Trabalhadores - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro
Trabalhadores - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro
Trabalhadores - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
ita da verda<strong>de</strong>ira produção material<br />
(...), do outro lado <strong>de</strong> suas fronteiras,<br />
começa o <strong>de</strong>sdobramento das forças<br />
humanas que consi<strong>de</strong>ram como um<br />
fim em si, o verda<strong>de</strong>iro reino da liber-<br />
da<strong>de</strong>".<br />
A robotização e a informatização<br />
só tem sentido se ten<strong>de</strong>m a aliviar<br />
o fardo das tarefas necessárias, in-<br />
chados os afazeres domésticos, e a<br />
reparti-las eqüitativamente entre to-<br />
dos. A semana <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> 28 ou<br />
30 horas, o ano <strong>de</strong> 1.200 horas e uma<br />
distribuição mais justa do trabalho<br />
doméstico entre as mulheres e os ho-<br />
mens constituem o principal objetivo<br />
dos sindicatos e partidos <strong>de</strong> esquerda<br />
da Europa Oci<strong>de</strong>ntal para o final do<br />
século.<br />
E. Wimmer - Se o trabalho fosse<br />
sempre e exclusivamente um meio <strong>de</strong><br />
subsistência, sem representar ao mes-<br />
mo tempo um instrumento <strong>de</strong> humani-<br />
zação, isto é, <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>senvolvimento,<br />
uma fonte <strong>de</strong> alegria, não existiria o<br />
próprio gênero humano. Que horrível<br />
seria nossa vida se as pessoas, mesmo<br />
que em condições <strong>de</strong> exploração e<br />
aüenação, não pu<strong>de</strong>ssem encontrar no<br />
trabalho certos motivos <strong>de</strong> satisfação,<br />
inspiração, e consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> sua pró-<br />
pria dignida<strong>de</strong>! Portanto, creio que a<br />
questão principal <strong>de</strong>ve formular-se em<br />
termos <strong>de</strong> correlação entre esses dois<br />
aspectos do trabalho. A primeira meta<br />
que se fixou o movimento operário, a<br />
faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu "trabalho reforma-<br />
dor", consistia precisamente em<br />
emancipar o homem na maior medida<br />
possível, por meio do trabalho. Hoje,<br />
por múltiplas razões, este objetivo<br />
adquire mais do que nunca a maior<br />
importância. É que os novos meios <strong>de</strong><br />
produção, que oferecem a possibilida-<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong> melhorar essencialmente a vida<br />
humana, po<strong>de</strong>m ser também um novo<br />
instrumento em mãos dos que se apro-<br />
priam dos frutos do trabalho alheio.<br />
Liberar o homem do trabalho — inclu-<br />
sive em condições <strong>de</strong> máxima produ-<br />
tivida<strong>de</strong> — é uma utopia, já que o tra-<br />
balho, mesmo que não esteja submeti-<br />
do ao domínio patronal não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />
ser o "reino da necessida<strong>de</strong>", sem o<br />
qual não po<strong>de</strong> existir o "reino da li-<br />
berda<strong>de</strong>".<br />
Obviamente, o objetivo <strong>de</strong>ve conti-<br />
nuar sendo a emancipação do próprio<br />
trabalho. Do contrário, os meios <strong>de</strong><br />
trabalho escaparão a todo controle e<br />
estabelecerão seu domínio como for-<br />
ças alheias e cegas, sobre os seres<br />
humanos. E mesmo que o socialismo<br />
real não tenha logrado ainda o cum-<br />
primento <strong>de</strong>ssa tarefa, isso não invali-<br />
da em absoluto a conclusão funda-<br />
mental no sentido <strong>de</strong> que, para liberar<br />
o homem <strong>de</strong> todas as formas <strong>de</strong> ex-<br />
ploração e alienação, é preciso libe-<br />
rar o próprio trabalho.<br />
0 TRABALHO<br />
E 0 DIREITO<br />
Á PREGUIÇA<br />
Neste tempo <strong>de</strong> máquinas e mercado, <strong>de</strong><br />
técnicas e pronto-a-consumir, por on<strong>de</strong><br />
anda o gratuito? Tem-se a sensação <strong>de</strong> o<br />
ver por muitos lados, mas será ainda o<br />
gratuito ou mais uma forma <strong>de</strong> compra e<br />
venda?<br />
Se os socialistas do século passado<br />
vissem como se vive hoje nos países ricos<br />
no norte do mundo, cuidariam estar<br />
realizada a sua utopia <strong>de</strong> toda a gente ter o<br />
necessário para viver, as máquinas<br />
produzirem e o homem pescar, tocar<br />
música e esten<strong>de</strong>r-se ao sol e à sombra a<br />
contemplar o visível e o invisível.<br />
Quando se começou a reivindicar o<br />
direito ao trabalho para todos, não era por<br />
causa do trabalho que se reivindicava mas<br />
por causa do salário. Por causa <strong>de</strong> adquirir<br />
o mínimo para sobreviver. Por isso,<br />
paralelamente a essa reivindicação, um<br />
genro <strong>de</strong> Marx, Paul Lafargue, proclamava<br />
o "direito à preguiça".<br />
Há quem diga que o trabalho tem outra<br />
função para lá da subsistência. Que sem<br />
trabalhar a gente não se sente realizada.<br />
Não sei se isso é fatalmente assim, ou se foi<br />
um hábito adquirido. É certo que há irmãos<br />
para tudo, mas a subsistência já é<br />
<strong>de</strong>masiado trabalhosa, uma vez que a fazem<br />
cada dia mais cara para nos obrigar a<br />
trabalhar sempre. De qualquer modo que<br />
porventura po<strong>de</strong> realizar é o trabalho feito<br />
por conta própria, por üvre iniciativa, o<br />
trabalho que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada um e cujo<br />
tempo cabe a cada um gerir. Não me parece<br />
que isso possa acontecer com o trabalho<br />
alienado, no qual se está vendido por oito<br />
horas a alguém que é dono do nosso tempo<br />
e sua gestão.<br />
O mesmo se po<strong>de</strong>rá dizer da preguiça.<br />
Atualmente já é possível muita preguiça.<br />
Mas é uma preguiça num tempo que não é<br />
nosso, mas do patrão, seja quem for esse<br />
patrão. É uma preguiça não saboreada, é<br />
um ócio que não po<strong>de</strong>mos gerir. No fim<br />
acaba por ser uma moleza frustante, uma<br />
letargia estéril <strong>de</strong> prazer, o que leva muito à<br />
ilusão ou à malva<strong>de</strong>z <strong>de</strong> que o trabalho faz<br />
falta a realização humana. Mais uma vez<br />
insisto, só fará falta quando se sentir a sua<br />
falta e a quem sentir. E mesmo assim<br />
convém verificar se não é um ópio. De<br />
resto será i<strong>de</strong>ologia como aquela que diz<br />
que o trabalho dá saú<strong>de</strong>. O que dá saú<strong>de</strong> é<br />
movimentar o corpo, queimar as toxinas,<br />
fazer funcionar a engrenagem que somos,<br />
fortalecer os músculos, pôr todas as células<br />
a viver... Mas para isso não é preciso<br />
trabalhar, é preciso exatamente não<br />
trabalhar para se po<strong>de</strong>r praticar o <strong>de</strong>sporto<br />
que se goste e que é bom para nossa saú<strong>de</strong>.<br />
Isto é gratuito, o cansaço gratuito e<br />
feliz, a preguiça feliz e saudável.<br />
cultura<br />
Boletim Uaranathá - Julho/90<br />
Já há no mundo milhões <strong>de</strong> gente a viver<br />
<strong>de</strong>ste gratuito que é o <strong>de</strong>sporto. Isso é um<br />
estágio da existência que levaria os<br />
socialistas do século passado a dizer que<br />
tinha sido alcançado aquilo que eles haviam<br />
proposto. Mas em pouco tempo ficariam<br />
<strong>de</strong>siludidos, exatamente quando<br />
verificassem que esse <strong>de</strong>sporto é mais um<br />
negócio. E que os <strong>de</strong>sportistas não mais que<br />
trabalhadores especializados, novas<br />
máquinas <strong>de</strong> fazer dinheiro. Dinheiro<br />
extorquido à multidão <strong>de</strong> trabalhadores<br />
cujas razões para assistir em vez <strong>de</strong> praticar<br />
seria preciso analisar. Mas não aqui que dá<br />
muito trabalho.<br />
A verda<strong>de</strong> é que todo o gratuito já<br />
possível nos países ricos virou negócio para<br />
extorquir o dinheiro aos mais pobres <strong>de</strong>sses<br />
países. A maioria que tem <strong>de</strong> continuar a<br />
trabalhar pela subsistência, por ela se toma<br />
cada vez mais cara.<br />
Quem não se <strong>de</strong>ixará iludir é Jesus<br />
Cristo que do alto da sua ascensão vê o<br />
mundo todo ao mesmo tempo. E vê como o<br />
mundo rico não sabe viver o gratuito que<br />
lhe advem da abundância <strong>de</strong> bens, e como<br />
ao muito pobre não lhe <strong>de</strong>ixam viver o<br />
gratuito próprio <strong>de</strong> quem tem poucas<br />
necessida<strong>de</strong>s. Talvez nos chamassem à<br />
atenção sobre o modo como os ricos<br />
enriqueceram e os pobres empobreceram. E<br />
talvez recitasse aquela quadra que diz:<br />
Pobre México, Senhor<br />
à mercê <strong>de</strong> uns bandidos<br />
longe <strong>de</strong> Deus e tão perto<br />
ai dos Estados Unidos.<br />
Ou então inventaria uma mais ou menos<br />
assim:<br />
Pobre mundo tão diferente<br />
na terra como nos céus<br />
tão perto <strong>de</strong> toda a gente<br />
tão longe do Reino <strong>de</strong> Deus.<br />
Como viver então a vida? Coitada da<br />
vida assim envolvida <strong>de</strong> comprar e vendas<br />
on<strong>de</strong> o gratuito é raro e caro. Caro mais<br />
por custar muito que por ser querido.<br />
Custar em esforço e em dinheiro, querido<br />
<strong>de</strong> querer e <strong>de</strong> amar. Coitada da vida on<strong>de</strong><br />
o gratuito é suspeito, on<strong>de</strong> as coisas<br />
per<strong>de</strong>ram a graça por não serem <strong>de</strong> graça.<br />
Coitada da vida! Como vivê-la então? Se<br />
calhar, então, é preciso continuar a vivê-la<br />
como fermento que leveda a massa, como<br />
semente <strong>de</strong> mostarda, como sal que salga. E<br />
nisto é que não po<strong>de</strong> haver traficância,<br />
temos mesmo que dar <strong>de</strong> graça o que <strong>de</strong><br />
graça nos foi dado. Que assim seja a quem<br />
e além-mar, que toda a terra é terra <strong>de</strong><br />
missão.