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6.- Um currículo de autoconhecimento, re ... - Claudio Naranjo

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que envolve o mundo das coisas sem lhe pertencer, dirige seu empenho para uma percepção<br />

simples ou pura do “aqui e agora”, como é típico do budismo Thevarada.<br />

Em ambos os casos, a meditação guarda <strong>re</strong>lação com a orientação da atenção. Ela po<strong>de</strong><br />

apontar para os “dados imediatos da consciência” <strong>de</strong> que falava Bergson (o que toco, o que vejo,<br />

o que escuto, as emoções, as sensações corporais do momento) cujo conjunto po<strong>de</strong>mos<br />

consi<strong>de</strong>rar a superfície da consciência (e é sumamente importante que possamos <strong>re</strong>cuperar a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contato com o imediato que tivemos quando crianças e que talvez per<strong>de</strong>mos ao<br />

estarmos <strong>de</strong>masiado imersos em nosso mundo simbólico), ou até a profundida<strong>de</strong> da mente, que<br />

é assento das vivências do ser, do eu e do divino. Já que esta profundida<strong>de</strong> da mente não é<br />

acessível à consciência ordinária, todavia é evocada (ou invocada, às vezes) através do tipo <strong>de</strong><br />

meditação já <strong>re</strong>ferido, em que se apela para a concentração no material simbólico, que serve<br />

para o <strong>de</strong>senvolvimento da imaginação criativa e a evocação <strong>de</strong> significados – e cujo fruto<br />

característico é a experiência da sacralida<strong>de</strong>.<br />

Estes dois aspectos da meditação constituem aspectos complementa<strong>re</strong>s da vida em geral<br />

e convém observar como se fazem particularmente p<strong>re</strong>sentes na psicoterapia, sem que isto<br />

signifique que sejam mais <strong>re</strong>levantes no terapêutico que na educação. Bem sabemos que um<br />

aspecto importante da terapia é p<strong>re</strong>cisamente o <strong>de</strong> <strong>re</strong>cuperar a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “p<strong>re</strong>sença” ou <strong>de</strong><br />

estar no “aqui e agora”, como tão f<strong>re</strong>qüentemente se diz <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos <strong>de</strong> Fritz Perls.<br />

Hoje em dia se <strong>re</strong>corda Perls como o criador <strong>de</strong> um sistema terapêutico, porém, não se<br />

sabe que foi uma pessoa <strong>de</strong> estatura profética quanto ao impacto que exerceu sob<strong>re</strong> a socieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> seu tempo; po<strong>de</strong>-se dizer que foi o profeta do aqui e agora, que através <strong>de</strong> seu impacto<br />

pessoal fez sentir àqueles que o acercavam que havia algo como um caminho do estar p<strong>re</strong>sente,<br />

uma via <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento pessoal que passa pela capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pôr-se na atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o<br />

passado já não existe e o futuro, todavia não existe (até agora não fomos tão fundo a ponto <strong>de</strong><br />

começar a duvidar também do p<strong>re</strong>sente). Se adotarmos a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> tomar o p<strong>re</strong>sente como a<br />

única coisa que existe, isto leva a um aprofundamento da experiência do momento, mais <strong>re</strong>mota<br />

e por sua vez mais rica do que estamos acostumados a c<strong>re</strong>r. Isto nos pa<strong>re</strong>cerá como se<br />

tivéssemos perdido em boa medida tanto a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tomar contato com a experiência do<br />

momento como <strong>de</strong> admiti-la ou confessá-la. Quantas vezes, no curso <strong>de</strong> uma conversação, não<br />

nos sentimos abor<strong>re</strong>cidos, molestados, <strong>de</strong>scontentes com o que se passa, sem saber como sair<br />

<strong>de</strong> uma situação quando a saída estaria em po<strong>de</strong>r simplesmente dizer: “Neste momento, não<br />

gosto do que está se passando”; ou “Não sei o que está se passando, mas não gosto”. Só esta<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar da experiência do momento, apesar <strong>de</strong> vago, mudaria o rumo da conversação.<br />

Porém não sentimos que está ent<strong>re</strong> os cânones da vida social falar do que se passa no instante,<br />

ou, se começamos a explorar o assunto, encontramos muitas dificulda<strong>de</strong>s.<br />

É p<strong>re</strong>cisamente a tomada <strong>de</strong> contato com o p<strong>re</strong>sente, junto à comunicação da<br />

experiência p<strong>re</strong>sente, o que mudou o espírito das terapias contemporâneas quando começou a<br />

fazer parte <strong>de</strong>las. Antes, a psicanálise havia convidado muito à <strong>re</strong>flexão sob<strong>re</strong> o passado, sob<strong>re</strong> o<br />

que se passou na infância da origem dos problemas psicológicos. Já com Reich começou-se a<br />

observar mais o que acontece no p<strong>re</strong>sente, e Perls foi quem pôs ainda mais ênfase nele,<br />

chegando a propor que basta o indivíduo trabalhar com o p<strong>re</strong>sente para que <strong>re</strong>cupe<strong>re</strong> a<br />

capacida<strong>de</strong> e o di<strong>re</strong>ito <strong>de</strong> sentir o que sente, <strong>de</strong> saber o que sente, <strong>de</strong> saber o que pensa, <strong>de</strong><br />

saber o que está fazendo e <strong>de</strong> dar-se conta do óbvio. Porém assim como é importante essa<br />

<strong>re</strong>cuperação da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experiência, po<strong>de</strong>mos dizer que a patologia <strong>de</strong>scansa nesta perda<br />

da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber o que sentimos, e o que chamamos inconsciente <strong>de</strong>scansa neste não ter<br />

di<strong>re</strong>ito <strong>de</strong> saber o que se passa em nós, que por sua vez vem ao lado <strong>de</strong> nos tornarmos<br />

cúmplices <strong>de</strong> uma mentira social.<br />

Porém, assim como o que medita nem semp<strong>re</strong> dirige sua atenção para a experiência do<br />

momento, também no mundo do terapêutico, que se move na linguagem, não só é importante a<br />

<strong>re</strong>cuperação do simples p<strong>re</strong>sente. Também é importante a <strong>re</strong>cuperação da dimensão mágica da<br />

vida e, quando se fala do transpessoal em psicoterapia, em gran<strong>de</strong> medida tem a ver com a<br />

<strong>re</strong>cuperação disso que nos trazem as concepções <strong>re</strong>ligiosas do mundo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhadas pelo<br />

cientificismo <strong>de</strong> uma psicologia nascente: os ensinamentos espirituais, os mitos e os contos <strong>de</strong>

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