O ANEL DE MAGALÃO - Encontros de Dramaturgia
O ANEL DE MAGALÃO - Encontros de Dramaturgia
O ANEL DE MAGALÃO - Encontros de Dramaturgia
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
O <strong>ANEL</strong> <strong>DE</strong> <strong>MAGALÃO</strong><br />
COMÉDIA <strong>DE</strong> LUIS ALBERTO <strong>DE</strong> ABREU<br />
ESCRITA ESPECIALMENTE PARA A<br />
FRATERNAL COMPANHIA <strong>DE</strong> ARTE E MALAS-ARTES<br />
PROJETO COMÉDIA POPULAR BRASILEIRA<br />
PATROCÍNIO : ADC SIEMENS<br />
1
PRIMEIRO ATO<br />
CENA 1 - TEITÉ TRAMA SUBIR NA VIDA<br />
(ENTRA TEITÉ ACABRUNHADO. VAI ATÉ O CENTRO DO PALCO. PÁRA,<br />
OLHA O PÚBLICO E <strong>DE</strong>SABAFA.)<br />
JOÃO TEITÉ Oh, vida difícil! Oh, bosta <strong>de</strong> rosca! Gente, tô num miserê,<br />
numa caipora, numa pindaíba que, parece coisa, que urubu<br />
<strong>de</strong>sceu do vôo, cagou, embrulhou, <strong>de</strong>u trinta nós, encon<strong>de</strong>u<br />
as duas pontas e enterrou no meu quintal, em lugar<br />
on<strong>de</strong> não sei! Sai do meu cangote, urubu, que ocê<br />
não foi que me batizou! Oh, vida maldiçoada! Coisa nenhuma<br />
dá certo! O Marruá, meu patrão português canguinha,<br />
miserável, não me paga, sorte eu não tenho e dinheiro<br />
eu não acho. Na minha vida poste é torto e até roda<br />
tem ponta! Quer saber? Eu cansei <strong>de</strong>ssa vida torta,<br />
sem janela nem porta, sem pare<strong>de</strong>, sem esteio, sem frente<br />
nem costa, sem princípio nem meio! Eu nasci foi prá<br />
brilhar. Sou bonito, charmoso e inteligente. Só me falta<br />
ser rico e isso eu vou ser, nem que tenha que trabalhar!<br />
(BATE PALMAS.) Ô, <strong>de</strong> casa! Ô, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro! Se aí tem um<br />
vivente, abre a porta que aqui fora tem gente! Tia Beralda!<br />
Ô, Tia Beralda! Sou eu, João Teité!<br />
TIA BERALDA (ENTRANDO) Veio acertar a última consulta?<br />
JOÃO TEITÉ Vim pendurar a próxima! Eu preciso <strong>de</strong> um <strong>de</strong>scarrego,<br />
Tia Beralda. Um banho <strong>de</strong> ervas que me lave <strong>de</strong> mau olhado,<br />
arranque olho gordo, esfregue o azar e, aproveite,<br />
e já limpe cera da orelha e cascão do pescoço!<br />
TIA BERALDA Pegue seu rumo, Teité, que com você não quero mais trato!<br />
Prá você não faço nem reza mansa!<br />
JOÃO TEITÉ (INOCENTE) E por causa do que, Tia Beralda?<br />
2
TIA BERALDA Porque você não paga.<br />
JOÃO TEITÉ Eu?? (SOLUÇA FALSAMENTE. PARA O PÚBLICO.)<br />
Sabe o que é isso, gente? É esse capitalismo selvagem<br />
que corrói o coração humano! Hoje tudo é feito por dinheiro,<br />
o vil metal...<br />
TIA BERALDA Desta vez você não me engambela. Se não paga...<br />
JOÃO TEITÉ Não pago porque não recebo.<br />
TIA BERALDA Não recebe porque não trabalha.<br />
JOÃO TEITÉ Não trabalho? E a senhora acha que não dá trabalho ficar<br />
o dia inteirinho enganando o Marruá prá não fazer nada?<br />
TIA BERALDA Toma vergonha, homem!<br />
JOÃO TEITÉ Tá bom, não precisa ser banho completo. Só com espada<br />
<strong>de</strong> São Jorge e Erva <strong>de</strong> Santa Maria.<br />
TIA BERALDA Não!<br />
JOÃO TEITÉ Então, só bote as cartas. (BERALDA CONTINUA IRRE-<br />
DUTÍVEL.) Meta<strong>de</strong> do baralho? Um passe? Uma figa?<br />
Pelo amor <strong>de</strong> Deus, Tia Beralda, faz uma contra-proposta<br />
senão não sei negócio!<br />
TIA BERALDA Eu vou ver seu futuro nas cartas, mas é a última vez!<br />
JOÃO TEITÉ Negócio fechado! É assim que é o certo. Um ce<strong>de</strong> um<br />
pouco outro não ce<strong>de</strong> nada e nos enten<strong>de</strong>mos.<br />
TIA BERALDA Ave Maria!<br />
JOÃO TEITÉ Mãe <strong>de</strong> Misericórdia! Que foi, Tia Beralda? (COMEÇAN-<br />
DO A SOLUÇAR) É <strong>de</strong>sastre? Desgraça? Tragédia?<br />
TIA BERALDA Ô, homem largo! ô, sujeito rabudo!<br />
JOÃO TEITÉ É eu, é?<br />
TIA BERALDA É. (CONFIRMA PONDO OUTRAS CARTAS.) E não tem<br />
erro! Você vai subir nada vida.<br />
JOÃO TEITÉ Eu sabia! Eu tinha certeza! E como é que eu vou subir?<br />
Quando?<br />
3
TIA BERALDA Daqui prá frente só pagando!<br />
JOÃO TEITÉ Mal soube que eu vou me dar bem e já quer me explorar?<br />
Isso é especulação econômica, Tia Beralda! Isto, mais inflação<br />
inercial, junto com três, quatorze, <strong>de</strong>zesseis <strong>de</strong> Pi,<br />
vai <strong>de</strong>sequilibrar a Balança <strong>de</strong> Pagamentos, com influência<br />
direta na maxi<strong>de</strong>svalorização do real! A senhora tá furando<br />
o plano <strong>de</strong> estabilização da economia! É falta <strong>de</strong><br />
patriotismo!<br />
TIA BERALDA Ou dinheiro na mão ou nem uma palavra sobre seu futuro.<br />
(SAI)<br />
JOÃO TEITÉ E quem precisa ver o futuro? Já sei o caminho e vou pegar<br />
a parte que me toca! O que é do homem o bicho não<br />
come!<br />
CENA 2 - UM SENSÍVEL PATRÃO<br />
(ENTRA MARRUÁ E GRITA CHAMANDO.)<br />
MANÉ MARRUÁ João Teité!<br />
JOÃO TEITÉ (ASSUSTANDO-SE) Ave Maria, seu Marruá, assim eu<br />
perco a criança!<br />
MANÉ MARRUÁ On<strong>de</strong> é que estavas, homem, quando eu mais precisava<br />
<strong>de</strong> seus serviços?!<br />
JOÃO TEITÉ (EMBARAÇADO) Fui ali no "seu" coiso fazer um negócio<br />
<strong>de</strong> um trato que eu tinha com um fulano sobre um combinado<br />
com não lembro quem! (REFLETE) Mas porque é<br />
que eu estou com medo <strong>de</strong>sse gordo muquirana? Tia Beralda<br />
acabou <strong>de</strong> ler o meu futuro! (PARA MARRUÁ)<br />
Quem gosta <strong>de</strong> boi gordo é onça magra, seu Marruá!<br />
MANÉ MARRUÁ Que estás a dizer?<br />
JOÃO TEITÉ Estou a dizer e a proclamar a minha in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong><br />
Portugal! Não preciso mais da miséria que me pagava,<br />
seu munheca!<br />
4
MANÉ MARRUÁ (APROXIMANDO-SE) Não fales isso!<br />
JOÃO TEITÉ Falo! O senhor não me mete medo!<br />
MANÉ MARRUÁ Quem pensas que és?<br />
JOÃO TEITÉ Sou João Teité que vai ter um futuro melhor do que naquela<br />
porta <strong>de</strong> venda que o senhor chama <strong>de</strong> armazém,<br />
"seu" mão <strong>de</strong> vaca! (PARA O PÚBLICO.) Este avarento<br />
conferia toda noite cada gomo <strong>de</strong> salsicha, cada pedaço<br />
<strong>de</strong> queijo prá ver se eu não tinha roubado.<br />
MANÉ MARRUÁ E sempre tinhas!<br />
JOÃO TEITÉ Mas não precisava me fazer passar a humilhação <strong>de</strong> confessar!<br />
Po<strong>de</strong> ficar com suas calabresas, seus gorgonzolas,<br />
seus parmesões, seus tremoços. Ái, como é difícil a<br />
<strong>de</strong>spedida! Mas não fraquejarei! Man<strong>de</strong> lembranças prás<br />
marmeladas-cascão, prás latas <strong>de</strong> azeitonas, prás sardinhas<br />
em conserva, prás suas prateleiras todas que é só<br />
<strong>de</strong>las que eu vou ter sauda<strong>de</strong>, sujeito fominha, pão duro,<br />
sovina. Eu estou <strong>de</strong>mitindo o senhor do privilégio <strong>de</strong> me<br />
ter como empregado! Somítico, socancra, unha-<strong>de</strong>-fome...<br />
MANÉ MARRUÁ Não fales assim!<br />
JOÃO TEITÉ Falo, canguinho, esganado, ridico, fuinha, mão <strong>de</strong> finado,<br />
tranca-bolso, unhaca! (MANÉ MARRUÁ FAZ BEIÇO <strong>DE</strong><br />
CHORO, SOLUÇA E <strong>DE</strong>SABA EM COPIOSO PRANTO.<br />
ABRAÇA TEITÉ.)<br />
MANÉ MARRUÁ Não me <strong>de</strong>ixes, meu amigo!<br />
JOÃO TEITÉ Amigo? (SENTE-LHE O BAFO) Andou bebendo <strong>de</strong> novo,<br />
seu Marruá? Toda vez que bebe é isso!<br />
MANÉ MARRUÁ Não me <strong>de</strong>ixes!<br />
JOÃO TEITÉ Me larga e não fale assim que, quem não me conhece, vai<br />
pensar mal.<br />
MANÉ MARRUÁ Fica! Eu sei que muitas vezes não fui um bom patrão mas<br />
tenho bom coração. Não me negues a carida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua<br />
presença, o prazer <strong>de</strong> sua companhia.<br />
5
JOÃO TEITÉ Mas que diacho, homem, me larga! Isso aqui é<br />
quebra <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> trabalho não é rompimento <strong>de</strong> relação<br />
amorosa!<br />
MANÉ MARRUÁ Eu serei um bom patrão, aumento seu salário.(TEITÉ<br />
NEGA) Aumento suas férias e diminuo seu trabalho.<br />
(TEITÉ I<strong>DE</strong>M. MARRUÁ RETIRA VÁRIAS NOTAS DO<br />
BOLSO. <strong>DE</strong>POIS, RETICENTE, VAI GUARDANDO AS<br />
NOTAS ATÉ QUE OFERECE APENAS UMA A TEITÉ)<br />
JOÃO TEITÉ Não quero!<br />
MANÉ MARRUÁ Não sejas orgulhoso!<br />
JOÃO TEITÉ Não é orgulho. Primeiro, que é pouco, <strong>de</strong>pois que, amanhã,<br />
quando o senhor melhorar da carraspana, me toma o<br />
dinheiro <strong>de</strong> volta e ainda me chama <strong>de</strong> ladrão. Ô, homem,<br />
toda vez que o senhor bebe é assim!<br />
MANÉ MARRUÁ Eu não sou tão ruim! Você sabe que o que me per<strong>de</strong> é<br />
aquela bruaca da Boracéia. Maldita hora que me casei<br />
com aquela trombada.<br />
JOÃO TEITÉ Nisso eu tenho <strong>de</strong> concordar: aquilo é <strong>de</strong>sastre <strong>de</strong> trem<br />
na vida <strong>de</strong> qualquer homem.<br />
MANÉ MARRUÁ Então fica e me aju<strong>de</strong>, Teité! Me aju<strong>de</strong> a me livrar daquele<br />
traste e você será recompensado. Você tem carta branca.<br />
Faça o que quiser.<br />
JOÃO TEITÉ O senhor me pe<strong>de</strong> prá coçar cabeça <strong>de</strong> onça, puxar cascavel<br />
pelo rabo mas não me peça prá mexer com dona<br />
Boracéia!<br />
MANÉ MARRUÁ (APROXIMANDO-SE) Fica, eu lhe peço!<br />
JOÃO TEITÉ (AFASTANDO-SE) Desafasta com esse bafo <strong>de</strong> onça! Vá<br />
embora, seu Marruá!<br />
MANÉ MARRUÁ (AFASTANDO-SE, SENTIDO) Você fere meus sentimentos.<br />
Fica?<br />
JOÃO TEITÉ (FALSAMENTE IN<strong>DE</strong>CISO) Não sei, talvez, quem sabe...<br />
MANÉ MARRUÁ Só vou se você disser que fica.<br />
JOÃO TEITÉ Só fico se você disser que vai.<br />
6
MANÉ MARRUÁ Então eu vou.<br />
JOÃO TEITÉ Então eu fico.<br />
MANÉ MARRUÁ A<strong>de</strong>us, meu amigo. (SAI)<br />
JOÃO TEITÉ Eita, que esse homem quando bebe vira, logo, candidato<br />
a chibungo! Ave Maria, <strong>de</strong>safasta fresco velho! (PARA O<br />
PÚBLICO) Por que que eu fiquei? Por que que eu fiquei,<br />
hein? (APONTA A CABEÇA) Porque aqui <strong>de</strong>ntro tem "célebro",<br />
tem massa cinzenta junto com os miôlo (APONTA<br />
A NUCA), aqui no "corte celebral", um pouco acima da hipótese!<br />
Raciocina: como em toda casa, homem é só presi<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong> honra, quem manda mesmo é a mulher. E na<br />
casa do Marruá, pior! Lá não tem essas coisas <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia,<br />
não! É ditadura da Boracéia. Oras, se a Boracéia é<br />
quem manda, quem sabe se o meu futuro não está junto<br />
da Boracéia, hein? Hein? Se não é através <strong>de</strong>la que eu<br />
vou subir na vida? Assim sendo, cogito ergo sum, vou<br />
lançar três olhar, babar meu charme e quando ela menos<br />
esperar vou sapecar uns par <strong>de</strong> beijos bem beiçudo na<br />
boca <strong>de</strong>la. O problema é o bigo<strong>de</strong>. Não o meu, que não<br />
tenho, o <strong>de</strong>la. Mas se o i<strong>de</strong>al exige, a vonta<strong>de</strong> busca e o<br />
corpo obe<strong>de</strong>ce. Eia, Teité, solta o bridão do seu burro que<br />
a carreira já começou!<br />
(SAI)<br />
CENA 3 - OUTRO SENHOR INFELIZ<br />
(CASA <strong>DE</strong> TABARONE. ESTE ANDA <strong>DE</strong> UM LADO A OUTRO SUSPIRAN-<br />
DO TRISTÍSSIMO.)<br />
TABARONE (CANTA) Soda<strong>de</strong>, parola triste<br />
quando siper<strong>de</strong> un grandiamor<br />
Nistrada lunga da vita<br />
Io vô tchiorando la mia dor.<br />
Igual una burbuleta...<br />
7
(PAUSA <strong>DE</strong> SOFRIMENTO. SUSPIRA ALTISSONANTE. ENTRA<br />
FABRICIO PORTANDO MALAS.)<br />
FABRÍCIO Papá!<br />
TABARONE Figlio! (ABRAÇAM-SE) E, enton?<br />
FABRÍCIO (MOSTRA O <strong>ANEL</strong>.) Advogado formado pela Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> São Joaquim do Fim do Mundo!<br />
TABARONE Un vero dottore! Que felicitá! Sua volta enche <strong>de</strong> alegria<br />
mio coraçó, figlio.<br />
FABRÍCIO O meu também, pai, embora chegue aqui com o meu coração<br />
partido.<br />
TABARONE Cosa?<br />
FABRÍCIO O amor, papá, que me seduziu, a princípio leve como ar,<br />
como brisa, como vento (NUM CRESCENDO ATÉ PER-<br />
<strong>DE</strong>R COMPLETAMENTE O CONTROLE.), e, no próximo<br />
momento, como um vendaval <strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong> me arrombou<br />
as janelas do peito e como um bandido me assaltou o<br />
coração e me fez refém da maldita paixão! (TABARONE<br />
BATE NO FILHO.)<br />
TABARONE Ma, che passa?!<br />
FABRÍCIO É a paixão!<br />
TABARONE Passione io trato a muque! Tu sei um avocato, um poco<br />
<strong>de</strong> compostura!<br />
FABRÍCIO Sim, papá, data vênia.<br />
TABARONE Tu sei apassionato, eh?<br />
FABRÍCIO Sim, papá.<br />
TABARONE Por una moglie, non? (ARMA UM SOCO.)<br />
FABRÍCIO É claro, pai.<br />
TABARONE É, perche hoje non se sabe. Um pai pisca um olho e o figlio<br />
vira a folha!<br />
8
FABRÍCIO O problema é que essa mulher usou minha<br />
alma como tapete e pisou com salto <strong>de</strong> pedra nas tenras<br />
fibras do meu coração.<br />
TABARONE E questa bambina é bela?<br />
FABRÍCIO Linda!<br />
TABARONE Mal. Estuda?<br />
FABRÍCIO Era colega da universida<strong>de</strong>.<br />
TABARONE Mal. Moglie com muito estudo non presta. Que curso fez?<br />
FABRÍCIO Ciências Sociais!<br />
TABARONE Péssimo. Feminista?<br />
FABRÍCIO Claro!<br />
TABARONE Enton, <strong>de</strong>siste!<br />
FABRÍCIO Nunca!<br />
TABARONE Ela rapa as perna e o suvaco?<br />
FABRÍCIO Sim.<br />
TABARONE Menos mal. Talvez tu tenha una chance. (REPENTINA-<br />
MENTE SUSPIRA E SOLUÇA.)<br />
FABRÍCIO Não precisa sofrer tanto por mim, papá.<br />
TABARONE Ma chè?! Cada um suspira por si, eh? Sabe, figlio, io também<br />
sono apassionato. Dopo la morte <strong>de</strong> tua mama, pobrezinho<br />
<strong>de</strong> mim, que solitário fiquei! Tu tinha dois anos e<br />
la tristezza me cobriu la vita. (NUM CRESCENDO ATÉ<br />
PER<strong>DE</strong>R O CONTROLE E GESTICULAR <strong>DE</strong>SESPERA-<br />
DO COMO O FILHO ANTERIORMENTE.)Foi quando conosci<br />
una moglie e la passione, forte come una retroescava<strong>de</strong>ira,<br />
passou come un trator <strong>de</strong> esteira por cima do mio<br />
coraçón e me cortou em tanto pedaço que la ferida maior<br />
<strong>de</strong>sse enlaço ainda non cicatrizou. (FABRÍCIO SEGURA<br />
O PAI E BATE EM SEU ROSTO TENTANDO FAZE-LO<br />
VOLTAR A RAZÃO.)<br />
9
TABARONE (REAGINDO COLÉRICO ENCHE O FILHO<br />
<strong>DE</strong> TABEFES.) Ma chè, cretino! Como me bate, imbecile?!<br />
FABRÍCIO O senhor que falou que paixão se trata a muque!<br />
TABARONE A sua, idiota! A minha, non, que merece respetto! (ENLE-<br />
VADO) Ah, figlio, era una paixón tão intensa e singela<br />
come a <strong>de</strong> Romeu e Julieta.<br />
FABRÍCIO E porque o senhor não ficou com ela?<br />
TABARONE E tu acha que uma moça ia querer un'uomo com um empiastro<br />
<strong>de</strong> um filho cagón e chorón?! E dopo, aquele lazarento<br />
tinha mais dinheiro e emgabelou a moça. E il coracón<br />
<strong>de</strong> cristal que tenho in mio petto se partiu. Ainda ontem<br />
a vi, ainda bella, <strong>de</strong>licata, una pétala <strong>de</strong> rosa!<br />
FABRÍCIO Porque o senhor não se <strong>de</strong>clara a ela?<br />
TABARONE Non tenho coragem.<br />
FABRÍCIO Deixa disso, pai, dá em cima da dona.<br />
TABARONE Ma, que pensa que io sono!? Se bem que...o que io mais<br />
queria na vita era roubar quella moglie prá mim.<br />
FABRÍCIO Então, vai à luta!<br />
TABARONE Tenho paura...<br />
FABRÍCIO Telefona como um admirador anônimo.<br />
TABARONE Ouvir <strong>de</strong> novo quella voz <strong>de</strong> passarinho...Perchè nó? É<br />
questo! (TELEFONA. O TELEFONE TOCA NA CASA <strong>DE</strong><br />
MARRUÁ. BORACÉIA SURGE COM MÁSCARA <strong>DE</strong> BE-<br />
LEZA NA CARA, BOBS NA CABEÇA, CAMISOLA E MAU<br />
HUMOR.)<br />
BORACÉIA Está lá, porra?!<br />
TABARONE Sono io, amore.<br />
BORACÉIA Com sono estou eu, babaca! Quem é você?<br />
TABARONE Sou eu, o Tabarone.<br />
10
BORACÉIA Não conheço nenhum Tabarone! E se te conhecesse<br />
ias levar umas braçadas prá não telefonar, às<br />
duas da manhã, para a casa dos outros, animal!<br />
TABARONE É a Boracéia?<br />
BORACÉIA Quer saber? Vai procurar sua mãe na zona e seu pai em<br />
baile gay! (<strong>DE</strong>SLIGA O TELEFONE MAS CONTINUA<br />
GRITANDO PARA O APARELHO.) Maldito! Desgraçado!<br />
Ah!, se eu soubesse quem tu és!<br />
MANÉ MARRUÁ (OFF)Que diabos é isso, Boracéia?<br />
BORACÉIA Dorme e morre, sua besta! (SAI. TABARONE ESTÁ BO-<br />
QUIABERTO.)<br />
FABRÍCIO Como é que foi, pai?<br />
TABARONE É engano. Solo po<strong>de</strong> ter sido engano. Vamos dormir, figlio.<br />
(À SAIDA) Ma, a voz era a mesma! Ma, non! Non é<br />
possibile. Boracéia era uma <strong>de</strong>usa, una tenra avezinha. E<br />
io sono seu passarinho! (SAI. CAI A LUZ . NO RÁPIDO<br />
MOMENTO <strong>DE</strong> ESCURO BORACÉIA FALA)<br />
BORACÉIA Se eu sei quem me acordou eu trituro no <strong>de</strong>nte!<br />
CENA 4 - TEITÉ TENHA CUMPRIR A PROFECIA<br />
(O AMANHECER É BUCÓLICO. O GALO ANUNCIA O<br />
DIA E OS PASSARINHOS PIPILAM.)<br />
BORACÉIA (OFF, BERRANDO) Teité! Teité, filho <strong>de</strong> pai <strong>de</strong>sconhecido!<br />
Vem aqui, animal! (BORACÉIA ENTRA.) Eu não suporto<br />
mais esta vida! Eu quero um vidro <strong>de</strong> veneno! (TEI-<br />
TÉ ENTRA.)<br />
JOÃO TEITÉ Que é que foi, dona Boracéia?<br />
BORACÉIA Uma faca! Um veneno! Um punhal! Eu não aguento mais!<br />
JOÃO TEITÉ Que aconteceu?<br />
BORACÉIA Minha vida é uma <strong>de</strong>sgraça!<br />
11
JOÃO TEITÉ Não fica assim. Tem a noite, tem o dia; tem o<br />
mar, tem a areia; tem a caça, o caçador; tem a cera e tem<br />
a "oreia".<br />
BORACÉIA Que queres dizer com isso?<br />
JOÃO TEITÉ Que a vida, encarada do ponto <strong>de</strong> vista filosófico, encerra<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si...<br />
BORACÉIA Cala a boca e me traz veneno <strong>de</strong> rato, formicida!<br />
JOÃO TEITÉ É isso que eu quero dizer: não vale a pena a senhora se<br />
matar.<br />
BORACÉIA (BATE EM TEITÉ.)E quem falou que eu quero me matar,<br />
ó gajo mentecapto! O veneno é pr'aquela besta do Marruá!<br />
JOÃO TEITÉ Não vale a pena matar o homem!<br />
BORACÉIA Aquilo não é um homem! É uma besta cheia <strong>de</strong> gases. Eu<br />
não aguento mais! Passa a noite inteirinha estufando o<br />
lençol! O <strong>de</strong>sgraçado po<strong>de</strong> comer salmão, frutas finas,<br />
ambrosia, néctar dos <strong>de</strong>uses, beber água <strong>de</strong> rosas que<br />
tudo <strong>de</strong>sanda nas curvas daqueles intestinos! E <strong>de</strong>pois,<br />
ele pegou a beber. Não há quem aguente!<br />
JOÃO TEITÉ E por causo disso a senhora vai se tornar uma assassina?<br />
Vai pegar prisão <strong>de</strong> quinze anos por causo <strong>de</strong> um pum?<br />
Pense um pouco mais na senhora. A senhora é pessoa fina,<br />
sensível. Não se suje por causo <strong>de</strong> um casca grossa<br />
como o Marruá.<br />
BORACÉIA (MAIS CALMA E ENVAI<strong>DE</strong>CIDA) Não é que tens razão?<br />
JOÃO TEITÉ Então! Po<strong>de</strong> até acontecer, assim... não sei, ninguém sabe<br />
o futuro... mas <strong>de</strong> repente o Marruá tem uma indigestão<br />
e vai prá caixa-prego, veste paletó <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e viaja<br />
prá cida<strong>de</strong> dos pés-juntos <strong>de</strong>sencarnar toda aquela banha.<br />
BORACÉIA Não é má idéia!<br />
JOÃO TEITÉ E a senhora fica aí... ainda bonitona, her<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> parte da<br />
herança e livre como uma gatinha prá caçar um passari-<br />
12
nho moço... (INSINUA-SE), bonito (I<strong>DE</strong>M),<br />
charmoso e viril...como eu!<br />
BORACÉIA (FAZENDO O JOGO.)Você acha?<br />
JOÃO TEITÉ (PARA SI) Já é minha! (PARA BORACÉIA, INSINUANTE)<br />
Acho!<br />
BORACÉIA (METENDO-LHE CASCUDO) Pois, eu não, seu bigorrilhas!<br />
Gajo à toa!<br />
JOÃO TEITÉ Desculpa, dona Boracéia...<br />
BORACÉIA Por quem me tomas!?<br />
JOÃO TEITÉ Eu pensei que uma mulher bonita como a senhora mereceria<br />
alguém...<br />
BORACÉIA De um lado pensaste certo mas do outro indicaste o homem<br />
errado! Pensas que uma mulher <strong>de</strong> classe vai se sujeitar<br />
a um João Teité qualquer?!<br />
JOÃO TEITÉ Mulher <strong>de</strong> classe, até que não, mas como era prá senhora<br />
mesmo...<br />
BORACÉIA Como?<br />
JOÃO TEITÉ Escapou. Eu não queria, mas já disse!<br />
BORACÉIA Eu te pego, peralvilho! (BATE EM TEITÉ. ENTRA MAR-<br />
RUÁ.)<br />
MANÉ MARRUÁ Com o que, diabos, que nesta casa não se po<strong>de</strong> nem<br />
dormir?!<br />
JOÃO TEITÉ Me salve, seu Marruá!<br />
MANÉ MARRUÁ Que houve?<br />
JOÃO TEITÉ Foi cachorro louco que mor<strong>de</strong>u!<br />
BORACÉIA Eu te esgano, esquartejo!<br />
JOÃO TEITÉ (PONDO-SE <strong>DE</strong> JOELHOS) Perdão, dona Boracéia, a<br />
culpa não é minha. É que eu recebi carta-branca do Marruá...<br />
MARRUÁ INTERFERE BATENDO EM TEITÉ)<br />
13
MANÉ MARRUÁ Tome, <strong>de</strong>sgraçado, para não faltares ao respeito<br />
com minha mulher!<br />
JOÃO TEITÉ E o trato, seu Marruá?<br />
MANÉ MARRUÁ Maltrato, sim! Destrato e rasgo seu contrato! Rua! Raspate<br />
daqui prá fora! Estás <strong>de</strong>spedido.<br />
JOÃO TEITÉ Mas...<br />
MANÉ MARRUÁ E sem direito a palavra! Vai procurar seus direitos. Fora<br />
<strong>de</strong> minha casa! (EMPURRA TEITÉ PARA FORA.)<br />
BORACÉIA Até que enfim agiste como homem!<br />
MANÉ MARRUÁ Não gosto <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong> empregado!<br />
BORACÉIA Fazes bem porque também sou mulher às direitas! E agora,<br />
vai-te lavar prá ver se te livras <strong>de</strong>sta catinga <strong>de</strong> bebida!<br />
MANÉ MARRUÁ Queria te informar que minha filha Rosaura formou-se e<br />
volta a esta casa.<br />
BORACÉIA (SEM NENHUM ENTUSIASMO) Já? Quatro anos passam<br />
tão <strong>de</strong>pressa!<br />
MANÉ MARRUÁ Gostaria se a tratasse bem.<br />
BORACÉIA Trato como me tratam. Eu não tenho culpa se eras viuvo<br />
quando me conheceu e pai <strong>de</strong> uma menina <strong>de</strong>saforada!<br />
(SAI)<br />
MANÉ MARRUÁ Eu acabo à morte! (ALTO) Ainda me rebenta uma veia do<br />
coração!<br />
BORACÉIA (OFF) É mais fácil te rebentar as tripas, <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> gás<br />
metano!<br />
MANÉ MARRUÁ É assim que começa o dia na casa <strong>de</strong> um cristão!<br />
CENA 5 - UMA POÉTICA CAMINHADA MATINAL<br />
(TABARONE <strong>DE</strong>CLAMA POESIA)<br />
14
TABARONE Tegno soda<strong>de</strong>s dista Paulicéa,<br />
Dista cida<strong>de</strong> chi tanto dimiro<br />
Tegno soda<strong>de</strong>s distu céu azur<br />
Das bellas figlia lá du Bó Ritiro.<br />
Tegno soda<strong>de</strong>s dus tempo perdido<br />
Xupano xoppi uguali d'un vampiro<br />
Tegno soda<strong>de</strong>s dus begigno ar<strong>de</strong>nti<br />
Das bellas figlia lá du Bó Ritiro.<br />
Tegno soda<strong>de</strong>s, ai <strong>de</strong> ti, Zan Baolo!<br />
Terra chi eu vivo sempre n'un martiro<br />
Vagabun<strong>de</strong>ano come un begiaflore<br />
Atraiz das figlia lá du Bó Retiro.<br />
Tegno soda<strong>de</strong>s dista Paulicéa,<br />
Chi a gente sem querê dá un sospiro<br />
Lembrando os beijos da Boracéa<br />
A mais linda figlia do Bó Ritiro. (Juó Bananere)<br />
FABRÍCIO (QUE ENTROU DURANTE A <strong>DE</strong>CLAMAÇÃO.) Me emociona,<br />
papá, que os olhos <strong>de</strong>ságuam em lágrimas sentidas.<br />
Feliz do homem que, após a morte, ao ser perguntado<br />
no Juízo Final, "o que fizeste da vida?", possa respon<strong>de</strong>r:<br />
amei!<br />
TABARONE Si, é vero, ma trabalhar também é bom, eh, figlio?! Tens<br />
quase trinta anos e não ganhou dinheiro nem prás próprias<br />
meias.<br />
15
FABRÍCIO Não enquanto não conquistar Rosaura.<br />
TABARONE Rosaura? O mesmo nome da filha do lazarento do Marruá.<br />
FABRÍCIO Nomes tem muitos. A alma é única. Estou <strong>de</strong>cidido, pai:<br />
vou voltar à São Joaquim do Fim do Mundo e vou raptar,<br />
sequestrar, roubar. Não posso viver sem a Rosaura!<br />
TABARONE (BATE NO FILHO.) Ma, che vai! Vai nada, vai niente! Vaí<br />
é me ajudar no escritório, vagabundo!<br />
FABRÍCIO Você pisoteia meu coração já tão pisado...<br />
TABARONE Un uomo não po<strong>de</strong> ser capacho <strong>de</strong> mulher! Levante o coração<br />
que aqui mesmo você encontra una buona moglie.<br />
FABRÍCIO Não acredito, pai.<br />
TABARONE Eu acredito e é o bastante! E agora, andiamo, figlio. Vamo<br />
aproveitar a manhã e dar um passeio lá pros lados do Jabaquara.<br />
FABRÍCIO Andar daqui <strong>de</strong> Pirituba ao Jabaquara? Pra fazer o que,<br />
papá?<br />
TABARONE É lá que agora vive a Boracéia. Quero ver se lhe falo <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> tantos e tantos anos. Vem, filho, vamos seguir o<br />
rumo do Arco-íris!<br />
FABRÍCIO Por que o senhor po<strong>de</strong> e eu não?<br />
TABARONE Porque o meu amor non é frescura nem a Boracéia é a<br />
pistoleira que <strong>de</strong>ve ser questa tua Rosaura! (SAEM. TA-<br />
BARONE CANTA "OVER THE RAINBOW".)<br />
CENA 6 - O CAVALEIRO ANDANTE E SEU FIEL ESCU<strong>DE</strong>IRO<br />
(TEITÉ SOZINHO)<br />
JOÃO TEITÉ (AO PÚBLICO.)Belo futuro o meu! Vai alguém acreditar<br />
naquela velha vi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sgraçada! Taí, eu, João Teité,<br />
sem eira, nem beira, nem galho <strong>de</strong> ingazeira! E agora? O<br />
16
que é que um cristão faz nessa situação?<br />
Ven<strong>de</strong> a calça, aluga a camisa e empenha o calção?<br />
Amarra o fiofó com embira prá ver o lucro que tira? E já<br />
começa a bater a fome. Tá na hora <strong>de</strong> sonhar com almoço,<br />
jantar e ceia, muito alimento!, e comer pastel <strong>de</strong> ar,<br />
sopa <strong>de</strong> vento e pirão <strong>de</strong> areia! Oh, <strong>de</strong>sgraceira! Por que<br />
eu fui acreditar na peste daquela vi<strong>de</strong>nte?! (SOM <strong>DE</strong> RE-<br />
LINCHO <strong>DE</strong> CAVALO. ENTRA O GENERAL ENRICLE-<br />
NES SEGUIDO DO MAJOR ARISTÓBULO. EURICLE-<br />
NES AO VER TEITÉ NO SEU CAMINHO PARA E OLHA<br />
PARA ARITÓBULO. ESTE IMEDIATAMENTE PASSA-<br />
LHE A FRENTE.)<br />
ARISTÓBULO Desafasta! Desinfeta! Circulando! O general vai passar!<br />
JOÃO TEITÉ E o <strong>de</strong>sfile <strong>de</strong> moda militar não po<strong>de</strong> ter testemunha, é?<br />
ARISTÓBULO Eu te sangro, cabra! (TEITÉ FOGE.) Caminho livre, meu<br />
general!<br />
EURICLENES Você me acha bonito, major?<br />
ARISTÓBULO (ATÔNITO OLHA PARA O PÚBLICO E PARA O GENE-<br />
RAL.) Como macho e militar não posso emitir opinião sobre<br />
esse assunto!<br />
EURICLENES Eu respondo: sou! Sou um bom tipo, rico e com autorida<strong>de</strong>.<br />
Que mais alguém po<strong>de</strong> querer ser na vida? (RES-<br />
PON<strong>DE</strong>NDO.) Só ser mulher para casar comigo, não é,<br />
major?<br />
ARISTÓBULO É... mas não é muito. Eu tô satisfeito em continuar sendo<br />
até hoje o mesmo macho passado e escovado como vim<br />
ao mundo!<br />
EURICLENES (PENSATIVO.) Eu cansei, major!<br />
ARISTÓBULO (INCRÉDULO.) De ser macho?<br />
EURICLENES De ser solitário, imbecil! Toda minha vida <strong>de</strong>diquei às coisas<br />
militares e agora que <strong>de</strong>i baixa, com honra e louvor,<br />
sinto falta <strong>de</strong> companhia.<br />
ARISTÓBULO E eu?<br />
EURICLENES Companhia feminina, major! O senhor dorme comigo?<br />
17
ARISTÓBULO Não durmo, nem quero, nem penso! Sou macho<br />
inteiriçado!<br />
EURICLENES Pois, então! Mulher não é inimigo que a gente <strong>de</strong>clare<br />
guerra, faça campanha, ataque e obrigue a se ren<strong>de</strong>r!<br />
ARISTÓBULO O que é uma pena!<br />
EURICLENES Também acho, porque não sou <strong>de</strong> florear os modos, nem<br />
<strong>de</strong> melar a voz. E parece que são essas coisas menos<br />
machas que essas moças mo<strong>de</strong>rnas gostam.<br />
ARISTÓBULO (SOCANDO A MÃO) Se o senhor não quer se envolver,<br />
me mostre a mulher <strong>de</strong> sua escolha, me <strong>de</strong>ixe duas horas<br />
com ela que eu a faço confessar que te ama e amará por<br />
toda vida!<br />
EURICLENES Deixa <strong>de</strong> ser imbecil! Não é assim que eu quero! Eu quero<br />
uma que venha por livre e espontânea vonta<strong>de</strong>.<br />
ARISTÓBUL O Isso só consigo em quatro horas!<br />
EURICLENES Desapareça, major! (SAI. OUVE-SE GALOPE QUE SE<br />
AFASTA.)<br />
ARISTÓBULO (IN<strong>DE</strong>CISO, OLHA <strong>DE</strong> UM LADO A OUTRO. PAU-<br />
SA.IRRITADO) Que é que eu faço?!<br />
JOÃO TEITÉ (OFF)Sai que é minha vez <strong>de</strong> entrar! (MAJOR INICIA A<br />
SAÍDA.)<br />
JOÃO TEITÉ (ENTRANDO) Sai pelo mesmo lado que saiu o general.<br />
ARISTÓBULO (FURIOSO)Saio por on<strong>de</strong> bem enten<strong>de</strong>r! (SAI QUASE<br />
ATROPELANDO TEITÉ)<br />
CENA 7 - O ENCONTRO DOS FARSANTES<br />
JOÃO TEITÉ Maldiçoados os patrões, as vi<strong>de</strong>ntes e os atores que não<br />
sabem a marcação! Viram essa coisa? Se não abro o olho<br />
eu apanho como personagem e como ator. (ENTRA MA-<br />
TIAS CÃO. TEITÉ E MATIAS OLHAM-SE, ME<strong>DE</strong>M-SE.)<br />
Que é que tá olhando? Gostou, leva!<br />
18
MATIAS CÃO Olha essa boca, pedaço <strong>de</strong> mal vivente! Estou<br />
olhando porque acho que estou lhe conhecendo, seu<br />
estrovenga!<br />
JOÃO TEITÉ É mesmo! Frutinha, quitempo! On<strong>de</strong> você andou, querida?<br />
MATIAS CÃO Ensinando seu pai a ser homem! Vem aqui que vou te ensinar<br />
também! (CORRE ATRÁS <strong>DE</strong> TEITÉ E DÁ-LHE<br />
UNS CASCUDOS.)<br />
JOÃO TEITÉ Mas que coisa, que mau humor! Não se po<strong>de</strong> nem brincar<br />
com a falta <strong>de</strong> virilida<strong>de</strong> dos outros?<br />
MATIAS CÃO Não!<br />
JOÃO TEITÉ Então vamos falar a sério. Há quanto tempo você é assim?<br />
MATIAS CÃO Vou te <strong>de</strong>storcer o pescoço!<br />
JOÃO TEITÉ Tá bom, tá bom! Você também não me é estranho. Ah, a<br />
gente se encontrou o ano passado no teatro das nações,<br />
na São João.<br />
MATIAS CÃO Não me lembro. Estou a procura <strong>de</strong> emprego.<br />
JOÃO TEITÉ E sabe fazer o que?<br />
MATIAS CÃO Muitas inúmeras entre as quais várias. Mas o que eu sei<br />
mesmo fazer é namorar, aprontar e sair bem das confusões.<br />
JOÃO TEITÉ Namorar com mulher, eu suponho.<br />
MATIAS CÃO Olha, sujeito...<br />
JOÃO TEITÉ Eu só pergunto prá não pairar nenhuma dúvida! (ENTRA<br />
MARRUÁ E LITERALMENTE SE JOGA NOS BRAÇOS<br />
<strong>DE</strong> TEITÉ.)<br />
MANÉ MARRUÁ Teité! Meu amigo! (ABRAÇA-O SOLUÇANDO.) Tens que<br />
me perdoar. De que vale a vida sem os amigos?<br />
MATIAS CÃO Vocês eram amancebados?<br />
JOÃO TEITÉ Ele era meu patrão.<br />
19
MATIAS CÃO E você era o que? A secretária?<br />
JOÃO TEITÉ Tenha compostura, seu Marruá!<br />
MANÉ MARRUÁ Então prometa que volta. Eu te emprego <strong>de</strong> novo.<br />
JOÃO TEITÉ Não quero.<br />
MATIAS CÃO Eu quero.<br />
JOÃO TEITÉ (EMPURRANDO MARRUÁ.) Não vale a pena. Quando<br />
passa a bebe<strong>de</strong>ira ele tiraniza os empregados.<br />
MANÉ MARRUÁ Eu juro que vou ser sempre bom do você. Vou até cumprir<br />
a CLT, dar férias, aumento...<br />
JOÃO TEITÉ Ocê bebeu mesmo, hein, Marruá!<br />
MANÉ MARRUÁ Eu te nomeio gerente da minha mercearia!<br />
MATIAS CÃO Aceita!<br />
JOÃO TEITÉ De jeito nenhum! Num aguento mais. De noite ele bebe,<br />
vira santo; <strong>de</strong> dia, cura a ressaca e vira bicho.<br />
MATIAS CÃO É fácil. É só você manter esse barril português sempre<br />
cheio, dia e noite!<br />
JOÃO TEITÉ Como é que eu nunca tinha pensado nisso! Ocê é um gênio!<br />
Nós dois juntos vamos tem um longo futuro. (CUM-<br />
PRIMENTA) João Teité.<br />
MATIAS CÃO Matias Cão.<br />
JOÃO TEITÉ Está bem, seu Marruá. Eu aceito se o senhor contratar<br />
também o meu amigo aqui como meu serviçal.<br />
MATIAS CÃO Serviçal?<br />
JOÃO TEITÉ Eu não sei se você é capacitado prá ser meu empregado.<br />
Se passar na experiência...<br />
MANÉ MARRUÁ Aceito. Eu sou um homem bom e justo. E tudo hei <strong>de</strong> fazer<br />
para me redimir perante você, João Teité. (<strong>DE</strong>SABA<br />
SOBRE TEITÉ.)<br />
20
JOÃO TEITÉ Po<strong>de</strong> começar me ajudando aqui, Matias.<br />
(CARREGAM MARRUÁ PARA CASA. MARRUÁ, ABRA-<br />
ÇADO AOS DOIS VAI CANTANDO.)<br />
CENA 8 - TEITÉ COMEÇA A SUBIR NA VIDA<br />
(CHEGAM CARREGANDO MARRUÁ ATÉ A CASA <strong>DE</strong>S-<br />
TE. NA J<strong>ANEL</strong>A ASSOMA BORACÉIA.)<br />
BORACÉIA Que razia dos infernos estão a fazer sob minha janela?!<br />
JOÃO TEITÉ É o seu Marruá, vosso marido.<br />
BORACÉIA Joguem no bueiro! Rolem essa pipa la<strong>de</strong>ira abaixo porque<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> minha casa essa esponja não entra!<br />
MANÉ MARRUÁ (ACORDANDO) Que está a falar, ó besta do apocalipse?!<br />
Esta casa é minha!<br />
BORACÉIA Sim, é sua! A cara também é sua e o tabefe vai ser meu!<br />
Fique a esperar que eu já <strong>de</strong>sço! (SOME <strong>DE</strong>NTRO <strong>DE</strong><br />
CASA.)<br />
MATIAS CÃO Ave maria, quem é a besta-fera?<br />
JOÃO TEITÉ Sua nova patroa.<br />
MATIAS CÃO Então, acho melhor eu pedir <strong>de</strong>missão!<br />
MANÉ MARRUÁ Empregado meu não pe<strong>de</strong> <strong>de</strong>missão sem minha or<strong>de</strong>m!<br />
Deixa que a cascavel venha que hoje ela encontra quem<br />
lhe tira o veneno!<br />
BORACÉIA Raspa-te daqui e só volte quando estiveres sóbrio!<br />
MANÉ MARRUÁ Em minha casa eu entro sóbrio, bêbado, como estiver!<br />
BORACÉIA Nem és louco!<br />
MANÉ MARRUÁ Bem se vê que louco sou por ter-me casado com uma<br />
hárpia como tu!<br />
21
BORACÉIA Ái! Ái, que me <strong>de</strong>scabeço, e planto uma mão<br />
no meio <strong>de</strong> tuas fuças! E esses dois? De que matilha tiraste<br />
esses cachorros?<br />
MANÉ MARRUÁ São meus novos empregados!<br />
BORACÉIA Ái, que ainda te enveneno! (MARRUÁ ENTRA) Pico-te a<br />
canivete, amarro-te e incen<strong>de</strong>io-te à cama! (FIXA TEITÉ.<br />
ESTE SE ENCOLHE.) Com o que, conseguiste voltar! Tu<br />
ainda ganha o teu e eu é que vou dar. E tu!? (MATIAS<br />
PULA ASSUSTADO) Quem és? De on<strong>de</strong> vieste?<br />
MATIAS CÃO Matias Cão. Vim do sertão, da barriga da minha mãe, vim<br />
da rua e chego aqui <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tantos anos só para servila,<br />
madame.<br />
BORACÉIA (MEDIANAMENTE INTERESSADA) Hum! Tens a língua<br />
afiada!<br />
MATIAS CÃO E está para serví-la.<br />
BORACÉIA Jesus!<br />
MATIAS CÃO Não me entenda mal. Sei cantar, sei levar recado muito<br />
bem e sei muito bem aconselhar.<br />
BORACÉIA És bem apanhado <strong>de</strong> carnes, bem rijo! Talvez até te tome<br />
a meu serviço. Mas não me entendas mal. (SAI.)<br />
JOÃO TEITÉ Que é que ocê tá cevando as galinhas do meu terreiro!?<br />
MATIAS CÃO Po<strong>de</strong> ficar que essa canja não me apetece.<br />
JOÃO TEITÉ E prá ocê largar <strong>de</strong> ser saliente po<strong>de</strong> ir <strong>de</strong>scarregar o caminhão<br />
que chegou no armazém. Depois volta aqui que<br />
ainda tem muito trabalho.<br />
MATIAS CÃO Mas nem bem cheguei<br />
JOÃO TEITÉ E tome cuidado prá já não sair. Vai! Vai! Vai! (MATIAS<br />
SAI.) Eu preciso é abrir o olho. Esse um é muito ladino.<br />
Deixa o ninho, passarim, que na volta não vê ovo, só vê<br />
chupim! Mas tá prá nascer quem me leve no bico, quem<br />
me tire as meias sem tirar o sapato. Seu Matias, tira-se o<br />
leite on<strong>de</strong> há pasto! E no curral berra o boi mais esperto!<br />
(ENTRA. LENTAMENTE APAGA-SE A LUZ.)<br />
22
CENA 9 - RONDA NOTURNA<br />
(ANTES QUE A LUZ CAIA TOTALMENTE, OUVE-SE O<br />
RELINCHAR <strong>DE</strong> UM CAVALO E TROPEL. ENTRA A-<br />
RISTÓBULO.)<br />
ARISTÓBULO Eis que o general Euriclenes faz sua heróica e corajosa<br />
ronda noturna pelo bairro. Fujam <strong>de</strong>socupados, tremam<br />
bandidos, corram assaltantes! E or<strong>de</strong>m e silêncio até as<br />
seis da manhã! Tenho dito! (SAI. A LUZ CAI.)<br />
CENA 10 - POR CIMA DA CARNE SECA<br />
(PASSA-SE UM TEMPO. TEITÉ SUBIU NA VIDA. ESTA<br />
AGORA DIFERENTE NO JEITO E NOS TRAJES.)<br />
JOÃO TEITÉ (AO PÚBLICO)Ô, vidão! Boa comida, boa bebida, boa<br />
cama! Prá completar só falta uma mulher. E tô aqui, matutando,<br />
que não quero mulher prá dividir o que eu ganho.<br />
Quero mulher prá somar ao que eu já tenho. Quero uma<br />
her<strong>de</strong>ira. O senhor, não <strong>de</strong>ve ser muito inteligente mas já<br />
percebeu o que eu quero: a Rosaura, a filha do Marruá.<br />
(ENTRA MATIAS)Deixa o tempo correr que ele corre é ao<br />
meu favor! (A MATIAS) Que é que tava aí escondido, me<br />
escuitando? Queria me pegar no sofragante? Sou capivara,<br />
sou? Ocê é onça prá me atocaiar?!<br />
MATIAS CÃO JÁ estou arribando.<br />
JOÃO TEITÉ Fica que ainda não fin<strong>de</strong>i o sermão! Ocê é um empregado<br />
muito do subalterno, muito do mexeriqueiro!<br />
MATIAS CÃO (IRRITANDO-SE) Olha...<br />
JOÃO TEITÉ Olha o quê? Ocê é, mas é um sarambé sem mourão que<br />
te apoie, sem telheiro que te abrigue. Ora, se não é!<br />
23
MATIAS CÃO Olha, Teité...<br />
JOÃO TEITÉ Teité, não, que prá você sou seu João, "seu" bo<strong>de</strong> reiúno<br />
<strong>de</strong>scurralado!<br />
MATIAS CÃO (PEGANDO PELOS COLARINHOS.) Não se arvora <strong>de</strong><br />
valente, chibiu <strong>de</strong> sapo! Te faço ver quantos palmos tem<br />
do calcanhar ao cotovelo, sojeito à toa!<br />
JOÃO TEITÉ (ACOVARDANDO-SE) Calma, seu Matias! Depois que inventaram<br />
argumento prá que violência? O senhor me<br />
<strong>de</strong>sculpe se eu...<br />
MATIAS CÃO Depois que apareceu "<strong>de</strong>sculpa", cabra safado não apanha<br />
mais! (EMPURRA TEITÉ) Abre seu olho, apure os<br />
ouvidos e dobre sua língua! (ENTRA MARRUÁ E BORA-<br />
CÉIA DISCUTINDO EM ALTOS BRADOS.)<br />
MANÉ MARRUÁ Nos meus negócios mando eu!<br />
BORACÉIA Mandas nada! És um gajo atoleimado que não sabe fazer<br />
um "ó" com o traseiro!<br />
MANÉ MARRUÁ Não me venhas...<br />
BORACÉIA (INTERRROMPENDO E AMEAÇANDO) Venho! Vou, seu<br />
palerma! E não ouses levantar a voz que te quebro o toutiço,<br />
"sua" arroba <strong>de</strong> toucinho!<br />
MANÉ MARRUÁ Eu não discuto mais! (AFASTA-SE)<br />
BORACÉIA Você não per<strong>de</strong> por esperar. (PARA MATIAS E TEITÉ) E<br />
nem vocês! Aproveitem o dia <strong>de</strong> hoje que amanhà... o <strong>de</strong><br />
vocês está guardado!(SAI FURIOSA.)<br />
JOÃO TEITÉ Bom dia, meu caro patrão!<br />
MANÉ MARRUÁ Vai puxar o saco <strong>de</strong> seu avô, imprestável! (MATIAS RI)<br />
JOÃO TEITÉ Vai rindo, bestão, que se eu me <strong>de</strong>r mal, você me segue<br />
pelo mesmo caminho!<br />
MANÉ MARRUÁ Alguém me traz um copo d'agua! Parece que bebo há<br />
quinze dias sem parar!<br />
MATIAS CÃO Há <strong>de</strong>zessete!<br />
24
MANÉ MARRUÁ Que dizes?<br />
JOÃO TEITÉ Nada. Vai buscar água para seu patrão, peste!<br />
MATIAS CÃO Qual água?<br />
JOÃO TEITÉ Aquela que peru bebe na véspra!<br />
MANÉ MARRUÁ Ái, que dor <strong>de</strong> cabeça!<br />
JOÃO TEITÉ Quer um remédio?<br />
MANÉ MARRUÁ Quero: venda-me a Boracéia e você vá junto como troco!<br />
JOÃO TEITÉ Depressa, Matias! (ENTRA MATIAS) Botou álcool carburante?<br />
MATIAS CÃO Do jeito que você sempre manda.<br />
JOÃO TEITÉ Tome, seu Marruá.<br />
MANÉ MARRUÁ Que coisa é essa? Não vou tomar essa porcaria.<br />
JOÃO TEITÉ São ór<strong>de</strong>ns do médico! O seu fígado está fazendo muito<br />
mal prá bebida!<br />
MANÉ MARRUÁ Não vou tomar nada!<br />
JOÃO TEITÉ Ajuda, Matias. Que é caso <strong>de</strong> vida ou <strong>de</strong> morte! Segura!<br />
Aperta o nariz que ele abre a boca! (AGARRAM MARRUÁ<br />
E OBRIGAM QUE ELE TOME A BEBIDA A FORÇA.<br />
MARRUÁ BEBE E FICA ALGUNS MOMENTOS CATA-<br />
TÔNICO. <strong>DE</strong>POIS ABRE UM SORRISO IDIOTA E A-<br />
BRAÇA TEITÉ.) Desta vez foi por pouco! Me ajuda a levar<br />
esse traste prá <strong>de</strong>ntro. Fica <strong>de</strong> olho, porque se o Marruá<br />
sair da bebe<strong>de</strong>ira mais uma vez ocê tá no olho da rua!<br />
(SAEM.)<br />
CENA 11 - UM ENCONTRO POUCO ROMÂNTICO<br />
FABRÍCIO Vai lá, papá.<br />
(ENTRAM TABARONE E FABRICIO)<br />
25
TABARONE Nó. Io nón me aproximo da casa daquele salafrário!<br />
Há mais <strong>de</strong> vinte anni que somos inimigos!<br />
FABRÍCIO Há mais <strong>de</strong> quinze dias que estamos nesse cerca-galinha<br />
e o senhor não se <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>!<br />
TABARONE Fica quieto e non reclama. Veja, está saindo alguém!<br />
(ENTRA MATIAS)<br />
MATIAS CÃO Eu ainda pego esse Teité, dou-lhe um bofete no pau da<br />
venta que <strong>de</strong>sencaminho o infeliz! Mineirinho sem vergonha!<br />
Português muquirana! Casa <strong>de</strong> doidio!<br />
FABRÍCIO Vamos lá. Aquele <strong>de</strong>ve ser empregado da casa. (CHA-<br />
MANDO) Ô!<br />
MATIAS CÃO (IRRITADO) Ô é breque <strong>de</strong> burro!<br />
FABRÍCIO Psiu!<br />
MATIAS CÃO Psiu, é marafaia chamando homem!<br />
FABRÍCIO (PEGANDO-O PELOS COLARINHOS.)E agora?<br />
MATIAS CÃO Agora, sim, é mão <strong>de</strong> macho! (FABRÍCIO EMPURRA-O.)<br />
E me pegunto o que faz uma mão tão macha numa frutinha<br />
tão <strong>de</strong>licada? (FABRÍCIO AVANÇA SOBRE MATIAS<br />
QUE CORRE E O PROVOCA.)<br />
MATIAS CÃO Venha, se tu é macho!<br />
FABRÍCIO Eu vou se você é macho <strong>de</strong> me esperar! (VAI. MATIAS<br />
CORRE.)<br />
MATIAS CÃO Sou macho mas não sou é besta! (TABARONE DÁ UM<br />
CASCUDO NO FILHO.)<br />
TABARONE Ma pára com questa confuzzione, male<strong>de</strong>tto! Que chamar<br />
atencón?! (A MATIAS) Per favor, signore, <strong>de</strong>sculpa. Nós<br />
só queremos una informaçón.<br />
MATIAS CÃO Aí, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>. Tenho informação prá ven<strong>de</strong>r, trocar e até<br />
alugar. Prá dar mesmo, só nome <strong>de</strong> rua.<br />
TABARONE A gente queria saber se nessa casa ainda moram dona<br />
Boracéia e o cretino do Marruá.<br />
26
MATIAS CÃO E eu queria saber qual a razão do interesse.<br />
TABARONE Bene...<br />
FABRÍCIO Meu pai cospe e baba pela dona da casa!<br />
MATIAS CÃO Pela Boracéia? Interna o velho!<br />
TABARONE Come?<br />
MATIAS CÃO Eu sinto muito, mas sou empregado <strong>de</strong> confiança! Não<br />
dou informação prá quem eu não conheço!<br />
FABRÍCIO E ven<strong>de</strong>?<br />
MATIAS CÃO Quem pensa que eu sou? Uma besta? É claro que vendo!<br />
(FABRÍCIO DÁ-LHE DINHEIRO.) A dona da casa é a Boracéia,<br />
sim, só que não vai ser muito tempo. Primeiro<br />
porque vive brigando com o Marruá...<br />
TABARONE Ma que bella notícia!<br />
MATIAS CÃO E <strong>de</strong>pois porque a filha do Marruá, a Rosaura, não suporta<br />
a madrasta. A menina <strong>de</strong>ve chegar por esses dias <strong>de</strong><br />
São Joaquim do fim do Mundo. Se formou em numa tal <strong>de</strong><br />
"Ciência Sociável"!<br />
FABRÍCIO A Rosaura? Só po<strong>de</strong> ser ela, papá! É a mesma! Ah, meu<br />
Deus do Céu, com que felicida<strong>de</strong>...<br />
TABARONE Ma, baixa um pouco a poeira da frescura!<br />
FABRÍCIO Fale mais sobre ela.<br />
MATIAS CÃO Muito interessado, hein? Mais cinquenta!<br />
FABRÍCIO Isso é especulação!<br />
MATIAS CÃO Lei da oferta e procura!<br />
TABARONE Eu non pago. Já sei o que queria.<br />
FABRÍCIO Não faz isso comigo, papá!<br />
MATIAS CÃO Mas eu po<strong>de</strong>ria ser útil com outras informações..<br />
27
TABARONE Enton, vamos negociar. (DISCUTEM BAIXO.<br />
ENTRA ROSAURA E MATEÚSA. ESTA ÚLTIMA TEM<br />
UM FORTE SOTAQUE CAIPIRA.)<br />
ROSAURA Estou morta. A gente podia ter vindo <strong>de</strong> metrô.<br />
MATEÚSA Ma nem morta e atada <strong>de</strong> pé e mão eu entro naquela quizília<br />
<strong>de</strong> trem que anda na barriga da terra, prima!<br />
ROSAURA (RECONHECENDO FABRÍCIO.)Fecha o bico, Mateúsa!<br />
Olha lá!<br />
MATEÚSA Pr'amor <strong>de</strong> quê o Fabricio tá ali <strong>de</strong> prosa?<br />
ROSAURA É o que eu queria saber. Como ele <strong>de</strong>scobriu a casa <strong>de</strong><br />
meu pai?<br />
MATEÚSA É aqui que ocê é moradora, prima? Que casona, cheia <strong>de</strong><br />
fanfreluches, <strong>de</strong> riquefifes! Igual casa rica <strong>de</strong> rico!<br />
ROSAURA (IRRITADA) Esse traste não sai do meu pé!<br />
MATEÚSA Ah, eu com um traste <strong>de</strong>sse cachorrando no meu calcanhar!<br />
Eu amarrava o homem com peia <strong>de</strong> embira, tal qual<br />
se pren<strong>de</strong> boi prá ferrar. E só soltava no altar com ele botando<br />
liança no meu <strong>de</strong>do!<br />
ROSAURA Cala a boca, prima!<br />
MATEÚSA Se ieu fosse ocê, ieu já tinha comprometido o homem <strong>de</strong><br />
tal modo que ele casava no padre ou no <strong>de</strong>legado!<br />
ROSAURA Deixa <strong>de</strong> bestagem! (MATIAS, TABARONE E FABRÍCIO<br />
APERTAM-SE AS MÃOS. TABARONE E FABRÍCIO SA-<br />
EM.)<br />
MATIAS CÃO Eita, que a coisa tá começando a ficar do jeito que eu<br />
gosto! (ENTRAM TEITÉ ESCORANDO MARRUÁ.)<br />
MANÉ MARRUÁ Vamos, seu Matias! Vamos tomar um gole!<br />
JOÃO TEITÉ Não! Ocê fica tomando conta <strong>de</strong> tudo. Eu logo volto!(SAEM)<br />
ROSAURA Papai!<br />
MATEÚSA Aquele era o tio Marruá?<br />
28
ROSAURA Parecia. Vamos lá que eu quero ter uma<br />
conversa com aquele sujeitinho ali!<br />
CENA 12 - ARMAÇÃO <strong>DE</strong> CILADAS<br />
ROSAURA (A MATIAS QUE ENTRAVA) Não entra ainda não que eu<br />
quero fazer umas perguntas.<br />
MATIAS CÃO (SOLÍCITO)A pergunta é <strong>de</strong> graça, a resposta <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>...<br />
ROSAURA E <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do que?<br />
MATIAS CÃO (MALICIOSO)Do que eu ganho em troca.<br />
MATEÚSA Quem pe<strong>de</strong> o que quer po<strong>de</strong> ganhar o que não apreceia!<br />
MATIAS CÃO Qualquer coisa vinda <strong>de</strong> vocês é um presente!<br />
ROSAURA Que o Fabrício e o pai <strong>de</strong>le queriam aqui?<br />
MATIAS CÃO E porque a senhorita quer saber?<br />
MATEÚSA Ela perguntou primeiro!<br />
ROSAURA Aquele que saiu bêbado era o Marruá?<br />
MATIAS CÃO Prá que quer saber?<br />
MATEÚSA Faço com ele o que faço com burro empacado lá na fazenda,<br />
prima?<br />
MATIAS CÃO Que faz nada! Sou empregado <strong>de</strong> respeito e <strong>de</strong> confiança!<br />
Sobre o que se passa nesta casa eu sou um túmulo!<br />
MATEÚSA Deixa que eu <strong>de</strong>senterro o morto! (AGARRA MATIAS E<br />
DÁ-LHE UMA CHAVE <strong>DE</strong> BRAÇO.) Ela é Rosaura, filha<br />
do Marruá e eu sou a prima torta <strong>de</strong>la.<br />
MATIAS CÃO Pois, prá mim, a senhora até que é bem certinha. (MA-<br />
TEÚSA TORCE SEU BRAÇO.) Ái, dona! Não faz isso que<br />
doi. Tô gostando, mas doi! Ai!<br />
ROSAURA Fala!<br />
29
MATIAS CÃO Ai! O intaliano pediu prá eu levar um bilhete<br />
<strong>de</strong> amor prá Boracéia e o filho veio atrás <strong>de</strong> notícia da<br />
Rosaura!<br />
ROSAURA Desgraçados!<br />
MATIAS CÃO Ou a senhora me solta ou vai se arrepen<strong>de</strong>r!<br />
MATEÚSA O que vai fazer?<br />
MATIAS CÃO Me apaixonar! Não aguento mulher <strong>de</strong> mão pesada! (MA-<br />
TEÚSA TORCE MAIS O BRAÇO) Ai! Ái, bem! (ESTEN-<br />
<strong>DE</strong>NDO O BRAÇO LIVRE.) Torce esse outro também. Me<br />
bate, me machuca, me usa <strong>de</strong> tapete, me risca <strong>de</strong> chicote!<br />
MATEÚSA (SOLTANDO ASSUSTADA) Esse homem é doido!<br />
MATIAS CÃO (GEME) Ave, Maria! Ô, mão <strong>de</strong> alicate! A senhora nunca<br />
pensou em domar cavalo em ro<strong>de</strong>io, dona?<br />
ROSAURA Ah!, meu Deus! Depois <strong>de</strong> tanto tempo voltar prá casa em<br />
encontrar meu pai nesse estado. Com certeza está assim<br />
por causa daquela cobra da Boracéia!<br />
MATIAS CÃO Eita, então a senhora é a filha <strong>de</strong>le, mesmo?<br />
MATEÚSA Ainda não crê?<br />
MATIAS CÃO Bem, dona, então é melhor a senhora abrir o olho que a<br />
coisa aqui vai <strong>de</strong> mal a pior!<br />
ROSAURA Eu vou entrar e botar a Boracéia prá fora é na porrada!<br />
MATEÚSA (SEGURANDO ROSAURA) Calma, prima, que boi não se<br />
pega pelo chifre e novilho se <strong>de</strong>rruba é pelo rabo! Ocê <strong>de</strong><br />
que lado fica?<br />
MATIAS CÃO Como o que menos apita é o que primeiro grita, eu fico do<br />
lado <strong>de</strong> vocês. Mas com uma condição:<br />
ROSAURA E qual é?<br />
MATIAS CÃO Que a proxima vez que essa mão-<strong>de</strong>-torquês me pegar<br />
seja só prá me amaciar a carne!<br />
MATEÚSA Eu te pego é agora, con<strong>de</strong>nado!<br />
30
MATIAS CÃO (CÍNICO)Agora, não, que não é hora nem lugar!<br />
MATEÚSA Prima, eu esbo<strong>de</strong>go esse um!<br />
ROSAURA Deixa, Mateúsa. Vamos pensar em armar uma boa prá<br />
aquela jararaca!<br />
MATIAS CÃO E prá um sujeitinho muito do sem-vergonha também! Entrem<br />
que eu vou contar tudinho a vocês. (ENTRAM)<br />
CENA 13 - A PAIXÃO <strong>DE</strong> BORACÉIA<br />
BORACÉIA Matias! Ô, Matias! (ENTRA MATIAS. BORACÉIA PISCA<br />
PARA ELE INSINUANTEMENTE. MATIAS FICA PER-<br />
PLEXO. BORACÉIA O CHAMA COM O INDICADOR.<br />
MATIAS SE APROXIMA RECEOSO.) O que acha?<br />
MATIAS CÃO Do que?<br />
BORACÉIA Do material.<br />
MATIAS CÃO Prá dizer a verda<strong>de</strong>, dona Boracéia...<br />
BORACÉIA Cuidado que, às vezes, um gajo <strong>de</strong>ve mentir!<br />
MATIAS CÃO Bem... os alicerces são bem sólidos, a arquitetura... é<br />
bem resolvida... o problema todo é o acabamento! As varandas<br />
já estão meio caidas...<br />
BORACÉIA Que dizes, imbecil!<br />
MATIAS CÃO Que prá quem gosta é um prato cheio!<br />
BORACÉIA E gostas?<br />
MATIAS CÃO Nem tão pouco mas também nem tanto, nem assado nem<br />
assim, nem meio a favor nem muito pelo contrário!<br />
BORACÉIA Que queres dizer?<br />
MATIAS CÃO (AMBÍGUO) Que a senhora é <strong>de</strong>mais!<br />
BORACÉIA E isso tudo talvez po<strong>de</strong> ser seu!<br />
31
MATIAS CÃO (ASSUSTADO)Meu?!<br />
BORACÉIA Eu disse talvez! Se me ajudares talvez eu possa me dar<br />
uma noite a ti como prêmio.<br />
MATIAS CÃO Não!<br />
BORACÉIA Sim. E para isso tens apenas que fazer uma coisa: me aju<strong>de</strong><br />
a matar o meu marido!<br />
MATIAS CÃO Matar o Marruá até que não é má idéia. O problema é o<br />
prêmio.<br />
BORACÉIA Que queres dizer!?<br />
MATIAS CÃO Que não é preciso teu sacrifício nem eu seria um cavalheiro<br />
se aproveitasse da senhora!<br />
BORACÉIA (AUTORITÁRIA)Eu digo se quero ser aproveitada ou não!<br />
MATIAS CÃO (ENTREGANDO-LHE O BILHETE <strong>DE</strong> TABARONE.) Não<br />
preciso ajudá-la a matar o Marruá.<br />
BORACÉIA Ele já morreu?<br />
MATIAS CÃO Não, mas leia!<br />
BORACÉIA (LENDO)Jesus! Tabarone! Aquele pé rapado que queria<br />
casar comigo antes do Marruá! Quem pensa que é para<br />
me mandar bilhetes?! (IRRITADA, PARA MATIAS.)E por<br />
quem me tomas, peralvilho?! Sou às direitas! E penso que<br />
tu e o Tabarone vão levar com as mãos nas fuças!<br />
MATIAS CÃO (TRANQUILO)Tá mais rico que um bispo!<br />
BORACÉIA Quem?<br />
MATIAS CÃO Tabarone. Tem <strong>de</strong>z vezes mais dinheiro que o Marruá.<br />
BORACÉIA (TRANSITANDO DA RAIVA À PAIXÃO) Ah, é? E que<br />
pensa ele? Que po<strong>de</strong> me comprar, que estou à venda?<br />
Sentimentos não tem preço e sauda<strong>de</strong>s às vezes doi tanto<br />
e tão fundamente... Quem ele pensa que é? (SOLU-<br />
ÇA)Depois <strong>de</strong> tanto tempo vir assim, confundir meus sentimentos.<br />
Devo fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao meu casamento.<br />
MATIAS CÃO Então vou dizer a ele prá per<strong>de</strong>r as esperanças.<br />
32
BORACÉIA Se bem que... quem é capaz <strong>de</strong> resistir à<br />
paixão? Como posso eu sufocar um sentimento que sobreviveu<br />
tantos anos?<br />
MATIAS CÃO Que resposta eu levo?<br />
BORACÉIA Que ele me prove que merece o meu amor! Vai, rápido,<br />
voa! Ah, Taborone! Que sauda<strong>de</strong>s! (MATIAS SAI)<br />
CENA 14 - A TRAMA SE ESTEN<strong>DE</strong><br />
(MATIAS CÃO ATRAVESSA CORRENDO TODA A EX-<br />
TENSÃO DO PALCO, MIMANDO A TRAVESSIA DA CI-<br />
DA<strong>DE</strong> E IRRADIANDO OS INCI<strong>DE</strong>NTES DA TRAVESSIA<br />
COMO FOSSE UM LOCUTOR <strong>DE</strong> FUTEBOL.)<br />
MATIAS CÃO E aqui vai Matias Cão, engatando uma primeira, cantando<br />
pneu e arrastando a sandália, passando livre pelas três<br />
primeiras ruas do Jabaquara em direção ao centro da cida<strong>de</strong>.<br />
Evita um assalto a mão armada na Vila Mariana,<br />
dribla sensacionalmente dois motoristas paranóicos no<br />
cruzamento do Paraíso, ultrapassa no peito e na raça<br />
uma passeata grevista em plena Avenida Paulista. Percebe<br />
que tomou metrô errado, evita chegar a linha <strong>de</strong> fundo<br />
da Estação Clínicas e retorna <strong>de</strong> novo ao Paraíso. Avança<br />
novamente pela linha norte-sul, evita a torcida <strong>de</strong> porco<br />
palmeirense que faz ba<strong>de</strong>rna na estação Vergueiro <strong>de</strong>pois<br />
da <strong>de</strong>rrota <strong>de</strong> quatro a zero para o Corinthians e chega<br />
sensacionalmente à Estação da Luz. Faz que vai mas não<br />
vai e toma o subúrbio. Livra-se com um jogo <strong>de</strong> corpo dos<br />
marreteiros do trem, avança em direção à Lapa, ultrapassa<br />
Piqueri, dribla com classe um arrastão <strong>de</strong> pivete no último<br />
vagão e chegooooouuuu! Chegooouu a Pirituba! Pirituba!<br />
Pirituba!<br />
TABARONE Ma que foi, Dio Mio? Que gritaria <strong>de</strong> maluco é questa?!<br />
MATIAS CÃO Ô, seu Tabarone! Vim correndo porque tenho ótimas notícias!<br />
33
TABARONE Enton, diz logo, porca miséria!<br />
MATIAS CÃO E o nosso acordo?<br />
TABARONE Primeiro me diz a notícia, dopo io pago.<br />
MATIAS CÃO Quanto?<br />
TABARONE Depen<strong>de</strong> da notícia.<br />
MATIAS CÃO Quando falei no seu nome a Boracéia caiu em prantos,<br />
lamentou o <strong>de</strong>stino e se disse arrependida <strong>de</strong> ter casado<br />
com o Marruá!<br />
TABARONE Dio, que felicitá!<br />
MATIAS CÃO Disse que o Marruá é um tirano que está acabando com<br />
sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver!<br />
TABARONE Que cretino!<br />
MATIAS CÃO Até ameaça bater nela!<br />
TABARONE Tem que chamar a polícia! Por que ela não sai daquela<br />
casa?<br />
MATIAS CÃO Ela lamenta não ter prá on<strong>de</strong> ir. Me disse, com lágrimas<br />
nos olhos que não tem ninguém que olhe por ela!<br />
TABARONE Come non tem? E io?<br />
MATIAS CÃO Foi o que falei. Mas ela não quer. Diz que não te merece<br />
e que tem vergonha e remorso da má escolha que fez ficando<br />
com o Marruá! (TABARONE SOLUÇA COMOVI-<br />
DO.)<br />
TABARONE Que gran<strong>de</strong> alma! Que sensibilida<strong>de</strong>! (ENTRA FABRÍCIO.<br />
TABARONE O ABRAÇA E BEIJA SUA TESTA.) Figlio!<br />
Figlio! Ela me ama! Sempre me amou! (À MATIAS) Pois,<br />
volte no mesmo pé que veio e diga a ela que io serei o<br />
seu libertador! Io vou lá agora e...<br />
MATIAS CÃO Não, seu Tabarone! Primeiro que o Marruá está lá e po<strong>de</strong><br />
dar confusão. E <strong>de</strong>pois não acho que a dona Boracéia vai<br />
querer <strong>de</strong>struir seu casamento! Ela é fiel ao marido!<br />
34
TABARONE Si, é um anjo: inocente e singela! Enton! O<br />
que faço com questa paixón que me está presa no peito?<br />
MATIAS CÃO Um rapto!<br />
TABARONE Come?<br />
MATIAS CÃO A gente espera a noite quando todo mundo estiver dormindo<br />
e rouba a Boracéia.<br />
TABARONE Io topo! Io topo!<br />
FABRÍCIO Eu também!<br />
TABARONE (BATE NO FILHO) Ma que pensa, cretino? Que io vou dividir<br />
a Boracéia com você?<br />
MATIAS CÃO Se eu conheço bem a bisca três <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong> vocês<br />
não dão conta <strong>de</strong> segurar a fera!<br />
TABARONE Que disse?<br />
MATIAS CÃO Nada!<br />
FABRÍCIO Papá, estou falando em raptar também a Rosaura! Mata<br />
duas coelhinhas com uma paulada só!<br />
TABARONE Bem pensado, isso é lucro! Dois raptos pelo preço <strong>de</strong> um!<br />
MATIAS CÃO Ih, fe<strong>de</strong>u!<br />
TABARONE E dopo, io ferro o Marruá roubando a mulher e a filha! Bene,<br />
bene!<br />
MATIAS CÃO Ma chè bene? Chè bene? Questo é molto male trovato! Io<br />
non concordo!<br />
TABARONE Que non concorda? Quem é você prá non concordar?<br />
FABRÍCIO É isso! Não atravessa o meu caminho! Vamos lá hoje à<br />
noite e vamos roubar as duas. Você nos faz entrar na casa<br />
e nos ajuda. (MATIAS ESTEN<strong>DE</strong> A MÃO. TABARONE<br />
OLHA E DISFARSA.)<br />
MATIAS CÃO Sem dinheiro não tem porta aberta.<br />
FABRÍCIO Paga, pai!<br />
35
TABARONE (PAGANDO) Mercenário! (MATIAS PEGA O<br />
DINHEIRO, GUARDA E ESTEN<strong>DE</strong> A OUTRA MÃO.)<br />
MATIAS CÃO Este foi pela notícia do começo. Estão ainda me <strong>de</strong>vendo<br />
pela idéia e pela organização do rapto!<br />
TABARONE Io te amazzo a muque, cretino!<br />
MATIAS CÃO E io conto tutto, tutto à Boracéia e Rosaura. E addio, rapto;<br />
e addio, amore!<br />
FABRÍCIO Paga, papá!<br />
TABARONE Tu está especulando com o sentimento humano, é um gigolô<br />
da paixão alheia. Ma se <strong>de</strong>r alguma cosa errada, tu é<br />
un'uomo morto!<br />
MATIAS CÃO Só tem uma coisinha: com essa história <strong>de</strong> rapto eu vou<br />
per<strong>de</strong>r o meu emprego.<br />
TABARONE Se tutto <strong>de</strong>r certo io te dou um emprego. Ma se non <strong>de</strong>r...<br />
E agora vá! (ENTRA JUNTAMENTE COM O FILHO)<br />
MATIAS CÃO Ixe, que agora a coisa não tem volta! Mas também não dá<br />
prá entrar em brejo sem pisar na lama! Até à noite eu armo<br />
e invento uma saida <strong>de</strong>sse enrosco! (COMO LOCU-<br />
TOR) E, agora, começa o segundo tempo! O placar aponta<br />
um para Matias Cão, zero para São Paulo. Matias Cão<br />
entra na área da estação ferroviária <strong>de</strong> Pirituba! O estádio<br />
lotado, minha gente, às seis da tar<strong>de</strong> esperando o trem. E<br />
lá vem o bicho apitando pela intermediária! Na confusão<br />
do entra e sai, Matias Cão dribla um, dribla dois (é um<br />
craque, minha gente!), dribla três e consegue um banco<br />
vazio e senta sensacionalmente! Mas o árbitro apita impedimento<br />
e Matias Cão tem <strong>de</strong> levantar prá dá lugar a<br />
uma senhora grávida! O jogo continua e logo começa um<br />
sururu na geral pois, no aperto, alguém aproveitou e passou<br />
a mão num traseiro que não era o seu! Ih, fe<strong>de</strong>u! A<br />
dona que recebeu a falta estava acompanhada pelo marido!<br />
Matias Cão não dá bola prá torcida e <strong>de</strong>sce na Luz.<br />
Dá um jogo <strong>de</strong> corpo num trombadinha e pega o metrôjabaquara!<br />
Desce na estação, foge <strong>de</strong> um tiroteio em frente<br />
a um banco, <strong>de</strong>svia <strong>de</strong> dois carros tirando racha e chega<br />
em casa inteirinho, sem um arranhão! Fecham-se as<br />
36
cortinas e termina o espetáculo! E a galera<br />
<strong>de</strong>lira! Matias! Matias! Matias!<br />
JOÃO TEITÉ (ENTRANDO) Matias, Matias, é? Quitempo que ocê me<br />
sumiu da vista, con<strong>de</strong>nado! Aon<strong>de</strong> é que ocê tava?<br />
MATIAS CÃO Por aqui, por aí, por lá e por ali!<br />
JOÃO TEITÉ Eu inda perco o fiapo <strong>de</strong> paciência que tenho e te boto no<br />
mei da rua sem direito <strong>de</strong> dizer ah!<br />
MATIAS CÃO (RI.) Eu tenho quem é por mim! (SAI)<br />
JOÃO TEITÉ (ENCAFIFADO) Esse um tá com coisa que vai <strong>de</strong>sandar<br />
meu mingau! Teité, Teité! Abre os dois olhos da frente, fecha<br />
o olho <strong>de</strong> trás e tira o seu da reta porque lá vem fumo!<br />
(SAI)<br />
CENA 15 - COMPLETA-SE A TRAMA<br />
(ROSAURA ENTRA EM CENA FURIOSA, SEGUIDA <strong>DE</strong><br />
MATIAS CÃO E MATEÚSA)<br />
ROSAURA Eu vou lá agora! Vou até Pirituba e dô uma sova <strong>de</strong> pau<br />
naqueles dois safados!<br />
MATIAS CÃO Não faça isso, dona Rosaura!<br />
ROSAURA Faço e não tem ninguém que vai me impedir!<br />
MATEÚSA Deixa <strong>de</strong> sê estúrdia, prima! Ocê num sai daqui nem que<br />
ieu tenha que te garrá e a gente se imbolar em briga!<br />
ROSAURA Que você quer que eu faça? Que <strong>de</strong>ixe aquele sujeitinho<br />
me raptar?<br />
MATEÚSA Quase que, quase que!<br />
ROSAURA Que é que você tá tramando?<br />
MATEÚSA Por primeiro, a gente vai <strong>de</strong>ixar que eles venham. O velho<br />
vai raptar a Boracéia que é o que a gente quer.<br />
ROSAURA E o resto?<br />
37
MATIAS CÃO O resto a gente vai resolver com o Teité e<br />
esse narcótico.<br />
ROSAURA Não estou ententendo.<br />
MATIAS CÃO Fala você, Mateúsa, que eu não tenho coragem.<br />
MATEÚSA Ocê vai se <strong>de</strong>rramar feito mel em cima do Teité.<br />
ROSAURA Teité? Aquele é outro que eu vou pegar <strong>de</strong> pau pelo que<br />
ele fez com meu pai!<br />
MATEÚSA Depois. Antes, você chega nele toda cheia <strong>de</strong> melúria e<br />
faz que qué mas num qué, faz que dá mas num dá, faz<br />
que vai mas volta!<br />
ROSAURA Como é?<br />
MATEÚSA Vamos sair e fazer direito a combinação.<br />
ROSAURA Se <strong>de</strong>r alguma coisa errada...<br />
MATEÚSA Confia em dois profissionais <strong>de</strong> malasartes! (SAEM)<br />
CENA 16 - A RONDA NOTURNA<br />
(CAI A NOITE. OUVE-SE UM RELINCHO <strong>DE</strong> CAVALO.<br />
ENTRA MAJOR ARISTÓBULO<br />
ARISTÓBULO Atenção! Atenção! Vai sair o general Euriclenes em sua<br />
ronda noturna pelo bairro!<br />
MULHER (OFF) Tira esse cavalo daí que ele tá cagando na minha<br />
calçada!<br />
ARISTÓBULO Usa como adubo, dona! Cuidado! O Euriclenes é aposentado,<br />
mas é general! O general vai entrar à cavalo! Viva o<br />
general!<br />
MULHER Ele vai é sair da minha calçada!<br />
EURICLENES (OFF) Vassoura, não, dona! Vai me espantar o cavalo!<br />
(GRITA COM VOZ QUE SOME À DISTÂNCIA) Aristóbulo!<br />
(SOM <strong>DE</strong> GALOPE QUE SE AFASTA COM GRITO DO<br />
38
GENERAL. EURICLENES ACOMPANHA A<br />
TUDO ISSO <strong>DE</strong>SESPERADO COM AS MÃOS NA CA-<br />
BEÇA.)<br />
ARISTÓBULO (IRRITADO)O general não mais entrará visto que já saiu!<br />
Faz <strong>de</strong> conta <strong>de</strong> eu não anunciei sua entrada. Faz <strong>de</strong> conta<br />
até que eu não entrei. Faz <strong>de</strong> conta que eu não estive<br />
aqui! (SAI)<br />
CENA 17 - A SEDUÇÃO<br />
(ANOITECE. ENTRA TEITÉ.)<br />
JOÃO TEITÉ (PARA O PÚBLICO) Eu estou <strong>de</strong>sconfiado que estão querendo<br />
ver a minha caveira. A Boracéia quer me ver pelas<br />
costas. A Rosaura, então! Me <strong>de</strong>ita um olhos que parece<br />
coisa que...<br />
ROSAURA (ENTRANDO E COMPLETANDO A FRASE <strong>DE</strong> TEI-<br />
TÉ.)...ar<strong>de</strong>m <strong>de</strong> paixão!<br />
JOÃO TEITÉ (ASSUSTANDO-SE) Mãe <strong>de</strong> misericórdia, dona Rosaura!<br />
A senhora me figurou uma assombração!<br />
ROSAURA (INSINUANTE) Você me acha uma assombração?<br />
JOÃO TEITÉ (PARA O PÚBLICO.)Parece mais um anjo daqueles bem<br />
carnudo! O que a senhora falou que ar<strong>de</strong>?<br />
ROSAURA Meu coração!<br />
JOÃO TEITÉ A senhora é cardíaca?<br />
ROSAURA (APROXIMANDO-SE SENSUAL)Sou apaixonada!<br />
JOÃO TEITÉ Posso, mal lhe perguntar, por quem?<br />
ROSAURA (SENSUAL)Por você!<br />
JOÃO TEITÉ (AFASTANDO-SE) Ah, vá cagar, dona! Brinca<strong>de</strong>ira tem<br />
hora. Com todo o respeito!<br />
39
ROSAURA (AGARRANDO-O) Não me negue a esmola<br />
<strong>de</strong> seu olhar! Des<strong>de</strong> que cheguei, não sei porque. enlouqueci<br />
<strong>de</strong> paixão!<br />
JOÃO TEITÉ (ASSUSTADO, AFASTA-A.) Sai prá lá, dona! (RECON-<br />
SI<strong>DE</strong>RA <strong>DE</strong> IMEDIATO E A FAZ AGARRÁ-LO.) Po<strong>de</strong> pegar,<br />
dona. (ROSAURA O SEGURA.) Po<strong>de</strong> arroxar, se<br />
quiser! A senhora po<strong>de</strong> até... (EMPURRA-A) Me larga! Eu<br />
quero pensar! Tutu <strong>de</strong> feijão e <strong>de</strong>sconfiança são a coisa<br />
principal com que mineiro enche a pança! Eu sempre fui<br />
um João Teité <strong>de</strong> bosta! Como é que agora a filhaher<strong>de</strong>ira<br />
do meu patrão <strong>de</strong>saba prá riba <strong>de</strong> mim querendo<br />
coisa?! Ara, sê! Aí tem coisa e loisa! E eu sou silva não<br />
sou soisa! (PARA ROSAURA) Que é que a senhora quer?<br />
(ROSAURA NÃO DIZ, APENAS SORRI SENSUAL) Ela<br />
quer aquilo! Será? Será que o que Tia Beralda viu nas<br />
cartas foi meu casamento com a filha-her<strong>de</strong>ira? Eu dono<br />
<strong>de</strong> tudo do Marruá, gente? Será, pu<strong>de</strong>ra ser, vai ver que<br />
é! E sendo, já foi e, se foi, eu quero e caso! (ROSAURA<br />
OFERECE-LHE BEBIDA NA QUAL <strong>DE</strong>RRAMOU NAR-<br />
CÓTICO.)<br />
ROSAURA Bebe comigo.<br />
JOÃO TEITÉ (EXCITADO, PER<strong>DE</strong>NDO O CONTROLE.) Que beber o<br />
que, dona! A senhora é melhor que licor, mais vistosa que<br />
peru em ceia <strong>de</strong> natal! E eu quase quero a senhora mais<br />
do que feijão, angu e torresmo que é o que faz mineiro<br />
verter lágrima, dona! (SEGURA ROSAURA NOS BRA-<br />
ÇOS)<br />
ROSAURA Não. Vamos beber antes.<br />
JOÃO TEITÉ Só bebo <strong>de</strong>pois da comida!<br />
ROSAURA Me solta!<br />
JOÃO TEITÉ Fogo que a senhora acen<strong>de</strong>u só tem um jeito <strong>de</strong> apagar!<br />
ROSAURA Eu grito!<br />
JOÃO TEITÉ Vou te dar um beijo tão beiçudo que a senhora não vai ter<br />
fôlego nem vonta<strong>de</strong>! (AO PÚBLICO.)Onça só solta os<br />
<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>pois da presa abatida! E Teité é tal e qual ou<br />
mais! (VAI BEIJAR ROSAURA MAS SURGE MATEÚSA<br />
40
QUE LHE <strong>DE</strong>SFERE VIOLENTA PAULADA<br />
NA CABEÇA. TEITÉ CAI.)<br />
MATEÚSA Eu tardo mais não falho! Me aju<strong>de</strong> rastar esse um pro seu<br />
quarto.<br />
ROSAURA Olha, que nada dê errado!<br />
MATEÚSA Sossega que está tudo nos conformes. Vem que o Matias<br />
logo chega. (SAEM)<br />
CENA 18 - O DUPLO SEQUESTRO<br />
(EM SEU QUARTO BORACÉIA SE APRONTA PARA O<br />
RAPTO.)<br />
BORACÉIA Com o que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tantos anos eu ainda <strong>de</strong>spedaço<br />
corações! E o gajo é quase milionário! Po<strong>de</strong> ficar com suas<br />
mesquinharias, Marruá, que eu me vou para quem me<br />
merece! De ti e <strong>de</strong>sta casa não quero nem lembranças! E<br />
não é que o Matias Cão me saiu um bom empregado e<br />
cheio <strong>de</strong> idéias? Esta foi uma idéia bestial, supimpa! Raios,<br />
que não encontro a água oxigenada para me branquear<br />
o buço! Não fica bem uma mulher se apresentar para<br />
um rapto com toda essa bigo<strong>de</strong>ira! (CHEGAM TABA-<br />
RONE E FABRICIO GUIADOS POR MATIAS CÃO. MA-<br />
TIAS INDICA A FABRÍCIO O QUARTO <strong>DE</strong> ROSAURA E<br />
JUNTO COM TABARONE DIRIGEM-SE AO QUARTO <strong>DE</strong><br />
BORACÉIA.) Pronto! E que venha o meu selvagem! (MA-<br />
TIAS E TABARONE ENTRAM NO QUARTO E A AGAR-<br />
RAM. BORACÉIA FINGE SURPRESA E <strong>DE</strong>SESPERO.)<br />
Quem são vocês? Que vão fazer comigo? Socorro! Me<br />
salvem!<br />
MATIAS CÃO (BAIXO)Não faz tanto escândalo, dona Boracéia!<br />
BORACÉIA Está bem! Ái, que me <strong>de</strong>sfaleço! (CAI SOBRE MATIAS.)<br />
MATIAS CÃO Ai que me <strong>de</strong>sca<strong>de</strong>ra! Ajuda, seu Tabarone, que me <strong>de</strong>u<br />
um mal jeito nas costas! (ENCAPUZAM E LEVAM BO-<br />
RACÉIA PARA FORA DO QUARTO. ENCONTRAM FA-<br />
BRÍCIO QUE ARRASTA UM SACO COM ALGUÉM <strong>DE</strong>N-<br />
41
TABARONE Madonna mia!<br />
TRO. MATIAS SOLTA BORACÉIA NOS<br />
BRAÇOS <strong>DE</strong> TABARONE QUE CAMBALEIA COM O<br />
PESO.)<br />
MATIAS CÃO Seu Fabrício, ajuda seu pai e <strong>de</strong>ixa que eu levo dona Rosaura<br />
que é mais leve. (FABRÍCIO AJUDA O PAI. MATI-<br />
AS OLHA <strong>DE</strong>NTRO DO SACO E SE ALIVIA. SAEM. MA-<br />
TIAS ARRASTA O SACO SEM NENHUM CUIDADO.)<br />
CENA 19 - TUDO BEM PARA TODOS, QUASE.<br />
(MATIAS, FABRÍCIO E TABARONE CARREGAM SEUS<br />
RAPTADOS. FAZEM UMA PAUSA PARA <strong>DE</strong>SCANSO.)<br />
TABARONE Io non carrego mais! Daqui prá frente os raptados vão andando!<br />
Me ajuda aqui, filho. (TENTAM <strong>DE</strong>SAMARRAR O<br />
SACO ON<strong>DE</strong> ESTÁ BORACÉIA. À DISTÂNCIA TEITÉ<br />
ACORDA.)<br />
JOÃO TEITÉ Tem alguém aí fora?<br />
MATIAS CÃO (RECEOSO QUE FABRÍCIO ESCUTE, COM VOZ <strong>DE</strong><br />
FALSETE.) Tem, amor, sou eu.<br />
JOÃO TEITÉ Rosaura? Que diabo é que é isso?<br />
MATIAS CÃO É uma brinca<strong>de</strong>ira, são jogos eróticos, querido! Fique quieto<br />
só mais um pouquinho. (BORACÉIA É <strong>DE</strong>SCOBER-<br />
TA.)<br />
BORACÉIA Mas que diabos é isto? Quem são vocês? Preten<strong>de</strong>m abusar<br />
<strong>de</strong> mim? Tabarone?!<br />
TABARONE Sim, Boracéia, sono io. Dopo tanto tempo!<br />
BORACÉIA Que fizeste?<br />
TABARONE Raptei-a por amor!<br />
BORACÉIA (DRAMÁTICA)Não! Não! Não! Embora o coração diz que<br />
sim a razão diz que não! Não posso te amar, meu antigo,<br />
e ainda vivo, amor! Me <strong>de</strong>ixe com meu triste <strong>de</strong>stino. O<br />
passado não volta atrás! (CHORA.)<br />
TABARONE Non, non piangere!<br />
42
BORACÉIA Não posso te seguir!<br />
TABARONE Oh, Dio mio! Non parla così, amore!<br />
BORACÉIA Não! Nunca!<br />
TABARONE Mio cuore sofre... mas é melhor te levar <strong>de</strong> volta e chorar<br />
minha tristeza!<br />
BORACÉIA Não! Também não quero que sofras! Voltar ou não voltar?!<br />
Cessa toda razão e só o coração responda: sim, sim<br />
à paixão! (TABARONE E BORACÉIA ABRAÇAM-SE.<br />
ROSAURA, MATEÚSA E MARRUÁ APARECEM SEM<br />
SEREM VISTOS.)<br />
JOÃO TEITÉ Rosaura! Rosaura, amor! Ocê inda tá aí?<br />
MATIAS CÃO Estou, querido! (SEGREDANDO A FABRÍCIO.)Ela acordou!<br />
JOÃO TEITÉ Vamos continuar esse tal <strong>de</strong> jogo erótico, meu bem?<br />
MATIAS CÃO Vamos, querido. (A FABRÍCIO QUE SE APROXIMA.) A<br />
dona é sua, se vira com ela.<br />
FABRÍCIO Ela está brava?<br />
MATIAS CÃO Nada! Está até gostando!<br />
FABRÍCIO (ABRAÇANDO O SACO) Perdoe o que fiz, querida.<br />
JOÃO TEITÉ Magina, amor! Quando se ama tudo é permitido.<br />
FABRÍCIO Mereço um beijo?<br />
JOÃO TEITÉ Me solta que lhe tasco um beijo daqueles bem molhados<br />
<strong>de</strong> arroxear os beiços!<br />
FABRÍCIO Oh, meu amor!<br />
JOÃO TEITÉ Ái, minha querida! (TEITÉ SOLTAM-SE. BEIJAM-SE SOB<br />
OLHARES INCRÉDULOS <strong>DE</strong> TABARONE E BORACÉI-<br />
A.)<br />
BORACÉIA E teu filho é paneleiro, é?<br />
43
TABARONE Pare, Fabrício! (RISOS DOS OUTROS. FA-<br />
BRÍCIO E TEITÉ OLHAM-SE, GRITAM E SAEM CADA<br />
UM POR UM LADO CUSPINDO.)<br />
JOÃO TEITÉ Cândida! Sapóleo! Amoníaco, gente, prá lavar essa boca!<br />
(MARRUÁ VAI EM DIREÇÃO A TABARONE.)<br />
TABARONE Non se exalte! Io posso explicar!<br />
MANÉ MARRUÁ Não quero explicação!<br />
TABARONE Nós nos amamos!<br />
MANÉ MARRUÁ (ABRAÇANDO-O.)Meu amigo!<br />
TABARONE Amigo? Ma sempre fomos inimigos!<br />
MANÉ MARRUÁ Até hoje. De hoje em diante será meu amigo do peito por<br />
ter me livrado <strong>de</strong>ssa lacraia!<br />
BORACÉIA Estou a ver que me prepararam uma armação! Estavas<br />
mancomunado, Tabarone? Eu vou matar um gajo a <strong>de</strong>ntadas!<br />
TABARONE Non, mio amore é puro!<br />
FABRÍCIO E o meu também, Rosaura!<br />
ROSAURA Eu acredito, Fabrício. Seja feliz com o Teité. (RIEM.)<br />
JOÃO TEITÉ Ah, <strong>de</strong>sgraçados! Po<strong>de</strong>m rir que, por último, vou arreganhar<br />
os <strong>de</strong>ntes com mais gosto! Essa vergonha que eu<br />
passei ocês vão pagar tim-tim por tim-tim! Eu vou mas eu<br />
volto prá me vingar. João Teité sempre volta! (LUZ CAI.<br />
UM ATOR ANUNCIA INTERVALO. QUANDO O PÚBLI-<br />
CO JÁ ESTÁ SE LEVANTANDO E OS ATORES SAINDO,<br />
ENTRA CORRENDO ARISTÓBULO.)<br />
ARISTÓBULO Um momento! Um momento! O general Euriclenes vai entrar!<br />
ATOR Vai entrar coisa nenhuma! Já acabou.<br />
ATRIZ Se quiser espera o segundo ato!<br />
ATOR Se atrasou, azar seu!<br />
44
EURICLENES (OFF) Sai daí, imbecil!<br />
ARISTÓBULO (FURIOSO) Sim, meu general! (SAI)<br />
FIM DO PRIMEIRO ATO<br />
SEGUNDO ATO<br />
CENA 1 - RUA DA AMARGURA<br />
(ENTRA TEITÉ TRISTE. FALA COM O PÚBLICO.)<br />
JOÃO TEITÉ „Ocês pensam que é fácil, é? Pensam que é fácil trucar<br />
com sete-copas e ouvir "um seis com zape" na "oreia"?<br />
Ái, Santa Rita do Passa Quatro! "Tava" tudo caminhando<br />
certinho na trilha e <strong>de</strong> repente me acabo beijando homem<br />
na boca, humilhado, escorraçado e mal falado! Tô aí: na<br />
carreira da tristeza, no trilhado do <strong>de</strong>salento, na rua da<br />
amargura! (ENTRA MANÉ MARRUÁ. TEITÉ O CUMPRI-<br />
MENTA FELIZ.)<br />
JOÃO TEITÉ "Seu" Marruá!<br />
MANÉ MARRUÁ (RI) Que é que queres, ó Teité?<br />
JOÃO TEITÉ Que bom te ver forte e rijo, seu Marruá!<br />
MANÉ MARRUÁ Sai prá lá pedaço <strong>de</strong> má criatura que eu não tenho satisfação<br />
nenhuma em te ver.<br />
JOÃO TEITÉ Eu sei que sou culpado, seu Marruá, mas prá que serve a<br />
culpa se não para aumentar a gran<strong>de</strong>za daquele que perdoa?<br />
MANÉ MARRUÁ Ah, é?<br />
JOÃO TEITÉ É, claro! Seja melhor do que eu fui, seu Marruá. Me dê o<br />
emprego <strong>de</strong> volta!<br />
45
MANÉ MARRUÁ Pensas que um português é burro por inteiro?<br />
Ou burro o tempo todo?<br />
JOÃO TEITÉ (AJOELHA-SE) Eu peço, imploro e suplico, seu Marruá:<br />
me dê o emprego <strong>de</strong> volta!<br />
MANÉ MARRUÁ Mas, não!<br />
JOÃO TEITÉ Eu serei seu escravo, vou beijar o chão que o senhor pisa!<br />
MANÉ MARRUÁ Mas, nem que lustrasses meu sapato com tua cara, ó<br />
pardavasco!<br />
JOÃO TEITÉ (ENTREGANDO-LHE UM PRESENTE) Então, pelo menos,<br />
receba esse singelo presente como prova <strong>de</strong> reconhecimento<br />
e consi<strong>de</strong>ração.<br />
MANÉ MARRUÁ Oh, Teité! Sinto que não és tão mau assim! (ABRE) Aguar<strong>de</strong>nte,<br />
cachorro!<br />
JOÃO TEITÉ Com a mais santa das intenções!<br />
MANÉ MARRUÁ (CORRE ATRÁS <strong>DE</strong> TEITÉ COM A GARRAFA) Vai-te,<br />
daqui!<br />
JOÃO TEITÉ Só prova um tiquinho. É amarelinha <strong>de</strong> Cabreúva!<br />
MANÉ MARRUÁ Mas nem meio tiquinho. Eu só preciso evitar o primeiro<br />
gole!<br />
JOÃO TEITÉ Não tem mais jeito! Ele foi nos Alcoólicos Anônimos! Então,<br />
<strong>de</strong>volve a garrafa que me custou o último tostão!<br />
MANÉ MARRUÁ Pois, que <strong>de</strong>volvo! Devolvo, nada, pois foi um presente. E<br />
eu sou um comerciante, eu vendo. Mas vendo em doses<br />
que dá mais lucro! (RI)<br />
JOÃO TEITÉ Marruá, eu sou homem que perdoa mas não esquece.<br />
Sou mineiro que não afronta, mas faz tocaia! Ocê inda há<br />
<strong>de</strong> comer na minha mão, há <strong>de</strong> tremer ao som da minha<br />
voz! Há <strong>de</strong> verter lágrimas <strong>de</strong> sangue, pesa<strong>de</strong>los vão tomar<br />
seus sonhos e o terror vai dominar suas noites!<br />
MANÉ MARRUÁ Mas, raspa-te daqui, obra ruim <strong>de</strong> mau pai! (CORRE PA-<br />
RA TEITÉ QUE DÁ UM GRITO E SAI PELA DIREITA.<br />
46
CENA 2 - <strong>DE</strong> ERROS E MAUS AMORES<br />
MARRUÁ SAI RESMUNGANDO PELO OU-<br />
TRO LADO.) Erva daninha se arrança é pela raiz!<br />
(MAJOR ENTRA EM CENA, PELA DIREITA, HESITAN-<br />
TE. OLHA PARA OS BASTIDORES PARA CONFIRMAR<br />
SE ENTROU CERTO. ROSAURA ENTRA PELO OUTRO<br />
LADO, AOS GRITOS. VAI EM DIREÇÃO AO MAJOR<br />
QUE ESTÁ <strong>DE</strong> COSTAS PRÁ ELA.)<br />
ROSAURA Eu te o<strong>de</strong>io, Fabrício! Some, que não consigo... (MAJOR<br />
<strong>DE</strong> VIRA PRÁ ELA ASSUSTADO, ROSAURA FICA BO-<br />
QUIABERTA. APÓS PAUSA.) Que faz aqui, major?!<br />
ARISTÓBULO (CONFUSO) Eu estou...estava...estive...Eu fui...Eu vou!<br />
(VAI SAIR PELA DIREITA MAS ENCONTRA COM FA-<br />
BRÍCIO QUE ENTRA PELO MESMO LADO. ENQUANTO<br />
FABRÍCIO FALA OS DOIS FICAM NA "DANÇA <strong>DE</strong> EN-<br />
CONTRO", TENTANDO PASSAR OS DOIS PELO MES-<br />
MO LUGAR.)<br />
FABRÍCIO Eu te amo!<br />
ARISTÓBULO (ESPANTADO)Eu?<br />
FABRÍCIO Tudo o que fiz foi por amor, Ro sau ra. (ARISTÓBULO<br />
SENTE-SE ALIVIADO.)<br />
ARISTÓBULO Desculpem...<br />
ROSAURA Eu te o<strong>de</strong>io! Some, que não consigo nem olhar prá sua<br />
cara!<br />
ARISTÓBULO (IRRITADO)Já pedi <strong>de</strong>sculpas! E já estou indo embora!(SAI<br />
FURIOSO.)<br />
FABRÍCIO Ele não acerta uma!<br />
ROSAURA O assunto é outro.<br />
47
FABRÍCIO Assunto? Que assunto? Estou perdido.<br />
(LEMBRA-SE DA <strong>DE</strong>IXA.) Ah! Estou perdido <strong>de</strong> amores<br />
por você Rosaura!<br />
ROSAURA Eu te o<strong>de</strong>io, Fabrício! Some, que não consigo olhar prá<br />
sua cara!<br />
FABRÍCIO Tudo o que fiz foi por amor!<br />
ROSAURA Tentando me raptar? Você é um machista, um porcochovinista...<br />
FABRÍCIO Não vou ficar aqui prá ouvir <strong>de</strong>saforos.<br />
ROSAURA Prefere fugir feito cachorro sem dono a ouvir umas verda<strong>de</strong>s?!<br />
(ENTRA MATEÚSA E SE PÕE A OUVIR.)<br />
FABRÍCIO A única verda<strong>de</strong> é que meu sentimento errou <strong>de</strong> en<strong>de</strong>reço.<br />
ROSAURA Isso mesmo! Vai mendigar amor em outra porta.<br />
FABRÍCIO Você ainda vai me pedir a esmola <strong>de</strong> um olhar!<br />
ROSAURA Só morta ou <strong>de</strong>smiolada.<br />
FABRÍCIO Vim prá me <strong>de</strong>sculpar, sua mal educada!<br />
ROSAURA Não precisava "seu" grosseirão, casca-grossa!<br />
MATEÚSA Nem começaram a namorar e já brigam direitinho feito<br />
casados!<br />
ROSAURA É esse asno que fez a burrice <strong>de</strong> me procurar com uma<br />
conversa <strong>de</strong> jegue!<br />
FABRÍCIO Você merece é umas boas palmadas prá ver se amansa.<br />
ROSAURA Vai chamar um homem prá isso!<br />
FABRÍCIO Homem prá te dar um corretivo aqui não falta!<br />
ROSAURA Me rela a mão que eu te acerto, cretino! (APROXIMAM-<br />
SE, ENCARAM-SE E QUEDAM-SE MUDOS.)<br />
MATEÚSA Ih, <strong>de</strong>u “pralisia”? Lasca logo um beijo que ele se <strong>de</strong>rrete,<br />
prima!<br />
48
ROSAURA Só se eu fosse doida!<br />
FABRÍCIO Eu prefiro beijar uma cobra!<br />
MATEÚSA Ô gente que não briga nem se arroxa, não aperta nem afrouxa.<br />
Ou obra ou sai da moita, uai! (EMPURRA FÁBRI-<br />
CIO PARA A SAIDA À DIREITA.)Vai embora, seu Fabrício!<br />
ROSAURA Leva esse bruto antes que eu perca a cabeça!<br />
FABRÍCIO Isso é coisa que você nunca teve! (ROSAURA AVANÇA<br />
PRÁ FABRÍCIO. MATEÚSA EMPURRA FABRÍCIO <strong>DE</strong><br />
VEZ PARA FORA E CORTA O CAMINHO <strong>DE</strong> ROSAU-<br />
RA.)<br />
MATEÚSA Quieta, prima, baixa o cio! Homem não se pega à pescoção,<br />
não se <strong>de</strong>rruba feito garrote. A gente laça é com outras<br />
artes, arma arapuca <strong>de</strong> mel e melúria.<br />
ROSAURA E quem quer um brutamontes <strong>de</strong>sses?<br />
MATEÚSA Ocê! E se ocê não quiser, eu quero!<br />
ROSAURA Então faça bom proveito! Se bem que eu acho que você<br />
está <strong>de</strong> olho no Matias!<br />
MATEÚSA Magina, prima! Ele é que "tá" com um olho muito do gran<strong>de</strong><br />
prá cima das minhas curvas. Mas que ele não avance<br />
sinal, não ultrapasse em lombada, respeite mão e contramão,<br />
senão eu faço o danado capotar <strong>de</strong> cara no chão.<br />
Agora, o Fabrício! Um mocetão distinto, <strong>de</strong>senleado, forte<br />
e aprumado que nem peróva.<br />
ROSAURA Fecha a matraca, prima! (SAI, À ESQUERDA)<br />
MATEÚSA Ái, ieu com um <strong>de</strong>sses pererecando em minha roda! (SAI,<br />
I<strong>DE</strong>M)<br />
CENA 3 - AMOR É <strong>DE</strong>STINO<br />
(FABRÍCIO RETORNA. GRITA POR ROSAURA.)<br />
49
FABRÍCIO Rosaura! Rosaura! (PARA SI) Isso não fica<br />
assim! Não saio daqui com o coração pisoteado! Rosaura!<br />
MANÉ MARRUÁ (ENTRANDO) Mas quem é que grita à minha porta? Ah!,<br />
Fabrício! Que bom ver-te, meu rapaz. E teu pai? Como<br />
está indo? (NÃO SE CONTÉM E RI.)<br />
FABRÍCIO Muito bem.<br />
MANÉ MARRUÁ Eu imagino!<br />
FABRÍCIO Tem tido um pouco <strong>de</strong> insônia.<br />
MANÉ MARRUÁ Pois a minha sumiu-se!<br />
FABRÍCIO Ultimamente não tem feito bons negócios.<br />
MANÉ MARRUÁ Também, comprou cobra por linguiça, levou gato por lebre<br />
e está chamando onça <strong>de</strong> "meu gatinho"! (RI) Mas o que<br />
queres com Rosaura, Fabrício?<br />
FABRÍCIO Eu ardo <strong>de</strong> paixão por ela, seu Marruá!<br />
MANÉ MARRUÁ Pois <strong>de</strong> fossem outros tempos eu apagava este teu fogo e<br />
enfiava os tições fumegantes on<strong>de</strong> não falo mas tu imaginas!<br />
Mas hoje, como somos amigos, te dou um conselho:<br />
<strong>de</strong>sista da Rosaura.<br />
FABRÍCIO Nunca!<br />
MANÉ MARRUÁ Não és homem prá ela.<br />
FABRÍCIO Duvida da minha macheza?<br />
MANÉ MARRUÁ Não importa quanto macho és, ela é mais macha! É mulher,<br />
é muito feminina, mas se for contrariada vira fera!<br />
FABRÍCIO Po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar que eu amanso!<br />
MANÉ MARRUÁ Você? Rosaura já chamou PM da Rota prá briga e o cidadão<br />
arregou! Eu sou pai mas digo: aquilo é gênio ruim. O<br />
resto é por sua conta e risco.<br />
FABRÍCIO Eu sei como lidar com ela.<br />
50
MANÉ MARRUÁ Não sabes. E te digo: não te mostres muito<br />
macho prá não parecer provocação. Nem te mostres muito<br />
<strong>de</strong>licado que é prá não pareceres frescalho!<br />
FABRÍCIO O amor transforma, seu Marruá.<br />
MANÉ MARRUÁ Depen<strong>de</strong> no quê! Ah!, não levante a voz e, principalmente,<br />
não levante a mão.<br />
FABRÍCIO Amor é <strong>de</strong>stino, seu Marruá! E, se precisar, eu movo montanhas,<br />
arraso planícies, mudo o curso dos rios...<br />
MANÉ MARRUÁ E proteja muito bem as partes! Se sobreviveres vais <strong>de</strong>scobrir<br />
uma flor <strong>de</strong> menina! E, se puxou a finada mãe...(RI<br />
MALICIOSO.)serás um homem feliz. Mas vai embora, Fabrício,<br />
e esperes a menina se acalmar. (MARRUÁ SAI A<br />
ESQUERDA.)<br />
FABRÍCIO Vou mas volto, vejo e venço! (OUVE-SE UM RELINCHO<br />
E TROTAR <strong>DE</strong> CAVALO. FABRÍCIO VAI SAIR À DIREI-<br />
TA MAS DÁ <strong>DE</strong> CARA COM ARISTÓBULO QUE EN-<br />
TRA.) O senhor não po<strong>de</strong> esperar que eu saia para <strong>de</strong>pois<br />
entrar?<br />
ARISTÓBULO (IRRITADO) A or<strong>de</strong>m dos fatores não altera o resultado!<br />
Já estou <strong>de</strong>ntro e não saio prá <strong>de</strong>pois entrar <strong>de</strong> novo.<br />
(FABRÍCIO SAI A CONTRAGOSTO.)<br />
CENA 4 - UMA NOIVA PARA O GENERAL<br />
ARISTÓBULO (ALTO) Abram passagem! Sentido! O general logo chega!<br />
E digo mais: o general procura uma recruta prá se alistar<br />
a serviço <strong>de</strong> seu coração! Tem <strong>de</strong> saber lavar, passar, cozinhar<br />
e fazer filhos, futuros soldados da pátria! (ENTRA<br />
GENERAL FURIOSO)<br />
EURICLENES Cala a boca, mentecapto! Quem <strong>de</strong>u or<strong>de</strong>ns prá sair anunciando<br />
que estou procurando mulher?<br />
ARISTÓBULO Só quis ajudar!<br />
51
EURICLENES Eu dispenso! Não preciso ajuda prá engajar<br />
uma recruta! A estratégia prá se ganhar uma guerra é a<br />
mesma prá se ganhar no amor! (ENTRAM DA ESQUER-<br />
DA ROSAURA E MATEÚSA.) Aquelas duas por exemplo:<br />
qualquer uma das duas me interessa.<br />
ARISTÓBULO Dou voz <strong>de</strong> prisão?<br />
EURICLENES Não! Tem <strong>de</strong> chegar com jeito. Primeiro se faz um reconhecimento<br />
do território: (ÀS DUAS) Documento! Quem<br />
são as meninas? On<strong>de</strong> vão?<br />
ROSAURA Não é da sua conta, pé <strong>de</strong> couve!<br />
ARISTÓBULO Prendo por <strong>de</strong>sacato?<br />
EURICLENES Não. O território é difícil. Vamos como tropa <strong>de</strong> assalto!<br />
(MAJOR TIRA O CASSETETE.) Deixa disso, major! Eu<br />
me entendo com elas. (ÀS DUAS.) Vocês são novas aqui<br />
e talvez não me conheçam: sou o general Euriclenes e<br />
aquele é meu or<strong>de</strong>nança, major Aristóbulo.<br />
MATEÚSA São do exército da salvação?<br />
EURICLENES Do exército nacional! Aposentados, mas militares!<br />
MATEÚSA (À ROSAURA) O exército <strong>de</strong>ve <strong>de</strong> ter melhorando muito<br />
quando aposentou esses uns. (RIEM)<br />
EURICLENES E estamos aqui perfilados para passar as duas em revista<br />
e, se nos agradar o estado geral da corporação, sairmos<br />
nós quatro em missão <strong>de</strong> caráter afetivo, travando batalha<br />
com nossos sentimentos até acertarmos o alvo <strong>de</strong> seus<br />
corações!<br />
ARISTÓBULO O Bonito!<br />
ROSAURA (À MATEÚSA.) Que é que ele quer?<br />
ARISTÓBULO Quer dar um malho, dona! Um rela-rela!<br />
EURICLENES Cala a boca!<br />
ARISTÓBULO Tem que ser direto! Pren<strong>de</strong> e, <strong>de</strong>pois, com um interrogatório<br />
aqui, uma ameaça <strong>de</strong> palmatória ali, amor vai nascendo!<br />
52
EURICLENES (ÀS DUAS) E, então?<br />
AS DUAS Não!<br />
ARISTÓBULO Como, não! Mãos na cabeça!<br />
EURICLENES Cala boca, major!<br />
ARISTÓBULO Tem <strong>de</strong> mostrar quem é que manda!<br />
ROSAURA (IRRITADA) Eu vou plantar a mão na cara <strong>de</strong>le!<br />
MATEÚSA Faz isso não, prima!<br />
ARISTÓBULO Isso eu quero é ver!<br />
ROSAURA É prá já!<br />
MATEÚSA (AGARRANDO ROSAURA) Segura o seu linha-dura que<br />
eu seguro a minha!<br />
EURICLENES Quieto, major!<br />
ARISTÓBULO (TRANSTORNADO.) Tem <strong>de</strong> dar tiro! Mulher mo<strong>de</strong>rna é<br />
só a tiro!<br />
MATEÚSA Vam'bora, prima! (ARRASTA ROSAURA.)<br />
ROSAURA Vai cantar recruta!<br />
ARISTÓBULO Mulher mo<strong>de</strong>rna é subversão! Tem que dar tiro! É o comunismo!<br />
Eu sou <strong>de</strong> buique, dona! Do sertão <strong>de</strong> Pernambuco!<br />
(É ARRASTADO PARA FORA POR EURICLE-<br />
NES.)<br />
CENA 5 - AMOR, AMOR; DINHEIRO À PARTE<br />
(BORACÉIA IRROMPE EM CENA FURIOSA.)<br />
BORACÉIA Raios! Maldita hora em que troquei um saloio por um toleirão!<br />
Aí, Jesus, perdoe minha língua, mas troquei um trôço<br />
<strong>de</strong> bosta por um cilindro <strong>de</strong> merda! Deixo um sovina prá<br />
cair nas mãos <strong>de</strong> um muquirana! Eu sou uma <strong>de</strong>sgraçada!<br />
53
TABARONE (ENTRANDO) Non parlare così, amore! Io te<br />
amo!<br />
BORACÉIA Tu amas mas é teu bolso!<br />
TABARONE (SENTIDO) Non parla assim que non é verda<strong>de</strong>!<br />
BORACÉIA Então me compra o que pedi.<br />
TABARONE Non, perchè io te amo <strong>de</strong> modo totalmente diferente que<br />
amo meu bolso! Non misturo o vil dinheiro com questa cosa<br />
sublime que sinto...Madonna mia! Io te cerco <strong>de</strong> atençon,<br />
<strong>de</strong> carinho, te escrevo poesias...<br />
BORACÉIA Pois! Com o amor és generoso, já o bolso... És capaz <strong>de</strong><br />
dar esmola <strong>de</strong> um centavo e pedires o troco!<br />
TABARONE Mentira! Io nem dou esmola!<br />
BORACÉIA Assim não vai haver amor que aguente, Tabarone!<br />
TABARONE (ÀS LÁGRIMAS) Non!<br />
BORACÉIA Sim, senhor! Não quero que me escrevas uma poesia on<strong>de</strong><br />
me cobres <strong>de</strong> ouropéis, bordados e seda da china:<br />
quero um vestido novo, enten<strong>de</strong>ste?!<br />
TABARONE Mas este está tão bom!<br />
BORACÉIA Nem quero que me chames <strong>de</strong> "meu diamante", quero o<br />
anel. Não quero ser tua jóia, quero um broche!<br />
TABARONE Meu te...<br />
BORACÉIA (CORTANDO) E principalmente não me chames <strong>de</strong> meu<br />
tesouro! Apreciaria muito mais se me <strong>de</strong>sses uma parte<br />
<strong>de</strong>le em dinheiro!<br />
TABARONE (APAIXONADO) Tutto questo é vaida<strong>de</strong>. Vamo falar <strong>de</strong><br />
cosas mais essenciais: da-me um baccio!<br />
BORACÉIA Não enquanto essas tuas mãos que gostam <strong>de</strong> me amarfanhar<br />
os seios, alisar meus recurvados não se enfiarem<br />
nos bolsos e sairem <strong>de</strong> lá recheadas.<br />
54
TABARONE Vá bene! (ENFIA A MÃO NO BOLSO. TEN-<br />
TA TIRÁ-LA MAS A MÃO NÃO SAI. TENTA PUXÁ-LA<br />
COM A OUTRA MÃO E NADA. FINALMENTE A MÃO SAI<br />
VAZIA)<br />
BORACÉIA Não estás habituado! (DRAMÁTICA)Mas que <strong>de</strong>sgraça a<br />
minha! Por que raios não me partem a cabeça e me estendam<br />
morta ao comprido do que esta angústia <strong>de</strong> me<br />
ver partido o coração?!<br />
TABARONE (ABRAÇANDO-A NUM ROMANTISMO DRAMÁTICO)<br />
Non parla assim que me sangra a alma, me abala os fundamento<br />
da vita e te tornas la assassina <strong>de</strong> minha paixon!<br />
BORACÉIA Dá-me o vestido?<br />
TABARONE No!<br />
BORACÉIA (EMPURRA-O COM VIOLÊNCIA.) ái, que me dá ganas<br />
<strong>de</strong> surrar este ordinário! (ACALMA-SE) Está bem, Tabarone,<br />
não quero seu dinheiro. Quero que metas um processo<br />
<strong>de</strong> partilha <strong>de</strong> bens nas costas do Marruá. Eu quero<br />
meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> tudo que tem aquele unha <strong>de</strong> fome!<br />
TABARONE Io penso que non tem direito a niente: tu morava com ele<br />
a meno <strong>de</strong> cinco ano, abandonou o lar...<br />
BORACÉIA Dê um jeito! Eu quero este processo!<br />
TABARONE Non é tan fácile, eh? E, dopo, questa cosa custa dinheiro.<br />
Quem paga meus honorário?<br />
BORACÉIA (FURIOSA)Eu me suicido! Mas antes eu mato, enveneno esta súcia<br />
<strong>de</strong> homens à minha volta: Tu, aquele perobo <strong>de</strong> teu filho<br />
e aquele barril <strong>de</strong> banha! (À SAIDA, DÁ <strong>DE</strong> CARA<br />
COM MATIAS CÃO QUE ENTRA.) E tu, vais à casa <strong>de</strong><br />
Marruá buscar minhas jóias e meus pertences! Vá ou serás<br />
o quarto a morrer! Eu ainda ponho soda cáustica na<br />
sopa! (SAI)<br />
MATIAS CÃO Ôxe! Até que hoje ela acordou <strong>de</strong> bom humor!<br />
TABARONE Io sinto que em breve mio coraçon vai se quebrar!<br />
MATIAS CÃO Pelo jeito que a Boracéia saiu acho que não vai ser só o<br />
coração! Seu Tabarone, como é que é?<br />
55
TABARONE Come é que é o que?<br />
MATIAS CÃO O pagamento.<br />
TABARONE Ma que pagamento?<br />
MATIAS CÃO O meu! Já venceu faz <strong>de</strong>z dias.<br />
TABARONE Ma tu non tem sensibilida<strong>de</strong>, cretino? Tenho o coraçon<br />
quebrado! (SAI)<br />
MATIAS CÃO O que tenho quebrado é o bolso, seu Tabarone! Ô, velho<br />
canguinha! (ENTRA FABRICIO)<br />
FABRÍCIO Matias, eu preciso <strong>de</strong> você!<br />
MATIAS CÃO Eu também preciso do senhor!<br />
FABRÍCIO Me aju<strong>de</strong> a ganhar a Rosaura.<br />
MATIAS CÃO Me aju<strong>de</strong> a ganhar meu salário! Fala prá teu pai me pagar.<br />
FABRÍCIO Pagar? Prá mim ele não paga a mesada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> junho <strong>de</strong><br />
setenta e dois! Mas em mim você po<strong>de</strong> confiar. Me ajeite<br />
as coisas com a Rosaura que será bem recompensado.<br />
MATIAS CÃO Então é comigo! O que o senhor quer? Namoro com mão<br />
na mão, mão naquilo, casamento antes ou <strong>de</strong>pois daquilo?<br />
FABRÍCIO Eu quero um amor apaixonado!<br />
MATIAS CÃO Isso vai ficar bem mais caro. (LUZ CAI)<br />
CENA 6 - O PO<strong>DE</strong>R <strong>DE</strong> TEITÉ<br />
JOÃO TEITÉ Tia Beralda! Ô, Tia Beralda, abre a porta!<br />
TIA BERALDA (OFF) Quem é?<br />
JOÃO TEITÉ Não falo senão a senhora não abre.<br />
56
TIA BERALDA (ENTRANDO) Não quero conversa enquanto<br />
não me pagar.<br />
JOÃO TEITÉ Eu não vim pagar. Eu vim aqui foi cobrar o meu futuro! A<br />
senhora não falou que eu ia subir na vida? Teité "tá" lá<br />
em cima? "Tá" nada! "Tá" é aqui embaixo amassando<br />
bosta! Eu vou reclamar das suas profecias no Procom.<br />
TIA BERALDA Não é possível!<br />
JOÃO TEITÉ É! Espia as cartas! (TIA BERALDA PÕE AS CARTAS)<br />
TIA BERALDA Está aqui! Você vai subir na vida.<br />
JOÃO TEITÉ E como?<br />
TIA BERALDA Não diz, mas a estrada da subida é longa e difícil!<br />
JOÃO TEITÉ Pr'amor <strong>de</strong> Deus, tia Beralda, ou a senhora encurta essa<br />
subida ou me arruma um atalho.<br />
TIA BERALDA Isso vai custar caro.<br />
JOÃO TEITÉ Eu pago <strong>de</strong>pois que subir na vida.<br />
TIA BERALDA Nada feito!<br />
JOÃO TEITÉ Então já que meu futuro está confirmado eu vou sentar<br />
num toco <strong>de</strong> pau, pitar meu cigarro e esperar sentado. E<br />
quando eu for mais rico que um bispo, do meu dinheiro a<br />
senhora não vê nem cor nem cheiro!<br />
TIA BERALDA Está bem, mas atalhos são perigosos.<br />
JOÃO TEITÉ Perigo maior é esforço e trabalho! (TIA BERALDO TIRA<br />
DO BOLSO UM BREVE E TIRA UM <strong>ANEL</strong> DO <strong>DE</strong>DO.<br />
REZA E BENZE OS DOIS OBJETOS.)<br />
JOÃO TEITÉ Que bruxaria é essa?<br />
TIA BERALDA Que força nenhuma <strong>de</strong>sfaça o po<strong>de</strong>r do anel nem po<strong>de</strong>r<br />
maior esteja acima <strong>de</strong>sta oração. Pronto! Seu futuro agora<br />
está no anel.<br />
JOÃO TEITÉ Nesta porquerinha?<br />
57
TIA BERALDA Quem estiver usando este anel vai ficar sob o<br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> quem usar este breve. (MOSTRA O ESCAPU-<br />
LÁRIO.).<br />
JOÃO TEITÉ Prá qualquer coisa?<br />
TIA BERALDA Prá tudo! Mas faça tudo rápido e direito porque o po<strong>de</strong>r do<br />
anel não vai durar muito. (AMARRA O ESCAPULÁRIO<br />
NO PESCOÇO <strong>DE</strong> TEITÉ.)<br />
JOÃO TEITÉ Dá três nó cego e arroxa bem, tia Beralda, que é prá ele<br />
nunca sair daí! Eu te juro, tia Beralda, <strong>de</strong> hoje prá manhã<br />
eu enrico! (APONTA A CABEÇA.) Já está tudo bem planeado<br />
no meu bestunto!<br />
TIA BERALDA E lembra: quando o po<strong>de</strong>r do anel se for o seu futuro vai<br />
com ele. E vê se volta prá me pagar.<br />
JOÃO TEITÉ Po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar. Amanhã eu volto aqui com um monte <strong>de</strong> dinheiro.<br />
E já sei do bolso <strong>de</strong> quem. (SAI)<br />
TIA BERALDA Vamos ver se esse sarambé faz as coisas certas! (À SAÍ-<br />
DA, PÕE A MÃO NO BOLSO E PARA. RETIRA UM<br />
BREVE.) A oração do po<strong>de</strong>r?! (CHAMA.) Teité! Teité! Foise!<br />
Ele levou a oração da paixão. (DÁ <strong>DE</strong> OMBROS.) Ah!,<br />
paixão também é po<strong>de</strong>r e no final tudo vai dar certo. Ou<br />
não? (SAI)<br />
CENA 7 - UM ESTRANHO ACESSÓRIO <strong>DE</strong> CENA<br />
(MAJOR ENTRA EM CENA NUM ROMPANTE, SE SOL-<br />
TANDO <strong>DE</strong> BRAÇOS QUE QUEREM RETÊ-LO NOS<br />
BASTIDORES.)<br />
ARISTÓBULO Não vou! Já entrei e aqui fico até a hora <strong>de</strong> anunciar o<br />
general! Não saio! Cansei <strong>de</strong> ficarem mangando <strong>de</strong> mim!<br />
Dizendo que faço tudo errado! Só saio quando tiver feito<br />
minha cena, quando anunciar o general!<br />
CENA 8 - AS DORES DA PAIXÃO<br />
58
(ENTRAM TABARONE E FABRÍCIO.)<br />
TABARONE Io sono um disgraciato, figlio! (PERCEBE O MAJOR.) Ma,<br />
chè cazzo é questo?<br />
FABRÍCIO Nada, papá! Faz parte do cenário!<br />
TABARONE Teatro mo<strong>de</strong>rno, eh? Vá bene. Ma, o que vá molto male é<br />
mio coraçon!<br />
FABRÍCIO E o meu, então?<br />
TABARONE O meu é mais importante, cretino! Está dilacerado, cortado<br />
e rasgado por aquela mulher!<br />
FABRÍCIO Mas larga aquela jurupoca, pai! Aquilo não é mulher. É<br />
<strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> exú tranca-ruas na vida <strong>de</strong> um homem!<br />
TABARONE (CHORANDO, BATE NO FILHO) Ma come me fala assim<br />
da mulher <strong>de</strong> mio sonho, criminoso! Io te <strong>de</strong>serdo!<br />
FABRÍCIO Mas é verda<strong>de</strong>!<br />
TABARONE Que é, é! Na non precisa jogar na minha faccia a <strong>de</strong>sgraça<br />
que fiz! Ela virou a casa <strong>de</strong> perna pro ar, manda e<br />
<strong>de</strong>smanda e, o mais grave: ela quase me faz enfiar a mão<br />
no bolso! Isso dói no coraçon! Ma, que posso fare? Io<br />
amo questa donna come un male<strong>de</strong>tto apassionato!<br />
FABRÍCIO Eu te entendo, pai! (DRAMÁTICO)Rosaura me humilha,<br />
me tortura, me esfrangalha. E quanto mais a dor atua,<br />
mais eu grito: eu sou tua! Mais eu digo: sou canalha!<br />
TABARONE (SÉRIO) Filho, tutto bene? De vez em quanto tu vai fundo<br />
nas frescura, eh? Que é, male<strong>de</strong>tto? Tá difícile sustentar<br />
jeito <strong>de</strong> homem?! Me vira a página da sua história que te<br />
arrombo a muque!<br />
FABRÍCIO Tá me <strong>de</strong>sconhecendo, pai?<br />
TABARONE Non, mas quase.<br />
FABRÍCIO Mas eu vou dobrar a Rosaura. Vou amansar a fera. Faz o<br />
mesmo com a Boracéia!<br />
TABARONE Io e mais quantos? E, dopo, filho, tem il amore. Questo<br />
amore bandido que me assalta e faz <strong>de</strong> mim o que quer.<br />
59
CENA 9 - O TESTE DO <strong>ANEL</strong><br />
Des<strong>de</strong> que non queira minha bolsa, bem entendido!<br />
Vem, filho! Andiamo chorar nossos amores. Nostra<br />
famíglia é assim: Per<strong>de</strong>mo la razón e la vida per una<br />
moglie. Ma, dinheiro non per<strong>de</strong>mo, non! (SAEM)<br />
(ENTRA TEITÉ SATISFEITÍSSIMO.)<br />
JOÃO TEITÉ Hoje eu vou me dar bem! (PERCEBE O MAJOR, DURO,<br />
EM POSIÇÃO <strong>DE</strong> SENTIDO. LÊ UMA FICTÍCIA PLACA<br />
NO PE<strong>DE</strong>STAL DA "ESTÁTUA".) Monumento ao soldado<br />
<strong>de</strong>sconhecido! É por isso que eu num gosto <strong>de</strong> arte mo<strong>de</strong>rna:<br />
não parece com nada!(ARISTÓBULO ROSNA E<br />
LATE. TEITÉ SE ASSUSTA E SAI <strong>DE</strong> PERTO. ENTRA<br />
MARRUÁ.) "Seu" Marruá, que satisfação encontrá-lo forte<br />
e rijo! Que Deus proteja o senhor e sua casa!<br />
MANÉ MARRUÁ E que te afaste do meu caminho! Diga o que queres que<br />
não tenho tempo para um doidivanas como tu!<br />
JOÃO TEITÉ Meu emprego <strong>de</strong> volta nem pensar, não é?<br />
MANÉ MARRUÁ Mas nem me lembro que algum dia na vida foste meu<br />
empregado!<br />
JOÃO TEITÉ Fundo <strong>de</strong> garantia, férias, décimo-terceiro nem tocar no<br />
assunto?<br />
MANÉ MARRUÁ Nem!<br />
JOÃO TEITÉ Está bem! Cada um faz o que lhe dita a consciência! Mas<br />
para provar ao senhor que não guardo rancor em meu coração,<br />
eu lhe trago um presente <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedida? (DÁ-LHE<br />
UM DIMINUTO EMBRULHO)<br />
MANÉ MARRUÁ Vais para on<strong>de</strong>, ó gajo à toa?<br />
JOÃO TEITÉ Vou voltar prá Minas Gerais, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> eu nunca <strong>de</strong>via ter<br />
saido para encontrar amargura e <strong>de</strong>sconfiança por este<br />
mundo!<br />
60
MANÉ MARRUÁ Que é que estás me preparando, ó Teité!?<br />
Eu te conheço <strong>de</strong> outras ladinagens!<br />
JOÃO TEITÉ (SENTIDO.)O mundo é assim: um homem faz um ou dois,<br />
três ou quatro, vinte ou trinta errinhos e logo é rotulado <strong>de</strong><br />
errado! A<strong>de</strong>us, "seu" Marruá, meu ônibus sai às onze horas.<br />
MANÉ MARRUÁ Pensas que me enganas? E a bagagem?<br />
JOÃO TEITÉ (CHOROSO) Com o dinheiro que consegui economizar<br />
trabalhando pro senhor ou eu comprava a mala, ou a bagagem<br />
ou a passagem! Volto nu com uma mão na frente<br />
protegendo as vergonhas e a outra atrás protegendo a<br />
dignida<strong>de</strong>!<br />
MANÉ MARRUÁ Bem, Teité, para que não me queiras mal também vou te<br />
dar alguma coisa.<br />
JOÃO TEITÉ Não precisa, são só <strong>de</strong>zoito horas <strong>de</strong> viagem. Eu como<br />
quando chegar.<br />
MANÉ MARRUÁ Dou-te dou um conselho.<br />
JOÃO TEITÉ (PARA SI) O velho muquirana!<br />
MANÉ MARRUÁ Precisas trabalhar mais para ser alguém na vida, ó Teité.<br />
JOÃO TEITÉ E o senhor precisa, "das veiz" pagar melhor pelo trabalho.(MARRUÁ<br />
ABRE O PRESENTE)<br />
MANÉ MARRUÁ Um anel! Obrigado, mas não uso essas coisas. (PÕE NO<br />
BOLSO.)<br />
JOÃO TEITÉ (ALARMADO.)Antes <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r, seu Marruá, põe no <strong>de</strong>do<br />
só pra eu ver se ficaria bem se acaso o senhor usasse.<br />
MANÉ MARRUÁ Está bem. (COLOCA O <strong>ANEL</strong>) É, fica bem.<br />
JOÃO TEITÉ O senhor não está sentindo nada?<br />
MANÉ MARRUÁ E que raios <strong>de</strong>veria sentir?<br />
JOÃO TEITÉ Maldita tia Beralda! (MARRUÁ FAZ MENÇÃO <strong>DE</strong> TIRAR<br />
O <strong>ANEL</strong>.) Não tire o anel!<br />
MANÉ MARRUÁ E por que eu <strong>de</strong>veria tirar tão carinhoso presente?<br />
61
JOÃO TEITÉ Que é que está olhando?<br />
MANÉ MARRUÁ (MELÍFLUO) Os seus olhos, Teité.<br />
JOÃO TEITÉ Ocê está sob meu po<strong>de</strong>r?<br />
MANÉ MARRUÁ Sob o po<strong>de</strong>r do amor! (RECOBRANDO A CONSCIÊNCIA)<br />
ái, Jesus! Que disparate estou dizendo? E que disparate<br />
maior estou sentindo, meu Santo Antonio da Beira?! E pelo<br />
Teité?!<br />
JOÃO TEITÉ Está sob o meu po<strong>de</strong>r ou não está?<br />
MANÉ MARRUÁ Estou! Estou <strong>de</strong> corpo, estou <strong>de</strong> alma! Não sei o que sinto<br />
mas quem é que po<strong>de</strong> explicar o amor?!<br />
JOÃO TEITÉ (ESPANTADO)Seu Marruá?!<br />
MANÉ MARRUÁ É uma coisa que nasce, se expan<strong>de</strong> e me toma...(RECOBRANDO<br />
A VONTA<strong>DE</strong>) Um raio que me toma!<br />
(CHORA)Não <strong>de</strong>ixe que me tome, meu Santo Antonio<br />
<strong>de</strong> Lisboa! (INFUNDINDO CORAGEM A SI MESMO) Sustente<br />
a velha macheza portuguesa, Marruá! Ai, meu Deus,<br />
que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1415 não existe perobo na minha linhagem. Na<br />
minha árvore genealógica não existem frutinhas! (MU-<br />
DANDO <strong>DE</strong> TOM) E daí? Um dia tem <strong>de</strong> acontecer. Um<br />
dia a gente evolui e se abre para o mundo! (MUDA TOM.)<br />
Se fecha, Marruá, se fecha!<br />
JOÃO TEITÉ Seu Marruá?<br />
MANÉ MARRUÁ Que voz maviosa! Que olhos tu tens, Teité! Me chames<br />
que eu vou!<br />
JOÃO TEITÉ Não vem! Não vem, não!<br />
MANÉ MARRUÁ (NUM ÚLTIMO ESFORÇO) Tome tento, Marruá! Seja<br />
homem! (CONVICTO) Eu vou ser homem! Eu sou é macho!<br />
Assumo minha porção mulher e ninguém tem nada a<br />
ver com isso! (AO PÚBLICO) Rá, rá, rá é uma mãozada<br />
que logo tomas pela cara! Teité, venha cá!<br />
JOÃO TEITÉ Mas nem morta!<br />
MANÉ MARRUÁ (BREJEIRO) Se não vens, eu vou.<br />
JOÃO TEITÉ Não vem!<br />
62
MANÉ MARRUÁ Eu vou! "Tu te tornas eternamente responsável<br />
por aquilo que cativas!"<br />
JOÃO TEITÉ Tia Beralda, velha maldita, que que foi que a senhora me<br />
arrumou!<br />
MANÉ MARRUÁ Assuma comigo, Teité. (CORRE ATRÁS <strong>DE</strong> TEITÉ QUE<br />
GRITA E FOGE)<br />
CENA 10 - UM NOVO ANÚNCIO <strong>DE</strong> ENTRADA PARA O GENERAL<br />
(MAJOR ARISTÓBULO QUE, DISTRAÍDO, ACOMPA-<br />
NHOU A CENA RI DISFARÇADAMENTE. PAUSA, NADA<br />
ACONTECE EM CENA. CHAMAM O MAJOR NOS BAS-<br />
TIDORES. ELE GESTICULA <strong>DE</strong> CABEÇA, FAZ UM<br />
GESTO IRRITADO E SE PÕE EM POSIÇÃO <strong>DE</strong> SENTI-<br />
DO ENCARANDO O PÚBLICO.)<br />
OFF Major, é agora! É agora, major!<br />
ARISTÓBULO (<strong>DE</strong>CIDIDO) Não saio! (MATIAS CÃO É EMPURRADO<br />
PRÁ <strong>DE</strong>NTRO DO PALCO. COMPÕE-SE E DIRIGE-SE<br />
FORMALMENTE AO PÚBLICO.<br />
MATIAS CÃO E agora, senhoras e senhores, eu tenho o prazer <strong>de</strong> anunciar<br />
a entrada do general Euriclenes, por que aquela<br />
besta que está ali em pé há <strong>de</strong>z minutos, justamente para<br />
não esquecer <strong>de</strong> entrar em cena, esqueceu <strong>de</strong>ixa, esqueceu<br />
cena, esqueceu tudo! Obrigado.(MAJOR BATE A<br />
MÃO NA CABEÇA LEMBRANDO. MATIAS SAI. ENTRA<br />
O GENERAL.).<br />
EURICLENES Mais uma <strong>de</strong>ssa e te rebaixo a capitão, major!<br />
ARISTÓBULO Mas eu...<br />
EURICLENES Perfile-se! Não lhe <strong>de</strong>i licença <strong>de</strong> falar! Levou meu recado<br />
prás mulheres da casa do Marruá? (MAJOR BATE NA<br />
CABEÇA INDICANDO ESQUECIMENTO.) Pôs meu anúncio<br />
<strong>de</strong> "procura-se alma gêmea" na revista "Contigo"?<br />
(MAJOR BATE NA CABEÇA) Pelo menos marcou meu<br />
encontro com aquela massagista do anúncio do jornal?<br />
63
(MAJOR I<strong>DE</strong>M) Não! Eu não aguento mais,<br />
major! Trinta anos! Trinta anos dando serviço no quartel<br />
só vendo barbado. Eu quero uma mulher! Eu ainda faço<br />
uma besteira! Eu ainda faço uma prisioneira!<br />
ARISTÓBULO Estou falando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo. Pren<strong>de</strong> uma!<br />
EURICLENES Não fala besteira! Foi só uma explosão emocional, mas já<br />
estou senhor <strong>de</strong> mim! Preciso <strong>de</strong> uma estratégia: Preciso<br />
estudar o inimigo, seus costumes, seus pontos fracos, seu<br />
potencial <strong>de</strong> fogo...<br />
ARISTÓBULO Que nada! É só escorar com um trinta e oito e dizer: eu<br />
quero é casar com você, visse?<br />
EURICLENES Mas fecha essa boca, major! (SAI. ENTRA MATIAS. MA-<br />
JOR FURIOSO CHUTA O CHÃO.)<br />
ARISTÓBULO É só xingo! Só mangação! Eu, quase em ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aposentar,<br />
aguentar isso? Não preciso disso! Eu volto prá<br />
produção!<br />
MATIAS CÃO Calma, major! Eu posso te ajudar. É uma mulher que o<br />
general quer? Eu tenho um par perfeito. Só que vai custar<br />
algum dinheiro.<br />
ARISTÓBULO O que custar! O general tem prá mais <strong>de</strong> três fazendas<br />
em Goiás!<br />
MATIAS CÃO Então <strong>de</strong>ixa comigo! (MAJOR NÃO SE MOVE.) Eu disse:<br />
<strong>de</strong>ixa comigo. O senhor sai por ali...(APONTA A DIREITA)<br />
que eu vou até a casa do Marruá!<br />
ARISTÓBULO (ENTEN<strong>DE</strong>NDO) Ah, é! Sim. senhor! (SAI)<br />
MATIAS CÃO Mateúsa! Abre para o seu querubim!<br />
MATEÚSA (SURGINDO À J<strong>ANEL</strong>A) Querubim da asa negra!<br />
MATIAS CÃO O Marruá tá aí?<br />
MATEÚSA Não.<br />
MATIAS CÃO E a Rosaura?<br />
MATEÚSA Saiu. Que ocê quer?<br />
64
MATIAS CÃO O que eu quero você não dá.<br />
MATEÚSA Se for uma mão no seu escutador <strong>de</strong> besteira eu satisfaço<br />
logo.<br />
MATIAS CÃO Desce aqui prá me domar! Me chama <strong>de</strong> burro xucro e me<br />
crava a espora, me chama <strong>de</strong> touro bravo e vem me tourear!<br />
MATEÚSA Vem com graça, vem!<br />
MATIAS CÃO Se você não <strong>de</strong>scer eu subo.<br />
MATEÚSA Sobe. Lá na minha terra, touro que rebenta porteira a gente<br />
capa prá virar boi manso!<br />
MATIAS CÃO Ave, Maria! Vôte e arrenego! Eu fico aqui mesmo esperando<br />
o Marruá chegar.<br />
MATEÚSA Po<strong>de</strong> esperar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa. E não se comporte prá ver<br />
uma coisa! (FAZ UM GESTO <strong>DE</strong> CORTAR. MATIAS EN-<br />
TRA.<br />
CENA 11 - PLANO PRÁ SE CHEGAR AO PO<strong>DE</strong>R<br />
(ENTRA TEITÉ CORRENDO SEGUIDO <strong>DE</strong> MARRUÁ.)<br />
JOÃO TEITÉ Desafasta, anticristo! Vai embora, velho bor<strong>de</strong>leiro!<br />
MANÉ MARRUÁ Não me rejeites, doçura! Fui vencido pelos seus encantos!<br />
JOÃO TEITÉ Meus encantos são muitos mas não são pro senhor! Eu<br />
mato a Tia Beralda, eu mato! (MARRUÁ AVANÇA. TEITÉ<br />
PEGA UMA GARRAFA <strong>DE</strong> ÁLCOOL.) Não vem que eu te<br />
pincho e te risco fogo!<br />
MANÉ MARRUÁ (CONTINUANDO A SE APROXIMAR) Pouco me ligo!<br />
(TEITÉ VAI ATIRAR MAS SUBITAMENTE MUDA <strong>DE</strong> A-<br />
TITUTE.)<br />
JOÃO TEITÉ Sabe o que é, seu Marruá? O senhor me pegou <strong>de</strong>sprevinido.<br />
Me dá dois segundos prá eu me acostumar com a<br />
65
idéia. (IMEDIATAMENTE MUDA-SE EM<br />
FRESCURA.) Um, dois, pronto! À sua disposição, mon<br />
cher <strong>de</strong> mon coeur! Sabe o que é, Marruá? É que isso é<br />
tão novo prá mim. É um mundo novo, novas sensações,<br />
sei la!<br />
MANÉ MARRUÁ Vem, Teitézinho! (TEITÉ SERVE UM COPO.)<br />
JOÃO TEITÉ Uma bebida antes!<br />
MANÉ MARRUÁ E um cigarrinho <strong>de</strong>pois. Tu não bebes?<br />
JOÃO TEITÉ Eu bebo no seu copo que é prá <strong>de</strong>scobrir seus segredos!<br />
(MARRUÁ BEBE. LEVA O "COICE" DA BEBIDA E PA-<br />
RALISA.) Álcool carburante não falha! (RAPIDAMENTE<br />
TEITÉ RETIRA O <strong>ANEL</strong> DO <strong>DE</strong>DO <strong>DE</strong> MARRUÁ.) Que<br />
perigo, meu Deus!<br />
MANÉ MARRUÁ (RESTABELECENDO-SE, MAS BÊBADO.) Que diabos<br />
houve, Teité? Parece que tive um sonho tão esquisito que<br />
não tenho coragem nem <strong>de</strong> lembrar! Tu me dizias que...<br />
ias embora? (ABRAÇA-O.) Mas, não faças isso, meu amigo!<br />
JOÃO TEITÉ Se o senhor tiver uma recaída eu me <strong>de</strong>scabeço! (EM-<br />
PURRA) Me larga!<br />
MANÉ MARRUÁ És meu amigo!<br />
JOÃO TEITÉ Saio do fogo prá cair na frigi<strong>de</strong>ira! (TEM UMA IDÉIA.) É<br />
claro! É isso! (ABRE OS BRAÇOS PARA MARRUÁ.) Meu<br />
amigo! (ABRAÇA-O E LOGO O AFASTA) Chega, que essa<br />
coisa <strong>de</strong> abraço po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sandar! (EMPURRA MARRUÁ<br />
PRÁ <strong>DE</strong>NTRO <strong>DE</strong> CASA QUE ENTRA CAMBALEANTE.)<br />
JOÃO TEITÉ Meu futuro é hoje! (AO PÚBLICO) O Marruá tá na minha<br />
mão esquerda e na minha outra mão a Rosaura! O Marruá<br />
eu mantenho bêbado e no <strong>de</strong>dinho da Rosaura eu<br />
ponho o anel! Me caso com ela, mando em tudo e ainda<br />
fico her<strong>de</strong>iro! Meu Deus do Céu! Uma mercearia com<br />
<strong>de</strong>spensa cheia e a gostosa da Rosaura! Que que eu<br />
posso querer mais? Duas mercearias! Mulher po<strong>de</strong> ser só<br />
uma mesmo. Mas como eu faço o anel entrar no seu <strong>de</strong>dinho<br />
anular?<br />
66
MATEÚSA (OFF) Maldito! Ocê vai falar fino! (MATIAS<br />
SE ATIRA DO ANDAR SUPERIOR DA CASA <strong>DE</strong> MAR-<br />
RUÁ. MATEÚSA ASSOMA À J<strong>ANEL</strong>A.) Ocê não per<strong>de</strong><br />
por esperar, ordinário! Vou te castrar com essas próprias<br />
mãos!<br />
MATIAS CÃO O final vai ser ruim mas o começo em compensação...!<br />
MATEÚSA Desgranhento! (FECHA A J<strong>ANEL</strong>A)<br />
MATIAS CÃO Ave Maria, mulher <strong>de</strong>ssa casa é bravo que só homem!<br />
JOÃO TEITÉ Matias, que bom te ver! Uma mão lava a outra: eu te aju<strong>de</strong>i<br />
quando ocê chegou nesta cida<strong>de</strong> e agora ocê vai me<br />
ajudar!<br />
MATIAS CÃO Não tenho dinheiro!<br />
JOÃO TEITÉ Mas vai ter porque eu vou te dar. E muito!<br />
MATIAS CÃO E que eu vou ter <strong>de</strong> fazer?<br />
JOÃO TEITÉ Uma coisica <strong>de</strong> nada! Dá esse anel prá Rosaura e diz que<br />
foi um presente do Fabrício.<br />
MATIAS CÃO Que você tá aprontando? A Rosaura vai te comer vivo!<br />
JOÃO TEITÉ Enquanto ela pensa em me jantar eu almoço a fera. E,<br />
<strong>de</strong>pois, sou capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>glutir a prima <strong>de</strong>la que também é<br />
bem jeitosa!<br />
MATIAS CÃO Não se mete com a Mateúsa, cabra!<br />
JOÃO TEITÉ Está bem, a sobremesa é sua. Faz o que te falei.<br />
MATIAS CÃO A Rosaura não vai aceitar!<br />
JOÃO TEITÉ Teu trabalho é esse. Você tem <strong>de</strong> fazer ela colocar o anel<br />
no <strong>de</strong>do.<br />
MATIAS CÃO Só isso?<br />
JOÃO TEITÉ Só isso e nosso futuro tá garantido. Vamos ser ricos, Matias!<br />
MATIAS CÃO Como?<br />
JOÃO TEITÉ Não posso dizer mas confie em mim! Conto com ocê?<br />
67
MATIAS CÃO Se me vem dinheiro, po<strong>de</strong> contar!<br />
JOÃO TEITÉ Está consumado o mais maléfico, o mais maquiavélico, o<br />
mais diabólico dos planos! (RI COMO VILÃO <strong>DE</strong>MONÍA-<br />
CO E SAI. MATIAS OLHA O <strong>ANEL</strong> ENCAFIFDO.)<br />
MATIAS CÃO Que diabo esse mineirinho tá aprontando agora? (EXPE-<br />
RIMENTA O <strong>ANEL</strong> NO <strong>DE</strong>DO. PARALISA E ARREGALA<br />
OS OLHOS, IMEDIATAMENTE TIRA O <strong>ANEL</strong>. AO PÚ-<br />
BLICO) Não conto o que pensei! (PARA SI) Que coisa estranha!<br />
CENA 12 - O CONTRA-PLANO<br />
(MATIAS VAI ATÉ A CASA <strong>DE</strong> MARRUÁ E CHAMA.)<br />
MATIAS CÃO Mateúsa! Mateúsa! (MATEÚSA IRROMPE COMO UM<br />
FURACÃO ARMADA <strong>DE</strong> UMA FACA. MATIAS GRITA E<br />
CORRE, INDO ATÉ A OUTRA EXTENSÃO DO PALCO.<br />
BRINCA COM O METATEATRO. APONTA UM ACES-<br />
SÓRIO OU UM RISCO IMAGINÁRIO NO CHÃO.) Não<br />
po<strong>de</strong> passar <strong>de</strong>ste risco! Você ainda está no Jabaquara e<br />
aqui já é Pirituba! (TABARONE GRITA <strong>DE</strong> <strong>DE</strong>NTRO <strong>DE</strong><br />
SUA CASA.)<br />
TABARONE (OFF) Io quero me suicidar!<br />
BORACÉIA (OFF) É a melhor coisa que fazes, arca <strong>de</strong> sovinice!<br />
TABARONE (OFF)Alguém me livre <strong>de</strong> questa mulher! Matias Cón! Matias<br />
Cón!<br />
MATIAS CÃO Me <strong>de</strong>ixa ir aí pro Jabaquara porque se o velho me pega aqui<br />
em Pirituba vai <strong>de</strong>sandar toda a história!<br />
MATEÚSA Vem, ordinário! (GUARDA A FACA) Não precisa <strong>de</strong> ser<br />
agora! (MATIAS PASSA PARA O OUTRO LADO NO<br />
MOMENTO EM QUE TABARONE IRROMPE NO PALCO<br />
A SUA PROCURA.)<br />
TABARONE Matias Cón? Parece que io ouvi a voz <strong>de</strong>le! (<strong>DE</strong>SESPE-<br />
RADO) Neste inferno io non vivo mais! (SAI)<br />
68
MATEÚSA Agora nós! Ocê me respeite, sojeito! Ocê<br />
nunca mais me rele a mão!<br />
MATIAS CÃO Deixa <strong>de</strong> agonia, mulher! Quero lhe falar...<br />
MATEÚSA Ieu não quero saber <strong>de</strong> trela com um da sua espécie! (TI-<br />
RA A FACA)Ocê volte prá Pirituba, ocê sai da minha, vista<br />
porque se não ieu faço um estrago! (ENTRA ROSAU-<br />
RA E SEGURA MATEÚSA AFASTANDO-A <strong>DE</strong> MATIAS)<br />
ROSAURA Que é isso, prima? Que aconteceu?<br />
MATEÚSA (A ROSAURA) Esse ordinário entrou em casa procurando<br />
seu pai e quando eu menos espero me lasca um beijo tão<br />
linguado na boca que me turtuviou a cabeça e me bambeou<br />
as pernas!<br />
ROSAURA E você não gostou?<br />
MATEÚSA Ô, mas nem! Mas ele não carece <strong>de</strong> saber, né prima?! (A<br />
MATIAS) óia, seu sem-vergonha, acatando o conselho <strong>de</strong><br />
Rosaura, <strong>de</strong>sta vez passa, mas da próxima...!<br />
MATIAS CÃO (APROXIMANDO-SE RECEOSO) Deus te guar<strong>de</strong> e me<br />
proteja, dona Rosaura! Este é um presente mandado pelo<br />
Fabrício como prova <strong>de</strong> estima.<br />
ROSAURA Não quero nada daquele cafajeste!<br />
MATEÚSA Não faz <strong>de</strong>sfeita, prima! Um anel tão bonito!<br />
ROSAURA Não quero, já disse!<br />
MATIAS CÃO Só põe no <strong>de</strong>do prá ver se ficou bonito. Se não ficar a senhora<br />
ven<strong>de</strong>, dá <strong>de</strong> presente...<br />
MATEÚSA Não custa, prima. (APÓS UM MOMENTO <strong>DE</strong> IN<strong>DE</strong>CI-<br />
SÃO ROSAURA PEGA O <strong>ANEL</strong>.)<br />
ROSAURA Só vou por e tirar. (PÕE) Bem micho, né? (MUDA RE-<br />
PENTINAMENTE.) Eu quero o Teité! Eu amo aquele homem.<br />
Eu me rasgo, eu me mordo por ele!<br />
MATEÚSA Que é isso?<br />
MATIAS CÃO E eu sei?<br />
69
ROSAURA Eu vou procurar esse gostoso! Teité, sou sua!<br />
MATEÚSA Apaga o fogo, prima.<br />
MATIAS CÃO Tira o anel! Tá segura! (PREN<strong>DE</strong> ROSAURA E MATEÚ-<br />
SA TIRA O <strong>ANEL</strong>.)<br />
ROSAURA (VOLTANDO) Gente, que foi isso? Me apaixonei pelo Teité!<br />
MATIAS CÃO Foi o anel.<br />
MATEÚSA (TIRA A FACA)Então, seu moço, começa a explicar isso<br />
direitinho!<br />
ROSAURA Eu seguro e você corta.<br />
MATEÚSA (DANDO A FACA A ROSAURA, MALICIOSA)Deixa que<br />
eu seguro, prima. Ocê corta.<br />
MATIAS CÃO (AMEDRONTADO) A culpa não foi minha. Foi o Teité que<br />
me <strong>de</strong>u o anel prá eu dizer que era presente do Fabrício.<br />
ROSAURA E você tá <strong>de</strong> tramóia com o Teité?<br />
MATIAS CÃO Eu só sei o que vocês sabem.<br />
MATEÚSA Diga, sojeito, <strong>de</strong> que lado ocê está?<br />
MATIAS CÃO E eu tenho escolha?<br />
MATEÚSA Não! Despeja tudo o que sabe.<br />
MATIAS CÃO Esse anel tem bruxaria. Eu mesmo pus esse anel e fiquei<br />
igualzinho a senhora.(ENTRA MARRUÁ AINDA BÊBADO)<br />
MANÉ MARRUÁ Foste embora, amigo Teité? (SENTA-SE TRISTE)<br />
MATEÚSA Mas, vigia, o safado! Com certeza embebedou seu pai e<br />
te queria apaixonada por ele, prima!<br />
MATIAS CÃO Disse que ia ficar rico!<br />
ROSAURA Eu vou dar uma sova nesse ordinário.<br />
MATEÚSA Quieta o facho, prima. Ocê vai dar uma sova <strong>de</strong> relho nele,<br />
mas não agora. Deixa comigo que está nascendo uma<br />
70
luzinha aqui na minha cabeça, danada <strong>de</strong><br />
boa! Posso contar com ocê prá isso, Matias?<br />
MATIAS CÃO Só se eu pu<strong>de</strong>r contar com você prá aquilo.<br />
MATEÚSA Vai ficando confiado que lhe ato num pé <strong>de</strong> pau e lhe<br />
<strong>de</strong>sço vara!<br />
MATIAS CÃO Você fala isso só prá me agradar.<br />
MATEÚSA Vamos fazer uma combinação.<br />
ROSAURA E o anel?<br />
MATEÚSA Esse fica comigo e já sei quem vai se apaixonar pelo Teité!<br />
(SAEM OS TRÊS <strong>DE</strong>IXANDO MARRUÁ.)<br />
CENA 13 - NINGUÉM QUER TÃO PESADO FARDO<br />
(MARRUÁ SUSPIRA <strong>DE</strong> TRISTEZA E, AOS POUCOS,<br />
VAI CURANDO A BEBE<strong>DE</strong>IRA.)<br />
MANÉ MARRUÁ Ó, Teité! Por que foste embora, meu amigo? Quem encontra<br />
um amigo, encontra um tesouro! (BALANÇA A<br />
CABEÇA TENTANDO DISSIPAR O TORPOR.) Mas que<br />
raios estou eu a falar? Ái, minha cabeça! Aquele <strong>de</strong>sgraçado<br />
me fez beber <strong>de</strong> novo! Eu juro que, se lhe ponho as<br />
mãos em cima, espremo tanto que a alma lhe sai por baixo!<br />
Ái, minha cabeça. (ENTRA TABARONE <strong>DE</strong>SESPE-<br />
RADO.)<br />
TABARONE Io ainda morro <strong>de</strong> uno ataque cardíaco! Non aguento mais<br />
a Boracéia! Ma on<strong>de</strong> estou? Sono tanto <strong>de</strong>sesperato que<br />
saí <strong>de</strong> Pirituba agora e já estou no Jabaquara! Ma quem é<br />
quello? Marruá! (APROXIMA-SE APARENTANDO FELI-<br />
CIDA<strong>DE</strong>.) Buona tar<strong>de</strong>, amico!<br />
MANÉ MARRUÁ Mas entre e esteja bem servido em meu estabelecimento,<br />
meu novo amigo! Como está ela?<br />
TABARONE Quem?<br />
MANÉ MARRUÁ A coisa! O <strong>de</strong>sastre! A semente <strong>de</strong> encrenca! A Boracéia!<br />
71
TABARONE Ah, a minha senhora? Moltíssimo bene!<br />
MANÉ MARRUÁ Eu acredito. Mas... (CONTEM O RISO) e o senhor? Como<br />
vai com aquela hárpia? (RI)<br />
TABARONE Maravilhosamente! No paraíso!<br />
MANÉ MARRUÁ Como?<br />
TABARONE Com amor.<br />
MANÉ MARRUÁ Qual o que! O amor não é tão forte assim!<br />
TABARONE É claro que é. E venho agra<strong>de</strong>cer <strong>de</strong> coraçón o amico ter<br />
me cedido sua ex-mulher.<br />
MANÉ MARRUÁ Mas eu é que agra<strong>de</strong>ço.<br />
TABARONE Non acredito que não tenha boas lembrança <strong>de</strong>la. Nos<br />
primeiros anos, talvez?<br />
MANÉ MARRUÁ Sim... talvez na primeira semana ou nos primeiros dois dias<br />
<strong>de</strong> casado. Depois foi um longo e tenebroso inferno.<br />
TABARONE Non creio! Agora é una nuova mulher!<br />
MANÉ MARRUÁ Sim? Sorte sua. Eu começo a me sentir solitário.<br />
TABARONE Veja bene... Io sono molto grato pela tua gentileza... ma<br />
acontece que preciso viajar... Io sono un'uomo maduro,<br />
<strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> ciúme...E non quero <strong>de</strong>ixar a Boracéia sozinha...<br />
MANÉ MARRUÁ E?<br />
TABARONE Enton se o amico quiser receber sua ex-mulher <strong>de</strong> volta<br />
por unas semanas...<br />
MANÉ MARRUÁ E mudou mesmo?<br />
TABARONE A alma, um pêssego maduro. O corpo una uva!<br />
MANÉ MARRUÁ (CAI NA GARGALHADA) Aquela trombada é perda total!<br />
Não há funileiro que dê jeito! Pensas que sou um idiota?<br />
TABARONE Só pensa no corpo?<br />
72
MANÉ MARRUÁ É claro, a Boracéia não tem alma! (RI. TA-<br />
BARONE COMEÇA A CHORAR. MARRUÁ RI MAIS.)<br />
TABARONE É verda<strong>de</strong>. Me aju<strong>de</strong>! In nome <strong>de</strong> nostra nuova amiza<strong>de</strong><br />
fique com ela, ou dê prá alguém, prenda no seu porón!<br />
MANÉ MARRUÁ De jeito nenhum! Ela é para pagar todas as coisas que<br />
você me fez no passado!<br />
TABARONE És molto cruel! Per la nostra amiza<strong>de</strong>...<br />
MANÉ MARRUÁ Nossa amiza<strong>de</strong> não vale tanto prá eu encarar <strong>de</strong> novo<br />
aquela fera!<br />
TABARONE Seu morruga!<br />
MANÉ MARRUÁ Não me chame <strong>de</strong> morruga, seu rábula ladrão!<br />
TABARONE Rábula, não! (ATRACAM-SE. ENTRAM MATIAS E MA-<br />
TEÚSA E O SEPARAM. SAEM COM CADA UM POR<br />
EXTREMOS CONTRÁRIOS DO PALCO)<br />
CENA 13 - PANTOMIMA<br />
(IMEDIATAMENTE MATIAS E MATEÚSA VOLTAM E SE<br />
ENCONTRAM NO CENTRO DO PALCO.)<br />
MATEÚSA Tá tudo combinado então? Então vamos avisar todo mundo<br />
porque o cal<strong>de</strong>irão on<strong>de</strong> o Teité vai se fritar já tá no fogo!<br />
( OUVE-SE MÚSICA E INICIA-SE UMA PANTOMIMA.<br />
MATIAS E MATEÚSA CRUZAM E RECRUZAM TODO O<br />
PALCO ENCONTRANDO SE COM OS PERSONAGENS<br />
DA PEÇA E ENTREGANDO-LHE CONVITES. MATIAS<br />
ENCONTRA TEITÉ E LHE DIZ ALGO QUE FAZ TEITÉ<br />
MUITO CONTENTE. TEITÉ O ABRAÇA. MATEÚSA<br />
CONVERSA E VESTE MARRUÁ COM CARTOLA, MATI-<br />
AS CONVERSA COM ARISTÓBULO E EURICLENES,<br />
MATEUSA VESTE ROSAURA <strong>DE</strong> NOIVA. MATIAS<br />
PERCEBE ALGUÉM NA PLATÉIA E ENTREGA-LHE UM<br />
CONVITE. PERCEBE QUE TEM DUAS PESSOAS AO<br />
LADO <strong>DE</strong>LA. VOLTA CORRENDO AO PALCO E EN-<br />
TREGA ÀS DUAS OS CONVITES. PERCEBE QUE TEM<br />
73
CENA 14 - O CASAMENTO<br />
MAIS GENTE. VOLTA CORRENDO AO<br />
PALCO COM MAIS CONVITES. PERCEBE TODA A EX-<br />
TENSÃO DA PLATÉIA. <strong>DE</strong>SESPERA-SE. VOLTA AO<br />
PALCO CORRENDO E ATIRA MAÇOS <strong>DE</strong> CONVITES<br />
AO PÚBLICO. SAI ACABANDO A PANTOMIMA.<br />
(MATIAS ENTRA PUXANDO FABRÍCIO.)<br />
MATIAS CÃO Você vai ser o Juiz que vai fazer o casamento.<br />
FABRÍCIO Se isso não <strong>de</strong>r certo...<br />
MATIAS CÃO Deixa comigo que eu garanto. Me pague e veste essa<br />
roupa! (DÁ-LHE UMA PERUCA E UMA CAPA)<br />
FABRÍCIO Além <strong>de</strong> por essa peruca ridícula eu tenho <strong>de</strong> te pagar?<br />
MATIAS CÃO É. Se é que você quer a Rosaura.<br />
FABRÍCIO Eu não entendo como...<br />
MATIAS CÃO Não precisa enten<strong>de</strong>r, faça! (PAGA E PÕE A PERUCA E<br />
A CAPA. ENTRAM DO OUTRO LADO TEITÉ VESTIDO<br />
<strong>DE</strong> FRAQUE E ROSAURA COMO NOIVA)<br />
MANÉ MARRUÁ Desgraça, que gastei um dinheirão com essa brinca<strong>de</strong>ira!<br />
MATEÚSA Que dinheirão? É tudo alugado. Fique quieto, tio, que vai<br />
valer a pena.<br />
JOÃO TEITÉ (IMPACIENTE) De carreira, gente! Vamos logo, seu Juiz,<br />
que o meu futuro tem pressa!<br />
JUIZ Estamos aqui para unir legalmente o casal João Teité e<br />
Rosaura da Beira.<br />
ROSAURA (PARA MATEÚSA) Mas é o Fabrício! Você me paga!<br />
MATEÚSA Fica quieta, prima!<br />
JUIZ O senhor João Teité aceita a Rosaura como esposa legal?<br />
74
JOÃO TEITÉ Mas nem não!<br />
JUIZ Rosaura da Beira aceita Teité como esposo legal.<br />
ROSAURA Sim.<br />
JOÃO TEITÉ (AUTORITÁRIO) Fala em alto e claro bom som, mulher!<br />
ROSAURA Sim!<br />
JOÃO TEITÉ Com mais amor!<br />
ROSAURA (PARA MATEÚSA, FURIOSA) Eu vou pregar-lhe a mão!<br />
MATEÚSA Depois. Agora respon<strong>de</strong>!<br />
ROSAURA Sim, amor!<br />
JUIZ Pelo po<strong>de</strong>r a mim investido eu os <strong>de</strong>claro legalmente casados.<br />
JOÃO TEITÉ Pronto, cheguei no topo, no cume!<br />
MATEÚSA Isso merece uma festa!<br />
JOÃO TEITÉ Que festa, nada! Ocê já quer gastar o dinheiro que eu vou<br />
herdar? Todo mundo prá fora! Não tem festa, nem nada!<br />
(MALICIOSO) O que vai ter agora é uma inauguração! Fora!<br />
(TODOS SAEM) Enfim sóses! (PEGA A MÃO <strong>DE</strong> RO-<br />
SAURA) O po<strong>de</strong>r do anel! Dona Rosaura da Beira eu vou<br />
começar pelas beiradas! (BEIJA A MÃO <strong>DE</strong>LA. ROSAU-<br />
RA TIRA A MÃO E ABRE O VESTIDO. POR BAIXO DO<br />
VESTIDO <strong>DE</strong> NOIVA VESTE ROUPAS <strong>DE</strong> COURO<br />
PRETO E BOTAS, IDUMENTÁRIA CLÁSSICA <strong>DE</strong> SADO-<br />
MASOQUISMO. TIRA UM CHICOTE.) Pelos profetas do<br />
Aleijadinho! Que que é isso, amor?!<br />
ROSAURA Sou sádica! Gosto <strong>de</strong> judiar do amado! Você não é masoquista?<br />
JOÃO TEITÉ Que diacho é isso?<br />
ROSAURA É quem gosta <strong>de</strong> sofrer. Se você não é, vai apren<strong>de</strong>r a<br />
ser! (<strong>DE</strong>SFERE-LHE UMA CHICOTADA. TEITÉ GRITA E<br />
CORRE.)<br />
JOÃO TEITÉ Pára! Pára, <strong>de</strong>sgraçada! Ocê está sob o meu po<strong>de</strong>r!<br />
75
ROSAURA Estou. Quanto mais eu te bato mais te amo!<br />
JOÃO TEITÉ Socorro! Alguém me salve! (ROSAURA DÁ-LHE UMA<br />
SURRA. A CONFUSÃO ATRAI OS OUTROS QUE RIEM<br />
E ZOMBAM <strong>DE</strong> TEITÉ.)<br />
JOÃO TEITÉ Ai! Ái! Desca<strong>de</strong>irei!<br />
MANÉ MARRUÁ Isso é prá apren<strong>de</strong>res, ó tratante!<br />
JOÃO TEITÉ Então é isso? O anel era falso! Fui miseravelmente traido!<br />
Mas vocês não per<strong>de</strong>m por esperar! O anel vai parar no<br />
<strong>de</strong>do <strong>de</strong> alguém muito po<strong>de</strong>roso e eu vou me vingar <strong>de</strong><br />
um por um! (ESTEN<strong>DE</strong> O BRAÇO NUMA TRÁGICA<br />
MALDIÇÃO.) Vocês vão lamentar e rilhar os <strong>de</strong>ntes enquanto<br />
caminharem pela estrada da <strong>de</strong>sgraça! On<strong>de</strong> está<br />
o meu anel? Eu exijo o que é meu! Quero o anel verda<strong>de</strong>iro!<br />
MATEÚSA (PÕE A MÃO NA CABEÇA EM FALSO <strong>DE</strong>SESPERO) Ah,<br />
meu Deus! Ocê me <strong>de</strong>sculpa, Teité, mas o causo é que<br />
ieu fui dar um resto <strong>de</strong> aveia para o cavalo do general e...<br />
JOÃO TEITÉ E o que?!<br />
MATEÚSA Tão guloso o <strong>de</strong>sgraçado do cavalo que comeu aveia, anel<br />
e tudo!<br />
JOÃO TEITÉ O cavalo? Ocê dá um jeito e vai me buscar esse anel,<br />
<strong>de</strong>sgraçada!<br />
MATEÚSA Não precisa. O cavalo já vem vindo aí! (OUVE-SE RE-<br />
LINCHOS E PANCADAS FORA. TEITÉ OLHA PARA<br />
FORA E SE APAVORA PONDO AS DUAS MÃOS NO<br />
TRASEIRO.)<br />
JOÃO TEITÉ Meu Deus do céu! Segura o bicho por carida<strong>de</strong>!<br />
EURICLENES Não tem jeito. Quando esse garanhão se apaixona nem<br />
um regimento segura!<br />
JOÃO TEITÉ Corre perna que se ele me pega tô morto e <strong>de</strong>sonrado!<br />
(SAI CORRENDO PELO OUTRO LADO. O CAVALO RE-<br />
LINCHA. OS OUTROS SEGUEM A TRAJETÓRIA DO<br />
CAVALO E <strong>DE</strong> TEITÉ. VOZES: "Pegou? Ainda não mas<br />
tá fungando no cangote" Ave Maria, se o cavalo pega!<br />
76
TODOS SAEM FICANDO ROSAURA E FA-<br />
BRÍCIO E MATIAS E MATEUSA.)<br />
ROSAURA (A FABRÍCIO) E você? O que ainda faz aqui?<br />
FABRÍCIO Espero o teu agra<strong>de</strong>cimento por tê-la ajudado.<br />
ROSAURA Não fui eu que te chamei aqui! (SAI)<br />
FABRÍCIO Eu perco minha paciência! Matias, vê se cumpre sua<br />
promessa! (SAI)<br />
MATEÚSA Que promessa é essa se posso saber?<br />
MATIAS CÃO É que eu prometi facilitar as coisas com a Rosaura para o<br />
Fabrício. Mas pelo jeito...<br />
MATEÚSA Se for isso eu posso ajudar. Vem comigo.<br />
MATIAS CÃO Assim, sem mais... Sem nem um carinho antes?<br />
MATEÚSA "Seu" Matias, se o senhor não quiser provar do mesmo<br />
remédio que eu <strong>de</strong>i ao Teité é bom manter a língua e as<br />
mãos presas!<br />
MATIAS CÃO A minha língua em teus lábios e minhas mãos em teus<br />
braços!<br />
MATEÚSA (PARALISA, SEM AÇÃO.) Eu ainda acho uma boa coisa<br />
prá te respon<strong>de</strong>r. (SAI)<br />
MATIAS CÃO (SATISFEITO) Um a zero, Matias! (SAI)<br />
CENA 15 - MAIS UMA TRAMA<br />
(ENTRA MAJOR ARISTÓBULO)<br />
ARISTÓBULO O general gratifica quer <strong>de</strong>r notícias <strong>de</strong> um garanhão baio,<br />
da raça mangalarga. Dois dias atrás foi visto perseguindo<br />
um cabra em no ABC.(ENTRA MATIAS.)<br />
MATIAS CÃO Ontem já foi visto em Franco da Rocha!<br />
77
ARISTÓBULO Você tem <strong>de</strong> ver o <strong>de</strong>sconsolo do general. Se<br />
não bastasse não conseguir mulher ainda per<strong>de</strong> o cavalo.<br />
MATIAS CÃO A mulher do general! Com essa confusão toda acabei me<br />
esquecendo! Põe o dinheiro na minha mão que a coisa<br />
está resolvida!<br />
ARISTÓBULO Será que o general vai gostar?<br />
MATIAS CÃO É uma mulher <strong>de</strong> sonho! (SAEM)<br />
CENA 16 - MAIS UM RAPTO<br />
(NA CASA <strong>DE</strong> TABARONE, BORACÉIA <strong>DE</strong> MÁSCARA<br />
<strong>DE</strong> BELEZA PREPARA-SE PARA DORMIR. ENTRA TA-<br />
BARONE.)<br />
TABARONE Boa noite, benzinho.<br />
BORACÉIA Vai-te à esterqueira, unha <strong>de</strong> fome! (TABARONE SAI E<br />
ENCONTRA-SE COM MATIAS E O MAJOR. DO OUTRO<br />
LADO ENTRA O GENERAL E SENTA-SE TRISTE.) Sou<br />
uma <strong>de</strong>sgraçada! Isto é o que dá uma sensível rapariga<br />
como eu <strong>de</strong>ixar-se iludir pela paixão!<br />
MATIAS CÃO Paga, senão não faço a mudança! (TABARONE PAGA)<br />
TABARONE É caro mas minha tranquilida<strong>de</strong> vale o preço! (SAI)<br />
MATIAS CÃO Major, a gente se aproxima contra o vento que é prá ela<br />
não farejar nosso cheiro.<br />
ARISTÓBULO Ôxe, estamos indo raptar uma dona e não caçar onça!<br />
MATIAS CÃO Segue o meu conselho...<br />
ARISTÓBULO Mulher a gente escora no braço e, no máximo, faz cara<br />
feia e dá voz <strong>de</strong> prisão!<br />
MATIAS CÃO Então você vai na frente. (ARISTÓBULO ENTRA NO<br />
QUARTO <strong>DE</strong> MATEÚSA.)<br />
78
BORACÉIA Quem és tu que me entra na alcova sem licença<br />
e nem és um rapagão forte e bem dotado?<br />
ARISTÓBULO Mãos na cabeça! E a senhora me segue sem agonia que<br />
isso é um sequestro!<br />
BORACÉIA Sequestro é tanta braçada que vais levar!<br />
ARISTÓBULO Não vem que eu sou é macho! Sou <strong>de</strong> Buíque!<br />
BORACÉIA E eu sou portuguesa da Beira e tu és dois oitavos <strong>de</strong> homem!<br />
(AVANÇA SOBRE ARISTÓBULO E O COBRE <strong>DE</strong><br />
PORRADAS.)<br />
ARISTÓBULO Matias, traz reforço que o caso é prá regimento! (MATIAS<br />
ENTRA)<br />
BORACÉIA Tu! Eu estava mesmo querendo colocar as mãos em ti<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o maldito rapto que me arrumaste!<br />
MATIAS CÃO Calma, que o rapto agora é pra um homem é rico, fazen<strong>de</strong>iro<br />
e mão aberta.<br />
ARISTÓBULO E está tão carecido <strong>de</strong> casar que qualquer mulher serve?<br />
BORACÉIA Que quiseste dizer?<br />
MATIAS CÃO (CONTEMPORIZANDO) Que se a senhora não quiser outra<br />
vai querer!<br />
BORACÉIA Ái, Matias, que se isto for mais uma das suas eu arranco<br />
os pelos <strong>de</strong> tua barba com alicate!<br />
MATIAS CÃO Eu não tenho barba.<br />
BORACÉIA Pois procuro os pelos em outro lugar!<br />
MATIAS CÃO Ái!<br />
BORACÉIA Vamos com isso!<br />
MATIAS CÃO (APRESENTANDO-LHE UM SACO) Queira, por favor, entrar<br />
no saco, dona sequestrada! (BORACÉIA ENTRA NO<br />
SACO E ELES A CARREGAM ATÉ O MEIO DO PALCO.)<br />
Daqui prá frente é contigo. Não arrisco um pêlo no resultado<br />
<strong>de</strong>sta história. (<strong>DE</strong>IXA O SACO CAIR E FOGE.)<br />
79
BORACÉIA Ai, <strong>de</strong>sgraçados!<br />
EURICLENES (SAINDO <strong>DE</strong> SEU ACABRUNHAMENTO) Que é isso,<br />
major?<br />
ARISTÓBULO É um presente, uma coisa! (CORRE)<br />
EURICLENES On<strong>de</strong> vai, major?<br />
ARISTÓBULO Prá Buíque se a coisa não <strong>de</strong>r certo! (SAI)<br />
BORACÉIA (<strong>DE</strong> <strong>DE</strong>NTRO DO SACO) Tirem-me daqui ou quebro o<br />
pescoço <strong>de</strong> um! (EURICLENES A LIBERTA DO SACO)<br />
Cretinos! E quem é tu, pedaço <strong>de</strong> animal!<br />
EURICLENES Sou um general, recruta!<br />
BORACÉIA General ou não vais levar uma...<br />
EURICLENES Silêncio! Perfile-se!<br />
BORACÉIA Nunca ninguém gritou comigo!<br />
EURICLENES Então nunca encontrou um general!<br />
BORACÉIA És sempre assim violento?<br />
EURICLENES Um general não afrouxa!<br />
BORACÉIA Isto é um homem! Capaz até que me vença no braço <strong>de</strong><br />
ferro!<br />
EURICLENES Posso fazer uma pergunta pessoal?<br />
BORACÉIA Desembucha!<br />
EURICLENES Não sei falar bonito e sou direto: gosta <strong>de</strong> militar?<br />
BORACÉIA Adoro! Só não servi o exército por excesso <strong>de</strong> contigente.<br />
Tentei CPOR mas os florzinhas acharam que eu não tinha<br />
hormônio masculino suficiente!<br />
EURICLENES Não vou dizer que te amo!<br />
BORACÉIA E muito menos eu! Sou lá mulher <strong>de</strong>ssas frescuras?<br />
EURICLENES Quer ser minha parceira <strong>de</strong> armas? Lutar na batalha da<br />
vida até tombar heroicamente a meu lado?<br />
80
BORACÉIA (SENSUAL)Mas <strong>de</strong>ixa-te <strong>de</strong> poesia e venha<br />
provar-me se és tão violento quanto dizes! (ARRASTA-O<br />
PARA FORA)<br />
CENA 17 - TUDO VAI BEM QUANDO TERMINA BEM<br />
(ENTRAM MATEÚSA E ROSAURA)<br />
ROSAURA Eu não quero, Mateúsa!<br />
MATEÚSA Quer sim, eu te conheço! Ocê vai lá e conversa com ele.<br />
ROSAURA Mas nem morta! (ENTRA FABRÍCIO E MATIAS DO OU-<br />
TRO LADO.)<br />
MATEÚSA Mas que teimosia <strong>de</strong> vocês dois!<br />
FABRÍCIO Não vai adiantar, Matias! Devolve o dinheiro que eu te <strong>de</strong>i!<br />
MATIAS CÃO Calma, seu Fabrício. A Mateúsa ficou <strong>de</strong> convencer a Rosaura!<br />
FABRÍCIO (ALTO)Aquela mulher é geniosa, pior que mula!<br />
ROSAURA (ALTO)Estou ouvindo um cavalo relinchando!<br />
FABRÍCIO O que foi?<br />
ROSAURA Desculpa, me enganei. Era só uma besta!<br />
MATEÚSA Mas <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> ser burros! Ocês nasceram pra comer no<br />
mesmo cocho, prá trotar no mesmo pasto, prá cavalgar<br />
lado a lado sob a lua! (ENTRA TEITÉ EXAUSTO E ES-<br />
FARRAPADO.)<br />
JOÃO TEITÉ Não me falem em cavalo, por carida<strong>de</strong>! Que malda<strong>de</strong><br />
Mateúsa! Ocê quase me mata, <strong>de</strong>sgraçada! Mineiro não<br />
tem solidarieda<strong>de</strong> nem com outro mineiro!<br />
MATIAS CÃO Conseguiu se livrar do cavalo?<br />
JOÃO TEITÉ A que custo, Matias! Eu nem conto o meu <strong>de</strong>sespero! Eu<br />
fugi dois dias e três noites do <strong>de</strong>sgraçado! Cruzei o ABC,<br />
fui parar em Francisco Morato, passei em Campo Limpo,<br />
81
fugi para São Roque e o <strong>de</strong>mônio atrás <strong>de</strong><br />
mim, rinchando <strong>de</strong> amor, com a língua <strong>de</strong> fora e os olhos<br />
faiscando <strong>de</strong> paixão! (OS OUTROS RIEM) Não ri, con<strong>de</strong>nados!<br />
E se ele me pega? Ocês já imaginaram? Ocês já<br />
viram o tamanho da ferramenta <strong>de</strong> um bicho <strong>de</strong>sses? Eu<br />
verto lágrimas só <strong>de</strong> pensar! Eu rezei prá não cair <strong>de</strong> bruço<br />
e per<strong>de</strong>r meu resto <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>!<br />
MATEÚSA Ocê mexeu com fogo, agra<strong>de</strong>ça <strong>de</strong> ter saído só sapecado!<br />
JOÃO TEITÉ Ocês não sabem o que foi! Só no segundo dia quando obrou<br />
o anel é que o maldito cavalo me <strong>de</strong>ixou em paz!<br />
MATEÚSA E que <strong>de</strong> o anel?<br />
JOÃO TEITÉ Está aqui o anel e o escapulário com a oração da Tia Beralda.<br />
Eu eu não quero mais saber <strong>de</strong>sses feitiço. (MA-<br />
TEÚSA E MATIAS TROCAM GESTOS E OLHARES.)<br />
MATEÚSA (PARA ROSAURA E FABRÍCIO) Ocês tentem se enten<strong>de</strong>r<br />
enquanto eu vou resolver uma coisa ali com o Teité!<br />
(ROSAURA E FABRÍCIO OLHAM-SE E VIRAM-SE <strong>DE</strong><br />
COSTAS. A TEITÉ.) Se ocê não quer mais isso, ocê podia<br />
dar prá gente.<br />
JOÃO TEITÉ Também não é assim! Eu posso ven<strong>de</strong>r.<br />
MATIAS CÃO E por quanto?<br />
JOÃO TEITÉ Por dois mil!<br />
MATIAS CÃO Dou duzentos, <strong>de</strong>z tíquete-restaurante e vinte passe <strong>de</strong><br />
ônibus!<br />
JOÃO TEITÉ Negócio fechado! (PEGA O PAGAMENTO E ENTREGA<br />
O ESCAPULÁRIO E O <strong>ANEL</strong>. MATEÚSA E MATIAS VÃO<br />
POR TRÁS E COLOCAM O <strong>ANEL</strong> E ROSAURA E O ES-<br />
PULÁRIO EM FABRÍCIO.)<br />
MATEÚSA Pronto! Agora ocês estão sob o po<strong>de</strong>r do anel!<br />
FABRÍCIO Rosaura!<br />
ROSAURA Fabrício!<br />
82
FABRÍCIO Perdoa as minhas palavras perversas e a ru<strong>de</strong>za<br />
<strong>de</strong> minha ação. Mas, às vezes, a dureza das pedras<br />
é maneira inversa com que fala o coração!<br />
ROSAURA O meu <strong>de</strong>sdém e meu <strong>de</strong>sprezo era só a forma <strong>de</strong> iludir e<br />
manter preso o sentimento que queria voar em sua direção!<br />
(APROXIMAM-SE E ABRAÇAM-SE)<br />
MATEÚSA Que maravilha o po<strong>de</strong>r do anel!<br />
MATIAS CÃO Isso vale uma fortuna! E o Teité ven<strong>de</strong>u <strong>de</strong> graça!<br />
JOÃO TEITÉ De graça, é? Essa porcaria já per<strong>de</strong>u o po<strong>de</strong>r faz cinco<br />
horas! Esses dois só queriam razão prá se amasiar!<br />
MATIAS CÃO Meu dinheiro!<br />
JOÃO TEITÉ Gato comeu, bobão! (SAI. MATIAS FAZ MENÇÃO <strong>DE</strong> IR<br />
ATRÁS.)<br />
MATEÚSA Deixa, Matias. Com po<strong>de</strong>r ou sem po<strong>de</strong>r o anel serviu para<br />
o que a gente queria! (ROSAURA E FABRÍCIO QUE<br />
ESTAVAM QUASE SE BEIJANDO VIRAM-SE <strong>DE</strong> COS-<br />
TAS.)<br />
ROSAURA A culpa é sua, Mateúsa, por eu passar esse ridículo!<br />
FABRÍCIO Eu não aguento mais essa situação!<br />
MATEÚSA Vão começar outra vez!<br />
ROSAURA Porta da rua é serventia da casa!<br />
FABRÍCIO (AGARRANDO ROSAURA PUXANDO PARA SI E A BEI-<br />
JA. FALA PARA O PÚBLICO) Viram como eu amansei a<br />
fera?<br />
ROSAURA (I<strong>DE</strong>M) Viram como eu <strong>de</strong>ixei que ele pensasse que me<br />
amansou?<br />
MATEÚSA Enfim tiraram o carro do atoleiro!<br />
ROSAURA Traição com traição se paga! Matias, a Mateúsa se <strong>de</strong>rreteu<br />
quando você a beijou!<br />
MATEÚSA Prima!<br />
83
FABRÍCIO E o Matias, então? Tudo que ele quer na vida<br />
é um segundo beijo!<br />
MATIAS CÃO E um terceiro, um quarto, um arroxo, um amasso e assim<br />
por diante...<br />
MATEÚSA Pois que fique esperando se quiser! (VAI EM DIREÇÃO À<br />
SAIDA. PARA E COMPLETA SEM SE VIRAR.) Mas se<br />
não quiser, vem atrás <strong>de</strong> mim, sua besta! (SAI. MATIAS<br />
VAI ATRÁS. ENTRA MÚSICA E MATIAS, MATEÚSA E<br />
OS OUTROS PERSONAGENS VOLTAM AO PALCO<br />
DANÇANDO. MÚSICA CESSA.)<br />
ROSAURA On<strong>de</strong> está o meu pai?<br />
MANÉ MARRUÁ (ENTRANDO COMPLETAMENTE BÊBADO) Estou cá! E<br />
tenho a imensa satisfação <strong>de</strong> anunciar que fiz meu testamento<br />
e leguei todos os meus bens ao meu querido sócio<br />
e amigo João Teité! (TEITÉ ENTRA DO OUTRO LADO.)<br />
JOÃO TEITÉ Velho burro! Isso era segredo só prá ser revelado <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> sua morte, imbecil! (TODOS SAEM ATRÁS <strong>DE</strong> TEI-<br />
TÉ.)<br />
FIM<br />
Qualquer utilização <strong>de</strong>ste texto, parcial ou total,<br />
<strong>de</strong>ve ter a autorização do autor:<br />
Luis Alberto <strong>de</strong> Abreu<br />
e-mail: luabreu@uol.com.br<br />
84