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Gnose em Revista - Intranet - Uemg

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Ano I - n. 1 - Fevereiro 2011<br />

Barbacena, fevereiro 2011<br />

ISSN 2179-569X


Ano I - n. 1 - Fevereiro 2011<br />

ISSN 2179-569X<br />

Comissão Editorial / Editorial commission<br />

Comissão Editorial/ Editorial Commission<br />

Leila Maria Franco (UEMG – Campus de Frutal)<br />

Diego David dos Santos Silva (UEMG – Campus de Frutal)<br />

Ana Paula de Freitas Romão-Murari (UEMG – Campus de Frutal)<br />

Conselho Científico / Scientific advisory board<br />

Altair Alberto Fávero (UPF)<br />

Ailton Luiz Dias Siqueira Júnior (IFTM)<br />

Almiro Schulz (UFG)<br />

Ana Maria Zanoni da Silva (UEMG – Campus de Frutal)<br />

André Vinícius Martinez Gonçalves (UEMG- Campus de Frutal)<br />

Antônio Alberto Cristofalo de L<strong>em</strong>os (UEMG - Campus de Frutal)<br />

Arminda Rachel Botelho Mourão (UFAM)<br />

Celeste Antenore Rossi (FEF)<br />

Eliana Aparecida Panarelli (UEMG- Campus de Frutal )<br />

Evandro de Araújo Jardini (UEMG - Campus de Frutal)<br />

José Alberto Felipe Basílio (FEF)<br />

Lúcia Helena Ferreira Lopes (FTM)<br />

Lúcia Elena Pereira Franco Brito (UEMG - Campus de Frutal)<br />

Maria Batista da Cruz Silva (UEMG - Campus de Frutal)<br />

Marcelo Pessoa (UEMG - Campus de Frutal /IMES-FAFICA)<br />

Marcelo Leolino da Silva (UEMG - Campus de Frutal)<br />

Millôr Godoy Sabará (UEMG - Campus de Frutal)<br />

Patrícia Aurélia Del Nero (UFV)<br />

Paulo Custódio de Oliveira (UFGD)<br />

Paulo Henrique Costa Corgosinho (UNESCO/HIDROEX/UEMG - Campus de Frutal)<br />

Rauer Ribeiro Rodrigues (UFMS)<br />

Rodrigo Daniel Levoti Portari (UEMG - Campus de Frutal)<br />

Suzana Maria da Glória Ferreira (UEMG - Campus de Frutal /UNIRP)<br />

Wânia de Sousa Majadas (UNIVERSO)<br />

<strong>Gnose</strong> <strong>em</strong> revista / Universidade do Estado de Minas Gerais.<br />

Campus de Frutal – Ano 1, n. 1 (fev. 2011) – Barbacena,<br />

MG : EdUEMG, 2011.<br />

149 p.<br />

Anual.<br />

ISSN 2179-569X<br />

1. Conhecimento - Periódicos. 2. Abordag<strong>em</strong> interdisciplinar<br />

do conhecimento - Periódicos . I. Universidade do Estado de<br />

Minas Gerais. Campus Frutal. II. Título.<br />

CDU: 001<br />

Elaborada por: Marcos Antônio de Melo Silva - Bibliotecário CRB/6: 2461


Ano I - n. 1 - Fevereiro 2011<br />

ISSN 2179-569X


Governador do Estado de Minas Gerais<br />

Antônio Augusto Junho Anastasia<br />

Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior<br />

Nárcio Rodrigues de Silveira<br />

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS<br />

Reitor<br />

Dijon Moraes Júnior<br />

Vice-Reitora<br />

Santuza Abras<br />

Pró-Reitora de Ensino<br />

Renata Nunes Vasconcelos<br />

Pró-Reitora de Extensão<br />

Vânia Aparecida Costa<br />

Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-graduação<br />

Luzia Gontijo Rodrigues<br />

Pró-Reitor de Planejamento, Gestão e Finanças<br />

Giovânio Aguiar<br />

Diretor Geral do Campus de Belo Horizonte<br />

Rogério Bianchi Brasil<br />

EdUEMG - EDITORA DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS<br />

Coordenação e Revisão<br />

Daniele Alves Ribeiro<br />

Projeto Gráfico<br />

Diego David dos Santos Silva e Marco Aurélio Costa Santiago<br />

Diagramação<br />

Marco Aurélio Costa Santiago<br />

http://edu<strong>em</strong>g.u<strong>em</strong>g.br<br />

edu<strong>em</strong>g@u<strong>em</strong>g.br<br />

(32) 3362-7385 - ramal 105


UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS - CAMPUS DE FRUTAL<br />

Diretor do Campus de Frutal<br />

Ronaldo Wilson Santos<br />

Coordenadora Pedagógica<br />

Maria Batista da Cruz Silva<br />

Coordenadora Administrativa<br />

Lydia Quintella de Carvalho Côrtes<br />

Coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão<br />

Ana Maria Zanoni Silva<br />

Coordenador da Empresa Júnior<br />

Celso Almeida de Carvalho<br />

Coordenador do Mestrado<br />

Millôr Godoy Sabará<br />

Coordenador do Curso de Administração<br />

Rogério Ruas Machado<br />

Coordenadora do Curso de Direito<br />

Cristina Veloso de Castro<br />

Coordenador do Curso de Ciência e Tecnologia de Laticínios<br />

Devanir Donizete Daniel<br />

Coordenadora do Curso de Comunicação Social – Jornalismo, Publicidade e Propaganda<br />

Ana Carolina de Araújo Silva<br />

Coordenadora do Curso de Geografia<br />

Gercina Aparecida Ângelo<br />

Coordenador do Curso de Sist<strong>em</strong>as de Informação<br />

Geraldo Nunes Corrêa<br />

Coordenadora do Curso Superior de Tecnologia <strong>em</strong> Produção Sucroalcooleira<br />

Renata Colombo<br />

Secretário Acadêmico<br />

Wanderley Assis de Melo Júnior<br />

Bibliotecária<br />

Yone da Silva


Apresentação<br />

A <strong>Gnose</strong> <strong>em</strong> <strong>Revista</strong> é um periódico anual da Universidade do Estado de Minas<br />

Gerais, Campus de Frutal, e por seu caráter multidisciplinar, publica trabalhos<br />

científicos que cont<strong>em</strong>plam as seguintes áreas do conhecimento: Ciências Agrárias<br />

e Biológicas, Ciências Humanas, Ciências Sociais, Ciências Exatas e da Terra.<br />

Esperamos com este periódico dinamizar o processo de transferência e troca<br />

de informações. Nesse fluxo, pretend<strong>em</strong>os estreitar as relações interpessoais,<br />

b<strong>em</strong> como as interações entre grupos e instituições de pesquisa, uma dialética no<br />

processo de comunicação e de produção científica para o desenvolvimento e a<br />

construção do conhecimento.<br />

Agradec<strong>em</strong>os a todos que colaboraram com esta primeira edição, pois<br />

somente a participação ativa dos pesquisadores, dos professores e dos alunos<br />

pôde dar realidade e concretude a essa proposta, que fortalece a missão principal<br />

da universidade – o ensino, a pesquisa e a extensão.<br />

A Comissão Editorial


Sumário<br />

1. Alienação parental: quando não se elabora o luto da separação<br />

Adailson da Silva Moreira; Adriana Rafaela Ribeiro<br />

2. D<strong>em</strong>ocracia e sociedade: avanços e limites da cidadania no Brasil<br />

José Henrique Singolano Néspoli<br />

3. A influência do direito romano no direito ocidental: breves considerações<br />

André Gimenez; Sílvia Araújo Dettmer; Willian Diego de Almeida<br />

4. A responsabilidade ambiental da <strong>em</strong>presa no novo século<br />

Rúbia Spirandelli Rodrigues<br />

5. A televisão como cabo eleitoral<br />

Edwaldo Costa<br />

6. Uma retomada da obra Caos e cosmos, de Suzi Sperber – contradições e<br />

propostas<br />

Marcelo Pessoa<br />

7. Um estudo dos recursos persuasivos verbo-visuais nos outdoors do<br />

motel Cat´s, na cidade de Uberaba, Minas Gerais<br />

Aline Cristina da Cunha Inácio; Leila Maria Franco<br />

8. Espelhos d’água: reflexos filosóficos <strong>em</strong> Rosa, reflexos sociológicos <strong>em</strong> Cabral<br />

Ana Paula da Silva Santos; Cláudia Ferreira de Paula Borges<br />

9. Pegadas do fantástico <strong>em</strong> Os negros, de Monteiro Lobato<br />

Ana Maria Zanoni da Silva<br />

10. Literatura, raça, etnia: considerações sobre a literatura negra e<br />

sobre Lima Barreto, um intelectual sitiado<br />

Ana Paula de Freitas Romão-Murari<br />

11. Bioecologia dos crisopídeos e sua importância no controle biológico de pragas<br />

João Luís Ribeiro Ulhôa<br />

11<br />

23<br />

29<br />

39<br />

49<br />

57<br />

63<br />

73<br />

85<br />

93<br />

101


Sumário<br />

12. Um estudo sobre o amor romântico e sua representação<br />

para os gêneros f<strong>em</strong>inino e masculino<br />

Lara Franco Costa<br />

13. Ética e educação: questões de escolhas<br />

Maria Batista da Cruz Silva; Maíza Rodrigues da Silva; Denise Queiroz;<br />

Ana Lúcia de Paula Ferreira Nunes<br />

14. A produção do espaço urbano e centralidade na cidade de Frutal<br />

Adriano Reis de Paula e Silva; Vitor Ribeiro Filho<br />

15. Formação ética para o exercício da docência<br />

Almiro Schulz; Graziela Giusti Pachane<br />

107<br />

121<br />

129<br />

139


ALIENAÇÃO PARENTAL: QUANDO NÃO<br />

SE ELABORA O LUTO DA SEPARAÇÃO<br />

Adailson da Silva Moreira 1 ; Adriana Rafaela Ribeiro 2<br />

RESUMO: O presente estudo aborda a delicada questão da alienação parental, assunto que v<strong>em</strong> despertando a<br />

atenção de muitos pesquisadores das mais diversas áreas face aos resultados catastróficos que ocasiona às crianças<br />

e adolescentes vítimas desse fenômeno. São efeitos que pod<strong>em</strong> passar despercebidos, incluindo a instalação da<br />

chamada Síndrome da Alienação Parental, mas que ao se efetivar<strong>em</strong>, pod<strong>em</strong> gerar sequelas irreversíveis tanto à<br />

criança quanto aos pais, quer seja o alienador ou o alienado. Desse modo, apresentam-se os diversos aspectos<br />

característicos do processo de alienação desde a sua orig<strong>em</strong>, no contexto da separação e disputa pela guarda dos<br />

filhos, até a apresentação de medidas a ser<strong>em</strong> adotadas pelos juristas para que se efetive a proteção dos menores<br />

<strong>em</strong> meio aos conflitos ocasionados pelo processo.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Alienação parental; guarda dos filhos; separação; síndrome.<br />

Introdução<br />

Atualmente, o divórcio t<strong>em</strong> se tornado uma prática<br />

muito comum, uma vez que passou a ser aceito pela<br />

sociedade e regulado pelo ordenamento jurídico,<br />

recebendo a adesão de muitos casais que, já s<strong>em</strong> meios<br />

para salvar o casamento, decid<strong>em</strong> pôr um fim à vida<br />

matrimonial. Porém, o que parece ser o desfecho de<br />

uma fase probl<strong>em</strong>ática pode ser apenas o início de<br />

uma série de conflitos. Isso porque, com a dissolução<br />

conjugal, um dos cônjuges pode não aceitar o final<br />

do relacionamento ou pode acontecer a disputa pela<br />

guarda dos filhos, transformando a situação <strong>em</strong> uma<br />

verdadeira guerra. Nessa contenda, todos sa<strong>em</strong><br />

machucados, principalmente as crianças, pois elas não<br />

contam com a estrutura de ego totalmente formada e<br />

capaz de lhes proteger.<br />

O conflito pode ser exacerbado quando o final do<br />

relacionamento não se deu por mútuo consentimento,<br />

situação que costuma “evocar sentimentos profundos<br />

de tristeza, decepção, desespero, frustração, raiva e<br />

culpa” (PARISI, 2009, p. 384). Nesses casos, qualquer<br />

motivo pode ser pretexto para atacar o ex-cônjuge. Os<br />

filhos estão na linha de frente dessa guerra e passam a<br />

valer como moeda de troca e barganha seja na intenção<br />

de reconstruir o relacionamento desfeito ou como<br />

vingança ao ex-parceiro.<br />

Nesses casos, complicados por natureza, é bastante<br />

comum que a decisão sobre a guarda (quando<br />

permanece com apenas um dos genitores) propicie a<br />

visão de que as crianças sejam propriedade exclusiva.<br />

Isso gera a não aceitação da ideia de que o ex-cônjuge<br />

tenha o direito de participar também da vida dos filhos,<br />

principalmente, se este foi o responsável pelo fim da<br />

vida conjugal.<br />

Assim, inicia-se a chamada “alienação parental”,<br />

<strong>em</strong> que o genitor guardião - geralmente a mãe, mas<br />

também os avós ou aqueles que tenham a criança<br />

ou adolescente sob sua responsabilidade, guarda ou<br />

vigilância (FRANÇA, 2010) -, provido de um desejo de<br />

vingança, procura afastar as crianças do relacionamento<br />

com o não guardião. Para isso, programa e manipula<br />

as crianças a fim de convencê-las que o outro deve ser<br />

excluído de suas vidas, deve ser repudiado.<br />

Ao agir desse modo, o “genitor alienante” não<br />

percebe que os maiores prejudicados são os filhos, elos<br />

mais frágeis da relação. Estes, quando são submetidos<br />

a tal processo, passam a sentir uma profunda rejeição<br />

pelo “genitor alienado”. A essa conduta, estágio mais<br />

avançado do fenômeno, dá-se o nome de Síndrome da<br />

Alienação Parental.<br />

Esse fenômeno v<strong>em</strong> se espalhando como uma<br />

epid<strong>em</strong>ia silenciosa desde muito t<strong>em</strong>po, destruindo o<br />

vínculo entre a criança e seus genitores, que são afastados<br />

1 Professor mestre do curso de Direito da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) - Campus de Três Lagoas. Avenida Ranulpho Marques Leal,<br />

3484 – CEP 79620-080 – Três Lagoas – MS. E-mail: adailsonsm@hotmail.com.<br />

2 Acadêmica do curso de Direito da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) – Campus de Três Lagoas. Avenida Ranulpho Marques Leal, 3484<br />

– CEP 79620-080 – Três Lagoas – MS. E-mail: rafaelaribeiro3@hotmail.com.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 11-22<br />

11


12<br />

de sua convivência. Daí a extr<strong>em</strong>a importância de que o<br />

processo de alienação seja identificado precoc<strong>em</strong>ente,<br />

pois sendo reconhecido e reprimido a t<strong>em</strong>po, não chega<br />

ao estágio de síndrome. Assim, pod<strong>em</strong> ser revertidos<br />

antes de incutir na criança sequelas <strong>em</strong>ocionais que a<br />

acompanhariam por toda a vida.<br />

O presente trabalho aborda os principais aspectos<br />

que envolv<strong>em</strong> a Síndrome da Alienação Parental.<br />

Primeiramente, analisam-se as vertentes históricas<br />

e conceituais, tratando das modificações sofridas pelo<br />

ordenamento jurídico, como o surgimento da separação<br />

judicial e a disputa pela guarda dos filhos que acabam<br />

dando orig<strong>em</strong> à “alienação parental”.<br />

Em seguida, explica-se como se dá o processo<br />

de alienação, suas causas determinantes, efeitos e<br />

consequências, expondo assim os motivos que levam o<br />

“genitor alienante” a iniciar tal processo e seus inúmeros<br />

efeitos, podendo chegar à Síndrome da Alienação<br />

Parental. Além disso, o estudo trata da implantação<br />

de falsas m<strong>em</strong>órias - recurso muito utilizado pelos<br />

“genitores alienantes”-, da proteção e interesse do<br />

menor na disputa - que deve ser preservado acima<br />

de tudo - e da fundamentação legal - as respostas do<br />

judiciário a esse probl<strong>em</strong>a.<br />

Não há como falar da “alienação parental” s<strong>em</strong> antes<br />

tratar de suas origens, natureza, pois apesar de ser um<br />

t<strong>em</strong>a estudado apenas recent<strong>em</strong>ente, ele está enraizado<br />

há muito t<strong>em</strong>po, desde o surgimento da possibilidade<br />

legal da separação judicial e disputa pela guarda dos<br />

filhos. Sendo assim, segue breve histórico sobre essas<br />

duas questões desencadeadoras do processo alienante<br />

<strong>em</strong> terras brasileiras.<br />

1 Desdobramentos históricos<br />

Em matéria matrimonial, por muito t<strong>em</strong>po, o assunto<br />

esteve na competência da Igreja, sendo disciplinado<br />

pelo Direito Canônico (RODRIGUES, 1985). Ele previa<br />

a dissolução apenas por meio das nulidades, anulações<br />

ou morte de um dos cônjuges e admitia a separação<br />

pessoal (ou de corpos), o que não colocava fim ao<br />

casamento, mantendo a co-habitação (CAHALI, 1986).<br />

Devido a esse conservadorismo e à forte influência<br />

religiosa, o casamento não era passível de dissolução<br />

(ROSA, 2010).<br />

Em vários momentos da história, houve tentativas de<br />

instituir o divórcio, principalmente, após a proclamação<br />

da República, ocasião <strong>em</strong> que o Estado se dissociou da<br />

religião, tais como <strong>em</strong> 1890, por iniciativa do ministro<br />

Campos Sales; <strong>em</strong> 1893, pelo deputado Érico Marinho ao<br />

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Adailson da Silva Moreira; Adriana Rafaela Ribeiro<br />

Parlamento; <strong>em</strong> 1896 e 1899, houve tentativas na Câmara<br />

e no Senado; <strong>em</strong> 1900, Martinho Garcez ofereceu, no<br />

Senado, projeto de divórcio vincular (CAHALI, 1986).<br />

Com o Código Civil de 1916, no artigo 315, a situação<br />

praticamente não se alterou, exceto pela instituição<br />

do “desquite” (inciso III). Este apenas autorizava a<br />

separação de corpos, mas não desfazia o vínculo<br />

matrimonial. O artigo 317 enumerava os motivos que<br />

admitiam o desquite (BRASIL, 1916).<br />

Em 1934, houve um grande retrocesso com a<br />

promulgação da Constituição Federal. Esta estabelecia<br />

a indissolubilidade do vínculo conjugal no artigo 144 e<br />

mantinha, no parágrafo único, a possibilidade do desquite<br />

e da anulação (BRASIL, 1934). Nas Constituições<br />

seguintes, houve apenas a repetição desse preceito.<br />

Assim foi na de 1937, artigo 124 (BRASIL, 1937); na<br />

de 1946, artigo 163 (BRASIL, 1946); na de 1967, artigo<br />

167, § 1º (BRASIL, 1967).<br />

Com o t<strong>em</strong>po, a ideia da separação judicial foi<br />

conquistando sua aceitação legal e social, acompanhando<br />

a transformação dos costumes. Intensos debates<br />

parlamentares ocorreram no intervalo de 1951 a<br />

1977 (ARCHANJO, 2008). Finalmente, <strong>em</strong> 1977 foi<br />

promulgada a lei 6.515, que regulamentou o divórcio<br />

(BRASIL, 1977). “A admissão do divórcio no Brasil,<br />

<strong>em</strong>bora tardia, representou um grande progresso e veio<br />

r<strong>em</strong>ediar uma situação de fato de inegável existência e<br />

considerável importância” (RODRIGUES, 1985, p. 214).<br />

É fácil entender o motivo de tanta resistência da<br />

sociedade para a regularização do divórcio.<br />

A perda amorosa t<strong>em</strong> o poder de aniquilar uma<br />

pessoa, o rompimento amoroso representa a<br />

desestruturação e a ruína da organização psíquica<br />

que foi lentamente construída (CAROTENUTO,<br />

1994, p. 32).<br />

Além disso, abala também a estrutura mesma da<br />

sociedade.<br />

Essas transformações foram ocasionadas, dentre<br />

outros fatores, pelo processo de <strong>em</strong>ancipação f<strong>em</strong>inina.<br />

A mulher foi conquistando o seu espaço na sociedade,<br />

especialmente no mercado de trabalho, sendo essa<br />

uma das condições favoráveis ao surgimento da<br />

separação. Tal situação possibilitou à mulher, buscar sua<br />

independência financeira, algo inexistente na época <strong>em</strong><br />

que predominava o sist<strong>em</strong>a patriarcal 3 , fazendo com que<br />

o direito de família passasse por muitas modificações<br />

importantes e significativas (GRAÇAS NETO, 2001).<br />

Conforme a possibilidade da separação foi se<br />

propagando, os conflitos também foram aumentando,<br />

já que o final de um relacionamento s<strong>em</strong>pre produz<br />

traumas e situações difíceis de ser<strong>em</strong> vivenciadas<br />

3 A família era baseada na manutenção da propriedade e de interesses políticos, na constituição de um núcleo homogêneo, <strong>em</strong> que predominavam a<br />

dominação masculina, a submissão da mulher, o casamento entre parentes e a negação da diferenças (FIORELLI; MANGINI, 2009).


com bom senso e tranquilidade, mesmo quando há<br />

consenso. Quando este não existe, quando a separação<br />

não se dá <strong>em</strong> comum acordo entre o casal, os cônjuges,<br />

geralmente, não consegu<strong>em</strong> entrar <strong>em</strong> acordo quanto<br />

à guarda, cuidados, manutenção e educação dos filhos.<br />

Assim, cabe ao judiciário intervir na situação, buscando<br />

mitigar o sofrimento dos menores. A partir daí, visando<br />

d<strong>em</strong>onstrar que teria melhores condições para a<br />

detenção da guarda, os pais começam verdadeiras<br />

batalhas verbais, psicológicas e até físicas.<br />

Essa disputa era impensável até algum t<strong>em</strong>po atrás,<br />

devido à naturalização da função materna, que fazia<br />

com que os filhos ficass<strong>em</strong> sob a guarda da mãe.<br />

Ao pai restava somente o direito de visitas <strong>em</strong> dias<br />

predeterminados, não lhe competindo opinar sobre<br />

a educação dos filhos, já que se encontrava longe do<br />

universo doméstico e familiar, muitas vezes tendo<br />

formado outra família. Com a intensificação das<br />

estruturas de convivência familiar, surgiu uma maior<br />

aproximação da figura paterna com os filhos, além de<br />

uma equidade maior na responsabilização por cuidados<br />

e manutenção de guarda. Esta passou a caber tanto<br />

ao pai quanto à mãe e, <strong>em</strong> alguns casos, passou a ser<br />

repartida, como acontece na guarda compartilhada.<br />

Assim, quando da separação dos genitores, não são<br />

raros os casos <strong>em</strong> que existe disputa pela guarda da<br />

prole (DIAS, 2010).<br />

Para Souza (2010), tal disputa t<strong>em</strong> se tornado cada<br />

vez mais visível, porque atualmente os pais têm uma<br />

maior conscientização quanto à corresponsabilidade<br />

parental na educação dos filhos. Eles não se contentam<br />

<strong>em</strong> ser apenas um pagador de pensão ou um visitante de<br />

final de s<strong>em</strong>ana. Eles quer<strong>em</strong> agir de maneira que “pai”<br />

e/ou “mãe” signifique mais do que uma palavra vazia de<br />

conteúdo, para que venha a agregar os profundos afetos<br />

que a paternidade/maternidade responsável desperta.<br />

É importante destacar que não são todas as<br />

separações judiciais que geram esses conflitos. As<br />

que geram são as litigiosas (não-consensuais), <strong>em</strong> que<br />

a separação é proposta por apenas um dos cônjuges,<br />

podendo resultar assim <strong>em</strong> divergência também quanto<br />

à guarda. Isso não acontece na separação consensual,<br />

<strong>em</strong> que as partes acabam por definir se o exercício da<br />

guarda dos filhos ficará com um deles ou será distribuído<br />

entre os dois na forma compartilhada (DINIZ, 2007).<br />

Tais modalidades de separação vieram com a Lei<br />

do Divórcio (lei n. 6.515 de 1977), que substituindo o<br />

termo “desquite” por “separação judicial”, autorizava<br />

seu pedido por um só dos cônjuges ou por mútuo<br />

consentimento. Tais expressões foram mantidas pelo<br />

legislador no Código Civil de 2002.<br />

E é na separação não consensual que se destaca<br />

o conflito da disputa pela guarda. Ela é estabelecida<br />

Alienação parental: quando não se elabora o luto da separação<br />

atualmente nas seguintes formas: exclusiva, quando<br />

apenas o pai ou a mãe mantém a criança <strong>em</strong> seu lar,<br />

podendo ser visitada pelo que não detém a guarda;<br />

alternada, que é dividida entre pai e mãe, com<br />

mudanças periódicas do filho para a casa de cada um;<br />

e compartilhada, que é um acordo para que os filhos<br />

permaneçam sob autoridade igual de ambos os pais,<br />

ainda que a guarda física fique na maior parte do t<strong>em</strong>po<br />

com apenas um deles (FIORELLI; MANGINI, 2009).<br />

Apesar dessas espécies de guarda ter<strong>em</strong><br />

sido formuladas buscando melhor proteção e<br />

desenvolvimento do menor a fim de garantir-lhe a<br />

necessária convivência com ambos os genitores, <strong>em</strong><br />

muitos casos, ao invés de gerar a satisfação dos genitores<br />

e da criança, provocam mais descontentamento e<br />

divergência. Isso porque muitos pais acabam não<br />

aceitando as condições e, por vingança, jogam seus<br />

filhos contra o outro genitor, alienando-os ou usandoos<br />

como peças de um jogo (ROSA, 2010).<br />

A partir daqui, apresentados os processos sofridos<br />

pela separação e pela disputa de guarda, tornase<br />

possível discorrer sobre o probl<strong>em</strong>a que surge<br />

nesse contexto litigioso: a “alienação parental” e a<br />

consequente “síndrome”.<br />

2 A constelação arquetípica<br />

Um processo de separação, pela própria natureza,<br />

é gerador de traumas e sofrimento psíquico de grande<br />

envergadura, gerador de imagens e ideias que se<br />

aglomeram <strong>em</strong> torno de um núcleo arquetípico. Assim,<br />

formam um complexo que é caracterizado por uma<br />

tonalidade <strong>em</strong>ocional comum (SAMUELS; SHORTER;<br />

PLAUT, 1988). Um complexo “é a imag<strong>em</strong> de uma<br />

determinada situação psíquica de forte carga <strong>em</strong>ocional<br />

e, além disso, incompatível com as disposições ou<br />

atitude habitual da consciência” (JUNG, 1991, p. 99 – §<br />

201, VIII, O.C.).<br />

Evento da natureza de uma separação faz com que<br />

os complexos sejam ativados, ou seja, constelados,<br />

produzindo reações não de forma compatível com a<br />

personalidade, mas com o complexo vivenciado. Os<br />

complexos:<br />

Interfer<strong>em</strong> na intenção da vontade e perturbam<br />

o des<strong>em</strong>penho da consciência; produz<strong>em</strong><br />

perturbações na m<strong>em</strong>ória e bloqueios no<br />

processo das associações; aparec<strong>em</strong> e<br />

desaparec<strong>em</strong>, de acordo com as próprias leis;<br />

obsediam t<strong>em</strong>porariamente a consciência ou<br />

influenciam a fala e ação de maneira inconsciente...<br />

comportam-se como organismos independentes,<br />

fato particularmente manifestado <strong>em</strong> estados<br />

anormais (JUNG, 1991, p. 125 – § 253, VIII, O.C).<br />

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13


14<br />

Os traumas oriundos da separação vão se reunir <strong>em</strong><br />

torno de arquétipos, que são el<strong>em</strong>entos primordiais e<br />

estruturais da psique humana (SHARP, 1993). Trata-se da<br />

parte herdada da psique, são padrões de estruturação<br />

do des<strong>em</strong>penho psicológico ligados ao instinto; entidade<br />

hipotética que não pode ser representada <strong>em</strong> si mesma,<br />

mas pode ser evidenciada somente através de suas<br />

manifestações (SAMUELS; SHORTER; PLAUT, 1988).<br />

Os arquétipos são sist<strong>em</strong>as de prontidão que<br />

são ao mesmo t<strong>em</strong>po imagens e <strong>em</strong>oções. São<br />

hereditários como a estrutura do cérebro. Na<br />

verdade são o aspecto psíquico do cérebro.<br />

Constitu<strong>em</strong>, por um lado, um preconceito<br />

instintivamente forte e, por outro lado, são<br />

os mais eficientes auxiliares das adaptações<br />

instintivas... aquela parte através da qual a psique<br />

está vinculada à natureza (JUNG, 1993, p. 35 – §<br />

53, X/3, O.C.).<br />

Assim, na análise das transformações observadas<br />

na identidade do casal que se separa, o referencial<br />

mitológico permite algumas amplificações significativas.<br />

Afrodite, deusa do amor e da paixão, se mostra<br />

bastante fragilizada, já que o amor acabou. A deusa<br />

perdeu sua batalha (MAGNO) especialmente como<br />

arquétipo f<strong>em</strong>inino. Afrodite, que é a deusa da beleza<br />

incomparável, pode se ver negligenciada, já que muitas<br />

mulheres acabam se descuidando <strong>em</strong> nome dos afazeres<br />

do lar, de ser esposa, mãe e dona de casa, como se<br />

tivesse perdido sua f<strong>em</strong>inilidade (PARISI, 2009).<br />

Outra deusa que também se vê bastante ferida é<br />

Hera, a deusa do casamento e guardiã ciumenta dos<br />

votos do matrimônio (MAGNO). Inconformismo, raiva<br />

e desejos de vingança e justiça são sentimentos surgidos<br />

por esse arquétipo influenciado pela ira vingativa da<br />

deusa que clama por justiça.<br />

Muitas vezes a ruptura da vida conjugal gera<br />

na mãe sentimento de abandono, de rejeição,<br />

de traição, surgindo uma tendência vingativa<br />

muito grande. Quando não consegue elaborar<br />

adequadamente o luto da separação, desencadeia<br />

um processo de destruição, de desmoralização,<br />

de descrédito do ex-cônjuge (DIAS, 2010, p. 1).<br />

Sentimentos de ira, mágoa e raiva pod<strong>em</strong> ser<br />

saudáveis e necessários para o fortalecimento do<br />

ego num primeiro momento dentro do processo de<br />

elaboração do luto pelo final do relacionamento. Mas se<br />

há a permanência nesse estado, tais sentimentos pod<strong>em</strong><br />

manter o indivíduo na posição de vítima, paralisando<br />

seu desenvolvimento (PARISI, 2009).<br />

Nessa circunstância de vitimização, o genitor<br />

guardião, ao ver o interesse do outro genitor - que às<br />

vezes até já constituiu outra família - <strong>em</strong> preservar a<br />

convivência com os filhos, quer vingar-se, afastando<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 11-22<br />

Adailson da Silva Moreira; Adriana Rafaela Ribeiro<br />

as crianças dele num processo contínuo de alienação<br />

parental (DIAS, 2010).<br />

3 O que é alienação parental<br />

A “alienação parental” é um assunto pouco conhecido,<br />

discutido e difundido, que v<strong>em</strong> ganhando expressão<br />

no mundo jurídico por seus efeitos catastróficos às<br />

crianças (principalmente) e adolescentes vítimas desse<br />

mal. Consiste na tentativa de um genitor <strong>em</strong> denegrir,<br />

manchar a imag<strong>em</strong> do outro, criando uma hostilidade<br />

entre ele e seu descendente, impedindo a convivência<br />

do filho (que é de ambos) com o outro, promovendo<br />

um afastamento progressivo até torná-lo estranho,<br />

indiferente e agressivo (CABRAL, 2010).<br />

Ullmann define esse fenômeno da<br />

maneira pela qual o genitor que possui a guarda<br />

do menor, ou menores, de forma subliminar<br />

e implícita, sist<strong>em</strong>ática e constante, <strong>em</strong><br />

comportamentos do cotidiano, mata dia a dia,<br />

minuto a minuto, a figura do outro genitor na<br />

vida e no imaginário do filho – ou filhos. [...] O<br />

alienador provoca o afastamento intencional de<br />

um dos pais da vida do filho menor por meio<br />

de comportamentos específicos, inicialmente<br />

apresentando obstáculos ao convívio entre<br />

ambos, distorcendo fatos relativos às partes e<br />

manipulando a verdade da forma que lhe for mais<br />

favorável (ULLMANN, 2009, p. 31).<br />

Trata-se de “artifício utilizado por um genitor para<br />

coibir o direito à convivência familiar do outro genitor”<br />

(TEIXEIRA; BENTZEEN, 2010, p. 409) como forma<br />

de puni-lo pelo final do relacionamento, evidenciando,<br />

por parte do alienante, transtornos psicológicos graves<br />

constelados pelo arquétipo da vingativa deusa Hera<br />

(PARISI, 2009).<br />

A “alienação parental” surge <strong>em</strong> meio ao processo<br />

de dissolução matrimonial, <strong>em</strong> que a guarda dos filhos é<br />

atribuída a apenas um dos cônjuges, e o direito de visita<br />

é garantido ao outro. Porém, n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre, as partes<br />

cumpr<strong>em</strong> o estabelecido. Não são raras as vezes <strong>em</strong><br />

que o guardião impõe diversas barreiras à realização<br />

das visitas, usando de vários artifícios e manobras para<br />

obstaculizar os encontros e a convivência do ex-cônjuge<br />

com os filhos. Para isso, o guardião usa de subterfúgios<br />

como doenças inexistentes, compromissos de última<br />

hora, viagens e até mudanças de cidade e/ou país,<br />

entre outros tantos impedimentos frutos exclusivos<br />

da animosidade que ainda reina entre os ex-consortes.<br />

Assim, entende-se que o genitor - geralmente o<br />

detentor da guarda -, que intenta afastar os filhos<br />

do outro genitor, promove a “alienação parental”,<br />

podendo dar ensejo ao aparecimento de uma síndrome


caracterizada pelo apego excessivo e exclusivo da<br />

criança a um dos genitores e o afastamento total ou<br />

parcial do outro (FONSECA, 2010).<br />

No Brasil, assim como na maioria dos países, <strong>em</strong> casos<br />

de separações, uma esmagadora maioria de decisões<br />

judiciais determina a genitora como guardiã dos filhos 4 .<br />

Isso explica a quantidade de casos relatados <strong>em</strong> que a<br />

mãe assume o papel de “agente alienador”. Porém, não<br />

são raros os casos de pais, tios, tias, avós ou padrastos<br />

que estão assumindo consciente ou inconscient<strong>em</strong>ente<br />

o papel de “alienador” (SAVAGLIA, 2009). Ao assumir<br />

a posição de “alienador”, o genitor passa a ter como<br />

principal objetivo, a destruição da imag<strong>em</strong> do outro<br />

diante da criança a fim de acabar com o valor afetivo<br />

que ele possui para com o filho. O “alienador” busca<br />

devastar o império para reinar sozinho, s<strong>em</strong> se importar<br />

a que preço conseguirá imperar sobre os filhos, mesmo<br />

que para isso desorganize o psiquismo deles, reinando<br />

sobre um império devastado (SILVA, 2009).<br />

Diante do exposto, fica evidente que, ao portar-se<br />

desse modo, o “genitor alienante” t<strong>em</strong> como único<br />

objetivo o afastamento entre os filhos e o ex-cônjuge<br />

até que este seja totalmente excluído de suas vidas. No<br />

entanto, são muitos os fatores determinantes de tal<br />

conduta, capazes de fazer com que um pai/mãe use os<br />

próprios filhos como instrumentos de guerra.<br />

3.1 Causas determinantes do<br />

processo de alienação<br />

São inúmeros os fatores que pod<strong>em</strong> levar alguém<br />

a se colocar como “alienador”, entre os principais: o<br />

inconformismo pela separação e/ou pelo sucesso do excônjuge<br />

<strong>em</strong> reconstruir uma nova relação, a divergência <strong>em</strong><br />

relação à divisão de bens ou da guarda dos filhos, ciúmes,<br />

vingança ou até mesmo algum tipo de psicopatologia da<br />

qual sofra a pessoa (SAVAGLIA, 2009). São el<strong>em</strong>entos<br />

constelados no arquétipo da vingança, que passa a nortear<br />

a conduta do alienador, expondo aspectos ocultos ou<br />

inconscientes de si mesmo. Nesse caso, aspectos negativos<br />

que o ego reprimiu ou jamais reconheceu, denominados<br />

“sombra” (SHARP, 1993, p. 149).<br />

A sombra constitui um probl<strong>em</strong>a de ord<strong>em</strong> moral<br />

que desafia a personalidade do eu como um<br />

todo, pois ninguém é capaz de tomar consciência<br />

desta realidade s<strong>em</strong> despender energias morais<br />

(JUNG, 1982, p. 6 – § 14, IX/2, O.C.).<br />

Tais motivos também são pontuados de modo mais<br />

aprofundado por Fonseca.<br />

Muitas vezes o afastamento da criança v<strong>em</strong> ditado<br />

pelo inconformismo do cônjuge com a separação;<br />

Alienação parental: quando não se elabora o luto da separação<br />

<strong>em</strong> outras situações, funda-se na insatisfação<br />

do genitor alienante, ora com as condições<br />

econômicas advindas do fim do vínculo conjugal, ora<br />

com as razões que conduziram ao desfazimento do<br />

matrimônio, principalmente quando este se dá <strong>em</strong><br />

decorrência de adultério e, mais frequent<strong>em</strong>ente,<br />

quando o ex-cônjuge prossegue a relação com<br />

o parceiro da relação extra-matrimonial. Neste<br />

último caso, o alijamento dos filhos de um dos pais<br />

resulta de um sentimento de retaliação por parte do<br />

ex-cônjuge abandonado, que entrevê na criança o<br />

instrumento perfeito da mais acabada vindita. Pode<br />

suceder também que a exclusividade da posse dos<br />

filhos revele-se como conseqüência do desejo de<br />

não os ver partilhar da convivência com aqueles<br />

que vier<strong>em</strong> a se relacionar com o ex-cônjuge –<br />

independente de ter<strong>em</strong> sido eles os responsáveis<br />

pelo rompimento do vínculo matrimonial. Em<br />

outra hipótese, não de rara ocorrência, a alienação<br />

promovida apresenta-se como mero resultado da<br />

posse exclusiva que o genitor pretende ter sobre os<br />

filhos (FONSECA, 2010, p. 4).<br />

Essas reações e <strong>em</strong>oções vêm se manifestando <strong>em</strong><br />

muitas pessoas envolvidas <strong>em</strong> processos de separação,<br />

pois muitas vezes a ruptura da vida conjugal gera <strong>em</strong><br />

um dos pais, forte sentimento de rejeição, abandono<br />

e traição, surgindo então uma tendência vingativa<br />

muito grande. Assim, por não conseguir elaborar<br />

adequadamente o luto da separação, ao perceber que<br />

o outro está interessado <strong>em</strong> preservar a convivência<br />

com o filho, resolve vingar-se, desencadeando um<br />

processo de destruição, desmoralização, descrédito do<br />

ex-cônjuge, afastando-o das crianças (DIAS, 2010, p. 1).<br />

Nesse caso, os mecanismos inconscientes, que<br />

certamente contribuíram para a separação, se perpetuam,<br />

já que o luto não elaborado congela o desenvolvimento,<br />

e o abandono do(a) parceiro(a) permanece como uma<br />

sentença condenatória de fracasso e incapacidade, que<br />

ocasiona raiva e aprisiona a pessoa na posição de vítima<br />

injustiçada (PARISI, 2009, p. 388).<br />

Embora o objetivo da alienação seja s<strong>em</strong>pre o<br />

banimento do outro genitor da vida do filho, as razões<br />

para tal são bastante diversificadas. Elas pod<strong>em</strong> resultar<br />

das circunstâncias da separação e da constelação surgida<br />

pelo arquétipo do casamento desfeito; por assumir o<br />

“genitor alienante” a conduta exclusivista, que denota<br />

deformação de personalidade; ou ainda pela motivação<br />

de um espírito de vingança ou inveja. E não acabam por<br />

aí, pois os motivos que determinam essa prática são das<br />

mais distintas naturezas.<br />

Às vezes é a solidão a que se vê relegado o<br />

ex-cônjuge, especialmente quando não t<strong>em</strong><br />

familiares próximos, o que leva-o a não prescindir<br />

4 Culturalmente a responsabilidade pela criação e educação dos filhos ainda é da mãe, <strong>em</strong>bora haja mudanças à vista na estrutura familiar.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 11-22<br />

15


16<br />

da companhia dos filhos; outras vezes é a falta de<br />

confiança, fundada ou infundada, <strong>em</strong> que o excônjuge<br />

titular da guarda nutre pelo ex-consorte<br />

para cuidar dos filhos. Em determinadas situações,<br />

a alienação representa mera conseqüência do<br />

desejo de o alienante deter, apenas para si, o amor<br />

do filho, algumas outras vezes resulta do ódio<br />

que o genitor alienante nutre pelo alienado, ou<br />

mesmo do simples fato de julgar o outro indigno<br />

do amor da criança (FONSECA, 2010, p. 4.).<br />

Nesses casos extr<strong>em</strong>os, mas não raros, a solidão pode<br />

ser el<strong>em</strong>ento desencadeador de todo o sofrimento.<br />

Ela sinaliza a perda de conexão com o self e a vivência<br />

do sentimento de perda relacionada aos conteúdos<br />

que foram projetados no(a) parceiro(a) e no vínculo<br />

conjugal. Não sendo raro o relato da sensação de<br />

“faltar um pedaço” e de desamparo que uma separação<br />

ocasiona (PARISI, 2009, p. 386).<br />

É de se considerar ainda que a depressão, da qual<br />

pode padecer o “progenitor alienante”, e a dificuldade<br />

de relacionamento entre os pais também são fatores<br />

motivadores da “alienação parental”, podendo ser<br />

causada até mesmo pela diversidade de estilos de vida.<br />

Esta última opção pode ocorrer devido ao receio por<br />

parte do “alienante”, de que a criança possa adotar ou<br />

preferir o modus vivendi por ele não adotado (FONSECA,<br />

2010, p. 4).<br />

O alienante d<strong>em</strong>onstra que a separação é uma situação<br />

<strong>em</strong>ocionalmente mal resolvida, sendo a verdadeira razão<br />

para seu comportamento (TEIXEIRA; BENTZEEN,<br />

2010, p. 410). O que sobra da conjugalidade leva os<br />

ex-cônjuges a se constituír<strong>em</strong> <strong>em</strong> homens e mulheres<br />

feridos, enganados, lesados e a esquecer<strong>em</strong>-se de que<br />

dessa relação assumiram o papel definitivo de pai e mãe,<br />

ao qual não há como renunciar (SOUZA, 2001, p. 29.).<br />

3.2 Efeitos e consequências<br />

A criança que é submetida à “alienação parental” e<br />

influenciada a odiar o outro genitor vai enfraquecendo<br />

aos poucos um vínculo que seria de extr<strong>em</strong>a importância<br />

<strong>em</strong> sua vida e que, com o t<strong>em</strong>po, torna-se irreparável.<br />

Isso acarreta graves consequências tanto para ela<br />

quanto para o genitor vítima.<br />

Isso acontece porque durante o processo, o “genitor<br />

alienado” passa a ser alguém totalmente estranho à<br />

criança, fazendo com que ela desenvolva diversos<br />

sintomas e transtornos psiquiátricos. Estes transtornos,<br />

não sendo tratados adequadamente, gerarão sequelas<br />

capazes de perdurar pelo resto de sua vida. Na fase<br />

adulta, tal criança poderá carregar um complexo de<br />

culpa e rejeição ou até mesmo repetir o processo<br />

alienatório ao qual foi submetida por considerar o<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 11-22<br />

Adailson da Silva Moreira; Adriana Rafaela Ribeiro<br />

comportamento do “genitor alienante” como único<br />

modelo a ser seguido (ROSA, 2010, p. 15).<br />

É importante destacar que, consumadas a “alienação”<br />

e a desistência do “alienado” de estar com os filhos,<br />

t<strong>em</strong> lugar a Síndrome da Alienação Parental (SAP).<br />

Sendo assim, é certo que as sequelas de tal processo<br />

patológico comprometerão, definitivamente, o normal<br />

desenvolvimento da criança. A síndrome, uma vez<br />

instalada no menor, enseja que ele, quando adulto,<br />

desenvolva um grave complexo de culpa por ter sido<br />

cúmplice de uma grande injustiça contra o “genitor<br />

alienado”. Por outro lado, o “genitor alienante” passa a<br />

ter papel de principal e único modelo para a criança, que<br />

no futuro tenderá a repetir o mesmo comportamento<br />

(HIRONAKA; MONACO, 2010, p. 2).<br />

Os efeitos da “síndrome” pod<strong>em</strong> se manifestar nas<br />

perdas importantes, como na morte de familiares, já<br />

que a vivência, para a criança, é s<strong>em</strong>elhante a esse tipo<br />

de perda, pois a criança passa a apresentar diversos<br />

sintomas, mostrando-se ansiosa, deprimida, nervosa<br />

e principalmente agressiva. São relatados casos <strong>em</strong><br />

que as consequências são ainda mais graves, chegando<br />

a depressão crônica, transtornos de identidade,<br />

comportamento hostil, desorganização mental e, às<br />

vezes, suicídio. Não se esquecendo da tendência ao<br />

alcoolismo e ao uso de drogas que, como toda conduta<br />

inadequada, também pode acometer a pessoa vítima da<br />

“síndrome” (FONSECA, 2010, p. 6-7).<br />

Há casos extr<strong>em</strong>os <strong>em</strong> que o genitor alienante, não<br />

conseguindo atingir seu objetivo de afastar o ex-cônjuge,<br />

busca alcançá-lo através do “extermínio” do genitor que<br />

pretendia alienar ou mesmo do próprio filho.<br />

Verificam-se ainda casos de situação extr<strong>em</strong>a <strong>em</strong><br />

que a pressão psicológica é tanta que o pai-vítima<br />

acaba sucumbindo, como no trágico episódio de<br />

abril de 2009, <strong>em</strong> que jov<strong>em</strong> e ilustre advogado,<br />

autor de livros, Doutor e Professor da USP/Largo<br />

São Francisco, cotado para vaga de ministro<br />

do TSE, famoso pela calma e moderação, aos<br />

39 anos de idade, matou o próprio filho de 5<br />

anos e cometeu suicídio. Em levantamentos<br />

preliminares, restou apurado que os pais estavam<br />

<strong>em</strong> meio a uma acirrada disputa pela guarda da<br />

criança, e que a mãe tentava, a qualquer custo,<br />

afastar o filho do pai (PINHO, 2010, p. 3).<br />

Os efeitos aqui apresentados, que surg<strong>em</strong><br />

devido à alienação, são duradouros e se perenizam<br />

indefinidamente ou persist<strong>em</strong> próximo à independência<br />

<strong>em</strong>ocional da criança ao final da adolescência. Torna-se<br />

indispensável que os profissionais implicados tenham a<br />

sensibilidade de identificar e intervir adequadamente<br />

no conflito resultante das probl<strong>em</strong>áticas paternas e<br />

maternas da disputa pelos filhos (SILVA, 2009).


Por essas razões, instigar a “alienação parental” <strong>em</strong><br />

criança, atualmente, é uma prática considerada abusiva,<br />

comparada ao abuso sexual e físico, pois não apenas o<br />

“genitor alienado” irá sofrer com isso, mas todos os que<br />

faz<strong>em</strong> parte da vida da criança, incluindo os familiares 5 .<br />

4 Identificação da síndrome<br />

da alienação parental<br />

A síndrome não se confunde com a mera “alienação<br />

parental”, pois aquela geralmente é decorrente desta.<br />

Assim, entende-se que a “alienação parental” é o processo<br />

de afastamento do filho de um dos genitores provocado<br />

pelo outro. Enquanto a Síndrome da Alienação Parental<br />

refere-se às sequelas <strong>em</strong>ocionais e comportamentais que<br />

atingirão a criança vítima daquele afastamento. Desse<br />

modo, enquanto a síndrome diz respeito à conduta do<br />

filho que se recusa insistent<strong>em</strong>ente ao contato com<br />

um dos genitores, a “alienação parental” está ligada ao<br />

processo desencadeado pelo genitor que visa afastar o<br />

outro da vida do filho (FONSECA, 2010, p. 3).<br />

Buscando a identificação de uma criança alienada,<br />

percebe-se que o filho vítima desse processo, t<strong>em</strong>endo<br />

sofrer com castigos e ameaças por desobedecer ou<br />

desagradar o “genitor alienador”, passa a se submeter a tudo<br />

que ele determina. Assim, cria-se a situação de dependência<br />

e submissão às provas de lealdade, devido ao medo do filho<br />

de ser abandonado e perder o amor dos pais.<br />

É muito importante que aconteça a identificação da<br />

Síndrome da Alienação Parental, pois na maioria dos<br />

casos, o “alienante” pode acusar o outro de cometer<br />

abusos de natureza física, sexual e/ou psicológica,<br />

enquanto o “alienado” tenderá a acusá-lo de programar<br />

os filhos contra ele. Assim, <strong>em</strong> meio a esse conflito, o<br />

filho terá que decidir <strong>em</strong> qu<strong>em</strong> irá acreditar e confiar,<br />

manifestando forte oposição, resistência ou rejeição a<br />

um dos seus pais e sofrendo consequencias gravíssimas<br />

à sua formação (ROSA, 2010, p. 20).<br />

O grande desafio é detectar quando a síndrome está<br />

efetivamente presente ou quando a repulsa do filho é<br />

justificada. A rejeição ao não-guardião pode resultar de<br />

uma programação mental realizada pelo “alienador”,<br />

mas pode refletir também uma conduta inadequada do<br />

próprio não-guardião. Isso porque atualmente a falsa<br />

denúncia de abuso sexual v<strong>em</strong> sendo uma estratégia<br />

muito utilizada pelos “genitores alienadores”. Porém,<br />

deve-se destacar que, do mesmo modo que pod<strong>em</strong><br />

existir falsas denúncias de abusos (sexuais, psicológicos,<br />

físicos), também exist<strong>em</strong> as falsas denúncias de<br />

Síndrome da Alienação Parental nos casos <strong>em</strong> que o<br />

Alienação parental: quando não se elabora o luto da separação<br />

genitor realmente comete abusos e, tentando justificar<br />

as acusações do outro genitor, contra-ataca, acusando-o<br />

falsamente de estar alienando os filhos (SOUZA, 2010).<br />

Souza (2002) compl<strong>em</strong>enta que, ao sofrer influências<br />

do genitor guardião, o filho fica tão “envenenado” que<br />

rejeita o “genitor alienado” de um modo muitas vezes<br />

irrecuperável, pois o próprio filho se envolve no processo<br />

de afastamento, distanciando-se afetivamente de um<br />

genitor que o ama devido a uma falsa compreensão<br />

da realidade. Desse modo, se a síndrome não for<br />

adequadamente identificada e tratada, pode ainda<br />

perdurar por várias gerações através de uma repetição<br />

incessante, seguindo os modelos de educação e de<br />

construção de afetos que foram assimilados pela criança<br />

durante o processo de manipulação (SOUZA, 2010).<br />

Percebe-se a grande relevância e periculosidade da<br />

“alienação parental” e o modo como pode influenciar<br />

negativamente na vida das pessoas atingidas por ela,<br />

principalmente, as crianças e adolescentes, que acabam<br />

sendo acometidos pela instalação da síndrome.<br />

Devido à gravidade dessa situação, é necessário<br />

que todos os profissionais que lidam com as famílias<br />

<strong>em</strong> ruptura fiqu<strong>em</strong> atentos à existência da Síndrome<br />

da Alienação Parental a fim de que possam identificar<br />

seus primeiros sintomas. Assim, é possível intervir<br />

rapidamente através de medidas como a fixação de<br />

visitas (monitoradas ou <strong>em</strong> locais públicos), advertências<br />

ao “alienador”, encaminhamento dos pais a tratamento<br />

psicológico ou psiquiátrico, arbitramento de multa (caso<br />

descumprida a visitação judicialmente regulamentada),<br />

inversão da guarda, ou ainda, suspensão ou destituição<br />

da autoridade parental, conforme a lei n. 12.318 de 26<br />

de agosto de 2010 (SOUZA, 2010, p. 1).<br />

4.1 Implantação de falsas m<strong>em</strong>órias<br />

Como apresentado no decorrer deste trabalho, o<br />

“genitor alienador”, buscando incansavelmente afastar<br />

o outro, vê a criança como peça de um jogo de vingança,<br />

manipulando-a a fim de atingir o ex-cônjuge, utilizandose<br />

dos mais variados recursos que o possibilit<strong>em</strong><br />

alcançar o seu objetivo.<br />

Esses recursos implicam <strong>em</strong> efeitos gravíssimos ao<br />

desenvolvimento da criança, pois o que começa com<br />

uma campanha difamatória ou imposição de obstáculos à<br />

convivência do outro genitor pode ser levado à gravidade<br />

extr<strong>em</strong>a quando passa a consolidar na mente da criança<br />

fatos, sensações e impressões que jamais existiram.<br />

Assim, o alienador fornece ao menor informações<br />

sobre o “alienado” que muitas vezes são falsas e que<br />

5 Conforme preconizado pela lei n. 12.318 de 26 de agosto de 2010, que dispõe sobre a alienação parental, alterando o artigo 236 do Estatuto da Criança e<br />

do Adolescente (ECA) e estabelecendo penalidades no artigo 6º, tais como multa (inciso III), alteração de guarda (inciso V), dentre outros.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 11-22<br />

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sendo repetidas por dias, meses ou anos, acabam<br />

impregnando a mente e o imaginário infantil, que, <strong>em</strong><br />

muitos momentos, confunde realidade com fantasia. As<br />

falsas narrativas pod<strong>em</strong> ser referentes a maus-tratos,<br />

episódios inexistentes de descaso, abandono ou até<br />

falsas denúncias de abuso sexual (ULLMANN, 2009).<br />

A última é a forma mais grave e comprometedora e<br />

relata um lado mais pesado da vingança, pois sacrifica<br />

o próprio filho. Ela ocorre nos casos de separação mal<br />

resolvidos e mal elaborados <strong>em</strong> que surge uma tendência<br />

vingativa muito grande, constelada pelo mito arquetípico.<br />

Essa situação pode se tornar ainda mais grave quando<br />

a acusação é levada ao universo jurídico. Nesse caso,<br />

o juiz, buscando uma proteção integral à criança, toma<br />

medidas que obrigam o afastamento do acusado ou que<br />

o submeta a visitas monitoradas. Com isso, o “alienador”<br />

consegue uma vitória parcial, pois o t<strong>em</strong>po e a limitação<br />

de contato entre o “genitor alienado” e o filho jogam a<br />

seu favor (ROSA, 2010, p. 23).<br />

A essas informações inventadas dá-se o nome de<br />

“falsas m<strong>em</strong>órias” ou “implantação de m<strong>em</strong>ória”,<br />

processo <strong>em</strong> que a pessoa recorda-se de um fato ou uma<br />

experiência que nunca ocorreu (CALLEGARO, 2007).<br />

Segundo Ullmann (2009), essa m<strong>em</strong>ória consiste na<br />

recordação de fatos ocorridos na vida de uma pessoa. A<br />

“m<strong>em</strong>ória introduzida” ou a “falsa m<strong>em</strong>ória” é, portanto,<br />

aquela baseada <strong>em</strong> fatos que jamais ocorreram, calcada<br />

<strong>em</strong> sugestões e informações enganosas. Desse modo,<br />

quando uma pessoa que presenciou determinada<br />

situação é exposta a informações enganosas ou<br />

inverídicas sobre o fato, frequent<strong>em</strong>ente, ela produz<br />

m<strong>em</strong>órias distorcidas sobre tal, pois existindo um mero<br />

indício de veracidade, o resto se constrói, se reconstrói<br />

e se destrói. Isso acontece devido ao poder que as<br />

informações incorretas ou enganosas têm para invadir<br />

a m<strong>em</strong>ória e transformá-la ou corroê-la, dependendo<br />

da forma como são impostas ou colocadas. Valendo-se,<br />

assim, a máxima de que uma mentira repetida muitas<br />

vezes se transforma <strong>em</strong> verdade, podendo construir<br />

uma recordação inexistente (ULLMANN, 2009).<br />

Tal recurso passa a ser usado pelo “alienador” como<br />

uma arma <strong>em</strong> seu jogo de manipulações, convencendo o<br />

filho da existência de um fato, levando-o a repetir o que lhe<br />

é afirmado como se tivesse realmente acontecido. Exist<strong>em</strong><br />

casos <strong>em</strong> que a criança não percebe mais que está sendo<br />

manipulada, acreditando naquilo que lhe foi dito insistente e<br />

repetidamente, s<strong>em</strong> saber distinguir a realidade da fantasia.<br />

Com o t<strong>em</strong>po, n<strong>em</strong> mesmo o “alienador” consegue fazer<br />

essa distinção e a sua verdade passa a ser verdade para o<br />

filho, que começa a viver com falsas personagens de uma<br />

falsa existência (DIAS, 2010).<br />

Diante dessas informações que explicam <strong>em</strong><br />

que consiste e como se dá a implantação de falsas<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 11-22<br />

Adailson da Silva Moreira; Adriana Rafaela Ribeiro<br />

m<strong>em</strong>órias, fica evidente a gravidade de tal situação, pois<br />

o genitor, usando a criança como objeto, provoca-lhe<br />

sequelas de grande dimensão. Essas sequelas se tornam<br />

ainda mais profundas quando a implantação decorre<br />

na falsa acusação de abuso sexual, pois quando o juiz<br />

atribui a suspensão ou monitoramento das visitas ao<br />

acusado, acontece um afastamento enorme entre ele<br />

e o filho. Assim, ao poucos, vai cessando a convivência<br />

e a confiança, quebrando-se um vínculo que leva muito<br />

t<strong>em</strong>po para ser reconstruído, se houver a possibilidade.<br />

S<strong>em</strong> contar que ao se efetivar tal denúncia, a criança<br />

é exposta a um processo muito traumático, pois <strong>em</strong><br />

meio às investigações para apurar a veracidade da<br />

acusação, ela é submetida a inúmeros procedimentos<br />

– inquirição por psicólogos, policiais, parentes, amigos,<br />

exames ginecológicos, exames no Instituto Médico<br />

Legal, conversas com advogados e assistentes sociais e<br />

ainda oitiva do menor pelo Ministério Publico e juízes<br />

(ULLMANN, 2009).<br />

Evidencia-se então a imensa importância de que<br />

os operadores do direito e da psicologia, assim como<br />

as famílias, saibam diferenciar as falsas m<strong>em</strong>órias<br />

implantadas no processo alienatório dos casos de abuso<br />

ou descuido reais. É necessário tratar tal questão com<br />

muita cautela para que não se cometam injustiças que<br />

destruam a vida de muitas crianças, assim como a dos<br />

genitores acusados indevidamente.<br />

5 Proteção e interesse do<br />

menor nas disputas<br />

É incontestável que os filhos precisam de ambos os<br />

pais para que sua personalidade seja estruturada de<br />

forma saudável. Portanto, negar à criança a presença<br />

de um dos genitores, acaba condenando-a a uma<br />

amputação psíquica de consequências imponderáveis.<br />

Esse convívio deve ser garantido para que se resguarde<br />

o superior interesse das crianças <strong>em</strong> detrimento do<br />

interesse dos pais (SOUZA, 2010).<br />

Daí entende-se que no complexo universo da<br />

“alienação parental”, que se encontra s<strong>em</strong>pre<br />

relacionado com a separação e a disputa de guarda, é<br />

extr<strong>em</strong>amente necessário que haja uma efetiva proteção<br />

ao melhor interesse do menor, não o submetendo à<br />

vontade dos adultos, como se fosse objeto do desejo<br />

deles, garantindo que não seja afastado do convívio<br />

com qualquer dos pais. Tal necessidade é destacada por<br />

Lourenço (2001) ao explicar que garantir os melhores<br />

interesses da criança é permitir que ela se torne sujeito<br />

desejante, abandonando o lugar de assumir o desejo do<br />

outro e passando a assumir o seu próprio desejo.<br />

Considerando como interesse da criança, o interesse<br />

mediato (aquele interesse <strong>em</strong> resguardar e b<strong>em</strong>-


formar a sua personalidade) e não o imediato, que<br />

possa ter sido implantado <strong>em</strong> sua essência, dirigindo-se<br />

eventualmente a uma ou outra direção. Sendo assim, o<br />

interesse da criança fica entendido como um desejo da<br />

sociedade de que ela tenha uma boa formação, sendo<br />

necessário que, ao rompimento da família, ela continue<br />

recebendo cuidados e atenção plena de ambos os pais.<br />

Caso contrário, a criança será submetida a efeitos<br />

negativos como a Síndrome da Alienação Parental<br />

(HIRONAKA; MONACO, 2010).<br />

Essa continuidade de relacionamento a ser mantida<br />

consiste na efetiva garantia da proteção ao interesse do<br />

menor, sendo assim garantido pela legislação brasileira<br />

através do chamado direito de visita, fundamentado pelo<br />

artigo 1.589 do Código Civil de 2002. Este estabelece<br />

que o pai ou a mãe que não seja o detentor da guarda<br />

dos filhos poderá visitá-los ou tê-los <strong>em</strong> sua companhia<br />

conforme acordado entre os cônjuges ou fixado pelo juiz.<br />

Portanto, fica claro que a criança não pode ser<br />

privada do convívio sadio com ambos os pais, o que<br />

geralmente acontece no processo de “alienação”,<br />

quando o “genitor alienante” pensa estar ferindo apenas<br />

o ex-cônjuge, impedindo-o de ter contato com os<br />

filhos. Assim, ele comete um grande erro, pois o filho,<br />

o verdadeiro titular do direito de visita, acaba tendo o<br />

seu direito cerceado (SILVA, 2009).<br />

5.1 Fundamentação legal<br />

Em função dessa postura, entrou <strong>em</strong> vigor <strong>em</strong> 26<br />

de agosto de 2010, a lei n. 12.318, que regulamenta<br />

a alienação parental, definindo-a e estabelecendo<br />

penalidades, b<strong>em</strong> como a conduta dos profissionais<br />

envolvidos na pesquisa e apuração desse fenômeno.<br />

Identificar a “alienação parental” e evitar que<br />

esse maléfico processo afete a criança e se converta<br />

<strong>em</strong> síndrome são tarefas que se impõ<strong>em</strong> ao Poder<br />

Judiciário, que para isso deve contar com o concurso<br />

de assistentes sociais e, principalmente, de psicólogos<br />

(FONSECA, 2010, p. 8).<br />

Assim, sendo identificado o processo de alienação, é<br />

necessário que o judiciário aborte seu desenvolvimento,<br />

impedindo a instalação da síndrome. Muitas vezes, até<br />

mesmo devido a uma inadequada formação, os juízes<br />

de família faz<strong>em</strong> vistas grossas a situações que, se<br />

examinadas com mais cautela, poderiam ser identificadas<br />

antes de se transformar<strong>em</strong> <strong>em</strong> tal distúrbio.<br />

Para que isso ocorra, Fonseca destaca alguns<br />

procedimentos que deveriam ser adotados e<br />

providenciados pelos juízes.<br />

É imperioso que os juízes se dê<strong>em</strong> conta dos<br />

el<strong>em</strong>entos identificadores da alienação parental,<br />

determinando, nesses casos, rigorosa perícia<br />

Alienação parental: quando não se elabora o luto da separação<br />

psicossocial, para então ordenar as medidas<br />

necessárias para a proteção do infante. Observese<br />

que não se cuida de exigir do magistrado - que<br />

não t<strong>em</strong> formação <strong>em</strong> Psicologia - o diagnóstico<br />

da alienação parental. No entanto, o que não se<br />

pode tolerar é que, diante da presença de seus<br />

el<strong>em</strong>entos identificadores, não adote o julgador,<br />

com urgência máxima, as providências adequadas,<br />

dentre elas, o exame psicológico e psiquiátrico das<br />

partes envolvidas (FONSECA, 2010, p. 7).<br />

Na verdade, a omissão e desinformação por parte dos<br />

juízes são apenas algumas das muitas barreiras encontradas<br />

na luta contra a “alienação parental” e a decorrente<br />

síndrome, uma vez que a maioria dos juristas não aceita<br />

ou desconhece tal fenômeno. Isso por ser um t<strong>em</strong>a que só<br />

atualmente v<strong>em</strong> ganhando discussão no mundo jurídico, o<br />

que dificulta imensamente a sua repressão.<br />

Porém, aos poucos, já se ve<strong>em</strong> algumas formas<br />

de manifestação como uma espécie de resposta do<br />

judiciário ao fenômeno da “alienação parental”. São<br />

manifestações advindas de uma minoria de juristas que<br />

já analisa e reconhece a existência e os graves efeitos de<br />

tal conduta. Eles vêm buscando meios que possibilit<strong>em</strong><br />

a detenção dessa alienação, tentando aos poucos inserir<br />

às legislações brasileiras medidas eficazes que possam<br />

ser aplicadas no combate a esse novo mal.<br />

É importante destacar que leis e artigos não são<br />

os únicos meios de proteção ao interesse da criança.<br />

Os próprios pais dev<strong>em</strong> ter consciência do que estão<br />

causando aos seus filhos ao utilizá-los como peças de<br />

um jogo de vingança. O pai ou a mãe, ao perceber que<br />

algum dos dois está prejudicando os filhos, deve buscar<br />

protegê-los, recorrendo ao judiciário para que interfira<br />

e resolva a situação (ROSA, 2010, p. 8).<br />

Conclusão<br />

Diante das informações apresentadas neste estudo,<br />

fica evidente como se dá o complexo processo da<br />

“alienação parental”, que surge <strong>em</strong> meio aos conflitos<br />

familiares, destruindo vínculos e dilacerando a vida de<br />

muitas crianças e seus pais.<br />

Percebe-se que o início dessa conduta alienante se<br />

dá, geralmente, após o fim da sociedade matrimonial,<br />

quando os ex-cônjuges, não conseguindo chegar a um<br />

acordo, iniciam uma disputa pela detenção da guarda<br />

dos filhos. Para isso, muitas vezes, eles usam meios<br />

obscuros e inconsequentes para alcançar<strong>em</strong> seus<br />

objetivos, gerando assim probl<strong>em</strong>as b<strong>em</strong> maiores do<br />

que os que já existiam. Isso acontece quando um dos<br />

cônjuges, não conseguindo elaborar o luto da separação,<br />

começa a cultivar um forte sentimento de vingança <strong>em</strong><br />

relação ao outro. Assim, busca atingir o outro de algum<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 11-22<br />

19


20<br />

modo e acaba usando os filhos como instrumento para<br />

feri-lo, tentando aos poucos afastá-lo de sua vida, vendo<br />

essa conduta como a melhor forma de fazê-lo sofrer.<br />

Dessa maneira, inicia-se o processo de “alienação<br />

parental”, estando o genitor inconformado com a<br />

separação e não aceitando a ideia de dividir o convívio<br />

dos filhos com o outro. Para isso, o alienante usa dos<br />

mais diversos artifícios para causar o afastamento entre<br />

eles, destruindo a imag<strong>em</strong> do outro perante as crianças<br />

e implantando na m<strong>em</strong>ória delas fatos inexistentes,<br />

criando obstáculos à realização das visitas, chegando<br />

até mesmo a imputar a falsa acusação de abuso sexual<br />

ao genitor que está sendo alienado.<br />

Dessa forma, o “genitor alienador” vai alcançando o<br />

seu objetivo, aplicando os mais desprezíveis métodos para<br />

alcançar a definitiva separação entre o ex-cônjuge e os<br />

filhos. Porém, ainda pior que essa conduta por ele adotada,<br />

são os efeitos que ocasionam à criança, maior vítima desse<br />

conflito. Entre os piores está a instalação da Síndrome da<br />

Alienação Parental, que, ao se efetivar, atribui à criança<br />

sequelas que ela carregará por toda a vida.<br />

Evidencia-se, assim, o imenso mal que a “alienação<br />

parental” v<strong>em</strong> acarretando, destruindo o importante<br />

vínculo familiar existente entre pais e filhos, relação<br />

que se procurava cultivar mesmo após a separação,<br />

mas que v<strong>em</strong> se tornando cada vez mais impossível<br />

devido aos efeitos da “alienação”. Por isso, ressalta-se<br />

aqui, a extr<strong>em</strong>a importância de se combater este mal,<br />

necessitando que toda a sociedade se <strong>em</strong>penhe para<br />

combatê-lo, cobrando uma resposta do ordenamento<br />

jurídico para que se possa punir os responsáveis pela<br />

conduta alienante. Só identificando e punindo-a, é<br />

possível extingui-la, garantindo a proteção aos direitos<br />

das crianças e adolescentes.<br />

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v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 11-22<br />

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22<br />

Adailson da Silva Moreira; Adriana Rafaela Ribeiro<br />

PARENTAL ALIENATION: WHEN NOT DESIGNS<br />

THE MOURNING OF SEPARATION<br />

ABSTRACT: This study addresses the delicate issue of parental alienation, a subject that is attracting the attention<br />

of many researchers from various fields, given the catastrophic effects that cause children and adolescents victims<br />

of this phenomenon that may go unnoticed, including the installation of so-called syndrome Parental Alienation,<br />

which to be effective, can cause irreversible consequences, both the child and parents, whether the or the seller<br />

sold. Thus, it presents the various characteristic features of the process of alienation, since its inception, beginning<br />

in the context of separation and dispute over the custody of the children, even the provision of measures to be<br />

taken by lawyers, in order to accomplish the protection of minors in the midst of conflicts caused by the process.<br />

KEYWORDS: Parental alienation; child custody; separation; syndrome.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 11-22


DEMOCRACIA E SOCIEDADE:<br />

AVANÇOS E LIMITES DA CIDADANIA NO BRASIL<br />

José Henrique Singolano Néspoli 1<br />

RESUMO: Na interpretação da história do Brasil, importantes intelectuais brasileiros concordam que a ideia<br />

de d<strong>em</strong>ocracia não t<strong>em</strong> grande enraizamento no país, n<strong>em</strong> nas relações cotidianas da sociedade e muito menos<br />

na condução das questões de Estado. No entanto, durante o período da Transição D<strong>em</strong>ocrática (1974-1989),<br />

ocorreram mudanças na sociedade brasileira que provocaram a <strong>em</strong>ergência de uma nova cultura política, formando<br />

um amplo consenso <strong>em</strong> torno do regime d<strong>em</strong>ocrático ao final daquele período. Contudo, o estudo da atual<br />

experiência d<strong>em</strong>ocrática brasileira t<strong>em</strong> confirmado o prognóstico de que a efetivação dos direitos e da cidadania<br />

que esse regime propõe encontra seus limites nas desigualdades sociais, que se configuram <strong>em</strong> obstáculos para a<br />

participação política da sociedade.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Ciência política; cultura política; d<strong>em</strong>ocracia no Brasil; relação Estado e sociedade.<br />

Introdução<br />

Duas décadas após ser instaurado, ainda hoje, pairam<br />

sérias dúvidas quanto à efetividade ou concretude do<br />

regime d<strong>em</strong>ocrático no Brasil. Vinte anos se passaram<br />

desde o retorno da d<strong>em</strong>ocracia e ainda é b<strong>em</strong> clara<br />

a distância que separa o Brasil legal do Brasil real. A<br />

reflexão sobre a experiência d<strong>em</strong>ocrática brasileira t<strong>em</strong><br />

levado muitos pesquisadores a afirmar<strong>em</strong> que para o<br />

bom funcionamento da d<strong>em</strong>ocracia num país, não basta<br />

uma legislação favorável à d<strong>em</strong>ocracia. Cada vez mais<br />

os pesquisadores se convenc<strong>em</strong> de que a efetivação do<br />

regime d<strong>em</strong>ocrático requer além de leis. É necessário<br />

um conjunto de condições e comportamentos que lhe<br />

seja afim. Em outras palavras, afirmam que para existir<br />

d<strong>em</strong>ocracia não basta o Estado D<strong>em</strong>ocrático de Direito,<br />

é necessário que haja também a cidadania.<br />

A reflexão sobre cidadania implica, portanto, numa<br />

ideia de d<strong>em</strong>ocracia que atribui papel fundamental à<br />

forma de relação que se estabelece entre sociedade<br />

e Estado. Essa concepção, segundo a qual o regime<br />

d<strong>em</strong>ocrático requer uma contrapartida da sociedade,<br />

está longe de ser uma novidade no pensamento político<br />

brasileiro. Na verdade, ela r<strong>em</strong>onta a uma longa tradição<br />

de interpretação do Brasil, expressa na preocupação<br />

que muitos intelectuais tiveram de estudar as relações<br />

entre d<strong>em</strong>ocracia e sociedade na história do país.<br />

Dos clássicos como Oliveira Vianna e Sérgio Buarque<br />

de Hollanda, passando por Florestan Fernandes e<br />

pela teoria da dependência de Fernando Henrique<br />

Cardoso até autores mais recentes como Octavio Ianni,<br />

José Álvaro Moisés e Francisco Werffot, todos eles<br />

abordaram, de maneira direta ou indireta, o t<strong>em</strong>a das<br />

bases sociais e políticas do regime d<strong>em</strong>ocrático no Brasil<br />

(MOTA, 2001). Tendo <strong>em</strong> vista as diversas ditaduras e<br />

tentativas de golpes que marcaram a política brasileira<br />

no século XX, esses pensadores preocupavam-se <strong>em</strong><br />

examinar as possibilidades da d<strong>em</strong>ocracia se consolidar<br />

no país ou, ao contrário, se seria a d<strong>em</strong>ocracia no Brasil<br />

uma ideia fora de lugar.<br />

Entre os clássicos da literatura política nacional,<br />

estabeleceu-se certo consenso quanto à ausência de<br />

uma cultura d<strong>em</strong>ocrática enraizada no Brasil. Afirmam<br />

que a cidadania brasileira teria sido imposta pelo Estado<br />

à sociedade, fruto de um lento e gradativo processo de<br />

concessão de direitos políticos e sociais ao longo das<br />

décadas de 1930 a 1960. Essa característica fundamental<br />

da forma de inclusão das camadas populares ao sist<strong>em</strong>a<br />

político brasileiro, o fato de a cidadania ter vindo “de<br />

cima para baixo”, trouxe como consequência um déficit,<br />

uma atrofia do componente participativo da cidadania<br />

brasileira, importando riscos para a institucionalização<br />

e consolidação da d<strong>em</strong>ocracia, b<strong>em</strong> como dificuldades<br />

para operacionalização e efetivação dos direitos que o<br />

regime d<strong>em</strong>ocrático postula (CARVALHO, 2OO2).<br />

A interpretação da história do Brasil que os clássicos<br />

apresentam caracteriza, por um lado, a sociedade<br />

brasileira como um ente “amorfo” e estático, incapaz<br />

de se organizar e, portanto, de definir o sentido de sua<br />

interação com a esfera pública, enquanto o Estado, por<br />

sua vez, desfrutaria de um alto grau de autonomia política<br />

e administrativa diante da sociedade (MOISÉS, 1995).<br />

A debilidade da cidadania brasileira decorreria,<br />

segundo essa interpretação, do modelo de<br />

1 Mestre <strong>em</strong> História pela Universidade do Estado de São Paulo (UNESP-Franca); professor de Sociologia no curso de Administração da Universidade do Estado<br />

de Minas Gerais (UEMG - Campus de Frutal), Avenida Professor Mário Palmério, 1001 – CEP 38200-000 – Frutal – MG – E-mail: josenespoli@hotmail.com<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 23-28<br />

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desenvolvimento do capitalismo adotado no Brasil 2 . Esse<br />

modelo caracteriza-se por duas tendências. Primeiro,<br />

pelo fortalecimento do Estado <strong>em</strong> detrimento da<br />

sociedade civil. Segundo, pela prática da “transformação<br />

pelo alto”, modalidade de desenvolvimento histórico<br />

que implica a exclusão das massas populares das<br />

decisões fundamentais. Assim, a sociedade brasileira<br />

sofreu o peso de uma ideologia autoritária fort<strong>em</strong>ente<br />

diss<strong>em</strong>inada por toda a população, manifesta num<br />

conjunto de práticas que combinam valores oligárquicos<br />

e estatais que limitaram a intervenção da sociedade<br />

civil na política (COUTINHO, 1988). Tal configuração<br />

político-cultural asseguraria aos dirigentes do Estado<br />

margens excessivamente amplas de atuação a salvo de<br />

mecanismos de controle da sociedade.<br />

Resultados e discussão<br />

Não obstante, importantes transformações<br />

ocorridas durante as últimas três décadas do século<br />

XX levaram alguns autores, ainda que comprometidos<br />

com a concepção de d<strong>em</strong>ocracia presente nos<br />

clássicos, a afirmar<strong>em</strong> alterações no comportamento<br />

dos brasileiros que levariam a vigência de um novo<br />

padrão de relacionamento entre Estado e sociedade.<br />

As transformações apontavam para um fortalecimento<br />

do nível de organização e mobilização da sociedade,<br />

fenômeno que foi interpretado como um grande<br />

incr<strong>em</strong>ento da cidadania no Brasil.<br />

Segundo os autores do final do século XX, como<br />

Carlos Nelson Coutinho (1988), Francisco Weffort<br />

(1992), Eder Sader (1988), Evelina Dagnino (2002), que<br />

acompanharam esse processo, as transformações pelas<br />

quais a sociedade brasileira passou naquele período<br />

teriam alterado o padrão tradicional de relacionamento<br />

entre Estado e sociedade no Brasil. Essa alteração teve<br />

início com fortalecimento da sociedade civil ocorrido<br />

durante a década de 1970, como fruto e reação ao projeto<br />

de desenvolvimento imposto pelo Regime Militar (1964-<br />

85), que consistia num amplo processo de modernização<br />

impl<strong>em</strong>entado sob uma forma política autoritária.<br />

As mudanças desencadeadas pelo Regime Militar,<br />

com destaque para o “milagre econômico” (1968-<br />

1974), alteraram significativamente e de forma bastante<br />

acelerada a morfologia da sociedade brasileira. A<br />

população se deslocou para as grandes e médias cidades,<br />

passando a estrutura d<strong>em</strong>ográfica do país de rural a<br />

urbana; a industrialização ganhou um impulso de grandes<br />

proporções, baseado na intervenção estatal e na entrada<br />

<strong>em</strong> massa das multinacionais, resultando no surgimento de<br />

novas camadas sociais; somando-se a isso, a experiência do<br />

terror de Estado despertou amplas camadas da população<br />

para as virtudes da d<strong>em</strong>ocracia e para a organização da<br />

sociedade civil. Enfim, o país se modernizou, tornando-se<br />

uma sociedade imensamente mais complexa do que era<br />

antes do Golpe de 64 (VIANNA, 1997).<br />

A ampliação da divisão social do trabalho e a<br />

urbanização decorrente do esforço modernizador<br />

do Regime Militar acarretaram um aumento da<br />

diversidade de interesses na vida política do país. Isso<br />

acabou se constituindo <strong>em</strong> fator de desestabilização<br />

do regime à medida que suscitava expectativas e<br />

d<strong>em</strong>andas novas, mais complexas e mais volumosas <strong>em</strong><br />

relação ao papel do poder público, e isso justamente<br />

a partir de um momento <strong>em</strong> que era declinante a<br />

capacidade de acomodação do sist<strong>em</strong>a econômico<br />

devido à crise do petróleo de 1973 3 . Sendo assim, o<br />

Regime Militar tornou-se incapaz de cooptar política<br />

ou economicamente os setores da sociedade que até<br />

então lhe havia dado sustentação, o que deu início a<br />

uma forte crise de legitimidade do regime.<br />

Por fora das instituições tradicionais de agr<strong>em</strong>iação da<br />

população, como partidos, câmaras legislativas, sindicatos<br />

e associações de massa, naquele período, começaram<br />

a surgir uma série de organizações independentes que<br />

buscavam manifestar as d<strong>em</strong>andas sociais reprimidas<br />

pelos militares. A <strong>em</strong>ergência desses movimentos sociais<br />

foi decorrente das condições de repressão extr<strong>em</strong>ada<br />

contra a expressão política dos interesses populares, sendo<br />

que o bloqueio dos canais institucionais de representação<br />

causou o aparecimento de múltiplas organizações isoladas<br />

e fragmentadas, porém espalhadas por todo o tecido da<br />

sociedade civil (SADER, 1988).<br />

O fato é que durante a década de 1970, surgiram<br />

ou renovaram-se centenas de associações não<br />

imediatamente vinculadas a partidos políticos, mas que<br />

articulavam e davam identidade a grupos de pessoas,<br />

influenciavam seus comportamentos e veiculavam<br />

interesses. Um olhar sociológico sobre essas<br />

associações permite perceber que nesse processo de<br />

organização da sociedade brasileira - ao contrário do<br />

que ocorreu na Europa, onde os movimentos sociais<br />

da década de 1970 foram heg<strong>em</strong>onizados por grupos<br />

de classe média, como o ecologista ou o hippismo -<br />

2 O padrão ou modelo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil recebeu diversas denominações. Florestan Fernandes denomina-o de Capitalismo<br />

Dependente, enquanto Carlos Nelson Coutinho e os gramscianos tratam-no como Modernização Conservadora. São apenas dois ex<strong>em</strong>plos dentre vários.<br />

No entanto, apesar das diferenças, mantêm certa unidade quanto aos aspectos acima citados.<br />

3 As elevações do preço do petróleo acarretaram uma severa recessão na economia mundial, diminuindo, sobr<strong>em</strong>aneira, o volume de reservas monetárias<br />

internacionais disponíveis para <strong>em</strong>préstimos. O Brasil, sendo o terceiro maior importador mundial de petróleo e o maior devedor entre os países <strong>em</strong><br />

desenvolvimento, foi atingido duramente por essa crise energética. Surgia assim, inevitavelmente, uma profunda ameaça ao crescimento econômico devido<br />

ao forte crescimento das despesas com a importação de petróleo.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 23-28<br />

José Henrique Singolano Néspoli


predominaram as organizações de cunho mais popular,<br />

como as comunidades eclesiais de base, os movimentos<br />

de bairro e o novo sindicalismo operário.<br />

Para Singer e Brant (1980), os movimentos sociais<br />

apresentaram-se como base para uma d<strong>em</strong>ocratização<br />

da sociedade devido às formas participativas de<br />

organização que conseguiam difundir e à noção ativa<br />

de cidadania que promoviam. O aparecimento dos<br />

movimentos sociais trouxe novas formas de atuação<br />

no campo da política brasileira, posicionamentos que<br />

apontavam no sentido de exigir maior d<strong>em</strong>ocratização<br />

tanto das instituições públicas como das práticas sociais<br />

cotidianas. Essa nova cultura política era identificada<br />

<strong>em</strong> atitudes e discursos que enfatizavam a ação e a<br />

participação coletivas, os procedimentos da “d<strong>em</strong>ocracia<br />

de base” e a luta pela efetivação dos direitos sociais<br />

básicos do cidadão (BRANT; SINGER, 1980).<br />

O Regime Militar, sobretudo depois do AI-5, buscou<br />

por todos os meios quebrar os organismos autônomos<br />

da sociedade civil, contribuindo para desequilibrar<br />

a relação entre Estado e sociedade civil <strong>em</strong> favor do<br />

primeiro. Entretanto, a sociedade civil - <strong>em</strong>bora por<br />

vezes duramente reprimida - conservou uma marg<strong>em</strong><br />

de autonomia diante do Estado, mais que isso, cresceu<br />

e se diversificou a partir de meados dos anos de 1970,<br />

quando um forte movimento de auto-organização<br />

envolveu os operários, camponeses, mulheres, jovens,<br />

camadas médias, intelectuais e até mesmo setores da<br />

burguesia (COUTINHO, 1988). Principalmente a partir<br />

do contexto de crise de legitimidade do Regime Militar,<br />

a sociedade civil brasileira voltou à luz heg<strong>em</strong>onizada<br />

por um amplo arco de forças antiditatoriais que abrangia<br />

da esquerda até alguns segmentos conservadores.<br />

A luta contra a ditadura se desdobrou num<br />

intenso movimento de organização da sociedade <strong>em</strong><br />

associações que <strong>em</strong>ergiram fora da tutela do Estado,<br />

sendo que o surgimento dos diversos movimentos<br />

sociais expressava a crescente heterogeneidade e<br />

complexidade da sociedade brasileira. O intenso<br />

associativismo que caracterizou o período da Transição<br />

D<strong>em</strong>ocrática (1974-85) trouxe uma nova forma de<br />

conceber a cidadania que muito colaborou para fundar<br />

uma relação mais equilibrada entre Estado e sociedade<br />

(COUTINHO, 1988; VIANNA, 1989).<br />

Contudo, nos anos de 1980, a sociedade brasileira<br />

deu grandes d<strong>em</strong>onstrações de sua nova capacidade<br />

de organização e mobilização. Durante tal período, o<br />

Brasil passa por uma profunda reformulação <strong>em</strong> sua<br />

vida partidária, extingui-se o bipartidarismo da ditadura<br />

e surg<strong>em</strong> novos partidos, muitos com profundo<br />

enraizamento <strong>em</strong> todo o território nacional. Com<br />

destaque especial para criação do PT <strong>em</strong> 1980, e do<br />

PSDB <strong>em</strong> 1988, partidos que atualmente heg<strong>em</strong>onizam<br />

D<strong>em</strong>ocracia e sociedade: avanços e limites da cidadania no Brasil<br />

o cenário político brasileiro. Além da organização<br />

de diversos partidos políticos, que são as principais<br />

organizações representativas da sociedade, durante<br />

a década de 1980, ocorreu a formação de alguns<br />

movimentos sociais também articulados <strong>em</strong> todo o país<br />

e que são personagens constantes na vida política do<br />

Brasil: a organização da Central Única dos Trabalhadores<br />

(CUT) <strong>em</strong> 1983, da Central Geral dos Trabalhadores<br />

(CGT) <strong>em</strong> 1986, e do Movimento dos Trabalhadores<br />

Rurais S<strong>em</strong> Terra (MST) <strong>em</strong> 1984. Essas eram provas<br />

de que a força de mobilização da sociedade estava<br />

aumentando (RODRIGUES, 2OO1).<br />

Porém, <strong>em</strong> termos de mobilização, nada se compara<br />

à campanha “Diretas-já” ocorrida entre janeiro e abril de<br />

1984. Ela foi o maior movimento político de massas que<br />

o país vira e conseguiu agregar as insatisfações de diversos<br />

grupos sociais contra o Regime Militar, visando pressionar<br />

o governo e sua base congressista, o comitê nacional<br />

da campanha realizou diversos comícios nas capitais e<br />

principais cidades do Brasil, trazendo às ruas milhões de<br />

pessoas para exigir o retorno das eleições diretas para<br />

presidente da República. O movimento de massa <strong>em</strong><br />

favor das “Diretas” des<strong>em</strong>penhou um papel decisivo na<br />

derrota da ditadura militar e culminou no processo de<br />

afirmação de uma sociedade civil forte e autônoma, s<strong>em</strong><br />

a qual a elaboração da Constituição de 1988 teria ficado<br />

b<strong>em</strong> diferente (RODRIGUES, 2001). Ou seja, o sufrágio<br />

universal e outros mecanismos legais de participação<br />

do cidadão na gestão do Estado foram conquistas dessa<br />

nova configuração da sociedade, rompendo com as<br />

características autocráticas do Estado brasileiro.<br />

No Brasil, a transição do autoritarismo para a<br />

d<strong>em</strong>ocracia não durou menos do que 15 anos, se tomada<br />

como ponto de partida a liberalização iniciada pelo<br />

governo Geisel <strong>em</strong> 1974 e como ponto final as eleições<br />

presidenciais diretas de 1989. Acontece que realizada a<br />

transição para o atual regime d<strong>em</strong>ocrático, era a primeira<br />

vez na história republicana que se fazia possível a<br />

d<strong>em</strong>ocratização do espaço público com seus numerosos<br />

instrumentos de intervenção no econômico e no social.<br />

O amplo processo constituinte (1986-88) e o sufrágio<br />

universal romp<strong>em</strong> com a marca de modernização s<strong>em</strong><br />

participação da história política brasileira. E com isso,<br />

estabeleceu-se no Brasil uma relação mais equilibrada<br />

entre Estado e sociedade, sendo que a instauração do<br />

sufrágio universal tornou o Estado muito mais permeável<br />

aos interesses da comunidade nacional como um todo,<br />

diminuindo a autonomia do Estado.<br />

Não há dúvida de que a nova ord<strong>em</strong> institucional<br />

promoveu uma ampliação dos direitos sociais e<br />

políticos individuais. Os direitos políticos passaram a<br />

incluir a liberdade de se organizar <strong>em</strong> partidos políticos<br />

e a de utilizar os meios de comunicação <strong>em</strong> campanhas<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 23-28<br />

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26<br />

eleitorais. Os direitos sociais também foram estendidos,<br />

com a equiparação dos direitos dos trabalhadores rurais<br />

aos dos trabalhadores urbanos e, pela primeira vez na<br />

Constituição brasileira, o irrestrito direito de greve para<br />

os trabalhadores. Portanto, a despeito do desfecho<br />

conservador da transição d<strong>em</strong>ocrática brasileira, decidida<br />

no Colégio Eleitoral, a nova Constituição de 1988 criou<br />

as condições institucionais necessárias para uma profunda<br />

d<strong>em</strong>ocratização da esfera pública brasileira.<br />

O surgimento cada vez maior de uma série de<br />

organizações autônomas, como associações, sindicatos,<br />

partidos etc., que se constituíam <strong>em</strong> corpos intermediários<br />

de agr<strong>em</strong>iação de interesses, foram alterando o modelo<br />

de representação fundado na relação direta indivíduo/<br />

Estado. O poder, que havia ocupado quase exclusivamente<br />

o campo das instituições públicas (Estado), ganhou amplos<br />

espaços na sociedade, que aprende a se organizar nas mais<br />

variadas manifestações. Uma sociedade organizada é um<br />

sinal de maturidade política, sendo que um fenômeno típico<br />

das sociedades modernas é a <strong>em</strong>ancipação da sociedade<br />

civil diante do Estado (VIANNA, 1989).<br />

Dagnino (2002) concorda que a impl<strong>em</strong>entação<br />

do atual regime d<strong>em</strong>ocrático permitiu uma ampla<br />

participação de diferentes atores e forças sociais nas<br />

instituições políticas do país, de modo que a política<br />

brasileira na década de 1990 caracterizou-se pelos<br />

encontros e parcerias entre Estado e sociedade<br />

envolvidos no planejamento e na execução conjunta de<br />

políticas públicas (DAGNINO, 2002).<br />

Apesar de tais avanços, o moderno regime<br />

d<strong>em</strong>ocrático se sobrepôs a uma sociedade marcada<br />

pela extr<strong>em</strong>a desigualdade social. Uma característica<br />

presente na história da sociedade brasileira a ponto<br />

de dificultar a incorporação de importantes el<strong>em</strong>entos<br />

da cultura d<strong>em</strong>ocrática. O cientista político Hélio<br />

Jaguaribe, <strong>em</strong> 1986, estimava que dos 52,4 milhões de<br />

brasileiros que constituíam a população politicamente<br />

ativa, a maioria concentrava-se nas faixas salariais mais<br />

baixas. Incluindo-se os trabalhadores não assalariados,<br />

64% da população economicamente ativa vivia <strong>em</strong><br />

níveis que variavam da miséria (um salário mínimo ou<br />

menos) à extr<strong>em</strong>a pobreza (até dois salários mínimos)<br />

(WEFFORT, 1992).<br />

Buscando avaliar o impacto das condições sociais<br />

na vida política brasileira, José Álvaro Moisés analisa<br />

uma pesquisa de opinião pública realizada <strong>em</strong> 1989<br />

que indagava sobre “preferência por regime político<br />

no Brasil”. Em sua análise, Moisés salienta que, quando<br />

indagada sobre o regime político de preferência, as<br />

camadas mais pobres da população apresentaram uma<br />

posição de indiferença e passividade diante da questão.<br />

De tal forma que as respostas relativas ao regime<br />

político de preferência foram principalmente “tanto<br />

faz” e “não sabe”, opiniões que englobavam 37% do<br />

universo pesquisado (22% e 15% respectivamente)<br />

contra 43% a favor da d<strong>em</strong>ocracia e 18% a favor<br />

da ditadura 4 . Dessa forma, o consenso quanto ao<br />

regime d<strong>em</strong>ocrático evidenciava grande fragilidade na<br />

sociedade encarnada nas parcelas mais miseráveis da<br />

população, que, vivendo a incerteza quanto ao amanhã,<br />

estavam sendo lesadas nas suas condições básicas de<br />

exercício cidadão (MOISÉS, 1995).<br />

Essas mudanças políticas ocorridas durante o<br />

período da transição (1974-89) encontraram, assim,<br />

um limite b<strong>em</strong> claro nos efeitos das desigualdades da<br />

sociedade brasileira e nos resultados da ação claramente<br />

insuficiente das lideranças políticas que comandaram a<br />

d<strong>em</strong>ocratização do país. Esses fatores não impediram que<br />

as transformações político-culturais se desencadeass<strong>em</strong>,<br />

mas dificultaram sensivelmente a sua generalização na<br />

sociedade e enfraqueceram componentes importantes<br />

da cultura d<strong>em</strong>ocrática <strong>em</strong> formação no país, distanciando<br />

os segmentos mais pobres da população das atividades<br />

políticas relevantes (WEFFORT, 1992).<br />

Conclusão<br />

Weffort (1992) define o atual regime d<strong>em</strong>ocrático<br />

brasileiro como um “sist<strong>em</strong>a dual”. Para aqueles que estão<br />

dentro, isto é, para o grupo economicamente dominante,<br />

assim como para outros segmentos organizados da<br />

sociedade, há um regime político competitivo com ampla<br />

abertura e igualdade de oportunidades. Para os que ficam<br />

de fora, para os marginalizados que são muito pobres e<br />

incapazes de se organizar, resta apenas tornar<strong>em</strong>-se objeto<br />

de manipulação política. Não são marginalizados por<br />

nenhum tipo de restrição institucional, mas pelas próprias<br />

condições sociais, políticas e culturais <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong> e que<br />

os transformam <strong>em</strong> massas amorfas (WEFFORT, 1992).<br />

Segundo o mesmo autor, outro fator que debilita<br />

a intervenção da sociedade na política deve-se a uma<br />

concepção de participação associada basicamente<br />

ao processo eleitoral, uma concepção de cidadania<br />

diss<strong>em</strong>inada pela sociedade e que permite ainda um alto<br />

grau de distanciamento do Estado frente à sociedade<br />

- muito mais se observado num contexto de extr<strong>em</strong>a<br />

pobreza.<br />

Assim, os limites e os avanços da cidadania no Brasil<br />

passam pelo enfrentamento das profundas desigualdades<br />

que marcam a sociedade brasileira.<br />

4 Dados mais recentes, publicados pela instituição O Latinobarómetro, indicam que, <strong>em</strong> 2007, apenas 30% dos brasileiros declararam-se satisfeitos com a<br />

d<strong>em</strong>ocracia e apenas 43% apoiaram esse regime político.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 23-28<br />

José Henrique Singolano Néspoli


Referências<br />

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DAGNINO, E. (Org.) Sociedade civil e espaços públicos<br />

no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.<br />

MOISÉS, J. Á. Os brasileiros e a d<strong>em</strong>ocracia: bases<br />

sócio-políticas da legitimidade d<strong>em</strong>ocrática. São Paulo:<br />

Ática, 1995.<br />

MOTA, L. D. (Org.). Introdução ao Brasil: um banquete<br />

no trópico. 3. ed. São Paulo: Editora Senac, 2001.<br />

RODRIGUES, M. A década de 80 – Brasil: quando a<br />

multidão voltou às praças. 3. ed. São Paulo: Editora<br />

Ática, 2001.<br />

SADER, E. Quando novos personagens entraram <strong>em</strong><br />

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São Paulo (1970-1980). Rio de Janeiro: Paz e Terra,<br />

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SINGER, P.; BRANT, V. C. (Org.). São Paulo: o povo <strong>em</strong><br />

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VIANNA, L. W. A transição: da constituinte à sucessão<br />

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WEFFORT, F. C. Qual d<strong>em</strong>ocracia? São Paulo:<br />

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D<strong>em</strong>ocracia e sociedade: avanços e limites da cidadania no Brasil<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 23-28<br />

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DEMOCRACY AND SOCIETY:<br />

ADVANCES AND LIMITS OF CITIZENSHIP IN BRAZIL<br />

ABSTRACT: In the interpretation of Brazil, set up some agre<strong>em</strong>ent among leading Brazilian intellectuals of the<br />

fact that the idea of d<strong>em</strong>ocracy has no strong roots in country, nor in daily relations of society, much less in<br />

conducting the affairs of state. However, during the D<strong>em</strong>ocratic Transition (1974-1989) there were changes in<br />

Brazilian society that led to the <strong>em</strong>ergence of a new political culture in the country, forming the end of this period<br />

a broad consensus around the d<strong>em</strong>ocratic regime. However, the study of the current d<strong>em</strong>ocratic experience in<br />

Brazil has confirmed the prediction that the enforc<strong>em</strong>ent of rights and citizenship that this sch<strong>em</strong>e suggests, finds<br />

its limits in the social inequalities that constitute barriers to participation in political society.<br />

KEYWORDS: Political sience; political culture; d<strong>em</strong>ocracy in Brazil; state-society relationship.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 23-28<br />

José Henrique Singolano Néspoli


A INFLUÊNCIA DO DIREITO ROMANO NO DIREITO<br />

OCIDENTAL: BREVES CONSIDERAÇÕES<br />

André Gimenez 1 ; Sílvia Araújo Dettmer 2 ; Willian Diego de Almeida 3<br />

RESUMO: Ao buscar compreender os sist<strong>em</strong>as jurídicos atuais, torna-se essencial o estudo do direito romano.<br />

Verifica-se que os institutos jurídicos da civilização romana foram importantes para a feitura e desenvolvimento<br />

de ordens jurídicas de vários países que o incorporaram de forma expressa e sist<strong>em</strong>ática <strong>em</strong> seu direito pátrio.<br />

Outros sist<strong>em</strong>as jurídicos oriundos de civilizações antigas surgiram s<strong>em</strong> exercer influências na legislação moderna.<br />

No tocante a doutrina jurídica, Lopes (2008), Giordani (1996) e Alves (1995) enfocam que não há outra legislação<br />

que se equipara ao direito romano como instrumento de educação jurídica, laboratório e notável campo de<br />

observação do fenômeno jurídico <strong>em</strong> todos os seus aspectos. Os autores destacam o legado jurídico romano que<br />

se organizou sob o império de Justiniano. Assim, este trabalho objetiva analisar a compilação de Justiniano, que<br />

continua a refletir-se nos sist<strong>em</strong>as jurídicos ocidentais como expressão da vida jurídico-social do povo que formou<br />

o mais organizado império do mundo antigo.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Direito; Roma; ocidente.<br />

Introdução<br />

Este trabalho busca analisar pontos relevantes do<br />

direito romano e seus aspectos históricos a partir da<br />

compilação do imperador Justiniano, no século VI da<br />

era cristã, precisamente entre 527 a 565 d.C. Essa<br />

obra legislativa conhecida universalmente como Corpus<br />

iuris civilis resultou da função pública de preservação da<br />

tradição romana pelos jurisconsultos no decorrer de<br />

todo o Império Romano e, de forma mais específica, da<br />

comissão dirigida por Triboniano.<br />

A preocupação com essa t<strong>em</strong>ática surgiu a partir da<br />

leitura da obra A construção da ord<strong>em</strong>, do historiador José<br />

Murilo de Carvalho, que ao discorrer sobre a formação<br />

do Estado imperial brasileiro no século XIX, retratou<br />

a influência do direito romano no primeiro código<br />

legal redigido na Europa: o Código Afonsino, de 1446.<br />

Ressalta-se aqui que na primeira metade do século XIX,<br />

<strong>em</strong> Portugal, na Universidade de Coimbra, encontravase<br />

uma elite brasileira sist<strong>em</strong>aticamente treinada,<br />

sobretudo, no curso de direito, sendo que o direito<br />

ensinado era profundamente influenciado pela tradição<br />

romanista trazida de Bolonha.<br />

Dessa forma, ao buscar compreender os sist<strong>em</strong>as<br />

jurídicos atuais, observa-se a indispensabilidade do estudo<br />

do direito romano. Verifica-se que os institutos jurídicos<br />

do passado, especificamente no que concerne à queda<br />

do Império Romano e a ascensão do Império Bizantino,<br />

foram importantes para a feitura e desenvolvimento de<br />

ordens jurídicas de vários países que o incorporaram<br />

de forma expressa e sist<strong>em</strong>ática <strong>em</strong> seu direito pátrio.<br />

Assim, entende-se que o direito romano oferece um<br />

ciclo jurídico completo, constituindo até hoje a maior<br />

fonte originária de inúmeros institutos jurídicos. Roma<br />

é tida como síntese da sociedade antiga, representando<br />

um elo entre o mundo antigo e o moderno (PRADO;<br />

BITENCOURT, 1995, p. 20).<br />

Outros sist<strong>em</strong>as jurídicos oriundos de civilizações<br />

antigas surgiram s<strong>em</strong> exercer influências na legislação<br />

moderna. A compilação de Justiniano, ao contrário,<br />

continua a refletir-se nos sist<strong>em</strong>as jurídicos ocidentais<br />

como expressão da vida jurídico-social do povo que<br />

formou o mais organizado império do mundo antigo.<br />

Fundamenta-se este trabalho nos estudos realizados<br />

por Lopes (2008), Giordani (1996) e Alves (1995).<br />

Esses autores traz<strong>em</strong> <strong>em</strong> seu conteúdo que não há<br />

outra legislação que se equipara ao direito romano como<br />

instrumento de educação jurídica, laboratório e notável<br />

campo de observação do fenômeno jurídico <strong>em</strong> todos os<br />

seus aspectos, destacando o legado jurídico romano que<br />

se organizou sob o império de Justiniano.<br />

Generalidades<br />

A relevância da história volta a ter um lugar nos<br />

cursos jurídicos depois de várias décadas de abandono.<br />

1 Graduando <strong>em</strong> Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) - Campus de Três Lagoas. Bolsista voluntário do PIBIC/CNPq. Avenida<br />

Ranulpho Marques Leal, 3.484. Cep: 79620-080. Três Lagoas - Mao Grosso do Sul. Email: andregimeneznet@hotmail.com;<br />

2 Professora mestre do curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) - Campus de Três Lagoas. Avenida Ranulpho Marques Leal,<br />

3.484. Cep: 79620-080. Três Lagoas - Mao Grosso do Sul. E-mail: silviadettmer@globo.com<br />

3 Graduado <strong>em</strong> Letras e Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) - Campus de Três Lagoas. Bolsista do PIBIC/CNPq. Avenida<br />

Ranulpho Marques Leal, 3.484. Cep: 79620-080. Três Lagoas - Mao Grosso do Sul. E-mail: wdatls@bol.com.br.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 29-38<br />

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30<br />

A razão de ser desse interesse renovado v<strong>em</strong> da<br />

situação de mudanças sociais pelas quais passa a<br />

sociedade neste início do século XXI. E, <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos<br />

de crise, uma sociedade volta seu olhar para o próprio<br />

passado, procurando algum sinal (LOPES, 2008, p. 2)<br />

Os processos de mudança social e seu impacto sobre<br />

o direito originaram um interesse crítico na civilização<br />

romana, especialmente nas instituições do direito<br />

romano. Nesse conjunto de normas jurídicas que<br />

regeram a sociedade romana desde a fundação de Roma<br />

até o ano de 565 d.C., quando ocorreu a morte do<br />

imperador Justiniano, está inserido horizontes habituais<br />

das pessoas. Sua autoridade reside na profunda revolução<br />

interna, na transformação completa que causou <strong>em</strong> todo<br />

pensamento jurídico (GIORDANI, 1968).<br />

O direito é uma constante <strong>em</strong> todo agrupamento<br />

humano, b<strong>em</strong> como na história de todos os povos<br />

que s<strong>em</strong>pre foram governados por um sist<strong>em</strong>a de lei.<br />

Embora o Império Romano tenha deixado de existir<br />

e, por consequência, suas normas tenham perdido a<br />

vigência, destaca-se a completude do legado jurídico<br />

romano compilado por Justiniano.<br />

Toda cultura possui um aspecto normativo que engloba<br />

os padrões, regras e valores que caracterizam modelos<br />

de conduta. Esse aspecto d<strong>em</strong>onstra a tentativa de cada<br />

sociedade de assegurar uma determinada ord<strong>em</strong> social,<br />

utilizando-se de normas de regulamentação.<br />

Vê-se então que o direito é “a forma específica de<br />

controle social nas sociedades complexas. Trata-se<br />

de um controle formal, determinado por normas de<br />

conduta [...]” (SABADELL, 2005, p. 147).<br />

Da mesma forma, certos modos de agir <strong>em</strong> sociedade<br />

transformam-se <strong>em</strong> condutas humanas valoradas<br />

historicamente e constitu<strong>em</strong>-se <strong>em</strong> fundamento do existir<br />

comunitário, formando os el<strong>em</strong>entos constitucionais do<br />

grupo social, que se revelam como preceitos normativos<br />

fundamentais (SILVA, 2005, p. 39).<br />

Assim, a compilação de Justiniano, estudado <strong>em</strong> toda<br />

a Europa desde o século XII e aceito oficialmente na<br />

Al<strong>em</strong>anha <strong>em</strong> fins do século XV, teve grande influência<br />

na formação do direito atual e refletiu na redação dos<br />

modernos códigos, <strong>em</strong> especial no código civil francês<br />

(1804) e no al<strong>em</strong>ão (1900). Além disso, na Escócia e na<br />

África do Sul, até há pouco t<strong>em</strong>po, o direito romano<br />

encontrava-se quase integralmente aplicado.<br />

Salienta-se que todo estudo de direito comparado<br />

<strong>em</strong> nossa época é fundamentado <strong>em</strong> institutos que<br />

r<strong>em</strong>ontam à civilização romana. Caracterizando-se,<br />

dessa forma, como estudo indispensável para a formação<br />

do jurista, visto que <strong>em</strong> Roma, pontificaram-se alguns<br />

mestres do direito. E não se pode “desconsiderar a<br />

presença de um direito entre povos que possuíam<br />

formas de organização social e política primitivas s<strong>em</strong><br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 29-38<br />

André Gimenez; Sílvia Araújo Dettmer; Willian Diego de Almeida<br />

o conhecimento da escrita” (WOLKMER, 1996, p. 18).<br />

Aplica-se aqui o entendimento de Holmes:<br />

O direito incorpora a história do desenvolvimento<br />

de uma nação no curso de muitos séculos [...].<br />

Para saber o que é direito, t<strong>em</strong>os de saber o<br />

que foi e o que tende a ser. Dev<strong>em</strong>os consultar<br />

a história e as teorias existentes sobre a legislação<br />

(HOLMES, 1967).<br />

Na atualidade, o direito ocidental é dividido <strong>em</strong> duas<br />

grandes famílias, dois grandes sist<strong>em</strong>as: o da tradição<br />

romano-germânica, também referida como civil law,<br />

baseado, sobretudo, <strong>em</strong> normas escritas no direito<br />

legislado. E o segundo é o common law ou direito<br />

costumeiro originário do direito inglês, que sofreu menor<br />

influência do direito romano e desenvolveu um sist<strong>em</strong>a<br />

baseado nas decisões de juízes e tribunais, consistindo<br />

o direito vigente no conjunto de precedentes judiciais.<br />

Nas últimas décadas, verificou-se a ascensão do papel<br />

da lei escrita nos países do common law e, do mesmo<br />

passo, a valorização da jurisprudência, isto é, dos<br />

precedentes judiciais no mundo romano-germânico,<br />

inclusive no Brasil (BARROSO, 2009).<br />

O direito <strong>em</strong> Roma<br />

A história de Roma abrange muitos séculos. São<br />

períodos consideráveis <strong>em</strong> que as mudanças e as<br />

particularidades são muitas. Desde aproximadamente<br />

o século II a.C. até o final do Império percorreram-se<br />

cerca de 700 anos. Mantendo-se entre o século II a.C. e<br />

a morte do último jurista citado no Digesto, t<strong>em</strong>-se um<br />

período de aproximadamente 450 anos, estendendose<br />

essa história até Justiniano, acrescenta-se uns 300<br />

anos (LOPES, 2008). Assim, retratar o direito <strong>em</strong> todos<br />

os seus detalhes no referido período não é pretensão<br />

deste trabalho. Contudo, coloca-se uma síntese com<br />

caracteres genéricos <strong>em</strong> que se registram aspectos<br />

importantes retratados na história.<br />

A herança romana parece enorme a qualquer jurista<br />

formado na tradição ocidental, pois o direito foi a área<br />

do conhecimento mais aperfeiçoada pelos romanos<br />

e uma de suas maiores contribuições para a cultura<br />

da civilização ocidental. Reale (1977) enfatiza que foi<br />

especialíssima a posição do direito <strong>em</strong> Roma, onde<br />

ele foi mais el<strong>em</strong>ento de vida do que objeto de pura<br />

especulação. Nele os romanos souberam organizar a<br />

sociedade juridicamente, traçando linhas mestras que,<br />

ainda hoje, são inabaláveis para a ciência do direito.<br />

Tradicionalmente, Roma conheceu três grandes<br />

regimes constitucionais com longas e frequentes crises:<br />

Realeza, República e Império. Durante a Realeza, a fonte<br />

exclusiva para a formação das instituições jurídicas era o


costume. Posteriormente, durante o período histórico<br />

conhecido como República, a fonte principal para a<br />

criação do direito era a lei.<br />

Finalmente, durante o Império, havia um destaque<br />

muito especial para a jurisprudência, como fonte do direito.<br />

Vale l<strong>em</strong>brar a distinção que existia <strong>em</strong> Roma com relação<br />

ao iurisconsultus e o orador. Ao primeiro cabia estudar o<br />

aspecto jurídico da controvérsia e indicar o melhor caminho<br />

a seguir no processo; o segundo é o que intervém <strong>em</strong> juízo<br />

a favor do cliente (GIORDANI, 1968).<br />

Roma, durante a República e o Império, erigiu toda a<br />

doutrina que serviu de base para o direito ocidental. Esse<br />

conjunto de princípios que regeram a sociedade romana<br />

<strong>em</strong> diversas épocas, desde sua orig<strong>em</strong> até a morte<br />

de Justiniano, revelam-se uma fonte de pesquisa que<br />

permite um seguimento das variações do direito romano.<br />

A importância histórica é inegável, uma vez que o direito<br />

atual do mundo ocidental é lastreado nas compilações<br />

romanas. A partir daí, até a queda de Constantinopla,<br />

<strong>em</strong> 1453, o direito sofre novas influências, passando a<br />

denominar-se romano-helênico, s<strong>em</strong> nunca deixar de<br />

exercer sua repercussão (VENOSA, 2006).<br />

Nos treze séculos da história romana, do século<br />

VIII a.C. ao século VI, vê-se uma mudança contínua<br />

no caráter do direito, acompanhando a evolução da<br />

civilização romana, alterações políticas, econômicas e<br />

sociais que a caracterizavam. Para melhor compreender<br />

essa evolução, costuma-se fazer uma divisão <strong>em</strong><br />

períodos que são: o arcaico (da fundação de Roma no<br />

século VIII a.C. até o século II a.C.), o clássico (até o<br />

século III) e o pós-clássico (até o século VI).<br />

Desaparecida a figura do rei, o poder político passa a ser<br />

exercido com el<strong>em</strong>entos representativos e oligárquicos. A<br />

convivência entre ass<strong>em</strong>bleias e poderes conservadores,<br />

como o Senado, modificam a vida pública e a constituição<br />

romana. O Senado exercia e simbolizava a auctoritas<br />

patrum dos pais fundadores. Em casos especiais, respondia<br />

a consultas (senatus consultus) e opinava sobre os negócios.<br />

Só no Principado, com o desuso das ass<strong>em</strong>bleias e as<br />

mudanças constitucionais, o senatus consultus passa a ser<br />

equiparado à lei (LOPES, 2008).<br />

No período Republicano, redige-se a Lei das<br />

XII Tábuas, por volta de 450 a.C., que foi perdida<br />

provavelmente no incêndio durante a invasão gaulesa<br />

de 390 a.C. Pelo fato de ser escrita, tornou o direito<br />

público acessível a qu<strong>em</strong> pudesse ler. Acredita-se na<br />

inspiração grega das XII Tábuas, quer pelo que se pode<br />

saber do estilo, quer porque contêm um mecanismo<br />

de mudança que é grego na sua orig<strong>em</strong> (BRETONE,<br />

1990). Outras leis são conhecidas nos primórdios do<br />

direito romano: Lex Canuleia, Leges Licinae Sextiae,<br />

Lex Ogulnia, Lex Hortênsia. Porém, sobretudo nesses<br />

períodos históricos, juntamente com a legislação, surgia<br />

A influência do direito romano no direito ocidental: breves considerações<br />

gradualmente um grupo de juristas profissionais.<br />

Registra-se que o direito começa a surgir e inicia<br />

seu desenvolvimento durante o período arcaico devido<br />

ao formalismo do direito quiritário aplicado por um<br />

processo especial e formal, tratava-se de um direito<br />

cheio de fórmulas que precisavam ser pronunciadas<br />

no lugar certo pelas pessoas certas. Os pontífices<br />

des<strong>em</strong>penhavam um papel nesses casos. Apesar desse<br />

direito ser reduzido a escrito, somente os pontífices<br />

poderiam interpretá-lo e aplicar o seu formalismo, pois<br />

tinham a função de peritos na lei (BRETONE, 1990).<br />

Esses sacerdotes peritos, quase s<strong>em</strong>pre senadores,<br />

fidalgos ou m<strong>em</strong>bros de grandes famílias, prestavam um<br />

serviço à cidade ao preservar<strong>em</strong> a tradição atrelada à<br />

religião, que s<strong>em</strong>pre foi o laço mais forte da civilização<br />

romana. Foi o t<strong>em</strong>po dos deuses domésticos e das<br />

divindades políadas, e a religião, com seus dogmas e<br />

cultos, gerou o direito: as relações entre os homens, a<br />

propriedade, o patrimônio e o processo estabeleceram<br />

um governo entre os homens como o do pai na família, a<br />

do rei ou magistrado na cidade. Tudo procedia da religião,<br />

e o t<strong>em</strong>or dos deuses era o princípio da sabedoria e o<br />

ponto de partida para toda a atividade romana.<br />

Acrescenta-se que, para alguns doutrinadores,<br />

pode-se proferir que o direito teve seu começo,<br />

despretensiosamente, nos ritos advindos da religião<br />

doméstica. Toda família possuía uma religião própria,<br />

a qual devia cultuar e seguir suas regras e tradições.<br />

Tamanha era a importância religiosa <strong>em</strong> suas vidas, que<br />

o grupo familiar era totalmente constituído e organizado<br />

conforme suas crenças. Assim:<br />

O que une os m<strong>em</strong>bros da família antiga é algo<br />

mais potente do que o nascimento, o sentimento,<br />

a força física: é a religião do lar e dos antepassados.<br />

Ela faz que família forme uma unidade nesta vida<br />

e na outra. A família antiga é uma associação<br />

religiosa, mais ainda do que uma associação<br />

natural. [...] a lei foi primeiro uma parte da religião.<br />

Os antigos códigos das cidades eram um conjunto<br />

de ritos, de protocolos litúrgicos, de preces, ao<br />

mesmo t<strong>em</strong>po que disposições legislativas. Neles,<br />

as normas do direito de propriedade e do direito<br />

de sucessão estavam dispersas no meio das regras<br />

sobre sacrifícios, sepulturas e culto dos mortos<br />

(COULANGES, 2009, p. 53 e 203).<br />

O formalismo do direito naquele período arcaico<br />

contribuiu para a sua laicização e para desligá-lo de<br />

considerações de caráter moral ou religioso. A partir do<br />

século IV a.C., a jurisprudência laiciza-se de vez. Nesse<br />

sentido, ressalta-se que somente graças a um lento<br />

processo de secularização, comandado pela divisão<br />

social do trabalho e pela especialização, quando o<br />

legista e o sacerdote vão passando a constituir diversas<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 29-38<br />

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32<br />

funções sociais, é que o direito se vai apartando,<br />

gradativamente, da religião e dos conceitos jurídicos<br />

dos religiosos (MACHADO NETO, 1987).<br />

A laicização não significa d<strong>em</strong>ocratização, de modo<br />

que são apenas alguns que se dedicavam ao direito e<br />

esses alguns, substitutos dos pontífices, eram os juristas,<br />

<strong>em</strong> geral, homens das classes superiores.<br />

Na vida moderna, observa-se um decréscimo da<br />

influência religiosa sobre a vida do direito, não menos<br />

exato é que essa influência está b<strong>em</strong> longe de se extinguir<br />

e que, quanto mais se recua no passado, mais e mais se<br />

acentua o poder da religião no fenômeno jurídico.<br />

Reporta-se que na gênese de todas as trajetórias<br />

históricas, encontram-se relatos de acontecimentos<br />

singulares e únicos, nos quais os deuses, s<strong>em</strong>ideuses,<br />

heróis e homens especiais participam de acontecimentos<br />

transcendentais e decisivos que modelam e determinam<br />

os acontecimentos posteriores. Como consequência da<br />

iniciativa e da ação divina, surg<strong>em</strong> os grandes modelos<br />

que marcam ou defin<strong>em</strong> o estilo de um povo ou de uma<br />

civilização (CRIPPA, 1975).<br />

Nesse sentido, considera-se a ideia mítica-poéticareligiosa<br />

referida à fundação de Roma (urbs) com<br />

reflexos na República e eternizada ao t<strong>em</strong>po da<br />

ascensão de Otaviano Augusto, na medida <strong>em</strong> que seus<br />

el<strong>em</strong>entos são assumidos pela compilação justinianeia<br />

e se projetam da segunda Roma para a Idade Média<br />

europeia e América Latina (POLETTI, 2007).<br />

Desde o início da República até virtualmente o fim da<br />

era Imperial, encontra-se a convicção do caráter sagrado<br />

da fundação, no sentido de que, uma vez fundada, ela<br />

permanece obrigatória para todas as gerações futuras.<br />

Participar na política significava, antes de tudo, preservar<br />

a fundação da cidade de Roma (ARENDT, 2007).<br />

A difusão dos cultos orientais e das religiões dos<br />

mistérios no Império Romano, além do sincretismo<br />

religioso que daí resultou sobretudo <strong>em</strong> Alexandria<br />

favoreceram o conhecimento das religiões exóticas e<br />

as investigações sobre as antiguidades religiosas dos<br />

diversos países (ELIADE, 1992). Entre os múltiplos<br />

deuses do paganismo, encontra-se o imperador como<br />

fiador da eternidade de Roma (HUBEÑÁK, 1997).<br />

Refloresce-se a religião nacional, promovida<br />

diretamente pelo soberano, que acumula <strong>em</strong> si<br />

diversos sacerdócios e que se propaga nos t<strong>em</strong>plos,<br />

no restabelecimento de antigas cerimônias, no<br />

preenchimento de cargos religiosos e na mobilização<br />

para que se busque inspiração nos motivos religiosos.<br />

Encontra-se a religião restaurada como meio de<br />

governo pelo imperador que passa a sancionar com<br />

práticas religiosas a obediência ao chefe de Estado.<br />

É significativo o fato da preocupação de restaurar<br />

as velhas crenças dos romanos numa época <strong>em</strong> que as<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 29-38<br />

André Gimenez; Sílvia Araújo Dettmer; Willian Diego de Almeida<br />

elites primavam pelo ceticismo e pela descrença. Tendo<br />

<strong>em</strong> vista as classes populares, ele objetivou o uso político<br />

da religião e, assim, fortaleceu o el<strong>em</strong>ento religioso no<br />

sist<strong>em</strong>a político que instaurava (ROSTOVTZEFF, 1986).<br />

Observa-se que as tradições antigas foram sendo<br />

restauradas pela Dinastia Júlia e o ex<strong>em</strong>plo de<br />

grandeza dos antepassados foi sendo seguido pelas<br />

gerações futuras. A autoridade dos antepassados, que<br />

presenciaram e criaram a sagrada fundação, assume um<br />

cunho educacional (ARENDT, 2007).<br />

Assim, a religião tradicional dos romanos impregnou<br />

o direito romano nos t<strong>em</strong>pos primitivos, o qual era,<br />

como a religião, rígido e formalista (LIMA FILHO, 2006).<br />

Havia a interpretação do direito divino, enunciando<br />

fórmulas e indicando os ritos de sacrifício aos deuses,<br />

<strong>em</strong> uma sociedade <strong>em</strong> que o direito não era dirigido aos<br />

particulares, mas ao grupo e às famílias.<br />

Desse modo, ressalta-se a importância do religioso no<br />

direito romano. Essa presença do sagrado foi notada na<br />

área jurídica, durante a década de 1960, por Ulhoa Cintra.<br />

O autor fez um estudo sobre a sacralidade, analisando<br />

a s<strong>em</strong>ântica, etimologia do vocábulo, ontologia da<br />

sacralidade, religioso nas instituições romanas, laicização<br />

do direito romano com a Lei das XII Tábuas e, de forma<br />

mais específica, refere-se à coexistência da legis actio<br />

sacramenti no sist<strong>em</strong>a formulário previsto no Corpus<br />

Iuris, compilado por Justiniano (CINTRA, 1969).<br />

A legislação imperial no Dominato<br />

ou Baixo Império<br />

O Baixo Império, também conhecido como Dominato,<br />

estende-se de 284 a.C. a 565 d.C. e caracteriza-se<br />

pelo poder supr<strong>em</strong>o do imperador, que, ao assumir<br />

atribuições dos outros órgãos constitucionais, torna-se<br />

monarca absoluto, do tipo heleno-asiático, concentrando<br />

todos os poderes <strong>em</strong> suas mãos. Ad<strong>em</strong>ais,<br />

o último período da história da civilização<br />

romana é o do baixo Império (dominato), quando<br />

ocorre a cristianização do Império, e também a<br />

decadência política e cultural; a fonte de criação<br />

do direito passa a ser a constituição imperial<br />

(WOLKMER, 2006, p. 102).<br />

Durante o período da compilação de Justiniano, o<br />

jurista independente perde o seu lugar, mas pode ajudar<br />

na feitura da legislação, desenvolvendo-se dentro<br />

da burocracia. O centralismo do Dominato faz com<br />

que os jurisprudentes sejam encarregados de aplicar<br />

precedentes já solidificados e capazes de garantir a<br />

uniformidade e a submissão de todos ao poder central.<br />

Nessa fase do império romano, o papel da legislação é<br />

crescente e o dos juristas deixa de ser somente o de


dar conselhos para ser especialmente o de assessorar o<br />

príncipe ou imperador.<br />

Assim, avulta-se a necessidade de consolidar ou<br />

codificar a jurisprudência clássica com o objetivo de<br />

permitir o acesso às obras consideradas clássicas.<br />

Trata-se das primeiras consolidações t<strong>em</strong>áticas de<br />

fontes meramente privadas, como o Codex Gregorianus<br />

(291 d.C.) e o Codex Hermogenianus (295 d.C.). Essas<br />

consolidações pareciam gozar de muita autoridade,<br />

ainda que foss<strong>em</strong> desprovidas de caráter oficial.<br />

No decorrer daquele período, as constituições<br />

imperiais, ou leges, foram a única fonte do direito<br />

romano e “o conhecimento do Direito era considerado<br />

essencial para as autoridades imperiais, n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre,<br />

porém, existiam facilidades para a sua aquisição”<br />

(RUNCIMAN, 1977, p. 65). Observa-se também que<br />

o Direito romano-bizantino estava <strong>em</strong><br />

transformação, e suas concepções fundamentais<br />

e <strong>em</strong>endas posteriores freqüent<strong>em</strong>ente eram<br />

desconhecidas, ou mal compreendidas, pelos<br />

cidadãos do império. Não obstante, continua<br />

sendo um aparte essencial da Constituição imperial,<br />

a única autoridade a que o próprio imperador se<br />

deveria curvar (RUNCIMAN, 1977, p 65-66).<br />

Trata-se, enfim, de um período <strong>em</strong> que o Império<br />

Romano encontrava-se subdivido <strong>em</strong> Império Romano<br />

do Ocidente e Império Romano do Oriente, sendo<br />

cada um desses blocos entregue a um imperador. Dessa<br />

forma:<br />

Após a época de Diocleciano e Constantino, o<br />

Império Romano continuou existindo por muitos<br />

séculos, dividido, porém, <strong>em</strong> duas partes: o<br />

Império Ocidental, tendo Roma como capital,<br />

Roma dos romanos; e o Império Oriental,<br />

comumente chamado “Bizantino”, porque sua<br />

capital, Constantinopla, ou Roma dos romaioi,<br />

fora fundada por Constantino no local da antiga<br />

Bizâncio (ROSTOVTZEFF, 1983, p. 285).<br />

Em 438 d.C. é publicado o Código Teodosiano, por<br />

ord<strong>em</strong> de Teodósio II, imperador do Oriente, com as<br />

constituições imperiais desde o período de Constantino<br />

(312 d.C.). Dividia-se <strong>em</strong> 16 livros, reproduzindo cada<br />

constituição imperial, com o respectivo autor e sua data,<br />

seguida de uma interpretação <strong>em</strong> cada caso. Adotado<br />

no Ocidente veio a influenciar muitas compilações<br />

posteriores feitas nos reinos bárbaros a partir do século<br />

VI. No Oriente será revogado pela codificação de<br />

Justiniano que mandou fazer a grande obra de compilação<br />

dos clássicos <strong>em</strong> 530 d.C. Seria preciso esperar sua<br />

redescoberta pelos medievais para que o direito romano,<br />

já reiventado e reinterpretado pela universidade, voltasse<br />

a ter influência marcante na Europa ocidental.<br />

Essa redescoberta do texto de Justiniano deu-se no<br />

A influência do direito romano no direito ocidental: breves considerações<br />

universo eclesiástico, <strong>em</strong> que esses homens letrados,<br />

monges, religiosos ou agregados tinham familiaridade<br />

com os textos que lhes chegavam do passado e que<br />

para eles valiam muito (LE GOFF, 1989). Por ser objeto<br />

de respeito, admiração e assegurado por vontade<br />

divina, dificilmente o hom<strong>em</strong> primitivo questionava sua<br />

validade e sua aplicabilidade.<br />

Cabe ressaltar que os juristas romanos, preservadores<br />

de suas tradições, como <strong>em</strong> geral os romanos b<strong>em</strong>educados<br />

e cultos, eram helenizados. Não se trata de<br />

uma absorção completa da cultura grega. No entanto,<br />

não se pode esquecer que a expansão de Roma para<br />

o Oriente dá-se sobre territórios helenizados de longa<br />

data. Alexandria e Antioquia, as duas maiores cidades<br />

do Império depois da própria Roma, eram cidades<br />

helenizadas assim como Bizâncio, no tardio-império.<br />

A língua corrente internacionalmente era o grego (o<br />

latim divulga-se no Ocidente), o grego koiné (comum)<br />

ou d<strong>em</strong>ótikos (popular).<br />

Naquele ambiente, a educação formal incluía um<br />

mínimo de familiaridade com a tradição grega. Apesar<br />

dessa cultura e preservação da tradição romana,<br />

no Dominato, não se encontrava nenhum grande<br />

jurisconsulto. Os nomes dos juristas daquele período, na<br />

sua quase totalidade, foram esquecidos, a jurisprudência,<br />

na época de decadência, tornou-se anônima.<br />

A única fonte de direito desse período passou a ser<br />

as constituições imperiais baixadas pelo imperador e<br />

destinadas a qualquer funcionário. O princípio então<br />

reinante é o que agrada ao príncipe, t<strong>em</strong> força de lei. As<br />

constituições imperiais constitu<strong>em</strong>-se no direito positivo<br />

do Império e os jurisconsultos continuam a interpretar<br />

a doutrina jurídica por meio de seus pareceres, mas<br />

revistas e interpretadas e compl<strong>em</strong>entadas pelo<br />

imperador (FILIARDI LUIZ, 1999).<br />

Há o ressurgimento do estudo do direito nas escolas<br />

do Império Romano do Oriente, dentre os quais se<br />

destacam a de Constantinopla e Berito. Alguns dos<br />

mestres desse t<strong>em</strong>po ficaram célebres como Cirilo,<br />

Eudóssio e Patrício. Apesar desse reflorescimento,<br />

não se encontra, durante todo o Dominato, obra<br />

verdadeiramente criadora. Os professores dessas<br />

escolas de direito, <strong>em</strong> geral, dedicaram-se ao estudo<br />

das obras dos juristas clássicos para adaptá-las, por via<br />

de reelaboração, às necessidades de sua época.<br />

O centralismo do Dominato fazia com que os<br />

jurisprudentes foss<strong>em</strong> encarregados de aplicar<br />

precedentes consolidados capazes de submeter<br />

todos ao poder central. Desenvolvendo-se dentro da<br />

burocracia, surgiram inicialmente escolas de direito<br />

despersonalizadas que preparavam para a carreira<br />

burocrática, sendo as de Constantinopla e Berito as<br />

oficiais e públicas, cuja influência no Oriente dura<br />

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muitos séculos, ao lado de Roma e Alexandria. Assim,<br />

os juristas também mudaram de perfil e passaram a ser<br />

especialmente assessore do imperador (LOPES, 2008).<br />

Foi, porém, graças a essas escolas que Justiniano<br />

encontrou juristas e materiais para a elaboração<br />

do Corpus Iuris Civils, monumento jurídico legado à<br />

posteridade pelo direito Romano, originariamente é<br />

apenas Corpus Iuris. O adjetivo civilis foi acrescentado<br />

na época do Renascimento para fazer a devida distinção<br />

com o Corpus Iuris Canonici, o Código de Direito<br />

Canônico. Essa denominação foi acrescentada pelos<br />

glosadores da Escola de Bolonha, no século XII, para<br />

distinguir um direito do outro. Alguns atribu<strong>em</strong> a<br />

Dionísio Gotofredo, <strong>em</strong> 1583, a autoria dessa expressão<br />

(CRETELLA JÚNIOR, 1970, p. 69).<br />

Ocorre, no entanto, que a maior contribuição desse<br />

período e, certamente, um dos maiores legados deixados<br />

pela civilização romana corresponde ao Corpus Juris Civilis,<br />

obra que reúne o direito romanopropriamente dito.<br />

O direito romano de Justiniano<br />

O direito romano compreende o conjunto de<br />

normas que regeram a sociedade romana <strong>em</strong> suas<br />

diferentes fases, desde as origens (Roma foi fundada<br />

<strong>em</strong> 754 a.C.) até o ano de 565 d.C., com a morte de<br />

Justiniano. Engloba, portanto, um período que v<strong>em</strong><br />

antes da Lei das XII Tábuas (449 a.C.) e vai até os<br />

trabalhos de compilação que viriam a ser denominados<br />

Corpus Iuris Civilis (BARROSO, 2009). Trata-se, assim, da<br />

sist<strong>em</strong>atização do direito romano compilado no século<br />

VI d.C., por ord<strong>em</strong> de Justiniano e posta <strong>em</strong> vigor <strong>em</strong><br />

todo o Império Romano.<br />

Destaca-se que naquele contexto, o imperador que<br />

deu o mais alto valor aos estudos e à sist<strong>em</strong>atização<br />

do direito romano não nasceu <strong>em</strong> Roma e não tinha o<br />

nome latino, mas era natural de Tauresium, na Ilíada -<br />

foi o grande governador de Roma entre 527 e 565 d.C.<br />

Justiniano, na fase de declínio do Império Romano,<br />

no Dominato, deixou o legado mais importante para o<br />

campo de Direito, o que deu orig<strong>em</strong> ao Corpus Júris Civilis<br />

ou Código de Justiniano ou Direito Justinianeu. Trata-se<br />

de um conjunto do direito romanocompilado no século<br />

VI da era cristã por ord<strong>em</strong> do imperador Justiniano e,<br />

logo a seguir, posto <strong>em</strong> vigor <strong>em</strong> toda parte do império<br />

sob seu domínio (CRETELLA JÚNIOR, 1995).<br />

Os historiadores são unânimes no sentido de que<br />

Justiniano era um amante da passada glória romana.<br />

Reinando <strong>em</strong> Constantinopla, Império Romano do Oriente,<br />

sonhava com a tradição latina. Era um restaurador e talvez<br />

um reacionário (MERRYMAN, 1985).<br />

[...] era dotado de inteligência lúcida, autoritário,<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 29-38<br />

André Gimenez; Sílvia Araújo Dettmer; Willian Diego de Almeida<br />

orgulhoso, amante da glória, do fausto, do<br />

prestígio da púrpura, da ord<strong>em</strong>, vaidoso,<br />

ciumento, hesitante, mesquinho, mas também<br />

piedoso. Recebeu, graças a seu tio Justino, uma<br />

sólida formação intelectual, é qual aliava um<br />

profundo interesse pelos probl<strong>em</strong>as teológicos.<br />

“Um Estado, uma Lei, uma Igreja”, eis a breve<br />

fórmula <strong>em</strong> que pode ser sintetizado todo o<br />

programa político do camponês macedônico<br />

elevado à culminância do trono dos Césares. Esse<br />

programa está profundamente vinculado com<br />

o t<strong>em</strong>peramento ambicioso, com a formação<br />

intelectual e a educação religiosa de Justiniano<br />

(GIORDANI, 1977, p. 47).<br />

A sua obra jurídica está intimamente vinculada<br />

ao plano da restauração do Império Romano na sua<br />

totalidade. Oriente mais Ocidente. Um Império, uma<br />

lei (GIORDANI, 1992). Observa-se que a codificação<br />

de Justiniano representa o el<strong>em</strong>ento estabilizador do<br />

processo histórico-jurídico cujo acúmulo de leis t<strong>em</strong><br />

orig<strong>em</strong> na fundação da urbs de Roma e r<strong>em</strong>onta aos<br />

t<strong>em</strong>pos de Rômulo.<br />

Nessa obra de codificação da jurisprudência clássica,<br />

o trabalho paciente e multissecular dos jurisconsultos foi<br />

imprescindível na feitura da compilação que resultou na<br />

legislação imperial. Esse grupo partiu de dados positivos,<br />

concretos e guiados pela equidade e utilidade social.<br />

Os jurisconsultos formavam uma categoria<br />

aristocrática, eram homens de classes superiores<br />

(senatorial), fidalgos que não exerciam uma profissão<br />

propriamente dita, des<strong>em</strong>penhavam função pública<br />

ao prestar um serviço à cidade e contribuir para a<br />

preservação da tradição. Não advogavam no foro, pois<br />

essa advocacia declamatória e retórica, <strong>em</strong>bora existisse<br />

<strong>em</strong> Roma, era considerada inferior. Des<strong>em</strong>penhavam<br />

uma honra, uma dignidade ao prestar o serviço de<br />

publicamente dar sua opinião e recebiam como<br />

r<strong>em</strong>uneração uma influência poderosa (LOPES, 2008).<br />

Porém, entre os jurisconsultos, Triboniano, professor<br />

de direito e alto funcionário do império, foi designado<br />

por Justiniano, pouco depois que este assumiu o<br />

poder, <strong>em</strong> 528 d.C. para presidir uma comissão com<br />

16 m<strong>em</strong>bros. A finalidade era salvar a herança clássica,<br />

compilando as constituições imperiais vigentes. Na<br />

jurisprudência da época criou-se, então, um conflito<br />

pautado na predominância dos textos dos jurisconsultos<br />

que eram m<strong>em</strong>bros dessa comissão sobre todos os<br />

d<strong>em</strong>ais. Com isso, Justiniano aboliu todos os livros dos<br />

juristas, salvou apenas os maiores do período clássico<br />

e mandou queimar os manuscritos dos jurisconsultos<br />

excluídos. Em 529 d.C. essa compilação estava pronta<br />

e foi intitulada Nouus Iustinianus Codex.<br />

Realizada a compilação das leges, era necessário<br />

resolver um probl<strong>em</strong>a com relação ao que não tinha


sido ainda compilado (iura), porque havia entre os<br />

jurisconsultos antigos uma série de controvérsias a<br />

solucionar. Diante dessa situação divergente, Justiniano<br />

expediu 50 constituições (as Quinquaginta Decisiones)<br />

e, nos fins de 530 d.C., encarrega Triboniano, <strong>em</strong>érito<br />

jusrisconsulto, de organizar comissão destinada a<br />

compilar os iura e uniformizar os debates. Para o<br />

término desse projeto grandioso, Justiniano previu<br />

prazo máximo de dez anos. No entanto, a comissão de<br />

16 m<strong>em</strong>bros, sob a presidência de Triboniano, depois de<br />

compulsar quase dois mil livros, concluiu o trabalho <strong>em</strong><br />

apenas três anos. Era o Digesto, também denominado<br />

Pandectas (ALVES, 1995).<br />

Terminada a elaboração do Digesto e antes de sua<br />

promulgação, Justiniano escolheu três dos compiladores<br />

(Triboniano, Doroteu e Teófilo) para a organização de<br />

um manual escolar que servisse aos estudantes como<br />

introdução ao direito compendiado no Digesto. Seguindo<br />

as Institutas de Gaio, essa comissão elaborou as Institutiones<br />

(Institutas). Ambos (Digesto e Institutas) entraram <strong>em</strong> vigor<br />

na mesma data, 30 de dez<strong>em</strong>bro de 533 d.C.<br />

A obra legislativa de Justiniano, denominada de<br />

Corpus Iuris, por conseguinte, consta de quatro partes:<br />

Institutas (texto didático e sist<strong>em</strong>ático, manual básico<br />

do ensino jurídico), Digesto (compilação dos iura: textos<br />

dos jurisconsultos, suas opiniões), Código (compilação<br />

das leges: constituições dos seus antepassados) e<br />

Novelas (reunião das constituições promulgadas,<br />

posteriormente, por Justiniano). Em 1538 a obra<br />

de Justiniano foi denominada por Corpus Iuris Civilis,<br />

designação universalmente adotada atualmente. Explica<br />

Cretella Júnior que:<br />

as Institutas são um Manual de Direito Privado<br />

Romano, el<strong>em</strong>entar para o uso dos estudantes de<br />

direito <strong>em</strong> Constantinopla. Os romanos achavam<br />

oportuno instituere, isto é, iniciar, educar. Daí,<br />

o aparecimento de vários livros chamados<br />

Institutiones, escritos por jurisconsultos romanos.<br />

O Código, de 534, verdadeira edição do Código<br />

de 529, é que chegou até nós e faz parte do<br />

Corpus Iuris Civilis. As Novelas são um conjunto<br />

de novas constituições imperiais, decretadas por<br />

Justiniano, nos últimos anos de seu reinado, para<br />

atender os novos casos que surgiam. O Digesto,<br />

a mais importante das obras de Justiniano é<br />

uma compilação dos escritos dos jurisconsultos<br />

(CRETELLA JÚNIOR, 1970, p. 72).<br />

No entanto, a aplicabilidade da legislação de<br />

Justiniano foi possível devido ao interesse prático e ao<br />

espírito codificador dos jurisconsultos e, de forma mais<br />

específica, ao trabalho de restauração dos m<strong>em</strong>bros da<br />

comissão dirigida por Triboniano. Nesse sentido, Alves<br />

ressalva:<br />

A influência do direito romano no direito ocidental: breves considerações<br />

Para que os iura e as leges constantes no Corpus<br />

Iuris Civilis pudess<strong>em</strong> ter aplicação na prática,<br />

foi preciso, muitas vezes, que os compiladores<br />

fizess<strong>em</strong> substituições, supressões ou acréscimos<br />

nos fragmentos dos jurisconsultos clássicos ou<br />

nas constituições imperiais antigas” (ALVES,<br />

1995, p. 49).<br />

Menciona-se que a melhor edição do Corpus Iuris<br />

Civilis é a devida aos al<strong>em</strong>ães Momms<strong>em</strong>, Krueger,<br />

Schoell e Kroll. O primeiro editou o Digesto; o segundo,<br />

as Institutas e o Código; e os dois últimos, as Novelas.<br />

Porém, dentre as obras de compilação dos escritos<br />

dos jurisconsultos, o Digesto é a mais importante. Ele<br />

foi publicado <strong>em</strong> 533, mais cedo do que se esperava,<br />

contém material de 39 juristas, desde Mucius Scaevola<br />

(o mais antigo, morto <strong>em</strong> 82 a.C.) até o mais recente<br />

Modestino, ainda <strong>em</strong> 244 d.C. Há 2.464 trechos de<br />

Ulpiniano, 2.081 de Paulo, 601 de Palpiniano, 578 de<br />

Pompônio e 535 de Gaio. Dos outros juristas somamse<br />

2.883 trechos. Dentre os mais citados, Pompônio é<br />

o mais antigo (morto <strong>em</strong> 138 d.C.) e Ulpiniano o mais<br />

recente (morto <strong>em</strong> 228 d.C.). Este sozinho responde<br />

por quase um terço do Digesto. Paulo e Ulpiniano<br />

juntos correspond<strong>em</strong> à, praticamente, metade da obra.<br />

Os trechos não poderiam contradizer-se, pois um dos<br />

objetivos da compilação era restaurar a clareza e a<br />

confiabilidade do direito clássico.<br />

Naturalmente que a comissão de Triboniano não<br />

eliminou todas as contradições e incertezas, seja por<br />

respeito aos textos, seja porque, supõe-se, trabalhou<br />

<strong>em</strong> subcomissões. Havia duas mil obras a consultar e<br />

n<strong>em</strong> todos os 16 m<strong>em</strong>bros usaram todas. A hipótese do<br />

historiador Bluhme (de 1818) é que uma subcomissão<br />

organizou os textos de Ulpiniano sobre o Edito<br />

Perpétuo (de Sálvio Juliano) e uma terceira ocupou-se<br />

de Papiniano e dos outros. Os compiladores deveriam<br />

organizar os textos e dar-lhes a fonte (autor e obra),<br />

como se vê até hoje no Digesto.<br />

No Oriente, <strong>em</strong>bora Justiniano, na constituição que<br />

promulgou o Digesto, tivesse proibido os comentários a<br />

essa obra - o que provavelmente se estendia às d<strong>em</strong>ais<br />

partes do Corpus Iuris Civilis - e apenas autorizado<br />

traduções literárias, índices e r<strong>em</strong>issões a dispositivos<br />

sobre o mesmo assunto colocados <strong>em</strong> lugares<br />

diferentes, essa proibição não foi observada. Entre os<br />

comentários ao Digesto, destaca-se os de Estéfano, os<br />

de Doroteu e os de Cirilo; ao Código, os de Taleleu e<br />

quanto às Institutas, os de Teófilo.<br />

Em 565 d.C., faleceu o imperador Justiniano e a<br />

data passou a se tradicionalmente considerada o termo<br />

final do direito romano. Assim, iniciou-se um período<br />

que se estende até 610 d.C. e é considerado, pelos<br />

historiadores, como o mais triste da história bizantina.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 29-38<br />

35


36<br />

Isso devido à anarquia, miséria e calamidades que se<br />

desencadearam <strong>em</strong> todo o império. Para alguns, o fim<br />

do mundo se aproximava (GIORDANI, 1977, p. 54).<br />

Outros sist<strong>em</strong>as jurídicos oriundos de civilizações<br />

antigas nasceram, transformaram-se e morreram s<strong>em</strong><br />

exercer influências - a não ser raras e superficiais - nos<br />

sist<strong>em</strong>as modernos. A compilação de Justiniano, ao<br />

contrário, é perene e continua a refletir-se nos sist<strong>em</strong>as<br />

jurídicos ocidentais como expressão da vida jurídicosocial<br />

do povo que formou o mais organizado império<br />

do mundo antigo.<br />

Conclusão<br />

Em meados do século VI, Justiniano promoveu a<br />

compilação de textos jurídicos da tradição romana,<br />

compreendendo o Digesto (533 d.C.), que reunia as obras<br />

dos juristas clássicos; o Código (529 d.C.), que abrangia a<br />

legislação imperial de seus antecessores e as Instituições<br />

(530 d.C.), que constituíam um manual introdutório.<br />

Houve ainda uma compilação póstuma, as Novelas (565<br />

d.C.), com os atos do próprio Justiniano. Esse conjunto<br />

de livros recebeu, a partir do século XVI, o nome de<br />

Corpus Iuris Civilis, passando a constituir a m<strong>em</strong>ória<br />

medieval e moderna do direito romano (BARROSO,<br />

2009, p. 43). O monumento jurídico representado<br />

pelo direito romano e que atravessou os séculos foi a<br />

matriz imperecível do direito civil e o primado do direito<br />

privado se afirma através da difusão e da recepção do<br />

direito romano no Ocidente (BOBBIO, 1987; p. 21).<br />

Nesse sentido, a originalidade da tarefa dos juristas está<br />

justamente nos instrumentos gregos que se valeram para<br />

refinar, ampliar e flexibilizar sua herança romana. Diz-se<br />

que os gregos não desenvolveram um corpo de tradições<br />

legais, porque sua inquietude intelectual impedia que<br />

respeitass<strong>em</strong> os limites estreitos de um pensamento<br />

dogmatizante. E, ao contrário, o original dos juristas<br />

romanos foi sua capacidade de valer-se da retórica e da<br />

dialética, aceitando o limite da tradição. Conservadores<br />

e tradicionalistas, eles operaram mudanças pelo<br />

tratamento consistente e ordeiro de casos individuais<br />

s<strong>em</strong> fazer sínteses retóricas (DAWSON, 1953).<br />

Enfim, o direito romano era o direito de homens<br />

práticos, de casos concretos, <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente<br />

jurisprudencial e nascido das necessidades da vida<br />

cotidiana. Não foi o fruto de elucubrações de homens<br />

de gabinete, desvinculados da realidade. Aliás, na sua<br />

formação e evolução, o direito romano está mais<br />

próximo do Commow law do que dos ordenamentos<br />

romanistas (LIMA FILHO, 2006). Assim, perante esse<br />

laboratório romano detentor de um complexo legado<br />

jurídico que, atualmente, não t<strong>em</strong> aplicabilidade <strong>em</strong><br />

nenhuma jurisdição, busca-se:<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 29-38<br />

André Gimenez; Sílvia Araújo Dettmer; Willian Diego de Almeida<br />

a renovação crítica da historiografia do Direito,<br />

nascida e articulada na dialética da produção da<br />

vida material e das relações sociais concretas.<br />

Trata-se de pensar a historicidade do Direito,<br />

no que se refere à sua evolução histórica,<br />

suas idéias e suas instituições, a partir de<br />

uma reinterpretação das fontes do passado<br />

sob o viés da interdisciplinaridade (social,<br />

econômico e político) e de uma reordenação<br />

metodológica, <strong>em</strong> que o fenômeno jurídico seja<br />

descrito sob uma perspectiva desmistificadora.<br />

Naturalmente, para se alcançar esta condição<br />

histórico-crítica sobre determinado tipo de<br />

sociedade e suas instituições jurídicas, impõese,<br />

obrigatoriamente, visualizar o Direito como<br />

reflexo de uma estrutura pulverizada não só<br />

por um certo modo de produção da riqueza<br />

e por relações de forças societárias, mas,<br />

sobretudo, por suas representações ideológicas,<br />

práticas discursivas heg<strong>em</strong>ônicas, manifestações<br />

organizadas de poder e conflitos entre múltiplos<br />

atores sociais (WOLKMER, 2006, p. 12).<br />

Nesse contexto, conclui-se que o estudo do direito<br />

romano é essencial para a formação reflexiva do operador<br />

do direito no que tange às origens do ordenamento<br />

jurídico vigentes no território brasileiro. Dessa forma, nos<br />

momentos de mudança, esse conhecimento pode cumprir<br />

um papel crítico na interpretação cultural da legislação.<br />

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v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 29-38<br />

37


38<br />

THE INFLUENCE OF LAW IN ROMAM LAW WEST: BRIEF OBSERVATIONS<br />

ABSTRACT: In seeking to understand the current legal syst<strong>em</strong> is essential to study the Roman law. It appears that<br />

the legal institutions of Roman civilization were important to the making and development of legal syst<strong>em</strong>s of various<br />

countries that have incorporated explicitly and syst<strong>em</strong>atically in his paternal duty. Other legal syst<strong>em</strong>s derived<br />

from ancient civilizations <strong>em</strong>erged without exerting influence in modern legislation. In terms of legal doctrine,<br />

Lopes (2008), Giordano (1996) and Alves (1995) focus that there is no other legislation that equates to the Roman<br />

law, as an instrument of legal education, laboratory and field observation of the r<strong>em</strong>arkable phenomenon in all<br />

legal its aspects and highlight the legacy of Roman law which was organized un der the reign of Justinian. Thus, this<br />

paper aims to analyze the compilation of Justinian, which continues to be reflected in the Western legal syst<strong>em</strong>s as<br />

an expression of legal and social life of the people who formed the most organized <strong>em</strong>pire in the ancient world.<br />

KEYWORDS: Law; Rome; west.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 29-38<br />

André Gimenez; Sílvia Araújo Dettmer; Willian Diego de Almeida


A RESPONSABILIDADE AMBIENTAL DA<br />

EMPRESA NO NOVO SÉCULO<br />

Rúbia Spirandelli Rodrigues 1<br />

RESUMO: O texto trabalha o compromisso das <strong>em</strong>presas ligadas à nova <strong>em</strong>presarialidade com a proteção e<br />

preservação do meio ambiente, que é um fator indispensável para o crescimento e desenvolvimento <strong>em</strong>presarial<br />

no mundo globalizado. O meio ambiente pede socorro e as novas técnicas de administração e gestão <strong>em</strong>presarial<br />

não pod<strong>em</strong> desconsiderar a importância deste, como fator de proteção e responsabilização social, fonte de<br />

matéria prima, crescimento e compromisso social. A qualificação das <strong>em</strong>presas no mercado mundial tende a ter<br />

uma classificação <strong>em</strong> razão do seu compromisso e da sua responsabilidade. Assim, não há mais saída diante da era<br />

da nova <strong>em</strong>presarialidade para aquelas <strong>em</strong>presas que quer<strong>em</strong> se manter e se destacar no mercado s<strong>em</strong> se ater ao<br />

compromisso e às necessidades de um meio ambiente saudável.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Empresa; proteção e preservação do meio ambiente; compromisso social.<br />

Introdução<br />

Desde os seus primórdios, a atividade <strong>em</strong>presarial<br />

estava ligada ao lucro e às necessidades dos<br />

consumidores, s<strong>em</strong> qualquer preocupação com a<br />

responsabilidade e a degradação ambiental.<br />

O novo perfil das <strong>em</strong>presas que estão vivas no<br />

mercado mundial já está mudando, pois a cada dia elas<br />

entend<strong>em</strong> mais a necessidade de renovação no modo<br />

de trabalho e produção.<br />

O desafio do desenvolvimento ambientalmente<br />

sustentável e socialmente justo, capaz de assegurar a<br />

sustentabilidade dos recursos naturais para as presentes<br />

e futuras gerações, foi definitivamente incorporado a<br />

agenda jurídica política e social do poder público e dos<br />

mais diferentes seguimentos da sociedade, inclusive as<br />

<strong>em</strong>presas.<br />

Na década de 1990, houve um grande impulso<br />

com relação à consciência ambiental na maioria dos<br />

países, aceitando-se pagar um preço pela qualidade<br />

de vida e mantendo-se limpo o ambiente. O termo<br />

qualidade ambiental passou a fazer parte do cotidiano<br />

das pessoas, as <strong>em</strong>presas passaram a se preocupar<br />

com a racionalização do uso da matéria-prima e com a<br />

degradação e qualidade do meio ambiente.<br />

As <strong>em</strong>presas passaram a entender a necessidade<br />

da dependência entre o desenvolvimento e um meio<br />

ambiente ecologicamente equilibrado, mudando o<br />

conceito do dia-a-dia. A meta passou a ser não apenas<br />

o lucro, mas também a participação <strong>em</strong> projetos<br />

voltados a preservação do meio ambiente e trabalhos<br />

sociais. Além disso, elas são os principais agentes do<br />

desenvolvimento econômico de um país, seus avanços<br />

tecnológicos e a grande capacidade de geração de<br />

recursos aumentam cada vez a necessidade de ações<br />

cooperativas e integradas através das quais possam<br />

desenvolver processos cujo objetivo é a gestão<br />

ambiental e a responsabilidade social.<br />

Quando as <strong>em</strong>presas são capazes de mudar seu perfil<br />

e com isso acrescentam nas suas funções básicas um<br />

comportamento ético e socialmente responsável, elas<br />

ganham o respeito da coletividade, sendo gratificadas<br />

com o reconhecimento dos consumidores.<br />

O meio ambiente entrou na agenda mundial, passou<br />

a ser t<strong>em</strong>a obrigatório na administração das <strong>em</strong>presas.<br />

Elas precisam colocar no seu planejamento uma forma<br />

de trabalho com a preocupação de trabalhar s<strong>em</strong> causar<br />

danos e ainda destinar parte de seus recursos para o<br />

cuidado e a preservação da natureza. Umas pensando<br />

na sua função social e ética, e outras ainda pensando<br />

mais a frente, ou seja, na própria matéria-prima que<br />

pode vir a ter fim.<br />

As <strong>em</strong>presas precisam conciliar a necessidade de<br />

crescimento econômico com outras razões de suma<br />

importância, como a preservação do ambiente de<br />

trabalho e a produção e criação de novos postos de<br />

trabalho com a exigência de conservar e preservar os<br />

recursos naturais.<br />

O papel do setor <strong>em</strong>presarial e industrial deverá<br />

ser o de buscar novos modelos de desenvolvimento<br />

e criatividade, mudando atitudes e valores através de<br />

processos que têm como princípio a sustentabilidade<br />

ambiental. Para isso, é preciso trabalhar <strong>em</strong> cima de<br />

uma política de gestão ambiental compromissada,<br />

1 Professora da Universidade do Estado de Minas Gerais, Campus de Frutal; especialista <strong>em</strong> Direto Civil e Processo Civil pela Universidade de Franca<br />

(UNIFRAN), Docência e Gestão do Ensino Superior pela Faculdade do Noroeste de Minas (FINON) e mestranda <strong>em</strong> Direitos Coletivos, Cidadania e Função<br />

Social pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP).<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 39-47<br />

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40<br />

pois hoje se descobriu que cuidado e sustentabilidade<br />

significam dinheiro <strong>em</strong> caixa e saúde do negócio.<br />

No Brasil observa-se uma mudança no comportamento<br />

<strong>em</strong>presarial. As <strong>em</strong>presas passaram a ter uma preocupação<br />

com o meio ambiente e a investir <strong>em</strong> seu des<strong>em</strong>penho<br />

ambiental. Isso porque uma <strong>em</strong>presa ética e socialmente<br />

responsável será aquela que obtiver os melhores processos<br />

de sustentabilidade e a melhor política de proteção ao<br />

meio ambiente <strong>em</strong> seus produtos, além de iniciativas para<br />

a contribuição e construção de uma sociedade mais justa,<br />

na qual o meio ambiente passa a ser dever de todos no<br />

sentido de preservar e conservar.<br />

Sendo assim, o presente trabalho visa esclarecer<br />

a necessidade das <strong>em</strong>presas ter<strong>em</strong> uma política de<br />

gestão ambiental compromissada com a proteção e<br />

preservação do meio ambiente.<br />

1 Medidas de proteção e<br />

preservação do meio ambiental<br />

As atividades <strong>em</strong>presariais de modo geral pod<strong>em</strong><br />

interferir no meio ambiente através de diversas<br />

maneiras. Primeiro <strong>em</strong> seus processos de produção,<br />

considerando a matéria-prima, a energia e a água<br />

utilizadas. Segundo na distribuição e comercialização da<br />

sua mercadoria.<br />

A defesa do meio ambiente ganha corpo na década<br />

de 1970 e a Declaração de Estocolmo (1972) constitui<br />

um marco nesse processo, uma vez que ela foi pioneira<br />

<strong>em</strong> introduzir a questão ambiental condicionada à<br />

ord<strong>em</strong> econômica.<br />

Para as <strong>em</strong>presas, necessário se faz um processo de<br />

conscientização e responsabilização. A <strong>em</strong>presa que<br />

t<strong>em</strong> por meta final o lucro não consegue se adequar<br />

ao novo quadro. A conscientização é importante,<br />

pois esse processo de produção voltado à proteção e<br />

preservação ambiental pode ser dispendioso, levando<br />

as <strong>em</strong>presas a investir<strong>em</strong> parte do seu capital social<br />

nas ações de preparação para o novo modelo a que<br />

a <strong>em</strong>presa precisa se adequar, isso da forma menos<br />

dispendiosa possível.<br />

O desenvolvimento sustentável requer mudanças<br />

nas práticas <strong>em</strong>presariais e nos costumes seguidos pelas<br />

<strong>em</strong>presas. O olhar precisa ter um novo foco, outra<br />

preocupação cuja meta fundamental seja a função social.<br />

Segundo Tomasevicius Filho:<br />

O termo função social da <strong>em</strong>presa constitui o<br />

poder-dever de o <strong>em</strong>presário e os administradores<br />

da <strong>em</strong>presa harmonizar<strong>em</strong> as atividades da<br />

<strong>em</strong>presa, segundo o interesse da sociedade,<br />

mediante a obediência de determinados deveres<br />

positivos e negativos (TOMASEVICIUS FILHO,<br />

2003, p. 40).<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 39-47<br />

Rúbia Spirandelli Rodrigues<br />

As <strong>em</strong>presas precisam estar voltadas ao cumprimento<br />

de sua função social e ao compromisso com a proteção<br />

e responsabilidade ambiental. A partir daí, preparar sua<br />

administração para uma correta gestão das variáveis<br />

ambientais, permitindo a otimização do processo.<br />

Para colocar <strong>em</strong> prática um Sist<strong>em</strong>a de Gestão<br />

Ambiental eficaz e compromissado dentro da<br />

administração de uma <strong>em</strong>presa, faz-se necessário<br />

fixar parâmetros a ser<strong>em</strong> seguidos, preparando<br />

funcionários e destinando parte de seus recursos para<br />

esse fim específico. Assim, elabora-se um sist<strong>em</strong>a de<br />

política ambiental, fixando objetivos e metas a ser<strong>em</strong><br />

cumpridos.<br />

Esse compromisso com a proteção e preservação<br />

do meio ambiente no mundo globalizado volta <strong>em</strong><br />

benefício da própria <strong>em</strong>presa, pois os consumidores<br />

que a cada dia tornam-se mais conscientes ve<strong>em</strong> esse<br />

diferencial e acabam se comprometendo quando da<br />

escolha da mercadoria produzida por aquela <strong>em</strong>presa.<br />

As medidas de proteção ao meio ambiente precisam<br />

ser implantadas dentro do setor <strong>em</strong>presarial com a<br />

mais rápida urgência, pois o ganho é para a <strong>em</strong>presa e<br />

toda comunidade.<br />

A responsabilidade <strong>em</strong>presarial frente ao meio<br />

ambiente é centrada na análise de como as <strong>em</strong>presas<br />

interag<strong>em</strong> com o meio <strong>em</strong> que habitam e como<br />

praticam suas atividades. Dessa forma, uma <strong>em</strong>presa<br />

que se compromete com o processo de adoção de<br />

medidas de proteção ambiental está diretamente ligada<br />

e voltada à responsabilidade social.<br />

2 Porque uma <strong>em</strong>presa deve melhorar<br />

seu des<strong>em</strong>penho ambiental<br />

Uma <strong>em</strong>presa deve ter como meta principal o<br />

atendimento às necessidades dos seus consumidores<br />

a fim de sobreviver. O lucro, ao contrário do que<br />

muitos pensam, não é a finalidade da <strong>em</strong>presa e sim um<br />

resultado do seu trabalho. Diante da satisfação daquele<br />

que consome, as <strong>em</strong>presas vend<strong>em</strong> mais e passam a<br />

ter condições de trabalhar de diversas formas, tanto<br />

na valorização dos clientes como no sentido social,<br />

valorizando o meio <strong>em</strong> que está localizada.<br />

A <strong>em</strong>presa t<strong>em</strong> metas e regras para seguir e<br />

oferecer o que o consumidor busca. Primeiro, a<br />

satisfação da pessoa que está comprando; segundo, o<br />

preço; terceiro, as condições de entrega e hoje mais<br />

uma variável, o meio ambiente. Este está propiciando<br />

um novo relacionamento dos consumidores com os<br />

produtores. Nesse contexto, verifica-se que a proteção<br />

ambiental passou a ser uma necessidade das pessoas e<br />

clientes da <strong>em</strong>presa. Assim, para sobreviver, a <strong>em</strong>presa


precisa se reestruturar e se adequar às necessidades<br />

do mundo, pois o meio ambiente passou a ser a maior<br />

preocupação mundial.<br />

Uma melhoria na administração da <strong>em</strong>presa, com a<br />

sist<strong>em</strong>atização do gerenciamento ambiental integrandose<br />

ao sist<strong>em</strong>a de gestão do dia-a-dia, permite uma<br />

melhor definição de responsabilidades e auxilia na<br />

identificação de outros probl<strong>em</strong>as não somente<br />

ambientais e na solução destes com medidas que visam<br />

a proteção e o reparo.<br />

Sendo assim, uma <strong>em</strong>presa que se compromete com<br />

as necessidades de cuidado do meio ambiente passa a<br />

ter um diferencial. Por ser um t<strong>em</strong>a que está sendo<br />

visto pelo mundo todo, só com esse diferencial ela<br />

sobreviverá no mercado futuro.<br />

3 Fundamentos para a implantação<br />

da gestão ambiental<br />

A implantação de práticas de gestão ambiental correta na<br />

<strong>em</strong>presa é de grande valia e necessária. Os fundamentos,<br />

ou seja, a base de razões que levam a <strong>em</strong>presa a adotar e<br />

praticar a gestão ambiental são as mais variáveis, desde os<br />

procedimentos obrigatórios de atendimento da legislação<br />

ambiental até a fixação de políticas ambientais que vis<strong>em</strong> à<br />

conscientização de todo o grupo <strong>em</strong>presarial, da atividade<br />

mais simples até a administração.<br />

A busca de procedimentos gerenciais ambientalmente<br />

corretos, incluindo-se aí a adoção de um sist<strong>em</strong>a de<br />

gestão ambiental, na verdade, encontra inúmeras razões<br />

que justificam a sua adoção e diferencia a <strong>em</strong>presa no<br />

mercado de trabalho.<br />

Para a implantação do sist<strong>em</strong>a de gestão ambiental<br />

dev<strong>em</strong>-se cumprir basicamente três conjuntos de<br />

atividades. Primeiro, a análise da situação atual da<br />

<strong>em</strong>presa, o estabelecimento de metas e de métodos.<br />

Os fundamentos predominantes pod<strong>em</strong> variar de uma<br />

organização para outra.<br />

A preocupação com o meio ambiente sustentável<br />

envolve todos aqueles que faz<strong>em</strong> parte desse meio. É uma<br />

responsabilidade para todos, não só as indústrias precisam<br />

se conscientizar como também toda a população.<br />

A legislação ambiental exige cada vez mais respeito<br />

e cuidado com o meio ambiente. A preocupação vai<br />

da preservação até a reparação do dano, com medidas<br />

coercitivas, levando todos a uma maior preocupação<br />

com o meio ambiente.<br />

O poder público se depara a cada dia com mais<br />

probl<strong>em</strong>as e desrespeito com o aspecto ambiental e<br />

se coloca na posição de guardião desse meio por força<br />

da Constituição Federal. Diante disso, v<strong>em</strong> sofrendo<br />

pressões públicas de cunho local, nacional e mesmo<br />

A responsabilidade ambiental da <strong>em</strong>presa no novo século<br />

internacional com exigências cada vez maiores e com o<br />

dever de cobrar mais responsabilidades das <strong>em</strong>presas.<br />

3.1 As vantagens para as <strong>em</strong>presas<br />

socialmente responsáveis pelo meio<br />

ambiente saudável<br />

Grandes mudanças já vêm acontecendo no sentido<br />

da conscientização e responsabilidade de todos pelo<br />

meio ambiente saudável. Uma grande influência sobre<br />

esse aspecto v<strong>em</strong> da globalização, que t<strong>em</strong> trazido às<br />

<strong>em</strong>presas a necessidade de adaptar-se cada vez mais às<br />

novas exigências mercadológicas.<br />

Maior diss<strong>em</strong>inação de informação e maior<br />

conhecimento dos riscos à saúde e sobrevivência da<br />

humanidade farão com que as pessoas e sociedades<br />

pression<strong>em</strong> <strong>em</strong>presas e governos <strong>em</strong> busca de uma<br />

maior qualidade ambiental.<br />

As <strong>em</strong>presas que possu<strong>em</strong> essa preocupação e<br />

responsabilidade estão <strong>em</strong> vantag<strong>em</strong> no mundo dos<br />

negócios. Os bancos, financiadores e seguradoras dão<br />

privilégios a <strong>em</strong>presas ambientalmente sadias ou exig<strong>em</strong><br />

taxas financeiras e valores de apólices mais elevadas de<br />

<strong>em</strong>presas com caráter de poluidoras.<br />

O consumidor também está aprendendo a valorizar<br />

as <strong>em</strong>presas que não polu<strong>em</strong> e se preocupam com a<br />

natureza, passando a consumir com exclusividade e<br />

fidelidade seus produtos.<br />

A sociedade <strong>em</strong> geral está cada vez mais exigente<br />

e crítica no que diz respeito a danos ambientais, à<br />

poluição proveniente das <strong>em</strong>presas e de suas atividades<br />

e ao papel que essas vêm des<strong>em</strong>penhando para ajudar<br />

a cuidar da natureza, seja no âmbito local ou com<br />

campanhas de alcance maior.<br />

Não se pode deixar de lado as organizações nãogovernamentais<br />

e grupos de serviço que estão cada dia<br />

mais vigilantes. Eles exig<strong>em</strong> o cumprimento da legislação<br />

ambiental por parte das <strong>em</strong>presas, a minimização de<br />

impactos causados quando da produção de mercadoria<br />

e exercício de sua atividade, a reparação de danos<br />

ambientais e ainda vêm servindo de forte instrumento<br />

no sentido de impedir a implantação de novos<br />

<strong>em</strong>preendimentos ou atividades que possam causar<br />

danos ou prejuízos ao meio ambiente.<br />

A imag<strong>em</strong> de <strong>em</strong>presas ambientalmente saudáveis<br />

e responsáveis com a natureza v<strong>em</strong> sendo b<strong>em</strong> mais<br />

aceita por acionistas, investidores, consumidores,<br />

fornecedores e pelas autoridades públicas.<br />

Investidores e acionistas conscientes da<br />

responsabilidade ambiental buscam investir <strong>em</strong><br />

<strong>em</strong>presas lucrativas, mas que tenham também a conduta<br />

de ambientalmente responsáveis. Esse é um fator que<br />

diferencia a <strong>em</strong>presa e, diante dessa conscientização<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 39-47<br />

41


42<br />

que v<strong>em</strong> sendo exigida, o mundo vai fazer com que essa<br />

<strong>em</strong>presa tenha seu lugar no mercado.<br />

A gestão ambiental <strong>em</strong>presarial está na ord<strong>em</strong> do<br />

dia, é o assunto do momento. Não há mais como fugir<br />

principalmente nos países industrializados e também já<br />

nos países considerados <strong>em</strong> vias de desenvolvimento e<br />

crescimento.<br />

A busca por produtos cultivados ou fabricados de<br />

forma ambientalmente compatível com a preservação e<br />

não degradação do ambiente cresce mundialmente <strong>em</strong><br />

especial nos países industrializados. Porém, os outros<br />

países não ficam de fora, pois essa é uma exigência de<br />

mercado tanto para investimento como para exportação<br />

e importação de produtos.<br />

A relação entre o mundo dos negócios e a natureza<br />

avançou drasticamente. Antes as <strong>em</strong>presas tinham <strong>em</strong><br />

suas listas de despesas que precisavam patrocinar o<br />

reflorestamento ou reciclar lixo. Hoje os custos dessas<br />

ações vão para a lista de investimento, porque significam<br />

lucro e crescimento dos negócios.<br />

Os consumidores estão voltados a dispensar<br />

produtos e serviços que agrid<strong>em</strong> o meio ambiente.<br />

Principalmente os importadores estão exigindo a<br />

certificação ambiental nos moldes da ISO 14.000 ou<br />

mesmo certificados ambientais específicos, como os<br />

selos que passaram a ser um diferencial para as <strong>em</strong>presas<br />

preocupadas com o meio ambiente e com a produção<br />

responsável. Esses selos fornec<strong>em</strong> uma certificação<br />

com grande valor no mercado dos negócios.<br />

3.2 Certificação ambiental<br />

A certificação ambiental v<strong>em</strong> como exigência para<br />

as <strong>em</strong>presas manter<strong>em</strong>-se vivas e confiáveis. Em razão<br />

disso, há a necessidade de criação de normas de caráter<br />

mais abrangente e de aceitação internacional que v<strong>em</strong><br />

qualificando o produto colocado no mercado.<br />

Além do fator <strong>em</strong>presa responsável, t<strong>em</strong> a característica<br />

do aumento da competitividade. Isso v<strong>em</strong> motivando<br />

os <strong>em</strong>presários para a necessidade de um melhor<br />

aprimoramento técnico e de qualidade na sua produção.<br />

Sendo assim, nos países desenvolvidos, surgiram<br />

várias entidades de certificação com suas normas. Vêm se<br />

destacando a Internacional Organization of Standarlization<br />

(ISO) e a Federação Mundial das Organizações Nacionais<br />

de Normalização - que lançou entre outros a ISO 9000,<br />

que é responsável pela qualificação do produto lançado<br />

e teve uma boa aceitação nos países desenvolvidos e<br />

<strong>em</strong> desenvolvimento.<br />

No Brasil muitas <strong>em</strong>presas buscaram essa certificação.<br />

Isso fez com que elas saíss<strong>em</strong> à frente na competição<br />

mercadológica, tendo <strong>em</strong> vista a rigidez de suas exigências.<br />

A Conferência sobre o Meio Ambiente e<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 39-47<br />

Rúbia Spirandelli Rodrigues<br />

Desenvolvimento (Rio-92), que aconteceu na cidade<br />

do Rio de Janeiro, foi um grande marco relacionado às<br />

questões ambientais no Brasil, gerando a necessidade de<br />

normalizar os produtos <strong>em</strong> relação ao meio ambiente.<br />

Foi criada a ISO 14.000, que orienta na obtenção<br />

dos Certificados de Gestão Ambiental e v<strong>em</strong> sendo<br />

implantada cada vez mais pelas indústrias <strong>em</strong> quase<br />

todo o mundo, incluindo o Brasil.<br />

A conscientização quanto aos aspectos ambientais da<br />

sociedade onde a <strong>em</strong>presa está inserida faz com que aquelas<br />

que implantar<strong>em</strong> as normas da ISO <strong>em</strong> suas administrações<br />

tenham vantagens <strong>em</strong> relação às d<strong>em</strong>ais. A finalidade<br />

primordial é buscar um desenvolvimento sustentável com<br />

o mínimo de prejuízo possível ao meio ambiente.<br />

A ISO 14.000 traz muitas novidades <strong>em</strong> termos de<br />

processamento e qualificação dos produtos. Ela cria<br />

o selo verde, sendo um moderno instrumento de<br />

garantia de adaptação dos produtos danosos ao meio<br />

ambiente. As <strong>em</strong>presas que receber<strong>em</strong> a certificação<br />

ambiental terão vantagens como: pouco desperdício<br />

de matéria-prima, maior qualidade dos produtos,<br />

confiabilidade mercadológica, maior credibilidade nas<br />

licitações, melhores oportunidades de negócios, maior<br />

competitividade, menor impacto ambiental e mais<br />

oportunidades de investimentos.<br />

3.3 Os selos ecológicos<br />

Uma das formas encontradas para d<strong>em</strong>onstrar a<br />

adaptação das <strong>em</strong>presas às novas exigências do mercado<br />

e sua preocupação com o meio ambiente foi a criação<br />

de etiquetas ou selos ecológicos. Eles diferenciam<br />

produtos que passaram por um controle de qualidade<br />

ambiental e estão aptos a entrar no mercado com<br />

menor possibilidade de causar prejuízo ao ambiente.<br />

O selo ecológico passou a ser um incentivo e estimulo<br />

às <strong>em</strong>presas com boas perspectivas relacionadas ao<br />

mercado, b<strong>em</strong> como uma motivação ao consumidor na<br />

busca por produtos selecionados e que causam menos<br />

impacto ambiental.<br />

Os rótulos ambientais são selos de comunicação que<br />

visam dar informações ao consumidor sobre o produto<br />

caracterizado por um processo de seleção de matériasprimas<br />

produzidas de acordo com especificações<br />

ambientais.<br />

Diversos países criaram seus próprios selos, os quais<br />

passaram a ser um diferencial competitivo. Dentre os<br />

países pioneiros na utilização da rotulag<strong>em</strong> ambiental<br />

de produtos, destacam-se: Al<strong>em</strong>anha, Estados Unidos<br />

e a União Europeia.<br />

Probl<strong>em</strong>as surgiram com a crescente proliferação de<br />

rótulos ambientais até que a ISO 14.000 criou normas e<br />

critérios gerais para a rotulag<strong>em</strong>. A rotulag<strong>em</strong> ambiental,


de modo geral, ainda é objeto de estudo por parte do<br />

Subcomitê 03 da ISO. No Brasil, é representada pela<br />

ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).<br />

A ABNT - Qualidade Ambiental visa suprir as<br />

necessidades brasileiras na área de certificação ambiental<br />

para que as <strong>em</strong>presas coloqu<strong>em</strong> no mercado produtos<br />

com total qualidade e garantia para o consumidor. Com<br />

essa nova forma de garantia ecológica de produtos<br />

industrializados, é possível combater cada vez mais a<br />

degradação ambiental com medidas mais concretas e<br />

efetivas, propiciando a melhoria da qualidade de vida<br />

<strong>em</strong> um ambiente saudável.<br />

Ao considerar a gestão ambiental no contexto<br />

<strong>em</strong>presarial, percebe-se de imediato que ela pode<br />

ter, e geralmente t<strong>em</strong>, uma importância muito<br />

grande, inclusive estratégica. Dependendo do grau de<br />

sensibilidade para com o meio ambiente d<strong>em</strong>onstrado<br />

e adotado pela alta administração, é possível perceber<br />

e antever o potencial que existe para que uma gestão<br />

ambiental efetiva possa ser implantada a fim de que tal<br />

<strong>em</strong>presa obtenha sua certificação e possa colocar <strong>em</strong><br />

seus produtos os selos ecológicos, um diferencial já<br />

reconhecido pelos consumidores e mercados nacional<br />

e internacional.<br />

4 A gestão ambiental nas <strong>em</strong>presas<br />

A necessidade e importância da gestão ambiental<br />

para a <strong>em</strong>presa se dão <strong>em</strong> razão de possíveis danos e<br />

efeitos ambientais que pod<strong>em</strong> ocorrer durante o ciclo<br />

de produção. Este pode causar impactos sobre o meio<br />

ambiente, a saúde humana, a distribuição e comercialização<br />

dos produtos, da assistência técnica e destinação final dos<br />

bens. A adoção da gestão ambiental pela <strong>em</strong>presa só traz<br />

a ela benefícios, pois além do diferencial no mercado,<br />

envolve ainda o menor risco na produção de mercadorias<br />

e a aproximação com o consumidor.<br />

Várias políticas pod<strong>em</strong> servir de instrumentos de<br />

gestão com vistas a obter ou assegurar a economia e<br />

o uso racional de matérias-primas e insumos, deixando<br />

evidente a responsabilidade e o compromisso da<br />

<strong>em</strong>presa com o meio ambiente.<br />

As formas pod<strong>em</strong> ser as mais variadas, como orientar<br />

consumidores quanto à compatibilidade ambiental<br />

dos processos produtivos e dos seus produtos ou<br />

serviços; custear campanhas institucionais da <strong>em</strong>presa<br />

com destaque para a conservação e a preservação<br />

da natureza; disponibilizar material informativo,<br />

d<strong>em</strong>onstrando o des<strong>em</strong>penho da <strong>em</strong>presa na área<br />

ambiental e buscar a certificação dos seus produtos nos<br />

moldes das normas ISO 14.000.<br />

A responsabilidade ambiental da <strong>em</strong>presa no novo século<br />

Os objetivos e as finalidades inerentes a um<br />

gerenciamento ambiental nas <strong>em</strong>presas evident<strong>em</strong>ente<br />

dev<strong>em</strong> estar <strong>em</strong> consonância com o conjunto das<br />

atividades <strong>em</strong>presariais e o compromisso fiel de cuidar<br />

e zelar pela natureza.<br />

4.1 Empresas brasileiras<br />

No Brasil, na década de 1990, o movimento de<br />

valorização da responsabilidade social <strong>em</strong>presarial<br />

ganhou forte impulso por meio de ações de entidades<br />

não-governamentais, institutos de pesquisa e <strong>em</strong>presas<br />

sensibilizadas com a questão. As <strong>em</strong>presas passaram a<br />

se preocupar com a certificação, as normas da ISO e as<br />

estratégias para sua inclusão social no mercado.<br />

No momento, uma quantidade grande de <strong>em</strong>presas<br />

nacionais está d<strong>em</strong>onstrando preocupações e investindo<br />

<strong>em</strong> seu des<strong>em</strong>penho no setor ambiental. Muitas dessas<br />

<strong>em</strong>presas são filiais de multinacionais e se adequam a<br />

padrões corporativos com intuito de preservar o nome<br />

da companhia e evitar probl<strong>em</strong>as. Outras visam melhor<br />

des<strong>em</strong>penho por uma necessidade expressa dos clientes.<br />

As <strong>em</strong>presas pod<strong>em</strong> ser classificadas <strong>em</strong> quatro<br />

categorias: aquelas que não faz<strong>em</strong> nada pelo meio<br />

ambiente, pois suas atividades geram poucos impactos<br />

ambientais; as que atuam pouco apesar de gerar<strong>em</strong><br />

impactos; as que procuram ter uma atuação mais<br />

significativa e as que estão procurando obter a certificação<br />

segundo normas ambientais para o seu sist<strong>em</strong>a de gestão.<br />

O Índice Dow Jones Mundial de Sustentabilidade<br />

(DJSI) foi criado <strong>em</strong> 1999 e, naquele mesmo ano,<br />

81 <strong>em</strong>presas mundiais do setor de petróleo e gás<br />

e 20 brasileiras tentaram seu ingresso. A Petrobras<br />

conquistou o direito de compor o DJSI, o mais<br />

importante índice internacional de sustentabilidade,<br />

usado como parâmetro para análise dos investidores<br />

sócio e ambientalmente responsáveis.<br />

No Brasil integram o DJSI: Aracruz Celulose,<br />

Banco Bradesco, Banco Itaú, Companhia Energética<br />

de Minas Gerais (C<strong>em</strong>ig). No setor de petróleo e gás<br />

estão incluídas: BG Group, BP PLC, EnCana, Nexen<br />

Inc, Repsol YPF, Royal Dutch Shell, Shell Canada Ltd.,<br />

Statoil, Suncor Energy Inc., Total S.A. O levantamento<br />

da Market Analysis de 2007 aponta as dez melhores<br />

corporações <strong>em</strong> responsabilidade social atuantes no<br />

Brasil. Entre as melhores avaliadas estão Petrobras,<br />

Nestlé, Coca-Cola, Rede Globo, Unilever, Natura, Vale<br />

do Rio Doce, AmBev, Bom Preço e Azaléia 2 .<br />

Apesar do quadro apresentado acima, o Brasil<br />

ainda é visto pelo mundo como um país irresponsável<br />

do ponto de vista ambiental por não conseguir evitar<br />

2 GARNIER C. de A. Responsabilidade social e ambiental da <strong>em</strong>presa. São Paulo, 2008. Disponível <strong>em</strong> http:. Acesso <strong>em</strong>:<br />

04 jul. 2010.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 39-47<br />

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44<br />

queimadas, degradações ambientais, poluições etc.<br />

O comprometimento tanto do governo quanto<br />

da sociedade como um todo, envolvendo cidadão<br />

e <strong>em</strong>presa, ainda está muito longe de garantir a<br />

sobrevivência do meio ambiente.<br />

5 Da proteção constitucional<br />

do meio ambiente<br />

A preservação do patrimônio cultural brasileiro foi<br />

t<strong>em</strong>a introduzido pela Constituição Federal de 1988. Ela<br />

trouxe a regulamentação sobre o meio ambiente para<br />

a legislação, destinou um capítulo inteiro a questão do<br />

meio ambiente (Capítulo VI, do Título VIII), garantindo<br />

o caráter de direito fundamental.<br />

Diante dessa ord<strong>em</strong> constitucional, a preocupação<br />

ambiental tornou-se presente para todos os setores,<br />

tanto público como privado. Baracho Junior destaca:<br />

A discussão de probl<strong>em</strong>as ambientais só é<br />

possível <strong>em</strong> uma sociedade industrializada,<br />

seja porque nelas a organização de interesses<br />

metaindividuais se torna viável, seja porque<br />

os probl<strong>em</strong>as ambientais se tornam mais<br />

acentuados com a industrialização (BARACHO<br />

JUNIOR, 2000, p. 175).<br />

A Constituição Federal de 1988 veio tratando do<br />

meio ambiente de maneira esparsa, ora dispondo de<br />

instrumentos que visam protegê-lo, ora consolidando<br />

a divisão de atribuições entre os entes políticos<br />

integrantes da federação. Assim, o meio ambiente foi<br />

consagrado <strong>em</strong> muitos dos princípios constitucionais.<br />

O legislador brasileiro passou a criar mecanismos de<br />

proteção ambiental, destaque para a Lei dos Crimes<br />

Ambientais, lei n. 9.605 de 12 fevereiro de 1998; a lei n.<br />

6.938 de 31 de agosto de 1991, que instituiu a Política<br />

Nacional do Meio Ambiente; entre outras que visam à<br />

regulamentação e à proteção do meio ambiente.<br />

A Constituição Federal de 1988 consagrou a<br />

proteção ambiental <strong>em</strong> seu artigo 225 como proteção a<br />

um b<strong>em</strong> de uso comum do povo e essencial a uma boa<br />

qualidade de vida, ou seja, pertencente ao rol dos bens<br />

de interesse difusos.<br />

Artigo 225 - Todos têm direito ao meio ambiente<br />

ecologicamente equilibrado, b<strong>em</strong> de uso comum<br />

do povo e essencial à sadia qualidade de vida,<br />

impondo-se ao poder público e à coletividade<br />

o dever de defendê-lo e preservá-lo para os<br />

presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988).<br />

Interpretando o artigo constitucional, observase<br />

que o meio ambiente é um direito de todos e<br />

oponível contra todos aqueles que o polu<strong>em</strong> e o<br />

degradam, sejam pessoas físicas ou jurídicas, públicas<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 39-47<br />

Rúbia Spirandelli Rodrigues<br />

ou privadas. O texto ainda traz a associação entre um<br />

meio ambiente ecologicamente equilibrado e uma sadia<br />

qualidade de vida, valorizando o princípio fundamental<br />

da constituição que é a dignidade da pessoa humana.<br />

Daí o conceito da nova <strong>em</strong>presarialidade voltado para<br />

a proteção ao meio ambiente saudável. Nele, a <strong>em</strong>presa<br />

institui <strong>em</strong> seu dia-a-dia o l<strong>em</strong>a da responsabilidade<br />

social, se destacando pela preocupação com um b<strong>em</strong><br />

que é de todos.<br />

Em 1998, o Conselho Mundial para o Desenvolvimento<br />

Sustentável (WBCSD), primeiro organismo internacional<br />

puramente <strong>em</strong>presarial com ações voltadas à<br />

sustentabilidade, definiu “responsabilidade socioambiental”<br />

como:<br />

o compromisso permanente dos <strong>em</strong>presários<br />

de adotar um comportamento ético e contribuir<br />

para o desenvolvimento econômico, melhorando,<br />

simultaneamente, a qualidade de vida de seus<br />

<strong>em</strong>pregados e de suas famílias, da comunidade local<br />

e da sociedade como um todo (WBCSD, 1998).<br />

Pode ser entendida também como um sist<strong>em</strong>a<br />

de gestão adotado por <strong>em</strong>presas públicas e privadas<br />

que t<strong>em</strong> por objetivo providenciar a inclusão social<br />

(responsabilidade social) e o cuidado ou conservação<br />

ambiental (responsabilidade ambiental).<br />

Com a internacionalização do capital, ou seja,<br />

a globalização, o uso dos recursos naturais pelas<br />

<strong>em</strong>presas passou a ser de maneira intensa e quase<br />

predatória, s<strong>em</strong> a devida preocupação com os<br />

possíveis danos. As <strong>em</strong>presas, no intuito de ganhar a<br />

confiança do novo público mundial - preocupado com<br />

a preservação e o possível esgotamento dos recursos<br />

naturais - procuraram se adaptar à nova tendência<br />

com programas de preservação ambiental e utilização<br />

consciente dos recursos naturais. Muitas buscam seguir<br />

as regras de qualidade idealizadas pelo programa ISO<br />

14.000 e pelo Instituto Ethos.<br />

Sendo assim, depois do enfoque especial tornando<br />

constitucional a matéria relacioanda ao meio ambiente<br />

e sua proteção, várias outras legislações surgiram para<br />

a regulamentação, fiscalização e proteção ambiental.<br />

Daí também a maior fiscalização tanto por parte dos<br />

poderes públicos e Ministério Público quanto por parte<br />

do próprio cidadão, que sabe da fundamentalidade do<br />

ambiente na vida de todos e também da necessidade<br />

de proteção com o condão de preservação do mundo.<br />

6 Considerações finais<br />

A economia mundial globalizada e suas consequências<br />

vêm trazendo às <strong>em</strong>presas oportunidades de expansão<br />

e o compromisso de gestão e cuidado com o meio


ambiente. Aquelas que consegu<strong>em</strong> perceber a nova<br />

tendência mundial e se adéquam a ela estão criando<br />

mercados cada vez maiores, graças às novas tecnologias<br />

da comunicação.<br />

Para isso, os <strong>em</strong>presários e as <strong>em</strong>presas precisam<br />

desenvolver uma nova filosofia e adequar seus parques<br />

industriais e seus produtos a um fator cada vez mais<br />

importante na comercialização: o fator ambiental. Isso<br />

porque a conscientização dos probl<strong>em</strong>as ambientais t<strong>em</strong><br />

feito com que os consumidores fiqu<strong>em</strong> mais exigentes<br />

quanto à qualidade dos produtos que adquir<strong>em</strong>.<br />

Assim, o fator ambiental v<strong>em</strong> mostrando a necessidade<br />

de adaptação das <strong>em</strong>presas e consequent<strong>em</strong>ente<br />

direciona novos caminhos na sua expansão. As<br />

<strong>em</strong>presas dev<strong>em</strong> mudar seus paradigmas, sua visão<br />

<strong>em</strong>presarial, objetivos, estratégia de investimentos e de<br />

marketing. Tudo isso voltado para o aprimoramento de<br />

seu produto, adaptando-o à nova realidade do mercado<br />

global, o corretamente ecológico.<br />

Prova dessa necessidade de melhoria da qualidade<br />

ambiental global é o crescente número de <strong>em</strong>presas<br />

que passaram a adotar as normas da série ISO 14.000<br />

- que tratam da qualidade ambiental da produção e do<br />

produto <strong>em</strong> si - b<strong>em</strong> como do crescente número de<br />

<strong>em</strong>presas <strong>em</strong> vários setores que passaram a adotar os<br />

selos de qualidade para que os consumidores possam<br />

identificar os produtos ecologicamente corretos.<br />

A globalização, a expansão das indústrias e a sua<br />

necessária adaptação ao referido fator ambiental para<br />

que haja menor agressão ao ambiente exig<strong>em</strong> do<br />

administrador de <strong>em</strong>presas moderno uma nova visão<br />

de trabalho e consequent<strong>em</strong>ente uma nova forma de<br />

administração, ou seja, uma administração voltada à<br />

constante preservação ambiental.<br />

Várias condutas pod<strong>em</strong> ser usadas pelas <strong>em</strong>presas<br />

com intuito de diminuir a degradação e o desrespeito<br />

com o meio ambiente. Além disso, a execução de<br />

programas internos de educação ambiental que visam<br />

à conscientização de seus <strong>em</strong>pregados sobre as novas<br />

diretrizes. Assim, é possível a adaptação das <strong>em</strong>presas<br />

às novas exigências do mercado a fim de ganhar<strong>em</strong><br />

espaço no mundo globalizado. Ainda é preciso levar <strong>em</strong><br />

consideração a proteção constitucional dada ao meio<br />

ambiente, que é um b<strong>em</strong> de todos e, portanto, é dever<br />

de todos protegê-lo.<br />

Sendo assim, não há outra alternativa às <strong>em</strong>presas<br />

a não ser se adaptaram às novas regras e ordens da<br />

<strong>em</strong>presarialidade moderna, que são voltadas não<br />

só ao lucro mais também para a responsabilidades<br />

sociais e ambientais. Não há como negar que o mundo<br />

dos negócios e o mundo natural estão intimamente<br />

ligados. O índice de sustentabilidade nas principais<br />

bolsas de valores do mundo reflete a valorização das<br />

A responsabilidade ambiental da <strong>em</strong>presa no novo século<br />

companhias verdes.<br />

O mercado v<strong>em</strong> deixando claro que a agenda<br />

socioambiental não pode ser ignorada pelas <strong>em</strong>presas<br />

que quer<strong>em</strong> prosperar e que preservar a natureza é<br />

definitivamente aumentar seus próprios lucros. O<br />

l<strong>em</strong>a da sustentabilidade do meio ambiente passa a<br />

ser: preservar é um bom negócio, significa lucro e<br />

respeitabilidade pelo mercado e pelo consumidor.<br />

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dano ao meio ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.<br />

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v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 39-47<br />

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Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>:<br />

04 jul. 2010.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 39-47<br />

Rúbia Spirandelli Rodrigues


A responsabilidade ambiental da <strong>em</strong>presa no novo século<br />

ENVIRONMENTAL RESPONSIBILITY BUSINESS IN THE CENTURY<br />

ABSTRACT: The text examines the commitment of companies linked to new business with the protection and<br />

preservation of the environment, which is an indispensable factor for growth and business development in a<br />

globalized world. The environment calls for help and new manag<strong>em</strong>ent techniques and business manag<strong>em</strong>ent can<br />

not ignore its importance as a factor in protection and social responsibility, source of raw materials, growth and<br />

social commitment. The classification of companies in the world market tends to have a rating because of their<br />

commitment and responsibility. So there is no output before the era of new business for companies that want to<br />

maintain and stand out in the market without sticking to the commitment and the needs of a healthy environment.<br />

KEYWORDS: Company; protection and preservation of the environment; social commitment.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 39-47<br />

47


A TELEVISÃO COMO CABO ELEITORAL<br />

Edwaldo Costa 1<br />

RESUMO: Este artigo joga luz sobre esse momento da vida nacional, ao analisar uma das inovações que<br />

contribuíram para tornar a cobertura das eleições tão intrigante. Também nos ocupamos da análise de alguns<br />

fragmentos discursivos presentes nas reportagens, visando acentuar a constante formulação dos enquadramentos<br />

adotados no horário eleitoral e nas matérias produzidas <strong>em</strong> alguns telejornais. A literatura que busca discutir o<br />

cenário no qual repousam nossas dúvidas e incertezas sobre o futuro da d<strong>em</strong>ocracia representativa nas sociedades<br />

modernas já d<strong>em</strong>onstra uma das características desse cenário, b<strong>em</strong> visível e de fácil verificação: o ambiente<br />

d<strong>em</strong>ocrático atual está configurado <strong>em</strong> uma esfera pública fort<strong>em</strong>ente dependente da presença dos meios de<br />

comunicação de massa. Eles atuam seja para nos atualizar <strong>em</strong> relação aos acontecimentos que julgamos relevantes,<br />

inclusive quanto às suas implicações cotidianas e desdobramentos futuros, seja para nos colocar diante de ideias,<br />

plataformas eleitorais e modos de representação que eram restritos ao mundo convencional da política, mas que<br />

estão agora abrigados nesse novo espaço público, do qual a mídia passou não só a fazer parte, mas também a<br />

estabelecer a dinâmica.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Comunicação; marketing político; televisão.<br />

Introdução<br />

Segundo Veiga (2001), a função da propaganda<br />

eleitoral gratuita na televisão é, primeiramente, a de<br />

mobilizar o eleitor para a disputa: é por meio dela<br />

que as pessoas despertam para a “hora política”. Em<br />

segundo lugar está a sua função de prover o eleitor de<br />

informações seguras para que possa decidir o voto,<br />

ainda que perceba que o horário eleitoral é isento de<br />

imparcialidade. Entretanto, é ali que o eleitor vai buscar<br />

informações: conhecer melhor os candidatos a fim de<br />

diminuir a incerteza que caracteriza a decisão eleitoral.<br />

Outra d<strong>em</strong>anda que se vê atendida pelos espectadores<br />

do horário eleitoral diz respeito à necessidade de<br />

segurança e estabilidade <strong>em</strong>ocional, pelo incr<strong>em</strong>ento<br />

da credibilidade <strong>em</strong> relação aos candidatos, obtido com<br />

o conhecimento adquirido e maior compreensão do<br />

cenário. Uma terceira d<strong>em</strong>anda, ainda segundo Veiga<br />

(2001), é atendida pelo horário gratuito: a de reforços<br />

da experiência estética e <strong>em</strong>otiva. A beleza e <strong>em</strong>oção<br />

dos programas têm efeito persuasivo, uma vez que<br />

ativam e retêm a atenção, deixando o espectador mais<br />

receptivo e menos crítico às mensagens. A propaganda<br />

eleitoral, portanto, é a maior referência para o eleitor<br />

decidir o seu voto.<br />

A televisão atinge todas as camadas sociais e a<br />

propaganda eleitoral televisiva pode ser considerada<br />

a forma mais eficiente de os candidatos e partidos<br />

levar<strong>em</strong> suas mensagens ao “público” <strong>em</strong> geral. Ao<br />

lado do papel informativo e esclarecedor, a propaganda<br />

busca persuadir/seduzir não apenas por meio de<br />

suas mensagens objetivas (plataformas ou programas<br />

políticos), mas, sobretudo, pela “imag<strong>em</strong>” que se deseja<br />

que o eleitor construa sobre os diversos concorrentes.<br />

E isso se dá por meio do somatório de diferentes<br />

linguagens: verbal, gestual, sonora e imagética.<br />

Apesar de ter sua orig<strong>em</strong> na década de 1960, a<br />

propaganda política no Brasil adquiriu relevância política<br />

apenas na metade da década de 1980. Isso porque no<br />

intervalo entre 1970 e 1980, vigorou um regime de<br />

exceção, sendo, portanto, o responsável direto pelo<br />

retardo no desenvolvimento da propaganda política<br />

televisiva <strong>em</strong> nosso país (LATTMAN-WELTMAN, 2003).<br />

As eleições presidenciais, <strong>em</strong> geral, e a campanha<br />

eleitoral, <strong>em</strong> particular, são cada vez mais um evento de<br />

exaustiva cobertura midiática. A cada eleição observamos<br />

nos meios de comunicação diversas discussões e<br />

análises políticas, tratando de previsões dos resultados<br />

eleitorais. Os profissionais da comunicação dão ênfase a<br />

aspectos da disputa eleitoral que, muitas vezes, passam<br />

ao largo da análise da ciência política. Geralmente,<br />

as análises realizadas nos meios de comunicação<br />

durante a campanha eleitoral atribu<strong>em</strong> grande peso às<br />

variáveis conjunturais como acontecimentos políticos,<br />

declarações dos políticos, des<strong>em</strong>penho no debate e o<br />

des<strong>em</strong>penho da economia. A ciência política confere<br />

maior importância às variáveis estruturais como a<br />

situação socioeconômica, identificação ideológica ou<br />

racionalidade dos agentes, destacando-se três grandes<br />

escolas do comportamento eleitoral: a sociológica, a<br />

psicossociológica e a econômica.<br />

Todo o processo eleitoral deveria assegurar a<br />

1 Professor mestre do curso de Comunicação Social, Universidade do Estado de Minas Gerias (UEMG) - Campus de Frutal. Avenida Professor Mário<br />

Palmério, 1001 – CEP 38200-000. Frutal – MG. e-mail: guga.aracatuba@terra.com.br.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 49-55<br />

49


50<br />

Edwaldo Costa<br />

legitimidade do regime s<strong>em</strong>, contudo, ameaçar as suas<br />

estruturas. Para isso, vários recursos foram utilizados,<br />

como o uso maciço da máquina governamental e a<br />

intimidação pura e simples. Quando tais medidas não<br />

se mostravam suficientes, recursos adicionais eram<br />

<strong>em</strong>pregados. Na época <strong>em</strong> que a d<strong>em</strong>ocracia foi<br />

interrompida no país, nossos meios de comunicação<br />

de massa encontravam-se <strong>em</strong> plena fase de transição.<br />

Beneficiados diretamente pela d<strong>em</strong>ocracia após a II<br />

Guerra Mundial e o Estado Novo e pela industrialização e<br />

desenvolvimento econômico, os grandes jornais da época<br />

avançavam num processo de profissionalização iniciado<br />

na década de 1950, ganhando contornos <strong>em</strong>presariais.<br />

A expansão da televisão pela sociedade e sua revolução<br />

interna acabaram reorganizando toda a distribuição de<br />

recursos de propaganda disponíveis no país. As revistas<br />

ilustradas e o rádio foram os mais atingidos com esse<br />

crescimento, causando prejuízos significativos para os<br />

dois meios. Após a fase de transição, contudo, a TV<br />

conseguiu manter sua participação <strong>em</strong> crescimento,<br />

enquanto todos os outros meios declinavam.<br />

O termo comunicação v<strong>em</strong> do latim communicatio,<br />

do qual distinguimos três el<strong>em</strong>entos: uma raiz<br />

munis, que significa “estar encarregado de”,<br />

que acrescido do prefixo co, o qual expressa<br />

simultaneidade, reunião, t<strong>em</strong>os a idéia de uma<br />

“atividade realizada conjuntamente”, completada<br />

pela terminação tio, que por sua vez reforça a<br />

idéia de atividade (MARTINO, 2001, p. 12-13).<br />

O interesse do público <strong>em</strong> adquirir informação,<br />

conhecer os argumentos e a amplitude dos setores nãointeressados<br />

são fatores diretamente relacionados ao<br />

êxito ou fracasso de uma campanha informativa. Quanto<br />

mais interessado num determinado assunto, maior a<br />

possibilidade do indivíduo ser atingido pela informação<br />

e quanto maior a exposição do indivíduo a determinado<br />

t<strong>em</strong>a, maior a probabilidade de ele tornar-se interessado<br />

pelo t<strong>em</strong>a, aumentando a motivação. De outro giro,<br />

a escassez de interesse e motivação, dificuldade de<br />

acesso à própria informação e apatia social prejudicam o<br />

processo de recepção de mensagens, de forma que, ao<br />

final de uma campanha, parte do público não irá possuir<br />

nenhum conhecimento sobre os assuntos tratados.<br />

Assim como o interesse <strong>em</strong> adquirir informações, os<br />

componentes do público também tend<strong>em</strong> a filtrá-las,<br />

expondo-se às mensagens que estão de acordo com<br />

suas atitudes e evitando as que não estão de acordo com<br />

essas atitudes. O público tende a se expor à informação<br />

correspondente à sua opinião e evitar as mensagens<br />

destoantes de seu ponto de vista.<br />

Além do interesse <strong>em</strong> obter informação e da<br />

exposição seletiva, outra característica psicológica da<br />

audiência apontada é a percepção ou interpretação<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 49-55<br />

seletiva das mensagens. A interpretação seletiva diz<br />

respeito ao fato de o público transformar e adaptar o<br />

conteúdo da informação recebida, chegando a modificar<br />

substancialmente o sentido da mensag<strong>em</strong>. Isso porque<br />

o público possui uma série de predisposições e opiniões<br />

preexistentes sobre uma variedade de t<strong>em</strong>as e recebe<br />

as mensagens da mídia, buscando reduzir tensões<br />

excessivas quando exist<strong>em</strong> opiniões divergentes de<br />

suas próprias. Desse modo, a mensag<strong>em</strong> pode “não<br />

ser compreendida” pelo receptor ou pode receber<br />

uma interpretação absolutamente distinta de seu<br />

conteúdo (decodificação aberrante). Finalmente, outro<br />

mecanismo psicológico referente à percepção seletiva é<br />

o efeito de assimilação. Ele se dá quando o destinatário<br />

capta as opiniões expressas na mensag<strong>em</strong> de uma<br />

forma mais próxima às suas do que são na realidade,<br />

ao passo que o efeito de contraste ocorre quando a<br />

mensag<strong>em</strong> é interpretada como mais distante da sua<br />

opinião do que realmente é; recebendo o conteúdo<br />

como propagandístico e inaceitável.<br />

Por fim, a m<strong>em</strong>orização seletiva é igualmente<br />

um mecanismo psicológico que afeta a absorção<br />

das mensagens pelo público. O destinatário tende a<br />

m<strong>em</strong>orizar os aspectos da mensag<strong>em</strong> <strong>em</strong> consonância<br />

com suas próprias opiniões <strong>em</strong> maior proporção do<br />

que aspectos destoantes. À medida que o t<strong>em</strong>po passa,<br />

tal efeito tende a se acentuar, fazendo com o que o<br />

indivíduo se l<strong>em</strong>bre dos el<strong>em</strong>entos mais próximos às<br />

suas opiniões <strong>em</strong> detrimento dos aspectos conflitantes.<br />

O efeito latente ocorre quando a eficácia persuasiva da<br />

mensag<strong>em</strong> é quase nula imediatamente após a exposição<br />

<strong>em</strong> virtude de uma barreira, mas à medida que o t<strong>em</strong>po<br />

passa, a m<strong>em</strong>orização seletiva atenua o efeito da barreira<br />

e a mensag<strong>em</strong> passa a produzir o efeito desejado.<br />

Os fatores relativos à audiência, como visto, deram<br />

azo a uma vasta pesquisa sobre a organização ótima<br />

das mensagens com fins persuasivos. Contudo, tão<br />

importante quanto os fatores ligados à audiência,<br />

estão os fatores relativos à mensag<strong>em</strong>, dentre os<br />

quais se destacam a credibilidade da fonte, a ord<strong>em</strong> e<br />

a integralidade da argumentação e a explicitação das<br />

conclusões. A reputação da fonte é um importante fator<br />

que influencia mudanças de opinião entre o público.<br />

Assim é que uma informação atribuída a uma<br />

fonte confiável provoca, num primeiro momento,<br />

mudança de opinião na audiência numa proporção<br />

significativamente maior do que informações atribuídas<br />

a fontes não credíveis. Contudo, após certo período<br />

de t<strong>em</strong>po, o efeito latente passa a atuar, atenuando<br />

a falta de credibilidade da fonte, gerando maior<br />

apreensão e assimilação dos conteúdos da mensag<strong>em</strong>.<br />

O efeito latente faz com que, <strong>em</strong> determinados casos,<br />

a mensag<strong>em</strong> se torne mais persuasiva após o decurso


de algum t<strong>em</strong>po. A escassez ou falta de credibilidade da<br />

fonte seleciona a aceitação da mensag<strong>em</strong> pelo público,<br />

de forma que, mensagens idênticas transmitidas por<br />

fontes diferentes apresentam efeitos distintos. Parte<br />

da pesquisa relativa à mensag<strong>em</strong> buscava identificar se<br />

numa mensag<strong>em</strong> que contém argumentos favoráveis<br />

e contrários a determinado t<strong>em</strong>a, a ord<strong>em</strong> de<br />

apresentação dos argumentos influencia a eficácia.<br />

Em geral, as pesquisas buscavam confirmar ou<br />

desmentir a lei da primacy, segundo a qual, a persuasão<br />

seria influenciada especialmente pelos argumentos<br />

iniciais da mensag<strong>em</strong>. De forma resumida, a lei de<br />

primacy diz respeito à saliência desproporcional obtida<br />

pelo conteúdo divulgado no início da mensag<strong>em</strong><br />

relativamente ao conteúdo apresentado no meio ou no<br />

final da mensag<strong>em</strong>. A integralidade da argumentação<br />

busca compreender se a apresentação de um único<br />

ponto de vista ou de vários pontos de vista sobre um<br />

t<strong>em</strong>a controverso causa impacto sobre a mudança de<br />

opinião da audiência.<br />

Finalmente, entre os fatores relativos à mensag<strong>em</strong>,<br />

buscou-se identificar se uma mensag<strong>em</strong> que apresenta<br />

explicitamente o fim persuasivo, ou seja, na qual são<br />

declaradas as conclusões que a mensag<strong>em</strong> pretende<br />

transmitir, são mais eficazes do que mensagens que<br />

não apresentam as conclusões, deixando implícitas para<br />

ser<strong>em</strong> extraídas pelos próprios destinatários. Segundo<br />

Wolf (2005):<br />

Confrontada com a teoria hipodérmica, a teoria<br />

da mídia, vinculada às pesquisas psicológicoexperimentais,<br />

redimensiona a capacidade<br />

indiscriminada dos meios de comunicação<br />

de manipular o púbico: caracterizando a<br />

complexidade dos fatores que intervêm<br />

na determinação da resposta ao estímulo,<br />

atenua-se a inevitabilidade de efeitos maciços;<br />

explicitando as barreiras psicológicas individuais<br />

que os destinatários ativam, evidencia-se a<br />

não-lineariedade do processo de comunicação;<br />

ressaltando a peculiaridade de cada receptor,<br />

analisam-se os motivos de ineficácia dessas<br />

campanhas (WOLF, 2005, p. 31).<br />

A grande expansão dos meios de comunicação social, sua<br />

participação ativa na sociedade e na opinião pública, e mais,<br />

sua presença marcante nos processos políticos eleitorais<br />

suscitaram interrogações que provocaram inúmeras teses<br />

e estudos sobre a influência da mídia no comportamento<br />

social, como também no comportamento dos eleitores,<br />

interesse maior desta obra.<br />

De acordo com (ALMEIDA, 2002), a midiatização da<br />

sociedade cont<strong>em</strong>porânea deve ser entendida como um<br />

processo no qual se amplia e se aprofunda a importância da<br />

mídia, sua extensão e seu alcance territorial para a economia,<br />

A televisão como cabo eleitoral<br />

política e d<strong>em</strong>ais áreas, b<strong>em</strong> como a televisão passa a ser<br />

o meio de comunicação dominante. Para caracterizar<br />

b<strong>em</strong> essa destacada importância da mídia atualmente,<br />

uma pesquisa revelou que um “adulto americano dedica<br />

6,43 horas diárias de atenção à mídia, enquanto apresenta<br />

apenas 14 minutos por dia para interação interpessoal<br />

familiar” (CASARTELLI, 2005, p. 75).<br />

Para se entender mais sobre essa importante<br />

participação dos meios de massa na sociabilidade<br />

cont<strong>em</strong>porânea - entendendo-se cont<strong>em</strong>poraneidade<br />

como uma complexa e tensa convergência de espaços<br />

geográficos e virtuais, convivências e televivências local<br />

e global - Rubim (2000) denomina tal fase de “Idade<br />

Mídia”, que pode ser detectada através de múltiplas<br />

dimensões marcantes da atualidade. Sendo elas: a<br />

gigantesca expansão quantitativa da comunicação; a<br />

proliferação e desenvolvimento de novas modalidades<br />

e sociotecnologias de comunicação; a consolidação da<br />

comunicação como modo expressivo de “experenciar” a<br />

realidade do mundo e a transformação cultural propiciada<br />

pela comunicação com as indústrias da cultura.<br />

Estudiosos da comunicação social, também<br />

preocupados <strong>em</strong> analisar o verdadeiro impacto que os<br />

meios de massa provocam na vida social e individual,<br />

desenvolveram uma teoria chamada de Agenda<br />

Setting. Segundo essa teoria, os t<strong>em</strong>as que aparec<strong>em</strong><br />

com frequência nos meios de comunicação de modo<br />

geral vão moldar as conversas e os pensamentos da<br />

sociedade, ou seja, aquilo que é noticia na mídia é o que<br />

constitui as conversas diárias entre amigos, familiares ou<br />

discussão <strong>em</strong> grupo. Assim, a mídia teria a capacidade<br />

de fixar os t<strong>em</strong>as sobre os quais dev<strong>em</strong>os pensar, logo,<br />

aquilo que não é tratado pela mídia também é ignorado,<br />

inexistente aos seus espectadores.<br />

A hipótese da Agenda Setting faz parte de estudos<br />

norte-americanos preocupados <strong>em</strong> analisar e detectar<br />

as funções dos meios de comunicação e os efeitos<br />

causados sobre sua audiência. Segundo Casartelli<br />

(2005), os primeiros estudos sobre essa teoria surgiram<br />

na década de 1970 e contrariaram a Teoria dos Efeitos<br />

Limitados, a qual defendia que os efeitos da mídia sobre<br />

os indivíduos não seriam grandes e sim limitados. Em<br />

contraponto, as correntes teóricas da Agenda Setting,<br />

divididas <strong>em</strong> dois paradigmas, faz<strong>em</strong> críticas explícitas<br />

ao modelo dos efeitos limitados. O grupo do paradigma<br />

crítico defende uma influência direta e poderosa dos<br />

meios sobre os cidadãos e o tecnológico aponta que a<br />

mídia t<strong>em</strong> o poder de dirigir como as pessoas dev<strong>em</strong><br />

pensar e a que grupo pertenc<strong>em</strong>.<br />

Agenda Setting trata-se de uma das formas<br />

possíveis de incidências da mídia sobre o público,<br />

consistindo num tipo de efeito social da mídia,<br />

onde esta, pela seleção, disposição e incidência de<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 49-55<br />

51


52<br />

Edwaldo Costa<br />

suas notícias v<strong>em</strong> determinar os t<strong>em</strong>as sobre os<br />

quais o público falará e discutirá” (CASARTELLI,<br />

2005, p. 51).<br />

Ainda na abordag<strong>em</strong> dos efeitos causados pela<br />

midiatização da sociedade, Sartori (2001) é mais<br />

complexo, analisando o caso desde as mudanças<br />

intrínsecas ao que constitui o ser humano e sua história,<br />

como também seu reflexo na política.<br />

Sartori (2001) trabalha com o termo “videopolítica”<br />

para explicar o papel central da televisão na esfera<br />

política cont<strong>em</strong>porânea, uma vez que a importância<br />

dos discursos <strong>em</strong> praças públicas e das ass<strong>em</strong>bleias<br />

transportou-se para a tela. Essa centralidade televisiva,<br />

a midiatização da sociedade, transformou o “fazer<br />

política”, e seus agentes precisaram se adaptar às<br />

linguagens e técnicas televisivas para manter<strong>em</strong>-se na<br />

arena política. O autor critica a perda da racionalização<br />

de conceitos e fatos com a midiatização da sociedade,<br />

porquanto as imagens receberam o caráter de<br />

autoridade do real. Logo, se crer naquilo que se vê.<br />

Sartori (2001) denomina o homo videns para explicar o<br />

estado do individuo frente ao novo meio televisivo, <strong>em</strong><br />

que o visível se sobrepõe ao inteligível. Ribeiro (2004)<br />

explica b<strong>em</strong> essa concepção de Sartori (2001).<br />

Sartori responde que o homo sapiens, formado<br />

pela palavra escrita, cujo conhecimento<br />

desenvolvia-se na dimensão do mudus intelligibilis<br />

por meio de conceitos abstratos e representações<br />

mentais, cede lugar ao homo videns, que retorna<br />

ao mundus sensibilis pré-Gut<strong>em</strong>berg, ou seja,<br />

ao mundo percebido pelos sentidos, <strong>em</strong> que<br />

o simples ver obstaculariza a capacidade de<br />

abstração e, <strong>em</strong> conseqüência, de compreensão.<br />

Enquanto o homo sapiens era capaz de<br />

compreender e de explicar a partir da abstração -<br />

bases da própria ciência - entendendo s<strong>em</strong> ver, o<br />

homo videns gerado pela televisão volta ao estagio<br />

pré-moderno <strong>em</strong> que tudo t<strong>em</strong> correspondência<br />

com coisas concretas, visíveis, observáveis, o que<br />

constitui imenso óbice a conceituação de noções<br />

necessariamente abstratas como “nação”,<br />

“soberania” ou “política” (RIBEIRO, 2004, p. 27).<br />

Sartori (2001) também alerta sobre os efeitos que a<br />

“videopolítica” provocou na d<strong>em</strong>ocracia representativa.<br />

Primeiro, ele l<strong>em</strong>bra que as mídias constitu<strong>em</strong> <strong>em</strong>presas<br />

com fins lucrativos, movidos por interesses econômicos<br />

e políticos e, ao ocupar<strong>em</strong> posição fundamental na<br />

influência da opinião pública, pod<strong>em</strong>, na verdade, gerir<br />

esse cenário para atender a objetivos próprios diante<br />

de uma sociedade vulnerável a manipulação <strong>em</strong> massa.<br />

Em segundo lugar, Sartori (2001) alerta para o poderoso<br />

instrumento modelador da opinião publica que os media<br />

se transformaram, principalmente, no ramo televisivo.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 49-55<br />

Para ele, a opinião pública de qu<strong>em</strong> a televisão se diz<br />

porta-voz é, na verdade, o eco da sua própria voz.<br />

Além disso, o autor é enfático <strong>em</strong> frisar que com a<br />

“videopolítica”, características fisionômicas e linguag<strong>em</strong><br />

<strong>em</strong>otiva se fizeram a frente de argumentos lógicos e<br />

discursos eloquentes, pois o <strong>em</strong>ocional sobrepõe o<br />

racional na era do homo videns, fato implicante quando<br />

se considera a d<strong>em</strong>ocracia um sist<strong>em</strong>a político de<br />

escolhas racionais e representativas.<br />

No entanto, essa centralidade dos meios de<br />

comunicação e, particularmente, da televisão na vida <strong>em</strong><br />

sociedade traz consequências culturais relevantes, as quais<br />

Lima (1994) faz questão de abordar: primeiro, a televisão<br />

quebra a necessidade da conexão entre presença física<br />

e experiência e isso lhe dá um poder incomensurável<br />

para construir o real, já que no mundo cont<strong>em</strong>porâneo<br />

não é possível está fisicamente presente <strong>em</strong> todos os<br />

acontecimentos referentes à nossa vida e às decisões que<br />

tomamos cotidianamente. Em segundo lugar, a televisão<br />

tornou as pessoas insensíveis ao texto escrito ou falado<br />

devido ao seu poder de desenvolver no espectador mais o<br />

<strong>em</strong>ocional do que o racional, criando uma ilusória sensação<br />

de intimidade com as pessoas e os fatos por mais distantes<br />

que eles estejam. Em terceiro, a televisão torna a distinção<br />

entre ficção e realidade cada vez mais difícil. E <strong>em</strong> quarto,<br />

a televisão é o espaço por excelência de construção da<br />

cultura mítica cont<strong>em</strong>porânea e dos imaginários sociais.<br />

Almeida (2002) ratifica o cenário de representação da<br />

política tratado por Lima (1994) e considera justamente<br />

que as representações que a mídia faz da realidade passam<br />

a constituir a própria realidade. Assim, as representações<br />

da política defin<strong>em</strong> e delimitam o próprio espaço da<br />

realidade política.<br />

Finalizando, os fatores como a identificação partidária,<br />

a ideologia, a avaliação de des<strong>em</strong>penho do governo e a<br />

condição socioeconômica são fundamentais para definição<br />

do voto. Todavia, a decisão pública é, indubitavelmente,<br />

influenciada pelas informações absorvidas e processadas pelo<br />

indivíduo, ou seja, por aquelas informações selecionadas<br />

e m<strong>em</strong>orizadas no amplo universo de informações<br />

disponíveis. S<strong>em</strong> dúvida, os meios de comunicação<br />

são, cada vez mais, responsáveis pela propagação de<br />

informações políticas ao eleitorado. Na medida <strong>em</strong> que<br />

informações são relevantes para a escolha do eleitor -<br />

que age racionalmente a partir de pouca informação -, a<br />

intensidade, o conteúdo, o enquadramento e a estratégia<br />

de comunicação influenciam o comportamento e, via de<br />

consequência, o resultado eleitoral.<br />

Material e métodos<br />

O projeto foi estruturado utilizando-se a seguinte<br />

metodologia: revisões bibliográficas extraídas de


doutrinas e fichamentos referentes ao t<strong>em</strong>a. Também<br />

foi feito um estudo comparativo com as literaturas já<br />

existentes. A metodologia teve por objetivo solucionar<br />

as questões relativas à classificação de dados, segundo<br />

critérios preestabelecidos, analisando e desenvolvendo<br />

observações a partir das relações de causa e efeito.<br />

Através desses métodos foi possível chegar à conclusão.<br />

Resultados e discussão<br />

O artigo consistiu <strong>em</strong> estruturar um modelo<br />

de análise que cont<strong>em</strong>ple um macro conceito de<br />

marketing eleitoral, suas dimensões, b<strong>em</strong> como os seus<br />

componentes e indicadores para proporcionar um<br />

entendimento dos conceitos de propaganda política.<br />

Conclusão<br />

Hoje os núcleos estratégicos das campanhas<br />

eleitorais estão cada vez mais focados na utilização<br />

racional dos recursos disponíveis. Já não se concebe<br />

uma disputa eleitoral s<strong>em</strong> as ferramentas do marketing.<br />

As estratégias vêm se aperfeiçoando e incorporando<br />

contribuições das mais diversas áreas do conhecimento.<br />

Noções de administração, ciência política, psicologia e<br />

ferramentas de aferição do des<strong>em</strong>penho de estratégias<br />

de marketing faz<strong>em</strong> parte do dia-a-dia do complexo<br />

mundo do marketing político.<br />

Sendo um esforço planejado para se atrair a atenção e<br />

desenvolver o interesse e a preferência de um mercado<br />

de eleitores, o marketing político utiliza-se de diversas<br />

ferramentas técnicas para alcançar esses objetivos. Apesar<br />

do aperfeiçoamento dos métodos utilizados, no entanto,<br />

grandes lacunas ainda se apresentam aos profissionais<br />

da área, como, por ex<strong>em</strong>plo, o desconhecimento do<br />

que acontece com o indivíduo nas suas mais profundas<br />

entranhas na hora de decidir seu voto.<br />

Compreender o que o motiva, quais as razões das<br />

suas preferências e o porquê das suas alternâncias<br />

de opinião têm sido, a cada dia, um desafio para os<br />

pesquisadores que se dedicam ao t<strong>em</strong>a eleições.<br />

Conhecer essas variáveis se faz mais imprescindível,<br />

entretanto, quando o que está <strong>em</strong> discussão é a<br />

definição de uma estratégia política, seja ela eleitoral -<br />

para servir como caminho a ser trilhado por candidatos<br />

até o poder, durante o período de disputa; ou mesmo<br />

de governança e governabilidade - para consolidar a<br />

manutenção desse poder nas mãos dos grupos que o<br />

estiver<strong>em</strong> exercendo.<br />

Com este artigo, procuramos mostrar que através<br />

da televisão muitas pessoas decid<strong>em</strong> seus votos. No<br />

entanto, conseguimos perceber fatores influenciadores<br />

do voto que são: os debates políticos, principalmente<br />

A televisão como cabo eleitoral<br />

<strong>em</strong> <strong>em</strong>issoras conceituadas; os noticiários sobre os<br />

candidatos veiculados <strong>em</strong> toda a mídia televisiva; a<br />

influência das pesquisas de intenção de voto divulgadas<br />

pelos diversos institutos; a ideologia pessoal e dos<br />

partidos políticos; o histórico dos candidatos; o contexto<br />

socioeconômico e cultural <strong>em</strong> que vive o eleitor; o<br />

próprio processo cognitivo de cada indivíduo e seu<br />

particular universo de mitos, signos e símbolos; além,<br />

é claro, das estratégias utilizadas por cada candidato<br />

nas suas campanhas para revelar ao eleitor qu<strong>em</strong> é,<br />

o que pensa, o que fez e faz e o que pretende fazer<br />

pela sociedade que quer representar. Com a pesquisa<br />

é possível verificar que exist<strong>em</strong> diversos fatores que<br />

ag<strong>em</strong> <strong>em</strong> curto, médio e longo prazo, influenciando de<br />

forma e intensidades diferentes.<br />

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v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 49-55<br />

53


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v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 49-55


TELEVISION AS CANVASSER<br />

ABSTRACT: This article throws light on this moment of national life, to analyze one of the innovations that helped<br />

to make the election coverage so intriguing. Also we are dealing with the analysis of some discursive fragments<br />

present in the reports, in order to enhance steady formulation of the frameworks adopted at election time and<br />

materials produced in some newscasts. The literature that discusses the scenario in which rest our doubts and<br />

uncertainties about the future of representative d<strong>em</strong>ocracy in modern societies have shown a characteristic of<br />

this scenario, visible and easy to check: the current d<strong>em</strong>ocratic environment is configured in a public sphere<br />

strongly dependent on the presence of mass media. They act, either to update us regarding events that we de<strong>em</strong><br />

relevant, including in relation to their everyday implications and future developments, or for putting us forth of<br />

ideas, election platforms and modes of representation that were restricted to the conventional world of politics,<br />

but are now housed in this new public space, which the media have become not only part, but also to establish<br />

the dynamics.<br />

KEYWORDS: Communication; political marketing; television.<br />

A televisão como cabo eleitoral<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 49-55<br />

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UMA RETOMADA DA OBRA CAOS E COSMOS, DE<br />

SUZI SPERBER – CONTRADIÇÕES E PROPOSTAS<br />

Marcelo Pessoa 1<br />

RESUMO: Nosso trabalho propõe retomar a obra Caos e cosmos (1976), de Suzi Sperber. Nessa abordag<strong>em</strong>, por<br />

meio de uma pesquisa bibliográfica, traçamos considerações gerais sobre o texto de Caos e cosmos e, <strong>em</strong> seguida,<br />

iniciamos uma releitura dessa obra, apresentando alguns de seus pontos fortes e contradições. Finalmente, a partir<br />

de um provável encontro crítico-literário entre Brasil e Portugal, que Sperber (1976), e Galvão (2000) apenas<br />

suger<strong>em</strong> (representados aqui particularmente pelas obras de Guimarães Rosa e Aquilino Ribeiro), recuperamos<br />

parte do viés histórico orientado pela ideologia colônia e metrópole, a partir do que propomos que as teorias<br />

coloniais e pós-coloniais pod<strong>em</strong> melhor servir de substrato para as futuras análises das obras de Guimarães Rosa.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Aquilino Ribeiro; Caos e cosmos; pós-colonialismo; Guimarães Rosa; Suzi Sperber.<br />

Considerações sobre a obra Caos<br />

e cosmos, de Suzi Sperber<br />

A retomada que ora faz<strong>em</strong>os do texto de Sperber<br />

(1976) t<strong>em</strong>, como objetivo principal, um forte desejo<br />

de d<strong>em</strong>onstrar que a autora <strong>em</strong> questão, naquele<br />

momento, não se aprofundou nos assuntos que trouxe<br />

à tona <strong>em</strong> Caos e cosmos 2 .<br />

Diz<strong>em</strong>os isso, pois o que se observa nessa<br />

publicação é a presença de um método essencialmente<br />

comparativo, a partir do qual foram apresentados dados<br />

de um e outro autor, de um ou outro momento de seus<br />

textos, s<strong>em</strong> discuti-los, o que, a nosso ver, imprimiu<br />

ao seu trabalho um caráter tipicamente jornalístico.<br />

Pautado, portanto, pelo critério da imparcialidade e<br />

menos afeito às abordagens crítico-literárias, território<br />

<strong>em</strong> que normalmente se permit<strong>em</strong> maiores ilações e<br />

um maior vagar na seara das abstrações e conjecturas<br />

analíticas que nele se <strong>em</strong>preend<strong>em</strong>.<br />

Desse modo, o texto <strong>em</strong> voga, às vezes, parece<br />

tentar dissolver-se, por assim dizer, dessa aura de<br />

documentário que a esse volume foi assimilado.<br />

Contudo, o que se consegue, senão um efeito contrário<br />

do que se pretendia, promove-se um adensamento do<br />

probl<strong>em</strong>a inicial, já que trechos de Caos e cosmos se<br />

convert<strong>em</strong>, não raro, <strong>em</strong> longas paráfrases dos textos<br />

de Guimarães Rosa.<br />

Convém ressaltar que, apesar dessa nuance, a autora,<br />

ao recontar, a seu modo, alguns episódios roseanos,<br />

consegue efeitos interpretativos brilhantes, os quais,<br />

se pudéss<strong>em</strong>os, sugeriríamos que predominasse <strong>em</strong><br />

sua narrativa crítica. É digno de destaque também<br />

nesse ponto, que o que estamos fazendo aqui, não é<br />

uma resenha tardia de um texto já consagrado pela<br />

historiografia crítica como basilar no que tange aos<br />

estudos roseanos. O que pretend<strong>em</strong>os é retomar um<br />

momento <strong>em</strong>brionário da crítica literária para que<br />

a partir desse r<strong>em</strong><strong>em</strong>orar, se possam reacomodar<br />

paradigmas e conceitos, independent<strong>em</strong>ente do teor<br />

de validade ou contestação que se tenha dado a ele no<br />

decorrer do t<strong>em</strong>po.<br />

Portanto, a constatação de entrechos, que são, de fato,<br />

brilhantes, na obra de Sperber se justifica, sobretudo, no<br />

capítulo <strong>em</strong> que a autora apresenta ao leitor a obra do Padre<br />

Sertillanges. As ponderações críticas são extr<strong>em</strong>amente<br />

abrangentes nesse ponto, abarcando o corpo total da obra<br />

de Guimarães Rosa no cotejamento que se faz. Sperber<br />

ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que consegue solucionar probl<strong>em</strong>as<br />

significativos <strong>em</strong> partes isoladas dos textos roseanos a partir<br />

de Sertillanges, r<strong>em</strong>ete-nos a outros contextos relevantes<br />

para o confronto t<strong>em</strong>ático que no momento se realizava<br />

sob a pena de Sperber (1976).<br />

Nesse tocante, é válido comentar que no geral do<br />

procedimento comparativo realizado por Suzi Sperber,<br />

vimos que ela preferiu as obras de cunho religioso ou<br />

espiritualista 3 , pois, ao que lhe pareceu, supomos, seria<br />

essa a tônica predominante da ficcionalidade roseana 4 .<br />

Dentre os instantes menos controversos de Caos<br />

e cosmos, pod<strong>em</strong>os destacar o capítulo que trata das<br />

referências a Romano Guardini 5 . Na passag<strong>em</strong> há ocasiões<br />

1 Doutor <strong>em</strong> Letras, área de concentração, Estudos Culturais (UEL/Londrina). Professor do curso de Comunicação Social da Universidade do Estado de<br />

Minas Gerais - Campus de Frutal. Avenida Professor Mário Palmério, 1001 - CEP. 38.200-000, Frutal, MG. E-mail: mpmarcelopessoa@yahoo.com.br.<br />

2 Em seu livro Caos e cosmos, Suzi Sperber trata de encontrar reflexos dos textos de Guimarães Rosa nas leituras por ele feitas de obras de caráter religioso.<br />

3 Dos 2477 livros pesquisados por Sperber, talvez uns 500 possam ser enquadrados dentro das obras de reduzido interesse [...]. Desses quase 2000 livros<br />

restantes, ao redor de 200 pod<strong>em</strong> ser chamados de livros espirituais (SPERBER, 1976, p. 17).<br />

4 Notamos que houve um encaminhamento contrário ao experimentado pelo mundo ocidental: a narrativa roseana volta do logos ao mythos. Também oposta às<br />

tendências do mundo cont<strong>em</strong>porâneo é a sacralização crescente, da primeira à última obra de João Guimarães Rosa (SPERBER, 1976, p. 154).<br />

5 SPERBER, 1976, p. 91.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 57-61<br />

57


58<br />

Marcelo Pessoa<br />

interessantes de análise autoral por parte de Sperber.<br />

Há de ser salientado, porém, que alguns períodos<br />

de seu percurso de investigação seriam, no mínimo,<br />

passíveis de ser<strong>em</strong> mais b<strong>em</strong> explicados devido ora a<br />

prováveis imprecisões de abordag<strong>em</strong>, ora a possíveis<br />

incoerências textuais na construção de frases mesmo, as<br />

quais culminaram <strong>em</strong> contradições s<strong>em</strong>ânticas.<br />

À guisa de mero ex<strong>em</strong>plo do que diss<strong>em</strong>os acima,<br />

citamos apenas um ponto de contradição do texto de<br />

Caos e cosmos, mas, ainda a título de registro, deixamos<br />

claro que exist<strong>em</strong> outros:<br />

O esoterismo t<strong>em</strong> duas características<br />

fundamentais que se ass<strong>em</strong>elham um pouco aos<br />

fenômenos de assimilação das religiões <strong>em</strong> nível<br />

popular. [...] Caso o interesse de Guimarães Rosa<br />

pela doutrina se manifestasse intertextualmente,<br />

encontraríamos <strong>em</strong> Sagarana trechos que lhe<br />

poderiam ser relacionados. Nada encontramos,<br />

porém, que tivesse uma relação clara e imediata<br />

(SPERBER, 1976, p. 24).<br />

Na página seguinte, fazendo-se comentários<br />

relacionados exatamente sobre a mesma obra Sagarana,<br />

a autora se contradiz.<br />

O r<strong>em</strong>ate da estória é independente da vontade<br />

direta de Lalino. É a vontade divina que se<br />

manifesta. Como autor e destino se reconhec<strong>em</strong><br />

idênticos na omnisciência, constitu<strong>em</strong> uma<br />

unidade diferente da fábula [...] Se considerarmos,<br />

porém, os d<strong>em</strong>ais contos de Sagarana, notamos<br />

que não há apenas ironia no tratamento de acaso<br />

e destino: há simpatia também na apresentação<br />

das crendices nacionais e sobretudo das fórmulas<br />

populares de manipulação da divindade: [...]<br />

(SPERBER, 1976, p. 25).<br />

Desse modo, pensamos que a contradição se manifesta<br />

especialmente, na medida <strong>em</strong> que, num primeiro<br />

momento, a autora diz que “nada encontrou” que fizesse<br />

referência à “doutrina”. Em seu texto, Sperber dá-nos a<br />

entender que a palavra “doutrina” pode ser um vocábulo<br />

abrangente <strong>em</strong> sentidos, <strong>em</strong> cujos s<strong>em</strong>as pod<strong>em</strong>os<br />

encontrar referências que oscilam desde o universo dos<br />

rituais e das crenças populares, até aos cultos sagrados<br />

da Igreja. Num segundo momento, ela mesma diz que<br />

Sagarana praticamente se constrói sobre os pilares da<br />

“doutrina”, nos termos acima esclarecidos.<br />

Pod<strong>em</strong>os ponderar que talvez até a autora mesma<br />

tivesse consciência da necessidade de uma retórica mais<br />

refinada e por isso tentou compensar uma provável<br />

fragilidade argumentativa de matriz metodológica (o<br />

que poderia ser resolvido <strong>em</strong>pregando-se um método<br />

dialético ao invés de um método comparativo). Para<br />

isso, preencheu essa lacuna técnica com o declinar de<br />

um artifício <strong>em</strong>pírico, isto é, com um volume infindável<br />

de citações, selecionando excertos extensos da obra de<br />

Guimarães Rosa. Parece-nos que isso é para que o leitor,<br />

por si só, compl<strong>em</strong>entasse os sentidos simbólicos que<br />

ela via, mas que não explicou satisfatoriamente, e que<br />

seus interlocutores, então, fizess<strong>em</strong> as abstrações e as<br />

conjecturas racionais aparent<strong>em</strong>ente omitidas ou não<br />

realizadas pela isotopia proposta.<br />

Em linhas gerais, no que se refere a esse cotejamento<br />

da produção ficcional de Guimarães Rosa, o que fica<br />

evidente ao lermos Caos e cosmos, principalmente<br />

ao confrontarmos suas releituras com os inúmeros<br />

títulos apresentados por Sperber <strong>em</strong> seu texto 6 , é que<br />

menos inferências e digressões críticas sobre poucos<br />

títulos poderiam ter sido feitas <strong>em</strong> detrimento de<br />

muito mais comparações com outras das inúmeras<br />

obras da biblioteca estudada, pertencente ao espólio<br />

de Guimarães Rosa, já que essas comparações seriam,<br />

enfim, o principal objeto de sua busca 7 .<br />

Brasil e Portugal: um possível<br />

contraponto crítico-literário à luz<br />

de Suzi Sperber e Guimarães Rosa<br />

A obra Caos e cosmos, da autora Suzi Sperber se<br />

propõe a realizar um estudo da biblioteca de Guimarães<br />

Rosa. No acervo roseano, l<strong>em</strong>bra a autora, foram<br />

encontrados inúmeros livros com anotações de próprio<br />

punho feitas por Guimarães Rosa. A partir desses<br />

dados, Sperber supôs admissível encontrar alguns<br />

motivos essenciais, apreensíveis a partir da qualidade<br />

das anotações nas obras da biblioteca de Guimarães<br />

Rosa e que possivelmente tivess<strong>em</strong> inspirado ou sido<br />

incorporados na obra roseana, coadjuvando, portanto,<br />

a qualidade de seus textos ficcionais.<br />

Diz-nos Sperber que num dos conjuntos desses<br />

apontamentos, encontram-se intensa variedade de<br />

anotações <strong>em</strong> obras de natureza filosófica 8 . Parece-nos,<br />

pelos comentários de Sperber (1976), que as alusões<br />

filosóficas não dão conta de cumprir a contento o papel<br />

de dar uma unidade t<strong>em</strong>ática à obra de Guimarães.<br />

Tampouco isso parece ocorrer com as obras de cunho<br />

religioso e espiritualista, citadas e cotejadas pela autora.<br />

6 Nesse capítulo, Sperber (1976, p. 159) elenca alguns dos volumes da Biblioteca de João Guimarães Rosa e, tanto essa lista quanto os comentários a ela<br />

agregados nos pareceram s<strong>em</strong> bom propósito para a análise.<br />

7 “A base principal para o cotejo é a citação de textos destes filósofos ou doutrinas <strong>em</strong> Corpo de Baile [...]. O processo seria aquele <strong>em</strong>pregado por Benedito<br />

Nunes, o do cotejo entre dois itens lex<strong>em</strong>áticos” (SPERBER, 1976, p. 15 - 16).<br />

8 Desde a publicação de Sagarana, mas, sobretudo, depois de Corpo de baile e com Grande sertão: veredas surgiram estudos críticos destas obras, que as<br />

aproximaram a teorias filosóficas [...]. O próprio Guimarães Rosa não só confirmou tais influências, como propôs outras (SPERBER, 1976, p. 15).<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 57-61


Uma retomada da obra Caos e cosmos, de Suzi Sperber – contradições e propostas<br />

Outra questão que nos parece interessante diz respeito<br />

ao fato de que há também indícios prováveis de uma<br />

filiação da ficcionalidade de Guimarães Rosa à literatura<br />

portuguesa. Isso pod<strong>em</strong>os dizer, não apenas pela recente<br />

referência que Galvão (2000) 9 nos oferece, mas, sobretudo,<br />

pela anotação de Sperber (1976) quanto à presença de três<br />

títulos de ficção de autoria do escritor português Aquilino<br />

Ribeiro 10 na biblioteca particular de Guimarães Rosa, mas<br />

também por inferências realizáveis a partir do próprio<br />

texto de Caos e cosmos 11 .<br />

Esse viés de aproximação entre Brasil e Portugal também<br />

se deixa notar quando, ao esqu<strong>em</strong>atizar uma estrutura para<br />

os el<strong>em</strong>entos essenciais das influências religiosas, místicas<br />

ou esotéricas presentes na obra de Guimarães Rosa, a<br />

autora de Caos e cosmos faz referência ao Sebastianismo 12 .<br />

Esse elo simbólico que se constrói sob o signo<br />

messiânico de Antonio Conselheiro e D. Sebastião uniria<br />

alegoricamente o Brasil do Arraial de Canudos e da Guerra<br />

do Contestado à Portugal Sebastianista. A partir das<br />

funções sociais desse elo peculiar, poderia ser depreendida<br />

uma continuidade retórico-discursiva, a partir da relação<br />

dialética e histórica que coloca lado a lado colonizador e<br />

colonizado, isto é, Portugal e Brasil, e os (re)un<strong>em</strong> por meio<br />

da literariedade de Aquilino Ribeiro e Guimarães Rosa.<br />

Noutros termos, cr<strong>em</strong>os que seria possível reificar<br />

por meio dessa presentificação de Aquilino Ribeiro ou<br />

do Sebastianismo na obra de Guimarães Rosa, rastros<br />

da interdependência cultural do Brasil da época dos<br />

descobrimentos, a qual se revelaria sob o binomia<br />

colônia x metrópole.<br />

Conclusão: novos horizontes<br />

para a crítica de Guimarães Rosa<br />

A partir dessa breve retomada que ora realizamos<br />

da obra Caos e cosmos, o que perceb<strong>em</strong>os é que a<br />

busca de procedimentos críticos mais eficientes para<br />

as releituras e interpretações literárias ainda não se<br />

esgotaram. Pod<strong>em</strong>os irromper <strong>em</strong> novas análises<br />

com o já exaurido, <strong>em</strong>bora riquíssimo, universo das<br />

manipulações linguísticas roseanas (que nos lançariam<br />

rumo a considerações de natureza mais objetivas), que<br />

são de longe os procedimentos mais evidentes na obra<br />

de Guimarães Rosa 13 , ou ainda das alegorias que essas<br />

manipulações são capazes de engendrar (possibilidade<br />

que nos r<strong>em</strong>ete a uma abordag<strong>em</strong> mais subjetiva).<br />

Um desses vieses subjetivos ao qual pod<strong>em</strong>os<br />

nos apegar é aquele que nos conduz ao arcabouço<br />

teórico da corrente teórica do colonialismo e do póscolonialismo,<br />

repertório ao qual se alude exatamente no<br />

momento <strong>em</strong> que se evidencia a aproximação da obra de<br />

Guimarães Rosa com el<strong>em</strong>entos socioculturais como o<br />

Sebastianismo, o Messianismo latino-americano etc.<br />

A tipicidade híbrida do local de enunciação, notada<br />

pela figura simbólica do “sertão-mundo” e dos fatos<br />

e personagens-tipo construídos por Guimarães Rosa,<br />

parece constituir-se ainda uma teia de propósitos<br />

relacionados às venturas e desventuras do país <strong>em</strong><br />

construção: o Brasil e suas faces.<br />

A percepção de uma unidade t<strong>em</strong>ática de suas<br />

obras a partir de uma corrente teórica que trate das<br />

particularidades derivativas do colonialismo se comporia<br />

pelo conjunto da soma das diferenças presentes no<br />

cotejamento dos diferentes brasis 14 , pois o que se diz<br />

sobre Guimarães Rosa, dentre outras coisas, é que<br />

sua matéria-prima não seria o sertão de Minas Gerais,<br />

o interior, mas o ambiente introspectivo essencial da<br />

humanidade 15 .<br />

A força de ataque de sua retórica residiria não<br />

exclusivamente na manipulação linguística que ele<br />

habilmente <strong>em</strong>preende, mas nos significados criados<br />

e recriados a partir de sua alquimia linguística – e é<br />

nessa alquimia que ele se diferencia dos meros mortais.<br />

S<strong>em</strong>ânticas ainda às quais as palavras e suas sintaxes nos<br />

9 Um livro <strong>em</strong> particular constitui a fonte de uma enorme quantidade de cantigas, de folhetos de cordel, de figuras de folclore [...]. Trata-se de uma versão<br />

portuguesa de uma novela de cavalaria francesa, História do imperador Carlos Magno e dos doze pares de França. [...] Mesmo não sendo citado pelo título, esse<br />

livro reponta a cada momento <strong>em</strong> Grande sertão: veredas (GALVÃO, 2000, p. 38).<br />

10 Aquilino Gomes Ribeiro (Tabosa do Carregal, 13 de Set<strong>em</strong>bro de 1885 — Lisboa, 27 de Maio de1963) foi um escritor português. É considerado por<br />

alguns como um dos romancistas mais fecundos da primeira metade do século XX. Inicia a sua obra <strong>em</strong> 1907 com o folhetim A filha do jardineiro e depois<br />

1913 com os contos de Jardim das tormentas e com o romance A via sinuosa, 1918, e mantém a qualidade literária na maioria dos seus textos, publicados<br />

com regularidade e êxito junto do público e da crítica. De Aquilino Ribeiro, menciona-se as obras: Cinco réis de gente (s/d), Estrada de Santiago (1924), Uma<br />

luz ao longe (1948), (SPERBER, 1976, p. 193).<br />

11 “No texto (de Grande Sertão: Veredas), o mito da idade de ouro associa-se ao messianismo, ou possibilidade de messianização. [...] Esqu<strong>em</strong>atizar<strong>em</strong>os as<br />

características do judaísmo e do messianismo brasileiro: Judaísmo – idade de ouro, messianismo, [...]; Messianismo brasileiro – busca de salvação do indivíduo<br />

e de seu mundo através de um salvador com função político-social, sebastianismo” (SPERBER, 1976, p. 124).<br />

12 Por Sebastianismo pode-se entender, essencialmente, um conjunto de crenças populares que tratam da expectativa de retorno que o povo teria, ainda<br />

nos dias atuais, quanto à volta de D. Sebastião (1554-1578), rei de Portugal.<br />

13 Além da matéria do sertão, também a linguag<strong>em</strong> já é da maturidade – original, s<strong>em</strong> dúvida, a mais brilhante e estupenda das linguagens. E já, como s<strong>em</strong>pre<br />

seria baseada na oralidade sertaneja, com aproveitamento de regionalismos e de arcaísmos preservados no sertão, mas também adaptando estrangeirismos<br />

e criando neologismos. Essa mistura será marca registrada de toda a obra do autor (GALVÃ0, 2000, p. 53).<br />

14 Procuraram “a alma brasileira” nos primórdios da nossa história, no índio não “contaminado” pelos europeus e idealizado como “o bom selvag<strong>em</strong>”, e, como não era possível<br />

ignorar o colonizador n<strong>em</strong> reconhecer a qualidade humana do negro, ainda escravizado, construíram o mito da essência cabocla de nossa brasilidade. Foi só depois da Abolição<br />

(1888) e com a República (1889) que o negro passou a ser visto como um dos três el<strong>em</strong>entos componentes do “Brasil Mestiço” (FALIVENE, 1997, p. 97).<br />

15 “[...] o sertão-mundo corresponde ao cosmos, enquanto que o sertão satânico corresponde ao caos primordial. Sertão é ao mesmo t<strong>em</strong>po caos primordial<br />

e cosmos” (SPERBER, 1976, p. 113).<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 57-61<br />

59


60<br />

Marcelo Pessoa<br />

r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> numa espécie de sopro de vida nova que infla<br />

os pulmões de nossa compreensão de mundo.<br />

Se, a partir do cotejamento de obras da literatura<br />

portuguesa e a ficção de Guimarães Rosa, à luz das<br />

teorias colonialistas, poderíamos vislumbrar novos<br />

parâmetros de compreensão para a relação metrópole<br />

x colônia, quais seriam esses significados? E se eles são<br />

representativos, eles simbolizam o que? Diriam eles<br />

respeito a qual modelo de identidade cultural?<br />

Numa resposta s<strong>em</strong> investigação prévia de<br />

sua validade, poderíamos dizer que eles seriam<br />

representativos do entre-lugar, do trânsito, do incerto,<br />

nos quais se encontraria o Brasil desenhado por<br />

Guimarães Rosa.<br />

Angel Rama salienta que os artistas do trânsito, do<br />

intercurso, do incerto são aqueles que catalisam as<br />

experiências de regiões distintas: o rural e o urbano,<br />

por ex<strong>em</strong>plo. Dentro dessa categoria, poderíamos<br />

reclassificar parte da obra de Guimarães Rosa. Sobre<br />

o conto A terceira marg<strong>em</strong> do rio, Scarpelli diz:<br />

A circulação de bens simbólicos e culturais, prestes<br />

a desaparecer sob o impacto da modernidade, é<br />

representada no conto “A Terceira Marg<strong>em</strong> do Rio”,<br />

sob a perspectiva de um narrador transculturador,<br />

que se põe a tarefa de traduzir/atualizar, pelas<br />

margens do discurso, o silêncio do pai. Este, por seu<br />

turno, metaforiza a voz de uma tradição autoritária<br />

que, ensandecida, perdeu a capacidade de se<br />

expressar (SCARPELLI, 2003, p. 53).<br />

O que se vê a partir do trecho acima é que há mais<br />

ainda no horizonte da crítica colonialista que serviria<br />

para explicar el<strong>em</strong>entos da obra roseana. Os el<strong>em</strong>entos<br />

transculturadores da transição da sociedade patriarcal,<br />

a qual formou ou delimitou os pilares e alcances<br />

territoriais e simbólicos do Brasil atual.<br />

As questões da formação sociocultural do Brasil,<br />

da identidade nacional, da construção política e<br />

econômica e, mais ultimamente, da inserção do país<br />

no mundo globalizado como exportador de tecnologia,<br />

petróleo, de cultura e de ideologia, são tendências que<br />

justificariam uma reinterpretação dos Sertões humanos<br />

de Rosa, à luz dos paradigmas da mestiçag<strong>em</strong> cultural<br />

latino-americana, <strong>em</strong>preendidas primordialmente pelos<br />

estudos culturais colonialistas.<br />

Por essas razões, acreditamos que a retomada de<br />

Sperber é muito mais relevante, não necessariamente<br />

pelas contradições ou pelo brilhantismo ostentado<br />

<strong>em</strong> suas páginas de comparação. Mas, muito melhor,<br />

devido ao fato de que essa retomada nos permite<br />

visualizar novas possibilidades de análise de um objeto<br />

que, distante do esgotamento, ainda nos reserva muitas<br />

novidades sobre a compreensão que se deseja ter de<br />

nós mesmos e da humanidade.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 57-61<br />

Referências<br />

FALIVENE, J. Com que cara chegar<strong>em</strong>os ao terceiro<br />

milênio. In: KUPSTAS, M. (Org.). Identidade nacional<br />

<strong>em</strong> debate. São Paulo: Moderna, 1997. p. 97.<br />

GALVÃO, W. N. Guimarães Rosa. São Paulo: Publifolha,<br />

2000.<br />

SCARPELLI, M. F. Heterogeneidade, transculturação,<br />

hibridismo: a terceira marg<strong>em</strong> da cultura latinoamericana.<br />

In: CHAVES, R.; MACÊDO, T. Literaturas<br />

<strong>em</strong> movimento. São Paulo: Arte & Ciência, 2003. p. 53.<br />

SPERBER, S. F. Caos e cosmos – leituras de Guimarães<br />

Rosa. São Paulo: Duas Cidades, 1976.


Uma retomada da obra Caos e cosmos, de Suzi Sperber – contradições e propostas<br />

ONE RETAKEN OF THE WORKMANSHIP CHAOS AND THE COSMOS,<br />

SUZI SPERBER - CONTRADICTIONS AND PROPOSALS<br />

ABSTRACT: Our work if considers to retake the workmanship Chaos and the Cosmos (1976), of Suzi Sperber.<br />

In this boarding, by means of one it searches bibliographical, we trace general considerations on the text of Chaos<br />

and the Cosmos and, after that, we initiate a retake of this workmanship, presenting some of its strong points<br />

and contradictions. Finally, from a probable critical-literary meeting between Brazil and Portugal, that Sperber<br />

(1976), and Galvão (2000) only suggest (represented here particularly for the workmanships of Guimarães Rosa<br />

and Aquilino Ribeiro), recoup part of the historical bias guided by the ideology colony and to the metropolis, from<br />

what we consider that the colonial theories and after-colonials can more good serve of substratum for the future<br />

analyses of the workmanships of Guimarães Rosa.<br />

KEYWORDS: Aquilino Ribeiro; Caos e cosmos; after-colonialism; Guimarães Rosa; Suzi Sperber.<br />

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UM ESTUDO DOS RECURSOS PERSUASIVOS<br />

VERBO-VISUAIS NOS OUTDOORS DO MOTEL CAT’S 1<br />

Aline Cristina da Cunha Inácio 2 ; Leila Maria Franco 3<br />

RESUMO: Atualmente, os centros urbanos são invadidos por inúmeros gêneros textuais de domínio da mídia<br />

que se vale de estratégias verbais e não-verbais com o objetivo de persuadir e seduzir o leitor. Nesse sentido, a<br />

pesquisa pretende analisar os recursos persuasivos de outdoors do motel Cat´s, verificar como o texto não-verbal<br />

(imag<strong>em</strong>) completa o sentido do verbal e identificar as marcas linguísticas denotadoras de persuasão. As bases<br />

teóricas que norteiam a pesquisa são os estudos sobre linguag<strong>em</strong>, persuasão, discurso, propaganda, publicidade,<br />

texto visual e s<strong>em</strong>iótica. A metodologia de pesquisa <strong>em</strong>pregada é a de base qualitativa, utilizando a análise de texto<br />

como instrumento de análise de dados. Para compor o corpus do trabalho, analisamos seis outdoors do motel Cat´s<br />

localizados na cidade de Uberaba, Minas Gerais, expostos <strong>em</strong> locais estratégicos e lançados entre agosto de 2007<br />

e abril de 2008. Nessa análise, perceb<strong>em</strong>os que tanto no texto verbal quanto no não-verbal (imagens), o sentido<br />

<strong>em</strong>erge para estabelecer condições de diálogo com o seu leitor. Parece-nos que não há como o leitor escapar<br />

das armadilhas da linguag<strong>em</strong>. Os textos mobilizam marcas linguísticas como “coloque”, “vá”, “vamos”, “permitase”,<br />

as quais direcionam a orientação argumentativa da <strong>em</strong>presa, ou seja, convencer e levar à ação de frequentar<br />

o motel Cat’s. Portanto, o diferencial de comunicação dos outdoors desse motel é justamente a especificidade<br />

retórica dos discursos utilizados.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Gênero textual; s<strong>em</strong>iótica; publicidade; propaganda.<br />

Introdução<br />

Atualmente, os centros urbanos são invadidos por<br />

inúmeros gêneros textuais de domínio da mídia que<br />

se vale tanto das estratégias verbais quanto das nãoverbais<br />

com o objetivo de persuadir e seduzir o leitor.<br />

Nesse contexto, os anunciantes <strong>em</strong> geral, ao utilizar<br />

a linguag<strong>em</strong>, objetivam não somente transmitir uma<br />

dada informação ao outro, mas ao interagir, visam,<br />

sobretudo, a persuadir o seu interlocutor na tentativa<br />

de fazer esse outro crer naquele que enuncia. Por isso,<br />

não há discurso neutro, inocente.<br />

Como afirma Pêcheux e Fuchs, o discurso acontece<br />

“a partir de uma posição dada numa conjuntura, isto<br />

é, numa certa relação de lugares no interior de um<br />

aparelho ideológico e inscrita numa relação de classes”<br />

(PÊCHEUX; FUCHS, 1990, p.166-167). Logo, todo<br />

discurso é ideológico, uma vez que é determinado por<br />

fatores sociais. Como consequência, ninguém diz o<br />

que quer, quando e do modo que quer, mas o que é<br />

permitido dizer numa dada situação comunicativa.<br />

Em se tratando do gênero propaganda, a ideologia<br />

capitalista não se apresenta explicitamente. Seu resgate<br />

se dá na subjacência, nas entrelinhas, no espaço entre<br />

o dito e o não-dito, nos silêncios. Por isso, é preciso<br />

olhar com cuidado para, ao desvelar o texto, lançar<br />

sobre esse discurso um olhar plural, cuja trajetória nos<br />

permite sair da superfície textual e tornar evidente o<br />

diálogo instaurado com o outro: outros textos, outros<br />

discursos.<br />

Nesse sentido, o objetivo geral deste estudo é analisar<br />

os recursos persuasivos de textos do gênero propaganda 4<br />

do motel Cat’s, veiculados <strong>em</strong> outdoors expostos na cidade<br />

de Uberaba, Minas Gerais. Os objetivos específicos são:<br />

verificar como o texto não-verbal (a imag<strong>em</strong>) completa<br />

o sentido do verbal e identificar as marcas linguísticas<br />

denotadoras de persuasão.<br />

Assim, <strong>em</strong> um primeiro momento, a capacidade<br />

do usuário da língua de produzir e compreender<br />

textos <strong>em</strong> diferentes situações comunicativas justifica<br />

nossa escolha pelo t<strong>em</strong>a discutido neste estudo. Essa<br />

capacidade funciona como um bom recurso para o<br />

trabalho com a linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> sala de aula, buscando a<br />

formação de leitores críticos.<br />

Num segundo momento, os outdoors do referido<br />

motel disponibilizam o gênero propaganda carregado<br />

de implícitos e consegu<strong>em</strong> atrair a atenção dos leitores<br />

com aquela “fisgada” de olhar tanto pelo texto verbal,<br />

quanto pelo jogo de cores que apresenta. Isso inquietounos.<br />

Daí o interesse <strong>em</strong> estudar tal recurso midiático<br />

- propagandas de um motel divulgadas <strong>em</strong> outdoor. A<br />

partir daquilo que o produtor pretende que seja lido<br />

1 Projeto financiado pelo Programa de Iniciação Científica das Faculdades Associadas de Uberaba (PIC/FAZU).<br />

2 Professora da educação infantil da rede municipal de Uberaba, Minas Gerais, e do ensino fundamental da rede estadual de Minas Gerais. Especialista no<br />

Ensino de Artes Visuais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).<br />

3 Professora mestre da Universidade do Estado de Minas Gerais, Campus de Frutal, e das Faculdades Associadas de Uberaba. Doutoranda <strong>em</strong> Estudos<br />

Linguísticos pela Universidade Estadual Paulista – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (UNESP/ IBILCE).<br />

4 Fundamentado <strong>em</strong> Sandmann (2005), o termo propaganda será usado aqui no sentido de publicidade - a venda de produtos e ou serviços.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 63-71<br />

63


64<br />

e percebido, os anúncios dos outdoors provocam a<br />

imaginação do leitor, levando-o a transformar desejos<br />

<strong>em</strong> realidade.<br />

De acordo com os objetivos propostos, a presente<br />

pesquisa se orientou, por um lado, pela vertente teórica<br />

da S<strong>em</strong>ântica Argumentativa (KOCH, 2000; CITELLI,<br />

2002). Tal vertente defende a proposta de que “o ato<br />

lingüístico fundamental é o ato de argumentar”.<br />

O ato de argumentar é visto como o ato<br />

de persuadir, que procura atingir a vontade,<br />

envolvendo a subjetividade, os sentimentos e<br />

a adesão do leitor, razão pela qual motivou este<br />

estudo” (KOCH, 2000, p. 12).<br />

Por outro lado, a pesquisa se orientou pela vertente<br />

s<strong>em</strong>iótica, o sincretismo entre o texto verbal e o<br />

não-verbal. (PIETROFORTE, 2003; SANTAELLA;<br />

NÖTH, 1999). Outras influências foram os estudos de<br />

Sandmann (2005), Carvalho (2006), Santaella (2002),<br />

Neder (1992), Travaglia (2000), Fernandes (2007),<br />

Marcuschi (2000; 2003) entre outros.<br />

Material e método<br />

A natureza da pesquisa é qualitativa, valendo-se da<br />

Análise Textual de Conteúdo como método de análise<br />

(SILVERMAN, 1993). O corpus de estudo é constituído<br />

de seis textos do gênero propaganda, do motel Cat’s,<br />

veiculados <strong>em</strong> outdoors, na cidade de Uberaba, Minas<br />

Gerais, entre agosto de 2007 e abril de 2008, na rua<br />

João Pinheiro e na avenida Leopoldino de Oliveira,<br />

locais de grande circulação de pessoas e automotivos.<br />

Assim, entend<strong>em</strong>os que o corpus de estudo<br />

apresenta-se como um universo discursivo, marcado<br />

pela interação entre os sujeitos principalmente quando<br />

se pretende analisar recursos persuasivos nos quais o<br />

produtor instiga o leitor a transformar desejos, fantasias<br />

e sonhos <strong>em</strong> realidade.<br />

Para efeito de visualização e retomada das peças<br />

publicitárias, durante a análise, as nomeamos como:<br />

TEXTO 1 - Coloque as segundas intenções <strong>em</strong> primeiro<br />

plano; TEXTO 2 - Esqueça as flores, vá direto ao ponto;<br />

TEXTO 3 - Vamos nos ver esta s<strong>em</strong>ana?; TEXTO 4 CATS<br />

precisa dizer mais alguma coisa?; TEXTO 5 - Permita-se<br />

e TEXTO 6 - Felizes noites felizes.<br />

Posteriormente, apresentamos o TEXTO 1 seguido da<br />

sua análise e assim respectivamente com os d<strong>em</strong>ais textos.<br />

Resultados e discussão de dados<br />

Levando <strong>em</strong> consideração que as propagandas<br />

analisadas foram veiculadas <strong>em</strong> outdoors, acreditamos<br />

ser pertinente retomar as considerações de Carvalho<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 63-71<br />

Aline Cristina da Cunha Inácio; Leila Maria Franco<br />

(2006). A autora salienta que esse suporte publicitário<br />

ocupa lugar de destaque <strong>em</strong> ruas de grande circulação<br />

de automóveis e pessoas. No caso deste estudo, a rua<br />

João Pinheiro e a avenida Leopoldino de Oliveira, na<br />

cidade de Uberaba, Minas Gerais.<br />

Além disso, o anúncio de outdoor é baseado na palavra<br />

escrita e, como consequência, direciona o sentido da<br />

imag<strong>em</strong>. Do mesmo modo, ele faz parte da máquina<br />

de criar desejos e de transformá-los <strong>em</strong> necessidades,<br />

no caso deste estudo, por ex<strong>em</strong>plo, realizar fantasias<br />

sexuais, sair da rotina, propiciar encontros amorosos<br />

fortuitos e saídas às ocultas.<br />

Nesse sentido, segundo Gaiarsa (2002), para<br />

depreendermos dos textos do gênero propaganda,<br />

o efeito de sentido que se espera, é preciso que o<br />

locutor-publicitário tenha conhecimento do público<br />

que deseja atingir, seus valores socioculturais, crenças<br />

e necessidades. No caso deste estudo, indivíduos do<br />

sexo masculino e f<strong>em</strong>inino que têm ou tiveram uma<br />

vida sexual ativa ou que pretend<strong>em</strong> iniciá-la.<br />

Conhecer as necessidades do público-alvo é, pois, um<br />

fator fundamental para a eficácia das peças publicitárias.<br />

E isso é o que ver<strong>em</strong>os aqui. Mostrar<strong>em</strong>os como o<br />

locutor-publicitário ousa tanto nos aspectos linguísticos<br />

quanto na imag<strong>em</strong>, uma tentativa de conquistar mentes<br />

e corações e, por consequência, vender um serviço.<br />

Abaixo, apresentamos os textos e suas análises.<br />

TEXTO 1 - Coloque as segundas intenções <strong>em</strong> primeiro<br />

plano - Agosto de 2007<br />

A linguag<strong>em</strong> é um modo de interação no qual os<br />

participantes do evento discursivo não somente faz<strong>em</strong><br />

uso da língua para traduzir ou transmitir informações,<br />

mas também realizar ações, agir, atuar sobre o<br />

interlocutor (TRAVAGLIA, 2000). Tal fato pode ser<br />

verificado no TEXTO 1. O produtor impõe ao leitor<br />

novas experiências, atitudes, enfim, novas ações. Assim,<br />

por meio da interação comunicativa entre o anunciante<br />

e o leitor, este é convidado a priorizar as segundas<br />

intenções, convocado a praticar uma ação que pode<br />

ser a realização de suas fantasias sexuais, encontros<br />

amorosos fortuitos.<br />

Verificamos que, de acordo com Citelli (2002),


o referido texto é carregado de raciocínio retórico,<br />

capaz de atuar junto a mentes e corações num<br />

eficiente mecanismo de envolvimento do receptor.<br />

Isso porque no momento <strong>em</strong> que ler a mensag<strong>em</strong>, o<br />

receptor se sentirá atraído por ela a ponto de querer<br />

realizá-la a qualquer custo. Nessa linha de raciocínio,<br />

compreend<strong>em</strong>os que o discurso utilizado no TEXTO 1<br />

é dotado de recursos retóricos, objetivando convencer<br />

o leitor pela palavra, como, por ex<strong>em</strong>plo, ao usar o<br />

verbo no imperativo (coloque). É uma tentativa de<br />

alterar atitudes e comportamentos já estabelecidos e<br />

levar o leitor a colocar <strong>em</strong> prática o que t<strong>em</strong> <strong>em</strong> mente:<br />

a concretização das fantasias sexuais e dos encontros<br />

casuais, entre outros.<br />

Outra característica presente é o estabelecimento<br />

de um nível de significação especial dos chamados<br />

el<strong>em</strong>entos abstratos (ou também plásticos) da<br />

imag<strong>em</strong>. Esses el<strong>em</strong>entos se manifestam no contraste<br />

das cores ou formas (SANTAELLA; NÖTH, 1999),<br />

tipografia branca sobre o fundo de colorido forte, e na<br />

homogeneidade dos caracteres, s<strong>em</strong>pre maiúsculos.<br />

As cores preta, branca, verde e laranja possu<strong>em</strong> um<br />

valor s<strong>em</strong>ântico próprio na composição da linguag<strong>em</strong>,<br />

essenciais para o conteúdo da mensag<strong>em</strong>, pois<br />

mobilizam no leitor efeitos de sentido. Sendo assim,<br />

no TEXTO 1, t<strong>em</strong>os o preto como cor de fundo,<br />

que, percebido como escuro e misterioso, poderia se<br />

relacionar com amor sexual: o que está distante de ser<br />

concretizado pode tornar-se próximo e presente do<br />

leitor enquanto sujeito discursivo.<br />

Isso está de acordo com Pietroforte (2007), ao<br />

salientar que quando se trata do plano de expressão<br />

plástica, a imag<strong>em</strong> (cores) do conteúdo é facilmente<br />

confundida com aquela que se vê por meio da<br />

expressão, e uma é tomada pela outra s<strong>em</strong> distinções.<br />

No outdoor também aparece a cor branca, que reflete<br />

todas as cores; verde, que atenua as <strong>em</strong>oções, além<br />

de atuar como um sinal para a renovação da vida, e<br />

ainda, o laranja, cor expansiva e afirmativa que reflete<br />

entusiasmo, vivacidade impulsiva e natural, por que não<br />

nos envolvimentos amorosos?<br />

TEXTO 2 - Esqueça as flores, vá direto ao ponto - Agosto<br />

de 2007.<br />

Um estudo dos recursos persuasivos verbo-visuais nos outdoors do motel Cat’s<br />

No TEXTO 2, veiculado <strong>em</strong> agosto de 2007, Esqueça<br />

as flores, vá direto ao ponto, perceb<strong>em</strong>os a princípio que<br />

o produtor do texto brinca com o público, valendose<br />

do discurso lúdico e b<strong>em</strong>-humorado para torná-lo<br />

inclusive mais receptivo. Secundariamente, t<strong>em</strong>os um<br />

texto autoritário que à s<strong>em</strong>elhança do primeiro faz uso<br />

de modalizadores – verbos no imperativo: esqueça e vá.<br />

Como consequência, há um caso de tensão: um<br />

“eu” impositivo (CITELLI, 2002), no qual o leitor<br />

está condenado a ser ouvinte e se identificar com a<br />

mensag<strong>em</strong>. Ou seja, esqueça as fórmulas prontas,<br />

economize com flores e gaste com o que interessa: o<br />

motel Cat’s, a pessoa que ama ou com qu<strong>em</strong> desejar.<br />

“Vá direto ao ponto” não se trata de uma fórmula<br />

grosseira, mas sinaliza e sugere ao outro que viva novas<br />

experiências. O uso da forma imperativa do mesmo<br />

modo ocorre aí justamente para que o leitor sinta-se<br />

levado a praticar a ação, ter disposição para realizar<br />

o solicitado: frequentar o motel Cat’s. O discurso foi<br />

apenas atenuado pela retórica usada.<br />

Nesse sentido, os sujeitos constitu<strong>em</strong>-se pela<br />

interação social; o “eu” e o “outro” enquanto seres<br />

sociais são inseparáveis e a linguag<strong>em</strong> possibilita-lhes<br />

a interação - encontros amorosos, casuais - segundo<br />

Fernandes (2007).<br />

Perceb<strong>em</strong>os que o uso dos recursos persuasivos soa<br />

como um convite “ao prazer” e chama a atenção do<br />

leitor, buscando convencê-lo e levá-lo à ação por meio<br />

da palavra, segundo Sandmann (2005). Portanto, sugere<br />

a conciliação de amor e sexo <strong>em</strong> amor sexual.<br />

O TEXTO 2 apresenta um slogan de sete palavras e<br />

obedece à teoria de Citelli (2002) acerca do conjunto<br />

de efeitos retóricos. Além disso, o texto utiliza uma<br />

mensag<strong>em</strong> curta e direta, associada à imag<strong>em</strong> igualmente<br />

simples e forte para falar com o inconsciente do leitor e<br />

convencê-lo a novas atitudes.<br />

No que diz respeito ao texto não-verbal, constatamos<br />

igualmente a presença de cores fortes e vibrantes,<br />

como o preto, o verde e o alaranjado. Aqui, merece<br />

destaque a figura de uma flor matizada com as cores<br />

laranja, azul e verde no canto esquerdo do outdoor,<br />

reiterável também no TEXTO 1, mas com menor<br />

expressividade.<br />

O formato arredondado - categoria eidética<br />

(SANTAELLA; NÖTH, 1999) - das pétalas da flor<br />

possui um valor s<strong>em</strong>ântico próprio na composição<br />

da linguag<strong>em</strong>, pois infere a ideia do que é cíclico e<br />

contínuo, dos envolvimentos e dos relacionamentos<br />

que precisam ser retomados pelos sujeitos do discurso<br />

na interação social. Então, a flor figura como o<br />

el<strong>em</strong>ento que mistifica o sentimento de amor. Isso é<br />

acentuado pelas cores laranja, azul e verde que por seus<br />

significados, supostamente estão relacionadas às trocas<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 63-71<br />

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de energia, reflexão e relaxamento, sentimentos que<br />

pod<strong>em</strong> abordar ou descrever o amor sexual. Assim,<br />

as cores relacionam-se muito mais com os el<strong>em</strong>entos<br />

da oposição sagrado e profano, como de fato pode ser<br />

tratado o sexo: um convite ao êxtase e à libido, como<br />

sugerido <strong>em</strong> “esqueça as flores, vá direto ao ponto”.<br />

TEXTO 3 - Vamos nos ver esta s<strong>em</strong>ana? - Fevereiro de<br />

2008.<br />

No TEXTO 3, veiculado <strong>em</strong> fevereiro de 2008,<br />

Vamos nos ver esta s<strong>em</strong>ana?, o conteúdo, b<strong>em</strong> como<br />

dos outros textos analisados, pode ser de caráter<br />

sugestivo, direcionado ao sexo casual. Sendo assim,<br />

a orientação sexual deixa de ser caracterizada pela<br />

exigência de envolvimento afetivo prévio à relação<br />

sexual e ocupa o espaço da permissividade quanto ao<br />

sexo casual - envolvimentos fortuitos que acontec<strong>em</strong><br />

por acaso. Logo, à s<strong>em</strong>elhança dos d<strong>em</strong>ais textos,<br />

t<strong>em</strong>os a expressão do discurso erótico que, de acordo<br />

com Pietroforte (2007), realiza a intensidade tônica da<br />

valorização existencial do sexo.<br />

É evidente que se trata de um recurso persuasivo,<br />

pois como nos l<strong>em</strong>bra Citelli (2002), qu<strong>em</strong> persuade<br />

leva o outro à aceitação de uma ideia, expressa aqui na<br />

forma de um convite (vamos): sair com alguém com ou<br />

s<strong>em</strong> envolvimento afetivo (sexo casual).<br />

Além disso, o produtor do texto faz uso da figura<br />

de retórica “associação” (CITELLI, 2002): o processo<br />

de associação subjetiva entre a significação própria e o<br />

efeito figurativo, ou seja, “vamos nos ver”, no sentido<br />

da significação própria de apenas se olhar<strong>em</strong> ou no<br />

efeito figurativo de se ver<strong>em</strong> totalmente nus, s<strong>em</strong><br />

nenhuma barreira.<br />

Dado que a propaganda mexe com os nossos desejos<br />

e na tentativa da <strong>em</strong>presa de conquistar consumidores<br />

- os quais buscam um local romântico, sedutor e<br />

aconchegante para encontros amorosos - a solução foi<br />

criar uma estratégia discursiva que levasse, por indução,<br />

à busca da concretização do desejo tanto da anunciante<br />

quanto dos prováveis consumidores que almejam a<br />

prestação de serviço que a ela se destina.<br />

O enunciado “Vamos nos ver esta s<strong>em</strong>ana?” é de<br />

fácil absorção, trata do t<strong>em</strong>a de um modo agradável<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 63-71<br />

Aline Cristina da Cunha Inácio; Leila Maria Franco<br />

a ponto de não provocar dúvidas quanto ao que está<br />

sendo anunciado (vamos). O texto também se utiliza<br />

da teoria de outdoors, que, segundo Carvalho (2006),<br />

faz parte da máquina de criar desejos, ou seja, de<br />

realizar fantasias sexuais e de transformar desejos <strong>em</strong><br />

necessidades. Portanto, esse texto sugere que o sexo<br />

é uma necessidade humana e pretende persuadir o<br />

leitor a colocar <strong>em</strong> prática sua sugestão.<br />

Os chamados contrastes cromáticos (laranja x<br />

preto), apesar de estar<strong>em</strong> no plano das cores quentes,<br />

possu<strong>em</strong> um valor s<strong>em</strong>ântico próprio na composição da<br />

linguag<strong>em</strong>: o preto está relacionado com a necessidade<br />

humana do sexo, e a cor laranja, à vitalidade, criatividade<br />

e alegria, assim como, confiança, corag<strong>em</strong>, animação e<br />

atitude positiva perante a vida que <strong>em</strong>ana das labaredas,<br />

línguas de fogo de cor laranja (GAIARSA, 2002).<br />

Novamente, t<strong>em</strong>os a tipografia do branco sobre fundo<br />

de colorido forte e a homogeneidade dos caracteres,<br />

s<strong>em</strong>pre maiúsculos.<br />

No processo de interação entre a <strong>em</strong>presa anunciante<br />

e o leitor, a associação palavra-imag<strong>em</strong> constrói uma<br />

representação discursiva e orienta a reação-resposta do<br />

leitor. Este é convocado a participar do jogo discursivo<br />

apesar da pergunta “Vamos nos ver esta s<strong>em</strong>ana?”<br />

contar inclusive com o não consentimento dele.<br />

TEXTO 4 - CAT’S precisa dizer mais alguma coisa? -<br />

Nov<strong>em</strong>bro de 2007.<br />

No TEXTO 4, veiculado <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro de 2007,<br />

“CAT’S precisa dizer mais alguma coisa?”, perceb<strong>em</strong>os<br />

o objetivo de chamar a atenção do leitor, colocando<br />

<strong>em</strong> primeiro plano a marca do produto anunciado.<br />

Isto é, basta dizer a palavra cat’s, e o inconsciente do<br />

leitor será acionado para posteriormente desfrutar do<br />

serviço disponibilizado pelo motel, que possui uma<br />

marca consolidada e o reconhecimento do públicoconsumidor,<br />

<strong>em</strong>presa prestadora de serviço. Aqui, a<br />

<strong>em</strong>presa anunciante estabelece uma personalidade para<br />

o produto, pela celebração do nome Cat’s.<br />

De acordo com Sandmann (2005), o papel da<br />

linguag<strong>em</strong> da propaganda é este, persuadir, convencer<br />

e levar os sujeitos do discurso, por meio da palavra, à<br />

ação. Nesse caso, a ação de frequentar e comprar os<br />

serviços do motel Cat’s.


Em “Precisa dizer mais alguma coisa?”, a construção<br />

de verbo modal (precisa) mais infinitivo (dizer) impõe<br />

uma obrigação forte ao leitor. Isso pressupõe, por um<br />

lado, que não há outro que se compare ao Cat’s e, por<br />

outro, promove o produto, os serviços disponibilizados<br />

pelo anunciante.<br />

Logo, também se faz presente o uso da linguag<strong>em</strong><br />

persuasiva, de convencimento, com forte apelo e<br />

engajamento do leitor. Do mesmo modo, a presença da<br />

linguag<strong>em</strong> sincrética, ou seja, constituída pelo texto verbal<br />

(a palavra) e o não-verbal (a imag<strong>em</strong>). Em se tratando da<br />

linguag<strong>em</strong> não-verbal, a presença de cores quentes (laranja,<br />

preta e vermelha), por ex<strong>em</strong>plo, está associada às chamas,<br />

labaredas, fogo e tomam quase a totalidade da superfície<br />

do outdoor. Exatamente para relacionar-se com a t<strong>em</strong>ática<br />

da sexualidade, paixão e erotismo.<br />

TEXTO 5 - Permita-se - Abril de 2008<br />

No TEXTO 5, veiculado <strong>em</strong> abril de 2008, a forma<br />

reflexiva “permita-se” é usada para sugerir que o sujeito<br />

do discurso, no processo de interação verbal, é aquele<br />

que faz e recebe a ação de permitir. Ou seja, consentir,<br />

delegar a si próprio um envolvimento amoroso, uma<br />

“escapada”, e dar consentimento para que alguém o faça.<br />

Logo, apesar de ser um texto curto e direto, a sua<br />

apreensão estética está fundamentada num conjunto de<br />

el<strong>em</strong>entos de percepção implícitos e subconscientes,<br />

como a vontade de permitir-se realizar as fantasias<br />

sexuais, por ex<strong>em</strong>plo. Além disso, contribui com<br />

sua estética para a criação de um ambiente humano,<br />

conforme explica Carvalho (2006). A força do texto<br />

linguístico está justamente na imprevisibilidade do seu<br />

conteúdo; por si só atrai e causa impacto.<br />

A retórica nesse texto substitui todos os el<strong>em</strong>entos<br />

linguísticos previsíveis num anúncio publicitário. Trata-se<br />

de uma argumentação <strong>em</strong> que a persuasão é feita a partir<br />

do <strong>em</strong>ocional, através do qual o interlocutor vai ser<br />

seduzido pelo psicológico, ou seja, vai ser despertada,<br />

no seu imaginário, a possibilidade de uma relação mais<br />

prazerosa, com maior liberdade, cujo clima ass<strong>em</strong>elha-se<br />

à permissão <strong>em</strong> realizar todas as suas fantasias eróticas.<br />

No que diz respeito à linguag<strong>em</strong> não-verbal, t<strong>em</strong>os o<br />

jogo de cores <strong>em</strong> formato de mosaico 5 .<br />

Constituído de partes, el<strong>em</strong>entos desarticulados, esse<br />

Um estudo dos recursos persuasivos verbo-visuais nos outdoors do motel Cat’s<br />

texto é representativo da cultura de mosaico, oposta à<br />

cultura huma-nística. Na cultura hu-manística (clássica), o<br />

raciocínio lógico consiste <strong>em</strong> proporcionar ao indivíduo um<br />

conjunto de conceitos sobre o qual ele projeta e ordena<br />

suas percepções do mundo exterior, dando uma coerência<br />

racional ao apreendido. Ao contrário, na cultura de<br />

mosaico (massa), esse conjunto de conhecimentos t<strong>em</strong><br />

um aspecto aleatório, porque se apresenta como um rol<br />

de fragmentos por justaposição, no qual nenhuma ideia<br />

é forçosamente geral. Daí o jogo linguístico ao escolher<br />

uma forma reflexiva - o sujeito do discurso enquanto<br />

agente e paciente - que é refletida na imag<strong>em</strong>, de<br />

modo a justificar os novos paradigmas que envolv<strong>em</strong> os<br />

relacionamentos amorosos entre hom<strong>em</strong> e mulher nas<br />

culturas de massa, quando esses se alternaram como<br />

caçador e caça<br />

Tal raciocínio é explicitado na composição aleatória<br />

das cores: a presença do vermelho, que está associado<br />

ao calor, excitação e disposição para agir. O laranja,<br />

que assim como o vermelho é expansivo e afirmativo.<br />

O amarelo, que se ass<strong>em</strong>elha ao sol, traz consigo o<br />

desejo de que tudo correrá b<strong>em</strong>. O verde, que atenua<br />

a <strong>em</strong>oção e atua como sinal para renovação da vida.<br />

O azul-turquesa, que irradia b<strong>em</strong>-estar. O azul, que<br />

promove confiança e sentimentos agradavelmente<br />

relaxantes. O marrom, que está ligado à estabilidade e<br />

é uma cor envolvida com o enraizamento. O branco,<br />

que reflete todas as cores e o preto, percebido como<br />

misterioso e ligado ao sexo (GAIARSA, 2002).<br />

TEXTO 6 - Felizes noites felizes - Dez<strong>em</strong>bro de 2007.<br />

No TEXTO 6, igualmente t<strong>em</strong>os o uso do raciocínio<br />

retórico (CITELLI, 2002), pois tenta envolver os<br />

leitores e atuar junto a mentes e corações. Pod<strong>em</strong>os<br />

verificar também o uso de uma importante figura<br />

retórica para prender a atenção do leitor.<br />

A figura usada é a metáfora (CITELLI, 2002),<br />

utilizando o processo de transferência ou transposição,<br />

ou seja, passando do plano de base (significação própria<br />

da expressão) para o plano simbólico (figurativo).<br />

Por ex<strong>em</strong>plo, quando sugere que na “noite de<br />

Natal”, ou seja, na “noite feliz”, você terá tudo que lhe<br />

5 Mosaico é a composição plástica que consiste <strong>em</strong> pequenas peças de várias cores, coladas sobre uma superfície (ENCICLOPÉDIA BARSA. São Paulo: Abril,<br />

v. 10, 1998. p.171).<br />

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Aline Cristina da Cunha Inácio; Leila Maria Franco<br />

é de direito, como o champanha e os fogos de artifício,<br />

ao lado de alguém que lhe dê prazer e felicidade,<br />

assim como nos contos de fada. Assim, fica claro que<br />

o discurso persuasivo se dota de recursos retóricos,<br />

objetivando convencer ou alterar comportamentos e<br />

atitudes já estabelecidas.<br />

No paralelismo “Feliz Natal, felizes noites felizes”, o<br />

Natal deixa o vínculo com a religião e passa a fazer parte<br />

da cultura humana de festas e grandes com<strong>em</strong>orações.<br />

E por analogia com o Natal, uma data especial <strong>em</strong> que<br />

se busca aplacar desentendimentos, diminuir mágoas,<br />

aflorar as paixões e propiciar encontros. E o motel é um<br />

bom lugar para passar felizes noites de envolvimento<br />

amoroso. A estratégia argumentativa usada foi<br />

relacionar as atrações do Natal com as “atrações”<br />

que acontec<strong>em</strong> no cotidiano de um quarto de motel.<br />

Dessa forma, o acordo com o leitor, enquanto sujeito<br />

do discurso, está selado, pois ele vive um momento<br />

de envolvimento com a festa e se identifica com os<br />

el<strong>em</strong>entos natalinos, transferindo o sentido dessa festa<br />

para o motel.<br />

Assim, de acordo com Carvalho (2006), os termos<br />

utilizados são conhecidos e corriqueiros, pois o que<br />

valoriza e amplia seu significado são as relações que<br />

estabelec<strong>em</strong> com o duplo sentido.<br />

Na questão da linguag<strong>em</strong> não-verbal, verificamos<br />

igualmente a presença das cores quentes como<br />

vermelho, laranja, preto e branco. O preto como cor<br />

de fundo, fazendo alusão ao sexo, à festa. O laranja e o<br />

vermelho associados ao calor e a excitação, espelhando<br />

entusiasmo, vivacidade impulsiva e natural e o branco<br />

refletindo todas as cores.<br />

Considerando ainda os textos analisados, quer<strong>em</strong>os<br />

dar aqui um enfoque discursivo, tendo <strong>em</strong> vista o<br />

contexto de produção.<br />

Os outdoors analisados, produzidos entre agosto de<br />

2007 e abril de 2008, mostram-nos que atualmente a<br />

propaganda de motel não é apenas dirigida ao hom<strong>em</strong>,<br />

mas também à mulher. Os contextos de produção<br />

d<strong>em</strong>onstram que o hom<strong>em</strong> não assume somente o papel<br />

de “caçador”, ele também pode ser a “caça” perante<br />

mulheres independentes que se firmam e se posicionam<br />

profissionalmente e por consequência sexualmente.<br />

Assim, compreend<strong>em</strong>os que as condições de produção<br />

do discurso envolv<strong>em</strong> o enunciador inserido <strong>em</strong> uma<br />

formação discursiva e um coenunciador (enunciatário<br />

para qu<strong>em</strong> se destina a propaganda) inserido no<br />

contexto histórico, social, ideológico e vivencial. Para<br />

um melhor <strong>em</strong>basamento disso, retomamos Orlandi<br />

(1997). A autora pontua que o texto t<strong>em</strong> relação com<br />

a situação e com outros textos, o que lhe dá um caráter<br />

não acabado.<br />

O sujeito do discurso (leitor/leitora), no processo de<br />

interação verbal, é convidado a viver a sua sexualidade<br />

de forma eufórica, alegre, contagiante. Sendo assim,<br />

quando o anunciante sugere e convoca, ele quer criar<br />

situações, instigar nos sujeitos do discurso ações de<br />

envolvimentos amorosos felizes acerca daquilo que é<br />

permitido, do que é belo.<br />

As regularidades linguísticas estão instauradas, como<br />

vimos, pelos verbos imperativos que têm o objetivo<br />

de persuadir o leitor a frequentar o motel, fazendo<br />

referências à data com<strong>em</strong>orativa, de convidá-lo a<br />

colocar suas segundas intenções <strong>em</strong> primeiro plano,<br />

por meio de interação comunicativa, e também de<br />

promover a celebração do lugar certo para realizar<br />

suas fantasias sexuais – o motel Cat’s.<br />

As escolhas lexicais revelam também a presença<br />

de diferentes discursos que expressam o desejo de<br />

grupos de sujeitos acerca do t<strong>em</strong>a da sexualidade. Ou<br />

seja, as escolhas, no contexto de um anúncio de motel,<br />

direcionam como aquilo que foi dito deve ser lido.<br />

Adquir<strong>em</strong> outros sentidos que são determinados pelo<br />

gênero propaganda e pelo próprio suporte, o outdoor<br />

de um motel.<br />

Conclusão<br />

Neste estudo, fiz<strong>em</strong>os considerações sobre a<br />

s<strong>em</strong>ântica argumentativa, <strong>em</strong> especial da linguag<strong>em</strong><br />

persuasiva, <strong>em</strong> seis textos do gênero propaganda,<br />

do motel Cat’s, veiculados <strong>em</strong> outdoors, na cidade de<br />

Uberaba, Minas Gerais. Secundariamente, verificamos<br />

como o texto não-verbal (a imag<strong>em</strong>) completa o<br />

sentido do verbal e também identificamos as marcas<br />

linguísticas denotadoras de persuasão.<br />

Em se tratando do gênero propaganda, constatamos<br />

que são fenômenos sociais comunicativos que <strong>em</strong>anam<br />

dos processos de interação social para dizer o mundo,<br />

participar do jogo discursivo, agir sobre o mundo, por<br />

ex<strong>em</strong>plo, vender os serviços e produtos do motel Cat’s.<br />

Nas propagandas analisadas, perceb<strong>em</strong>os que tanto<br />

no texto verbal quanto no não-verbal (imagens), o<br />

sentido <strong>em</strong>erge para estabelecer condições de diálogo<br />

com o seu leitor. Aqui, parece-nos que não há como<br />

o leitor escapar das armadilhas da linguag<strong>em</strong>, pois os<br />

textos mobilizam marcas linguísticas como “coloque”,<br />

“vá”, “vamos”, “permita-se”, as quais direcionam<br />

a orientação argumentativa da <strong>em</strong>presa. Isso para,<br />

através de palavras, convencer e levar à ação de<br />

frequentar o motel Cat’s. Portanto, o diferencial de<br />

comunicação dos outdoors do motel Cat’s é justamente<br />

a especificidade retórica dos discursos utilizados.<br />

Assim, entend<strong>em</strong>os que os textos analisados<br />

estabelec<strong>em</strong> relações com a poliss<strong>em</strong>ia, com a oposição<br />

e com o duplo sentido, enriquecendo seus sentidos


com palavras de expressividade sonora e s<strong>em</strong>ântica.<br />

Com relação à linguag<strong>em</strong> não-verbal (imagens),<br />

perceb<strong>em</strong>os que os recursos visuais utilizados nos<br />

textos foram essenciais para a composição do texto<br />

verbal. O jogo de cores utilizado nas propagandas<br />

analisadas sugere que a luz de diversas cores que<br />

entra pelos olhos pode afetar diretamente o centro<br />

das <strong>em</strong>oções. Isso é a presença cada vez maior da<br />

linguag<strong>em</strong> sincrética, ou seja, constituída pelo textoverbal<br />

(a palavra) e o texto não-verbal (a imag<strong>em</strong>), além<br />

de ser uma linguag<strong>em</strong> persuasiva, de convencimento,<br />

com forte apelo e engajamento do leitor.<br />

A propaganda adquire também uma importância<br />

fundamental no processo econômico, pois de um lado<br />

funciona como el<strong>em</strong>ento vital para que as <strong>em</strong>presas<br />

conquist<strong>em</strong> mais consumidores e expandam suas<br />

atividades e, de outro, para que os consumidores,<br />

homens e mulheres, estejam melhor informados e<br />

possam escolher adequadamente o tipo de prestação<br />

de serviço que desejam usufruir.<br />

Este estudo contribui para a formação de leitores<br />

críticos, estimulando a capacidade de produção e<br />

compreensão de textos <strong>em</strong> diferentes situações<br />

comunicativas. Isso se justifica por ser uma mídia de<br />

fácil acesso, não ter custos e oferecer a chance de<br />

ser trabalhada <strong>em</strong> diferentes disciplinas das quais o<br />

enfoque seja as questões do texto verbal e não-verbal.<br />

Assim, é possível mostrar como os efeitos de sentido<br />

se dão nesse tipo de evento discurso.<br />

Enfim, indicamos como futura pesquisa, a analise das<br />

peças publicitárias do mesmo motel Cat’s publicadas<br />

no Jornal de Uberaba e no Jornal da Manhã, ambos<br />

da cidade de Uberaba. A pretensão é comparar as<br />

propagandas veiculadas <strong>em</strong> outdoors com os anúncios<br />

publicados pelos jornais.<br />

Também sugerimos o desenvolvimento de uma<br />

pesquisa que compare propagandas de outdoors de<br />

motel entre estados e países diferentes.<br />

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interação. São Paulo: Cortez, 2005.<br />

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Publications Ltd., 1993


Um estudo dos recursos persuasivos verbo-visuais nos outdoors do motel Cat’s<br />

A STUDY OF THE PERSUASIVE VERBO-VISUAL<br />

RESOURCES USED IN THE CAT’S MOTEL BILLBOARDS<br />

ABSTRACT: Nowadays, cities are invaded by numerous textual genres in the field of media that make use of both<br />

verbal and nonverbal strategies in order to persuade and attract the reader. In that sense, this research tries to<br />

analyze the persuasive features of the billboards of Cat’s motel, check how the non-verbal text (picture) completes<br />

the meaning of the verbal text and identify linguistic marks denoting persuasive language. The theory guiding this<br />

research are the studies on language, persuasion, speech, marketing, publicity, visual text and s<strong>em</strong>iotics. According<br />

to the purpose of this study, the research methodology has a qualitative basis, using Text Analysis as a tool for<br />

data analysis. To compose the corpus of the work, we analyzed six billboards of Cat’s Motel, located in Uberaba,<br />

MG, displayed in strategic locations throughout the city and released between August 2007 and April 2008. In this<br />

analysis, we noticed that in both verbal and non-verbal texts (pictures), the meaning <strong>em</strong>erges to set conditions for<br />

dialogue with the reader. Here, it se<strong>em</strong>s that there isn’t a way of escaping from the traps of the language, since<br />

language texts mobilize linguistic marks such as coloque (put), vá (go), vamos (let’s), permita-se (let yourself)<br />

which direct the argumentative orientation of the company. That means, to convince and lead clients to the action<br />

of going to Cat’s motel. Therefore, the communication differential of the billboards of that motel is, precisely, the<br />

rhetoric particularity of the speeches used.<br />

KEYWORDS: Textual gender; s<strong>em</strong>iotics; marketing; advertising.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 63-71<br />

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ESPELHOS D’ÁGUA: REFLEXOS FILOSÓFICOS EM ROSA,<br />

REFLEXOS SOCIOLÓGICOS EM CABRAL 1<br />

Ana Paula da Silva Santos 2 ; Cláudia Ferreira de Paula Borges 3<br />

RESUMO: Este trabalho objetivou confrontar dois textos da literatura modernista brasileira: O cão s<strong>em</strong> plumas, de<br />

João Cabral de Melo Neto e A terceira marg<strong>em</strong> do rio, de João Guimarães Rosa, partindo da perspectiva simbólica da<br />

“imag<strong>em</strong>-palavra rio” e alcançando abordagens filosóficas e sociológicas. Por meio desse objetivo geral, a pesquisa<br />

se propôs a investigar as implicações sociológicas no texto cabralino a partir do valor simbólico da “imag<strong>em</strong>palavra<br />

rio” e analisar a exploração da simbologia dessa “imag<strong>em</strong>-palavra” na constituição de princípios filosóficos<br />

<strong>em</strong> Rosa. Para isso, este estudo enquadrou-se nos parâmetros da abordag<strong>em</strong> qualitativa (CHIZZOTTI, 2005) ao<br />

utilizar a Análise de Conteúdo como ferramenta de análise (BARDIN, 1977) dos textos mencionados. A fim de<br />

se estruturar a fortuna crítica deste trabalho, foram utilizados os princípios conceituais de: Villaça (2003), Nadai<br />

(1982), Almeida [1970], Barbosa (2002), Bosi (1994), Coutinho (1986), Sperber (1982), Kaiser (1980), R<strong>em</strong>ak<br />

(1994), Carvalhal (2006), Chevalier e Gheerbrant (2007), Wellek e Waren (1955), Nunes (2002), Rée (2000),<br />

Cotrim (1999), Chinoy (1993) e Cândido (2000). Pesquisas como esta se propõ<strong>em</strong> a ampliar a cientificidade do<br />

universo da literatura comparada, b<strong>em</strong> como apontam caminhos para a realização de uma prática docente baseada<br />

na relação da dialética filosofia-literatura-sociologia.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Filosofia; literatura; rio; símbolo; sociologia.<br />

Introdução<br />

Esta proposta investigativa pretendeu confrontar<br />

dois textos da literatura modernista brasileira, sendo<br />

eles O cão s<strong>em</strong> plumas, de João Cabral de Melo Neto<br />

e A terceira marg<strong>em</strong> do rio, de João Guimarães Rosa,<br />

por meio do estudo do simbolismo de “rio” presente<br />

<strong>em</strong> ambos os referenciados escritos e utilizando, para<br />

tanto, considerações filosóficas e sociológicas. Como<br />

objetivos subsequentes, foram elencados os seguintes:<br />

analisar a exploração da simbologia da “imag<strong>em</strong>-palavra<br />

rio” na constituição de princípios filosóficos <strong>em</strong> Rosa e<br />

investigar as implicações sociológicas no texto cabralino<br />

a partir do valor simbólico da “imag<strong>em</strong>-palavra rio”.<br />

Como toda arte, a literatura s<strong>em</strong>pre foi alvo<br />

de estudos diversos. Pode-se dizer que as obras<br />

literárias s<strong>em</strong>pre ofereceram um vasto campo de<br />

análise a estudiosos e professores. Além disso, muitos<br />

apontamentos conceituais compilados pela própria<br />

crítica literária vêm apontando caminhos mais propícios<br />

para a realização de análises coerentes que esboc<strong>em</strong><br />

um entendimento mais amplo e ao mesmo t<strong>em</strong>po mais<br />

criterioso dos textos pertencentes ao universo literário.<br />

Considerando as múltiplas possibilidades de<br />

enfrentamento que os escritos literários pod<strong>em</strong><br />

propor, surgiu o interesse de realizar um estudo que<br />

apresentasse a comunhão entre textos de excelência<br />

literária e outras áreas do conhecimento, já que a<br />

literatura se apropria da representação significativa<br />

da palavra e reflete, como um verdadeiro espelho,<br />

os pensamentos de uma época, as ideologias que são<br />

firmadas, a compreensão de mundo dos muitos sujeitos<br />

que nele habitam, de forma irrestringível, ou seja, de<br />

forma mais ampla e valorativa.<br />

Ao se fazer essas conexões entre a literatura,<br />

filosofia e sociologia, percebeu-se que esta pesquisa<br />

apresentou um enfoque próprio de uma área de estudo<br />

denominada literatura comparada. Sabe-se que essa<br />

vertente do conhecimento, no Brasil, foi difundida pelo<br />

crítico literário Antônio Cândido, quando o mesmo<br />

propôs a abertura da disciplina Literatura Comparada<br />

na Universidade de São Paulo (USP), na década de 1960.<br />

Dessa forma, esta proposta investigativa foi<br />

desenvolvida com a finalidade de se entrar <strong>em</strong> contato<br />

com estudos inseridos no universo da literatura<br />

comparada, visto que essa área do conhecimento<br />

ganhou, no século XXI, renovados conceitos que<br />

corroboraram para a sua sustentação científica.<br />

A partir da leitura prévia do po<strong>em</strong>a de Cabral e<br />

do conto de Rosa, pôde-se notar a existência de uma<br />

t<strong>em</strong>ática comum que perpassa os dois textos – o<br />

simbolismo de “rio”. Assim, sobre o estilo de Guimarães<br />

e de João Cabral, alguns autores renomados ofereceram<br />

uma base para a composição da fundamentação teórica<br />

1 Projeto desenvolvido no Programa Institucional de Iniciação Científica (PIC) das Faculdades Associadas de Uberaba (FAZU), com bolsa concedida pela<br />

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).<br />

2 Graduada pela FAZU. Av. do Tutunas, 720 – CEP: 38061-500 – Uberaba- MG – E-mail: silvasantos87@yahoo.com.br<br />

3 Professora mestre do curso de Letras da FAZU . Av. do Tutunas, 720 – CEP 38061-500 – Uberaba-MG – E-mail: claudiafazu@yahoo.com.br<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 73-84<br />

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74<br />

desta pesquisa, tais como: Villaça (2003), Nadai (1982),<br />

Almeida [1970], Barbosa (2002), Bosi (1994), Coutinho<br />

(1986), Sperber (1982).<br />

Para adquirir conhecimento sobre os conceitos<br />

utilizados dentro dos parâmetros da literatura<br />

comparada, os autores Kaiser (1980), R<strong>em</strong>ak (1994) e<br />

Carvalhal (2006) foram utilizados. Sobre a simbologia<br />

de “rio”, foram consultados autores como Chevalier<br />

e Gheerbrant (2007) e Wellek e Waren (1955). No<br />

que diz respeito ao aspecto filosófico, utilizaram-se os<br />

fundamentos teóricos de Nunes (2002), Rée (2000)<br />

e Cotrim (1999). Todos fazendo menção à teoria do<br />

filósofo al<strong>em</strong>ão Heidegger (1889–1976). Sobre o<br />

aspecto sociológico, foram analisados os dizeres de<br />

Chinoy (1993) e de Cândido (2000).<br />

Material e métodos<br />

Este estudo é de natureza qualitativa e possui, como<br />

alicerce metodológico, os dizeres de Chizzotti (2005) e<br />

Bardin (1977) ao aplicar a Análise de Conteúdo como<br />

ferramenta de análise.<br />

De acordo com o pensamento de Chizzotti (2005),<br />

existe uma relação intrínseca e indissociável entre o<br />

mundo objetivo, onde estão os dados comumente<br />

coletados, e a subjetividade do sujeito observador. Assim<br />

sendo, tudo o que é observado, analisado, estudado,<br />

dentro das perspectivas da pesquisa qualitativa, possui<br />

significação e requer compreensão.<br />

Partindo da exploração da t<strong>em</strong>ática do simbolismo<br />

de “rio” <strong>em</strong> O cão s<strong>em</strong> plumas e <strong>em</strong> A terceira marg<strong>em</strong><br />

do rio, surgiram muitas inquietações que nortearam a<br />

busca de conceitos que eram externos à ótica literária.<br />

Observou-se que existe um forte traço filosófico no<br />

texto rosiano e que, no texto de Cabral, aspectos<br />

sociológicos são também fáceis de ser<strong>em</strong> detectados.<br />

Pensando nisso, tornou-se pertinente a busca por<br />

conceituações filosóficas para que houvesse o entendimento<br />

do texto de Guimarães como um todo. Assim como foi<br />

também necessária a busca de conceitos sociológicos para<br />

que houvesse a análise do texto de Cabral.<br />

Ainda sobre os aspectos da pesquisa qualitativa,<br />

Chizotti (2005) ressalta a importância da postura<br />

do pesquisador diante do corpus escolhido para a<br />

composição da investigação, isto é, o autor fala sobre<br />

a postura do pesquisador diante dos dados coletados:<br />

O pesquisador não se transforma <strong>em</strong> mero<br />

relator passivo. [...] a descrição minudente,<br />

cuidadosa e aliada é muito importante; uma vez<br />

que deve captar o universo das percepções,<br />

das <strong>em</strong>oções e das interpretações [...]<br />

(CHIZZOTTI, 2005, p. 82).<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 73-84<br />

Ana Paula da Silva Santos; Cláudia Ferreira de Paula Borges<br />

Sendo assim, torna-se evidente a necessidade de o<br />

pesquisador analisar os seus dados, tendo uma postura<br />

que seja coerente e que apresente retidão científica.<br />

Considerando esse pensamento, o referente estudo<br />

apresentou uma estruturação teórica com a finalidade<br />

de se analisar os textos já citados a partir de uma lógica<br />

esqu<strong>em</strong>atizada e pautada nas observações realizadas<br />

pela leitura minuciosa desses textos.<br />

Segundo os pressupostos da pesquisa qualitativa,<br />

os dados não pod<strong>em</strong> ser analisados isoladamente.<br />

Portanto, o pesquisador precisa compreender que eles<br />

não pod<strong>em</strong> ser estudados superficialmente uma vez<br />

que compondo um trabalho científico, dev<strong>em</strong> instigar<br />

constatações mais complexas. De acordo com esse<br />

princípio, Chizzotti (2005) faz referência às técnicas<br />

que pod<strong>em</strong> conduzir uma pesquisa enquadrada nos<br />

parâmetros qualitativos. Tais técnicas não possu<strong>em</strong><br />

a função de mapear modelos para a realização das<br />

análises, mas aguçam a consciência do sujeito enquanto<br />

pesquisador, d<strong>em</strong>onstrando que cada pesquisa merece<br />

a aplicação de uma determinada metodologia.<br />

A pesquisa qualitativa pressupõe que a utilização<br />

dessas técnicas não deve construir um modelo<br />

único, exclusivo e estandartizado. A pesquisa é uma<br />

criação que mobiliza a acuidade do pesquisador,<br />

sua habilidade artesanal e sua perspicácia para<br />

elaborar a metodologia adequada ao campo de<br />

pesquisa [...] (CHIZZOTTI, 2005, p. 85).<br />

Para Bardin (1977), a análise de conteúdo representa<br />

um conjunto de técnicas de análise de comunicação,<br />

enquanto Chizzotti (2005) a vê como sendo um método<br />

de tratamento e análise de dados coletados.<br />

Então, o corpus utilizado nesta pesquisa foi composto<br />

de dois textos representativos da literatura modernista<br />

no Brasil: O cão s<strong>em</strong> plumas, de João Cabral de Melo<br />

Neto (1994) e o conto A terceira marg<strong>em</strong> do rio, de João<br />

Guimarães Rosa (2001).<br />

Escrito por João Cabral de Melo Neto, <strong>em</strong> Barcelona,<br />

o po<strong>em</strong>a O cão s<strong>em</strong> plumas foi publicado <strong>em</strong> 1950 e<br />

representou o início da escritura de po<strong>em</strong>as cabralinos<br />

dentro do panorama das poesias denominadas<br />

participativas, que possu<strong>em</strong> t<strong>em</strong>áticas voltadas para<br />

a denúncia social, poesias de engajamento. Assim,<br />

utilizando a imag<strong>em</strong> dos mangues lamacentos do<br />

Capibaribe, João Cabral retratou a castigada realidade<br />

dos homens que viviam do rio, na lama e na miséria.<br />

O conto A terceira marg<strong>em</strong> do rio foi escrito por João<br />

Guimarães Rosa e lançado como sendo um dos contos<br />

do livro Primeiras estórias, <strong>em</strong> 1962. Resumidamente,<br />

o referenciado texto conta a história de um hom<strong>em</strong><br />

que se desliga de toda a convivência familiar e social<br />

ao construir uma canoa, indo viver isolado no meio de<br />

um rio. O narrador-personag<strong>em</strong>, um de seus filhos,


acompanha o seu percurso na nova vida. Por isso, não<br />

constitui família e, no final do conto, não consegue<br />

seguir o mesmo destino do pai.<br />

Os dois textos foram escolhidos depois da feitura<br />

de um trabalho de conclusão de curso com o mesmo<br />

corpus. Na verdade, esta pesquisa representa um<br />

desdobramento desse trabalho de conclusão. Desse<br />

modo, optou-se por analisar novamente os dois<br />

textos mencionados com o intuito de se chegar a<br />

constatações mais amplas, uma vez que os textos<br />

possu<strong>em</strong> legitimidade literária e uma riqueza infindável<br />

de análises poderia ser suscitada.<br />

Tendo <strong>em</strong> vista que a comparação propicia o<br />

aguçamento do senso crítico e ainda permite que<br />

haja o enfrentamento dos textos literários de diversas<br />

formas possíveis, vale ressaltar que a relevância desta<br />

investigação residiu justamente no fato de ela apresentar<br />

um entrelaçamento conceitual não só entre diferentes<br />

estilos e formas de expressão literária, mas também<br />

entre diferentes universos vinculados ao conhecimento<br />

humano, sendo configurada nos liames da literatura<br />

comparada.<br />

O percurso de análise estruturado ganhou<br />

direcionamento por meio dos seguintes procedimentos<br />

metodológicos. Primeiro, a leitura de A terceira marg<strong>em</strong><br />

do rio e de O cão s<strong>em</strong> plumas foi realizada. Em seguida e<br />

de acordo com os teóricos apropriados, o simbolismo<br />

de “rio” foi analisado <strong>em</strong> O cão s<strong>em</strong> plumas <strong>em</strong> relação<br />

aos conceitos próprios da sociologia, assim como<br />

houve a estruturação do estudo comparativo entre o<br />

texto rosiano e os fundamentos filosóficos compilados<br />

anteriormente.<br />

Resultados e discussões<br />

Como objetivo primeiro deste estudo, definiu-se<br />

investigar as implicações sociológicas observadas no<br />

texto cabralino, tendo como ponto de partida o valor<br />

do simbolismo da “imag<strong>em</strong>-palavra rio”.<br />

Assim, de imediato, percebeu-se que no po<strong>em</strong>a<br />

O cão s<strong>em</strong> plumas, o título já revelava a t<strong>em</strong>ática<br />

de degradação da vida humana às margens do rio<br />

Capibaribe, explicitada pela simbologia de “rio”<br />

detectada no texto. Isso tendo <strong>em</strong> vista que a imag<strong>em</strong><br />

de um cão desprovido de plumag<strong>em</strong>, isto é, de pelag<strong>em</strong>,<br />

já d<strong>em</strong>onstra tal perspectiva que passou a ser ressaltada<br />

pelos versos que compõ<strong>em</strong> o referenciado po<strong>em</strong>a.<br />

João Cabral conseguiu ressaltar tais imagens de<br />

degradação humana, da não fluência do próprio viver, ao<br />

lançar mão de uma técnica que consistia <strong>em</strong> apresentar,<br />

nos versos do po<strong>em</strong>a, uma metáfora e depois justificá-la<br />

com uma série de símiles.<br />

Espelhos d’água: reflexos filosóficos <strong>em</strong> Rosa, reflexos sociológicos <strong>em</strong> Cabral<br />

Abre-se <strong>em</strong> flores<br />

pobres e negras<br />

como negros.<br />

Abre-se numa flora<br />

suja e mais mendiga<br />

como são os mendigos negros.<br />

Abre-se <strong>em</strong> mangues<br />

de folhas duras e crespos<br />

como um negro (MELO NETO, 1994, p. 106).<br />

Como se vê, Cabral denuncia uma realidade<br />

lastimável dentro do território brasileiro <strong>em</strong> plena<br />

década de 1950, século XX, apontando, a partir de<br />

sua composição concreta de imagens com visibilidade<br />

plástica, o retrato da estagnação miserável à qual a<br />

vivência às margens do Capibaribe se predispõe, <strong>em</strong><br />

cenário nordestino. Esse modo de escrever ratifica o<br />

simbolismo do “rio” que percorre um espaço. Porém,<br />

não apresenta um fluir solto: só representa estagnação,<br />

miséria, tentativa de sustentabilidade, inconsciência<br />

humana. Assim, o el<strong>em</strong>ento natural que faz parte<br />

da existência humana, o “rio”, transformou-se <strong>em</strong><br />

simbolismo, já que suscitou uma série de imagens<br />

simbólicas (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2007).<br />

Sendo a literatura a expressão artística da palavra,<br />

configurando-a <strong>em</strong> um determinado t<strong>em</strong>po e espaço,<br />

percebeu-se claramente o jogo poético e ético citado<br />

por Villaça (2003) ao estudar a escritura de Cabral, uma<br />

vez que se constatou, a partir da leitura de O cão s<strong>em</strong><br />

plumas, o trabalho realizado com a palavra <strong>em</strong> parceria<br />

com o trabalho de, sobre o limpo, escancarar o sujo;<br />

sobre a aparente organização estética, imprimir as<br />

mazelas do caos. Os versos a seguir representam esse<br />

raciocínio:<br />

Algo da estagnação<br />

dos palácios cariados,<br />

comidos<br />

de mofo e erva-de-passarinho.<br />

Algo da estagnação<br />

das árvores obesas<br />

pingando os mil açúcares<br />

das salas de jantar pernambucanas<br />

por onde se veio arrastando (MELO NETO,<br />

1994, p. 107).<br />

Por meio dos versos registrados acima, notouse<br />

previamente uma crítica ofensiva à forma de<br />

organização da vida nos limites do rio Capibaribe.<br />

João Cabral descreve um rio que se arrasta, mas que,<br />

ao mesmo t<strong>em</strong>po, perpassa os “palácios cariados”,<br />

“comidos”. Palácios que protagonizaram a euforia<br />

econômica gerada pelo cultivo da cana-de-açúcar, uma<br />

euforia marcada pela ascensão e decadência, visto que<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 73-84<br />

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76<br />

a docilidade da expansão do açúcar desencadeou, mais<br />

tarde, as cáries, as mazelas derivadas de seu próprio<br />

declínio. As palavras <strong>em</strong> destaque – “cariados”,<br />

“comidos”- revelam ainda a indignação perante a<br />

desigualdade, perante o comodismo de uma pequena<br />

parcela social frente as realidades deprimentes:<br />

(É nelas,<br />

mas de costas para o rio,<br />

que as “grandes famílias espirituais” da cidade<br />

chocam os ovos gordos<br />

de sua prosa.<br />

Na paz redonda das cozinhas,<br />

ei-las revolver viciosamente<br />

seus caldeirões<br />

de preguiça viscosa) (MELO NETO, 1994, p.<br />

107).<br />

De acordo com Chinoy (1993), a Sociologia é vista<br />

como uma área competente para fazer a compreensão<br />

da realidade social <strong>em</strong> que os seres humanos conviv<strong>em</strong><br />

uns com os outros. Essa compreensão pode acrescentar<br />

ao hom<strong>em</strong> um conhecimento mais abrangente de<br />

si mesmo ou ainda pode corroborar para a solução<br />

dos tantos probl<strong>em</strong>as que rodeiam a vida humana.<br />

Assim sendo, Cabral, que pertenceu à geração de<br />

1945 - geração que surgiu depois daquela que teve<br />

como alvo as denúncias de âmbito social no Brasil -,<br />

conseguiu delinear sua poesia, partindo de O cão s<strong>em</strong><br />

plumas, dentro dos parâmetros do universo da poesia<br />

participativa. Tais apontamentos não foram feitos aqui<br />

gratuitamente, porque pela e na linguag<strong>em</strong>, observouse<br />

uma série de fatores voltados para o aspecto do<br />

engajamento social, culminando <strong>em</strong> crítica e denúncia<br />

como já se escreveu nesta seção.<br />

A última estrofe utilizada anteriormente apresentou<br />

versos que na verdade apontam uma organização social<br />

privilegiada que quase nada ou nada faz <strong>em</strong> relação<br />

aos “[...] homens s<strong>em</strong> pluma” (MELO NETO, 1994,<br />

p. 109), ou seja, aos homens que habitam as margens<br />

do Capibaribe – “É nelas, mas de costas para o rio<br />

[...]”. Os versos acima apresentam realidades que são,<br />

<strong>em</strong> primeira instância, antitéticas se levadas <strong>em</strong> conta<br />

as condições de vida daqueles que viv<strong>em</strong> na lama, no<br />

lodo: “[...] chocam os ovos gordos [...] Na paz redonda<br />

das cozinhas [...] ei-las revolver viciosamente seus<br />

caldeirões [...]” (MELO NETO, 1994, p.107).<br />

De maneira geral, as estrofes de O cão s<strong>em</strong> plumas<br />

apresentam uma seleção lexical que expõe as terríveis<br />

condições de vida daqueles que viv<strong>em</strong> às margens do<br />

Capibaribe, além de confrontá-las com a realidade<br />

oposta, a dos que se apresentam <strong>em</strong> condições<br />

privilegiadas. O ciclo da cana-de-açúcar, <strong>em</strong> cenário<br />

nordestino, revelou-se composto por um período de<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 73-84<br />

Ana Paula da Silva Santos; Cláudia Ferreira de Paula Borges<br />

expansão, outro de estagnação e outro de decadência.<br />

Pensando na organização social exposta por Cabral,<br />

o percurso da vida dos homens do mangue apresentase<br />

marcado por um ciclo também, só que um ciclo que<br />

contém apenas os períodos de estagnação e decadência<br />

que caracterizaram a enlameada vivência no Capibaribe.<br />

Na paisag<strong>em</strong> do rio<br />

difícil é saber<br />

onde começa o rio;<br />

onde a lama<br />

começa do rio;<br />

onde a terra<br />

começa da lama;<br />

onde o hom<strong>em</strong>,<br />

onde a pele<br />

começa da lama;<br />

onde começa o hom<strong>em</strong><br />

naquele hom<strong>em</strong> (MELO NETO, 1994, p. 110).<br />

No trecho acima, percebe-se que não há noção de<br />

início, n<strong>em</strong> de fim <strong>em</strong> relação ao que é hom<strong>em</strong> e ao que<br />

é lama: “[...] difícil é saber/ onde começa o rio/ onde<br />

começa a lama [...]”. A precariedade das condições é<br />

tão intensa que passa a fazer do hom<strong>em</strong> lama e da lama<br />

aquele hom<strong>em</strong>.<br />

A exposição dessas condições foi realizada por meio<br />

de palavras e expressões específicas, pela reiteração<br />

do simbolismo de um “rio” que não é liso, que não<br />

apresenta águas límpidas, que não t<strong>em</strong> peixes saudáveis,<br />

que não apresenta uma vida calma e tranquila: um rio<br />

que é “lodo”, “ferrug<strong>em</strong>”, “lama”, “espesso”, “de águas<br />

densas e mornas”, que “jamais se abre <strong>em</strong> peixes”, que<br />

é “algo da estagnação do hospital, da penitenciária, dos<br />

asilos, da vida suja e abafada”.<br />

Tudo isso fez com que se notasse que a vida<br />

caracterizada por Cabral no po<strong>em</strong>a apresentava falta<br />

de perspectiva social, visto que, segundo os dizeres de<br />

Chinoy (1993), o ser humano busca criar mecanismos<br />

para interagir e transformar o meio que habita. E aos<br />

homens que não modificam o espaço que ocupam e que<br />

consegu<strong>em</strong> sobreviver com o mínimo possível <strong>em</strong> relação<br />

ao considerado normal para a manutenção da vida humana<br />

dá-se o nome de “homens selvagens”. Em O cão s<strong>em</strong><br />

plumas, percebeu-se que o poeta ressaltou a existência<br />

precária desses homens selvagens, comparando-os à<br />

existência lamentável de um cão s<strong>em</strong> plumas.<br />

Mas ele conhecia melhor<br />

os homens s<strong>em</strong> pluma.<br />

Estes<br />

secam<br />

ainda mais além<br />

de sua caliça extr<strong>em</strong>a;


ainda mais além<br />

de sua palha;<br />

mais além<br />

da palha de seu chapéu;<br />

mais além<br />

até<br />

da camisa que não têm;<br />

muito mais além do nome<br />

mesmo escrito na folha<br />

do papel mais seco (MELO NETO, 1994, p. 109).<br />

Nessa estrofe, é notória a função de lâmina afiada<br />

que a palavra exerce para caracterizar os homens que<br />

mais parec<strong>em</strong> animais, animalizados pela influência<br />

pesada, desgastante e seca que o meio exerce sobre<br />

suas vidas. Uma única palavra ocupa um verso inteiro e<br />

funciona como o corte aberto na consciência de qu<strong>em</strong><br />

lê ou identifica tal cenário, proporcionando ao ritmo do<br />

po<strong>em</strong>a, além de tudo, uma objetividade que causa dor –<br />

“[...] Estes / secam/ [...] até [...]” -, que particulariza uma<br />

coletividade que de tão vítima do próprio meio, perdeu<br />

a própria noção de individualismo e de identidade: “[...]<br />

muito mais além do nome/ mesmo escrito na folha/ do<br />

papel mais seco” (MELO NETO, 1994, p. 109).<br />

Desse modo, constatou-se ainda que os homens<br />

representados nas estrofes do po<strong>em</strong>a foram<br />

zoomorfizados. Assim, o po<strong>em</strong>a revela que eles viviam<br />

<strong>em</strong> condições de não organização social ou mesmo<br />

imersos <strong>em</strong> uma organização social muito precária,<br />

não podendo ter consciência dos próprios conceitos<br />

de sociedade e dos conjuntos de crenças, valores, leis,<br />

ou seja, não tinham consciência do conceito de cultura<br />

(CHINOY, 1993). Por tudo isso, Cabral retrata que os<br />

homens do mangue, por meio de uma inconsciência<br />

constante, haviam perdido aquilo que verdadeiramente<br />

os diferenciava dos animais, isto é, a capacidade de,<br />

pelo raciocínio, mudar<strong>em</strong> a perspectiva social que os<br />

rodeava: eles viviam do rio, para o rio, pelo rio. Essas<br />

afirmações são percebidas no seguinte trecho:<br />

Na água do rio,<br />

lentamente,<br />

se vão perdendo<br />

<strong>em</strong> lama; numa lama<br />

que pouco a pouco<br />

ganha os gestos defuntos<br />

da lama;<br />

o sangue de goma,<br />

olho paralítico<br />

da lama (MELO NETO, 1994, p. 110).<br />

Hom<strong>em</strong> e lama se fund<strong>em</strong> de acordo com o po<strong>em</strong>a.<br />

A existência foi praticamente anulada para dar vida à<br />

luta, apenas à luta pela sobrevivência, à luta contra o<br />

tornar-se mais “um defunto de lama”. A consciência<br />

Espelhos d’água: reflexos filosóficos <strong>em</strong> Rosa, reflexos sociológicos <strong>em</strong> Cabral<br />

social turva dos homens do Capibaribe, aliás a falta de<br />

consciência da própria dignidade humana fez com que<br />

tais homens perdess<strong>em</strong> a própria voz; viviam um dia<br />

após o outro, conformados com a fatalidade do próprio<br />

percurso.<br />

Um cão, porque vive,<br />

é agudo.<br />

O que vive<br />

não entorpece.<br />

O que vive fere.<br />

O hom<strong>em</strong>,<br />

porque vive,<br />

choca com o que vive.<br />

Viver<br />

É ir entre o que vive (MELO NETO, 1994, p. 114).<br />

João Cabral de Melo Neto, nos versos do<br />

referenciado texto, desumaniza totalmente os homens<br />

do Capibaribe ao construir um po<strong>em</strong>a <strong>em</strong> que eles<br />

perderam a capacidade de possuir um discurso, uma<br />

voz. Qu<strong>em</strong> ganha voz, de fato, é o rio, que, no po<strong>em</strong>a,<br />

encontra-se antropomorfizado a partir de sua própria<br />

personificação. O rio vê, sente, t<strong>em</strong> consciência de<br />

qu<strong>em</strong> vive às suas margens.<br />

O rio sabia<br />

daqueles homens s<strong>em</strong> plumas.<br />

Sabia<br />

de suas barbas expostas,<br />

de seu doloroso cabelo<br />

de camarão estopa [...] (MELO NETO, 1994, p. 108).<br />

Os homens do rio Capibaribe representam<br />

negações diante da vida, visto que são a negação de<br />

uma organização social digna, da consciência de uma<br />

cultura e da transformação da própria existência <strong>em</strong><br />

relação ao meio que ocupam. De afirmações possu<strong>em</strong><br />

apenas limitações e fatalidades. Em segunda instância,<br />

representam um verdadeiro paradoxo <strong>em</strong> referência<br />

àqueles que exist<strong>em</strong> e não apenas sobreviv<strong>em</strong>: “[...]<br />

como é muito mais espesso/ o sangue de um hom<strong>em</strong>/<br />

do que o sonho de um hom<strong>em</strong>” (MELO NETO, 1994,<br />

p. 115). De acordo com esse pensamento, vê-se que o<br />

simbolismo de rio <strong>em</strong> O cão s<strong>em</strong> plumas significa a falta<br />

de leveza, de fluidez, de transparência da própria vida<br />

humana, a falta do sonho. O rio possui um percurso<br />

natural que o arrasta para o mar, mas os seres humanos,<br />

que também são rios e nele habitam, possu<strong>em</strong> um<br />

percurso determinado pelas imposições de um espaço<br />

degradante, possu<strong>em</strong> um percurso arrastado que<br />

os leva às beiras da própria sociedade. O rio limita e<br />

restringe a vivência <strong>em</strong> suas margens.<br />

Para Chinoy (1993), a cultura de um lugar e a<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 73-84<br />

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78<br />

sociedade <strong>em</strong> si ganham contornos a partir do fato da<br />

existência dos indivíduos. Se essa existência passa a ser<br />

anulada, como se observou no mencionado po<strong>em</strong>a<br />

cabralino, os indivíduos passam a ser exclusivamente<br />

produtos do meio onde viv<strong>em</strong>. Em O cão s<strong>em</strong> plumas,<br />

a travessia dos homens do mangue prosseguia seu tino,<br />

restringindo, limitando o pensar e o agir, moldando por<br />

gerações as vidas que ali estavam: “Porque é muito mais<br />

espessa/ a vida que se desdobra/ <strong>em</strong> mais vida [...]”<br />

(MELO NETO, 1994, p. 116).<br />

Tomando por base todas as análises realizadas até<br />

aqui, observou-se que João Cabral de Melo Neto<br />

conseguiu, por meio do seu lógico, concreto e racional<br />

trabalho poético, objetivar os versos de O cão s<strong>em</strong><br />

plumas, limitando-os. Porém, dessa forma, fez com<br />

que as imagens intencionadas ganhass<strong>em</strong> amplitude<br />

e visibilidade. Desse movimento com a palavra, ele<br />

expressou fatores externos, sociais. Sendo assim,<br />

considerando uma logicidade dialética, o que era<br />

externo, ou seja, a realidade das mazelas nordestinas<br />

transformou-se <strong>em</strong> arte e o que representava um<br />

aspecto exterior passou a ser representado pelo que é<br />

interior, pela palavra (CANDIDO, 2000).<br />

Ao desnudar a triste realidade nordestina através<br />

da antropomorfização do rio e da zoomorfização do<br />

hom<strong>em</strong> das margens desse rio, João Cabral edificou,<br />

pelo processo de diferenciação, as diversidades que<br />

marcam a vida social.<br />

Como segundo objetivo específico desta pesquisa,<br />

estabeleceu-se a promoção da análise da exploração<br />

do simbolismo da “imag<strong>em</strong>-palavra rio” na constituição<br />

de princípios filosóficos <strong>em</strong> Rosa. Para tanto, procurouse<br />

associar o forte traço existencialista de A terceira<br />

marg<strong>em</strong> do rio com a teoria do filósofo al<strong>em</strong>ão<br />

existencialista Heidegger.<br />

Levando <strong>em</strong> consideração o eixo t<strong>em</strong>ático escolhido<br />

como alvo desta investigação, a análise do simbolismo da<br />

“imag<strong>em</strong>-palavra rio”, notou-se que Guimarães utiliza<br />

uma verdadeira alegoria, ou seja, vincula a significação<br />

da “imag<strong>em</strong>-palavra rio” à exposição de uma ideia a fim<br />

de atingir determinada representatividade por meio da<br />

suscitada “terceira marg<strong>em</strong>”. Partindo da narração do<br />

comportamento incomum de um pai que se isola dentro<br />

de uma canoa, no meio das águas de um rio, Rosa<br />

parece ter evidenciado a existência de uma realidade<br />

transcendente que possui a significação do que seria<br />

essa “terceira marg<strong>em</strong>”.<br />

Assim, percebeu-se com nitidez que o conto mencionado<br />

possui caráter existencial. De acordo com Cotrim (1999),<br />

o filósofo existencialista Heidegger, que estruturou sua<br />

linha de pensamento na análise da essência humana,<br />

desenvolveu a ideia de que o hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> si representa um<br />

somatório do que ele denominou “ente” – o modo de ser<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 73-84<br />

Ana Paula da Silva Santos; Cláudia Ferreira de Paula Borges<br />

do hom<strong>em</strong> no mundo, o Daisen – e do que ele chamou de<br />

“ser” – a essência de cada indivíduo.<br />

Por isso, quando, no conto rosiano, o personag<strong>em</strong><br />

pai rompe com a realidade social e a familiar, preferindo<br />

navegar sobre as águas do rio, constata-se que ele não<br />

mais dava importância ao seu estar no mundo, mas<br />

possuía o intento de fluir dentro dele mesmo:<br />

Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma<br />

parte. Só executava a invenção de se permanecer<br />

naqueles espaços do rio, de meio a meio, s<strong>em</strong>pre<br />

dentro da canoa, para dela não saltar nunca mais<br />

(ROSA, 2001, p. 80).<br />

Esse rompimento com o mundo social <strong>em</strong> busca do<br />

que há de essencial na própria existência apresenta uma<br />

relação com a negação da inautenticidade do modo de<br />

vida que o hom<strong>em</strong> leva quando é nada mais que um<br />

Daisen, quando somente está no mundo, de acordo<br />

com Heidegger.<br />

Essa negação do que é pré-estabelecido, do que<br />

é “estar-aí” no mundo, pôde ser constatada desde<br />

o início do conto, quando o personag<strong>em</strong> narrador,<br />

o filho, conta que o pai era um hom<strong>em</strong> comum, que<br />

cumpria com suas obrigações de hom<strong>em</strong> e de pai -<br />

isto é, praticava ações no mundo, habitava o mundo<br />

circundante como Daisen - , mas conta também que<br />

ele era muito introvertido, visto que a esposa era qu<strong>em</strong><br />

coordenava a família, cobrava os deveres dos filhos.<br />

Nosso pai era hom<strong>em</strong> cumpridor, ordeiro,<br />

positivo; e sido assim desde mocinho e menino,<br />

pelo que test<strong>em</strong>unhavam as diversas sensatas<br />

pessoas, quando indaguei a informação. [...] ele<br />

não figurava mais estúrdio n<strong>em</strong> mais triste do que<br />

os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa<br />

mãe era qu<strong>em</strong> regia, e que ralhava o diário com a<br />

gente [...] (ROSA, 2001, p. 79).<br />

Através desse fragmento, notou-se claramente que o<br />

pai, antes de tomar a atitude de construir a canoa e se<br />

refugiar no “rio”, era apenas mais um hom<strong>em</strong> lançado<br />

no mundo e que n<strong>em</strong> mesmo questionava esse mundo,<br />

era tido como sensato e positivo aos olhos das d<strong>em</strong>ais<br />

existências também apenas lançadas no mundo: esposa,<br />

filhos, parentes.<br />

Sendo assim, a negação de tal inautenticidade esteve<br />

vinculada, proporcionalmente pensando, à aceitação<br />

daquilo que Rée (2000), ao fazer a releitura da teoria<br />

heideggeriana, denominou autenticidade, ou seja,<br />

observou-se que o pai, no texto rosiano, representa,<br />

com a atitude de se isolar no meio do rio, dentro da<br />

canoa, a busca pela autenticidade da própria existência,<br />

por se encontrar com seu eu mais profundo.<br />

Nosso pai não dizia nada. Nossa casa, no t<strong>em</strong>po,<br />

ainda era mais próxima do rio, obra de n<strong>em</strong>


quarto de légua: o rio por aí se estendendo<br />

grande, fundo, calado como s<strong>em</strong>pre. Largo,<br />

de não se poder ver a forma da outra beira. E<br />

esquecer não posso, do dia <strong>em</strong> que a canoa ficou<br />

pronta (ROSA, 2001, p. 79-80).<br />

Como se vê, o próprio pai é comparado ao rio por<br />

meio da gradação “grande, fundo, calado”. Tudo isso<br />

reafirmando sua autenticidade já que, como o rio, não<br />

se podia ver a forma da sua outra beira, do personag<strong>em</strong><br />

como não sendo “ente” no mundo, mas como “ser”.<br />

Rosa, <strong>em</strong> seu texto, propagou a ideia de que a<br />

terceira marg<strong>em</strong> do rio nada mais é que o encontro<br />

com o lado mais complexo do ser humano, aquilo<br />

que Heidegger chamou de “ser”, que se compreende<br />

como essência a partir da estruturação do enredo do<br />

conto <strong>em</strong> questão. Dessa maneira, foi fácil notar que<br />

no momento <strong>em</strong> que o pai decidiu construir a canoa<br />

s<strong>em</strong> dar satisfações e ir <strong>em</strong> direção ao rio para lá se<br />

isolar, houve a conscientização da estreita relação entre<br />

o consciente e o inconsciente por meio da abertura do<br />

espírito para o infinito, para o desconhecido que seria a<br />

terceira marg<strong>em</strong> (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2007).<br />

O simbolismo de rio, sendo aquele que possui<br />

vínculo com o curso da própria vida, foi utilizado por<br />

Rosa para que houvesse a estruturação do pensamento<br />

de que o ser humano é um rio que cursa no mundo,<br />

mas que principalmente cursa <strong>em</strong> um universo paralelo,<br />

se apresenta intrínseco à própria existência:<br />

[...] ou que, nosso pai, qu<strong>em</strong> sabe, por escrúpulo<br />

de estar com alguma feia doença, que seja, a<br />

lepra, se desertava para outra sina de existir,<br />

perto e longe de sua família dele. [...] da forma<br />

como cursava no rio, solto solitariamente (ROSA,<br />

2001, p. 81).<br />

Nesse universo introspectivo, de acordo com<br />

a teoria de Heidegger, encontram-se as áreas que<br />

se apresentam ao senso comum como verdadeiras<br />

incógnitas da realidade existencial. Para que essas áreas<br />

sejam iluminadas pela consciência humana, Cotrim<br />

(1999) expôs, ao escrever sobre Heidegger, que o<br />

mencionado filósofo elencou três dimensões que<br />

explicitam o movimento que é preciso ser feito a fim<br />

de que se estreite o contato com a existência pura e<br />

verdadeira de cada indivíduo: a dimensão denominada<br />

fato da existência, a do desenvolvimento da existência e<br />

a da destruição do próprio eu.<br />

No que se refere à primeira dimensão, o fato da<br />

existência, pode-se dizer que faz menção ao próprio<br />

nascimento, à própria oportunidade de se ter uma<br />

vida no mundo, ou seja, refere-se ao ser lançado no<br />

mundo. Sobre a segunda, a do desenvolvimento da<br />

existência, vê-se que deve ser relacionada ao primeiro<br />

parágrafo da narrativa, já citado nesta análise de dados,<br />

Espelhos d’água: reflexos filosóficos <strong>em</strong> Rosa, reflexos sociológicos <strong>em</strong> Cabral<br />

<strong>em</strong> que o narrador apresenta o personag<strong>em</strong> pai como<br />

um realizador de tarefas comuns ao seu estado de<br />

marido, hom<strong>em</strong>, trabalhador. Essa dimensão, segundo<br />

Heidegger, é aquela que expõe a relação do hom<strong>em</strong><br />

com o mundo, do hom<strong>em</strong> inautêntico, que age no<br />

mundo, que possui o caráter de “ente”, sendo Daisen.<br />

No que diz respeito à terceira dimensão, a da destruição<br />

do eu, Heidegger ressaltou que o Daisen desenvolvido<br />

no mundo pode ser capaz de se autoquestionar, se<br />

enfrentar, destruir o projeto firmado com os outros <strong>em</strong><br />

prol de conquistar a oportunidade de ser ele mesmo,<br />

transcendendo, iluminando suas próprias obscuridades.<br />

S<strong>em</strong> alegria n<strong>em</strong> cuidado, nosso pai encalcou o<br />

chapéu e decidiu um adeus para a gente. N<strong>em</strong><br />

falou outra palavra, não pegou matula e trouxa,<br />

não fez alguma recomendação. Nossa mãe, a<br />

gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu<br />

somente alva de pálida, mascou o beiço e<br />

bramou: “- Cê vai, ocê fique, você nunca volte!”<br />

(ROSA, 2001, p. 80).<br />

Ainda a respeito do trecho anterior, constatou-se que<br />

a b<strong>em</strong> marcada seriedade do pai, sua característica de<br />

pouco falar e de praticamente não se deixar conhecer,<br />

isto é, seu profundo silêncio <strong>em</strong> relação às suas ações<br />

no mundo desencadeou o seu questionamento interno,<br />

visto que ao negar sua vivência social, ele foi impulsionado<br />

a desbravar sua porção transcendente, desvinculando-se<br />

daquilo que não julgava mais necessário à sua existência.<br />

Em contrapartida, o silêncio desse pai desencadeou<br />

também os tantos questionamentos do filho. Na<br />

verdade, por meio dos questionamentos do narrador,<br />

é possível inferir o constatado questionamento do<br />

personag<strong>em</strong> pai. Em relação a isso, chegou-se a perceber<br />

uma incisiva diferença entre as referidas indagações.<br />

Enquanto o pai, <strong>em</strong> seu silêncio, nega e questiona sua<br />

vivência no mundo circundante, almejando alcançar o<br />

seu universo transcendente, o filho faz questionamentos<br />

próprios de qu<strong>em</strong> ainda apenas é um “ente” no mundo,<br />

uma vez que põe <strong>em</strong> julgamento a sanidade do pai, a<br />

função dele como esposo e como pai, sofrendo até com<br />

o fato de passar a vida tentando compreender a postura<br />

daquele hom<strong>em</strong>.<br />

A gente teve de se acostumar com aquilo. Às<br />

penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca<br />

se acostumou, <strong>em</strong> si, na verdade. Tiro por mim,<br />

que, no que queria, e no que não queria, só com<br />

nosso pai me achava: assunto que jogava para<br />

trás meus pensamentos. O severo que era, de<br />

não se entender, de maneira nenhuma, como ele<br />

agüentava (ROSA, 2001, p. 82).<br />

Nunes (2002), ao relatar algumas características da<br />

teoria de Heidegger, chegou a evidenciar que para se<br />

alcançar a destruição do eu, passando a fazer parte<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 73-84<br />

79


80<br />

da terceira dimensão já apontada, é preciso haver a<br />

explosão do sentimento de angústia no que se refere à<br />

vivência do Daisen no mundo.<br />

Dessa maneira, no conto observado, notou-se<br />

que Guimarães não se preocupou <strong>em</strong> descrever os<br />

momentos de angústia do personag<strong>em</strong> pai pela voz do<br />

filho, o narrador. O próprio silêncio do personag<strong>em</strong> e<br />

sua int<strong>em</strong>pestiva atitude fizeram com que surgiss<strong>em</strong><br />

inferências a respeito desse sentimento. Já que o pai não<br />

interferia <strong>em</strong> nada dentro de sua vida familiar e acatava<br />

o que sua esposa estabelecia, subentendeu-se que o não<br />

ter voz seria tão angustiante como consequent<strong>em</strong>ente<br />

instigante. Angustiante pelo fato de ele perceber que<br />

o seu estar no mundo possuía uma representatividade<br />

mais rotineira do que significativa. E instigante porque<br />

a partir dessa quietude inquietante, o personag<strong>em</strong> de<br />

repente sentiu-se pronto para a mudança, a ruptura,<br />

a destruição daquele eu que era mais coletivo do que<br />

individual e para a busca de sua significância existencial.<br />

Nosso pai suspendeu a resposta. [...] Ele só<br />

retornou a olhar <strong>em</strong> mim, e me botou a bênção,<br />

com gesto me mandando para trás. Fiz que vim,<br />

mas ainda virei, na grota do mato, para saber.<br />

Nosso pai entrou na canoa e desamarrou pelo<br />

r<strong>em</strong>ar. E a canoa saiu se indo – a sombra dela por<br />

igual, feito um jacaré, comprida longa (ROSA,<br />

2001, p. 80).<br />

Pela tão imprevisível atitude do pai, compreendeu-se<br />

que tal personag<strong>em</strong>, ao angustiar-se, teve a sensação de<br />

não “ser”, de ser nada e, portanto, direcionou sua vida<br />

à aquisição desse “ser”. De acordo com Cotrim (1999),<br />

os indivíduos têm duas opções ao se encontrar<strong>em</strong> à<br />

beira do sentimento de angústia: a de fugir e voltar a<br />

se entregar à mera existência do Daisen ou superar o<br />

estado angustiante, deixando florescer o “ser” dentro<br />

de si. O pai, <strong>em</strong> A terceira marg<strong>em</strong> do rio, optou por<br />

fazer a travessia dentro de si e encontrar o seu “ser”,<br />

deixando <strong>em</strong>ergir a sua terceira marg<strong>em</strong>:<br />

De dia ou de noite, com sol ou aguaceiros, calor,<br />

sereno, e nas friagens terríveis de meio-do-ano,<br />

s<strong>em</strong> arrumo, só com o chapéu velho na cabeça,<br />

por todas as s<strong>em</strong>anas, e meses, e aos anos – s<strong>em</strong><br />

fazer conta do se-ir do viver (ROSA, 2001, p. 82).<br />

Para o filho, o narrador, o personag<strong>em</strong> pai não se<br />

dava conta mais do viver que ele conhecia e que<br />

parecia julgar como sendo único, o viver no mundo<br />

social, dos “entes”. Agora, segundo os estudos de<br />

Heidegger, o pai estava desfrutando de um viver não<br />

limitado por determinações t<strong>em</strong>porais - e porque não<br />

dizer - espaciais. No mundo essencial do “ser”, tais<br />

limitações têm seus sentidos dissolvidos e existe apenas<br />

a tranquilidade da travessia que também não cobra<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 73-84<br />

Ana Paula da Silva Santos; Cláudia Ferreira de Paula Borges<br />

n<strong>em</strong> trocas de roupas, n<strong>em</strong> de aquisições, n<strong>em</strong> de<br />

comportamento, mas apenas sugere a cont<strong>em</strong>plação.<br />

Dessa maneira, no comportamento do pai observouse<br />

também que o narrador ocupou importante papel<br />

dentro da trama, sendo um dos personagens principais.<br />

Assim, analisando seu comportamento pela ótica da<br />

teoria heideggeriana, percebeu-se que ao observar<br />

por toda a sua vida a diferente atitude de seu pai, o<br />

personag<strong>em</strong> narrador vivenciou com intensidade a sua<br />

condição de Daisen, de agir no mundo circundante. Essa<br />

constatação foi verificada visto que várias indagações<br />

foram feitas por ele, indagações de não aceitação<br />

daquela atitude de se refugiar no meio de um rio.<br />

N<strong>em</strong> queria saber de nós; não tinha afeto? Mas,<br />

por afeto mesmo, de respeito, s<strong>em</strong>pre que às<br />

vezes me louvavam, por causa de algum meu bom<br />

procedimento, eu falava: –“Foi pai que um dia me<br />

ensinou a fazer assim...[...] (ROSA, 2001, p. 83).<br />

A partir desse trecho, pôde-se perceber que as<br />

indagações que surgiam faziam correspondência apenas<br />

com o mundo do Daisen, com o que era cabível de<br />

ser cobrado <strong>em</strong> relação ao modo de ser do hom<strong>em</strong><br />

no mundo, <strong>em</strong> relação ao “ente”. O próprio discurso<br />

do narrador é prova de que aquilo que o pai ensinou<br />

antes de construir a canoa, antes de ir para o rio, era o<br />

que possuía importância e era considerado como sendo<br />

atitudes boas: “Foi pai que um dia me ensinou a fazer<br />

assim... [...]” (ROSA, 2001, p. 83).<br />

No desenvolvimento do conto rosiano, notou-se<br />

que o filho não aceitava a escolha do pai, porque não<br />

a compreendia. Essa não compreensão surgiu pelo<br />

fato de ele viver apenas no fato da existência e no<br />

desenvolvimento dessa existência, não tendo, portanto,<br />

sua subjetividade alterada. Preponderant<strong>em</strong>ente, o<br />

narrador do texto possui uma existência inautêntica,<br />

isto é, não se apropriou de seu Daisen a ponto de vencer<br />

seus próprios medos e encontrar sua essência, ele não<br />

possui a ele mesmo (RÉE, 2000). Em algumas passagens<br />

do texto, esse raciocínio ganha relevância:<br />

Eu fiquei aqui, de resto. Eu nunca podia querer<br />

me casar. Eu permaneci, com as bagagens da<br />

vida. Nosso pai carecia de mim, eu sei – na<br />

vagação , no rio no ermo – s<strong>em</strong> dar razão de seu<br />

feito (ROSA, 2001, p. 84).<br />

De acordo com a ótica heideggeriana, a vida<br />

do personag<strong>em</strong> narrador do conto de Rosa foi<br />

absolutamente inautêntica, a ponto de ele carregar como<br />

fardo a escolha de ali ficar esperando pelo pai, cuidando<br />

do mesmo. Na verdade, a mensag<strong>em</strong> do pai era de<br />

libertação e não de condenação. Porém, para qu<strong>em</strong> vive<br />

dentro das imposições do mundo circundante e apenas<br />

“está-aí” nele, não há a possibilidade de rompimento


com o que é tradicionalmente imposto. Assim, a voz da<br />

consciência como essência transforma-se <strong>em</strong> um mero<br />

modo de se administrar o que se encontra no mundo<br />

do Daisen. É assim que surg<strong>em</strong> os sentimentos de culpa<br />

e de angústia. Tais sentimentos puderam ser notados<br />

no seguinte fragmento: “Sou um hom<strong>em</strong> de tristes<br />

palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa?”<br />

(ROSA, 2001, p. 84).<br />

Diferent<strong>em</strong>ente do personag<strong>em</strong> pai, o personag<strong>em</strong><br />

filho, no referido texto, passa sua existência, enquanto<br />

“ente”, buscando uma explicação racional para a<br />

atitude de seu pai e consequent<strong>em</strong>ente fugindo de suas<br />

próprias constatações. Isso pelo motivo de s<strong>em</strong>pre<br />

negar para si, como o restante das pessoas de sua<br />

família, a possibilidade de seu pai estar louco, visto que<br />

a loucura seria racionalmente uma justificativa para<br />

aquela decisão que causava estranhamento:<br />

S<strong>em</strong> fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa<br />

casa a palavra doido não se falava, nunca mais se<br />

falou, os anos todos, não se condenava ninguém<br />

de doido, Ninguém é doido. Ou então, todos<br />

(ROSA, 2001, p. 84).<br />

Como se pode notar, no fragmento apresentado, os<br />

questionamentos e a culpa do filho já se apresentavam<br />

tão crônicos que, já mais velho, a dúvida sobre a<br />

sanidade recaía sobre ele mesmo. Porém, sendo assim,<br />

a justificativa mais plausível é a de que ninguém sofria<br />

com a loucura: n<strong>em</strong> seu pai, n<strong>em</strong> ele mesmo, ninguém. É<br />

evidente que a atitude do pai, como foi explicitado nesta<br />

seção, carregava consigo conotações de transcendência<br />

e superação, isto é, conotações relacionadas ao mundo<br />

essencial e não ao existencial. A indagação referente<br />

à loucura pairava, na verdade, no universo do mundo<br />

circundante, o mundo limitado e restrito dos “entes”.<br />

Levando <strong>em</strong> consideração os apontamentos feitos<br />

até aqui, chegou-se à constatação de que o personag<strong>em</strong><br />

filho, pela angústia, teve vontade de amenizar a situação<br />

do pai, oferecendo-se para tomar seu lugar. Ele<br />

conseguiu ler qual era o legado deixado por ele ao se<br />

isolar naquela canoa, naquele rio:<br />

Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava<br />

muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim,<br />

ele apareceu, aí e lá, o vulto. [...] Chamei umas<br />

quantas vezes. E falei, o que me urgia, jurado e<br />

declarado, tive que reforçar a voz: –“Pai, o senhor<br />

está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor v<strong>em</strong>,<br />

não carece mais... O senhor v<strong>em</strong>, e eu, agora mesmo,<br />

quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu<br />

lugar, do senhor, na canoa!...” (ROSA, 2001, p. 85).<br />

O que não houve, já no fim do conto, foi a tomada de<br />

atitude que a superação da angústia exigiria para que se<br />

alcançasse a plenitude do “ser”, depois de se questionar<br />

Espelhos d’água: reflexos filosóficos <strong>em</strong> Rosa, reflexos sociológicos <strong>em</strong> Cabral<br />

e de se apropriar do Daisen no mundo circundante,<br />

determinando a própria existência (COTRIM, 1999):<br />

[...] E eu não podia... Por pavor, arrepiados os<br />

cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento<br />

desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir:<br />

da parte de além. E estou pedindo, pedindo, um<br />

perdão (ROSA, 2001, p. 85).<br />

O personag<strong>em</strong> filho, de acordo com os escritos<br />

compilados por Heidegger, nega o legado deixado pelo<br />

pai, pois seus medos foram maiores que sua própria<br />

decisão. Mais exatamente, a decisão de ficar no lugar<br />

do pai possuiu conexão com os sentimentos de culpa,<br />

de r<strong>em</strong>orso e não com os sentimentos de equilíbrio e<br />

de superação cravados na atitude paterna. Para o filho,<br />

o ato de estar no meio do rio, dentro da canoa seria um<br />

dever pesado, o que não desmereceu o peso de não ter<br />

trocado de lugar com seu pai.<br />

Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que<br />

ninguém soube mais dele. Sou hom<strong>em</strong>, depois<br />

desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar<br />

calado. Sei que agora é tarde, e t<strong>em</strong>o abreviar<br />

com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então,<br />

ao menos, que, no artigo da morte, pegu<strong>em</strong> <strong>em</strong><br />

mim, e me deposit<strong>em</strong> também numa canoinha de<br />

nada, nessa água que não pára, de longas beiras:<br />

e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro --- o rio<br />

(ROSA, 2001, p. 85).<br />

De acordo com Nunes (2002), para Heidegger, o<br />

contato com o “ser” requer a consciência do ser-paraa-morte.<br />

Porém, a morte, no contexto heideggeriano,<br />

possui referência com a finitude da existência como<br />

Daisen e início da existência como essência. O filho, não<br />

entrando <strong>em</strong> contato definitivo com o seu próprio “ser”,<br />

morreu <strong>em</strong> vida e fez da promessa da morte a sua única<br />

espera, isto é, viveu apenas para o finito, limitando a sua<br />

vida pelas margens rasas, superficiais. O seu cursar não<br />

possuiu águas lisas, inteiras e profundas como as de seu<br />

pai. O seu cursar foi limitado e desequilibrado.<br />

Conclusão<br />

Pensando <strong>em</strong> se fazer um trabalho que englobasse<br />

não só a Literatura, mas também outras áreas do<br />

conhecimento humano, foi proposto, a partir do<br />

simbolismo da “imag<strong>em</strong>-palavra rio”, o estudo do<br />

po<strong>em</strong>a O cão s<strong>em</strong> plumas <strong>em</strong> comunhão com princípios<br />

sociológicos, b<strong>em</strong> como a análise do texto A terceira<br />

marg<strong>em</strong> do rio relacionada a conceitos do universo<br />

filosófico. Dessas propostas, algumas considerações<br />

puderam ser constatadas.<br />

Sobre o simbolismo de “rio” e as ideias sociológicas,<br />

<strong>em</strong> O cão s<strong>em</strong> plumas, notou-se que de maneira geral o<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 73-84<br />

81


82<br />

referido simbolismo foi edificado pela metáfora do cão<br />

s<strong>em</strong> plumas e representou, com concretude significativa,<br />

a estagnação da vida dos seres sobreviventes à beira do<br />

Capibaribe. Tais seres, praticamente desprovidos de<br />

consciência humana, passaram a ser o reflexo, o produto<br />

de um meio, passaram a ex<strong>em</strong>plificar comportamentos<br />

padronizados, limitados, restritos à condição de mera<br />

sobrevivência que os legitimou como sendo seres<br />

animalizados, os homens selvagens.<br />

No que se refere à análise do simbolismo de “rio” à<br />

luz dos preceitos filosóficos <strong>em</strong> A terceira marg<strong>em</strong> do rio,<br />

inferiu-se que, partindo da alegoria da terceira marg<strong>em</strong>,<br />

Guimarães escreveu um conto caracteristicamente<br />

marcado por conceitos filosóficos, sendo a criação<br />

da própria alegoria da terceira marg<strong>em</strong> um conceito<br />

basicamente proveniente do universo da filosofia:<br />

a terceira marg<strong>em</strong> seria a marg<strong>em</strong> da completude,<br />

da plenitude existencial, aquela porção humana que<br />

vai além dos aspectos triviais da existência e atinge a<br />

própria transcendência dessa existência.<br />

Assim sendo e diante do exposto nesta seção, foi<br />

possível se pensar <strong>em</strong> alguns eixos distintivos existentes<br />

na apresentada proposta comparativa. Desse modo,<br />

do ponto de vista t<strong>em</strong>ático, <strong>em</strong> O cão s<strong>em</strong> plumas,<br />

o “rio” está para o plano do concreto, que limita, é<br />

espesso, anula, ao passo que <strong>em</strong> A terceira marg<strong>em</strong> do<br />

rio, o simbolismo de “rio” carrega consigo a imag<strong>em</strong><br />

de expansão, libertação, transcendência, ocupando o<br />

mundo da realidade subjetiva. É por isso que no texto<br />

cabralino, o enfoque é de denúncia de uma castigada<br />

realidade, é objetivo, funcional, social. Já <strong>em</strong> Guimarães<br />

Rosa, o enfoque t<strong>em</strong>ático adquire conotações,<br />

representa o mundo das ideias, das concepções.<br />

Resumidamente, <strong>em</strong> Cabral, houve a exposição de<br />

consciências turvas, enlameadas. O simbolismo de<br />

“rio” no contexto cabralino mapeou interferências que<br />

se apresentaram de fora para dentro. Em Rosa, houve<br />

a exposição de uma consciência clarividente, de um<br />

cursar liso, solto, livre, o cursar do personag<strong>em</strong> pai. As<br />

influências do “rio” aconteceram de dentro para fora.<br />

As reflexões oriundas dos constructos teóricos<br />

apresentados proporcionaram o estudo verticalizado<br />

de duas reverenciadas obras do modernismo brasileiro.<br />

Portanto, o desenvolvimento dessa investigação<br />

apontou caminhos para a realização de uma prática<br />

docente baseada na relação dialética da tríade<br />

Sociologia-Literatura-Filosofia.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 73-84<br />

Ana Paula da Silva Santos; Cláudia Ferreira de Paula Borges<br />

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Espelhos d’água: reflexos filosóficos <strong>em</strong> Rosa, reflexos sociológicos <strong>em</strong> Cabral<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 73-84<br />

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84<br />

MIRRORS OF WATER: PHILOSOPHICAL REFLECTIONS<br />

IN ROSA, SOCIOLOGICAL REFLECTIONS IN CABRAL<br />

ABSTRACT: This study aimed to compare two texts of Brazilian modernist literature: O cão s<strong>em</strong> plumas, by João<br />

Cabral de Melo Neto, and A terceira marg<strong>em</strong> do rio, by João Guimarães Rosa, from the symbolic perspective of<br />

the image-word river and reaching philosophical and sociological approaches. Through this general objective, the<br />

research aimed to investigate the sociological implications in the Cabral’s text, from the symbolic value of imageword<br />

river and examined the operation of the symbolism of that image-word in the constitution of philosophical<br />

principles in Rosa. For this reason, this study fitted on the parameters of the qualitative approach (CHIZZOTTI,<br />

2005), by using content analysis as a tool of analysis (BARDIN, 1977) the texts mentioned. To structure the critical<br />

fortune of this research, we used the conceptual pronciples of: Villaça (2003), Nadai (1982), Almeida [1970],<br />

Barbosa (2002), Bosi (1994), Coutinho (1986), Sperber (1982), Kaiser (1980), R<strong>em</strong>ak (1994), Carvalhal (2006),<br />

Chevalier and Gheerbrant (2007), Wellek and Waren (1955), Nunes (2002), Ree (2000), Cotrim (1999), Chinoy<br />

(1993) and Cândido (2000). Research like this one proposing to expand the scientific universe of comparative<br />

literature, and suggest ways to teaching practice based on establishment of relations between philosophy, literature,<br />

sociology.<br />

KEYWORDS: Philosophy; literature; river; symbol; sociology.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 73-84<br />

Ana Paula da Silva Santos; Claudia Ferreira de Paula Borges


PEGADAS DO FANTÁSTICO EM<br />

OS NEGROS, DE MONTEIRO LOBATO<br />

Ana Maria Zanoni da Silva 1<br />

RESUMO: Este artigo discute a configuração do fantástico na trama ficcional do conto Os negros do escritor<br />

brasileiro Monteiro Lobato, objetivando d<strong>em</strong>onstrar a consciência estética do escritor <strong>em</strong> relação tanto à obtenção<br />

do efeito estético desejado, quanto à adaptação e atualização dos motivos e t<strong>em</strong>as mais propícios a irrupção do<br />

fantástico na narrativa.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Fantástico; consciência estética; atualização; Monteiro Lobato.<br />

Introdução<br />

Histórias de teor horripilantes e povoadas por<br />

vampiros, espectros e seres disformes compõ<strong>em</strong><br />

o imaginário popular desde os t<strong>em</strong>pos primitivos.<br />

Bordini (1987) afirma que vampiros e fantasmas<br />

são mencionados nos Vedas, na bíblia judaica e nos<br />

clássicos gregos. Na Idade Clássica as manifestações<br />

do sobrenatural vinculavam-se à cultura popular e ao<br />

paganismo religioso e, portanto, não geravam o horror.<br />

Porém, com a divisão do universo entre b<strong>em</strong> e mal,<br />

Deus e o d<strong>em</strong>ônio, luz e treva, feita pelo cristianismo<br />

durante a Idade Média, o el<strong>em</strong>entos sobrenaturais<br />

passaram a ser vistos como atuantes na organização<br />

do real. Naquela época, portanto, o sobrenatural não<br />

provocava o efeito de horror.<br />

Na concepção de Bordini (1987), o gênero horror<br />

efetivou-se durante os séculos XVIII e XIX, momento<br />

<strong>em</strong> que houve uma mudança nas formas de percepção<br />

do real, propiciada pelo ateísmo liberal e o materialismo<br />

capitalista. Naquele período, o hom<strong>em</strong> passou a crer<br />

na ciência e na razão e a desconfiar dos misticismos e<br />

da loucura. Mediante o descentramento e a alienação<br />

humana, que vieram à tona naquele período, surge o<br />

conto gótico, cujo efeito estético faz o leitor oscilar<br />

entre a explicação metafísica e física do universo que<br />

o cerca, permitindo assim a irrupção do sobrenatural.<br />

O marco da literatura gótica, ou seja, daquela <strong>em</strong> que<br />

há a irrupção do sobrenatural para provocar o efeito<br />

de horror, v<strong>em</strong> a ser o livro O castelo de Otranto, de<br />

Horace Walpole, publicado <strong>em</strong> 1764, obra <strong>em</strong> que entra<br />

<strong>em</strong> cena o castelo <strong>em</strong> estilo gótico, com escadarias,<br />

corredores labirínticos, catacumbas úmidas e trevosas,<br />

habitado por vilões movidos por forças malévolas e<br />

seres fantasmagóricos.<br />

Para Louis Vax, o fantástico presente nos romances<br />

góticos constitui um maravilhoso aterrorizante, porque<br />

<strong>em</strong>bora os castelos assombrados sejam inquietantes, eles<br />

são concebidos como imaginários, ou seja, irreais. Na<br />

concepção de Vax, o fantástico ocorre quando homens<br />

como nós, que habitam o real, são “colocados de repente<br />

na presença do inexplicável” (VAX, 1974, p.6).<br />

Na narrativa lobatiana, o medo frente ao inexplicável se<br />

faz notar no conto Os negros, cujas pegadas do fantástico,<br />

na configuração da trama, pod<strong>em</strong> ser observadas por<br />

meio da análise que realizar<strong>em</strong>os a seguir.<br />

1 A viag<strong>em</strong> de Jonas<br />

O brasileiro José Bento Monteiro Lobato (1882-<br />

1948) tornou-se conhecido pela crítica devido a<br />

uma diversificada produção literária geralmente<br />

dividida pela crítica <strong>em</strong> duas categorias distintas.<br />

Na primeira categoria estão as histórias voltadas ao<br />

público infantil como O pica-pau amarelo, Reinações<br />

de Narizinho, As caçadas de Pedrinho, Emília no país<br />

da gramática, M<strong>em</strong>órias da Emília, O poço do Visconde<br />

etc. Na segunda, enquadram-se as histórias de cunho<br />

nacionalista, ligadas ao regionalismo brasileiro, como<br />

Urupês, O Choque das Raças, Escândalo do Petróleo e<br />

Negrinha – coletânea que reúne contos do escritor, da<br />

qual extraímos o conto <strong>em</strong> apreço.<br />

O conto Os negros foi publicado por Monteiro Lobato<br />

<strong>em</strong> 1922 e retrata a viag<strong>em</strong> do narrador homodiegético<br />

e seu amigo Jonas pelas regiões <strong>em</strong> que há um<br />

século existia a cultura cafeeira. Em conformidade<br />

com Zilberman (1987), o narrador autodiegético ou<br />

homodiegético é uma escolha estética comum nos<br />

contos <strong>em</strong> que o fantástico se revela gradativamente.<br />

Em Os negros, o narrador homodiegético constitui uma<br />

peça fundamental na criação do efeito de fantástico,<br />

porque, além de revelar-se conhecedor dos “casos”<br />

contados pelos negros, ele não será o protagonista dos<br />

fatos narrados, mas a test<strong>em</strong>unha dos acontecimentos<br />

insólitos.<br />

Lobato não caracteriza o narrador de forma direta,<br />

1 Doutora <strong>em</strong> Estudos Literários (FCLAR/UNESP/Araraquara). Professora do curso de Comunicação Social, da Universidade do Estado de Minas Gerais<br />

(UEMG) - Campus de Frutal. Avenida Professor Mário Palmério, 1001 – CEP: 38.200-000, Frutal – MG, e-mail: anazanoni_@hotmail.com<br />

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pois o leitor não toma conhecimento de seu nome,<br />

profissão ou mesmo do motivo da viag<strong>em</strong> ao sertão. A<br />

caracterização ocorre de forma indireta e, por meio das<br />

falas do narrador, somos informados de que se trata de<br />

alguém experiente e conhecedor das histórias narradas<br />

pelos negros, tal como ele mesmo afirma neste trecho<br />

da trama: “– Dum preto velho que foi escravo do<br />

defunto capitão Aleixo, fundador da fazenda, ouvi coisas<br />

de arrepiar...” (LOBATO, 1987, p.46). As histórias dos<br />

negros provocam medo no narrador, porque estão<br />

vinculadas às irrupções do sobrenatural, integrando<br />

o quadro das superstições populares transmitidas de<br />

geração a geração, por meio da voz de um m<strong>em</strong>bro<br />

mais velho, cuja função era desfiar, <strong>em</strong> “causos”, as<br />

aparições de almas do outro mundo, do lobisom<strong>em</strong> etc.<br />

Jonas, companheiro do narrador, desdenha das<br />

histórias de fantasmas e seres espectrais, revelandose<br />

racional e incrédulo ao afirmar: “– De arrepiar a ti,<br />

que a mim, b<strong>em</strong> sabes, só me arrepiam correntes de<br />

ar...” (LOBATO, 1987, p. 46). A incredulidade de Jonas<br />

torna-se fundamental à existência do efeito de horror,<br />

porque, segundo afirma Zilberman, “não pode existir o<br />

efeito de horror enquanto há crença mítica ou religiosa,<br />

pagã ou cristã, na existência efetiva do sobrenatural”<br />

(ZILBERMAN, 1987, p. 12). Para que o fantástico se<br />

concretize, segundo Vax, faz-se necessária “a irrupção<br />

dum el<strong>em</strong>ento sobrenatural num mundo submetido à<br />

razão” (VAX, 1974, p. 14). O racionalismo de Jonas,<br />

permeado pela zombaria, compõe o terreno propício ao<br />

fantástico, pois o descrente, ironicamente, se tornará o<br />

elo entre dois mundos.<br />

Ao ser<strong>em</strong> pegos por um t<strong>em</strong>poral, Jonas e o<br />

narrador abrigam-se <strong>em</strong> uma antiga fazenda <strong>em</strong><br />

ruínas, de má nota, ou seja, com referências negativas<br />

e conhecidas, pelo povo, como “casa do inferno”. A<br />

fazenda pertenceu ao capitão Aleixo, t<strong>em</strong>ido pelos<br />

escravos devido à maldade no trato com os negros. A<br />

caracterização da casa grande retoma alguns traços dos<br />

castelos medievais, pois a construção ainda conserva o<br />

terreiro forrado a pedras e está envolta pelo matagal,<br />

como nos relata o narrador:<br />

Os esteios, da cabina eterna, tinham nabos á<br />

[sic] mostra – tantos enxurros correram por<br />

ali erodindo o solo. Por eles marinhava as<br />

caetaninhas, essa mimosa alcatifa dos tapumes,<br />

toda rosetada de flores amarelas e pingentada de<br />

milhõezinhos de bico, cor de canário.<br />

Também abobreiras viçavam na tapera, galgando<br />

vitoriosas pelos espeques para enfolhar<strong>em</strong><br />

no alto, entr<strong>em</strong>eio das ripas e caibros a nu.<br />

Suas flores grandalhudas, tão caras ás [sic]<br />

mamangavas, manchavam d’amarelo pálido o<br />

tom cru da folhag<strong>em</strong> verde-negra (LOBATO,<br />

1987, p. 46).<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 85-91<br />

Ana Maria Zanoni da Silva<br />

Lobato introduz o cenário típico do sertão brasileiro,<br />

porque não se trata do castelo, mas da casa grande, local<br />

que retém <strong>em</strong> seu interior r<strong>em</strong>iniscências de um t<strong>em</strong>po<br />

<strong>em</strong> que a dor impingida sobre o negro e os mais fracos,<br />

revela-se mais horripilante que os espectrais habitantes<br />

dos castelos longínquos. A casa grande era o centro das<br />

atenções nas propriedades agrícolas brasileira. Tal como<br />

nos castelos medievais, a vida na fazenda se organiza <strong>em</strong><br />

torno do sinhô, o rei da casa grande. No sertão, os seres,<br />

cuja existência foi marcada pela maldade e tirania, são<br />

convertidos <strong>em</strong> fantasmas. Não é preciso a morte para<br />

convertê-los <strong>em</strong> espectros, pois foi durante a vida, por<br />

meio de atitudes e gestos de extr<strong>em</strong>a maldade de seus<br />

superiores, que o lado obscuro e horripilante do hom<strong>em</strong>,<br />

b<strong>em</strong> próximo à fera, vinha à tona.<br />

Na trama articulada por Lobato, o capitão Aleixo,<br />

dono da fazenda, revela-se um integrante do elenco<br />

típico de personagens do universo fantástico, pois é<br />

dado a conhecer como o vilão que exerce e compactua<br />

com a maldade dos brancos sobre os escravos.<br />

A tirania dos bancos torna-se motivo de chacota na<br />

voz do zombeteiro Jonas, pois ao se deparar<strong>em</strong> com um<br />

preto velho, ex-escravo do Capitão Aleixo, cujo nome era<br />

Tio Bento, ped<strong>em</strong> a ele pouso e comida. Ao indagar se há<br />

“angu” para se comer, Jonas faz o preto velho rir e dizer<br />

que o t<strong>em</strong>po “do angu com ‘bacalhau’, já havia acabado”. O<br />

substantivo bacalhau foi usado <strong>em</strong> sentido figurado, porque<br />

como nos informa o escritor <strong>em</strong> nota de rodapé, trata-se<br />

de um tipo de chicote com vários rabos, com o qual os<br />

feitores chibatavam os negros e os infratores.<br />

A ausência de espaço na choupana do preto velho<br />

motiva os viajantes a procurar<strong>em</strong> pouso na casa grande. À<br />

advertência do negro dos arrependimentos de se dormir<br />

na casa grande, Jonas responde com mais uma chacota:<br />

“– Arrepender-nos-<strong>em</strong>os também depois, amanhã, mas<br />

já com a dormida no papo, [...]” (LOBATO, 1987, p. 48).<br />

Entre advertências e chacotas, está o leitor,<br />

acompanhando o relato e começando sentir os primeiros<br />

efeitos da hesitação, que nessa sequência da narrativa<br />

revela-se mesclada à curiosidade, pois o narrador<br />

menciona a casa grande, descreve brev<strong>em</strong>ente seu<br />

exterior, mas direciona-se, juntamente com Jonas, para<br />

a casa do preto velho. A falta de espaço na choupana<br />

novamente os encaminha para a casa grande, espaço<br />

<strong>em</strong> que os acontecimentos permeados pela intrusão do<br />

irreal se desencadearão.<br />

A descrição da casa grande, nessa parte da trama, é<br />

feita pelo narrador de forma mais detalhada e aproxima<br />

o casarão ainda mais à arquitetura dos castelos medievais<br />

como pod<strong>em</strong>os constatar no trecho a seguir:<br />

Era o casarão clássico das antigas fazendas<br />

negreiras. Assobradado, erguido <strong>em</strong> alicerces e<br />

muramento de pedra até meia altura e daí por


diante de pau a pique. Esteios de cabreuva,<br />

entr<strong>em</strong>ostrando-se picados a enxó nos trechos<br />

donde se esboroara o reboco. Janelas e<br />

portas <strong>em</strong> arco, de bandeiras <strong>em</strong> pandarecos.<br />

Pelos interstícios da pedra amoitavam-se as<br />

samambaias. Num cunhal crescia anosa figueira,<br />

enlaçando as pedras na terrível cordoalha<br />

tentacular. Á [sic] porta de entrada ia ter uma<br />

escadaria dupla, com alpendre <strong>em</strong> cima e<br />

parapeito esbornicado (LOBATO, 1987, p. 49).<br />

A casa grande abandonada faz parte dos espaços<br />

mais propícios para o efeito de fantástico e, Lobato<br />

intensifica o estranhamento ao aproximar a arquitetura<br />

do casarão à dos castelos. Tal como os castelos, o<br />

casarão encontra-se incrustado <strong>em</strong> alicerces de pedra,<br />

com janelas <strong>em</strong> arco, cuja forma r<strong>em</strong>ete ao estilo<br />

gótico. A figueira gigantesca envolvendo a casa com<br />

tentáculos r<strong>em</strong>ete o leitor à figura de um espectro<br />

que se mantém na posição de possuidor de um espaço<br />

que fora glorioso <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos passados e do qual não<br />

deseja despregar-se. A figueira encapsula a metáfora da<br />

posse eterna, porque <strong>em</strong>bora morto, o capitão Aleixo<br />

se deixa notar pelos tentáculos da maldade com que<br />

envolvera aquele local anos atrás.<br />

A cont<strong>em</strong>plação da casa grande provoca saudades<br />

no narrador e mexe com o estado psíquico de Jonas,<br />

transformando-o de brincalhão <strong>em</strong> hom<strong>em</strong> sério, com<br />

olhos fixos na casa, tal como nos conta o narrador: “[...]<br />

de olhar pregado na casa como qu<strong>em</strong> recorda. Perdera<br />

o bom humor, o espírito brincalhão de inda há pouco.<br />

Emudecera” (LOBATO, 1987, p.49).<br />

A expressão figurada introduzida pela forma modal<br />

“como qu<strong>em</strong> recorda” estabelece o elo entre presente<br />

e passado, instaurando o nó desencadeador do<br />

fantástico. Serão l<strong>em</strong>branças que atormentam Jonas?<br />

Como ele poderia l<strong>em</strong>brar algo acontecido <strong>em</strong> um<br />

t<strong>em</strong>po tão longínquo?<br />

Os olhos pregados, fixos <strong>em</strong> um determinado ponto,<br />

na cultura popular, estão vinculados à questão do “mau<br />

olhado”. Porém, segundo Vax, “o olhar também pode<br />

representar um papel maléfico” (VAX, 1974, p. 38). Os<br />

olhos fixos de Jonas não transmit<strong>em</strong> indícios de mau<br />

olhado, mas revelam o lado maléfico da forma com que<br />

Aleixo concebia o mundo. Os olhos de Jonas enceram<br />

a consciência de Fernão, português que manipulou a<br />

mucama da filha do coronel para auxiliá-lo na conquista<br />

da sinhazinha. Na trama configurada por Lobato, amor<br />

e morte andam de mãos dadas, revelando a face<br />

obscura e fantástica que esse sentimento provoca.<br />

Jonas permanecera imóvel, no mesmo lugar, a<br />

cont<strong>em</strong>plar a casa. Diante da imobilidade do companheiro,<br />

o narrador pergunta: “– Estás louco, rapaz?” (LOBATO,<br />

1987, p. 50). Além de revelar-se desnorteado com a<br />

Pegadas do fantástico <strong>em</strong> Os negros, de Monteiro Lobato<br />

atitude do companheiro, o narrador também hesita<br />

entre a sanidade e a insanidade do amigo.<br />

Segundo Todorov, o âmago do fantástico reside no<br />

fato de que no mundo conhecido por nós, surge “um<br />

acontecimento que não pode ser explicado pelas leis deste<br />

mesmo mundo familiar” (TODOROV, 1992, p. 30). Ao ser<br />

surpreendido pela repentina mudança no comportamento<br />

zombeteiro de Jonas, sobretudo no aspecto que diz<br />

respeito aos fatos sobrenaturais, o narrador busca uma<br />

explicação para a alteração <strong>em</strong>ocional do companheiro.<br />

Como a visão de Jonas parado e imóvel não é uma ilusão de<br />

ótica, o narrador opta por uma solução explicável pelas leis<br />

do mundo que lhe é familiar, atribuindo o comportamento<br />

estranho à loucura.<br />

A caracterização do interior da casa grande intensifica<br />

a atmosfera de horror, pois ela está repleta de morcegos<br />

e suindaras. O termo suindara, <strong>em</strong> conformidade com<br />

o Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa (2004, p.<br />

1891) é de orig<strong>em</strong> tupi u-in, e designa aves conhecidas<br />

popularmente como coruja-branca, coruja-das-torres<br />

e rasga-mortalha. A coruja rasga-mortalha recebe essa<br />

denominação devido ao ruído que suas asas produz<strong>em</strong><br />

durante o voo, s<strong>em</strong>elhante ao rasgar de tecidos. Na<br />

cultura popular, quando essa coruja pousa sobre um<br />

telhado <strong>em</strong>itindo o som s<strong>em</strong>elhante ao rasgar de<br />

tecidos, significa a morte de algum morador. A suindara,<br />

habitante da casa grande, anuncia o terror já acontecido,<br />

pois os antigos habitantes foram ceifados pela morte<br />

horripilante, proveniente da incompreensão, arrogância<br />

e tirania que ostentavam o lado espectral de Aleixo.<br />

Gradativamente, o narrador focaliza animais, aves e<br />

móveis despedaçados, caracterizando assim o espaço<br />

de forma mais adequada à irrupção do fantástico.<br />

Nas passagens <strong>em</strong> que há caracterização do cenário,<br />

o narrador funciona apenas como uma câmera,<br />

selecionando imagens e descrevendo-as ao leitor.<br />

Porém, a partir do momento que Jonas é tomado pelo<br />

alheamento, a voz passa a fazer intromissões irônicas.<br />

Ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que Jonas revela-se alheado,<br />

há uma inversão de papéis, e o narrador adquire uma<br />

postura irônica perante a possibilidade da existência de<br />

aparições fantasmagóricas e afirma:<br />

– Tio Bento, disse eu, procurando iludir com<br />

palavras a tristeza do coração, isto aqui cheirame<br />

á [sic] sala nobre do sabá das bruxas. Que<br />

não venham hoje atropelar-nos, n<strong>em</strong> apareça<br />

a alma do capitão-mor a nos infernizar o sono<br />

(LOBATO, 1987, p. 51).<br />

A atitude irônica do narrador revela-se por meio da<br />

expressão capitão-mor, ou seja, aquele que manda e<br />

mostra o lado autoritário e t<strong>em</strong>ido de Aleixo, respeitado<br />

apenas pelo desejo desenfreado e opressor de mandar<br />

<strong>em</strong> tudo e <strong>em</strong> todos de forma tão ostensiva, a ponto de<br />

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infernizar até mesmo durante o sono.<br />

A inversão da postura do narrador intensifica-se, ainda<br />

mais na passag<strong>em</strong> <strong>em</strong> que ele critica a imaginação popular<br />

afirmando: “– E depois v<strong>em</strong> cá arrastar corrente pelos<br />

corredores, hein? Como é pobre a imaginação popular!<br />

S<strong>em</strong>pre e <strong>em</strong> toda parte a mesma ária das correntes<br />

arrastadas!” (LOBATO, 1987, p. 51). Lobato, por meio da<br />

crítica à imaginação popular, critica também um dos t<strong>em</strong>as<br />

mais comuns nas narrativas fantásticas, ou seja, o fantasma<br />

que arrasta corrente, presente <strong>em</strong> inúmeras narrativas.<br />

Além da crítica, constata-se também o conhecimento<br />

de Lobato sobre o fato de que o motivo fantasma não é por<br />

si só fantástico, uma vez que <strong>em</strong> uma narrativa, o fantasma<br />

pode des<strong>em</strong>penhar o papel de revelar circunstâncias<br />

ainda não devidamente explicadas, tal como ocorre <strong>em</strong><br />

Shakespeare, cujo fantasma do pai de Hamlet retorna<br />

para contar ao filho o nome de seu assassino. Não basta<br />

introduzir um fantasma na trama para se obter o efeito de<br />

fantástico, porque, segundo afirma Vax,<br />

o fantasma não é nada por si mesmo. É o contexto<br />

que torna precisa sua forma e faz ressoar <strong>em</strong> nós<br />

o tom efetivo que convém. Não é o motivo que<br />

faz o fantástico, é o fantástico que se desenvolve<br />

a partir do motivo (VAX, 1965, p. 39).<br />

Na trama configurada por Lobato, o fantástico<br />

não surge por meio da aparição do fantasma do<br />

capitão Aleixo, mas pela inexplicável mudança de<br />

comportamento de Jonas, com o qual o narrador tenta<br />

conversar, mas não consegue retirar nenhuma palavra,<br />

ao encontrá-lo imóvel e mudo “no terreiro, <strong>em</strong> face<br />

da antiga casa do tronco” (LOBATO, 1987, p. 52).<br />

Aleixo não retorna das trevas para aterrorizar os vivos.<br />

A fixação de Jonas <strong>em</strong> determinados pontos da casa<br />

grande cria o terreno propício ao fantástico, uma vez<br />

que esses locais encontram-se incrustados por cenas,<br />

cuja intensidade da crueldade ainda se manteve ao<br />

longo dos t<strong>em</strong>pos.<br />

Novamente, o narrador duvida da sanidade do<br />

amigo e declara-se assombrado mediante a estranha<br />

expressão ostentada por Jonas:<br />

Não parecia o mesmo – não era o mesmo. Deume<br />

a impressão de retesado no último arranco<br />

duma luta supr<strong>em</strong>a, com todas as energias<br />

crispadas numa resistência feroz [...]. Era um<br />

corpo largado da alma. Era um hom<strong>em</strong> “vazio de<br />

si próprio!” (LOBATO, 1987, p. 52).<br />

Jonas encontra-se <strong>em</strong> um espaço de transição entre<br />

o real e o sobrenatural, provocado pela cont<strong>em</strong>plação<br />

da casa do tronco. Ao se deparar com a casa do tronco,<br />

construção que resistiu às int<strong>em</strong>péries do t<strong>em</strong>po, Jonas<br />

foi tomado de súbito pela presença do inexplicável,<br />

2 PENZOLDT, P. The supernatural in fiction. Londres: Peter Nevill, 1952.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 85-91<br />

Ana Maria Zanoni da Silva<br />

transformando-se <strong>em</strong> um corpo s<strong>em</strong> alma, vazio de<br />

seu ser. Jonas metamorfoseia-se <strong>em</strong> um tipo espectro<br />

às avessas, uma vez que <strong>em</strong> seu corpo já não impera<br />

mais a sua alma. Não se trata mais da alma que vaga s<strong>em</strong><br />

corpo, mas do corpo largado pela alma.<br />

Na tentativa de auxiliar Jonas, o narrador e o preto<br />

velho o conduz<strong>em</strong> para a casa grande e, ao chegar à<br />

porta do quarto do capitão Aleixo, ele arregala os olhos<br />

e articula palavras incompreensíveis. Ao entrar no<br />

quarto, agarra-se ao retrato de Isabel, filha do t<strong>em</strong>ido<br />

capitão, beijando-o e chorando compulsivamente. São<br />

inúteis as tentativas do narrador de retirar de Jonas<br />

explicações para o que estava acontecendo e, portanto,<br />

ele tenta solucionar o mistério indagando ao preto velho<br />

a respeito da história da fazenda. Na trama narrativa,<br />

o preto velho funciona como a voz experiente e com<br />

autoridade o bastante para esclarecer os fatos.<br />

Ironicamente, o narrador comenta a construção da<br />

atmosfera de horror:<br />

Nesse entr<strong>em</strong>eio zangara de novo o t<strong>em</strong>po.<br />

As nuvens recobriam inteiramente o céu,<br />

transformando num saco de carvão. Os relâmpagos<br />

voltaram a fulgurar, longínquos, acompanhados de<br />

rebôos surdos. E para que ao horror do quadro<br />

nenhum tom faltasse, a ventania cresceu, uivando<br />

lamentosa nas casuarinas (LOBATO, 1987, p. 53).<br />

O tom irônico do narrador descrevendo a construção<br />

da trama narrativa retoma os conceitos de Edgar Allan<br />

Poe a respeito da configuração do conto, descritos na<br />

resenha crítica Os contos de Hawthorne, publicada na<br />

Godey’s Magazine and Lady’s Book, <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro de<br />

1847, na qual Poe afirma: “Em toda obra não deve<br />

haver uma palavra sequer cuja tendência – direta ou<br />

indireta – não obedeça ao pré-estabelecido desígnio”<br />

(POE, 1968, p. 52).<br />

A postura irônica do narrador frente à configuração<br />

da atmosfera de horror mostra a consciência estética de<br />

Lobato a respeito da gradação do efeito de fantástico,<br />

assim descrita por Penzoldt: “A estrutura da história<br />

de fantasmas ideal, [...] pode ser representada como<br />

uma linha ascendente, que leva ao ponto culminante.<br />

[...] O ponto culminante de uma história de fantasmas é<br />

evident<strong>em</strong>ente a aparição do espectro” (PENZOLDT 2 ,<br />

1952 apud TODOROV, 1992). Gradativamente, o<br />

narrador insere no campo visual do leitor el<strong>em</strong>entos<br />

que intensificam o horror como pod<strong>em</strong>os observar<br />

no trecho a seguir: “Estava escrito, entretanto, que ao<br />

horror dessa noite de trovoada e mistério não faltaria<br />

uma nota sequer. Assim foi que, altas horas, a luz<br />

principiou a esmorecer” (LOBATO, 1987, p. 54).<br />

Em Os negros a gradação ocorre por meio da<br />

introdução sucessiva de motivos propícios ao


fantástico, tais como a viag<strong>em</strong>, a t<strong>em</strong>pestade, a casa<br />

grande abandonada, o t<strong>em</strong>poral, a suposta d<strong>em</strong>ência e<br />

finalmente a treva promovida pela noite t<strong>em</strong>pestuosa<br />

somada à falta de azeite para alimentar os lampiões.<br />

Os motivos introduzidos de forma gradativa preparam<br />

a atmosfera de horror e propiciam a aparição de um ser<br />

espectral. Porém, a expectativa do leitor é frustrada,<br />

porque no conto <strong>em</strong> apreço não será a aparição do<br />

espectro o ponto culminante da atmosfera fantástica,<br />

mas o simples pronunciar do nome “Sinhazinha Zabé”,<br />

proferido pelo preto velho ao narrar a história da<br />

fazenda. A referência feita pelo preto velho ao caso de<br />

Liduina, mucama de Sinhazinha Zabé e protetora do<br />

namoro da sinhá com um português, faz Jonas entrar<br />

<strong>em</strong> convulsões e mencionar um nome: “– “Izabel”...”<br />

(LOBATO, 1987, p. 54).<br />

O estranhamento do real e o entrecruzar de dois<br />

mundos, real e sobrenatural, ocorr<strong>em</strong> por intermédio<br />

do personag<strong>em</strong> Jonas, cujo corpo encontra-se possuído<br />

por outro, segundo afirma o narrador:<br />

Mas aquela voz já não era a voz de Jonas. Era<br />

uma voz desconhecida. Tive a sensação plena de<br />

que um “eu” alheio lhe tomara de assalto o corpo<br />

vazio. E falava por sua boca, e pensava com seu<br />

cérebro. Não era Jonas, positivamente, qu<strong>em</strong><br />

estava ali. Era “outro”!... (LOBATO, 1987, p. 54).<br />

A metamorfose de Jonas se completa, ele<br />

transformou-se no espectro às avessas, um corpo<br />

animado por outra alma.<br />

Encaixada na história de alheamento de Jonas, está<br />

uma narrativa metadiegética com a função de descrever<br />

os fatos horripilantes que aconteceram na fazenda. E<br />

será por meio dela, e não pela narração iniciada pelo<br />

preto velho, que o leitor conhecerá o caso de Sinhazinha<br />

Zabé e seu namorado português.<br />

Ao escolher uma voz alheia para narrar os fatos,<br />

Lobato confere maior credibilidade ao relato, pois<br />

já não se trata mais de um dos casos contados pelos<br />

pretos velhos, mas uma história proferida por meio de<br />

um ser que se apoderou do corpo do incrédulo Jonas.<br />

Ao narrador homodiegético resta ordenar o relato<br />

ouvido para que se torne mais compreensível ao leitor,<br />

como pod<strong>em</strong>os constatar no seguinte trecho:<br />

Mil anos que viva e nunca se me apagará da<br />

m<strong>em</strong>ória o ressoar daquela voz de mistério. Não<br />

reproduzo suas palavras da maneira como as<br />

enunciou. Seria impossível, sobre nocivo á [sic]<br />

compreensão de qu<strong>em</strong> lê. O “outro” falava ao<br />

jeito de qu<strong>em</strong> pensa <strong>em</strong> voz alta, como a recordar.<br />

Linguag<strong>em</strong> taquigráfica, ponho-a aqui traduzida<br />

<strong>em</strong> linguag<strong>em</strong> corrente (LOBATO, 1987,p. 55).<br />

No decorrer do relato “o outro” se apresenta como<br />

Pegadas do fantástico <strong>em</strong> Os negros, de Monteiro Lobato<br />

Fernão, um português, filho de pais incógnitos, cujo<br />

sonho era partir para o Brasil. Em busca de realizar o seu<br />

sonho, Fernão <strong>em</strong>barca <strong>em</strong> um navio, rumo ao Brasil.<br />

Ao chegar ao Brasil, conhece o capitão Aleixo, que o<br />

convida para trabalhar na fazenda:<br />

O capitão notou meu tipo, fez perguntas e ao cabo<br />

propôs-me serviço <strong>em</strong> sua fazenda. Aceitei e fiz a<br />

pé, <strong>em</strong> companhia do lote de negros adquiridos,<br />

essa viag<strong>em</strong> pelo interior do país onde tudo me<br />

era novidade (LOBATO, 1987, p. 56).<br />

A história de Fernão e Izabel começa <strong>em</strong> uma manhã<br />

de domingo, quando ele, a vadear, vê a sinhazinha e<br />

a mucama Liduina banhando-se nuas <strong>em</strong> um riacho.<br />

A visão do corpo escultural de Izabel impressionou o<br />

jov<strong>em</strong>, a ponto de ele buscar a ajuda da mucama para<br />

auxiliá-lo na conquista do coração da amada.<br />

A conquista se concretiza, Fernão e Izabel se<br />

encontram às escondidas, auxiliados por Liduina, até<br />

que <strong>em</strong> uma noite, ao r<strong>em</strong><strong>em</strong>orar o último encontro,<br />

o jov<strong>em</strong> português foi surpreendido pela mucama<br />

aos gritos, avisando-o de que t<strong>em</strong>ido capitão Aleixo<br />

havia descoberto o namoro. Aleixo é caracterizado<br />

por Fernão como “plenipotenciário de Sua Majestade<br />

a Estupidez”, cujo caráter, com o passar do t<strong>em</strong>po,<br />

passou da estupidez à crueldade imensa a ponto de<br />

gozar ao “ver a carne humana avergoar-se aos golpes<br />

do couro cru” (LOBATO, 1987, p. 68).<br />

Na caracterização, ficam evidentes os plenos poderes do<br />

mal e da estupidez sobre Aleixo, que movido pelo orgulho,<br />

ambição e poder pensa ser o senhor das redondezas.<br />

Ao entrar no quarto de Fernão, Aleixo afirma que<br />

lhe dará uma bela noivinha e ordena aos capangas<br />

que amarr<strong>em</strong> o rapaz. Fernão luta inutilmente e t<strong>em</strong><br />

sua cabeça rachada por pancadas. Porém, quando ele<br />

retoma a consciência, percebe que está amarrado no<br />

tronco ao lado do corpo de Liduina. A mais aterrorizante<br />

constatação ainda estava por vir, pois Fernão vê dois<br />

homens abrindo um rombo no espesso muro de taipa,<br />

enquanto o pedreiro preparava uma mistura de cal e<br />

areia próximo a uma pilha de tijolos. Ele compreende<br />

que seria <strong>em</strong>paredado vivo, quando ouve a voz<br />

sarcástica do capitão dizendo: “ – Olhe! A tua noivinha<br />

é aquela parede...” (LOBATO, 1987, p. 70). O corpo a<br />

decompor-se após a morte é uma visão terrível, mas a<br />

decomposição dele <strong>em</strong> vida constitui uma das formas<br />

de irrupção do sobrenatural na ord<strong>em</strong> natural dos fatos<br />

e foge à explicação racional a respeito da intensidade da<br />

maldade que habita Aleixo, vilão que compactua com<br />

as forças do mal. Enterrar Fernão vivo seria para Aleixo<br />

cont<strong>em</strong>plar o sofrimento, a debilitação e a impotência<br />

do português frente aos instintos de crueldade que<br />

alimentam a alma d<strong>em</strong>oníaca do capitão-mor.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 85-91<br />

89


90<br />

Fernão, o jov<strong>em</strong> herói dest<strong>em</strong>ido, enfrenta não<br />

o sobrenatural proveniente do outro mundo, mas a<br />

maldade sobrenatural que habita o capitão Aleixo. O mal<br />

no conto de Lobato não provém das regiões sombrias<br />

onde habitam seres espectrais, mas da sociedade, como<br />

pod<strong>em</strong>os constatar por meio do trecho a seguir: “A<br />

sociedade, as leis, os governos, as religiões, os juízes, as<br />

morais, tudo o que é força social organizada presta mão<br />

forte á [sic] Estupidez Onipotente” (LOBATO, 1987,<br />

p. 67). Mediante essa fala de Fernão, o leitor se depara<br />

com o real a apresentar-se de forma alheada, pois os<br />

el<strong>em</strong>entos sociais, considerados como instituições sociais<br />

sólidas, desmancharam-se pelo ar, revelando a sua outra<br />

face, ou seja, o lado cruel e sombrio que as governa.<br />

Em Os negros, Lobato explorou com maestria a<br />

concepção de que: “Não é outro universo que se ergue<br />

<strong>em</strong> frente do nosso, é o nosso que, paradoxalmente,<br />

se metamorfoseia, apodrece e se torna outro” (VAX,<br />

1974, p. 24).<br />

Conclusão<br />

A análise de Os negros d<strong>em</strong>onstrou a face crítica de<br />

Monteiro Lobato, pois foi possível constatar, ao longo<br />

da trama, trechos <strong>em</strong> que o autor contesta a tradição,<br />

realizando um exercício reflexivo a respeito da criação<br />

literária.<br />

A prática da atividade crítica exercida pelos próprios<br />

escritores constitui segundo Perrone-Moisés, “uma<br />

característica da modernidade” (PERRONE-MOISÉS,<br />

1987, p. 10). Portanto, Monteiro Lobato, ao refletir a<br />

respeito da pertinência de um t<strong>em</strong>a ou motivo por si<br />

só ser capaz de provocar o efeito de fantástico, ou seja,<br />

s<strong>em</strong> que haja a criação de uma atmosfera propícia para<br />

que o sobrenatural venha à tona, d<strong>em</strong>onstra a sua face<br />

moderna, a qual se encontra diretamente vinculada à<br />

atividade crítica.<br />

Referências<br />

BORDINI, M. da G. O t<strong>em</strong>or do além e a subversão do<br />

real. In: ZILBERMAN, R. (Org.). Os preferidos do público.<br />

Petrópolis: Vozes, 1987. p.11-22.<br />

LOBATO, M. Os negros. In: ______. Negrinha. São<br />

Paulo: Editora Brasiliense S.A, 1987. p. 45-77.<br />

PERRONE-MOISÉS, L. Altas literaturas. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 1998.<br />

POE, E. A. Os contos de Hawthorne. In:<br />

NOSTRAND VAN. Antologia de crítica literária. Rio de<br />

Janeiro:Lidador,1968. p. 41-53.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 85-91<br />

Ana Maria Zanoni da Silva<br />

RODRIGUES, S. C. O fantástico. São Paulo: Ática,<br />

1988.<br />

TODOROV, T. Introdução à literatura fantástica. São<br />

Paulo: Perspectiva, 1992.<br />

VAX, L. L’art et la littérature fantastiques. Paris: Presses<br />

Universitaires de France, 1974.<br />

VAX, L. Motivos, t<strong>em</strong>as e esqu<strong>em</strong>as. In: ______. La<br />

seduction de l’éstrange. Tradução de Pierini, F. L. Paris:<br />

PUF, 1965. p. 53-88.


Pegadas do fantástico <strong>em</strong> Os negros, de Monteiro Lobato<br />

MARKS OF THE FANTASTIC IN OS NEGROS, BY MONTEIRO LOBATO<br />

ABSTRACT: This article discusses the configuration of fantastic in fictional plot of the tale Os negros, by the<br />

Brazilan writer Monteiro Lobato in order to d<strong>em</strong>onstrate the aesthetic conscience of the writer in relation as<br />

much as to the obtaining the aesthetic effect desired as to the adaption and the up-dating achieved for the most<br />

propitious motives and eruption th<strong>em</strong>es of the fantastic in the tale.<br />

KEYWORDS: Fantastic; aesthetic conscience; up-dating; motives; Monteiro Lobato.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 85-91<br />

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LITERATURA, RAÇA, ETNIA: CONSIDERAÇÕES<br />

SOBRE A LITERATURA NEGRA E SOBRE LIMA BARRETO,<br />

UM INTELECTUAL SITIADO<br />

Ana Paula de Freitas Romão-Murari 1<br />

RESUMO: O objetivo deste artigo é estabelecer o processo de construção e de contextualização do termo<br />

“literatura negra”. Partindo dos pressupostos teóricos de Bernd (1992), será oferecido um estudo do fazer literário<br />

de Lima Barreto no intuito de constatar como a vida - e nessa, a opressão e o fracasso - se converte <strong>em</strong> literatura.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Consciência histórica; etnia; literatura; literatura negra; raça.<br />

Introdução<br />

Este artigo utiliza como pressupostos teóricos os<br />

estudos de Bernd (1992) acerca da conceituação do<br />

termo “literatura negra”.<br />

Para tanto, foram apresentadas e investigadas as<br />

particularidades e as peculiaridades dos termos “raça” e<br />

“etnia”, no intuito de estabelecer as implicâncias entre<br />

os mesmos.<br />

Partindo da discussão teórica dos critérios necessários<br />

para o processo de construção da literatura negra, foi<br />

analisado como o fazer literário de Lima Barreto representa<br />

a voz de um “eu” enunciador que, fazendo obra de ficção,<br />

retratou nela o test<strong>em</strong>unho de toda uma vida.<br />

1. Definições<br />

Na tentativa de identificar as particularidades e<br />

peculiaridades dos termos “raça” e “etnia”, foram<br />

evocadas as seguintes definições:<br />

Raça: 3. Ascendência, orig<strong>em</strong>, estirpe, casta. 4.<br />

Descendência, progênie, geração. (FERREIRA,<br />

1838, p. 1.442).<br />

Raça: 1. Divisão tradicional e arbitrária dos grupos<br />

humanos, determinada pelo conjunto de caracteres<br />

físicos hereditários (cor da pele, formato da<br />

cabeça, tipo de cabelo etc.) Etimologicamente,<br />

a noção de raça é rejeitada por se considerar<br />

a proximidade cultural de maior relevância<br />

do que o fator racial, certas culturas de raças<br />

diferentes estão muito mais próximas do<br />

que outras da mesma raça. (HOUAISS; VILLAR, 2001,<br />

p. 2.372, grifo nosso)<br />

Raça: 1. Conjunto de indivíduos cujos caracteres<br />

físicos são s<strong>em</strong>elhantes e se transmit<strong>em</strong> por<br />

hereditariedade: raça branca. 2. Conjunto dos<br />

indivíduos da mesma espécie: a raça humana. 3.<br />

Conjunto de indivíduos de um mesmo povo ou<br />

família: a raça germânica (UNESP, 2004, p. 1163).<br />

Termos sinonímicos do termo “raça”:<br />

Ascendência: 1. Ascensão. 2. Superioridade,<br />

preponderância, ascendente. 3. Influência,<br />

prestígio. 4. Série de gerações anteriores a um<br />

indivíduo, progênie. 5. Os antepassados, os avôs<br />

(FERREIRA, 1838, p. 179).<br />

“Orig<strong>em</strong>: 1. Princípio, começo, procedência. 2.<br />

Naturalidade, nascimento. 3. Pátria. 4. Ascendência,<br />

progênie” (FERREIRA, 1838, p. 1.233) .<br />

“Estirpe: [...] 2. Orig<strong>em</strong>, tronco, linhag<strong>em</strong>, raça,<br />

ascendência, cepa” (FERREIRA, 1838, p. 723).<br />

Casta: 1. Camada social hereditária e endógama,<br />

cujos m<strong>em</strong>bros pertenc<strong>em</strong> à mesma raça, etnia,<br />

profissão ou religião. 2. O conjunto de uma<br />

espécie animal ou vegetal, com orig<strong>em</strong> comum<br />

e caracteres s<strong>em</strong>elhantes, transmissíveis por<br />

hereditariedade. 3. Raça, linhag<strong>em</strong>, classe. 4.<br />

Qualidade, espécie, gênero. 5. Série de coisas<br />

com as mesmas qualidades ou características<br />

(FERREIRA, 1838, p. 365).<br />

“Descendência: 1. Série de pessoas provenientes de<br />

um mesmo tronco, prole” (FERREIRA, 1838, p. 550).<br />

“Progênie: 1. Orig<strong>em</strong>, procedência, ascendência. 2.<br />

Geração, prole” (FERREIRA, 1838, p. 1.398).<br />

“Geração: [...] 3. Cada grau de filiação de pai a<br />

filho; posteridade, descendência. 4. Linhag<strong>em</strong>, estirpe,<br />

ascendência, genealogia” (FERREIRA, 1838, p. 847).<br />

Etnia: Antrop. 1. População ou grupo social<br />

que apresenta relativa homogeneidade cultural<br />

e linguística, compartilhando história e orig<strong>em</strong><br />

comuns. Neste sentido, também usado, a<br />

1 Professora da Universidade do Estado de Minas Gerais, Campus de Frutal e do Centro de Estudos de Línguas (CEL), de Fernandópolis (Língua francesa).<br />

Mestranda <strong>em</strong> Literatura <strong>em</strong> Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista - Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (UNESP/IBILCE).<br />

E-mail: anapromao@yahoo.com.br<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 93-99<br />

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94<br />

partir do início do século XX, <strong>em</strong> substituição<br />

a termos como nação, povo e raça, para<br />

designar as sociedades e grupos até então ditos<br />

primitivos. 2. Grupo com relativa homogeneidade<br />

cultural, considerado como unidade dentro de um<br />

contexto de relações entre grupos similares ou<br />

do mesmo tipo, e cuja identidade é definida por<br />

contraste <strong>em</strong> relação a estes (FERREIRA, 1838, p.<br />

849, grifo nosso).<br />

Etnia: Antrop. Coletividade de indivíduos que se<br />

diferencia por sua especificidade sociocultural,<br />

refletida principalmente na língua, religião e<br />

maneira de agir; grupo étnico. Para alguns<br />

autores, a etnia pressupõe uma base<br />

biológica, podendo ser definida por uma<br />

raça, uma cultura ou ambas; o termo é<br />

evitado por parte da antropologia atual, por<br />

não haver recebido conceituação precisa<br />

(HOUAISS; VILLAR, 2001, p. 1.272, grifo nosso).<br />

Etnia: 1. Grupo biológica e culturalmente<br />

homogêneo; grupo racial: as etnias indígenas.<br />

2. Mistura de raças caracterizada pela mesma<br />

cultura: a formação de uma etnia paulista (UNESP,<br />

2004, p. 568)<br />

2 Literatura negra<br />

Partindo das definições dos termos “raça” e “etnia” e<br />

dos pressupostos teóricos apontados por Bernd (1992),<br />

foi verificado que a diversidade cultural não t<strong>em</strong> relação<br />

direta com as raças, pois há muito mais culturas do que<br />

raças.<br />

Assim, quando falamos das contribuições das<br />

raças humanas à civilização, não quer<strong>em</strong>os dizer<br />

que os aportes culturais da Ásia ou da Europa,<br />

ou da América, tir<strong>em</strong> sua originalidade do fato<br />

destes continentes ser<strong>em</strong>, a grosso modo,<br />

povoados por habitantes de procedências raciais<br />

diferentes. Se esta originalidade existe, ela se<br />

origina de circunstâncias geográficas, históricas<br />

e sociológicas, não de atitudes distintas ligadas<br />

à constituição anatômica ou psicológica dos<br />

negros, dos amarelos ou dos brancos (LEVI-<br />

STRAUSS 2 citado por BERND, 1992, p. 268).<br />

Nesse sentido, é cientificamente inviável qualquer<br />

vinculação entre raça e produção de bens culturais.<br />

Portanto, não há correlações inerentes entre as<br />

características psicofísicas do negro e a cultura por ele<br />

produzida.<br />

Deste ponto de vista, fica excluída a hipótese de se<br />

conceituar literatura negra pelo critério da cor da<br />

2 LEVI-STRAUSS, C. Race et histoire. Paris: Gonthier, 1961.<br />

3 TODOROV, T. A conquista da América. São Paulo: Martins Fontes, 1983.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 93-99<br />

Ana Paula de Freitas Romão-Murari<br />

pele do autor, por não haver critérios científicos que<br />

sustent<strong>em</strong> a relação entre o fato de se pertencer<br />

a uma determinada etnia e a estruturação da<br />

sensibilidade (BERND, 1992, p. 268).<br />

Ainda sob a óptica dos estudos de Bernd (1992),<br />

excluído o critério da cor da pele, a segunda possibilidade<br />

para estabelecer o conceito de literatura negra seria<br />

eleger a “t<strong>em</strong>ática” como categoria.<br />

Esse critério seria igualmente enganoso na<br />

medida <strong>em</strong> que a figura do negro, como<br />

escravo ou como liberto, assim como os t<strong>em</strong>as<br />

associados à história e à cultura negras, afloram<br />

na literatura brasileira desde os seus primórdios<br />

até as produções mais recentes, ficando assim, o<br />

critério t<strong>em</strong>ático, completamente esvaziado de<br />

qualquer funcionalidade (BERND, 1992, p. 268).<br />

Salvas essas restrições, Bernd (1992), na tentativa de<br />

definir “literatura negra”, inferiu:<br />

<strong>em</strong> que medida seria legítima a utilização da<br />

expressão literatura negra e <strong>em</strong> que consistiria a<br />

especificidade que sustentaria esta denominação?;<br />

se o conceito da literatura negra não deve atrelarse<br />

n<strong>em</strong> à cor da pele do autor, n<strong>em</strong> à t<strong>em</strong>ática<br />

utilizada, qual seria o el<strong>em</strong>ento que lhe conferiria<br />

especificidade? (BERND, 1992, p. 269).<br />

Seguindo essa linha investigativa, Bernd (1992)<br />

concluiu que o único critério possível para se conceituar<br />

“literatura negra” seria dado pelas “características<br />

discursivas da obra”.<br />

Principais constantes discursivas<br />

da poesia negra<br />

a) Emergência do “eu enunciador”<br />

O processo de construção de uma “literatura negra”<br />

pode ser lido como um meio de os negros pleitear<strong>em</strong><br />

seu reconhecimento como sujeitos para impor sua<br />

efetiva participação num diálogo de culturas “onde<br />

ninguém tenha a última palavra, onde nenhuma das<br />

vozes reduza a outra ao estado de um mero objeto”<br />

(TODOROV 3 , 1983 citado por BERND, 1992, p. 270).<br />

Advém daí a importância para o negro do exercício da<br />

produção literária que representa, no limite, a busca<br />

da própria existência, que é reafirmada no ato de<br />

enunciação poética.<br />

Logo, é por meio do texto literário que se realiza<br />

a sua transmutação de objeto para sujeito. À medida<br />

que o poeta está interessado nesse ressurgimento, não<br />

apenas para si próprio, mas para o grupo ao qual se<br />

sente ligado e do qual se torna o porta-voz privilegiado,<br />

a distância entre o “eu” (sujeito enunciador) e o “tu”


Literatura, raça, etnia: considerações sobre a literatura negra e sobre Lima Barreto, um intelectual sitiado<br />

(sujeito destinatário) se reduz criando a unidade do<br />

“nós”. Nesse sentido, o surgimento do “eu-nós”<br />

assinala a ruptura com um discurso anterior que<br />

sist<strong>em</strong>aticamente o negava.<br />

b) Construção de uma “cosmogonia”<br />

Para Bernd (1992), a poesia se torna o espaço no<br />

qual são gerados os mitos compensatórios que supr<strong>em</strong><br />

os vazios que pontuam a presença do negro na América.<br />

Para suprir os vazios que pontuam a presença<br />

do negro na América, a poesia se torna o espaço<br />

gerador de mitos compensatórios. Os feitos de<br />

Ganga Zumba, de seu filho Zumbi do Palmares<br />

e de outros chefes quilombolas são mistificados<br />

e cantados <strong>em</strong> po<strong>em</strong>as épicos onde, de escravos<br />

rebeldes e fora da lei, transformam-se nos heróis<br />

de que o povo negro necessita para ter um<br />

modelo de identificação (BERND, 1992, p. 271).<br />

Sob essa ótica, a identificação com esses heróis e sua<br />

luta pela libertação é o primeiro passo para a construção<br />

da identidade.<br />

A transmissão e a r<strong>em</strong><strong>em</strong>oração do passado coletivo,<br />

das dificuldades, dos sucessos e dos fracassos do<br />

grupo, das condutas ex<strong>em</strong>plares de seus heróis...<br />

participam do processo de identificação cultural.<br />

A l<strong>em</strong>brança da história através de narrativas,<br />

de obras de arte, de cerimônias e rituais, assim<br />

como através da educação das jovens gerações,<br />

contribui para modelar a identidade de um grupo<br />

social (MUCCHIELLI 4 , 1986 citado por BERND,<br />

1992, p. 272).<br />

c) Ordenação de uma “nova ord<strong>em</strong> simbólica”<br />

Conforme discutido por Bernd (1992), a prática<br />

usual dos procedimentos da paródia e da carnavalização<br />

permite que o resgate operado no nível dos referentes<br />

históricos efetue-se paralelamente no nível da<br />

representação simbólica: “o princípio ordenador é o<br />

mesmo: a reversão, sendo a palavra de ord<strong>em</strong> pôr o<br />

mundo às avessas” (BERND, 1992, p. 272).<br />

Nessa perspectiva, as novas unidades culturais<br />

passam a representar o reencontro com as origens,<br />

caracterizando-se como os símbolos de uma nova<br />

ord<strong>em</strong> social injusta e revestindo-se, portanto, de um<br />

caráter positivo de alerta contra os atuais métodos de<br />

discriminação racial que reproduz<strong>em</strong>, <strong>em</strong> certo sentido,<br />

o modelo escravocrata.<br />

d) “Reversão dos valores e avaliação do outro”<br />

“A lei maior da Negritude, que consistiu <strong>em</strong> tornar<br />

positivo o que até então era considerado negativo,<br />

continua sendo o fio principal com que se tece a poesia<br />

negra” (BERND, 1992, p. 270).<br />

4 MUCCHIELLI, A. L’Identité. Paris: Presses Universitaires de France, 1986.<br />

Configurando-se, portanto, como discurso da<br />

“destruição” e da afirmação de uma diferença, a poesia<br />

negra irá também produzir uma imag<strong>em</strong> do branco<br />

que, ocupando a terceira pessoa do discurso, se torna,<br />

por sua vez, o outro.<br />

Assim, a literatura é o lugar de convocação à<br />

resistência e à re-existência do negro. “De literatura de<br />

resistência, a literatura negra passa a ser literatura de reexistência”<br />

(BERND, 1992, p. 270).<br />

3 Lima Barreto: o drama<br />

do intelectual sitiado<br />

Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922),<br />

escritor “militante”, título que ele mesmo timbrava<br />

<strong>em</strong> afirmar - cuja significação implicava por de lado<br />

o “bonito” pelo “real” - foi o romancista brasileiro<br />

do século XX que melhor reconheceu o poder de<br />

transfiguração da produção literária como obra de arte;<br />

caracterização expressa por suas próprias palavras:<br />

tendo passado por diversos meios os mais<br />

desencontrados possíveis, eu me julgo<br />

conhecedor bastante das coisas deste mundo,<br />

para, com os el<strong>em</strong>entos da vida comum,<br />

organizar uma outra, dos meus sonhos, com a<br />

qual a minore, só no criá-la, a mágoa eterna e<br />

inapagável que haja talvez <strong>em</strong> mim e me turve as<br />

alegrias íntimas [...] (BOSI, 1970, p. 340).<br />

o que mais se olhou a si mesmo para escrever, como<br />

observou Montenegro:<br />

[...] <strong>em</strong> Lima Barreto foi como se o sentimento<br />

constant<strong>em</strong>ente amargo da vida, a crua e<br />

penetrante consciência de vítima que tanto o<br />

torturava, tirasse de vez <strong>em</strong> quando ao escritor<br />

o que faz a força e a intensidade do escritor (sic)<br />

- a sua disponibilidade interior, indispensável a<br />

uma arte que se propõe representar as coisas <strong>em</strong><br />

termos de uma realidade mais real ainda do que<br />

a própria vida (MONTENEGRO, 1953, p. 146).<br />

Formada numa época <strong>em</strong> que morria a belle époque,<br />

a obra de Lima Barreto se constrói entre dois<br />

mundos: o mundo do tradicionalismo agrário,<br />

saudosista e reformador, e o mundo do novo século,<br />

seduzido pela vanguarda e pelo racionalismo,<br />

fecundado pelo dadaísmo e pelo cubismo,<br />

pela psicanálise e pelo relativismo de Einstein,<br />

pela Revolução Russa, anarquismo espanhol e<br />

sindicalismo fascista (BOSI, 1970, p. 341).<br />

Os desgostos domésticos e a revolta contra o<br />

preconceito de cor de que foi vítima somados à vida<br />

economicamente difícil de pequeno funcionário da<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 93-99<br />

95


96<br />

Secretaria da Guerra e colaborador da imprensa, às<br />

constantes crises de depressão e ao alcoolismo fizeram<br />

desse escritor um crítico social severo, e, por vezes,<br />

panfletário. De sua ansiedade existencial <strong>em</strong>ergiu uma<br />

arte que, apesar de trazer a marca de um mulato pobre<br />

e marginalizado, representou um riquíssimo patrimônio<br />

analítico e descritivo de dominação burguesa calcado<br />

na construção de um espaço cultural que incorporava<br />

as aspirações e os protestos do oprimido por meio de<br />

uma literatura social e politicamente militante.<br />

Como num vasto painel que se desdobra<br />

<strong>em</strong> sucessivos quadros, lá estão os episódios<br />

culminantes da insurreição antiflorianista, a<br />

campanha contra a febre amarela, a ação de Rio<br />

Branco no Itamarati, a política da valorização do<br />

café, o governo do Marechal Hermes da Fonseca,<br />

a participação do Brasil na Primeira Guerra<br />

Mundial, o advento do f<strong>em</strong>inismo, as primeiras<br />

greves operárias, a S<strong>em</strong>ana de Arte Moderna, o<br />

delírio do futebol e do jogo-do-bicho, tudo isso<br />

<strong>em</strong> mistura com os nossos ridículos e as nossas<br />

misérias, mas também s<strong>em</strong> esquecer a grandeza<br />

e a doçura do nosso povo; a mania de ostentação,<br />

o vazio intelectual e a ganância dos políticos; <strong>em</strong><br />

suma, toda a crise das classes dirigentes, que se<br />

agravaria de modo alarmante com a queda do<br />

Império, isso de um lado: do outro, a bondade<br />

inata do brasileiro, a corag<strong>em</strong> do funcionário<br />

público humilde que luta por educar os filhos, o<br />

milagre da sobrevivência da população pobre do<br />

subúrbio carioca, que, <strong>em</strong> meio da miséria, canta<br />

e ri (BARBOSA, 1972, p. 8-9).<br />

Nessa perspectiva, Lima Barreto assim definiu a<br />

produção literária de seu t<strong>em</strong>po:<br />

A nossa <strong>em</strong>otividade literária só se interessa<br />

pelos populares do sertão, unicamente porque<br />

são pitorescos e talvez não se possa verificar<br />

a verdade de suas criações. No mais é uma<br />

continuação do exame de português, uma<br />

retórica mais difícil a se desenvolver por este<br />

t<strong>em</strong>a s<strong>em</strong>pre o mesmo (BOSI, 1970, p. 340).<br />

A grandeza literária tornou-se uma obsessão para<br />

Lima Barreto, sua única esperança de vingança contra<br />

uma sociedade cujas pretensões eurófilas, racismo e<br />

preconceitos de classe ele assimilara e sofria diariamente.<br />

Em 1909, ano <strong>em</strong> que publicou um romance pela<br />

primeira vez, seu diário registra desespero e esperança:<br />

Mulato, desorganizado, incompreensível, e<br />

incompreendido, era a única coisa que me<br />

encheria de satisfação, ser inteligente, muito e<br />

muito! A humanidade vive da inteligência, e eu,<br />

inteligente, entraria por força na humanidade,<br />

isto é, na grande Humanidade de que quero fazer<br />

parte (BOSI, 1970, p. 340).<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 93-99<br />

Ana Paula de Freitas Romão-Murari<br />

Ao final de sua vida, a fé burguesa e europeia na<br />

mobilidade social por meio do sucesso intelectual<br />

continuava guiando Lima Barreto:<br />

o hom<strong>em</strong>, por intermédio da arte, não fica<br />

adstrito aos preconceitos e preceitos de seu<br />

t<strong>em</strong>po, de seu nascimento, de sua pátria, de sua<br />

raça; ele vai além disso, mais longe que pode, para<br />

alcançar a vida total do Universo e incorporar a<br />

sua vida na do Mundo (BOSI, 1970, p. 340).<br />

Lima Barreto <strong>em</strong>penhava-se <strong>em</strong> fazer obra atual<br />

e atuante, do seu t<strong>em</strong>po e do seu meio, s<strong>em</strong> a<br />

preocupação característica da época de “traduzir para<br />

o clássico” o pensamento e a <strong>em</strong>oção. Isso lhe conferiu<br />

a acusação de desleixado de linguag<strong>em</strong>, e, até mesmo,<br />

de subescritor. Entretanto, na verdade, é necessário<br />

afirmar que ele sabia jogar com as palavras para delas<br />

extrair os efeitos estéticos ou funcionais que a natureza<br />

do texto exigisse.<br />

Como notou Houaiss:<br />

Lima Barreto poderá ser reputado “incorreto”<br />

do ponto de vista “gramatical”, e de “mau gosto”,<br />

do ponto de vista estilístico - afinal de contas,<br />

o conceito de correção, na nossa gramática,<br />

mandarina e bizantina, pode apresentar tais<br />

e tantos planos de julgamento, que poucos,<br />

pouquíssimos escritores poderão enfrentar todas<br />

as sanções de todos os planos; e afinal de contas,<br />

ainda, o probl<strong>em</strong>a do “bom gosto” é intimamente<br />

flutuante, no espaço, no t<strong>em</strong>po, e no mesmo<br />

espaço e no mesmo t<strong>em</strong>po, não parecendo<br />

constituir uma questão modalmente estética<br />

[...] E correto ou incorreto, de bom ou mau<br />

gosto, foi incontestavelmente um escritor muito<br />

consciente dos móveis e fins, recursos e meios<br />

- inscrevendo-se como um dos maiores, senão o<br />

maior, dos escritores realistas desta fase crítica de<br />

nossa evolução social (HOUAISS, 1956, p. 22).<br />

Nesse sentido, também Prado afirma: “O narrador<br />

que nos fala não quer falar como literato, e a linguag<strong>em</strong><br />

propositalmente desleixada, sugere apenas o registro<br />

atento das pequenas vicissitudes do cotidiano” (PRADO,<br />

1989, p. 3).<br />

Nessa busca do acontecimento baseada na pesquisa<br />

do cotidiano, Lima Barreto inaugurou uma mobilidade<br />

narrativa <strong>em</strong> que o espaço e o t<strong>em</strong>po como que se<br />

desmistificam para se transformar<strong>em</strong> <strong>em</strong> circunstância<br />

integrada à experiência do leitor; o fluxo narrativo cede<br />

lugar ao tom improvisado que mistura reportag<strong>em</strong> e<br />

test<strong>em</strong>unho, aproximando-se da reprodução quase<br />

instantânea com que se multiplica o ritmo das coisas<br />

<strong>em</strong> movimento; os assuntos, não mais narrados, são<br />

apenas organizados, distanciando-se da plenitude do<br />

“acontecer” ficcional; as personagens são representadas


Literatura, raça, etnia: considerações sobre a literatura negra e sobre Lima Barreto, um intelectual sitiado<br />

por meio de personagens-símbolos, são caricaturas de<br />

líderes e intelectuais; trata-se de uma criação aleatória<br />

intencionalmente traçada para construir um panorama<br />

da mentalidade burguesa, predominante no Brasil, nos<br />

primeiros trinta anos de vida republicana.<br />

Fazendo obra de ficção, Lima Barreto penetrou<br />

fundo na ambiência de toda uma época, revelando por<br />

inteiro a sua mentalidade, o seu substractum social e<br />

humano.<br />

Considerações finais<br />

Orgulhoso de sua orig<strong>em</strong> modesta e da ascendência<br />

dos avós, antigos escravos, seu objetivo era expressar<br />

“os sofrimentos e sonhos do povo”, compreendendo<br />

sua vida e obra como um “contínuo protesto contra<br />

toda e qualquer injustiça”. Ele não deixava escapar<br />

nenhuma oportunidade de denunciar os desmandos<br />

sociais e ridicularizar os responsáveis, dando mais<br />

valor à radical veracidade do que ao refinamento de<br />

linguag<strong>em</strong> e composição.<br />

Revoltado contra as injustiças e os preconceitos de<br />

que também era vítima, dedica sua obra a desmascarar<br />

a falsidade dos poderosos: políticos, intelectuais,<br />

burocratas, jornalistas, militares etc.<br />

Nessa perspectiva, foi verificado que o fazer literário<br />

de Lima Barreto traz um “eu enunciador”, visto que<br />

ler os livros de Lima Barreto é um exercício de<br />

consciência histórica que conta com a vantag<strong>em</strong>,<br />

como poucas vezes noutro escritor brasileiro, de<br />

um difícil test<strong>em</strong>unho: constatar como a vida, e<br />

nesta a opressão e o fracasso, se converte <strong>em</strong><br />

literatura [...] Nele, a primeira impressão é uma<br />

espécie de desencanto preliminar: o narrador<br />

que nos fala não quer falar como literato, e a<br />

linguag<strong>em</strong>, propositalmente desleixada, sugere<br />

apenas o registro atento das pequenas vicissitudes<br />

do cotidiano (PRADO, 1989, p. 3).<br />

A biografia de Lima Barreto explica o húmus<br />

ideológico de sua obra: a orig<strong>em</strong> humilde, a cor,<br />

a vida penosa de jornalista pobre e de pobre<br />

amanuense, aliadas à viva consciência da própria<br />

situação social, motivaram aquele seu socialismo<br />

maxialista, tão <strong>em</strong>otivo nas raízes quanto<br />

penetrante nas análises (BOSI, 1970, p. 355).<br />

Com sua obra, Lima Barreto prestou homenag<strong>em</strong><br />

às pessoas humildes e até as mais abastadas do<br />

subúrbio – aquela fauna humana que satirizou com<br />

tanto carinho – com que ele não deixava de se sentir<br />

solidário, <strong>em</strong>bora elas mal reconhecess<strong>em</strong> seu talento<br />

literário e não pertencess<strong>em</strong> ao seu público leitor. O<br />

abismo entre personagens literários e leitores, entre<br />

o ambiente popular ficcional e o público real de classe<br />

média alta – fenômeno típico da literatura latinoamericana<br />

engajada, geralmente qualificado como<br />

heterogeneidade cultural – também caracteriza a obra<br />

de Lima Barreto. As pessoas que ganharam vida e voz<br />

<strong>em</strong> sua obra pertenciam àquele “mar de analfabetos”<br />

ao qual o poeta elitista Olavo Bilac – parnasiano e<br />

patrioteiro, <strong>em</strong>bora de certa popularidade e até hoje<br />

autor escolar – se referia com desprezo.<br />

Concluído <strong>em</strong> 1922, ano da morte de Lima Barreto,<br />

o romance Clara dos anjos é uma denúncia áspera do<br />

preconceito racial e social, vivenciado por uma jov<strong>em</strong><br />

mulher do subúrbio carioca.<br />

O grande historiador e crítico literário Sérgio<br />

Buarque de Holanda já apontava, escrevendo sobre<br />

Clara dos anjos, que é muito difícil “escrever sobre<br />

os livros de Lima Barreto s<strong>em</strong> incorrer um pouco no<br />

pecado do biografismo” (HOLANDA, 1964).<br />

Poucos escritores brasileiros foram tão obsessivos<br />

na investigação da t<strong>em</strong>ática do preconceito quanto<br />

Lima Barreto. Mulato, nasceu <strong>em</strong> 1881, mesmo ano<br />

<strong>em</strong> que o também mulato Machado de Assis introduzia<br />

o Realismo na literatura nacional com a publicação de<br />

M<strong>em</strong>órias póstumas de Brás Cubas e Aluísio Azevedo<br />

inaugurava a Naturalismo no Brasil com o romance O<br />

mulato. Não são apenas coincidências. A questão do<br />

preconceito contra a mestiçag<strong>em</strong>, já denunciada na obra<br />

de Aluísio Azevedo, seria fundamental no pensamento<br />

nacional entre a implantação do Naturalismo e a do<br />

Modernismo, <strong>em</strong> 1922, ano da morte de Lima Barreto.<br />

Por razões pessoais e por viver exatamente naquele<br />

período, s<strong>em</strong>pre o retratando de forma crítica e até<br />

ressentida, o autor de Clara dos anjos seria o escritor<br />

que mais sentiria (na pele) o preconceito e o retrataria<br />

com tintas mais ácidas na literatura brasileira. É ainda<br />

Sérgio Buarque de Holanda que melhor resume como<br />

essa t<strong>em</strong>ática se apresenta <strong>em</strong> Clara dos anjos:<br />

Em Clara dos Anjos relata-se a estória de uma<br />

pobre mulata, filha de um carteiro de subúrbio,<br />

que apesar das cautelas excessivas da família,<br />

é iludida, seduzida e, como tantas outras,<br />

desprezada, enfim, por um rapaz de condição<br />

social menos humilde do que a sua. É uma<br />

estória onde se tenta pintar <strong>em</strong> cores ásperas o<br />

drama de tantas outras raparigas da mesma cor<br />

e do mesmo ambiente. O romancista procurou<br />

fazer de sua personag<strong>em</strong> uma figura apagada,<br />

de natureza “amorfa e pastosa”, como se nela<br />

quisesse resumir a fatalidade que persegue tantas<br />

criaturas de sua casta: “A priori”, diz, “estão<br />

condenadas, e tudo e todos parec<strong>em</strong> condenar<br />

os seus esforços e os dos seus para elevar a sua<br />

condição moral e social”. É claro que os traços<br />

singulares, capazes de formar um verdadeiro<br />

“caráter” romanesco, dando-lhe relevo próprio<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 93-99<br />

97


98<br />

e nitidez hão de esbater-se aqui para melhor se<br />

ajustar<strong>em</strong> à regra genérica. E Clara dos Anjos<br />

torna-se, assim, menos uma personag<strong>em</strong> do<br />

que um argumento vivo e um el<strong>em</strong>ento para a<br />

denúncia (HOLANDA, 1964, p. 10).<br />

A dilaceração também se revela com realismo<br />

carregado de vivência pessoal nas Recordações do<br />

Escrivão Isaías Caminha: “o meu sofrimento e as minhas<br />

dores não encontravam o menor eco fora de mim”<br />

(BARRETO, 1995).<br />

Recordações do escrivão Isaías Caminha é um romance<br />

narrado <strong>em</strong> primeira pessoa, autobiográfico, retrato da<br />

vida de um grande jornal da época. Sátira a figurões<br />

da imprensa e das letras. Extravasamento de suas<br />

decepções e revoltas.<br />

É a história de um rapaz inteligente, bom, honesto,<br />

ambicioso, possuidor todos os requisitos para vencer<br />

na vida, menos um - a cor. O jov<strong>em</strong> mulato Isaías<br />

Caminha sai do interior <strong>em</strong> busca de uma chance<br />

no Rio de Janeiro. Para e por isso, estuda com<br />

afinco, despertando admiração e esperanças <strong>em</strong> sua<br />

professora. Parte para o Rio de Janeiro, decepcionandose<br />

com a grande cidade e a vida que aí encontra. Não<br />

retorna ao interior apesar das dificuldades. Luta contra<br />

a fome e a discriminação. Sofre muito, mas consegue<br />

ocupar o lugar de contínuo <strong>em</strong> um considerado jornal:<br />

O Globo. A sua posição melhora, quando, após o<br />

suicídio de um funcionário do jornal, sai à procura<br />

do diretor Loberant e o encontra <strong>em</strong> um prostíbulo,<br />

participando de uma orgia. É elevado à condição<br />

de repórter, despertando inveja entre os colegas e<br />

bajulação entre os que precisam de seus préstimos.<br />

Enojado com tudo, sentindo-se alheio a essa vida de<br />

falsidades, retira-se da grande cidade, casa-se e leva<br />

uma vida simples de escrivão interiorano. Um dia,<br />

revoltado com um artigo de uma revista que coloca<br />

os negros e mestiços <strong>em</strong> condição de inferioridade,<br />

resolve escrever esse livro que pretende denunciar a<br />

discriminação e o preconceito racial:<br />

Se me esforço por fazê-lo [ao meu livro] literário<br />

é para que ele possa ser lido, pois quero falar<br />

das minhas dores e dos meus sentimentos ao<br />

espírito geral e no seu interesse, com a linguag<strong>em</strong><br />

acessível a ele. É este o meu propósito, o meu<br />

único propósito (BARRETO, 1995).<br />

Para Lima Barreto, a desmontag<strong>em</strong> de posições<br />

puristas e essencialistas de cultura nacional implica o<br />

reconhecimento da mestiçag<strong>em</strong> no Brasil, não apenas<br />

como resultado das origens do país, mas como processo<br />

permanente, devido também à abertura do Brasil <strong>em</strong><br />

relação ao mundo, que, por sua vez, naturalmente<br />

também é mestiço.<br />

É inferido que as considerações aqui apresentadas<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 93-99<br />

Ana Paula de Freitas Romão-Murari<br />

não têm pretensão alguma de esgotar os estudos acerca<br />

da literatura negra e do fazer literário de Lima Barreto.<br />

Referências<br />

BARBOSA, F. A. Lima Barreto: romance. 2. ed. Rio de<br />

Janeiro: Agir, 1972. 90 p.<br />

BARRETO, A. H. de L. Recordações do escrivão Isaías<br />

Caminha. São Paulo: Ática, 1995.<br />

BERND, Z. Literatura negra. In: JOBIM, J. L. (Org.).<br />

Palavras da crítica: tendências e conceitos no estudo da<br />

literatura. Rio de Janeiro: Imago, 1992. p. 267-275.<br />

BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. São<br />

Paulo: Cultrix, 1970.<br />

UNESP - Universidade Estadual Paulista. Dicionário<br />

Unesp do português cont<strong>em</strong>porâneo. São Paulo: UNESP,<br />

2004. 1470 p.<br />

FERREIRA, A. B. de H. Novo Aurélio século XXI: o<br />

dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro:<br />

Nova Fronteira, 1838. 2128 p.<br />

HOLANDA, S. B. de. Adolescênia. In: BARBOSA, F. de<br />

A. A vida de Lima Barreto (1881-1922). Rio de Janeiro:<br />

Civilização Brasileira, 1964.<br />

HOUAISS, A. Prefácio de vida urbana. São Paulo:<br />

Brasiliense, 1956.<br />

HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Dicionário Houaiss de<br />

lexicografia e banco de dados da língua portuguesa. Rio<br />

de Janeiro: Objetiva, 2001. 2.922 p.<br />

MONTENEGRO, O. Lima Barreto. In: O romance<br />

brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1953. p.<br />

143-158.<br />

PRADO, A. A. Lima Barreto: o crítico e a crise. São<br />

Paulo: Martins Fontes, 1989.


Literatura, raça, etnia: considerações sobre a literatura negra e sobre Lima Barreto, um intelectual sitiado<br />

LITERATURE, RACE, ETHNICITY: CONSIDERATIONS ON THE BLACK<br />

LITERATURE AND ABOUT LIMA BARRETO, AN INTELLECTUAL SITIO<br />

ABSTRACT: The aim of this paper is to establish the process of building and contextualization of the term black<br />

literature. Drawing on the theoretical assumptions of Bernd (1992), will be offered a study of literary writing, Lima<br />

Barreto, in order to see how their lives, and this oppression and failure, becomes literature.<br />

KEYWORDS: Historical consciousness; ethnicity; literature; black literature; race.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 93-99<br />

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BIOECOLOGIA DOS CRISOPÍDEOS E SUA IMPORTÂNCIA<br />

NO CONTROLE BIOLÓGICO DE PRAGAS<br />

João Luís Ribeiro Ulhôa 1<br />

RESUMO: Este trabalho t<strong>em</strong> por objetivo descrever os aspectos bioecológicos dos crisopídeos e as características<br />

desse predador, visando associá-las ao controle biológico de insetos pragas. Considerando o grande potencial<br />

desses insetos, principalmente os pertencentes aos gêneros Chrysoperla, delineamos esta pesquisa de cunho<br />

bibliográfico a fim de reunir informações mais detalhadas a respeito dos aspectos bioecológicos, b<strong>em</strong> como do<br />

potencial de uso desses predadores <strong>em</strong> programas de controle biológico de pragas.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Agroecossist<strong>em</strong>a; inimigo natural; praga; predador.<br />

Introdução<br />

Os crisopídeos são inimigos naturais, predadores<br />

bastante eficientes, ocorrendo <strong>em</strong> diversos ambientes<br />

naturais e agrícolas. Lima (2004) verificou grande<br />

quantidade de crisopídeos na cultura do sorgo, podendo<br />

essas plantas ser<strong>em</strong> utilizadas como reservatório natural<br />

desses inimigos naturais.<br />

No Brasil, estudos avançados sobre a biologia desses<br />

insetos mostram que Chrysoperla externa (Neuroptera:<br />

Crysopidae) se destaca devido à grande voracidade<br />

de suas larvas. Observando os crisopídeos <strong>em</strong> suas<br />

diferentes fases do ciclo de vida é possível verificar<br />

a presença deles <strong>em</strong> variadas culturas de interesse<br />

econômico, como o citros, milho, soja, sorgo, alfafa,<br />

fumo, videira, algodão, macieira, seringueira, mangueira<br />

e videira, entre outras. Eles pod<strong>em</strong> se alimentar de<br />

ovos, lagartas, pulgões, cochonilhas, moscas-brancas,<br />

ácaros e vários outros artrópodes de pequeno<br />

tamanho (Embrapa, 2010). Ao ser<strong>em</strong> introduzidas nos<br />

agroecossist<strong>em</strong>as, essas espécies de inimigos naturais<br />

ajudam a manter a densidade populacional das pragas<br />

<strong>em</strong> níveis reduzidos.<br />

Esses predadores têm despertado atenções quanto<br />

ao seu uso no controle de insetos praga como: afídeos,<br />

cochonilhas, cigarrinhas, tripes, moscas-brancas,<br />

psilídeos, ovos e larvas de coleópteros, dípteros, entre<br />

outros. Ribeiro et al. (2007) constataram larvas de C.<br />

externa predando ovos e lagartas do minador-doscitros,<br />

Phyllocnistis citrella (Lepidoptera: Gracillariidae),<br />

d<strong>em</strong>onstrando a ação eficiente desse predador no<br />

controle biológico de pragas.<br />

Mediante essas constatações e considerando o<br />

grande potencial desses insetos, principalmente do<br />

gênero Chrysoperla, delineou-se esta pesquisa de cunho<br />

bibliográfico a fim de reunir informações mais detalhadas<br />

a respeito dos aspectos bioecológicos, b<strong>em</strong> como do<br />

potencial de uso desses predadores <strong>em</strong> programas de<br />

controle biológico de pragas.<br />

Aspectos bioecológicos dos crisopídeos<br />

Para algumas espécies de crisopídeos, tanto as larvas<br />

como os adultos pod<strong>em</strong> ser eficientes predadores de<br />

vários artropedes <strong>em</strong> diferentes agroecossist<strong>em</strong>as.<br />

Entretanto, pouco se conhece sobre os aspectos<br />

bioecológicos das espécies encontradas nas Américas<br />

Central e do Sul (Carvalho e Ciciola, 1996).<br />

A família Chrysopidae compreende um grande<br />

numero de espécies cujos adultos são de corpo delicado,<br />

geralmente de cor esverdeada, olhos dourados, antenas<br />

filiformes, asas hialinas e longas, com nervuras evidentes.<br />

As larvas desses insetos possu<strong>em</strong> um aparelho bucal<br />

composto por mandíbulas que funcionam como uma<br />

“pinça” e como peças sugadoras. Além disso, cada<br />

uma delas apresenta ao longo do lado ventral um sulco<br />

escavado do ápice a base, ao qual se adapta a maxila<br />

laminada que também é escavada longitudinalmente.<br />

Essas duas peças se un<strong>em</strong> formando um canal associado<br />

à cavidade bucal através do qual ocorre a passag<strong>em</strong> da<br />

h<strong>em</strong>olinfa sugada do hospedeiro (Lima, 1942). Outra<br />

característica marcante desses insetos é a presença<br />

de ovos pedicelados, conferindo-lhes proteção contra<br />

parasitóides e predadores. Seus ovos são de coloração<br />

esverdeada quando recém ovipositados e à medida que<br />

o <strong>em</strong>brião se desenvolve, torna-se escuro (Smith, 1921).<br />

Na fase jov<strong>em</strong> esses predadores passam por instares,<br />

sendo a duração do primeiro, segundo e terceiro de dois<br />

a sete, dois a cinco e quatro a dez dias, respectivamente<br />

(SMITH, 1922). A ocorrência de canibalismo entre os<br />

crisopídeos é comum entre larvas recém eclodidas, as<br />

quais se alimentam de ovos e mesmo de larvas de sua<br />

1 Professor mestre do curso de Administração de Empresas, Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG - Campus de Frutal). Avenida Professor Mário<br />

Palmério, 1.000 – CEP 38200 – 000, Frutal – MG – E-mail: joaoulhoaj@bol.com.br.<br />

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João Luís Ribeiro Ulhôa<br />

própria espécie (New, 1975).<br />

Scopes (1969) observou <strong>em</strong> flores de crisânt<strong>em</strong>o<br />

cultivadas <strong>em</strong> casa de vegetação que o período larval<br />

de Chysoperla carnea (Neuroptera: Crysopidae) foi<br />

completado quando cada larva predou <strong>em</strong> média 385<br />

pulgões Myzus Persicae (H<strong>em</strong>íptera: Aphididae).<br />

Após o seu completo desenvolvimento, as larvas de<br />

crisopídeos tec<strong>em</strong> um casulo de seda, transformandose<br />

posteriormente <strong>em</strong> pupas. O casulo é confeccionado<br />

durante um período de 24 à 48 horas (Smith, 1922).<br />

Aun (1986) observou que o período pupal médio de<br />

C. externa criada a 25º C e alimentadas com ovos de<br />

Anagasta kuehniella (Lepidopera: Pyralidae) durante a<br />

fase larval foi de 10,5 dias, com uma viabilidade média<br />

de 79,5 %.<br />

No início da fase adulta ocorre o acasalamento, e<br />

a oviposição inicia-se poucos dias após a fecundação<br />

(New, 1975). O período de pré-oviposição é variável<br />

<strong>em</strong> função da espécie, das condições climáticas e do<br />

fornecimento de alimento aos adultos (Rosset, 1984).<br />

Comparando os aspectos reprodutivos de C. externa<br />

criada a uma t<strong>em</strong>peratura de 25°C, umidade relativa<br />

de 70-80% e fotofase de 14 horas com aqueles de<br />

Crysoperla mediterranea (Neuroptera: Crysopidae)<br />

obtidos <strong>em</strong> condições de 20° C, umidade relativa de<br />

70-80% e fotofase de 16 horas, Carvalho et al. (1996)<br />

verificaram para ambas as espécies que as fêmeas<br />

alimentadas com levedo de cerveja e mel na proporção<br />

de 1:1 apresentaram maior fecundidade do que aquelas<br />

alimentadas com outras dietas. Além disso, as fêmeas<br />

de C. externa ovipositaram <strong>em</strong> média 2.304 ovos<br />

durante 84,5 dias enquanto que as de C. mediterrânea<br />

colocaram 2.160 ovos <strong>em</strong> 103,3 dias.<br />

Venzon (1991) e Venzon e Carvalho (1993),<br />

trabalhando com Ceraeochrysa cubana (Neuroptera:<br />

Crysopidae), observaram que a duração da fase imatura<br />

aumentou quando a t<strong>em</strong>peratura foi reduzida de 30°<br />

para 20°C. Também foi verificado que dietas contendo<br />

lêvedo de cerveja e mel foram adequadas, permitiu<br />

uma alta produção de ovos. Ribeiro (1998) verificou<br />

que a dieta composta por levedo de cerveja, mel<br />

e pólen permitiu um incr<strong>em</strong>ento da oviposição <strong>em</strong><br />

C. externa, sendo a duração dos períodos de préoviposição,<br />

oviposição e pós-oviposição de 2,5; 7,9<br />

e 1,9 dia, respectivamente. Verificou também que o<br />

desenvolvimento larval foi acelerado quando as larvas<br />

do predador Aphis gossypii (Homoptera: Aphididae) foi<br />

oferecida como supl<strong>em</strong>ento alimentar.<br />

O desenvolvimento e o potencial de alimentação<br />

de C. carnea alimentada com diferentes insetos-praga<br />

do algodoeiro foram estudados por Balasubramani e<br />

Swamiappan (1994). Foi constatado que esse inseto<br />

apresentou um rápido desenvolvimento larval (8,2<br />

dias), consumindo ovos de piralídeo Corcyra cephalonica<br />

(Lepdoptera: Pyralidae), o qual se prolongou para 11,1<br />

dias utilizando, como fonte de alimento, lagartas do<br />

noctuídeo Heliothis armigera (Lepidoptera: Noctuidae).<br />

Klinger et al. (1996) constataram que a capacidade<br />

predatória de larvas de C. carnea alimentadas com<br />

ovos e lagartas de primeiro instar de Mamestra<br />

brassicae (Lepidopetra: Noctuidae) foi máxima no<br />

terceiro instar, com 87% e 85% do número total de<br />

ovos e lagartas, respectivamente, e que o ciclo total<br />

médio de desenvolvimento foi de 27,4 e 21,5 dias,<br />

respectivamente. Observaram uma mortalidade média<br />

de 10% para as larvas de C. carnea, quando alimentadas<br />

com ovos, e de 15%, quando alimentadas com lagartas<br />

de primeiro instar desse noctuídeo.<br />

Kabissa et al. (1995), trabalhando <strong>em</strong> condições<br />

de laboratório <strong>em</strong> t<strong>em</strong>peratura variando de 28-32°C<br />

e usando plantas de algodoeiro como substratos,<br />

acompanharam o desenvolvimento larval de Chrysoperla<br />

congrua (Neuroptera: Crysopidae) e constataram que<br />

ovos de H. armigera e ninfas de A. gossypii foram presas<br />

adequadas, mesmo tendo uma mortalidade de 25 e<br />

46,9% das larvas de terceiro instar quando alimentadas<br />

com as respectivas presas. Observaram ainda que as<br />

larvas consumiram 169,8 ovos de H. armigera e 171,8<br />

ninfas de A. gossypii.<br />

Maia (1998) e Maia et al. (2000), estudando os<br />

aspectos biológicos de C. externa alimentada com o<br />

pulgão Schyzaphis graminum (H<strong>em</strong>iptera: Aphididae),<br />

mencionaram que a duração da fase jov<strong>em</strong> diminuiu<br />

com o aumento da t<strong>em</strong>peratura, sendo que na faixa<br />

de 21 a 30°C houve um desenvolvimento normal das<br />

larvas. Isso evidencia que esse pulgão foi adequado ao<br />

desenvolvimento de C. externa.<br />

Fonseca (1999) e Fonseca et al. (2000) avaliaram<br />

a capacidade predatória de C. externa <strong>em</strong> diferentes<br />

t<strong>em</strong>peraturas e tendo S. graminum como alimento.<br />

Concluíram que t<strong>em</strong>peraturas mais elevadas<br />

provocaram aumento no consumo diário de pulgões<br />

e que a densidade de presas disponíveis interferiu no<br />

consumo e na intensidade de ataque desse predador.<br />

Controle biológico de<br />

pragas com crisopídeos<br />

Figueira (2002) relatou que os crisopídeos<br />

destacam-se pela facilidade de criação <strong>em</strong> ambientes<br />

de laboratórios, apresentando uma elevada taxa<br />

reprodutiva, além de não necessitar de presas quando<br />

ating<strong>em</strong> a fase adulta.<br />

As larvas e adultos de algumas espécies de crisopídeos<br />

são caracterizados como predadores eficientes de


pequenos insetos e ácaros <strong>em</strong> muitas culturas de<br />

interesse econômico (New, 1975). Núñez (1988)<br />

mencionou os crisopídeos como os mais importantes<br />

predadores da ord<strong>em</strong> Neuroptera, des<strong>em</strong>penhando<br />

papel significativo no controle de pragas. Freitas<br />

e Fernandes (1996) observaram que as larvas dos<br />

crisopídeos alimentam-se de pulgões, cochonilhas,<br />

ácaros, tripés, ovos e lagartas, e os adultos, que não<br />

são predadores, alimentam-se de néctar, pólen ou<br />

honeydew.<br />

A importância de algumas espécies de crisopídeos na<br />

redução populacional de insetos-praga do algodoeiro<br />

foi destacada por Gravena e Cunha (1991), os quais<br />

constataram a ocorrência natural de C. externa e<br />

C. cubana, reduzindo a densidade populacional do<br />

curuquerê-do-algodoeiro. Em condições de laboratório,<br />

Ribeiro (1988) observou que larvas de C. externa foram<br />

eficientes predadoras de ovos desse noctuídeo e<br />

também do pulgão A. gossypii.<br />

Liberações de larvas de C. carnea <strong>em</strong> algodoeiro<br />

reduziram <strong>em</strong> 96% as populações de Helicoverpa<br />

zea (Lepidoptera: Noctuidae) e Heliothis virescens<br />

(Lepidoptera: Noctuidae) (RIDGWAY; JONES, 1969).<br />

Hamilton et al. (1982) verificaram que larvas de C. carnea<br />

na cultura de sorgo exerceram um importante papel<br />

no controle de pulgão-verde S. graminum. Realizando<br />

liberação inundativa de 335 mil ovos de C. carnea por<br />

hectare de macieira anã, Hagley (1989) verificou uma<br />

redução significativa do número de ninfas e adultos<br />

ápteros de pulgão Aphis pomi (H<strong>em</strong>iptera: Aphididae),<br />

quando a relação predador/presa foi de 1:19 e 1:10,<br />

respectivamente.<br />

Hagley e Miles (1987) verificaram um controle<br />

eficiente do ácaro Tetranychus urticae (Acari:<br />

Tetranychidae) <strong>em</strong> pessegueiro, através de liberações<br />

de ovos de C. carnea <strong>em</strong> locais onde tratamentos com<br />

produtos fitossanitários foram ineficientes.<br />

Conclusão<br />

Observamos neste trabalho as características<br />

bioecológicas dos crisopídeos como, por ex<strong>em</strong>plo,<br />

facilidade de criação <strong>em</strong> laboratório e manuseio, alta<br />

taxa reprodutiva e uma grande variedade de pragas<br />

predadas.<br />

O desenvolvimento de programas de controle<br />

biológico de insetos-praga pela pesquisa brasileira e a<br />

sua aplicação d<strong>em</strong>onstram a viabilidade da utilização<br />

de insetos predadores, como é o caso do crisopídeo<br />

descrito acima.<br />

A voracidade e a ampla distribuição desses insetos<br />

<strong>em</strong> diferentes espécies de plantas e ambientes indicam<br />

que eles são inimigos naturais adaptados à predação de<br />

Bioecologia dos crisopídeos e sua importância no controle biológico de pragas<br />

insetos-pragas.<br />

A mudança de comportamento da sociedade pela<br />

produção de alimentos orgânicos e saudáveis, o<br />

favorecimento à preservação da natureza e a busca pela<br />

melhoria de saúde humana reforçam a utilização dos<br />

crisopídeos e outros insetos predadores <strong>em</strong> programas<br />

de controle biológico.<br />

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104<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 101-106<br />

João Luís Ribeiro Ulhôa<br />

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Bioecologia dos crisopídeos e sua importância no controle biológico de pragas<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 101-106<br />

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v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 101-106<br />

João Luís Ribeiro Ulhôa<br />

BIOECOLOGY OF CRISOPÌDEOS AND THEIR IMPORTANCE<br />

IN THE BIOLOGICAL CONTROL OF HARMFUL INSECTS<br />

ABSTRACT: This work has the objective of describing the bioecological aspects of Crisopideos and the characteristics<br />

of this predator and aims at associating th<strong>em</strong> to biological control of harmful insects. Taking into account the large<br />

potential of these insects, mainly those belonging to Chrysoperla, we delineate this research of the bibliographic<br />

character to obtain more detailed information about this aspect as well as the potential of the use of this predator<br />

in the biological control programs of harmful insects.<br />

KEYWORDS: Agroecosyst<strong>em</strong>; natural en<strong>em</strong>ies; pest; predators.


UM ESTUDO SOBRE O AMOR ROMÂNTICO<br />

E SUA REPRESENTAÇÃO PARA OS GÊNEROS<br />

FEMININO E MASCULINO<br />

Lara Franco Costa 1<br />

RESUMO: O presente trabalho apresenta uma investigação acerca do amor romântico e revela também os<br />

resultados da pesquisa realizada na tentativa de analisar como homens e mulheres perceb<strong>em</strong> esse sentimento.<br />

Este estudo justifica-se <strong>em</strong> razão das inúmeras controvérsias, alegrias e tristezas causadas pelo amor romântico<br />

na vida dos homens. Objetiva-se investigar a percepção dos gêneros acerca do amor romântico, as possíveis<br />

diferenças no modo de perceber e viver o amor entre homens e mulheres, b<strong>em</strong> como os fatores que influenciam<br />

o modo como os indivíduos compreend<strong>em</strong> esse sentimento. Vislumbra-se conhecer acerca do amor romântico<br />

e alguns t<strong>em</strong>as envolvidos nesse sentimento, tais como a sua orig<strong>em</strong>, química cerebral e características, incluindo<br />

também, a diferenciação entre amor e paixão. A base teórica que norteia a pesquisa está nos estudos sobre o<br />

amor romântico de Fisher (2008), Platão (1983), entre outros. A metodologia adotada consiste <strong>em</strong> pesquisa<br />

bibliográfica aliada a pesquisa de campo com a utilização de entrevista estruturada feita a 16 pessoas – oito homens<br />

e oito mulheres – residentes na cidade de Ituiutaba, Minas Gerais, com faixa etária entre 20 e 55 anos. Dentre os<br />

resultados obtidos, destaca-se a real diferença na forma como homens e mulheres defin<strong>em</strong> o amor, resumidas a<br />

maior racionalidade e objetividade masculina e o romantismo, a intensidade e a sensibilidade f<strong>em</strong>inina. Conclui-se<br />

também, além das diferenças entre os gêneros, o amor romântico como um sentimento comedido, incondicional<br />

e duradouro formado por vários outros sentimentos e que está acima de todos os outros sentimentos que<br />

permeiam a humanidade.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Amor romântico; homens; mulheres; sentimento.<br />

Introdução<br />

Há muito se busca uma definição que seja<br />

perfeitamente aceita para o amor e apesar de inúmeras<br />

tentativas de estudiosos, poetas, cientistas, entre<br />

outros, ainda não é possível mensurar e definir toda<br />

abrangência de tal sentimento.<br />

É importante considerar que cada vez mais o<br />

amor parece ser uma condição indispensável para<br />

a realização da vida dos seres humanos. Contudo,<br />

apesar de objetivar<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre um mesmo fim, homens<br />

e mulheres atribu<strong>em</strong> significados diferentes a esse<br />

sentimento, gerando, então, conflitos e controvérsias.<br />

A relevância da pesquisa consiste <strong>em</strong> satisfazer um<br />

interesse pessoal e constatar as diferentes percepções<br />

do amor entre os gêneros e a influência da sociedade<br />

como determinante comportamental. Posteriormente,<br />

visa conscientizar homens e mulheres acerca de suas<br />

diferenças, buscando um relacionamento <strong>em</strong> que haja<br />

respeito mútuo e reduzindo os desentendimentos<br />

causados por diferenças e percepções tão distintas.<br />

Objetiva-se ainda que a pesquisa contribua para o<br />

entendimento do fenômeno amor romântico para<br />

aqueles que buscam compreendê-lo.<br />

Nesse sentido, a proposta do estudo é verificar a<br />

percepção de homens e mulheres acerca do amor<br />

romântico e investigar possíveis diferenças nessas<br />

mesmas percepções, apontando prováveis causas. Fazse<br />

necessário um estudo sobre as principais diferenças<br />

orgânicas entre os gêneros e das diferenças impostas<br />

pela sociedade.<br />

Verifica-se também a necessidade de compreender<br />

acerca do amor romântico, sua orig<strong>em</strong> e evolução<br />

através das eras e suas principais características através<br />

de uma abordag<strong>em</strong> generalista, não focando <strong>em</strong> teorias<br />

específicas.<br />

Definindo o amor romântico<br />

Segundo Braga, amor “origina-se do latim, amor, que<br />

significa ‘dedicação, afeição e ternura’” (BRAGA, 2010,<br />

p. 25).<br />

No mito do andrógino, Platão apresenta uma bela<br />

definição para o sentimento e inicia a explanação<br />

mencionando que<br />

nossa natureza outrora não era a mesma que<br />

a de agora, mas diferente. Em primeiro lugar,<br />

três eram os gêneros da humanidade, [...] o<br />

1 Psicóloga, bacharelada pela Fundação Educacional de Ituiutaba - FEIT/Universidade do Estado de Minas Gerais - Campus de Frutal. Rua 12, n. 1093 Bairro<br />

Setor Sul – Ituiutaba - MG. E-mail: larafc@hotmail.com.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 107-120<br />

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Lara Franco Costa<br />

masculino e o f<strong>em</strong>inino, mas também havia<br />

mais um terceiro [...] andrógino era então um<br />

gênero distinto, tanto na forma como no nome<br />

comum aos dois, ao masculino e ao f<strong>em</strong>inino [...]<br />

(PLATÃO, 1983, p. 22).<br />

Segundo Platão, antes, três eram os gêneros: o<br />

f<strong>em</strong>inino (mulher – mulher), o masculino (hom<strong>em</strong> –<br />

hom<strong>em</strong>) e o andrógino (hom<strong>em</strong> – mulher). Este ser<br />

era dotado de força e vigor; tinha duas cabeças, quatro<br />

braços, quatro pernas, dois sexos e quatro orelhas. O<br />

masculino era descendente do sol, o f<strong>em</strong>inino descendia<br />

da terra e o andrógino da lua, pois, esta é formada por<br />

sol e terra (PLATÃO, 1983).<br />

Contudo, <strong>em</strong> função de uma investida contra os<br />

deuses, Zeus castigou-os, cortando-os ao meio. Dessa<br />

forma, tornaram-se dois (PLATÃO, 1983). Desde<br />

então, os ser<strong>em</strong> viv<strong>em</strong> uma busca constante pela sua<br />

metade a fim de restaurar<strong>em</strong> a sua antiga natureza<br />

“<strong>em</strong> sua tentativa de fazer um só de dois e de curar a<br />

natureza humana” (PLATÃO, 1938, p. 23).<br />

Portanto, o amor seria justamente a busca constante<br />

pela metade perdida a fim de restabelecer o todo<br />

original. Tal ponto de vista r<strong>em</strong>ete à ideia de que<br />

as pessoas são incompletas e dev<strong>em</strong> procurar seu<br />

parceiro ideal. Mas, é válido considerar que essa junção<br />

não se trata somente de união sexual, mas de algo mais<br />

profundo. Assim, ao desejo e à procura desse todo se<br />

dá o nome de amor.<br />

Para alguns estudiosos, o amor é um querer, uma<br />

necessidade. Desta feita, não se ama aquilo que já se<br />

possui. Com base nesse pressuposto Sócrates (apud<br />

PLATÃO, 1983) apresenta uma definição para o<br />

referido sentimento. Segundo ele, o amor é amor por<br />

algo, algo certamente desejado. Em contrapartida, o<br />

objeto amado pode somente ser desejado quando não<br />

o possui; assim, o que se ama é justamente aquilo que<br />

não se t<strong>em</strong>.<br />

Ainda, seguindo o discurso socrático, o amor não é<br />

belo e n<strong>em</strong> feio, ele se encontra entre esses extr<strong>em</strong>os,<br />

pois sendo o amor filho de “Pobreza e Recurso”, ele é<br />

s<strong>em</strong>pre pobre, está longe de ser belo por ter herdado<br />

características de sua mãe e vive uma vida de precisão e<br />

necessidade. Segundo o pai, ele é insidioso com o que é<br />

belo e bom, é corajoso decidido e energético. Portanto,<br />

o amor está no meio da sabedoria e da ignorância. Ao<br />

mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que ele é engenhoso, firme, corajoso<br />

e provido de todos os recursos para ser feliz, possui<br />

também todas as deficiências herdadas de sua mãe, é<br />

duro, seco, s<strong>em</strong> lar e capaz de fazer sofrer.<br />

Então, ao notar o lado não tão belo do amor, é<br />

importante considerar que ele leva ainda à condição de<br />

doadores e não somente de ganhadores.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 107-120<br />

Dessa forma, Boff traz a ideia de amor como entrega<br />

e renúncia, pois para ele “a autenticidade do amor se<br />

mede na capacidade de sofrer por causa do amor, de<br />

sustentar a relação para além da satisfação imediata,<br />

[...] até fundir as vidas numa única direção [...]”(BOFF<br />

apud SHINYASHIKI; DUMÊT, 2006, p. 18).<br />

Santo Agostinho (apud BRANDELLERO, 2006) propõe<br />

que o amor é uma espécie de desejo, que para ele seria algo<br />

que inquieta o hom<strong>em</strong> a fim de movê-lo àquilo que lhe é<br />

distinto, tendo como objetivo a felicidade. Santo Agostinho<br />

entende ainda que “o amor está na própria natureza<br />

humana” (AGOSTINHO apud MONTAGNA, 2006, p.<br />

39). Dessa forma, o amor é um sentimento intrínseco ao<br />

ser humano, que leva o hom<strong>em</strong> a buscar aquilo que não se<br />

t<strong>em</strong>. É ainda capaz de levar o hom<strong>em</strong> a uma vida virtuosa<br />

que consequent<strong>em</strong>ente proporciona felicidade.<br />

Para Reik, “o amor é uma forma de esboçar um<br />

equlíbrio, já que as pessoas se apaixonam por aquelas<br />

que possu<strong>em</strong> as qualidades que faltam nelas e que<br />

mais admiram” (REIK apud LYNGZEIDETSON, 2007,<br />

p. 2). Assim, pode-se propor que o amor é um estado<br />

motivacional tão fundamental quanto a sede e a fome,<br />

pois é capaz de mover o hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> direção àquilo que<br />

lhe falta. E quando se encontra a metade perdida, é<br />

possível manter um equilíbrio, já que as pessoas buscam<br />

um outro que tenha qualidades que lhes são distintas.<br />

O amor é dotado de sensações e características<br />

próprias que o circunda e que arrebatam o hom<strong>em</strong> e<br />

todo o seu ser. Esse raciocínio leva à ideia apresentada<br />

por Rodrigues, Assmar e Jablonski que aponta “o amor<br />

como sendo algo multidimensional” (RODRIGUES;<br />

ASSMAR; JABLONSKI 1999, p. 347), ou seja, o amor<br />

como um sentimento formado por uma variedade<br />

de características. Assim, o amor romântico se<br />

relaciona a vários outros sentimentos: “respeito,<br />

admiração, lealdade, gratidão, solidariedade, apreensão,<br />

acanhamento, nostalgia, r<strong>em</strong>orso, e até o senso de<br />

justiça” (FISHER, 2008, p. 128). Portanto, o amor é um<br />

sentimento complexo, dotado de um misto de outros<br />

sentimentos, <strong>em</strong>oções e sensações.<br />

Vale ressaltar que o amor romântico é um sentimento<br />

único porém, diferente para cada um que o vivencia. E<br />

ele será definido por cada amante, de acordo com sua<br />

subjetividade, experiências e expectativas. Seguindo<br />

essa ideia, é possível propor que se “se indagar a várias<br />

pessoas o que é amor, seguramente, ter<strong>em</strong>os uma<br />

quantidade tão diversificada de respostas de acordo<br />

com o número de respondentes” (ANGERAMI-<br />

CAMOM, 1998, p. 34). E essa diversidade de respostas<br />

se deve a vários fatores como cultura, experiências<br />

vividas e fatores orgânicos.<br />

Segundo Watson, todo comportamento dos<br />

seres humanos é “o resultado de condicionamento


Um estudo sobre o amor romântico e sua representação para os gêneros f<strong>em</strong>inino e masculino<br />

e aprendizag<strong>em</strong>; isto é, produtos das experiências<br />

passadas e das influências do meio” (WATSON apud<br />

HOCKENBURY, D. H.; HOCKENBURY, S. E., 2003, p.<br />

170). T<strong>em</strong>-se, então, que cada um se comporta e significa<br />

as coisas ao seu redor de acordo com suas experiências<br />

e com as influências exercidas pela sociedade.<br />

Outro fator importante a ser notado é que a maneira<br />

como o amor é abordado e vivenciado pode variar<br />

de acordo com a subjetividade de cada um, com o<br />

momento religioso, político, social, histórico e cultural<br />

vigentes. Isso v<strong>em</strong> de encontro com as ideias propostas<br />

por Sartre, visto que para ele “as coisas são desprovidas<br />

de sentido” (SATRE apud SILVA, 2010). Sendo assim,<br />

as coisas não têm significado e serão entendidas e<br />

significadas a apartir das vivências e experiências de<br />

cada um.<br />

Portanto, diante da multiplicidade de sentidos<br />

atribuídos ao amor, pode-se referir a ele como um<br />

sentimento voltado a out<strong>em</strong>. E de ele ser o mesmo<br />

sentimento para todos, a sua experiência resulta<br />

diferentes percepções de a cordo com qu<strong>em</strong> o vive.<br />

A orig<strong>em</strong> e a evolução do amor romântico<br />

A busca pela compreensão da orig<strong>em</strong> do amor<br />

esbarra <strong>em</strong> muitas descobertas sobre a evolução da<br />

espécie humana. Entretanto, pouco se sabe sobre os<br />

primeiros hominídeos, os quais, acredita-se, que tenham<br />

vivido há cerca de sete milhões de anos atrás. Contudo,<br />

é possível afirmar que esses hominídeos cortejavam,<br />

copulavam e consequent<strong>em</strong>ente procriavam.<br />

Seguindo essa linha de raciocínio, é importante<br />

levar <strong>em</strong> consideração que os homens descend<strong>em</strong> dos<br />

primitivos macacos, que não têm o hábito de viver<strong>em</strong><br />

aos pares. Todavia, na época de acasalamento, eles<br />

ficam cheios de energia e concentram atenção na busca<br />

por um parceiro ideal para perpetuar a espécie. Logo,<br />

partindo desse pressuposto, se homens descend<strong>em</strong><br />

dos macacos, os primeiros hominídeos também não<br />

viviam aos pares e provavelmente uniam-se apenas para<br />

procriação.<br />

É válido ressaltar, então, que mesmo antes da<br />

necessidade de união para a criação dos filhos, os<br />

primatas já realizavam o processo de corte. Apesar de<br />

não possuír<strong>em</strong> a linguag<strong>em</strong>, eles utilizavam de outros<br />

talentos para cortejar e conquistar parceiros para<br />

o acasalamento e procriação, pois o macho deveria<br />

diss<strong>em</strong>inar o seu material genético ao máximo, e as<br />

fêmeas buscariam o melhor provedor para garantir uma<br />

boa descendência.<br />

Assim sendo, são vários os fatores que contribuíram<br />

para que a espécie homo pudesse alcançar lenta<br />

e gradualmente a condição homo sapiens. Dentre<br />

esses fatores, acredita-se que o mais relevante seja<br />

a verticalização de sua postura, sendo a posição<br />

decisiva para a liberação das mãos, possibilitando<br />

assim, movimento de preensão (BRAZ, 2006). Com<br />

a liberação das mãos e do maxilar (das funções de<br />

preensão), a caixa craniana ficou isenta de atividades a<br />

quais era constant<strong>em</strong>ente submetida. Tal fator facilitou<br />

a expansão das dimensões cerebrais, ocasionando<br />

um processo de desenvolvimento da complexidade<br />

cerebral. A libertação das mãos e o aumento e<br />

desenvolvimento do cérebro permitiu aos primatas a<br />

utilização de sinais e mímicas faciais, os quais pod<strong>em</strong> ter<br />

contribuído para a aquisição da linguag<strong>em</strong> e facilitado a<br />

fluência do amor (BRAZ, 2006).<br />

Segundo Morin (1979 apud BRAZ, 2006), a evolução<br />

do hom<strong>em</strong> como criatura psicológica ocorreu após a<br />

mudança para a condição de bipedalismo. Essa alteração<br />

talvez tenha sido essencial para a transformação das<br />

relações entre machos e fêmeas. Assim, com a condição<br />

bípede, as fêmeas ficaram sobrecarregadas, pois devido<br />

ao fato de não carregar<strong>em</strong> a prole nas costas e sim nos<br />

braços, seus m<strong>em</strong>bros superiores ficaram ocupados<br />

e as impedia de cavar, colher e des<strong>em</strong>penhar outras<br />

atividades enquanto levavam o filho no colo. Talvez<br />

tenha sido a partir daí que as mulheres começaram a<br />

buscar aquilo que pudesse ajudá-la e protegê-la, não<br />

somente gerar descendentes. Então, pode-se dizer<br />

que a formação de pares “tornou-se essencial para<br />

as mulheres e tornou-se adequada para os homens”<br />

(FISHER, 2008, p. 169).<br />

Nesse diapasão, pode-se dizer que é realmente<br />

provável que a busca pelo outro tenha se tornado mais<br />

intensa à medida que homens e mulheres primitivos<br />

começaram a se unir para criar sua prole e não somente<br />

para copulação. Concomitante a essa ligação, é possível<br />

acreditar que gradualmente os sentimentos de ligação<br />

também tenham começado a surgir.<br />

Outro aspecto a ser considerado é o fato de que com<br />

a verticalização da postura, tornou-se possível o contato<br />

face a face durante a cópula. Com a possibilidade de<br />

coito frontal, comportamentos de aconchego e carícias,<br />

além do contato entre os lábios foram possíveis na<br />

relação macho-fêmea, possibilitando a troca de carícias<br />

e <strong>em</strong>oções durante o ato sexual (BRAZ, 2006). Dessa<br />

forma, elevou-se o grau de intimidade, foi possível<br />

a valorização do rosto e da aparência e o aumento<br />

do sentimento de atração. Sendo assim, o ato sexual<br />

“passou a ser mais pessoal, com intimidade e entrega<br />

profunda, onde os parceiros tornavam-se unos e<br />

cúmplices neste momento” (BRAZ, 2006).<br />

É possível notar que a cópula entre os humanos<br />

t<strong>em</strong> todos os fatores que pod<strong>em</strong> “facilitar o início de<br />

um estado de dependência entre os dois parceiros,<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 107-120<br />

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Lara Franco Costa<br />

enquanto liberam seus opiácios naturais” (ODENT,<br />

2000 apud BRAZ, 2006). Dessa maneira, unindo-se aos<br />

pares, é provável que os hominídeos tenham se sentido<br />

mais gratificados. Assim, estariam menos propensos a<br />

procurar por outros parceiros.<br />

Então, sexualidade, erotismo, ternura e necessidade<br />

de alguém para ajudar a proteger a prole combinaramse<br />

e formaram a base psicoafetiva do casal. Assim, tais<br />

fatores pod<strong>em</strong> ter dado orig<strong>em</strong> ao amor romântico<br />

(BRAZ, 2006).<br />

É possível, então, destacar o amor como el<strong>em</strong>ento<br />

que contribuiu para a evolução humana, pois ele traz<br />

dentre os seus fins a preservação e a perpetuação da<br />

espécie. Assim, o amor é sumamente importante para<br />

o desenvolvimento do hom<strong>em</strong>. Talvez seja por isso<br />

que esse sentimento cada vez mais t<strong>em</strong> se tornado<br />

uma condição indispensável para uma vida satisfatória<br />

e realizada.<br />

Ainda é possível dizer que s<strong>em</strong> amor os seres<br />

humanos não estabeleceriam vínculos, s<strong>em</strong> os quais<br />

não existiriam sist<strong>em</strong>as sociais e consequent<strong>em</strong>ente<br />

não haveria socialização entre os seres humanos.<br />

Por outro lado, é válido considerar que para<br />

alguns estudiosos, a função da experiência amorosa<br />

vai além da mera perpetuação da espécie. Segundo<br />

Lyngzeidetson (2007), mesmo que a tecnologia garanta<br />

a perpetuação da espécie, e as transformações culturais<br />

inutiliz<strong>em</strong> o casamento, homens e mulheres buscarão<br />

relacionamentos amorosos. Assim, considera-se que<br />

com a evolução da espécie, o estabelecimento de<br />

vínculos afetivos arraigou-se à natureza humana, se<br />

tornou essencial e fonte de realização para a espécie<br />

humana. O amor passou a ser inerente à essência do<br />

hom<strong>em</strong>.<br />

Outro aspecto relevante que deve ser pontuado é<br />

o fato de que ao longo da história da evolução, o amor<br />

é entendido sob diversos aspectos, sendo influenciado<br />

por forças políticas, econômicas e culturais. Assim,<br />

com o advento do Cristianismo, o amor passou a<br />

ser entendido como o amor altruísta, bondoso e que<br />

aceita o outro tal como ele é (CHAVES, 2006).<br />

Na Idade Média, era comum a repreensão dos<br />

sentimentos. A relação entre homens e mulheres<br />

acontecia apenas com o ato do casamento e sua<br />

função era apenas reprodutora e estabilizadora da<br />

sociedade. Ainda naquele período, os casamentos eram<br />

arranjados pelos pais, de modo a atender os interesses<br />

econômicos, religiosos e sociais. Portanto, acreditavase<br />

que o amor era consequência do casamento e não<br />

a causa do mesmo.<br />

Chaves aponta que no Brasil, no final do século<br />

XIX, “a pluralidade do campo amoroso existente era<br />

vigiada e cercada <strong>em</strong> função dos interesses político-<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 107-120<br />

econômicos e culturais determinados pelos grupos<br />

sociais” (CHAVES, 2006, p. 829).<br />

Porém, há qu<strong>em</strong> considere a existência de várias<br />

formas de amor nesse mesmo período, visto que havia<br />

o modelo predominante e aceitável pela sociedade, o<br />

amor burguês; os amores eróticos e românticos, os<br />

quais fugiam das normas de condutas impostas pela<br />

sociedade e o amor sexual das classes operárias e<br />

camponesas (CHAVES, 2006).<br />

É importante notar que o amor só se tornou<br />

romântico com “o movimento romântico europeu<br />

que se desenvolveu a partir do sentimentalismo do<br />

século XVIII” (CAMPBELL, 2001 apud CHAVES,<br />

2006), por ser uma época de intensa valorização da<br />

sensibilidade e sentimentos mais virtuosos, opondose<br />

ao racionalismo até então estimado. Desde então,<br />

foi aberta a passag<strong>em</strong> para que o amor pudesse ser<br />

vivido de maneira a cultuar os desejos e afetos. E com<br />

o romantismo, foi consagrada a interdependência<br />

entre sexualidade e amor. A vivência do amor tornouse,<br />

portanto, fonte de satisfação sexual e <strong>em</strong>ocional<br />

(CHAVES, 2006).<br />

De acordo com Chaves, no início do século XX,<br />

houve uma “tentativa de domesticar as paixões e os<br />

desejos vistos como pecaminosos” (CHAVES, 2006,<br />

p. 841). Por outro lado, é válido considerar que ainda<br />

naquela época “a ênfase maior era posta na associação<br />

entre sexualidade, amor e casamento” (CHAVES,<br />

2006, p. 842). Assim, é possível perceber que mesmo<br />

domados, as paixões, a concepção e os padrões sociais<br />

haviam mudado.<br />

Com o decorrer dos anos, o amor se tornou<br />

romântico e passou a ser associado ao poder e à busca<br />

pela felicidade.<br />

À medida que o comércio, a indústria, a<br />

comunicação e a educação penetraram <strong>em</strong> todo<br />

planeta, [...] homens e mulheres abandonaram o<br />

costume dos casamentos arranjados para escolher<br />

parceiros que amam (FISHER, 2008, p. 206).<br />

É bom notar também que na medida <strong>em</strong> que as<br />

mulheres conquistaram poder e acessão econômica,<br />

elas tornaram-se independentes e puderam escolher<br />

os seus próprios casamentos, ou seja, foi possível o<br />

casamento colocando o amor como peça fundamental<br />

da relação (CHAVES, 2006).<br />

Assim, com a consagração da revolução sexual,<br />

teve início a sensação de vazio, a falta de carinho,<br />

afeto e <strong>em</strong>oção, pois essa revolução rompeu o tabu<br />

da repressão sexual, tornando a sexualidade algo<br />

banal com um único fim: a obtenção de prazer e<br />

alívio das tensões. E hoje, de maneira consciente,<br />

“o sexo para os humanos, refere-se muito mais ao


Um estudo sobre o amor romântico e sua representação para os gêneros f<strong>em</strong>inino e masculino<br />

desenvolvimento de uma ligação do que à procriação”<br />

(TREES, 2009, p. 50). Portanto, com o advento da<br />

revolução sexual, foram colocados <strong>em</strong> segundo plano:<br />

o amor, o sentimento e o carinho, visto que o sexo<br />

estava liberado entre todos. Porém, é válido salientar<br />

que não se pode generalizar a banalização do amor;<br />

a revolução sexual rompeu tabus até então definidos.<br />

Hoje o amor é muitas vezes deixado de lado para viver<br />

uma vida composta por experiências satisfatórias com<br />

a obtenção do prazer sexual. Contudo, mesmo diante<br />

de tamanha transformação, o amor é valorizado por<br />

muitos, “o hom<strong>em</strong> e a mulher buscam o ideal do amor<br />

romântico” (BRAGA, 2010, p. 25) e a sexualidade<br />

tornou-se uma experiência que compõe o amor.<br />

Destarte, a concepção e a vivência do amor<br />

sofreram mudanças com o passar dos anos. Isso<br />

porque “a cultura de cada época delimita as<br />

possibilidades e impossibilidades, incentiva certas<br />

condutas e interdita outras para o convívio humano”<br />

(HADDAD, 2010, p. 32). Tais mudanças tornaram o<br />

relacionamento amoroso baseado <strong>em</strong> uma escolha<br />

relacionada à afetividade e não unicamente a interesses<br />

de sobrevivência. Assim, conclui-se que hoje o amor<br />

t<strong>em</strong> suas bases <strong>em</strong> uma relação que traga realização e<br />

b<strong>em</strong>-estar a ambos.<br />

A química do amor romântico<br />

Segundo Marinho (2009), <strong>em</strong> matéria publicada no<br />

jornal O Globo, apaixonar-se é tão inconsciente que<br />

pode até mesmo ser comparado às necessidades<br />

básicas do ser humano, tais como sentir fome ou sede.<br />

Assim, o ato de se apaixonar ativa processos vitais<br />

arraigados que acionam áreas profundas do cérebro<br />

responsáveis pela recompensa.<br />

Ribeiro propõe que “o fenômeno do ‘amor’ resulta<br />

de reações químicas que ocorr<strong>em</strong> no cérebro e<br />

provocam efeitos físicos e mentais” (RIBEIRO, 2005,<br />

p. 58). Consequent<strong>em</strong>ente, o amor é um fenômeno<br />

neurobiológico complexo e t<strong>em</strong> suas bases <strong>em</strong><br />

atividades cerebrais de confiança, crença, prazer e<br />

recompensa. Essas atividades envolv<strong>em</strong> um número<br />

elevado de mensageiros químicos.<br />

De acordo Young (2009), diversas pesquisas<br />

vêm sendo realizadas na tentativa de identificar<br />

os componentes neurais e genéticos do amor. Os<br />

resultados apontam uma ligação entre dopamina,<br />

norepinefrina ou noradrenalina e uma possível relação<br />

com a serotonina.<br />

Legato (2006) aponta que ao examinar o cérebro<br />

apaixonado, áreas com vários receptores de dopamina<br />

estavam ativadas, sendo esse um neurotransmissor<br />

responsável por evocar sensação de b<strong>em</strong>-estar e<br />

prazer. Os altos níveis de dopamina no cérebro causam<br />

uma atenção extr<strong>em</strong>amente concentrada, b<strong>em</strong> como<br />

motivação e comportamentos orientados a um foco.<br />

Não se deve esquecer ainda que a dopamina é muito<br />

importante no mecanismo de desejo e recompensa.<br />

Algumas pesquisas realizadas apontam que o êxtase e<br />

a preferência por um determinado parceiro também<br />

se relacionam a uma elevação no nível dessa mesma<br />

substância. Outro aspecto importante é que à medida<br />

que tal substância aumenta no cérebro, os níveis de<br />

testosterona (o hormônio sexual) são estimulados<br />

(FISHER, 2008).<br />

A norepinefrina <strong>em</strong> altos níveis também causa<br />

excitação, alegria, energia excessiva, insônia e perda<br />

de apetite. Essa mesma substância também aumenta a<br />

capacidade da m<strong>em</strong>ória, o que talvez explique porque<br />

os enamorados se l<strong>em</strong>bram de pequenos detalhes<br />

sobre o amado (FISHER, 2008).<br />

Quanto à serotonina, ainda não é possível afirmar<br />

com precisão que ela esteja relacionada ao amor.<br />

Entretanto, pesquisas recentes estabelec<strong>em</strong> uma<br />

possível relação entre baixos níveis de serotonina e<br />

o amor, pois à medida que os níveis de dopamina e<br />

norepinefrina aumentam, cai o nível da serotonina.<br />

Portanto, os baixos níveis de serotonina parec<strong>em</strong> estar<br />

associados à fixação no ser amado (FISHER, 2006).<br />

Segundo pesquisas realizadas, determinadas partes<br />

do cérebro, inclusive a ponta do núcleo caudado,<br />

ativaram-se quando os enamorados olharam para a<br />

foto do amado. Para Fisher “esta região do cérebro<br />

dirige o movimento corporal” (FISHER, 2008, p. 96).<br />

A mesma autora afirma que “recent<strong>em</strong>ente foi possível<br />

perceber que esse enorme motor é parte do ‘sist<strong>em</strong>a<br />

de recompensa’ do cérebro” (FISHER, 2008).<br />

Vale ressaltar que o entusiasmo inicial da paixão<br />

e as substâncias químicas associadas a ela não são<br />

permanentes. Estudos realizados apontam que os<br />

níveis de testosterona tanto <strong>em</strong> homens quanto <strong>em</strong><br />

mulheres tend<strong>em</strong> a diminuir cerca de dois anos após<br />

o início da paixão. Contudo, durante a transição<br />

da paixão para o amor, há um aumento de outras<br />

substâncias (endorfina e ocitocina) que acabam<br />

por fortalecer o vínculo do casal, provocando boas<br />

sensações (LEGATO, 2006).<br />

Seguindo esse pressuposto, Marinho (2009) relata<br />

que a ocitocina e a vasopresina são importantes<br />

substâncias relacionadas ao apego e à fidelidade. É<br />

importante considerar ainda que para muitos autores,<br />

a ocitocina é considerada o “hormônio do amor”,<br />

enquanto que a vasopresina, liberada durante o ato<br />

sexual, proporciona a sensação de b<strong>em</strong>-estar, fator<br />

que muito pode contribuir para a longevidade de um<br />

relacionamento.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 107-120<br />

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Lara Franco Costa<br />

Dessa maneira, durante a paixão, as substâncias<br />

envolvidas provocam dependência, êxtase, excitação,<br />

enfim, sensações de maior efusividade que proporcionam<br />

o estabelecimento e o fortalecimento das bases de<br />

vínculo <strong>em</strong>ocional entre os casais. Com o passar do<br />

t<strong>em</strong>po, à medida que a paixão diminui e o amor se<br />

estabelece, entram <strong>em</strong> cena substâncias que se tornam<br />

mais ativas e que são capazes de fortalecer o vínculo<br />

entre os enamorados, proporcionando paz e b<strong>em</strong>-estar.<br />

Amor e paixão<br />

Segundo Matarazzo, não se deve confundir amor<br />

e paixão, pois “apaixonar-se [...] não é suficiente para<br />

construir um relacionamento a dois” (MATARAZZO,<br />

1992, p. 57). De acordo com as ideias da mesma<br />

autora, uma paixão pode durar até dois anos. Assim, os<br />

relacionamentos que continuam pod<strong>em</strong> se transformar<br />

<strong>em</strong> um vínculo maior, o amor maduro.<br />

No início, é comum que os enamorados pass<strong>em</strong><br />

s<strong>em</strong>anas e até meses se cortejando a fim de encantar<br />

e impressionar o amado, mas com o passar do t<strong>em</strong>po<br />

o contentamento romântico amadurece, tornando a<br />

união profunda e estabelecendo uma ligação de longo<br />

prazo. As sensações de extr<strong>em</strong>a vitalidade, êxtase<br />

e pensamento frequente diminu<strong>em</strong> e sed<strong>em</strong> lugar<br />

a sentimentos mais tranquilos que proporcionam<br />

segurança. Portanto, “a natureza nos deu a paixão.<br />

Depois ela nos deu a paz” (FISHER, 2008, p. 254), ou<br />

seja, inicialmente t<strong>em</strong>os o êxtase da paixão, <strong>em</strong> seguida<br />

v<strong>em</strong> a tranquilidade proporcionada pelo amor. Assim,<br />

a neurociência postula que a paixão é uma espécie de<br />

“antesala do amor” (MARINHO, 2009).<br />

O amor é um complexo sist<strong>em</strong>a que envolve<br />

cognições, <strong>em</strong>oções e comportamentos que na<br />

maioria das vezes relaciona-se à felicidade humana, e<br />

o que o difere da paixão é a sua maior permanência e<br />

menor efusividade. Enquanto na paixão é comum que<br />

haja a desativação de áreas ligadas ao juízo crítico e à<br />

identificação de ameaça no ambiente, fazendo com que<br />

a pessoa apaixonada enxergue menos defeitos na outra.<br />

Seguindo essa linha de raciocínio, Costa (2005)<br />

propõe que a paixão é um estado latente que polariza<br />

o indivíduo <strong>em</strong> direção a um determinado objeto.<br />

Stendhal propõe que “o amor-paixão opõe-se à razão”,<br />

contudo, “ele se encontra, <strong>em</strong> parte, na orig<strong>em</strong> do amor<br />

romântico” (STENDHAL, 1999 apud CHAVES, 2006,<br />

p. 836). Segundo o autor, o amor-paixão t<strong>em</strong> como<br />

características a intensa erotização e a curta duração. Ele<br />

é invasivo e oferece perigo a ord<strong>em</strong> social. Assim, t<strong>em</strong>se<br />

que a paixão é irracional e relaciona-se fort<strong>em</strong>ente à<br />

erotização. Porém, ela é capaz de incitar o amor.<br />

Vale ressaltar que amor e paixão acabam por<br />

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estipular uma relação de interdependência. Todavia,<br />

exist<strong>em</strong> diferenças fundamentais entre eles: paixão é<br />

euforia, enquanto amor é calmaria. Paixão t<strong>em</strong> t<strong>em</strong>po<br />

det<strong>em</strong>inado, amor é duradouro. Paixão é subta, e o<br />

amor é lento e gradual.<br />

Fatores construtores dos<br />

estereótipos sexuais<br />

Vygotsky (apud REGO, 2007) propõe que são vários<br />

os fatores que influ<strong>em</strong> na atividade do hom<strong>em</strong>, tais<br />

como definições hereditárias, experiências individuais e<br />

a assimilação da experiência da humanidade transmitida<br />

no processo de aprendizag<strong>em</strong>.<br />

Para Ribeiro, homens e mulheres são realmente<br />

diferentes, “viv<strong>em</strong> <strong>em</strong> mundos distintos, com valores<br />

diversos e sob regras muito diferentes” (RIBEIRO,<br />

2005, p. 3). Quanto à forma de amar, Fisher postula<br />

que “boa parte da literatura psicológica afirma que os<br />

dois sexos sent<strong>em</strong> o amor romântico apaixonado mais<br />

ou menos com a mesma intensidade” (FISHER, 2008,<br />

p. 147). Porém, “homens e mulheres com freqüência<br />

defin<strong>em</strong> e expressam esta proximidade de forma<br />

diferente” (FISHER, 2008, p. 247).<br />

Legato propõe que “a sociedade e a cultura nas quais<br />

educamos meninos e meninas exerc<strong>em</strong> uma grande<br />

influência sobre sua formação” (LEGATO, 2006, p.<br />

12). Assim, a maneira como homens e mulheres se<br />

comportam se deve ao fato de uma intensa aprendizag<strong>em</strong><br />

que os ensina a agir de acordo com as determinações<br />

imposta a cada gênero.<br />

Pease (2000) acredita que as pessoas são como<br />

são devido às atitudes daqueles que faz<strong>em</strong> e fizeram<br />

parte do convívio social de cada um. Então, a sociedade<br />

enfatiza que meninas se vest<strong>em</strong> de rosa, são acariciadas<br />

e ensinadas a cuidar do outros, ganham bonecas e<br />

utensílios de casinha, enquanto os meninos se vest<strong>em</strong><br />

de azul, ganham bolas e carrinhos, levam tapas nas<br />

costas e são ensinados que não dev<strong>em</strong> chorar.<br />

É de grande valia ressaltar que exist<strong>em</strong> forças sociais<br />

que também contribu<strong>em</strong> para moldar a identidade<br />

sexual das pessoas, tais como a religião, a divisão do<br />

trabalho, os meios de comunicação, a música, a dança,<br />

os jogos etc. (MATARAZZO, 1992). Portanto, de<br />

acordo com o gênero, há formas pré-estabelecidas de<br />

des<strong>em</strong>penhar todas as suas atividades.<br />

Para Shinyashiki e Dumêt,<br />

nós aprend<strong>em</strong>os a d<strong>em</strong>onstrar nossa afetividade,<br />

originalmente, expressando nossas sensações<br />

<strong>em</strong> relação aos nossos pais. Tiv<strong>em</strong>os como<br />

modelo, a maneira como eles manifestavam<br />

seu carinho e amor por nós” (SHINYASHIKI;<br />

DUMÊT, 2006, p. 37).


Um estudo sobre o amor romântico e sua representação para os gêneros f<strong>em</strong>inino e masculino<br />

Sendo assim, um tipo de aprendizag<strong>em</strong> muito comum<br />

nas relações é a aprendizag<strong>em</strong> observacional, na qual se<br />

aprende através da observação dos comportamentos<br />

de outras pessoas. E de acordo com Hockenbury<br />

e Hockenbury “os seres humanos desenvolv<strong>em</strong> a<br />

capacidade de aprender pela observação muito cedo”<br />

(HOCKENBURY, D. H.; HOCKENBURY, S. E., 2003,<br />

p. 193). Assim, é possível constatar que as relações<br />

estabelecidas na família tend<strong>em</strong> a ser repetidas pelos<br />

filhos na infância ou na vida adulta. Ou seja, a maneira<br />

pela qual os pais se relacionam entre si e com os filhos<br />

exerc<strong>em</strong> grande influência no comportamento dos<br />

filhos, que muito aprend<strong>em</strong> pela imitação.<br />

É importante considerar que desde o nascimento, os<br />

homens são educados para viver <strong>em</strong> sociedade, porém,<br />

de forma diferente caso seja menino ou menina.<br />

Portanto, as experiências e os modelos aos quais os<br />

indivíduos são submetidos exerc<strong>em</strong> grande influencia<br />

sobre o papel que irão adotar, visto que as vivencias<br />

modificam a estrutura e as funções cerebrais para<br />

criar<strong>em</strong> m<strong>em</strong>órias dessas experiências.<br />

Ribeiro (2005) propõe que no início, como os homens<br />

eram obrigados a caçar para alimentar a família, eles<br />

tornaram-se menos sensíveis a fim de tolerar as lutas<br />

com animais valentes. Assim, seu convívio com a família<br />

era menor, impedindo-o de compreender sinais nãoverbais<br />

de comunicação. Em contrapartida, as mulheres<br />

aprenderam a notar pormenores nos comportamentos<br />

alheios, pois como cuidadora da prole, precisavam<br />

perceber mudanças sutis nos comportamentos. Isso<br />

fez com que elas reconhecess<strong>em</strong> os sentimentos com<br />

mais facilidade.<br />

De acordo com Costa (2005), à medida que o hom<strong>em</strong><br />

começou a produzir seus próprios alimentos, iniciou-se<br />

a definição de papéis para homens e mulheres. Como<br />

consequência disso, a função reprodutora da mulher<br />

favoreceu a subordinação ao hom<strong>em</strong>, pois a mesma<br />

passa a ser considerada como frágil e incapaz de assumir<br />

a liderança da família. Em contrapartida, o hom<strong>em</strong> passa<br />

a ser associado à ideia de autoridade devido à sua força<br />

física, assumindo o poder dentro da sociedade.<br />

Outro aspecto a ser considerado é que há muitos<br />

anos a mulher é vista como sensível e destinada ao<br />

amor. É como se ela fosse valorizada pela sua ternura<br />

e dedicação a esse sentimento. Inicialmente a mulher<br />

era tida como submissa e dependente do hom<strong>em</strong>.<br />

Com o decorrer dos anos, ela começa a ser valorizada<br />

unicamente como mãe e esposa. Com as diversas<br />

transformações ocorridas no século XX, inicia-se<br />

a inserção das mulheres no mercado de trabalho,<br />

tornando-as independentes. Até mesmo os métodos<br />

contraceptivos contribuíram com tais mudanças,<br />

visto que a sexualidade f<strong>em</strong>inina pôde desligar-se da<br />

reprodução e ser vivida de maneira prazerosa.<br />

Sendo assim, Rego postula que “a cultura é, portanto,<br />

parte constitutiva da natureza humana” (REGO, 2007,<br />

p. 42). Portanto, a construção social determina papéis<br />

e comportamentos específicos para cada gênero.<br />

Esses parâmetros estabelecidos influ<strong>em</strong> de maneira<br />

significativa no modo como cada gênero deve agir,<br />

modificando a sua maneira de ser, de perceber e<br />

consequent<strong>em</strong>ente de comportar-se no mundo.<br />

É possível propor também que as diferenças sexuais<br />

são ainda baseadas nas diferenças biológicas. Assim,<br />

o organismo do hom<strong>em</strong> é diferente do organismo<br />

da mulher. Segundo Tress, a principal diferença entre<br />

os gêneros se deve ao fato de que “os cérebros não<br />

cresceram exatamente da mesma maneira, o que seria<br />

de esperar, tendo <strong>em</strong> vista que os sexos enfrentam<br />

desafios evolutivos diferentes” (TRESS, 2009, p. 81).<br />

Pode-se dizer que as diferenças biológicas entre<br />

homens e mulheres talvez tenham se iniciado desde<br />

o princípio da espécie, visto que s<strong>em</strong>pre tiveram<br />

obrigações diferentes. Assim, enquanto os homens<br />

iam à caça e protegiam a família, as mulheres, por sua<br />

vez, ficavam e cuidavam das crianças. Como resultado,<br />

“seus corpos e cérebros se transformaram para se<br />

adaptar melhor às suas funções específicas” (RIBEIRO,<br />

2005, p. 6).<br />

Ainda segundo Ribeiro, “o cérebro da mulher é<br />

um pouco menor que o do hom<strong>em</strong>”, porém tal fato<br />

não influi <strong>em</strong> seus comportamentos, o que realmente<br />

interfere é a maneira de funcionamento do cérebro de<br />

cada um (RIBEIRO, 2005, p. 27).<br />

Na visão de Trees (2009), homens têm maior<br />

capacidade para a mat<strong>em</strong>ática, enquanto as mulheres<br />

revelam mais facilidade com a linguag<strong>em</strong>. Contudo, isso<br />

não deve ser entendido como uma regra.<br />

As mulheres possu<strong>em</strong> cerca de 11% a mais de<br />

neurônios do que os homens na parte relacionada à<br />

linguag<strong>em</strong> e audição e ainda apresentam um aumento<br />

no hipocampo, região de grande importância que<br />

compõe o sist<strong>em</strong>a límbico. Em contrapartida, os<br />

homens geralmente têm áreas com maiores volumes<br />

voltadas à ação. Outro aspecto relevante é que “o<br />

cérebro masculino dedica um espaço 2,5 vezes maior<br />

que os das mulheres ao sexo” (TRESS, 2009, p. 82).<br />

Seguindo essa ideia, o programa Globo Repórter<br />

trouxe na reportag<strong>em</strong> sobre a química do amor (2010)<br />

que homens e mulheres processam as <strong>em</strong>oções de<br />

maneira diferente um do outro. Vale l<strong>em</strong>brar que a<br />

sede <strong>em</strong>oção, no hom<strong>em</strong>, se posiciona no h<strong>em</strong>isfério<br />

direito do cérebro, enquanto na mulher, a mesma está<br />

presente nos dois h<strong>em</strong>isférios cerebrais e pode estar<br />

<strong>em</strong> ação ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que outras funções<br />

cerebrais (RIBEIRO, 2005), justificando assim a maior<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 107-120<br />

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Lara Franco Costa<br />

<strong>em</strong>otividade f<strong>em</strong>inina.<br />

O hipotálamo é o principal centro da expressão<br />

<strong>em</strong>ocional e do comportamento sexual. Além disso,<br />

é responsável pelo controle da pressão sanguínea, das<br />

batidas do coração, da sede, da fome, entre outros. Nas<br />

mulheres, essa região é menor do que nos homens e por<br />

isso o “seu organismo produz b<strong>em</strong> menos testosterona”.<br />

Portanto, “o impulso sexual costuma ser menor, assim<br />

como as atitudes agressivas” (RIBEIRO, 2005, p. 65).<br />

Um fato interessante a se pensar é até que ponto<br />

as diferenças cerebrais são naturais e s<strong>em</strong>pre fizeram<br />

parte dos protótipos de homens e mulheres. E até onde<br />

a cultura e a sociedade estimulam essas diferenças,<br />

sendo capazes até mesmo de modificar<strong>em</strong> as estruturas<br />

cerebrais. Entretanto, no mais, o que se pode afirmar<br />

é que a natureza determina algumas diferenças e a<br />

sociedade reforça e estimula os comportamentos<br />

estereotipados para os gêneros.<br />

Material e método<br />

A pesquisa foi dividida <strong>em</strong> três momentos: a fase<br />

exploratória, na qual se buscou o referencial teórico;<br />

o trabalho de campo, fase <strong>em</strong> que foi preparada e<br />

consolidada a entrevista; e o terceiro momento foi a<br />

analise da pesquisa.<br />

Assim, após a elaboração da entrevista e com base<br />

no referencial teórico já estabelecido, os sujeitos foram<br />

escolhidos, respeitando os procedimentos éticos quanto<br />

aos esclarecimentos sobre a pesquisa, sendo então<br />

solicitado a todos os entrevistados que assinass<strong>em</strong> o<br />

termo de consentimento livre e esclarecido.<br />

A amostra da pesquisa foi composta por 16 sujeitos,<br />

sendo oito do sexo f<strong>em</strong>inino e oito do sexo masculino,<br />

numa faixa etária entre 20 e 55 anos de idade, na cidade<br />

de Ituiutaba, Minas Gerais. Os sujeitos foram escolhidos<br />

aleatoriamente, sendo a faixa etária estabelecida o<br />

único critério.<br />

Para a realização das entrevistas não havia lugar<br />

determinado, elas podiam ser feitas no ambiente<br />

escolhido pelo próprio entrevistado. As entrevistas<br />

foram realizadas individualmente e transcritas na íntegra.<br />

A pesquisa foi feita de forma exploratória, na qual<br />

se estimulava os entrevistados a pensar<strong>em</strong> livr<strong>em</strong>ente<br />

sobre o t<strong>em</strong>a. O instrumento utilizado foi a entrevista<br />

estruturada, ou seja, as perguntas feitas aos participantes<br />

eram as mesmas, estavam claramente definidas e<br />

seguiam uma ord<strong>em</strong> pré-estabelecida.<br />

O material obtido a partir das entrevistas foi avaliado<br />

com base na análise de quantidades e conteúdos, e os<br />

t<strong>em</strong>as abordados foram decompostos <strong>em</strong> categorias e<br />

examinados posteriormente. Em seguida, pretendeuse<br />

interpretar o fenômeno observado a fim de<br />

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compreender os significados atribuídos ao t<strong>em</strong>a pelos<br />

participantes da pesquisa.<br />

Buscou-se saber com cada sujeito entrevistado: 1)<br />

Para você, o que é amor? 2) Quais são as sensações<br />

experimentadas quando se ama? 3) Você acha que<br />

homens e mulheres perceb<strong>em</strong> e sent<strong>em</strong> o amor de<br />

forma igual ou diferente? Por quê? 4) Você acredita<br />

que existam diferenças entre amor é paixão? Em caso<br />

afirmativo, quais são elas?<br />

Resultados e discussão<br />

Conforme a proposta deste estudo, a análise de<br />

dados será orientada pelas perguntas de pesquisa. Em<br />

se tratando da pergunta 1 - “Para você, o que é amor?”<br />

- as respostas apresentadas foram as mais variadas<br />

e trouxeram à tona a ideia já proposta a cerca da<br />

diversidade de respostas que pod<strong>em</strong> ser encontradas<br />

ao questionar as pessoas sobre a definição do amor, já<br />

que cada indivíduo o percebe de uma maneira, sendo<br />

influenciado por fatores biológicos e culturais.<br />

Foi possível notar que as mulheres consegu<strong>em</strong> definir<br />

melhor a sua percepção acerca do amor. Elas são mais<br />

criativas e prolongam mais as suas respostas. Apesar<br />

de não mencionar<strong>em</strong>, grande parte das mulheres<br />

perceb<strong>em</strong> o amor como um sentimento formado por<br />

vários outros sentimentos ou o define com apenas um<br />

ou dois sentimentos.<br />

Assim, 18,75% das mulheres acreditam que o amor<br />

é “companheirismo”. Outras 12,5% o defin<strong>em</strong> como<br />

“cumplicidade”, e a mesma porcentag<strong>em</strong> (12,5%) se<br />

repete para “respeito, renúncia, doação e aceitação”.<br />

Observando esses resultados, é possível associá-los a<br />

de doação propiciada pelo amor, ou seja, o amor como<br />

entrega e renúncia.<br />

As mulheres que entend<strong>em</strong> que o amor é composto<br />

por vários outros sentimentos se dividiram <strong>em</strong> igual<br />

porcentag<strong>em</strong> (6,25%) nos seguintes grupos: “carinho,<br />

atração, afeto, tolerância, comprometimento”.<br />

Outras entend<strong>em</strong> que o amor é: “querer/desejar b<strong>em</strong><br />

ao outro” (6,25%); “algo que vai além da explicação”<br />

(6,25%); “quase irreal no mundo de hoje” (6,25%)<br />

e “sentimento que proporciona <strong>em</strong>oção quando<br />

recíproco” (6,25%).<br />

Ainda com 6,25% para cada uma das definições abaixo,<br />

o amor é visto como um sentimento “sublime, profundo,<br />

duradouro, incondicional e construído a cada dia”.<br />

Os homens d<strong>em</strong>onstram mais objetividade <strong>em</strong><br />

suas respostas. Eles foram racionais, e suas definições<br />

parec<strong>em</strong> estar mais relacionadas ao contato ou<br />

proximidade física. Talvez isso possa ser atribuído<br />

ao fato de que os homens têm áreas cerebrais com<br />

maiores volumes voltadas para a ação.


Um estudo sobre o amor romântico e sua representação para os gêneros f<strong>em</strong>inino e masculino<br />

A resposta com maior incidência foi o amor como<br />

“zelo/cuidado”, representada por 12,5% dos indivíduos.<br />

Diferent<strong>em</strong>ente das f<strong>em</strong>ininas, as respostas<br />

masculinas não indicaram o amor como sendo formado<br />

por outros sentimentos, pois para eles o amor é: “uma<br />

mentira” (6,25%); “doar o melhor de si para o outro”<br />

(6,25%) - resposta que enfatiza o caráter de doação do<br />

amor; “algo que proporciona b<strong>em</strong>-estar e felicidade”<br />

(6,25%); “desejo” (6,25%); “querer ficar perto”<br />

(6,25%) e “atração por outra pessoa” (6,25%).<br />

Quando os homens mencionaram “atração por<br />

outra pessoa, desejo e querer ficar perto”, tornou-se<br />

possível relacionar tais características à necessidade de<br />

encontrar a sua metade e restabelecer o todo original<br />

através do contato físico.<br />

Durante a entrevista, um dos sujeitos entrevistados<br />

(6,25%) mencionou o amor como “uma forma cultural<br />

que inventaram antigamente de ganhar dinheiro e<br />

sobreviver”, ou seja, o amor como forma cultural de<br />

subsistência. Tal percepção não deixa de ser real, pois<br />

durante a Idade Média, o amor des<strong>em</strong>penhava uma<br />

função estabilizadora da sociedade, tendo <strong>em</strong> vista<br />

forças econômicas, políticas e religiosas. O mesmo<br />

entrevistado conclui dizendo que o amor “é hoje uma<br />

forma que as pessoas têm de viver juntas” (6,25%),<br />

trazendo <strong>em</strong> sua resposta uma definição já proposta<br />

que vê o amor como o estabelecimento de união<br />

<strong>em</strong>ocional com outr<strong>em</strong>.<br />

Para os homens, o amor foi definido também<br />

como o “sentimento mais puro na relação humana”<br />

(6,25%), “sentimento para si e para o outro” (6,25%),<br />

“sentimento destinado a uma pessoa que goste muito”<br />

(6,25%), “sentimento forte” (6,25%), “sentimento<br />

entre as pessoas” (6,25%) e ainda, um “sentimento que<br />

não se sabe mensurar a sua abrangência” (6,25%).<br />

Um dos entrevistados (6,25%) mencionou “que o<br />

amor é um sentimento que você t<strong>em</strong> para si e para com<br />

o outro; para com o outro é querer b<strong>em</strong> à pessoa assim<br />

como quer<strong>em</strong>os para nós mesmos”, ou seja, o amor<br />

romântico se inicia realmente quando as necessidades<br />

do outro se tornam tão importantes quanto às próprias.<br />

Portanto, t<strong>em</strong>-se aqui a ideia de amor como querer<br />

b<strong>em</strong> o amado.<br />

Assim, conclui-se que as mulheres d<strong>em</strong>onstram certa<br />

sensibilidade e <strong>em</strong>oção, expressando a percepção de<br />

um amor profundo, fantasioso e cheio de expectativas.<br />

Elas ainda conseguiram definir melhor sua percepção<br />

de amor <strong>em</strong> relação ao sexo oposto, enquanto os<br />

homens revelam mais praticidade, racionalidade e menos<br />

sensibilidade. Vale notar ainda a ideia nítida de um amor<br />

mais romântico para as mulheres do que para os homens.<br />

Na pergunta 2 - “Quais são as sensações<br />

experimentadas quando se ama?” - as mulheres<br />

d<strong>em</strong>onstraram viver o amor de maneira mais intensa, com<br />

sensações mais quentes e variadas. Sendo assim, 31,25%<br />

das respostas evidenciam a sensação de “tranquilidade”<br />

no amor. Outras 18,75% refer<strong>em</strong>-se ao “cuidado com o<br />

outro”, retomando a ideia de que durante anos a mulher<br />

foi preparada e dedicou-se exclusivamente a cuidar da<br />

casa, dos filhos e do marido e, ainda a hoje, t<strong>em</strong> arraigada<br />

<strong>em</strong> si essa preocupação e necessidade de cuidar do<br />

outro. Com base nesse resultado, chega-se a ideia da<br />

mulher valorizada pela sua ternura e dedicação ao amor<br />

e ao amado. O mesmo valor (18,75%) se repetiu para<br />

a sensação de “b<strong>em</strong>-estar” experienciadas no amor.<br />

Surgiram também as respostas “companheirismo”<br />

(12,5%) e “cumplicidade” (12,5%).<br />

Sentir-se amada, não estar sozinha, felicidade,<br />

alegria, entusiasmo, aceitação, doação, compreensão,<br />

dedicação, afeição, carinho, dúvida, realização, euforia,<br />

segurança, coração acelerado, rubor. Essas foram as<br />

respostas citadas, na proporção de 6,25% para cada,<br />

como sensações experimentadas pelas mulheres<br />

quando estão amando.<br />

Os homens d<strong>em</strong>onstraram mais sensações<br />

relacionadas à proteção com o outro, o que talvez<br />

possa se traduzir no papel estabelecido pela cultura<br />

do hom<strong>em</strong> como guardião e protetor. Dessa maneira,<br />

6,25% relataram “preocupação com o outro”, 6,25%<br />

focam sua “atenção no outro”, 6,25% mencionaram<br />

“trazer a felicidade do outro” e 6,25% mencionaram<br />

“ser você, mesmo tendo o outro para cuidar”.<br />

Dentre as respostas, 12,5% dos homens indicaram<br />

como sensação experimentada a “vontade” e o “gostar<br />

de ficar junto” e <strong>em</strong> mesma proporção, a sensação de<br />

“felicidade e prazer”.<br />

Ainda foram relatadas como sensações na proporção<br />

de 6,25% para cada: saudade, b<strong>em</strong>-estar, compl<strong>em</strong>ento,<br />

segurança, harmonia, sensação de não estar sozinho e<br />

calafrio. Aqui, a resposta “compl<strong>em</strong>ento” vai de encontro<br />

à necessidade de encontrar a metade perdida, pois<br />

seria como se homens e mulheres foss<strong>em</strong> incompletos<br />

até que encontrass<strong>em</strong> um parceiro especial para que os<br />

indivíduos não se sintam imperfeitos e solitários.<br />

Com 6,25% das respostas, apareceu a sensação<br />

de “<strong>em</strong>oção” vivenciada no amor, ressaltando as<br />

extraordinárias <strong>em</strong>oções propiciadas pelo sentimento.<br />

Mais uma vez os homens revelaram objetividade e<br />

maior racionalidade na vivência do amor. Enquanto as<br />

mulheres d<strong>em</strong>onstram viver um amor mais intenso e<br />

dotado de várias sensações e sentimentos. Vale notar<br />

que as mulheres possu<strong>em</strong> mais neurônios <strong>em</strong> áreas<br />

relacionadas à linguag<strong>em</strong>, ao que talvez se atribua o fato<br />

de elas estenderam mais as suas respostas <strong>em</strong> relação<br />

aos homens.<br />

Tanto as mulheres quanto os homens se referiram<br />

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à sensação de b<strong>em</strong>-estar propiciada pelo amor. Assim,<br />

t<strong>em</strong>-se o amor como uma inclinação a outra pessoa, o<br />

que é capaz de proporcionar b<strong>em</strong>-estar e equilíbrio à<br />

espécie humana.<br />

As mulheres parec<strong>em</strong> experimentar mais sensações<br />

<strong>em</strong> relação aos homens, indicando a vivência de um amor<br />

mais intenso e romântico. Portanto, elas d<strong>em</strong>onstraram<br />

sensações de maior entusiasmo e felicidade. Já as<br />

sensações experienciadas pelos homens são mais<br />

comedidas. Todavia, ambos os gêneros relacionam o<br />

amor à felicidade humana.<br />

Com relação à pergunta 3 - “Você acha que homens e<br />

mulheres percebam o amor de forma igual ou diferente<br />

um do outro? Por quê?” -, as mulheres pareceram<br />

enfatizar mais as diferenças entre os gêneros, atribuindo<br />

mais adjetivos aos homens do que a si próprias. De<br />

modo geral, as respostas apresentadas fizeram menção<br />

à percepção de homens como insensíveis.<br />

As respostas que enfatizaram a racionalidade do<br />

hom<strong>em</strong> e a sensibilidade e doação da mulher são<br />

comuns a ambos os sexos. Vale ressaltar, então, que<br />

talvez essa sensibilidade da mulher e a insensibilidade<br />

e maior racionalidade do hom<strong>em</strong> estejam relacionadas<br />

a heranças culturais. Isso porque no início, o hom<strong>em</strong><br />

caçava para alimentar a prole, então ele devia ser<br />

rude, agressivo e insensível para percorrer a mata e<br />

enfrentar animais ferozes; enquanto a mulher ficava<br />

<strong>em</strong> casa cuidando da prole, s<strong>em</strong>pre atenta às mudanças<br />

corporais dos filhos, sendo cuidadosa e perfeita. Outro<br />

fator relevante é o fato de que durante anos, a mulher<br />

era vista como sensível e destinada ao amor, sendo<br />

valorizada por tais características.<br />

Dessa maneira, 43,75% das mulheres acreditam que<br />

“homens e mulheres percebam e sintam o amor de forma<br />

diferente um do outro”. Segundo as entrevistadas, essas<br />

diferenças se atribu<strong>em</strong> aos seguintes fatores: 18,75%<br />

das mulheres acreditam que os “homens sejam mais<br />

racionais”. Outras apontaram que os “homens não sab<strong>em</strong><br />

d<strong>em</strong>onstrar” (6,25%), que “banalizam o sentimento da<br />

mulher” (6,25%), que “não cultivam o amor” (6,25%),<br />

que “são desligados” (6,25%), que são “grosseiros”<br />

(6,25%), que são “menos sensíveis” (6,25%), que são<br />

“fechados” (6,25%), que são “introspectivos” (6,25%)<br />

e que são “objetivos” (6,25%).<br />

As mulheres ainda atribuíram as seguintes<br />

características ao seu gênero: “a mulher é mais<br />

sentimental” (12,50%) e por isso a diferença; “mulher é<br />

frágil” (6,25%); as “mulheres doam-se mais” (6,25%),<br />

sugerindo que elas sejam destinadas ao amor; “a<br />

mulher espera e alimenta expectativas” (6,25%). Surgiu<br />

também, com 6,25% das respostas, que a diferença<br />

se deve ao fato “de homens e mulheres enxergar<strong>em</strong><br />

tudo de forma diferente” e ainda, com o mesmo valor<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 107-120<br />

(6,25%), a atribuição da diferença “devido ao fato de<br />

ser<strong>em</strong> homens e mulheres”, ou seja, a diferença se dá<br />

justamente por pertencer<strong>em</strong> a gêneros distintos.<br />

Apenas 6,25% das mulheres acreditam que “os<br />

gêneros percebam e sintam o amor de forma igual<br />

um do outro, porém eles têm maneiras diferentes<br />

de expressar o seu sentimento”. Exatamente como<br />

assevera Fisher (2008) ao mencionar que homens e<br />

mulheres geralmente defin<strong>em</strong> e expressam o amor de<br />

maneira diferente.<br />

Dos homens entrevistados, 31,25% julgam ser<br />

“diferente a forma de perceber e vivenciar o amor<br />

entre homens e mulheres”. Na percepção masculina,<br />

as diferenças são atribuídas de igual para igual, ou seja,<br />

os homens não atribu<strong>em</strong> às mulheres tantos adjetivos<br />

como elas lhe atribu<strong>em</strong>.<br />

As características atribuídas ao sexo masculino<br />

pelos próprios homens não se repet<strong>em</strong>, cada uma<br />

totaliza 6,25% nos seguintes grupos: hom<strong>em</strong> é prático,<br />

desligado de misticismo e contos de fadas, desligado do<br />

amor, esquisito e explosivo, racional e hom<strong>em</strong> leva mais<br />

para o lado físico.<br />

Na visão dos homens, “as mulheres são mais<br />

sentimentais/<strong>em</strong>ocionais” (12,5%), “buscam algo<br />

perfeito” (6,25%), “zelam muito (sufocam/apertam)”<br />

(6,25%), “são ligadas ao misticismo e a contos de fadas”<br />

(6,25%), “são mais sensíveis” (6,25%) e “se doam<br />

mais” (6,25%).<br />

Um dos entrevistados (6,25%) acredita que “a<br />

diferença se deve à construção social”, pois segundo<br />

ele, “a sensibilidade dos homens é bloqueada e a<br />

mulher é ensinada a ficar s<strong>em</strong>pre a espera do príncipe<br />

encantado”. Assim, conclui-se que os indivíduos são<br />

educados para viver <strong>em</strong> uma sociedade que estabelece<br />

padrões comportamentais diferentes para homens e<br />

para mulheres.<br />

A incidência de homens que acreditam na “igualdade<br />

no modo de perceber e viver o amor” entre os<br />

gêneros totaliza 18,75%. Desses, 6,25%, mesmo<br />

acreditando na igualdade, propuseram que exist<strong>em</strong><br />

diferenças entre o paradoxo “sensibilidade f<strong>em</strong>inina<br />

e racionalidade masculina”; 6,25% justificaram sua<br />

resposta mencionando que “a pessoa que ama a outra,<br />

realmente ama”, fazendo menção à ideia de que <strong>em</strong> se<br />

tratando de amor não há diferenças entre os gêneros, e<br />

outros 6,25% não justificam claramente a sua resposta<br />

ao dizer que “o que distingue entre eles é a paixão<br />

muitas vezes confundida com o amor”.<br />

É notório que os homens se julgam mais racionais<br />

e que as mulheres concordam com essa característica.<br />

As mulheres se julgam <strong>em</strong>ocionais e sensíveis e o<br />

sexo oposto também concorda com essa ideia. Assim,<br />

retomam-se as diferenças biológicas entre os gêneros.


Um estudo sobre o amor romântico e sua representação para os gêneros f<strong>em</strong>inino e masculino<br />

Tendo <strong>em</strong> vista que nas mulheres, o hipocampo é maior e<br />

sendo essa uma área de extr<strong>em</strong>a importância no sist<strong>em</strong>a<br />

límbico, é possível dizer que esse fator corrobore com<br />

a maior <strong>em</strong>otividade e sensibilidade f<strong>em</strong>inina. Outro<br />

fator importante é que no hom<strong>em</strong> a área relacionada<br />

à <strong>em</strong>oção posiciona-se mais no h<strong>em</strong>isfério direito,<br />

enquanto que nas mulheres ela é mais ampla.<br />

Os dados obtidos levam a acreditar que as mulheres<br />

atribu<strong>em</strong> aos homens as causas de seus desencontros<br />

e reforçam muito suas diferenças. Suas respostas<br />

denotam um desabafo. Na maioria dos casos, homens<br />

e mulheres se perceb<strong>em</strong> distintos e ambos têm<br />

consciência disso. Mesmo apresentando respostas<br />

diferentes, as percepções dos gêneros são s<strong>em</strong>elhantes<br />

<strong>em</strong> relação a si e ao outro, tendo s<strong>em</strong>pre a mulher como<br />

sensível, romântica, fantasiosa e cheia de expectativas e<br />

o hom<strong>em</strong> desligado, racional e insensível.<br />

Na pergunta 4 - “Você acredita que exist<strong>em</strong> diferenças<br />

entre amor e paixão? Em caso afirmativo, quais são elas?”<br />

- quanto ao amor e a paixão, as respostas foram unânimes<br />

para os dois gêneros. Assim, 100% dos entrevistados<br />

acreditam que “exist<strong>em</strong> diferenças entre amor e paixão”.<br />

Dentre as mulheres entrevistadas, 18,75% ve<strong>em</strong> a<br />

paixão como “agitada/conturbada”, e a mesma incidência<br />

(18,75%) aponta a paixão como “transitória/efêmera”.<br />

A característica “intensa” foi revelada com 12,5% das<br />

respostas para a paixão. A paixão ainda foi definida<br />

por 6,25% como “estado <strong>em</strong> que aparec<strong>em</strong> todas<br />

as <strong>em</strong>oções”. Outras características foram atribuídas<br />

à paixão, sendo elas: “instantânea/momentânea”<br />

(6,25%), “fogo” (6,25%), “dependência” (6,25%),<br />

“egoísta” (6,25%), “desejo” (6,25%), “atração”<br />

(6,25%) e “necessidade de estar perto” (6,25%).<br />

Uma resposta interessante foi a que propôs a paixão<br />

como “sentimento de euforia que antecede o amor”<br />

(6,25%), ou seja, a paixão seria a porta de entrada para<br />

o amor e pode ser capaz de propiciá-lo.<br />

Nessa mesma pergunta, na tentativa de diferenciar<br />

paixão e amor, o sexo f<strong>em</strong>inino apontou o amor como<br />

“tranquilo” (12,5%), um “estágio mais avançado/<br />

quando passa a paixão” (12,25%), “desejar o b<strong>em</strong><br />

do outro” (6,25%), “s<strong>em</strong> ansiedade” (6,25%), um<br />

sentimento que “resiste aos probl<strong>em</strong>as” (6,25%),<br />

“concreto” (6,25%), “suave” (6,25%), “profundo”<br />

(6,25%), “transcendente” (6,25%), “duradouro”<br />

(6,25%) e “construído a cada dia” (6,25%).<br />

Nas respostas masculinas, 37,5% dos entrevistados<br />

afirmaram que a paixão é “momentânea/passageira”.<br />

Outros 18,75% a ve<strong>em</strong> como “relacionada ao físico<br />

e a atração sexual”. E 12,5% acreditam que a paixão<br />

seja “intensa e comece grande”, ou seja, com um<br />

êxtase impetuoso. Para definir a paixão, várias outras<br />

características foram utilizadas, sendo que cada uma<br />

delas abrange 6,25% das respostas: “entusiasmo,<br />

intensa, <strong>em</strong>ocional, imediata, acessório” e que “não<br />

resiste às dificuldades”.<br />

“Irresponsável” (6,25%) foi também uma<br />

característica utilizada por um dos entrevistados para<br />

descrever a paixão. Pode-se justificar esse fato pela<br />

desativação de áreas relacionadas ao juízo crítico e à<br />

identificação de ameaça que ocorr<strong>em</strong> durante a paixão.<br />

Diferenciando o amor de paixão, 18,75% dos<br />

homens disseram acreditar que o amor seja “comedido/<br />

racional”; 12,5% o definiram como “durável” e também<br />

12,5% postularam que o amor “cresce e se consolida<br />

cotidianamente”. Uma resposta interessante, com<br />

6,25% de incidência, foi a que caracterizou o amor<br />

como “eterno”, contrapondo-se à ideia de que todos<br />

os homens sejam mais racionais e comedidos e não<br />

cri<strong>em</strong> expectativas tanto quanto as mulheres.<br />

O sexo masculino acredita, ainda, que o “amor resista<br />

às dificuldades” (6,25%), “envolva sentimentos além da<br />

atração física” (6,25%), seja o “principal” (6,25%) e que<br />

é também “querer” ficar junto mesmo fora da relação<br />

sexual (6,25%).<br />

Uma das respostas que muito chamou a atenção<br />

propõe que “o amor é o principal e a paixão é o<br />

acessório. Mas quando a gente ama e ao mesmo t<strong>em</strong>po<br />

é apaixonado por alguém, a relação dura mais t<strong>em</strong>po”.<br />

Assim, é possível dizer que amor e paixão estabelec<strong>em</strong><br />

uma relação de compl<strong>em</strong>entaridade.<br />

Portanto, pode-se concluir que para homens e<br />

mulheres, a paixão parece estar mais relacionada com<br />

atração física, desejo, êxtase, enfim, sensações de maior<br />

efusividade e que a percepção de paixão <strong>em</strong> ambos os<br />

sexos é bastante s<strong>em</strong>elhante. De modo resumido, eles<br />

a ve<strong>em</strong> como intensa e transitória.<br />

Diferent<strong>em</strong>ente das respostas apresentadas para<br />

a primeira pergunta, na qual homens e mulheres<br />

conceituaram de maneira divergente o amor, aqui se<br />

percebe que ambos os gêneros atribuíram ao amor<br />

características b<strong>em</strong> s<strong>em</strong>elhantes, senão idênticas.<br />

Eles apontaram que o amor é centrado, duradouro<br />

e que supera as dificuldades impostas pelo cotidiano.<br />

Entretanto, tais respostas sobre o amor parec<strong>em</strong> não<br />

abranger suas reais percepções, pois nas respostas<br />

dadas a essa pergunta o amor aparece <strong>em</strong> um sentido<br />

mais figurado, pois, as respostas são generalizadas e<br />

ficaram restritas ao que já é estabelecido como amor<br />

seja pelo conhecimento científico, pela literatura ou<br />

ainda pelo senso comum.<br />

Conclusão<br />

A busca pelo amor é tão antiga quanto sua orig<strong>em</strong> e a<br />

tentativa de significá-lo. Há várias hipóteses que tentam<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 107-120<br />

117


118<br />

Lara Franco Costa<br />

justificar a orig<strong>em</strong> do amor. Uma das mais extraordinárias<br />

explicações é dada pela mitologia grega, propondo que<br />

o amor é a busca pelo outro, pela metade que lhe falta<br />

a fim de restabelecer o todo original. E apesar de toda a<br />

fantasia que envolve as ideias de Platão, essa é uma bela<br />

explicação, pois homens e mulheres buscam um alguém<br />

especial que lhes complete e quando esse alguém é<br />

encontrado, há uma imensa vontade de fundir<strong>em</strong>-se<br />

num só.<br />

Explicações científicas propõ<strong>em</strong> o amor como<br />

fator propiciante da evolução humana e da sociedade,<br />

pois s<strong>em</strong> ele não seriam estabelecidos vínculos e<br />

consequent<strong>em</strong>ente não haveria sociedade.<br />

Com o decorrer dos anos, foram atribuídos a esse<br />

sentimento vários significados que variam de acordo<br />

com os interesses vividos no momento. Hoje se t<strong>em</strong><br />

um amor vivido de forma livre, <strong>em</strong> função do qual<br />

homens e mulheres se un<strong>em</strong>. Cada vez mais o amor<br />

parece ser uma condição indispensável para o b<strong>em</strong>estar<br />

e a felicidade dos homens. Contudo, apesar do<br />

objetivo ser o mesmo para homens e mulheres, eles<br />

atribu<strong>em</strong> significados e expressam o amor de forma<br />

diferente um do outro.<br />

Nesse sentido, homens e mulheres têm modos<br />

diferentes de descrever<strong>em</strong> o amor romântico: as<br />

mulheres parec<strong>em</strong> viver um amor mais romântico,<br />

são mais sentimentais e detalhistas; enquanto os<br />

homens são racionais e objetivos. É bom considerar<br />

que essas diferenças se dev<strong>em</strong> indubitavelmente às<br />

diferenças biológicas e mais ainda à construção social<br />

que estabelece parâmetros a ser<strong>em</strong> seguidos pelos<br />

indivíduos. Assim, cada um se expressa da maneira<br />

como lhe é ensinado e consequent<strong>em</strong>ente aprendido.<br />

As experiências vividas por cada um também exerc<strong>em</strong><br />

uma influência crucial no modo de viver e perceber o<br />

amor, visto que cada um atribui significados às coisas do<br />

mundo de acordo com suas vivências.<br />

Nota-se que paixão e amor não se confund<strong>em</strong>. A<br />

paixão d<strong>em</strong>onstra mais irracionalidade e parece estar<br />

mais relacionada às <strong>em</strong>oções, é um estado agudo<br />

e transitório no qual o êxtase e o desejo ardente<br />

são latentes, b<strong>em</strong> como a sensação de dependência<br />

e a extr<strong>em</strong>a vontade de ficar junto com a metade<br />

encontrada. Contudo, a paixão parece abrir as portas<br />

para o amor. Já o amor é um sentimento duradouro,<br />

tranquilo, comedido e suave. Ele se relaciona a vários<br />

outros sentimentos e sensações; sua duração é maior,<br />

há qu<strong>em</strong> diga também que o amor seja eterno.<br />

Por outro lado, o amor romântico também se<br />

relaciona ao desejo sexual, atração física e necessidade<br />

de estar perto. Porém, nesse sentimento, tais<br />

sensações são comedidas, racionais e não tão intensas<br />

quanto na paixão.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 107-120<br />

Pode-se concluir que o amor romântico é um<br />

sentimento tranquilo, que proporciona equilíbrio<br />

e b<strong>em</strong>-estar ao amante e ao amado. Ele é capaz<br />

de completar aquele que o possui, haja vista que<br />

encontrando um alguém especial, é possível o casal<br />

tornar-se “uno” e completo. Ele é um sentimento único<br />

e construído a cada dia, mas é também muito diferente<br />

para cada um que o vivencia. O amor t<strong>em</strong> suas bases<br />

na incondicionalidade, pois não admite ou não supõe<br />

qualquer condição para que exista. Ele é grandioso e<br />

está acima de todos os outros sentimentos. E é com<br />

toda certeza o sentimento mais puro e sublime que<br />

permeia a humanidade.<br />

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v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 107-120<br />

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Lara Franco Costa<br />

A STUDY OF THE ROMANTIC LOVE AND YOUR<br />

REPRESENTATION TO MALES AND FEMALES<br />

ABSTRACT: This paper presents an investigation about romantic love and also reveals the results of the survey<br />

in an att<strong>em</strong>pt to analyze how men and women perceive that feeling. This study is justified because of several<br />

controversies, joys and sorrows caused by romantic love in human life. It aims to investigate the perception of the<br />

genders about romantic love, the possible differences in how people perceive and experience the love between<br />

men and women, as well as the factors that influence how individuals understand that feeling. Envisions to know<br />

about romantic love and some issues involved in this feeling, such as its origin, brain ch<strong>em</strong>istry and characteristics,<br />

including also the differentiation between love and passion. The theoretical basis that guides the research is in<br />

studies of romantic love from Fisher (2008), Platão (1983), among others. The methodology consists of literature<br />

combined with field research with the use of structured interviews made to 16 people - eight men and eight<br />

women - living in the city of Ituiutaba MG, aged between 20 to 55 years. Among the results, there is a real<br />

difference in how men and women define love, summarized the most masculine rationality and objectivity and<br />

romance, intensity and f<strong>em</strong>ale sensibility. It is also, besides the differences between the genders, romantic love as<br />

a feeling restrained, unconditional and lasting formed by several other feelings and that is above all other feelings<br />

that pervade mankind.<br />

KEYWORDS: Romantic love; men; women; feeling.<br />

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ÉTICA E EDUCAÇÃO: QUESTÕES DE ESCOLHAS<br />

Maria Batista da Cruz Silva 1 ; Maíza Rodrigues da Silva 2 ;<br />

Denise Queiroz 3 ; Ana Lúcia de Paula Ferreira Nunes 4<br />

RESUMO: O presente trabalho t<strong>em</strong> como objetivo d<strong>em</strong>onstrar a importância da ética nos relacionamentos<br />

interpessoais, nas famílias, nas escolas e nos d<strong>em</strong>ais grupos organizados da sociedade. Através da análise bibliográfica,<br />

foi possível reunir subsídios sobre a evolução da ética enquanto agente que promove a interação, a harmonia e os<br />

aspectos positivos e negativos nas relações entre as pessoas. Da mesma forma, foi possível perceber que o resgate<br />

dos conceitos éticos é imprescindível para a compreensão dos dil<strong>em</strong>as e das escolhas éticas. E isso é de suma<br />

importância para uma maior compreensão da ética enquanto agente que pode contribuir com as relações sociais<br />

e escolares principalmente do processo ensino-aprendizag<strong>em</strong>. Foi possível constatar que a ética está presente <strong>em</strong><br />

todos os espaços humanos e que é importante na criação, no fortalecimento e na aplicação da dimensão da ética<br />

nos aspectos políticos e nas articulações entre o dever, o saber, o poder e o querer.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Ética; relacionamentos interpessoais; dil<strong>em</strong>as e escolhas éticas.<br />

Introdução<br />

Nos últimos anos, pesquisadores vêm estudando<br />

a ética na educação e na cultura e concentram-se <strong>em</strong><br />

desvendá-la como expressão presente <strong>em</strong> todos os<br />

vínculos de conduta, padrões de comportamento e<br />

d<strong>em</strong>ais relacionamentos que reg<strong>em</strong> as instituições<br />

sociais privadas ou públicas.<br />

Como considera Lopes (1993), exist<strong>em</strong> probl<strong>em</strong>as<br />

na adoção de princípios éticos quanto à incorporação<br />

desses valores na administração, desvios de finalidade<br />

ou de poder, violação ideológica da lei.<br />

As discussões sobre ética e gestões na Educação<br />

Superior são imprescindíveis, pois, segundo o que<br />

afirma Lopes (1993), é necessário que os gestores e a<br />

própria comunidade acadêmica tenham consciência de<br />

que dentro dos princípios globais dos relacionamentos<br />

humanos e sociais, a ética deve ser singularizada ou<br />

pluralizada, tendo-se como objetivo o estabelecimento<br />

de princípios e valores morais e éticos.<br />

Deve-se entender, portanto, que a ética se presta<br />

para balizar, como um autêntico referencial, os valores<br />

básicos que orientam o comportamento do hom<strong>em</strong><br />

<strong>em</strong> sociedade. Daí se dizer que a ética é a ciência do<br />

comportamento moral dos homens <strong>em</strong> sociedade.<br />

Em um sentido mais geral, ética deve significar e/ou<br />

identificar-se como um conjunto de princípios de cunho<br />

moral para regular ou governar grupos e indivíduos<br />

inseridos num contexto social real.<br />

Se a ética é a ciência dos juízos de valor que permite<br />

qualificar os atos <strong>em</strong> bons ou maus, a escolha do t<strong>em</strong>a<br />

é justificada pela necessidade de discussão da ética<br />

enquanto processo de motivação e fortalecimento<br />

das relações interpessoais na ação educadora.<br />

Especificamente no que se refere às conexões entre<br />

os agentes administradores das Instituições de Ensino<br />

Superior (IES) e a comunidade acadêmica, entre alunos e<br />

segmentos sociais relacionados direta ou indiretamente<br />

com a instituição.<br />

Este trabalho t<strong>em</strong> como objetivo d<strong>em</strong>onstrar a<br />

abordag<strong>em</strong> da ética na educação, b<strong>em</strong> como a importância<br />

e as conseqüências da inserção desse t<strong>em</strong>a na educação.<br />

Isso porque a ética é constituída por princípios morais e<br />

pelos valores que norteiam os seres humanos nas suas<br />

ações com outros m<strong>em</strong>bros da coletividade.<br />

Os argumentos deste trabalho foram divididos <strong>em</strong>:<br />

resumo, introdução, desenvolvimento - que, por sua<br />

vez, foi dividido <strong>em</strong> algumas secções e subsecções -,<br />

conclusão e referências.<br />

Ética: conceitos, objetivos e finalidades<br />

No que se refere aos conceitos históricos da ética,<br />

pode-se afirmar que, conforme Vázquez (1995), depois<br />

de milhões de anos de existência sobre a Terra, a criatura<br />

humana continua a defrontar-se com os mesmos<br />

probl<strong>em</strong>as comportamentais que s<strong>em</strong>pre a afligiram:<br />

egoísmo, desrespeito, insensibilidade e inadmissível<br />

1. Mestre <strong>em</strong> Educação Superior pela UNITRI. Coordenadora pedagógica da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG - Campus de Frutal). Av.<br />

Professor Mário Palmério, 1001 - Cep: 38200-000. Frutal-MG. E-mail: mariabatistadacruzsilva@yahoo.com.br.<br />

2. Especialista <strong>em</strong> docência no Ensino superior pela UFU. Assistente de coordenação pedagógica da UEMG - Campus de Frutal. Av. Professor Mário Palmério,<br />

1001 - Cep: 38200-000. Frutal-MG. E-mail: maizasilvarod@yahoo.com.br.<br />

3. Especialista <strong>em</strong> Políticas Públicas e Planejamento Educacional pela Universidade Gama Filho. Assistente de coordenação pedagógica da UEMG - Campus<br />

de Frutal. Av. Professor Mário Palmério, 1001 - Cep: 38200-000. Frutal-MG. E-mail:denqueiroz@hotmail.com.<br />

4. Especialista <strong>em</strong> Pedagogia - Administração Escolar pela UNIRP. Professora e secretária executiva da direção da UEMG - Campus de Frutal. Av. Professor<br />

Mário Palmério, 1001 - Cep: 38200-000. Frutal-MG. E-mail: ananunesfrutal@hotmail.com.<br />

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121


122<br />

prática da violência. Sendo assim, é importante<br />

compreender a evolução do pensamento humano, ou<br />

seja, a forma como a percepção da ética - enquanto<br />

agente que expressa o saber e o comportamento<br />

humano - v<strong>em</strong> sendo construída e percebida pelo<br />

hom<strong>em</strong> durante sua história.<br />

O termo ética procede do grego ethos, que<br />

etimologicamente significa a morada do hom<strong>em</strong>, o<br />

seu abrigo, derivando-se daí o uso metafórico ligado à<br />

tradução de costumes. A ética pode ser definida como<br />

“a teoria ou ciência do comportamento moral dos<br />

homens <strong>em</strong> geral” (VÁZQUEZ, 1995, p.12). Nesse<br />

sentido, a ética é a ciência da moral. Em geral, as<br />

pessoas confund<strong>em</strong> ética e moral, tomando-as como<br />

sinônimas. Cabe-se advertir que o estudo da ética é<br />

diferente do estudo da moral. A palavra moral deriva do<br />

latim mos ou mores e significa costumes, isto é, conjunto<br />

de normas ou regras destinadas a regular as relações<br />

dos indivíduos num determinado grupo social.<br />

O estudo da ética implica investigar os fundamentos<br />

e critérios que determinam o que é bom. Constata-se,<br />

por ex<strong>em</strong>plo, que faz parte dos costumes do hom<strong>em</strong><br />

moderno ocidental dar presentes na época do Natal.<br />

Pode-se falar <strong>em</strong> uma moral consumista. Essa constatação<br />

não implica necessariamente uma reflexão ética, que<br />

será o estudo da conveniência desse comportamento, ou<br />

seja, se ele é bom ou não e para qu<strong>em</strong>. Nesse sentido, a<br />

história das ideias morais pode ser objeto de disciplinas<br />

como a sociologia ou a antropologia. Por sua vez, a<br />

história da ética se assenta numa história da filosofia, pois<br />

busca uma justificativa racional para as ideias e normas<br />

adotadas, ou seja, procura fundamentar a razão de ser<br />

de determinados costumes para uma determinada<br />

coletividade. Pode-se dizer que a ética é teórica, é<br />

reflexão, ao passo que a moral é prática, é uma forma<br />

específica de comportamento humano.<br />

O termo ética pode ser definido como conjunto<br />

de normas que regulamentam o comportamento de<br />

um grupo particular de pessoas, como, por ex<strong>em</strong>plo,<br />

advogados, médicos, psicólogos, psicanalistas etc.<br />

Assim, ela se diferencia da moral apenas pelo conteúdo<br />

menos especifico da última, que representaria a cultura<br />

de uma nação, religião ou época. Segundo essa visão, a<br />

ética diferencia-se da moral, pois ela é considerada mais<br />

adequada pela existência do livre arbítrio associado<br />

à coerência <strong>em</strong> oposição à inquestionabilidade dos<br />

princípios morais clássicos (VÁSQUEZ, 1995).<br />

Conforme o autor, ética e moral são os maiores valores<br />

do hom<strong>em</strong> livre. Ambos significam “respeitar e venerar<br />

a vida” (VASQUEZ, 1995, p. 20). O hom<strong>em</strong>, com seu<br />

livre arbítrio, forma ou destrói o seu meio ambiente, ou<br />

ele apoia a natureza e suas criaturas, ou ele subjuga tudo<br />

que pode dominar. Assim, ele mesmo se torna o b<strong>em</strong><br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 121-128<br />

Maria Batista da Cruz Silva; Maíza Rodrigues da Silva; Denise Queiroz; Ana Lúcia de Paula Ferreira Nunes<br />

ou o mal deste planeta. Desse modo, ética e a moral se<br />

formam numa mesma realidade (VASQUEZ, 1995).<br />

Filosofia: uma compreensão da realidade<br />

A filosofia não deve ser considerada como um saber<br />

que paira sobre as sociedades, assim como os valores<br />

não dev<strong>em</strong> ser vistos como significações estáticas,<br />

relacionadas a algo absoluto, imutável. (RIOS, 2005)<br />

Não é apenas no campo da moralidade que se<br />

encontram valores. Dize-se que existe valoração na<br />

medida <strong>em</strong> que qualquer interferência do hom<strong>em</strong> na<br />

realidade se dá na perspectiva de conferir significado a essa<br />

realidade. Quando se qualifica um comportamento como<br />

bom ou mau, t<strong>em</strong>-se <strong>em</strong> vista um critério que é definido<br />

no espaço da moralidade. E isto interessa à filosofia, no<br />

plano da ética, buscar o fundamento dos valores que<br />

sustentam esse comportamento (RIOS, 2005).<br />

A ética se apresenta como uma reflexão crítica<br />

sobre a moralidade, sobre a dimensão moral do<br />

comportamento do hom<strong>em</strong>. Cabe a ela, enquanto<br />

investigação que se dá no interior da filosofia, procurar<br />

ver os valores e probl<strong>em</strong>atizá-los, buscar sua consciência<br />

(RIOS, 2005).<br />

Educação e política<br />

A especificidade do processo educativo que se<br />

desenvolve na escola reside no fato de que ele t<strong>em</strong><br />

como objetivo a socialização do conhecimento<br />

elaborado. Embora a escola agregue várias funções<br />

supletivas, como higiene, saúde, alimentação, entre<br />

outros, a função essencial é fazer a mediação para que as<br />

novas gerações se apropri<strong>em</strong> do saber historicamente<br />

acumulado pela sociedade.<br />

A criação de novos saberes, do ponto de vista técnico,<br />

implica a criação de conteúdos e técnicas que possam<br />

garantir a apreensão do saber pelos sujeitos e a atuação<br />

no sentido da descoberta e da invenção. Entretanto,<br />

os conteúdos e técnicas não são absolutamente<br />

el<strong>em</strong>entos neutros. Eles são selecionados, transmitidos<br />

e transformados <strong>em</strong> função de determinados interesses<br />

existentes na sociedade. O papel político da educação<br />

se revela aí, na medida <strong>em</strong> que ele se cumpre s<strong>em</strong>pre<br />

na perspectiva de determinado interesse. A escola está<br />

s<strong>em</strong>pre posicionada no âmbito da correlação de forças<br />

da sociedade <strong>em</strong> que se insere. Portanto, está s<strong>em</strong>pre<br />

servindo às forças que lutam para perpetuar e/ou<br />

transformar a sociedade (SAVIANI, 1980).<br />

Nesse sentido, falar <strong>em</strong> competência significa saber<br />

fazer b<strong>em</strong>. Apesar das diferenças entre as diversas<br />

concepções de educador e de escola presentes entre


nós, elas s<strong>em</strong> dúvida concordam <strong>em</strong> definir desse modo<br />

a competência. Afirma-se que o saber fazer b<strong>em</strong> t<strong>em</strong><br />

uma dimensão técnica, a do saber e do saber fazer,<br />

isto é, do domínio dos conteúdos de que o sujeito<br />

necessita para des<strong>em</strong>penhar o seu papel, aquilo que<br />

se requer dele socialmente articulado com o domínio<br />

das técnicas, das estratégias que permitam que ele “dê<br />

conta do recado” <strong>em</strong> seu trabalho (RIOS, 2005).<br />

A ideia de b<strong>em</strong> parece significativa na definição da<br />

competência, porque ela aponta para um valor que não<br />

t<strong>em</strong> apenas um caráter moral. O b<strong>em</strong> não se desvincula dos<br />

aspectos técnicos, n<strong>em</strong> dos aspectos políticos da atuação<br />

do educador. É nessa medida que se pode compreender a<br />

ética como mediação, porque ela está presente na definição<br />

e na organização do saber que será veiculado na instituição<br />

escolar e ao mesmo t<strong>em</strong>po na direção que será dada a esse<br />

saber na sociedade (RIOS, 2005).<br />

Com respeito à relação existente entre moral e<br />

política, frequent<strong>em</strong>ente se percebe que os próprios<br />

educadores não têm clareza da dimensão política de<br />

sua atividade. Na avaliação que faz<strong>em</strong> de seu trabalho,<br />

<strong>em</strong> geral os educadores, professores, afirmam-se<br />

comprometidos com os interesses dos alunos, mas<br />

não têm clareza quanto à implicação política desse seu<br />

“comprometimento”. Eles os ve<strong>em</strong> como fazendo parte<br />

de uma provável “essência” do educador, referindo-se<br />

à responsabilidade que deve estar presente <strong>em</strong> seu<br />

trabalho. Entre as mulheres educadoras, isso aparece<br />

de forma mais acentuada, contribuindo para o que<br />

Mello (1982, p.134) chama de a “face boazinha” da<br />

prática docente. Dá-se ênfase à dimensão afetiva, e<br />

o bom educador acaba sendo aquele “bonzinho”. A<br />

dimensão moral está aí exatamente porque é marcada<br />

pelo viés ideológico e considerada como “natural”, o<br />

que r<strong>em</strong>ete ao espontâneo (RIOS, 2005).<br />

Tal atitude d<strong>em</strong>onstra um desconhecimento do<br />

significado da presença do político na ação educativa,<br />

assim como do ético <strong>em</strong> sua forma autêntica, pois<br />

este aparece misturado com o sentimento, e a mistura<br />

contribui para reforçar o espontaneísmo e manter as<br />

falhas da instituição escolar (RIOS, 2005).<br />

Só pode falar <strong>em</strong> compromisso se mencionada<br />

a adesão a partir de uma escolha do sujeito, com<br />

a maneira certa de agir, e um certo caminho para a<br />

ação. Para que essa adesão seja significativa dev<strong>em</strong> se<br />

conjugadas a consciência, o saber e a vontade, que de<br />

nada val<strong>em</strong> s<strong>em</strong> a explicitação do dever e a presença do<br />

poder (RIOS, 2005).<br />

Numa sociedade <strong>em</strong> que os interesses são<br />

antagônicos, as vontades dirig<strong>em</strong>-se para objetivos<br />

conflitantes, apesar de o discurso “oficial” referir-se a um<br />

objetivo único: o chamado “b<strong>em</strong> comum”, a realização<br />

pessoal, a integração participante na sociedade.<br />

Ética e educação: questões de escolhas<br />

Assim, o que o educador decide fazer com o saber é<br />

exatamente relevante para que sua ação seja qualificada<br />

de competente.<br />

Escolhas éticas<br />

Segundo o Dicionário Aurélio, decidir significa<br />

“determinar, assentar, resolver, deliberar. Dar solução a;<br />

resolver, solucionar, desatar. Dar resolução” (FERREIRA,<br />

2006, p. 196). Nesse sentido, a tomada de decisão seria<br />

um processo que envolve desde o estabelecimento<br />

de uma política <strong>em</strong>presarial ou governamental até a<br />

execução de uma política já determinada, por meio do<br />

julgamento de dados e escolha de meios necessários<br />

para se alcançar um objetivo.<br />

A decisão é parte da vida, do dia-a-dia, e é praticada<br />

constant<strong>em</strong>ente. Em muitas situações, tomam-se<br />

decisões automaticamente, elas ocorr<strong>em</strong> por hábito,<br />

decide-se s<strong>em</strong> qualquer constrangimento, s<strong>em</strong> causar<br />

qualquer anormalidade. A escolha pode ser simples,<br />

como decidir entre tomar água com ou s<strong>em</strong> gás. Porém,<br />

com frequência, a pessoa depara-se com situações <strong>em</strong><br />

que decidir é complexo e sério, poderá envolver como<br />

resultado não só o destino, a vida de qu<strong>em</strong> decide, mas<br />

de muitas outras pessoas, tratando-se, por ex<strong>em</strong>plo, de<br />

decisões no âmbito da política e da economia (SCHULZ;<br />

NERY, 2005).<br />

O primeiro passo no processo de tomada de decisão<br />

consiste <strong>em</strong> reconhecer que a questão ética exige que<br />

a pessoa ou o grupo de trabalho escolha entre vários<br />

tipos de ação que precisam ser avaliadas como certos e<br />

errados. A gravidade da questão ética, portanto, pode<br />

ser definida como a sua relevância ou importância para<br />

a pessoa, o grupo de trabalho e/ou a <strong>em</strong>presa. Assume<br />

caráter pessoal e t<strong>em</strong>poral no sentido de ter que levar<br />

<strong>em</strong> conta valores, crenças, necessidades, maneiras de<br />

ver as coisas, características especiais da situação e<br />

pressões pessoais que faz<strong>em</strong> sentir <strong>em</strong> base contínua<br />

ou <strong>em</strong> um determinado lugar ou ocasião (FERREL;<br />

FRAEDRICH, 2001).<br />

Os valores, as crenças, a história e a forma de lidar<br />

com seu ambiente interno e externo representam<br />

a cultura de uma organização e defin<strong>em</strong> sua missão.<br />

O grau de interação entre os m<strong>em</strong>bros de uma<br />

organização fortalece sua cultura e lhe imprime<br />

identidade. A cultura organizacional se apresenta<br />

<strong>em</strong> três diferentes níveis: artefatos visíveis, valores<br />

que governam o comportamento das pessoas e os<br />

pressupostos inconscientes. Os fundadores de uma<br />

organização incut<strong>em</strong> os valores e crenças aos quais os<br />

novos m<strong>em</strong>bros vão se integrando através do processo<br />

de assimilação. Para conhecer a cultura de uma<br />

organização, é necessário identificar seus valores desde<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 121-128<br />

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124<br />

o que é explícito e visível até o que é oculto e entender<br />

de que forma seus recursos humanos se adaptam<br />

a eles. Conforme alguns autores, a cultura de uma<br />

organização pode ser mudada, adequando-se a novos<br />

paradigmas. Nesse processo, o gestor t<strong>em</strong> fundamental<br />

papel. Também as organizações escolares possu<strong>em</strong><br />

uma cultura construída ao longo de sua história, com<br />

valores e crenças que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre condiz<strong>em</strong> com<br />

as propostas definidas <strong>em</strong> seu projeto pedagógico<br />

(FERREL; FRAEDRICH, 2001).<br />

Seja centralizada ou descentralizada, a estrutura<br />

da organização e os funcionários aprend<strong>em</strong> condutas<br />

éticas com m<strong>em</strong>bros de grupos e colegas no ambiente<br />

de trabalho. Decisões do indivíduo sobre como reagir<br />

aos probl<strong>em</strong>as diários são profundamente influenciadas<br />

pela observação do comportamento dos colegas.<br />

Empresas centralizadas enfatizam normas, diretrizes e<br />

procedimentos formais, usando sist<strong>em</strong>as de controle<br />

detalhados. Esse tipo de organização certifica-se que<br />

os trabalhadores sab<strong>em</strong> como realizar tarefas que lhe<br />

são designadas. Como as decisões éticas são tomas<br />

cotidianamente nas <strong>em</strong>presas centralizadas, a ética é<br />

aprendida com os chefes e com os colegas (FERREL;<br />

FRAEDRICH, 2001).<br />

Geralmente essas questões surg<strong>em</strong> devido a<br />

conflitos entre as filosofias morais pessoais e os valores<br />

do indivíduo, os valores e as atitudes da organização <strong>em</strong><br />

que ele trabalha e da sociedade <strong>em</strong> que ele vive. As<br />

principais causas de conduta antiética nas <strong>em</strong>presas são<br />

pressões, as diretrizes e os objetivos das mesmas.<br />

Nenhuma discussão sobre tomada de decisões<br />

estaria completa, portanto, s<strong>em</strong> falar sobre ética,<br />

pois as contribuições éticas dev<strong>em</strong> ser um critério<br />

importante na orientação do processo decisório de<br />

uma organização (ROBBINS, 2002).<br />

Ética: um corpo teórico<br />

Tendo <strong>em</strong> vista que este trabalho procura oferecer<br />

uma compreensão do conceito de ética, torna-se<br />

apropriado analisar como ela influência as decisões<br />

pessoais e mais precisamente as organizacionais. Sendo<br />

assim, é necessário ater-se a teorias enquanto um corpo<br />

de conhecimentos, regras e valores que orientam as<br />

atitudes das pessoas ou mesmo as decisões pautadas<br />

pela ética ou não.<br />

O estudo da ética é assim valioso por várias razões.<br />

Note-se que esse campo não é meramente um<br />

prolongamento da própria ética pessoal do indivíduo.<br />

Muitas pessoas pensam que se uma <strong>em</strong>presa contrata<br />

bons <strong>em</strong>pregados com fortes valores éticos, ela será<br />

uma <strong>em</strong>presa-cidadã. Porém, como este trabalho terá<br />

a oportunidade de mostrar, os valores pessoais e a<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 121-128<br />

Maria Batista da Cruz Silva; Maíza Rodrigues da Silva; Denise Queiroz; Ana Lúcia de Paula Ferreira Nunes<br />

filosofia moral do indivíduo constitu<strong>em</strong> apenas um fator<br />

no processo de tomada de decisões éticas (FERREL;<br />

FRAEDRICH, 2001).<br />

Profissionais <strong>em</strong> todos os campos de atividade,<br />

incluindo as IES, têm que lidar com dil<strong>em</strong>as morais<br />

pessoais, uma vez que eles afetam a sua capacidade de<br />

funcionar no trabalho. Só quando as preferências ou<br />

os valores da pessoa influenciam o seu des<strong>em</strong>penho<br />

no trabalho é que a ética individual des<strong>em</strong>penha um<br />

papel importante na avaliação das decisões (FERREL;<br />

FRAEDRICH, 2001).<br />

Embora os preconceitos raciais e sexuais da pessoa<br />

sejam assunto do interesse da ética individual, a<br />

discriminação racial e sexual no local de trabalho cria<br />

um probl<strong>em</strong>a ético no mundo do trabalho.<br />

Ser uma boa pessoa e, <strong>em</strong> sua própria opinião, ter<br />

uma boa ética pessoal talvez não seja suficiente para<br />

enfrentar questões desse tipo que surg<strong>em</strong> nas <strong>em</strong>presas.<br />

É importante reconhecer a relação entre decisões legais<br />

e éticas. Embora virtudes abstratas, ligadas aos grandes<br />

princípios morais, como a veracidade, a honestidade,<br />

a lealdade, a franqueza, sejam frequent<strong>em</strong>ente<br />

consideradas evidentes por si mesmas e aceitas por<br />

todos os <strong>em</strong>pregados, decisões de estratégia das<br />

<strong>em</strong>presas envolv<strong>em</strong> discussões complexas e detalhadas<br />

(FERREL;FRAEDRICH, 2001).<br />

A filosofia moral é um conjunto de princípios ou<br />

regras que os indivíduos aplicam para decidir o que é<br />

certo ou errado. No contexto da educação superior,<br />

os gestores frequent<strong>em</strong>ente têm que avaliar a “justeza”<br />

ou a moralidade de ações alternativas <strong>em</strong> termos de<br />

seus próprios princípios e valores. As filosofias morais<br />

fornec<strong>em</strong> diretrizes para solucionar conflitos e para<br />

otimizar o benefício mútuo de pessoas que viv<strong>em</strong> <strong>em</strong><br />

grupos (FERREL; FRAEDRICH, 2001).<br />

Concepções de dil<strong>em</strong>as e suas<br />

relações com a decisão ética<br />

Desde o momento que passaram a viver <strong>em</strong> grupo,<br />

os homens relacionam-se uns com os outros e nessa<br />

relação social estabeleceu-se consequências como<br />

o conflito. A todo o momento, o hom<strong>em</strong>, <strong>em</strong> sua<br />

tomada de decisões, se depara com dil<strong>em</strong>as, ou seja,<br />

escolhas a ser<strong>em</strong> feitas, as quais pod<strong>em</strong> ou não estar<br />

<strong>em</strong> consonância com suas convicções. Nesse sentido,<br />

o presente trabalho faz uma análise de como a ética<br />

intervém na tomada de decisão de gestores, e como<br />

estes enfrentam as questões do dia-a- dia.<br />

Sendo assim, falar no que gestores, seja do setor<br />

<strong>em</strong>presarial ou da educação superior, consideram como<br />

dil<strong>em</strong>as, é pensar as questões éticas enfrentadas no<br />

dia-a-dia, ou seja, as decisões que dev<strong>em</strong> ser tomadas.


Um vendedor, por ex<strong>em</strong>plo, deve omitir fatos sobre<br />

a medíocre história de segurança do produto <strong>em</strong> uma<br />

apresentação de vendas ao cliente? Um contador deve<br />

comunicar inexatidões descobertas <strong>em</strong> um trabalho<br />

de auditoria feito na firma de um cliente, quando sabe<br />

que provavelmente perderá o <strong>em</strong>prego se fizer isso?<br />

(FERREL; FRAEDRICH, 2001).<br />

Como as questões éticas frequent<strong>em</strong>ente surg<strong>em</strong> de<br />

conflitos, é útil examinar as causas dos conflitos éticos.<br />

Gestores e funcionários muitas vezes sofr<strong>em</strong> os efeitos<br />

de uma tensão entre suas convicções éticas pessoais e<br />

as obrigações que assumiram para com as instituições<br />

<strong>em</strong> que trabalham.<br />

As pesquisas pod<strong>em</strong> proporcionar uma visão geral<br />

bastante útil de muitas questões éticas pendentes de<br />

solução nas <strong>em</strong>presas. Um passo construtivo que se<br />

poderia dar para identificá-las e solucioná-las seria<br />

classificar as que são relevantes para a maioria das<br />

<strong>em</strong>presas. Assim, classifica-se aqui tais questões<br />

no tocante a conflito de interesses, honestidade e<br />

equidade, comunicações e relacionamentos dentro da<br />

organização. Embora não seja exaustiva, a classificação<br />

fornece de fato uma ideia geral de algumas das questões<br />

enfrentadas por gestores.<br />

Quanto aos aspectos dos conflitos de interesses,<br />

observa-se que existe um conflito de interesse quando o<br />

indivíduo t<strong>em</strong> que optar entre promover seus próprios<br />

interesses, os da instituição ou os de algum outro grupo.<br />

E quanto à honestidade e equidade, implica veracidade,<br />

integridade e confiabilidade. Equidade é a capacidade<br />

de ser justo e imparcial. Ambas dev<strong>em</strong> fazer parte dos<br />

atributos morais dos gestores. No mínimo, espera-se<br />

que eles cumpram todas as leis e regulamentos aplicáveis.<br />

Nas comunicações, enquanto transmissão de<br />

informações e compartilhamento de significados,<br />

pode-se afirmar que o conflito ocorre frequent<strong>em</strong>ente<br />

quando há tensão entre dois ou mais indivíduos. Um<br />

tipo especialmente interessante de conflito é o dil<strong>em</strong>a<br />

social, no qual a ação mais benéfica para o indivíduo,<br />

se escolhida pela maioria das pessoas, produzirá efeitos<br />

prejudiciais para todos. Um dil<strong>em</strong>a social b<strong>em</strong> estudado<br />

é o dil<strong>em</strong>a do prisioneiro, no qual duas pessoas têm<br />

de decidir se vão cuidar apenas de seus interesses ou<br />

também dos interesses do parceiro. A estratégia de<br />

pagar na mesma moeda é um jeito útil de lidar com o<br />

conflito, permitindo ao indivíduo responder de maneira<br />

cooperativa ou competitiva, dada a resposta da outra<br />

pessoa. Criar um clima de confiança é fundamental para<br />

solucionar esse tipo de conflito.<br />

Outros tipos de dil<strong>em</strong>as sociais são o do b<strong>em</strong> público<br />

e o da posse comum, no qual cada um retira de um<br />

fundo público de bens que se recomporá por si mesmo<br />

se usado moderadamente, mas que desaparecerá<br />

Ética e educação: questões de escolhas<br />

com excesso de uso. Por fim, as condições <strong>em</strong> que as<br />

hostilidades tenderão a aumentar ou diminuir, incluindo<br />

o uso de ameaças e a incapacidade de comunicarse,<br />

pod<strong>em</strong> exarcebar o conflito. Na negociação é<br />

importante procurar uma solução integrativa, na qual<br />

cada parte conceda o máximo <strong>em</strong> assuntos que são s<strong>em</strong><br />

importância para ela, mas muito importante para outra<br />

parte (ARONSON, 2000).<br />

Qual desses valores t<strong>em</strong> maior peso relativo: a<br />

liberdade de expressão ou o direito à privacidade<br />

(principalmente quando combinado com o respeito à<br />

intimidade)? Uma resposta possível consistiria <strong>em</strong> traçar<br />

uma clara fronteira entre o interesse privado e o público.<br />

O direito à privacidade cessaria quando a ação praticada<br />

tivesse relevância pública. É o caso dos governantes,<br />

somente os aspectos de sua vida privada que pudess<strong>em</strong><br />

afetar o interesse público seriam divulgados - mas<br />

não se aplicaria às celebridades cuja intimidade é tão<br />

abusivamente devassada pela curiosidade de parte da<br />

população - porque as relações privadas que mantêm<br />

diz<strong>em</strong> apenas respeito a elas mesmas (SROUR, 2003).<br />

A relação moral beneficia e prejudica qu<strong>em</strong>? Essa<br />

situação delicada pode ser chamada de “dil<strong>em</strong>a dos<br />

destinatários”, porque quaisquer formas de solvê-lo<br />

afetam desigualmente os agentes envolvidos, afinal, não<br />

é fácil beneficiar todos o t<strong>em</strong>po todo. Isso significa dizer<br />

que ter s<strong>em</strong>pre a humanidade por referência primeira e<br />

última constitui um desafio louvável, porém muito difícil<br />

de cumprir (SROUR, 2003).<br />

As decisões e ações, ainda que consideradas morais<br />

e legítimas por alguns, não o são necessariamente<br />

por outros, porque fer<strong>em</strong> interesses alheios; põ<strong>em</strong><br />

<strong>em</strong> litígio coletividades diferentes e despertam<br />

velhos rancores, estereótipos e preconceitos. Aliás,<br />

quanto menor for a coletividade beneficiada <strong>em</strong><br />

detrimento das d<strong>em</strong>ais coletividades, mais acirradas<br />

serão as divergências e maiores serão as distâncias<br />

que as separam (SROUR, 2003).<br />

Em suma, toda decisão e ação que seja portadora<br />

de implicações morais tende a colocar à frente agentes<br />

coletivos, cujos interesses diverg<strong>em</strong> e pod<strong>em</strong> provocar<br />

verdadeiros confrontos entre eles, confrontos que se<br />

reflet<strong>em</strong> nos discursos morais pregados (SROUR, 2003).<br />

Como resolver dil<strong>em</strong>a tão cruciante? A ética<br />

da convicção sugere que se estabeleça um código<br />

convencionado de princípios ou de ideais que seja<br />

estalão de valor, dirima as dúvidas e arbitre as diferenças.<br />

Contudo, diante dos interesses contraditórios que<br />

opõ<strong>em</strong> os vários agentes coletivos - alguns antagônicos<br />

e, portanto, inconciliáveis, outros não antagônicos e por<br />

isso mesmo administráveis - é muito difícil estabelecer<br />

o consenso. Restam-se ainda os caminhos apontados<br />

pela ética da responsabilidade (SROUR, 2003).<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 121-128<br />

125


126<br />

A vertente utilitarista obedece à lógica do máximo<br />

de b<strong>em</strong> para o maior número e implica dois fatores:<br />

a) o fator intensidade (máximo/mínimo), instruído<br />

pelo critério da qualidade ou eficácia (fazer o<br />

b<strong>em</strong> ou gerar felicidade); e b) o fator quantidade<br />

(maior/menor número), informado pelo critério da<br />

equidade (abrangência da população alcançada e nãodiscriminação).<br />

No dil<strong>em</strong>a dos meios, para cumprir prescrições (leis<br />

morais e ideais) ou para levara diante propósitos (fins<br />

e consequências), é preciso lançar mão de meios. Eles<br />

pod<strong>em</strong> ser legítimos e aceitos virtualmente por todos,<br />

principalmente por aqueles à qu<strong>em</strong> se aplicam, ou<br />

pod<strong>em</strong> ser meios ilegítimos, controversos, rejeitados<br />

principalmente por aqueles à qu<strong>em</strong> se aplica. Imaginese<br />

a violência física ou a simbólica, a fraude ou a<br />

manipulação, o sacrifício de alguns para salvar muitos<br />

ou a mentira deliberada. É fácil ver que o probl<strong>em</strong>a não<br />

se resume a meios “lícitos” ou não se cinge ao caráter<br />

jurídico - político dos meios - mas se resume também<br />

à validação moral - de caráter simbólico - que o uso<br />

desses meios supõe (SROUR, 2003).<br />

Na hierarquia dos valores, o fervor dos ideais<br />

ou a pureza dos princípios despreza os meios a<br />

ser<strong>em</strong> acionados para sua efetivação. Desse modo,<br />

contrariamente à crença popular, não apenas os fins<br />

ilegítimos são usados indistintamente para materializar<br />

ideais, impl<strong>em</strong>entar princípios ou até para alcançar o<br />

máximo de b<strong>em</strong> para o maior número, isto é, todas<br />

as vertentes éticas chegam a justificar o uso de meios<br />

espúrios (SROUR, 2003).<br />

O dil<strong>em</strong>a ético da moral reflexiva e os critérios<br />

de decisão, estruturantes morais que decorr<strong>em</strong> das<br />

relações submersas a cultura da formação ética para<br />

o exercício da docência, ganham sentido d<strong>em</strong>ocrático<br />

quando d<strong>em</strong>andam um esforço de construção coletiva,<br />

no qual dil<strong>em</strong>as morais e conflitos estão a desafiar<br />

a partir de juízos de fato e de valor. Juízos de fato<br />

diz<strong>em</strong> como as coisas são. Os juízos de valor avaliam<br />

coisas, pessoas, ações e experiências, acontecimentos,<br />

sentimentos, intenções e decisões como boas ou más.<br />

Os juízos éticos de valor são também normativos,<br />

isto é, enunciam normas que determinam o vir a ser<br />

de sentimentos, atos, comportamentos. São juízos<br />

que enunciam obrigações e avaliam intenções e<br />

ações segundo o critério do correto e do incorreto.<br />

Os juízos éticos de valor diz<strong>em</strong> o que são o b<strong>em</strong>, o<br />

mal, a felicidade. Qual a orig<strong>em</strong> da diferença entre os<br />

dois tipos de juízos? A diferença é que um se refere à<br />

natureza e o outro se origina da cultura.<br />

Dil<strong>em</strong>as éticos implicam tarefas de solução de<br />

probl<strong>em</strong>as, cujas regras de decisão são muitas vezes<br />

vagas ou conflitantes. Não há substituto para o<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 121-128<br />

Maria Batista da Cruz Silva; Maíza Rodrigues da Silva; Denise Queiroz; Ana Lúcia de Paula Ferreira Nunes<br />

pensamento crítico e a capacidade do indivíduo de<br />

assumir responsabilidade por suas decisões (FERREL;<br />

FRAEDRICH, 2001).<br />

As oportunidades e o conflito são importantes<br />

fatores de influência na tomada de decisões éticas nos<br />

relacionamentos interpessoais. Uma vez descoberta a<br />

oportunidade, surge frequent<strong>em</strong>ente o dil<strong>em</strong>a ético<br />

de explorá-la ou não. A oportunidade é um conjunto<br />

de condições que limitam a conduta condenável ou<br />

recompensa a conduta digna de um elogio. Com<br />

grande frequência, é uma situação com potencial de<br />

produzir um resultado ou recompensa positivos. As<br />

recompensas pod<strong>em</strong> ser internas: o sentimento de<br />

ser uma pessoa boa e merecedora ou externas, como<br />

aumento de salário ou elogio por trabalho b<strong>em</strong> feito<br />

(FERREL; FRAEDRICH, 2001).<br />

Às vezes, a oportunidade leva a - ou decorre de - um<br />

conflito entre os valores do indivíduo que toma as decisões<br />

e os colegas, a <strong>em</strong>presa ou a sociedade. O conflito não<br />

significa que objetivos ou valores têm precedência- os<br />

do indivíduo, da firma ou sociedade. Quando t<strong>em</strong> que<br />

escolher entre dois objetivos igualmente meritórios,<br />

sobretudo quando um pode resultar <strong>em</strong> recompensas<br />

mais positivas do que o outro, a pessoa se defronta<br />

com um dil<strong>em</strong>a. O inverso pode também ocorrer, ou<br />

seja, a escolha entre duas alternativas igualmente ruins<br />

(FERREL; FRAEDRICH, 2001).<br />

O conflito entre indivíduos e <strong>em</strong>presa ocorre<br />

quando os valores individuais da pessoa e dos métodos<br />

que ela usa para alcançar objetivos desejáveis difer<strong>em</strong><br />

dos métodos adotados pela firma ou por um grupo<br />

dela. Com frequência, os funcionários enfrentam<br />

essas situações especialmente antes de estar<strong>em</strong><br />

socializados e adaptados à <strong>em</strong>presa. Muita gente<br />

luta tanto para conseguir um <strong>em</strong>prego que não leva<br />

<strong>em</strong> conta os valores da <strong>em</strong>presa. Atitudes e valores<br />

relativos à bebida alcoólica, jogo, sexo e religião são<br />

assuntos morais pessoais. Qu<strong>em</strong> acredita que beber<br />

é errado pode se sentir constrangido trabalhando <strong>em</strong><br />

uma <strong>em</strong>presa <strong>em</strong> que alguns negócios são fechados<br />

após o expediente, por ex<strong>em</strong>plo, <strong>em</strong> um bar próximo<br />

(FERREL; FRAEDRICH, 2001).<br />

O conflito entre pessoa e sociedade ocorre quando<br />

os valores do indivíduo deca<strong>em</strong> dos valores aprovados<br />

pela sociedade. Esses valores são frequent<strong>em</strong>ente<br />

expressos <strong>em</strong> forma de leis e regulamentos promulgados<br />

pelos governos. Valores como o desejo de ter ar e<br />

água puros pode ser transformado <strong>em</strong> regulamentação<br />

de comportamento. Um conflito ético pode surgir<br />

quando comunidades diferentes impõ<strong>em</strong> regulamentos<br />

ou valores diferentes. O consumo de álcool, certos<br />

tipos de divertimentos e trabalho nos domingos são<br />

outros ex<strong>em</strong>plos de comportamento tratados de


modo distintos por diferentes comunidades (FERREL;<br />

FRAEDRICH, 2001).<br />

O conflito entre <strong>em</strong>presa e sociedade aparece<br />

quando as normas e valores da organização se opõ<strong>em</strong><br />

de maneira geral aos valores e normas da sociedade. A<br />

comercialização de novos produtos com frequência põe<br />

a <strong>em</strong>presa <strong>em</strong> conflito com a sociedade especialmente<br />

quando os produtos criam questões morais para certos<br />

grupos (FERREL;FRAEDRICH, 2001).<br />

Material e método<br />

Este trabalho foi uma revisão bibliográfica na qual se<br />

fez uma comparação entre Ferrel e Fraedrich, Srour,<br />

Robbins, Rios, Saviani, Vázquez, Schulz e Nery, Lopes,<br />

Aronson para perceber que a valorização e a interação<br />

entre pessoas e/ou grupos sociais serão b<strong>em</strong> mais<br />

consistentes, pois a dimensão ética está cada vez mais<br />

ligada aos diferentes momentos da vida <strong>em</strong> sociedade<br />

tanto na articulação do saber, do dever, do poder, como<br />

dos suportes culturais e políticos que norteiam todas as<br />

relações interpessoais.<br />

Conclusão<br />

Se cada momento histórico apresenta aos homens<br />

um desafio peculiar, é necessário verificar que<br />

características têm as crises que reclamam das pessoas<br />

uma superação através de uma ação competente. Falase<br />

numa crise ética na sociedade cont<strong>em</strong>porânea. Talvez<br />

seja o grande desafio que se apresenta à competência.<br />

Entretanto, é preciso verificar que significado t<strong>em</strong> falarse<br />

numa crise ética, ou melhor, numa crise moral, que<br />

provoca uma reflexão de caráter ético.<br />

Enfim, a dimensão ética não está presente apenas na<br />

competência do educador. Ela faz parte da competência<br />

profissional, qualquer que seja o espaço de atuação<br />

dos indivíduos. Em que medida a “descoberta” da<br />

perspectiva ética presente na competência profissional<br />

pode contribuir para uma melhoria na qualidade do<br />

trabalho d cada um? (RIOS, 2005).<br />

Com certeza, os frutos serão muitos. Entre eles, a<br />

valorização das ações e a interação entre pessoas e/ou<br />

grupos sociais que serão b<strong>em</strong> mais consistentes, uma<br />

vez que a dimensão ética está cada vez mais ligada aos<br />

diferentes momentos da vida <strong>em</strong> sociedade. E essa<br />

ligação acontece tanto na articulação do saber, do dever,<br />

do poder, como dos suportes culturais e políticos que<br />

norteiam todas as relações interpessoais.<br />

Ética e educação: questões de escolhas<br />

Referências<br />

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grupo: a influência nos grupos sociais. São Paulo: Abril<br />

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São Paulo: Nova Fronteira, 2006.<br />

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Tradução de Maria C.C. de Arruda. Rio de Janeiro:<br />

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LOPES, M. A. R. Ética e administração pública. <strong>Revista</strong><br />

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1980.<br />

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de Janeiro: Campus, 2005.<br />

SROUR, R. H. Ética <strong>em</strong>presarial: a gestão da reputação.<br />

Rio de Janeiro: Campus, 2003.<br />

VÁSQUEZ, A. S. Ética. Rio de Janeiro: Civilização<br />

Brasileira, 1995.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 121-128<br />

127


128<br />

ETHICS AND EDUCATION: ISSUES OF CHOICES<br />

ABSTRACT: This paper aims to d<strong>em</strong>onstrate the importance of ethics in interpersonal relationships, families,<br />

schools and other organized groups of society. Through literature review, it was possible to gather el<strong>em</strong>ents<br />

on the evolution of ethics as an agent that promotes interaction, harmony and positive and negative aspects<br />

in relationships between people. Likewise, it was observed that the rescue of ethical concepts is essential to<br />

understanding the dil<strong>em</strong>mas and ethical choices. And it is of paramount importance for further understanding<br />

of ethics as an agent that can contribute to the social relationships and school, especially the teaching-learning<br />

process. It was found that ethics is present in all the human and what is important in the creation, strengthening<br />

and impl<strong>em</strong>entation of the ethical dimension, on both the political and joints between duty, knowledge, power<br />

and want.<br />

KEYWORDS: Ethics; interpersonal relationships; dil<strong>em</strong>mas and ethical choices.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 121-128<br />

Maria Batista da Cruz Silva; Maíza Rodrigues da Silva; Denise Queiroz; Ana Lúcia de Paula Ferreira Nunes


A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO E<br />

CENTRALIDADE NA CIDADE DE FRUTAL<br />

Adriano Reis de Paula e Silva 1 ; Vitor Ribeiro Filho 2<br />

RESUMO: Este trabalho busca analisar a formação do espaço urbano e centralidade, verificando as características que este<br />

possui nas pequenas e médias cidades. A partir do desenvolvimento do modo capitalista de produção, da concretização do<br />

processo de industrialização e através dos avanços tecnológicos, percebe-se a intensificação do processo de urbanização.<br />

A discussão da produção do espaço e centralidade na cidade de Frutal, Minas Gerais, localizada no Triangulo Mineiro,<br />

é importante para uma melhor compreensão da estruturação e da funcionalidade dentro da região. O planejamento<br />

tanto intraurbano quanto interurbano se resume num instrumento que norteia as ações dos municípios, no qual se faz<br />

uma avaliação das potencialidades locais, buscando mais oportunidades de <strong>em</strong>prego e geração de renda para os seus<br />

moradores. Sua localização potencializa uma atração para o setor industrial e educacional. Constata-se o crescimento<br />

no setor da construção civil, com surgimento de diversos bairros e loteamentos, e a aquisição de terrenos para obras<br />

públicas. O município exerce centralidade na microrregião, com a sua estrutura interna, advento do surgimento de<br />

serviços especializados que atend<strong>em</strong> todos os municípios vizinhos. Isso v<strong>em</strong> proporcionando uma maior visibilidade do<br />

crescimento socioeconômico e suas potencialidades do município.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Centralidade; espaço urbano; Frutal; pequenas cidades.<br />

O estudo contribuirá na divulgação do município e<br />

<strong>em</strong> políticas de planejamento, proporcionando uma<br />

maior visibilidade do crescimento socioeconômico<br />

e de suas potencialidades. Sua localização provoca<br />

atração para o setor industrial e a afirmação de pólo<br />

educacional possibilita ao município uma expansão<br />

urbana e socioeconômica. A produção do espaço e<br />

centralidade relativa à microrregião localizada na região<br />

do Triângulo Mineiro, antigo Sertão da Farinha Podre,<br />

t<strong>em</strong> uma área de 2.436,6 km². Em 5 de outubro de 1885,<br />

de acordo com lei n. 3.325, o distrito foi <strong>em</strong>ancipado<br />

e elevado à categoria de vila, denominada Carmo do<br />

Fructal, desm<strong>em</strong>brando-se de Uberaba. Sua elevação à<br />

categoria de cidade se deu <strong>em</strong> 04 de outubro de 1887,<br />

através da lei n. 3.464, já com o nome de Frutal.<br />

FIGURA 01- Mapa do estado de Minas Gerais, Brasil<br />

Fonte: IBGE, 2010 (Adaptação do autor).<br />

No Censo D<strong>em</strong>ográfico de 2000, feito pelo IBGE,<br />

verifica-se que mais de 80% da população brasileira<br />

vive <strong>em</strong> áreas urbanas como cidades e vilas, as quais<br />

se mostram num contínuo processo de crescimento.<br />

A partir do desenvolvimento do modo capitalista<br />

de produção, da concretização do processo de<br />

industrialização e através dos avanços tecnológicos,<br />

percebe-se a intensificação do processo de urbanização.<br />

Assim, no dizer de Carlos (2005), as cidades, como<br />

produto da divisão social do trabalho e do poder nela<br />

centralizado, assum<strong>em</strong> dinâmicas diferenciadas, com<br />

formas e funções distintas <strong>em</strong> cada período histórico.<br />

A partir dos últimos anos do século XX e início do<br />

século XXI, vêm ocorrendo profundas transformações<br />

sociais e econômicas decorrentes da concretização<br />

de desenvolvimentos tecnológicos que estimulam o<br />

processo de reestruturação do sist<strong>em</strong>a capitalista de<br />

produção principalmente na organização das cidades e<br />

de seus espaços intraurbanos (CASTELLS, 1999). De<br />

acordo com Castells, as transformações <strong>em</strong> curso se<br />

dão da seguinte maneira:<br />

[...] individualização e diversificação cada vez maior<br />

das relações de trabalho; incorporação maciça<br />

das mulheres na força de trabalho r<strong>em</strong>unerada,<br />

geralmente <strong>em</strong> condições discriminatórias;<br />

intervenção estatal para desregular os mercados<br />

de forma seletiva e desfazer o estado do<br />

b<strong>em</strong>-estar social com diferentes intensidades<br />

e orientações, dependendo da natureza das<br />

forças e instituições políticas de cada sociedade;<br />

1 Professor do curso de Administração da Universidade do Estado de Minas Gerais - Campus de Frutal. Avenida Professor Mário Palmério, 1001 – CEP<br />

38200-000, Frutal – MG. E-mail: eng_adrianoreis@u<strong>em</strong>gfrutal.org.br;<br />

2 Professor doutor da Universidade Federal de Uberlândia, Instituto de Geografia. Coordenador do Projeto de Pesquisa. Avenida João Naves de Ávila, 2.160.<br />

Santa Mônica, Bloco 1H. E-mail: vitor.f@terra.com.br.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 129-138<br />

129


130<br />

aumento da concorrência econômica global <strong>em</strong><br />

um contexto de progressiva diferenciação dos<br />

cenários geográficos e culturais para a acumulação<br />

e a gestão de capital (CASTELLS, 1999, p. 21-22).<br />

Nesse processo, as formas de produção e expansão<br />

física da cidade têm se modificado, gerando novas<br />

morfologias. Whitacher (2003) destaca a necessidade<br />

de se considerar o centro e a centralidade:<br />

Não existe cidade s<strong>em</strong> centralidade, por isso se<br />

compreende que a única categoria que pode ser<br />

utilizada para definir a cidade <strong>em</strong> todos os t<strong>em</strong>pos<br />

é o centro. Mas deve-se procurar compreender<br />

o conteúdo da centralidade nos diferentes<br />

momentos históricos e recortes <strong>em</strong>preendidos<br />

para sua apreensão, na perspectiva de se entender<br />

como ela se realiza no âmbito de diferentes<br />

formações sociais (WHITACHER, 2003, p. 128).<br />

A centralidade abrange várias escalas, organizando<br />

e articulando a cidade <strong>em</strong> redes tanto no intraurbano<br />

quanto no interurbano e provocando o surgimento de<br />

terrenos vazios no momento <strong>em</strong> que se expand<strong>em</strong> os<br />

seus limites, que será abordada como difusa. Às vezes, de<br />

forma especulativa, esses vazios, áreas recém loteadas,<br />

serão beneficiados com a implantação de infraestrutura,<br />

o que propicia uma valorização imediata do local <strong>em</strong><br />

função da acessibilidade criada. Dessa forma, a maioria<br />

das cidades ainda está passando por um processo de<br />

reestruturação urbana, adaptando-se ao surgimento<br />

de novas centralidades e apresentando estruturas<br />

intraurbanas diferenciadas de acordo com as diversas<br />

categorias hierárquicas - pequena, média e grande.<br />

A discussão da centralidade na cidade de Frutal<br />

se faz importante para que o município tenha uma<br />

melhor compreensão de sua estruturação a respeito<br />

da funcionalidade dentro da microrregião, <strong>em</strong> torno<br />

de questões setoriais e t<strong>em</strong>áticas relacionadas com o<br />

seu desenvolvimento. Outras dinâmicas dev<strong>em</strong> ser<br />

pensadas como novas formas produtivas que alteram<br />

tanto as formas urbanas quanto o assentamento urbano<br />

<strong>em</strong> todos os níveis da sociedade.<br />

(Re)Estruturação do espaço urbano<br />

Antes de abordar a re-estruturação do espaço<br />

urbano, é importante compreender a estruturação<br />

urbana na sua concepção. Para Sposito (2004), o<br />

conceito de estrutura diz respeito a um momento do<br />

processo de estruturação, à forma como se encontram<br />

e se articulam os usos do solo <strong>em</strong> um determinado<br />

momento. Segundo a autora, essa é a estruturação<br />

da ideia de processo, fenômeno responsável pelo<br />

desenvolvimento de formas produtivas.<br />

A expressão estrutura urbana dá ênfase aos processos<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 129-138<br />

Adriano Reis de Paula e Silva; Vitor Ribeiro Filho<br />

urbanos como um todo. Já a estrutura da cidade prioriza<br />

as formas, a morfologia da cidade propriamente dita. Em<br />

se tratando da reestruturação, Sposito (2004) diz que o<br />

termo deve ser utilizado como referência aos períodos<br />

<strong>em</strong> que é vasta e profunda a adaptação às mudanças<br />

que orientam os processos de estruturação urbana e<br />

das cidades. Sendo assim, a reestruturação urbana é o<br />

termo mais adequado para se tratar das dinâmicas mais<br />

recentes nos âmbitos regionais ou referentes às redes<br />

urbanas e à reestruturação das cidades. Para a autora,<br />

é o termo mais compatível às análises dos espaços da<br />

cidade, ou seja, do intraurbano.<br />

Durante as décadas de 1980, 1990 e 2000, a<br />

discussão sobre a re-estruturação urbana adquiriu<br />

maior vigor na análise geográfica. Isso aconteceu <strong>em</strong><br />

função das transformações por que vêm passando as<br />

cidades. No entanto, como destaca Villaça (2001), as<br />

especificidades da re-estruturação têm um âmbito nos<br />

níveis intraurbano e interurbano. Segundo o autor,<br />

O que comumente se chama estruturação urbana<br />

não é estruturação (ou reestruturação) urbana, mas<br />

estruturação (ou reestruturação) regional, pois não<br />

aborda o el<strong>em</strong>ento urbano da estrutura regional,<br />

o processo de urbanização enquanto processo do<br />

espaço regional” (VILLAÇA, 2001, p. 19).<br />

Historicamente, no caráter urbano, t<strong>em</strong>-se a visão<br />

distorcida do que é periferia, associada ao local onde<br />

as famílias de baixa renda resid<strong>em</strong>. No processo de<br />

estruturação da cidade, era comum que as famílias<br />

tradicionais, mais conceituadas e com maior poder<br />

econômico residiss<strong>em</strong> no centro e as d<strong>em</strong>ais na<br />

periferia. Nesse contexto, Sposito (2004) argumenta que<br />

as cidades brasileiras tiveram suas estruturas urbanas<br />

orientadas por uma relação <strong>em</strong> que as áreas centrais<br />

detinham melhores estruturas físicas e de acessibilidade,<br />

e a periférica de uso residencial para a população com<br />

menor poder aquisitivo. Na realidade, percebe-se uma<br />

complexidade maior quanto à ocupação desta área. O<br />

autor expõe que no processo de reestruturação cria-se à<br />

periferia de status. Ela seria um tipo de autossegregação,<br />

onde as classes médio-altas resid<strong>em</strong>: loteamentos<br />

planejados, condomínios fechados, entre outros, agora<br />

distantes do centro da cidade, visando-se o isolamento e<br />

na procura de resguardar<strong>em</strong>-se da violência.<br />

Nessa perspectiva, o planejamento urbano deixa<br />

de ser um mero instrumento de controle do uso do<br />

solo para se tornar um instrumento que introduz o<br />

desenvolvimento das cidades. Deverá assegurar os<br />

espaços adequados para a provisão de novas moradias<br />

que atendam à d<strong>em</strong>anda da população e preveja<br />

condições atraentes para <strong>em</strong>presas, conforme as<br />

características locais e regionais, itens vitalmente<br />

importantes para a produção do espaço equilibrado.


A cidade e sua nova funcionalidade<br />

Para a compreensão da funcionalidade das cidades<br />

no mundo moderno, é preciso considerar os vários<br />

el<strong>em</strong>entos que se relacionam <strong>em</strong> diversas parcelas do<br />

território, uma vez que são múltiplas as determinações<br />

do processo de urbanização, como argumenta Weber:<br />

Toda cidade, no sentido que aqui damos a essa<br />

palavra, é um “local de mercado”, quer dizer, conta<br />

como centro econômico do estabelecimento<br />

com um mercado local e no qual <strong>em</strong> virtude de<br />

uma especialização permanente da produção<br />

econômica, também a população não-urbana se<br />

abastece de produtos industriais ou de artigos<br />

de comércio ou de ambos e, como é natural, os<br />

habitantes da cidade trocam os produtos especiais<br />

de suas economias respectivas e satisfaz<strong>em</strong> desse<br />

modo suas necessidades (WEBER,1979, p. 69).<br />

Ao tratar da questão de como pode fundar-se uma<br />

cidade, Weber (1979) sugere que seria de dois modos:<br />

a) através da indústria <strong>em</strong> regime de especialização e<br />

b) pelo intercâmbio regular de mercadorias. Enfim,<br />

num local de mercado ou num estabelecimento de<br />

mercado. Nesse momento, a relação campo-cidade<br />

não é homogênea, o autor fala de componentes<br />

predominantes de uma ou de outra situação, ou<br />

seja, mistos. Então, conceitua-se que a denominação<br />

de cidade não é apenas um local de produção e<br />

comercialização de bens, mas é um local onde pessoas<br />

se organizam e interag<strong>em</strong> com base <strong>em</strong> interesses e<br />

valores, formando grupos de afinidade e de interesse.<br />

A vida econômica, a sofisticação dos bens e serviços<br />

ofertados, que pode ser definida como um centro de<br />

gestão do espaço urbano, não é diversificado somente<br />

pelo tamanho d<strong>em</strong>ográfico, mas também pela renda<br />

média das pessoas, além de fatores histórico-culturais.<br />

Compreende-se assim, que o tamanho das cidades,<br />

tanto <strong>em</strong> termos populacionais quanto territoriais não<br />

pode ser unicamente determinante para a existência de<br />

probl<strong>em</strong>as. A postura assumida pelos planejadores e as<br />

condições econômicas, sociais e espaciais estabelecidas<br />

é que irão determinar a intensidade desses probl<strong>em</strong>as.<br />

Com o desenvolvimento industrial no século XX,<br />

o processo de mudanças no campo brasileiro se<br />

intensificou e a divisão territorial do trabalho, tendo o<br />

modelo urbano-industrial como norte, transformou a<br />

atividades processadas no campo.<br />

Diante desse contexto, parte considerável das áreas<br />

de cerrados no Brasil passou a ser configurada segundo<br />

o modelo agrícola moderno, ou seja, logo após 1970,<br />

rompendo gradativamente com a “antiga” estrutura<br />

da fazenda autossuficiente, engrenando nas relações<br />

tipicamente capitalistas e estabelecendo vínculos<br />

A produção do espaço urbano e centralidade na cidade de Frutal<br />

com a indústria, com a agroindústria e com o capital<br />

financeiro. Com base nesses três eixos de ação, o Estado<br />

financiou a modernização da agricultura e a implantação<br />

de infraestrutura de estradas, armazenamento,<br />

eletrificação rural, formação de mão-de-obra, entre<br />

outros (SOARES, 2007).<br />

Com os projetos para o desenvolvimento econômico<br />

das áreas do cerrado associado ao capital privado, vários<br />

municípios dos estados de Goiás, Mato Grosso e Minas<br />

Gerais ingressaram na economia agrícola moderna,<br />

ocuparam áreas agricultáveis com o cultivo de soja.<br />

A presença de homens no campo praticamente só é<br />

verificada <strong>em</strong> períodos pré-estabelecidos, como no<br />

cultivo, na colheita e quando hom<strong>em</strong> e máquina faz<strong>em</strong><br />

a pulverização de produtos químicos, entre outros.<br />

A partir desse fenômeno, iniciam-se a descentralização<br />

industrial e a modernização agrícola, que promoveram<br />

mudanças no padrão da divisão territorial do trabalho<br />

no país, favorecendo o crescimento das cidades,<br />

especificamente das pequenas e médias, e modificando<br />

para a atual rede urbana brasileira.<br />

Para Soares (2007), a descontinuidade na forma<br />

de ocupação do território está associada ao caráter<br />

dinâmico do mercado da habitação e da afirmação do<br />

setor imobiliário. Esse processo de urbanização t<strong>em</strong><br />

seguido muitas vezes um modelo difuso que gera não<br />

só modelos insustentáveis de organização territorial<br />

nomeadamente face à gestão dos recursos, à dotação<br />

de infraestruturas básicas e à prestação de serviços.<br />

O difuso é uma espécie de resultado da<br />

interpenetração da condição rural na condição urbana<br />

ou vice-versa, com processos de construção diferentes<br />

ao longo do t<strong>em</strong>po. A urbanização difusa permite a cohabitação<br />

entre o rural e o urbano, entre a cidade e<br />

o campo, de uma forma que não é necessariamente<br />

caótica ou desordenada, mas antes um modelo de<br />

ocupação territorial que não cont<strong>em</strong>pla amplos espaços<br />

vazios (SOARES, 2007).<br />

A complexidade da definição dos limites urbanos foi<br />

ainda mais intensificada com o surgimento da sociedade<br />

<strong>em</strong> rede e o seu desdobramento no espaço dos fluxos<br />

tão precisamente descrito por Castells (1999). São as<br />

<strong>em</strong>presas, os grupos sociais, os projetos de comunicação<br />

e culturais que modificam os pré-existentes mediante<br />

mecanismos de competência econômica, eficiência<br />

organizativa e inovação cultural. Analisar esses novos<br />

processos equivale a entender as fontes de poder,<br />

riqueza e influência na sociedade atual.<br />

De acordo com a história, o pensamento do<br />

desenvolvimento local atua, na maioria das vezes,<br />

com um aspecto competitivo, ou seja, os planejadores<br />

pensavam apenas <strong>em</strong> questões financeiras, tributárias<br />

e de geração de receitas. Entretanto, como o<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 129-138<br />

131


132<br />

crescimento da ocupação urbana v<strong>em</strong> justamente<br />

reforçar a importância do desenvolvimento local<br />

na ampliação do regional, cria-se a necessidade da<br />

formação de identidades e de diferenciação das regiões<br />

e das comunidades para enfrentar<strong>em</strong> um mundo de<br />

extr<strong>em</strong>a competitividade, reforçando a necessidade<br />

de ajustes estruturais na economia e nas organizações,<br />

adaptando-se ao novo contexto globalizado.<br />

As pequenas e médias cidades, com a população<br />

entre 50 e 500 mil habitantes, tiveram significativa<br />

importância no crescimento urbano brasileiro no<br />

período de 1950 a 1991. Com a globalização, podese<br />

observar que as relações entre as cidades vêm se<br />

tornando cada vez mais complexas, frente a uma nova<br />

dinâmica na ocupação territorial. Assim, o comércio<br />

internacional v<strong>em</strong> se tornando importante para essas<br />

cidades da mesma forma que os investidores nacionais<br />

devido às instalações que movimentam o comércio<br />

local, enquanto os centros metropolitanos tend<strong>em</strong> a<br />

produzir serviços especializados e gerenciais.<br />

Nesse contexto, as pequenas e médias cidades vêm<br />

se tornando verdadeiras fronteiras entre processos<br />

rurais e urbanos, absorvendo um pouco dos processos<br />

acumulativos próprios da cont<strong>em</strong>poraneidade<br />

modernidade. A influência de cada cidade é <strong>em</strong> função<br />

de seu tamanho e na caracterização de uma rede<br />

urbana equilibrada, definindo o desenvolvimento<br />

regional e do país. Assim, o planejamento territorial<br />

v<strong>em</strong> caracterizando-se como estratégico, envolvendo<br />

redes de cidades num elo direto, s<strong>em</strong> intermediações<br />

assentadas nas hierarquias (SANTOS, 1989).<br />

É claro que o processo modernizador não se<br />

realiza da mesma forma <strong>em</strong> todos os lugares e nas<br />

pequenas cidades se apresenta mais residualmente.<br />

A divisão social do trabalho se desdobra numa divisão<br />

territorial, <strong>em</strong> que momentos diferentes do processo<br />

estão se realizando <strong>em</strong> diferentes lugares, criando<br />

diferenças sociais e econômicas. T<strong>em</strong>poralidades e<br />

espacialidades diversas são tidas como essenciais,<br />

sendo que as grandes cidades concentrariam os<br />

el<strong>em</strong>entos dinâmicos desse processo.<br />

[...] uma sociedade pode instituir tanto a repartição<br />

social de facilidades urbanas (equipamentos,<br />

serviços, ambientes), quanto a apropriação social<br />

do espaço, para fins de trabalho, de moradia,<br />

etc., b<strong>em</strong> como a localização das atividades<br />

econômicas e seus diferentes efeitos sociais<br />

(NYGAARD, 2005, p. 193).<br />

Nessa perspectiva, o planejamento tanto intraurbano<br />

quanto interurbano é um instrumento que irá nortear<br />

as ações dos municípios por um determinado período<br />

no qual se faz uma avaliação das potencialidades<br />

locais, revelando suas contradições para a partir daí,<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 129-138<br />

Adriano Reis de Paula e Silva; Vitor Ribeiro Filho<br />

estabelecer diretrizes, prioridades e estratégias a fim<br />

de se alcançar os objetivos definidos.<br />

A cidade de Frutal<br />

Frutal está localizada na região do Triângulo Mineiro<br />

do estado de Minas Gerais e na microrregião de mesmo<br />

nome. Conforme denominação do Instituto Brasileiro<br />

de Geografia e Estatística (IBGE), a mesorregião<br />

do Triângulo Mineiro compreende 33 municípios<br />

distribuídos entre as microrregiões de Itutiutaba,<br />

Uberlândia, Frutal e Uberaba. A microrregião de<br />

Frutal conta com os municípios de Campina Verde,<br />

Carneirinho, Comendador Gomes, Fronteira, Frutal,<br />

Itapagipe, Iturama, Limeira do Oeste, Pirajuba, Planura<br />

e São Francisco de Sales.<br />

FIGURA 02 - Vista da Igreja da Matriz (Frutal)<br />

Fonte: Prefeitura Municipal de Frutal (2009).<br />

De acordo com o IBGE, a população de Frutal está<br />

com 53 mil e 474 habitantes, um crescimento regular<br />

conforme a média do estado (TAB. 01).<br />

Fonte: IBGE, 2010.<br />

TABELA 01<br />

Evolução populacional de Frutal<br />

ANO<br />

1991<br />

1996<br />

2000<br />

2007<br />

POPULAÇÃO<br />

41.424<br />

45.329<br />

46.566<br />

51.766<br />

A constituição do município foi relatada por vários<br />

autores sertanistas da comunidade. Segundo Mata<br />

(1982), o povoamento da região onde hoje se localiza<br />

o município teve início no século XVIII, <strong>em</strong> especial,<br />

a partir de 1736, quando por ord<strong>em</strong> do governador


Martinho de Mendonça, foi aberta a Picada de Goiás no<br />

trecho que saía de Pitangui rumo a noroeste. Naquela<br />

ocasião, foram concedidas sesmarias para localização<br />

de estâncias ao longo da Picada, onde também foram se<br />

formando pontos de parada e abastecimento. Na época<br />

das bandeiras, a região, que hoje é conhecida como<br />

Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, foi denominada de<br />

Sertão da Farinha Podre pelo fato de que alimentos<br />

estocados pelos comboios eram encontrados<br />

deteriorados quando eles regressavam. Até 1816, o<br />

Sertão da Farinha Podre pertencia à capitania de Goiás,<br />

quando então passou à capitania das Minas Gerais<br />

através de alvará do rei D. João VI.<br />

Na pesquisa Original História de Frutal, Ferreira<br />

(2002) descreve que Antônio de Paula e Silva construiu<br />

uma capela dedicada à Nossa Senhora do Carmo.<br />

Ao redor dela se formou um povoado, passag<strong>em</strong><br />

obrigatória para os que transitavam de São Paulo para<br />

Goiás e Mato Grosso. Em seus primórdios, o lugar tinha<br />

como atividade econômica fundamental a pecuária,<br />

sendo que o povoamento da região teve como móvel<br />

principal a agropecuária para abastecimento de<br />

bandeirantes, viajantes e localidades de exploração<br />

aurífera. O grande número de frutos silvestres na<br />

região inspirou o nome do atual município. Suas origens<br />

estão ligadas a um modesto rancho, onde <strong>em</strong> 1835 o<br />

pioneiro Antônio de Paula e Silva fixou sua residência.<br />

A chegada de numerosas pessoas que se fixaram no<br />

povoado favoreceu o rápido crescimento, passando à<br />

categoria de arraial <strong>em</strong> 1850. Em 1854, foi incorporado<br />

ao município de Uberaba e <strong>em</strong> 14 de maio de 1858,<br />

elevado à condição de Distrito de Paz. Sua elevação à<br />

categoria de cidade se deu <strong>em</strong> 4 de outubro de 1887.<br />

O modo de transporte predominante na região é<br />

o rodoviário. A cidade está situada no centro de uma<br />

grande malha viária formada pelas BR’s 050, 153,<br />

262, e 364 e MG’s 255 e 427. Essas estradas ligam<br />

Frutal, por via asfáltica, aos principais centros do país,<br />

b<strong>em</strong> como às mais importantes cidades do Triângulo<br />

Mineiro e aos municípios situados <strong>em</strong> seu entorno,<br />

assim como aos povoados e distritos. O município<br />

está situado à 628 km da capital Belo Horizonte, 138<br />

km de Uberaba (Minas Gerais), 175 km de Uberlândia<br />

(Minas Gerais), 200 km de Itumbiara (Goiás), 78 km<br />

de Barretos (São Paulo), 110 km de São José do Rio<br />

Preto (São Paulo) e 500 km da capital paulista. Outras<br />

importantes estradas são a rodovia BR 153, que faz a<br />

ligação entre as regiões do sul e norte do país, e a BR<br />

364, que liga o interior de São Paulo e a região norte<br />

do país, destaques do mapa da malha rodoviária da<br />

Região Sudeste.<br />

Exist<strong>em</strong> outras concentrações populacionais fora do<br />

perímetro urbano como os povoados de Pradolândia,<br />

A produção do espaço urbano e centralidade na cidade de Frutal<br />

Boa Esperança, Água Santa, Garimpo do Bandeira e Vila<br />

Barroso, além do distrito de Aparecida de Minas. Este<br />

último conta com uma população de aproximadamente<br />

2,8 mil habitantes entre área urbana e rural e está<br />

situado a 13 km da Rodovia BR 153, no acesso A-900,<br />

entre as cidades de Frutal e Fronteira (Minas Gerais),<br />

distando 24 km da divisa com estado de São Paulo.<br />

A sua localização e o entroncamento rodoviário<br />

colaboram logisticamente para o setor industrial,<br />

contribuindo diretamente para o início da expansão<br />

do comércio varejista. O município conta ainda com<br />

aeroporto perfeitamente apropriado com iluminação<br />

noturna e que atende aos requisitos do Governo Federal<br />

para receber aeronaves com objetivos de realização de<br />

comércio e até mesmo transporte aéreo comercial.<br />

FIGURA 03 - Malha Rodoviária da Região Sudeste (Brasil)<br />

Fonte: Ministério dos Transportes, 2010 (Adaptação do<br />

autor).<br />

A cidade de Frutal conta com uma pista de pouso para<br />

aviões de pequeno e médio porte, <strong>em</strong> 2009 recebeu<br />

do Departamento de Obras Públicas de Minas Gerais<br />

a ampliação, melhoramento e balizamento noturno,<br />

os investimentos somaram R$ 3,5 milhões. Foram<br />

realizados serviços de ampliação e reforço da pista de<br />

pouso e decolag<strong>em</strong> com 1.320 metros por 30 metros,<br />

taxiway, pátio de estacionamento para aeronaves,<br />

sinalização horizontal e balizamento noturno, o que<br />

permitira atender a d<strong>em</strong>anda da aviação aérea comercial<br />

regional. Na reinauguração, o aeroporto foi nomeado<br />

como Aeroporto Risoleta Neves. Coordenadas: latitude:<br />

-20º 00’ 33” S / Longitude: -48º 56’ 17” W. Distância<br />

aérea de Belo Horizonte: 523 km, de Brasília: 484 km,<br />

de São Paulo: 458 km e Porto Alegre: 1.136 km.<br />

O aeroporto integra o Programa Aeroportuário<br />

de Minas Gerais (Proaero), que t<strong>em</strong> como objetivo<br />

permitir que 100% dos municípios mineiros estejam<br />

localizados a uma distância máxima de 100 quilômetros<br />

de um aeroporto público, com funcionamento diurno e<br />

noturno, acessado por meio de rodovia pavimentada,<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 129-138<br />

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134<br />

como d<strong>em</strong>onstra a figura abaixo.<br />

FIGURA 04 - Aeroporto Risoleta Neves<br />

Fonte: SECOM-MG, 2010.<br />

O comércio é impulsionado pelas indústrias, pelo<br />

agronegócio do abacaxi, milho, soja e cana-de-açúcar, é<br />

b<strong>em</strong> diversificado, atraindo grande número de pessoas<br />

da microrregião que se desloca diariamente para<br />

usufruir do comércio local. A força do setor industrial<br />

se concentra nas indústrias do leite e seus derivados,<br />

doces, confecções, vestuário, bijuterias, acessórios<br />

infantis, produtos alimentícios e produções artesanais.<br />

Cont<strong>em</strong>poraneamente, foram implantadas indústrias<br />

do setor sucroalcoleiro, usinas de açúcar e álcool e do<br />

setor cervejeiro.<br />

Em 23 de nov<strong>em</strong>bro de 2009, a multinacional<br />

Bungue publicou a aquisição da unidade Frutal, com um<br />

projeto de se tornar uma das maiores companhias do<br />

agronegócio do mundo, assinando contrato de compra<br />

do Grupo Mo<strong>em</strong>a, consolidando sua participação no<br />

setor sucroalcooleiro. De acordo com fontes próximas<br />

à negociação, pelo acordo assinado, a Bunge teria<br />

adquirido as participações que o Grupo Mo<strong>em</strong>a possui<br />

nas seis usinas que formam o conglomerado. A Usina<br />

Frutal t<strong>em</strong> 56% da Bungue e 44% de participação de<br />

acionistas minoritários. Pelo planejamento da <strong>em</strong>presa,<br />

a produção será de 650 mil toneladas/ano, chegando a<br />

dois milhões de toneladas <strong>em</strong> 2011.<br />

FIGURA 05 - Usina Frutal Açúcar e Álcool S. A.<br />

Fonte: Usina Frutal Açúcar e Álcool S/A (2010).<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 129-138<br />

Adriano Reis de Paula e Silva; Vitor Ribeiro Filho<br />

A <strong>em</strong>presa Usina Cerradão Ltda foi criada <strong>em</strong> 01<br />

de junho de 2006, através da união de dois grupos<br />

ligados ao agronegócio, o grupo Queiroz de Queiroz<br />

e o Pitangueiras. A família Queiroz possui uma história<br />

de mais de 200 anos de trabalho no Triângulo Mineiro.<br />

Em 1974 foi iniciado o Grupo Queiroz de Queiroz, que<br />

v<strong>em</strong> trabalhando com pecuária de corte, pecuária de<br />

leite, cultivo de grãos como milho, sorgo e soja, além<br />

de fornecer cana-de-açúcar para usinas já instaladas<br />

na região, como a Usina Mo<strong>em</strong>a e a Itapagipe. Com a<br />

grande expansão da cana-de-açúcar, a disponibilidade de<br />

terras da família e o grande potencial de produção do<br />

Triângulo Mineiro, o grupo decidiu <strong>em</strong> 2006 procurar<br />

um sócio que possuísse grande conhecimento e tradição<br />

na área industrial de açúcar e álcool para a fundação de<br />

uma usina que pudesse agregar valor ao seu produto<br />

agrícola e gerar desenvolvimento <strong>em</strong> toda a região.<br />

Desde 1975, o Grupo Pitangueiras trabalha na<br />

industrialização de cana-de-açúcar através da <strong>em</strong>presa<br />

Pitangueiras Açúcar e Álcool, localizada no município de<br />

Pitangueiras, estado de São Paulo, na região de Ribeirão<br />

Preto. Desde a fundação da unidade industrial, o grupo<br />

veio expandindo os negócios. Em 2006, acreditando<br />

no grande futuro do etanol brasileiro e na produção de<br />

energia elétrica através da biomassa, ele resolveu iniciar<br />

a construção de uma nova unidade, procurando para<br />

a instalação uma região com potencial produtivo e um<br />

grupo com disponibilidade de terras e conhecimento<br />

agrícola para associar-se ao novo <strong>em</strong>preendimento.<br />

Em operação desde o dia 14 de julho de 2009, a<br />

Usina Cerradão conta com mais de mil colaboradores,<br />

produzindo álcool e cogerando energia. A partir da<br />

safra 2010/11 está produzindo também açúcar e outros<br />

derivados da cana-de-açúcar.<br />

A Usina Cerradão e seus fornecedores já têm<br />

contratados e implantados mais de 16 mil hectares de<br />

cana-de-açúcar, cuja capacidade de moag<strong>em</strong> da safra<br />

referida pode chegar a 1,5 milhão de toneladas. Abaixo<br />

se observa a indústria <strong>em</strong> fase de implantação:<br />

FIGURA 05 - Usina Cerrão Ltda<br />

Fonte: Usina Cerradão Ltda (2010).


O Grupo Aralco de Santo Antônio do Aracanguá (São<br />

Paulo), região de Araçatuba, que é respeitado por sua longa<br />

história de tradição no setor sucroalcooleiro, resolveu<br />

investir no setor cervejeiro brasileiro. Proprietário das<br />

<strong>em</strong>presas Usinas Aralco, de Santo Antônio do Aracangu;<br />

Generalco, <strong>em</strong> General Salgado (São Paulo) e Alcoazul<br />

de Araçatuba, estado de São Paulo. Em 10 de agosto<br />

de 2005, esse grupo inaugurou sua primeira unidade de<br />

produção da nova cerveja Fass, Cervejaria Pr<strong>em</strong>ium,<br />

localizada na Rodovia BR 364, Km 26,6, no município de<br />

Frutal. A cerveja, tipo pilsen, com graduação alcoólica de<br />

4,8%, chega ao mercado inicialmente com a marca Fass,<br />

que significa barril <strong>em</strong> al<strong>em</strong>ão, envasada <strong>em</strong> garrafas de<br />

600ml, distribuída nas principais regiões dos estados de<br />

São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul.<br />

Para isso, foi montanda uma estrutura própria de logística<br />

e comercialização do produto.<br />

Em sua primeira fase de produção, a Cervejaria<br />

Pr<strong>em</strong>ium estima colocar no mercado 35 milhões de<br />

litros/ano. A indústria possui capacidade de ampliação<br />

de produção de mais 100 milhões de litros/ano. O<br />

grupo investiu R$ 68 milhões na construção e instalação<br />

da indústria. A <strong>em</strong>presa contratou 160 funcionários e<br />

prevê oferecer outros 350 <strong>em</strong>pregos diretos.<br />

FIGURA 05 - Cervejaria Pr<strong>em</strong>ium<br />

Fonte: Cervejaria Pr<strong>em</strong>ium (2010).<br />

Hoje, a Cervejaria Pr<strong>em</strong>ium conta mais quatro<br />

marcas, entre as mais conhecidas as cervejas Bella e<br />

Bauhaus, vendidas <strong>em</strong> garrafa e lata.<br />

O município exerce centralidade na microrregião,<br />

com a sua estrutura interna <strong>em</strong> constante processo de<br />

transformação e readequação, advento da implantação<br />

de novos loteamentos e o surgimento de serviços<br />

especializados como Unidade do Corpo de Bombeiros,<br />

Unidades Regionais do INSS, Receita Federa, Receita<br />

Estadual e a instalação da nova vara judicial na comarca,<br />

<strong>em</strong> que são distribuídos mensalmente cerca de 920<br />

processos e quase 23 mil ações <strong>em</strong> andamentos,<br />

segundo as estatísticas de janeiro a abril de 2010. No<br />

setor saúde, o município atende todos os municípios<br />

vizinhos através do Hospital Municipal Frei Gabriel.<br />

A produção do espaço urbano e centralidade na cidade de Frutal<br />

A qualidade do ensino ministrado na rede municipal<br />

de ensino, comprovada pelos bons índices alcançados<br />

no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica<br />

(IDEB) e apresentada pelo Instituto Nacional de<br />

Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)<br />

<strong>em</strong> 2010, e a instalação da Universidade do Estado de<br />

Minas Gerais (UEMG) - Campus de Frutal configuram<br />

o município <strong>em</strong> um pólo educacional frente à sua<br />

microrregião.<br />

Em fase de implantação está a Cidade Universitária,<br />

que abrigará duas instituições de ensino e pesquisa de<br />

porte nacional e internacional, a UEMG e o do Instituto<br />

de Águas (Hidroex). Isso provocará uma notória<br />

mudança de hábitos de consumo e de comportamento,<br />

implicando diretamente numa reorganização funcional<br />

da cidade e coerência da transformação urbana.<br />

FIGURA 06 – UEMG – Campus de Frutal (MG)<br />

Fonte: UEMG (2010).<br />

Quanto à ocupação urbana, constata-se que há uma<br />

realocação das populações, separação que ocorre tanto<br />

pela valorização de terrenos, que dificulta o acesso à<br />

qu<strong>em</strong> dispõe de pouco poder aquisitivo, como também<br />

a aquisição de terrenos para obras públicas, como as<br />

políticas habitacionais que são usadas como mecanismo<br />

de valorização de áreas periféricas e não urbanizadas.<br />

Consultas feitas à Secretaria de Obras de Frutal<br />

apontam que o processo do planejamento urbano está<br />

<strong>em</strong> fase de estudos e o poder público o reconhece como<br />

um importante instrumento para o desenvolvimento<br />

ordenado da cidade.<br />

Considerações finais<br />

A partir dos últimos anos do século XX e inicio do<br />

século XXI, vêm ocorrendo profundas transformações<br />

sociais e econômicas decorrentes da concretização<br />

de desenvolvimentos tecnológicos que estimulam o<br />

processo de re-estruturação do sist<strong>em</strong>a capitalista de<br />

produção, principalmente na organização das cidades e<br />

de seus espaços intraurbanos.<br />

A expansão urbana das pequenas e médias cidades<br />

está associada ao acentuado processo de urbanização. A<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 129-138<br />

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136<br />

partir desse fenômeno, iniciam-se a descentralização<br />

industrial e a modernização agrícola, além da promoção<br />

de mudanças no padrão da divisão territorial do trabalho<br />

no país, o que favoreceu o crescimento das cidades,<br />

especificamente das pequenas e médias, modificando<br />

para a atual rede urbana brasileira. A reprodução do<br />

capital refletiu na descentralização econômica e no<br />

desenvolvimento de atividades, colaborando de forma<br />

efetiva para o surgimento de novas configurações<br />

comerciais.<br />

De acordo com a história, o pensamento do<br />

desenvolvimento local atua na maioria das vezes com um<br />

aspecto competitivo, ou seja, os planejadores pensavam<br />

apenas <strong>em</strong> questões financeiras, tributárias e de geração<br />

de receitas. Entretanto, como o crescimento da<br />

ocupação urbana v<strong>em</strong> justamente reforçar a importância<br />

do desenvolvimento local na ampliação do regional,<br />

cria-se a necessidade da formação de identidades e<br />

de diferenciação das regiões e das comunidades para<br />

enfrentar<strong>em</strong> um mundo de extr<strong>em</strong>a competitividade,<br />

reforçando a necessidade de ajustes estruturais na<br />

economia e nas organizações, adaptando-se ao novo<br />

contexto globalizado.<br />

Nesse contexto, as pequenas e médias cidades vêm<br />

se tornando verdadeiras fronteiras entre processos<br />

rurais e urbanos, absorvendo um pouco os processos<br />

acumulativos próprios da cont<strong>em</strong>poraneidade,<br />

modernidade. A influência de cada cidade é <strong>em</strong> função<br />

de seu tamanho e da caracterização de uma rede urbana<br />

equilibrada, definindo o desenvolvimento regional<br />

e do país. Assim, o planejamento territorial v<strong>em</strong><br />

caracterizando-se como estratégico, envolvendo redes<br />

de cidades num elo direto, assegurando os espaços<br />

adequados para a provisão de novas moradias que<br />

atendam à d<strong>em</strong>anda da população e preveja condições<br />

atraentes para <strong>em</strong>presas, conforme as características<br />

locais e regionais.<br />

A localização de Frutal potencializa uma atração<br />

para o setor industrial. Sobretudo, a transformação do<br />

município <strong>em</strong> pólo educacional, possibilitará ao município<br />

uma notória expansão urbana e socioeconômica.<br />

Constata-se o crescimento no setor da construção<br />

civil, com surgimento de diversos bairros e loteamentos<br />

tanto para classe média quanto para qu<strong>em</strong> dispõe<br />

de pouco poder aquisitivo, e também a aquisição<br />

de terrenos para obras públicas, como as políticas<br />

habitacionais.<br />

O município exerce centralidade na microrregião,<br />

com a sua estrutura interna, advento do surgimento<br />

de serviços especializados, que atend<strong>em</strong> todos os<br />

municípios vizinhos.<br />

A compreensão da produção e centralidade da<br />

cidade de Frutal contribui na divulgação do município<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 129-138<br />

Adriano Reis de Paula e Silva; Vitor Ribeiro Filho<br />

e políticas de planejamento, proporcionando uma<br />

maior visibilidade do crescimento socioeconômico e<br />

as potencialidades do município. Ela serve ainda como<br />

parâmetros para estudos acadêmicos futuros na busca<br />

pela compreensão da relação entre o intraurbano e o<br />

interurbano para melhor identificação da ocupação do<br />

uso do solo dessa cidade.<br />

Enfim, a discussão do estudo <strong>em</strong> questão envolve<br />

a estruturação interna da cidade, desde a nova<br />

localização dos equipamentos de comércio e de<br />

serviços; a redefinição do centro e sua região periférica;<br />

a criação de núcleos habitacionais e condomínios; a<br />

especulação imobiliária e as medidas adotadas pela<br />

gestão municipal.<br />

A pesquisa ainda encontra-se <strong>em</strong> andamento e<br />

levantará dados sobre a política habitacional através<br />

de uma análise socioeconômica e espacial e sobre as<br />

redes <strong>em</strong>presariais e industriais que corroboram para<br />

melhorias destinadas às pequenas e médias cidades.<br />

Referências<br />

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Frutal, 2010.<br />

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Sist<strong>em</strong>as Viários. Frutal, 2010.<br />

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USINA FRUTAL. Usina Frutal Açúcar e Álcool S/A.<br />

Frutal, 2010.<br />

USINA CERRADÃO. Usina Cerradão Ltda. Frutal,<br />

2010.<br />

WHITACHER, A. M. Reestruturação urbana e<br />

centralidade <strong>em</strong> São José do Rio Preto. 2003. 238f. Tese<br />

(Doutorado <strong>em</strong> Geografia) - Faculdade de Ciências<br />

e Tecnologia, Universidade Estadual de São Paulo,<br />

Presidente Prudente, 2003.<br />

A produção do espaço urbano e centralidade na cidade de Frutal<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 129-138<br />

137


138<br />

THE PRODUCTION OF URBAN SPACE AND<br />

CENTRALITY IN THE CITY OF FRUTAL<br />

ABSTRACT: This paper seeks to analyze the formation of urban space and centrality, checking the features<br />

that this has on small and medium-sized cities. From the development of the capitalist mode of production and<br />

impl<strong>em</strong>entation of the industrialization process, and through technological advances sees the intensification of<br />

the urbanization process. The discussion of production space and centrality in the city of Frutal (MG), located<br />

in the Triangulo Mineiro region, is important for a better understanding of the structure and functionality within<br />

the region. The planning, both the intra-urban and interurban the technique, is an instrument that guides the<br />

actions of municipalities, in which he makes an assessment of potential sites, looking for more job opportunities<br />

and generating income for its residents. Its location enhances an attraction to industry and education. There is<br />

growth in the construction industry, with the appearance of several neighborhoods and subdivisions, as well as the<br />

acquisition of land for public works. The council has centrality in the micro, with its internal structure, the advent<br />

of the <strong>em</strong>ergence of specialized services that meet all the neighboring counties, which is providing greater visibility<br />

of the socio-economic growth and its potential in the city.<br />

KEYWORDS: Centralization; urban space; Frutal; small towns.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 129-138<br />

Adriano Reis de Paula e Silva; Vitor Ribeiro Filho


FORMAÇÃO ÉTICA PARA O EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA<br />

Almiro Schulz 1 ; Graziela Giusti Pachane 2<br />

RESUMO: O texto t<strong>em</strong> por objetivo socializar preocupações e resultados de pesquisas sobre a formação ética<br />

para o exercício da docência, considerando que se trata de uma atividade complexa e com grandes desafios. O<br />

trabalho t<strong>em</strong> por base uma revisão bibliográfica sobre a dimensão ética, a partir de textos considerados clássicos,<br />

<strong>em</strong> suas diferentes perspectivas. Também t<strong>em</strong> por referência algumas pesquisas <strong>em</strong>píricas que foram desenvolvidas<br />

com alunos de iniciação científica e com alunos de um curso de mestrado <strong>em</strong> educação superior. Salienta-se que<br />

no processo da formação, estão implicados paradigmas e métodos e que a razão como único critério da ética já<br />

não responde mais ao t<strong>em</strong>po atual, sendo preciso incluir o sensitivo. Conclui-se que a formação ética se dá no<br />

processo da ação docente (práxis) de uma forma circular, mesclando-se entre conhecimento e sabedoria, pela<br />

prática das virtudes, num intercâmbio do desenvolvimento cognitivo e <strong>em</strong>ocional/moral.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Docência; competência; ética; formação; método.<br />

Introdução<br />

Atualmente, a formação de professores é objeto de<br />

muitos estudos, pesquisas e publicações. Da mesma<br />

forma, verifica-se que também a ética está <strong>em</strong> pauta,<br />

as traduções de textos e as publicações sobre o assunto<br />

têm aumentado e se diversificado.<br />

Considerando a formação docente, a ética é uma das<br />

competências que se espera do profissional da educação.<br />

Diante disso, t<strong>em</strong>-se o objetivo de socializar algumas<br />

preocupações sobre a ética no exercício da docência,<br />

pois a atividade do professor é complexa e pressupõe<br />

desafios como, por ex<strong>em</strong>plo, as relações intersubjetivas<br />

entre os pares, com os discentes, com os gestores etc.,<br />

nas quais há implicações éticas. Este artigo pretende,<br />

então, destacar aspectos sobre a formação ética para o<br />

exercício da docência, mostrando a importância que é<br />

dada a ela; apresentar uma noção sobre a competência<br />

ética, tecer comentários sobre critérios para uma<br />

decisão ética e apontar procedimentos metodológicos.<br />

O estudo t<strong>em</strong> por base uma revisão bibliográfica,<br />

sob a dimensão ética, de textos considerados clássicos<br />

<strong>em</strong> suas diferentes perspectivas como Instrução pública<br />

e formação moral, de Condorcet; A educação moral,<br />

de Durkeim; Formação moral <strong>em</strong> Rawls, de Sidney.<br />

De publicações cont<strong>em</strong>porâneas, como A construção<br />

da personalidade moral, de Puig; O livro das virtudes de<br />

s<strong>em</strong>pre, de Marques e, sobretudo, textos de José Maria<br />

Quintana Cabanas como A pedagogia moral: el desarrollo<br />

moral integral e Pedagogia axiológica - la educación ante<br />

los valores. Também t<strong>em</strong> como referência algumas<br />

pesquisas que foram desenvolvidas e de iniciação<br />

científica e com alunos de um curso de mestrado <strong>em</strong><br />

educação superior.<br />

A abordag<strong>em</strong> do t<strong>em</strong>a está estruturada <strong>em</strong> três eixos<br />

principais. Primeiro, chama-se a atenção para a relevância<br />

e pertinência do assunto ora <strong>em</strong> pauta. A seguir, situase<br />

a ética no âmbito das competências da docência.<br />

Em terceiro lugar, destacam-se alguns aspectos sobre<br />

a formação no processo da profissionalização para o<br />

exercício de um profissionalismo ou profissionalidade<br />

com ética. Esse terceiro eixo dá uma noção sobre<br />

o sentido de profissionalização e profissionalismo,<br />

faz considerações sobre o agir de forma ética e uma<br />

apresentação sobre a questão das metodologias no<br />

processo da formação ética.<br />

1 A importância da ética<br />

para a formação docente<br />

Há mais de uma década, o impacto da ética<br />

não cessa de crescer <strong>em</strong> profundidade,<br />

invadindo as mídias, fornecendo matéria para<br />

reflexão filosófica, jurídica e deontológica,<br />

gerando instituições e práticas coletivas inéditas<br />

(LIPOVETSKY, 2005, p. xxvii).<br />

Constata-se, pois, que a ética ocupa hoje um ponto<br />

de destaque, considera-se até que a sociedade vive a<br />

“era da ética”. Percebe-se que o seu uso se amplia cada<br />

vez mais para diferentes âmbitos e instâncias, tais como<br />

no “mundo” corporativo, no qual a ética <strong>em</strong>presarial ou<br />

organizacional está <strong>em</strong> alta. Muitas são as publicações<br />

1 Doutor <strong>em</strong> Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba. Professor da Universidade Federal de Goiás (UFG). R.T 29, 660, apto. 1.202, Setor<br />

Bueno, Goniânia - GO. E-mail: almiroschulz@yahoo.com.br.<br />

2 Doutora <strong>em</strong> Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Professora adjunta da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Rua Cândida<br />

Mendonça Bilharinho, 627, apto. 102, Bl 02, Mercês. Cep: 38060-159. Uberaba-MG. E-mail: grazielagp@yahoo.com.br<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 139-146<br />

139


140<br />

sobre o assunto, por ex<strong>em</strong>plo: Ética <strong>em</strong>presarial, de<br />

Srour; Ética <strong>em</strong>presarial, de Forrell, Fraedrich e Forrell<br />

e muitos outros. Isso abre espaço para uma nova função<br />

profissional: os consultores de ética organizacional e<br />

associações de assessoramento.<br />

Segundo Amôedo (2007), hoje a sociedade vive a<br />

pós-qualidade, buscando e enfatizando a qualidade<br />

ética. Para o autor, a “exigência ética agora não é apenas<br />

por produtos ou serviços de qualidade, mas também de<br />

natureza ética” (AMÔEDO, 2007, p. 89).<br />

Não é menor a ênfase <strong>em</strong> outras áreas como, por<br />

ex<strong>em</strong>plo, as abordagens <strong>em</strong> torno da bioética, a ética<br />

ecológica etc. É só colocar como palavra-chave o termo<br />

“ética” <strong>em</strong> um site de busca e t<strong>em</strong>-se uma enorme lista de<br />

publicações de textos e debates disponíveis para estudo.<br />

Também está <strong>em</strong> alta a questão da formação<br />

docente. Verifica-se que o interesse pelo assunto é<br />

grande, bastando para isso observar os congressos ou<br />

eventos promovidos pela área da educação, na qual<br />

se concentra o maior número de interessados. Tal<br />

interesse também pode ser percebido pelas t<strong>em</strong>áticas<br />

ou probl<strong>em</strong>as de estudo e pesquisa nas pós-graduações<br />

<strong>em</strong> educação. Em um levantamento de dissertações<br />

e teses feito através de um projeto de pesquisa - As<br />

condições do ensino de filosofia no estado de Goiás (2009)<br />

- constatou-se que grande número t<strong>em</strong> como foco a<br />

formação do professor.<br />

Se ética e formação docente são hoje assuntos que<br />

estão <strong>em</strong> um pedestal, é preciso considerar como eles<br />

se pertenc<strong>em</strong> no processo da formação e na prática<br />

docente, isso é, que relação há entre a educação, o<br />

ensino e a ética?<br />

Em uma das pesquisas sobre dil<strong>em</strong>as éticos da prática<br />

da docência, realizada com 230 professores de oito<br />

instituições de educação superior, constatou-se que os<br />

professores se deparam com uma série de situações<br />

que consideram dil<strong>em</strong>as éticos, as quais ocorr<strong>em</strong> com<br />

relativa frequência e que têm incidência ou impacto<br />

sobre suas vidas. Como ex<strong>em</strong>plo desses dil<strong>em</strong>as, podese<br />

citar a necessidade dos professores de cumprir<br />

certas exigências da parte de gestores das instituições<br />

educacionais, mesmo não concordando, apenas para<br />

não perder<strong>em</strong> o <strong>em</strong>prego (SCHULZ, 2007).<br />

Em outras duas pesquisas, procurou-se verificar<br />

qual a importância dada à ética na formação docente<br />

<strong>em</strong> cursos de licenciaturas. Nesse sentido, constatouse<br />

que os vários segmentos ou atores da comunidade<br />

do ensino superior dão grande importância à formação<br />

ética dos professores. Numa delas, realizada com 514<br />

sujeitos (alunos, professores e coordenadores de curso),<br />

<strong>em</strong> instituições de ensino superior no Alto Paranaíba<br />

(Minas Gerais), <strong>em</strong> oito cursos de licenciaturas, dos 459<br />

alunos pesquisados, 94,99% consideram que a ética é<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 139-146<br />

Almiro Schulz; Graziela Giusti Pachane<br />

importante para sua formação. Entre os professores,<br />

dos 47 entrevistados, 97,87% julgaram que ela é<br />

importante. E todos os oito coordenadores envolvidos<br />

consideram que a ética é uma questão importante<br />

(SCHULZ; DELZA, 2004).<br />

Percebe-se, portanto, que seja do ponto de vista da<br />

literatura da área ou do ponto de vista dos próprios<br />

docentes, gestores e estudantes, os t<strong>em</strong>as relativos a<br />

questões éticas são considerados relevantes. É preciso,<br />

no entanto, não ser ingênuo, mas perguntar de que<br />

ética se está falando, pois segundo Lipovetsky no texto<br />

A sociedade pós-moralista – o crepúsculo do dever e a<br />

ética indolor dos novos t<strong>em</strong>pos d<strong>em</strong>ocráticos:<br />

a sedução tomou lugar do dever, o b<strong>em</strong>-estar<br />

tornou-se Deus, e a publicidade é seu profeta. O<br />

reino do consumo e da publicidade exprime muito<br />

b<strong>em</strong> o sentido coeso da cultura pós-moderna. [...]<br />

Eis como avança a era do pós-dever: projeta-se<br />

<strong>em</strong> tecnicolor o direito individualista de não se<br />

interessar pelos d<strong>em</strong>ais (LIPOVETSKY, 2005,<br />

p.31/33).<br />

Segundo o autor, a ênfase da ética hoje não se<br />

centra no dever ser, mas t<strong>em</strong> como base o b<strong>em</strong>-estar<br />

individual, <strong>em</strong> nome do qual se age e se decide. O<br />

dever está circunscrito pelo b<strong>em</strong>-estar, diante dele se<br />

abre mão de compromissos e deveres, assum<strong>em</strong>-se<br />

responsabilidades ou deixam-as, etc.<br />

2 Competência ética<br />

da profissão docente<br />

“Competência” e “profissão” são duas categorias n<strong>em</strong><br />

s<strong>em</strong>pre b<strong>em</strong> vistas pela comunidade pedagógica, pois<br />

uma parte dela entende que elas têm um viés ideológico<br />

do mundo mercadológico, corporativista. O uso do<br />

termo “competência” tende a responsabilizar o sujeito,<br />

o educando, pelo seu sucesso e fracasso, diminuindo o<br />

papel político e social do processo educativo. Do outro<br />

lado, o termo “profissão”, segundo alguns autores,<br />

atribui maior peso ao “mundo” produtivo, ao trabalho,<br />

voltando-se mais para a ideia de uma formação técnica<br />

e de instrumentalização. Contudo, o que se constata é<br />

que ambos os termos são cada vez mais de uso comum,<br />

mesmo na área da educação, s<strong>em</strong>, no entanto, atribuirlhes<br />

o mesmo significado ideológico.<br />

N<strong>em</strong> todo trabalho que é realizado é considerado ou<br />

qualificado como profissão. As profissões são resultado<br />

de uma construção histórica e social, elas são ampliadas,<br />

são modificadas e pod<strong>em</strong> até desaparecer. Uma<br />

profissão se caracteriza por alguns critérios, dentre eles<br />

padrões de des<strong>em</strong>penho, especialização, identidade<br />

e missão central (GARDNER; CSIKSZENTMIHALYI;


DAMON, 2004). Nesse sentido, apreende-se dessas<br />

pressuposições que a profissão docente consiste <strong>em</strong>:<br />

ensinar, pesquisar e formar.<br />

Ao discutir competência profissional, entra-se <strong>em</strong><br />

questão a que profissão pertence o profissional, pois<br />

cada uma delas se caracteriza por determinada essência,<br />

diferente das d<strong>em</strong>ais. Segundo Gardner, Scikszentmihalyi<br />

e Damon “todos profissionais dev<strong>em</strong> ser capazes de<br />

verbalizar a missão essencial tradicional de seu campo”<br />

(GARDNER; SCIKSZENTMIHALYI; DAMON, 2004,<br />

p. 26). Mesmo que haja similaridades, cada profissão<br />

requer competências específicas do profissional.<br />

Em seu texto Compreender e ensinar – por uma<br />

docência da melhor qualidade, Rios (2001) refere-se a<br />

quatro dimensões de competência relativas ao fazer<br />

docente: técnica, estética, política e ética. Perrnoud<br />

(2000) relaciona uma lista de dez competências, sendo<br />

uma delas “enfrentar os deveres e dil<strong>em</strong>as éticos da<br />

profissão”. Há, portanto, maneiras diversas de delimitar<br />

e compreendê-las. No entanto, <strong>em</strong> síntese, destacam-se<br />

quatro níveis básicos de competências: a) cognitiva, b)<br />

técnica, c) <strong>em</strong>ocional/social e d) ética/moral.<br />

A “competência cognitiva” compreende o domínio<br />

no âmbito do conhecimento, ter as informações e<br />

conhecimentos necessários que envolv<strong>em</strong> e d<strong>em</strong>andam<br />

as profissões. No caso da docência, ter domínio sobre a<br />

área do saber objeto da sua docência. A “competência<br />

técnica” é entendida como a capacidade da realização,<br />

do fazer as coisas b<strong>em</strong> feitas; não é só saber, mas saber<br />

fazer. No caso da docência, pod<strong>em</strong> ser entendidos todos<br />

os aspectos didáticos. Naturalmente, há profissões que<br />

são mais práticas, enquanto outras são mais teóricas. A<br />

“competência <strong>em</strong>ocional/social” refere-se à capacidade<br />

de dominar os próprios sentimentos, de lidar com<br />

situações de pressão <strong>em</strong>ocional e de tratar as relações<br />

intersubjetivas; t<strong>em</strong> a ver com o relacionamento com o<br />

outro, conforme abordag<strong>em</strong> de Gol<strong>em</strong>an (2006). Nesse<br />

caso, a competência <strong>em</strong>ocional e social do professor se<br />

manifesta no âmbito e na forma do relacionamento que<br />

ele estabelece com os alunos, com os pares e como age<br />

e reage quando pressionado etc.<br />

Considerando que o foco deste texto é a formação<br />

ética do professor, dar-se-á um pouco mais atenção a<br />

alguns aspectos implicados na “competência ética”. A<br />

rigor teria que se discutir mais sobre a ética, uma vez<br />

que essa categoria n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre é usada com um mesmo<br />

significado ou conceito. O termo “ética” muitas vezes,<br />

é focado a partir do locus de onde se olha e se fala: da<br />

política, da psicologia, da religião, da filosofia etc.<br />

Para Vazquez (1982), a “ética é ciência da moral”.<br />

Porém, é importante l<strong>em</strong>brar que sua própria<br />

concepção pode ser dimensionada como ética filosófica<br />

ou científica. Nesse sentido, Srour l<strong>em</strong>bra, <strong>em</strong> relação<br />

Formação ética para o exercício da docência<br />

à ética filosófica ou filosofia moral, que ela:<br />

tende a ter um caráter normativo e de prescrição,<br />

ansiosa por estabelecer uma moral universal,<br />

cujos princípios eternos deveriam inspirar os<br />

homens, malgrado as contingências de lugar e de<br />

t<strong>em</strong>po (SROUR, 2002, p. 39).<br />

Em relação à ética científica, ele menciona que ela<br />

tende a ter um caráter descritivo e explicativo<br />

porque centra sua atenção no conhecimento<br />

das regularidades que os fenômenos morais<br />

apresentam, malgrado sua diversidade cultural<br />

e apesar da variedade de seus pressupostos<br />

normativos (SROUR, 2002, p. 39).<br />

Diante dessas considerações, importa apontar duas<br />

concepções sobre a competência ética: a primeira<br />

diz respeito ao uso do conhecimento com sabedoria,<br />

quando se produz conhecimento e ele se aplica de<br />

forma virtuosa; isto é, saber usar o conhecimento<br />

para o b<strong>em</strong> (STEPKE; DRUMOND, 2007). Nesse<br />

sentido, a competência ética do professor consiste <strong>em</strong><br />

saber direcionar o uso do conhecimento produzido e<br />

o que produz, como uma autodeterminação pela sua<br />

consciência moral, de forma que suas decisões e ações<br />

contribuam para uma vida mais feliz.<br />

Numa outra perspectiva, a competência ética é o<br />

alinhamento entre princípios, valores morais e a conduta,<br />

ou seja, ter a capacidade de viver e se comportar de<br />

acordo com seus princípios morais. Kiel e Lennick<br />

defin<strong>em</strong> a inteligência moral como “a capacidade mental<br />

de determinar como princípios humanos universais<br />

dev<strong>em</strong> ser aplicados aos nossos valores, objetivos e<br />

ações” (KIEL; LENNICK, 2005, p.xvii).<br />

É comum constatar que há uma distância entre o<br />

juízo e a ação. Segundo Taille e Menin,<br />

ao perguntar para uma pessoa se ela valoriza a<br />

honestidade, provavelmente ela responderá que<br />

sim. Porém, mesmo na hipótese de ela não estar<br />

optando por um juízo moral <strong>em</strong> razão de sua<br />

aceitabilidade social, mesmo na hipótese, portanto,<br />

de ela ser sincera, tal juízo não garantiria que, <strong>em</strong><br />

uma situação na qual a desonestidade trouxesse-lhe<br />

alguma vantag<strong>em</strong> desejada, ela não agisse de forma<br />

desonesta (TAILLE; MENIN, 2009, p. 11).<br />

Tal atitude ou comportamento não estaria de acordo<br />

com a concepção de competência ética, do alinhamento,<br />

pois, ter competência ética é agir, se comportar de acordo<br />

com os princípios, com os valores, de forma alinhada.<br />

De acordo com essa concepção, a competência<br />

ética do docente está mais relacionada ao seu caráter,<br />

à sua personalidade moral, quando diante de situações<br />

decide e age mais por autodisciplina, ou seja, pela ética<br />

da virtude.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 139-146<br />

141


142<br />

3. Formação ética no processo da<br />

profissionalização para o exercício<br />

de um profissionalismo com ética<br />

Considera-se importante antes de discutir sobre o<br />

processo da formação ética, esclarecer um pouco as<br />

duas categorias, profissionalização e profissionalismo.<br />

Esses termos são, hoje, amplamente utilizados <strong>em</strong><br />

textos que discut<strong>em</strong> a docência, havendo também<br />

qu<strong>em</strong> faça uma crítica ao seu uso.<br />

O uso desses conceitos representa uma mudança<br />

de paradigma <strong>em</strong> relação ao conceito de docência,<br />

deixando de lado a ideia de vocação, que traz, inclusive,<br />

uma conotação religiosa. No entanto, os termos<br />

profissionalidade e profissionalismo pod<strong>em</strong> provocar o<br />

risco da perda da dimensão humanística do ser professor.<br />

Buscando definir o termo de forma b<strong>em</strong> simples,<br />

“profissionalismo” refere-se à qualidade do trabalho<br />

desenvolvido, ou seja, se o trabalho é realizado dentro<br />

de padrões de qualidade requeridos da profissão e não<br />

feito de forma amadora. Já Veiga, Araujo e Kapuziniak<br />

refer<strong>em</strong>-se ao profissionalismo<br />

[...] como as características e capacidades<br />

específicas da profissão. É a complexa variedade<br />

a que um profissional se deve submeter para<br />

des<strong>em</strong>penhar o trabalho com dignidade,<br />

justiça e responsabilidade (VEIGA; ARAUJO;<br />

KAPUZINIAK, 2005, p. 27).<br />

Enquanto que “profissionalização” t<strong>em</strong> a ver com a<br />

formação, o preparo, seja inicial ou continuado, com a<br />

qualificação para o exercício de uma profissão, o estudo, a<br />

experiência, tudo aquilo que v<strong>em</strong> agregar para o exercício<br />

de um trabalho com profissionalismo. Segundo Veiga,<br />

Araujo e Kapuziniak é “o processo socializador de aquisição<br />

das características e capacidades específicas da profissão”<br />

(VEIGA; ARAUJO; KAPUZINIAK, 2005, p. 31).<br />

Se a docência é uma profissão, ela precisa ser<br />

aprendida. Ninguém nasce professor, aprende-se ao<br />

longo do exercício e estudo, sobretudo, num mundo<br />

<strong>em</strong> constantes mudanças, no qual é preciso estar<br />

s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> processo de aprender e reaprender.<br />

Tratar da formação ética no âmbito da profissionalização<br />

docente é penetrar <strong>em</strong> um terreno bastante movediço,<br />

mas não por isso s<strong>em</strong> importância ou impossível de ser<br />

discutido. Aliás, o assunto já v<strong>em</strong> sendo objeto de discussão<br />

por alguns anos e mostra-se bastante divergente entre a<br />

própria categoria de docentes, principalmente quando<br />

se trata da sua materialização ou objetivação. Outra vez,<br />

Veiga, Araujo e Kapuziniak (2005) abordam a questão da<br />

criação ou não de um conselho ou ord<strong>em</strong> profissional,<br />

b<strong>em</strong> como a formalização ou não de um código de ética<br />

para a classe, mostrando a complexidade desse assunto.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 139-146<br />

Almiro Schulz; Graziela Giusti Pachane<br />

Neste texto, no entanto, não se t<strong>em</strong> por objetivo<br />

discutir a deontologia profissional dos docentes, ou<br />

seja, o código de ética para os professores, mas a<br />

formação ética do profissional da docência. Não que<br />

aquele deixe de ser um t<strong>em</strong>a pertinente, s<strong>em</strong> relação<br />

com a t<strong>em</strong>ática tratada neste estudo, mas é que este<br />

t<strong>em</strong> a subjetividade do professor como foco.<br />

Pensar na formação ética é considerar sua<br />

especificidade, conteúdo, metodologia. Diante disso,<br />

pretende-se chamar a atenção, ao menos, para<br />

algumas questões significativas como critérios básicos<br />

do processo da formação ética. Essas questões<br />

diz<strong>em</strong> respeito ao paradigma ou critérios éticos e à<br />

metodologia enquanto processo da formação ética.<br />

As questões d<strong>em</strong>andariam, a rigor, uma longa<br />

discussão e análise sobre as várias perspectivas relativas<br />

aos fundamentos da ética, sobre as diferentes concepções<br />

pedagógicas do processo do ensino e formação ética<br />

no decorrer do t<strong>em</strong>po. Porém, neste estudo, faz-se<br />

um recorte, tomando aqui apenas alguns aspectos<br />

considerados fundamentais à abordag<strong>em</strong> pretendida.<br />

Em relação à primeira questão, dos paradigmas,<br />

destacam-se dois aspectos que parec<strong>em</strong> ser pertinentes:<br />

um baseado na razão e outro no sensitivo.<br />

a) A razão como único critério:<br />

Segundo Felipe,<br />

[...] razão, linguag<strong>em</strong>, consciência e pensamento<br />

têm sido, desde Aristóteles, características<br />

essenciais aceitas pela filosofia moral para<br />

estabelecer a linha divisória que define qu<strong>em</strong><br />

pertence à comunidade moral e têm direitos<br />

morais e qu<strong>em</strong> dela fica excluído (FELIPE, 2004,<br />

p. 174).<br />

Ao longo do t<strong>em</strong>po, considerou-se, basicamente,<br />

que o sujeito humano era o único ser que tinha direitos<br />

e deveres morais. Só suas ações tinham implicações<br />

éticas tanto na sua forma ativa como na passiva, isto<br />

é, tanto o que praticava, seus atos, como a prática do<br />

outro, da qual era alvo. Os outros seres (animais) não<br />

se enquadravam n<strong>em</strong> na moral passiva.<br />

Nós últimos anos, o movimento ecológico e<br />

ambiental, com o desenvolvimento da bioética, coloca<br />

<strong>em</strong> questão a razão como único parâmetro, pois já não<br />

responde à atualidade ou às questões bioéticas e ética<br />

da ecologia. Assim, aponta-se para a necessidade de<br />

inclusão do aspecto sensitivo.<br />

b) Sensitivo como critério ético:<br />

Até pouco t<strong>em</strong>po, o sensitivo, dor e prazer, estava<br />

subordinado à razão. Atualmente, como dito, devido


às novas preocupações com o ecossist<strong>em</strong>a, com a<br />

sustentabilidade, evoca-se a necessidade da inclusão do<br />

sensitivo para medir as ações dos seres humanos. Na<br />

verdade, ele ganhou força no âmbito do utilitarismo<br />

cont<strong>em</strong>porâneo, com destaque pela crítica de Peter Singer<br />

aos parâmetros morais tradicionais (FELIPE, 2004).<br />

Dor e prazer eram parâmetros para qualificar ações<br />

que envolviam o ser humano ou a espécie humana, que<br />

era capaz de tomar consciência do sensitivo. Singer<br />

tece uma crítica ao critério racional, qualificando-o<br />

como sendo biológico e pertencente à espécie humana<br />

<strong>em</strong> detrimento a outras espécies animais, vivas. Ele<br />

considera que os animais ag<strong>em</strong> segundo suas sensações,<br />

dor e prazer, mas o fato de não se ter medidas<br />

claras sobre a mente animal impede que estes sejam<br />

excluídos dos que têm direitos morais passivos. T<strong>em</strong>se<br />

consciência de que a inclusão do sensitivo como<br />

critério ético, da forma como Singer postula, implica<br />

numa reeducação e apresenta riscos de elevar seres<br />

vivos não-humanos e reduzir seres humanos para um<br />

estágio não-humano, afetando os valores culturais, b<strong>em</strong><br />

como a economia (SINGER, 1998). Entretanto, o que<br />

se pretende é colocar <strong>em</strong> questão a razão como único<br />

critério ético, até porque novas pesquisas apontam<br />

para além da inteligência racional, para uma inteligência<br />

<strong>em</strong>ocional, social (GOLRMSN, 2006) e até moral (KIEL;<br />

LENNICK, 2005), entre outras que d<strong>em</strong>andam novos<br />

el<strong>em</strong>entos no processo formativo.<br />

É importante que o professor, enquanto mediador<br />

do processo da formação de seus alunos, seja capaz de<br />

balizar e fundamentar suas decisões e ações e que use<br />

de critérios que contribuam e garantam sua ética no<br />

exercício da tarefa docente.<br />

A segunda grande questão implicada no processo<br />

formativo t<strong>em</strong> a ver com a metodologia, ou seja, como<br />

formar para a ética? Outra vez não é uma questão simples,<br />

resolvida numa reflexão durante uma palestra ou artigo.<br />

Contudo, quer-se, <strong>em</strong> síntese, indicar três abordagens:<br />

formação para as virtudes, desenvolvimento do juízo<br />

moral e formação integral, que é chamada por Cabanas<br />

(1995) também de máxima ou antinômica.<br />

No caso da primeira posição, considerada idealista,<br />

o processo da educação ética e moral leva <strong>em</strong> conta e<br />

centra seu foco na formação do caráter. Entende que,<br />

por natureza, o ser humano está predisposto para fazer<br />

o b<strong>em</strong>, mas há deficiências naturais que precisam ser<br />

corrigidas e aperfeiçoadas. Essa concepção t<strong>em</strong> sua<br />

matriz <strong>em</strong> Aristóteles, cuja preocupação com a formação<br />

está voltada para a formação das virtudes por meio do<br />

hábito, para se atingir uma vida feliz, que é o b<strong>em</strong>.<br />

A segunda concepção, considerada por Cabanas<br />

(1995) e Marques (2001) como positivista ou<br />

cognitivista, centra sua preocupação na formação<br />

Formação ética para o exercício da docência<br />

da moral, na reflexão, na consciência ou cognição. A<br />

matriz dessa posição pode ser localizada <strong>em</strong> Sócrates,<br />

mas especialmente <strong>em</strong> Kant. Entre os principais<br />

representantes estão Piaget, Kohlberg e atualmente<br />

Habermas. O foco principal do cognitivismo está<br />

voltado para o desenvolvimento da consciência ou do<br />

juízo moral. Nesse caso, a moralidade depende de se<br />

ter consciência do que é certo e errado ou do que é<br />

mal e b<strong>em</strong>. Piaget (apud FREITAS, 2003) e Kohlberg<br />

(apud BIAGGIO, 2002) vão mostrar isso por meio do<br />

desenvolvimento dos diferentes estágios de consciência.<br />

A terceira posição, a teoria antinômica, é representada<br />

por Cabanas e por Marques, cujos textos tec<strong>em</strong> uma<br />

crítica às posições anteriores <strong>em</strong> relação à formação<br />

ética – valores e moral. Sobretudo Cabanas propõe uma<br />

concepção que considera a formação integral, chamada<br />

também de moral máxima, que busca incluir na formação<br />

todos os domínios e níveis da moralidade e da ética.<br />

Cabanas (1995), numa crítica também aceita<br />

por Marques (2001), aponta como limite da teoria<br />

cognitivista o fato de que a educação da moral é<br />

reduzida à formação do juízo moral, desconsiderando<br />

a formação dos sentimentos, atitudes e hábitos morais.<br />

Em razão de ser formal, não quer inculcar princípios<br />

e normas, n<strong>em</strong> promover tipos de condutas morais.<br />

Também, por se apresentar como d<strong>em</strong>ocrática, confiase<br />

na iniciativa dos educandos.<br />

Segundo Cabanas, para que se atinja uma formação<br />

moral máxima, é preciso que simultaneamente<br />

ocorram a instrução teórica - por meio do ensino<br />

moral, como fruto do conhecimento (cognitivismo) - e<br />

o desenvolvimento do hábito - por meio da disciplina<br />

e prática, como uma forma da iniciação na prática<br />

do b<strong>em</strong> (CABANAS,1995). Isso porque as ideias<br />

<strong>em</strong> si são impotentes para determinar s<strong>em</strong>pre um<br />

comportamento ético e para isso, é preciso incluir na<br />

formação moral o campo pessoal e o social e, <strong>em</strong> ambos,<br />

superar o que chama de moral mínima. Sendo assim,<br />

a formação envolve relações interpessoais através de<br />

atividades de compartilhamento, de experiências que<br />

exig<strong>em</strong> disciplina para a formação do caráter.<br />

Naturalmente, Cabanas não está discutindo<br />

especificamente a formação ética/moral de professores<br />

ou de adultos, porém observa dizendo:<br />

[...] La edad adulta no es ya ti<strong>em</strong>po de educación<br />

sino de acción. Pero <strong>em</strong> realidad – y como decía<br />

Kant – La educación es algo que no se termina<br />

nunca: de ahí que, segun M. Vidal (1990:836),<br />

‘la educación moral es um proceso que dura<br />

toda La vida’. Hoy día se habla de da Educación<br />

P<strong>em</strong>anente, que va siendo uma realidad cada<br />

vez mayor, aplicándose a lo profesional y alo<br />

cultural; de lo moral nada se dice, pelo es outra<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 139-146<br />

143


144<br />

posibilidad suya. Cada uno de nosotros simpre<br />

tiene <strong>em</strong> esto algo que aprender, y sobre doto<br />

algo que mehorar (CABANAS, 1995, p. 604).<br />

Em relação à busca da autonomia, o autor avalia que<br />

ocorre uma inversão, pois ela passa a ser vista como um<br />

fim, enquanto é apenas um meio que pode tanto ser<br />

usado para o b<strong>em</strong> como para o mal. Marques l<strong>em</strong>bra<br />

que, na visão de Cabanas,<br />

[...] vale mais uma moralidade heterônoma,<br />

numa pessoa capaz de uma boa conduta moral,<br />

do que um discurso ético pós-convencional s<strong>em</strong><br />

correspondência com uma conduta reveladora<br />

do respeito pelos outros, preocupação com o<br />

b<strong>em</strong>-estar dos outros e orientada para o amor<br />

(CABANAS, 2001, p. 55).<br />

Dessa maneira, ao se discutir uma metodologia, o<br />

como formar para o “ser” e não apenas para o “fazer”,<br />

entende-se que não exista uma receita que possa ser<br />

aplicada e que terá um resultado certo. No entanto, para<br />

este estudo, o importante é chamar a atenção para dois<br />

aspectos e dois níveis que Amoêdo (2007) considera<br />

importantes no processo da formação ética para<br />

qualquer profissional: o primeiro, um fator subjetivo,<br />

do próprio sujeito <strong>em</strong> formação, aspectos individuais. O<br />

segundo, um fator externo, institucional, na dimensão<br />

da cultura organizacional. Como salienta o autor,<br />

quanto aos fatores individuais, estes englobam<br />

a percepção que as pessoas têm de si mesmas<br />

<strong>em</strong> seus <strong>em</strong>pregos. Tais percepções enfocam as<br />

exigências das tarefas, as percepções sobre o papel<br />

des<strong>em</strong>penhado, a disponibilidade de escolha e o<br />

interesse pelo trabalho (AMOÊDO, 2007, p. 43).<br />

No caso do docente, significa adquirir consciência clara<br />

da sua tarefa e sobre as implicações éticas no processo do<br />

desenvolvimento delas como, por ex<strong>em</strong>plo, l<strong>em</strong>brando<br />

novamente sua relação com seu aluno, seus pares, o<br />

comprometimento com o ensino etc. Esse seu papel<br />

que pode ser explícito, mas normalmente é delineado<br />

formalmente como implícito, de natureza subjetiva. O<br />

segundo fator pertinente no processo da formação ético/<br />

moral do profissional é o externo, o institucional. Nesse<br />

sentido, Amoêdo chama atenção:<br />

já a cultura, representada pelos valores e pelo estilo<br />

operacional, expressada pela forma de viver, de<br />

conversar, de vestir, de definir o t<strong>em</strong>po, de comer<br />

ou de estabelecer metas para o sucesso, exerce<br />

um potente efeito sobre o que os funcionários<br />

identificam como preocupação de natureza ética e<br />

de conduta a ser adotada (AMOÊDO, 2007, p. 43).<br />

Atualmente, é comum que as organizações explicit<strong>em</strong><br />

sua missão e valores. Algumas instituições de ensino<br />

também o faz<strong>em</strong>, além de instituír<strong>em</strong> a chamada<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 139-146<br />

Almiro Schulz; Graziela Giusti Pachane<br />

ética <strong>em</strong>presarial ou organizacional (FORRELL, O.<br />

C.; FRAEDRICH; FORRELL L., 2001). S<strong>em</strong> entrar na<br />

discussão sobre a relevância disso, sabe-se que muitas<br />

vezes ocorre conflito ético entre princípios pessoais e<br />

institucionais, conforme feito referência neste texto sobre<br />

a pesquisa: Dil<strong>em</strong>as éticos dos docentes. Contudo, é dada<br />

relevância à cultura, ambiência e/ou clima organizacional<br />

como fator influenciador para o modo de se agir.<br />

Como se vê, o processo da formação moral é complexo<br />

e contínuo, mesmo que ele se dê prioritariamente<br />

na fase da infância até a adolescência, não significa<br />

necessariamente que seja fechado. Ele se dá por meio<br />

de múltiplas experiências e de situações educativas<br />

formais e informais <strong>em</strong> espaços sociais, familiares e<br />

escolares. Portanto, pretender que professores tenham<br />

competência ética significa também educar.<br />

Considerações finais<br />

A formação ética se dá no processo da ação docente<br />

(práxis), de uma forma circular, mesclando-se entre<br />

conhecimento/sabedoria, pela prática das virtudes,<br />

num intercâmbio do desenvolvimento cognitivo e<br />

<strong>em</strong>ocional/moral. Envolve o desenvolvimento da<br />

consciência moral, da personalidade moral e do caráter.<br />

Há a necessidade de uma formação da competência<br />

ético/moral do docente até porque, além dos novos<br />

desafios, o professor se vê, muitas vezes, solitário <strong>em</strong><br />

sala de aula para tomar decisões. Isso se torna mais<br />

complexo uma vez que o resultado do seu trabalho não<br />

é um objeto, mas um sujeito (aluno) de cuja formação<br />

é partícipe, tornando-se responsável pelas possíveis<br />

consequências dessa formação.<br />

Diante da nova dimensão do que t<strong>em</strong> implicação<br />

ética, de direito e dever, do que v<strong>em</strong> sendo considerado<br />

assédio moral, descriminação etc., o docente passa por<br />

situações <strong>em</strong> que se vê muitas vezes “encurralado”,<br />

exigindo dele prudência, sabedoria, justiça, tolerância,<br />

ou seja, as chamadas virtudes capitais.<br />

Vale l<strong>em</strong>brar ainda que honestidade, justiça,<br />

responsabilidade, integridade etc. não são apenas<br />

exigências para os outros, mas dev<strong>em</strong> fazer parte do<br />

caráter e conduta de todo ser humano. Portanto, <strong>em</strong><br />

especial do docente. Há um provérbio popular: “diga<br />

com qu<strong>em</strong> tu andas e eu te direi qu<strong>em</strong> tu és...” que<br />

expressa a ideia da influência pelo convívio. Schaff (1995)<br />

ao discutir sobre os valores, diz que eles contribu<strong>em</strong> no<br />

processo das inter-relações, dependendo dos valores,<br />

as pessoas se afastam ou se aproximam <strong>em</strong> suas<br />

relações. Isso quer dizer que o ex<strong>em</strong>plo do professor,<br />

seus valores e suas atitudes influenciam.<br />

Procurou-se, nos limites do presente texto, focar<br />

aspectos relativos aos objetivos anunciados. Porém,


outros tópicos são relevantes, entre eles, questões<br />

relativas ao conteúdo da formação ética do docente,<br />

diferentes dimensões da práxis ética: a “subjetiva”,<br />

como ação de um indivíduo; a “intersubjetiva”, na<br />

sua realização numa coletividade com o outro; e a<br />

“objetiva”, que envolve o “dever ser” e o “dever fazer”<br />

na perspectiva normativa. São questões que merec<strong>em</strong><br />

um aprofundamento e pod<strong>em</strong> tornar-se objeto de<br />

estudo e de publicações de outros textos.<br />

Referências<br />

AMOÊDO, S. Ética do trabalho – na era da pósqualidade.<br />

2. ed. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2007.<br />

BRADBERRY, T.; GREAVES, J. Desenvolva a sua<br />

inteligência <strong>em</strong>ocional. Rio de Janeiro: Sextante, 2007.<br />

CABANAS, J. M. Q. Pedagogia moral, el desarrolo moral<br />

integral. Madrid: Dykinson, 1995.<br />

DURKEIM, É. A educação moral. Petrópolis: Vozes, 2008.<br />

FORRELL, O. C., FRAEDRICH, J., FORRELL, L. Ética<br />

<strong>em</strong>presarial: dil<strong>em</strong>as, tomadas de decisão e casos. Rio<br />

de Janeiro: Reichmann & Affonso Ed., 2001.<br />

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Trabalho qualificado - quando a excelência e a ética se<br />

encontram. Porto alegre: Bookman; Artmed, 2004.<br />

GOLEMAN, D. Inteligência social: o poder das relações<br />

humanas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.<br />

KIEL, F.; LENNICK, D. Inteligência moral - descubra a<br />

poderosa relação entre os valores morais e o sucesso nos<br />

negócios. Rio de Janeiro: Ed. Campus; Elsevier, 2005.<br />

IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional:<br />

formar-se para a mudança e a incerteza. 2. ed. São<br />

Paulo: Cortez, 2001.<br />

LIPOVETSKY, G. A sociedade pós-moralista: o<br />

crepúsculo do dever e a ética indolor dos novos<br />

t<strong>em</strong>pos d<strong>em</strong>ocráticos. Barueri: Manole, 2005.<br />

MARQUES, R. O livro das virtudes para s<strong>em</strong>pre - ética<br />

para professores. São Paulo: Landy, 2001.<br />

Formação ética para o exercício da docência<br />

PERRENOUD, P. et al. Fecundas incertezas ou como<br />

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PERROUNOUT, P. 10 competências para ensinar. Porto<br />

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PUING, J. M. A construção da personalidade moral. São<br />

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RIOS, T. A. Compreender e ensinar - por uma docência<br />

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Letras, 2004. p.161-179.<br />

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Fontes, 1998.<br />

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reputação. Rio de Janeiro: Campus, 2003.<br />

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ou valores <strong>em</strong> crise? Porto alegre: ArtMed, 2009.<br />

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Campinas: Papirus, 2005.<br />

v. 1 - n. 1 - Fevereiro 2011 - p. 139-146<br />

145


146<br />

ETHICAL EDUCATION FOR THE EXERCISE OF TEACHING<br />

ABSTRACT: The text has the objective of socializing concerns and results of research regarding ethical education<br />

for the exercise of teaching, considering that it is a complex activity with great challenges. The text is based on a<br />

bibliographical review regarding the ethical dimension of texts considered to be the most classical in their different<br />

perspectives. It also refers to some <strong>em</strong>pirical research which was developed among students in scientific initiation<br />

and students in the Master’s Degree course in Higher Education. Paradigms and methods are involved in the<br />

process of ethical education. Reason as the only criteria no longer responds to the current situation; it is necessary<br />

to include the sense aspects. Ethical education occurs in the process of the act of teaching (praxis) in a circular<br />

way, moving between knowledge and wisdom, through the practice of the virtues, in an exchange of cognitive and<br />

<strong>em</strong>otional/moral development.<br />

KEYWORDS: Teaching; competence; ethics; training; method.<br />

v. 1 - n. 1 - Nov<strong>em</strong>bro 2010 - p. 139-146<br />

Almiro Schulz; Graziela Giusti Pachane


<strong>Gnose</strong> <strong>em</strong> <strong>Revista</strong> - Normas gerais para submissão de artigos<br />

A <strong>Gnose</strong> <strong>em</strong> <strong>Revista</strong> é uma revista anual da Universidade do Estado de Minas Gerais - Campus de Frutal que se configura<br />

como um instrumento de divulgação científica. Por seu caráter multidisciplinar, essa revista faz chamadas, para a publicação, de<br />

trabalhos científicos que cont<strong>em</strong>pl<strong>em</strong> as seguintes áreas do conhecimento: Ciências Agrárias e Biológicas, Ciências Humanas,<br />

Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Exatas e da Terra, Linguística, Letras e Artes.<br />

<strong>Gnose</strong> <strong>em</strong> <strong>Revista</strong> - Normas para publicação<br />

TÍTULO: Título <strong>em</strong> português, digitado com fonte Times New Roman 12, <strong>em</strong> negrito e <strong>em</strong> caixa-alta, centralizado no início<br />

da página. Deverá conter no máximo 15 palavras.<br />

AUTORES: Deve-se listar até cinco autores, <strong>em</strong> caixa-alta, separados por ponto e vírgula e centralizados logo abaixo do<br />

título do artigo. Os nomes dev<strong>em</strong> seguir a ord<strong>em</strong> prenomes e sobrenomes (João Silva). Cada nome deverá ser precedido<br />

do número sobrescrito no final do nome do autor, o qual indicará, <strong>em</strong> nota de rodapé, o endereço completo, telefone, fax,<br />

e-mail e link do lattes do autor.<br />

TEXTO: O artigo deverá ter no mínimo 5 (cinco) e no máximo 15 (quinze) páginas. Todo o texto do artigo deverá ser digitado<br />

<strong>em</strong> papel A4, fonte Times New Roman tamanho 10, espaçamento entre linhas simples, margens superior e inferior: 2,5 cm e<br />

margens direita e esquerda: 1,8 cm. O texto deverá ser apresentado <strong>em</strong> apenas uma coluna.<br />

Resumo/Abstract: Digitados <strong>em</strong> caixa alta, <strong>em</strong> negrito, <strong>em</strong> um único bloco paragráfico, precedido da palavra RESUMO/<br />

ABSTRACT, contendo até 250 palavras, sendo que o RESUMO deverá ser apresentado logo após a identificação da autoria,<br />

e o ABSTRACT, no final das referências, precedido do título do artigo também <strong>em</strong> inglês. Recomenda-se que esses dois<br />

tópicos sejam revistos por falantes nativos dos respectivos idiomas. O RESUMO e o ABSTRACT dev<strong>em</strong> ser seguidos de<br />

quatro PALAVRAS-CHAVE/KEYWORDS, respectivamente, sendo precedidos por esses termos, que também dev<strong>em</strong> ser<br />

grafados <strong>em</strong> negrito.<br />

Todos os títulos (INTRODUÇÃO, MATERIAL E MÉTODOS, RESULTADOS E DISCUSSÕES, CONCLUSÕES E<br />

REFERÊNCIAS) deverão ser digitados <strong>em</strong> caixa-alta, <strong>em</strong> negrito, justificados à esquerda, times New Roman, letra 10. Os<br />

subtítulos deverão ser digitados com apenas a letra inicial maiúscula, <strong>em</strong> negrito e justificados à esquerda. O espaçamento<br />

entre títulos, subtítulos e o texto será de uma linha. Cada título deverá ser separado dos textos que o preced<strong>em</strong> e o suced<strong>em</strong><br />

por espaços simples.<br />

INTRODUÇÃO: A introdução deverá conter uma breve explanação do probl<strong>em</strong>a, b<strong>em</strong> como da pertinência e relevância do<br />

mesmo. No último parágrafo, deverão ser destacados, preferencialmente, os objetivos do trabalho.<br />

MATERIAL E MÉTODOS: Nesse tópico, deverão ser referenciadas as técnicas e os procedimentos <strong>em</strong>pregados na realização<br />

do referido estudo. Não poderão ser utilizados subtítulos nesse tópico. O mesmo poderá comportar figuras, tabelas e


equações, as quais deverão ser nomeadas e numeradas.<br />

RESULTADOS E DISCUSSÕES: Os resultados poderão ser descritos como el<strong>em</strong>entos do texto e apresentados também na<br />

forma de gráficos, tabelas, quadros e figuras. Os mesmos deverão permitir ao leitor a interpretação dos dados da pesquisa.<br />

No caso da inserção de fotografias, as mesmas deverão respeitar o tamanho de 10x15cm e apresentar uma visualização nítida.<br />

As discussões deverão interpretar, de forma clara e concisa, os resultados da pesquisa.<br />

EQUAÇÕES: Dev<strong>em</strong> ser escritas alinhadas à esquerda com o início do parágrafo. As equações dev<strong>em</strong> ser numeradas<br />

cronologicamente, com os números entre parênteses e colocados rente à marg<strong>em</strong> direita. As equações dev<strong>em</strong> ser separadas<br />

por um espaço do texto anterior e posterior. Quando fragmentadas <strong>em</strong> mais de uma linha, por falta de espaço, dev<strong>em</strong> ser<br />

interrompidas antes do sinal de igualdade ou depois dos sinais de adição, subtração, multiplicação e divisão. Ex<strong>em</strong>plo:<br />

x2 + y2 = z2 (1)<br />

(x2 + y2)/4 = n (2)<br />

CONCLUSÕES: As considerações feitas nesse tópico não deverão ser muito extensas, n<strong>em</strong> tampouco ser apresentadas na forma<br />

de tabelas, quadros, figuras e equações, como mera repetição dos resultados. Sendo assim, nesse tópico, deverão ser ressaltadas a<br />

importância e a aplicação dos resultados do ponto de vista do autor, não sendo recomendável a citação de outros autores.<br />

Nota: O tópico AGRADECIMENTOS é opcional e deve aparecer logo após as conclusões.<br />

REFERÊNCIAS: A apresentação das REFERÊNCIAS deverá estar de acordo com as normas da ABNT- Associação Brasileira<br />

de Normas Técnicas NBR 6023:2002 - Informação e Documentação - Referências - Elaboração, disponíveis <strong>em</strong>: NBR 6023:<br />

2002<br />

Obs: Referências enviadas com erros ou incompletas são de inteira responsabilidade dos autores.<br />

CITAÇÕES: A apresentação das CITAÇÕES deverá estar de acordo com as normas da ABNT- Associação Brasileira de<br />

Normas Técnicas NBR 10520:2002 – Informação e Documentação – Citações <strong>em</strong> Documentos – Apresentação, disponíveis<br />

<strong>em</strong>: NBR 10520: 2002<br />

Nota: A apresentação das d<strong>em</strong>ais informações não-detalhadas nesse documento, tais como: numeração progressiva,<br />

ilustrações, quadros e tabelas, espacejamento, notas de rodapé, indicativos de seção, anexos, deverá estar de acordo com<br />

as normas da ABNT- Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR 14724:2002 – Apresentação de Trabalhos Acadêmicos.<br />

Nota: Os trabalhos submetidos à <strong>Gnose</strong> <strong>em</strong> <strong>Revista</strong> não dev<strong>em</strong>, sob hipótese alguma, ser retirados, dessa submissão, depois<br />

de iniciado o processo de avaliação dos mesmos pelos pareceristas.<br />

Os artigos submetidos à <strong>Gnose</strong> <strong>em</strong> <strong>Revista</strong> dev<strong>em</strong> ser enviados, por e-mail, <strong>em</strong> duas vias para o endereço eletrônico:<br />

gnoserevista@gmail.com; uma dessas vias s<strong>em</strong> informação que identifique a autoria dos mesmos.


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Esta revista foi composta <strong>em</strong> Barbacena para UEMG/Frutal e impressa <strong>em</strong> papel couchê fosco 90g, na tipologia<br />

Humanst521 BT, corpo 11 entrelinha 14, capa <strong>em</strong> papel Supr<strong>em</strong>a 250 g, <strong>em</strong> fevereiro de 2011.

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