17.04.2013 Views

MEM Ó RIAE PAT RIM Ô NIOCU LT URALDEC ... - Fábrica do Futuro

MEM Ó RIAE PAT RIM Ô NIOCU LT URALDEC ... - Fábrica do Futuro

MEM Ó RIAE PAT RIM Ô NIOCU LT URALDEC ... - Fábrica do Futuro

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Volume 3<br />

M E M <strong>Ó</strong> R I A E P AT R I M <strong>Ô</strong> N I O C U L T U R A L<br />

D E C ATA G U A S E S


Apoio:<br />

Execução:<br />

Patrocínio:<br />

Incentivo:


M E M <strong>Ó</strong> R I A E P AT R I M <strong>Ô</strong> N I O C U L T U R A L<br />

D E C ATA G U A S E S<br />

Vo l u m e 3


2 ª E D I Ç Ã O – 2 0 1 2<br />

Organização e Coordenação: Paulo Henrique Alonso<br />

Pesquisa<strong>do</strong>ras (1ªedição):<br />

Gláucia Siqueira, Mariana Cândida Garcia Car<strong>do</strong>so Almeida<br />

Auxiliares de pesquisa (1ªedição):<br />

Irenilda R.B.R.M. Cavalcanti, Luciana Ferreira de Oliveira,<br />

Maria Aparecida Torre Barcelos<br />

Entrevista<strong>do</strong>res (1ªedição): Gláucia Siqueira, Hedileuza Maria de Oliveira<br />

Valadares, Hélvia Peres Cordeiro, João Carlos Juste, José Luiz Batista, Maria<br />

José de Oliveira Paula, Mariana Cândida Garcia Car<strong>do</strong>so Almeida, Mônica<br />

Macha<strong>do</strong> da Silva, Rosângela Schettini Rodrigues<br />

Coleta material iconográfico: Marcela Andrade da Silva<br />

Design: Birte Paetrow, Gustavo Baldez, Holger Melzow<br />

Infraestrutura e tecnologia: Américo Vicente Sobrinho<br />

Plataforma de rede e internet: David Azeve<strong>do</strong>, Danilo Marinho<br />

Comunicação: Beth Sanna<br />

Produção: Bárbara Piva<br />

Gestão administrativo-financeira: Djalma Dutra Jr, Geisiane Marinho de Lima<br />

M533<br />

Memória e patrimônio cultural de Cataguases / Paulo Henrique Alonso<br />

(Coord.). – 2 ed. – Cataguases / MG: ICC, 2012.<br />

272 p.: il. pb. – (Memória e patrimônio cultural de Cataguases; III)<br />

ISBN: 978-85-65550-02-4<br />

1. Memória Oral. 2. Patrimônio Cultural. 3. História. 4. Cataguases / MG. I.<br />

Alonso, Paulo Henrique. II. Instituto Cidade de Cataguases – ICC. III. Título.<br />

Ficha Catalográfica elaborada pelas Bibliotecárias:<br />

Carla Viviane da Silva Angelo – CRB-6/2590.<br />

Edna da Silva Angelo – CRB-6/2560.<br />

CDD: 981.5


M E M <strong>Ó</strong> R I A E P AT R I M <strong>Ô</strong> N I O C U L T U R A L<br />

D E C ATA G U A S E S<br />

Vo l u m e 3


Este é o terceiro volume, em 2ª edição, da série que<br />

registra a memória oral de vários personagens da ci-<br />

dade de Cataguases, Minas Gerais. Ele é parte de um<br />

projeto inicia<strong>do</strong> em 1988 pela Prefeitura Municipal<br />

de Cataguases e pela antiga Secretaria <strong>do</strong> Patrimônio<br />

Histórico e Artístico Nacional/Fundação Nacional<br />

pró-Memória.<br />

A P R E S E N TA Ç Ã O<br />

Aqui, damos continuidade e retomamos o tra-<br />

balho original, com a produção periódica de novos<br />

exemplares e a reedição <strong>do</strong>s volumes publica<strong>do</strong>s an-<br />

teriormente. O propósito é que tenhamos, de forma<br />

sistematizada, registrada e divulgada a memória da-


queles que fizeram e fazem a história da cidade e que<br />

possamos, assim, contribuir para a preservação da<br />

memória local.<br />

Neste volume estão 12 relatos, colhi<strong>do</strong>s entre<br />

1988 e 1989 e publica<strong>do</strong>s em 1996. Como na edição<br />

anterior, o texto privilegia a fala própria <strong>do</strong>s entrevis-<br />

ta<strong>do</strong>s, regen<strong>do</strong>-se mais pelas regras da comunicação<br />

oral <strong>do</strong> que pelas normas da escrita. Na reprodução<br />

das fotos, as autorias e datas que não foram identi-<br />

ficadas estão citadas nas suas respectivas legendas<br />

como s/a e s/d.<br />

Esta publicação está também disponível, em<br />

formato PDF, para <strong>do</strong>wnload gratuito no sítio eletrô-<br />

nico www.fabrica<strong>do</strong>futuro.org.br.


Í N D I C E<br />

11<br />

AMÉLIA GOMES FERNANDES<br />

Tecelã, 80 anos<br />

31<br />

A M É L I A L A N D <strong>Ó</strong> E S<br />

Diretora de Escola, 75 anos<br />

53<br />

J O Ã O K N E I P<br />

Eletricitário, 80 anos<br />

75<br />

M A R I A D A G L <strong>Ó</strong> R I A A LV E S S I LVA<br />

Dona de Casa, 90 anos<br />

97<br />

M A R I A M A G A L H Ã E S P E R E I R A<br />

Tecelã, 67 anos


125<br />

M A R I T A G U I M A R Ã E S C O S T A C R U Z<br />

Dona de Casa, 74 anos<br />

145<br />

R E N A T O T E I X E I R A<br />

Bancário, 70 anos<br />

169<br />

S E B A S T I Ã O L O P E S N E T O<br />

Pastor Metodista, 70 anos<br />

191<br />

S Í LV I A M E N D O N Ç A L E I T E ( D O N A V I C A )<br />

Dona de Casa, 85 anos<br />

209<br />

S T E L L A A B R I T A A LV E S<br />

Professora Aposentada, 77 anos<br />

233<br />

T E O D O R I C O T E I X E I R A C A R D O S O<br />

Ferroviário, 83 anos<br />

245<br />

T E R E Z I N I M A S S E N A G U I M A R Ã E S<br />

Professora Aposentada


A M É L I A G O M E S<br />

F E R N A N D E S<br />

T E C E L Ã<br />

8 0 a n o s<br />

Eu nasci em 1911. Nasci em Ponte<br />

Nova, mas vim pr ’aqui pequena e morei em<br />

Camargo, no sítio da minha avó: minha avó tinha sí-<br />

tio a meia. Agora não tem mais nada lá não. Acabou<br />

tu<strong>do</strong>. Mas nós vivemos lá muitos anos. Vim pr’aqui<br />

pequena e fiquei até fazer três anos. Eu fui parar em<br />

Cachoeiro <strong>do</strong> Itapemirim, depois viemos pr’aqui,<br />

vim com uns <strong>do</strong>ze anos. Ficava na roça. Acho que papai<br />

veio de Juqueri, um lugar que ninguém nem ouve<br />

falar dele. Em Ponte Nova, logo que ele casou trabalhou<br />

na roça. Meu pai, deixa eu ver, acho que teve<br />

quatorze filhos. Foi uma porção, mas são sete vivos.<br />

Foto: Interior da <strong>Fábrica</strong> de Teci<strong>do</strong>s, Alberto Landóes, início séc. XX,<br />

Departamento Municipal <strong>do</strong> Patrimônio Histórico e Artístico de<br />

Cataguases<br />

11


Morreram to<strong>do</strong>s assim com um ano, um ano e meio.<br />

Morria tu<strong>do</strong>! Depois vingou... da Aparecida pra lá<br />

acho que vingou quatro ou cinco. E nós somos sete irmãos<br />

vivos. Tem o Zé Mole, o pai da Carminha; tem<br />

a Aparecida, mulher <strong>do</strong> Osval<strong>do</strong> e pai da Marilene. A<br />

mãe da Marilene é minha irmã e tem uma também<br />

que mora lá no Haideé Fajar<strong>do</strong>, também é viva. Sei<br />

que nós somos sete irmãos. O Zezé toda vida viveu<br />

de negócio. E depois têm os outros. Um trabalhou<br />

aqui na Manufatora muito tempo. Depois foi embora<br />

pra São Paulo, arrumou tu<strong>do</strong>, lá ficou, lá trabalhou,<br />

casou e veio embora pr’aqui. Mora aqui. O outro tá<br />

lá até hoje. Minhas irmãs moram por aqui mesmo.<br />

Uma está até moran<strong>do</strong> na Vila Reis, outra no bairro<br />

Haideé Fajar<strong>do</strong>. A da Vila Reis a casa é dela; a <strong>do</strong><br />

bairro Haideé, não é não. E a Aparecida <strong>do</strong> Osval<strong>do</strong>,<br />

quan<strong>do</strong> casou ficou lá pra São Paulo muito tempo.<br />

Depois voltou. Agora foi pra Juiz de Fora. Meu pai<br />

trabalhava na roça mesmo. Plantava, fazia plantação:<br />

minha vó também ajudava, tinha uma tia que<br />

ajudava também. Aí fazia tu<strong>do</strong>, não comprava nada.<br />

Só comprava as coisas que não podia mesmo fazer<br />

em casa.<br />

Depois nós começamos a andar... minha vó<br />

vendeu o sítio porque ela não podia continuar também.<br />

Aí nós ficamos andan<strong>do</strong>. Eu fui pra to<strong>do</strong> lugar,<br />

12


até que papai arrumou serviço no Nogueira, traba-<br />

lhou na fábrica de macarrão. Talvez cê lembra dele:<br />

Raimun<strong>do</strong> Carroceiro. Ele trabalhava de carroceiro.<br />

Trabalhou de carroceiro muitos anos, até quase ficar<br />

muito velho. Trabalhou de carroça muitos anos.<br />

Depois da carroça pegou a charrete... Ele já não<br />

aguentava mais fazer muita coisa, né. Ele também<br />

não aposentou depois de velho... Aposentou agora,<br />

depois que começou esse negócio... Funrural. Aí ele<br />

aposentou por bagatela, né. Ele morreu com oitenta<br />

e seis anos. Carregou muito saco nas costas... Ele fazia<br />

tu<strong>do</strong> com a carroça... Não tinha tanto caminhão,<br />

né. Ele ficava ali na estação esperan<strong>do</strong> os trem de<br />

carga. O Expresso chegava, vinha viajante... O viajante<br />

pegava as coisas, ele entregava. Trabalhou muito<br />

com viajante... Trabalhava... Mamãe cuidava da casa<br />

e fazia muitas... Assim... negócio de flor pra mês de<br />

Maria, coroa e flores para o cemitério: quan<strong>do</strong> morria<br />

uma pessoa, às vezes encomendava. Então ela fazia<br />

muita coisa pra fora. Ela fez muita coroa... papel, pano,<br />

passava na pena fina. A coroa dela era muito bem<br />

feita, muito bonita! Ela fez muita coroa mesmo, pra<br />

essas meninas tu<strong>do</strong> que coroava aí... engomava os<br />

panos, fazia coroas, e ainda, às vezes, pegava umas<br />

costurinhas pra fazer. Tu<strong>do</strong> isso ela fazia. Ajudava,<br />

porque o papai sozinho trabalhan<strong>do</strong> para sustentar<br />

13


os filhos to<strong>do</strong>s... Naquele tempo tu<strong>do</strong> era difícil, mas<br />

difícil mesmo! Depois eu comecei a trabalhar tam-<br />

bém. Ganhava mucadinho melhor. Eu ganhava, a<br />

Rita também ganhava, a Mira ganhava e aí foi melho-<br />

ran<strong>do</strong> mucadinho. Ajudei bem em casa... trabalhava<br />

em casa. Fazia to<strong>do</strong> serviço de casa. To<strong>do</strong> serviço<br />

de casa eu fazia... logo depois eu casei, com 23 anos<br />

acho. E aí continuou tu<strong>do</strong> em casa. Os meninos, ma-<br />

mãe, o papai. Nós moramos juntos até ele morrer.<br />

Aqui, sabe onde que eu morei? Ali, defronte o<br />

(Grupo Escolar) Gui<strong>do</strong> Marlière - nem o Gui<strong>do</strong> não<br />

tinha nessa ocasião - tinha uma casinha de sapé, lá<br />

no canto. Então nós morávamos ali, numa casinha de<br />

sapé - era <strong>do</strong> Dr. Lisupi, irmão da Dona Luiza Villas<br />

- na beira <strong>do</strong> córrego. Nesse tempo o córrego não era<br />

direto, ele fazia aquela curva assim e nós morava ali.<br />

Nem era a avenida que tá alí (hoje). Logo depois fi-<br />

zeram o grupo e logo já começou a aumentar. Nós<br />

fomos na festa <strong>do</strong> dia da pedra fundamental <strong>do</strong> gru-<br />

po. Até, me parece, que foi o governa<strong>do</strong>r... Acho que<br />

o Antônio Carlos veio. Foi uma festa daquelas! Uma<br />

das maiores festas que eu vi aqui em Cataguases<br />

foi aquela!<br />

E dali é que eu entrei pra fábrica... O ano não<br />

me lembro... Eu entrei pra fábrica foi em (19)28... Não<br />

sei se foi, não sei. Tinha feito a pouco tempo, aque-<br />

14


las casinhas ali atrás da fábrica. Aquele meio de casas.<br />

Aquele meio dali daquele morro de pedra. E ali eles<br />

me deram uma casa. Ali pagava acho que quinze mil<br />

réis... O Seu Lisupi foi embora pra São Paulo... Nós<br />

ficamos ali. Trabalhava na fábrica e morava naquela<br />

casa: pagava, quinze mil réis, com luz. Eu tava e mi-<br />

nha irmã também entrou... entrou com <strong>do</strong>ze anos pra<br />

fábrica. O contramestre não queria dar a ela o servi-<br />

ço. Depois ele a<strong>do</strong>eceu e aconteceu que ela entrou.<br />

Quan<strong>do</strong> ele voltou, não man<strong>do</strong>u ela embora não. Eu<br />

morei ali, depois fui lá pra perto da fábrica, nessas<br />

casas novas, e de lá eu passei pr’aqui, pra essa ca-<br />

sa aqui onde mora o Bitoca <strong>do</strong> Serafim Barata, sabe?<br />

Nós viemos pr’ali; e ficamos moran<strong>do</strong> ali uns tempos.<br />

Depois, de lá vim pr’aqui. Aqui também é da fábri-<br />

ca. Esta casa é da fábrica. Tem cinquenta e um anos<br />

que eu moro aqui... Eles davam pros operários... Mas<br />

agora já pediram essas casas... mudaram muita gen-<br />

te... já tem uns seis anos que eles pediram, mas nós...<br />

Mas a gente... pra onde é que a gente vai? A gente<br />

só tem que ficar é aqui mesmo! Aí eu falei: - Eu já tô<br />

com oitenta anos, deixa eu morrer primeiro...<br />

Mas ali não tinha casa, não tinha nada. Era<br />

uma roça no tempo <strong>do</strong> Chico Leonar<strong>do</strong>. Aquilo ali<br />

era <strong>do</strong> velho Leonar<strong>do</strong>. E ali defronte, onde é aquelas<br />

casas, onde é a Vila Raimun<strong>do</strong> - que eu nem sei se<br />

15


tem o nome ainda, acho que não tem mais não - ali<br />

tinha um correiozinho de casa. Nesse correiozinho<br />

de casa morava o senhor Lisupi... Tinhas uns pra cá...<br />

O Senhor João, que era ferra<strong>do</strong>r de roda de carroças,<br />

era ferreiro. Acho que era ferreiro. Morava ali também.<br />

E nós... morava atrás da casa, tinha que passar<br />

pelo beco. E aquele córrego passava atrás da nossa<br />

casa, passava assim... fazia aquela volta e vinha pra<br />

cá. Não passava direto conforme passa (hoje) não.<br />

Era brejo e água pra to<strong>do</strong> o la<strong>do</strong>!<br />

Ali é muito bom. É um <strong>do</strong>s lugares que a<br />

gente tinha vontade de morar. Ou ali, ou então na<br />

Granjaria. Tem uns quarenta e cinco anos, mais ou<br />

menos, a gente olhava: suspendia uma casa. Cada<br />

dia que a gente olhava suspendia uma casa! E até hoje<br />

ainda tão suspenden<strong>do</strong> casa ali! A Vila Domingos<br />

Lopes era uma coisinha pequena. Era muito pequena<br />

mesmo! Agora progrediu... Quase que são duas cidades,<br />

ou três, porque lá na Taquara Preta também...<br />

Aquilo lá também... Mas lá eu só fui uma vez... Fui<br />

lá de passagem... É muito difícil porque... nem sair<br />

de casa, quase, eu saio. Na Vila... comerciante que tinha<br />

aqui era o Seu Pandeló, sogro da Ana. Ele tinha<br />

negócio de mantimento e também de pano. Ele tinha<br />

bastante coisinha... era ali defronte a loja Estrela, naquela<br />

casa alta que tem alí... mucadinho pra cá, onde<br />

16


agora estão fazen<strong>do</strong> banco... por ali afora... era ali a<br />

loja <strong>do</strong> Seu Pandeló. A casa de cá era da mulher de-<br />

le... Acho que ele era casa<strong>do</strong> “segunda vez”... eu não<br />

me lembro mais... o Seu Rafael trabalhava ali den-<br />

tro, nos fun<strong>do</strong>s, até quan<strong>do</strong> ele morreu... eu ainda<br />

tenho uma panela que eu comprei dele. Mas o Seu<br />

Rafael tem pouco tempo, né. Não tem muitos anos<br />

não... em frente à fábrica tinha um corre<strong>do</strong>r de casa<br />

muito vagabun<strong>do</strong>, que até o Senhor Zé Bonifácio<br />

tinha um botequinho lá... Tinha uma casa onde morou<br />

o Tanda e mais algum pra cá. Eu não me lembro<br />

mais também. A gente não lembra, né. É muita coisa!<br />

Muitos anos passam, a gente não lembra. Tem muita<br />

coisa que podia... mas não tem jeito mais... não lembro<br />

mesmo não... eu esqueço tu<strong>do</strong>! Aqui só tinha essas<br />

quatro casas... Joaquim Almeida tinha uma casa<br />

aqui. Nessa rua aqui onde morou também o Serafim<br />

Spín<strong>do</strong>la, depois morou a <strong>do</strong>na Maria Vargas... Acho<br />

que deixaram essa casa aqui pra pagar dívida lá no<br />

banco. As outras repartiram pros filhos. Diz que teve<br />

uma enchente aqui... Foi até lá em cima também,<br />

mas eu não lembro... Lá de cima <strong>do</strong> Rio Pomba... Eu<br />

não me lembro dessa não. Eu só lembro de enchente<br />

aqui depois que começou a aterrar essas coisas tu<strong>do</strong>!<br />

Esse Rio Meia Pataca aqui, esse enche à toa! Mas ele<br />

também era um rio que tinha muita volta... Fazia vol-<br />

17


ta assim... Agora não... Eles cortaram, ele ficou certo,<br />

vai direto até lá adiante, mas enche muito! Esse Rio<br />

Meia Pataca aqui foi muito aproveita<strong>do</strong>! A criançada<br />

não saía de dentro dele! A criançada tomava banho<br />

nele diariamente. Era uma beleza! Agora, depois que<br />

essa fábrica de papel sujou acabou o rio. Acabou tu<strong>do</strong>!<br />

Tem hora que a gente não aguenta a catinga que<br />

solta. A água está toda suja, né. Mas aqui era muito<br />

bom! Os meninos brincavam, muita gente lavava<br />

roupa nessa beirada aí... Agora não se pode mais<br />

não... De uns tempos pra cá é que deu enchente. A<br />

Vila não tinha nada: da fábrica pra cá só tinha a fábrica.<br />

Depois começou aquelas casinhas que nós moramos<br />

nela... Fizeram aquelas casas ali. Eu até fui uma<br />

das primeiras que morou lá. Cá não tinha quase nada.<br />

Não tinha casa, não tinha nada! Aquele morro ali,<br />

<strong>do</strong> Haideé Farja<strong>do</strong> era mato. Aquilo ali era mato só!<br />

Acho que tem uns quarenta e poucos anos que começou<br />

aquilo ali. E ficou <strong>do</strong> jeito que tá! Tem, mais ou<br />

menos, uns quarenta e cinco anos...<br />

Tem muita coisa que eu não lembro... Pra falar<br />

a verdade foi muito difícil! Além <strong>do</strong> trabalho, eu passeava,<br />

brincava muito, saía no carnaval... Brincava<br />

carnaval era no “Modesta Violeta”, no Seu Emílio.<br />

Cê lembra dele? Não sei se o Seu Emílio ainda é vivo.<br />

Foi no tempo <strong>do</strong> Seu Emílio, mas isso há quantos<br />

18


anos! Eu era nova ainda, né. Brincava nos bailes, saí<br />

no carro, participava nos dias de carnaval. Eu brin-<br />

quei muito carnaval. Mamãe não deixava a gente ir<br />

sozinha não. Mamãe levava, né. Mas foi há muitos<br />

anos... Foi na época que eu entrei pra fábrica. No<br />

tempo das crianças eu brinquei muito. Fazia muita<br />

farra mesmo! Tive muita regalia, que meus pais da-<br />

vam assim, com eles... Papai não, mamãe. Papai não<br />

brincava muito não, com mamãe eu tive muita rega-<br />

lia. Jogava bola, batia bola, tu<strong>do</strong> eu brincava! Já es-<br />

tava moça quan<strong>do</strong> eles arrumaram esse negócio de<br />

basquetebol. Fizeram um campinho ali onde é essas<br />

casas novas <strong>do</strong>s Peixoto. Pra cá tinha um campo, fi-<br />

zeram na rua mesmo. No meu tempo de criança eu<br />

aproveitei muito!<br />

Eu tenho o primeiro ano só, primeiro ano de<br />

Grupo... Coronel Vieira. Foi só o primeiro ano. Não<br />

tinha condição, não tinha tempo, não tinha jeito de<br />

ir. Não tinha nada: aí fiz só o primeiro ano. Escrevia<br />

muito mal, aprendi as quatro contas... Agora eu nem<br />

sei mais fazer conta! Trabalhava de dia pra estudar<br />

de noite... A gente achava muito... Além de trabalhar<br />

lá fora eu ainda fazia muito serviço aqui. Ajudava, eu<br />

fazia muito o serviço de casa, porque a gente trocava<br />

de turno. A turma que ficava em casa ficava traba-<br />

lhan<strong>do</strong>. Não dava para mais nada! Mas eu acho que<br />

19


aprendi melhor <strong>do</strong> que agora. Eu vejo esses meninos<br />

aprenden<strong>do</strong> quarto ano... Eu aprendi melhor! E o<br />

que sei hoje é isso... Meus filhos tiraram o quarto ano.<br />

A Rita estu<strong>do</strong>u <strong>do</strong>is anos e parou. Depois de mais velha<br />

ela continuou estudan<strong>do</strong>. Fez até a faculdade. O<br />

Zezé não. O Zezé estu<strong>do</strong>u até a segunda série. Não<br />

estu<strong>do</strong>u mais não.<br />

Eu entrei pra fábrica ainda não tinha 14 anos.<br />

Entrei pra fábrica e ali fiquei até aposentar. Trabalhei<br />

como tecelã até sair de lá. A gente trabalhava muito,<br />

então a gente estragava muito pano! Quan<strong>do</strong> a gente<br />

pensava que, no fim <strong>do</strong> mês, ia receber dinheiro vinha<br />

os panos tu<strong>do</strong> nas costas. Dinheiro, além de ser<br />

pouco, nós pagava... eles cobravam os panos to<strong>do</strong>s<br />

que a gente errava. Pagava e ficava com ele. Então<br />

nós não trazia dinheiro quase nenhum pra casa. Aí ficava<br />

aquela panaiada tu<strong>do</strong> lá em casa! Trabalhava pelo<br />

que fazia: se fizesse muito, ganhava muito, se fizesse<br />

pouco, ganhava pouco. Era produção... Mas toda<br />

vida trabalhei muito e puxei muito serviço sempre!<br />

Eu trabalhava mais e ganhava mais... mucadinho. Ah,<br />

aprender, não tive (dificuldade) não. Depois que eu<br />

aprendi, até fazer o serviço daqueles contramestre<br />

eu fazia! Também eu trabalhava só com o tear liso né,<br />

porque não deu pra aprender também o xadrez. Não<br />

aprendi de jeito nenhum! Trabalhei uns tempos com<br />

20


xadrez, maquineta, mas era ruim. Era muito difícil!<br />

No meu tempo às vezes tocava <strong>do</strong>is, três, quatro tea-<br />

res! Acabava uma braçadeira punha a outra. Não da-<br />

va tempo pra gente fazer nada. Só andan<strong>do</strong> pra lá e<br />

pra cá, mudan<strong>do</strong> braçadeira, troçan<strong>do</strong>... às vezes, re-<br />

bentava da lã, ficava vago de cá. Naquele tempo era<br />

muito ruim... às vezes o encarrega<strong>do</strong> não tinha tempo<br />

de olhar, ficar perto da gente... Atrapalhava a engre-<br />

nagem, quebrava a peça. Aí ficava para<strong>do</strong>. Eu gosta-<br />

va muito de trabalhar quan<strong>do</strong> a tecelagem estava boa<br />

mesmo, dan<strong>do</strong> produção, eu gostava... Mas quan<strong>do</strong><br />

parava um mucadinho, eu achava ruim... Se tivesse<br />

boa produção ganhava bem mais. Às vezes, o tear da<br />

maquineta ficava para<strong>do</strong> uma porção de dias... Eles<br />

pelejan<strong>do</strong> com ela. Ela fican<strong>do</strong> parada a gente não ta-<br />

va ganhan<strong>do</strong>. Eu trabalhava já de turno troca<strong>do</strong>, por-<br />

que na ocasião que nós entramos era assim. Quan<strong>do</strong><br />

tinha muita coisa, muito pedi<strong>do</strong>, nós trabalhava qua-<br />

torze horas. Trabalhava das seis às dez da manhã. Às<br />

dez saía pra almoçar e voltava às onze. E saía as cin-<br />

co pra jantar e voltava e saía as dez da noite... Isso,<br />

quase a semana inteira. Só ficava <strong>do</strong>is dias em casa...<br />

Mais pro fim <strong>do</strong> ano fracassava o serviço, aí nós tra-<br />

balhava só quatro horas por dia. Uma semana inteira<br />

quatro ou seis horas. Ia assim uns <strong>do</strong>is ou três me-<br />

ses, depois consertava outra vez. Depois começou<br />

21


as duas turmas... Atrapalhou muito porque até que<br />

aprendia uma, a outra tava ten<strong>do</strong> prejuízo. Aí, não<br />

fazia quase nada porque tava sempre arruman<strong>do</strong> o<br />

tear, arruman<strong>do</strong> as coisas pra outra turma entrar. Foi<br />

muito ruim trabalhar ali naquela ocasião.<br />

O patrão era mesmo o Senhor Manoel Peixoto.<br />

Nem o <strong>do</strong>utor Francisco trabalhava lá ainda. Depois<br />

que o <strong>do</strong>utor Francisco formou é que voltou pra trabalhar<br />

lá. Era o <strong>do</strong>utor Manoel, Senhor Altamiro, o<br />

João Peixoto, que de vez em quan<strong>do</strong> estava lá também...<br />

E os encarrega<strong>do</strong>s era o Serafim Spín<strong>do</strong>la,<br />

Senhor Werneck, que já morreu também há muitos<br />

anos, né. O Serafim era encarrega<strong>do</strong> de uma parte<br />

da fábrica, e o Senhor Werneck era da tecelagem,<br />

onde eu trabalhava. O Onofre foi bem depois. O<br />

Onofre também da tecelagem. Ele era muito bom<br />

pra mim. Não tenho o que queixar. Eu não tenho<br />

o que queixar de nenhum deles, graças a Deus! Eu<br />

gostava muito deles. Eu gosto até hoje porque eles<br />

to<strong>do</strong>s me tratavam muito bem, tanto os encarrega<strong>do</strong>s,<br />

como os que trabalhavam pra consertar o tear...<br />

Eu acho, também, que eu procurava fazer por<br />

onde, né. Muitas coisas eu... eles até me chamavam<br />

de “puxa-saco”. Eu não importava não. Até o <strong>do</strong>utor<br />

Francisco, quan<strong>do</strong> passava lá na fábrica, ele chegava<br />

perto de mim, cumprimentava e tu<strong>do</strong>. Eu gostava<br />

22


dele. Mas muita gente reclamava dele, e reclama-<br />

va <strong>do</strong> Senhor Manoel, que toda vida foi muito bom,<br />

muito atencioso. Quan<strong>do</strong> eu precisava de conversar<br />

qualquer coisa com ele, eu ia lá no escritório. Ele era<br />

muito bom pra gente. Eu gostava tanto de trabalhar<br />

que, quan<strong>do</strong> eu aposentei, eu queria continuar tra-<br />

balhan<strong>do</strong>, sabe. O Zezé falou até que ia fazer um<br />

escândalo, lá na porta da fábrica, se eu voltasse pra<br />

trabalhar. Aí eu fiquei quieta em casa. Também foi<br />

bom. Já tem vinte e <strong>do</strong>is anos que eu estou aposen-<br />

tada. Também não incomodava o contramestre não.<br />

Por exemplo: mudar martelo, mudar correia, aquela<br />

correinha... Tu<strong>do</strong> isso eu fazia. Eu sentia que o con-<br />

tramestre tava aperta<strong>do</strong>, eu via que eu podia fazer,<br />

eu fazia... Muitos ficava esperan<strong>do</strong>... Às vezes com<br />

o tear para<strong>do</strong> toda a vida... Depois, parece também<br />

que eles gostavam muito de mim... Quarenta e <strong>do</strong>is<br />

anos é uma vida! Mas eu tive uns anos fora de lá,<br />

porque eu a<strong>do</strong>eci... Eu acho que foi nervoso e tra-<br />

balhar demais. A<strong>do</strong>eci e fui pro sanatório. Tive no<br />

sanatório um ano. Depois que eu vim de lá, sarei e<br />

voltei... Muita gente morria mesmo, né.<br />

Eu nunca fui atrás de médico. Meus filhos tu-<br />

<strong>do</strong> nasceu com parteira... Quatro... Morreram <strong>do</strong>is:<br />

a mais velha com seis meses. E morreu o mais novo<br />

com três meses. Ficou abaixo da mais velha, ficou a<br />

23


caçula que é a Rita. Nunca fiz tratamento nenhum.<br />

Nunca fiz. Sempre foi tu<strong>do</strong> em casa. O médico que eu<br />

sempre gostei muito dele, e que também eu precisei<br />

mais dele, foi o <strong>do</strong>utor Otônio. Já o <strong>do</strong>utor Edson...<br />

Uma vez, quan<strong>do</strong> eu a<strong>do</strong>eci, fui embora para o sana-<br />

tório... Ele negou até a tirar a chapa, sabe. Aí eu fui<br />

até o escritório - a Liza, minha irmã, veio ao escritó-<br />

rio, falou com o Senhor Manoel e ele falou, então, que<br />

fosse onde fosse! Se precisasse de sair, que podia sair,<br />

fazer os exames to<strong>do</strong>s, e que não ficasse sozinha também!<br />

Aí fomos a Leopoldina e fizemos to<strong>do</strong>s os exames.<br />

Arrumou tu<strong>do</strong> para a gente ir. Foi tu<strong>do</strong> pago por<br />

ele. Nesse tempo não tinha Instituto. Não tinha nada.<br />

Eles é que pagavam o sanatório, porque no princípio,<br />

quan<strong>do</strong> eu entrei, não tinha garantia, não tinha nada.<br />

Se a<strong>do</strong>ecesse morria à míngua... Se não tivesse quem<br />

tratasse... Depois que veio esse negócio de Instituto, e<br />

tu<strong>do</strong>, foi que começou a pagar. Depois que começou<br />

a vir esse negócio de Instituto - que a gente precisava<br />

dele - é que eu comecei a sentir. Foi o Getúlio Vargas<br />

que arrumou tu<strong>do</strong>. Férias... Essas coisas todas foi ele<br />

que fez. Ele fez tu<strong>do</strong> de bom pra gente... Mas sei lá...<br />

cada dia que passava parece que ficava pior a situação<br />

na fábrica, né. O que havia era muito pequeno. A<br />

fábrica, pequenininha mesmo... quan<strong>do</strong> eu saí já estava<br />

bem maior. Teve uma ocasião que ganhamos um<br />

24


lucro. Mas o lucro foi tanto que não deu pra nada! Foi<br />

pouco... Acho que foi só um ano que deram...<br />

Em certos pontos eu acho melhor é agora, né.<br />

Eu não ia ao cinema... quase que não ia ao cinema<br />

nenhum. Não ia a cinema, passear no jardim não pas-<br />

seava... Só ia à Igreja. Eu fui ser “Filha de Maria” e<br />

deixei tu<strong>do</strong>. Eu tava com dezessete anos e fui ser as-<br />

pirante de Filha de Maria. Depois passei a Filha de<br />

Maria, no dia 8 de dezembro, ia fazer dezoito anos...<br />

No primeiro <strong>do</strong>mingo <strong>do</strong> mês ia prá Santa Rita de<br />

uniforme branco, de faixa azul, véu e tu<strong>do</strong>. Tu<strong>do</strong> uni-<br />

formiza<strong>do</strong>. Nós íamos também aos retiros: só rezan-<br />

<strong>do</strong> e ouvin<strong>do</strong> prática <strong>do</strong> padre. Nesse tempo, retiro<br />

era na Semana Santa, depois passou pro carnaval.<br />

Durante os últimos dias da Semana Santa nós fica-<br />

va presa lá dentro... Ficava ali... Era só rezar. A gen-<br />

te ajudava os outros porque queria ajudar, mas não<br />

era obriga<strong>do</strong> não... Todas as roupas de manga com-<br />

prida... Era assim umas roupas mais decentes, mas<br />

não era igual à Assembleia (de Deus) não. E também<br />

andar com namora<strong>do</strong> pra baixo e pra cima, essas<br />

coisas tu<strong>do</strong> eles proibia. Moças, só, não tinha nenhu-<br />

ma casada... Cin<strong>do</strong>nga... Cora Duarte... Carmelita<br />

Guimarães... Padre Cota, Padre Zé Avelino de Castro<br />

que eu acho que era sobrinho <strong>do</strong> Padre Cota. Até eu<br />

casar ainda tinha. Depois que eu casei é que acabou<br />

25


com isso. Mas era muito bom também. Eu gostei<br />

muito! Tinha convivência...<br />

O pai <strong>do</strong> meu mari<strong>do</strong> era irmão da mãe <strong>do</strong><br />

Manoel Peixoto. Essa gente é primo dele. Eles eram<br />

primos: primo primeiro. Meu mari<strong>do</strong> era filho da-<br />

quele Zeca Julião. Vocês não lembram dele não, tem<br />

muitos anos que ele morreu. Eu sei que é meio pa-<br />

rente <strong>do</strong>s Peixoto, sabe. E porque o velho era casa<strong>do</strong><br />

duas vezes. Ele tinha... acho que <strong>do</strong>is ou três filhos<br />

da primeira mulher, não sei... Depois é que ele casou<br />

com a irmã <strong>do</strong> pai <strong>do</strong> meu mari<strong>do</strong>. E aí que deu essa<br />

porção de filhos: Zé Peixoto, Eponina Peixoto... e se<br />

eu não me engano, essa gente tu<strong>do</strong> era <strong>do</strong> segun<strong>do</strong><br />

matrimônio. Era primo <strong>do</strong> meu mari<strong>do</strong>. Eu não sou<br />

parente, ele é que era...<br />

Meu mari<strong>do</strong> trabalhava aqui, depois daqui<br />

levaram ele empresta<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> começou a<br />

Manufatora. Levaram empresta<strong>do</strong> pra lá e não deixou<br />

sair mais. Ficou lá até sair: também aposentou.<br />

Eu não sei se ele era maçaroqueiro... eu não sei se era<br />

cargueiro. Falar a verdade: nem sei não. Eu acho que<br />

ele trabalhava na carga... Eles tiraram algumas pessoas<br />

pra trabalhar na Manufatora, que eles fizeram<br />

aqui, ali atrás da estação. No comecinho, a fábrica<br />

ficava ali atrás da estação. E naquele correio de casa<br />

que tem ali. Eles fizeram um cômo<strong>do</strong> alí. Depois<br />

26


foram lá para baixo. Fizeram um prédio lá em baixo<br />

e passaram pra lá. Aí tiraram meu, e mais alguns, de<br />

cá. Daqui passaram pra lá, pra ensinar. E ensinan<strong>do</strong><br />

ficou... ensinan<strong>do</strong> até sair... Não voltou mais...<br />

Toda vida fui <strong>do</strong>s Peixoto! Toda vida fui! Desde<br />

que começou a primeira eleição. Na primeira eleição<br />

votamos com eles. A gente votava porque gostava.<br />

Eu, por exemplo, gostava. Tu<strong>do</strong> o que eles fazia, para<br />

mim era bom. Eu gostava muito deles! Mas muitos<br />

falam, até hoje! Falam que era cabresto! Que era isso,<br />

que era aquilo. Mas não era cabresto nada! Não era<br />

não. Eu considero assim. Agora, outra gente eu não<br />

sei... porque tem muita gente que não é <strong>do</strong> mesmo<br />

la<strong>do</strong> da gente, né. Nesta época tinha tantas colegas...<br />

eu gostava delas todas. Nunca tive raiva de nenhu-<br />

ma. Nunca briguei com ninguém Helena <strong>do</strong> Tito...<br />

Marilene... já morreram muitas... muitas mesmo! Já<br />

morreu quase tu<strong>do</strong>... a Eva Comello morreu há pou-<br />

co tempo. Morreu bem velha! Morreu em 82... 81...<br />

não sei... eu tirei retrato com ela... eu fui naquele fil-<br />

me, o primeiro filme <strong>do</strong> Humberto Mauro... eu lem-<br />

bro dele, mas não lembro dele mesmo não. Lembro<br />

só... falava dele... até naquele filme dele eu fui, sabe.<br />

Um filme que passou aqui primeiro. Eu era menina...<br />

passou a Eva Comello, passou o pai dela o Sr. Pedro<br />

Comello e, muito mais...<br />

27


Tem mais ou menos cinquenta anos... não, tem<br />

menos... que o Padre Antônio veio pra cá. Ele mo-<br />

rava em Santana, né. Ele morava em Santana e veio<br />

pr’aqui. A Rita, minha filha, era pequena. A Rita foi<br />

batizar lá em cima porque aqui estava em movimen-<br />

to, tava construin<strong>do</strong>, foi batizada lá em cima... essa<br />

igreja foi desmontada duas vezes. Era uma capelinha<br />

mesmo, quase que não tinha ninguém. Não tinha pa-<br />

dre, não tinha nada. Era uma coisinha pequenininha.<br />

E aí, ia lá em cima, na Igreja Santa Rita. Tinha a ca-<br />

pelinha pequena, depois aumentaram, agora de uns<br />

tempos pra cá fizeram aquela outra grande. Não fui<br />

lá em cima mais porque o padre Antônio começou foi<br />

missa aqui, quan<strong>do</strong> a igreja era pequena. Ia lá em ci-<br />

ma quan<strong>do</strong> tinha festa, uma coisa qualquer, mas para<br />

assistir missa não. Essa daqui, depois que começou<br />

eu não saí mais não... vou à missa só sába<strong>do</strong> de noi-<br />

te... eu gosto de ir de noite... seis horas estava ermo,<br />

antes deles mudarem o horário. Eu acostumei ir sá-<br />

ba<strong>do</strong>, porque <strong>do</strong>mingo a gente... Sei lá.<br />

Tinha passeata, tinha! Teve “pic-nic” <strong>do</strong> 1º de<br />

maio. Sempre tinha. Teve “pic-nic” no horto, acho<br />

que duas vezes e acho que lá em Dona Euzébia tam-<br />

bém teve dias. Tu<strong>do</strong> isso eu tomei parte. Passeata<br />

foi dia sete de setembro, me parece. Eu não lembro<br />

mais...<br />

28


Tinha muito movimento... tinha bastante... ti-<br />

nha dia de semana - acho que terça e sexta-feira que<br />

ia e voltava duas vezes. Saía de Caratinga, acho que<br />

às nove horas, chegava ao meio dia e ia pra Miraí.<br />

Voltava de tarde, cinco e meia, seis horas ele volta-<br />

va, sempre cheio com passageiros. Aqui era mui-<br />

to movimento de trem. Tinha trem de carga, de le-<br />

nha, tinha essas coisas todas daqui pra Miraí, daqui<br />

pra Recreio... só sei que era muita máquina! E tinha<br />

Expresso daqui também. O Expresso ia e voltava<br />

cheio pro Rio... o Expresso é que acabou mais de-<br />

pressa... agora tem estrada de ônibus... é mais perto...<br />

com uma, duas horas tamos lá... era bem movimen-<br />

tada... aqui onde mora Maria José, essa casa grande,<br />

ali era Estação Velha, mas eu não alcancei ela não. Ali<br />

não é <strong>do</strong> meu tempo não. Essa ali era velha... logo<br />

eles fizeram aquela dali e passaram pra lá... eu só<br />

me lembro daquela. E tinha um barracão compri<strong>do</strong>...<br />

esse barracão era caso sério! Pra gente vir da fábrica<br />

de noite era uma escuridão! Nossa Senhora! A gente<br />

vinha corren<strong>do</strong>... com me<strong>do</strong>, porque aqui não tinha<br />

casa, não tinha nada. Era só mato. O barracão era da<br />

estação também: guardava máquinas... no barracão<br />

faziam limpeza das máquinas...<br />

Eu acho que quan<strong>do</strong> fizeram a Ro<strong>do</strong>viária, lá<br />

em baixo, o Sr. Manoel já tinha morri<strong>do</strong>... eu vou fa-<br />

29


zer oitenta anos agora em janeiro. Muitos anos, né.<br />

Tem hora que eu cismo assim que vou morrer... eu<br />

não estou muito longe de morrer não. Mas eu fico<br />

pensan<strong>do</strong> assim... meu Deus <strong>do</strong> Céu, eu não quero fi-<br />

car morren<strong>do</strong> toda vida na cama... aí não dá... minha<br />

mãe morreu com oitenta e cinco... eu não sei... não sei<br />

nada não... eu esqueço tu<strong>do</strong>!<br />

Entrevistada em 30/8/1990 por Gláucia Siqueira e José Luiz Batista<br />

30


A M É L I A L A N D <strong>Ó</strong> E S<br />

D I R E TO R A D E E S C O L A<br />

7 5 a n o s<br />

Eu posso contar muito pouco porque<br />

eu saí de lá muito pequena. Eu saí de lá com quatro<br />

anos. Só me lembro <strong>do</strong> jardim de Cataguases... Eu me<br />

lembro que eu brincava muito no jardim. Minha irmã<br />

Alcina, tinha uns quatorze anos, é que me levava... E<br />

me lembro <strong>do</strong> cinema. Papai tinha um camarote e eu,<br />

pequenininha, tinha uma cadeirinha de armar, que<br />

ele botava assim na frente... A nossa casa ia da Rua<br />

Coronel Vieira até a Avenida Astolfo Dutra. Aquele<br />

pedaço to<strong>do</strong>, uma casa enorme! Nós tínhamos cava-<br />

los, tínhamos um carro com <strong>do</strong>is animais... O carro<br />

que ele gostava de passear com as filhas, não é. Era<br />

31


uma casa muito grande... tinha então uma tipografia,<br />

era uma continuação: tinha a nossa casa, tinha o ate-<br />

lier fotográfico, depois a tipografia.<br />

Cataguases era muito pequeno, não é meu fi-<br />

lho? Eu só me lembro de Cataguases... da nossa ca-<br />

sa... A “Força e Luz”... Depois tinha um hotel assim<br />

na esquina... depois descia a Rua da Estação... de-<br />

pois tinha, lá no fim perto da estação, o Hotel Villas.<br />

Ainda existe? Tinha muito viajante, muito movimen-<br />

to mesmo e papai era o festeiro <strong>do</strong> lugar. To<strong>do</strong> mun-<br />

<strong>do</strong> gostava dele. To<strong>do</strong> sába<strong>do</strong> havia uma reunião lá<br />

em casa, porque to<strong>do</strong> sába<strong>do</strong> ele ia à estação buscar o<br />

barrilzinho de chope pros amigos. Ele era jovem nes-<br />

se tempo, né. Os amigos dele era só gente moça, mui-<br />

to alegre. Bailes no clube, ele marcava quadrilha. Era<br />

um homem muito alegre. Mamãe já era mais discreta.<br />

Também tinha uma diferença grande, quase dez anos,<br />

entre eles, né. Ele tinha um relacionamento muito<br />

grande. O Mares Guia, Gaston Bajor, a família <strong>do</strong><br />

Luiz <strong>do</strong> Carmo. Ele gostava muito de festa... Papai<br />

conhecia aqueles Peixoto, Villas, aquela gente toda.<br />

Ele estava em tu<strong>do</strong> quanto é reunião. Tu<strong>do</strong> quanto<br />

era... qualquer coisa que houvesse em Cataguases<br />

papai estava presente.<br />

Ele era estrangeiro, quer dizer, ele não tomava<br />

parti<strong>do</strong>. Ele explicava sempre:<br />

32


- Eu não tenho parti<strong>do</strong> político. Eu sou estrangeiro.<br />

Eu não sou nem A nem B. Agora, eu tenho o meu<br />

jornal, eu imprimo o que me trazem aqui.<br />

Ele não tomava parti<strong>do</strong>, mas ele tinha a tipo-<br />

grafia. Vinha o jornal, ele editava. Ele vivia disso. O<br />

jornal vinha e ele imprimia. Aquilo era um meio de<br />

vida. Ele só imprimia o jornal, isso eu quero que fi-<br />

que bem claro!<br />

O jornal era da oposição - Jornal da Mata - pri-<br />

meiro foi o jornal, depois veio a Revista da Mata. Ele,<br />

como estrangeiro, ele não se metia, ele não votava<br />

nem nada. Ele era suíço <strong>do</strong> cantão alemão. Papai era<br />

suíço da cidade de Zurique e estudava em Hamburgo.<br />

Era de uma família que tinha meios para que o filho<br />

estudasse lá. Ele era um homem de uma cultura mui-<br />

to grande. Ele falava o alemão, falava o francês, o<br />

italiano e alguma coisa <strong>do</strong> inglês. Meu pai - Alberto<br />

Landóes - tinha uma cultura muito grande. O senhor<br />

sabe que a Suíça é um pedacinho de terra... Ele tinha<br />

uma cultura! Ele conhecia música, ele cantava, ele to-<br />

cava instrumento... Uma cultura enorme! Papai estu-<br />

dava física e química comigo. Em matemática era um<br />

colosso! Era um homem de uma cultura muito rica.<br />

Ele não chegou a se formar em engenharia...<br />

Ele veio aqui para o Brasil, viu a mamãe e ca-<br />

sou-se. Disseram a ele:<br />

33


- Olha, São João Dei Rei tem moças muito bonitas!<br />

Ele chegou lá e na Igreja de São Francisco de<br />

Assis ele conheceu mamãe, se casou e ficou por aqui.<br />

Quan<strong>do</strong> ele quis voltar à Europa arrebentou a guerra<br />

- foi quan<strong>do</strong> eu nasci - e aí ele não foi. Quan<strong>do</strong> termi-<br />

nou a guerra - graças a Deus nós tínhamos a parte<br />

monetária sempre direitinha - quan<strong>do</strong> acabou a guer-<br />

ra, em 1918, ele disse:<br />

- Eu vou ver a minha mãe.<br />

Aí a mãe dele morreu. Ele aí perdeu o interes-<br />

se... Ele fez de memória o retrato dela, como ele dei-<br />

xou a mãezinha dele... Eu tenho o retrato da minha<br />

avó. Ele fez o retrato dela, a lembrança dele.<br />

Meu pai era um artista. Ele desenhava e pin-<br />

tava que era uma beleza! Ele ganhou um prêmio na<br />

Europa de um desenho de mãos. O senhor sabe, dar<br />

expressão a mãos é uma coisa difícil. Ganhou o prê-<br />

mio! Isso foi em 1890 e pouco, lá na Europa. A expres-<br />

são da figura que ele pintou... ele ganhou prêmio pela<br />

expressão das mãos... Expressão no olhar, no sorriso,<br />

é fácil, mas nas mãos... Modéstia a parte, papai era<br />

um colosso! Ele fazia clichê, fazia fotogravura, zincogravuras,<br />

fotografia. Tu<strong>do</strong> isso é arte. Tenho aqui tu<strong>do</strong><br />

isso que ele fazia, era completo nisso, certo?<br />

Ele fazia retratos. Ele veio pra cá com o prêmio<br />

que ele ganhou de retrato. Ele escolheu o Brasil como<br />

34


prêmio, para vir pra cá. Ele tinha uma irmã, a mais<br />

velha, ela morava no Rio, no Leme, ele ficou com ela.<br />

Ele gostava de fazer retratos né, e conversan<strong>do</strong> assim<br />

no meio de amigos disseram:<br />

- Olha, moças muito bonitas o senhor encontra em<br />

São João Dei Rei.<br />

Então, na Igreja de São Francisco de Assis,<br />

num <strong>do</strong>mingo de missa, ele conheceu minha mãe -<br />

Afonsinha Pereira Landóes - que tinha 15 anos, e ele<br />

24 (anos). Ele nem sabia falar português nem ela sa-<br />

bia falar alemão. Não sei como eles se entenderam, né.<br />

Então se casaram em São João Dei Rei. Ele ca-<br />

sou-se com mamãe em 1894.<br />

Passou a trabalhar aqui em Minas. Viajou pelas<br />

cidades todas. Ele se casou em Minas e continuou em<br />

Minas. Sempre em Minas. A maior parte <strong>do</strong> tempo<br />

ele ficou em Cataguases. Uns trinta anos. Ele vinha<br />

ao Rio trabalhar com a “Bastos Dias”, uma firma aqui<br />

muito grande. Ele fazia retratos pra “Bastos Dias”.<br />

No Rio de Janeiro, a “Bastos Dias” sempre tinha re-<br />

tratos daqueles políticos to<strong>do</strong>s da época. A “Bastos<br />

Dias” recebia a encomenda e passava pro papai. Ele<br />

então fazia o retrato <strong>do</strong> Washington Luiz, Epitácio<br />

Pessoa, Artur Bernardes, toda essa gente... com um<br />

negócio de velu<strong>do</strong> assim, na vitrine da “Bastos Dias”,<br />

na Rua Sete de Setembro... Retratos de fulano, ele fa-<br />

35


zia, eles punham lá. Ele recebia encomenda, ele não<br />

sabia pra quem... Retratos de família... Retratos to<strong>do</strong>s<br />

que ele fez... Quem gosta de ver isso é meu mari<strong>do</strong>.<br />

falamos...<br />

Ele não conheceu o meu pai, mas pelo que nós<br />

Papai teve sete filhos. Teve um menino... mor-<br />

reu com quatro meses. Ele quase ficou enlouque-<br />

ci<strong>do</strong> com a morte desse menino. Depois veio o ou-<br />

tro. Esse foi um grande construtor aqui no Rio de<br />

Janeiro. Aposentou-se, mas é conhecida a construtora<br />

Landóes aqui. Como meu irmão - era o filho único<br />

- ele tinha verdadeira paixão. Ele não quis estudar en-<br />

genharia como papai queria, mas acabou sen<strong>do</strong> cons-<br />

trutor. Ele não era engenheiro-construtor, mas era <strong>do</strong>-<br />

no da empresa: Construtora Landóes.<br />

Muito conhecida aqui no Rio de Janeiro pelos<br />

bons trabalhos... Ele teve quatro filhas em seguida,<br />

uma atrás da outra, com uma diferença de um ano e<br />

meio de cada uma: a Albertina, a Augusta, Adalzira e<br />

Alcina. Papai as chamava “meu soneto”. Moças mui-<br />

to bonitas, fizeram até muito sucesso em Cataguases<br />

nas festas e tu<strong>do</strong>, né. Eu não me lembro dessas coisas.<br />

Eu lembro disso porque ouvia mamãe comentar, mi-<br />

nhas irmãs...<br />

As minhas irmãs, duas estudaram na Escola<br />

Normal, as outras duas estudaram no Grambery. A<br />

36


mais velha e a última estudaram lá, e as duas <strong>do</strong><br />

meio estudaram no Grambery. Todas professoras. Ele<br />

nos educou numa rigidez extraordinária, não é.<br />

Por isso que todas nós - to<strong>do</strong>s nós, porque só<br />

temos um rapaz, um homem né - todas nós vencemos<br />

na vida. Ele fez questão que nós estudássemos.<br />

Pai amantíssimo, carinhoso, mas enérgico. Ele era<br />

genioso. Nos deu uma educação rígida. Aquele rigor,<br />

aquela disciplina! Papai tinha hora pra tu<strong>do</strong>! Eu já<br />

mocinha feita, noiva, dez horas tinha que ir <strong>do</strong>rmir.<br />

Ele dizia:<br />

- Vai <strong>do</strong>rmir. Às dez horas é o sono da beleza!<br />

Ele tinha muito carinho comigo porque eu fui a<br />

caçula, fui a última. Então, minhas irmãs reclamavam:<br />

- O xodó que o senhor tem pela Amelinha... Tu<strong>do</strong> pra<br />

Amelinha!<br />

- É com esta que eu vou viver menos, é com esta que<br />

vou viver menos!<br />

Elas estavam “trintonas” quan<strong>do</strong> ele morreu.<br />

Eu estava meninota de 16, 17 anos, quer dizer:<br />

“é com esta que vou viver menos”... Ele falava bem<br />

o português, mas com um certo sotaque, sabe. Era<br />

um homem muito inteligente. Ele tinha tiradas... Em<br />

1935, 21 de maio, ele faleceu...<br />

As crianças da vizinhança iam todas lá pra<br />

casa. Papai fazia circo, armava fogãozinho para eu<br />

37


incar, balanço... tu<strong>do</strong> isso no quintal... quintal<br />

enorme!<br />

Agora, ele não me deixava ir pra casa <strong>do</strong> vizi-<br />

nho. Eu não ia, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> era lá em casa. Eu ainda<br />

eduquei minha filha assim. Minha filha ainda teve a<br />

educação a “lá Landóes”.<br />

Depois, nós viemos pro Rio por causa da política.<br />

Ele tinha um jornal que ele editava, o jornal da<br />

oposição. Ele tinha a tipografia, o que viesse ele imprimia.<br />

De uma noite pro dia eles quiseram empastelar<br />

a tipografia dele... Ele não se metia em política,<br />

porque ele era estrangeiro. Ele conhecia o seu lugar...<br />

Ele fez to<strong>do</strong> aquele trabalho da Zona da Mata<br />

toda. Veja aqui por esta revista.<br />

Tu<strong>do</strong> isso é trabalho dele, organizan<strong>do</strong>... E a<br />

beleza desse trabalho dele é que a família dele nunca<br />

entrou! Ele nunca colocou a família aqui. Você viu o<br />

jornal? Meu irmão há tempo me falou, que foi mais<br />

ou menos 1915... Eu era novinha, eu tinha nasci<strong>do</strong><br />

naquela época. Nós temos a Revista da Mata de 17,<br />

18, 19. Tu<strong>do</strong> isso aqui da revista era feito por ele. A revista<br />

foi fundada por Eurico Ribeiro. Aqui na própria<br />

revista - eu estive ven<strong>do</strong> ontem, eu já vi isso várias<br />

vezes - tinha vários colabora<strong>do</strong>res aqui. Olha aqui,<br />

tenho aqui uma porção de colabora<strong>do</strong>res. Hermano<br />

Mares Guia - que até gostou da minha irmã mais<br />

38


velha - era um <strong>do</strong>s poetas. Olha aqui o homem que<br />

deu nome à rua onde nós morávamos: Rua Coronel<br />

Vieira, funda<strong>do</strong>r <strong>do</strong> município de Cataguases, né.<br />

Olha aqui o Venceslau Brás. Esse retrato ele fez foi<br />

quan<strong>do</strong> eu nasci. Aqui o Astolfo Dutra, esse ficou<br />

contra nós porque papai editava o jornal. Eles foram<br />

contra, quiseram até empastelar nossa tipografia. O<br />

Astolfo Dutra... o Pedrito era namorico com minha irmã,<br />

o Homero Dutra também, com outra irmã. Quer<br />

dizer, nos dávamos bem. Mas por causa <strong>do</strong> bendito<br />

jornal houve essa dissidência, houve essa separação...<br />

Ele sofreu vários atenta<strong>do</strong>s naquela época. Um,<br />

que eu ouvia falar, jogaram ele na linha <strong>do</strong> trem. A<br />

sorte grande que o trem passava aqui e ele caiu ali,<br />

naquele bequinho, naquele vãozinho. Não teve nada!<br />

Mamãe vivia em sobressalto. Papai saía, ela não sabia<br />

se ele voltava. Basta dizer que o papai era um homem<br />

pacífico - era um homem muito enérgico e tu<strong>do</strong>,<br />

mas pacífico - ele passou a andar arma<strong>do</strong>. A mamãe<br />

não tinha sossego.<br />

Papai saía, viajava muito... Leopoldina, aqueles<br />

lugares to<strong>do</strong>s ali, e mamãe ficava preocupada.<br />

Nós nos dávamos muito bem com aquelas famílias<br />

de destaque, como era a família Astolfo Dutra. Até os<br />

meninos dele, o Homero e o Pedrito, eram namorico<br />

lá com minhas irmãs. Nós nos dávamos bem com to-<br />

39


<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, mas depois que acirrou aquela política e<br />

o papai foi muito... Mamãe ficou apavorada! Queria<br />

vir para o Rio, queria ir para outro lugar! Fomos. Ele<br />

vendeu tu<strong>do</strong> de qualquer maneira. Nós tivemos que<br />

fugir da nossa casa porque empastelaram a nossa tipografia.<br />

Agora, o que eu me lembro é que quan<strong>do</strong> nós<br />

tivemos... quiseram empastelar a nossa tipografia,<br />

a nossa casa, nós saímos corren<strong>do</strong> para a casa <strong>do</strong><br />

Capitão Ezequiel. Era uma fazenda que havia. Esse<br />

capitão era muito amigo de papai. Fugimos pra lá<br />

então... A política foi horrorosa! Era uma coisa horrível<br />

viver assim! Minhas irmãs já estavam moças, e eu<br />

pequenininha, minhas irmãs estavam loucas para vir<br />

pro Rio de Janeiro. Papai tinha uma irmã mais velha<br />

aqui, que tinha um atelier de costura muito elegante,<br />

na Rua Sena<strong>do</strong>r Dantas. Então ele resolveu sair de lá.<br />

Teve que sair corren<strong>do</strong>.<br />

Então ele resolveu vir para o Rio de Janeiro.<br />

Aqui ele teve uma tipografia e fotografia, na Praça da<br />

Bandeira. Aí ele trabalhou muitos anos.<br />

Nós morávamos aqui em São Cristóvão.<br />

Minhas irmãs, então, foram trabalhar com esse diretor,<br />

professor João de Camargo. Era um grande<br />

mestre! Minhas irmãs, professoras, trabalhavam com<br />

o professor João de Camargo e construíram esse co-<br />

40


légio. Antes, em (19)24 o colégio foi funda<strong>do</strong> pelo<br />

professor João de Camargo. Ele era diretor <strong>do</strong> “Pio<br />

Americano”, que era um colégio pra rapazes. Então,<br />

o sonho dele era fazer um colégio modelo para me-<br />

ninas. Ele comprou esse prediozinho, só tinha aquele<br />

palacetezinho aqui na frente, onde nós agora estamos<br />

demolin<strong>do</strong> e fazen<strong>do</strong> uma área maior. Quan<strong>do</strong> o co-<br />

légio estava com quatro anos o professor Camargo<br />

vende para nós. Em 1929, o João de Camargo quis<br />

desfazer o colégio para fazer uma colônia de férias<br />

em Paquetá. Então ele vende o colégio à minha famí-<br />

lia. Minhas irmãs não podiam comprar, papai então<br />

comprou este colégio. Custou cento e vinte contos só<br />

esse prédio aqui. Isso aqui nós compramos depois...<br />

Aqui tinha uma porção de casas... Aqui era a antiga<br />

Rua Emereciana... Eu fui a primeira aluna desse colé-<br />

gio: Escola Brasileira de Educação e Ensino. Uma es-<br />

cola modelo para meninas. Eu fui a primeira aluna...<br />

Ele comprou esse colégio e ficou trabalhan<strong>do</strong><br />

aqui com mamãe e as minhas duas irmãs mais velhas.<br />

Eu era muito menina, eu estava na escola pública,<br />

aqui na Gonçalves Dias, na segunda série. Eu estava<br />

no primário. Nós compramos o colégio no dia 6 de<br />

janeiro de (19)29. Ele ficou muito satisfeito! Ele orga-<br />

nizou tu<strong>do</strong>! Ia a São Paulo comprar carteira! Foi um<br />

homem muito dinâmico! Foi a alma desse colégio no<br />

41


princípio, né. Ele e mamãe, mamãe sempre marcou...<br />

Mamãe também era uma mulher maravilhosa! A fi-<br />

lha falar <strong>do</strong> pai é muito difícil, porque eu tenho um<br />

xodó! Com minha mãe então, nem se fala, né. Porque<br />

minha mãe foi uma mulher <strong>do</strong> lar. Nunca cortou os<br />

cabelos, nunca pintou as unhas. Mamãe era uma sen-<br />

timental, uma romântica. Ela dizia:<br />

- Nesta mão só aliança. Aqui é só aliança, essa mão<br />

só serve aliança. Nessa mão minha filha...<br />

Pro senhor ver o encantamento que ela tinha<br />

pelo casamento! Ela não usava anel nenhum desse<br />

la<strong>do</strong>. Podia usar desse (outro) la<strong>do</strong>, mas aqui não...<br />

Usava brincos de brilhante... O papai, quan<strong>do</strong> nascia<br />

um filho, ele dava uma joia para mamãe.<br />

Eu tenho brilhantes aí que papai dava para<br />

mamãe... Isso eu me lembro com admiração. Ela só se<br />

dedicou a nós. Foi de uma dedicação! O papai tam-<br />

bém. Papai viajava, ela ia junto...<br />

Nós to<strong>do</strong>s morávamos aqui, toda a família aqui,<br />

até as irmãs casadas. Nós morávamos aqui no colé-<br />

gio, aqui na frente. Fizemos esse Colégio Brasileiro a<br />

maravilha que ele é! Nós tínhamos o horário integral,<br />

das dez horas da manhã até às cinco horas da tarde.<br />

Nós tínhamos o curso completo. Enquanto papai foi<br />

vivo o colégio... Nós fizemos exposições belíssimas<br />

na cidade! Tinha professora de pintura, nós fazíamos<br />

42


uma porção de trabalhos e expúnhamos. A minha ir-<br />

mã, essa aqui, a Augusta desenhava, arte <strong>do</strong> lápis, né.<br />

Ela desenhava, ela fez curso de pintura e tu<strong>do</strong>. E to-<br />

das nós temos jeito para desenho. Minhas irmãs eram<br />

muito bonitas. Elas escreviam, elas desenhavam, mas<br />

eu não encontrei nada aqui <strong>do</strong> trabalho delas... Se o<br />

senhor tivesse pega<strong>do</strong> a minha irmã Alcina, que fale-<br />

ceu em 1972... Essa é que sabia tu<strong>do</strong>! Esse livro, papai<br />

passou pra ela. Depois, em (19)58 ela passou para ou-<br />

tra irmã, Augusta Landóes... Depois que ele morreu<br />

perdeu um pouco, porque ele era a alma de tu<strong>do</strong> isso.<br />

Ele foi a alma, ele foi o alicerce.<br />

O papai foi um homem dedicadíssimo! Fez de<br />

nós gente boa. Nós todas temos a mesma educação,<br />

temos o mesmo critério aqui no trabalho. O Colégio<br />

passou por papai e mamãe, depois veio as minhas<br />

duas irmãs mais velhas. A Augusta, esta aqui, já mor-<br />

reu há quatro anos. Era a coisa linda da família, essa<br />

alvoroçou Cataguases! Muito bonita mesmo! Depois a<br />

outra, Adalzira, morreu agora, há um ano e meio. Eu<br />

me aposentei, estava em casa, não quis saber de nada.<br />

Ela morreu, essa imensidão, esse gigante branco ficou<br />

pra mim... Nós fizemos coisas muito boas.<br />

Minhas irmãs foram ótimas diretoras! Mas isso<br />

nós devemos ao rigor - com muito carinho, mas mui-<br />

ta energia né. Agora já está... eu digo que é a quarta<br />

43


geração: papai e mamãe, minhas irmãs, agora estou<br />

eu e já trouxe a minha filha, e já trouxe uma neta, que<br />

já está trabalhan<strong>do</strong>. Ela está fazen<strong>do</strong> informática na<br />

Faculdade, mas já está nos ajudan<strong>do</strong> aqui na parte de<br />

contabilidade. Estamos aqui pra dar amor a isto, por-<br />

que isto aqui é obra Landóes!<br />

Hoje eu sou a última, mas eu trouxe a minha<br />

filha, que já estava casada há vinte anos, sempre<br />

dedicada à família. Eu a preparei para isso. Ela fez<br />

tu<strong>do</strong> quanto era pra ser ótima diretora! Ela estu<strong>do</strong>u<br />

na Europa, passou <strong>do</strong>is anos lá. Fez o curso de Física<br />

aqui na Nacional, foi se aperfeiçoar na Alemanha, fez<br />

a pós-graduação, passou lá <strong>do</strong>is anos e meio. Casouse<br />

também com alemão. Eles se conheceram na<br />

Faculdade e quan<strong>do</strong> acabaram, casaram-se e foram<br />

fazer o curso na Alemanha. O alemão é muito agarra<strong>do</strong><br />

à família, dedica<strong>do</strong> à família. Meu genro é uma<br />

coisa maravilhosa! Essa menina é a que hoje está aqui<br />

comigo trabalhan<strong>do</strong>.<br />

Papai a<strong>do</strong>rava Cataguases! Quan<strong>do</strong> viemos<br />

pro Rio e tu<strong>do</strong>, ele tornou a voltar.<br />

Botou um atelier pequeno, porque ele ia e<br />

voltava, né. Não era aquele atelier maravilhoso, que<br />

ele teve no princípio. Era lá em casa mesmo, na<br />

Rua Coronel Vieira, 60. Era ali. Depois foi na Rua<br />

da Estação, com meu irmão, para vender máquinas,<br />

44


filmes, porta-retratos, tu<strong>do</strong>. Ele fez um comerciozi-<br />

nho... Os quadros de formatura eram to<strong>do</strong>s feitos por<br />

ele. Quan<strong>do</strong> eu estive em Juiz de Fora, em 1972, já se<br />

conhecia papai. Quan<strong>do</strong> Ari Barroso morreu, os re-<br />

tratos que apareciam eram <strong>do</strong> atelier de papai. Papai<br />

não era fotógrafo de jardim, não. Era atelier fotográ-<br />

fico, era arte! Não era só fotografia, não. Ele fazia re-<br />

tratos a pincel. Era fabuloso! Era <strong>do</strong> pincel, mesmo!<br />

Era <strong>do</strong> lápis! Tinha uma letra linda... as assinaturas<br />

dele... Vinham pessoas de fora para procurar o ate-<br />

lier para fotografias e tu<strong>do</strong>... Sempre trabalhou por<br />

conta própria.<br />

Com aquela saída (de Cataguases) teve um pre-<br />

juízo muito grande... Vendeu de qualquer maneira né.<br />

Ele aí trabalhou na Ilha <strong>do</strong>s Pombos, com os america-<br />

nos. Ele se localizou em Porto Novo <strong>do</strong> Cunha. Ficou<br />

lá muito tempo só com mamãe. Minhas irmãs no Rio<br />

e uma tia veio tomar conta de nós. Mamãe sempre<br />

acompanhou papai. Ele se fixou em Porto Novo <strong>do</strong><br />

Cunha, trabalhou naquela represa <strong>do</strong> Rio Paraíba,<br />

que a Light estava fazen<strong>do</strong>. Aí trabalhou muitos anos<br />

e ganhan<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s maiores ordena<strong>do</strong>s! Teve uma si-<br />

tuação muito boa! Ele fez este trabalho durante anos,<br />

ajudan<strong>do</strong> o engenheiro chefe, que era o Kandel. Em<br />

parte ajudava na engenharia, porque ele tinha um<br />

estu<strong>do</strong> - não chegou a se formar engenheiro, porque<br />

45


veio para o Brasil e não acabou. Quan<strong>do</strong> acabaram<br />

aquele serviço o convidaram, com uma situação in-<br />

vejável, para ir a São Paulo. Ele não aceitou. Quan<strong>do</strong><br />

acabou essa represa <strong>do</strong> Rio Paraíba, ele foi convida<strong>do</strong><br />

pela Light para ir para São Paulo como um <strong>do</strong>s maio-<br />

rais, ganhan<strong>do</strong> um belíssimo ordena<strong>do</strong>! Ele disse:<br />

- Não, eu não tenho patrão.<br />

Ele fazia o trabalho dele, dava o preço e era<br />

muito elogia<strong>do</strong>. Ele fez um serviço lá muito bonito,<br />

isso é que eu sei. Tinha até um Fordeco, um “ford bi-<br />

gode”. Quan<strong>do</strong> a Light o quis efetivar ele não aceitou<br />

absolutamente. Ele nunca aceitou... Sempre autôno-<br />

mo. Era um homem muito rígi<strong>do</strong>, muito honesto, gos-<br />

tava de tu<strong>do</strong> muito direitinho. Isso ele incutiu em nós.<br />

E quan<strong>do</strong> ele quis, coita<strong>do</strong>, reunir a família em<br />

1929, as filhas... a Albertina, a mais velha, casada há<br />

um ano e meio, morre de parto. Ele ficou com uma<br />

paixão, porque ele queria toda a família unida. Ela te-<br />

ve um choque pavoroso... Ele veio esperan<strong>do</strong> o nas-<br />

cimento <strong>do</strong> neném... Foi um choque! Ele aí teve um<br />

ataque cardíaco, quase morreu.<br />

Ele ainda durou cinco anos, mas sempre tinha<br />

suas crises de coração... Até tínhamos me<strong>do</strong> quan<strong>do</strong><br />

ele viajava... Ele continuou a viajar e tu<strong>do</strong>. Ele tinha<br />

negócios em vários lugares, né. Em Itaperuna, em<br />

Cachoeiro <strong>do</strong> Itapemirim, ele tinha fazenda lá. Ele<br />

46


aban<strong>do</strong>nou tu<strong>do</strong> depois. É uma <strong>do</strong>ença muito traiço-<br />

eira a <strong>do</strong> coração... Ele continuou conosco até 1935.<br />

Morreu de um ataque cardíaco... Levantou-se mui-<br />

to satisfeito, tomou banho, fez barba, vestiu-se, isso<br />

tu<strong>do</strong>... Estava conversan<strong>do</strong> conosco - comigo e com<br />

outra irmã - na sala de jantar. Ele aí virou-se pra mim<br />

- eu já estava com meus dezesseis anos - ele virou-se<br />

para mim e disse:<br />

- Olha, está dan<strong>do</strong> o sinal.<br />

Então eu peguei a pasta, desci as escadas e fui<br />

pro colégio. Mal eu chego no colégio me chamam dizen<strong>do</strong><br />

que ele tinha ti<strong>do</strong> um ataque cardíaco. Morreu<br />

bonitinho, não é?<br />

Já sofria <strong>do</strong> coração. O primeiro ataque cardíaco<br />

que o papai teve foi quan<strong>do</strong> ele chegou de viagem,<br />

ele veio de Minas e a Albertina...<br />

Engraça<strong>do</strong>, ele sempre teve amigos muito<br />

mais moços <strong>do</strong> que ele... Levava a gente ao corso de<br />

carnaval aqui no Rio: ele, a mamãe e nós. A gente<br />

queria uma fantasia de última hora, ele cortava umas<br />

bolotas e fazia uma colombina. Aqueles “frufrus”, ele<br />

ajudava a passar. Ele sabia enfeitar a roupa da gente...<br />

Um artista! Por exemplo, eu tinha aulas de desenho,<br />

eu não entendia nada de perspectiva... A professora<br />

botava lá uma pilha de livros e mandava copiar... Ele<br />

então me orientava, e eu fazia. Estudava com os fi-<br />

47


lhos... Quan<strong>do</strong> eu era pequena, ele com a tesoura fa-<br />

zia bonecas... Brincava de circo comigo em casa, ele<br />

era o acrobata... ele era um homem muito liberal, sa-<br />

be, muito liberal mesmo.<br />

Ele gostava de ir, aqui no Rio, aos teatros. Ele<br />

botava as quatro filhas no camarote e ele ficava na<br />

plateia para ouvir os comentários, orgulhoso <strong>do</strong> “so-<br />

neto” dele... Eu era um bebê muito bonitinho, tem<br />

uns retratos. Eu assim em cima da mesa, eu sentada<br />

em coluna, eu era um catalzim gordinho, bonitinho,<br />

naquele tempo. Agora, uma velhusca, né. Eu sei que<br />

minhas irmãs queriam vir era para o Rio. Sabe-se co-<br />

mo é que é toda moça, né. Elas tiveram pretenden-<br />

tes lá (em Cataguases) para se casar. Mas elas vie-<br />

ram se casar aqui no Rio. Eu tive quatro cunha<strong>do</strong>s,<br />

né. E papai - o pai das moças - como eles se davam<br />

bem! Papai gostava de botar to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> de pileque.<br />

Minhas irmãs tinham que fechar os mari<strong>do</strong>s porque<br />

senão papai fazia... gostava de botá-los de pileque.<br />

Gostava de uma brincadeira, gostava muito! Ele era<br />

muito moleque. Ele dançava... mas só o olhar dele,<br />

to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> respeitava. Ele tinha um <strong>do</strong>mínio sobre<br />

as pessoas muito grande. Ele só olhava... Natal era<br />

uma festa belíssima!<br />

Isso eu não sei porque eu sou a “rapa <strong>do</strong> ta-<br />

cho”. Tem o caso da política, quan<strong>do</strong> quiseram matar<br />

48


Anísio Car<strong>do</strong>so, que era o grande escritor <strong>do</strong> jornal, e<br />

era da oposição. Ele foi alveja<strong>do</strong>, quase que morreu.<br />

O irmão dele, o Mau (Dr. Mário Car<strong>do</strong>so), que era<br />

médico, é que cui<strong>do</strong>u... me parece que a língua ficou<br />

esfacelada... Mas quan<strong>do</strong> ele se recuperou continuou<br />

naquela luta... Daí, então eles acharam que o papai<br />

era da oposição.<br />

Ele era muito alegre, muito chistoso. Era um<br />

homem a<strong>do</strong>rável para se viver...<br />

Acho que eu devia ter uns nove anos, eu vol-<br />

tei lá pra visitar papai (em Cataguases). A mamãe<br />

estava com ele. Minha irmã Alcina, que sempre cui-<br />

<strong>do</strong>u de mim, fomos lá e passamos uns quatro dias.<br />

Interessante... eu tenho uma passagem... O meu ma-<br />

ri<strong>do</strong> foi comandante da IV Região Militar, lá em Juiz<br />

de Fora. E lá em Cataguases acabaram saben<strong>do</strong> que<br />

a esposa <strong>do</strong> general era uma cataguasense. Foram lá<br />

me procurar para eu ir a Cataguases. O prefeito me<br />

convi<strong>do</strong>u para um almoço num <strong>do</strong>mingo... Eu queria<br />

conhecer Cataguases... Sabe que eu não tive ocasião<br />

de ir a Cataguases.<br />

Isso eu não sei não, não lembro tu<strong>do</strong>. Isso meu<br />

filho, eu sou um pouco ignorante nisso, porque como<br />

eu disse, eu sou o último rebento. Ele era maçom,<br />

ele foi venerável da maçonaria, da “Cataguasense”,<br />

ali perto <strong>do</strong> cinema. Papai era venerável - eu nem<br />

49


sei o que é isso, viu - naquele tempo eu ouvia falar.<br />

Minhas irmãs, elas bordavam tu<strong>do</strong> pra maçonaria,<br />

até aquelas bandeiras, aquelas coisas lindas...<br />

Eu estive ven<strong>do</strong>... Eu estou ven<strong>do</strong> coisas que<br />

se reclamava naquele tempo e nós estamos recla-<br />

man<strong>do</strong> agora. Eu vi aqui uns títulos... a mesma crise<br />

daquela época nós estamos viven<strong>do</strong> agora. Então é<br />

antigo... Isso aqui tem quantos anos? Papai já morreu<br />

há cinquenta e tantos anos... Ele morreu moço, mor-<br />

reu muito ce<strong>do</strong>, com sessenta e sete... E, a história se<br />

repete.<br />

Entrevistada em 5/5/1989 por José Luiz Batista.<br />

50


J O Ã O K N E I P<br />

E L E T R I C I T Á R I O<br />

8 0 a n o s<br />

Nasci aqui. Eu sempre vivi aqui em<br />

Cataguases, desde criança. Vou fazer oitenta anos...<br />

Meu pai, minha mãe, tu<strong>do</strong> aqui em Cataguases. Eu<br />

sou descendente de alemão, meu pai era filho de<br />

alemão. Eu me lembro que o meu pai era um ho-<br />

mem muito respeita<strong>do</strong> aqui em Cataguases. José de<br />

Almeida Kneip: tem uma rua aí com o nome dele. O<br />

meu pai era um homem que andava muito alinha<strong>do</strong>!<br />

Eu vou te mostrar um retrato <strong>do</strong> meu pai. Naquele<br />

Foto: Usina Maurício (Fachada da casa de força da Usina Maurício),<br />

Alberto Landóes, 1908, Departamento Municipal <strong>do</strong> Patrimônio Histórico<br />

e Artístico de Cataguases<br />

53


tempo os homens andavam tu<strong>do</strong> direitinho! Tu<strong>do</strong><br />

que precisavam vinham atrás <strong>do</strong> papai. Qualquer<br />

coisa, o velho estava lá para aconselhar. Questão de<br />

balanço, às vezes estava dan<strong>do</strong> prejuízo; ele ia lá, or-<br />

ganizava. Era uma beleza nessa época! O respeito de<br />

um ao outro: não tinha esse negócio de “conto de vi-<br />

gário”, essa bandalheira que está existin<strong>do</strong> hoje. Os<br />

homens eram mais sinceros, mais puros.<br />

A vida em Cataguases era uma beleza naque-<br />

le tempo. E como se diz: Cataguases antigamente era<br />

uma família, você conhecia to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. To<strong>do</strong> mun-<br />

<strong>do</strong> te respeitava e gostava... precisava de um e outro...<br />

pedia... Minha mãe chamava Maria e era chamada de<br />

Dona Garrincha. Ela não gostava não, mas atendia.<br />

Papai era Zequinha. To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> chamava o velho<br />

de Zequinha. Ele ensinou muita gente a trabalhar<br />

em escritório. Mais ou menos em 1918, eu era garoto<br />

ainda, era menino, ele abriu uma escola de contabili-<br />

dade. Ensinou muita gente. Mas era um tempo bom<br />

aquele... Meu pai, minha mãe, meus irmãos... Um tra-<br />

balhava no Banco de Crédito Real, o outro foi pro Rio.<br />

Tem uns retratos antigos aí, que eu vou guardan<strong>do</strong>,<br />

que foi <strong>do</strong> velho, da minha velha, das minhas tias...<br />

Todas elas eram comadres naquele tempo... Papai e<br />

mamãe têm uma porção de afilha<strong>do</strong>s. Eu mesmo já<br />

tive uns quatro ou cinco afilha<strong>do</strong>s... tu<strong>do</strong> era uma fa-<br />

54


mília só. Hoje eu quase não conheço mais ninguém!<br />

Cataguases triplicou. Isso aqui é um colosso.<br />

O velho era um homem muito respeita<strong>do</strong>,<br />

muito queri<strong>do</strong>... Trabalhou na Companhia Força e<br />

Luz muito tempo. Ele era respeita<strong>do</strong> como se fosse<br />

um gerente! Muito bom, muito honesto. Ele não era<br />

gerente não, mas ele era respeita<strong>do</strong> como gerente!<br />

Eu entrei pra “Força e Luz” em 1925. Naquele<br />

tempo não era como hoje. A Usina era pouca.<br />

Chegava a ocasião da seca, era uma coisa horrorosa!<br />

A Companhia fazia tu<strong>do</strong>: <strong>do</strong> poste até a iluminação.<br />

Hoje não. Hoje o governo ajuda. Hoje, para aumentar<br />

a luz nem precisa... Eu me lembro que, numa ocasião,<br />

nós fomos lá no Sindicato pedir um aumento de luz<br />

para os emprega<strong>do</strong>s. Chegamos lá, pedimos... um<br />

<strong>do</strong>s diretores até brigou:<br />

- Mas não pode! Vai subir o custo de vida!<br />

Eu tenho vontade de falar com ele:<br />

- E hoje? Hoje sobe to<strong>do</strong> dia, não é?<br />

Quan<strong>do</strong> eu entrei para a “Força e Luz” eu ga-<br />

nhava cinquenta mil réis. Depois fui para oitenta, pa-<br />

ra noventa e fui terminan<strong>do</strong> até ficar chefe da ofici-<br />

na. Eu trabalhei muitos anos ali na Usina Maurício.<br />

Era a mesma Usina, só que tem que ela foi aumen-<br />

tada. Hoje, está outra coisa. Está muito bem organi-<br />

zada, tu<strong>do</strong> arrumadinho. Ia sempre lá: dava defeito<br />

55


nas máquinas, eu ia pra lá. Eu com o meu pessoal. O<br />

<strong>do</strong>utor Gabriel Junqueira era um diretor muito bom.<br />

Eu gostava muito dele.<br />

Já trabalhei muito nessa Cataguases, Nossa<br />

Senhora! Trabalhei quarenta anos só essa parte de elé-<br />

trica, eletricidade. Eu me aposentei em (19)66. Estou<br />

com vinte e tantos anos de aposenta<strong>do</strong>. Depois que eu<br />

aposentei, eu botei uma firma aqui. É minha. Trabalho<br />

aqui. Trabalho para essa zona toda aí. Conserto motor<br />

e transforma<strong>do</strong>r, tu<strong>do</strong> quanto é aparelho de eletricidade.<br />

E, qualquer coisa que entrar aqui! Graças a<br />

Deus sou muito conheci<strong>do</strong> nessa zona aí, sabe.<br />

Eu sou emérito da Maçonaria. Aquele prédio<br />

ali foi construí<strong>do</strong> por mim. Eu era tesoureiro, fui tesoureiro<br />

durante o tempo to<strong>do</strong>, até construir. Eu mais<br />

o Paulo Pessoa... To<strong>do</strong>s os irmãos ajudaram, mas<br />

aquele que foi mesmo par meu foi o Paulo Pessoa.<br />

Aquele prédio ali, quan<strong>do</strong> eu vejo aquilo, parece um<br />

sonho! Quan<strong>do</strong> eu terminei aquele prédio sabe quanto<br />

estava? Quarenta e <strong>do</strong>is contos! Quarenta e <strong>do</strong>is<br />

mil contos! Hoje, compramos uma sala por trezentos<br />

mil... Nós fizemos aquilo e fomos venden<strong>do</strong> as salas...<br />

Depois fomos apanhan<strong>do</strong> (as salas) outra vez. O<br />

meu pai, ele é que organizou essas atas. A rua que<br />

eu nasci... eu não estou lembran<strong>do</strong> não, sabe. Não sei<br />

se é lá na Rua <strong>do</strong> Pomba... por ali assim, sabe. As ru-<br />

56


as antigamente era tu<strong>do</strong> de chão. Eu me lembro que,<br />

tempo de chuva, dava aquele barro! Essa avenida<br />

quem abriu essa avenida foi o Coronel João Duarte.<br />

Naquele tempo, ele era prefeito de Cataguases. João<br />

Duarte Ferreira era um capitalista muito grande. Ele<br />

morou ali onde vocês vão fazer o Museu, ali na pra-<br />

ça. Coronel João Duarte tinha muita indústria, tinha<br />

Banco, tinha tu<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> morreu era o homem<br />

mais rico, ricaço mesmo!<br />

Aqui era brejo, aqui tu<strong>do</strong> era brejo. O trem<br />

passava aqui, passava mais pra cá, o “corgo” pas-<br />

sava aí. Esse “corgo” foi feito, acho que foi feito em<br />

1922. Fizeram o canal em mil novecentos e vinte e<br />

tanto, não me lembro não. Acabaram com o “cor-<br />

go”... Mas aqui tu<strong>do</strong> era brejo. E a rua tinha aquelas<br />

pedras grandes. Automóvel só existia um, era da<br />

Companhia (Força e Luz): Benz, <strong>do</strong> Doutor Gabriel<br />

Junqueira. Depois começou a aparecer novos carros.<br />

Veio um carro aí to<strong>do</strong> bonitão! Quem vendia carro<br />

muito bonito era o Agenor de Barros. Era capitalista,<br />

agora perdeu tu<strong>do</strong>, ficou pobre... O negócio <strong>do</strong> ca-<br />

fé derrubou muita gente naquele tempo... Isso aqui<br />

era um brejo, plantava arroz aqui: arrozal. Era um<br />

colosso! João Duarte que abriu essa Avenida Astolfo<br />

Dutra e fez o canal. Tirou o que passava ali atrás...<br />

onde é hoje, era tu<strong>do</strong> <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de cá. Não tinha casa<br />

57


nenhuma... Mas ali na avenida já tinha a casa <strong>do</strong> <strong>do</strong>u-<br />

tor Astolfo, foi uma das primeiras casas que fez ali.<br />

Depois foi fazen<strong>do</strong> as outras.<br />

Olha aí no livro... Não era livro, era revista, vo-<br />

cê pode ver aí: janeiro, fevereiro...<br />

Era revista, cada vez saía... O papai foi juntan-<br />

<strong>do</strong> aqui nessa escrivaninha. Depois o papai morreu,<br />

eu abri lá e vi. Aí mandei encadernar todas três. E<br />

a “Revista da Mata”... 1917... Foi o Alberto Landóes,<br />

ele que fez isso. A fotografia dele era muito boa!<br />

To<strong>do</strong> lugar: Leopoldina, Astolfo Dutra, Ubá, São João,<br />

Cataguases... Tem muito verso aí, muita coisa antiga,<br />

nomes antigos respeita<strong>do</strong>s: Ribeiro Junqueira, <strong>do</strong>utor<br />

Lobo... Aí, esse é o Eurico Rabelo, homem direito...<br />

ensinava mesmo! Naquele tempo ensinava... Hoje<br />

não ensina conforme era não... No entanto, ganha-<br />

va pouco essa gente. Andava bem vestida, ensinava<br />

bem... Hoje, essas greves aí...<br />

Estudei (no Grupo Escolar Coronel Vieira). A<br />

professora era a Dona Tita, deve estar aí Dona Tita.<br />

Naquele tempo era só ele... 1912... 1913... só tinha<br />

ele. A não ser a Escola Normal, não é? Aqui tem a<br />

Escola Normal, era aqui atrás, você vê justamente em<br />

cima, logo no final. Era a Chácara Arthur Cruz. Eu<br />

me lembro, eu era menino, não é? Naquela ocasião<br />

eu devia ter uns quatorze anos... Ali era um pomar,<br />

58


você ia lá, apanhava fruta... Depois passou a chá-<br />

cara, fizeram a Escola Normal na praça. O Ginásio<br />

era onde é o Colégio hoje, lá em cima. Do tempo <strong>do</strong><br />

Antônio Amaro, velho respeita<strong>do</strong>, bom professor! O<br />

Sr. Francisco... a Industrial... compraram, derruba-<br />

ram e fizeram este. O Jânio Quadros... com aquela lei<br />

que era obriga<strong>do</strong>... toda a companhia tem que fazer<br />

o colégio. (Fizeram a <strong>do</strong>ação <strong>do</strong>) colégio pro Esta<strong>do</strong>.<br />

Hoje é <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

A Revista Verde era uma revista boa, mas eu<br />

não tinha... Naquele tempo eu não me lembro da<br />

Revista Verde não... Eu não ligava pra essas coisas<br />

não. Quem podia dizer sobre a Revista Verde é o fi-<br />

lho <strong>do</strong> <strong>do</strong>utor Francisco, ele que pode informar me-<br />

lhor. Tem o Rosário Fusco, tem o Guilhermino, que<br />

fazia parte da Revista... Tem o livro até que eles me<br />

deram. Emprestei: nunca mais me deram o livro!<br />

Esse negócio de emprestar livro pros outros... Eu te-<br />

nho um ciúme desse livro! Uma ocasião, eu empres-<br />

tei, mas (uma) criança pegou e passou (as páginas)<br />

de qualquer jeito. Tem que pegar direito! O <strong>do</strong>utor<br />

Enrique (de Resende) fez um outro livro, está ali, e<br />

até pôs o meu nome!<br />

A “Irmãos Peixoto” é a fábrica mais antiga que<br />

tem. A mãe das fábricas aqui é a “Irmãos Peixoto”,<br />

dela que saíram todas. Só sei que ela foi aumentan-<br />

59


<strong>do</strong> muito. Depois que passou para os netos melhorou<br />

cada vez mais. Dali foi a “Industrial”... “Manufatora”,<br />

tu<strong>do</strong> da mesma família: o Zé Peixoto, o Manuel<br />

Peixoto. E tem o Rodrigo Lanna também, que é da<br />

Emília Peixoto... A indústria era muito pouco, tinha<br />

mais lavoura. Agora, tem mais indústria. As operá-<br />

rias agora só andam bem vestidas...<br />

Eu me lembro que os operários, antigamente,<br />

saía de madrugada com o tamanquinho: toc-toc-toc-<br />

toc. Hoje não, operária hoje está igual a professora:<br />

chique, bem vestida. Hoje operário tem geladeira,<br />

televisão, tem tu<strong>do</strong>. Naquele tempo a coisa era... ga-<br />

nhava pouco... O ordena<strong>do</strong> naquele tempo não dava<br />

muito, dava trinta mil réis; mas passava bem, muita<br />

fartura. Você comprava um litro de leite por duzen-<br />

tos réis; um frango muito caro era oitocentos réis. O<br />

lavra<strong>do</strong>r, por exemplo, comia carne seca. Comia bem!<br />

Eu me lembro. Eu tenho um cunha<strong>do</strong> que ia lá, ven-<br />

dia carne seca, arroz feijão, saco de farinha... Hoje,<br />

quem come carne seca? Está cada vez pior a vida!<br />

Não tem jeito, não.<br />

Naquele tempo o pessoal tinha mais disposi-<br />

ção para trabalhar, não é. O pessoal era mais alegre,<br />

não tinha que ficar com me<strong>do</strong> de ser assalta<strong>do</strong>. Hoje,<br />

você não pode sair de noite aqui! Fiz tu<strong>do</strong> a grade,<br />

tu<strong>do</strong> de grade. A gente fica na grade e os vadios sol-<br />

60


tos aí. Seis, sete horas já tranco o portão: tem só eu<br />

e a mulher aqui! Naquele tempo, um Juiz de Direito<br />

quan<strong>do</strong> passava - o <strong>do</strong>utor Cleto - o pessoal parava<br />

com to<strong>do</strong> respeito, no meio da estrada. Eu me lembro,<br />

o <strong>do</strong>utor Cleto Toscano, quan<strong>do</strong> passava, o pessoal<br />

parava pra ele passar, cumprimentavam... Tu<strong>do</strong> bem<br />

vesti<strong>do</strong>. Hoje acabou isso tu<strong>do</strong>.<br />

Terno e gravata! Era tu<strong>do</strong> direitinho, tu<strong>do</strong> di-<br />

reitinho. Antigamente... eu me lembro que a gente<br />

fazia baile aqui. Aqui em casa mesmo já fez. Vinha<br />

pr’aqui aquelas mocinhas. Fazia baile. Não era muita<br />

gente não. Era na casa <strong>do</strong> vizinho, outro na outra ca-<br />

sa - <strong>do</strong> Coronel Antônio Augusto - um homem muito<br />

estima<strong>do</strong> aqui. Morreu... Me lembro das minhas na-<br />

moradas... Já morreu tu<strong>do</strong>... O namoro era de noite,<br />

de vez em quan<strong>do</strong> conversava, mas nada de mão da-<br />

da. Qualquer coisa diferente era um escândalo, sabe.<br />

Hoje, tá um caso sério, não é? Absur<strong>do</strong>!<br />

Os bailes eram ali no “Comercial”. Ali em ci-<br />

ma <strong>do</strong> Cinema Recreio, naquele tempo, tinha o clu-<br />

be. Tem o retrato aí. Era ali que eram os bailes, em<br />

cima <strong>do</strong> cinema. Eu dancei muito ali, brinquei mui-<br />

to. Depois derrubaram ele, desmancharam e fizeram<br />

aquela porcaria! Eles não deviam ter desmancha<strong>do</strong><br />

este prédio <strong>do</strong> Cinema Recreio. Eu tenho retrato dele<br />

aí: por dentro e por fora. Olha aí no livro. Duas coisas<br />

61


que eu fico com dó: a igreja e o prédio... Fizeram uma<br />

reunião: o Padre Solin<strong>do</strong> com porção deles. Fizeram<br />

uma reunião lá, houve votação se devia desmanchar<br />

ou não. Muitos foram contra. Mas tem a maioria: a<br />

maioria era a favor de derrubar. Quem aju<strong>do</strong>u muito<br />

ali foi o João Peixoto, a pedra para aquilo tu<strong>do</strong> foi ele<br />

que deu. Mas é uma pena... O cinema Recreio, por<br />

exemplo, pra que desmanchar? Deixassem ele... Eu<br />

achei um absur<strong>do</strong> derrubarem aquela igreja, uma<br />

beleza que era! Que fizesse esta em outro lugar, mas<br />

que deixassem aquela! A igreja você conhece? Tem<br />

ali o retrato dela. Olha que beleza de igreja aí! Olha<br />

que beleza! Devia conservar... Antiguidade é que é<br />

bonito. Desmancharam uma igreja dessa para fazer<br />

essa igreja feia desse jeito! Moderna! Tu<strong>do</strong> antigo é<br />

mais bonito! Eu acho horrível essa igreja! Aquilo<br />

nem parece igreja! Esquisita, não parece igreja não!<br />

Não gosto desta igreja não! “A primeira era muito<br />

mais bonita que a de agora, não é?” (intervenção de<br />

Wanda Kneip, filha). Mês de maio aí era uma beleza!<br />

Não tem mais coroações não. No mês de maio, to-<br />

<strong>do</strong> dia, tinha! Agora tem lá na Vila, não é? O padre<br />

Antônio ainda conserva. Já fui lá, de vez em quan-<br />

<strong>do</strong> eu vou lá... No batiza<strong>do</strong> da minha bisneta... Eu<br />

já tenho, já vem pra quatro bisneto! E neto eu tenho<br />

treze! Quan<strong>do</strong> eu casei eu fui para o Rio... a primei-<br />

62


a filha foi passear em 1932. Eu casei em (19)21, vou<br />

fazer cinquenta e oito anos de casa<strong>do</strong>... Eu me lembro<br />

quan<strong>do</strong> o Pedro Dutra casou. Você ia a tu<strong>do</strong>, saía de<br />

casa tu<strong>do</strong> de braço da<strong>do</strong> para o casamento. Aquela<br />

fila parecia uma procissão. Não tinha carro, não ti-<br />

nha nada... Esses velhos aí, eu me lembro deles to-<br />

<strong>do</strong>s. Essas professoras... Dona Olinda, a Flávia Dutra,<br />

mulher <strong>do</strong> Pedro Dutra... Ela ainda está viva, a Dona<br />

Flávia mora no Rio com o filho dela.<br />

Eu estive no Rio em 1927. Estive na “Força e<br />

Luz”, depois fui para o Rio, o senhor Gabriel man-<br />

<strong>do</strong>u eu ir pra lá. Lá fiquei um ano através da CIBS.<br />

Mas eu a<strong>do</strong>eci... Depois papai não quis deixar eu vol-<br />

tar, senão era capaz de ter fica<strong>do</strong> lá. Eles não queriam<br />

deixar eu sair. Antigamente eu ia para o Rio... Eu me<br />

lembro que quan<strong>do</strong> eu ia para o Rio de trem - tinha<br />

que ir de trem - pegava o trem, chegava lá no Rio<br />

às vezes dez horas... onze horas. Era uma viagem<br />

boa. O Rio de janeiro era outra coisa, naquele tempo.<br />

Eu me lembro da ocasião em que fui batizar a Nilza,<br />

nós fomos de trem. Levamos uma matutagem 1 para<br />

comer no caminho... Eu me lembro que quan<strong>do</strong> eu<br />

vim <strong>do</strong> Rio, com o papai, pra to<strong>do</strong> la<strong>do</strong> via... enchia<br />

1 ) Expressão mineira para merenda, refeição rápida durante uma viagem.<br />

63


a Estação. To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ia esperar o “expresso” ali,<br />

de tarde, na Praça da Estação. Quan<strong>do</strong> era dez ho-<br />

ras, ia to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> para a estação para ver o pessoal<br />

sair na Leopoldina - o trem que vai para o Rio, que<br />

ia até o Rio. Quan<strong>do</strong> vinha <strong>do</strong> Rio... vai tu<strong>do</strong> para a<br />

Estação... Ali na Praça da Estação era um movimen-<br />

to naquele tempo! Tu<strong>do</strong> era despacha<strong>do</strong>, vinha tu-<br />

<strong>do</strong> ali... Gente, era um movimento dana<strong>do</strong>, naquele<br />

tempo. Não tinha essa praça. Eu me lembro que, eu<br />

era menino, solteiro, rapazinho já, ficava passean<strong>do</strong>.<br />

Tu<strong>do</strong> bem vesti<strong>do</strong>. As moças vinham de lá e a gen-<br />

te ficava rodan<strong>do</strong> ali no jardim, para lá e para cá. A<br />

Praça da Estação, hoje, é quase a mesma coisa. Ficou<br />

o prédio ali, aquela casa ali onde era o João Duarte...<br />

Já derrubaram alguma coisa, não é. Mas o prédio ali,<br />

<strong>do</strong> la<strong>do</strong> de lá, na Leiteria, é quase o mesmo. Estão<br />

conservan<strong>do</strong> o Hotel Villas. É bom a gente saber que<br />

reformaram isso tu<strong>do</strong>... A Carcacena foi feita de-<br />

pois. Foi em 1922, eu me lembro quan<strong>do</strong> fizeram a<br />

Carcacena... A Praça de Santa Rita tinha um chafariz<br />

que era uma beleza! Veio um tal de engenheiro e aca-<br />

bou com aquilo tu<strong>do</strong>: o chafariz, o coreto, as palmei-<br />

ras... derrubou tu<strong>do</strong>! Era praça bonita! O chafariz era<br />

uma beleza!<br />

Isso aqui tinha um ban<strong>do</strong> de an<strong>do</strong>rinhas!<br />

Quan<strong>do</strong> chegava... às vezes, de tarde voava tu<strong>do</strong>!<br />

64


Era bonito, por causa desse jardim... Aqui era onde<br />

fazia o coreto pra leilão. Era <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de cá. O jardim<br />

foi pra frente... aqui tinha duas palmeiras... Banda<br />

de música... Tinha a <strong>do</strong> Rogério Teixeira, tinha a <strong>do</strong><br />

Pierre. Mas a bonita era a <strong>do</strong> Rogério. Eu me lembro<br />

é a <strong>do</strong> Rogério, por toda vida. Era uma coisa louca! O<br />

Rogério Teixeira era um músico formidável! O cinema,<br />

antigamente, era mu<strong>do</strong>, mas quem tocava no cinema<br />

era o Rogério Teixeira, era a senhora dele, João<br />

Ciodaro, aquela turma. Bonito, né. De vez em quan<strong>do</strong><br />

toca uma música, eu lembro dele...<br />

Acabou tu<strong>do</strong>... O jardim era... era uma beleza<br />

aquele jardim! Tinha banda de música, o coreto, o<br />

chafariz, muito bonito! O cinema, né. Tem aquela foto<br />

ali <strong>do</strong> João Butiga, <strong>do</strong> la<strong>do</strong> ficava venden<strong>do</strong> <strong>do</strong>ce...<br />

<strong>do</strong>ce <strong>do</strong> João Butiga. Meu pai comprava umas cocadinhas<br />

dele. Ele ficava era <strong>do</strong> la<strong>do</strong> daquelas colunas,<br />

ele ficava ali venden<strong>do</strong>...<br />

O bonde é uma coisa interessante, puxa<strong>do</strong> a<br />

burros. Ele ia até o colégio, o ginásio. Ele partia lá<br />

da Vila, vinha aqui, lá <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> da ponte também,<br />

passava na ponte ali. Tinha três trilhos. Eu botava<br />

muita pedra debaixo da linha pra fazer ele descarrilar!<br />

Mas ia mesmo mais longe. Ia até no colégio.<br />

Vinha lá da Vila, lá da Estação, passava na praça e<br />

vinha aqui... Descia para a ponte de madeira.<br />

65


Aqui era o colégio das irmãs, era aqui. E tinha<br />

uma rua ali que era para a ponte de madeira, depois<br />

eles desmancharam. Quan<strong>do</strong> eles fizeram esta ponte<br />

de metal, que é a ponte velha (hoje), eu me lembro. A<br />

ponte velha era de madeira, viu. Ponte de madeira,<br />

depois fizeram a de ferro. Acho que tem até o retrato<br />

aí. Era aqui onde está o colégio das Irmãs. Era ali, ti-<br />

nha um prédio, acho que tem um retrato aí.<br />

Quan<strong>do</strong> houve a (gripe) espanhola, o <strong>do</strong>utor<br />

Gabriel Junqueira era o gerente. Uma coisa horroro-<br />

sa! Ele levou meu pai lá pra casa dele, pra tomar con-<br />

ta dele lá. As Irmãs Carmelitas tomou conta de lá de<br />

casa, porque o papai é que fun<strong>do</strong>u o orfanato para<br />

elas. Tem retrato dele lá (no orfanato). Então elas iam<br />

pra lá e ficou tratanto da gente. Naquele tempo as<br />

Irmãs eram outra coisa... Eu perdi uma irmã...<br />

Eu me lembro daquela turma velha, aquela<br />

turma ali da Praça Santa Rita. O Alfre<strong>do</strong> Campos... Já<br />

morreu to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, os médicos daquele tempo, não<br />

é. Naquele tempo não tinha... depois que eles fizeram<br />

esse hospital aqui. Tinha um hospital lá em baixo,<br />

muito pequeno. Era lá... quem vai lá naquela ponte<br />

<strong>do</strong> “Meia Pataca”, ali tinha um prédio que era o<br />

hospital. Eu ainda me lembro daquele hospital. Certa<br />

vez, eu estava até machuca<strong>do</strong>, fui lá e tratei. Mas não<br />

tinha recurso nenhum! Operação, quem tivesse que<br />

66


fazer ia para o Rio. Aqui não tinha não. Os médicos<br />

não eram opera<strong>do</strong>res igual é hoje, não é? Hoje tem.<br />

Hoje tem uma porção de coisa. Está caro, não é? É<br />

verdade, não tinha esse negócio de aposenta<strong>do</strong>ria.<br />

Não tinha nada naquele tempo, não é?<br />

Natal... Natal era aquelas mesas de <strong>do</strong>ce que<br />

era uma beleza! Eu me lembro. Aqui em casa, no mês<br />

de São João, fazia festa de bandeirinha. A Wanda<br />

fazia São João, chamava os outros pra tocar valsa...<br />

A vizinhança, as crianças, tu<strong>do</strong> pra cá! Pé de mole-<br />

que, arroz... Naquele tempo era bom! Era uma festa<br />

de família, linda. O meu quintal era até na Avenida,<br />

então fazia festa ali: fogueira, aquilo tu<strong>do</strong>... To<strong>do</strong> o<br />

ano era ali. Era aniversário de uma menina? Festa!<br />

Aniversário de um, era festa! 2 Cada dia numa casa...<br />

Aqui dava também... Na casa <strong>do</strong> Luiz <strong>do</strong> Carmo, fica-<br />

va aquela enxurrada... Brincan<strong>do</strong>, jogava água, inva-<br />

dia a casa. É, jogava água e molhava tu<strong>do</strong>! Era água<br />

mesmo. Tinha o chafariz ali na rua... Às vezes agarra-<br />

va o sujeito e jogava dentro d’água! Domingo, como<br />

eu já te falei, passeavam no jardim. Aquelas moças<br />

2 ) As festas eram nas casas de família. De primeiro, dava muita brincadeira<br />

– brincadeira de laranja, de maçã – todas as férias de julho. Fazia laranjada,<br />

lembra João? (intervenção de Wanda Kneipp)<br />

67


todas passavam pra lá e pra cá. Tu<strong>do</strong> bem vestidinha,<br />

né. Hoje, acabou isso tu<strong>do</strong>, não tem mais...<br />

Carnaval, antigamente tinha esse negócio de<br />

bolas de cera. Então tinha esse negócio que vendia,<br />

que era uma bola: uns tinha perfume, outros não. Aí<br />

jogava assim... pá... molhava o sujeito! O ruim era o<br />

perfume. Jogava e molhava as costas <strong>do</strong> sujeito to-<br />

<strong>do</strong>! Isso há muitos anos! Eu era garoto, menino, ti-<br />

nha uns oito... dez anos. Era muito anima<strong>do</strong>, lança<br />

perfume em cima. Tinha gente que jogava na vista:<br />

<strong>do</strong>ía. Outros gostavam de cheirar; era perfumada. Eu<br />

mesmo comprava muito lança perfume pra vender.<br />

Muito mais brilho! Muito melhor! Os bailes... faziam<br />

fantasias. Em baile, cada qual fazia a fantasia mais<br />

bonita! Hoje, o pessoal já esta tu<strong>do</strong> fantasia<strong>do</strong> aí, né.<br />

Essas roupas de hoje, antigamente era fantasia! De<br />

rua então era uma beleza! De rua tinha aqueles blo-<br />

cos. O senhor Emílio fazia os blocos aí. Muito interes-<br />

sante! Cantava aquelas mulatas, morenas, tu<strong>do</strong>! Fazia<br />

até concurso para ver quem ganhava. Era anima<strong>do</strong><br />

mesmo! Antigamente tinha o bloco <strong>do</strong> “Flamengo” e<br />

<strong>do</strong> “Operário”: faziam aquelas coisas, que hoje não<br />

tem mais... agora acabou... só <strong>do</strong> clube... O clube <strong>do</strong>s<br />

viajantes era muito anima<strong>do</strong>. Animava muito o car-<br />

naval aqui... A gente fazia no “Comercial” mesmo,<br />

ele era muito anima<strong>do</strong>! Tem aí a Climene Barroso,<br />

68


que foi fantasiada. O Ciodaro, aquele pessoal, mas eu<br />

não me lembro daquilo ali não. Era muito criança.<br />

Eu fazia parte <strong>do</strong> Flamengo Futebol Clube, aju-<br />

dava e tu<strong>do</strong>. Era Atlético, depois passou a Flamengo<br />

Futebol Clube. Esses aí, to<strong>do</strong>s já morreram... Ofir<br />

Ribeiro, o Charrão, aquela turma boa. Jogava mesmo!<br />

Tinha o meu irmão, o Geral<strong>do</strong>, que jogava muito<br />

bem! Eu me lembro daquele tempo <strong>do</strong> Flamengo,<br />

que era uma beleza! As moças iam tu<strong>do</strong> pra lá. A sociedade<br />

ia toda assistir. Era uma festa: dia de jogo era<br />

uma festa! Flamengo e Operário naquele tempo: era<br />

caso sério! Antigamente havia mais amor. Ninguém<br />

ganhava pra jogar. Hoje não, tu<strong>do</strong> é dinheiro! Eu gostava<br />

muito daquele tempo: era uma festa, era bonito!<br />

Tem o Daniel Lopes, que era o presidente <strong>do</strong>... Osório<br />

de Souza... Vinha time <strong>do</strong> Rio... Vinha time <strong>do</strong> Rio,<br />

mesmo, jogar aqui! Naquele tempo a gente fazia sacrifício...<br />

Naquele tempo o campo não tinha grama,<br />

era tu<strong>do</strong> poeira. Aqui na Avenida, o campo era aqui<br />

na avenida onde está ali a “Cima”, a Igreja Metodista,<br />

em frente ao Grupo. Armava circo ali. Naquele tempo<br />

o campo era aberto, quan<strong>do</strong> vinha o circo... Fazia<br />

circo é ali, <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> da “Cima”. O circo era ali, o<br />

futebol era em frente...<br />

Aqui na Avenida Astolfo Dutra fazia a festa<br />

das árvores. Deixa eu ver aqui... plantavam ár-<br />

69


vores... era o prefeito, plantava árvores. Naquele<br />

tempo tinha mais amor às coisas... Eu não lembro<br />

não, eu era garoto... Isso aqui é a Casa Felipe. Aqui<br />

a “Henriques Felipe”, é no fim da Avenida... Essa<br />

Mecânica Cataguases era <strong>do</strong> Antônio Lopes. Já aca-<br />

bou. Ele quebrou... morreu... uma mecânica muito<br />

boa, sabe.<br />

Naquele tempo, a estrada era tu<strong>do</strong> de chão,<br />

não é? Para Miraí, por exemplo, era uma estrada<br />

horrorosa! Era só aquele trenzinho de Miraí. O<br />

trem... linha daqui pra Miraí. O único que tinha pra<br />

ir pra Miraí era o trem. Naquele tempo não tinha estrada,<br />

não é. Depois começaram a fazer estrada, fizeram<br />

estrada para Ubá, né. Isso aí foi em (19)28 a<br />

(19)30 mais ou menos... Não iam mais de trem, iam<br />

de ônibus. Eles deixaram de ir de trem. O trem acabou.<br />

O Maroti foi um <strong>do</strong>s primeiros. Era <strong>do</strong>... Eu me<br />

esqueço o nome dele... Ele botou uma linha de ônibus<br />

para o Rio. Eu esqueço o nome... O Maroti tinha<br />

ônibus também...<br />

Depois veio aquele negócio de fazer filme. Eu<br />

estava mais ou menos com dezesseis, dezessete anos.<br />

Até uma vez tomei parte, dançan<strong>do</strong> lá. O Humberto<br />

Mauro foi muito meu amigo. Quan<strong>do</strong> o Humberto<br />

Mauro fez a festa, eu iluminei a cidade toda! Tem um<br />

livro aí, que é da festa dele, e estão me elogian<strong>do</strong> por<br />

70


causa da festa. O Humberto Mauro é uma coisa mui-<br />

to formidável. Ele trabalhava em eletricidade, eu tra-<br />

balhei com ele também. Começou a fazer filme aqui<br />

em Cataguases. Foi aqui, aqui em Cataguases que ele<br />

começou a filmar. Foi mais ou menos em (19)24, por<br />

aí a fora. A Eva Nil... o Luiz Soroa... Eu me lembro,<br />

tem eu dançan<strong>do</strong> lá (no filme), eu fiz parte <strong>do</strong> baile...<br />

Era ali na Estação. Chiquinho Mauro foi um <strong>do</strong>s ar-<br />

tistas também, <strong>do</strong> “Brasa Dormida”. Eu estava sem-<br />

pre em comunicação com o Luiz Soroa, Eva Comello,<br />

Humberto Mauro, Aghenor de Barros, o pai da Eva<br />

Comello... A Eva Comello era fotógrafa, né, depois<br />

desse negócio de cinema. Era uma criatura muito<br />

boa, distinta! Foi uma coisa formidável! Até hoje ain-<br />

da festejam a memória <strong>do</strong> Humberto Mauro. Eu tra-<br />

balhei muito com Humberto Mauro, ele mexia com<br />

negócio de eletricidade. Aqui o cinema por dentro.<br />

Olha aí, viu? Tem um lugar aí que ficava a polícia. Eu<br />

sou <strong>do</strong> tempo <strong>do</strong> Tom Mix... pagava seiscentos réis<br />

para entrar...<br />

Naquele tempo tinha muito jogo de bicho...<br />

Existia mais <strong>do</strong> que hoje. Jogo de bicho é o jogo mais<br />

sério que tem, não é?<br />

Política naquele tempo era brava, mas eu era<br />

amigo de to<strong>do</strong>s eles. Por exemplo: me chamaram pa-<br />

ra verea<strong>do</strong>r, eu nunca quis porque aqui se você fosse<br />

71


para um la<strong>do</strong>... o outro la<strong>do</strong> ficava mal com a gen-<br />

te. De forma que eu nunca quis, tratava to<strong>do</strong>s eles...<br />

<strong>do</strong>utor Pedro Dutra era meu vizinho aqui. Era um<br />

homem muito bom. Era brincalhão <strong>do</strong>utor Pedro. A<br />

minha filha era pequenininha quan<strong>do</strong> eu mudei para<br />

aqui. O <strong>do</strong>utor Pedro passava a mão na folhinha e<br />

falava:<br />

- Folhinha verde, quem está com a folhinha verde?<br />

Quem estivesse com a folhinha verde, ele da-<br />

va bala. Politiqueiro... A política naquele tempo era<br />

feia mesmo. Mas eu nunca quis salientar em política.<br />

Sempre tratei to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>... Os Peixoto gostavam<br />

muito... O Pedro Dutra também... Política, antigamen-<br />

te era uma coisa horrorosa... Eu já assisti tanta coisa<br />

na política! Eu ficava de longe, via muita coisa, muita<br />

injustiça em palavra <strong>do</strong> homem. Eu sabia a verdade,<br />

mas ficava quieto. Hoje... já me convidaram para ser<br />

verea<strong>do</strong>r agora. Estou com vontade de entrar, sabe.<br />

Estou anima<strong>do</strong> porque eles estão queren<strong>do</strong>:<br />

- Oh João, só o seu nome Kneip! Você pode entrar!<br />

Vai atrás disso, vai!<br />

Eu me lembro... fazia procissão <strong>do</strong> enterro... A<br />

Rua Coronel Vieira, eles tu<strong>do</strong> jogava coisas... E das<br />

portas e janelas, tu<strong>do</strong> com aquelas colchas bonitas<br />

enfeitan<strong>do</strong>... com jarros nas janelas por onde pas-<br />

savam... e bandas de música. Carregavam o Cristo:<br />

72


era só gente maior, da alta sociedade. O Juiz, coisa e<br />

tal, maior respeito... e a banda <strong>do</strong> Rogério atrás. Era<br />

bonito naquele tempo, eu era garoto... João Butiga...<br />

o Ciodário velho eu me lembro dele, o Paulinho<br />

Fernandes... o telefone era da “Força e Luz”. O tele-<br />

fone atendia toda essa zona. Em 1920 ou 22 vendeu o<br />

telefone pra “Telefônica”.<br />

Não havia preconceito não. Eu não me lem-<br />

bro de preconceito não. Havia mais respeito, né...<br />

Morei naquela casa, não tinha nada, só umas cober-<br />

tazinhas, um barraco velho tu<strong>do</strong> bem arruma<strong>do</strong>. E a<br />

“Força e Luz” era pequena também... Tinha o Luiz <strong>do</strong><br />

Carmo... a família <strong>do</strong> Augusto Cunha, gente impor-<br />

tante! Era ricaço! Eu me lembro... só existia o Hotel<br />

Villas... Tinha outro também - Hotel da Estação - era<br />

mais pobre. Também acabou, derrubaram aquilo<br />

tu<strong>do</strong>... Conheci toda turma antiga, mas esqueço é o<br />

nome... Esqueci de muita coisa... eu podia ter da<strong>do</strong><br />

mais, queria dar mais ainda, mas eu an<strong>do</strong> muito es-<br />

queci<strong>do</strong>.<br />

Entrevista<strong>do</strong> em 5/7/1988 por Hedileuza Maria de Oliveira Valadares e<br />

Maria José de Oliveira Paula.<br />

73


M A R I A D A G L <strong>Ó</strong> R I A<br />

A LV E S S I LVA<br />

D O N A D E C A S A<br />

9 0 a n o s<br />

Nasci em Cataguases no dia 28 de<br />

novembro de 1901. Graças a Deus vou fazer noventa<br />

anos agora, o mês que vem.<br />

Meus pais eram brasileiros, nasci<strong>do</strong>s aqui em<br />

Cataguases também. Eu nem sei como é que eles ca-<br />

saram, aqueles <strong>do</strong>is. Ah, porque naquele tempo não<br />

havia namoro, não podia namorar. Uai! Namorava...<br />

um sentava lá, outro aqui. Sentar perto não podia<br />

não. Eu não sei, mas eles viveram muito bem. Na<br />

ocasião em que me conheci como gente, eu já estava<br />

com uns seis, sete anos, oito anos, a gente já compre-<br />

ende, né. Graças a Deus viveram muito bem. A famí-<br />

Foto: Operárias da <strong>Fábrica</strong> de Teci<strong>do</strong>s, Gilson Costa, s/d, acervo iconográfico<br />

<strong>do</strong> IBGE<br />

75


lia da mamãe. Deram bom exemplo pra gente, ele era<br />

muito bom.<br />

Meu pai, Antônio José Maria, era carpinteiro.<br />

Ele trabalhava em casa, né, fazia canoa, guarda-rou-<br />

pa, fazia malas, tu<strong>do</strong> ele fazia. Ele trabalhava no ter-<br />

reiro lá de casa. A pessoa precisava, ia lá pedia a ele,<br />

e ele fazia, só de encomenda. Fazia sozinho. Era ele<br />

só. Lá uma vez ou outra eu ajudava um mucadinho.<br />

Comecei a trabalhar muito ce<strong>do</strong>, né, com dez<br />

anos eu entrei na fábrica <strong>do</strong>s Peixoto. Trabalhei até<br />

vinte e <strong>do</strong>is anos. Aos vinte e <strong>do</strong>is eu saí, fui trabalhar<br />

com uma costureira - D. Elza. Com dez anos eu esta-<br />

va trabalhan<strong>do</strong> na fábrica. Tinha uma com sete tam-<br />

bém, até morreu lá dentro, né. Ela ia apanhar uma<br />

espula assim no chão, o cabelo dela - um cabelo mui-<br />

to grande, né - enrolou ela aqui, ela morreu. Ainda vi<br />

ela morrer assim. Até (que) parasse a máquina...<br />

(Eu) trabalhava nos teares. Até que os teares<br />

não era muito pesa<strong>do</strong> não. Era um tear menor. Não<br />

é aquele grandão não. Aqueles que faz maior, né, as<br />

toalhas, o americano, o pessoal que tecia. Tinha o<br />

estreito e tinha o largo. Era o mesmo horário (<strong>do</strong>s<br />

adultos). Entrava às seis horas da manhã. Saia às<br />

dez pra almoçar, voltava às onze e saia às seis da<br />

tarde. Quan<strong>do</strong> fazia serão saia às cinco e voltava às<br />

seis. Quan<strong>do</strong> estava aperta<strong>do</strong> de pano pra entregar, a<br />

76


gente entrava às seis da tarde outra vez e saia às dez<br />

da noite. A gente ganhava por metragem. Se tivesse<br />

cem metros ganhava os cem, conforme o teci<strong>do</strong> que<br />

a gente fizesse, os metros. Era pago por metragem.<br />

Ah, tinha os mestres, né, pra ensinar a gente. Era fá-<br />

cil! Eu graças a Deus não tinha nada que queixar não.<br />

Meu mestre era muito bom. Ah... me lembro só <strong>do</strong><br />

seu Olinto, mas não sei o sobrenome dele não. Era<br />

italiano. Depois de <strong>do</strong>ze anos eu saí, ele ainda ficou.<br />

O chefe era o Manoel Peixoto. Manoel Peixoto, José<br />

Peixoto. Eram os <strong>do</strong>nos da fábrica. Eles tratavam a<br />

gente muito bem, né, mas se falhasse em alguma coi-<br />

sa eles também chamavam a atenção. Era muito bom<br />

pra gente.<br />

Uma moça me chamou pra costurar com ela,<br />

eu sai e fui aprender a costurar.<br />

Uma senhora que tinha aí. Aí fui aprender a<br />

costurar, mas não fiquei lá também não. Não achei<br />

bom costurar não, era muito para<strong>do</strong>. Depois voltei<br />

pra fábrica de novo, trabalhei uma porção de anos<br />

ainda. Naquele tempo não tinha aposenta<strong>do</strong>ria não.<br />

Não tinha nada não minha filha. A gente saía com<br />

uma mão atrás e outra na frente. Não tinha nada dis-<br />

so não.<br />

Ah, meu filho! Pra te falar a verdade... antiga-<br />

mente a gente não tinha infância não... Porque... tra-<br />

77


alhava fora, uai! Chegava em casa cansada, né, às<br />

vezes ia até <strong>do</strong>rmir, não tinha esse negócio de brinca-<br />

deira, brinque<strong>do</strong>s, essas coisas não. Eu tenho muita<br />

lembrança não. Eu morava em frente à fábrica, numa<br />

casa velha que tinha lá. Nós morávamos lá. E de ma-<br />

neira que eu não me lembro bem não. A mamãe era<br />

muito... como se diz, era severa pra gente. Não deixa<br />

a gente brincar com qualquer moça, qualquer criança.<br />

De maneira que a gente tinha aquele respeito. Ficava<br />

mais dentro de casa.<br />

Estudei. Com sete anos, quan<strong>do</strong> inaugurou o<br />

grupo (Coronel Vieira) eu entrei. Entrei no primeiro<br />

ano, fiz até o terceiro, o quarto não fiz não. Eu não<br />

podia comprar material pra gente estudar. Quan<strong>do</strong>...<br />

a gente pedia coisa a ele, às vezes um caderno, um<br />

lápis, uma coisa assim, papai dizia que não tinha<br />

dinheiro pra comprar. Ele ganhava dez... era dez<br />

tostões por semana. Eu não sei como era o dinhei-<br />

ro antigo. Dez tostões ele ganhava por semana. Era<br />

eu, Conceição, papai, mamãe e o Nonô, meu ir-<br />

mão, Nonô, sapateiro. Cê lembra dele? Tinha as tias.<br />

Quan<strong>do</strong> a vovó morreu, foram duas tias morar com<br />

a gente também. Aí quan<strong>do</strong> apertou aqui na cidade<br />

nós fomos pra roça. Fui criada lá no Esta<strong>do</strong> (Colônia<br />

Major Vieira). Aí perto onde morreu aquela menina<br />

<strong>do</strong> Francisco Tole<strong>do</strong> (Raquel). Naquela lagoa que ti-<br />

78


nha aquele negócio de fazer travesseiro... paina. Ela<br />

morreu afogada ali, né. Minha casa ficava lá em ci-<br />

ma. Foi antes de sete anos que nós viemos pra cidade.<br />

Nós viemos pra cidade estudar. Depois quan<strong>do</strong> eu...<br />

quan<strong>do</strong> nós estudamos, eu, Nonô e Conceição, vol-<br />

tou pra roça de novo. Eles davam a terra pro pessoal<br />

plantar - O Esta<strong>do</strong>. Ali papai plantava milho, planta-<br />

va feijão, a gente ajudava, né, na roça também. Tu<strong>do</strong><br />

que a gente fazia era da gente.<br />

Iiiih, mas era tão bom! Eu achava bom lá no<br />

Esta<strong>do</strong>. Eu achava muito bom! Eu morava lá no<br />

alto <strong>do</strong> morro, longe. Lá onde ele (o vizinho) gri-<br />

tava a gente ouvia lá em casa. Era um nosso pri-<br />

mo. Chamava Alberto. Mora lá em cima no morro.<br />

Vizinho perto mesmo não tinha não... Não sei quem<br />

foi morar na casa lá, porque quan<strong>do</strong> nós viemos pra<br />

cidade não voltamos mais lá. Dizem que aquela casa<br />

está de pé até hoje. É no caminho de Itamaraty. A úl-<br />

tima vez que eu passei pra ir em Itamaraty... da estra-<br />

da a gente via a casa lá nos fun<strong>do</strong>s.<br />

De lá <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> a gente vinha até na Igreja, de<br />

dia. Nasci na Metodista. (Meus pais) já eram meto-<br />

distas. Fui criada ali naquela igreja perto da cadeia.<br />

Ali que eu fiz a minha “Profissão de Fé”. Sou meto-<br />

dista desde que nasci, graças a Deus! Alfre<strong>do</strong> Duarte,<br />

Juvenal Pereira, Seu Guerra - teve muito pastor<br />

79


aqui - Bittencourt, acho que João de Barros também.<br />

(Quan<strong>do</strong> passou) pra Avenida, o Reveren<strong>do</strong> Kennedy,<br />

um americano, era nosso pastor. Tinha uns outros<br />

(pastores) porque demorou a fazer a igreja. Por causa<br />

de dinheiro, por causa de material. O Afonso Pires<br />

é que fez a igreja. Ele era construtor. Tem aquela<br />

Chácara Pires, lá na Vila Reis, era dele também.<br />

Ah, me lembro quan<strong>do</strong> puseram luz elétrica,<br />

quan<strong>do</strong> furaram os buracos para fincar os postes pra<br />

botar a luz. O Nonô até ainda caiu dentro de um bu-<br />

raco, quebrou um braço ou a perna - mamãe enca-<br />

nou. E me lembro quan<strong>do</strong> puseram luz, mas era uma<br />

luz igual querosene. Acendia às seis horas da tarde<br />

e apagava às dez horas da noite. Ficava tu<strong>do</strong> escu-<br />

ro. (Antes) tinha lampião na rua. A gente não saía de<br />

noite na rua não, tinha me<strong>do</strong>. Não iluminava mui-<br />

to bem não. Mas... um negócio assim que eles bota-<br />

vam em cima de um ferro. Botava um aqui, botava<br />

outro dez metros mais distante. Quase que não ilu-<br />

minava nada não. Devia ser querosene, porque tinha<br />

um homem que chegava com uma tocha e acendia<br />

ele. Tinha um homem que tomava conta. Às dez ho-<br />

ras ele voltava apagan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong>. Tinha só umas ruas<br />

assim, só aqui no centro é que tinha luz. Pra outros<br />

la<strong>do</strong>s não tinha não. Cataguases antigamente era is-<br />

so aqui, só... eu conheci isso aqui tu<strong>do</strong> mato. Da es-<br />

80


quina aqui até lá embaixo no rio tu<strong>do</strong> era mato (Rua<br />

Alfre<strong>do</strong> G. Barroso). Conheci tu<strong>do</strong> mato isso aí. Praça<br />

Rui Barbosa toda cercada de uns pedaços de trilho.<br />

Tinha uns buracos, passava uns arame e cercava a<br />

praça toda. Cavalo... era porco, cabrito, tu<strong>do</strong> que an-<br />

dava na rua entrava pra comer as plantas, né. A gen-<br />

te tinha um portãozinho... você entrava em frente a<br />

padaria Santo Antônio e saía lá em frente o Bemge.<br />

Tinha outro portãozinho lá. Você entra ali e saía lá.<br />

Não podia deixar o portão aberto. A gente tinha que<br />

entrar, passar e fechar. De noite, a gente, às vezes, ia<br />

sentar lá mucadinho, mas não podia porque era mui-<br />

to escuro, tu<strong>do</strong> lampião. A gente tinha me<strong>do</strong>. Mamãe<br />

não deixava a gente sair de noite por causa da escu-<br />

ridão, o lampião quase não iluminava nada. Perigo<br />

mesmo não havia, mas você sabe, o perigo está em<br />

toda parte, né.<br />

Eu andei muito de bonde. Pagava duzentos<br />

réis pra andar de bonde, mas eu andava de graça. Eu<br />

morava na Praça Santa Rita na ocasião <strong>do</strong>s bondes.<br />

Puxa<strong>do</strong> a burro, né. Tinha, acho que três... três ou<br />

quatro bondes. A linha lá na ponte... aquela linha o<br />

bonde não chegou a estrear ela não. O percurso era<br />

na Praça Santa Rita, descia, virava ali no Mulambo<br />

- aqui na Praça Rui Barbosa, aqui em cima - virava,<br />

descia até lá na Estação. Pra lá da Estação tinha uma<br />

81


casa velha lá onde guardava os bondes e os burros.<br />

Eram quatro burros que puxavam o bonde. Não, na<br />

Avenida não (Avenida Astolfo Dutra). Nessa ocasião<br />

não tinha Avenida não, era tu<strong>do</strong> mato e tinha aque-<br />

le córrego. Aquele córrego que tem perto <strong>do</strong> Felipe<br />

(Casa Henriques Felipe), ele passava lá perto da Força<br />

e Luz, por ali assim. Depois passaram ele pra cá para<br />

poder passar a linha de trem. Ali não podia passar<br />

o bonde, porque era tu<strong>do</strong> mato. Conheci a Avenida<br />

desde ali debaixo, onde foi a Carcacena, até lá em ci-<br />

ma, na Usina de Açúcar (atual Praça de Esportes e almoxarifa<strong>do</strong><br />

da Prefeitura). Conheci aquilo tu<strong>do</strong> mato,<br />

não tinha casa nenhuma não. Era tu<strong>do</strong> mato, foi tu<strong>do</strong><br />

capina<strong>do</strong> ali. Só sei que eu andei muito de bonde e<br />

o moço não cobrava nada porque era garotinha, tinha<br />

idade, mas era muito magrela, ele achava que eu<br />

era nova e deixava eu andar. (Funcionava) dia inteiro,<br />

à noite não, até seis horas da tarde. (Era) mais pra<br />

passear. Ih... tinha ocasião que ele enchia de gente. O<br />

burrinho coitadinho, é que cansava, né. Era muito<br />

bom aquele bondinho. Eu sei que tinha um condutor<br />

e tinha o que recebia as passagens, né, que a gente<br />

levava, mas não lembro muito bem deles não. Eram<br />

muito amigos da gente, mas não me lembro não.<br />

O Hospital era ali onde era o beco, Vila Duarte.<br />

Ali era o Hospital antigo mesmo. Era ali, nas du-<br />

82


as partes ali. Aqui, nessa rua de lá. Rua Professor<br />

Alcântara. E, aquela escada. Ali que era o Hospital.<br />

Vila Duarte, agora é Vila A<strong>do</strong>lfo de Carvalho (pró-<br />

ximo à antiga Telemig). Até uma ocasião tinha uma<br />

Dona que morou lá, numa casa daquela, disse que de<br />

noite as coisas mexia na casa dela, tirava as panelas<br />

<strong>do</strong> lugar botava em cima <strong>do</strong> fogão, parecia que mexia<br />

nas panelas. Diz que era os defuntos que... alma <strong>do</strong>s<br />

defuntos que ficou lá. Falei assim:<br />

“Ah deixa de ser boba menina! Quem morre<br />

não volta aqui não”. “Ah, mas mexe sim! Mexe nas<br />

minhas panelas a noite inteira”. Bobagem, né.<br />

Na inauguração <strong>do</strong> Hospital, onde é hoje, eu<br />

fui. Acho que foi... o mês eu não me lembro, mas foi<br />

em 1923. Aquela ponte metálica... lembro da inaugu-<br />

ração dela também. Agora, essa última inauguração<br />

que teve quan<strong>do</strong> pintaram ela e arrumaram, eu fui<br />

também. Conheci (a ponte de madeira). Era onde...<br />

sabe lá <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> da ponte? Tem rua que tem<br />

uma meia entrada assim, ali que era a ponte. Saía lá<br />

no colégio das Irmãs. Eu um dia eu vim com a ma-<br />

mãe pra Igreja, nós viemos to<strong>do</strong>s juntos, eu enfiei o<br />

pé no buraco, a tábua quebrou comigo, quase que eu<br />

caí dentro <strong>do</strong> rio, lá na ponte de tábua. Iiiih! Mas tava<br />

muito velha, precisava tirar mesmo, na ocasião que<br />

fizeram essa de ferro. Alemã, né, acho que é alemã.<br />

83


Num instantinho construíram a ponte. E desmancha-<br />

ram a de lá. E teve gente que chorou, por tal ponte<br />

ter acaba<strong>do</strong>, a ponte de madeira. To<strong>do</strong> <strong>do</strong>mingo eu<br />

passava nela pra ir à Igreja. Vinha lá <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> a pé.<br />

Passava por ela e saía onde é o colégio das Irmãs hoje.<br />

(Ali) não tinha nada não. (Tinha) uma igrejinha pequenina<br />

que tinha lá. Uma capelinha. Atravessava a<br />

ponte, ia pra Igreja. Vinha nessa perto da cadeia, porque<br />

não tinha outra lá não.<br />

“Da Maria Fumaça”? Lembro, muito mesmo.<br />

Andei pra Miraí. Era a “Maria Fumaça” que ia pra<br />

Miraí, aquele trem velho, aquela maquininha pequenininha.<br />

Era uma fumaçada mesmo! Eu fui muito a<br />

Miraí na “Maria Fumaça”. Quan<strong>do</strong> a minha amiga<br />

casou que foi morar lá, eu ia lá sempre. Era a “Maria<br />

Fumaça” que rodava. Parecia que era muito longe.<br />

Era tão pertinho! Ia uns dez (passageiros), quase não<br />

ia ninguém não. Se tivesse gente para embarcar ele<br />

parava (em São Diniz), se não tivesse não parava não.<br />

Depois ia até Glória... Sereno, Glória. Depois tinha<br />

um lugarejo pra lá, aquele parava também. Chegava<br />

em Miraí num instante, dentro de uma hora a gente<br />

chegava lá. Miraí era muito atrasa<strong>do</strong> também, né.<br />

Conheci muito Miraí quan<strong>do</strong> Lila Poyares morava lá.<br />

Lembro! Lembro muito! Antiga aquela chácara!<br />

Era menina e já conhecia aquela chácara, era mui-<br />

84


to bem tratada. Conheci o Seu João Duarte também.<br />

Quan<strong>do</strong> eu trabalhava na fábrica passava lá, o Seu<br />

João Duarte tava lá, no escritório, naquela chácara<br />

em frente ao Hotel Villas, naquela chácara que hoje<br />

está acaban<strong>do</strong>, né. Ele mesmo trabalhava no escritório.<br />

Era português. Dona Catarina era... diziam que<br />

era amiga dele. Eu não sei não. Era uma portuguesa,<br />

morava lá. A <strong>do</strong>na Catarina era uma senhora já... de<br />

quase uns cinquenta anos mais ou menos, quan<strong>do</strong> eu<br />

conheci ela. Era bonita! Ficava sempre no portão, a<br />

gente passava pra fábrica, né, eu abanava a mão pra<br />

ela. Ela morava com seu João Duarte, <strong>do</strong> café.<br />

Humberto Mauro... me lembro. Ele era de cinema,<br />

né. Eu fui lá em Volta Grande pra ir na casa dele,<br />

mas não encontrei com ele não, porque ele estava<br />

viajan<strong>do</strong>. Humberto Mauro foi muito amigo da gente:<br />

ele, os irmãos dele. A Bebe, a mulher dele, era da<br />

nossa Igreja. Um dia desse, um sobrinho meu foi lá<br />

(em Volta Grande) e disse que a casa dele ainda está<br />

lá. Acho que é museu. Diz que é uma chácara bacana<br />

mesmo lá, casa dele.<br />

A Eva Comello eu conheci ela com <strong>do</strong>is anos.<br />

Dois aninhos, quan<strong>do</strong> ela veio para aqui. Trabalhava<br />

no cinema. Eu conheci muito a Eva, foi muito minha<br />

amiga também. Pai dela tinha um cinema aí, acho<br />

que tinha um cinema aonde é a padaria <strong>do</strong> Nelo,<br />

85


por ali assim. E, eles faziam filmagens. Depois mu-<br />

<strong>do</strong>u aqui pra rua... aquela rua que desce pra cadeia...<br />

É Marechal. E ela morava ali com a mãe dela. Ele<br />

(Pedro Comello) era italiano. Dizem que vieram fu-<br />

gi<strong>do</strong>, né. Veio a Eva e veio o irmão dela. Era um casal<br />

só que tinham. Dona Ida que é mulher dele, mãe dela.<br />

Iiiiih!! Rosário Fusco, eu conheci ele chupan<strong>do</strong><br />

bico com <strong>do</strong>is anos. O filho dele, o François, teve na-<br />

moran<strong>do</strong> uma neta minha e então a gente teve lem-<br />

brança <strong>do</strong> pai dele. Eu passava às vezes ali em cima,<br />

ele morava prá lá daquele botequim, in<strong>do</strong> pra praça<br />

(Rui Barbosa), numas casas que tem ali ainda. Perto<br />

da Canuta por ali assim. Eu passava na rua, o Rosário<br />

Fusco estava assentadinho chupan<strong>do</strong> bico. Depois<br />

que ele cresceu, casou... ele foi pra França, né, foi ser...<br />

o que ele foi ser na França? Ele ia ser um negócio na<br />

França. Chegou lá encontrou aquela francesa e casou<br />

com ela, né, depois ele veio pr’aqui outra vez casa<strong>do</strong>.<br />

Morou lá em cima na Avenida, o François nasceu lá.<br />

Dr. Francisco eu lembro, eu lembro porque tra-<br />

balhei na fábrica, ele estava sempre lá. Francisco, o<br />

João, o José, o Manoel - Manoel careca.<br />

Dr. Norberto? Me lembro. Aquele... um terre-<br />

no que tem lá em baixo <strong>do</strong> pontilhão grande, aquele<br />

terreno à direita ali, onde é a fábrica de papel, onde é<br />

a... aquela química (Indústria Química), por ali assim<br />

86


tu<strong>do</strong> era dele. Diz que ele tinha <strong>do</strong>a<strong>do</strong> aquilo tu<strong>do</strong><br />

pro hospital. A fazenda da fumaça também, lá em<br />

Santana, deixou pro hospital. O Seu Anízio Pinheiro<br />

ficou toman<strong>do</strong> conta. Ah, esse, Cataguases tem mui-<br />

ta coisa... as pessoas deixavam uns pros outros sem<br />

ser deles. Às vezes deixava uma coisa pro fulano,<br />

quan<strong>do</strong> ia ver a coisa era <strong>do</strong> outro muito diferente. É.<br />

Não tinha nada. Não tinha escritura, não tinha papel<br />

nenhum.<br />

Quem conheceu Cataguases como eu conhe-<br />

ci! Rua tu<strong>do</strong> chão! As fábricas lá embaixo. Tu<strong>do</strong> de-<br />

sorganiza<strong>do</strong>, né. Se a gente perdesse hora era mul-<br />

ta<strong>do</strong> em <strong>do</strong>is, <strong>do</strong>is mil réis, que era naquela época.<br />

Descontava no pagamento da gente, quan<strong>do</strong> ia pagar.<br />

Perdesse hora de manhã podia entrar pra trabalhar,<br />

mas tinha que pagar os <strong>do</strong>is mil, <strong>do</strong>is mil réis que<br />

eles falavam. Levava to<strong>do</strong> dinheiro que a gente ga-<br />

nhava. Seu Manoel era muito ruim pros operários.<br />

Seu José não, Seu José era muito bom. Altamiro...<br />

mas o Manoel era muito ruim.<br />

Eu só trabalhei naquela lá embaixo (Irmãos<br />

Peixoto). Trabalhei lá 12 anos. Depois de 12 anos<br />

papai me tirou. Achou que eu estava fican<strong>do</strong> <strong>do</strong>en-<br />

te, estava emagrecen<strong>do</strong> muito, me tirou de lá. Em<br />

uma ocasião quase que eu fiquei tuberculosa, uai!<br />

Alimentava mal e trabalhan<strong>do</strong> naquela poeirada!<br />

87


Tinha o sanatório lá em Barbacena, já tinha uma parte<br />

<strong>do</strong> sanatório separada pras operárias daqui. Numa<br />

ocasião, foram cinco de uma vez pra lá, pro Hospital.<br />

Não havia remédio pra isso né. A gente passava mal<br />

e tinha que suportar tu<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> papai me tirou<br />

da fábrica eu estava muito <strong>do</strong>ente. Ele fez um remé-<br />

dio no leite com uma porção de coisa pra mim tomar.<br />

Foi quan<strong>do</strong> eu fiquei mais forte. <strong>Fábrica</strong> não serve<br />

não, a gente toma muita poeira. Hoje tá outra coisa.<br />

Naquele tempo a gente entrava às seis da manhã, ia<br />

até às seis da tarde e voltava... vinha em casa jantava,<br />

voltava e saía às dez da noite. Quan<strong>do</strong> estava mui-<br />

to aperta<strong>do</strong> de pano, de pedi<strong>do</strong>, fazia serão. Um fio<br />

que desse defeito no pano a gente tinha que pagar<br />

ele. Quan<strong>do</strong> a gente recebia uns trocadinhos já era<br />

por milagre de Deus.<br />

Trabalho e Igreja. Trabalhava na fábrica, en-<br />

trava às seis horas da manhã e saía às dez da noite,<br />

né. (lgreja) aos <strong>do</strong>mingos e quan<strong>do</strong> tinha reunião das<br />

moças eu ia também. Mas era mais só aos <strong>do</strong>mingos,<br />

porque, às vezes, dia de reunião a gente não podia ir,<br />

né, por causa da fábrica. Cansava muito também. O<br />

serviço. A fábrica cansa muito. Cansa mesmo.<br />

Olinda Neves, Alice Neves. Elas eram minhas<br />

amigas inseparáveis, essas duas, morreram no Rio.<br />

Acabaram. Tem a Zizinha Marinho também. Era me-<br />

88


todista também. Morava lá na Vila. Antigamente a<br />

gente não tinha tempo de ter amiga não. Porque tra-<br />

balhava fora, estava fora, estava sempre em casa aju-<br />

dan<strong>do</strong> a mamãe no serviço da casa. De maneira que<br />

a gente quase não tinha tempo de sair com as amigas<br />

não. Encontrava um mucadinho no <strong>do</strong>mingo na igreja.<br />

(Praça) Lá uma vez ou outra, que a mamãe<br />

não gostava não. Ela não gostava que agente saísse,<br />

principalmente para ir na praça. Quan<strong>do</strong> a Olinda e a<br />

Alice iam lá em casa pedir, ela deixava dar umas vol-<br />

tinhas. De lá mesmo ia pra Igreja, da Igreja vinha pra<br />

casa. Mas era muito difícil passear assim. Não é igual<br />

hoje: filhas às vezes sai de casa, a mãe nem sabe onde<br />

estão andan<strong>do</strong>. Naquele tempo, a gente tinha de falar<br />

aonde ia. Às vezes ela até mandava o Nonô atrás pra<br />

ver se a gente estava no lugar que a gente pedia. Era<br />

tão severa assim e graças a Deus eu queixo nada, eu<br />

acho que estava muito bom, porque eu fui uma chefe<br />

de família, né, minhas filhas me obedecem até hoje,<br />

são muito boas pra mim.<br />

De noite tinha que ir pra Igreja. Carnaval...<br />

nunca brinquei em carnaval. Mamãe não deixava<br />

não. Circo era proibi<strong>do</strong>. Metodista não ia em circo<br />

não. Uma noite tinha um negócio que ia haver lá no<br />

circo, não sei o que foi, eu sei que foi muita gente,<br />

muito metodista. Aí o pastor não pôde... não deixou<br />

89


de chamar atenção, mas não castigou ninguém não,<br />

porque foi muita gente, né.<br />

(Naquela época) era muito melhor. Parecia que<br />

havia mais amor entre os crentes... No dia da inau-<br />

guração da Igreja nova, lá na avenida, nós saímos a<br />

pé ali de perto da cadeia, fomos cantan<strong>do</strong> hino até<br />

lá. Passamos pela Prefeitura e descemos aquela rua<br />

da “Cima” cantan<strong>do</strong> hino, até lá na inauguração. Dia<br />

vinte <strong>do</strong>is de julho a inauguração da nossa igreja,<br />

mas não lembro o ano não (30/7/1922). To<strong>do</strong> mun-<br />

<strong>do</strong> tinha que ajudar. As crianças da Escola Dominical,<br />

to<strong>do</strong> <strong>do</strong>mingo, levava um tijolo. Tinha que levar um<br />

tijolinho e botar lá. Foi construída com a maior dificuldade<br />

aquela Igreja. Até o Pires trabalhava de graça.<br />

Não cobrava pra fazer, nunca cobrou um tostão<br />

pra fazer a Igreja. A gente dava lá uns troca<strong>do</strong>s a ele,<br />

mas que ele cobrava não.<br />

Pra te falar a verdade, não me lembro da enchente<br />

quan<strong>do</strong> eu era menina, quan<strong>do</strong> eu era mocinha.<br />

Agora, só me lembro de uma... eu morava na<br />

rua <strong>do</strong>... Rua <strong>do</strong> Cabral (Dr. Sobral). Eu lembro de<br />

uma que foi lá no meio de nosso quintal. Chegou<br />

aqui na pracinha (San<strong>do</strong>val Azeve<strong>do</strong>), aqui tu<strong>do</strong>. O<br />

meu quintal, onde eu morava lá em cima, era um<br />

morro, de maneira que dava no meio <strong>do</strong> morro. Só<br />

me lembro daquela enchente grande que dava. Era<br />

90


solteira ainda, morava ali, morava com mamãe o pa-<br />

pai, a Conceição. Não me lembro de enchente que da-<br />

va não. (Agora) a enchente chega até aqui. Qualquer<br />

chuvinha que dá vem enchente. A Déa tinha limpa-<br />

<strong>do</strong> a casa o ano passa<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> foi esse ano (1991),<br />

princípio <strong>do</strong> ano, foi que deu enchente... Ficou tu<strong>do</strong><br />

sujo outra vez. A gente não tem segurança.<br />

Lembro da “espanhola”. Papai ficou mui-<br />

to ruim! A mamãe deu chá de erva-cidreira, aquela<br />

erva-cidreira de capim, fez um chá bem forte e deu<br />

a ele com um negócio lá, com azeite, não sei. Ele te-<br />

ve ruim com a “espanhola”! Uma febre! Era febre só<br />

que dava na gente, mas eu não tive não. Eu trabalha-<br />

va na fábrica, continuei trabalhan<strong>do</strong>. A Lelé, minha<br />

tia, teve também. Teomília que ela chamava. Sarou.<br />

Mamãe deu chá de erva-cidreira a ela com azeite de<br />

mamona, ela sarou. Papai também. Morreu depois. A<br />

única que me lembro de epidemia foi a “espanhola”.<br />

Não me lembro mais de nenhuma.<br />

Ah, a gente dava remédio caseiro. Eu dava<br />

remédio caseiro. Eu às vezes fazia. Plantava em ca-<br />

sa hortelã. Tinha poejo, tinha tu<strong>do</strong> em casa. A<strong>do</strong>ecia<br />

com gripe... qualquer coisa era chá de mato que eu<br />

dava. Dava resulta<strong>do</strong>. Médico uma vez na vida e ou-<br />

tra na morte. Porque não podia pagar médico, mesmo<br />

barato <strong>do</strong> jeito que era, né. Dr. Miranda... Dr. Walter<br />

91


ali que é antigo... o mais velho é o Dr. Miranda. Tinha<br />

outro eu não me lembro bem não. Dr. Otônio era<br />

muito bom. Nunca fui no médico. Ganhei oito filhos.<br />

Parteira. Não, nunca frequentei médico, nunca con-<br />

sultei com médico, este perío<strong>do</strong>, nascia tu<strong>do</strong> em casa.<br />

Na hora que começava a passar mal chamava a par-<br />

teira. Era Dona Rosa Amaral, mãe <strong>do</strong> Antônio Amaral<br />

da Igreja, era da nossa Igreja também. D. Rosa...<br />

“D. Rosa Parteira”. Graças a Deus em três dias levan-<br />

tava, ia cuidar da minha obrigação e não tinha nada.<br />

Era muito desdeixa<strong>do</strong> o comércio. Era ruim<br />

da gente andar, ruim da gente comprar as coisas, tu-<br />

<strong>do</strong> muito... a gente achava caro porque a gente não<br />

tinha dinheiro, mas a gente comprava com muita<br />

dificuldade, muita dificuldade mesmo. Me lembro<br />

<strong>do</strong> Joaquim Peixoto Ramos, que era ali na esquina<br />

onde é o Banco Nacional hoje. Era <strong>do</strong> tamanho <strong>do</strong><br />

Banco. O Fortunato era em frente da Marcelus, o seu<br />

Joaquim Carvalho era ali pra baixo também; depois<br />

lá em baixo tinha o Felipe, o Felipe é antigo ali. A<br />

Nacional também.<br />

Não tinha armazém grande da gente comprar<br />

as coisas não. Era tu<strong>do</strong> pequenino, igual aquele boteco<br />

que tem ali em cima. A gente ia, comprava uma<br />

coisa aqui, comprava outra lá. Custava encontrar<br />

aquilo que queria. Fome graças a Deus, nunca nin-<br />

92


guém passou, né. To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> plantava, to<strong>do</strong> mun-<br />

<strong>do</strong> colhia, né, trazia pra cidade para vender.<br />

Não! Que calçamento! Não tinha nada, era<br />

chão puro mesmo. Ah, o calçamento foi pouco tempo.<br />

Eu estava até em Brasília quan<strong>do</strong> calçaram a minha<br />

rua aqui, resolveram calçar ela.<br />

Me lembro no outro la<strong>do</strong> da ponte, <strong>do</strong> Fla-<br />

mengo. Lá naquele fundão (atrás da Industrial), lá ti-<br />

nha campo <strong>do</strong> Flamengo. Iiiih! Eu ia muito a futebol<br />

lá. Tu<strong>do</strong> uns fulasqueiros! Vinha de Miraí, vinha de<br />

Sereno jogar aqui; a gente ia lá pra distrair. Ah, futebol<br />

antigamente era muito ruim, eu acho, não sei, porque<br />

eu não conheço, né, negócio de futebol. Mas eu gosta-<br />

va <strong>do</strong> Flamenguinho, quan<strong>do</strong> tinha o campinho dele<br />

ali, né. Onde é o SESI, por ali tinha um campinho <strong>do</strong><br />

Flamengo, bom mesmo. To<strong>do</strong> joguinho <strong>do</strong> Flamengo<br />

eu estava lá, torcen<strong>do</strong> prá ele. Era uma vargem ali.<br />

Ah, mais alegre? Ah, acho que quan<strong>do</strong> eu<br />

me casei. Que eu gostava muito <strong>do</strong> Antônio, né, ele<br />

era um mulatinho, ele era um mulato bem fecha<strong>do</strong>.<br />

Mamãe não gostava muito não, mas deixou eu casar.<br />

O dia mais triste da minha vida foi quan<strong>do</strong> ele mor-<br />

reu. Me deixou com os filhos tu<strong>do</strong>. E, (as moças) ca-<br />

savam muito ce<strong>do</strong>, mais eu casei com 30 anos. Não<br />

sei porque eu... fui conhecer o Antônio muito tarde.<br />

O Antônio trabalhava na Força e Luz, depois passou<br />

93


pra telefônica. Quan<strong>do</strong> nós casamos ele trabalhava<br />

na telefônica. Eu casei no dia 30 de setembro de 1931.<br />

Se meu mari<strong>do</strong> tivesse aí... eu fazia sessenta anos de<br />

casada. Nós casamos e fomos pra Muriaé. (Depois)<br />

viemos pra Leopoldina, de Leopoldina fomos pra<br />

Volta Grande. Em Volta Grande fiquei cinco anos. A<br />

Déa, o Udnei, a Loló são nasci<strong>do</strong>s lá em Volta Grande.<br />

Depois voltamos pra Cataguases e estamos aqui até<br />

hoje. Meu mari<strong>do</strong> morreu e nós ficamos aqui. Eu morei<br />

lá na Vila naquele beco <strong>do</strong> Agustinho Rezende,<br />

um beco que tinha ali. Depois morei na Vila Minalda,<br />

e na Vila Duarte. De lá é que o Antônio comprou essa<br />

daqui. Foi a Companhia que comprou pra nós e foi<br />

pagan<strong>do</strong>, foi desconta<strong>do</strong> no ordena<strong>do</strong> dele, né, mas<br />

quan<strong>do</strong> foi daí a nove meses ele morreu. Ficou um<br />

tanto ainda para pagar e eles per<strong>do</strong>aram a dívida,<br />

não cobraram não. Eu fiquei com a casa.<br />

Eu acho que... pouquinho mas tinha (uma pensão).<br />

Mas eu custei boba! Passou acho que sete meses<br />

sem receber um tostão. As meninas trabalhavam<br />

ali na Nogueira embrulhan<strong>do</strong> balas e o Udmar lá na<br />

farmácia <strong>do</strong> José Esteves, é que ajudava. (Tive) oito.<br />

Cinco mulheres e três homens. Graças a Deus são to<strong>do</strong>s<br />

oito vivos: to<strong>do</strong>s casa<strong>do</strong>s.<br />

Ah, Gláucia! Pra te falar a verdade, minha filha,<br />

eu acho que antigamente era mais fácil. Não havia<br />

94


dinheiro não, mas era fácil. Ah, porque as crianças<br />

eram obedientes. Hoje se vê crianças muito rebeldes<br />

pros pais. Os meus filhos, graças a Deus, nunca me<br />

deram trabalho. Nunca me desobedeceram, mesmo<br />

depois que o pai morreu. Eles me ajudaram muito,<br />

principalmente o mais velho, o Udmar. A vida, acho<br />

que era mais fácil, as crianças tinham mais vontade<br />

de estudar. Mas, (ao mesmo tempo) era muito difícil.<br />

Eu ganhava... às vezes eu pedia no grupo um caderno,<br />

folha... aquelas folhas de almaço que eles precisavam,<br />

eu pedia tu<strong>do</strong> no grupo pra eles, eu não podia<br />

comprar. Eu recebia muito pouco, né. Estavam to<strong>do</strong>s<br />

dentro de uma casa ainda, to<strong>do</strong>s comigo.<br />

Eu acho que sou tão feliz! Graças a Deus! Fui<br />

feliz no meu casamento, um mari<strong>do</strong> muito bom.<br />

Tenho saudade dele até hoje. E meus filhos também<br />

são muito bons pra mim. De maneira, que a única<br />

coisa que eu tenho que agradecer a Deus é a bondade<br />

<strong>do</strong>s meus filhos pra mim. São muito bons. Bons<br />

mesmo!<br />

Entrevistada em 3/10/1991 por Gláucia Siqueira e José Luiz Batista.<br />

95


M A R I A M A G A L H Ã E S<br />

P E R E I R A<br />

T E C E L Ã<br />

6 7 a n o s<br />

Sou de Astolfo Dutra, meu pai é<br />

de Astolfo Dutra, minha mãe é de Astolfo Dutra.<br />

Antigamente era Porto de Santo Antônio, depois<br />

passou à cidade de Astolfo Dutra. A minha mãe<br />

é Carolina Maria de Jesus. Meu pai é Aristides<br />

Magalhães Pereira. Eu nasci em 1925. Então, eu gosto<br />

muito da minha terra, sabe. Eu a<strong>do</strong>ro Astolfo Dutra,<br />

mas tem tanto tempo que eu não vou lá!<br />

Eu vim muito pequena pra Cataguases, sabe.<br />

Naquela época, eu era muito pequenininha e gostava<br />

muito de brincar no jardim... Corria aquele jardim<br />

Foto: Maria Magalhães Vieira, 19 anos, Rainha <strong>do</strong>s Operários, Indústria<br />

Irmãos Peixoto, s/a, 15.05.45, Arquivo Instituto Nossa Senhora <strong>do</strong> Carmo<br />

97


de Astolfo Dutra... Eu brinquei muito naquela praça<br />

com as outras colegas, sabe? Brinquei... Eu não saía<br />

da Igreja. Eu era pequena, podia ter uns quatro ou<br />

cinco anos, mas eu gostava muito de ajoelhar nos<br />

pés de Nosso Senhor <strong>do</strong>s Passos e Nossa Senhora<br />

das Dores.<br />

Ficava encantada de ajoelhar ali... Eu tenho<br />

muita vontade de ir em Astolfo Dutra... Ainda vou,<br />

eu tenho conheci<strong>do</strong>s antiquíssimos... é pertinho, mas<br />

minha luta não deixa eu ir. Sempre tem uma coisa<br />

pra resolver to<strong>do</strong> dia! Faço uma coisa, faço outra...<br />

Então, nunca chego a apanhar o ônibus pra poder ir<br />

à Astolfo Dutra... Mas qualquer hora vou aparecer<br />

lá. Lá tem um senhor que eu quero muito ver, com-<br />

preendeu. Ele chama Rui, sabe eu não sei o sobre-<br />

nome dele, porque eu era pequenininha... Ele tinha<br />

venda, eu comprava muito <strong>do</strong>ce na mão dele, sabe.<br />

Rui... eles eram da família <strong>do</strong>s Florianos... São pesso-<br />

as assim que a gente tem uma recordação de infância,<br />

compreendeu?<br />

Nós... o papai tinha uma casa muito grande.<br />

Papai possuiu casa, uma casa muito grande, sabe? O<br />

meu pai comprava café, entendeu. Ele é um Senhor<br />

de Camargo, Joaquim Carvalho, que eu não cheguei<br />

a conhecer. A nossa casa era grande! O salão de pôr<br />

café também era grande! Então, meu pai comprava<br />

98


café junto com esse senhor Joaquim Carvalho, mas<br />

veio uma época... eu não sei te explicar que época<br />

é essa... Foi uma febre de café, sabe. Então meu pai<br />

quebrou junto com Joaquim Carvalho também 3 . Não<br />

sei te dar uma explicação porque eu era criança, na-<br />

quela época. Então, meu pai vendeu a casa lá a troco<br />

de outra casa, pra poder vim pr’aqui. Nem me lem-<br />

bro mais o nome <strong>do</strong> homem que comprou. Naquela<br />

época tu<strong>do</strong> era baratinho, né. Eu era pequenininha e<br />

achei ruim com meu pai de vender aquela casa! Mas<br />

o homem que comprou, dan<strong>do</strong> outra casa a meu pai,<br />

voltou um tanto a ele, compreendeu: dinheiro, por-<br />

que nossa casa era um terrenão! Uma casa grande,<br />

um terreno muito grande, fizeram um prédio nesse<br />

lugar! Então nós viemos pra Cataguases.<br />

Nós moramos ali naquela casa <strong>do</strong> Francisco<br />

Rossi, onde é a Ro<strong>do</strong>viária. Eu conheci o Francisco<br />

Rossi, sabe, tava velhinho... Naquela época eu era<br />

criança... Então, nós viemos pr’ali, nós moramos...<br />

nós mudamos também para vários lugares aqui, depois<br />

que meu pai vendeu... Meu pai chegou a comprar<br />

uma casa, ali na Ro<strong>do</strong>viária. Ele veio pra cá pra<br />

gente poder trabalhar, pra minha irmã mais velha<br />

entrar na fábrica, sabe. O meu pai começou a conser-<br />

3 ) Crise de 1929, com a quebra da bolsa de NY.<br />

99


tar máquinas, concertava relógio, punha mesa nas<br />

máquinas... muito caprichoso, muito! Depois ele vi-<br />

veu disso. Era tão inteligente que na mocidade dele,<br />

ele fez um moinho sem ninguém ensinar! Moinho<br />

d’água, sabe, porque ele já morou na roça também.<br />

Isso não é <strong>do</strong> meu tempo não. Eles que contava e eu<br />

tava sempre ouvin<strong>do</strong> as conversas, né? Então ele fez<br />

um moinho na roça. Você tá ven<strong>do</strong> aquela caixa que<br />

tá ali? Ela tem mais de cem anos! Aquela caixa ali<br />

foi <strong>do</strong> tempo <strong>do</strong> meu pai. É relíquia! É uma madeira<br />

roxa, sabe. É relíquia porque ali ele guardava roupa,<br />

ali em cima daquela caixa ele trabalhava. Aqui em<br />

Cataguases consertava máquina, consertava relógio,<br />

compreendeu? Depois ele vendeu a casa dele aqui...<br />

não comprou mais. Nós ficamos sem casa. Aí, você<br />

sabe... Mas naquela época o meu irmão Elias estava<br />

trabalhan<strong>do</strong>, a minha irmã Dalila estava trabalhan-<br />

<strong>do</strong>... Eu não, eu ainda era muito pequena para tra-<br />

balhar. Eu tava estudan<strong>do</strong> ainda, né. Eu estudava no<br />

Grupo. Eu era pequena ainda...<br />

Eu estudei aqui no Grupo Gui<strong>do</strong> Marlière. Eu<br />

só tenho o terceiro ano. Não estudei mais não, sabe?<br />

Ven<strong>do</strong> os trabalhos da minha mãe, <strong>do</strong> meu pai, <strong>do</strong>s<br />

meus irmãos, um dia eu cheguei perto da minha mãe<br />

e falei assim: - Minha mãe, me tira <strong>do</strong> grupo. Eu paro<br />

de estudar. Vou trabalhar para ajudar a senhora.<br />

100


Aí resolveram. Naquela época eu tava com<br />

treze pra quatorze anos. Eu fiz quatorze anos, a mi-<br />

nha irmã pediu serviço pra mim. Aí o Onofre Correa<br />

Neto arrumou o serviço pra mim. Minha irmã entrou<br />

na Indústria Irmãos Peixoto não sei a época. Eu en-<br />

trei na fábrica com quatorze anos. Eu fui criada den-<br />

tro da Indústria Irmãos Peixoto. Eu não arrependi de<br />

ter para<strong>do</strong> de estudar, porque eu gostava muito de<br />

trabalhar na fábrica. Eu fiquei trabalhan<strong>do</strong> só na fábrica,<br />

foi uma coisa muito boa pra mim. Eu fui criada<br />

dentro da fábrica porque quatorze anos, pra chegar<br />

até o ponto que eu cheguei... trinta e <strong>do</strong>is anos... Eu<br />

trabalhei trinta anos e me aposentei. Mas tive que<br />

trabalhar mais <strong>do</strong>is anos para pagar o INPS. Porque<br />

a gente às vezes falha porque fica <strong>do</strong>ente, né, fica por<br />

conta <strong>do</strong> INPS. Então, aqueles dias, aqueles meses<br />

que a gente falhou é desconta<strong>do</strong>. Então, eu trabalhei<br />

trinta anos. E quan<strong>do</strong> eu me aposentei, eu fiz aquela<br />

festa pros operários! Convidei os operários pra tomar<br />

uma cervejinha na minha casa, como eu te mostrei<br />

no retrato.<br />

Em 1944 mudamos pra casa da Indústria<br />

Irmãos Peixoto, porque minha irmã já trabalhava,<br />

ela arrumou. O Seu Manoel Peixoto deu a casa pra<br />

nós morar. A nossa casa foi ali na Rua José Hardy<br />

Ramos. E ali aquela rua que vai pro pontilhão, pra<br />

101


Vila Reis. Ali, beiran<strong>do</strong> a linha tem um correio de ca-<br />

sa, ali perto da Companhia, aquela Estação Velha. Eu<br />

não sei se você lembra não, porque ali antigamente...<br />

Naquela época, o Seu Mota - que Deus dê a ele um<br />

bom lugar - trabalhava na fábrica e conseguiu, com<br />

Seu Manoel Peixoto, uma casa pra Dalila minha ir-<br />

mã, sabe? Aí nós mudamos e moramos ali quarenta<br />

e três anos. Aquela casa ali, pra mim tem uma relí-<br />

quia. Você nem queira saber! Gosto muito dali, por-<br />

que graças a Deus, fui muito feliz! Os vizinhos são<br />

tão bons! Ali to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é bom, entendeu? Então,<br />

aonde eu vou eu faço amizades. Eu sou muito co-<br />

municativa. Eu gosto de comunicar! Eu gosto de ter<br />

boas amizades! Tem uma senhora que mora ali, você<br />

conhece a <strong>do</strong>na Maria Vargas? Ela deve ter uns 86<br />

anos... Quan<strong>do</strong> eu mudei ela já morava ali. Uma vizi-<br />

nha ótima, só você ven<strong>do</strong>!<br />

Quarenta e três anos eu morei ali: de 1944 até<br />

1987. Eu mudei pr’aqui porque o pessoal agora, eles<br />

tão pedin<strong>do</strong> a casa aos aposenta<strong>do</strong>s, entendeu. Em<br />

1960... eles me ofereceram a casa, pra comprar. O<br />

<strong>do</strong>utor Francisco man<strong>do</strong>u o chefe, não sei se era o Zé<br />

Margato que era o mestre... não sei. Eu sei que ele<br />

man<strong>do</strong>u me oferecer... cem cruzeiros, naquela épo-<br />

ca. Eu queria, mas meu dinheiro era pouco. Eu não<br />

cheguei nem a conversar com ele, só falei que não<br />

102


queria comprar. Foi o erro que eu fiz na minha vida!<br />

Se eu comprasse aquela casa... Eu tô pagan<strong>do</strong> pou-<br />

co porque o <strong>do</strong>no da casa aqui, e a <strong>do</strong>na, são muito<br />

bons para mim. Eles faz um preço camarada aqui pra<br />

mim, compreendeu? Mas eu vejo que aí na cidade<br />

ninguém aluga mais casa por três mil! Eu vou te di-<br />

zer uma coisa: um chefe de família como é que vai<br />

pagar roupa e alimentação? Tá tu<strong>do</strong> caro! Então, eu<br />

falo que o aposenta<strong>do</strong> que ganha um salário devia<br />

ganhar <strong>do</strong>is!<br />

Eu aposentei com um salário. Se eu aposentasse<br />

ao menos com <strong>do</strong>is salários, ainda vá lá, mas eu<br />

aposentei com um salário! Não tá dan<strong>do</strong>, sabe? Não<br />

tá dan<strong>do</strong> porque um salário não dá: tem despesas de<br />

casa, as roupas estão muito caras. Eu sou sozinha e<br />

passo aperto, quanto mais um chefe de família! Eu<br />

aposentei com trezentos e onze... Hoje não está valen<strong>do</strong><br />

nada... Hoje, são três notas de cem, né. Eu recebo o<br />

salário mínimo na minha aposenta<strong>do</strong>ria. Quem ganha<br />

um salário mínimo não dá pra pagar aluguel de casa<br />

não. Não dá não! Não tenho nada! Trabalhei esse anos<br />

to<strong>do</strong>s e não tenho nada! Só tenho minha aposenta<strong>do</strong>ria:<br />

eu vivo da minha aposenta<strong>do</strong>ria. E <strong>do</strong>u graças a<br />

Deus! Dou conselho à mocidade: entra numa fábrica,<br />

entre em qualquer serviço, trabalha, paga o INPS até<br />

aposentar, porque o dinheiro da aposenta<strong>do</strong>ria é sa-<br />

103


gra<strong>do</strong>! É pouco, mas é sagra<strong>do</strong>! Mas o Collor vai dar<br />

um jeito de melhorar isso, não vai? O Collor podia dar<br />

mais um salário pra quem ganha um salário mínimo.<br />

Na época que eu aposentei o <strong>do</strong>utor Francisco<br />

- o Seu Manoel acho que já tinha morri<strong>do</strong> - uma pes-<br />

soa muito boa para os operários... Eu, mesmo apo-<br />

sentada, continuei na casa. Eu aposentei em (19)72.<br />

Mesmo aposentada eu continuei na casa porque o<br />

<strong>do</strong>utor Francisco é uma pessoa muito boa pros operá-<br />

rios. O seu Emanoel é ótimo! O seu Altamiro, o João<br />

Peixoto... Tu<strong>do</strong> foi bom pros operários. Aposentou,<br />

ele deixava ficar, né? Nós somos inquilino bom, eu<br />

fui uma operária muito boa. Graças a Deus fiz por<br />

onde. Eles gostava muito de mim e eu também gosta-<br />

va deles, entendeu? Eu não tenho nada a dizer da fa-<br />

mília <strong>do</strong>s Peixoto porque eles foram muito bons pra<br />

mim. To<strong>do</strong>s eles.<br />

Eu entrei na fábrica em 1939. Eu trabalhei na<br />

tecelagem. Eu trabalhei não sei quantos anos na tecelagem!<br />

Eu mudei de serviço porque eu a<strong>do</strong>eci. Eu<br />

tive problema acho que de rins... não sei, não me lembro<br />

mais. Então eu fui trocada de serviço. Depois da<br />

tecelagem eu trabalhei nos carretéis. Eu fui encarregada<br />

da maquininha de espularia, pra fazer espulas<br />

pras tecelagem, entendeu? Depois eu fui pra sala de<br />

pano, duas salas de pano. A sala pra gente revisar os<br />

104


panos e depois tem outra sala pra gente cortar os pa-<br />

nos, arrumar tu<strong>do</strong> direitinho e despachar, compreen-<br />

deu? São duas salas de pano: uma só pra revisar. A<br />

gente vai revisan<strong>do</strong>, as outras vão cortan<strong>do</strong>. Então eu<br />

trabalhei: tecelagem, carretéis, sala de pano, fui en-<br />

carregada da maquininha de espularia. Eu aposentei<br />

como encarregada da maquininha.<br />

Na tecelagem, o Onofre Correa era o mestre.<br />

Tinha um contramestre, ele morava na Vila Minalda,<br />

tratava ele de Neném. Não sei o sobrenome dele<br />

não. Depois o Riviria também entrou na fábrica.<br />

Eu fui pros carretéis, o encarrega<strong>do</strong> era José Alves.<br />

Encarrega<strong>do</strong> é o mestre; o contramestre é para consertar<br />

as máquinas, consertava tear... Tinha um rapaz<br />

que também trabalhou na maquininha, chamava<br />

Expedito. Tinha o Zé Vieira, que também trabalhava<br />

nos carretéis e na maquininha. Era uma seção só:<br />

carretéis e maquininha. Depois que eu fui pra sala<br />

de pano, o encarrega<strong>do</strong> era o Ciro. Não, era o José<br />

de Souza. Falar nisso tem o Zé de Souza pra você entrevistar,<br />

na casa dele. Ele foi chefão da sala de pano<br />

também. O Ciro também trabalhava na sala de pano<br />

como encarrega<strong>do</strong>, sabe? Tinha... ah meu Deus, ele<br />

já morreu...<br />

Tinha muita gente trabalhan<strong>do</strong> na fábrica: oito<br />

horas, toda vida. Na fábrica, a gente que vai trabalhar<br />

105


tem que dar produção, né. Se a gente trabalhava na<br />

tecelagem, tem que dar produção! Se a gente trabalhava<br />

nos carretéis, tem que dar produção! Se trabalhar<br />

na maquininha, também tem que dar produção,<br />

porque tem que dar conta das espulas pra tecelagem.<br />

A sala de pano também tem que dar produção, porque<br />

se tiver defeito você tem que cortar os defeitos,<br />

separan<strong>do</strong> os panos com defeito e outros panos sem<br />

defeito, entendeu? Os panos sem defeito eles manda<br />

alvejar, limpar tu<strong>do</strong> direitinho e manda despachar.<br />

A fábrica era diferente, quan<strong>do</strong> eu entrei. Tinha<br />

uma roda enorme, compreendeu. E tinha as outras<br />

roda pequena, como no retrato. Olha. Só tem que no<br />

retrato não apareceu a roda grande puxan<strong>do</strong>. A roda<br />

grande rodava todas rodas, da tecelagem toda, sabe?<br />

Depois, passan<strong>do</strong> um tempo, eles puseram um motor.<br />

Neste retrato que tá aqui ainda era as correias, entendeu.<br />

Depois, passan<strong>do</strong> uns tempos, eles tiraram as<br />

correias tu<strong>do</strong> e puseram um motor nos teares. Cada<br />

tear tinha um motor pra gente ligar e trabalhar.<br />

Teve uma época, sabe, que os operários da<br />

Indústria Irmãos Peixoto usou uniforme. E esse uniforme<br />

que eu estou com ele aí no retrato: saia azul,<br />

blusa branca, tênis branco, meia branca, com um<br />

escu<strong>do</strong> aqui no braço. Durante um tempo nós trabalhamos<br />

de uniforme. Depois, não sei o que houve,<br />

106


acabou nosso uniforme. Acho que a gente ganhava,<br />

não tenho certeza, não. Eu não me lembro mais não.<br />

A gente ia de uniforme desfilar. O desfile era muito<br />

bonito dentro de Cataguases. Então teve uma épo-<br />

ca que o João Peixoto trouxe uma pessoa, não sei de<br />

onde, pra poder filmar Cataguases. No dia <strong>do</strong> filme,<br />

quan<strong>do</strong> eles filmaram dentro da Indústria Irmãos<br />

Peixoto, eu estava de uniforme. A Manufatora, eu<br />

não sei se filmaram lá, mas o pessoal da Manufatora<br />

foi filma<strong>do</strong> na rua também. Durante o desfile, dentro<br />

de Cataguases, foi filma<strong>do</strong>. Eu só sei que todas vezes<br />

- 1º de maio, 7 de setembro - nós desfilava, compre-<br />

endeu? Saía a Indústria Irmãos Peixoto, Manufatora,<br />

Industrial, o Colégio das Irmãs, os Grupos, tu<strong>do</strong> saía<br />

pra desfilar. Era uma festa! Banda de música... Tinha<br />

mais de não sei quantos homens, cada um com o seu<br />

instrumento, sabe? Era bonito! Nós ia de uniforme<br />

para desfilar... A banda de música de Cataguases era<br />

muito bacana! Muito bonito, só você ven<strong>do</strong>!<br />

To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> gostava de festa! Coisa boa é uma<br />

festa! E eu gostava: desfilava, carregava bandeira.<br />

Era coisa muito boa mesmo. Tinha tu<strong>do</strong>, to<strong>do</strong>s mes-<br />

mo: homem, mulher... tu<strong>do</strong>. Toda vida gostei de festa.<br />

Quan<strong>do</strong> eu fui eleita pra ser rainha <strong>do</strong>s operários...<br />

Sabe, dentro da Indústria Irmãos Peixoto eles me es-<br />

colheram! Naquela época, minha mãe não gostava<br />

107


muito de baile, não deixan<strong>do</strong> eu frequentar baile não.<br />

Não deixava não! Mas aí, uma senhora - chamava<br />

Lourdes Peixoto - foi candidata, e os colegas me ar-<br />

rumaram pra ser candidata. Eles que venderam vo-<br />

to pra mim, sabe? Eu não vendi nenhum voto. Eles<br />

mesmos, os colegas, vendia votos na rua, dentro da<br />

Indústria Irmãos Peixoto... Aquela que tinha mais<br />

voto ganhava. No final das contas eu ganhei como<br />

rainha da Indústria Irmãos Peixoto. Eles me elege-<br />

ram, sabe? Foi em 1945 que eu ganhei como rainha.<br />

Venderam votos... não sei te explicar direito como foi<br />

o negócio não. Eu só sei que eu ganhei como rainha.<br />

Fui coroada no Clube <strong>do</strong>s Operários. Houve um bai-<br />

le muito bonito, que baile, antigamente, dava gosto a<br />

gente ir! Fui muito feliz! Depois de mim a Elza - não<br />

sei o sobrenome dela - também foi rainha. E teve a<br />

Galiléia, que também foi rainha na Indústria Irmãos<br />

Peixoto, depois de mim. E teve também concurso de<br />

simpatia. A moça que ganhou o concurso de simpatia<br />

saiu da fábrica. A Elza, depois que ela foi rainha, saiu<br />

também. Acho que casou, não sei, foi embora. Só eu<br />

fiquei plantada dentro da Indústria Irmãos Peixoto.<br />

Ali, trabalhan<strong>do</strong>: a durona foi só eu!<br />

João Peixoto organizava isso. Gostava muito<br />

de festa. Aqui dentro de Cataguases João Peixoto tava<br />

em primeiro lugar pra fazer festa pros operários,<br />

108


pra pobreza. Dia 13 de maio: bate-pau. O pessoal ia<br />

desfilar na praça com bate-pau pra lembrar <strong>do</strong>s tem-<br />

pos <strong>do</strong> cativeiro. Eu acho bonito... Cataguases era<br />

anima<strong>do</strong>! Cataguases era anima<strong>do</strong> demais! Agora<br />

Cataguases não é mais esse Cataguases... Você não vê<br />

ninguém fazer festa... Outro dia, na Igreja aqui, eu vi<br />

banda de música atrás da Virgem. Eu falei com mi-<br />

nha colega assim:<br />

- Ah, no tempo <strong>do</strong> João Peixoto, seu Manoel, <strong>do</strong>utor<br />

Francisco tinha muito, sabe. Tinha banda de mú-<br />

sica atrás <strong>do</strong>s operários da Industrial, tinha ban-<br />

da de música atrás <strong>do</strong> pessoal da Indústria Irmãos<br />

Peixoto, então, quan<strong>do</strong> ajuntava era muito bonito,<br />

só “cê” ven<strong>do</strong>! Tempo bom, já acabou...<br />

Eu gosto daquela praça, o busto <strong>do</strong> Zé Peixoto<br />

foi uma homenagem sim. E a praça é bonitinha. Eu<br />

não lembro muito de festa não, mas foi animada<br />

aquela festa ali. Não sei te contar sobre aquela praça<br />

ali não. Não me lembro da festa ali não. Não sei se<br />

houve discurso... Só sei que eles fizeram aquela festa<br />

ali, né?<br />

Eu sei que houve uma festa <strong>do</strong>s “pracinhas”,<br />

mas eu não sei contar não, sabe? Não me lembro, não<br />

me recor<strong>do</strong> da festa <strong>do</strong>s pracinhas não. A única coisa<br />

que eu lembro, é que eles foram lá no salão <strong>do</strong>s<br />

operários. Foi assim: nós estávamos dançan<strong>do</strong>, tinha<br />

109


aile no Clube <strong>do</strong>s Operários. Podia ser quase no-<br />

ve ou dez horas da noite, chegou - não sei se foi o<br />

Pedro Dutra ou Zé Esteves - uma turma de homens<br />

que eram os “pracinhas”. Na hora parou de dançar.<br />

Reuniu os “pracinhas” tu<strong>do</strong> lá no baile. Puseram<br />

banco, mandaram sentar ali, os “pracinhas” assim<br />

em volta e tiraram nossos retratos. Eu, como estava<br />

no baile... Acho que os “pracinhas” venceram a guer-<br />

ra... não sei se é guerra ou se é revolta, não me lem-<br />

bro mais o que era não. Eles vieram embora... Então,<br />

como nós tava no baile dançan<strong>do</strong>, eles chegaram<br />

foram no Clube, reuniram to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e tirou retra-<br />

to. Naquele retrato tá o Pedro Dutra, o Zé Esteves, o<br />

<strong>do</strong>utor Edson, <strong>do</strong>utor Jaime... Tem várias pessoas ali<br />

que hoje em dia - o retrato tá meio embaça<strong>do</strong> - não dá<br />

pra gente reconhecer os outros... Tem o Rolô, que foi<br />

“pracinha”... o Didi foi também. O Didi mora aqui.<br />

É isso mesmo, nós tiramos aquele retrato. Ninguém<br />

esperava quan<strong>do</strong> eles chegaram... Aquela porção de<br />

homem lá dentro <strong>do</strong> salão. Aí eles resolveram, puse-<br />

ram um banco lá e tiraram nossos retratos.<br />

Olha, eu toda vida gostei de baile, gostei de<br />

cinema e rodar aquela praça, passear. Na época que<br />

eu era jovem eu não passeava porque minha mãe<br />

não deixava. A minha mãe não deixava eu sair sozi-<br />

nha, não deixava eu passear sozinha, não deixava eu<br />

110


ir a lugar nenhum. Tinha de ficar rente com ela, ali!<br />

Aonde que fosse, tava comigo. Ela me levava no baile,<br />

com esse meu irmão Elias, que morreu agora. Ele ia<br />

com minha mãe: me levava no baile às nove horas e<br />

quan<strong>do</strong> dava onze horas me trazia pra casa. Ele não<br />

deixava eu ficar até terminar o baile não.<br />

A minha mãe soube me criar, Deus dê um bom<br />

lugar a ela, porque eu agradeço a ela, sabe. Eu agradeço<br />

muito! Eu acho que o filho, uma filha, deve obedecer<br />

pai e mãe, porque é tu<strong>do</strong> na vida! A família da<br />

gente é muito importante. A coisa mais sagrada que<br />

tem na vida da gente. Os pais se pôs filho no mun<strong>do</strong>,<br />

precisa saber criar, porque tem de entregar conta<br />

a Deus. Cê sabe disso? O que minha mãe e meu<br />

pai falava, tava fala<strong>do</strong>! Minha mãe era antiga, desse<br />

tempo antigo, ela é antiguíssima, mas ela sabia criar<br />

um filho. Eu gosto <strong>do</strong> tempo antigo, sabe, porque os<br />

filhos ficam obedientes ao pai e mãe. Minha família<br />

pra mim é sagrada. E uma família distinta, uma família<br />

de gente boa. Uma família que não tem defeito<br />

nenhum. Eu te pergunto: porque os mais novos de<br />

hoje não podem olhar um pai ou mãe, na velhice?<br />

Eles puseram no mun<strong>do</strong>, eles criaram... Educou o filho:<br />

formou pra médico, formou pra engenheiro, formou<br />

pra <strong>do</strong>utor! Porque esses filhos não pode olhar<br />

mãe ou pai na velhice? Eu graças a Deus, eu olhei<br />

111


minha mãe, olhei meu pai e meu irmão. Eu deixei de<br />

me casar. Eu não casei, tô solteirona até hoje porque<br />

tinha um compromisso com o meu pessoal! Como é<br />

que eu ia casar? Também se eu casasse, nem sei como<br />

era minha vida... Já estava viúva já muitos anos, porque<br />

vários rapazes que eu namorei, já se foi... Eu tava<br />

sozinha <strong>do</strong> mesmo jeito. E como eu disse a vocês: a<br />

gente nasce sozinha e morre sozinha. Ninguém vai<br />

com a gente. É ou não é? Tô certa ou não tô?<br />

A vida é essa. Eu não me importo de me envelhecer.<br />

A velhice não é bonitinha? Outro dia no<br />

“Fantástico” 4 passou aquela velhinha, de cabelo branquinho,<br />

com noventa e seis anos. Sozinha. Porque<br />

neste mun<strong>do</strong> é assim mesmo: você nasce sozinho,<br />

termina sozinho... to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> tem sua vez de ir.<br />

Vamos conformar como Deus faz a gente... Na minha<br />

mocidade eu fui muito feliz! Agora estou sen<strong>do</strong> feliz!<br />

Se eu chegar nos oitenta ou noventa, se eu for até lá,<br />

pra mim é sagra<strong>do</strong>... Única coisa que eu acho triste,<br />

aquelas velhinhas no asilo...<br />

Eu me sinto uma pessoa realizada na minha<br />

vida. Minha vida pra mim é boa, uma vida sagrada,<br />

porque fiquei muito junto com pai e mãe, toda vida.<br />

Não me casei. Olhei minha mãe - morreu em (19)53<br />

4 ) Programa que de TV que vai ao ar aos <strong>do</strong>mingos.<br />

112


- depois ficou meu pai - morreu em (19)63 - depois<br />

teve meu irmão mais velho, que foi nosso pai. Meu<br />

irmão mais velho trabalhou, aju<strong>do</strong>u a criar a gen-<br />

te. Ajudava em casa, pagava aluguel, punha manti-<br />

mento dentro de casa. Meu irmão mais velho - Elias<br />

Magalhães Pereira - foi carpinteiro. E tinha apeli<strong>do</strong><br />

de Elias carpinteiro. Ele trabalhou na Igreja de Santa<br />

Rita, trabalhou no Edgard Cunha, trabalhou até na<br />

casa <strong>do</strong> <strong>do</strong>utor Francisco. Trabalhou em vários luga-<br />

res. Então ele ficou esclerosa<strong>do</strong>, sabe. Olhei ele cinco<br />

anos! Eu deixei de passear, deixei de ir em festa, dei-<br />

xei de ir à igreja, tu<strong>do</strong> porque não podia deixar ele<br />

sozinho. Eu era uma companhia, uma irmã. Ele aju-<br />

<strong>do</strong>u papai me criar, então eu olhei o fim da vida dele.<br />

Ele não casou, mas teve um filho. Esse filho dele, que<br />

é o Roberto, também me aju<strong>do</strong>u. Eu criei o Roberto<br />

(depois) que a mãe dele morreu. Com idade de dez<br />

anos ele foi pra minha casa, ficou aos meus cuida<strong>do</strong>s<br />

e <strong>do</strong> pai dele. Criei e eduquei, graças a Deus! Ele es-<br />

tu<strong>do</strong>u no colégio Cataguases, formou conta<strong>do</strong>r, tra-<br />

balha no INPS. Agora está estudan<strong>do</strong> Direito. Este<br />

ano ele forma pra advoga<strong>do</strong>. É casa<strong>do</strong>, tem uma filhi-<br />

nha. Isso é uma felicidade! Pra mim, que sou solteira,<br />

nunca fui mãe, é uma felicidade! Também criei uma<br />

sobrinha - de um aninho até sete anos - hoje ela é casada,<br />

já tem filhos, está no Rio de Janeiro. O que cai<br />

113


nas minhas mãos eu amparo, quer dizer, eu aju<strong>do</strong>. O<br />

que eu puder fazer para ajudar, eu tô pronta pra aju-<br />

dar. Coração bom tá aqui, só falta trato.<br />

Depois que meu irmão Elias a<strong>do</strong>eceu, com ar-<br />

teriosclerose, eu não pude sair. Eu não saía mais de<br />

casa. Eu só ficava dentro de casa, cozinhan<strong>do</strong> e olhan-<br />

<strong>do</strong> ele. Eu aban<strong>do</strong>nei tu<strong>do</strong> pra ficar de olho nele, por-<br />

que estava esclerosa<strong>do</strong>. Eu tomei conta <strong>do</strong> meu irmão<br />

cinco anos. Hoje, graças a Deus, tão quase tu<strong>do</strong> velho,<br />

mas to<strong>do</strong>s aposenta<strong>do</strong>s. Só tá faltan<strong>do</strong> pra aposentar<br />

o Expedito, que trabalhou no Clube <strong>do</strong> Remo e mora<br />

na Taquara. Eu não faço queixa de ninguém, porque<br />

eu fui bem tratada. Eu não tive problema com nin-<br />

guém, entendeu, com ninguém! Trabalhei muito em<br />

política pro Seu Manoel Peixoto. Trabalhei em políti-<br />

ca pro João Peixoto - o João Peixoto foi prefeito - to-<br />

<strong>do</strong>s eles gostava muito de mim. Eu também gostava,<br />

tratava to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> bem. To<strong>do</strong>s os operários foram<br />

bons, porque a coisa melhor na vida da gente é tratar<br />

to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> bem. Não faço queixa de ninguém.<br />

Na casa <strong>do</strong> <strong>do</strong>utor Geral<strong>do</strong>, eu trabalhei <strong>do</strong>-<br />

bran<strong>do</strong> cédula, entregan<strong>do</strong> cédula. Eles punha a gen-<br />

te pra trabalhar, pra <strong>do</strong>brar cédula. Depois de tu<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>bra<strong>do</strong>, a gente ia entregar nas casas, compreendeu.<br />

Eu trabalhei com Adail, com a Minalda Simões. Eles<br />

tiravam uma turminha pra fazer o serviço pra eles,<br />

114


porque naquela época os papelzinho era pequeno.<br />

Tinha folha <strong>do</strong> prefeito, <strong>do</strong>s verea<strong>do</strong>res. Agora, com<br />

uma cédula só, você tem que por o xis. De primeiro<br />

era diferente, já levava a cédula. A gente arrumava<br />

a cédula e ia entregar nas casas pra poder votar. Pra<br />

quem eles quisesse dar o voto, né. Eu trabalhei mui-<br />

to... gostava, gostava muito. Mas eu fui cortada da<br />

fábrica, por causa de política. Não me importo com<br />

isso não... Se alguém falou da minha pessoa, que eu<br />

estava <strong>do</strong>bran<strong>do</strong> cédula, marcan<strong>do</strong> cédula com ba-<br />

ton, eu não ligo pra isso não. Mas eu chorei muito,<br />

na época que eles me cortaram, porque eu a<strong>do</strong>rava a<br />

fábrica! Eu gostava muito de trabalhar. Nós... traba-<br />

lhan<strong>do</strong> pro Peixoto, eu não me lembro mais quem era<br />

o candidato, eu fui acusada. Não sei quem falou de<br />

mim, quem levou meu nome não sei pra quem. Eu só<br />

sei que o Onofre Correa chegou perto de mim e falou:<br />

- Maria, você está despedida.<br />

- Por que? Que que eu fiz?<br />

- Não sei.<br />

- Você pode falar com eles que eu não andei marcan<strong>do</strong><br />

cédula de baton não.<br />

Eu acho até graça! Eu não liguei não, porque<br />

naquela época eu era muito nova. Tinha o meu pai,<br />

tinha a minha mãe, não liguei muito não. Eu só virei<br />

e falei assim:<br />

115


- Fizeram uma calúnia comigo, porque eu não fiz o<br />

que eles estão falan<strong>do</strong> não. Mentira! É mentira! Eu<br />

fui cortada? Não tem importância não!<br />

Eu apenas trabalhava na rua. Eu, a Eva, muitas<br />

moças trabalhava na rua pra tomar conta das pessoas,<br />

levar as pessoas, ensinar onde tinha que votar, ensi-<br />

nar as pessoas como vota. Mas é mentira, eu não fiz<br />

nada disso não... Anulava as cédulas, anulava o voto!<br />

Aí sai, em 1946.<br />

Eu fiquei o ano to<strong>do</strong> estudan<strong>do</strong> lá no seu<br />

Domingos Tostes. A filha dele, a <strong>do</strong>na Dulce dava aula<br />

de bater máquina, uma professora muito boa. Comecei<br />

a estudar, bater máquina. Eu sei mais alguma coisa<br />

porque estudei particular durante um ano. O ano que<br />

eles me cortaram eu fiquei estudan<strong>do</strong>. Foi aí que eu<br />

aprendi mais... até bater máquina: aula de datilografia.<br />

Passou 1946, tô na minha, né. Quan<strong>do</strong> foi em<br />

(19)47 houve outra eleição. Não sei quais eram os<br />

candidatos... Aí eles mandaram o João Ramalho. Ele<br />

foi lá em casa, bateu lá em casa:<br />

- Maria, o João man<strong>do</strong>u falar com você. Se você votar<br />

neles...<br />

- Você fala com eles lá, com João, com <strong>do</strong>utor Manoel<br />

ou com <strong>do</strong>utor Francisco, que eu nunca fui contra<br />

eles. Eu não sou fingida não. Eu sou uma pessoa<br />

muito pontual, muito sincera na minha vida. Eu<br />

116


não votei contra eles não! Eu tô pronta pra traba-<br />

lhar pra eles: voltar pra fábrica pra trabalhar; trabalhar<br />

nas eleições pra eles, como antigamente.<br />

Eu não sei qual <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is, <strong>do</strong>s três... eu não sei<br />

se é o João, se é o <strong>do</strong>utor Francisco, ou se é o Seu<br />

Manoel... man<strong>do</strong>u me oferecer uma vaga na fábrica<br />

de novo, se por acaso voltaria... Aí eles arrumaram<br />

um discurso pra mim. Quan<strong>do</strong> foi no dia da festa <strong>do</strong><br />

comício, eles arrumaram um papel pra eu falar. Fui.<br />

Trepei no palanque, falei bonito! Decorei o meu papel:<br />

um discurso a favor <strong>do</strong>s Peixoto, a favor <strong>do</strong> candidato,<br />

que eu nem lembro mais quem era... Eu não<br />

me lembro quem fez o discurso. Eu só sei que eles<br />

me deram o papel pra falar. Aí eu decorei o papel e<br />

falei. Aí eu fiz o meu discurso.<br />

Aquela turma, aqueles colegas da gente, tava<br />

tu<strong>do</strong> assim perto <strong>do</strong> palanque. Aquela festa toda, as<br />

bandeiras... Seu Mota também estava no meio - Deus<br />

que dê um bom lugar a ele. A gente trabalhava tu<strong>do</strong><br />

em política. Aí, na mesma hora eu vim parar cá<br />

dentro da fábrica, junto com a turma. Quan<strong>do</strong> foi no<br />

outro dia, eu já estava trabalhan<strong>do</strong>.<br />

Eu gosto muito da família <strong>do</strong>s Peixoto, porque<br />

eles foram muito bons pra Cataguases. Se alguém fala<br />

deles, eu não tenho nada com a vida <strong>do</strong>s outros.<br />

Cada um tem o seu problema. Cada pessoa tem um<br />

117


mo<strong>do</strong> de ver. Então, eu não tenho nada a dizer deles.<br />

To<strong>do</strong>s eles são bons pra mim. Eu sou muito feliz. Fui<br />

muito feliz. Foi muito bom. Até hoje, se eles quiser eu<br />

vou lá fazer um cafezinho pra eles lá. É mesmo, eu<br />

gosto de lidar com as pessoas. Eu não tenho nada a<br />

dizer <strong>do</strong>s Peixoto. Eles foram bons patrões.<br />

Metade da minha vida foi na Vila Rezende.<br />

Naquela época era umas casas, agora está tu<strong>do</strong> mu-<br />

da<strong>do</strong>. Agora, um vai compran<strong>do</strong>, vai renovan<strong>do</strong>...<br />

Hoje, a vila tem muitos prédios bonitos. Os antigo<br />

eles vão compran<strong>do</strong>, vão desmanchan<strong>do</strong>... vai reno-<br />

van<strong>do</strong>. A cidade de Cataguases, hoje, é outra cidade.<br />

Do jeito que a gente viu, antigamente...Porque aque-<br />

las casa antiga tá se acaban<strong>do</strong>... Tá fazen<strong>do</strong> prédio,<br />

fazen<strong>do</strong> apartamento... Tem que melhorar a cidade.<br />

Antigamente as pessoas tinha amor às casas, tinha<br />

amor a um objeto. E a gente entrava naquela Igreja<br />

Santa Rita... Era uma coisa antiga, a gente achava bo-<br />

nito. Era bonita!<br />

Vai mudan<strong>do</strong> os tempos, vai renovan<strong>do</strong> os<br />

tempos, as pessoas vão derruban<strong>do</strong> as coisa antiga e<br />

fazen<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> novo. A Igreja de Santa Rita era mui-<br />

to bonita... Eu não me lembro quem quis fazer ou-<br />

tra matriz... A população de Cataguases aumentou<br />

muito! Cataguases agora é uma cidade maravilhosa!<br />

Uma cidade muito bonita! Você vai na praça e você<br />

118


só vê juventude! Cataguases tem muita gente nova,<br />

bonita. Cataguases tá renovan<strong>do</strong>. Lá uma vez ou ou-<br />

tra, você vai na praça, cê vê aquela colega antiga, que<br />

você tinha antigamente. Eu tinha tanta colega! Tem<br />

a Judite, A Judite é a única colega que eu saía mais,<br />

passeava na praça. Essa irmã da Elvira, que mora ali<br />

perto <strong>do</strong> CB, foi minha colega de passeio. Trabalhou<br />

na fábrica comigo. Naquela época tive várias colegas,<br />

sabe. Tinha a Arlete, <strong>do</strong> Bazar René. A Arlete não foi<br />

operária não, mas ela era minha colega de passear na<br />

praça.<br />

Baile é a coisa melhor que tem! O divertimento<br />

melhor que tem, eu acho que é baile! Baile assim<br />

familiar somente. Baile direitinho, como antigamente<br />

tinha. Tinha o Clube <strong>do</strong> Operário atrás da Estação.<br />

Aquele correio de casa que tem ali... o Clube <strong>do</strong><br />

Operário era ali, um salão muito bom, prédio novo...<br />

Eu dançava muito no Clube <strong>do</strong> Operário... Agora<br />

já tu<strong>do</strong> velho... O Emílio era ali onde é o Sindicato<br />

<strong>do</strong> Fun<strong>do</strong> Rural, o Clube <strong>do</strong> Emílio era ali. O pessoal<br />

gostava muito porque o Emílio, quan<strong>do</strong> punha o<br />

pessoal dele pra sambar na rua, minha filha! Vou te<br />

contar! To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> gostava de ver aquela turma dele<br />

nos carnavais! Tinha carruagem bonita! Na minha<br />

época o Clube <strong>do</strong> Operário fazia carruagem também.<br />

No carnaval eu saí numa carruagem vestida de rai-<br />

119


nha. Um vesti<strong>do</strong> muito bonito! Aquele vesti<strong>do</strong> ali, to-<br />

<strong>do</strong> borda<strong>do</strong> de vidrilho. Eu não me lembro mais se<br />

eu ganhei, se eu comprei aquele vesti<strong>do</strong>... Não me<br />

lembro mais... Eu só sei que arrumei a costureira. Ela<br />

chamava Carmem, essa senhora que fez este vesti<strong>do</strong><br />

lin<strong>do</strong>. Ela era costureira e eu sou madrinha da filha<br />

da Carmem. A menina chama Dirce. Ela me deu a<br />

menina pra batizar... Ela era esposa de um senhor<br />

magro, alto, branco...<br />

Ganhei a taça. Eu trouxe a taça pro Clube<br />

<strong>do</strong> Operário. Era um clube muito bom, respeita<strong>do</strong>r.<br />

Tinha polícia toman<strong>do</strong> conta <strong>do</strong> clube. O Mário<br />

da Paixão também frequentava muito o Clube <strong>do</strong><br />

Operário, o Clube <strong>do</strong> Emílio... Era cem por cento, não<br />

tinha briga nem nada... O Lord Clube, eu ainda era<br />

criança, eu vinha com minha irmã olhar. Nunca dancei<br />

não, os de menor não entrava no baile. O Lord<br />

Clube era em frente à Indústria Irmãos Peixoto, ali<br />

onde é aquela padaria. Então, as moças se apresentavam<br />

muito bonitas, vesti<strong>do</strong> compri<strong>do</strong>. Antigamente<br />

as moças se vestiam bem, era charmosa... Os homens<br />

também se apresentavam de terno; gravata... Muito<br />

bonito! No Comercial eu entrei uma vez, numa festa<br />

que houve lá. Uma vez eu entrei, nem me lembro<br />

mais... ali no Comercial era muito anima<strong>do</strong>! O cinema<br />

era anima<strong>do</strong>! Olha, ia gente pro cinema! Tu<strong>do</strong> ia<br />

120


pra primeira sessão - tinha primeira e segunda sessão,<br />

né - nós ia pra primeira pra depois a gente poder pas-<br />

sear na praça. A gente saía às oito horas <strong>do</strong> cinema,<br />

a praça tava cheia! Hoje, eu vou à praça e fico recor-<br />

dan<strong>do</strong>, sabe, lembran<strong>do</strong> daqueles tempos... Era mais<br />

anima<strong>do</strong>! Você chegava na praça sete horas... aquela<br />

turma de rapaz, de homens, tu<strong>do</strong> engravata<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong><br />

de terno passean<strong>do</strong> em volta. A gente, as moças, pas-<br />

seava de um la<strong>do</strong>, os moços de outro. A gente, naque-<br />

la época, só flertava. Flertava com um, flertava com<br />

outro, depois a gente escolhia com quem queria falar.<br />

Eu gosto muito daquele tempo. É um tempo muito<br />

bom, gostoso... Eu não sei se porque o pessoal tem<br />

muito carro, (hoje) só passeia de carro, né.<br />

Eu sou católica toda vida. Eu sou da Irmandade<br />

de Nossa Senhora <strong>do</strong> Rosário.<br />

Eu sou da Irmandade <strong>do</strong> Sagra<strong>do</strong> Coração<br />

de Jesus, São José e Santa Rita, desde o tempo que<br />

o Padre Antônio veio pra essa Igrejinha aqui. Antes,<br />

eu frequentava muito a Igreja de Nossa Senhora <strong>do</strong><br />

Rosário, frequentava a Igreja de Santa Rita. Eu era<br />

muito católica, não perdia uma procissão! Você sabe<br />

que Deus ajuda muito a gente nas horas que mais a<br />

gente precisa. Nós devemos ter muita fé em Deus!<br />

Pedir a Deus sempre proteção, compreendeu. Pedir<br />

pra ter uma vida boa neste mun<strong>do</strong>. Desde que eu<br />

121


nasci, o meu tempo foi bom. Eu tenho essa felicidade<br />

na minha vida, porque eu acho a vida boa. Eu acho<br />

a vida gostosa! A gente precisa de aprender viver. Se<br />

você não fizer sua parte, quem vai fazer? Eu, graças<br />

a Deus, até hoje me sinto muito alegre, tenho alegria!<br />

O que eu tô contan<strong>do</strong> aqui... esse grava<strong>do</strong>r...<br />

muita gente não vai acreditar! São coisas que eu nunca<br />

falei com ninguém. Você está me entrevistan<strong>do</strong>,<br />

me fazen<strong>do</strong> pergunta, eu estou contan<strong>do</strong> a minha vida.<br />

Eu gosto de lembrar <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>. Tem muita gente<br />

que não gosta da idade, nem gosta de falar. Mas<br />

eu não ligo não, porque minha mocidade foi muito<br />

bonita. Meu tempo de mocidade foi bom... Se você<br />

quer viver muito, você tem que chegar na velhice...<br />

se você não quiser... tem que morrer novo... Cada um<br />

lembra <strong>do</strong> seu passa<strong>do</strong>. O meu passa<strong>do</strong> foi maravilhoso!<br />

Até hoje tá sen<strong>do</strong> bom. Não tenho nada, mas<br />

tenho Deus comigo! O que eu estou dizen<strong>do</strong> aqui é<br />

sobre minha vida, é o meu passa<strong>do</strong>. Sobre o passa<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>s outros, eu não sei informação. Eu agradeço e fico<br />

muito satisfeita de você estar aqui comigo, me fazen<strong>do</strong><br />

perguntas, compreendeu.<br />

Entrevistada em 27/6/1990 por José Luiz Batista e Gláucia Siqueira.<br />

122


123


124


M A R I TA G U I M A R Ã E S<br />

C O S TA C R U Z<br />

D O N A D E C A S A<br />

7 4 a n o s<br />

Minha família é de fazendeiros, lá<br />

de Campo Limpo. Hoje Campo Limpo é chama<strong>do</strong><br />

de Ribeiro Junqueira, (município de) Leopoldina.<br />

Naquela época a pessoa era fazendeira, era rica,<br />

comprava título. Por exemplo, meu pai era coronel,<br />

uai! To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> o chamava de Coronel Chico<br />

Guimarães. Antigamente era assim: era rico, era coronel.<br />

A pessoa era rica, era fazendeira, tinha muito<br />

Foto: Fazenda <strong>do</strong> Coronel Arthur da Costa Cruz (Fazenda Bom Retiro),<br />

Alberto Landóes, s/d, Departamento Municipal <strong>do</strong> Patrimônio Histórico<br />

e Artístico de Cataguases<br />

125


café, muita coisa, comprava título: era coronel. Meu<br />

pai, Francisco Ribeiro Guimarães, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> só<br />

chamava de Coronel Chico Guimarães. Minha mãe,<br />

Cecília Ventura da Silva Guimarães era lá de Barra<br />

<strong>do</strong> Piraí, Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio. A minha mãe é fluminense,<br />

né. Papai é que é português. A Marilis é que sabe<br />

contar... Minha família é daqueles Breve... tinha os<br />

Breve miú<strong>do</strong> e os Breve graú<strong>do</strong>, né.<br />

Eu nasci em Campo Limpo, em 1918, e vim<br />

pra cá com 10 anos. Dez para onze anos... eu perdi<br />

pai e mãe e vim pra cá. Minha mãe morreu num ano,<br />

meu pai no outro. Mamãe foi rins, meu pai suicídio.<br />

Desespera<strong>do</strong>, né. Perdeu tu<strong>do</strong>! Tinha um ano que<br />

tinha perdi<strong>do</strong> a mulher, desorganizou tu<strong>do</strong>! Nós tínhamos<br />

uma fazenda muito boa, um sítio muito bom,<br />

muito bem monta<strong>do</strong>, muita fartura! Nós residíamos<br />

em Recreio. Tinha casa própria e tu<strong>do</strong>, em Recreio.<br />

A gente tinha sítio pra passar fim de semana... Tinha<br />

a Fazenda Bocaina, em Campo Limpo. Em Recreio,<br />

uma casa de luxo. Ainda tem lá até hoje, aquela casa<br />

no alto da Igreja. Uma casa de luxo! A nossa casa lá<br />

era <strong>do</strong> tipo desta, né. Meu pai tava muito bem de vida!<br />

Negócio de café: era fazendeiro e tinha armazém<br />

de café. Depois ele perdeu tu<strong>do</strong>, aí desesperou!<br />

Foi em 1930. Meu pai perdeu tu<strong>do</strong>! Perdeu<br />

fazenda, sítio, a casa que morava, carro... Tinha au-<br />

126


tomóvel, tinha tu<strong>do</strong>! Hoje, ainda existe a Fazenda<br />

Bocaina. Era dele... Ele entrou naquela Revolução<br />

de 30. Ele queria tanto morrer, que ele entrou<br />

na Revolução de 30. Ele foi eleva<strong>do</strong> a tenente na<br />

Revolução, por ato de bravura! Ele era contra a<br />

Aliança Liberal, eu acho que era... Era contra, devia<br />

ser contra... Um dia nós vimos ele e o ordenança che-<br />

gan<strong>do</strong>, lá na porteira... To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> achan<strong>do</strong> que era<br />

as forças federais que tavam entran<strong>do</strong>...<br />

A fazenda produzia açúcar, cachaça, muito ar-<br />

roz, café. Ele montou armazém de café, em Recreio.<br />

Trabalhou muito, também, naquela companhia de<br />

café Monteiro de Barros, lá em Providência. Nós vie-<br />

mos pra cá depois da Revolução de 30. A Revolução<br />

foi em outubro, papai morreu em novembro e eu<br />

vim terminar o quarto ano aqui. Eu era aluna da<br />

<strong>do</strong>na Flávia, esposa <strong>do</strong> Pedro Dutra. O quarto ano<br />

era <strong>do</strong>na Flávia... A Cordélia Dutra foi examina<strong>do</strong>-<br />

ra. Depois eu fiz o curso em Leopoldina, interna no<br />

Colégio Imaculada. Formei lá e vim para Cataguases<br />

trabalhar na Força e Luz. Foi aí que conheci a família<br />

Cruz.<br />

Eu me lembro quan<strong>do</strong> nós ficamos sem nada.<br />

Eu tinha dez pra onze anos. Nós viemos morar aqui,<br />

em frente às Carneiro. Foi a primeira casa que mora-<br />

mos. Saímos <strong>do</strong> conforto e viemos morar numa casa<br />

127


que nem banheira tinha! Era só chuveiro e privada.<br />

Passamos um choque tremen<strong>do</strong>! Sair disso tu<strong>do</strong>, des-<br />

sas grandezas todinha, e morar numa casa aluga-<br />

da! Nós to<strong>do</strong>s ficamos moran<strong>do</strong> com esse irmão, o<br />

Arman<strong>do</strong>, e esta irmã, Marilis... To<strong>do</strong>s eram solteiros,<br />

não tinha nenhum casa<strong>do</strong> na época. Meu irmão mais<br />

velho tinha 22 anos e a irmã mais velha tinha 24 anos.<br />

A Marilis uma heroína! E o Arman<strong>do</strong> também! Foi<br />

quan<strong>do</strong> abriram “A Nacional”. Meu irmão estabele-<br />

ceu junto com o senhor Antônio Rodrigues Gomes.<br />

O irmão mais velho trabalhava na “Nacional”.<br />

Antigamente era ali, perto da Casa Felipe, onde é a<br />

Dirce hoje. Quem tomou conta da família foram os<br />

<strong>do</strong>is irmãos mais velhos.<br />

Quan<strong>do</strong> meu pai perdeu tu<strong>do</strong>, falou que ia<br />

para Belo Horizonte. Arranjou colocação lá em Belo<br />

Horizonte e veio, até com três aluguéis adianta<strong>do</strong>s.<br />

Antigamente era assim: pro cê entrar numa casa ti-<br />

nha que pagar adianta<strong>do</strong>. Quer dizer que ele não<br />

tava com ideia de morrer... Quan<strong>do</strong> foi no dia de<br />

fina<strong>do</strong>s - ele morreu no dia de fina<strong>do</strong>s - ele colheu<br />

muitas flores, pra to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> lá em casa. Ele fez um<br />

buquê de flor pra cada um levar pra mamãe. Lá em<br />

casa tinha muitas flores! Nós estávamos sain<strong>do</strong> pro<br />

cemitério, quan<strong>do</strong> a empregada veio com a notícia<br />

que ele tinha morri<strong>do</strong>. Ele morreu na linha, longe de<br />

128


casa... Ele saiu fora da cidade... Pra nós foi um cho-<br />

que tremen<strong>do</strong>!<br />

Nós tínhamos que começar tu<strong>do</strong> de novo,<br />

porque ele vendeu o que podia vender; o que não<br />

pode vender, deu pros outros. Ele tinha da<strong>do</strong> tu<strong>do</strong><br />

pros outros. Não queria que levasse nada para Belo<br />

Horizonte, só as malas. Ele falou pra Marilis, que<br />

tinha aluga<strong>do</strong> casa e que ia comprar tu<strong>do</strong> de novo.<br />

Então, ela pôs roupa de cama, talher, umas travessas<br />

bonitinhas que a mamãe tinha, uma bandeja muito<br />

bonita - que a Marilinha tem, até hoje, de lembrança<br />

- muita roupa... Foi o que salvou! O resto ela deu<br />

pras nossas vizinhas, lá em Recreio. A Marilis deu<br />

muitas coisas para elas: jarras bonitas, de porcelana...<br />

Nós ficamos sem nada! Veio montar casa aqui, não<br />

tinha nada!<br />

Deus parece que calha tu<strong>do</strong>, que encaixa tu<strong>do</strong><br />

direitinho. O senhor Kleber Miranda tava mudan<strong>do</strong>,<br />

nós compramos tu<strong>do</strong>! Tinha uma prima, que o mari<strong>do</strong><br />

trabalhava na Irmãos Peixoto - Diocélio Tindó, era<br />

guarda-livros na fábrica velha - e tava de mudança<br />

pro Rio; também. Então deu muita coisa pra Marilis<br />

montar a casa.<br />

Estudei um ano aqui em Cataguases, no<br />

Colégio Nossa Senhora <strong>do</strong> Carmo, formei e fui pro<br />

colégio, interna. Fui pra Leopoldina. A Marilinha<br />

129


também estu<strong>do</strong>u interna no Colégio Imaculada.<br />

Fiquei lá até formar, em (19)36. Eu achava ótima a<br />

vida no internato. Gostava muito das freiras. Elas<br />

eram rigorosas, mas davam muito carinho pra gente.<br />

Eu me dava muito bem com essas freiras. Eu ajuda-<br />

va muito na secretaria a passar nota... Eu tenho, até,<br />

um quadro, uma Imaculada Conceição que a diretora<br />

man<strong>do</strong>u pra mim, de presente de casamento. O colé-<br />

gio era aperta<strong>do</strong>. O professor de português, <strong>do</strong>utor<br />

Bandeira de Melo, era muito bom! O professor Gilrat,<br />

de francês. O professor Macha<strong>do</strong>, de matemática. Na<br />

minha época, era aritmética. Eu gostava muito! Eu al-<br />

cancei aritmética até o segun<strong>do</strong> ano normal, depois<br />

passou pra matemática. Eu já não gostava mais. To<strong>do</strong><br />

último <strong>do</strong>mingo <strong>do</strong> mês tinha saída. Saía na Semana<br />

Santa, às vezes no feria<strong>do</strong>. Às vezes eu passava em<br />

casa de conheci<strong>do</strong>s, lá em Leopoldina. Não vinha<br />

aqui não, aquele ônibus era muito ruim! Eu passava o<br />

último <strong>do</strong>mingo em Leopoldina, porque situação não<br />

era das boas, pra ficar trançan<strong>do</strong> pra lá e pra cá, não.<br />

Aqui em Cataguases, eu frequentei pouca festa<br />

porque eu entrei logo pra “Filha de Maria”. Lá em<br />

Leopoldina, eu fui, eu ia a festas, mas não dançava.<br />

Antigamente, quem era “Filha de Maria” era muito<br />

presa. Não podia namorar, não podia dar braço ao<br />

rapaz, só no dia <strong>do</strong> casamento! Toda de branco, só<br />

130


manga comprida... Eu entrei lá no colégio interno.<br />

Lá to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> era “Filha de Maria”. A Nilzinha, a<br />

Nidinha, a irmã da <strong>do</strong>na Titiva, <strong>do</strong> Dr. Edson, todas<br />

eram... elas foram minhas contemporâneas.<br />

Eu formei, um ano e pouco mais ou menos,<br />

quase <strong>do</strong>is, eu casei. Não lecionei não. Trabalhei na<br />

contabilidade, na Força e Luz. O Dr. Junqueira era<br />

muito amigo <strong>do</strong> meu pai, negócio de política. Meu<br />

pai era chefe político lá em Recreio. A minha famí-<br />

lia se dava muito com a família Junqueira. O Dr.<br />

Junqueira era meu padrinho... arrumou colégio pra<br />

mim. Eu estudei por conta dele: Dr. José Ribeiro<br />

Junqueira, tio <strong>do</strong> Dr. Ormeu. Eram três irmãos: José,<br />

Custódio, Sebastião Ribeiro Junqueira. As irmãs, eu<br />

não lembro tanto, só da Pequetita Junqueira. Eu ia<br />

muito na casa dela, quan<strong>do</strong> ia com papai nas fes-<br />

tas em Leopoldina. Meu padrinho vivia pedin<strong>do</strong> a<br />

papai pra me dar pra ele, sabe. Então, nesta época<br />

nós perdemos pai e perdemos mãe, a Marilis escre-<br />

veu uma carta para ele, falan<strong>do</strong> que a gente estava<br />

naquela situação. Ele, imediatamente, escreveu que<br />

podia mandar pra Leopoldina, porque ele tinha ar-<br />

ranja<strong>do</strong> colégio interno pra mim. Fui interna por<br />

conta dele. Quan<strong>do</strong> eu formei, ele arranjou com o Sr.<br />

Manoel Peixoto, político aqui em Cataguases, depu-<br />

ta<strong>do</strong> na época, pra eu ser professora. O Sr. Manoel<br />

131


Peixoto escreveu um cartãozinho dizen<strong>do</strong> que, de-<br />

pois que nomeasse as três afilhadas dele, a primeira<br />

vaga era minha. Ele nomeou as três afilhadas, e nós<br />

sabíamos quais eram, e eu fiquei esperan<strong>do</strong> a minha<br />

vaga. A minha vaga não apareceu! Ele nomeou a fi-<br />

lha <strong>do</strong> Domingos Tostes, que era farmacêutico rico, e<br />

nomeou a Tereza Souza também, que o pai era <strong>do</strong>no<br />

de usina. A minha ficou esquecida, né. Aí a Marilis<br />

escreveu para o Dr. Junqueira de novo, falan<strong>do</strong> que<br />

havia uma vaga na Força e Luz. A Olga ia casar com<br />

o Sicarini, ia haver essa vaga, que ela pedia para<br />

mim. Nós mandamos a carta. Daí a três dias veio<br />

um radiograma para a Força e Luz: “Coloque Marita<br />

Guimarães, haja vaga ou não”! Aí, eu entrei de estalo.<br />

Devia ser fim de (19)37.<br />

Na Força e Luz tinha a Evangelina, a Lurdes<br />

Drumond, a Virita trabalhou também, a Olga... A<br />

Berenice Barroca também era <strong>do</strong> meu tempo. A<br />

Mariazinha Athouguia, a Iracema Fonseca. O escritório<br />

era muito difícil! Trabalhei com o Sr. Gonçalves,<br />

pessoa muito boa. O Afonso Lanna era o chefe.<br />

Afonso Lanna, Sr. Gonçalves, Seu Mourão da <strong>do</strong>na<br />

Cidália, eram os diretores. Na parte de engenharia<br />

era o Dr. Walter, casa<strong>do</strong> com a <strong>do</strong>na Maria, irmã da<br />

Idinha. Depois veio o Dr. Osmar trabalhar na seção<br />

de engenharia. Foi pouco tempo, minha filha, um<br />

132


ano e três meses só. Eu fiquei conhecen<strong>do</strong>... A histó-<br />

ria é tão grande!<br />

Eu fiquei conhecen<strong>do</strong> ele, lá na Força e Luz,<br />

porque ele foi lá fazer um pagamento... tinha uma<br />

menina, que estudava comigo interna, e falava muito<br />

dele, né. A Nair Duarte era namorada <strong>do</strong> José Cruz.<br />

Aí, quan<strong>do</strong> foi um dia, eu estou lá na Força e Luz - eu<br />

estava escreven<strong>do</strong> na máquina - José entra, diz que<br />

foi fazer um pagamento. Nunca tinha visto! Diz ele<br />

que eu fui receber, mas eu não me lembro. Eu olha-<br />

va tão pouco esse negócio de homem, porque eu era<br />

novinha. Tinha dezoito pra dezenove anos, na época.<br />

Arman<strong>do</strong> falava assim:<br />

- Cuida<strong>do</strong> com esses viajantes! Cuida<strong>do</strong> com esses<br />

homens assim mais maduros, porque geralmente<br />

são casa<strong>do</strong>s!<br />

Então, a gente nem olhava quan<strong>do</strong> via um ra-<br />

paz maduro. A diferença dele comigo era dez anos,<br />

né! Ele procurou pelo Sr. Mourão, eu fui lá, chamei o<br />

Sr. Mourão e voltei outra vez pra máquina. E ele cis-<br />

mou comigo na máquina de escrever. Foi embora pro<br />

Rio... Diz ele que estava lá num cassino, não sei onde,<br />

aquela porção de mulher, uma porção de coisa e ele<br />

estava ven<strong>do</strong> só aquela menina escreven<strong>do</strong> à máqui-<br />

na. Ele só via aquela menina escreven<strong>do</strong> na máquina!<br />

Voltou outra vez pra Cataguases... Ele disse que fica-<br />

133


va to<strong>do</strong>s os dias ali em frente à farmácia. Ali, onde é<br />

o BEMGE, tinha a farmácia <strong>do</strong> José Venâncio. Então<br />

ele ficava ali, pra ver eu passar, pra lá, pra cá. Eu sem<br />

saber quem era. Até que um dia ele quebrou o nariz<br />

(montan<strong>do</strong>) cavalo, sabe. Então, nós estávamos na sa-<br />

cada da Força e Luz e eu falei assim:<br />

- Coita<strong>do</strong> daquele rapaz ali, com uma cruz no nariz!<br />

- Ele tá com cruz no nariz e ele é Cruz.<br />

A Clotildes falou. Você lembra da Clotildes,<br />

mãe da Isa? A Isa é prima da Vera, <strong>do</strong> Edinho, que<br />

mora em São Paulo. Pois é, eu falei assim:<br />

- Que Cruz é aquele?<br />

- E o José Cruz.<br />

- Ah, esse é o José Cruz da Nair?<br />

Nesse dia nós começamos a namorar, porque<br />

eu olhei pra lá, vi que ele estava olhan<strong>do</strong> e veio to<strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>:<br />

- Ele tá olhan<strong>do</strong> é pro cê!<br />

Ele ainda brincava comigo e falava sempre<br />

assim:<br />

- Foi preciso eu quebrar o nariz pra você me enxergar!<br />

Não havia meio de você me enxergar! Já tinha<br />

quase três meses que eu estava ali, naquela farmácia,<br />

olhan<strong>do</strong> você passar pra lá e pra cá.<br />

Era filho <strong>do</strong> coronel Arthur Cruz, fazendeiro.<br />

A família de José vem de índio, vem daquele ín-<br />

134


dio Tibiriçá. Eram <strong>do</strong>is irmãos. Um fez a família <strong>do</strong><br />

Getúlio Vargas e outro fez a família <strong>do</strong> José Costa<br />

Cruz. A Marilinha tem um livro... tem a árvore gene-<br />

alógica todinha da família Cruz. Se vocês quiserem<br />

alguma coisa assim, no livro tem tu<strong>do</strong>, tem os funda<strong>do</strong>res...<br />

agora, <strong>do</strong>s Costa Cruz só existem <strong>do</strong>is: a<br />

<strong>do</strong>na Tatá e o Breno. E a Tatá tem uma filha só... e um<br />

entea<strong>do</strong>... a família Cruz vem lá de Itabira.<br />

O <strong>do</strong>utor Joaquim era médico, irmão <strong>do</strong> seu<br />

Arthur. Ele morou naquela Fazenda da Saudade,<br />

ali por Dona Euzébia, que agora ficou pros herdeiros.<br />

E teve (a chácara) Passa-Cinco. O Dr. Joaquim é<br />

pai <strong>do</strong> Antônio Carlos, que morreu há pouco tempo,<br />

que era médico de vista. O José estu<strong>do</strong>u em Além<br />

Paraíba quan<strong>do</strong> menino. Depois foi aqui mesmo, no<br />

Colégio Cataguases. Não quis ir pra fora. O único<br />

que estu<strong>do</strong>u, formou pra advocacia, foi o Afonso...<br />

o Geraldinho estu<strong>do</strong>u também lá em Viçosa... os outros<br />

ficaram... seu Arthur Cruz, ele morou na Vila<br />

onde é aquela chácara <strong>do</strong> João Carroceiro. Aqui<br />

na chácara era um colégio antigamente. Ali nessa<br />

esquina... pegan<strong>do</strong> a casa da Marizinha até na da<br />

Marilinha... Esse quarteirão to<strong>do</strong>, aquela esquina<br />

toda ali, e ainda pegava um pedaço <strong>do</strong> terreno da<br />

Emília. Era uma chácara que tinha um casarão no<br />

meio: era um colégio. Meu sogro transformou esse<br />

135


colégio numa casa. Comprou e veio morar aqui na<br />

chácara. Tinha muitos quartos, salões enormes! Era<br />

um casarão imenso! Tinha <strong>do</strong>is portões, esse portão<br />

que tinha ali na Marilinha era da chácara. Esse meu<br />

também era. Eu me lembro, quan<strong>do</strong> eu casei tinha a<br />

chácara... a Marília é casada com um irmão <strong>do</strong> meu<br />

mari<strong>do</strong>. São duas irmãs casadas com <strong>do</strong>is irmãos<br />

Costa Cruz. Meu sogro era <strong>do</strong>no disso aqui até na<br />

Belém, in<strong>do</strong> ali pro horto. Isso tu<strong>do</strong> aqui era dele!<br />

Eu vim pra cá com dez... seu Arthur já morava nessa<br />

chácara. Ali, onde é hoje o campo de esporte tinha<br />

uma outra chácara que era <strong>do</strong> pai da minha sogra.<br />

O senhor Arthur era muito rico! Tinha muita terra!<br />

Naquele tempo, terra não valia nada, dava até pros<br />

outros. Ele deu pra construir casa. Ele dava terra<br />

pros outros assim à toa. Amigo dele, ele dava posse...<br />

Antônio Amaro também teve muita terra aqui.<br />

Quem deu o terreno pra fazer o Fórum foi o Antônio<br />

Amaro e o Senhor Arthur. Foi ele que deu pra prefeitura<br />

fazer caixa d’água. Eles tinham muito ga<strong>do</strong>:<br />

café e ga<strong>do</strong> leiteiro. O senhor Arthur era produtor<br />

de creme... mandava pra Guarani. Eu acho que antigamente<br />

não tinha esse negócio de botar dinheiro<br />

em banco. Era só produzir, eles queriam era comprar<br />

ga<strong>do</strong>, muito ga<strong>do</strong>! Naquela época o pessoal tinha<br />

mania de ter muito, né. Tinha muitos emprega<strong>do</strong>s,<br />

136


muitas casas de colono. Antigamente tinha muito.<br />

Foram pra fazenda depois... eu não sei se aquela fa-<br />

zenda era deles... era da firma <strong>do</strong> Rama, mari<strong>do</strong> da<br />

Dedé Peixoto. A fazenda foi a leilão, né. Eu não sei<br />

esses negócios direito não. Eu acho que a fazenda<br />

era da firma - negócio de café - que fazia parte seu<br />

Manelinho Cruz... O Rama era muito rico também.<br />

Foi <strong>do</strong>no da Fazenda <strong>do</strong> Retiro. A casa <strong>do</strong> Rama pegava<br />

o quarteirão assim, na esquina...<br />

Eu casei e fui pra roça: Fazenda Goiabal, depois<br />

de Barão de Camargo. Lá tinha café, cana, ga<strong>do</strong>.<br />

Primeiro, o José tinha ga<strong>do</strong> Gir, esse ga<strong>do</strong> é importa<strong>do</strong>.<br />

Depois comprou vaca de leite. Foi quan<strong>do</strong> foi<br />

diretor da cooperativa, junto com o Dr. Car<strong>do</strong>sinho,<br />

o Dr. Moura. Um era tesoureiro, outro secretário... foi<br />

presidente da Cooperativa, acho.<br />

A vida na fazenda eu gostei muito. Eu fiquei<br />

sem luz elétrica muito pouco tempo. Eu quebrava<br />

tanto lampião, que o José resolveu colocar luz elétrica.<br />

Eu ia pegar o lampião, aquilo tava quente eu<br />

soltava o vidro! O tio dele, seu Juca Cruz, tinha trabalha<strong>do</strong><br />

na Usina Afonso Pereira e ele falou com José:<br />

- Vou trazer um transforma<strong>do</strong>r e vou botar aí pro cê.<br />

Vou botar uma luz de dínamo.<br />

Eu fiquei sem luz de abril a setembro: dia 7 de<br />

setembro inaugurou a luz lá.<br />

137


Mas eu não tinha prática de fazenda não. Eu ia<br />

na fazenda a passeio, com meus avós. Meus avós pa-<br />

ternos eram fazendeiros em Ribeiro Junqueira. Então,<br />

nas férias, a gente ia para a fazenda <strong>do</strong> meu avô. A<br />

gente achava mais graça ir pra fazenda <strong>do</strong> vovô, <strong>do</strong><br />

que a nossa fazenda, que tinha administra<strong>do</strong>r. A gen-<br />

te preferia ir pra fazenda <strong>do</strong> meu avô, porque lá tinha<br />

outros primos que moravam lá perto. Os outros tios<br />

to<strong>do</strong>s tinham sítio perto. Tinha aquelas cachoeiri-<br />

nhas... Era tão bom tomar banho naquelas cachoeiras,<br />

aquele ribeirão gostoso! Tu<strong>do</strong> limpinho! Tinha uma<br />

cascatinha que descia assim... A gente a<strong>do</strong>rava ficar<br />

ali, deita<strong>do</strong> nas pedras, deixan<strong>do</strong> a água correr... de<br />

roupa! Às vezes a gente ia no sítio para passar o fim<br />

de semana, porque o sítio era bonitinho. Papai estava<br />

arruman<strong>do</strong> o sítio quan<strong>do</strong> morreu... O sítio era muito<br />

perto de Recreio.<br />

Eu tive meu primeiro filho aqui na chácara.<br />

Nasceu aqui o Raimun<strong>do</strong>, com parteira. A segunda<br />

foi a Cecília, que nasceu na fazenda Goiabal. A parteira<br />

era uma crioula, e a minha sogra também estava<br />

lá. O terceiro, que foi o Arman<strong>do</strong>, já tive aqui<br />

em Cataguases. O Arman<strong>do</strong> e a Gilda, com parteira<br />

também. E o último, o quinto, também com parteira,<br />

eu tive lá na Fazenda Goiabal. Esse nasceu <strong>do</strong>ente,<br />

esse que eu tenho até hoje <strong>do</strong>ente. Nasceu per-<br />

138


feito... teve derrame com cinco dias de nasci<strong>do</strong>... Ele<br />

teve derrame e não fala, não anda... Passei bem em<br />

to<strong>do</strong>s! Nesse também! Eu comecei a sentir aquele<br />

derramamento de água só, resolvi entrar num banho.<br />

Tinha uma banheira muito grande, tomei um banho,<br />

de água bem esperta. Quase que ele nasceu dentro<br />

d’água, minha filha. Quan<strong>do</strong> eu saio da água para<br />

escovar dente senti aquela <strong>do</strong>r fortíssima. Não teve<br />

segunda <strong>do</strong>r, porque na segunda ele nasceu. Achei<br />

uma felicidade! Foi o melhor de to<strong>do</strong>s pra nascer!<br />

Mas cinco dias depois ele teve derrame. Aí a vida já<br />

não teve mais graça. Ter um filho <strong>do</strong>ente assim... Já<br />

passou a não ter aquela graça que tinha, que teve...<br />

to<strong>do</strong>s os outros sadios, muito sadios. Mas esse deu, e<br />

continua dan<strong>do</strong>, muito trabalho. Ele está com 37 anos,<br />

vive numa cama... Gosta de televisão... novela... Mas<br />

é um sofrimento, né.<br />

Eu vim pra cá a Gilda tava com 8 anos. Os meninos<br />

estudavam... passou a ficar muita gente na casa<br />

<strong>do</strong> Afonso, casa<strong>do</strong> com a Marilinha, minha irmã:<br />

Raimun<strong>do</strong>, Cecília, Arman<strong>do</strong>, Gilda. Aí resolvi fazer<br />

casa. José fez essa casa aqui. O Zezé precisava de mais<br />

conforto - ele já tava maiorzinho - e lá na roça não tinha<br />

um ventila<strong>do</strong>r! Não podia ter luz contínua, porque<br />

era dínamo! Então, tinha que ter mais conforto,<br />

televisão... pra ter um fim de vida melhor... Aqui, ele<br />

139


tem o apartamento dele, que tem tu<strong>do</strong>, né: a televi-<br />

são dele, ar refrigera<strong>do</strong>, renova<strong>do</strong>r de ar... Agora botei<br />

ventila<strong>do</strong>r. Na fazenda não tinha recurso para isso...<br />

Só dava pra ferro elétrico. Mas a noite não podia ligar<br />

ferro elétrico, porque ligava a luz. A luz <strong>do</strong> gera<strong>do</strong>r<br />

não podia puxar muito! Agora não, porque tem tu<strong>do</strong><br />

lá. Tem até aquele aparelho de puxar televisão.<br />

Arman<strong>do</strong> gosta muito de ga<strong>do</strong> de leite, planta<br />

muito pouco. Nem pro próprio sustento o Arman<strong>do</strong><br />

tá plantan<strong>do</strong>! Acha que precisa de muita gente... Ele<br />

acha que é mais fácil tirar leite. Agora também, ele é<br />

da Cooperativa, ele tá no mesmo lugar <strong>do</strong> pai dele,<br />

ocupan<strong>do</strong> o mesmo cargo que o José ocupou.<br />

Eu sempre falo com a minha nora: eu tive bons<br />

emprega<strong>do</strong>s. <strong>Ó</strong>timos! Eu não me queixo dessa parte<br />

de emprega<strong>do</strong>s. Eu não sei se é porque eu lidava com<br />

eles com muito carinho... Eu tinha ótimos funcioná-<br />

rios. Lidava com <strong>do</strong>ze mulheres, mas de primeira!<br />

E elas gostavam de trabalhar pra mim. Vinha gente<br />

de fora, de outras fazendas, pra trabalhar pra mim.<br />

Eu dava gratificação pras empregadas. Quan<strong>do</strong> ter-<br />

minava a safra eu gratificava. A safra de goiaba era<br />

maior! Eu fazia muito <strong>do</strong>ce pra vender: muita goiabada,<br />

muita pessegada, muita laranjada! Tu<strong>do</strong> quanto<br />

era fruta que eu podia industrializar, eu industrializava.<br />

Eu tinha uma fábrica de <strong>do</strong>ce e ganhei muito


dinheiro! Eu desmanchava seis sacos de açúcar por<br />

dia! Trezentos e sessenta quilos de açúcar por dia!<br />

A gente trabalhava, mas os filhos estavam to<strong>do</strong>s<br />

ali por perto. Era mais fácil <strong>do</strong> que hoje. Dona<br />

de casa, hoje, trabalha fora, os filhos ficam entregues<br />

a empregada. Eu não me queixo, tinha boas empregadas.<br />

E essa que mora comigo - crio desde os cinco<br />

anos - é muito leal! Mal de mim se não fosse ela,<br />

que me ajuda muito! No fim <strong>do</strong> ano eu gratificava<br />

minhas empregadas! Eu tinha dinheiro! Era meu!<br />

Minha menina tem pulseiras de ouro, tu<strong>do</strong> da<strong>do</strong> por<br />

mim, com dinheiro <strong>do</strong>s <strong>do</strong>ces. Muita coisa aqui em<br />

casa, eu que comprei, porque eu queria <strong>do</strong> meu jeito!<br />

Eu dava joias pras minhas meninas...<br />

A vida na roça era boa, eu gostava! O José tinha<br />

muito porco. Lá em casa tratava de porco com inhame,<br />

banana nanica, batata <strong>do</strong>ce, abóbora, moranga...<br />

Aqueles montes de inhame, fazia aquela fileira de<br />

inhame no meio <strong>do</strong> arroz... Colhia e vinha pro terreiro<br />

aqueles montes de inhame, pra tratar de porco...<br />

Na fazenda tinha bailes, era muita gente! Natal, a<br />

gente fazia na fazenda. Era uma vida mais pura.<br />

Eu acho que era mais anima<strong>do</strong>... Na praça tinha<br />

aquelas bandas de música...<br />

Os bailes também eram muito anima<strong>do</strong>s, eu<br />

acho. Eu ia sempre olhar. Carnaval também era mui-<br />

141


to era mais anima<strong>do</strong>! Aqueles carros alegóricos bo-<br />

nitos! Um rico que tinha, - Inácio Duarte - que era<br />

<strong>do</strong>no da casa onde morou o João Peixoto, a filha dele<br />

fantasiava-se muito, a mãe dela também. As fantasias<br />

eram caríssimas! Vesti<strong>do</strong> borda<strong>do</strong> a ouro, até. Eles<br />

viviam na sociedade e acabaram pobres, riquíssimos,<br />

tinham palacete no Rio também, davam recepções...<br />

To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> falava isso. Mandava fazer carro alegó-<br />

rico... Teve um carro de melancia - esse eu cheguei a<br />

ver - a filha fazen<strong>do</strong> o miolo da melancia, aquela fan-<br />

tasia toda vermelha, e as outras cabecinhas eram as<br />

sementinhas aparecen<strong>do</strong> no meio daqueles baba<strong>do</strong>s.<br />

Foi uma coisa rica! Uma beleza esse carro da melan-<br />

cia! Tu<strong>do</strong> patrocina<strong>do</strong> pelo Inácio Duarte... ficou po-<br />

bre, ele morreu pobre... Pobre mesmo!<br />

Entrevistada em 15/5/1990 por Gláucia Siqueira e Mariana Cândida.<br />

142


143


144


R E N AT O T E I X E I R A<br />

B A N C Á R I O<br />

7 0 a n o s<br />

Eu nasci em 20, em 1920. Eu não sei,<br />

mas se trata<strong>do</strong> da minha família aí eu tenho mais<br />

condições... com o tempo, da cidade propriamente<br />

dita, já me falha alguma coisa...<br />

A minha mãe era filha de Pedro Soares de<br />

Nazaré, português, que foi um <strong>do</strong>s <strong>do</strong>nos <strong>do</strong> “Porto<br />

<strong>do</strong>s Diamantes”. Ao que me consta, ali havia uma<br />

pequena povoação, em 1810 por aí. E ali parece que<br />

descobriram algum diamante. Deve ter si<strong>do</strong> um fato<br />

muito raro, porque nunca mais apareceu diamante<br />

por aqui. Se você for procurar, se você aceitar co-<br />

Foto: Banda de Música da Indústria Irmãos Peixoto, maestro Rogério<br />

Teixeira, s/a, 1945, Departamento Municipal <strong>do</strong> Patrimônio Histórico e<br />

Artístico de Cataguases<br />

145


mo “Porto <strong>do</strong>s Diamantes” daria a impressão que<br />

realmente tinha diamante. Se teve, é aquele “Tipo<br />

Conceição: ninguém sabe, ninguém viu”. E igual gi-<br />

rafa: existe, mas eu não compreen<strong>do</strong> com aquele pes-<br />

coço! Como “Meia-Pataca” também. Dizem que foi<br />

descoberto quantidade de ouro equivalente a uma<br />

moeda de valor meia-pataca. Nunca mais ninguém<br />

falou em ouro no “Meia-Pataca”. Pode ser ilusão, va-<br />

mos dizer assim.<br />

Então ali que aglomerou, ali se constituiu um<br />

pequeno núcleo. Vieram alguns padres para... Não<br />

sei se somente pelo espírito missionário ou também<br />

em busca de fortuna. A Igreja também, era muito<br />

comum, a Igreja juntava o útil ao agradável. Então<br />

vieram esses padres pr’aqui, para catequizar e botar<br />

uma certa ordem ali naquela povoação. Existiam ín-<br />

dios. Eram agrupamentos de índios civiliza<strong>do</strong>s, mas<br />

eram poucas pessoas, pouca gente. Se não me engano<br />

não chegavam a cinquenta, coisa assim. Mas eu acre-<br />

dito que esse problema de índio trabalhar... Você sabe<br />

que os índios eram muito arredios ao trabalho. Eles<br />

não aceitavam a escravidão. Os índios nunca se sub-<br />

meteram, ao trabalho escravo. Senão, talvez... tanta<br />

migração, tanta compra de escravos da África pra cá.<br />

Nós... o Brasil, ainda submeti<strong>do</strong> a Portugal, tinha necessidade<br />

de fazer comércio com o exterior, vender as<br />

146


suas merca<strong>do</strong>rias. E a maneira de... Até hoje, quanto<br />

mais barata a mão de obra, mais condições tem de ex-<br />

portar. Então, não havia mão de obra mais barata <strong>do</strong><br />

que a mão de obra escrava. Umas das razões porque<br />

prevaleceu, por muito tempo, a escravidão no Brasil<br />

foi, justamente, para produzir barato e vender, prin-<br />

cipalmente a cana-de-açúcar. O que eu sei é mais ou<br />

menos isso... E ali mesmo. Está lá. Ainda resta, ainda<br />

existe o chalé. O núcleo da família Soares é ali nesse<br />

chalé, saiu dali. Nunca me constou que ele (meu avô)<br />

tivesse escravo não. A escravidão terminou em 1888.<br />

Ele veio de Portugal, os ascendentes dele ficaram em<br />

Portugal... (Trabalhava com) comércio em geral, mi-<br />

nha irmã tem uma fotografia da loja dele. Era na boca<br />

da ponte de madeira, mas não era na praça, era <strong>do</strong><br />

outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> rio. A gente vê pela fotografia que era<br />

uma casa boa para a época, uma casa grande...<br />

Ali onde tem aquele pedaço daquele chalé an-<br />

tigo... eu acho que era uma sede de fazenda. Quan<strong>do</strong><br />

você chega mais ou menos no Beco <strong>do</strong> Fruta-Pão, tem<br />

uma ponta lá que é um chalé antigo. Ali morava o<br />

Pedro Soares Nazaré, que era meu avô. Quan<strong>do</strong> ele<br />

morreu eu tinha seis meses, mas ele me deixou uma<br />

marca. Diz a minha mãe, que ele brincan<strong>do</strong> comigo,<br />

eu no colo dele pulan<strong>do</strong>, bati com a cabeça na janela<br />

e fiz uma brechinha na cabeça, que até hoje tem a<br />

147


marca. O meu avô morreu quan<strong>do</strong> eu tinha seis me-<br />

ses, mas mesmo assim eu fiquei marca<strong>do</strong> por ele.<br />

Ali morava, então, a família <strong>do</strong> Pedro Soares<br />

Nazaré. Ele casou duas vezes e teve vários filhos. O<br />

mais velho estava até estudan<strong>do</strong> medicina na França.<br />

Morreu. O outro filho, ainda é vivo, mora em São<br />

Paulo. Deve estar com oitenta e três anos! To<strong>do</strong>s to-<br />

cavam piano. To<strong>do</strong>s eram músicos, porque naquela<br />

ocasião fazia parte da educação... a pessoa ter sempre<br />

essa parte musical, uma instrução de música qual-<br />

quer. Ele morou aqui onde é a escola Flávia Dutra,<br />

aqui desse la<strong>do</strong>, morou aqui também. Mas ele come-<br />

çou mesmo lá, nesse “Porto <strong>do</strong>s Diamantes”, lá no<br />

chalé <strong>do</strong> Bairro Leonar<strong>do</strong>.<br />

O meu pai (Rogério Teixeira) era de São João<br />

Nepomuceno e veio para Cataguases com onze<br />

anos. O pai dele era professor, a família de meu pai<br />

era de professores. Eles desbravavam um certo local,<br />

construíam uma escola, ficavam lecionan<strong>do</strong> até<br />

um certo tempo, depois iam pra outro lugar... Meu<br />

avô paterno era assim... Meu pai era o caçula da família.<br />

Era criança ainda quan<strong>do</strong> morreu o pai dele e<br />

eles ficaram em situação difícil, no que vieram para<br />

Cataguases... Aí já tinha esse princípio de música, os<br />

outros irmãos dele também já estavam estudan<strong>do</strong><br />

música... Ele tinha um irmão, João Teixeira, que era<br />

148


maestro de uma outra banda de música. Dizia meu<br />

pai, que naquele tempo Cataguases era atrasa<strong>do</strong>, ha-<br />

via mais manifestações artísticas que Cataguases de<br />

hoje. Ele dizia que aqui veio muita opereta italiana.<br />

Empresas de teatro <strong>do</strong> exterior vinham a Cataguases!<br />

Com onze anos de idade ele já começou a fazer<br />

parte de alguma banda de música, que talvez tives-<br />

se aqui naquela época. Era comum... Você vê nessa<br />

banda de música <strong>do</strong> Sigismun<strong>do</strong>, que é muito esfor-<br />

ça<strong>do</strong>, crianças também. Então, foi daí que começou<br />

a se desenvolver musicalmente. Ele era autodidata,<br />

porque a instrução musical que ele teve não foi mui-<br />

to grande. Mas ele tinha querer e vocação! De forma<br />

que foi um <strong>do</strong>s maiores destaques... O meu pai era<br />

uma pessoa modesta. Ele não gostava de... não era<br />

pretencioso não, mas ele realmente tinha muita ha-<br />

bilidade! Ele tocava qualquer instrumento de sopro.<br />

Embora não tocasse podia dar aulas de piano, sabia<br />

dar aula de piano. Foi professor de música muitos<br />

anos e nesse setor, realmente ele se destacou na histó-<br />

ria de Cataguases.<br />

Depois de casa<strong>do</strong>, já mais velho, ele tinha uma<br />

orquestra que tocava no Cinema Recreio durante os<br />

filmes. O Cinema Recreio era bem monta<strong>do</strong>. O cine-<br />

ma era mu<strong>do</strong>, então eles tocavam, procuravam mais<br />

ou menos tocar a música de acor<strong>do</strong> com o enre<strong>do</strong><br />

149


<strong>do</strong> filme. Assim, se era um filme mais triste, eles<br />

tocavam música de mais emoção. Inclusive, mui-<br />

tas pessoas diziam que iam ao cinema pela músi-<br />

ca. Gostavam tanto da orquestra que iam mais pela<br />

música <strong>do</strong> que pelo cinema! Essa orquestra, ele dizia<br />

que os empresários dessas operetas, desses grupos<br />

teatrais elogiavam muito a Orquestra de Cataguases,<br />

porque era mesmo muito adianta<strong>do</strong> pra época!<br />

Eu me lembro que era meu pai, minha mãe -<br />

porque ele também era pianista - A<strong>do</strong>lfo Teixeira, ir-<br />

mão dele. Tocava também uma irmã de minha mãe, a<br />

Dona Madalena, viúva <strong>do</strong> Cesar Abranches, que foi<br />

um dentista muito bom aqui de Cataguases. E outro,<br />

o Pascoal Ciodaro, que era pai <strong>do</strong> “Seu” João Ciodaro,<br />

“Seu” João pai da Irene Ciodaro. A Dona Carmelita,<br />

mulher dele... Era assim... pessoas que faziam seguir<br />

aquele conjunto. Eram profissionais. Durante o dia<br />

tinham suas atividades e à noite iam para o cinema<br />

tocar, para dar fun<strong>do</strong> musical. Eu acho que, naquela<br />

época, não ten<strong>do</strong> televisão, não ten<strong>do</strong> cinema - aliás,<br />

o cinema tinha, mas era mu<strong>do</strong> - e outras coisas atrativas,<br />

o pessoal se dedicava mais a esse tipo de arte, e<br />

isso enchia o tempo deles.<br />

Por falar nisso, eu tinha 7 anos mais ou menos,<br />

eu me lembro perfeitamente disso. A casa onde o Dr.<br />

Francisco morou e morreu, ali era uma casa pareci-<br />

150


da com aquela casa <strong>do</strong> Lacerda, da casa da Meina<br />

Vaz. Eram casas iguais parecidas... e tinha uma sala<br />

muito grande com aqueles sofás de palhinha, pia-<br />

no... Lá em casa sempre teve piano. Então, quan<strong>do</strong><br />

chegava depois <strong>do</strong> jantar - naquela época jantava-se<br />

mais ce<strong>do</strong> - mamãe sentava-se ao piano e começava<br />

a tocar. Isso eu me lembro muito! Aí papai pegava a<br />

flauta e começava a acompanhar. O meu tio A<strong>do</strong>lfo<br />

Teixeira tocava violino, não se continha, vinha com o<br />

violino e começava a tocar. Daí a pouco aparecia o Sr.<br />

Pascoal Ciodaro com o contrabaixo, começava a tocar.<br />

Olha, os meus irmãos mais velhos tinham amigos...<br />

os viajantes... Essas pessoas começaram a ir lá pra<br />

casa. Aí uns começavam a declamar. Eram verdadei-<br />

ros serões de arte! Um declamava, um cantava... As<br />

companhias, em dia de folga, vinham também. Isso<br />

aí, mais menos, no máximo até nove horas, porque<br />

nove horas já era tarde, naquela ocasião. Eu me lem-<br />

bro perfeitamente dessas noitadas de arte. Isso deve<br />

ter si<strong>do</strong> mais ou menos em 1927.<br />

Agora, eu me lembro, quan<strong>do</strong> nós moráva-<br />

mos numa casa em frente onde morou o faleci<strong>do</strong> Dr.<br />

Francisco, ali, pra lá da casa <strong>do</strong> Dr. Tarcisio. Aquela<br />

casa ali foi <strong>do</strong> meu pai também, e eu morava ali em<br />

criança. Não me lembro bem a idade que eu tinha,<br />

mas eu me lembro, que depois de to<strong>do</strong>s os serviços<br />

151


caseiros - colocar to<strong>do</strong>s os filhos na cama, ela teve<br />

quatorze filhos - quan<strong>do</strong>, às vezes não tinha cinema<br />

pra ir tocar, minha mãe então é que iria tocar piano,<br />

pra se exercitar e por prazer também!<br />

Mais tarde, conversan<strong>do</strong> com meus irmãos,<br />

eu dizia que muitas vezes, deita<strong>do</strong> na cama, criança<br />

ainda, eu me emocionava ouvin<strong>do</strong> minha mãe<br />

tocan<strong>do</strong> e acabava choran<strong>do</strong> de emoção. Ela tocava<br />

“A Grande Fantasia Triunfal” sobre o Hino Nacional<br />

Brasileiro. Eu não sei a nacionalidade dele, o nome,<br />

portuguesmente falan<strong>do</strong> é Gottschalk5 . É um arranjo<br />

muito bonito!<br />

Então, nós fomos cria<strong>do</strong>s assim, numa família<br />

em que pre<strong>do</strong>minava a música.<br />

Engraça<strong>do</strong>, os filhos de meu pai não se dedicaram<br />

à música. To<strong>do</strong>s eles - quase to<strong>do</strong>s, menos eu<br />

- estudaram um pouquinho. Quan<strong>do</strong> chegou a minha<br />

vez, ele já estava sem paciência. Man<strong>do</strong>u eu começar<br />

a solfejar, eu comecei a chorar, ele falou:<br />

- Some, some que eu não aguento mais!<br />

Neste conservatório de musica da Dona Lila<br />

Lorenzo Fernandes, que eu saiba, só três alunos tiraram<br />

nota dez, <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> curso até o fim, até o<br />

5<br />

) Louis Moreau Gottschalk, Orquestra Sinfônica de Berlim: Regência de<br />

Samuel Adler; Piano: Eugene List.<br />

152


exame no Rio de Janeiro. E desses três alunos duas<br />

são da minha família. Uma é Renata, minha filha -<br />

eu só tenho uma filha - que hoje mora na Argentina.<br />

Outra é a Silvinha, casada com Paulete 6 <strong>do</strong> Banco<br />

<strong>do</strong> Brasil. A terceira, a Verinha, casada com Carlos<br />

Alberto de Souza, filha da Dona Lila, tirou dez tam-<br />

bém, <strong>do</strong> princípio ao fim! A Renata casou, foi embora,<br />

está cuidan<strong>do</strong> <strong>do</strong>s filhos em Buenos Aires, não tem<br />

mais tempo pra isso. O piano dela está aí. Quan<strong>do</strong><br />

vem aqui, de vez em quan<strong>do</strong>, ela se preocupa um<br />

pouquinho... Eu acho que só a Silvinha é que conti-<br />

nua gostan<strong>do</strong> muito. A Verinha, nem tanto... De certa<br />

forma eu, nós da família, embora a gente seja muito<br />

modesto, sem falsa modéstia, nós nunca procuramos<br />

receber homenagens, mesmo que a gente por ventura<br />

merecesse! Mas recebemos com justifica<strong>do</strong> orgulho o<br />

nome da escola (Marieta Soares Teixeira) por se tratar<br />

de uma professora de música, mãe de quatorze filhos,<br />

um exemplo de mulher dedicada ao lar, dedicada a<br />

criação da família. Então, homenagear uma pessoa<br />

simples, <strong>do</strong> povo, uma mãe, uma senhora que criou<br />

uma família com to<strong>do</strong> amor e carinho, to<strong>do</strong> sacrifí-<br />

cio... Esse la<strong>do</strong> humano da homenagem...<br />

6 ) Paulo Sérgio Ferreira de Souza.<br />

153


Agora é noite... mas aqui no quintal eu fiz<br />

um jardinzinho... Eu gosto. Tenho muito orgulho<br />

<strong>do</strong> meu quintal que é muito arrumadinho! O Paulo<br />

Shelb, quan<strong>do</strong> era presidente <strong>do</strong> “Operário” me<br />

deu uma placa que sobrou da praça da Ro<strong>do</strong>viária:<br />

Praça Rogério Teixeira! Então ele me deu a placa e<br />

eu botei (no quintal). De forma que até hoje eu me<br />

recor<strong>do</strong> desta fase da minha vida. E até hoje me emo-<br />

ciono quan<strong>do</strong> eu ouço o arranjo <strong>do</strong> Hino Nacional<br />

Brasileiro, porque eu volto àquela época. Porque é<br />

piano também, e ela (minha mãe) tocava isso... E to-<br />

cada pela Orquestra Sinfônica de Berlim, não é nacio-<br />

nal não, é alemão, mas tem solo de pianista. Descobri<br />

esta fita numa loja, lá no Rio de Janeiro...<br />

Nós tivemos crise de to<strong>do</strong> jeito! Foram mo-<br />

mentos de muita dificuldade que nós vivemos!<br />

Mudamos para o Rio, mudamos para Miraí, volta-<br />

mos para Cataguases, essa luta toda e ela ali, no leme.<br />

Mesmo porque o homem é um trabalha<strong>do</strong>r, mas sem<br />

ter uma retaguarda, uma mulher forte também segu-<br />

ran<strong>do</strong> a barra, ele não vence não! De forma que a mi-<br />

nha mãe deixou um exemplo muito bom, e eu creio<br />

que todas as minhas irmãs seguiram. São todas ex-<br />

celentes <strong>do</strong>nas de casa e pessoas <strong>do</strong> melhor conceito.<br />

Mas em matéria de filharada nenhuma seguiu, não!<br />

Quan<strong>do</strong> chegou em (19)35, a situação da nossa famí-<br />

154


lia foi fican<strong>do</strong> cada vez mais apertada. Muitos filhos,<br />

muita coisa. Aqui não tinha emprego, não tinha nada.<br />

Então meu pai foi convida<strong>do</strong> por uma sobrinha dele,<br />

para ir para o Rio, pra gente se empregar lá. O pri-<br />

meiro, ponta de lança, fui eu. Eu tinha quinze anos<br />

quan<strong>do</strong> comecei a trabalhar. Já trabalho há cinquenta<br />

e três anos!<br />

Eu me lembro que saí aqui <strong>do</strong> Ginásio, daque-<br />

la boa vida - apesar de ninguém ter nada, to<strong>do</strong> mun-<br />

<strong>do</strong> vivia numa miséria danada - era uma boa vida!<br />

Então, em julho, eu comecei nessa fábrica de lâmpa-<br />

das. Eu fiz dezesseis anos em setembro e trabalhava<br />

nove horas em pé! No fim <strong>do</strong> dia eu achava que mi-<br />

nha perna estava mais curta que o corpo! Isto na GE,<br />

na General Eletric, uma fábrica americana. Eu respeito<br />

o americano nesse ponto: o almoço lá era fabuloso!<br />

A hora <strong>do</strong> almoço, tinha o restaurante, uma bandeja<br />

muito farta, uma comida saborosíssima! Muito boa,<br />

muito bem feita! Isto naquela época. Eu fiquei lá não<br />

sei quanto tempo. Até houve um acidente comigo -<br />

queimei o braço - coisa de somenos. No dia seguinte<br />

eu estava trabalhan<strong>do</strong>.<br />

Dali, mais tarde, eu entrei para a Estrada de<br />

Ferro Leopoldina, no Rio de Janeiro. Comecei a trabalhar<br />

como “boy”, na administração, com os ingleses.<br />

Eles eram muito gentis, muito atenciosos, muito<br />

155


oas pessoas. Tratavam a gente muito bem, esses in-<br />

gleses. Não posso falar mal de estrangeiro não, por-<br />

que com quem eu trabalhei, eu me dei muito bem.<br />

Nessa parte eu tive muita sorte. Tinha um irlandês,<br />

que era mais exótico, me deu um relógio, o relógio<br />

dele. Parece que ele estava sempre em briga com o<br />

relógio. Acabou me dan<strong>do</strong> o relógio e quedê que o<br />

pessoal aceitava que um homem tivesse me da<strong>do</strong> um<br />

relógio! Isso era preocupação de saber que aquele re-<br />

lógio foi mesmo ganho, se eu podia ter “subtraí<strong>do</strong>” o<br />

relógio, por uma fraqueza. Isso é coisa de educação,<br />

que deve prevalecer em todas as famílias! Mas ele me<br />

deu o relógio! Por fim, eles se convenceram mesmo<br />

que eu tinha ganho: o relógio era uma porcaria! Não<br />

funcionou nada e eu joguei fora!<br />

Bom, mas ali da Leopoldina eu fiz, depois,<br />

concurso para o Banco Crédito Real. Eu estava tão fo-<br />

ra de estu<strong>do</strong> que eu não sabia mais nem fazer conta<br />

de dividir. No duro! A gente vai largan<strong>do</strong> de la<strong>do</strong>...<br />

Mas eu tenho força de vontade! Eu sei que, quin-<br />

ze para as cinco da manhã, eu já estava estudan<strong>do</strong>.<br />

Estudava até a hora de trabalhar, ir para a Estrada<br />

de Ferro Leopoldina. Depois eu pedi demissão e vim<br />

pra Cataguases. Fiquei quatro meses - eu digo, com<br />

franqueza, que foi o perío<strong>do</strong> da minha vida que eu<br />

fiquei à toa - estudan<strong>do</strong> para o concurso <strong>do</strong> Banco<br />

156


Crédito Real. Então fiz o concurso e passei. Voltei pa-<br />

ra o Rio, o Banco me man<strong>do</strong>u para o Rio de Janeiro.<br />

Mas meu perío<strong>do</strong> no Crédito Real foi um perío<strong>do</strong><br />

de uma gestação, porque nove meses depois, eu ti-<br />

nha feito concurso para o Banco <strong>do</strong> Brasil, fui para o<br />

Banco <strong>do</strong> Brasil no Paraná.<br />

Eu fui trabalhar em Ponta Grossa, no Paraná.<br />

Cidade muito boa! Ponta Grossa é uma cidade fabu-<br />

losa! Naquela época, era a segunda cidade <strong>do</strong> Paraná.<br />

Cidade muito limpa, um planalto, novecentos e se-<br />

tenta metros de altitude. Venta muito. O vento var-<br />

re a cidade, não precisa ter varre<strong>do</strong>r não. Então, eu<br />

acostuman<strong>do</strong> na cidade fui transferi<strong>do</strong> para o Rio,<br />

novamente. Eu tinha um irmão que era <strong>do</strong> Banco e<br />

conseguiu minha transferência, meio assim sem eu<br />

querer. Mas foi bom, porque eu me aproximei nova-<br />

mente daqui. Eu cheguei no Rio mais ou menos em<br />

setembro, em abril de (19)42 eu já estava transferi<strong>do</strong><br />

para Cataguases. Eu fiz a carreira <strong>do</strong> Banco toda em<br />

Cataguases. Em (19)43, logo em seguida, eu já peguei<br />

um cargo de comissão no Banco.<br />

Então eu fui depois chefe da Carteira Agrícola.<br />

Minha vida toda foi no Banco <strong>do</strong> Brasil, então fun-<br />

cionário comum, depois fui pra Carteira Agrícola.<br />

Eu lidei muito com o pessoal da roça daqui. Eu ti-<br />

nha muito pouco contato com o pessoal da cidade<br />

157


propriamente dito. Então eu fui a subgerente, fiquei<br />

mais preso internamente. Depois eu fui à gerência, aí<br />

(lidei) mais com comércio e indústria.<br />

Um <strong>do</strong>s funcionários que trabalhavam comi-<br />

go, e eu gosto de lembrar sempre, é o Levi Simões<br />

da Costa, que escreveu este livro “Cataguases<br />

Centenária”. O Levi era uma criatura fora de série!<br />

O Levi sempre foi muito modesto, tinha muita timi-<br />

dez pra redigir. O Levi era incumbi<strong>do</strong> de examinar<br />

os relatórios finais da Carteira Agrícola. Um relató-<br />

rio normal era resolvi<strong>do</strong> na Agência mesmo, mas to-<br />

<strong>do</strong> relatório que tinha uma anormalidade tinha que<br />

ser encaminha<strong>do</strong> à direção geral <strong>do</strong> Banco. Então,<br />

havia necessidade de um parecer. O Levi punha es-<br />

ses relatórios na minha mesa para eu dar o parecer.<br />

Então, falei:<br />

- O Levi, você escreva!<br />

- Mas eu não tenho jeito... Eu não sei...<br />

- Você escreva o que você quiser! Você pode escrever<br />

a maior bobagem, eu faço tu<strong>do</strong> de novo, mas preciso<br />

que você escreva. Eu quero que você escreva!<br />

Moral da história: o Levi escreveu um livro e<br />

eu não escrevi livro nenhum! Mas eu acho que eu tenho<br />

o mérito de ter força<strong>do</strong> o Levi a redigir, porque<br />

no fim ele escreveu este livro. Um subsídio tremen<strong>do</strong><br />

para Cataguases! Esse livro sempre vai ser pesquisa-<br />

158


<strong>do</strong> futuramente. Então, eu acho que tenho um pou-<br />

quinho desse mérito desse livro <strong>do</strong> Levi.<br />

Em janeiro de 65 eu assumi a gerência. Eu fui<br />

nomea<strong>do</strong> em 1965 e fui gerente até 1972. Foi justa-<br />

mente no perío<strong>do</strong>... um ano depois da revolução, que<br />

esse Roberto Campos foi Ministro <strong>do</strong> Planejamento,<br />

e ele virou a mesa <strong>do</strong> país, financeiramente falan<strong>do</strong>.<br />

To<strong>do</strong> o sistema financeiro foi modifica<strong>do</strong> por ele.<br />

Houve uma recessão muito grande! Nós passamos o<br />

maior aperto! Cataguases, mesmo, viveu momentos<br />

de muito aperto! E eu peguei essa batata quente! Mas,<br />

felizmente, aqui em Cataguases, os industriais daqui<br />

sempre progrediram com cautela, baten<strong>do</strong> o pé no<br />

lugar, sabiam onde estavam pisan<strong>do</strong>. De forma que<br />

eu consegui ajudá-los a vencer a crise. Isso foi em 65.<br />

Eu fiquei até janeiro de 72, quan<strong>do</strong> eu me aposentei.<br />

Aliás, eu estava propenso a aposentar, mas eu nunca<br />

acostumei a ficar à toa.<br />

Aposento, não aposento, aposento, não aposento...<br />

O pessoal queria que o Rodrigo Lanna fosse<br />

candidato a prefeito pela segunda vez. Ele não queria.<br />

Reuniram vários para ir forçar o Rodrigo a mudar<br />

de ideia. Fui junto com a turma. Eu não me lembro<br />

agora as pessoas. Mas as pessoas de maior destaque<br />

na cidade foram lá. Tinha bastante gente. Ele<br />

relutou muito, no fim acabou aceitan<strong>do</strong>. Muito bem,<br />

159


passa<strong>do</strong>s uns dias ele me telefona:<br />

- Renato, eu preciso falar com você. Que horas eu<br />

passo aí no Banco?<br />

- Bobagem, eu <strong>do</strong>u um pulo aí e converso com você.<br />

Fui lá e ele falou assim:<br />

- Você foi um <strong>do</strong>s que insistiram para eu aceitar a<br />

candidatura e to<strong>do</strong>s prometeram que, se eu preci-<br />

sasse, estavam às ordens. Eu vou precisar de você.<br />

Você vai ser meu secretário na Prefeitura. Você vai<br />

aposentar no Banco <strong>do</strong> Brasil e vai ser meu secre-<br />

tário.<br />

- Que é isso Rodrigo?! A gente fala assim de brinca-<br />

deira! Aquilo é pra botar sujeito em cima <strong>do</strong> lombo<br />

<strong>do</strong> burro! Botar peão em cima <strong>do</strong> burro, depois deixar<br />

o burro pular!<br />

Eu me aposentei. Já que eu tinha que me<br />

aposentar mesmo, pelo menos é uma oportunidade<br />

de trabalhar pela minha cidade. Fiquei vinte<br />

dias só à toa. Logo em seguida comecei a trabalhar<br />

na Prefeitura com ele. Eu não sei como é a situação<br />

hoje, eu sei que, naquela ocasião, dinheiro não tinha!<br />

O dinheiro era suficiente para a manutenção<br />

da Prefeitura... Varrer as ruas, pagar o pessoal e olhe<br />

lá! Durante os quatro anos que eu fui secretário da<br />

Prefeitura - isso eu falo com muito orgulho - eu trabalhei<br />

com o meu carro e com a minha gasolina. E<br />

160


o Rodrigo Lanna também viajava no carro dele. Nós<br />

não tínhamos recursos, não tínhamos condições. O<br />

sujeito ser um prefeito já é um sacrifício! E ainda vai<br />

pagar pra ser prefeito, pra trabalhar! Era a contribui-<br />

ção que a gente prestava à cidade. Nós fazíamos isso<br />

porque não tinha outro jeito, não tinha dinheiro. Não<br />

tinha. Justamente aí é que houve a reforma tributá-<br />

ria <strong>do</strong> Roberto Campos. O que vinha <strong>do</strong> Governo<br />

Federal vinha com fins específicos: telefone, ro<strong>do</strong>viá-<br />

ria, ICM... tanto para educação, tanto pra aquilo, tan-<br />

to pra aquilo outro. O imposto da cidade é pouquís-<br />

simo. Até hoje eu acredito que o imposto arrecada<strong>do</strong><br />

na cidade é muito pequeno!<br />

Depois <strong>do</strong>s 15 anos fui pro Rio. Trabalhei fora,<br />

fui para o Paraná, voltei com 21 anos. Eu me lembro...<br />

engraça<strong>do</strong>, eu morava... a Rua Major Vieira ainda<br />

não era calçada, era de terra, e o senhor João Ciodaro<br />

tinha um ônibus - o ônibus era tipo jardineira, aber-<br />

to <strong>do</strong> la<strong>do</strong> - isso eu me lembro perfeitamente. Vocês<br />

já viram esses ônibus antigos parecen<strong>do</strong> um bonde,<br />

aberto de um la<strong>do</strong> e de outro? Então, ele fazia um<br />

transporte... era mais um trenzinho praticamente,<br />

porque não era pra transportar gente pro trabalho,<br />

era mais pra passeio. Levantava uma poeirada!<br />

Aqui (na rua) era uma família só! Morava ali<br />

o pessoal <strong>do</strong> senhor Jota Lacerda, o Zé Lacerda que<br />

161


já morreu, a Dona Olga, mãe dele, uma santa cria-<br />

tura! O senhor Alípio Vaz - o nome <strong>do</strong> Museu - a<br />

Taninha, mãe dele. Tinha a Meina, a Maria, a Meirene,<br />

a Marina, o Alísio, o Alípio, filho dele. Em frente de<br />

minha casa morava o senhor Raimun<strong>do</strong> Queiroz.<br />

Eu me lembro <strong>do</strong> Humberto Mauro, quan-<br />

<strong>do</strong> eu morava nessa esquina, em frente ao Hotel<br />

Cataguases. Ali tinha uma casa, logo depois da casa<br />

da Aninha 7 , <strong>do</strong> faleci<strong>do</strong> José Pinto, tinha mais uma<br />

casa e ali morava o Humberto Mauro. Eu me lembro,<br />

ainda, de uma filmagem de Humberto Mauro, nes-<br />

ta casa onde mora hoje o Tarcísio. Ali morava o Sr.<br />

Drumond, não me lembro o primeiro nome dele. Ele<br />

era dentista e eu tratei de dente com ele, com motor<br />

de pedal. Então, ali naquele terreno, um pouco pra<br />

lá, na casa mesmo <strong>do</strong> Tarcísio tem aquela parte onde<br />

desce pra garagem, ali era um terreno baldio. A casa<br />

era um pouco pra cá... Morou muito tempo depois o<br />

pessoal <strong>do</strong> Peloso: Dona Maria Peloso, Emília Peloso.<br />

Não estou lembran<strong>do</strong> não... Então, ali tinha um me-<br />

nino, filho <strong>do</strong> Drumond, que fez parte em um filme.<br />

Ele fazia parte de um <strong>do</strong>s filmes de Humberto Mauro.<br />

Ele era um menino... Antigamente tinha aqui um sapo<br />

muito grande, que chamava sapo-boi. Eu não vejo<br />

7 ) Ana Pinto Pinheiro.<br />

162


mais sapo-boi aqui, já desapareceu com certeza... Os<br />

meninos colocavam cigarro na boca <strong>do</strong> sapo para ele<br />

fumar. Já viram falar nisso? Pois é. Então foi filma<strong>do</strong><br />

pelo Humberto Mauro, eu me lembro disso8 . Conheci<br />

muito o Humberto Mauro. Assisti filmes dele e assisti<br />

às filmagens... A Eva Comello, o pai dela, o Pedro<br />

Comello, conheci muito. O senhor Homero Cortes -<br />

é quase contemporâneo, porque morreu tem muito<br />

pouco tempo - o Homero Cortes era um <strong>do</strong>s financia<strong>do</strong>res,<br />

um <strong>do</strong>s produtores. Isso eu me lembro dessa<br />

época. E gente muito amiga mesmo.<br />

E depois eu me lembro quan<strong>do</strong> a Rua <strong>do</strong><br />

Pomba foi calçada, em “pé de moleque”. A gente<br />

chamava a Rua <strong>do</strong> Pomba, até hoje a gente chama<br />

Rua <strong>do</strong> Pomba, para mim é Rua <strong>do</strong> Pomba! Calçou<br />

em “pé de moleque”... rede de esgoto... A gente jogava<br />

bola de meia. Hoje não se vê menino com bola<br />

de meia. Era meia comprida: virava a meia, enchia<br />

de pano, fazia aquela bolinha, costurava e era bola<br />

de meia. Valia mais a força <strong>do</strong> pé <strong>do</strong> que outra coisa!<br />

Gente no meio fio, um empurra pra lá, outra pra<br />

cá, aquela briga! Podia-se jogar bola no meio da rua<br />

à vontade... O que eu queria dizer é o seguinte: era<br />

uma família só. As mães tomavam conta de to<strong>do</strong>s co-<br />

8 ) Cena <strong>do</strong> filme Thesouro Perdi<strong>do</strong>, 1927.<br />

163


mo se fossem zela<strong>do</strong>ras de to<strong>do</strong>s. Aquela que tivesse<br />

ocupada não se preocupava, que outra mãe tomava<br />

conta, chamava atenção. E não havia briga de vizi-<br />

nho, não havia não. As meninas brincavam de roda<br />

e os meninos brincavam de pique e outras coisas, até<br />

uma certa hora. Aí de repente: fulano, beltrano, sicra-<br />

no, cada um pra sua casa tomar banho, lavar os pés,<br />

não sei o que e tal, porque era tu<strong>do</strong> poeira!<br />

Tinha uma família aqui, o Luiz Megre, o Miguel<br />

Megre... Eu não sei se eles eram descendentes de<br />

franceses... Naquela época tinha um portão na minha<br />

casa e eu conseguia, com o “Seu” Megre, a gente<br />

pedia empresta<strong>do</strong> o lagarto e arranjava barbante,<br />

qualquer coisa assim, e punha o lagarto em baixo<br />

<strong>do</strong> portão. E ficava <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> da rua. Quan<strong>do</strong> ia<br />

passan<strong>do</strong>, principalmente pessoa velha, a gente ia<br />

puxan<strong>do</strong> devagarinho aquele lagarto... Aquela farra!<br />

Era uma brincadeira ingênua, mas era a nossa brincadeira<br />

daquela época. Eu sei que o mun<strong>do</strong> mu<strong>do</strong>u<br />

muito!<br />

Eu sou meio piadista. Eu costumo dizer que o<br />

único diploma que eu tenho é de primeira comunhão.<br />

Até botei na parede! Mas eu fui vítima das circunstâncias.<br />

Em (19)34 eu repeti o ano, o terceiro ano ginasial<br />

eu repeti. Em consequência disso eu perdi a minha<br />

turma, que se formou mais tarde. Eu voltei... Fiquei...<br />

164


O senhor Amaro era o diretor <strong>do</strong> colégio anti-<br />

go, aqui em Cataguases. Quan<strong>do</strong> eu estava no segun-<br />

<strong>do</strong> ano ginasial, ele arren<strong>do</strong>u o colégio para uns pa-<br />

dres. O senhor Amaro já estava cansa<strong>do</strong>. Anos e anos,<br />

a vida inteira lutan<strong>do</strong>, calculo eu, estava cansa<strong>do</strong> e<br />

achou que seria uma boa. Quer dizer, arrendava para<br />

os padres. Os religiosos sempre foram destaca<strong>do</strong>s como<br />

educa<strong>do</strong>res - seria uma solução para Cataguases<br />

e para ele propriamente. Mas não deu certo. Isso foi<br />

em 1933... 34, por aí. Não sei se eles eram franciscanos.<br />

Sei que tinham aqueles capuchinhos espanhóis,<br />

que estavam fugin<strong>do</strong> da revolução na Espanha. Então,<br />

nessa época, vieram esses padres espanhóis para<br />

Cataguases... Eles não falavam português e ficou conturba<strong>do</strong><br />

o estu<strong>do</strong>. Com esses padres ficou completamente<br />

desmancha<strong>do</strong> o colégio. Eles ficaram aqui<br />

um ano e meio, mais ou menos, se não me falha a<br />

memória. Então, a gente... menino sabe como é que<br />

é, muito leva<strong>do</strong>, nós já fomos assim meio de cambulhada.<br />

Quan<strong>do</strong> chegou no meio <strong>do</strong> ano seguinte, eles<br />

aban<strong>do</strong>naram simplesmente... Quan<strong>do</strong> o Franco9 <strong>do</strong>minou<br />

a situação eles entregaram o colégio ao professor<br />

Amaro e foram embora! Os outros professores<br />

9 ) Franco, dita<strong>do</strong>r espanhol.<br />

165


já tinham saí<strong>do</strong>. Não tinha mais professores aqui, na<br />

época, contrata<strong>do</strong>s pelo professor Amaro. Então ele<br />

ficou no ar. Foi muito difícil pra ele! Ele se esforçou<br />

ao máximo! As filhas dele, a Carmenzinha, a <strong>do</strong>na<br />

Filhinha, eu me lembro que tinha um médico aqui, o<br />

<strong>do</strong>utor Sicarini, que também dava aula... Era o úni-<br />

co ginásio que tinha. Tinha o colégio das Irmãs, mas<br />

era só mulheres, era feminino... Bom, em consequên-<br />

cia, eu repito o ano. O francês era a matéria que eu<br />

tinha mais facilidade na época, mas o Antoniquinho<br />

Mendes, que era o professor, me reprovou. A minha<br />

irmã Silvia, a mais velha falou assim:<br />

- Não tem esse negócio de fazer segunda época não.<br />

Se tomou pau tem que repetir o ano!<br />

Isso era a conclusão dela... eu achei que podia...<br />

Eu lembro <strong>do</strong> Car<strong>do</strong>zinho, foi meu cole-<br />

ga. Tinha o Leôncio Moura, filho <strong>do</strong> juiz... A Josélia<br />

Peixoto, Irmã <strong>do</strong> Zezito... Tinha a Dinha, a Maria<br />

de Lourdes, que é filha <strong>do</strong> <strong>do</strong>utor Amaro também...<br />

Foram meus colegas. Eu lembro <strong>do</strong> Luiz Peixoto, que<br />

foi escrivão até pouco tempo... Era uma série muito<br />

grande. Uns seguiram e eu fiquei com a turma atra-<br />

sada... Meu amigo Luiz Peixoto era também um me-<br />

nino meio leva<strong>do</strong>. Nós fizemos as nossas artes aqui...<br />

Mas as artes de antigamente, comparadas com as de<br />

hoje... Dá pra tornar santo qualquer um!<br />

166


Eu tenho uma prima, que mora em Uberlândia<br />

- nós brigamos porque ela é defensora da separação<br />

<strong>do</strong> Triângulo - ela saiu de Cataguases pequenininha,<br />

novinha, mas ela tem uma ligação... tem um amor<br />

por Cataguases! Coisa impressionante! Então ela veio<br />

aqui, depois de muitos e muitos anos e fez questão<br />

de ir lá no chalé. Eu tirei uma fotografia de lá e tu<strong>do</strong><br />

(para) a família conhecer...<br />

Uma das meninas que está fazen<strong>do</strong> esta pes-<br />

quisa já descobriu de quem (o meu avô) comprou o<br />

“Porto <strong>do</strong>s Diamantes”... Pode ser, quem sabe, talvez<br />

um engano, porque isso pode acontecer. Mas trinta e<br />

seis quilômetros afora passaria de Barão de Camargo<br />

e chegaria bem longe. Sairia talvez, até, da área mu-<br />

nicipal. Não seria o caso. Eu acho que há um enga-<br />

no qualquer. É ali mesmo! Está lá! Ainda resta, ainda<br />

existe o chalé!<br />

Entrevista<strong>do</strong> em 14/6/1988 por João Carlos Juste e Rosângela Schettini<br />

Rodrigues<br />

167


S E B A S T I Ã O L O P E S N E T O<br />

PA S TO R M E TO D I S TA<br />

7 0 a n o s<br />

Em primeiro lugar, eu gostaria<br />

de agradecer a oportunidade que a Secretaria de<br />

Cultura está me oferecen<strong>do</strong> para esta entrevista, relatan<strong>do</strong><br />

alguma coisa ligada à Igreja Metodista, em<br />

Cataguases. Em segun<strong>do</strong> lugar, devo me apresentar<br />

como pastor da Igreja Metodista em Astolfo Dutra,<br />

Campestre, Piraúba e Dona Euzébia, ten<strong>do</strong> nasci<strong>do</strong><br />

na cidade de Cataguases, no dia 8 de janeiro de 1922,<br />

e aqui militan<strong>do</strong> na Igreja Metodista desde a infância.<br />

Quan<strong>do</strong> eu nasci meus pais já eram da Igreja<br />

Metodista. Naturalmente, como filho de membros da<br />

Igreja Metodista, eu tive uma ligação muito grande<br />

com a Igreja.<br />

Foto: Templo Metodista (rua Major Vieira), Alberto Landóes, 1915,<br />

Departamento Municipal <strong>do</strong> Patrimônio Histórico e Artístico de<br />

Cataguases<br />

169


Meus pais - Otávio Corrêa Neto e Ana Áurea<br />

Neta - eram muito fiéis à Igreja e, desde a minha<br />

meninice, ensinan<strong>do</strong> e <strong>do</strong>utrinan<strong>do</strong> para servir à<br />

Igreja. Numa certa ocasião eles mudaram aqui para<br />

Cataguases e foram residir numa fazenda próxima<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> - a localidade era conhecida por Esta<strong>do</strong> 10<br />

- e ali eles se tornaram metodistas. Trabalhan<strong>do</strong> sob<br />

a administração de Bento de Souza e <strong>do</strong>na Maria de<br />

Souza, uma família da Igreja Metodista, eles vieram<br />

a conhecer a Igreja. Meu pai era carpinteiro e minha<br />

mãe <strong>do</strong> lar, naturalmente.<br />

Os da<strong>do</strong>s que eu tenho sobre a história da<br />

Igreja Metodista foram coleta<strong>do</strong>s pelo reveren<strong>do</strong><br />

Epaminondas Moura, que foi pastor aqui na década<br />

de 40. Através de <strong>do</strong>cumentação, através de informa-<br />

ções de nosso sau<strong>do</strong>so irmão José Fernandes Sucasas,<br />

o que nós temos aqui é o seguinte, e eu tomo a liber-<br />

dade de fazer a leitura <strong>do</strong> próprio histórico da Igreja:<br />

“No dia 9 de fevereiro de 1894 chegou em<br />

Cataguases, pela primeira vez, o Reveren<strong>do</strong> Felipe<br />

Revale de Carvalho, que trazia algumas Bíblias pa-<br />

ra vendê-las aqui na cidade. Contu<strong>do</strong>, havia um fato<br />

curioso, ele não conhecia ninguém... Naquela épo-<br />

ca o senhor Sucasas trabalhava de alfaiate ali, num<br />

10 ) Antiga Colônia Major Vieira.<br />

170


prédio próximo à Estação da Estrada de Ferro. E, tra-<br />

balhan<strong>do</strong> ali, viu aquele homem passar com aquele<br />

amarra<strong>do</strong> de livros, e o chamou e perguntou que<br />

livros eram aqueles que ele levava. Então, ele disse<br />

que era a Bíblia e outros livros religiosos para ven-<br />

der. E o Sucasas, naturalmente, perguntou a ele como<br />

fazia para adquirir os livros. Como o Sucasas vinha<br />

da Espanha e via falar tanta coisa a respeito da Bíblia<br />

<strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s protestantes, ele quis tomar conhecimento.<br />

Adquiriu duas Bíblias de uma só vez, em vez<br />

de adquirir uma Bíblia só. E passou a estudar a Bíblia.<br />

Sempre que Felipe Revale de Carvalho vinha à<br />

Cataguases hospedava-se na casa <strong>do</strong> Sr. Sucasas e da<br />

Dona Encarnação. E também <strong>do</strong> Sr. Ezequiel Alonso,<br />

sogro <strong>do</strong> Sucasas, também espanhol.”<br />

Já nessa época residiam na Rua Alferes<br />

Henriques de Azeve<strong>do</strong>, naquelas imediações <strong>do</strong><br />

Sindicato de Fiação e Tecelagem. E ali surgiu a<br />

ideia da criação de um ponto de pregação da Igreja<br />

Metodista. Residin<strong>do</strong> ali, eles instalaram ali a<br />

Congregação Metodista. Ela teve seu ato inaugural<br />

no dia treze de maio de 1894. Mas no dia 20 de maio<br />

de 1894, quan<strong>do</strong> eles estavam ali reuni<strong>do</strong>s - realizavam<br />

um trabalho normal de culto, de estu<strong>do</strong> da palavra<br />

de Deus - aconteceu um fato inédito! Aquele ambiente<br />

muito alegre, muito festivo, foi surpreendi<strong>do</strong><br />

171


com a chegada de, mais ou menos, cinquenta homens<br />

arma<strong>do</strong>s de porretes e de chibatas, tiraram o pastor<br />

de dentro da casa, levan<strong>do</strong> até as proximidades da<br />

Estação Ferroviária. Arrasta<strong>do</strong> pelas ruas da cidade!<br />

O propósito deles era deportá-lo, mandar para outra<br />

cidade! Naquela época havia uma intransigência re-<br />

ligiosa. Havia como que uma certa oposição entre o<br />

catolicismo e o protestantismo. Com essa oposição<br />

a igreja sofreu quan<strong>do</strong> iniciava aqui o movimento.<br />

Mas o Sr. Sucasas, que era jovem ainda, espanhol, de<br />

sangue agita<strong>do</strong> né, então ele enfrentou to<strong>do</strong>s aque-<br />

les homens. E surgiu também José Schettini, uma<br />

figura que era da maçonaria em Cataguases. Então,<br />

juntamente com ele, conseguiu tirar Felipe Revale de<br />

Carvalho das mãos <strong>do</strong>s agressores. Retornaram com<br />

ele ao ponto de partida, lá na Rua Alferes Henriques<br />

de Azeve<strong>do</strong>. Não tar<strong>do</strong>u que chegasse lá um capitão<br />

da polícia, juntamente com as autoridades, perguntan<strong>do</strong><br />

ao pastor se queria que punisse os agressores.<br />

Ensanguenta<strong>do</strong>, Felipe Revale de Carvalho - com a<br />

roupa toda em sangue - já presidin<strong>do</strong> uma reunião<br />

de orações, pedin<strong>do</strong> bençãos a Deus para dar força<br />

àquele povo. Mesmo naquele esta<strong>do</strong>! O reveren<strong>do</strong><br />

disse:<br />

- Não, não quero que dê castigo nenhum a eles. Eu<br />

desejo apenas que eles se convençam, reconheçam o<br />

172


poder de Deus e esse poder <strong>do</strong> evangelho, que trans-<br />

forma suas vidas espiritualmente. Essa foi, natu-<br />

ralmente, a primeira iniciativa, vamos dizer assim.<br />

Na época era tão pequeno o grupo pra começar! Era<br />

nada mais que umas quatro ou cinco pessoas.<br />

Agora, uma coisa que devemos observar tam-<br />

bém, no início, era pouca frequência. E sen<strong>do</strong> pou-<br />

ca frequência enfrentava-se, também, um problema<br />

muito difícil! Na época fazia-se de tu<strong>do</strong> para sufocar<br />

aquele trabalho que estava começan<strong>do</strong>, estava se ini-<br />

cian<strong>do</strong>... Mas aconteceu que logo no início houve vá-<br />

rias conversões. Muitas pessoas começaram a chegar...<br />

Era esse o desejo, mas para decidir mesmo, para ba-<br />

tizar, para se tornar membro da igreja, foram poucas.<br />

José Fernandes Sucasas foi o pioneiro, vamos dizer<br />

assim, o inicia<strong>do</strong>r. Ele, juntamente com o sogro dele,<br />

Ezequiel Alonso é que foram os primeiros. Depois co-<br />

meçou a chegar, como foi o caso da família <strong>do</strong> Bibiano<br />

Pimenta... Outras pessoas. Mais ou menos na época,<br />

quan<strong>do</strong> foram recebi<strong>do</strong>s Bibiano Pimenta e sua es-<br />

posa, foram recebi<strong>do</strong>s o senhor José de Almeida e a<br />

esposa, um outro simpatizante, um outro membro<br />

da igreja. Mais tarde, a figura <strong>do</strong> nosso sau<strong>do</strong>so ir-<br />

mão Sizenan<strong>do</strong> Dutra de Siqueira, avô da nossa irmã<br />

Gláucia né, que foi um <strong>do</strong>s que aju<strong>do</strong>u, também, a le-<br />

var avante a bandeira <strong>do</strong> metodismo, na época.<br />

173


Agora, nós temos aqui os quatro primei-<br />

ros batiza<strong>do</strong>s realmente. No dia 15 de outubro de<br />

1894, Felipe Revale de Carvalho recebeu por batis-<br />

mo e profissão de fé, os primeiros quatro metodis-<br />

tas: José Fernandes Sucasas, José de Almeida Pinto,<br />

Encarnação Del Rego Sucasas e Bibiano Pimenta. No<br />

dia seguinte - porque eles faziam reuniões diárias -<br />

mais <strong>do</strong>is batiza<strong>do</strong>s: <strong>do</strong>na Hisbela Francisca Pimenta,<br />

que era esposa <strong>do</strong> Bibiano, e a <strong>do</strong>na Angélica de<br />

Moura. Agora, conforme eu disse, surgiram pos-<br />

teriormente outros nomes como: Joaquim Pereira<br />

Louro, Sizenan<strong>do</strong> Dutra de Siqueira e muitos outros.<br />

Depois tiveram sequência em prosseguir a obra <strong>do</strong><br />

metodismo em nossa cidade.<br />

A Igreja Metodista de Cataguases é a pioneira<br />

dessa região toda aqui. Foi daqui que saiu a igreja<br />

das cidades de Leopoldina, Ubá, Além Paraíba. Toda<br />

essa região da Zona da Mata leste, enfim. Quan<strong>do</strong> o<br />

Reveren<strong>do</strong> Felipe chegou aqui, ele era um pastor missionário,<br />

quer dizer, era subordina<strong>do</strong> à Conferência<br />

de Juiz de Fora, parece. Ele percorria essa região fazen<strong>do</strong><br />

trabalho missionário.<br />

Nós conseguimos pesquisas, né. Havia uma<br />

coisa interessante... Isso é um fato verídico! Acontecia<br />

o seguinte: os que saiam a campo mesmo, para<br />

realizar o trabalho verdadeiramente, era o José<br />

174


Fernandes Sucasas e o Bibiano Pimenta. Agora, o<br />

seu avô, o senhor Sizenan<strong>do</strong> Dutra de Siqueira e o<br />

Joaquim Pereira Louro - que eram homens de certo<br />

poderio econômico por aqui - custeavam as despesas<br />

desses que estavam no campo realizan<strong>do</strong> trabalho.<br />

Eles faziam questão! Pagavam a mensalidade para<br />

que o senhor José Fernandes Sucasas se dedicasse ao<br />

trabalho religioso. Ele tomava algum tempo da pro-<br />

fissão dele - alfaiate - então aquilo que faltava eles<br />

complementavam. Era assim custea<strong>do</strong> por eles. Era<br />

cooperação.<br />

Agora, uma coisa que eu gostaria de frisar, já<br />

que estamos falan<strong>do</strong> sobre a história, é que, infelizmente,<br />

daquele ponto de pregação da Rua Alferes<br />

Henriques de Azeve<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> nós tivemos aquela<br />

prova de fogo, como eu já me referi, o Monsenhor<br />

Araújo - que era o padre da Igreja Matriz - ele assistia<br />

passivamente da casa dele! Eu tenho a impressão que<br />

seja ali, naquela casa onde mora a família <strong>do</strong> <strong>do</strong>utor<br />

Tarcísio, hoje. Pela que se deduz, seria ali... A hostilidade<br />

era a olhos vistos, dada a oposição religiosa<br />

que havia na época. Inclusive, a residência <strong>do</strong> senhor<br />

José Sucasas era alvo de pedradas. Atiravam pedras...<br />

quebravam janelas... Era realmente uma época muito<br />

difícil, de pouca tolerância religiosa. A intolerância<br />

foi mais com o Monsenhor Araújo...<br />

175


Dali, da Rua Alferes Henrique de Azeve<strong>do</strong>, te-<br />

ve algum tempo reunida na casa <strong>do</strong> senhor Bibiano<br />

Pimenta, avô <strong>do</strong> Jairinho - Jairo Pimenta Junior - esse<br />

nosso amigo. Mas eu não consegui precisar onde era<br />

a casa <strong>do</strong> Bibiano Pimenta. Procurei o Jairinho, ele es-<br />

tá viajan<strong>do</strong>, está para São Paulo, então não consegui<br />

precisar... Da casa <strong>do</strong> Bibiano Pimenta a Igreja foi pra<br />

Rua <strong>do</strong> Pomba, que é a Major Vieira, ali no Beco da<br />

Cadeia. Tem fotografia <strong>do</strong> templo ali... Dali nós fo-<br />

mos para a Avenida Astolfo Dutra, em terreno que<br />

foi <strong>do</strong>a<strong>do</strong> pela Prefeitura Municipal de Cataguases.<br />

Na época, foi inaugurada em 30 de julho de 1922, já<br />

tinha acaba<strong>do</strong> aquilo, em parte. A própria comunidade<br />

dan<strong>do</strong> apoio aos trabalhos da Igreja Metodista.<br />

Em 1922 a situação amenizou bem.<br />

Quan<strong>do</strong> saíram aqui <strong>do</strong> beco da cadeia, <strong>do</strong><br />

templo antigo para o templo novo, da Avenida, saíram<br />

em procissão. O jornal Cataguases deu ampla<br />

cobertura <strong>do</strong> acontecimento de inauguração <strong>do</strong> novo<br />

templo. O senhor Pergentino era superintendente da<br />

Escola Dominical, ia à frente com o Reveren<strong>do</strong> José<br />

de Azeve<strong>do</strong> Guerra, o pastor. E a banda de música<br />

acompanhan<strong>do</strong> o desfile <strong>do</strong>s metodistas.<br />

Eu acho que a causa metodista pesou muito,<br />

quan<strong>do</strong> Felipe Revale de Carvalho teve aquela atitude.<br />

Foi da<strong>do</strong> conhecimento à própria comunida-<br />

176


de... As autoridades queriam punir os agressores...<br />

Inclusive o Doutor Astolfo Dutra, que era pai <strong>do</strong><br />

Doutor Pedro Dutra Nicácio, neto, quis mover um<br />

processo e Felipe Revale de Carvalho foi lá no Fórum<br />

e pediu a retirada <strong>do</strong> processo! Quer dizer: não pu-<br />

nissem os agressores, que cada um deles se cons-<br />

cientizasse, e salvasse a vida deles espiritualmente...<br />

Transformasse, né?<br />

Naquele tempo, Cataguases era uma pequena<br />

cidade. Eu acho que isso aí pesou muito na balança<br />

porque a comunidade tomou conhecimento desse<br />

fato. Então começaram a sentir que aqueles poucos<br />

evangélicos, que estavam ali, mereciam um certo<br />

apoio! No dia da inauguração estavam vários pasto-<br />

res, inclusive o bispo da Igreja Metodista, na época.<br />

Não preciso o nome dele, porque não consegui... Eu<br />

não tenho nome de to<strong>do</strong>s aqui... Mas foi, realmen-<br />

te, uma noite de gala para a família Metodista de<br />

Cataguases, o ato de inauguração, em 1922.<br />

O templo que nós temos agora foi amplia-<br />

<strong>do</strong>. Nós construímos no fun<strong>do</strong> aquele salão social.<br />

Está servin<strong>do</strong> até à comunidade, com salas de aula<br />

alugadas ao município, para atender à reforma <strong>do</strong><br />

grupo Coronel Vieira. Examinan<strong>do</strong> as atas da Igreja,<br />

examinan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s aqueles da<strong>do</strong>s históricos, houve<br />

um crescimento rápi<strong>do</strong>. A gente vê pela recepção de<br />

177


membros anualmente. Sempre havia um crescimento,<br />

a despeito daqueles que saíram de Cataguases para<br />

outras cidades...<br />

Naquela época poderíamos dizer que a clas-<br />

se social que era recebida como membros da Igreja<br />

Metodista era... equilibrada. Uma parte mais hu-<br />

milde, outra mais elevada e entre eles podemos<br />

destacar a família Siqueira: <strong>do</strong>na Jandira Siqueira,<br />

que era formada em farmácia; o senhor Pergentino<br />

Siqueira mais os filhos <strong>do</strong> senhor Sizenan<strong>do</strong>, como o<br />

Elvin<strong>do</strong>, professor em Belo Horizonte. Então, a Igreja<br />

Metodista tem caminha<strong>do</strong> no campo da conquista de<br />

almas para Cristo. É o objetivo principal!<br />

Nós observamos que a Igreja tem um nível so-<br />

cial equilibra<strong>do</strong>, nós temos pessoas de uma certa ca-<br />

pacidade intelectual e temos, uma boa parte também,<br />

de pessoas mais humildes. Mas to<strong>do</strong>s eles se desen-<br />

volvem! To<strong>do</strong>s eles procuram se aprofundar, cada<br />

vez mais, nos conhecimentos religiosos, na <strong>do</strong>utrina<br />

da própria Igreja. O relatório escrito pelo reveren<strong>do</strong><br />

Felipe Revale de Carvalho, data<strong>do</strong> de 17 de outubro<br />

de 1894, diz o seguinte:<br />

“Ama<strong>do</strong>s irmãos,<br />

É com contentamento indizível que eu levanto-me diante<br />

de vós, congrega<strong>do</strong>s em conferência, para relatar-vos so-<br />

178


e a nossa obra evangélica, desde que para aqui cheguei,<br />

envia<strong>do</strong> em nome de nosso Bendito Salva<strong>do</strong>r Jesus Cris-<br />

to. Entrei na cidade de Cataguases com fim único de pre-<br />

gar o evangelho da salvação, no dia 9 de fevereiro de 1894.<br />

Durante três meses e quatro dias, unicamente, conversei<br />

com o povo e visitei várias famílias. No 13 de maio, glo-<br />

riosa data da fraternidade brasileira, inaugurei nossa sala<br />

de culto, desde quan<strong>do</strong> temos trabalha<strong>do</strong> com regularida-<br />

de, pregan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>mingos, às sete horas da noite, à<br />

uma assistência média de vinte pessoas. Às onze horas da<br />

manhã, uma Escola Dominical com assistência satisfatória.<br />

Pela fidelidade <strong>do</strong>s irmãos, nossos ouvintes, aos cultos e à<br />

aceitação das Santas Escrituras e Doutrinas, temos ti<strong>do</strong><br />

como resulta<strong>do</strong> a benção já conhecida por nós, isto é, trinta<br />

e três candidatos. Destes, seis foram batiza<strong>do</strong>s e fizeram<br />

sua profissão de fé. Esses são os seguintes: José Fernandes<br />

Sucasas, Encarnação Del Rego Sucasas, Bibiano José Pi-<br />

menta, Hisbela Francisca Pimenta, Firmina Angélica de<br />

Moura, José de Almeida Pinto. E batizamos também três<br />

crianças que são: Leopol<strong>do</strong> Del Rego, Samuel Del Rego e<br />

Israel de Carvalho. A causa evangélica da cidade promete<br />

um futuro risonho, embora muitos de nossos candidatos<br />

tenham se retira<strong>do</strong> e muda<strong>do</strong> de residência. A nossa Escola<br />

Dominical, que foi organizada com dez membros, só tem<br />

uma classe devi<strong>do</strong> a motivos justos, mas em tempo opor-<br />

tuno aumentaremos os membros e o número de alunos das<br />

179


classes. Contamos, presentemente, com treze membros,<br />

que se esforçam a responder as perguntas que lhe são feitas.<br />

Durante o tempo de minha residência na cidade tenho con-<br />

segui<strong>do</strong> angariar vinte e sete assinaturas <strong>do</strong> órgão oficial da<br />

Igreja, ‘O Expositor Cristão’, e tenho a esperança de mais<br />

alguns. Concluin<strong>do</strong> esse relatório, peço aos irmãos congra-<br />

tularem-se comigo por termos já uma Igreja Evangélica<br />

organizada em Cataguases, e pedir ao Nosso Pai Celestial,<br />

que nos cubra com suas santas bênçãos e nos guie com o<br />

Espírito Santo, para que possamos desempenhar a nossa<br />

tarefa, que é bastante espinhosa.<br />

Nada mais tenho a dizer.<br />

Respeitosamente,<br />

Felipe Revale de Carvalho<br />

Pastor”<br />

Naturalmente que o trabalho produziu frutos.<br />

Em primeiro lugar, to<strong>do</strong>s aqueles que passaram a mi-<br />

litar na <strong>do</strong>utrina metodista, aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> um cami-<br />

nho de vícios, de erros, caminho de peca<strong>do</strong>s, essa coi-<br />

sa toda, eles obtiveram frutos procuran<strong>do</strong> santificar<br />

mais a vida. O espírito <strong>do</strong>utrinário obedece a uma<br />

<strong>do</strong>utrina rígida com referência à abstenção de vícios,<br />

essas coisas... Já saíram daqui para desempenharem<br />

suas missões dentro <strong>do</strong> pastora<strong>do</strong> da Igreja. Dentre<br />

eles, podemos destacar o Bispo Isaías Fernandes<br />

180


Sucasas, que chama<strong>do</strong> para ser pastor veio a ser, mais<br />

tarde, consagra<strong>do</strong> bispo da Igreja Metodista <strong>do</strong> Brasil.<br />

Ele passou a exercer o episcopa<strong>do</strong> ao tempo em que<br />

a Igreja só tinha um bispo. Como pastores nós te-<br />

mos o José Sucasas Junior, filho de José Fernandes<br />

Sucasas, hoje aposenta<strong>do</strong>. Temos o Tércio Macha<strong>do</strong><br />

de Siqueira, pastor metodista também, hoje exercen-<br />

<strong>do</strong> o magistério na Faculdade de Teologia em São<br />

Bernar<strong>do</strong> <strong>do</strong> Campo, São Paulo. O Tércio, inclusive,<br />

esteve fazen<strong>do</strong> mestra<strong>do</strong> na Inglaterra e nos Esta<strong>do</strong>s<br />

Uni<strong>do</strong>s. Nosso irmão Tércio Macha<strong>do</strong> de Siqueira é<br />

hoje uma das colunas mestras da Igreja Metodista <strong>do</strong><br />

Brasil, em matéria de cultura, <strong>do</strong> Velho e <strong>do</strong> Novo<br />

Testamento.<br />

Aluísio Faria de Siqueira, militan<strong>do</strong> no pas-<br />

tora<strong>do</strong> em Belo Horizonte; Luiz Israel de Barros foi<br />

pastor aqui em Cataguases cinco anos, faleci<strong>do</strong> re-<br />

centemente. Nós tivemos também o Ormeu Alves da<br />

Costa, pastor lá em Curitiba, Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Paraná; Silas<br />

Namorato, pastorean<strong>do</strong> em uma das Igrejas de São<br />

Paulo; Olívio Andrade da Silva, que saiu daqui para<br />

pastorear igrejas e hoje faz parte, como economista,<br />

da alta cúpula da Igreja Metodista! E Sebastião Lopes<br />

Neto, que está sen<strong>do</strong> entrevista<strong>do</strong>, pastorean<strong>do</strong> qua-<br />

tro campos: Astolfo Dutra, Piraúba, Campestre e<br />

Dona Euzébia.<br />

181


Pra chegar ao pastora<strong>do</strong>, naturalmente depois<br />

<strong>do</strong> preparo ginasial, ou melhor, primeiro e segun<strong>do</strong><br />

graus, vai à Faculdade de Teologia, fazer cinco anos<br />

de bacharel em teologia... Fazer um vestibular para<br />

ingressar é... (curso) superior! Agora, existe também<br />

a categoria pastor evangelista. Esse pode chegar ao<br />

pastora<strong>do</strong> através de um curso básico de teologia,<br />

que é o meu caso. Eu sou pastor evangelista. O cri-<br />

tério para a escolha <strong>do</strong> candidato hoje é da Igreja<br />

local, onde a pessoa está exercen<strong>do</strong> a sua atividade<br />

religiosa. Ela é recomendada pelo Concílio da Igreja<br />

às autoridades superiores para dar encaminhamento<br />

ao processo de estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> candidato. Muita gente aí<br />

anda confundin<strong>do</strong> as coisas...<br />

- Eu vou ser membro de determinada Igreja pra ser<br />

pastor!<br />

Não é bem isso não! O chama<strong>do</strong> para o Ministério<br />

é uma coisa realmente maravilhosa! Meu chama<strong>do</strong><br />

foi através de uma visão, em sonhos. Eu atribui<br />

que foi Deus falan<strong>do</strong>. E Deus, realmente, me<br />

abençoou e tenho feito um trabalho... da melhor forma<br />

possível.<br />

Para ser missionário da Igreja Metodista exigese<br />

o curso superior, desde que a igreja existe. E sempre<br />

teve, assim, uma oportunidade para aqueles que<br />

não pudessem chegar ao curso superior. Pra atender<br />

182


às Igrejas menores, poderia ser através de um curso<br />

básico de teologia, ou uma equivalência, vamos dizer<br />

assim. Eu tenho a impressão que o Felipe Revale de<br />

Carvalho tinha curso superior porque ele exercia o<br />

trabalho missionário.<br />

O trabalho metodista iniciou em 1738, na<br />

Inglaterra, através <strong>do</strong> movimento de John Wesley,<br />

juntamente com seu irmão Carlos Wesley. Ali na<br />

Inglaterra eles se levantaram para aconselhamento<br />

<strong>do</strong>s jovens, num momento de revolução espiritual.<br />

Eles denominaram de “grupo santo”. John<br />

Wesley relata, no diário dele, que cancelava nomes<br />

de membros da Igreja por quebra <strong>do</strong> dia de <strong>do</strong>min-<br />

go! Quem trabalhava <strong>do</strong>mingo era excluí<strong>do</strong> da Igreja!<br />

Quem passava na rua e olhava para a mulher <strong>do</strong> ou-<br />

tro, se ficasse prova<strong>do</strong>... Chegou ao Brasil com os pri-<br />

meiros missionários americanos. Vários bispos ame-<br />

ricanos passaram por aqui! Até pastores americanos<br />

pastorearam a Igreja Metodista de Cataguases!<br />

A igreja procura manter o seu nível <strong>do</strong>utrinário<br />

e disciplinar. Ela não pode abrir mão totalmente! A<br />

essência ela procura manter! Um equilíbrio... continua<br />

a abstinência <strong>do</strong>s vícios. O jogo, por exemplo, a<br />

loto, a loteria, é proibi<strong>do</strong>... se tornar um alcoólatra, é<br />

excluí<strong>do</strong> da Igreja! Tu<strong>do</strong> isso é abstinência de vício!<br />

Se cometeu falta grave é adverti<strong>do</strong>, dá-se oportuni-<br />

183


dade por determina<strong>do</strong> tempo. Agora, se continuar...<br />

A Igreja não abre mão disso! Desde os tempos de<br />

Wesley a filosofia é esta. A Igreja Metodista não está<br />

preocupada em quantidade, mas sim em qualidade.<br />

Agora, as Igrejas aí estão preocupadas em conseguir<br />

maior número de adeptos... Mas <strong>do</strong> jeito que entra,<br />

sai. Parece que não há consistência <strong>do</strong>utrinária. A<br />

pessoa entra por entusiasmo, né. De qualquer forma,<br />

seja qual for o tipo de trabalho, tem seu mérito por-<br />

que estão contribuin<strong>do</strong> para um aprimoramento de<br />

cada cidadão. E isso vem ajudar muito no compor-<br />

tamento da vida de cada pessoa: deixar aquilo que<br />

eles faziam, aqueles vícios que tinham, aban<strong>do</strong>naram<br />

aquilo tu<strong>do</strong> para se dedicar a uma causa.<br />

Agora, infelizmente, o que nós estamos ven-<br />

<strong>do</strong> aí, pela televisão... Há uma proliferação muito<br />

grande de pessoas, que assumem o coman<strong>do</strong> de uma<br />

igreja, visan<strong>do</strong> mais a parte monetária. O perigo está<br />

aí! A Igreja Metodista, como muitas igrejas evangé-<br />

licas, sobrevive com as contribuições que os mem-<br />

bros dão. Mas a Igreja Metodista não faz carga cer-<br />

rada em termos de contribuição, quer dizer, pede a<br />

cada membro uma oferta liberal, naturalmente. Uma<br />

oferta liberal quer dizer nem tão pouco, mas também<br />

não muito! Cada um na medida que pode, na possi-<br />

bilidade...<br />

184


Há anos atrás, a Igreja desenvolvia um traba-<br />

lho melhor, realmente. Mas de uns tempos para cá,<br />

parece que havia se acomoda<strong>do</strong>. Agora a Igreja ho-<br />

je está com nova dimensão. A igreja parte para um<br />

trabalho de avivamento espiritual. Em Astolfo Dutra,<br />

a Igreja Metodista vai espantar muita gente, porque<br />

é um trabalho de despertamento espiritual. A Igreja<br />

cantan<strong>do</strong>, oran<strong>do</strong>, vibran<strong>do</strong>, testemunhan<strong>do</strong> o evan-<br />

gelho! De uma maneira positiva e extraordinária! E<br />

a mocidade que tá aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> lá fora e<br />

se entregan<strong>do</strong> nas mãos de Deus. Por exemplo: eu<br />

tenho <strong>do</strong>is jovens na Igreja - um cantava no conjun-<br />

to da cidade, outro jogava futebol - aban<strong>do</strong>naram...<br />

Ainda não é membro da Igreja, ainda não se batizou,<br />

ainda não assumiu o la<strong>do</strong> de membro da Igreja!<br />

- Não, para servir a igreja e ser realmente um cristão,<br />

eu estou aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> lá fora, que possa impe-<br />

dir a minha candidatura!<br />

Eu vejo a Igreja se despertan<strong>do</strong> realizan<strong>do</strong> um<br />

grande trabalho... Cataguases está despertan<strong>do</strong> tam-<br />

bém. Agora, no tempo em que fomos da sociedade<br />

de jovens, você lembra, você também já pertenceu à<br />

igreja, nós tínhamos um trabalho muito bem progra-<br />

ma<strong>do</strong>. Muito bem programa<strong>do</strong>!<br />

A Igreja tem uma comissão de Ação Social<br />

e essa comissão procura atender, na medida <strong>do</strong><br />

185


possível, e diante de suas possibilidades de arreca-<br />

dação, às pessoas mais carentes da própria Igreja.<br />

Naturalmente dan<strong>do</strong> uma certa prioridade aos mem-<br />

bros mais pobres da igreja e, também, atenden<strong>do</strong><br />

às pessoas pobres da comunidade, geralmente em<br />

época de Natal: distribuição de gêneros alimentí-<br />

cios, roupas, etc. Os trabalhos da Igreja Metodista<br />

se organizam dentro da própria igreja, por exem-<br />

plo: Sociedade de Senhoras, Sociedade de Homens,<br />

Sociedade de Jovens... Crianças... Cada um na sua<br />

faixa etária, procuran<strong>do</strong> elevar o nível de cada um<br />

deles.<br />

Eu gostaria de fazer aqui uma colocação muito<br />

importante. Nós falamos tanto no princípio - a época<br />

em que a Igreja enfrentou duras perseguições - que<br />

havia aquela oposição, então eu gostaria de dizer hoje,<br />

aqui nesta entrevista, como a Igreja hoje caminha. Eu<br />

me recor<strong>do</strong> que, no pastora<strong>do</strong> <strong>do</strong> Reveren<strong>do</strong> Omar<br />

Daibert, nós fizemos parte de uma Comissão Central<br />

de Festividades aqui. Numa reunião que nós está-<br />

vamos lá na Prefeitura - Omar Daibert, Monsenhor<br />

Solin<strong>do</strong>, e membros da comissão - o reveren<strong>do</strong> Omar<br />

propôs um culto de Ação de Graças, nas festividades<br />

de 7 de setembro 11 . Houve a proposta <strong>do</strong> pastor da<br />

11 ) Festividades de aniversário da cidade.<br />

186


Igreja Metodista, e houve apoio. Monsenhor Solin<strong>do</strong><br />

gostava de estar sempre relaciona<strong>do</strong> com metodistas.<br />

O pastor propôs que a Católica fizesse seu palanque<br />

de um la<strong>do</strong>, que a Igreja Metodista faria de outro. O<br />

monsenhor levantou e declarou:<br />

- <strong>Ô</strong> pastor, porque não estamos juntos, as duas<br />

Igrejas no mesmo palanque?<br />

- Desde que o palanque estivesse simples.<br />

O pastor Omar Daibert aceitou o desafio e, na-<br />

turalmente, fez algumas observações... Nós temos a<br />

nossa <strong>do</strong>utrina e a Igreja Católica tem a dela... Foi<br />

combina<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> isso e, no dia 7 de setembro, nós es-<br />

távamos no palanque: os pastores, o coral da Igreja<br />

Católica e o Coral da Igreja Metodista. Eu tenho foto-<br />

grafia desse evento: 1962. Outra coisa que eu gostaria<br />

de dizer, é que aquele mesmo pastor que foi massa-<br />

cra<strong>do</strong>, que foi arrasta<strong>do</strong> pelas ruas da cidade, hoje<br />

dá nome a uma das principais avenidas <strong>do</strong> Bairro<br />

Independência, um <strong>do</strong>s bons bairros de nossa cidade.<br />

Foi na administração <strong>do</strong> prefeito Milton Cavalheira<br />

Peixoto este ato, homenagean<strong>do</strong> os metodistas, dan-<br />

<strong>do</strong> nome: Avenida Reveren<strong>do</strong> Felipe Revale de<br />

Carvalho. Eu publiquei uma reportagem... A inaugu-<br />

ração se deu no dia 20 de maio de 1979, quan<strong>do</strong> esti-<br />

veram presentes autoridades civis, militares e religio-<br />

sas. O decreto da egrégia Câmara Municipal recebeu<br />

187


o número 942 e foi publica<strong>do</strong> no Jornal Cataguases,<br />

no dia 6 de maio de 1979. Quer dizer, nós vimos aqui<br />

duas épocas distintas: uma em que havia intolerân-<br />

cia religiosa, e hoje nós caminhamos de mãos dadas,<br />

para alegria de toda nossa comunidade. Haja vis-<br />

to o 7 de setembro este ano (1990). Nós tivemos um<br />

grande culto ecumênico abrangen<strong>do</strong> todas as Igrejas<br />

Evangélicas de Cataguases. Todas as Igrejas da ci-<br />

dade estiveram no palanque, não somente a Igreja<br />

Metodista e a Igreja Católica.<br />

Encerran<strong>do</strong> essa nossa entrevista sobre a<br />

História da Igreja Metodista de Cataguases - este ano<br />

ela completa 96 anos de existência - que está a cami-<br />

nho <strong>do</strong> centenário, nosso propósito é realmente dar<br />

um cunho festivo. Que esta data <strong>do</strong> centenário mar-<br />

que época na história religiosa de Cataguases! Como<br />

humilde membro da Igreja Metodista de Cataguases,<br />

filho da terra, filho dessa Igreja que tanto amo, essas<br />

são as minhas palavras para deixar nos arquivos da<br />

Secretaria de Cultura.<br />

Entrevista<strong>do</strong> em 3/4/1990 por Gláucia Siqueira e Mariana Cândida.<br />

188


189


S Í LV I A M E N D O N Ç A L E I T E<br />

( D O N A V I C A )<br />

D O N A D E C A S A<br />

8 5 a n o s<br />

Meu pai, Veríssimo Men<strong>do</strong>nca, ele era<br />

fazendeiro. Aquela fazenda onde é que chama Ibraim<br />

Men<strong>do</strong>nça, aquilo ali era de papai, ali era uma fazen-<br />

da, Santa Clara. Vinha até aqui na cidade, atrás <strong>do</strong><br />

Hospital, Vila Tereza (atual). Ali tinha uma porção de<br />

casa até ali em baixo; aquela casa tá lá até hoje, é dele,<br />

uma casa que tem uma entrada assim, perto daque-<br />

le... daquele gerente da “Cima”. Aquilo ali é <strong>do</strong> papai.<br />

Papai quan<strong>do</strong> morreu deixou pra Ceição. Ceição foi<br />

herdeira, uma irmã, né. Conceição. Depois ela vendeu.<br />

Primeiro ele tinha uma outra fazenda lá em<br />

Santa Cecília, lá perto da Fazenda Estrela. Era um<br />

sítio, uma fazendinha, né. O movimento da fazenda<br />

era café, cana, né, essas coisas de engenho de cana...<br />

Foto: Vila Tereza, A Brasileira, 1915, Departamento Municipal <strong>do</strong><br />

Patrimônio Histórico e Artístico de Cataguases<br />

191


Tinha os emprega<strong>do</strong>s. Não, tinha grande numero não.<br />

Uns quatro, cinco. Hoje acabou tu<strong>do</strong>, aquilo tu<strong>do</strong> lá é<br />

pasto hoje. Já passei lá há pouco tempo, já vi, não tem<br />

mais nada. Vendeu pra essa gente de Aurora, né.<br />

A Fazenda Estrela era daquela gente Souza,<br />

lá perto da Aurora, Fazenda Aurora, né. Era lá pra<br />

aqueles la<strong>do</strong>s. Ainda tem até hoje por lá. A Fazenda<br />

da Saudade... terra dividin<strong>do</strong> com a Aurora. Aquilo<br />

ali era <strong>do</strong> Souza. Souza era riquíssimo! Minha irmã<br />

mais velha era casada com o Tonho de Souza, pai <strong>do</strong><br />

Filhinho. Ih! Os Souza tinha <strong>do</strong>bra<strong>do</strong> de enorme! Só<br />

cê ven<strong>do</strong>! Nós perto dele não, tinha nada. Engenho<br />

de café, de cana-de-açúcar, tinha muita coisa. Gente<br />

riquíssima! Acabou tu<strong>do</strong>, né, menina? Acabou tu<strong>do</strong>,<br />

tu<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong>!<br />

A família da minha mãe, Jovelina Soares<br />

Men<strong>do</strong>nça, era de Ubá. Meu pai que era daqui.<br />

Minha mãe morava aqui perto, o pai dela tinha um<br />

sítio. Depois até papai quan<strong>do</strong> casou foi tomar conta<br />

da fazenda, a Fazenda Santa Cecília, lá perto da<br />

Aurora. Minha vó, não sei nada dela, tinha uma fazendinha,<br />

e depois o papai tomou conta. A minha vó<br />

era viúva, né. Pra tomá conta... ele casou, foi pra casa<br />

de minha vó e foi tomar conta <strong>do</strong> sítio. Onde <strong>do</strong> sítio<br />

ele fez uma fazenda. Cresceu! Não comprou tanta<br />

terra, mas mexeu... progresso, né.<br />

192


Fui criada na fazenda, nessa fazenda lá perto<br />

da Aurora, criada não, eu vim de lá com sete anos<br />

pra oito anos, pra Fazenda Santa Clara. Estudei in-<br />

terna no colégio, fui até o segun<strong>do</strong> ano Normal, só<br />

isso. (Saí) não foi pra casar não, fui pra roça, pra casa,<br />

né, depois que eu casei, porque nem foi mais a minha<br />

mãe... eles começaram a entrar em rixa, ele deu um<br />

pulo fora lá, sabe como é que é, né, e ela não aguen-<br />

tou e brigaram muito e tu<strong>do</strong>. Isto atrapalhou muito a<br />

família. Ele nos botou interna aqui no Colégio, estu-<br />

dei interna uns tempos - eu, Ceição e Cinoca. Aí de-<br />

pois fomos lá pra casa, né, pra roça. E nós ficamos<br />

conviven<strong>do</strong> lá, até casar.<br />

Quan<strong>do</strong> eu tava solteira, ele morava junto com<br />

ela. Viviam separa<strong>do</strong>s, mas sabe como é que é, né,<br />

dentro de casa. Quan<strong>do</strong>, essas coisas, mas moravam<br />

juntos. Eu já era casada quan<strong>do</strong> ele morreu, sabe, aí<br />

dividiu tu<strong>do</strong> pros filhos em vida, sabe, dividiu tu<strong>do</strong>.<br />

Quan<strong>do</strong> ele morreu deixou cada um com o seu pe-<br />

daço, igualzinho. Dividiu a fazenda. O Ibraim ficou<br />

com a sede, né, e nós ficamos com os outros pedaços.<br />

Até, por exemplo, onde morou o Faber Rezende, que<br />

casou com minha irmã Cinoca, ali no Beira Rio, ali é<br />

<strong>do</strong> papai também. A Cinoca casou e ficou moran<strong>do</strong><br />

ali. Ah! Mas acabou tu<strong>do</strong>, minha filha! Só o Sadi que<br />

era rico, né, mas não foi com herança <strong>do</strong> papai não.<br />

193


Ele trabalhou muito, era muito trabalha<strong>do</strong>r, agencia-<br />

<strong>do</strong>r da vida, sabe. Ele ficou bem, a família dele ainda<br />

está bem, nos dias de hoje. Trabalhou (com café), com<br />

cana, moinho de cana. (Vivi na fazenda) até quan<strong>do</strong><br />

eu casei, né. (Depois vim) pra cidade, Cataguases.<br />

Eu já rodei mun<strong>do</strong>, boba! A gente já an<strong>do</strong>u<br />

muito. Eu conheci (meu mari<strong>do</strong>), José Leite, na ci-<br />

dade, que ele é filho daqui, né, ele era filho daqui.<br />

Conheci ele aqui, fui namoran<strong>do</strong>, eu acho que eu fi-<br />

quei noiva uns seis meses, ou um ano, nem sei mais<br />

não, e logo casei. Não fiquei permanente, porque ele<br />

era conta<strong>do</strong>r daquele... João Duarte, <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong><br />

João Duarte. Quan<strong>do</strong> casei com ele era... depois per-<br />

deu, houve a falência, né. Ele perdeu o emprego.<br />

(O banco) logo que abriu falência, né, foi uma<br />

desilusão, foi uma tristeza, sabe. Nós fomos passear<br />

no Rio de lua de mel, quan<strong>do</strong> nós voltamos a falência<br />

já tinha si<strong>do</strong> declarada. Perdeu o emprego. Ih! ... aí<br />

depois ele fez coisas <strong>do</strong> diabo! Não sei quantos em-<br />

pregos que ele teve! Ele era um agencia<strong>do</strong>r da vida,<br />

sabe, nunca ele ficou para<strong>do</strong>. Teve uma ocasião que<br />

nós saímos daqui e fomos morar em... botou uma<br />

sociedade com um primo dele lá em... pra cima da<br />

Ponta Nova, esqueci o lugar, o nome. Moramos lá<br />

uns tempos, mas ele não gostava de lá, então nós<br />

viemos embora. Mas eu andei, minha filha, nessa vi-<br />

194


da! Filho e mudan<strong>do</strong>! (Meu mari<strong>do</strong>) foi prefeito aqui<br />

na Prefeitura. Quer dizer, ele trabalhava com o Dr.<br />

Edson Rezende e depois o Dr. Edson saiu pra candi-<br />

datar a deputa<strong>do</strong>, ai ele ficou como prefeito uns tem-<br />

pos. Tanto é que naqueles retratos, de ex-prefeitos,<br />

que tem lá no Fórum, ele deve tá lá.<br />

Política era ferven<strong>do</strong> aqui. Pedro Dutra com os<br />

Peixotos, né. Ah, naquele tempo? Tiro? Uai! Deram<br />

tiro na Rádio, foi uma coisa horrível! (“Meu pai<br />

foi preso, foi preso pelo Pedro Dutra, né, tu<strong>do</strong> por<br />

causa da política”, esclareceu Virginia, filha de D.<br />

Vica). Naquele tempo prendia to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Manoel<br />

Peixoto era o chefão aí, né. Seu pai era guarda-livros,<br />

trabalhava com os Peixoto. E o Pedro Dutra era con-<br />

tra. Muita gente já passou aperto por causa de polí-<br />

tica aí. Hoje, graças a Deus, já acabou tu<strong>do</strong>. O papai,<br />

o papai... não, o papai levou tiro foi na roça. Era por<br />

causa da fazenda.<br />

Vizinhança de fazenda. Você sabe onde mo-<br />

ra o Josué Peixoto hoje, na roça? Pois é, ali morava<br />

um que era inimigo <strong>do</strong> papai. Ele passava na porta<br />

lá de casa, pra ir pra cidade. Papai andava a cava-<br />

lo. Naquele tempo to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> andava era a cavalo.<br />

Não tinha esse negócio de automóvel pra aqueles la-<br />

<strong>do</strong>s nem nada não. Era só de carro... de carro de boi<br />

e de cavalo. Então, papai um dia vinha pra cidade...<br />

195


ele vinha sempre, to<strong>do</strong> dia ele vinha. Quan<strong>do</strong> che-<br />

gou numa volta que tem lá - até hoje tem essa volta<br />

lá, aqui no Beira Rio. Como é que se chama aquele<br />

lugar ali? Faber Rezende? E quan<strong>do</strong> chegou na volta<br />

lá, o homem tirou a garrucha e deu um tiro nele. Não<br />

é de revolver não, é de garrucha. Ele atirou no papai,<br />

o cavalo pulou; ele atirou o segun<strong>do</strong>, o cavalo pulou;<br />

o terceiro, acho que acabou a coisa, né, não disparou.<br />

E o papai contou uma coisa que tinha si<strong>do</strong> atira<strong>do</strong>.<br />

Ele tinha uma oração que chama “Justo Juiz”. Eu tenho<br />

essa oração que não sei quem me deu. Uma vizinha,<br />

uma senhora que tinha lá que era vizinha, e que<br />

gostava muito dele falou: “O seu Veríssimo, você vai<br />

usar essa oração no bolso, porque você anda muito<br />

em perigo”. Ele usava daquele la<strong>do</strong>, dentro da carteira.<br />

Eu acredito que seja isso, porque eu sou muito católica<br />

e acredito muito nas coisas. O homem deu três<br />

tiros nele, e a garrucha... era garrucha que ele tinha,<br />

Nem era revolver não. (A polícia) interferia, tu<strong>do</strong>,<br />

mas não prendeu nada porque não foi flagrante, não<br />

foi pego na hora, né, e o tiro não pegou... Ih! Nós viramos<br />

num desassossego, mas uma coisa horrorosa!<br />

E ele ainda voltou para a cidade. A mamãe gritan<strong>do</strong><br />

e falava: “Não vai Veríssimo, não vai!” Porque estava<br />

com me<strong>do</strong> dele atirar outra vez. Veio para a cidade<br />

voltou e não teve nada.<br />

196


Rico, rico, não, né, (papai) era bem rico, não<br />

era rico igual os Souza, Antonio Augusto de Souza,<br />

não era, mas ele era abasta<strong>do</strong>, né, como se diz, né.<br />

Ih!... Nós fomos cria<strong>do</strong>s na fartura. Lá em casa tinha<br />

ceva de porco, porco gor<strong>do</strong>, galinheiro, galinha em<br />

quantidade e roça de café, lavoura de café, de cana.<br />

Tinha engenho de cana. Pé de fruta. Ih!... tu<strong>do</strong>. Uma<br />

coisa eu posso falar: fui criada na fartura, graças a<br />

Deus. Agora os meus filhos já não foram cria<strong>do</strong>s as-<br />

sim, não foi cria<strong>do</strong> na miséria, mas tu<strong>do</strong>... você sa-<br />

be como é que é, né, com o mari<strong>do</strong> desemprega<strong>do</strong>...<br />

sai de uma coisa pega noutra, sai daqui pega noutra,<br />

porque ele perdeu o emprego, né. Se ele perde o em-<br />

prego antes, uns dias antes, eu não tinha casa<strong>do</strong>. Ah!<br />

Papai não deixava, não deixava mesmo!<br />

Na minha infância tenho lembrança, minha<br />

mãe tinha piano, tocava piano... e reunia as pesso-<br />

as lá em casa, ia gente daqui da cidade pra lá, uma<br />

família, por exemplo, que tinha – Samuel -, ia pra<br />

lá ficava dez, <strong>do</strong>ze, quinze dias. E lá tocava piano e<br />

aquela coisa. Papai fazia fogueira... tempo de foguei-<br />

ra, Nossa Senhora! Era uma fartura! Tinha forno de<br />

fazer quitanda, lá fazia quitanda, fazia tu<strong>do</strong>. Padeiro<br />

não aparecia lá em casa. A cidade era longe. Hoje está<br />

mais perto. Mas era longe. Tanto é que quan<strong>do</strong> apa-<br />

recia um padeiro lá, ficava tu<strong>do</strong> gritan<strong>do</strong>: “<strong>Ô</strong> padei-<br />

197


o! <strong>Ô</strong> padeiro!” Vinha o padeiro com o pão fresqui-<br />

nho. Então era feito em casa biscoito, broa, bolo, tu-<br />

<strong>do</strong>. Era uma fartura! Por exemplo, dia de sába<strong>do</strong> era<br />

dia de enfornar junto com as empregadas. Amarrava<br />

um pano na cabeça e ia enfornar pra semana inteira.<br />

Tinha, me lembro, um caixote grande, umas caixas de<br />

pau, sabe, usava assim. Aquilo ficava cheio de quitanda<br />

pra semana inteira. O dia de fazer quitanda, já<br />

de manhã ce<strong>do</strong>, ce<strong>do</strong>, mamãe tava lá, fazen<strong>do</strong>, enrolan<strong>do</strong>,<br />

fazen<strong>do</strong> as coisas, a massa da broa, a massa <strong>do</strong><br />

biscoito, aquela coisa toda, biscoito de polvilho <strong>do</strong>s<br />

grandes, sabe, mamãe fazia... era uma fartura, só cê<br />

ven<strong>do</strong>! Naquele tempo era uma beleza!<br />

O pessoal da Aurora... você já viu falar na<br />

Fazenda da Aurora? Gente de Farja<strong>do</strong>... Acho que<br />

tem aquela fazenda até hoje lá, né. Hoje lá até fábrica<br />

existe. Lá era uma beleza! Dia de sába<strong>do</strong> assim<br />

eles iam lá pra casa, aquele pessoal da Dona Ritinha<br />

Farja<strong>do</strong> ia lá pra casa, tinha piano, minha mãe tocava<br />

piano, e a gente cantava... era uma farra, sabe. Era<br />

bom demais! A minha infância foi uma beleza!<br />

As visitas... um <strong>do</strong>mingo eles vinha pra cá, outro<br />

<strong>do</strong>mingo nós ia pra lá. Eles iam muito lá pra casa<br />

porque mamãe tocava muito piano, tocava até tarde<br />

da noite. Mamãe tocava piano e tinha um professor,<br />

não sei quem é, eu era pequena, não me lembro mui-<br />

198


to, tocava violino. Tinha um que tocava flauta, não<br />

sei quem é mais; sei que era uma movimentação na<br />

roça, a gente não ia à cidade não. Divertia na roça.<br />

Eu era, nós era boba, tinha tanto me<strong>do</strong> da cidade!<br />

Quan<strong>do</strong> a gente via solda<strong>do</strong> agarrava na barra da<br />

saia da mamãe. Me<strong>do</strong> de solda<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> era peque-<br />

nininha. Vinha de carro de boi, punha tolda no carro<br />

de boi, tanto é que tinha uma pessoa... daquela gente<br />

<strong>do</strong> Samuel, ia pra roça, ficava lá às vezes quinze dias.<br />

Vinha carro de boi buscar eles na cidade. Minha casa<br />

era um movimento muito grande.<br />

A casa era grande, toda envidraçada! Não, não<br />

tinha (banheiro) era água na bacia. Dava uma trabalheira,<br />

né, esquentar água assim na bacia! Tinha (casinha)<br />

lá de fora, no terreiro. Eu conto sempre caso <strong>do</strong><br />

meu tempo. Os urinóis to<strong>do</strong>s tinham nome. Naquele<br />

tempo tinha muito médico em Cataguases e a mamãe<br />

conhecia muito médico, eles iam sempre lá em<br />

casa. Dr. Ventania, Dr. Pedro de Sá, Dr. Cavalcante e<br />

não sei mais quem... era uma porção de médicos e<br />

to<strong>do</strong>s... então os meus urinóis tinham nome. Na hora<br />

de tirar a gente falava: “agora vou tirar o fulano de<br />

tal.” É, nome <strong>do</strong>s médicos. Eles falavam que médico<br />

é <strong>do</strong>utor, e urinol tem apeli<strong>do</strong> de <strong>do</strong>utor. Mas a mamãe<br />

sempre teve empregadas boas. Nós tínhamos lavadeira<br />

e cozinheira dentro de casa. Mamãe nunca fi-<br />

199


cou sem empregada. Naquele tempo havia emprega-<br />

da. Eu lembro quan<strong>do</strong>... antes de mamãe... papai nos<br />

deixar... a gente andava de cavalo era cavalo de la<strong>do</strong>,<br />

assim, cilhão, não era igual montaria não, montaria<br />

veio depois, né! E... então papai tinha viaja<strong>do</strong>, e a empregada<br />

acabou de arrumar cozinha, a lavadeira também...<br />

ficava dentro de casa, tu<strong>do</strong> lá. De noite é que<br />

ia pra casa. Só a cozinheira que <strong>do</strong>rmia em casa. Mas<br />

então “agora nós vamos na roça, buscar verdura na<br />

roça...” umas verduras que dava no mato, cariru de<br />

porco, você já ouviu falar? Cariru de porco, e não sei<br />

mais o que, que nós vamos buscar na roça. Então nós<br />

fomos todas pra roça, as empregadas, a cozinheira, a<br />

lavadeira. Sei que moravam to<strong>do</strong>s dentro de casa. E...<br />

então mamãe viajou com papai e nós fomos pra roça<br />

buscar cariru de porco. Cobra gosta muito de cariru<br />

de porco. Aquelas coisas mais verdes, fresquinhas,<br />

cobra gosta muito de ficar ali dentro. Então tinha<br />

uma casa de colono, tinha caí<strong>do</strong>... ficou velha caiu, ficou<br />

caí<strong>do</strong> lá, ficou aquele sapé - você conhece sapé?<br />

- sapé que cobria a casa, ficou caí<strong>do</strong> lá, e tinha cobra<br />

lá debaixo. Sei que nós descemos para buscar cariru<br />

de porco, desceu to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> na frente, empregada<br />

na frente, outra atrás, corren<strong>do</strong>. A última que vinha<br />

atrás foi a minha irmã Cinoca. A cobra mordeu nela.<br />

Ela gritou: “Maria, Maria Rita, volta aqui, cobra<br />

200


me mordeu!” Aí ninguém apanhou cariru de porco,<br />

ninguém apanhou nada! Foi tu<strong>do</strong> embora corren<strong>do</strong><br />

lá pra casa. A mamãe não estava em casa nem papai.<br />

Usava... naquele tempo... homeopatia existia, um vi-<br />

drinho que fazia cura, negócio de cobra, mordida de<br />

cobra, sabe. Alguém trouxe uns, pôs umas coisas, um<br />

negócio assim. Não veio médico, não foi médico, não<br />

foi médico lá não. Acho que um senhor lá, e que sabia<br />

tratar, começou a tratar, botar remédio, dar remédio,<br />

pra beber também, de plantas. Não teve nada, não<br />

morreu, não ficou aleijada, não ficou nada. Botou re-<br />

médio de horta, remédio no pé, sei lá, sei que punha<br />

pano com leite... pra chupar, pra tirar veneno da co-<br />

bra, né, ensopava um pano com leite, tirava, depois<br />

tornava a por outro. O pano saía amarelinho, tirava<br />

o veneno da cobra. Não me recorda mais que eu era<br />

menina, também era mais nova <strong>do</strong> que ela. Sei que<br />

tomou o remédio. Ela sarou. Ficou muitos anos, uns<br />

três ou quatro anos sem andar, encostada numa muleta.<br />

Depois ficou boa. Até hoje ela tem o tornozelo<br />

meio incha<strong>do</strong> por causa <strong>do</strong> pé.<br />

(Eu) frequentava a (Igreja) Católica. Tanto é que<br />

nós estudamos no colégio interno, né. Frequentava,<br />

mas era muito difícil, a gente morava na roça, né. Mas<br />

eu não perdia uma missa de <strong>do</strong>mingo, isso é quan<strong>do</strong><br />

eu morava aqui, onde eu casei. Quan<strong>do</strong> eu morava<br />

201


antigamente né, no Rio Par<strong>do</strong>, perto da Aurora, lá<br />

não, fica fora de mão, muito difícil. Nem sei como é<br />

que a gente ia à missa. Agora, a Fazenda da Aurora<br />

era uma fazenda enorme! Era uma fazenda enorme!<br />

Era uma fazenda que não deixava a desejar nem pra<br />

cidade! Ela tinha um engenho de cana, engenho de<br />

café, fabrica de manteiga, tinha venda grande, tinha<br />

uma banda de música, campo de futebol... De maneira<br />

que o nosso movimento to<strong>do</strong> era lá.<br />

Nossa! Papai era assim uma coisa horrível!<br />

Exigente. Não podia sair pra parte nenhuma. Às vezes<br />

a gente quan<strong>do</strong> saía, dava umas fugidas, como<br />

por exemplo, uma ocasião nós... mamãe arranjou<br />

uma mentira com ele, nós fomos passar o carnaval<br />

em Ubá. O Carnaval! Uma beleza! Fugi<strong>do</strong> dele, ele<br />

não sabia onde nós tava. Mamãe... eu... acho... não sei<br />

se foi eu, a Ceição e a Cinoca, ou se foi eu e a Ceição<br />

só. Acho que a Cinoca também foi. Olha, mas eu era<br />

sirigaita pra baile, pra clube... Ih!... Nossa Senhora!<br />

Mas não podia ir, ele não deixava, não deixava a gente<br />

ir em baile não, Eu lembro numa ocasião que eu<br />

entrei num bloco aí, daquela gente de... como é que<br />

chama aquele farmacêutico... de Tostes. Eu entrei<br />

num bloco de “Pierrô” e “Pierrete”. Até atrapalhou<br />

o bloco, que o papai tirou a gente. Depois de tu<strong>do</strong><br />

arruma<strong>do</strong>, aquele branco e preto, tão bonito! Aquelas<br />

202


olas... Lembro tanto disso! Ele atrapalhou muito o<br />

bloco, duas “pierretes” saíram, eu e minha irmã.<br />

(O Carnaval) era no clube, Comercial Clube,<br />

mas eu ia fugida lá, nunca tive... olha, eu me lembro<br />

que uma ocasião que eu passei um baile lá... isso foi<br />

depois de casada. Um baile de passagem de ano, sabe.<br />

A D. Nair Peixoto era muito animada! Lembro<br />

tanto disso! Mas eu, por exemplo, o meu mari<strong>do</strong> era<br />

de sociedade, ele gostava de festa, de baile, tu<strong>do</strong>, mas<br />

e a filharada? Tenho 12 filhos.<br />

A gente vinha muito à cidade, uai! Antigamente<br />

isso aqui era uma coisinha pequenininha,<br />

não tinha jeito de cidade. Hoje é... tem um movimento<br />

grande, né. Passeava muito sabe, só não frequentava<br />

baile que ele não deixava. Mas a gente ia<br />

na praça. Antigamente minha filha... aquela praça<br />

ali, aquilo era uma coisa... não é aquele lixo que<br />

tem lá hoje, aquilo é um lixo, né, lá, aquela Praça<br />

Rui Barbosa é um lixo. Antigamente era uma beleza,<br />

era um jardim mesmo! Tinha canteiros... Tinha passagem<br />

embaixo e em cima; as moças passeavam em<br />

cima e os rapazes passeavam embaixo, sabe, nem<br />

sei explicar. Ah, mas era muito bonito ali! Só cê ven<strong>do</strong>!<br />

Antigamente a praça não era aquilo ali não, agora<br />

está muito diferente, muito diferente! Hoje está<br />

chique, tem coisa muito nova, mas nem se compara<br />

203


com antigamente. Tinha muitos bancos... eu lembro<br />

até que a gente passeava em cima - as moças - os<br />

rapazes passeavam na parte de baixo. As vezes eu<br />

tinha namora<strong>do</strong>, papai não queria... Então ele falava<br />

assim: “Eu vou lá pra cima.” Eu falava assim: “Você<br />

vem cá pra cima que eu vou lá pra baixo”. Eu falava<br />

pra ele porque papai zangava, sabe, papai não<br />

deixava a gente namorar não. Passear com namora<strong>do</strong>,<br />

Deus me livre! Não deixava, eu nem sei como<br />

a gente namorava. Namorava mesmo... Ele prendia,<br />

prendia, muito, papai.<br />

Minha filha, vou te falar uma coisa, sou tão<br />

presa! Tão presa! O papai prendia tanto a gente, que<br />

a gente não tem... não tô falan<strong>do</strong> com você? Clube...<br />

Comercial Clube, às vezes tinha um baile lá, ia escondi<strong>do</strong><br />

dele, ele vinha buscar a gente. Era uma brasa<br />

pra gente. Minha mãe era <strong>do</strong>ida pra festa. Foi criada<br />

em festa. Ela estu<strong>do</strong>u naquele... num colégio grande<br />

perto de São Diniz. Eu sei que ela tocava piano junto<br />

com o Dr. Astolfo (Dutra). Ela tocava, ele acompanhava,<br />

declamava, fazia coro sabe, estu<strong>do</strong>u junto com ele.<br />

Eu aprendi a tocar piano. Zé tocava música,<br />

tocava com meu mari<strong>do</strong>, tocava violino, tocava piano.<br />

Depois, a filharada entrou, acabou tu<strong>do</strong>. Ele tinha<br />

<strong>do</strong>is violinos... eu estava conversan<strong>do</strong> com minha<br />

menina aqui. Falei: “Minha filha, e os violinos de seu<br />

204


pai, heim?” Um senhor, vin<strong>do</strong> de lá de Governa<strong>do</strong>r<br />

Valadares, levou pra consertar, nunca mais nós vi-<br />

mos o violino. O violino, era daquele violino, ó... an-<br />

tigo, alemão.<br />

Nunca vi tanto filho! Dez filhos que eu tenho,<br />

né. Hoje só se tem <strong>do</strong>is, e olhe lá! Vinha mesmo, as-<br />

sim mesmo, não há isso que há hoje, hoje está uma<br />

beleza! Hoje você tem os filhos que quiser, que quiser<br />

ter. Nunca perdi nenhum, nunca teve um aborto, não<br />

tive nada! Graças a Deus! Dois eu tive com médico,<br />

porque foi muito demora<strong>do</strong> e tal, e veio o médico.<br />

Mas era parteira que fazia, D. Rosa Amaral... a gente<br />

antiga aqui de Cataguases. Tinha com ela. Mas <strong>do</strong>is...<br />

duas foi preciso médico. A primeira foi preciso, tava<br />

passan<strong>do</strong> <strong>do</strong> tempo e tal. Era o Dr. Edson Sicarini.<br />

Você já ouviu falar nele? Era um médico e tanto!<br />

Naquele tempo ninguém tinha criança no hospital,<br />

bem dizer, né. Hoje é só passar mal, e a beleza <strong>do</strong><br />

hospital, né. Eu era em casa mesmo. Era em casa que<br />

o Dr. Edson Sicarini fez meu parto sozinho. A parteira<br />

não era nem formada; D. Rosa Amaral. Prática,<br />

muita prática. Era mãe dessa gente de Cataguases,<br />

quase toda, as mais velhas, ela era a parteira. Depois<br />

é que foi acaban<strong>do</strong> esse negócio de parteira.<br />

Dr. Sicarini era um médico e tanto! De tu<strong>do</strong>!<br />

Depois que o menino acabou de nascer o Dr. Sicarini<br />

205


falou assim: “Nunca mais!” Quer dizer, fazer parto<br />

sozinho, né. Ele arriscou, uai! Podia ter perdi<strong>do</strong> eu,<br />

ou ter perdi<strong>do</strong> o menino e ter morri<strong>do</strong>. Foi mesmo<br />

um parto difícil. Essa última, a Silvinha, eu chamei<br />

o Dr... como é que chama, meu Deus, o médico... o<br />

<strong>do</strong>utor... Dr. Otônio. o Dr. Otônio era um médico e<br />

tanto!<br />

Ah, foi só criar filho, nem sei nada de alegria,<br />

quer dizer, tristeza também não tem, porque eu nun-<br />

ca perdi nenhum, graças a Deus. Só teve esse que fi-<br />

cou <strong>do</strong>ente que foi pro Rio tentar estudar medicina<br />

e a<strong>do</strong>eceu, não pôde continuar a estudar. Vem pra<br />

cá, <strong>do</strong>utor Edson (Rezende) olhou e não deu certo.<br />

Depois foi para Belo Horizonte, lá tratou e sarou, né,<br />

o Raul. Cuidava só de casa e de filho. Só. Não arreda-<br />

va pé pra nada. Passeio... nada.<br />

Entrevistada em 17/6/1991 por Glaucia Siqueira e Mariana Cândida<br />

206


207


S T E L L A A B R I TA A LV E S<br />

P R O F E S S O R A A P O S E N TA D A<br />

7 7 a n o s<br />

Eu escrevi aqui nesse livro: “Recordar<br />

é sofrer com saudades. O passa<strong>do</strong> nos faz sofrer, mas<br />

é dever de gratidão relembrar tu<strong>do</strong> que nos deu alegria,<br />

e to<strong>do</strong>s que foram tão bons amigos, carinhosos,<br />

principalmente nossos pais, irmãos”... Isso daí eu escrevi<br />

aqui, da minha cabeça, não é de ninguém não.<br />

A gente lembra sempre de to<strong>do</strong>s com saudade, né,<br />

às vezes a saudade dói. Às vezes eu fazia soneto no<br />

Colégio quan<strong>do</strong> eu era interna. Eu <strong>do</strong>rmia perto da<br />

janela, hora que a lua aparecia, pegava um caderno e<br />

começava a fazer. (Mas) quem era poeta era Oswal<strong>do</strong>,<br />

meu irmão. A Emilinha Quaresma é que gosta de falar<br />

que eu sou poetisa. Ah! Nada! Uns versos bobos<br />

que eu faço. O Joaquim (Branco) falava comigo que a<br />

Foto: Escola Normal, <strong>do</strong>rmitório, s/a, s/d, Departamento Municipal <strong>do</strong><br />

Patrimônio Histórico e Artístico de Cataguases<br />

209


minha poesia é <strong>do</strong> tipo espanhola. Não sei, Não en-<br />

ten<strong>do</strong>. Eu faço qualquer... de acor<strong>do</strong> com a atualida-<br />

de, o que acontece: um aniversário, um nascimento...<br />

Olha um rascunho de poesia minha aqui: “Sabe<strong>do</strong>ria<br />

Infinita”.<br />

“No começo: Adão e Eva<br />

amor: chave de tolerância<br />

tempo: chave de sofrimento<br />

Não em câmara lenta<br />

com sorriso, com lágrimas, com lamúria”.<br />

(Nasci) em Cataguarino. Vou fazer 77 (anos) no<br />

dia 29 de julho. Sou da idade <strong>do</strong> Padre Antônio. Meu<br />

pai chamava-se Boaventura José Abrita. (Minha mãe),<br />

Castorina Maria Abrita. Morreram novos, já falece-<br />

ram há muito anos. Minha mãe faleceu com 48 anos e<br />

meu pai faleceu em 1933, com cinquenta anos. O meu<br />

pai foi agente <strong>do</strong> correio de Cataguarino e era vere-<br />

a<strong>do</strong>r da Câmara Municipal de Cataguases, na época<br />

verea<strong>do</strong>r não tinha ônus nenhum. Trabalhava por<br />

amor a política. De vez em quan<strong>do</strong> ele falava com a<br />

minha mãe assim: “Apronta a minha roupa que ama-<br />

nhã tem reunião lá na Prefeitura, eu tenho que ir”.<br />

Então tinha que pegar cavalo, comparecer no dia se-<br />

guinte nas reuniões. Nessa época que ele era verea<strong>do</strong>r<br />

210


não tinha estrada. Era mesmo só para carro de boi e<br />

cavalo. Quase não ia carro. La em Cataguarino, pa-<br />

ra ir um carro naquela época era um... Uma história.<br />

Quan<strong>do</strong> chegava um carro, o arraial ficava em festa.<br />

Não tinha luz elétrica, não tinha instalação de água,<br />

era muito atrasa<strong>do</strong> mesmo. E quem começou, deu a<br />

primeira melhoria em Cataguarino foi o João Peixoto,<br />

que colocou a luz. Foi o primeiro prefeito que se in-<br />

teressou por Cataguarino. E na política, na época da<br />

política feminina, quem iniciou mesmo pra trabalhar<br />

em Cataguarino fui eu. Na época eu subia serra atrás<br />

de voto feminino. Os políticos daqui daquela época<br />

eram o Dr. San<strong>do</strong>val Soares de Azeve<strong>do</strong> e o Sr. Alípio<br />

Vaz. Foi uma época de muita luta, muita briga de po-<br />

lítica. Nessa época o Dr. Pedro (Dutra) já trabalhava<br />

na política. Meu pai era contra o Dr. Pedro e a favor<br />

<strong>do</strong> Dr. San<strong>do</strong>val. Ele me apanhou no Cataguarino pra<br />

estudar aqui em Cataguases. Eu era apaixonada com<br />

política! No início (<strong>do</strong> voto feminino) eu ia completar<br />

dezenove anos. Vou te falar na gíria: achei um bara-<br />

to! Aquilo deu pra fazer movimento. O meu pai me<br />

deixou trabalhar bastante. A gente vinha até aqui em<br />

Cataguases pra trazer os eleitores. A minha parte foi<br />

a Serra da Onça, lá no alto <strong>do</strong> Retiro. Então eu subia...<br />

o carro levava e depois a gente subia a pé pra ir lá em<br />

cima, porque o carro não subia, ele ficava lá em baixo.<br />

211


A gente ia a pé. Então precisava de tirar o sapato... Eu<br />

tinha saí<strong>do</strong> <strong>do</strong> internato, né, com os pezinhos bem fi-<br />

ninhos... quan<strong>do</strong> chegava lá na minha casa, tinha que<br />

dar banho de água de sal nos pés, porque estava to<strong>do</strong><br />

machuca<strong>do</strong>, de tanto andar naquele pedregulho lá da<br />

Serra da Onça. Consegui bastante eleitores. Aí meu<br />

pai falou comigo: “agora você toma conta dessa tur-<br />

ma”. Aí ele tinha que contratar um carro e trazer aqui<br />

na cidade pra poder fazer a inscrição. (Os mari<strong>do</strong>s)<br />

concordavam. Eu trazia as mulheres todas aqui.<br />

(Minha infância) foi um pouco tolhida. Meu<br />

pai era muito severo. A gente não podia brincar até<br />

tarde da noite... lá não tinha luz. Às vezes, na época<br />

de lua, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> tava brincan<strong>do</strong>, a gente só ficava<br />

ate às oito horas. Às oito horas tinha que deitar, tinha<br />

que <strong>do</strong>rmir cedinho. Meu pai era bonzinho, cuidava<br />

muito das coisas, trabalhava muito, tu<strong>do</strong> que podia<br />

dar à gente ele dava, preocupava com os estu<strong>do</strong>s da<br />

gente... tanto que ele man<strong>do</strong>u o Oswal<strong>do</strong> aqui pro<br />

colégio <strong>do</strong> Antônio Amaro (Ginásio de Cataguases)<br />

e me man<strong>do</strong>u aqui pra Escola Normal pra eu estudar<br />

interna, né, com 13 anos, mas por muita insistência<br />

<strong>do</strong> Dr. San<strong>do</strong>val e <strong>do</strong> Alípio Vaz.<br />

Quan<strong>do</strong> eu nasci, (Cataguarino) chamava<br />

Empossa<strong>do</strong>. (Minha) casa (era) assim um sobra-<br />

<strong>do</strong>, <strong>do</strong>is andares, eu achava bonita. Quan<strong>do</strong> lá no<br />

212


Cataguarino aparecia circo, meu pai deixava fazer -<br />

debaixo tinha um porão grande - o meu pai deixa-<br />

va até fazer um circo. A minha mãe falou que no dia<br />

que eu nasci, tinha um circo debaixo <strong>do</strong> quarto. Lá<br />

em casa era tu<strong>do</strong>. Às vezes servia até pra prender os<br />

ladrões. Quan<strong>do</strong> a polícia ia dar uma batida, pegava<br />

os ladrões - lá não tinha cadeia - quan<strong>do</strong> era tarde da<br />

noite prendia lá os crioulos pelos pés. Muitos ladrões<br />

de cavalo. A roubaria mais lá no Cataguarino era de<br />

cavalo. E também tocaia. Tinha muita tocaia lá no<br />

Cataguarino. Constante tinha um cadáver lá na es-<br />

trada. Por qualquer coisa eles brigavam. Tinha muita<br />

cachaça e negócio de peão montar na rua. Cada um<br />

queria lançar o campeão... o peão melhor... Quan<strong>do</strong><br />

acabava aquele negócio, era briga certa. Cachaçada.<br />

Eu acho que eles ganham pra isso, pra amansar cava-<br />

lo, amansar burro. Gente brava mesmo.<br />

Fui reprimida. Até os 13 anos a gente ficava lá<br />

no Cataguarino. Festa que tinha lá era coroação, brin-<br />

que<strong>do</strong> de roda, as coisas durante o dia; mas à noite a<br />

gente não podia brincar de roda na rua porque tinha<br />

escuridão. Quan<strong>do</strong> tinha luar, meu pai punha a gente<br />

pra <strong>do</strong>rmir às 8 horas.<br />

Lá em Cataguarino, nas férias, a gente passava<br />

uma vida! Como é que a gente ficava lá? Passar as<br />

férias... eu tinha 16 anos e um namora<strong>do</strong> que mora-<br />

213


va em Juiz de Fora. Ele tinha dezoito (anos). E pra<br />

conversar com ele? Só cê ven<strong>do</strong> que sacrifício! Era<br />

demais. Eu me lembro uma vez que meu pai esta-<br />

va meio a<strong>do</strong>enta<strong>do</strong>, ele falou: “Vou deitar um pou-<br />

quinho”. Eu falei: “Gracas a Deus, agora eu vou dar<br />

uma voltinha”. E saí. O rapaz vinha de Juiz de Fora<br />

ficar com um irmão dele que era farmacêutico no<br />

Cataguarino. Passei na farmácia, comecei a conver-<br />

sar com ele, chegou o papai: “Que que cê ta fazen<strong>do</strong><br />

aí, menina?” Ih pai, saí pra comprar agulha, o senhor<br />

não viu que eu deixei a maquina aberta? Ele falou as-<br />

sim: “Ah é? Comprar agulha em farmácia?”<br />

Do internato, tanta lembrança... era bom, eu<br />

gostava. (As irmãs) não tratavam ninguém mal.<br />

Carinhosas... Só muito severas. A gente não podia,<br />

por exemplo, passar na portaria. Se passasse, tinha<br />

que ficar de castigo. Lá no colégio eu fazia parte da<br />

Congregação <strong>do</strong>s Santos Anjos e me puseram como<br />

conselheira geral da irmandade e tinha uma fitinha<br />

cor-de-rosa que punha no pescoço. Eu era a santinha<br />

lá <strong>do</strong> colégio, uma santa <strong>do</strong> pau-oco. Eu dava nó em<br />

fumaça. Sabe o que eu fazia? Combinava com umas<br />

três meninas, Falava assim: “<strong>Ó</strong>, nós temos que arranjar<br />

uma paquera. Você faz o seguinte: ‘Vai falar que<br />

esta com <strong>do</strong>r de dente’”; a outra com <strong>do</strong>r de dente, a<br />

outra com <strong>do</strong>r de dente. Com três meninas com <strong>do</strong>r<br />

214


de dente, as Irmãs mandavam a gente pro dentista.<br />

Então a gente paquerava os filhos <strong>do</strong> pessoal da Casa<br />

Matos. O Waldir Matos com os irmãos dele. Eles ti-<br />

nham uma casa de comércio lá perto <strong>do</strong> Meia Pataca,<br />

em frente de Conceição Quaresma, aquela casa alta.<br />

Naquela casa morava o Sr. João Guimarães, dentista.<br />

Três (meninas) era bom. Enquanto uma estava no ga-<br />

binete dentário, a outra estava na janela namoran<strong>do</strong>.<br />

O dentista até me quebrou um dente de tanto que eu<br />

falar que meu dente <strong>do</strong>ía. Espatifou meu dente bom.<br />

Cataguases... a Praça Santa Rita... a gente pas-<br />

seava de vez em quan<strong>do</strong>, fazia umas barraquinhas...<br />

não tinha calçamento, era só terra; duas palmeiras<br />

bonitas e aquela igreja linda que foi desmanchada.<br />

As irmãs de vez em quan<strong>do</strong> deixavam a gente fazer<br />

barraquinha em benefício. Aquela Capela da Escola<br />

Normal foi construída quase que com nossa turma.<br />

E aqui a Praça Rui Barbosa... o “footing”. As moças<br />

prum la<strong>do</strong> e os rapazes pro outro la<strong>do</strong>, era engraça<strong>do</strong>.<br />

Ali onde mora a Nancy de Souza, na Praça<br />

Santa Rita, tinha um birô eleitoral (onde) eu trazia<br />

as mulheres pra fazer inscrição. Foi assim que pegou<br />

o meu namoro com o Domingos Ciribelli Alves. Eu<br />

já tinha si<strong>do</strong> apresentada a ele no dia 1º de dezem-<br />

bro de 1932, na minha festa de formatura. Bom, me<br />

marcou. Desde essa época pra cá... ele também tra-<br />

215


alhava muito no birô <strong>do</strong> Dr. Pedro, e aquele bate-<br />

papo pra cá, bate-papo pra lá... começou o namoro<br />

com ele. O Domingos nasceu em Miraí. (A família)<br />

mu<strong>do</strong>u pra Cataguases, ele era rapazinho novo; tra-<br />

balhava com o Sr. Humberto Henriques e o Sr. Janir.<br />

Era auxiliar da Coletoria. (Aí) comecei a frequentar<br />

a sociedade. Quan<strong>do</strong> havia baile no Comercial, os<br />

rapazes entravam to<strong>do</strong>s de branco, baile de verão.<br />

Noite de inverno já era outro tipo de roupa. Naquela<br />

época os bailes eram muito chiques. Tinha um espe-<br />

lho bisotê em volta <strong>do</strong> salão. Então, na noite de inver-<br />

no - eu era membro da comissão - enfeitava o espelho,<br />

o lustre, tu<strong>do</strong> de algodão. Ficava como neve, tu<strong>do</strong><br />

penduradinho lá. Muito bonito! (As moças) sempre<br />

de longo, principalmente a comissão. Uma semana<br />

antes a gente trabalhava, fazen<strong>do</strong> barbante, aqueles<br />

algodões com papel <strong>do</strong>uradinho... a gente aproveitava<br />

até aquele papelzinho de cigarro para dar reflexo<br />

no salão. Não tinha orquestra. Quase sempre Aída<br />

Ribeiro no piano. A gente dançava a noite toda. As<br />

moças usavam decote até o meio da cintura. Na frente<br />

tapadinho, coberto.<br />

Quan<strong>do</strong> eu saí <strong>do</strong> internato, que eu vim trabalhar<br />

comecei a namorar sério o Domingos. Eu era<br />

sozinha aqui na cidade e pagava pensão. Então eu<br />

ía ao circo com ele todas as noites, eu ia em baile<br />

216


com ele... aos <strong>do</strong>mingos, eu, ele e o motorista fomos<br />

jantar lá em Ubá, na casa <strong>do</strong> irmão dele que era ge-<br />

rente <strong>do</strong> Crédito Real. E língua cascan<strong>do</strong>, o pessoal<br />

falan<strong>do</strong> que isso não tava direito, que minha mãe<br />

ficava lá em Cataguarino, não sabia da minha vida...<br />

e eu não tava nem aí, ó. Vinha às duas horas<br />

da madrugada <strong>do</strong> circo. O Rubens Cunha me cortou<br />

na língua com o Seu Fortunato. “O Fortunato, se<br />

eu fosse você não ficava com essa menina na casa<br />

não, que ela está com um namoro muito adianta<strong>do</strong>.<br />

Você porque não sabe. Olha, chega tarde em casa, cinema<br />

acaba tarde, fica conversan<strong>do</strong> toda a vida na<br />

porta”. Ih, mas o Rubens Cunha me estragou, sabe,<br />

mas eu nem me incomodei, falei assim: “Não estou<br />

nem aí com conversa”. Muita que passou, eu falei:<br />

“Primeiro o temor de Deus e deixa o resto”. A gente<br />

nesse mun<strong>do</strong> tem que ter temor de Deus. Então,<br />

nessa ocasião, eu passei por uma experiência engraçada.<br />

Eu achava graça. To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> batia asas. Eles<br />

falam hoje: “Ah, que antigamente... eu não fazia isso,<br />

eu não beijava namora<strong>do</strong>, não sei o que...” que não<br />

beijava o quê! Saltava até janela pra conversar com o<br />

namora<strong>do</strong>! Quan<strong>do</strong> a família tinha melhor estrutura,<br />

uma educação mais fina, respeitavam e davam um<br />

jeito de amenizar, de esconder. (Quan<strong>do</strong>) eu morei<br />

em Teixeiras, a sobrinha <strong>do</strong> prefeito engravi<strong>do</strong>u e<br />

217


eles ficaram com ela direitinho. Quan<strong>do</strong> o menino<br />

tinha nove anos, ela arranjou um ótimo casamen-<br />

to. Aqui em Cataguases eu me lembro de uma mo-<br />

ça muito bonita que era professora em Rio Branco.<br />

Ela engravi<strong>do</strong>u e o pai botou ela pra fora. Então ela<br />

veio ficar aqui na zona, tinha uma zona aqui onde é<br />

a Telemig. Naquela época o ruim era isso, o pai da<br />

criança não assumia. Agora já é diferente, a maioria<br />

assume, não existe o preconceito que havia antiga-<br />

mente. Coitadinha da moça, ficava isolada! Muitas<br />

faziam o aborto, iam pro Rio, pra Juiz de Fora... Mas<br />

eu saí <strong>do</strong> internato, bobinha como ninguém, tinha<br />

muito temor a Deus, tinha um me<strong>do</strong> dana<strong>do</strong> de pe-<br />

car. Comigo não tinha perigo não.<br />

Ainda ontem mesmo eu tive uma conversa<br />

aqui <strong>do</strong> internato. (O Domingos), casei com ele, tinha<br />

uma namorada aqui em Cataguases que era filha <strong>do</strong><br />

coletor, e esse coletor morava ali, naquela casa que<br />

tinha si<strong>do</strong> <strong>do</strong> Enrique de Resende, (que) passou pa-<br />

ra o João Peixoto. Por sinal ela era minha colega, ex-<br />

terna, e eu interna. Então, por causa <strong>do</strong> namoro <strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong>is, que era muito avança<strong>do</strong>, o pai botou ela interna.<br />

Então a Madre Madalena falou assim: Olha aqui, a<br />

Marta - que era a namorada dele - vai <strong>do</strong>rmir perto<br />

de você aqui no <strong>do</strong>rmitório. E a Marta chorava que<br />

era uma coisa horrível! Eu perguntava: “ô Marta, por<br />

218


que você está choran<strong>do</strong>?” Não falava nada. Quan<strong>do</strong><br />

foi uma noite, a Marta subiu na beirada da janela;<br />

quan<strong>do</strong> abri os olhos vi a Marta na janela pra suici-<br />

dar. Passei a mão na camisola dela e fiz “buf” com ela<br />

no chão. Fui até a sala das Irmãs e a Madre Joselina<br />

falou: “o quê que foi? Eu falei assim: “A Marta que-<br />

ria pular da janela e eu a segurei”. No dia seguinte<br />

foi aquele sururu. As Irmãs falaram com o pai, que<br />

a Marta não podia continuar interna porque estava<br />

com umas ideias muito extravagantes. Aí ela prome-<br />

teu. Falei: “<strong>Ô</strong> Marta, você <strong>do</strong>rme perto de mim, não<br />

faz arte não, senão como é que eu fico? Os outros vão<br />

pensar que eu te joguei da janela abaixo, não vai fa-<br />

zer uma bobagem dessa não”. Ela falou: “Não, não<br />

vou fazer mais, pode deixar”. Passou. Também na<br />

hora <strong>do</strong> recreio eu tinha que ficar fiscalizan<strong>do</strong> a tur-<br />

minha toda: o que estava acontecen<strong>do</strong>, quem estava<br />

de bolinho, quem ficava de conversa... e acompa-<br />

nhan<strong>do</strong> a Marta. A Marta vai lá pro canto, vou eu de<br />

olho atrás dela. Então eu vi a Marta assim na beirada<br />

<strong>do</strong> muro, entregan<strong>do</strong> um bilhete pro emprega<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

quintal. Fiquei quieta e chamei a irmã Catarina, falei:<br />

“Irmã Catarina, a Marta entregou um bilhetinho pro<br />

seu Gastão”. Ai ela falou: “Vou ver o que é”. “Vem<br />

aqui, Gastão, escuta aqui, me dá esse papel que está<br />

no seu bolso”. Ele falou assim: “Não tem papel não,<br />

219


Irmã Catarina”. Agora ela: “Tem. Me dá esse papel<br />

que a menina te entregou”. Ele ficou tremen<strong>do</strong> um<br />

mucadinho e entregou o papel. A irmã Catarina leu<br />

assim: “Aqui no Colégio tem muito rato, preciso de<br />

arsênico”. Pedin<strong>do</strong> pra comprar arsênico! Aquele dia<br />

acendeu mesmo a fogueira no Colégio! A Marta estava<br />

queren<strong>do</strong> apanhar arsênico pra tentar suicídio<br />

por causa <strong>do</strong> Domingos. Aí veio tu<strong>do</strong>: o pai, a mãe,<br />

ele... eu fui lá na sala pra confirmar... eu nem me<br />

lembro mais como era a cara dele na época. O pai e<br />

a mãe levaram pra casa. Então o pai dela ficou desorienta<strong>do</strong>,<br />

porque ela tinha que estudar. Man<strong>do</strong>u<br />

ela pro Colégio Salesiano em Muriaé. Botou externa.<br />

Daí mucadinho ela começou a fazer programa com o<br />

Sady Men<strong>do</strong>nça lá em Muriaé. Ele era um fazendeiro.<br />

Nessa ocasião o Sady era solteiro. Foi aquele sururu.<br />

De Muriaé, o pai resolveu mudar pra Barbacena. Lá<br />

ela arranjou um casamento com um joga<strong>do</strong>r de futebol.<br />

Acabou a novela da Marta. Eu já tinha casa<strong>do</strong><br />

com o Domingos, não sabia que a história era com ele<br />

não. Então um dia, depois de casa<strong>do</strong>, ele foi fazer um<br />

curso lá em Barbacena. Chegou e falou assim: “Você<br />

não sabe com quem eu encontrei lá em Barbacena?<br />

Falei: “Com quem?” “Com a Marta”. Falei: “Que<br />

que tem a Marta?” “Ela ficou contan<strong>do</strong> o caso <strong>do</strong><br />

Colégio”. Que eu nem sabia que era com ele.<br />

220


Me formei em (19)32. Naquela época era só po-<br />

lítica. Então comecei a trabalhar no dia 15 de outubro<br />

de (19)33, uma vaga que o Dr. Pedro me arranjou no<br />

(grupo) Astolfo Dutra, substituin<strong>do</strong> a Ema Ciodaro.<br />

(Era) irmã <strong>do</strong> Seu João Ciodaro. Ela foi dirigir um<br />

grupo em Belo Horizonte. Aí eu fiquei trabalhan<strong>do</strong><br />

de (19)33, (19)34... trabalhei (19)35 também. No fim<br />

de (19)35, dezembro, me casei. Quan<strong>do</strong> eu voltei pro<br />

grupo em (19)36, entrei na sala de aula pra turma<br />

<strong>do</strong>... <strong>do</strong> Gelson Rocha, Roberto Sachetto, da Carmem<br />

Souza, <strong>do</strong> Ladário Faria... a Isabel Henriques... então<br />

eu tava na sala de aula quan<strong>do</strong> entrou o Custódio<br />

Leite, naquela época era inspetor. Eu dan<strong>do</strong> aula,<br />

ele entrou e falou assim: “Ah, de agora em diante a<br />

senhora está dispensada.” Aí comecei a chorar dentro<br />

da sala de aula. “Ah, por que dispensada?” “É<br />

porque aqui tem outra professora”. Era a Emília<br />

Carvalheira. “Por ordem <strong>do</strong> Sr. Manoel Peixoto, a<br />

Sra. está dispensada. A Sra. nos dá muito prazer<br />

de ficar aqui no grupo, passear, visitar os seus alunos...”<br />

Então eu tive que sair da sala e entrou a Emília<br />

Carvalheira... tive um trauma! Como eu sofri! Aí eu<br />

fui pra casa, naquele bangalozinho, perto onde mora<br />

a Isabel Salga<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> eu casei, morei ali. Cheguei<br />

lá de manhã, choran<strong>do</strong>. O meu mari<strong>do</strong> passou a mão<br />

num revólver e queria ir lá pra matar o Custódio. Eu<br />

221


falei “Não, não vai fazer isso não, deixa ficar.” Passou.<br />

Depois o Manoel Peixoto falou que eu trabalhei pro<br />

Pedro Dutra e todas pessoas que tinham trabalha<strong>do</strong><br />

pro Dr. Pedro tinham que desocupar o Grupo. Ele<br />

ganhou pra Deputa<strong>do</strong> Estadual. Um dia encontrei<br />

com a D. Ondina (Esposa <strong>do</strong> Manoel Peixoto) e ela<br />

falou assim: “Onde você trabalha, minha filha?” Eu<br />

falei assim: “Agora não trabalho em lugar nenhum,<br />

D. Ondina, já deixei o grupo muito tempo.” “Oh, você<br />

não está no grupo mais não.” Não levei a conversa<br />

pra frente. Deixei pra lá. E com o passar <strong>do</strong>s anos...<br />

fiquei viúva. (Fui) casada quinze anos. E logo que fiquei<br />

viúva, fiquei sem trabalhar, mas precisava trabalhar.<br />

Um dia a Tereza Ladeira chegou lá (em casa)<br />

e falou assim: “Stella, você não tem uns livros aí da<br />

Biblioteca <strong>do</strong> SESI?” O João Batista, meu filho, frequentava<br />

a biblioteca. Então ficou trazen<strong>do</strong> livro pra<br />

casa e não entregava. Eu falei: “não sei, Tereza, tem?”<br />

Ela: “Seu menino precisava de dar um jeito de entregar<br />

os livros.” Aí eu olhei pro guarda roupa dele e<br />

tinha uns livros mesmo. A Tereza falou assim: “Ih, eu<br />

vou te falar um negócio: eu estou mais apertada não<br />

é por causa <strong>do</strong>s livros não, é porque o curso supletivo<br />

<strong>do</strong> SESI vai acabar, eu não tenho uma professora<br />

pra esse curso”. Eu falei: “Muito bonito! Eu fiz a inscrição<br />

pra professora no SESI, mas era o Adail Matos<br />

222


com a Lupi Siqueira que estavam lá na liderança. Ela<br />

falava: “Ah, você não pode mais entrar pro SESI, de-<br />

pois de 35 anos não pode candidatar a professora no<br />

SESI”. Não consegui, né. Eu falei: “Tereza, eu não<br />

posso...” ela falou assim: “Você podia ir lá pro SESI<br />

agora, pra ver se fica alguns dia como professora <strong>do</strong><br />

curso supletivo, porque já correram onze candidatas,<br />

elas não aguentam o trabalho da noite com adulto.<br />

Você podia... porque senão... o diretor falou que vai<br />

mover o curso supletivo. Você vai lá pro SESI porque<br />

tem uma semana que estou pelejan<strong>do</strong> pra segurar o<br />

curso supletivo”. “Mas Tereza, eu não vou poder, eu<br />

já estou com 38 anos, e também aquele serviço <strong>do</strong><br />

SESI é impossível”. Eu tinha olha<strong>do</strong> o serviço de uma<br />

professora, irmã <strong>do</strong> Américo da Caçula. O serviço<br />

<strong>do</strong> SESI é muito complica<strong>do</strong>, eram nove folhas pra<br />

um serviço de um mês de aula. Era demais! Muito<br />

cheio de burocracia. Aí: “Bom, você vai lá, toma con-<br />

ta das aulas e eu faço o serviço”. Nessa ocasião a<br />

Naudir Macha<strong>do</strong> tinha um curso em Belo Horizonte<br />

e ficou lá como orienta<strong>do</strong>ra, na época que eu entrei.<br />

A Naudir falou: “Você vai fican<strong>do</strong> por aí”. Eu disse:<br />

“Tá bem, eu <strong>do</strong>u as aulas”. De repente lá no Senai<br />

(empresta<strong>do</strong> ao SESI), estava com quarenta alunos<br />

na turma. Eu falei: “bom, vou empregar o méto<strong>do</strong><br />

global, que aprendi na época <strong>do</strong> colégio, e a Naudir<br />

223


vai observan<strong>do</strong>”. Foi in<strong>do</strong>, chegou o fim <strong>do</strong> mês, a<br />

Tereza falou assim: “Ah, difícil... não fui eu que dei<br />

aula e agora eu é que vou fazer o serviço... você po-<br />

dia ver como é que faz “. Comecei a olhar e falei as-<br />

sim: “Você precisa me dar três dias pra eu olhar es-<br />

se serviço”. Nesses três dias veio uma modificação.<br />

Eu li direitinho as orientações. Falei: “Naudir, nem<br />

Tereza, nem ninguém precisa de olhar. Deixa quebrar<br />

a cabeça com isso lá na minha casa que eu vou fa-<br />

zer o serviço”. E fiz. Aí a gente passou a trabalhar na<br />

Rua <strong>do</strong> Pomba. Eles comecaram (o SESI) na prefei-<br />

tura com corte e costura, mas quan<strong>do</strong> veio o curso<br />

supletivo, não tinha lugar, foi lá pro Senai. Você ima-<br />

gina, onze moças concursadas, nenhuma aguentou a<br />

turma de adultos. Então eu fiquei. Mandaram eu as-<br />

sinar o serviço, eu assinei como substituta. Aí comu-<br />

nicaram a Belo Horizonte e a direção <strong>do</strong> SESI lá man-<br />

<strong>do</strong>u que eu ficasse uns três meses como experiência.<br />

Fiquei três meses e me mandaram a carteira, to<strong>do</strong>s<br />

os <strong>do</strong>cumentos. Fui fican<strong>do</strong>. Tinha reunião em Belo<br />

Horizonte, eu ia: ninguém nunca tinha me pedi<strong>do</strong><br />

diploma, nem nada de concurso. Quan<strong>do</strong> tinha uns<br />

seis meses, veio um elogio imenso, porque eu man-<br />

dei um trabalho feito com uma árvore genealógica<br />

de Cataguases. Então a Marlene Sete Câmara levou<br />

pro Rio e o trabalho foi muito elogia<strong>do</strong>, e eu fiquei<br />

224


satisfeita. Foi passan<strong>do</strong> o tempo, fui trabalhan<strong>do</strong> e<br />

estudan<strong>do</strong>. Na época eu alfabetizei uns mil operá-<br />

rios dessas fábricas. (Fiquei) vinte (anos) no SESI. Na<br />

época que eu entrei, to<strong>do</strong>s escreviam com impressão<br />

digital. Esse verea<strong>do</strong>r, Jorge Sales, foi meu aluno tam-<br />

bém. Então eles traziam os pagamentos, aquela coisa,<br />

eu dava mais uma aula prática pra eles. Aprendiam a<br />

controlar o desconto <strong>do</strong> sindicato, a encher cheque...<br />

o negócio foi passan<strong>do</strong>... quan<strong>do</strong> chegou uma ordem<br />

aqui que todas as não concursadas seriam dispensa-<br />

das <strong>do</strong> serviço. Falei: “Agora é hora”. Mas eu já ti-<br />

nha passa<strong>do</strong> de dez anos, né, tinha estabilidade. Fui a<br />

única no Esta<strong>do</strong> de Minas Gerais que permaneci. Foi<br />

até... eu fui dispensada pela política <strong>do</strong>s Peixoto, e<br />

trabalhei a favor da política <strong>do</strong>s Peixoto ensinan<strong>do</strong><br />

a fazer requerimento depois pra eleitores, ensinan<strong>do</strong><br />

os analfabetos. Trabalhei com os operários para eles<br />

poderem votar nos Peixoto. Eu ajudava e nunca en-<br />

trei em conversa política. A gente nesse mun<strong>do</strong> tem<br />

que ser assim, deixar a coisa passar. Fiz meu enxoval<br />

dentro da casa da Eponina Peixoto. Nunca briguei<br />

com ninguém. Conversava muito com a D. Ondina...<br />

depois eu fui muito elogiada pelos próprios Peixoto.<br />

Trabalhei até dentro da área da Industrial.<br />

O meu irmão, Osval<strong>do</strong> Abritta, fazia parte da<br />

Verde. Está escrito aqui: “Faleci<strong>do</strong> aos 28 de feverei-<br />

225


o de (19)47 em Carandaí.” Muito novo. Ia completar<br />

39 anos. Tem umas poesias aqui... ele era apaixona<strong>do</strong><br />

pela Zoraide Guimarães. Casou com outra, mas mor-<br />

reu apaixona<strong>do</strong> pela Zoraide. Foi através <strong>do</strong> Grêmio<br />

Literário Macha<strong>do</strong> de Assis que nasceu a “Verde”.<br />

To<strong>do</strong>s amigos frequentavam o Colégio de Cataguases.<br />

Eu tenho to<strong>do</strong>s os capítulos da Verde, os poemas de-<br />

le. Eram cheios de esperança. Com o afastamento de<br />

um pra cada la<strong>do</strong>, a “Verde” morreu verde. (Mas) ela<br />

deixou um bom exemplo de literatura. O Osval<strong>do</strong><br />

foi embora para Belo Horizonte com o Guilhermino<br />

César. Rosário Fusco partiu pra outro la<strong>do</strong>, o Ascânio<br />

morreu... o (Osval<strong>do</strong>) fazia direito em Belo Horizonte.<br />

Foi juiz municipal em Carandaí. Morreu como juiz.<br />

Na ocasião, a política que ele liderava perdeu. O che-<br />

fe da outra política sabe o que fez? Prendeu os eleito-<br />

res dele e deu purgante de azeite! Fez uma maldade<br />

louca! Ele ficou super apaixona<strong>do</strong> e foi fican<strong>do</strong> <strong>do</strong>en-<br />

te, até aparecer com cirrose. E outro (irmão), morreu<br />

como desembarga<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Rio.<br />

(Fiquei casada) quinze anos, mas eu conto só<br />

treze, porque <strong>do</strong>is anos eu fiquei no Rio com a minha<br />

filha mais velha - Mariangela - que sofreu encefalite<br />

com quatro anos. Vinha em casa passear, arranjava<br />

um filho voltava pro Rio. Depois Domingos ia pas-<br />

sear lá, arranjava outro filho. O negócio ficou assim,<br />

226


constituin<strong>do</strong> família no maior sacrifício. Nove filhos.<br />

O primeiro parto, um casal de gêmeos, que é essa que<br />

sofreu encefalite; perdi o outro por descui<strong>do</strong> médico,<br />

porque a gente não fazia pré-natal. A menina nasceu<br />

de parto normal, de la<strong>do</strong>, e deu muito trabalho, e o<br />

menino ficou, o médico não sabia que tinha outra<br />

criança. Nasceu depois com três quilos e duzentos,<br />

já com o sangue to<strong>do</strong> perdi<strong>do</strong> pelo cordão umbilical.<br />

Eu nunca fiz exame ginecológico. Não se usava. O Dr.<br />

Edson Rezende, coita<strong>do</strong>, até chorou. Falou que sentia<br />

muito, mas ele nunca tinha feito parto de gêmeos<br />

com uma placenta só. Depois eu tive mais <strong>do</strong>is meninos<br />

gêmeos, perdi também. Tu<strong>do</strong> isso pela falta de<br />

progresso de Cataguases, porque os meninos nasceram<br />

com seis meses e quinze dias, muito gordinhos...<br />

o Hospital não tinha estufa nem balão de oxigênio.<br />

Ficou combina<strong>do</strong> que eles iam ser leva<strong>do</strong>s pro Rio,<br />

mas daqui pro Rio eles poderiam morrer. Os meninos<br />

foram esfrian<strong>do</strong>, esfrian<strong>do</strong>... perdi três homens.<br />

Comecei a fazer a novena <strong>do</strong> São Geral<strong>do</strong> Magela e<br />

falei com a Mariangela: “minha filha, reza pro papai<br />

<strong>do</strong> céu dar a gente um irmãozinho, que ele vai chamar<br />

Geral<strong>do</strong> Magela”. Fiz a novena. Marquei direitinho:<br />

<strong>do</strong> quinto dia da novena ao nono dia, eu engravidei.<br />

Então arranjei a caminha, peguei uma estampa<br />

de São Geral<strong>do</strong>, coloquei na cabeceira, falei assim:<br />

227


“Agora São Geral<strong>do</strong> vai me dar um menino, um fi-<br />

lho, que eu quero um filho”. Passei uma gravidez óti-<br />

ma. Morava em Astolfo Dutra. O Teotônio Lourenço<br />

vinha a Cataguases sempre de moto e falava assim:<br />

“o que vai trazer hoje pro nenê?” Porque em Astolfo<br />

Dutra não tinha nada. Eu falava: ‘’Traz um abacaxi<br />

gostoso, Teotônio”. Ele levava. No dia seguinte ele<br />

falava assim:<br />

“Nenê quer outra fruta?”. “Então traz maçã”.<br />

E foi assim. Passei uma gravidez ótima, comen<strong>do</strong><br />

muita fruta. O parto foi natural. Ele nasceu com qua-<br />

tro quilos e duzentas gramas, com o Dr. Antonio, ir-<br />

mão da Zezé Cortes. Depois dessa época não perdi<br />

mais não.<br />

Meu mari<strong>do</strong> era um santo! Uma santa criatura.<br />

Ele trabalhava na Coletoria e eu então de tarde<br />

arrumava as crianças, mudava roupinha, levava pra<br />

esperar ali na praça - nessa ocasião já tinha volta<strong>do</strong><br />

pra Cataguases, como escrivão - então a gente encontrava<br />

naquela alegria. Jantava com as crianças às 6<br />

horas. Ele falava assim:<br />

“Minha filha, você está cansada de olhar menino”<br />

- é pra você ver só como ele e eu tinha cozinheira<br />

e tinha arrumadeira; a arrumadeira me ajudava a<br />

olhar os meninos, eu não trabalhava fora - mas ele<br />

falava assim: “Eu fico com as crianças e você vai ba-<br />

228


ter um papinho na praça. Se você quer ir ao cinema<br />

você pode ir”. Me mandava passear e ficava senta<strong>do</strong><br />

no escritório dele com o menorzinho. Dava mama-<br />

deira... ele era bom demais! To<strong>do</strong> sába<strong>do</strong> pegava as<br />

crianças, cortava as unhas de todas. E eu, às vezes,<br />

deitava mais ce<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> (ele) chegava eu estava<br />

<strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>... eu até tenho remorso. Uma noite ele pegou<br />

um copo de leite e levou pra mim. Falou assim:<br />

“Você jantou muito pouco, comeu mal hoje, toma esse<br />

copo de leite”. Ele era muito bonzinho, sempre foi.<br />

As cartas dele desde namora<strong>do</strong>... está tu<strong>do</strong> aqui. Os<br />

desenhos que ele fazia pras crianças enquanto eu estava<br />

na praça... sentava no birô com os <strong>do</strong>is menores<br />

e ficava desenhan<strong>do</strong>. Às vezes eu vou fazer limpeza,<br />

quero jogar fora, mas me dá uma <strong>do</strong>rzinha no coração<br />

(e)vou guardan<strong>do</strong>. Na ocasião que eu fiquei viúva,<br />

quatro filhos, eu fiquei procuran<strong>do</strong> meio de vida<br />

pra sustentar os filhos. A Elizabeth estu<strong>do</strong>u na Escola<br />

Normal, o Geral<strong>do</strong> estu<strong>do</strong>u, não houve perturbação<br />

de coisa nenhuma. Mas eu comprava cerâmica em<br />

Recreio e vendia em Cataguases. Eu andava venden<strong>do</strong><br />

vasos, toalhas... (meu mari<strong>do</strong>) recebia onze contos<br />

de réis na época. Eu fiquei com um conto e cinquenta<br />

e seis mil réis. Foi um tombo muito grande.<br />

Arranjei um fornece<strong>do</strong>r de cerâmica em Recreio. Eu<br />

ia apanhar, às vezes telefonava ou mandava apanhar.<br />

229


Tava fazen<strong>do</strong> uma feriazinha, mas deu um descarri-<br />

lamento de trem e o meu capital foi embora. Eu desa-<br />

nimei da venda de cerâmica, mas nem por isso fiquei<br />

desatinada. Fui em Carandaí, na casa das minhas<br />

irmãs, então elas me arranjaram a representação da<br />

fábrica de manteiga Carandaí, para ajudar na renda<br />

familiar. Vinha de trem umas latas de dez quilos e eu<br />

vendia. Mandava entregar no Hotel Villas, no Hotel<br />

Cataguases, em casa de família.<br />

Mas daí mucadinho começou to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> a<br />

reclamar que pedia <strong>do</strong>is quilos; chegava lá pesava,<br />

não tinha <strong>do</strong>is quilos de manteiga. “Ai meu Deus! Já<br />

vou desistir também dessa manteiga”. Fui procurar<br />

saber: é porque os meninos iam entregar a manteiga,<br />

sentavam na praça e comiam a manteiga. Falei:<br />

“Olha, então agora nem vocês vão comer manteiga”.<br />

Do lucro dava pra to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> comer manteiga em<br />

casa, mas eles começaram a tirar manteiga. “Então<br />

eu vou desistir da manteiga, porque eu estou com<br />

vergonha. Vou deixar essa manteiga de la<strong>do</strong>”. E os<br />

meninos ficaram... o dinheiro era pouco, não dava<br />

pra comer manteiga to<strong>do</strong> dia. Aí o João falava assim:<br />

“Como é que é? Hoje tem ou não tem manteiga pra eu<br />

passar nesse pão levar de merenda?” Eu falava assim:<br />

“Manteiga de filho de viúva, sabe o que é? É sopro, ó<br />

fu... “ Fechava o pão: “Leva esse pão e vai pro grupo”,<br />

230


falava com ele. Ele falou assim: “Por desaforo eu vou<br />

untar esse pão to<strong>do</strong> de gordura de coco”. Então en-<br />

chia o pão de gordura de coco. Comia tanta gordura<br />

de coco que deu um caroço nele que foi preciso o Dr.<br />

Hugo abrir. Eu só comprava manteiga uma vez por<br />

semana. Se desse, muito bem; se não desse paciên-<br />

cia. Então eu passei esses apertos to<strong>do</strong>s com a viuvez.<br />

Ah, eu vou falar mesmo com verdade: eu achei que a<br />

minha vida que foi boa mesmo, foi a minha vida de<br />

colégio. O mari<strong>do</strong> foi ótimo, foi uma boa vida de casa,<br />

mas muito cheia de atropelo com a <strong>do</strong>ença da meni-<br />

na. Hoje a vida é de uma preocupação intensa! Nossa<br />

Senhora! Sou muito preocupada, me preocupo muito<br />

com os filhos, com os netos e agora com <strong>do</strong>is bisnetos.<br />

Ninguém tira essa preocupação de mim, (mas) pode<br />

começar tu<strong>do</strong> de novo que eu enfrento.<br />

Entrevistada em 4/6/1991 por Gláucia Siqueira e Hélvia Peres Cordeiro<br />

231


T E O D O R I C O T E I X E I R A<br />

C A R D O S O<br />

F E R R O V I Á R I O<br />

8 3 a n o s<br />

Meu pai era de Portugal: Joaquim<br />

Teixeira Car<strong>do</strong>so. Minha mãe brasileira, daqui de<br />

Cataguases: Joaquina Martins Teixeira. Vou comple-<br />

tar oitenta e <strong>do</strong>is anos... 1908... primeiro de julho de<br />

1908... eu era o mais velho... e a minha mãe falava<br />

que não podia casar, porque tinha de ajudar a criar<br />

oito irmãos. Resta três ainda... quatro... aqui eu só<br />

tenho uma irmã, aqui em São Diniz... Trabalhei em<br />

casa quan<strong>do</strong> era menino. Naquele tempo os pais, por<br />

exemplo, só se preocupavam com os filhos com bar-<br />

riga cheia, né. Meu pai perguntava assim:<br />

Foto: Estação Ferroviária, s/a, 1906, Departamento Municipal <strong>do</strong><br />

Patrimônio Histórico e Artístico de Cataguases<br />

233


- Tá com a barriga cheia, meu filho? Tá? Então gra-<br />

ças a Deus!<br />

E não perguntava se tinha alguma roupa bo-<br />

nita. Não perguntava mais nada. Só perguntava se a<br />

barriga estava cheia, não tinha uma vida, tinha... o<br />

negócio de ter roupa bonita, sapato bonito, não usava<br />

não. Pra pobre não, né.<br />

Não gosto muito de lembrar da infância não.<br />

Estudei no Grupo da Avenida (Coronel Vieira) <strong>do</strong>is<br />

anos. Uma péssima recordação! Porque eu vinha a pé<br />

de lá de São Diniz aqui no Grupo da Avenida. Não<br />

trazia um tostão para comprar merenda! Na entrada<br />

de Cataguases, pela estrada, pra lá não tinha luz. A luz<br />

elétrica ia só até ali. Muitas vezes passei numa figueira<br />

que tinha lá, com me<strong>do</strong> de assombração! Pra lá era entrar<br />

no escuro até lá em casa. Dali pra lá não tinha luz<br />

não... A gente almoçava e vinha, ficava aqui... chegava<br />

aqui meio-dia. De tarde saía às quatro horas... ia brincan<strong>do</strong><br />

por aí afora... chegava cinco e meia, seis horas<br />

pra jantar e tomar café também... depois fui trabalhar...<br />

Meu primeiro emprego foi na rede. Aos dezessete<br />

anos eu entrei na estrada de ferro. Eu comecei<br />

a trabalhar em 1925, e naquele tempo não tinha carteira<br />

(de trabalho), não tinha nada! A primeira férias<br />

que eu gozei foi em abril de 1934! Fui gozar férias<br />

tinha nove anos de serviço!<br />

234


Trabalhava na linha, capinan<strong>do</strong>, socan<strong>do</strong> <strong>do</strong>r-<br />

mente. Serviço de conservação de linha tinha um<br />

ponto certo, não tinha turma. Isso quan<strong>do</strong> eu entrei,<br />

né. Depois eu passei a feitor, a mestre de linha.<br />

Aí, daqui eu fui pra Viçosa... não, daqui eu fui<br />

pra Guarani como feitor, e de Guarani eu tornei a vol-<br />

tar pr’aqui. Daqui eu fui pra Viçosa como mestre de<br />

linha. Mestre de linha comanda os feitor. Trabalhava<br />

muito! Quan<strong>do</strong> eu entrei na Estrada trabalhava das<br />

seis às cinco da tarde: dez horas de serviço! Depois<br />

passou pra oito... depois veio a semana inglesa... ao<br />

sába<strong>do</strong> trabalhava até meio dia. Agora eles... sába<strong>do</strong><br />

nem vai lá. Quan<strong>do</strong> havia um acidente, ou coisa as-<br />

sim, tinha que trabalhar <strong>do</strong>mingo, né. Só (descansa-<br />

va) <strong>do</strong>mingo quan<strong>do</strong> podia.<br />

De distância a distância tinha um médico que<br />

atendia o setor. Tinha um médico. Meu pai traba-<br />

lhou dezoito anos <strong>do</strong>ente. Sofreu dezoito anos com<br />

reumatismo.<br />

Tinha muito movimento na Estrada, e quan<strong>do</strong><br />

chovia muito... caiu muita chuva nas costas, pegou<br />

um grande reumatismo. A<strong>do</strong>eceu e aposentou. Ele<br />

aposentou por invalidez. A princípio eu pegava o en-<br />

velope que recebia e entregava ao meu pai sem ver o<br />

dinheiro! Depois, ele me entregava o dele, porque fi-<br />

cou <strong>do</strong>ente e então eu tomava conta. Sempre na luta!<br />

235


Fui folgar depois de aposenta<strong>do</strong>. Saí com cinquenta<br />

e sete anos e tenho vinte e cinco de aposenta<strong>do</strong>. Os<br />

ingleses é que exploravam: cortês eles eram muito,<br />

né. Mas pagava pouco. Pagava muito pouco! O pa-<br />

gamento atrasava muito naquele tempo. Enquanto<br />

o pessoal não fazia greve não saía pagamento! Nós<br />

nem recebia um, já tava vencen<strong>do</strong> outro. Atraso <strong>do</strong><br />

pagamento num passava de <strong>do</strong>is meses, porque ti-<br />

nha que comer, né.<br />

O Rio de Janeiro comandava to<strong>do</strong> o setor.<br />

Vinha correspondência <strong>do</strong> Rio, pagamento, tu<strong>do</strong><br />

vinha <strong>do</strong> Rio de Janeiro. Tinha um escritório inglês<br />

da Rede: mandava de Recreio e, naquela época, ia<br />

até Raul Soares. De longe em longe vinha um trem<br />

cheio... Tinha que tirar o chapéu pra eles: um absur-<br />

<strong>do</strong>! Mas não havia perseguição não. A perseguição é<br />

que ganhava pouco, mas tinha que trabalhar muito!<br />

Se trabalhasse estava tu<strong>do</strong> bem, se não trabalhasse<br />

rodava, né. Apertava no serviço até o camarada lar-<br />

gar e ir embora. Depois foi modifican<strong>do</strong>... modificou<br />

tu<strong>do</strong>. E hoje tá tu<strong>do</strong> diferente!<br />

A estrada de ferro mu<strong>do</strong>u muito, nem parece<br />

aquela. Passou pra Rede foi em 1947. Ainda houve<br />

umas greves, mas foi modifican<strong>do</strong> e melhorou ul-<br />

timamente, porque o pagamento vem no dia certo.<br />

Antigamente tinha trem de passageiros, tinha trem<br />

236


noturno, hoje não tem trem. O que passa é trem de<br />

carga pra Recreio e pro la<strong>do</strong> de Ponte Nova. Num<br />

tem movimento quase nenhum. Acabou. Deixaram a<br />

ferrovia acabar, né. Quem fosse a Miraí e perdesse o<br />

trem, tinha que <strong>do</strong>rmir lá pra vir no outro dia. Se fos-<br />

se a Santana, se não viesse no trem que vinha de ma-<br />

nhã ce<strong>do</strong>, tinha que vir a pé, ou ficar pra vir no outro<br />

dia. Não tinha ônibus, não tinha nada. Num tinha<br />

outro transporte. Não tinha outro meio de transpor-<br />

te fácil não. Transporte forte era trem, né. O pessoal<br />

andava de trem. Então começou a... aquilo tava dan-<br />

<strong>do</strong> prejuízo, porque começou a aparecer ônibus pra<br />

carregar os passageiros, e caminhão pra carregar as<br />

compras... o café fracassan<strong>do</strong>... não foi só Miraí, não.<br />

Santana também tinha outro ramal... Leopoldina...<br />

Aqui, de ligação a Três Rios também tinha. Cada canto,<br />

pra Juiz de Fora... Tu<strong>do</strong> foi desativa<strong>do</strong> porque eles<br />

achavam que era deficitário. Então foram arrancan<strong>do</strong><br />

os trilhos, em (19)64. Trabalhei não, começou a retirar<br />

e eu saí. Um mal que eles fizeram né. Porque agora<br />

o transporte de caminhão tá muito caro. O transporte<br />

pesa<strong>do</strong> pelo menos... Que passageiro hoje não<br />

sujeita... Porque sain<strong>do</strong> daqui de Cataguases às nove<br />

e vinte, chegava ao Rio às nove da noite: era <strong>do</strong>ze horas,<br />

se não atrasasse! Quan<strong>do</strong> dava de atrasar, atrasava<br />

era muito: era hora, não era minuto, não. Tinha<br />

237


época que havia algum tombamento de vagão, coisa<br />

e tal... mas não era tanto não.<br />

Aqui era muito pequeno e qualquer coisa<br />

importante falava: vai buscar lá no Rio de Janeiro.<br />

Quan<strong>do</strong> iam fazer compras precisavam de quase tu<strong>do</strong>.<br />

Não me lembro bem, nesse tempo eu era garoto.<br />

Aqui era zona de café. Aqui, Miraí, Santana. Cana era<br />

só quase que pro gasto, né. Transporte pesa<strong>do</strong> mesmo<br />

era o café. O trem pegava e levava pro Rio, mas<br />

tinha leite, tinha galinha... tinha passageiro que levava<br />

pro Rio. Vinha de Santana, Miraí, chegava em<br />

Cataguases. A galinha e o leite era transporta<strong>do</strong> no<br />

expresso. To<strong>do</strong> expresso que chegava levava aquilo<br />

pro Rio.<br />

Aqui teve uma época de queima de café, né.<br />

Ali onde era a Manufatora, na Saco-Têxtil, ali é que<br />

queimava café. Juntava café, ia despejan<strong>do</strong> num<br />

monte lá e punha fogo! Eles diz que tava barato demais,<br />

então queimava pra dar preço! Não lembro<br />

bem não... o presidente acho que era o Getúlio. Ah,<br />

os grandes fazendeiros... agora não me lembro o nome...<br />

ele foi fazendeiro aqui, mas eu não me lembro<br />

que ele produzia muito café não...<br />

Eu conheci a Praça Rui Barbosa de cascalho,<br />

saibro... Tinha um chafariz no centro, ali. A gente ficava<br />

rodan<strong>do</strong>. Vinha passear na praça. Mas não era<br />

238


to<strong>do</strong> dia não, né. Porque de tarde não tava com von-<br />

tade de andar muito não. Ah... era diferente d’agora.<br />

Ninguém tinha dinheiro. Não saía porque não tinha<br />

condição, né. A gente ia em baile na roça... Dançava<br />

valsas, xote, mazurca: A coisa que eu mais gostava<br />

quan<strong>do</strong> solteiro! Mas depois que casei não fui mais<br />

dançar não. Porque não tinha graça eu ir em baile<br />

depois de casa<strong>do</strong>. Tem gente que falava que dançava<br />

pra divertir. Eu sempre dancei interessa<strong>do</strong>... Não era<br />

igual agora não. Havia mais respeito. Hoje o pessoal<br />

tá mais avança<strong>do</strong>.<br />

Conceição... Acho que foi num baile... Namoramos...<br />

Casamos, tem aí cinquenta e cinco anos! Eu<br />

casei com vinte e sete anos. Desobedeci minha mãe<br />

e casei. Ganhava cento e trinta e cinco réis por mês,<br />

quan<strong>do</strong> casei. Eu tinha dez anos de Leopoldina e só<br />

ganhava cento e trinta mil réis! E ganhava bem! Tinha<br />

muita gente que tinha inveja <strong>do</strong> meu ordena<strong>do</strong>! Foi<br />

muito aperta<strong>do</strong>. Criei oito filhos - seis homens e duas<br />

mulheres - aperta<strong>do</strong>. Tinha que dar, né. Padaria:<br />

eu comprava o pão o dia que podia. Tinha mês que<br />

dava muca<strong>do</strong> na farmácia, no armazém... o ordena<strong>do</strong>...<br />

quan<strong>do</strong> vinha o aumento, já tava precisan<strong>do</strong> dele<br />

há muito tempo! Eu ganhei duzentos mil réis na<br />

Leopoldina muitos anos! O pessoal da roça ganhava<br />

<strong>do</strong>is mil réis por dia. Dois mil réis não é <strong>do</strong> seu tem-<br />

239


po não, né? Teve uma época que eu tive oito filhos eu<br />

e a mulher - dez dentro de casa - só meu ordena<strong>do</strong>!<br />

Também não tinha jeito pra inflação não! Se subisse, o<br />

sujeito não podia comprar, não tinha dinheiro. Fosse<br />

agora não dava não. Eu consegui. Graças a Deus!<br />

A vida aqui sempre girou em torno da indús-<br />

tria. Tinha uma fábrica, aquela fábrica mais velha <strong>do</strong><br />

que eu, só tinha aquela. Depois foi crian<strong>do</strong> as outras<br />

indústrias, a cidade foi crescen<strong>do</strong>, foi crescen<strong>do</strong>, mais<br />

indústrias... Sempre o forte aqui foi a fábrica. Tinha<br />

muito português, tinha italiano, espanhóis... mas<br />

português era mais.<br />

Gostava muito <strong>do</strong>s estrangeiros pra trabalhar.<br />

Porque português vinha pro Brasil só pra ganhar dinheiro,<br />

né. Chegava aqui, dava duro pra não perder<br />

o emprego! Eles dava preferência à Estrada de Ferro.<br />

Os portugueses até já vinha com lugar arranja<strong>do</strong> na<br />

Estrada de Ferro. Tinha o Joaquim Peixoto Ramos, o<br />

Joaquim Carvalho, o João Duarte Ferreira, que era o<br />

chefão grande compra<strong>do</strong>r de café. E tinha até uma<br />

agência de Banco aqui. Eu sei que o Banco era ali,<br />

perto <strong>do</strong> Hotel Villas, ali onde é o SAPS (Cobal), ali<br />

que funcionava. Ouvi falar que ali onde tem um correio12<br />

, na barreira da linha, pra lá <strong>do</strong> escritório: ali foi<br />

12 ) Arrua<strong>do</strong>, conjunto de casas ao longo de uma rua.<br />

240


Estação Estrada de Ferro Cataguases, até Miraí. Ali,<br />

linha, pra lá <strong>do</strong> escritório: ali foi Estação Estrada de<br />

Ferro Cataguases, até Miraí. Ali, na Vila Tâmega...<br />

Antes o trem voltava dali... no meu tempo, já vinha<br />

cá na Estação pra completar o percurso.<br />

Fui cria<strong>do</strong> aqui... seis quilômetros... Miraí.<br />

Aqui tinha uma estação chamada Astolfo Dutra...<br />

Dona Euzébia... Depois, não sei por que passaram<br />

pra lá. Astolfo Dutra era Santo Antônio... Trocaram<br />

de nome passaram Astolfo Dutra... Onde é hoje. Não<br />

sei porque. Ele morou aqui na avenida. Ali. Conhecia<br />

de longe... Conheço. Zacarias era o supervisor. O<br />

Zacarias, ele entrou bem depois. O Zacarias entrou<br />

na turma da picareta, na linha. Depois passou pra<br />

turma de pedreiro. Depois passou a encarrega<strong>do</strong> e<br />

de encarrega<strong>do</strong> aposentou. No meu tempo era encarrega<strong>do</strong><br />

de obra, né. Agora apelidaram de supervisor.<br />

Tinha Rezende, mas não conheço não. Ofélia eu<br />

ainda conheço. Ainda é viva. Acho que ela nunca se<br />

casou. Ou casou? Os sobrinhos conhecia alguns... conhecia<br />

assim... Eles era grande, eu era pequeno, inté<br />

passava longe deles, né. Aqui tinha muita briga <strong>do</strong><br />

Pedro Dutra com o Manoel Peixoto, mas era política<br />

daqui da cidade. Parti<strong>do</strong>... Não tomava parte. Nessa<br />

ocasião eu só pensava em trabalhar, sabe. Nunca gostei<br />

de tomar parte nessas coisas. Aqui to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />

241


era grevista, né. Eu sempre fui contra! Achei que po-<br />

dia... por outras maneiras... Não era contra as greves,<br />

porque elas falavam que o pagamento atrasava por-<br />

que não tinha dinheiro, depois da greve tinha dinhei-<br />

ro!? Sacanagem, né. Não podia gostar de outra coisa<br />

porque eu não tinha dinheiro. (Batistinha) foi depois.<br />

Isso não é <strong>do</strong> meu tempo não. Ele era <strong>do</strong> Sindicato,<br />

né. Na época da Revolução é que andaram... Mas não<br />

por aqui, por lá mesmo... o pessoal <strong>do</strong> Getúlio Vargas<br />

andava de trem... não tem nenhum não... Os amigos<br />

já morreram to<strong>do</strong>s, né.<br />

Eles falam: Que tempo bom! Tempo bom é<br />

agora! Melhorou. Agora trabalha pouco, ganha bem.<br />

Tempo bom, mas ninguém quer que volta aquele<br />

tempo. Tempo bom pra cachorro. Morava na roça,<br />

então não tinha tempo... criei oito filhos: nenhum pe-<br />

ga ferramenta não! Agora é melhor, dinheiro é me-<br />

lhor... não, acho que pra mim nunca teve tão bom!<br />

Entrevista<strong>do</strong> em 14/3/1990 por José Luiz Batista e Mônica Macha<strong>do</strong> da<br />

Silva<br />

242


243


T E R E Z I N I M A S S E N A<br />

G U I M A R Ã E S<br />

P R O F E S S O R A A P O S E N TA D A<br />

Sou mais conhecida como Lora, por-<br />

que eu era muito lourinha quan<strong>do</strong> era criança, ca-<br />

cheada, aquele louro quase prata. Aquele louro pra-<br />

tea<strong>do</strong>, e a vovó, mãe da mamãe, tinha loucura co-<br />

migo. Ela só me chamava de “Lora”, ou então “meu<br />

sonho <strong>do</strong>ura<strong>do</strong>”. E a gente à medida que os anos<br />

vão passan<strong>do</strong>, o cabelo vai escurecen<strong>do</strong>. O meu não<br />

branqueou nada ainda, até gostaria de ter cabelos<br />

brancos porque eu sou avó, com to<strong>do</strong> orgulho, de<br />

três; agora a Flávia vai ter mais um. Eu gostaria de<br />

ter cabelos brancos, então eu faço reflexo pra mim<br />

continuar loura, pra fazer jus até ao meu apeli<strong>do</strong><br />

que a minha avó me colocou carinhosamente: “meu<br />

sonho <strong>do</strong>ura<strong>do</strong>”e “Lora”.<br />

Foto: Pedro Dutra e correligionários, s/a, s/d, Departamento Municipal<br />

<strong>do</strong> Patrimônio Histórico e Artístico de Cataguases<br />

245


A minha avó, a vovó Josefa, mãe da mamãe,<br />

ela morreu com 96 anos. É família que dura muito. A<br />

mamãe vai fazer 90 agora dia 22 de maio. Você não<br />

fala que a mamãe tem 90, pela disposição dela. Eu<br />

lembro que a vovó, pouco tempo antes de morrer,<br />

ainda conserva uma faixa loura no meio <strong>do</strong> cabeli-<br />

nho branco, que ela fazia coquinho para traz. Eu sou<br />

descendente <strong>do</strong> la<strong>do</strong> da mamãe de italiano. Graciolli.<br />

E o meu pai... a mãe <strong>do</strong> meu pai era filha de escravos.<br />

O pai <strong>do</strong> papai veio... eu não lembro, não sei aonde<br />

eles moravam. Veio, gostou da mãe <strong>do</strong> papai e teve,<br />

ele teve o papai. É onde veio o Massena. Ele é francês.<br />

O pai <strong>do</strong> papai. Papai é descendente de francês.<br />

Um sobrinho meu de Friburgo, ganhou uma<br />

bolsa de estu<strong>do</strong>, foi fazer belas artes na França. Ele<br />

procurou se informar da família Massena. Então ele<br />

viu rua Lorde Massena, porque lá é Massena, né. É<br />

uma família nobre da França. Não sei o que ele (meu<br />

avô), veio fazer. Aventura. Às vezes ele veio procurar<br />

uma escrava, né.<br />

Os Graciolli, a vovó e o vovô, vieram da ltália.<br />

Ela trouxe filhos da Itália - uma até morreu no<br />

navio na vinda pra cá - mas a mamãe é nascida em<br />

Cataguases, né. Mas o vovô chegou... chegou aqui<br />

ele sentiu muita saudade, teve vontade de voltar. Ele<br />

apareceu até num filme da... da... hoje é Eva Comello,<br />

246


como é o nome dela? Eva Nil. Ele (apareceu) com<br />

aquele pau de... passan<strong>do</strong>, venden<strong>do</strong> frango. Ele não<br />

se realizou como ele desejaria. Então ele se apaixo-<br />

nou muito porque ele gostaria de voltar, mas não ti-<br />

nha condição pra voltar com a família. Já tinha mais<br />

filhos aqui, que nasceram aqui. Então ele passou a<br />

beber, bebeu até morrer. O avô materno, Graciolli.<br />

A mamãe fala que eles moravam numa rua<br />

aqui perto, que, na época, tinha o nome de Bedengó.<br />

A mamãe conta que eles moravam numa casa de pau<br />

a pique. E conta que uma coisa que divertia muito e<br />

quan<strong>do</strong> aqueles barros começavam a cair. Uma fica-<br />

va de dentro seguran<strong>do</strong>, e outra de fora juntan<strong>do</strong> o<br />

barro e baten<strong>do</strong> pra tampar os buracos. Eles tiveram<br />

uma vida muito difícil aqui. Agora, se alimentavam<br />

muito bem por causa <strong>do</strong> costume da Itália. Eles fa-<br />

ziam muito queijo, faziam massa de macarrão em<br />

casa, eu mesma comi muito macarrão feito pelas mi-<br />

nhas tias e pela minha avó. Mamãe não tinha tempo<br />

porque costurava muito, né. Uma beleza de massa! E<br />

quan<strong>do</strong> era uma sopa daquela massa fininha, sequi-<br />

nha, elas usavam botar um pouco de vinho dentro da<br />

sopa. Então foram cria<strong>do</strong>s assim muito fortes, muito<br />

cora<strong>do</strong>s, sempre muito trabalha<strong>do</strong>res.<br />

(Meus pais foram) nasci<strong>do</strong>s e cria<strong>do</strong>s em Cata-<br />

guases. O papai (Nestor Massena) morreu com 83<br />

247


anos para 84 anos. Ele com 70, 80, ainda tirava umas<br />

quatro horas por dia para estudar música. Ele lisava<br />

muito o saxofone, limpava porque era de prata o úl-<br />

timo dele, sabe. Ele estudava diariamente 3 a 4 horas<br />

de música. E sabia a fun<strong>do</strong> a música. Aqui mesmo<br />

na rua tem uma pessoa que às vezes tava ensaian<strong>do</strong><br />

e eles, de lá <strong>do</strong> bar dele, falava assim: “Tu<strong>do</strong> erra<strong>do</strong>,<br />

num sabe nada!” Era um <strong>do</strong>m, eu acredito até que<br />

ele não tenha estuda<strong>do</strong>. Eu... isso eu não sei, sincera-<br />

mente. Eu fui uma filha que amava, ele falava mesmo<br />

com as pessoas: “Eu gosto de to<strong>do</strong>s os meus filhos,<br />

mas a Lora é diferente, é especial”. Porque eu acom-<br />

panhei o papai a vida inteira. A profissão dele era<br />

música e alfaiate. Detestava ser alfaiate. Então não<br />

era. Mas a roupa dele, ele próprio, ele mesmo fazia.<br />

Consertos em ternos e tu<strong>do</strong>.<br />

Ele tocava em baile, por exemplo, era uma coi-<br />

sa que não dava, né! Então é como eu falo. Esse aqui<br />

(Luís Cláudio) tem aí <strong>do</strong>m de compositor e tu<strong>do</strong>. Vai<br />

dar um show no Elite mês que vem. Eu falo: “meu<br />

filho, você tem que ter a sua profissão pra sobrevi-<br />

vência.” A música não mantém família, num... num...<br />

vai ter que dar muita alegria, muita realização, nesse<br />

ponto de... Porque a família, parece que a família<br />

é muito romântica, o italiano é muito romântico, o<br />

francês passou de romântico. Então a mistura é fina.<br />

248


A gente tem sangue negro porque a minha avó era<br />

filha de escravos. Então meu pai é descendente de es-<br />

cravos. A gente tem sangue de italiano e de francês,<br />

que é uma super mistura.<br />

Ele (papai) compunha músicas de carnaval<br />

to<strong>do</strong> o ano e deixou uma valsa lindíssima, que ela<br />

(Aparecida Massena) toca no piano até hoje. Uma<br />

valsa lindíssima! Eu não lembro o nome, mas é um<br />

encanto! Às vezes, numa audição de piano que ela dá<br />

to<strong>do</strong> ano com as alunas, ela toca no fim a valsa. Ele<br />

fez várias marchinhas de carnaval e fez uma música<br />

chamada Espera, e eu fiz a letra. Ele ainda brincava<br />

comigo, falava assim: “eu te <strong>do</strong>u um trocadinho pra<br />

você fazer a letra pra mim”. Teve qualquer coisa no<br />

cinema, no Cinema Edgard, então apresentou aquele<br />

conjunto velha guarda: o Ciodaro, o papai... tinha<br />

mais uns antigos. Só que cê sabe, hoje a música é<br />

muito barulhenta, pode não ter agrada<strong>do</strong> tanto assim...<br />

“Esperei o romper da aurora e o por <strong>do</strong> sol /<br />

Esperei que os pássaros partissem no inverno. E você<br />

não veio / Vieram sóis, chuvas e flores. A esperar<br />

me debati / E perdi<strong>do</strong> de amor esperei, esperei você<br />

/ Esta espera me angustia, esta espera me tortura<br />

/ Você virá, virá um dia e findará minha amargura”.<br />

Era muito animada! Ritmada mesmo! E foi um sucesso<br />

assim... mas o pessoal jovem que tava no cinema<br />

249


não se empolgou, porque eles estão gostan<strong>do</strong> de ba-<br />

rulho <strong>do</strong> rock.<br />

Eu fui assim quase como babá <strong>do</strong> meu pai.<br />

Porque eu... Ele trabalhou... o primeiro emprego<br />

dele na Prefeitura, ele foi persegui<strong>do</strong> pela política.<br />

Antigamente era PSD e UDN. O Dr. Pedro Dutra era<br />

meu padrinho de casamento, ele tinha muita consi-<br />

deração. O João Peixoto foi meu padrinho de forma-<br />

tura. Quer dizer, a gente era amigo, a gente não tinha<br />

nada pessoal. A gente tinha gratidão com o Pedro<br />

Dutra, que ele me colocou, colocou meu pai, que já<br />

estava vinte anos desemprega<strong>do</strong>. Mamãe costurava<br />

de manhã à noite inteira. Quan<strong>do</strong> a gente era de me-<br />

nor ela punha os colchonetes, esteiras, naquele tem-<br />

po era mais esteira, e a gente <strong>do</strong>rmia tu<strong>do</strong> em vol-<br />

ta dela aí, 8 filhos. Depois que ela ia deitar, que ela<br />

punha cada um na cama. A gente não <strong>do</strong>rmia sem<br />

ela. Sabe, mamãe não respeitava nem resguar<strong>do</strong>. No<br />

segun<strong>do</strong> dia ela já tava sentada cortan<strong>do</strong> costura e<br />

fazen<strong>do</strong>. Costuran<strong>do</strong> na máquina, sabe. Mas o papai<br />

foi assim... uma pessoa que eu orientei muito a carreira<br />

dele, eu que consegui a nomeação pra fiscal de<br />

renda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Aí melhorou a situação da casa, da<br />

família, né.<br />

Eu formei muito nova, eu formei com 16 anos.<br />

Eu tirei diploma com 9 anos, mas era uma menina<br />

250


muito precoce na escola. Tive professoras maravilho-<br />

sas: Ruimar, Minalda Peixoto... Dona Minalda me pu-<br />

nha era pra cantar e dançar. Ela punha aquele cachor-<br />

rinho de pele que eu usava... a boquinha <strong>do</strong> cachorro<br />

prendia no rabinho, sabe. Bolsinha, aquele vesti<strong>do</strong><br />

bem curtinho, aparecen<strong>do</strong> a beiradinha da calcinha,<br />

aquelas pernas grossas. Ih... ela me punha muito pra<br />

cantar. A gente fazia um sucesso! O grupo tinha salão,<br />

tinha palco, cortina de velu<strong>do</strong>, tinha tu<strong>do</strong>, depois tu-<br />

<strong>do</strong> se transformou. (o prédio era <strong>do</strong>) Coronel Vieira,<br />

mas era Astolfo Dutra o horário da manhã. Eu sem-<br />

pre estudei e me aposentei lá como diretora, a minha<br />

vida toda lá.<br />

Do grupo eu fui para a Escola Normal, mas co-<br />

mo eu tinha nove anos só, a Irmã, a Madre Aparecida,<br />

aconselhou... Eu fui estudar porque a Cacilda Duarte,<br />

vizinha da mamãe, minha madrinha de primeira co-<br />

munhão - havia naquela época madrinha de primei-<br />

ra comunhão - falou: “Nós não podemos perder essa<br />

inteligência da Lora”. Então eu consegui uma bolsa<br />

de estu<strong>do</strong>s com a Prefeitura. Era aquele tipo de bolsa<br />

que a gente não podia perder um ano que perdia o<br />

lugar, e a Irmã, deu a ideia de aumentar minha idade<br />

pra <strong>do</strong>ze. Foi ideia pra não perder a bolsa. Mas eu<br />

formei com quinze anos. Com dezesseis fui nomeada<br />

pelo Pedro Dutra.<br />

251


No tempo que eu formei era tão... era uma gló-<br />

ria tão grande ser professora... eu acho que é, que de-<br />

ve ser encara<strong>do</strong> assim até hoje. Porque tu<strong>do</strong> começa<br />

ali, né.<br />

Caiu muito... não há estímulo, e muita refor-<br />

ma de ensino. (Na época) só tinha a Irene, filha da<br />

D. Clarisse, no Banco Nacional. Fora disso não havia<br />

moças, mulheres trabalhan<strong>do</strong> em repartição pública.<br />

E ser professora era uma glória! Eles diziam assim<br />

quan<strong>do</strong> a gente era nomeada professora: “a filha da<br />

Terezinha Graciolli ganhou uma cadeira”.<br />

Nessa época que eu formei, fui trabalhar num<br />

armazém na Rua da Estação, que era a antiga Social.<br />

A Alva Spín<strong>do</strong>la estava sain<strong>do</strong> - e a afilhada da ma-<br />

mãe - me chamou pra trabalhar no lugar dela. Foi<br />

meu primeiro trabalho. Dali uma tarde eu fui conversar<br />

com o Pedro Dutra sobre a situação <strong>do</strong> papai.<br />

Papai estava trabalhan<strong>do</strong> na Prefeitura e foi persegui<strong>do</strong>.<br />

Depois foi na fábrica, através <strong>do</strong> João Peixoto,<br />

que sempre foi amigo nosso, que Deus o tenha. Mas<br />

ele não aguentava trabalhar numa sala de pano, em<br />

pé das seis às cinco da tarde. Mamãe toda vida foi<br />

muito trabalha<strong>do</strong>ra. Desde criança senti o drama da<br />

mamãe com o mari<strong>do</strong> desemprega<strong>do</strong>. Quer dizer, ele<br />

tocava num baile, cê sabe que não dava nada. E mamãe<br />

lutava muito. Eu sempre me preocupei. E então,<br />

252


uma tarde, eu fui lá no escritório <strong>do</strong> Pedro Dutra.<br />

Encontrei ele sozinho. Por acaso, acho que a chance<br />

tinha que ser minha mesmo, né. Ele ficou muito ad-<br />

mira<strong>do</strong> que eu falei: “Eu trabalho, mas ganho pouco,<br />

mamãe luta muito”. “Mas você trabalha? Você é uma<br />

menina!” Realmente eu era miúda, apanhei muito<br />

corpo depois de casada, depois <strong>do</strong> primeiro filho. Era<br />

um brotinho muito bem feitinho de corpo, mas não<br />

era corpulenta. Eu falei: “Não, eu sou normalista”.<br />

Ele falou assim: “Olha, eu vou nomear você e o seu<br />

pai. Mas por enquanto você vai avisar lá o seu patrão<br />

e vai trabalhar no meu birô”. Nos éramos vinte e<br />

cinco moças no birô eleitoral. (Era época) de eleição.<br />

Foi quan<strong>do</strong> ele ganhou para deputa<strong>do</strong> federal. Então<br />

chegaram juntos os telegramas: o meu, me nomean<strong>do</strong><br />

professora, e <strong>do</strong> papai nomean<strong>do</strong> fiscal de rendas<br />

da coletoria estadual. Aí tu<strong>do</strong> passou a melhorar lá<br />

em casa. Mamãe já tinha um apoio, né, tanto meu -<br />

que ela exigia, até três meses antes <strong>do</strong> casamento ela<br />

exigiu - como o <strong>do</strong> papai. O chefe de família sabe o<br />

que ele representa, né.<br />

Eu trabalhava num fichário que tinha todas as<br />

informações <strong>do</strong> eleitor. Tinha informações até assim<br />

de... O quê que a pessoa pediu na eleição passada.<br />

Tinha adversário, correligionário... Tinha gente que<br />

tinha pedi<strong>do</strong> uma caixa de pó de arroz.<br />

253


Tinha o eleitora<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> no fichário. Eu preci-<br />

sava de qualquer informação ia ali. Tinha tu<strong>do</strong> ali.<br />

Na época de eleição fazia-se uma listagem, e por ali<br />

ele sabia mais ou menos se ele ganhava ou não elei-<br />

ção. Ele já sabia antes da eleição. Eu trabalhei bas-<br />

tante! Ele foi um patrão excelente, um ser humano<br />

maravilhoso! Pra nós da minha família, ele foi um<br />

pai. Porque ele beneficiou minha família toda. Pra<br />

nomear a Estelina professora, por causa de concur-<br />

so, a colocação <strong>do</strong> concurso, ele teve que nomear du-<br />

as adversárias pra não saltar, pra poder beneficiar a<br />

Estelina. Eu sempre tive nele um amigo. E depois de<br />

casada ele colocou o meu mari<strong>do</strong> na Receita Federal,<br />

(onde) morreu numa chefia.<br />

Ele tinha tanto poder e ele brigava tanto com<br />

os políticos, tinha liberdade, que ele conseguia pelo<br />

telefone daqui falar com os políticos e exigir: “Você<br />

vai nomear fulano de tal”. Ele pôs muita gente no<br />

Banco <strong>do</strong> Brasil pela janela, através <strong>do</strong> telefone dele.<br />

“<strong>Ó</strong>, eu exijo que você faça isso”. Ele tinha muito poder<br />

mesmo. Mas ele fez tanto bem! Ele botou o pão na<br />

mesa de tanta gente! Na época que eu fui nomeada,<br />

ele nomeou todas que estavam no birô, eram umas<br />

vinte e cinco professoras. E na época que o Procópio<br />

foi nomea<strong>do</strong>, nomeou o Procópio, a Hermínia, a<br />

Viena, Ula e o Klebinho. Cinco. E se tivesse consegui-<br />

254


<strong>do</strong> durar aquele “IPASE” aqui, que chegou a abrir, te-<br />

ria coloca<strong>do</strong> muita gente.<br />

Foi uma política terrível! Ele foi traí<strong>do</strong> na épo-<br />

ca <strong>do</strong> Zé Esteves. Ele... num ficou satisfeito porque<br />

o Zé Esteves foi candidato dele. Então foi muito tra-<br />

balha<strong>do</strong>, foi muito vota<strong>do</strong>. Mas ele, aquela vitória,<br />

parece que ele já sabia que num ia levar nada dela,<br />

porque ele dizia que a prefeitura é uma mãe, porque<br />

podia dar emprego a muita gente.<br />

Eu mesma fui muito perseguida. O Pedro<br />

Dutra me punha pra diretora, daí uns dias o outro<br />

me tirava. Bastava ele perder a eleição pro outro me<br />

tirar. Então me perguntaram uma vez como é que<br />

eu encarava aquilo. “Eu encaro isso como uma coisa<br />

mesmo de política, porque pessoalmente nem a gente<br />

tem nada um contra o outro, somos amigos”. Eu<br />

fui muito amiga da Lourdes <strong>do</strong> Fortunato, Lourdes<br />

Ribeiro. Ela até falava que eles chamavam o pessoal<br />

que gostava <strong>do</strong> Pedro Dutra, que era amigo, de “lombriga”.<br />

Eu ia em comícios da UDN com ela e ela falava<br />

assim: “Cê é uma lombriga mansa”.<br />

Mas a minha família, a gente nunca foi fanático,<br />

a gente era amigo, sempre continuamos amigos<br />

da <strong>do</strong>na Flávia enquanto ela teve vida. Sempre com<br />

muita atenção com eles - era uma dívida de gratidão<br />

- porque ele nunca exigiu da gente. Quan<strong>do</strong> o pa-<br />

255


pai foi trabalhar na fábrica, passaram uma lista, um<br />

manifesto contra o Pedro Dutra pra assinar, ele não<br />

aceitou assinar. Foi manda<strong>do</strong> embora. Foi quan<strong>do</strong> ele<br />

foi... daí a pouco coloca<strong>do</strong> como fiscal de rendas 2.<br />

Papai trabalhou na sala de panos, ali na<br />

Irmãos Peixoto. Ele era vai<strong>do</strong>so, gostava de andar<br />

bem vesti<strong>do</strong> e de chapéu. Chapéu da moda. Então<br />

eles queriam que colocasse um macacão e não usa-<br />

va chapéu. Então ele não aceitou aquilo. E realmente<br />

não estava fazen<strong>do</strong> bem pra saúde dele, começou a<br />

inchar as juntas, e eu me preocupava muito com a<br />

família toda, observava to<strong>do</strong>s os problemas. Eu me<br />

propus a colocar o papai melhor. Acompanhei a car-<br />

reira dele a vida inteira. Quan<strong>do</strong> era época de retor-<br />

nar: “Papai, dia tal o senhor tem de retornar”. Eu fui<br />

a primeira a estudar, porque a Eni, a mais velha, ficou<br />

na sala de costuras, arrematan<strong>do</strong> e bordava a sutache,<br />

bordava a lantejoula. Mamãe tinha uma máquina de<br />

bordar... e a gente nunca viu igual. Então, em época<br />

de carnaval faziam capas de fantasia com aquele dragão<br />

atrás. Ela incluía num instantinho, a cores. Uma<br />

máquina fabulosa, nunca mais a gente viu. Não sei<br />

porque a mamãe dispôs daquilo. Teve que vender,<br />

algum aperto que ela deve ter passa<strong>do</strong> na vida, né.<br />

Mas eu acompanhei o papai. A licença toda pra ele<br />

aposentar... eu acredito que ele tenha si<strong>do</strong> muito feliz.<br />

256


Porque ele foi muito ama<strong>do</strong>, mamãe era muito apai-<br />

xonada pelo papai. Foi uma convivência muito boni-<br />

ta, muito boa. A gente foi criada com uma mãe que<br />

é um exemplo até hoje. Naquela luta, naquela peleja.<br />

Ele amola<strong>do</strong> de não ter como... eu dei um impulso<br />

depois que formei, né. Mas eles vieram muito bem.<br />

Ele pode ter ti<strong>do</strong> as mancadas dele aí, por fora, né,<br />

mas a gente não ficou saben<strong>do</strong> de nada não. Papai<br />

participou duma banda. Até eu, numa crônica minha,<br />

eu citei, “Meu largo <strong>do</strong> Rosário quanta saudade”,<br />

porque quan<strong>do</strong> a gente era pequeno o circo era arma-<br />

<strong>do</strong> ali, to<strong>do</strong>s os circos. Foram os circos mais lin<strong>do</strong>s e<br />

mais ricos que passaram por Cataguases. Então, che-<br />

gava 7 horas, 7:30, quan<strong>do</strong> ia começar o espetáculo,<br />

antes um pouco, vinha lá de cima a banda tocan<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>bra<strong>do</strong>. Papai na frente. Então eles puseram o ape-<br />

li<strong>do</strong> de “Banda Furiosa”, sabe. Que vinha trazen<strong>do</strong><br />

mais crianças, mais gente. Eram circos maravilhosos!<br />

E a gente tinha o direito ao camarote. Um parente ia<br />

to<strong>do</strong> dia, não pagava, né, por ele tocar. To<strong>do</strong>s os mú-<br />

sicos tinham permanente pra família ir. A gente não<br />

perdia uma noite. Era uma coisa louca! Nós tivemos<br />

uma infância maravilhosa! Eu não lembro <strong>do</strong> papai<br />

ter da<strong>do</strong> aula de música pra ninguém. Ele num teve<br />

assim alunos de música, porque depois que ele pas-<br />

sou a trabalhar na coletoria, trabalhava o dia to<strong>do</strong>, né.<br />

257


Então não teve condição. Estudava muito: três a qua-<br />

tro horas por dia. Isto era diariamente. Sabia e gos-<br />

tava de um livro de inglês perto dele. To<strong>do</strong> ano, no<br />

meu aniversário, ele fazia uma quadrinha pra mim.<br />

Me cumprimentava pelo aniversário. Ele terminava...<br />

“your father”. A gente foi muito amigo. O cinema era<br />

mu<strong>do</strong>. Eu já ouvi comentários da mamãe, da <strong>do</strong>na<br />

Hilda Condé. Dona Margarida Condé também co-<br />

mentava muito que eles tocavam. Era o Ciodaro, o<br />

papai, a Aída Nacarati e o Rogério Teixeira. Então<br />

enquanto passava o filme havia a orquestra. Mas o<br />

pessoal ia mais pra ouvir a música, <strong>do</strong> que, propria-<br />

mente pra ver o filme. Realmente era uma música<br />

muito boa.<br />

Eu sempre amei Cataguases. Coisa assim que<br />

me faz bem demais e quan<strong>do</strong> eu saio um pouco,<br />

quan<strong>do</strong> eu começo a avistar ali o João XXIII, já começo<br />

a chegar em Cataguases... ai, que coisa boa! Que<br />

felicidade de estar voltan<strong>do</strong>! Às vezes eu saio, visito<br />

um filho aqui, dali vou pro outro, de lá vou pro outro,<br />

porque eu sou pai também, então não aban<strong>do</strong>no.<br />

Agora, gosto, gosto <strong>do</strong> meu cantinho sossega<strong>do</strong>.<br />

Deito ce<strong>do</strong> e levanto ce<strong>do</strong>. Dou uma caminhada de 3<br />

Km to<strong>do</strong>s os dias.<br />

Eu acho que a cidade progrediu muito. Mas eu<br />

sempre gostei de ter nasci<strong>do</strong> em Cataguases. Este pe-<br />

258


daço... Praça San<strong>do</strong>val Azeve<strong>do</strong> hoje... antigamente<br />

Largo <strong>do</strong> Rosário e aqui a rua Francisco Rossi, foi o<br />

pedaço de minha vida, né, porque ali a gente brinca-<br />

va, e na época da enchente isso aqui era o nosso lugar<br />

de brincar. Tinha aqui a chácara <strong>do</strong> Chico Rossi, de<br />

goiabeira assim na beirada da cerca! (Nessa rua) não<br />

tinha nada, nada, nada! Tinha lá em baixo um mata-<br />

<strong>do</strong>uro. Isso aqui tu<strong>do</strong> é coisa <strong>do</strong> progresso. A chácara<br />

<strong>do</strong> Chico Rossi era aquele pedaço ali da Catauto. Dali<br />

daquele ponto <strong>do</strong> prédio da Catauto. Pra lá era uma<br />

chácara enorme. Então, na rua... tinha assim, uma<br />

distância de pedra. E a cerca, de arame farpa<strong>do</strong>, era<br />

toda volta goiabeira! ... Ah, mas a gente pintava e bordava<br />

ali com aquelas goiabeiras! Então, na época de<br />

enchente, que era uma tristeza para to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, pra<br />

nós era uma alegria. A Carminha Graciolli, a Lucy<br />

Graciolli, a Eni, tem as irmãs <strong>do</strong> Paulo Esquer<strong>do</strong> que<br />

mudaram pro Rio, Vanda e Ivone Santos... Primavera<br />

era uma menina muito bonitinha. A gente fazia jangadas<br />

com os troncos de bananeiras, ia até lá perto<br />

<strong>do</strong> campo, atravessava o campo <strong>do</strong> operário quan<strong>do</strong><br />

a enchente era muito forte. Era uma festa pra nós enchente<br />

aqui. A gente vinha até aqui, até no meio, era<br />

uma festa.<br />

Foi um encanto a minha infância! Aliás, das<br />

meninas todas <strong>do</strong> meu tempo. Um brinque<strong>do</strong> que<br />

259


a gente apreciava muito é brincar de circo. Então, a<br />

gente arranjava tu<strong>do</strong> quanto é roupa estrambólica<br />

pra apresentar os números da gente, né. A gente fa-<br />

zia às vezes no quintal de uma, no quintal de outros.<br />

Arranjava assim uma coisa alta, preparava tipo um<br />

circo. E pra entrar pagava cinco palitos de fósforos na<br />

entrada. E aí tinha de tu<strong>do</strong>. Esta época tinha a Zélia<br />

e a Zilda Marques, a Eni casada com o Fernan<strong>do</strong><br />

Miranda. Mas a gente se distraiu muito porque... a<br />

gente vivia com treze anos, a gente vivia uma criança,<br />

uma menina de treze anos. As meninas de treze<br />

anos hoje como é que estão? Elas não têm infância,<br />

não tiveram infância. Nós tivemos aqui no Largo <strong>do</strong><br />

Rosário um time. Era queimada. Então a gente fazia<br />

o nosso time e tinha um time na rua Dr. Sobral.<br />

Tinha <strong>do</strong>mingo que era jogo contra o outro. Era aquela<br />

turminha. Carminha Graciolli, Lucy Graciolli, Eni,<br />

minha irmã, eu. E nessa época tinha também <strong>do</strong>is...<br />

Narte e Nilson Vassalo. Narte namorava a Eni, e o<br />

Nilson me namorava. Eles mudaram daí há muito<br />

tempo, anos. Tinha Delvani, que morreu, o Manoel<br />

Ladeira que também morreu. São meninos que brincavam,<br />

não havia essa coisa... essa malícia, essa maldade<br />

que há hoje. A gente falava que era namora<strong>do</strong>,<br />

pra ser sincera até sem saber o que era flertar. Mas foi<br />

muito gostosa a minha infância. E a minha vida toda<br />

260


eu sempre fui muito feliz. Eu sempre fui muito oti-<br />

mista. E sempre tive muita presença de Deus na mi-<br />

nha vida. Assim, eu tenho muito amor pra dar. Como<br />

professora eu fui uma daquelas crianças. Eu encontro<br />

na praça ali, aqueles homões, aqueles cavalões, me<br />

abraçam, me beijam: “o D. Terezini, me dá receita, eu<br />

estou mais velho <strong>do</strong> que a senhora.”<br />

“Ah! eu comecei a dar aula eu tinha dezessete,<br />

você tinha quatorze, nós regulamos você tá de cabe-<br />

lo branco, cê tá sem dente. Você que não está se cui-<br />

dan<strong>do</strong>”. “<strong>Ó</strong>, se eu não fosse casa<strong>do</strong>, eu ia paquerar<br />

a senhora”. To<strong>do</strong>s falam assim. Ah, o Meia Pataca!<br />

Que coisa linda! Até coloquei no “Cataguases” uma<br />

crônica:<br />

“Meu Meia Pataca Pobrezinho”. Que coisa lin-<br />

da! Quan<strong>do</strong> a gente volta passa aí, fica até triste. Você<br />

via o fun<strong>do</strong>, a gente juntava ali, atravessava para o<br />

outro la<strong>do</strong>. Do la<strong>do</strong> de cá, assim... a volta dele to<strong>do</strong><br />

fazia uma curva, tinha tamarin<strong>do</strong> - vivia carrega<strong>do</strong><br />

o pé - e muita goiabeira. Então a gente tinha tu<strong>do</strong><br />

ali, né. E como eu falo na crônica, eu faço um para-<br />

lelo da poluição dele com a minha: ele poluí<strong>do</strong> pelo<br />

progresso, né, sujo, feio, féti<strong>do</strong> e eu poluída pelo de-<br />

sencanto da angustia da saudade, <strong>do</strong> amor que par-<br />

tiu ce<strong>do</strong> demais. A água era tão cristalina, tão linda,<br />

que a gente enchia as mãos e vinha cheinha de giri-<br />

261


no. Água branquinha! A gente atravessava com água<br />

aqui, (pelos joelhos). Não tinha peixe grande ali, que<br />

era muito razinho. Tinha aqueles peixinhos pequeni-<br />

ninhos. Aí desse la<strong>do</strong> da Rua Professor Alcântara, na-<br />

quela margem ali, a gente brincava. Então na crônica<br />

eu pergunto: “aonde estão os meus girinos?”<br />

A mocidade foi maravilhosa. Eu sou uma pes-<br />

soa muito feliz, sempre fui muito feliz. Eu comecei<br />

a trabalhar muito ce<strong>do</strong> e a mamãe sempre foi muito<br />

enérgica pra mim. Comigo mais que com as outras.<br />

Eu não tenho nada a reclamar, são todas ótimas, to-<br />

das modelos de mãe de família e de <strong>do</strong>nas de casa e<br />

tu<strong>do</strong>. Mas a mamãe, o mo<strong>do</strong> que ela me criou, talvez<br />

ela visse em mim muito mais capacidade para exigir<br />

mais de mim. Ele exigia tanto de mim, que eu pas-<br />

sei, eu mesma, a exigir de mim, o que me forçou a<br />

ser esta mulher autossuficiente que eu sou. Há muito<br />

tempo que eu sou esta mulher autossuficiente. Ela<br />

exigia demais de mim e eu aprendi a exigir de mim<br />

também.<br />

Ah! A Escola Normal acabou, não tem mais,<br />

não volta nunca mais! Era uma coisa louca! Tinha internato<br />

e externato, mas não era mista, no meu tempo<br />

não era mista. Eu peguei o Colégio novo, né, já<br />

novo, este prédio novo. Mas o internato e o externato<br />

era muito amigo. A minha turma tinha Carminha<br />

262


Peixoto, tinha a Nize Pessoa, a Eliana que foi aque-<br />

la artista da Atlândida, que hoje está acabadíssima,<br />

muito <strong>do</strong>ente, que teve uma trombose. Ela ficava<br />

hospedada numa casa da Avenida. Ela veio fazer o<br />

terceiro ano normal. Sabe, a gente fazia o primeiro e<br />

o segun<strong>do</strong> de adaptação, que seria assim uma quinta<br />

série, uma sexta. Depois vinha o primeiro, o segun<strong>do</strong><br />

e o terceiro normal. No ano seguinte que eu saí, co-<br />

meçou o de Formação. Então quem tinha o terceiro<br />

normal já podia começar no segun<strong>do</strong> de Formação.<br />

Eu já trabalhan<strong>do</strong>, eu voltei pra fazer o de Formação.<br />

Mas a gente saía saben<strong>do</strong>. A gente tinha tirocínio. Eu<br />

tive uma professora uma professora de português<br />

maravilhosa, a irmã Edith, que hoje eu soube que<br />

ela está em Mariana. Está velhinha e tá cega. Nancy<br />

Salga<strong>do</strong>, que foi minha professora de matemática<br />

muitos anos, Dona Nancy, ótima professora. Depois<br />

no último ano foi a irmã Salomé, Irma Paulina. Ah,<br />

mas eram professoras maravilhosas, não desfazen-<br />

<strong>do</strong> das de hoje. Agora, eu acho que mu<strong>do</strong>u muito<br />

<strong>do</strong> meu tempo pra cá. Porque no meu tempo a gente<br />

recebia uma educação religiosa, cristã, coisas que<br />

acompanham a gente a vida inteira. Princípios morais,<br />

uma formação. A gente, por exemplo, estudava<br />

uma História Sagrada, Antigo e Novo Testamento.<br />

Dessa grossura! Além disso, um catecismo assim. E<br />

263


a gente tinha aqueles horários de ter uma visita ao<br />

Santíssimo. Hoje a minha filha não aprendeu nem o<br />

Pai-nosso lá. Além <strong>do</strong> exemplo de casa, <strong>do</strong> lar que é<br />

muito importante, aquela educação que a gente rece-<br />

bia lá, aquilo dava a gente uma posição de fortaleza<br />

diante da vida. Firmeza de caráter. Porque a gente<br />

que teve felicidade dessa formação... aquilo sem-<br />

pre segurou, sempre foi um obstáculo para alguma<br />

mancada que se pudesse dar ali adiante. Um princí-<br />

pio moral. Mu<strong>do</strong>u muito, o ensino mu<strong>do</strong>u. A gente<br />

aprendia realmente.<br />

Ah, Naíde Quaresma, professora de Educação<br />

Física, não tinha nada mais lin<strong>do</strong>! A gente fazia aque-<br />

la ginástica de pião, sabe, a gente tinha sempre uma<br />

coisa preparada pra um momento de ter uma fes-<br />

ta. Foi um professora<strong>do</strong>... eu não estou desfazen<strong>do</strong><br />

dessas agora. Mas eu... foi uma coisa maravilhosa<br />

a Escola Normal na minha época! Muito bom (o re-<br />

lacionamento com as irmãs). Elas conversavam so-<br />

bre namora<strong>do</strong>s, elas falavam <strong>do</strong>no. “E o seu <strong>do</strong>no?<br />

Você já tem <strong>do</strong>no?” Elas conversavam, tinha toda<br />

a liberdade de conversar com a gente. Ah, as inter-<br />

nas tinham aquele regime de hábito de Escola mes-<br />

mo. Levantavam muito ce<strong>do</strong>, banho frio e começar<br />

ce<strong>do</strong>. Tinha hora de estu<strong>do</strong>, tinha hora pra tu<strong>do</strong>, né.<br />

E a gente não podia, por exemplo, era proibi<strong>do</strong>, era<br />

264


proibi<strong>do</strong> levar uma carta cá de fora, uma carta de um<br />

namora<strong>do</strong> pra uma interna. Eu mesma quase fui sus-<br />

pensa por uma semana, porque a Carminha Peixoto<br />

namorou o Mário Góes e ele man<strong>do</strong>u uma carta pra<br />

ela, eu entreguei e a irmã pegou a carta.<br />

Tinha internato (no Colégio de Cataguases).<br />

Foi quan<strong>do</strong> o colégio era pago, né. Ai foi uma época<br />

que veio o Chico Buarque, veio o Darcy Fernandes,<br />

que é o capitão. Que me paquera, que está comigo<br />

a uns 4 anos, né. Ele veio a Cataguases com o filho.<br />

Veio até de moto, ele pratica muito esporte. Veio visitar,<br />

mostrar pro filho o colégio que ele estu<strong>do</strong>u. Era<br />

filho único, estu<strong>do</strong>u um ano, e depois o pai a<strong>do</strong>eceu,<br />

eles voltaram pro Rio, eles são <strong>do</strong> Rio. Depois de algum<br />

tempo que a gente se conheceu, conversan<strong>do</strong>,<br />

eu falei: “Darcy, eu te conheço de algum lugar. Tenho<br />

certeza que já te vi”. Ele virou pra mim e falou assim:<br />

“Você não é aquela menina lourinha, que dava aula<br />

naquele grupo da Avenida, naquela primeira janela?<br />

Lembra que eu flertava com você, você não era aquela<br />

menina?” Lembrei, era eu mesmo. Ele passava, a<br />

gente flertava. Ele não chegou a ficar interno, né. Era<br />

filho único, estu<strong>do</strong>u aí, estu<strong>do</strong>u pouco.<br />

Nossa! Os bailes hoje até da tristeza vê baile.<br />

Os bailes eram lindíssimos! Acabou a poesia, onde<br />

está a poesia? Acabou. Em to<strong>do</strong>s os pontos. Não digo<br />

265


só em baile. Por exemplo, baile de professora, era um<br />

baile lin<strong>do</strong>! A gente fazia em benefício a caixa escolar.<br />

Eu fui a bailes no colégio Cataguases, baile a rigor.<br />

Mamãe costurava muito e fazia vesti<strong>do</strong>s de bailes lin-<br />

díssimos. Eu tenho até um retrato aí de vesti<strong>do</strong> de<br />

baile. Pena que não era colori<strong>do</strong>, né. E os bailes... ha-<br />

via muita poesia, a própria música era muito român-<br />

tica. E não havia essa barulheira. A última vez que eu<br />

fui lá no clube <strong>do</strong> Remo, que ele (Luís Claudio) insis-<br />

tiu muito, a gente não podia conversar na mesa, por-<br />

que a gente não escutava nada, uma da outra! Você<br />

saía dali cansada, super cansada. (O traje) ou era ri-<br />

gor ou era passeio, traje passeio simples. Hoje você<br />

vê bermuda, calça jeans, short colori<strong>do</strong>, longo, tu<strong>do</strong><br />

junto. Chanelsinho, tu<strong>do</strong> junto num baile só. Quer di-<br />

zer, não entende.<br />

Carnaval era uma coisa linda! Havia o “Lord<br />

Club” e a rivalidade era com as “Mimosas Camélias”.<br />

Eu com treze anos saía na carruagem <strong>do</strong> Emílio.<br />

Tinha atrás de mim um avião enorme. Eles fizeram<br />

uma espécie de uma jarra toda sextavada ou oita-<br />

vada. Toda em espelho com aquelas flores coloridas.<br />

Em cima, no meio daquela porção de flores de papel,<br />

eu sentada. Com a roupa linda, branca, jogan<strong>do</strong> bei-<br />

jos. Quan<strong>do</strong> eu passava em frente <strong>do</strong> Social, cheio de<br />

pessoas na sacada pra ver passar os blocos, o avião<br />

266


deu aquele tiro de confete. Foi lin<strong>do</strong>! Era lin<strong>do</strong>! Era<br />

lin<strong>do</strong>! Pra te falar a verdade eu nem vou à rua pra ver<br />

carnaval mais. Uma pobreza, é uma pobreza.<br />

Os bailes eram lindíssimos, lindíssimos! Não<br />

esse negócio de pessoa beber, jogar copo, jogar garra-<br />

fa um no outro. Não tinha isso. Aliás, uma moça não<br />

bebia cerveja. Era feio. A gente tomava refrigerante.<br />

Eu era muito nova, eu já era professora, mas eu não<br />

tinha aparência de moça. Então eu dançava na mati-<br />

nê e a noite também.<br />

Ah, a Praça Rui Barbosa era interessante. Era...<br />

a gente andava assim... os rapazes assim e a gente ao<br />

contrário. Chamava “footing” na época. Ali a gente<br />

arranjava os namora<strong>do</strong>s, né, porque agente passava<br />

por eles assim. Cortava volta (pra encontrar mais rá-<br />

pi<strong>do</strong>). Às vezes quan<strong>do</strong> a gente chegava a dar uma<br />

volta ele já vinha. O cinema também era muito bom.<br />

Quer dizer, o cinema você tinha condição de ir. Hoje<br />

você quase não tem. Ou é karatê ou é filme de se-<br />

xo. Então a gente prefere ver um filme na televisão.<br />

Como ontem, sessão da tarde, “Noviça Rebelde”,<br />

que coisa linda! Eu já vi três vezes aquele filme e não<br />

canso. Que saudade... Foi uma época muito... muito<br />

bonita.<br />

Eu gostaria de falar sobre o ensino, um pouco,<br />

né, porque eu trabalhei dezessete anos com regência<br />

267


de classe. Eu fui regente de classe de quarto ano, qua-<br />

torze anos segui<strong>do</strong>s. Eu já dava sistema métrico de-<br />

cimal, aquilo saía assim, com a maior facilidade. Fui<br />

professora <strong>do</strong> Joaquim Branco, o que é uma honra!<br />

Aliás, to<strong>do</strong>s os meninos que passaram por mim, eu<br />

acho que foi uma honra. Porque pra mim são filhos.<br />

Eu amei aquelas crianças desde a primeira vez que vi,<br />

sabe. Então isso marca muito a gente.<br />

Agora, realmente a professora nunca foi bem<br />

remunerada. É uma coisa que magoa. Mas há a re-<br />

compensa invisível, que gratifica muito a gente. E o<br />

carinho <strong>do</strong>s ex-alunos, a gratidão <strong>do</strong>s pais, alguns,<br />

né. Quer dizer, isso é a recompensa que a professora<br />

tem, porque em matéria de ordena<strong>do</strong> uma professora<br />

não pode pagar uma <strong>do</strong>méstica que ganha salário.<br />

De jeito nenhum. Agora, quanto a um deputa<strong>do</strong>, que<br />

passou pela professorinha primeiro, pra chegar onde<br />

ele está, não faz um movimento em benefício das<br />

professoras. Eu já gritei muito pela classe, mas você<br />

sabe, sabe como que são os gritos que ficam sufoca<strong>do</strong>s.<br />

Publiquei tu<strong>do</strong>, correu o mun<strong>do</strong>, o esta<strong>do</strong> de<br />

Minas to<strong>do</strong>. Entreguei nas mãos <strong>do</strong> Newton Car<strong>do</strong>so,<br />

<strong>do</strong> Hélio Garcia, quan<strong>do</strong> estiveram aí. Então você<br />

vê uma professora que trabalhou trinta e cinco anos,<br />

quanto você acha... compara<strong>do</strong> com um deputa<strong>do</strong><br />

que ganha aquele horror. E uma professora, ela tem<br />

268


que manter uma linha, a maneira de vestir, né. A gen-<br />

te dá muito material escolar pras crianças que não<br />

tem. Merenda... quanto a gente segura pela merenda<br />

diária. Eles não estão mandan<strong>do</strong> nada! Quan<strong>do</strong><br />

chega aquelas coisas <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, você abre<br />

aquele saco assim de triguilho, ou duma farinha laminada,<br />

que eles mandavam quan<strong>do</strong> eu era diretora,<br />

já tava sain<strong>do</strong> borboleta. Você vai dar aquilo pra<br />

menino? Você ia dar aquilo pra criança, aquilo podre,<br />

sain<strong>do</strong> borboletinha pra to<strong>do</strong> la<strong>do</strong>? Quantas vezes a<br />

diretora, como eu, saía de porta em porta. Era óleo,<br />

era macarrão, era tu<strong>do</strong> que eu ganhava. A professora<br />

além de estudar muito ela tem que saber psicologia<br />

para entender cada aluno. A professora vai lapidar,<br />

ela tem que saber entender cada cabeça, porque tu<strong>do</strong><br />

começa no lar; a escola é a continuação <strong>do</strong> lar, se não<br />

é, devia ser. Então a professora bem preparada entende<br />

cada criança daquela.<br />

Ah, foi linda! Me realizei demais como professora,<br />

e mais ainda como diretora.<br />

Porque diretora eu pude ajudar muita criança<br />

pobre. Eu ajudei o máximo que eu pude as da minha<br />

sala, enquanto eu fui regente de classe. Eu fui regente<br />

de classe dezessete anos, quatorze anos no quarto<br />

ano primário. E depois eu passei dez anos como diretora.<br />

Então eu trabalhei vinte e sete anos. Como eu<br />

269


entrei com dezesseis anos, eu sai com quarenta e três.<br />

Aposentei nova e com muita vontade de continuar.<br />

Abri aquele jardim de infância no Centro Espírita, onde<br />

a gente pode ajudar muito as crianças menos favorecidas,<br />

e quase não cobrava, a gente dava to<strong>do</strong> o material.<br />

Ali eu devo ter fica<strong>do</strong> uns seis anos. Como eu<br />

gostava de ficar no meio das crianças, eu vim pra creche<br />

SOS. Achei uma beleza o trabalho da Dona Emília,<br />

da diretoria toda. E mais ainda o da Sebastiana, que<br />

tomava conta <strong>do</strong>s meninos, né. E me ofereci pra ajudar<br />

quan<strong>do</strong> precisasse dum relatório, quan<strong>do</strong> precisasse<br />

de um cartaz, porque eles têm convênio com a<br />

LBA e exigem, né. Semana da Comunidade, Semana<br />

da Alimentação, tu<strong>do</strong>. Logo que eu comecei a trabalhar<br />

lá como voluntária, a primeira coisa que eu<br />

fiz foi abrir duas salas de aula, porque os meninos<br />

<strong>do</strong>rmiam depois <strong>do</strong> almoço. Então os pequenos, as<br />

menores tinham aula de manhã e as maiores, que já<br />

não gostavam, de <strong>do</strong>rmir, faziam à tarde. Então há<br />

um trabalho pra duas professoras. O que sempre me<br />

realizou muito foi poder ajudar a colocar mais pessoas.<br />

E eu orientava, até que a D. Emilia conseguiu<br />

que o Mobral pagasse as professoras, porque estava<br />

fican<strong>do</strong> difícil pra ela pagar as professoras. Consegui<br />

fazer coisas lá que ninguém acreditava que eu conseguiria.<br />

Fazer, por exemplo, peças infantis to<strong>do</strong> Natal<br />

270


com as crianças. Crianças pequenininhas, muito ca-<br />

rentes, de ambientes terríveis... porque além da par-<br />

te de diretora das duas salas, eu fazia a escrita toda.<br />

Os prontuários <strong>do</strong> LBA tinham toda a informação de<br />

cada criança. Então eu tinha que entrevistar as mães,<br />

no princípio <strong>do</strong> ano, uma a uma, pra saber aonde que<br />

ela morava, se a casa era de cimento, se tinha banhei-<br />

ro... a maioria não tinha banheiro em casa. Então era<br />

um ambiente assim de meninos que vivem na pro-<br />

miscuidade mesmo. Tu<strong>do</strong> numa cama só com o pai<br />

e a mãe. Mas eu consegui fazer peças infantis lindas.<br />

Trabalhei lá quatro anos e foi muito bom.<br />

Sou uma mulher muito feliz, muito realizada,<br />

tive assim, muitas derrotas, sofrimento, mas sou uma<br />

vitoriosa. Eu tenho aquilo que as pessoas me dão, não<br />

é? Porque realmente a gente tem aquilo que aparen-<br />

ta ter. Mas de coração eu devo tá com vinte e cinco<br />

anos, que eu tenho um coração assim muito apaixo-<br />

na<strong>do</strong>, muito jovem. Eu tô realizan<strong>do</strong> um sonho <strong>do</strong>s<br />

meus quinze anos: ter um quarto cor-de-rosa. A mi-<br />

nha filha teve um quarto cor-de-rosa. Agora eu estou<br />

realizan<strong>do</strong> meu sonho. Nunca é tarde para o amor e<br />

nunca é tarde para realizar um sonho. Coração não<br />

tem idade...<br />

Entrevistada em 27/04/1990 por Gláucia Siqueira e Mariana Cândida.<br />

271

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!