ainda há<br />

<br />

uma pesquisa feita em escolas do Rio de Janeiro, Niterói, Campinas e Natal, dos<br />

sextos aos nonos anos do Ensino Fundamental, e que Funari e Piñón apresentam<br />

<br />

um terço dos entrevistados não souberam mencionar nenhuma tribo, que 73%<br />

consideram que os índios estão no Brasil desde 1500 e que quando questionados<br />

sobre a proveniência dos índios, que apenas 16% responderam que vieram da<br />

Ásia, única resposta que corresponde aquilo que está nos livros didáticos, que<br />

como explicam os autores, “(…) já deveriam ter sido incorporadas pela maioria<br />

dos estudantes, mas ainda não foi.” (p. 108), o que demonstra avanços e limites<br />

das políticas educacionais dos últimos anos (p. 109).<br />

<br />

vitórias que a introdução na escola da temática indígena obteve foi fazer com<br />

que os estudantes passassem a se ver como descendentes de índios, algo que<br />

no passado não era visto no país, onde tentava-se apagar a nossa memória<br />

indígena, e que agora, “(…) o fato de que muitas crianças reconheçam ter<br />

parentes indígena mostra como a valorização do indígena, apesar de todos os<br />

problemas, avançou no nosso país” (p. 111); concluindo que “(…) a escola, por<br />

seu papel de formação da criança, adquire um potencial estratégico capaz de<br />

atuar para que os índios passem a ser considerados não apenas um “outro”, a ser<br />

<br />

deste nosso maior tesouro: a diversidade.” (p. 116).<br />

Uma obra inovadora, A temática indígena na escola: subsídios para os<br />

professores, constitui um riquíssimo trabalho de pesquisa e escrita por parte de<br />

Funari e Piñón e que é certo que terá grande aceitação entre os professores das<br />

redes públicas e privadas que há muito carecem de um trabalho como este, que<br />

é provável que lhes sirva de inspiração e auxílio para que repensem a forma<br />

como têm tratado a temática indígena na sala de aula ou até mesmo como eles<br />

têm colocado o índio na história quando está dando uma aula de História do<br />

Brasil ou da América. Para a próxima edição, sinaliza-se, todavia, a necessidade<br />

do maior cuidado editorial em relação às imagens: muitas não possuem legenda,<br />

créditos ou autoria.<br />

Independente do cuidado editorial, podemos concluir que está é uma obra


3 Schiavetto, Solange Nunes<br />

de Oliveira. “A questão étnica<br />

no discurso arqueológico: a<br />

<br />

indígena minoritária ou inserção<br />

na identidade nacional?” (p.85). In:<br />

Funari, PP.; Orser, C. Jr.; Schiavetto, S.<br />

N. de O. (orgs). Identidades, discurso<br />

e poder: estudos da arqueologia<br />

<br />

Fapesp. São Paulo, 2005.<br />

65<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

<br />

ligado à sociedade, agindo com e para ela” 3 . Assim, o engajamento do livro<br />

segue no sentido de contribuir com a construção de meios que permitam a<br />

<br />

<br />

Índio” foi se transformando em uma categoria essencializada, discriminada e<br />

silenciada ao longo de nossa história.


P E R S P E C T I VA S D A A R Q U E O L O G I A P Ú B L I C A<br />

N O B R A S I L E E M C U B A<br />

<br />

Lourdes Dominguez<br />

<br />

<br />

da Universidade Estadual de Campinas.<br />

Contato: chinopelon36@gmail.com.<br />

66<br />

R E S U M O<br />

I N T R O D U Ç Ã O<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011<br />

A presente entrevista tem como objetivo analisar como a <strong>Arqueologia</strong><br />

<strong>Pública</strong> é entendida pela intelectual Lourdes Dominguez, reconhecida estudiosa<br />

cubana que desenvolve diversos trabalhos em parceria com universidades<br />

brasileiras. No decorrer do texto, aborda-se também a trajetória acadêmica da<br />

professora, assim como o desenvolvimento da <strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> em Cuba e<br />

as aproximações possíveis entre esse país e o Brasil.<br />

Palavras Chave: <strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong>, Brasil, Cuba.<br />

E N T R E V I S TA<br />

<br />

Isabela Backx<br />

Aluna de mestrado do Programa de Pós-<br />

Graduação <br />

da <strong>Unicamp</strong> e pesquisadora colaboradora<br />

do Laboratório de <strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> da<br />

<strong>Unicamp</strong>.<br />

Contato: isabela_backx@yahoo.com.br.<br />

A <strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> vem a cada ano alcançando novas possibilidades<br />

e perspectivas. Desenvolvendo-se como um campo de estudos interdisciplinar,<br />

tem como um de seus principais objetivos possibilitar a interação da sociedade<br />

<br />

de recuperação e preservação de sua própria história. Para entender melhor<br />

essas questões, a professora Lourdes Dominguez cedeu-nos gentilmente<br />

<br />

perspectiva sobre o desenvolvimento dessa ciência em outro país e de possíveis<br />

interações entre Cuba e Brasil.<br />

<br />

<br />

anualmente para atuar como professora visitante na Universidade Estadual<br />

de Campinas, além de desenvolver diversos projetos com outras instituições.<br />

Dentre estes, ministra cursos no Laboratório de <strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> (<strong>Unicamp</strong>),<br />

palestras na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e na Universidade Federal<br />

de Alfenas (UNIFAL), entre outras.


Isabela Backx: Para empezar, podrías contarnos un poco acerca de tu carrera académica.<br />

¿Cómo empezaron tus estudios en Arqueología?<br />

67<br />

Lourdes Dominguez:<br />

Te voy a contar que fue algo muy interesante, de pura casualidad. Yo me interesaba<br />

mucho por todo lo que es el problema indígena en América latina, sobre todo<br />

en las primeras etapas. Desde el triunfo de la revolución eso fue una cosa nueva, que<br />

me impactó. O sea, las comunidades que vivían todavía, sus papeles de desarrollo<br />

histórico en América, etc. Todas esas cosas me gustaron, y eso era muy difícil de<br />

estudiar en mi país en ese momento. Años 60, acabábamos de empezar todo el proceso<br />

revolucionario, y fue difícil encontrar algo que me ayudara, pues la sociología<br />

no la habían abierto la universidad. Traté de estudiar otras carreras pero por razones<br />

de obrería, o sea, un examen que no podría hacer, la matemática que soy muy mala<br />

y todo eso, por eso resolví estudiar historia.<br />

La historia me ha abierto un mundo inmenso, y tuve la segunda suerte de tener<br />

un compañero que era arqueólogo. Un colega de un estudio que me introdujo<br />

dentro de un departamento que se creaba nuevo dentro de la academia de ciencia.<br />

Bueno, la academia de ciencia como órgano investigativo, no como reunión de académicos.<br />

Ahora es diferente. En aquel momento, ese organismo que se organizó en<br />

Cuba, que se llamaba Academia de Ciencias de Cuba, era un emporio de investigaciones,<br />

y se había abierto una parte para el estudio de Arqueología, que la dirigía el<br />

doctor Ernesto Tabio y que colaboraba con el doctor José Manuel Guarch. Mi amigo,<br />

<br />

<br />

y él fue quien me introdujo dentro del área arqueológica de estudios. Me gusto muchísimo.<br />

La situación más terrible fue que por ejemplo, el señor que dirigía aquella<br />

institución, un hombre mayor, muy culto, muy buen arqueólogo, un hombre que había<br />

trabajado en Perú y en diferentes lugares, tenía un concepto de las mujeres muy<br />

desagradable, y cuando fui – una muchachita – a decirle “a mi me interesa trabajar<br />

aquí”, lo que me dijo fue: “Arqueología no es para mujeres”.<br />

Yo me sentí tan defraudada, además todo ese proceso revolucionario de los<br />

inicios del proceso cubano fue muy interesante en el sentido de que el papel de<br />

<br />

esa serie de cosas que se dan entonces. Y aquella respuesta de aquel hombre, que<br />

yo lo consideraba un sabio, decirme que esa especialidad, esa ciencia, no era para<br />

<br />

quedó mas remedio de que decirle: “está bien, si usted dice eso yo no digo nada, se<br />

acabó.” Pero para dentro de mi dije: “bueno este es el momento en que empieza de<br />

verdad el interés por Arqueología”. Y continué yendo a todas las reuniones, a todas<br />

las conferencias, a todas las cosas, y a los dos años y pico de aquella situación ya<br />

yo estaba trabajando en ese sitio. Porque entré como historiadora, y al otro día ya<br />

<br />

gran amigo mío y fue prácticamente mi padre, vamos a decirlo así. Conversábamos<br />

mucho acerca de la especialidad, de los conceptos, teníamos muchas discusiones<br />

<br />

otro amigo mío también, José Manuel Guarch, que es un arqueólogo de primera –<br />

podríamos decir que el primer arqueólogo cubano con un pensamiento claro sobre<br />

la Arqueología cubana –, fue mi amigo hasta su receso, cuando perdí un amigo y un<br />

hermano.<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011


tanos<br />

un poco acerca de los trabajos que se desarrollan en esta institución, y cómo las actividades<br />

arqueológicas se insieren en ella.<br />

68<br />

L.D.:<br />

Tenemos que hacer un poquitico de historia. En todo lo que es el trabajo ante-<br />

<br />

Academia de Ciencia. Esta Academia de ciencia que te decía yo, que era un organismo<br />

– era, porque ya no existe –investigativo, o sea, de grupos de investigadores que<br />

trabajaban diferentes líneas de la geografía, de la Arqueología, de la literatura, de diferentes<br />

cosas. Todo eso formaba un gran elefante, podríamos decir, sobre estudios<br />

generales. Y la Arqueología se estudiaba porque había un curso de Arqueología dentro<br />

de allí, que fueron cursos medios, básicos y superiores, con presentación de tesis<br />

<br />

de laboratorio, y tú tenías que pasar por todo. O sea, el arqueólogo que nada más se<br />

sienta en una mesa a escribir, ese no es arqueólogo. Tú tienes que entrar y trabajar<br />

en un laboratorio, desde empezar a lavar una pieza, saber cuáles son las características<br />

de las piezas, de los materiales, porque los tienes que hacer, cómo los tienes que<br />

guardar, buscar toda esa información. Yo tuve esa suerte de hacer el trabajo en esa<br />

forma. Y además, lo estudié dentro de la propia institución. Después fui a desarrollar<br />

<br />

pero ya después de haberme formado como un arqueólogo con todas las etapas<br />

que hay que conformar-se para que puedas después tu dirigir una excavación, tener<br />

criterios de cómo vas a guardar las piezas, de que qué tu quieres con las piezas, qué<br />

tu quieres con la excavación. Porque la excavación no es hacer un hoyo por gusto, tú<br />

tienes que crear las condiciones, buscar una estrategia, buscar la condicionante que<br />

te lleve a ese aspecto para entonces poder entender cómo desarrollar una excavación<br />

y que esa excavación tenga valores, valores que después se pasen en algún libro,<br />

alguna clase.<br />

Entonces yo tuve esa suerte. Allá trabajé todo lo que es la parte aborigen, o sea,<br />

todo lo que es los aborígenes cubanos, porque mi jefe – aquel señor que te conté –<br />

entendía que los arqueólogos tenían que ser capases de trabajar lo mismo: la parte<br />

indígena y la parte colonial. O sea, tendrían que ser completos, con un desarrollo<br />

completo, con un criterio completo de que es lo mismo hacer una temporada de trabajo<br />

industrial, en un ingenio azucarero, o en un promontorio, o sea, que había una<br />

mistura de todas estas cosas, pero también te permitía a ti tener un conocimiento<br />

amplio de todos esos aspectos, a conocer sobre todo la prehistoria cubana, desde<br />

los más antiguos hasta los más modernos, el contacto, todo eso. Yo me formé en<br />

todas esas cosas, entonces es mi manera de trabajar. Ya después tuve que dirigir ese<br />

departamento cuando el falleció. Tuve que dirigir ese departamento por dieciséis<br />

años, y eso para mí fue algo importante porque logré muchas cosas que yo entendía<br />

que debían hacerse en el estudio de Arqueología, en el trabajo arqueológico. Pero<br />

también fueron para mi dieciséis años de menos, porque la tarea burocrática no te<br />

permite tener ni estudio, ni trabajo, etc. Pero bueno, había que hacerlo, y no había<br />

en ese momento otra persona que estuviera con posibilidades o con criterios, los<br />

demás estaban estudiando, etc. Yo había ya terminado mi doctorado, y entonces<br />

continué ese trabajo hasta el año 94, en que decidí aposentarme. Porque ya estaba<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011


69<br />

en tiempo, yo tenía ganas de descansar y no quería ser más dirigente de ese proceso,<br />

porque entendía que estaba perdiendo mis años mejores de formación.<br />

<br />

-<br />

<br />

<br />

pequeño lugar – no tan pequeño, hoy ya está grande – que tiene un museo donde<br />

<br />

cosas también del resto de la isla de Arqueología aborigen. Y tiene un grupo de trabajadores<br />

que auxilian al plan maestro, o sea, lo que es el plan maestro para realizar a<br />

<br />

restauración debe llevar consigo una excavación arqueológica. Esa es la tarea especí-<br />

<br />

<br />

restauración comienza, un grupo de Arqueología comienza a realizar los trabajos es-<br />

<br />

<br />

<br />

encontrado. O sea, no podemos decir que nosotros hemos encontrado el yacimiento<br />

bana.<br />

No se ha podido encontrar porque también está tremendamente urbanizada,<br />

<br />

<br />

lo que se está haciendo hasta ahora. Mi trabajo dentro de eso es asesoramiento. O<br />

sea, revisar los planes de trabajo, revisar todo, los lugares de excavación, etc; y cualquier<br />

duda o cualquier problema que haya para los compañeros.<br />

I.B.: ¿Qué entiendes por Arqueología <strong>Pública</strong>?<br />

L.D.:<br />

Mira para mí el término es un término no usual en Cuba. De todas maneras,<br />

nosotros hemos estado haciendo un trabajo que indiscutiblemente es Arqueología<br />

-<br />

-<br />

<br />

<br />

que sin los moradores de la ciudad, sin que la gente comparta sus propios criterios<br />

y ayude a trabajar en los museos y en las áreas de trabajo no hubiera absolutamente<br />

nada. Pues nosotros hemos estado haciendo Arqueología <strong>Pública</strong> hace muchos<br />

años, y no nos hemos enterado que se llamaba Arqueología <strong>Pública</strong>. Ahora estamos<br />

desarrollando ese término a partir verdaderamente de las concepciones, de la gesti-<br />

<br />

esa área, pues es un área que está llena de museos, se considera que es una “Ciudad<br />

Museo”, pero no una ciudad muerta, si no una ciudad que vive. Los moradores quedan<br />

viviendo adentro de esa ciudad, a veces hay un museo en la primera planta y en<br />

la segunda planta hay gente a vivir, hay familias viviendo. O sea, se cambian mucho<br />

los conceptos y por eso es que tienen mucha relación con la gente que vive en todos<br />

esos lugares.<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011


70<br />

I.B.: ¿Cuáles son las perspectivas actuales de la Arqueología <strong>Pública</strong> en Cuba?<br />

L.D.:<br />

Bueno, fíjate, las perspectivas son tremendas. Es una ciudad antigua, una ciudad<br />

que fue amurallada, que tiene mucho espacio para trabajar. Ya encontramos una gran<br />

cantidad de museos en inmuebles, y ya están establecidos los de mayor valor a partir<br />

del plan maestro, donde se determinaron los que más valor tenían o los que estaban en<br />

más posibilidades de destrucción, y fueron los que tuvieron prioridad, y todavía consideramos<br />

que hay otras partes, o sea, estamos en la tercera parte de cuatro. Estamos<br />

en una tercera parte de un trabajo que está prácticamente concluido. Lo que pasa es<br />

que acuérdate que el trabajo patrimonial no se termina nunca, porque tú tienes que<br />

mantenerlo. O sea, tú no puedes reconstruir un inmueble y dejarlo, porque si lo dejas,<br />

a los tres o cuatro años está igual que cuando lo encontraste. Ahí es donde se gasta<br />

más dinero, ahí es donde se desarrolla más esfuerzo, y entonces eso hay que tenerlo en<br />

cuenta, tú no puedes hacer y hacer y hacer, escavar, escavar y escavar. El otro problema<br />

grande que le pasa a todos los arqueólogos es: “donde ponemos el material”, entonces<br />

ya se está estudiando en algunos momentos qué materiales se quedan dentro del<br />

lugar que estamos excavando, con sus debidas referencias, con su debido material.<br />

<br />

si se estudian, si se llevan para un laboratorio. Estamos en esas decisiones, en esas disquisiciones,<br />

que son muy difíciles, pero que son de una importancia tremenda, porque<br />

hay una necesidad inmensa en el mundo completo de tomar decisiones de lo que se<br />

va a hacer con los materiales. O sea, las excavaciones se dan y son toneladas de mate-<br />

<br />

para su empaque, para su manutención, para su estancia en algún lugar futuro, porque<br />

la Arqueología como toda ciencia, sigue adecuándose a nuevas perspectivas, a nuevos<br />

trabajos, y a veces es necesario volver atrás en una excavación que en un momento<br />

determinado se hicieron algunas cosas, pero que ahora, con una sistemática de trabajo<br />

nueva, es muy necesario volver otra vez a trabajar con los materiales antiguos. Por eso<br />

<br />

estructurados, para tu puedas sacarles frutos no solamente en el momento que lo está<br />

haciendo, si no en un futuro para otras personas o para ti mismo. Esa es la disyuntiva<br />

que tenemos en este momento.<br />

I.B.: ¿A cuánto tiempo realizas trabajos en colaboración con universidades brasileñas? ¿Y cómo<br />

surgió esa oportunidad?<br />

L.D.:<br />

Bueno voy a empezar por cómo surgió la cosa: conocí al doctor Pedro Paulo Funa-<br />

<br />

Fue el primer congreso fuera de Europa, el World Archaeological Congress. Yo fui de<br />

esas casualidades de la vida, había dinero en Cuba y me mandaron para el congreso.<br />

-<br />

<br />

se habló mucho de Arqueología social. Y bueno, estábamos un día en un recreo y conocía<br />

a Pedro Paulo, que ya había creo que terminado su doctorado, yo estaba por hacer<br />

<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011


71<br />

de portugués todavía no sé nada, y conversamos muchísimo. Después terminó el congreso,<br />

cada uno regresó a su lugar, y no existían todavía los correos electrónicos, y fue<br />

eso. Pasó el tiempo, y como dos años o tres después de eso, yo estaba en Puerto Rico y<br />

ya estaba el correo electrónico funcionando, y en un attachment que me mandaron a<br />

mí de correo, venia el correo de Pedro Paulo, y yo le escribí. Después de eso, reanudamos<br />

nuestra amistad, el me pidió mi currículo y me dijo que si yo quería podría venir<br />

a Brasil, que tenían posibilidades de becas, etc, y no le hice mucho caso al principio,<br />

porque pensé como siempre que las becas son muy difíciles, son muy problemáticas a<br />

veces, etc. Pero bueno, yo le mande todos mis papeles y, para resumir la cuenta, todo<br />

funcionó. Yo regresé de Puerto Rico a Cuba, estuve unos meses y se dio el primer viaje<br />

aquí a Brasil con la beca. Estuve aquí en primera vez creo en el año dos mil o en no-<br />

<br />

<br />

de Morais, que era el director del MAE en ese momento, me invitó a ese congreso, que<br />

fue verdaderamente exitosísimo, en organización, trabajo, conocer a la gente, pudimos<br />

todos colaborar, estábamos todos en un solo lugar donde pudimos conversar muchísimo.<br />

Ahí pude conocer a miles de compañeros que conocía solamente por carta. Fui<br />

<br />

<br />

mío. Bueno, fue toda una cosa muy agradable. Resumiendo la cuenta, después de esa<br />

do<br />

la gentileza de concederme esa beca, e yo de tratar también de hacer todo lo más<br />

posible para no solamente demostrar que la beca está funcionando, pero demonstrar<br />

que yo también ya me siento parte del trabajo que se hace en Brasil con Arqueología.<br />

Ya estoy a diez u once años viniendo sistemáticamente, y me quedo a veces dos<br />

meses, a veces tres, en dependencia de los compromisos que tenga en Cuba o que<br />

haya aquí. Por ejemplo, este año fueron tres meses porque estaba previsto ir a Floria-<br />

<br />

libros, conferencias que tengo que dar en otros lugares, trabajos que ya tengo de continuidad,<br />

como por ejemplo en Rio con Nanci de Oliveira, en Pelotas con Lúcio Menezes,<br />

en Alfenas que también ya tenemos un trabajo consecutivo y todas las cosas que<br />

tengo aquí en Campinas, como el Laboratório de Arqueología <strong>Pública</strong>.<br />

I.B.: Es posible hacer una comparación entre el desenvolvimiento de la Arqueología <strong>Pública</strong> en<br />

Brasil y en Cuba?<br />

L.D.:<br />

-<br />

date<br />

que nosotros somos un pequeño país y ustedes son un gran país. Pero tenemos<br />

una cosa en común, y es que a nadie le interesa, ni en Cuba ni en Brasil, la Arqueología.<br />

<br />

piensa que la Arqueología es hacer excavaciones, sacar cositas, ir a las cuevas, sacar<br />

joyas, maravillas y toda esa serie de cosas que no son Arqueología. O sea, no estamos<br />

viendo la Arqueología a partir de Indiana Jones, esa es la contra de la Arqueología<br />

de verdad. Arqueología es una ciencia social, una ciencia que ayuda a reconstruir la<br />

historia a partir de fuentes diferentes, de fuentes que no son escritas, y que son tan<br />

válidas como las escritas, pero que hay que saber para descifrar cada una de esas cosas<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011


72<br />

muchísimas otras disciplinas que ayudan a trabajar, como la cerámica, la geografía,<br />

etc. Es una carrera que debe ser una carrera universitaria, y ahí es donde está el problema.<br />

Ninguna de nuestras universidades, tanto cubanas cuanto brasileñas, entienden el<br />

concepto de una carrera universitaria de Arqueología. Entienden la Arqueología como<br />

partes, partes de otras carreras, partes que entran dentro de otras carreras. En realidad<br />

no estamos formando arqueólogos, estamos formando personas que les interesa la<br />

<br />

claro en esa circunstancia, la ley emitida por la Unesco y por veces las leyes de patrimonios<br />

emitidas por los propios países, exigen que el trabajo arqueológico se realice<br />

en cada uno de los movimientos de tierra que se hagan. Pero si tu no creas personal<br />

para ese trabajo, estas creando una clase de enredo tremendo, porque hay gente que<br />

está haciendo Arqueología privada, Arqueología de contrato, pero los componentes<br />

de esos mecanismos también están mal formados. O sea tú tienes que lograr tener<br />

una visión clara de que hay que hacer, aun que sea en el último pueblo de Brasil, una<br />

<br />

<br />

-<br />

<br />

creas el personal correctamente tú no puedes crear más nada, o sea, ni puedes crear<br />

los primeros profesionales que después te van a servir de maestros, ni puedes hacer<br />

más nada. Tal vez el primer curso te pase mucho trabajo, pero el segundo ya tienes estudiantes<br />

que están graduados, gente que se va desarrollando, pero van a seguir una<br />

línea de estudios docentes como las hay en España, hay en otros países europeos, en<br />

Estados Unidos también hay algunas carreras, pero en América Latina y en el Caribe no<br />

hay ninguna universidad que tenga esto, excepto México.<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>Pública</strong> | Campinas | n° 4 | 2011

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