17.04.2013 Views

“DISCURSO O AMOR E A MORTE

“DISCURSO O AMOR E A MORTE

“DISCURSO O AMOR E A MORTE

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>“DISCURSO</strong> DE POSSE DA EXMA SRA. DOUTORA ESTER ABREU<br />

VIEIRA DE OLIVEIRA”, NA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS<br />

O <strong>AMOR</strong> E A <strong>MORTE</strong><br />

VITÓRIA, 30 DE MAIO DE 1996.<br />

Discurso de posse para a Cadeira 27 da Academia Espírito-Santense<br />

de Letras, Pronunciado pela Exma. Sra. Ester Abreu Vieira de Oliveira.<br />

Patrono da Cadeira: Afonso Cláudio.<br />

Ocupantes anteriores:<br />

Eurípedez Queiroz do Vale,<br />

Elmo Élton e Roberto Almada.<br />

Excelentíssimo Senhor Presidente da Academia Espírito-Santense de<br />

Letras, Desembargador Dr. Rômulo Salles de Sá, digníssimos Acadêmicos,<br />

autoridades presentes, meus amigos e amigas:<br />

Venho de Muqui, a cidade menina, situada no Sul do Estado. Para o Norte<br />

subi, para a capital, em 1956, a fim de estudar e aqui estou radicada e com o título<br />

de Cidadã Vitoriense. De Vitória amo o mar, o verde, as luzes das ruas, os<br />

edifícios, as pontes e faróis dos carros que à noite vejo passar, os morros<br />

pontilhados de luz, as manhãs claras e frescas, quando ainda se pode ouvir o<br />

chamado da garrincha, dos pardais e dos poucos bombeirinhos... À noite, antes de<br />

me deitar costumo apreciar o silêncio que envolve a cidade iluminada. Da minha<br />

varanda aprecio a lua redonda, vermelha, nascendo, ou recortada, dourada, em<br />

um céu estrelado e, conforme o dia e hora, o brilho da mais linda jóia incrustada<br />

na paisagem: o convento da Penha. Embora o céu mais azul e as mais brilhantes<br />

estrelas tenham sido os que vi em Muqui, os que presentemente percebo são o<br />

novo e renovador querer. Lá em Muqui estão as minhas raízes, minhas adoráveis<br />

lembranças e aquí, em Vitória, meu coração e razão de viver: marido, filhos,<br />

trabalho e muitos amigos.<br />

1


A língua portuguesa me oferece inúmeras formas para expressar minha<br />

emoção, por isso, seria falso dizer que me faltam palavras.<br />

Sinceramente, confesso que é grande a minha vaidade por ocupar a<br />

Cadeira 27, como parte de um rebento de Afonso Cláudio, Eurípedez Queiroz do<br />

Vale, Elmo Elton e Roberto Almada. Contudo se aqui estou é graças à idéia<br />

fantasiosa e o carinho de quem me indicou e à gentileza dos acadêmicos que<br />

acataram a indicação.<br />

Sem falsa modéstia, não sinto em mim talentos que me fizessem estar na<br />

Casa Kociuszco Barbosa Leão, onde convivem homens de reconhecidos méritos,<br />

escritores de diferentes áreas de saber: médicos, engenheiros, políticos, juristas,<br />

romancistas e poetas, e, não podendo deixar de destacar, nesta oportunidade, os<br />

que aqui conviveram, os acrescidos de meu afeto, antigos mestres como o<br />

professor Guilherme Santos Neves e Clóvis Rabelo, não desprestigiando com isso<br />

os homens e mulheres de renome inquestionável que, presentemente, assinalam<br />

o quilate desta casa, que procurei honrá-la para não turvar a imagem do Patrono e<br />

meus antecessores, homens ilustres que deram brilho a ela e cujos passos<br />

pretendo trilhar.<br />

SOBRE O PATRONO DA CADEIRA 27<br />

Afonso Cláudio de Freitas Rosa nasceu, no nosso Estado, em Santa<br />

Leopoldina, em 02 de agosto de 1859 e faleceu no Rio de Janeiro em 16 de junho<br />

de 1934. É o Patrono da cadeira 27 e foi ocupante, nesta Academia, da Cadeira<br />

01, cujo patrono é Marcelino Pinto Duarte.<br />

Hoje são 40 as cadeiras desta academia, Mas quando a Academia<br />

de Letras do Espírito Santo foi fundada, havia apenas 20 membros. Em 1937<br />

foram preenchidas as vagas dos falecidos acadêmicos e, em 1938, o número de<br />

cadeiras de 20 elevou-se para 30. Nessa ocasião, prestou-se uma homenagem a<br />

Afonso Cláudio, colocando-o como patrono de uma nova Cadeira, a 27. Para<br />

2


ocupá-la, por primeira vez, foi designado o desembargador Eurípedez Queiroz do<br />

Valle.<br />

Afonso Cláudio fez o seu curso primário em sua cidade natal. O<br />

secundário e o superior realizou-os em Vitoria, Rio de Janeiro, Recife e São<br />

Paulo. Em Recife, fez amizades com pessoas que se tornariam representativas no<br />

Brasil, tais como: Gumercindo Bessa, Clóvis Bevilacqua e Faelante da Câmara e<br />

Silvio Romero, a quem mais tarde dedicou a sua Historia da Literatura<br />

Capixaba. Formou-se em Direito e atuou na política do nosso Estado, do qual foi<br />

o primeiro presidente<br />

Escreveu a Historia da Literatura Espírito-Santense, publicada por<br />

primeira vez em 1912 e reeditada, fac-símile, em 1981, pela Xerox Brasil, com o<br />

objetivo, segundo suas palavras, de servir “à causa das letras da minha Pátria e<br />

em particular do meu torrão natal...” Fruto de devotada pesquisa e de valor para a<br />

historia literária de nosso Estado, traz, junto à historia de poeta e prosadores,<br />

alguns folclores capixabas. No prefácio dessa obra, Clóvis Ramalhete diz que<br />

Afonso Cláudio, pesquisando a historia literária, “(...) descobriu o povo? (e) fundou<br />

os estudos de folclore neste país, com antecipação (...). (Pois) cria, paralelo à<br />

historia de poetas e prosadores, um repertorio de folclore da terra capixaba“.<br />

Assim, com essa obra, pode-se recuperar a memória literária do nosso Estado<br />

colocando a nossa literatura na evolução do pensamento Geral do Brasil.<br />

Afonso Cláudio foi um aguerrido político com idéias republicanas. Daí ser<br />

um abolicionista e fundador da sociedade Libertadora Domingos Martins.<br />

Sensibilizado pela causa da liberdade, dos direitos humanos, em artigo em praça<br />

publica e na imprensa de Vitoria, conclamava a todos pela extinção da<br />

escravatura. Escreveu A Insurreição dos Queimados, onde relata a crueldade<br />

das forças militares contra um quilombo em nosso Estado, no município da Serra,<br />

tema desenvolvido, no teatro, pelo Prof. Luiz Guilherme Santos Neves.<br />

Liberal nas idéias dedicou-se à luta em prol da proclamação da Republica<br />

em nosso Estado, por este seu desempenho é que foi escolhido pelos<br />

republicanos para ser o primeiro Presidente do nosso Estado. Infelizmente, dez<br />

3


meses depois da posse, teve de abandonar o cargo por impedimentos da saúde.<br />

Exerceu a presidência do Tribunal de Justiça do Estado. Em 1920, aposentou-se<br />

e transferiu-se para o Rio de Janeiro. Aí atuou como advogado e como professor<br />

na faculdade de Direito de Niterói, nas cadeiras de Direito Romano,<br />

Administrativo, Civil e Penal Militar. Escreveu obras de Direito, de História e de<br />

critica, de sociologia, de etnografia e fez vários discursos. Entre os seus livros que<br />

datam de publicação de 1885 a 1923 estão: A Insurreição do Queimado (critica<br />

histórica); Historia da literatura Espírito-Santense; Historia da Propaganda<br />

Republicana; Biografia do Dr. João Clímaco (critica bibliográfica); Bosquejo<br />

Biográfico do Dr. Clóvis Bebilaqua; As Tribos; Negros importados e sua<br />

distribuição no Brasil; Os grandes mercados de escravos; Comentário à lei<br />

da organização judiciária do Estado do Espírito Santo; Guia Oficial do<br />

Registro Civil; Estudo de Direito Romano; Filosofia do Direito; Trovas e<br />

Cantares Capixabas.<br />

PRIMEIRO OCUPANTE DA CADEIRA 17<br />

Eurípedez Queiroz do Vale nasceu em Anchieta a 28 de janeiro de 1897 e<br />

morreu em Vitória em 06 de junho de 1979. Figura de destaque no meio cultural<br />

do Estado do Espírito Santo. Exerceu as presidências da Academia Espírito-<br />

Santense de Letras de (1941 a 1963) e a do Instituto Histórico e Geográfico do<br />

Espírito Santo. Homem de conduta exemplar, Magistrado de renome, Juiz de<br />

Direito, autor de Tratados de Direito, bacharelou-se pela Faculdade de Direito da<br />

Bahia em 1918. Ocupou cargos de suma importância no nosso Estado, tais como:<br />

Promotor em Colatina e Rio Pardo; Chefe de Policia do Estado; Juiz de Direito em<br />

Colatina, Cachoeiro de Itapemirim e Vitoria e Desembargador do Estado. Foi,<br />

também, professor secundário e superior, atuando em vários educandários de<br />

Vitoria e na Faculdade de Direito do Estado, na Cadeira de Direito Penal.<br />

De sua atividade como escritor destacam-se suas crônicas, publicadas em<br />

jornais e revistas de Vitória, nas quais utilizava o pseudônimo de Beneventino.<br />

Segundo Elmo Elton, seu sucessor imediato, na Cadeira 27, ele “abordava o<br />

4


pitoresco dos fatos em foco, escolhia, com precisão, o ângulo melhor a ser<br />

fotografado, divertia-se a si próprio e divertia os leitores”. A publicação de suas<br />

obras data de 1921 a 1977. Destacam-se entre elas: Memória histórica do<br />

município de Santarém; A técnica dos julgados; Anatomia e fisiologia do<br />

Direito; Elementos de Direito Judiciário Penal; Oração aos estudantes no Dia<br />

da Bandeira; Aspectos do Espírito Santo; Hstória e Literatura; A casa do<br />

Espírito Santo; Instituto Histórico e Geográfico; Academia Espírito-santense<br />

de Letras; Rui Barbosa e seu tributo à poesia; Aspectos da realidade<br />

brasileira; Primeiro qüinqüênio da Universidade; O estado do Espírito Santo<br />

e os Espírito-santenses.<br />

ELMO ELTON E ROBERTO ALMADA<br />

Os dois últimos ocupantes da cadeira 27, Elmo Elton e Roberto Almada,<br />

estão ligados à minha produção poética e afetividade e, por estranha<br />

coincidência, coube-me ocupar essa cadeira, como sucessora imediata de<br />

Roberto Almada, por indicação dos ilustres Acadêmicos: Miguel Depes Tallon e<br />

Francisco Aurélio Ribeiro.<br />

O meu contato com Elmo Elton e Roberto Almada começou quando, em<br />

1985, me inscrevi no Concurso Literário, promovido pela Fundação Ceciliano Abel<br />

de Almeida, “Geraldo Costa Alves”, meu antigo professor de latim. O vencedor do<br />

pleito foi Roberto Almada com O país D`El Rey & A casa Imaginária.<br />

Nesse concurso, Elmo Elton estava entre os membros do júri, elogiou os<br />

poemas do livro Momentos e me mandou dizer que o procurasse. Quando assim<br />

o fiz, convidou-me para participar de outro concurso de poemas na Academia<br />

Espírito-santense de Letras, no qual tive menção honrosa. Na noite da entrega do<br />

prêmio, incentivou-me a publicar o livro, dizendo-me que gostaria de fazer a<br />

apresentação dele. Infelizmente, fui protelando a execução desse pedido e a<br />

morte do poeta chegou antes de eu poder receber tão grande honraria. Também,<br />

cabe lembrar que, para a publicação de Momentos tive o incentivo de outro<br />

acadêmico, Luiz Busatto. Ele havia dado um parecer favorável para esse livro<br />

5


quando esteve inscrito num concurso de Publicação pelo DEC e sempre me fazia<br />

cobranças de publicação dessa obra.<br />

ELMO ELTON era uma pessoa bondosa e calada. Amava a sua terra e<br />

procurou sempre, em seus escritos, resgatar a memória da cultura das artes<br />

capixabas. Além de historiador, organizou antologias de poetas espírito-<br />

santenses. Foi um insigne poeta, sensível à beleza. Externava os seus<br />

sentimentos em poemas com metrificação e estrofes variadas. Em seu universo<br />

poético, magistralmente, utilizava tanto os elementos métricos que a poesia<br />

popular lhe proporcionava como os fornecidos pela metrificação clássica.<br />

Fundindo elementos cultos e populares com propriedade, dava à sua obra<br />

agradável sabor de ligeireza e simplicidade. Deleitemo-nos, assim, com as suas<br />

singelas trovas e elaborados sonetos. Se as trovas entretêm as massas e podem<br />

incentivá-las na expressão de seu próprio sentir, os sonetos dão oportunidade ao<br />

poeta de nos entreter num fazer aristocrático e hoje lembramos o soneto<br />

Atavismo.<br />

Busquei do mar a mais difícil rota<br />

e ao mar lancei as minhas caravelas,<br />

que, marinheiro de tamanha frota,<br />

jamais tem fúria das procelas.<br />

Rumei da Grécia antiga à Ásia remota,<br />

conhecendo cidades e vielas,<br />

e estive, até, numa ilha azul ignota<br />

onde as tardes e as noites são mais belas.<br />

Daí, num claustro, olhos postos no céu,<br />

meus barcos esqueci-os á deriva,<br />

e a alma então, se me foi para bem longe...<br />

Faz tempo que isso tudo aconteceu,<br />

6


e, embora noutro corpo eu hoje viva,<br />

ainda marujo sou e ainda sou monge.<br />

Neste poema, podemos apreciar a cadência dos quartetos e tercetos e a<br />

musicalidade que nos fornece o jogo das vogais e consoantes. Ele apresenta dois<br />

tempos no passado: o da esperança e o da decepção, e, no presente, um tempo<br />

de recordação e conformismo. A esperança manifesta do eu poético no primeiro<br />

quarteto, a saída destemida por rumos difíceis e ignorados, contrapõem-se a uma<br />

decepção com o passar do tempo, que se apresenta no segundo terceto, quando<br />

o eu poético relembra saudoso o seu caminhar. Nos dois últimos versos do soneto<br />

com a ação no presente, o eu poético confessa, com certa angústia e pesar, a<br />

mudança que o tempo fez no corpo. A conjunção coordenativa aditiva estende o<br />

tempo do passado ao presente. As consoantes nasais e a vogal o reforçam esse<br />

sentimento no verso: “e, embora noutro corpo eu hoje viva”. Contudo, o clímax<br />

está na permanência do ideal de vida do passado: sonho e meditação a despeito<br />

da transformação do corpo. Assim esse poema é uma autobiografia de um<br />

percurso poético.<br />

Elmo Elton nasceu e morreu em Vitória. Seu despontar para a vida foi em<br />

15 de fevereiro de 1925. Sua morte aconteceu em 24 de janeiro de 1988. Genuíno<br />

capixaba, aqui se preparou para a vida e cursou o primário e o secundário. O<br />

jornalismo, ele o fez na Faculdade Nacional de Filosofia no Rio de Janeiro.<br />

Elmo era membro de várias associações e academias. Em sua obra, em<br />

prosa ou verso, demonstra o seu amor por Vitória e pela cultura do Espírito Santo<br />

que procura preservar, registrando pontos significativos de sua cidade natal,<br />

falando de suas ruas com seus típicos freqüentadores e de seu porto. Em versos<br />

ou prosa, destaca a geografia da cidade, exemplo são os versos, cheios de<br />

comoção na reiteração das exclamativas iniciadas com QUE:<br />

Vitória, Vitória,<br />

que mar esse teu!<br />

Que lindo teu porto,<br />

7


que alegre teu cais!<br />

.......................<br />

Vitória, Vitória,<br />

que mar esse teu!<br />

-Mas quanta saudade<br />

me vem dessas águas,<br />

tão verdes, tão verdes<br />

(Poema ao verde mar de Vitória. In Poemas, p. 57)<br />

Às vezes, compara o presente da cidade com o passado, ressentindo-se<br />

com as mudanças. Um exemplo é o que diz sobre a Praça Oito:<br />

Hoje a Praça Oito já não é nem sombra do que fora antes em<br />

freqüência e animação. Tiraram-lhe as árvores, copados oitizeiros, as<br />

casas comerciais são vulgares, os que lá transitam se esbarram em<br />

tabuleiros. De vendedores ambulantes, os ônibus se amontoam nos<br />

pontos, recebendo ou desembarcando passageiros, os abrigos e bancos<br />

de mau acabamento, os mendigos ressonando nas calçadas, tudo numa<br />

desordem que só faz aumentar a saudade naqueles que, noutros tempos,<br />

por ali passaram ou se ficaram a prosear....<br />

As obras de Elmo Elton compreendem as colaborações na imprensa de<br />

Vitória, livros de poemas, ensaios e biografias.<br />

Podem-se reunir os seus livros em 4 grupos, segundo o gênero;<br />

1º) Os de poesias: Marulhos; Dona Saudade; Heráldicos; Cantigas;<br />

Poemas; Anchieta;<br />

2º) Os de ensaios: O noivado de Bilac; Áurea Pires da Gama – Perfil de<br />

uma poetisa angrense;<br />

3º) Os de coletânea e biografia: Poetas do Espírito Santo; Amélia de<br />

Oliveira; A família de Alberto de Oliveira – Os Mariano de Oliveira;<br />

8


4º) Os de crônica: Tipos populares de Vitória; Logradouros antigos de<br />

Vitória; Velhos tempos de Vitória & outros temas capixabas.<br />

Em 1986, conheci, pessoalmente, Roberto Almada, o mineiro que, como<br />

tantos outros, inclusive minha mãe, se fez capixaba.<br />

Isso aconteceu quando organizávamos uma homenagem pelos 50 anos do<br />

assassinato do poeta espanhol Federico García Lorca e ele fez a comunicação: “A<br />

temática de Lorca”, destacando a Morte e os motivos que reforçam a presença de<br />

Thanatos na poesia lorquiana, tais como: o punhal; a faca; (cuchillo); e a cruz<br />

(punto final del camino), segundo Lorca.<br />

Nessa ocasião, declarou-me apreciar os poemas de Juan Ramón Jiménez,<br />

um dos meus queridos poetas. Prova dessa sua preferência está em sua obra de<br />

1990, Dissertação sobre o nu, cujo prólogo foi feito pelo Acadêmico Carlos<br />

Nejar, onde aparece o poema, na página 51, Suave elegia a Juan Ramón<br />

Jiménez. Aí, Roberto Almada se mostra sensível à magia do poeta espanhol, e<br />

sintetiza as características do universo poético do escritor em sete dísticos. No<br />

último dístico ele o reconhece como mestre e deixa clara a sua origem andaluza<br />

na imagem do “horto branco”.<br />

Do sonho e flor a chama<br />

e o seu coração tenro.<br />

Logo fugir; e o pranto?<br />

De luz como um gemido<br />

Só o ar, suave; aroma,<br />

beija-me no teu sonho.<br />

Acaso o silêncio e quê?<br />

Ele se vai sem um rictus<br />

Nem som nem turvo<br />

9


manto de engano.<br />

Ah, como a noite, maio<br />

sem um só outono!<br />

Horto, pluma, branco.<br />

Leva-me em tuas asas.<br />

Tem a vida muitos mistérios. E um é este, o de eu relembrar um poeta a<br />

quem admirei desde a primeira obra que li: O País D´el Rey & A Casa<br />

imaginária, onde, em poemas lírico-narrativos de veia culta/ popular, o poeta se<br />

constrói num “frágil território”, declarando o que ele é: “Sou por mais que não<br />

aceite/ o animal de que fui feito” e nos convida a edificar nossa casa no amor.<br />

Por isso digo que fazer um panegírico a Roberto Almada é uma tarefa,<br />

paradoxalmente, difícil e fácil de realizar, como tudo o que se relaciona com o<br />

belo. Pois o que agrada é abstrato e de difícil concretização, mas como faz vibrar<br />

o nosso sentimento é instigante.<br />

Senhor Presidente, Roberto Almada vive para a posteridade. Como prova,<br />

aí estão os seus livros de poemas: O país D´el Rey & a casa Imaginária;<br />

Dissertação sobre o nu; Elegia de Majorca; O livro das coisas e o de conto<br />

Faces de seda e, nos jornais como A Gazeta, estão as suas crônicas e críticas<br />

literárias. Relembramos aqui as palavras finais do prólogo de O País D´el Rey,<br />

escritas pelo Acadêmico Luiz Busatto: “Roberto Almada é da raça dos poetas<br />

fortes. E um poeta, desde que o seja, é sempre do seu momento, do seu tempo e<br />

para todo o sempre”.<br />

Roberto Almada nos deixou comentários jornalísticos, contos, obras<br />

dramáticas e poemas. Todavia o homem autêntico se mostrou muito mais nos<br />

seus versos que em sua prosa. Neles estão as suas fantasias e devaneios. Eles<br />

são o resultado de sua imaginação triturada pelos afetos e pela dor. Seus versos,<br />

mesmos os narrativos são melodias. Mas diferem da música, porque esta<br />

ultrapassa a fronteira do visual ao exprimir a intensidade e os sentimentos<br />

10


subjetivos por meio de vibrações sonoras e eles, além de se basearem no<br />

princípio de percepção da alma, têm a possibilidade de expressar a vida exterior<br />

através da palavra.<br />

Os poemas de Roberto Almada são um artefato de arte. São um elo unindo<br />

a poesia e o homem. Sobre eles podemos dizer, parodiando Octavio Paz em O<br />

arco e a lira, que são como “ um caracol onde ressoa a música do mundo” e as “<br />

métricas e rimas são apenas correspondências, ecos, de harmonia universal”.<br />

Seus poemas são essencialmente líricos, pois se engendram na zona central da<br />

psique – a dos sentimentos. E estes se orientam em direção a valores universais.<br />

Daí a eternidade dos versos almadinos.<br />

Roberto Almada nasceu em Juiz de Fora em 1935 e morreu em Vitória em<br />

22 de março de 1994. Um enfarte privou-nos de sua companhia. Sobre esse triste<br />

acontecimento, Roberto Almada diria com os versos de Juan Ramón Jiménez :<br />

“Me adelantó El corazón/ como si fuera um reloj,/ hacia La hora tranqüila” (Estio).<br />

Roberto Almada chegou a Vitória em 1960 e a amou. Em Ode à cidade<br />

presépio, no livro Dissertação sobre o nu, poema ecológico, procurou defender<br />

o verde da ilha:<br />

Há que preservá-lo<br />

componente raro<br />

da ilha de pedra.<br />

Deixemo-lo, com suas<br />

casas<br />

no alto<br />

de cada morro.<br />

Esse nosso poeta amava a vida, ainda que a sentisse passageira e, no<br />

Soneto da Finitude, o primeiro soneto do Livro das coisas, enumera tudo o que<br />

lhe agrada da vida:<br />

11


Agrada ao poeta o que é bom e breve.<br />

A vida, esse enganoso<br />

Iludir-se o todo falso gozo<br />

do que ao corpo o mal um bem parece<br />

enquanto, pálida, a alma desfalece.<br />

No Soneto da Brevidade, o quarto soneto do mesmo livro, continua<br />

relacionando as coisas que aprecia:<br />

Agrada ao poeta o que é breve e bom.<br />

O silenciar-se, quando<br />

não o delonga a morte.<br />

.......................<br />

O olhar, cujo fulgor<br />

- de amor<br />

é breve chama<br />

de que prá quem se ama...<br />

Todos os sentidos estão despertos no poeta. O sentido do tato, o<br />

predominante, se materializa nos poemas em mãos e dedos em movimento.<br />

Assim ele os descreve, em Dissertação sobre o nu, no poema O dedo:<br />

Feito pra tocar<br />

todo dedo é:<br />

o objeto, o corpo<br />

onde ele estiver;<br />

O dedo é andarilho; ... é farto.<br />

A mão sobre o teu ventre é cálida e pênsil [...]<br />

O sentido da audição pode realizar-se até no silêncio: “O silêncio. O que,<br />

sutil,/ transparece e voa”, em Soneto da leveza. O da visão é tão forte, neste<br />

12


mesmo soneto, que fundindo com o da audição, se inimiza na dor: “A luz que os<br />

nossos olhos tange/ O som que plange/ como asas, suave,/ no que agudo é, e<br />

grave.” A emoção do eu poético culmina, em Dissertação sobre o nu, no Poema<br />

erótico, com as palavras: [...] oh/ pétala, oh animal, entre pernas de lânguido/<br />

amanhecer! Esse livro ele o dedica a Vilma, por seu amor e lembranças de seu<br />

amor. Ele traz a seguinte epígrafe: morrer na amada/ como quem chega a um<br />

porto,/ Morrer já fui morto.”<br />

Do corpo da amada o poeta destaca: ventre, pernas, voz, lábios e olhos.<br />

No mesmo livro, o poeta diz que a amada lhe dá tranqüilidade quando está por<br />

perto e que são tranqüilos os olhos da amada, quando dorme. Mas, no<br />

intensamente erótico poema A cavalgada, o eu poético, em contato com a amada<br />

e em irrefreada paixão (“Cavalgada [...]/ de desejo e fome”), diz que no corpo da<br />

amada, ele se queima de desejo: “Fogo, o teu ventre/ em que me ardo, e tu,/ tu<br />

não o dominas”. Contudo encontra paz na amada:“[...] paz/ de quando te vais.”<br />

No poema Louvar a amada, o poeta nasce e morre, ele realiza o ciclo vital:<br />

Nascer da amada<br />

como fui nascido,<br />

recém remido<br />

por tu por nada.<br />

Morrer na amada<br />

como quem chega a um porto.<br />

Morrer já fui morto.<br />

O sexo é sentido como uma energia que chega à fascinação. Em seus<br />

poemas eróticos aparecem símbolos fálicos, por exemplo, “a adaga”, e eróticos,<br />

como: “dorso de cavalo; lúbrica amazona“; “cavalgada”; “galope”; “fogo corcoveio”,<br />

etc.<br />

O poeta sente a ausência da amada e pensa, reflete e filosofa sobre ela no<br />

Soneto do Recomeço, o décimo quinto do Livro das coisas:<br />

13


...E em tua<br />

fronte<br />

teço<br />

a morte.<br />

Nela eu adormeço.<br />

No Soneto da Ausência o décimo sexto do livro citado, o poeta diz:<br />

Tardes e mais tardes<br />

aprenunciavas:<br />

tua ausência feita de esperas.<br />

Longe, o tempo ido<br />

foi-se, consumido<br />

no ar que o transporta.<br />

Seu amor vai além da distância: “embora, enquanto amor, não se findasse/<br />

mais distante estivesse a tua face” - poema 2 Elegia de Majorca)<br />

As horas (o tempo), a noite e o entardecer são símbolos da morte. É<br />

quando o poeta reflete e rememora. O mito de Crono, o devorador, é indiferente<br />

ao sofrimento do eu poético:<br />

As horas, decimais<br />

foram momentos idos<br />

como frutos consumidos<br />

de pardos olivais<br />

ou, ainda:<br />

As horas, mais e mais,<br />

eram lembranças idas<br />

14


como tardes redivivas<br />

de sóis estivais.<br />

Roberto Almada faz da marca temporal um jogo. A estrofe se tece em<br />

quantidade, acentuação, rima, imagens simples com a temporalidade necessária<br />

para que se acentue a intenção poética que deixa no leitor ou ouvinte uma<br />

profunda impressão do tempo.<br />

Às vezes, aparece um tempo preciso, uma estação ou um dia da semana,<br />

servindo de base para o poeta filosofar. Em qualquer dia para o poeta pode-se<br />

produzir poemas. Assim num monótono domingo pode haver criação, produção,<br />

ou horas de amor, de toques no corpo da amada, mas é sempre um tempo<br />

abúlico. E sobre ele o poeta nos fala:<br />

No poema Preguiça do livro Dissertação sobre o nu: “os domingos<br />

se arrastam lentamente”.<br />

No poema Onze do livro Elegia de Majorca: “ na morte o domingo<br />

é um dia festivo/ de alegre desalento, morto mais que vivo [...]/<br />

Que as lágrimas de um domingo são lágrimas festivas” e no poema<br />

Dez.”na morte o domingo não é um dia qualquer./ Como nenhum<br />

outro, ele conhece o seu mister”.<br />

Como o poeta mostra o fluir do tempo na existência, com as suas seqüelas<br />

e, num envoltório de um tempo lento, de um tédio, recorda-se de momentos<br />

marcantes, inquieta-se, tem temores, o tempo se torna a raiz de sua poesia, o<br />

veículo de que se vale para aludir a uma dolorosa ausência. Com isso, ele<br />

apresenta a dicotomia temporal: o tempo cronológico é monotonamente contínuo<br />

e o da existência vital, descontínuo.<br />

Senhor Presidente, não consigo, hoje, falar em Roberto Almada sem<br />

mencionar o nome de Vilma, sua esposa, pois dela tenho gratas lembranças. Dos<br />

dois me lembro, amorosos, no dia de sua posse nesta academia, no Auditório de<br />

A Gazeta. Dela, também recebi entusiásticos incentivos para cursar o doutorado<br />

na Universidade Federal do Rio de Janeiro. No entanto, quase simultaneamente,<br />

15


ao processo de exame e resultado, aconteceu em 04 de outubro de 1988 a sua<br />

morte em Mallorca, na Espanha, o que me chocou muito.<br />

Mas tive um momento de grande emoção quando, em prantos, Roberto<br />

Alamada ditou-me o poema Retrato da Amada, que, posteriormente, colocou no<br />

livro Dissertação sobre o nu, para que eu o passasse para o espanhol e o lesse,<br />

na Catedral Metropolitana de Vitória na missa de sétimo dia da morte de Vilma.<br />

O poema tem ecos dos Cânticos dos Cânticos de Salomão e dos Vinte<br />

poemas de amor e uma canção desesperada de Pablo Neruda. Ei-lo como foi<br />

lido:<br />

Sus pasos no son silenciosos, mucho por el contrario.<br />

Pisan profundamente el suelo como si supiesen de donde vienen y adónde van.<br />

Ella no hizo del absoluto su ruta, ni su infinito,<br />

ni mismo los designos de su alma.<br />

Es fuerte e indestructible como el puñal, persistente como el poner del sol.<br />

Los ojos de mi amada fueron puestos sobre mí.<br />

Ellos me guardan del orgullo y de la desesperanza.<br />

Su vientre no es un jardín de delícias. Es antes el gesto inicial y definitivo,<br />

el encontrado Éden.<br />

Por eso su vientre es tambiém un jardin de delicias.<br />

Ella me acaricia con sus animos dulcemente, cálidas e inofensivas<br />

como um animal herido.<br />

Me aquieto, bienamada, em tus brazos de seda; de seda de ensueño,<br />

Y entre ellos encuentro el origen de toda la bienaventuranza.<br />

Por isso e por outras razões, falar em Roberto Almada é discorrer sobre o<br />

Amor e a Morte. O amor à mulher amada ocupa lugar central em sua obra e a<br />

morte é um trágico, fatal acontecimento que o tempo trouxe a este amor.<br />

Esses temas estão em sua memória, mas quando retoma o passado, ele<br />

não os mutila. A plena liberdade erótica unida à idéia do amor único é uma<br />

constante em Roberto Almada. A visão amorosa é uma experiência muito<br />

16


importante para o poeta, pois, por meio dela, compreende a dicotomia da<br />

existência: vida/morte e sobre ela fala em seus versos. Em Elegia de Majorca<br />

estão vinte poemas, com versos pareados e já, no primeiro poema, a idéia da<br />

supremacia de Tanatos em relação a Eros fica clara: “De infindas perdas faz-se a<br />

arribação/ desses amores todos que se vão/ pra outros lugares, mares sem<br />

velames”.<br />

Os temas amor e morte são, também, os mais relevantes no universo<br />

poético de Federico García Lorca, poeta a quem Roberto Almada apreciava. O<br />

tema erótico em Lorca é ingênuo. Em seus poemas o eu poético demonstra o<br />

erotismo, realizado em outro. O eu poético é espectador, enquanto nos poemas<br />

eróticos de Almada o erotismo brota da presença da amada, num corpo ardente<br />

por onde a mão do eu poético desliza. Ele é o possuidor do erotismo. Há mais<br />

vida em nos versos almadinos que nos lorquianos.<br />

Para esse nosso poeta a mão que não afaga e não produz é senil (Soneto<br />

da senilidade). O canto ao amor aparece em todos os seus livros poéticos. O<br />

poeta quer louvar a amada. Em Dissertação sobre o nu, o eu poético canta um<br />

amor presente e, em Elegia a Majorca, um amor perdido.<br />

A morte para Roberto Almada tem cor. Assim, de uma maneira semelhante<br />

a Federico García Lorca no Romance sonámbulo, cujos primeiros versos são<br />

“Verde que te quiero verde/ verdes viento. Verde ramas”, Roberto Almada dá à<br />

morte em Cantiga do lápis de cor em Dissertação sobre o nu: “A morte é<br />

verde/ como o verde em toda parte”.<br />

Para concluir, Senhor Presidente, Senhores Acadêmicos e demais<br />

presentes, quero-lhes dizer que se hoje procurei trazer a lembrança de Roberto<br />

Almada foi com o intento de eternizá-lo, procurando trazê-lo para junto de nós,<br />

fazendo reviver a sua voz forte e pausada, os olhos sonhadores, sua complexão<br />

forte, ao lado de Vilma, sua companheira, a musa que lhe proporcionou poemas<br />

de amor e morte, de amor e sonho, de angústia e alegria, de esperança e<br />

saudade. Aquela que, em uma tarde, em seus braços morreu, mas proporcionou<br />

ao poeta sentidas e eternas palavras. Enfim, a musa que descerrou para ele o<br />

17


caminho para a descoberta do mistério da vida: amor/ morte. Em Elegia a<br />

Majorca, o poeta nos diz:<br />

Enquanto a tarde se ia<br />

Teu corpo, trêmulo arfava<br />

Nos meus braços te afagava<br />

De amores o olhar fremia,<br />

Teu corpo, trêmulo, arfava<br />

enquanto a tarde se ia.<br />

Sim, é claro que, neste momento, tenho imenso pesar por suceder a<br />

Roberto Almada nesta Cadeira, porque isto é um sinal de sua ausência corporal,<br />

mas enaltece-me a honra de falar sobre ele, ainda que seja inabilmente,<br />

proporcionando a sua presença física em nossa memória, eternizando o poeta,<br />

refazendo, reconstruindo o trabalho da vida descontínua.<br />

De coração procurei traçar o perfil poético de Roberto Almada e honra-me,<br />

também, ser o professor e crítico literário Francisco Aurélio Ribeiro, meu amigo e<br />

colega, o Acadêmico que faria o meu recebimento. Ele é um homem de iniciativa,<br />

cultura e produção. Sempre pronto à atualização e... a viagens. Empreendedor.<br />

Em tudo o que se propõe fazer coloca à frente a sua energia e sonho. Generoso,<br />

preocupa-se com o problema alheio, procurando solucioná-lo. Hoje, encontra-se<br />

hospitalizado e ele tem como porta-voz de sua saudação o ilustre Acadêmico<br />

Miguel Depes Tallon, advogado, professor na UFES, historiador e poeta. Ter a<br />

participação destes dois ilustres Acadêmicos no dia da minha posse nesta<br />

academia, torna-se uma recepiendária inédita nesta Casa e, ao meu ver, faz esta<br />

acolhida mais aconchegante, aumenta o meu compromisso como acadêmica e o<br />

orgulho que este título me proporciona.<br />

Sem dúvida, alegra-me sobremaneira estar nesta seção presidida por<br />

Vossa Excelência e ser acolhida por tão ilustres membros desta Academia de<br />

Letras. Agradeço a presença dos que aqui, pacientemente, me escutaram.<br />

18


DISCURSO DE RECEBIMENTO DA ACADÊMICA EXMA. SRA.<br />

PROFA. DOUTORA ESTER ABREU VIEIRA DE OLIVEIRA<br />

PRONUNCIADO PELO EXMO. SR. DOUTOR FRANCISCO<br />

AURÉLIO RIBEIRO.<br />

“Como se ha dicho últimamente, la mujer comienza rebelándose contra su<br />

destino (bello eufemismo de marginación), intenta luchar contra el varón para<br />

adquirir sus mismos derechos, y presa de una identidad que no le pertence, en la<br />

alternativa que separa a madame Bovary de George Sand, acaba por descubrirse<br />

y asumirse. Es entonces cuando toma la palabra. Palabra de mujer...”<br />

(MAGDA, Rosa Maria R. Feeinino fin de siglo. La sedución de la diferencia)<br />

“Bienvenida”, Ester, a esta casa de letras, mais uma dentre tantas que você<br />

conquistou com sua garra, tenacidade, inteligência, sensibilidade e, sobretudo,<br />

sua palavra de mulher, marca a diferença deste século que se finda<br />

melancolicamente, entre tragédias sociais e violências geradas pela ambição e o<br />

poder masculinos.<br />

O século XX foi o primeiro em que as mulheres puderam se afirmar diante<br />

da milenar superioridade masculina e se libertar, após muitas lutas, do jugo fálico<br />

para se impor nas artes, nos esportes, nas ciências, na política, na cultura, me<br />

geral.<br />

Ester Abreu é um desses exemplos de mulher vencedora, desbravadora<br />

dos espaços femininos nas zonas de poder masculino e sua vida e obra são<br />

orgulho e honra não só para sua família, mas para todos nós capixabas.<br />

19


Nascida em Muqui, a “Cidade-Menina”, nos anos trinta (e isso me traz<br />

especial recordação por ser a terra-natal de minha mãe e o lugar onde passei os<br />

melhores dias de minha infância). Ester pôde freqüentar, desde o início, as<br />

melhores escolas do sul do Espírito Santo. O Colégio de Muqui foi um dos mais<br />

tradicionais estabelecimentos de ensino do Estado e lá ela iniciou sua educação<br />

fundamental. Vindo para Vitória, bacharelou-se em Letras Neolatinas, na antiga<br />

FAFI, em 1958. Depois, cursou, também na FAFI, “Didática Especial de Espanhol<br />

e Português”, de 1959 a 1960.<br />

Ester Abreu foi professora de todos os níveis. Grande parte dos<br />

profissionais do Espírito Santo, hoje, foram seus alunos, no antigo Colégio<br />

Estadual, onde lecionou Francês, Português, Espanhol e Literaturas de língua<br />

portuguesa. Na UFES, onde começou lecionar em 1965, ensina “Português para<br />

Estrangeiros”, Espanhol e Literatura Espanhola “e” Português “. Mestra em Letras,<br />

pela PUC – PR, com a dissertação” Alguns aspectos do possessivo em português<br />

em confronto com o espanhol “e Doutora em Letras Hispânicas Neolatinas, pela<br />

UFRJ, com a tese” O mito de don Juan: sua relação com Eros e Thanatos”,<br />

considerada pelo acadêmico e confrade, Prof. Miguel Depes Talon, um dos<br />

melhores trabalhos já lidos por ele em toda a sua prolífera vida de leitor.<br />

Ester Abreu nunca se conformou com os títulos fáceis e próximos. Sempre<br />

batalhando seu enriquecimento cultural, conseguiu especializar-se em “Filologia<br />

Espanhola”, em Madrid, em 1968; em “Português Superior”, em Lisboa, também<br />

em 1968; em “Estudos Hispânicos”, em Salamanca, em 1994.<br />

Seu ponto de partida sempre foi o Brasil, o Espírito santo, Vitória, e as<br />

escolas onde atuou, mas seus olhos inquietos buscavam sempre além-mar, terras<br />

de Espanha e Portugal, nossa origem colonizadora e nossa identidade. Por isso,<br />

sempre se sentiu dividida, como a “Ibéria”, título de um dos seus livros de poesia.<br />

Em busca de entender essa divisão, Ester nos aproximou de nossa origem,<br />

trazendo para cá o questionamento dialético da dupla D. Quixote/Sancho Pança, a<br />

20


picaresca, o romantismo de Zorilla, o esperpêntico, o mito de Dom Juan. Ela é a<br />

ponte que nos liga a um passado tão longínquo, aproximando-nos do além-mar e<br />

das culturas que nos formaram.<br />

Como se não bastasse ter sido professora de quase todo mundo, Ester<br />

Abreu nunca deixou de participar de funções administrativas na Universidade.<br />

Coordenadora de Cursos, Coordenadora de Extensão, Subchefe de<br />

Departamento, Membro da CPDA, Coordenadora do Laboratório de Línguas,<br />

Decana do Centro de Estudos Gerais, é a atual Presidente da Associação de<br />

Professores de Espanhol do Espírito Santo. Sua participação em bancas de<br />

concurso começou em 1959 e continua até hoje, nas provas de Vestibular. Deve<br />

ser uma das professoras da UFES com maior número de participação em cursos,<br />

congressos e seminários dentro e fora do país. Possui mais de cinqüenta<br />

trabalhos publicados dentre livros didáticos, ensaios, artigos e publicações em<br />

anais.<br />

Mas, apesar de seu profícuo trabalho de professora, não foi esse o motivo<br />

que fez os membros da Academia Espírito-Santense de Letras escolherem o<br />

nome de Ester Abreu Vieira de Oliveira para membro dessa ilustre Casa<br />

Kosciuszko Barbosa Leão. O motivo principal é que ela é uma excelente poeta e<br />

seu nome estaria à altura de seu sucessor, o extraordinário poeta e saudoso<br />

amigo, Roberto Almada, que nos deixou tão cedo.<br />

A poesia de Ester Abreu está publicada em Português para estrangeiros,<br />

1981; Antologia poética de cidades brasileiras, 1985; Poetas brasileiros de<br />

hoje, 1986, e em dois livros publicados com muitas dificuldades. Momentos e<br />

Ibéria dividida, ambos em 1988. Em 1994, alguns de seus poemas foram<br />

traduzidos para o francês e publicados na antologia Quelques chose d´elles, de<br />

edição suíça. Momentos, seu primeiro livro de poemas, ganhou menção honrosa<br />

na AESL, em 1986, Prêmio publicação do DEC, em 1982 e elogios dos<br />

acadêmicos Elmo Elton e Luiz Busatto. Segundo o orelhista da obra, “Os cinco<br />

21


momentos e ecos de Momentos representam o homem com cinco sentidos<br />

despertos, seus sonhos, gostos, memórias, recordações e inquietações atávicas”.<br />

Em estudo crítico publicado em 1990, destaquei a valorização da memória, da<br />

tradição, do lirismo sentimentalista, sem ser piegas, dos poemas de Ester Abreu,<br />

numa época de reconstruções, ceticismo, descrenças, desilusões. Ester é a poeta<br />

da esperança, da simplicidade, do sentimento, que não passa, apenas, pela vida,<br />

mas que avive.<br />

Em Ibéria dividida, coloca em poemas, a duplicidade que sempre marcou<br />

suas pesquisas daqui e dalém mar: Brasil/Europa, Portugal/Espanha; colonizado,<br />

colonizador. Certa vez, me confessou ter a alma dividida. Todos nós, cara Ester, a<br />

temos. É fruto de nossa consciência de abismo que herdamos com a<br />

modernidade.<br />

Ester Abreu, entre que a casa é sua. Como Irene no céu, você também não<br />

precisa pedir licença. Que venha com toda a sua energia, sua capacidade<br />

empreendedora, sua vontade inquebrantável de unir pessoas e entidades<br />

diversas, a esta casa, durante muitos anos templo do saber masculino. Mas as<br />

mulheres venceram as barreiras, quebraram os grilhões e marcaram sua presença<br />

pelo seu valor. Este é o tempo das mulheres.<br />

E, para concluir, retomo à mesma autora que usei na epígrafe deste:<br />

“Tiempo de Mujer? Mejor: irrupción de la mujer en el tiempo, para darle la vuelta y<br />

hacerlo cíclico, vital, genérico, fecundo, no progressivo, no conclusivo, no mortal<br />

de necessidad”.<br />

(MAGDA, Rosa Maria R. Op. Cit., p. 145.)<br />

22

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!