AS PEDRAS PRECIOSAS DOS OCEANOS - Terra da Gente
AS PEDRAS PRECIOSAS DOS OCEANOS - Terra da Gente
AS PEDRAS PRECIOSAS DOS OCEANOS - Terra da Gente
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<strong>AS</strong> PEDR<strong>AS</strong> PRECIOS<strong>AS</strong><br />
<strong>DOS</strong> <strong>OCEANOS</strong><br />
texto | ROBERTA BONALDO fotos | JOÃO PAULO KRAJEWSKI<br />
Corais parecem pedras ou plantas colori<strong>da</strong>s, mas são animais, que<br />
interagem com milhares de outras formas de vi<strong>da</strong> às quais garantem<br />
abrigo e comi<strong>da</strong>. Como numa socie<strong>da</strong>de complexa, as relações são ora de<br />
entreaju<strong>da</strong>, ora de pre<strong>da</strong>ção e parasitismo. Recifes afun<strong>da</strong>m navios, mas<br />
também garantem ao homem lucros com os produtos do mar e o ecoturismo,<br />
como mostra esta segun<strong>da</strong> reportagem <strong>da</strong> série<br />
48 <strong>Terra</strong> <strong>da</strong> <strong>Gente</strong> | Recifes: Oásis do oceano Recifes: Oásis do oceano |<br />
PATROCÍNIO:<br />
<strong>Terra</strong> <strong>da</strong> <strong>Gente</strong><br />
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AUSTRÁLIA<br />
Enquanto crescem, os<br />
corais brigam por espaço<br />
com outros organismos<br />
(págs. anteriores). A Grande<br />
Barreira australiana<br />
vista do alto e a crista<br />
do recife observa<strong>da</strong><br />
por um megulhador<br />
(pág. seguinte)<br />
A<br />
in<strong>da</strong> na escuridão,<br />
o píer de Townsville<br />
fi cava ca<strong>da</strong> vez<br />
mais distante dos<br />
olhos. Com os primeiros raios <strong>da</strong> manhã,<br />
veio o vento que chacoalhava o pequeno<br />
barco com raja<strong>da</strong>s de 40 quilômetros por<br />
hora. Com bom ou mau tempo, porém,<br />
estávamos determinados a chegar ao<br />
nosso destino: os recifes de coral <strong>da</strong><br />
Grande Barreira australiana. À medi<strong>da</strong> que<br />
avançávamos para o ponto de mergulho, o<br />
mar tornava-se calmo, como uma imensa e<br />
convi<strong>da</strong>tiva lagoa. Sem qualquer referência<br />
ou costa visível, caímos nas águas azuis do<br />
mar australiano e fomos em direção a uma<br />
parede viva. Torres, paredões e cânions<br />
partiam do fundo do mar e iam até a<br />
superfície, como se quisessem encontrar as<br />
marolas. To<strong>da</strong>s as cores e formas estavam<br />
ali, diante dos nossos olhos.<br />
Na maior barreira de corais do mundo,<br />
há mais de 2.500 recifes espalhados por<br />
2.300 quilômetros na costa nordeste<br />
<strong>da</strong> Austrália. Esta gigantesca estrutura<br />
raramente afl ora na superfície do mar e<br />
a vista do horizonte é monótona e azul,<br />
apesar <strong>da</strong>s ilhas que aparecem no caminho<br />
e quebram a uniformi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> paisagem. A<br />
monotonia, no entanto, é enganadora. Na<br />
barreira, mais de 30 navios afun<strong>da</strong>ram<br />
ao bater nas torres submersas de corais.<br />
O astuto capitão James Cook, explorador<br />
inglês de incontáveis conquistas, conseguiu<br />
se safar do perigoso labirinto ao seguir até<br />
o topo <strong>da</strong> ilha hoje conheci<strong>da</strong> como Lizard<br />
Island e, do alto, observar as manchas de<br />
corais na água para traçar sua rota.<br />
Nesse ecossistema de beleza<br />
incomparável, muitos corais se<br />
assemelham a pedras ou plantas colori<strong>da</strong>s.<br />
Todos, porém, são animais e é justamente<br />
o acúmulo de esqueletos de várias<br />
gerações de corais ao longo de milhares de<br />
anos que compõe o arcabouço dos recifes.<br />
Estes ecossistemas, portanto, devem sua<br />
formação a dois elementos principais: a<br />
larvas de corais e de outros organismos<br />
marinhos colonizadores do fundo do<br />
mar e a uma base sóli<strong>da</strong> que serve como<br />
suporte inicial para estes organismos.<br />
A base sóli<strong>da</strong>, vale ressaltar, é rochosa e,<br />
posteriormente, recobre-se de esqueletos<br />
de animais.<br />
50 <strong>Terra</strong> <strong>da</strong> <strong>Gente</strong> | Recifes: Oásis do oceano Recifes: Oásis do oceano |<br />
PATROCÍNIO:<br />
Os recifes de corais ocupam uma área de<br />
quase 300 mil quilômetros quadrados <strong>da</strong><br />
superfície dos oceanos tropicais do mundo<br />
FORM<strong>AS</strong><br />
Imagine o topo de um vulcão inativo<br />
submerso, com as bor<strong>da</strong>s <strong>da</strong> cratera a<br />
poucos metros <strong>da</strong> superfície de águas claras<br />
e tropicais... Esta é a única formação sóli<strong>da</strong><br />
em um raio de quilômetros de distância<br />
em um mar azul profundo. Tal estrutura<br />
é a “pista de aterrissagem” para larvas<br />
de corais que, trazi<strong>da</strong>s pelas correntes<br />
oceânicas, assentam-se e se transformam<br />
em pólipos. Aderidos ao fundo do mar,<br />
esses pequenos animais tubulares têm a<br />
boca rodea<strong>da</strong> de tentáculos localiza<strong>da</strong> no<br />
topo do corpo. Os pólipos são sustentados<br />
<strong>Terra</strong> <strong>da</strong> <strong>Gente</strong><br />
51
ARTE VIVA<br />
As poliquetas<br />
árvore-denatal<br />
que vivem<br />
em corais e fazem<br />
uma escultura. Na<br />
pág. seguinte,<br />
os corais em<br />
riqueza de<br />
detalhes<br />
por um esqueleto rígido de carbonato de<br />
cálcio, material semelhante ao gesso, e<br />
alguns são capazes de se dividir em novos<br />
indivíduos idênticos, formando uma<br />
colônia de coral.<br />
A chega<strong>da</strong> de mais e mais larvas ao<br />
topo do vulcão faz com que, aos poucos,<br />
a circunferência submersa seja ocupa<strong>da</strong><br />
pelos corais a ponto de atrair outros<br />
seres. Algas, estrelas-do-mar, peixes e<br />
até mesmo tartarugas-marinhas, raias e<br />
tubarões buscam abrigo e alimento na rica<br />
estrutura coralínea. Muitos, como alguns<br />
tipos de algas, acabam por contribuir<br />
na formação do recife. Com o passar do<br />
tempo e com a morte desses organismos,<br />
novas larvas vêm para substituí-los e,<br />
assenta<strong>da</strong>s sobre eles, vão formando<br />
outras colônias. Ao longo de milhares<br />
de anos, o empilhamento de inúmeras<br />
gerações de colônias de coral origina um<br />
ecossistema em que praticamente to<strong>da</strong> a<br />
estrutura visível é composta por seres que<br />
são ou já foram vivos.<br />
O formato de um recife de coral é<br />
determinado pela estrutura física inicial<br />
na qual as larvas se assentam. No caso do<br />
vulcão, o recife provavelmente terá um<br />
formato circular ou oval, conhecido como<br />
atol. Mas esta não é a única formação<br />
possível. Há, entre outros exemplos, a<br />
barreira, separa<strong>da</strong> de ilhas ou continentes<br />
por um canal profundo, e a franja,<br />
localiza<strong>da</strong> em bor<strong>da</strong>s de regiões costeiras<br />
ou aparta<strong>da</strong> <strong>da</strong> costa por uma plataforma<br />
rasa.<br />
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PATROCÍNIO:<br />
<strong>Terra</strong> <strong>da</strong> <strong>Gente</strong><br />
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Do berço<br />
para o recife<br />
Muitos habitantes dos recifes de coral passam parte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
em outros ambientes, como manguezais e bancos de gramas<br />
marinhas. Bom exemplo está na costa nordeste <strong>da</strong> Austrália,<br />
onde os peixes se alimentam, crescem e se tornam juvenis em<br />
águas turvas até seguirem em segurança para os recifes de<br />
coral. Algumas espécies de grande importância econômica,<br />
como garoupas e peixes <strong>da</strong>s famílias Lujani<strong>da</strong>e e Lethrini<strong>da</strong>e,<br />
migram do mangue para o recife quando crescem. No Caribe, foi<br />
AMBIENTES<br />
Até seguirem<br />
em segurança<br />
para os recifes,<br />
espécies crescem<br />
nos manguezais<br />
(acima). Cavalomarinho-pigmeu,<br />
exemplo curioso<br />
de camufl agem<br />
EXIGENTES<br />
Nem to<strong>da</strong> estrutura sóli<strong>da</strong> no fundo<br />
dos oceanos é propícia à formação<br />
dos recifes de coral. Compostas por<br />
organismos vivos sensíveis, os recifes<br />
dependem de condições especiais para<br />
o seu desenvolvimento. Destaque entre<br />
essas condições a luminosi<strong>da</strong>de, haja<br />
vista que os corais se alimentam de<br />
açúcares produzidos pela fotossíntese<br />
de pequenas algas que vivem dentro<br />
deles, as zooxantelas. Assim, é possível<br />
observar e concluir que recifes de coral<br />
ocorrem principalmente em locais de<br />
água clara que permitem a chega<strong>da</strong><br />
demonstra<strong>da</strong> que a dependência dos manguezais para algumas<br />
espécies pode ser tão grande que o maior peixe herbívoro <strong>da</strong><br />
região, o peixe-papagaio (Scarus guacamaia) desapareceu dos<br />
recifes próximos a áreas onde o manguezal foi destruído. O fato é<br />
ain<strong>da</strong> mais alarmante considerando-se o ritmo de destruição dos<br />
manguezais, muitas vezes para <strong>da</strong>r lugar a hotéis, condomínios<br />
de luxo e campos de golfe próximos ao litoral. Proteger apenas os<br />
recifes de coral, portanto, não garante seu bom funcionamento.<br />
de luz às zooxantelas. Um amontoado<br />
de corais é, literalmente, um oásis em<br />
meio ao deserto de nutrientes <strong>da</strong>s águas<br />
límpi<strong>da</strong>s.<br />
Além dos corais com zooxantelas e<br />
com esqueleto rígido, geralmente os<br />
principais construtores de recifes de<br />
coral, existem outros tipos de coral,<br />
como os de esqueletos mais frágeis ou<br />
que dependem de alimento capturado<br />
por seus próprios tentáculos. Esses corais<br />
também podem fazer parte do recife,<br />
mas não formam a base do ambiente, não<br />
sendo decisivos para defi nir a aparência<br />
geral do recife.<br />
DEPENDÊNCIA<br />
A estrutura ramifi ca<strong>da</strong> dos recifes de<br />
coral serve de abrigo e alimento para uma<br />
infi ni<strong>da</strong>de de espécies. Na Grande Barreira,<br />
tivemos o privilégio de acompanhar o<br />
pesquisador mexicano Alonso González<br />
Cabello e a francesa Carine Lefèvre, que<br />
estu<strong>da</strong>m pequenos peixes. O trabalho destes<br />
cientistas compreende contar e classifi car<br />
todos os animais encontrados em vários<br />
locais dos recifes, como corais dos mais<br />
diferentes tipos, além de entulho formado<br />
pelo esqueleto de corais mortos e frestas de<br />
rochas.<br />
Os pesquisadores sabem muito bem<br />
54 <strong>Terra</strong> <strong>da</strong> <strong>Gente</strong> | Recifes: Oásis do oceano Recifes: Oásis do oceano |<br />
PATROCÍNIO:<br />
A maior barreira de corais do mundo<br />
tem 2.500 recifes distribuídos em 2.300<br />
quilômetros na costa <strong>da</strong> Austrália<br />
onde encontrar seres que mais parecem<br />
saídos de um fi lme de fi cção científi ca. Em<br />
poucos minutos de mergulho ao lado deles,<br />
observamos peixes quadrados ou cheios de<br />
fi lamentos no corpo, camarões transparentes,<br />
caranguejos achatados e coloridos, lesmas<br />
brilhantes, caramujos venenosos e lírios-domar<br />
espinhentos, muitos deles encontrados<br />
em uma mesma colônia de coral de poucos<br />
centímetros de diâmetro.<br />
<strong>Terra</strong> <strong>da</strong> <strong>Gente</strong><br />
55
C<strong>AS</strong>A E COMIDA<br />
Ermitões do<br />
gênero Paguritta<br />
encontram<br />
segurança entre<br />
os corais. Na<br />
pág. seguinte, a<br />
diversi<strong>da</strong>de<br />
de peixes que<br />
habitam os recifes<br />
Boa parte <strong>da</strong>s espécies dos recifes<br />
é transparente ou tem cor e formato<br />
semelhantes aos do local onde vivem, o<br />
que torna difícil encontrá-las. Um exemplo<br />
curioso de camufl agem é o cavalomarinho-pigmeu.<br />
Pequenino, chega no<br />
máximo a 2 centímetros de comprimento<br />
e passa a vi<strong>da</strong> inteira em gorgônias,<br />
colônias de coral achata<strong>da</strong>s geralmente em<br />
formato de leque. O formato e a coloração<br />
do pigmeu são tão semelhantes aos ramos<br />
<strong>da</strong>s gorgônias que o animal carrega no<br />
corpo pequenas estruturas esféricas<br />
semelhantes aos pólipos <strong>da</strong>s gorgônias.<br />
O cavalo-marinho-pigmeu depende deste<br />
coral específi co para se proteger e, fora<br />
dele, torna-se um “estranho no ninho”,<br />
facilmente encontrado. Este peixe só<br />
foi descoberto quando um pesquisador<br />
coletou uma gorgônia para seu trabalho<br />
e, ao observá-la, notou o pequeno peixe<br />
vivendo ali.<br />
A associação de animais a corais ou<br />
a outros hospedeiros específi cos é uma<br />
<strong>da</strong>s chaves para compreender a origem<br />
<strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de dos habitantes dos recifes.<br />
Porém, o grau de dependência entre esses<br />
moradores e os corais é altamente variável<br />
e nem sempre evidente. Tartarugasmarinhas,<br />
por exemplo, podem visitar os<br />
recifes com frequência para se alimentar,<br />
descansar e até mesmo para serem limpas<br />
por peixes que comem algas que crescem<br />
sobre sua carapaça; mas também podem<br />
passar longos períodos em alto-mar, sem<br />
contato com qualquer recife.<br />
As relações de dependência entre<br />
organismos e recifes não são unilaterais.<br />
Os recifes precisam – e muito – de seus<br />
habitantes. As algas, que crescem muito<br />
mais rápido que os corais, poderiam sufocálos<br />
ao se apropriarem de todo o fundo<br />
dos recifes. Porém, animais herbívoros,<br />
como peixes-papagaio e cirurgiões,<br />
ouriços e lesmas marinhas, controlam<br />
o crescimento <strong>da</strong>s algas e abrem novos<br />
espaços na profundeza do mar, que podem<br />
ser ocupados por larvas de coral.<br />
56 <strong>Terra</strong> <strong>da</strong> <strong>Gente</strong> | Recifes: Oásis do oceano Recifes: Oásis do oceano |<br />
PATROCÍNIO:<br />
<strong>Terra</strong> <strong>da</strong> <strong>Gente</strong><br />
57
DEFES<strong>AS</strong><br />
Planície do recife com<br />
on<strong>da</strong>s constitui<br />
espetáculo único.<br />
Na pág. seguinte,<br />
caranguejo do<br />
gênero Trapezia<br />
e o pequeno peixe<br />
do gênero Gobiodon,<br />
defensores dos corais<br />
A coexistência de tantas espécies em<br />
um recife de coral também faz com que<br />
seus habitantes interajam intensamente.<br />
Alguns pequenos peixes e camarões,<br />
por exemplo, alimentam-se de parasitas<br />
retirados do corpo de outros animais,<br />
como tubarões, tartarugas-marinhas e<br />
moreias, prestando um grande serviço à<br />
saúde destas espécies. Mas nem sempre<br />
as relações são benéfi cas. Como em todos<br />
os ecossistemas, interações em que pelo<br />
menos um dos organismos é prejudicado<br />
com pre<strong>da</strong>ção e parasitismo estão por<br />
to<strong>da</strong> a parte. Esta intrinca<strong>da</strong> rede de<br />
relações é o que torna os recifes de coral<br />
altamente dinâmicos e em constante<br />
transformação.<br />
AMBIENTES<br />
A paisagem pode parecer repetitiva<br />
para quem mergulha pela primeira<br />
vez em um recife de coral. Porém, um<br />
mesmo recife pode apresentar regiões tão<br />
diferentes que se torna difícil acreditar<br />
que são separa<strong>da</strong>s por poucos metros.<br />
Em uma expedição à Lizard Island, na<br />
Grande Barreira australiana, ao colocar<br />
o rosto na água, deparamos com uma<br />
planície arenosa rasa, habita<strong>da</strong> por<br />
peixinhos e algumas poucas e pequenas<br />
colônias de coral. Conforme na<strong>da</strong>mos em<br />
direção à zona de arrebentação, notamos<br />
o aumento progressivo na quanti<strong>da</strong>de<br />
de corais e do porte dos peixes, muitos<br />
deles iguais aos que víamos no início do<br />
Defensores<br />
dos corais<br />
Os benefícios dos corais para outros habitantes dos recifes<br />
são incontáveis. Mas há a contraparti<strong>da</strong>: os corais também são<br />
contemplados com serviços prestados por seus moradores.<br />
Na competição por espaço, algumas algas liberam compostos<br />
químicos que podem causar sérios <strong>da</strong>nos e até morte de<br />
corais. A pesquisadora Danielle Dixson descobriu, nas Ilhas<br />
Fiji, que colônias de corais do gênero Acropora em contato<br />
com algas nocivas liberam sinais químicos de estresse, que<br />
são imediatamente reconhecidos pelos pequenos peixes do<br />
mergulho, mas maiores.<br />
Ao chegarmos à zona de arrebentação,<br />
encontramos a chama<strong>da</strong> “crista” ou<br />
“topo”, a parte mais alta do relevo. Lá,<br />
colônias de coral que pareciam brotar<br />
por todos os lados estavam rodea<strong>da</strong>s<br />
por peixes de tamanho e varie<strong>da</strong>de bem<br />
maiores que os vistos até então. Além<br />
<strong>da</strong>s diferenças na quanti<strong>da</strong>de, enquanto<br />
os corais <strong>da</strong> parte posterior do recife<br />
eram predominantemente esféricos ou<br />
ovalados, de estrutura maciça, a crista<br />
apresentava também colônias ramifi ca<strong>da</strong>s<br />
e alonga<strong>da</strong>s, semelhantes a árvores secas.<br />
A maior parte desses corais pertence à<br />
família Acropori<strong>da</strong>e, um dos principais<br />
e maiores grupos de corais de recifes<br />
58 <strong>Terra</strong> <strong>da</strong> <strong>Gente</strong> | Recifes: Oásis do oceano Recifes: Oásis do oceano |<br />
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gênero Gobiodon. Na luta para proteger a casa e a fonte de<br />
alimento, os peixinhos removem rapi<strong>da</strong>mente a alga. Outro<br />
belo exemplo de salvamento são os caranguejos do gênero<br />
Trapezia, que desencorajam os ataques <strong>da</strong> coroa-de-espinhos<br />
(Acanthaster planci) cortando-lhe as pedicelárias, pequenas<br />
estruturas tubulares usa<strong>da</strong>s para locomoção. Estas estrelasdo-mar<br />
são o principal pre<strong>da</strong>dor de corais nos Oceanos Índico<br />
e Pacífi co. Vorazes, chegam a causar a destruição de recifes<br />
inteiros.<br />
A vi<strong>da</strong> dos animais depende dos corais,<br />
que também se valem dos serviços de<br />
seus habitantes para proteção e defesa<br />
tropicais. A movimentação <strong>da</strong> água nesta<br />
zona também é maior, devido à ativi<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong>s on<strong>da</strong>s.<br />
Passando a crista recifal, deparamos<br />
com uma parede que descia abruptamente<br />
até cerca de 2 metros, onde o recife<br />
acabava. Na parede, encontramos corais<br />
e peixes totalmente diferentes dos que<br />
vimos anteriormente, e animais de porte<br />
muito maior, como garoupas e tubarões. Já<br />
na base do recife, a cerca de 20 metros de<br />
profundi<strong>da</strong>de, avistamos peixes grandes<br />
na<strong>da</strong>ndo entre colônias de coral gigantes,<br />
<strong>Terra</strong> <strong>da</strong> <strong>Gente</strong><br />
59
CONTR<strong>AS</strong>TES<br />
Acima, coral<br />
chifre-de-alce<br />
e seu formato<br />
peculiar. Na pág.<br />
seguinte, cores e<br />
beleza no<br />
recife de corais de<br />
Jardines de la Reina,<br />
em Cuba<br />
principalmente esféricas, entremea<strong>da</strong>s por<br />
regiões arenosas cobertas por cascalhos e<br />
pe<strong>da</strong>ços de corais mortos.<br />
Este é apenas um exemplo de como a<br />
estrutura recifal pode mu<strong>da</strong>r num intervalo<br />
de alguns poucos metros. A organização<br />
que acabamos de descrever, composta<br />
por parte posterior, crista recifal, declive<br />
e base, é típica de muitos recifes de coral<br />
dos Oceanos Índico e Pacífi co. Em muitos<br />
recifes do Caribe, tais zonas também<br />
existiam, mas a interferência humana<br />
mudou consideravelmente o cenário.<br />
Corais <strong>da</strong>s espécies Acropora palmata e<br />
Acropora cervicornis, antes abun<strong>da</strong>ntes em<br />
regiões rasas, sofreram mortali<strong>da</strong>de em<br />
massa no fi nal <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1970, devido<br />
a uma doença que se alastrou por quase<br />
to<strong>da</strong> a região e que pode ter a poluição<br />
como um dos principais causadores. Ain<strong>da</strong><br />
hoje, passados mais de 30 anos, os corais<br />
Acropora do Caribe ain<strong>da</strong> estão longe de<br />
terem a ampla distribuição de outrora.<br />
Consequentemente, as zonas do recife dos<br />
mares rasos caribenhos mu<strong>da</strong>ram bastante<br />
desde então, com per<strong>da</strong>s consideráveis na<br />
quanti<strong>da</strong>de de corais e peixes na região.<br />
PELO MUNDO<br />
Os recifes de corais se distribuem por<br />
quase 300 mil quilômetros quadrados<br />
<strong>da</strong> superfície dos oceanos tropicais e<br />
a maioria é encontra<strong>da</strong> em países do<br />
sudeste Asiático e Oceania, como Filipinas,<br />
Indonésia, Papua Nova Guiné, Austrália<br />
e Ilhas do Pacífi co. Também ocorrem ao<br />
redor de ilhas do Índico, e no Atlântico<br />
estão concentrados no Mar do Caribe e<br />
no Brasil, principalmente em Abrolhos,<br />
na Bahia. Por causa <strong>da</strong> distribuição tão<br />
ampla e por locais tão distintos, os recifes<br />
de coral apresentam grande variação de<br />
características gerais, tais como número<br />
de espécies e estrutura do relevo. Na<br />
Grande Barreira australiana, o maior<br />
sistema de recifes do mundo, há cerca de<br />
1.400 espécies de peixes e mais de 450 de<br />
corais. Em contraste, regiões de menor<br />
riqueza de espécies, como Abrolhos, no<br />
Brasil, apresentam cerca de 200 de peixes<br />
e 16 de coral.<br />
A maior ou menor biodiversi<strong>da</strong>de de um<br />
recife, porém, não defi ne sua importância<br />
científi ca, tampouco econômica. A<br />
proximi<strong>da</strong>de desses ecossistemas a regiões<br />
costeiras e sua imensa biodiversi<strong>da</strong>de faz<br />
com que populações humanas usufruam<br />
de 375 bilhões de dólares anualmente,<br />
sob a forma de produtos (peixes e frutosdo-mar)<br />
e serviços (turismo de pesca e<br />
60 <strong>Terra</strong> <strong>da</strong> <strong>Gente</strong> | Recifes: Oásis do oceano Recifes: Oásis do oceano |<br />
PATROCÍNIO:<br />
Separa<strong>da</strong>s por poucos metros, as várias<br />
regiões dos corais são incrivelmente<br />
diferentes e abrigam seres peculiares<br />
mergulho). Sob esse aspecto, mesmo<br />
os recifes de menor diversi<strong>da</strong>de são<br />
fun<strong>da</strong>mentais. Abrolhos origina 10%<br />
de to<strong>da</strong> a ren<strong>da</strong> pesqueira brasileira e é<br />
conhecido pela importância no turismo<br />
nacional de mergulho e de observação de<br />
baleias-jubarte no inverno. Também é o<br />
único recife de corais do Atlântico Sul e<br />
abriga espécies endêmicas. A região ain<strong>da</strong><br />
serve de abrigo para 45 espécies marinhas<br />
ameaça<strong>da</strong>s de extinção.<br />
Não bastassem tanta cor e beleza – um<br />
ver<strong>da</strong>deiro deleite aos olhos –, os recifes<br />
de coral e seus habitantes são generosos<br />
ao fornecer o sustento e meio de vi<strong>da</strong> para<br />
populações humanas no mundo todo.<br />
NA PRÓXIMA EDIÇÃO<br />
As inúmeras ilhas do mundo e as<br />
costas rochosas de vários continentes<br />
são também abrigos para uma grande<br />
varie<strong>da</strong>de de espécies marinhas. Sobre as<br />
rochas se desenvolve um ver<strong>da</strong>deiro oásis<br />
submarino, um dos ambientes mais<br />
comuns na costa do Brasil.<br />
<strong>Terra</strong> <strong>da</strong> <strong>Gente</strong><br />
61