GOMES EANES DE ZURARA E CRÔNICA DO CONDE D
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<strong>GOMES</strong> <strong>EANES</strong> <strong>DE</strong> <strong>ZURARA</strong> E <strong>CRÔNICA</strong> <strong>DO</strong> CON<strong>DE</strong> D. DUARTE <strong>DE</strong><br />
MENESES (SÉCULO XV)<br />
Sylnier Moraes Cardoso (Universidade Federal de Goiás)<br />
Considerado um dos maiores escritores da Idade Média, o português Gomes<br />
Eanes de Zurara, nasceu no ano de 1410 (cálculo de Esteves Pereira), havendo<br />
controvérsias tanto na data quanto no local de seu nascimento. Alguns de seus biógrafos<br />
dizem que seu apelido foi retirado da vila em que nasceu, uns afirmam que é natural de<br />
Azurara do Minho, outros de Azurara da Beira.<br />
No que diz respeito a outros dados de sua biografia, observamos imprecisões: o<br />
seu estado civil é desconhecido, apesar de ter deixado dois filhos ilegítimos (Gonçalo<br />
Gomes de Zurara e Felipa Gomes), sabe-se que os comendadores da Ordem de Cristo<br />
faziam voto de castidade, havendo uma mudança posteriormente pelo Papa Alexandre<br />
VI, onde a castidade passou a ser conjugal. (Dinis, 1945, p. 97)<br />
A data de seu falecimento e local de sepultamento são imprecisos, mas segundo<br />
alguns autores como Souza Viterbo e Duarte Leite, o cronista faleceu entre primeiro de<br />
dezembro de 1473 e dois de abril de 1974. (Dinis, 1945, p. 106)<br />
Assumiu a função de cronista régio em substituição à Fernão Lopes, foi guarda-<br />
mor das escrituras do Tombo (arquivo nacional) por volta de 1451-1452 (datação<br />
imprecisa), cavaleiro e posteriormente comendador da Ordem de Cristo, sendo<br />
nomeado na Comenda de Alcaíns.<br />
1. A Crônica do Conde D.Duarte de Meneses<br />
Na Crônica do Conde D.Duarte de Meneses, há uma abordagem ao “perfil ideal”<br />
da nobreza no século XV, inserida no contexto de reconquista da África. Esta crônica<br />
busca resgatar a memória da nobreza e seu empenho e participação na empresa<br />
marítima.<br />
Zurara é considerado o cronista da nobreza e um representante dos valores dos<br />
nobres, ou seja, a honra e a glória ao serviço de Deus e do Rei. As características<br />
específicas que refletem os mais altos valores da corte são reafirmadas por Zurara, o<br />
qual intensifica o papel de cavalheiro em seus relatos. (King, 1978, p.26)
A trilogia de Zurara que trata exclusivamente da história da expansão portuguesa<br />
no Norte da África, narrando com precaução os anos os em que os portugueses<br />
permaneceram em Marrocos, de 1415 à 1464 são: a Crônica da Tomada de Ceuta, a<br />
Crônica do Conde D. Pedro de Meneses e a Crônica do Conde D. Duarte de Meneses,<br />
sendo esta última considerada a mais ambiciosa obra de Gomes Zurara e foi feita no<br />
fim da sua produção literária:<br />
forma:<br />
“O último trabalho de Zurara representa a culminação da obra de um grande<br />
escritor e reflete uma maturidade literária e uma perspectiva histórica não<br />
encontrada em nenhuma das suas crônicas anteriores. Ele pode ser justamente ser<br />
considerado como a mais ambiciosa produção do cronista” . (King, 1978, p. 28)<br />
Larry King propõe a divisão da Crônica de D.Duarte de Meneses da seguinte<br />
1- prólogo ou introdução<br />
2- um relato da transição de D.Pedro para seu filho D.Duarte<br />
3- a crônica das Guerras no Norte de África de 1437 a 1464. (King, 1978, p.29)<br />
A narrativa de D. Duarte de Meneses, destacado como um dos mais leais súditos<br />
de D.Afonso V, não foi a primeira obra à fazer-lhe referências. O próprio Zurara já<br />
havia relatado anteriormente acerca dos antepassados paternos do conde, que tinham<br />
origem remota dos reis de Castela e Portugal, quando escreveu a crônica de D. Pedro de<br />
Meneses.<br />
Como fora um bastardo, a mãe de D.Duarte teve uma ínfima citação:<br />
“Nem escreuemos aquy a geeraçom da madre do conde dom Duarte por quanto elle<br />
era filho natural o qual seu padre fezera em huma moça de sua casa”. (Zurara,1978,<br />
p.17).<br />
A legitimidade do poder da fidalguia era baseada na condição social de nobreza,<br />
por isso que D. Duarte foi viver com seu pai, o então governador da cidade de Ceuta e<br />
segundo Zurara, o jovem de 15 anos, após vencer uma batalha contra os mouros é:<br />
“Prontamente armado cavaleiro por seu pai e participa de outros encontros com o<br />
inimigo até um intervalo de calma que ocorre na guerra de 1429 à 1431.” (Zurara,<br />
1978, p.32).
possuir ânimo belicoso.<br />
Para consagrar-se cavaleiro era imprescindível possuir uma linhagem e<br />
“Originariamente o princípio de superioridade assente no direito de sangue é o que<br />
franqueia a esta nobreza o acesso às imunidades judiciais e isenções fiscais, é o que<br />
caracteriza o ser-se honrado, o que diferencia, em última análise do povo”.<br />
(Fernandes, 2000, p.2)<br />
Claramente observamos na Crônica de D.Duarte de Meneses os atributos ao qual a<br />
figura do cavaleiro estava intrinsecamente ligada:<br />
“E foy este conde de baixa estatura de corpo enformado em carnes e de cabellos<br />
corredyos e gracyosa presença embargado na falla e homem de grande e boom<br />
entender pouco risonho nem festeiador, tal casy do berço começou a teer<br />
autoridade e representaçom de senhorio foy muyto amador de uerdade e de<br />
Justiça muy temperado no comer e beber e dormyr e sofredor de grandes<br />
trabalhos tanto que parecya que elle mesmo se deleitava em os auer, por que<br />
quando lhos a necessidade nom apresentaua elle per si meesmo os buscava. Foy<br />
homem muy ardidi de honroso coraçom. E segundo entender dos homens nom se<br />
desenfadaua tanto em outra cousa como nos feitos da cauallarya. Como aqulle<br />
que casy do berço husara ho officiodas armas. Homem deuoto e amigo de deos e<br />
guardador de su ley[...]” (Zurara, 1978, p.31)<br />
A honra, coragem, justiça, temperança e, sobretudo ser um bom cristão, são<br />
qualidades essenciais destacadas pelo autor.<br />
Na crônica, observamos a supervalorização das realizações de D. Duarte de<br />
Meneses, sendo exaltado como um modelo a ser seguido, um espelho do que foi seu pai,<br />
D.Pedro de Meneses, onde o autor buscou caracterizar um tipo ideal de cavaleiro.<br />
da nobreza:<br />
O ideal cavalheiresco e seus rituais foram imprescindíveis para a representação<br />
“Depois de 1415 era sabido: fidalgo ia a Marrocos, dava à espada contra mouros e<br />
trazia diploma. Marrocos foi escola reconhecida, subterfúgio e cadinho. Nobreza<br />
de muitas nações... Autos de armar cavaleiros foram espetáculos correntes desde a<br />
retomada de Ceuta”. (Mattoso, 1997, p. 134)<br />
Como pertencia à nobreza, os cavaleiro também gozavam de diversos<br />
privilégios, e apesar de na teoria a investidura ficasse a cargo do rei, o cavaleiro podia<br />
ser vassalo de ricos–homens, recebendo inclusive certas quantias que às vezes eram<br />
dadas pelo próprio rei. (Nascimento, 2005, p.67)
Zurara nos deixou um importante legado, e apesar da Crônica do Conde D.Duarte<br />
de Meneses retratar “com um brilho a ideologia da expansão ultramarina, aderindo<br />
expressamente a uma perspectiva de propaganda, característica dos escritores oficias”<br />
(King, 1978, p.38), esta obra nos permite compreender o contexto das conquistas de<br />
além-mar e descobrimentos, ampliando novas possibilidades de pesquisas.