Simbolismo - marcelo::frizon
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SIMBOLISMO
SIMBOLISMO:<br />
ORIGENS<br />
A partir de 1880, na França, verifica-se uma reação contra as concepções<br />
cientificistas da classe dominante, representadas na literatura pelo fatalismo<br />
naturalista e pelo rigor parnasiano.<br />
Neste sentido, o <strong>Simbolismo</strong> surge não apenas como uma estética oposta à<br />
literatura (poesia, especificamente) objetiva, plástica e descritiva, mas como<br />
uma recusa a todos os valores ideológicos e existenciais da burguesia. Em vez<br />
da "belle époque" do capitalismo financeiro e industrial, do imperialismo que<br />
se adonava de boa parte do mundo, temos o marginalismo de Verlaine, o<br />
amoralismo de Rimbaud e a destruição da linguagem por Mallarmé.<br />
O artista experimenta agora, à maneira dos românticos, um profundo malestar<br />
na cultura e na realidade. Mergulha então no irracional, fugindo ao<br />
mundo proposto pelo racionalismo burguês, e descobrindo neste mergulho<br />
um universo estranho de associações de idéias, lembranças sem um<br />
significado definido. Universo etéreo e brumoso, de sensações evanescentes<br />
que o poeta deve reproduzir através da palavra escrita, se é que existem<br />
palavras para exprimi-las. O Naturalismo e o Parnasianismo estão<br />
definitivamente mortos, conforme sentenciou um crítico literário da época:
Em uma época que, sob o pretexto naturalista, a arte foi reduzida<br />
somente a uma imitação do contorno exterior das coisas, os<br />
simbolistas voltam a ensinar aos jovens que as coisas também têm<br />
alma, alma da qual os olhos humanos não captam mais do que o<br />
invólucro, o véu, a máscara.<br />
O <strong>Simbolismo</strong> define-se assim pelo anti-intelectualismo. Propõe a<br />
poesia pura, não racionalizada, que use imagens e não conceitos. É uma<br />
poesia difícil, hermética, misteriosa, que destrói a poética tradicional.<br />
SURGIMENTO<br />
Os primeiros indícios do movimento encontram-se em Baudelaire,<br />
cuja obra máxima, As flores do mal, antecipa certas perspectivas<br />
simbolistas. Em 1884, Verlaine publica sua Arte poética, onde os<br />
princípios da escola já são evidentes. Em 1886, Jean Moréas vale-se de<br />
um manifesto para elaborar teoricamente o <strong>Simbolismo</strong>. Diz Moréas:<br />
Inimiga do ensinamento, da declamação, da falsa sensibilidade, da<br />
descrição objetiva, a poesia simbolista procura vestir a Idéia de uma<br />
forma sensível.
CARACTERÍSTICAS DO<br />
SIMBOLISMO<br />
1) SUBJETIVISMO<br />
Os simbolistas retomam a subjetividade da arte romântica com outro<br />
sentido. Os românticos desvendavam apenas a primeira camada da vida<br />
interior, onde se localizavam vivências quase sempre de ordem<br />
sentimental. Os simbolistas vão mais longe, descendo até os limites do<br />
subconsciente e mesmo do inconsciente. Este fato explica o caráter<br />
ilógico ou o clima de delírio de grande parte de sues poemas, como no<br />
fragmento de Cruz e Sousa:<br />
Cristais diluídos de clarões álacres,<br />
Desejos, vibrações, ânsias, alentos,<br />
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,<br />
Os mais estranhos estremecimentos.
2) O EFEITO DE SUGESTÃO<br />
Diz Mallarmé:<br />
Os parnasianos tomam os objetos em sua integridade e mostram-nos.<br />
Por isso carecem de mistério. Descrever um objeto é suprimir três quartas<br />
partes do prazer de um poema, que é feito da felicidade de adivinhar-se<br />
pouco a pouco. Sugerir, eis o sonho. E o uso perfeito deste mistério é o que<br />
constitui o símbolo: evocar o objeto para expressar um estado de alma<br />
através de uma série de decifrações.<br />
Sua observação é chave para o entendimento da poética simbolista.<br />
Abandona-se o descritivismo parnasiano em busca de uma revitalização do<br />
gênero lírico. São criadas novas imagens, novas metáforas e símbolos.<br />
Acentua-se o caráter obscuro de certas palavras e o emotivo de outras, tudo<br />
como repúdio à linguagem poética usual, carregada de lugares-comuns,<br />
clichês e frases-feitas que se repetiam de geração em geração.<br />
Trata-se de reinventar a linguagem, explorar suas possibilidades, recriála<br />
palavra após palavra, à procura de imagens originais e envolventes. A<br />
verdadeira poesia consiste em não-dizer, não-declarar, não designar as<br />
coisas pelos seus nomes triviais. A verdadeira poesia está em insinuar, dizer<br />
figuradamente, sugerir.<br />
Cruz e Souza foi especialista na utilização de imagens ousadas com efeito<br />
de sugestão. Angústia sexual e erotismo misturam-se na exaltação de uma<br />
mulher que parece devorar os homens:
Cróton* selvagem, tinhorão* lascivo,<br />
Planta mortal, carnívora, sangrenta,<br />
De tua carne báquica* rebenta<br />
A vermelha explosão de um sangue vivo<br />
*Cróton - arbusto ornamental; *Tinhorão - erva ornamental; *Báquica - relativo a<br />
Baco, deus grego do vinho e da dissipação.<br />
3) MUSICALIDADE<br />
Na tentativa de sugerir infinitas sensações aos leitores, os simbolistas<br />
aproximam a poesia da música. Entendamos: não se trata de poesia com<br />
fundo musical, mas poesia com musicalidade em si mesma, através do<br />
manejo especial de ritmos da linguagem, esquisitas combinações de<br />
rimas, repetição intencional de certos fonemas, sujeição do sentido de<br />
um vocábulo a sua sonoridade, etc. Realiza-se assim a exigência de<br />
Verlaine: "A música antes de qualquer coisa."<br />
Somos atingidos pelo efeito dos ritmos e dos sons de qualquer poema<br />
simbolista, mesmo que não conheçamos profundamente o idioma em<br />
que ele foi escrito. Verlaine, por exemplo, deixou os mais célebres versos<br />
desta sedução pela música em Canção de outono:
Le sanglots longs<br />
Des violons<br />
De l´automne<br />
Blessent mon coeur<br />
D´ une langueur / Monotone *<br />
* Os lamentos longos<br />
Dos violinos<br />
Do outono<br />
Ferem o meu coração<br />
De um langor / Monótono.<br />
A música é obrigatória, como<br />
nesta espécie de receita poética de<br />
Cruz e Sousa:<br />
Derrama luz e cânticos e poemas<br />
No verso e torna-o musical e doce<br />
Como se o coração, nessas<br />
[supremas<br />
Estrofes, puro e diluído fosse.<br />
Mesmo a morte, na obra do<br />
simbolista brasileiro, possui uma<br />
terrível musicalidade:<br />
A música da Morte, a nebulosa,<br />
Estranha, imensa música<br />
[sombria,<br />
Passa a tremer pela minh'alma e<br />
[fria<br />
Gela, fica a tremer,<br />
[maravilhosa...
4) IRRACIONALISMO E MISTÉRIO<br />
No princípio, os simbolistas têm como projeto "revestir as idéias de<br />
uma forma sensível", isto é, traduzi-las para uma linguagem simbólica e<br />
musical. Pouco a pouco, este intelectualismo se converte numa aventura<br />
anti-intelectual, numa negativa à possibilidade de comunicação lógica<br />
entre os homens.<br />
"Nós não estamos no mundo", brada Rimbaud, o mundo concreto se<br />
esvaiu, perdeu sua inteligibilidade. Agora é puro mistério: atrás da<br />
ordem aparente das coisas estão o caos, a névoa, a bruma, a neblina, o<br />
incorpóreo, o fantasmagórico, o estranho, o inefável*.<br />
Rimbaud considera o artista um vidente que foge da realidade<br />
ilusória e penetra na realidade inexplorada das sensações. Para adquirir<br />
esta vidência é indispensável um "desequilíbrio de todos os sentidos",<br />
uma ponte em direção ao ilógico e à loucura. Só os "alquimistas do<br />
verbo" podem enxergar além da obviedade do cotidiano e deparar-se<br />
com a essência misteriosa da vida. Cruz e Sousa chega a implorar pelo<br />
mistério:
Infinitos, espíritos dispersos,<br />
Inefável, edênicos*, aéreos,<br />
Fecundai o Mistério destes versos<br />
Com a chama ideal de todos os mistérios.<br />
*Inefável - indescritível, o que não pode ser expresso;<br />
*Edênicos - que procedem do Éden, do paraíso.
O SIMBOLISMO NO<br />
BRASIL<br />
CONTEXTO CULTURAL<br />
O <strong>Simbolismo</strong> no Brasil é um movimento que ocorre à margem do<br />
sistema cultural dominante. Seu próprio desdobramento aponta para<br />
províncias de escassa ressonância: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do<br />
Sul. É como se o gosto dos poetas da escola por neve e névoas, outonos e<br />
longos crepúsculos exigisse regiões frias e nebulosas.<br />
Há quase um fatalismo geográfico: Alphonsus de Guimaraens produz<br />
seus textos nas cidades montanhosas e fantasmagóricas de Minas Gerais.<br />
No Rio de Janeiro, de grandes sóis e clima tropical, o agrupamento<br />
simbolista, mesmo com o reforço de Cruz e Sousa - que emigrara da antiga<br />
cidade do Desterro (hoje Florianópolis) - acaba sufocado pela luz, pelo<br />
calor e pela onda parnasiana.<br />
Os adeptos da nova estética tornam-se alvo de zombarias, quando não<br />
de desprezo. A maioria dos críticos não os compreende e o público leitor<br />
mostra-se indiferente ou hostil frente aquela poética aristocrática,<br />
complicada, pretensiosa. Somente depois do triunfo modernista, alguns<br />
desses poetas seriam revalorizados.
Não se pense contudo que a marginalidade simbolista implica numa<br />
mudança das relações de dependência entre os letrados brasileiros e os<br />
valores europeus. A exemplo dos parnasianos - e às vezes é difícil<br />
identificar diferenças poéticas entre ambos - os simbolistas<br />
transplantam uma cultura que pouco tem a ver com a realidade local.<br />
Daí resulta uma poesia freqüentemente distanciada tanto do espaço<br />
social quanto do jeito íntimo de ser brasileiro. Um pastiche dos<br />
"padrões sublimes da civilização".<br />
Outra vez estamos diante do velho sonho colonizado: reproduzir aqui<br />
os modelos recentes da arte européia. A grande exceção neste contexto<br />
parece ser a obra de Cruz e Sousa, embora outros poetas do período<br />
tenham deixado criações isoladas de relativo interesse e qualidade.<br />
As primeiras experiências de acordo com os novos preceitos são<br />
realizadas por Medeiros e Albuquerque, a partir de 1890. Porém, os<br />
textos que verdadeiramente inauguram o <strong>Simbolismo</strong> pertencem a Cruz<br />
e Souza que, em 1893, lança duas obras renovadoras: Broquéis e Missal.<br />
A primeira compõe-se de poemas em versos e a segunda de poemas em<br />
prosa.
OS POETAS DO<br />
SIMBOLISMO<br />
1. CRUZ E SOUSA (1861 - 1898) :: Vida: João da Cruz e Souza<br />
nasceu em Desterro (hoje Florianópolis), filho de escravos libertos<br />
pelo marechal Guilherme de Souza, que adotou o menino negro e<br />
ofereceu-lhe a chance de estudar com os melhores professores de<br />
Santa Catarina. Foi seu mestre, inclusive, o sábio alemão Fritz Müller,<br />
correspondente de Darwin. Apesar da morte de seu protetor,<br />
conseguiu terminar o nível intermediário e, com pouco mais de<br />
dezesseis anos, tornou-se professor particular e militante da imprensa<br />
local. Aos vinte anos, seguiu com uma companhia teatral por todo o<br />
Brasil, na condição de "ponto". Durante estas viagens entregou-se à<br />
conferências abolicionistas. Em 1883, foi nomeado promotor público<br />
em Laguna, no sul da província, mas uma rebelião racista na pequena<br />
cidade, impediu-o de assumir o cargo, embora esta história seja<br />
contestada por algumas fontes.
Voltou a viajar e a cada regresso sentia a ampliação do preconceito de<br />
cor. Mudou-se então, definitivamente para o Rio de Janeiro. Lá se casaria<br />
com uma moça negra (Gavita) e conseguiria modesto emprego de<br />
arquivista na Central do Brasil, já no ano de 1893. Às inúmeras<br />
dificuldades financeiras somavam-se o desprezo dos intelectuais da<br />
época, que viam nele apenas um "negro pernóstico", o período de loucura<br />
mansa vivido pela esposa, durante seis meses, e a tuberculose que atacou<br />
toda a sua família: ele, a mulher e os quatro filhos. Numa carta ao amigo e<br />
protetor, Nestor Vítor, deixou registrado seu infortúnio:<br />
"Há quinze dias tenho uma febre doida... Mas o pior, meu velho, é que<br />
estou numa indigência horrível, sem vintém para remédios, para leite,<br />
para nada! Minha mulher diz que sou um fantasma que anda pela casa!"<br />
Este mesmo amigo providenciou uma viagem do poeta à região serrana<br />
de Minas Gerais, em busca de paliativo para a doença. Mal chegando lá,<br />
Cruz e Sousa piorou e faleceu na mais absoluta solidão. Três anos após - já<br />
tendo enterrado dois filhos - Gavita também desapareceria por causa da<br />
tuberculose. O terceiro filho morreria em seguida. O último, vitimado pela<br />
mesma moléstia, desapareceria em 1915. A família estava extinta numa<br />
terrível tragédia humana.<br />
OBRAS PRINCIPAIS: Broquéis (1893) - Missal (1893) - Evocações<br />
(1899) - Faróis (1900) Últimos sonetos (1905)
A obra de Cruz e Sousa é a mais brasileira de um movimento que foi,<br />
entre nós, essencialmente europeu. Nela opera-se uma tentativa de<br />
síntese entre formas de expressão prestigiadas na Europa e o drama<br />
espiritual de um homem atormentado social e filosoficamente. O<br />
resultado passa, às vezes, por poemas obscuros e verborrágicos mas, na<br />
maioria dos casos, a densidade lírica e dramática do "Cisne Negro"<br />
atinge um nível só comparável ao dos grandes simbolistas franceses. O<br />
primeiro aspecto que percebemos em sua poética é a linguagem<br />
renovadora.<br />
A linguagem metafórica e musical<br />
Ainda que sua formação tenha sido dentro do Parnasianismo - e desta<br />
escola ele guarde o cultivo da perfeição e o gosto pela métrica e pelo<br />
soneto - Cruz e Sousa foge da objetividade lingüística e dos lugarescomuns<br />
verbais de seus antecessores. No seus poemas, abundam<br />
substantivos comuns com iniciais maiúsculas e palavras raras. A<br />
linguagem denotativa quase desaparece na quantidade de símbolos,<br />
aliterações*, sinestesias*, esquisitas harmonias sonoras.<br />
Ao contrário do texto parnasiano, o simbolista exige do leitor um<br />
esforço de decifração, de "tradução" da realidade sugerida para a<br />
realidade concreta. A todo momento, o poeta apela para a linguagem<br />
metafórica:
"O demônio sangrento da luxúria..."<br />
"Punhais de frígidos sarcasmos..."<br />
"Ó negra Monja triste, ó grande soberana." (A lua)<br />
"As luas virgens dos teus seios brancos..."<br />
"O chicote elétrico do vento..."
A musicalidade se dá através de aliterações. Sejam em v:<br />
Vozes veladas, veludosas vozes,<br />
volúpias dos violões, vozes veladas<br />
vagam nos velhos vórtices* velozes<br />
dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas*...<br />
*Sinestesias: correspondência entre as diversas sensações, sons, olhares<br />
e cheiros; *Aliterações: repetição de fonemas no início, meio ou fim das<br />
palavras; *Vórtices: redemoinho, turbilhão; *Vulcanizadas: ardentes,<br />
exaltadas.
Sejam em m:<br />
Mudas epilepsias, mudas, mudas,<br />
mudas epilepsias<br />
Masturbações mentais, fundas, agudas<br />
negras nevrostenias*.<br />
*Nevrostenias: angústias, neuroses.
Os exemplos são infinitos. Em s: "Surdos, soturnos, subterrâneos<br />
desesperos..." Em f: "Finos frascos facetados" E assim por diante,<br />
sempre a "música antes de qualquer coisa." Vale a pena lembrar<br />
também que o escritor não ignorava a sinestesia, utilizando-a com<br />
frequência: "vozes luminosas" - "aromas mornos e amargos" -<br />
"claridade viscosa" - "vermelhos clarinantes", etc.<br />
Da mesma forma, quando necessitado de novas palavras com<br />
sonoridade originais, ele não tinha vergonha de inventá-las:<br />
"purpurejamento - suinice - tentaculizar - maternizado, etc.<br />
Temas básicos<br />
No entanto, a poética de Cruz e Sousa vai além destes<br />
procedimentos estilísticos inovadores. A junção da linguagem estranha<br />
com três ou quatro temas recorrentes e profundos é que lhe garantiu o<br />
lugar privilegiado em nossa literatura. A rigor, os seus assuntos são<br />
limitados:<br />
* a obsessão pela cor branca;<br />
* o erotismo e sua sublimação;<br />
* o sofrimento da condição negra;<br />
* a espiritualização.
A obsessão pela cor branca<br />
Roger Bastide desvela nos primeiros livros de Cruz e Sousa uma<br />
imensa nostalgia de se tornar ariano. O poeta parece ocultar as suas<br />
origens numa louvação contínua da cor branca. O branco em seus<br />
diversos tons, o branco da neve, do luar, da neblina, da bruma, do<br />
cristal, do marfim, da espuma, da pérola, das luzes e dos brilhos. O<br />
crítico contou em Broquéis cento e sessenta e nove referências a este<br />
universo de brancuras. O primeiro poema do livro, “Antífona”*, já é<br />
indicativo do que virá depois:<br />
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras<br />
De luares, de neves, de neblinas!<br />
Ó formas alvas, fluidas, cristalinas,<br />
Incensos dos turíbulos* das aras*
A lua, "fantasma de brancuras vaporosas", surge a todo instante:<br />
Clâmides* frescas de brancuras frias<br />
Finíssimas dalmáticas* de neve<br />
Vestem as longas árvores sombrias,<br />
Surgindo a Lua nebulosa e leve...<br />
Névoas e névoas frígidas ondulam<br />
Alagam lácteos e fulgentes* rios<br />
Que na enluarada refração tremulam<br />
D'entre fosforescências, calafrios...<br />
*Antífona: versículo recitado antes ou depois da leitura de um salmo; *Turíbulo:<br />
objeto para espargir incenso; *Ara: altar; *Clâmide: manto dos antigos gregos;<br />
*Dalmática: túnica; *Fulgente: brilhante.
Também as mulheres que estimulam<br />
sexualmente o poeta, em sua maioria, são brancas:<br />
Braços nervosos, brancas opulências<br />
Brumais brancuras, fúlgidas brancuras<br />
Alvuras castas, virginais alvuras,<br />
Lactescências das raras lactescências.
Se existe uma vingança de Cruz e Souza contra o preconceito de cor,<br />
ela não se dá exatamente através de uma aproximação com seu mundo<br />
étnico. Ele buscou na aristocratização intelectual, no hermetismo*, na<br />
imitação do dernier cri parisiense e no desprezo pela vulgaridade, sua<br />
diferença em relação aos escritores brancos vinculados ao<br />
Parnasianismo. Como diz Roger Bastide, "criando uma arte de<br />
reticências e sutilezas", ele quis mostrar que o negro não era um<br />
materialista, preso à terra e ao prazer dos sentidos.<br />
Daí também o platonismo* contínuo de sua poesia, na qual o<br />
universo concreto não passa de um reflexo sombrio de Essências e<br />
Idéias supraterrestres. Assim a poesia fica imaculada, limpa das<br />
impurezas da vida. E a obsessão pelo branco ganha uma dimensão<br />
filosófica, que poderia ser representada da seguinte maneira:<br />
Mundo platônico > Mundo das Idéias e Formas Puras ><br />
Mundo alvo e nevoento<br />
* Hermetismo: fechamento, sentido obscuro; * Platonismo: vem da filosofia<br />
de Platão, que afirma ser o nosso mundo uma cópia inferior de um mundo ideal.
Este é o mundo ao que o poeta aspira: uma libertação, uma<br />
comunhão. Para tentar atingi-lo, destruirá a concepção parnasiana onde<br />
se formara: as coisas materiais se enevoarão, se diluirão. Os corpos<br />
femininos, no entanto, procurarão puxá-lo para a luxúria da vida<br />
terrena, atrapalhando a sua trajetória rumo às Essências.<br />
Erotismo e sublimação*<br />
A mulheres surgem na obra de Cruz e Sousa como um símbolo de<br />
sensualidade. Mas ao contrário das figuras femininas de Olavo Bilac -<br />
descritas minuciosamente em sua graça corpórea, como esculturas belas<br />
e frias - as mulheres do catarinense aparecem, com freqüência, sob a<br />
forma de "cruéis e demoníacas serpentes" arrastando o poeta para<br />
convulsões, espasmos, anseios e desejos obscuros.<br />
Estamos longe daqueles retratos parnasianos, emoldurados por um<br />
erotismo convencional. Cruz e Sousa prefere mergulhar nas sensações<br />
despertadas pelas "carnes tépidas":<br />
* Sublimação: Processo inconsciente de desviar a<br />
energia da libido para outras esferas ou atividades.
Carnais, sejam carnais tantos desejos,<br />
Carnais, sejam carnais tantos anseios,<br />
Palpitações e frêmitos* e enleios*,<br />
Das harpas da emoção tantos arpejos*...<br />
Estes "sentimentos carnais" exasperam o poeta em "febres intensas,<br />
ânsias mortais, angústias palpitantes" impelindo-o a necessidade de<br />
sublimar as "flamejantes atrações do gozo". É necessário transportar<br />
estes espasmos e desejos para o reino sideral e assim desmaterializá-los:<br />
Para as Estrelas de cristais gelados<br />
as ânsias e os desejos vão subindo,<br />
galgando azuis e siderais noivados<br />
de nuvens brancas a amplidão vestindo.<br />
*Frêmitos: vibrações, arrepios; *Enleios: laços, atrações; *Arpejos: execução rápida e<br />
sucessiva de notas musicais.
O sofrimento da condição negra<br />
Em Faróis e Evocações (poemas confessionais em prosa), Cruz e Sousa<br />
produzirá textos dolorosos e noturnos. A escuridão da noite - sempre<br />
associada à idéia de morte - substituirá o culto do branco e do erotismo.<br />
Estes dois livros correspondem à época da loucura de sua mulher, das<br />
maiores dificuldades financeiras, do preconceito de cor e do descaso dos<br />
intelectuais por sua obra. Como que lhe traduzindo a agonia interior, o<br />
estilo torna-se mais obscuro e tortuoso do que normalmente. O seu<br />
sentimento dominante é o de opressão, como se percebe em O<br />
emparedado:<br />
Se caminhares para a direita, baterás e esbarrarás ansioso, aflito,<br />
numa parede horrendamente incomensurável de Egoísmos e Preconceitos!<br />
Se caminhares para a esquerda, outra parede, de Ciências e Críticas, mais<br />
alta do que a primeira. Se caminhares para a frente, ainda nova parede,<br />
feita de Despeito e Impotências, tremenda, de granito, broncamente se<br />
elevará do alto! Se caminhares, enfim, para trás, há ainda uma derradeira<br />
parede, fechando tudo, fechando tudo - horrível! - parede de Imbecilidade<br />
e Ignorância, te deixará n'um frio espasmo de terror absoluto. (...) E as<br />
estranhas paredes hão de subir - longas, negras, terríficas! Hão de subir,<br />
subir, subir mudas, silenciosas, até as Estrelas, deixando-te para sempre<br />
perdidamente alucinado e emparedado dentro do teu Sonho...
O sofrimento da condição negra não se transforma em protesto racial, e<br />
sim em isolamento, solidão, aristocratização amarga. O <strong>Simbolismo</strong> é para<br />
ele uma forma de revolta contra a sociedade e contra suas próprias origens<br />
africanas, pelas quais sente, ao mesmo tempo, orgulho e pesar. O<br />
"emparedado" vinga-se das "paredes" que o asfixiam com a sua criatividade<br />
poética. É uma revolta estética, raramente quebrada pela denúncia social, a<br />
não ser em textos como Litania dos pobres:<br />
Os miseráveis, os rotos<br />
São as flores dos esgotos<br />
São espectros implacáveis<br />
Os rotos, os miseráveis<br />
São prantos negros de furnas<br />
Caladas, mudas, soturnas (...)<br />
Faróis à noite apagados<br />
Por ventos desesperados(...)<br />
Bandeiras rotas, sem nome,<br />
Das barricadas da fome.<br />
Bandeiras estraçalhadas<br />
Das sangrentas barricadas.
A espiritualização<br />
A tuberculose veio culminar o processo trágico de Cruz e Sousa e sua<br />
família. Os tormentos atingem agora a plenitude, e a morte paira sobre<br />
tudo com sua túnica negra. Em Últimos sonetos, a linguagem parece se<br />
despir dos excessos anteriores e chega à perfeição. O poeta está diante<br />
do grande abismo e procura decifrar seu formidável mistério. Já não se<br />
trata apenas da angústia de um homem proscrito por causa de sua raça.<br />
O sofrimento, de fato, é inerente à condição humana. E, diante do fim, o<br />
artista experimentará sensações diversas, desde o desejo de dissolução<br />
na "Noite redentora" até a expectativa de ressurreição em outra vida<br />
Seu processo de espiritualização é difusamente católico: dá a<br />
impressão de que acredita na sobrevivência dos mortos, que estes serão<br />
restituídos a sua "verdadeira pátria", isto é, a pátria das almas e das<br />
essências platônicas, onde reina o "Transcendente", o "Absoluto" e<br />
onde, por fim, encontrará a paz:<br />
Sorrindo a céus que vão se desvendando,<br />
A mundos que vão se multiplicando,<br />
A portas de ouro que vão se abrindo!
A religiosidade filosófica permite-lhe - apesar de todos os dramas de sua<br />
vida - declarar-se um vencedor, como verificamos no seu derradeiro<br />
poema, o antológico Sorriso interior:<br />
O ser que é ser e que jamais vacila<br />
Nas guerras imortais entra sem susto,<br />
Leva consigo este brasão augusto<br />
Do grande amor, da grande fé tranqüila.<br />
Os abismos carnais da triste argila<br />
Ele os vence sem ânsia e sem custo...<br />
Fica sereno, num sorriso justo,<br />
Enquanto tudo em derredor oscila.<br />
Ondas interiores de grandeza<br />
Dão-lhe esta glória em frente à Natureza,<br />
Esse esplendor, todo esse largo eflúvio*.<br />
O ser que é ser transforma tudo em flores...<br />
E para ironizar as próprias dores<br />
Canta por entre as águas do Dilúvio!
Mesmo que, em sua fé platônica-cristã, o poeta cante a esperança de uma<br />
outra vida, momentos de desespero e tristeza continuam aflorando em sua<br />
obra final. O soneto Vida obscura, que alguns julgam dedicado a sua própria<br />
esposa, e que outros vêem como um auto-retrato do artista, é a mais conhecida<br />
de suas criações:<br />
"Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,<br />
ó ser humilde entre os humildes seres.<br />
Embriagado, tonto dos prazeres,<br />
o mundo para ti foi negro e duro.<br />
Atravessaste no silêncio escuro<br />
a vida presa a trágicos deveres<br />
e chegaste ao saber de altos saberes,<br />
tornando-te mais simples e mais puro.<br />
Ninguém te viu o sentimento inquieto,<br />
magoado, oculto e aterrador, secreto,<br />
que o coração te apunhalou no mundo.<br />
Mas eu que sempre te segui os passos<br />
sei que cruz infernal prendeu-te os braços<br />
e o teu suspiro como foi profundo!
Manuel Bandeira sintetizou bem a poderosa<br />
poética de Cruz e Sousa:<br />
Dos sofrimentos físicos e morais de sua vida, do<br />
seu penoso esforço de ascensão na escala social, do<br />
seu sonho místico de uma arte que seria uma<br />
'eucarística espiritualização', do fundo indômito de<br />
seu ser de 'emparedado' dentro da raça desprezada,<br />
ele tirou os acentos patéticos que lhe garantem a<br />
perpetuidade de sua obra na literatura brasileira.<br />
Não há gritos mais dilacerantes, suspiros mais<br />
profundos do que os seus.
2. ALPHONSUS DE GUIMARAENS (1870-1921) :: VIDA:<br />
Nasceu em Ouro Preto, filho de um comerciante português e de<br />
uma sobrinha do escritor romântico, Bernardo Guimarães. Fez<br />
seus estudos preliminares na cidade natal e depois cursou<br />
Direito em São Paulo. Nutre intensa paixão platônica pela filha<br />
do autor de A escrava Isaura, Constança, que morreria de<br />
tuberculose antes dos dezoito anos e, para quem escreveria<br />
muitos de seus versos. Retornou para Minas Gerais, exercendo a<br />
função de juiz em Conceição do Serro e, mais tarde, em Mariana.<br />
Casou-se com uma jovem de dezessete anos, Zenaide, com quem<br />
teve quatorze filhos e com quem encaramujou-se na vida<br />
privada, ao ponto de morrer praticamente na obscuridade, às<br />
vésperas da Semana de Arte Moderna.<br />
OBRAS PRINCIPAIS: Setenário das dores de Nossa Senhora<br />
(1899), Dona mística (1889), Câmara ardente (1899), Kyriale<br />
(1902)
Mineiro, passado quase toda a sua vida nas cidades barrocas e decadentes<br />
da região aurífera, Alphonsus de Guimarães sofreu as influências ambientais<br />
dessas cidades, povoadas apenas, no dizer de Roger Bastide, "de sons e<br />
sinos, de velhas deslizando pelos becos silenciosos, de vultos que se<br />
escondem à sombra das muralhas. Cidades de brumas, conhecendo as<br />
mesmas existências cinzentas e os mesmos fantasmas noturnos: donzelas<br />
solitárias, vestidas de luar." Sua poesia gira em torno de pouco assuntos:<br />
* a morte da amada<br />
* a religiosidade litúrgica<br />
A morte da amada<br />
É um tema dominante em sua poesia: a morte da noiva amada, a doce<br />
Constança, desaparecida na flor da mocidade. De certa forma, não<br />
conseguirá mais esquecê-la e, assim, os seus poemas de amor sempre se<br />
vincularão à idéias fúnebres. Amor e morte é uma velha fórmula romântica,<br />
mas Alphonsus a tratará de maneira diferente, fugindo do patético e<br />
alcançando um tom elegíaco, onde predominam a melancolia e a<br />
musicalidade.<br />
Nem o casamento, nem o passar do tempo ajudarão o poeta a atenuar<br />
esta tristeza. Em vários momentos, a dor parece mais uma convenção<br />
poética do que propriamente um sentimento real. No entanto, um soneto<br />
como Hão de chorar por ela os cinamomos guarda forte carga de emoção:
Hão de chorar por ela os cinamomos<br />
Murchando as flores ao tombar do dia<br />
Dos laranjais hão de cair os pomos<br />
Lembrando-se daquela que os colhia.<br />
As estrelas dirão: - "Ai, nada somos,<br />
Pois ela se morreu silente* e fria..."<br />
E pondo os olhos nela como pomos,<br />
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.<br />
A lua que lhe foi mãe carinhosa<br />
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la<br />
Entre lírios e pétalas de rosa.<br />
Os meus sonhos de amor serão defuntos...<br />
E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,<br />
Pensando em mim: - "Por que não vieram juntos?"<br />
* Silente: silencioso, secreto.
A lembrança do sofrimento<br />
nunca o abandona, como se<br />
percebe em Ismália, espécie de<br />
balada, onde a loucura, a solidão e<br />
a morte se interpenetram:<br />
Quando Ismália enlouqueceu,<br />
Pôs-se na torre a sonhar...<br />
Viu uma lua no céu,<br />
Viu outra lua no mar.<br />
No sonho em que se perdeu<br />
Banhou-se toda em luar...<br />
Queria subir ao céu,<br />
Queria descer ao mar...<br />
E, no desvario seu<br />
Na torre pôs-se a cantar...<br />
Estava perto do céu,<br />
Estava longe do mar...<br />
E como um anjo pendeu<br />
As asas para voar...<br />
Queria a lua do céu,<br />
Queria a lua do mar...<br />
As asas que Deus lhe deu<br />
Ruflaram de par em par...<br />
Sua alma subiu ao céu,<br />
Seu corpo desceu ao mar
A religiosidade litúrgica<br />
O desaparecimento precoce da noiva associado ao clima místico das<br />
cidades barrocas induzem Alphonsus de Guimaraens à religiosidade. Ao<br />
inverso de Cruz e Sousa cuja espiritualização é angustiada e filosófica, a<br />
do poeta mineiro não tem "arroubos ou iluminações fulgurantes", como<br />
diz Andrade Muricy.<br />
Trata-se de uma religiosidade emotiva, feita de preces e crenças<br />
simples. Nada de abstrações metafísicas. Nada de indagações<br />
exasperadas. Seu catolicismo está mais próximo das fontes tradicionais<br />
da liturgia. Houve quem lhe apontasse um misticismo exterior e<br />
superficial, mas é forçoso reconhecer beleza na série de orações que<br />
dirige à Virgem Maria:<br />
Doce consolação dos infelizes<br />
Primeiro e último amparo de quem chora,<br />
Oh! Dá-me alívio, dá-me cicatrizes<br />
Para estas chagas que te mostro agora.
Aliás, a deificação de Nossa Senhora parece corresponder à<br />
sublimação do amor pela noiva morta. O arrebatamento religioso<br />
pela Mãe de Deus indicaria a troca de uma paixão concreta por<br />
uma devoção católica. Massaud Moisés fala em "platonismo<br />
místico" porque, ao encarnar esta paixão na figura da Virgem, "o<br />
poeta transcendentaliza e essencializa a mulher amada,<br />
conferindo-lhe o atributo de plenitude espiritual válido no<br />
contexto católico e de acordo com a sua sensibilidade cristã."<br />
Ilustrativo das tendências simbólicas, místicas e musicais de<br />
Alphonsus é o seu poema “A catedral”:
Entre brumas ao longe surge a<br />
aurora.<br />
O hialino* orvalho aos poucos se<br />
evapora,<br />
Agoniza o arrebol*.<br />
A catedral ebúrnea* do meu sonho<br />
Aparece na paz do céu risonho<br />
Toda branca de sol.<br />
E o sino canta em lúgubres<br />
responsos*:<br />
Pobre Alphonsus! Pobre<br />
Alphonsus! (...)<br />
Por entre lírios e lilases desce<br />
A tarde esquiva: amargurada prece<br />
Põe-se a lua a rezar.<br />
A catedral ebúrnea do meu sonho<br />
Aparece na paz do céu tristonho<br />
Toda branca de luar.<br />
E o sino dobra em lúgubres<br />
responsos:<br />
Pobre Alphonsus! Pobre<br />
Alphonsus!<br />
O céu é todo trevas: o vento uiva.<br />
Do relâmpago a cabeleira ruiva<br />
Vem açoitar o rosto meu.<br />
E a catedral ebúrnea do meu sonho<br />
Afunda-se no caos do céu medonho<br />
Como um astro que já morreu.<br />
E o sino geme em lúgubr es<br />
responsos:<br />
Pobre Alphonsus! Pobre<br />
Alphonsus!<br />
* Hialino: transparente; * Arrebol:<br />
vermelhidão do nascer ou do pôr do<br />
sol; * Ebúrnea: de marfim; *<br />
Responsos: versículos rezados ou<br />
cantados.
3. EDUARDO GUIMARAENS:<br />
Eduardo Guimaraens nasceu em 1892, em Porto Alegre, e faleceu no Rio<br />
de Janeiro, em 1928. Ao tentar publicar seu primeiro poema, o soneto<br />
Aos Lustres, no Jornal da Manhã, de Porto Alegre, tinha apenas 16 anos<br />
e teve que convencer o editor do jornal, Marcelo Gama, de que era<br />
realmente o autor dos versos.<br />
A partir de 1911 colaborou com diversos periódicos de Porto Alegre,<br />
entre eles Jornal do Comércio, Folha da Manhã e Correio do Povo. Foi<br />
diretor da Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul, onde<br />
havia começado como auxiliar técnico. Entre 1912 e 1916, viveu no Rio<br />
de Janeiro, onde colaborou nos jornais A Hora, A Imprensa e Boa Hora<br />
e na revista Fon-Fon.<br />
Poeta simbolista, formou, junto a Cruz e Sousa e Alphonsus de<br />
Guimaraens, a "trindade simbolista" no Brasil. Sua principal obra, A<br />
Divina Quimera, foi publicada em 1916. A obra foi bastante influenciada<br />
pela Divina Comédia, de Dante, e pela obra poética de D'Annunzio:<br />
buscou, no primeiro, a noção do amor eterno e espiritualizado e, no<br />
segundo, a atmosfera decadentista e a feição aristocrática e elitizante.<br />
Segundo o crítico Alfredo Bosi, A Divina Quimera é rica na<br />
exploração das possibilidades de verso, uma vez que utiliza o<br />
alexandrino, o decassílabo e, inclusive, bissílabos. A seguir, os poemas<br />
que estão na abertura desse livro:
A Divina Quimera<br />
Amor mi mosse che mi fa parlare.<br />
Dante<br />
Quelque chose d'ardent et de triste,<br />
quelque chose d'un peu vague...<br />
Baudelaire<br />
PRELÚDIO<br />
Psiche, my soul.<br />
Edgar Poe<br />
Das rosas do jardim a virginal tristeza<br />
por que, por esta noite azul de outono frio,<br />
vem embalar-te a doce e mística pureza<br />
que reflete, a um fulgor de estrelas erradio,<br />
das rosas do jardim a virginal tristeza?<br />
Um desejo augural, sob o candor do linho<br />
que do teu corpo aviva a palidez, palpita.<br />
Perfumaram-te a carne os lírios do caminho. . .<br />
Vela-a, agora, através do meu amor, Perdita,<br />
um desejo augural, sob o candor do linho.
Tal num sonho de amor que se dilui sereno,<br />
esqueceste a carícia rósea do sorriso;<br />
e a tua boca sente o acre sabor terreno<br />
de uma desilusão no destino indeciso,<br />
tal num sonho de amor que se dilui sereno.<br />
Vista-te o sono de dolência o odor das rosas<br />
que espreitam do jardim, maravilhadamente,<br />
do teu secreto sonho as horas misteriosas!<br />
Olvidaste, afinal, o teu delírio ardente?<br />
Vista-te o sono de dolência o odor das rosas!<br />
Dize-me se a tua alma adormeceu sorrindo<br />
ou se, cheia de amor, insone, se recorda<br />
das rosas por abrir de um sonho antigo e lindo,<br />
destas rosas febris, da sombra eterna à borda?<br />
Dize-me se a tua alma adormeceu sorrindo!<br />
Serás como uma vaga aparição de outrora,<br />
como a madona singular de um Primitivo.<br />
(Possa o teu sono ser a noite sem aurora!)<br />
Por um mês de Maria, ao meu desejo esquivo,<br />
serás como uma vaga aparição de outrora.
Que doce o teu palor! Que estranha a tua face!<br />
Nimba-te a fronte um halo, um resplendor, brilhando.<br />
Por que entreabres o olhar à alva do sol que nasce?<br />
Vais unir, sob a luz, as tuas mãos, orando?<br />
Que doce o teu palor! Que estranha a tua face!<br />
Não despertes, porém, ainda que surja o dia!<br />
Dorme perpetuamente o sono teu sem termo,<br />
ó forma de vitral, Musa e Melancolia,<br />
que és a quimera de um espírito enfermo!<br />
Não despertes, porém, ainda que surja o dia!<br />
– Das vozes deste amor a musical tristeza<br />
por que, por esta noite azul de outono frio,<br />
vem embalar, da sombra, a tua morbideza<br />
que ouve e sofre, a um clarão de estrelas erradio,<br />
das vozes deste amor a musical tristeza?
PARTE I<br />
1<br />
Se a vida é bela, ardente e forte,<br />
febre e delírio, ânsia e paixão,<br />
por que, sem causa, adoro a morte<br />
e, um grito de lábio, espero em vão?<br />
Um grito ao lábio soluçante<br />
da alma que, em vão, por ti sofreu,<br />
da alma que sofre e, palpitante,<br />
sonha, ajoelhada, ao lado teu. . .<br />
Que, ainda hoje, sofre à luz perdida<br />
de um Éden lúgubre de dor<br />
onde, entre as mãos do anjo da vida,<br />
como uma espada, fulge o amor!<br />
E de onde sou, talvez, o expulso<br />
que do seu exílio mortal<br />
levanta as mãos, hirto e convulso,<br />
para a tua alma virginal,<br />
para a tua alma onde sentiste<br />
que o amor, sorrindo, enfim, desceu,<br />
e que o meu sonho doce e triste<br />
foi o esplendor que Deus te deu.
2<br />
Doçura de estar só quando a alma torce as mãos!<br />
– Oh! doçura que tu, silêncio, unicamente<br />
sabes dar a quem sonha e sofre em ser o Ausente,<br />
ao lento perpassar destes instantes vãos!<br />
Doçura de estar só quando alguém pensa em nós!<br />
De amor e de evocar, pelo esplendor secreto<br />
e pálido de uma hora em que ao seu lábio inquieto<br />
floresce, como um lírio estranho, a Sua voz!<br />
Doçura de estar só quando finda o festim!<br />
(E a saudade, acordando as vozes que calaram!<br />
E os candelabros que, olvidados, se apagaram!<br />
E os lustres de cristal! E as teclas de marfim!)<br />
Doçura de estar só, calado e sem ninguém!<br />
Dolência de um murmúrio em flor que a sombra exala,<br />
sob o fulgor da noite aureolada de opala<br />
que uma urna de astros de ouro ao seio azul sustém!<br />
Doçura de estar só! Silêncio e solidão!<br />
Ó fantasma que vens do sonho e do abandono,<br />
dá-me que eu durma ao pé de ti do mesmo sono!<br />
Fecha entre as tuas mãos as minhas mãos de irmão!
OUTROS SIMBOLISTAS<br />
No Rio Grande do Sul, o principal simbolista foi<br />
Eduardo Guimarães (A divina quimera, 1916). No<br />
Paraná, destacou-se Emiliano Perneta (Ilusão,<br />
1911). Na Bahia, surgiu a poética estranha de Pedro<br />
Kilkerry. Verdade que estes escritores ficam em<br />
segundo plano, diante da figura esplêndida de Cruz<br />
e Sousa, mas contribuem para a expansão de uma<br />
onda simbolista. Uma onda quase invisível, dado o<br />
domínio parnasiano e a posterior vitória<br />
modernista, e que só seria percebida nos livros<br />
iniciais de Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes,<br />
Cecília Meireles e Mário Quintana, todos com<br />
maior ou menor influência do <strong>Simbolismo</strong>.