roteiro de estudos cap 2.pdf - FALE
roteiro de estudos cap 2.pdf - FALE
roteiro de estudos cap 2.pdf - FALE
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
TEORIA PRAGMÁTICA – CURSO 2o SEMESTRE DE 2010<br />
PROFA. MÁRCIA CANÇADO<br />
ROTEIRO DE LEITURA DE: LEVINSON, S. 2007. Pragmática. Tradução: Luís<br />
Carlos Borges e Aníbal Mari. São Paulo: Martins Fontes. (Livro texto)<br />
CAPÍTULO 2 – A DÊIXIS<br />
1. Introdução<br />
Dêixis é um termo emprestado da palavra grega que significa apontar, indicar. Os<br />
exemplos <strong>de</strong> dêiticos mais típicos são os <strong>de</strong>monstrativos, os pronomes da 1ª e 2ª pessoas, o<br />
tempo verbal, os advérbios <strong>de</strong> tempo e lugar, e uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> outros traços gramaticais<br />
ligados à circunstâncias da situação. A dêixis diz respeito às maneiras pelas quais as línguas<br />
codificam ou gramaticalizam traços do contexto da enunciação ou do evento da fala. Por<br />
exemplo, o pronome isto não nomeia nem se refere a nenhuma entida<strong>de</strong> específica; ele é<br />
apenas um marcador <strong>de</strong> lugar para alguma entida<strong>de</strong> específica do contexto (um gesto, por<br />
exemplo). A dêixis é importante para lembrar aos linguistas <strong>de</strong> que as línguas naturais se<br />
<strong>de</strong>stinam à comunicação face a face e, portanto, as línguas <strong>de</strong>vem ser analisadas como tal.<br />
Segundo Raso (2010), na aquisição da linguagem, a dêixis ostensiva, ou seja, que se vale <strong>de</strong><br />
gestos, é uma das primeiras coisas a ser aprendida e em patologias da fala são as últimas a<br />
se per<strong>de</strong>rem.<br />
Uma boa ilustração do papel da dêixis na língua é quando falta a informação dêitica<br />
no discurso. Por exemplo, vamos ao gabinete <strong>de</strong> um professor procurá-lo, e esse professor<br />
divi<strong>de</strong> esse gabinete com outro professor; encontramos o seguinte bilhete: “Volto já.” Não<br />
po<strong>de</strong>remos saber se é o professor procurado que voltará, ou se é o outro. Também, não<br />
po<strong>de</strong>mos saber o momento em que o bilhete foi escrito e, por isso, não saberemos o que<br />
significa já. A referência da pessoa e do momento não estão sendo apontadas no contexto,<br />
e, por isso, as palavras dêiticas falham em seu papel <strong>de</strong> comunicação.<br />
Os aspectos da dêixis são tão comuns em línguas naturais e tão gramaticalizados que<br />
é impossível se pensar que a dêixis não é parte da semântica. Entretanto, a interpretação<br />
a<strong>de</strong>quada da dêixis <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> exclusivamente do contexto do enunciado. Provavelmente, a<br />
dêixis se encontra na fronteira semântica/pragmática. Essas palavras/expressões tem um<br />
sentido único que é “um <strong>roteiro</strong> para encontrar referentes” (Ilari e Geraldi, 1987),<br />
entretanto, a referência <strong>de</strong> cada expressão será variada e dada somente pelo contexto.<br />
1
2. As abordagens filosóficas<br />
Uma gran<strong>de</strong> questão que se coloca para os filósofos, estudiosos da dêixis, é como a<br />
semântica verifuncional lida com certas expressões da língua natural. Por exemplo, observe<br />
a sentença:<br />
(1) Josefina foi a mulher <strong>de</strong> Napoleão.<br />
Se equipararmos o conteúdo semântico da sentença com suas condições <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, a<br />
verda<strong>de</strong> da sentença <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá simplesmente dos fatos da história. Entretanto, se temos a<br />
sentença:<br />
(2) Ela foi a mulher <strong>de</strong> Napoleão.<br />
Não po<strong>de</strong>mos avaliar a verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa sentença, sem levarmos em conta quem é a pessoa<br />
que está sendo indicada. A verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa sentença, além <strong>de</strong> certos fatos da história, precisa<br />
também <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes sobre o contexto em que a sentença foi enunciada.<br />
Um fato interessante a se notar é que praticamente toda enunciação tem essa<br />
<strong>de</strong>pendência do contexto, que se <strong>de</strong>ve em gran<strong>de</strong> parte ao tempo verbal. Por exemplo, se<br />
falamos:<br />
(3) Há bons alunos aqui na <strong>FALE</strong>.<br />
Essa enunciação só será verda<strong>de</strong>ira se eu estiver me referindo aos alunos do momento da<br />
fala. Por exemplo:<br />
(4) Houve bons alunos na <strong>FALE</strong>.<br />
Essa sentença só po<strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong>ira se for verda<strong>de</strong> que em um momento anterior ao da<br />
fala houvesse tido bons alunos na <strong>FALE</strong>.<br />
O gran<strong>de</strong> interesse dos filósofos sobre a dêixis surgiu das seguintes questões básicas:<br />
a) se todas as expressões indiciais po<strong>de</strong>m ser reduzidas a uma única expressão<br />
primária;<br />
b) se esse resíduo pragmático po<strong>de</strong> ser traduzido em uma língua artificial livre <strong>de</strong><br />
contexto.<br />
Russel, por exemplo, em relação à a, propõe que a redução seria possível se traduzíssemos<br />
todos os indiciais em expressões que contivesse a palavra isso; o pronome eu , por<br />
exemplo, seria traduzido “como a pessoa que está experimentando isso”. Reichenbach , em<br />
relação à a e b, propõe que todos os indiciais envolvem um elemento <strong>de</strong> reflexivida<strong>de</strong> à<br />
2
ocorrência; por exemplo, eu significa “a pessoa que está enunciando esta ocorrência da<br />
palavra eu”.<br />
Essas análises po<strong>de</strong>m parecer atraentes, mas apresentam gran<strong>de</strong>s problemas (ver Bar-<br />
Hillel, 1970; e Lyons, 1977). A questão b, do ponto <strong>de</strong> vista lingüístico, <strong>de</strong>terminar se todas<br />
as expressões dêiticas po<strong>de</strong>m ser traduzidas em termos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do contexto, parece<br />
ser uma miragem filosófica. Afinal <strong>de</strong> contas, o que interessa é o fato <strong>de</strong> que as línguas<br />
naturais possuem indiciais e cabe a análise lingüística <strong>de</strong>screver e explicar como estes são<br />
usados.<br />
Se houver a intenção, como parte <strong>de</strong> um programa geral <strong>de</strong> análise semântica, <strong>de</strong><br />
ampliar as técnicas lógicas para lidar com as sentenças que contém indiciais, <strong>de</strong>ve-se<br />
atentar para a sua <strong>de</strong>pendência do contexto. Levinson propõe alguns tipos <strong>de</strong> análise<br />
semântica em que tratariam o contexto como um conjunto <strong>de</strong> índices pragmáticos,<br />
coor<strong>de</strong>nadas ou pontos <strong>de</strong> referência. Ou, então, uma análise em que a semântica não diz<br />
respeito diretamente à língua natural, mas apenas às proposições, entida<strong>de</strong>s abstratas, que<br />
as sentenças e os contextos selecionam em uma operação conjunta (Montague, 1970).<br />
Como última observação, Donnellan (1966) levanta a questão se certas <strong>de</strong>scrições<br />
<strong>de</strong>finidas também não seriam indiciais. Veja a sentença:<br />
(5) O homem que está bebendo champanhe é Lord Godophin.<br />
Essa sentença é muito semelhante à:<br />
(6) Aquele homem (o falante indica o homem que bebe champanhe) é Lord<br />
Godophin.<br />
Quando ouvimos a sentença em (5), somos convidados a olhar e i<strong>de</strong>ntificar o referente. Se<br />
isso for verda<strong>de</strong>, o papel da pragmática aumenta ainda mais na análise semântica.<br />
3. Abordagens <strong>de</strong>scritivas<br />
3.1 Centro dêitico<br />
Os sistemas dêiticos nas línguas naturais não são organizados aleatoriamente em<br />
torno <strong>de</strong> traços do contexto em que as línguas são usadas. Há uma escolha essencial do<br />
contexto conversacional face a face. Além do mais, é geralmente (não invariavelmente)<br />
verda<strong>de</strong> que a dêixis é organizada <strong>de</strong> “forma egocêntrica”. Quando pensamos nas<br />
expressões dêiticas como ancoradas a pontos específicos do acontecimento comunicativo,<br />
supomos que os pontos <strong>de</strong> ancoragem não marcados no discurso, que constituem o centro<br />
dêitico são:<br />
- a pessoa central é o falante;<br />
- o tempo central é o tempo em que o falante produz a enunciação;<br />
3
- o lugar central é a localização do falante no tempo da enunciação;<br />
- o centro do discurso é o ponto em que o falante se encontra presentemente na<br />
produção <strong>de</strong> sua enunciação;<br />
- o centro social é a posição social e o grau hierárquico do falante, ao qual são<br />
relativos a posição e o grau hierárquico dos <strong>de</strong>stinatários ou referentes.<br />
Entretanto, há exceções a isso: por exemplo, algumas línguas tem expressões dêiticas<br />
organizadas parcialmente em torno da localização <strong>de</strong> outros participantes que não os<br />
falantes. Exemplo disso é o português, no uso da expressão dêitica aí. Esse dêitico só po<strong>de</strong><br />
ser entendido em relação à posição do <strong>de</strong>stinatário: lugar próximo ao <strong>de</strong>stinatário.<br />
Diferentemente <strong>de</strong> aqui e lá, que são interpretados a partir do ponto central do falante. A<br />
interpretação para essas expressões, respectivamente, seria: lugar próximo ao falante e<br />
lugar distante do falante.<br />
3.2 Uso gestual, uso simbólico e uso não-dêitico<br />
Expressões dêiticas se referem a unida<strong>de</strong>s lingüísticas ou morfemas para as quais o<br />
uso dêitico é central, entretanto, essas expressões também po<strong>de</strong>m ter um uso não-dêitico.<br />
Primeiramente, entre as expressões dêiticas, vamos dividir as expressões dêiticas <strong>de</strong> uso<br />
gestual e <strong>de</strong> uso simbólico. Os usos gestuais só po<strong>de</strong>m ser interpretados com referência a<br />
um monitoramento físico do acontecimento. Exemplo <strong>de</strong>sses dêiticos seriam os pronomes<br />
<strong>de</strong>monstrativos. Observe o enunciado:<br />
(7) Este é genuíno, mas este é uma falsisficação.<br />
O exemplo em (7) só po<strong>de</strong> ser interpretado se acompanhada <strong>de</strong> uma indicação gestual. Em<br />
geral, as línguas tem palavras que só po<strong>de</strong>m ser usadas gestualmente: voici do francês, ou<br />
fórmulas usadas para brindar, como cheers do inglês.<br />
Os usos simbólicos requerem para sua interpretação apenas o conhecimento dos<br />
parâmetros espaço-temporal básicos do acontecimento discursivo. Por exemplo, basta<br />
conhecer a localização geral dos participantes para interpretar um enunciado como:<br />
(8) Esta cida<strong>de</strong> é muito bonita.<br />
Ou conhecer o conjunto dos <strong>de</strong>stinatários na situação para interpretar:<br />
(9) Vocês po<strong>de</strong>m vir comigo.<br />
Ou ainda saber quando o enunciado foi pronunciado, para interpretarmos o ano a que se<br />
está fazendo referência:<br />
4
(10) Não po<strong>de</strong>mos sair <strong>de</strong> férias este ano.<br />
Analisemos alguns exemplos <strong>de</strong> usos gestuais, em (11a), usos simbólicos, em (11b), e<br />
usos não-dêiticos, em (11c):<br />
(11) a. Você e você estão dispensados, mas você não.<br />
b. O que você falou?<br />
c. Você nunca sabe o que irá acontecer amanhã.<br />
Os dêiticos são usados anaforicamente quando um termo elege como referente a<br />
mesma entida<strong>de</strong> (ou classe <strong>de</strong> objetos) que algum termo anterior selecionou no discurso:<br />
(12) O João chegou e ele acen<strong>de</strong>u a luz.<br />
O ele se refere ao termo anterior João. Também, Lyons (1977) observa que um mesmo<br />
termo po<strong>de</strong> ser usado dêitico e anaforicamente:<br />
(13) Eu nasci em Londres e vivo lá <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então.<br />
O termo lá po<strong>de</strong> ser uma anáfora <strong>de</strong> Londres, mas também é usada <strong>de</strong> uma forma dêitica<br />
simbólica em relação ao espaço, localizando a enunciação fora <strong>de</strong> Londres. E, ainda, o uso<br />
anafórico po<strong>de</strong> ser usado simultaneamente com o uso dêitico gestual:<br />
(14) Eu cortei um <strong>de</strong>do: este aqui.<br />
O termo este está em uma relação anafórica com um <strong>de</strong>do, mas também é usado <strong>de</strong> uma<br />
forma dêitica gestual.<br />
Façamos uma pequena tabela, resumindo os usos possíveis <strong>de</strong> palavras dêiticas:<br />
Exercícios:<br />
(15) dêiticos -> a. gestuais<br />
b. simbólicos<br />
não-dêiticos -> a. não anafóricos<br />
b. anafóricos<br />
1. Explique nas sentenças abaixo se as expressões grifadas são exemplos <strong>de</strong> uso dêitico<br />
gestual, uso dêitico simbólico, ou se as mesmas palavras estão sendo usadas <strong>de</strong> uma forma<br />
não dêitica:<br />
5
1. Esta cida<strong>de</strong> é maravilhosa.<br />
2. Veja esta rua: que sujeira!<br />
3. Sempre tem esta ou aquela <strong>de</strong>sculpa.<br />
4. Olha que gata, aquela menina.<br />
5. Agora vamos nós.<br />
6. Vamos agora mesmo.<br />
7. Não faça agora, mas agora.<br />
8. O João está aí?<br />
9. Aí tem coisa.<br />
10. Coloque a mesa aí, não aqui.<br />
2. I<strong>de</strong>ntifique se os pronomes estão sendo usados dêitico ou anaforicamente:<br />
1. Ele veio e falou: que alegria!<br />
2. O João entrou e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muita discussão ele aceitou a argumentação.<br />
3. Ele falou para o técnico arrumar o computador.<br />
4. Ela fala muito <strong>de</strong> si mesma.<br />
5. A Maria pediu para ela sair da sala.<br />
3.3 Dêixis <strong>de</strong> pessoa<br />
A dêixis <strong>de</strong> pessoa se reflete mais geralmente nos sistemas pronominais do português<br />
e exibem uma tríplice distinção:<br />
- para a 1ª pessoa, a inclusão do falante (+F);<br />
- para a 2ª pessoa, a inclusão do <strong>de</strong>stinatário (+D);<br />
- para a 3ª pessoa, a exclusão do falante e do <strong>de</strong>stinatário (-F, -D)<br />
Essas diferenças nem sempre são gramaticalizadas <strong>de</strong> maneira muito óbvia. Portanto, esse<br />
sistema po<strong>de</strong> apresentar muitas facetas diferentes. Por exemplo, assim como os falantes<br />
mudam, também o centro dêitico, do qual <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> o resto do sistema dêitico, <strong>de</strong>sloca-se<br />
abruptamente <strong>de</strong> participante para participante. Quando A fala, o centro dêitico está<br />
localizado em A; mas quando B respon<strong>de</strong>, esse centro se <strong>de</strong>sloca para B. Temos que<br />
<strong>de</strong>senvolver uma estrutura pragmática <strong>de</strong> possíveis papéis dos participantes, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
da gramática, para percebermos como esses papéis são gramaticalizados nas diferentes<br />
línguas. Essa estrutura teria que distinguir:<br />
- a fonte po<strong>de</strong> ser diferente do falante ou porta-voz <strong>de</strong> uma enunciação;<br />
- o receptor diferente do alvo <strong>de</strong> uma enunciação;<br />
- os ouvintes ou pessoas que estão por perto diferentes dos alvos.<br />
6
Essa diferenciação po<strong>de</strong> ser ilustrada com os seguintes exemplos: uma aeromoça dando as<br />
instruções <strong>de</strong> vôo: “Vocês <strong>de</strong>vem apertar os cintos agora.” Ela é a falante ou porta voz das<br />
instruções, mas não a fonte. Em chinook, nem a fonte (por exemplo, um chefe), nem o alvo<br />
(os espíritos) estão necessariamente presentes ao ritual que se passa entre as pessoas <strong>de</strong>ssa<br />
comunida<strong>de</strong>. Assim, os falantes não coinci<strong>de</strong>m com a fonte e nem os ouvintes coinci<strong>de</strong>m<br />
com o alvo. Vou assumir, portanto, que falante e alvo estão mais marcados<br />
gramaticalmente; fonte, receptor e ouvinte fazem parte do discurso.<br />
Para o português e inglês é importante perceber que a categoria tradicional do plural<br />
não é aplicada simetricamente à 1ª pessoa (we, nós) da mesma maneira que é aplicada à 3ª<br />
pessoa (they, eles). A categoria nós somente tem uma leitura inclusiva; já eles remetem a<br />
mais <strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 3ª pessoa. O pronome nós, em inglês ou português, também po<strong>de</strong><br />
estar se referindo a uma única pessoa. Por exemplo, em textos acadêmicos, mesmo sendo<br />
um único autor, existe o emprego do pronome no plural. Também, nós po<strong>de</strong> ser a inclusão<br />
<strong>de</strong> quem fala com quem está escutando; po<strong>de</strong> ser quem fala e alguém diferente do ouvinte;<br />
e ainda po<strong>de</strong> ser que a pessoa que esteja falando não esteja incluída: por exemplo, alguém<br />
falando <strong>de</strong> seu time:<br />
(16) Nós jogamos muito bem hoje.<br />
Segundo Raso (2010), os pronomes <strong>de</strong> primeira e segunda pessoa, tanto singular<br />
quanto plural, são <strong>de</strong> natureza diferente daqueles <strong>de</strong> terceira pessoa. Somente o pronome <strong>de</strong><br />
terceira pessoa po<strong>de</strong> substituir um nome. Po<strong>de</strong>-se dizer:<br />
(17) A professora chegou./ A Márcia chegou./Ela chegou. (o mesmo para o plural)<br />
Entretanto, não se po<strong>de</strong> dizer:<br />
(18)*A Márcia estou alegre.<br />
O mesmo para ocorre a segunda pessoa.<br />
Ainda observa Raso (2010), a dêixis pessoal, pelo menos nas línguas em que há uma<br />
rica morfologia verbal (e que são chamadas <strong>de</strong> pro-drop, ou seja não precisam expressar<br />
sintaticamente o sujeito), po<strong>de</strong> ser expressa através das <strong>de</strong>sinências verbais:<br />
(19) Como pão todo dia.<br />
Enquanto para línguas que não tem a característica pro-drop, como o inglês, <strong>de</strong>vemos<br />
expressar o pronome necessariamente:<br />
7
(20) a. I eat bread every day.<br />
b. *Eat bread every day).<br />
Existem alguns sistemas pronominais que são bem mais complexos do que o sistema<br />
do português ou inglês. Algumas línguas, por exemplo, exibem até 15 pronomes básicos.<br />
Outro exemplo é o japonês que distingue os pronomes pelo sexo do falante, pela posição<br />
social do referente e o grau <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong> com o referente. O pronome <strong>de</strong> 2ª pessoa kimi<br />
po<strong>de</strong> ser glosado como “você, a quem se dirige este falante masculino e íntimo”. O tâmil,<br />
língua dos povoados, tem até seis pronomes da 2ª pessoa do singular, conforme o nível<br />
hierárquico relativo entre o falante e o <strong>de</strong>stinatário.<br />
Outro caso a ser analisado é quando ocorre uma distinção adicional pela concordância<br />
morfológica, que não é feita ostensivamente pelo pronome. É o caso do francês. O pronome<br />
vous <strong>de</strong> 2ª pessoa do plural é usado em duas ocasiões; po<strong>de</strong> <strong>de</strong>notar realmente que o<br />
<strong>de</strong>stinatário é mais <strong>de</strong> uma pessoa ou somente que o <strong>de</strong>stinatário é uma pessoa:<br />
(21) Vous parlez français? (Você(s) falam francês?)<br />
(22) Vous êtes le professeur? (O senhor é o professor?)<br />
Além dos pronomes e a concordância dos predicados, a pessoa ou o papel do<br />
participante po<strong>de</strong> ser marcado <strong>de</strong> forma diferente. Por exemplo, os termos <strong>de</strong> parentesco<br />
muitas vezes apresentam uma forma na interpelação (vocativo) e outra forma na referência.<br />
Exemplo disso em português, mamãe po<strong>de</strong> ser usado somente para a interpelação; o termo<br />
para se referir a alguém é mãe.<br />
Os vocativos também tem um comportamento interessante, pois são sintagmas<br />
nominais que se referem ao <strong>de</strong>stinatário, mas não são sintática nem semanticamente<br />
incorporados como argumentos <strong>de</strong> um predicado. Ao contrário, eles vem separados<br />
prosodicamente do corpo <strong>de</strong> uma sentença. Os vocativos po<strong>de</strong>m ser divididos em<br />
chamamentos (convocações) ou apelativos:<br />
(23) Ei você, po<strong>de</strong> me dizer as horas? (= uso gestual)<br />
(24) A verda<strong>de</strong>, senhora, é que tudo mudou. (uso simbólico)<br />
Observem que os cumprimentos, <strong>de</strong>spedidas e diversas fórmulas rituais (Saú<strong>de</strong>!)<br />
po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>radas como <strong>de</strong> natureza vocativa.<br />
Outro ponto a ser observado na dêixis <strong>de</strong> pessoa é quando se per<strong>de</strong> o contato face a<br />
face. Por exemplo, quando me encontro face a face com alguém, posso dizer:<br />
(25) Eu sou a Márcia.<br />
Mas se estiver falando ao telefone, usaria a concordância <strong>de</strong> 3ª pessoa:<br />
8
(26) Aqui é a Márcia quem fala.<br />
Observem, ainda, que os vários exemplos dados acima po<strong>de</strong>m envolver as<br />
organizações sobrepostas das cinco categorias básicas <strong>de</strong> dêixis: os cumprimentos, por<br />
exemplo, geralmente envolvem dêixis <strong>de</strong> tempo, pessoa e discurso; os <strong>de</strong>monstrativos<br />
envolvem dêixis <strong>de</strong> espaço e pessoa; os vocativos envolvem dêixis <strong>de</strong> pessoa e social, etc.<br />
Exercícios<br />
1. Faça um pequeno texto em que teríamos as coor<strong>de</strong>nadas 1ª pessoa -> (+F) (centro<br />
dêitico), 2ª pessoa-> (+D) e 3ª pessoa -> (-F, -D).<br />
2. No texto da p. 83, explicitar os dêiticos e o sistema em que eles estão inseridos.<br />
3. Dê três exemplos, em forma <strong>de</strong> pequenos textos, em que o falante é diferente da fonte <strong>de</strong><br />
uma enunciação e o receptor diferente do alvo.<br />
4. Veja o exemplo em que o contexto muda o valor dos dêiticos e explicite a referência<br />
<strong>de</strong>ssas expressões:<br />
1. No tempo em que nós vivíamos na caverna, o mundo era muito diferente.<br />
2. Nós ganhamos a copa em 1970.<br />
3. Nós po<strong>de</strong>mos falar agora?<br />
4. A tia vai falar agora! Prestem atenção!<br />
5. Diga se os vocativos são chamamentos ou apelativos. Dê outros exemplos:<br />
1. Ei você, apague a luz.<br />
2. E como eu ia dizendo, pessoal, esse assunto é muito complexo.<br />
3. Olá, como vai você?<br />
4. Felicida<strong>de</strong>s!<br />
3.4 Dêixis <strong>de</strong> tempo<br />
Em geral, as bases para computar e medir o tempo na maioria das línguas parecem ser<br />
os ciclos naturais <strong>de</strong> dia e noite, os meses lunares, as estações e os anos. Tais unida<strong>de</strong>s<br />
po<strong>de</strong>m ser usadas como medidas relativas a alguns pontos <strong>de</strong> interesse fixo, ou po<strong>de</strong>m ser<br />
usadas em relação a um calendário. São com essas medidas temporais que a dêixis interage.<br />
9
A dêixis <strong>de</strong> tempo faz referência ao papel do participante e o tempo <strong>de</strong> sua fala. A palavra<br />
agora po<strong>de</strong> ser glosada como “o tempo em que o falante está produzindo a enunciação que<br />
contém agora”. Vamos estabelecer que o momento da enunciação ou tempo <strong>de</strong> codificação<br />
será TC e o momento da recepção ou tempo <strong>de</strong> recebimento será TR. Em situações <strong>de</strong> fala<br />
canônicas, po<strong>de</strong>mos supor que TR será o mesmo <strong>de</strong> TC. Quando alguém diz algo como:<br />
(27) Eu vou estudar agora.<br />
O tempo da emissão (TC) é o mesmo do tempo em que receptor escuta esse enunciado<br />
(TR). Portanto, nesse exemplo, TC=TR.<br />
Quando há um <strong>de</strong>svio <strong>de</strong>ssa sobreposição, temos que <strong>de</strong>terminar se o centro dêitico<br />
permanecerá no TC ou será projetado no TR. Exemplos <strong>de</strong>ssa mudança são:<br />
(28) Este programa está sendo gravado hoje, dia 26 <strong>de</strong> agosto, quinta-feira, para ser<br />
transmitido na próxima sexta-feira, dia 27 <strong>de</strong> agosto.<br />
(29) Estou escrevendo essa carta agora, para que você a leia daqui a 2 dias.<br />
Nos exemplos, o TC não coinci<strong>de</strong> com o TR e marcamos o TC como o centro dêitico do<br />
tempo. Entretanto, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>slocar o centro dêitico temporal para TR e aí teremos:<br />
(30) Este programa foi gravado dia 26 <strong>de</strong> agosto, quinta-feira passada, para ser<br />
transmitido hoje, sexta-feira, dia 27 <strong>de</strong> agosto.<br />
(31) Escrevi essa carta há 2 dias atrás, para que você a leia hoje.<br />
3.4.1 Os advérbios<br />
Existem alguns advérbios que também são usados <strong>de</strong> maneira gestual ou simbólica,<br />
mudando assim a interpretação do tempo. Veja os exemplos:<br />
(32) a. Aperte o gatilho agora! (no exato momento gestual)<br />
b. Agora estou trabalhando no meu doutorado (no momento simbólico)<br />
Os advérbios hoje, amanhã e ontem pressupõem uma divisão <strong>de</strong> tempo em segmentos<br />
<strong>de</strong> um dia. Po<strong>de</strong>mos glosar hoje como sendo o segmento <strong>de</strong> um dia que inclui o TC, ontem<br />
como sendo o segmento <strong>de</strong> um dia que prece<strong>de</strong> hoje, e amanhã como sendo o segmento <strong>de</strong><br />
um dia que segue hoje. Contudo, esses advérbios tem dois tipos <strong>de</strong> referentes: po<strong>de</strong>m se<br />
referir ao segmento inteiro, como em (33), ou po<strong>de</strong>m se referir a um ponto <strong>de</strong>ntro do<br />
segmento, como em (34):<br />
(33) Amanhã é quinta-feira.<br />
(34) O João acertou a vidraça com uma bola ontem.<br />
10
É interessante observar que as palavras dêiticas hoje, ontem e manhã tem precedência<br />
sobre os dias do calendário. Veja o enunciado:<br />
(35) Eu te vejo na quinta!<br />
O exemplo em (35) só po<strong>de</strong> ser interpretado como alguma próxima quinta, pois do<br />
contrário, se o dia em que o falante quisesse encontrar o receptor do enunciado fosse o<br />
próprio dia do TC, o falante só po<strong>de</strong>ria usar o dêitico hoje.<br />
Vale observar que as línguas diferem no que diz respeito a esses tipos <strong>de</strong> advérbios<br />
dêiticos. O chinantec, uma língua ameríndia, tem nomes para quatro dias antes e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
hoje; o japonês tem três dias antes <strong>de</strong> hoje e dois <strong>de</strong>pois; o híndi tem a mesma palavra para<br />
hoje e amanhã.<br />
Outra maneira <strong>de</strong> as línguas expressarem a dêixis é através <strong>de</strong> adjuntos adverbiais<br />
complexos como segunda-feira passada, próximo ano, esta tar<strong>de</strong>. Esses adjuntos são<br />
compostos <strong>de</strong> um modificador dêitico esta, próximo, passada, etc, juntamente com um<br />
nome não-dêitico <strong>de</strong> medida. A interpretação <strong>de</strong>sses sintagmas complexos também po<strong>de</strong> ser<br />
ambígua entre uma leitura exclusivamente calendarial, exemplo em (36) e a medida entre<br />
os 365 dias, exemplo em (37):<br />
(36) Este ano terá 366 dias. (leitura calendarial)<br />
(37) Este ano terminarei o meu doutorado. (leitura <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong>ntro do ano)<br />
Também, os advérbios hoje, amanhã e ontem tem precedência sobre esses adjuntos<br />
complexos, se o dia em que o falante estiver, for o mesmo da dêixis.<br />
3.4.2 O tempo verbal<br />
Nas línguas em que existe a categoria tempo verbal, este é um dos principais fatores<br />
que asseguram que quase todas as sentenças, quando enunciadas, estão <strong>de</strong>iticamente<br />
ancoradas a um contexto <strong>de</strong> enunciação. Observe a sentença:<br />
(38) Escreverei um <strong>roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>estudos</strong>.<br />
A interpretação da sentença como um acontecimento que se refere a um tempo que segue<br />
TC, é ancorado pelo tempo verbal futuro que é refletido em português pelo tempo flexional<br />
futuro. É relevante, então, que façamos uma distinção, primeiramente, do tempo verbal que<br />
<strong>de</strong>nota semanticamente o tempo e o tempo verbal que é apenas uma flexão verbal. Nos<br />
exemplos:<br />
11
(39) Dois e dois são quatro.<br />
(40) As iguanas comem formigas.<br />
Temos o tempo verbal flexional, nas marcas dos verbos são e comem, mas não po<strong>de</strong>mos<br />
dizer que temos um tempo <strong>de</strong>notado semanticamente. Também, esse tempo flexional não<br />
exibe a característica dêitica.<br />
Vamos estabelecer, então, que os tempos verbais que trazem a marca dêitica são o<br />
passado (acontecimento completado anteriormente ao TC), o presente (acontecimento cuja<br />
extensão inclui o TC) e o futuro (acontecimento que vem <strong>de</strong>pois do TC).<br />
É importante observar que os tempos verbais semânticos não se encaixam <strong>de</strong> uma<br />
maneira tão simples nos tempos verbais flexionais, pois esses codificam também traços<br />
aspectuais e modais.<br />
O aspecto em português po<strong>de</strong> ser entendido como a maneira que um evento ocorre no<br />
mundo, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da forma contínua ou pontual. Existem várias maneiras <strong>de</strong> uma língua<br />
<strong>de</strong>notar o aspecto, e uma <strong>de</strong>las é codificá-lo gramaticalmente no verbo. Em português,<br />
temos as seguintes formas, conhecidas como imperfeito, para a forma contínua e perfeito,<br />
para a forma pontual:<br />
(41) a. O João escrevia/estava escrevendo um livro (imperfeito)<br />
b. O João escreveu um livro. (perfeito)<br />
Reparem que, as flexões verbais, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>notarem o tempo semântico passado, também,<br />
<strong>de</strong>notam o aspecto perfectivo e imperfectivo do enunciado. Portanto, as duas sentenças<br />
acima tem o mesmo tempo semântico, apesar <strong>de</strong> terem duas formas verbais flexionais<br />
diferentes, <strong>de</strong>notando diferentes aspectos gramaticais.<br />
O modo po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido semanticamente como atitu<strong>de</strong>s do falante em relação ao<br />
conteúdo factual do enunciado, como incerteza, vagueza, possibilida<strong>de</strong>. Gramaticalmente, o<br />
modo po<strong>de</strong> ser expresso por advérbios, por auxiliares ou por marcas flexionais do verbo.<br />
Po<strong>de</strong>mos apontar em português três modalida<strong>de</strong>s específicas <strong>de</strong> flexão verbal: o indicativo<br />
(marca a certeza), o subjuntivo (marca o incerto) e o imperativo (marca uma or<strong>de</strong>m,<br />
pedido). Entretanto, como observa Lyons, é provável que os tempos verbais futuros<br />
contenham invariavelmente um elemento modal e mais a marca <strong>de</strong> tempo:<br />
(42) Eu farei isso, se for possível.<br />
Às vezes, afirma-se que existem algumas línguas que não apresentam tempo verbal<br />
verda<strong>de</strong>iro, como o chinês, por exemplo. Entretanto, o que essas línguas não apresentam é o<br />
tempo verbal flexional, a marca gramatical. O tempo verbal semântico é <strong>de</strong>notado por<br />
advérbios <strong>de</strong> tempo ou palavras semelhantes. Não existe língua que não tenha um sistema<br />
<strong>de</strong> tempo verbal.<br />
12
3.4.3 Consi<strong>de</strong>rações finais<br />
Devemos mencionar que a dêixis <strong>de</strong> tempo é importante para vários outros elementos<br />
dêiticos <strong>de</strong> uma língua. Por exemplo, os cumprimentos geralmente sofrem restrições quanto<br />
ao tempo:<br />
(43) Bom dia!<br />
Só po<strong>de</strong> ser usado pela manhã, etc. No inglês, por exemplo:<br />
(44) Good night!<br />
Só po<strong>de</strong> ser usado como <strong>de</strong>spedida, à noite. Temos, então, uma interação da dêixis <strong>de</strong><br />
tempo com a dêixis do discurso, que veremos à frente.<br />
Exercícios<br />
1. Dê 2 exemplos em que o TC coinci<strong>de</strong> com o TR, e 2 exemplos em que o TC não<br />
coinci<strong>de</strong> com TR.<br />
2. Explicite se os advérbios <strong>de</strong> tempo estão sendo usados <strong>de</strong> maneira gestual ou simbólica:<br />
- Acenda a luz já!<br />
- Eu chego já.<br />
- Agora eu vou fazer um mestrado.<br />
- Agora! Lance a bola!<br />
3. Dê 3 exemplos em que os advérbios ontem, hoje, amanhã se referem a um segmento<br />
inteiro ou a um ponto <strong>de</strong>ntro do segmento.<br />
4. Dê 2 exemplos em que o tempo verbal flexional não <strong>de</strong>nota semanticamente o tempo e 2<br />
exemplos em que o tempo verbal marca <strong>de</strong>iticamente o tempo.<br />
5. Explique como o aspecto e o modo são componentes que tornam a relação tempo verbal<br />
semântico e tempo verbal flexional não-convergentes.<br />
13
3.5 Dêixis <strong>de</strong> lugar<br />
3.5.1 Introdução<br />
A dêixis <strong>de</strong> lugar ou espaço diz respeito aos pontos <strong>de</strong> ancoragem no acontecimento<br />
discursivo. A importância <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> dêixis se revela no fato <strong>de</strong> que parece haver duas<br />
maneiras básicas <strong>de</strong> fazer referência aos objetos – <strong>de</strong>screvê-los ou nomeá-los por um lado<br />
ou localizá-los por outro. Devemos distinguir as localizações que po<strong>de</strong>m ser especificadas<br />
relativamente a outros objetos ou pontos <strong>de</strong> referências fixos, como em:<br />
(45) O Mineirão fica a 500 metros da universida<strong>de</strong>.<br />
(46) Belo Horizonte fica a 800 metros acima do nível do mar.<br />
E as relações que po<strong>de</strong>m ser especificados relativamente à localização dos participantes no<br />
momento da fala (TC), como em:<br />
(47) A próxima cida<strong>de</strong> fica a 3 km daqui.<br />
(48) O ponto do ônibus fica ali.<br />
Nos casos em (45) e (46), a localização é fixa; nos casos em (47) e (48), a interpretação<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do lugar do falante no momento da enunciação.<br />
3.5.2 Palavras dêiticas que expressam lugar<br />
Existem algumas palavras dêiticas que expressam puramente o lugar. No português,<br />
essas palavras são os advérbios aqui, cá, ali, lá, aí e os pronomes <strong>de</strong>monstrativos esse(a),<br />
aquele(a). O uso simbólico <strong>de</strong> aqui po<strong>de</strong> ser glosado como “a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> espaço<br />
pragmaticamente dada que inclui a localização do falante no TC”:<br />
(49) Estou tendo muitas alegrias na minha visita aqui.<br />
O uso gestual <strong>de</strong> aqui <strong>de</strong>ve ser glosado <strong>de</strong> maneira um pouco diferente, como “o<br />
espaço pragmaticamente dado, próximo da localização gestualmente indicada pelo falante”.<br />
Observe que a precisão da localização <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do espaço pragmaticamente dado pelo gesto<br />
do falante. A palavra aqui dita por um cirurgião ou por um pedreiro em <strong>de</strong>terminada<br />
situação po<strong>de</strong> ter implicações bem distintas:<br />
(50) Coloque isto bem aqui.<br />
14
Os advérbios aqui, ali e lá, po<strong>de</strong>m ser classificados como um contraste entre<br />
proximal/não tão proximal/distal, a partir da localização do falante no TC:<br />
(51) Traga o livro aqui e <strong>de</strong>pois leve a estante dali para lá.<br />
Entretanto, se queremos especificar um ponto em relação ao <strong>de</strong>stinatário da nossa<br />
enunciação, não usamos, em português, o advérbio lá, mas usamos o aí (diferentemente do<br />
inglês, que usa o mesmo advérbio there):<br />
(52) Como vão as coisas aí?<br />
(53) Pega isso para mim, aí.<br />
Portanto, po<strong>de</strong>mos afirmar que o português apresenta uma mudança <strong>de</strong> eixo dêitico do<br />
falante para o <strong>de</strong>stinatário. Diferentemente do inglês ou francês.<br />
Também po<strong>de</strong>mos observar o uso anafórico <strong>de</strong> lá. Veja o enunciado:<br />
(54) Ontem fomos para SP. Chegando lá, fomos direto para a USP.<br />
Os pronomes <strong>de</strong>monstrativos este/isto e esse/isso em português brasileiro, atualmente, não<br />
refletem mais a dimensão proximal/distal. Po<strong>de</strong>mos afirmar que esse/isso é usado para as<br />
duas localizações e o que pontua a proximida<strong>de</strong> ou a distância são os advérbios <strong>de</strong> lugar :<br />
(55) Pega esse livro/isso aqui. (próximo do falante)<br />
(56) Pega esse livro/isso ali. (distante do falante e do <strong>de</strong>stinatário)<br />
(57) Pega esse livro/isso aí. (distante do falante e próximo do <strong>de</strong>stinatário)<br />
Os únicos pronomes que parecem manter a <strong>de</strong>notação distal é aquele, aquilo, mas também<br />
aparecem ancorados pelos advérbios <strong>de</strong> lugar:<br />
(58) Pega aquele livro/aquilo ali para mim. (mais distante do falante e do <strong>de</strong>stinatário)<br />
Fazendo uma síntese dos advérbios e pronomes, temos para o português a seguinte<br />
estrutura dêitica <strong>de</strong> espaço:<br />
perto do falante -> aqui, cá / esse (a), isso<br />
não tão perto do falante -> ali / aquele(a), aquilo<br />
longe do falante e perto do <strong>de</strong>stinatário -> aí / esse (a), isso<br />
longe do falante e longe do <strong>de</strong>stinatário -> lá / aquele(a), aquilo<br />
Algumas línguas possuem <strong>de</strong>monstrativos com sistema ainda mais complexos,<br />
apresentando uma distinção quádrupla na dimensão proximal/distal. Por exemplo, a língua<br />
15
tlingit, da América do Norte, possuem <strong>de</strong>monstrativos que po<strong>de</strong>m ser glosados como: “este,<br />
bem aqui”, “este, perto daqui”, “aquele lá”, e “aquele lá longe”, enquanto o malgaxe tem<br />
um contraste sêxtuplo na mesma dimensão. E assim temos muito mais exemplos <strong>de</strong>sse tipo.<br />
Os pronomes <strong>de</strong>monstrativos também se combinam com termos não-dêiticos <strong>de</strong><br />
organização espacial para produzir complexas <strong>de</strong>scrições dêiticas <strong>de</strong> localização. A<br />
organização conceitual não-dêitica do espaço inclui todas as distinções entre superfícies,<br />
espaços, espaços fechados, recipientes, dianteiras, traseiras, topos, laterais, largura,<br />
comprimento, altura, etc. Assim temos:<br />
(59) Cola esse lado da caixa!<br />
Esse lado po<strong>de</strong> significar “a superfície da caixa que po<strong>de</strong> ser chamada <strong>de</strong> lado que está<br />
mais próxima da localização do falante no TC”. Ou:<br />
(60) Olha esse lado da árvore!<br />
Esse lado po<strong>de</strong> significar “a área da árvore visível do ponto em que o falante está no TC”.<br />
A diferença entre as glosas <strong>de</strong> (59) e (60) <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m claramente das caixas terem lados<br />
intrínsecos e as árvores não. Ainda, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do tipo <strong>de</strong> objeto, eles po<strong>de</strong>m ter esse tipo<br />
<strong>de</strong> referência usada <strong>de</strong>iticamente ou não:<br />
(61) O gato está atrás do carro.<br />
Esse enunciado po<strong>de</strong> ser interpretado <strong>de</strong>iticamente, ou seja, o gato está localizado entre o<br />
falante e o carro); ou po<strong>de</strong> ser interpretado não-<strong>de</strong>iticamente, ou seja, o gato se encontra na<br />
parte traseira intrínseca do carro.<br />
3.5.3 Verbos <strong>de</strong> movimento<br />
Existem verbos <strong>de</strong> movimento que tem um componente dêitico embutido. Por<br />
exemplo, os verbos ir e vir, em português, fazem uma distinção entre a direção do<br />
movimento relativo aos participantes no acontecimento discursivo. Por exemplo:<br />
(62) Ele está vindo.<br />
A interpretação do enunciado é “ele está se movendo rumo à localização do falante no TC”,<br />
portanto, tem uma leitura dêitica. Enquanto a interpretação <strong>de</strong>:<br />
(63) Ele está indo.<br />
16
tem como glosa “ele está se afastando da localização do falante no TC”. Também po<strong>de</strong>mos<br />
fazer uso <strong>de</strong>sses verbos em um tempo <strong>de</strong> referência diferente do TC:<br />
(64) Quando eu estiver nos EUA, você po<strong>de</strong> ir me visitar.<br />
On<strong>de</strong> ir po<strong>de</strong> ser glosado como “movimento rumo à localização que o falante terá, diferente<br />
necessariamente da localização do falante no TC, no tempo <strong>de</strong> outro acontecimento<br />
especificado”. Po<strong>de</strong>mos fazer o mesmo tipo <strong>de</strong> análise para verbos do tipo trazer e levar.<br />
Ainda, se o falante está em movimento, é possível usarmos termos temporais para<br />
referências <strong>de</strong> localização dêiticas, como:<br />
(65) A cida<strong>de</strong> fica a 10 minutos daqui.<br />
(66) A distância daqui até a cida<strong>de</strong> é <strong>de</strong> 2 horas.<br />
Exercícios:<br />
1. Dê 2 exemplos <strong>de</strong> localização fixa e 2 exemplos <strong>de</strong> localização relativa à localização dos<br />
participantes no TC.<br />
2. Qual a diferença entre o uso gestual e o uso simbólico do dêitico aqui? Exemplifique.<br />
3. Como é a divisão do sistema dêitico espacial no PB? Exemplifique.<br />
4. Explique a diferença do uso dos pronomes <strong>de</strong>monstrativos este, esse e aquele no PB.<br />
Exemplifique.<br />
5. Fazer a distinção da dêixis embutida nos verbos ir e vir no PB. Exemplifique.<br />
6. Dê um exemplo <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> TC no uso dêitico do verbo ir.<br />
7. Dê um exemplo em que usamos dêixis temporal para nos referirmos à localização.<br />
3.6 Dêixis <strong>de</strong> discurso<br />
A dêixis do discurso, ou to texto, refere-se ao uso <strong>de</strong> expressões em um enunciado<br />
para fazer referência a alguma parte do discurso que contém esse enunciado. Po<strong>de</strong>mos,<br />
também, incluir na dêixis <strong>de</strong> discurso várias outras maneiras pelas quais um enunciado<br />
assinala sua relação com o texto em que está inscrito. Por exemplo, a expressão <strong>de</strong><br />
17
qualquer maneira no início da enunciação parece indicar que a enunciação não diz respeito<br />
ao discurso imediatamente prece<strong>de</strong>nte, mas a um ou mais passos atrás (ver Fillmore, 1975 e<br />
Lyons, 1977). Como o discurso se <strong>de</strong>senrola no tempo, parece natural que palavras dêiticas<br />
relativas ao tempo possam ser usadas para fazer referência a parte do discurso. Assim<br />
analogamente a na semana anterior, no próximo sábado, temos no parágrafo anterior, no<br />
próximo <strong>cap</strong>ítulo. Temos, também, termos dêiticos <strong>de</strong> lugar reutilizados no texto,<br />
especialmente os pronomes <strong>de</strong>monstrativos esse(a) e este(a). O pronome esse(a) faz<br />
referência a alguma parte anterior do texto, como em (67), e o pronome este(a) faz<br />
referência a uma parte que ainda virá no texto, como em (68):<br />
(67) Aposto que você ainda não ouviu esta estória.<br />
(68) Essa foi a estória mais engraçada que ouvi.<br />
3.6.1 Anáfora X Dêixis <strong>de</strong> discurso<br />
Nesse ponto é necessário fazermos uma distinção entre dêixis <strong>de</strong> discurso e anáfora.<br />
A anáfora faz uso geralmente <strong>de</strong> um pronome para falar do mesmo referente <strong>de</strong> um termo<br />
anterior:<br />
(69) a. O João chegou; ele está exausto.<br />
Dizemos que João e ele são correferenciais, isto é, selecionam o mesmo referente. A<br />
anáfora po<strong>de</strong> atuar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sentenças, <strong>de</strong> sentença para sentença e <strong>de</strong> turno <strong>de</strong> fala para<br />
outro, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um diálogo. As expressões dêiticas, por outro lado, são usadas para<br />
introduzir um referente. Portanto, quando um pronome se refere a uma expressão<br />
lingüística ou a uma porção do texto em si, ele é dêitico; quando um pronome se refere à<br />
mesma entida<strong>de</strong> que uma expressão lingüística anterior, ele é anfórico.<br />
3.6.2 Palavras dêiticas <strong>de</strong> discurso<br />
Há muitas palavras e expressões em inglês e, certamente, para o PB também que<br />
indicam a relação entre uma enunciação e o discurso anterior:<br />
(70) mas, <strong>de</strong>ssa maneira, portanto, concluindo, por outro lado, entretanto, além do<br />
mais, <strong>de</strong> qualquer maneira, ainda, também...<br />
O que essas palavras parecem indicar, muitas vezes <strong>de</strong> uma maneira complexa, é como a<br />
enunciação que as contém é uma resposta ou uma continuação <strong>de</strong> alguma porção do<br />
discurso anterior:<br />
(71) Ele explicou tudo, entretanto não convenceu.<br />
18
(72) Você estudou muito, portanto <strong>de</strong>ve saber bem do que eu estou falando.<br />
(73) ...Concluindo, temos muito ainda que fazer.<br />
3.6.3 Tópico do discurso<br />
Algumas línguas, como o japonês, por exemplo, possuem marcadores <strong>de</strong> tópico. Veja<br />
a sentença:<br />
(74) ano-hon-wa-John-ga-kat-ta<br />
Aquele livro –tópico- John –sujeito- comprou<br />
A sentença acima significa: quanto àquele livro (ou, falando daquele livro), John o<br />
comprou, on<strong>de</strong> wa marca o tópico, e ga marca o sujeito gramatical. Po<strong>de</strong>mos concluir,<br />
então, que uma função importante da marcação <strong>de</strong> tópico é justamente relacionar o<br />
enunciado marcado com algum tópico específico posto em evidência no discurso anterior,<br />
ou seja, executar uma função dêitica no discurso.<br />
Para o português, ou inglês, po<strong>de</strong>mos observar esse tipo <strong>de</strong> marcação <strong>de</strong> tópico com o<br />
<strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> SNs à esquerda, conforme observado por Ross (1967):<br />
(75) Aquela blusa, it´s simply stunning!<br />
Aquela blusa, é simplesmente fantástica!<br />
Estudos parecem <strong>de</strong>monstrar que itens colocados nessa posição realmente correlacionam-se<br />
com o tópico do discurso, ou seja, com aquilo “sobre o quê” as pessoas estão conversando,<br />
executando também os sintagmas <strong>de</strong>ssa posição uma função dêitica <strong>de</strong> discurso.<br />
As observações feitas sobre a dêixis do discurso apenas esboçam um amplo domínio<br />
(<strong>de</strong> anáfora a tópicos) que uma teoria a<strong>de</strong>quada da dêixis <strong>de</strong> discurso <strong>de</strong>veria explicar.<br />
Exercícios:<br />
1. Fazer a distinção entre anáfora e dêixis do discurso, exemplificando.<br />
2. Dê exemplos <strong>de</strong> palavras dêiticas do discurso, explicando qual é a relação dêitica.<br />
3. Dê exemplos <strong>de</strong> dêixis do discurso em relação à topicalização <strong>de</strong> sentenças.<br />
3.7 Dêixis social<br />
19
A dêixis social, segundo Levinson, diz respeito a aspectos da estrutura da língua que<br />
codificam as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sociais dos falantes ou a relação social entre eles, ou entre um<br />
<strong>de</strong>les e pessoas ou entida<strong>de</strong>s a que se fez referência. Existem, naturalmente, muitos<br />
aspectos do uso lingüístico que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ssas relações, mas esses usos só são<br />
importantes para o tópico da dêixis social na medida em que são gramaticalizados.<br />
Exemplos evi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> tal gramaticalização são os pronomes e formas <strong>de</strong> tratamento<br />
polidas: vossa majesta<strong>de</strong>, vossa excelência, senhor(a)...Po<strong>de</strong>mos falar <strong>de</strong> honoríficos<br />
apenas quando a relação diz respeito ao nível hierárquico, mas há muitas outras qualida<strong>de</strong>s<br />
da relação que po<strong>de</strong>m ser gramaticalizadas, por exemplo, as relações <strong>de</strong> parentesco.<br />
As informações socialmente dêiticas geralmente são absolutas e relacionais. As<br />
relacionais, mais comuns, são expressas entre:<br />
- falante e <strong>de</strong>stinatário: a distinção tu/vous do francês<br />
- falante e ambiente: nível <strong>de</strong> formalida<strong>de</strong>, gramaticalizado no japonês<br />
Enquanto na relação entre falante e <strong>de</strong>stinatário o centro dêitico é o falante, ou seja, relativo<br />
à posição social do falante, a formalida<strong>de</strong> talvez seja mais bem compreendida como<br />
envolvendo uma relação entre todos os participantes e a situação.<br />
As informações sociais dêiticas absolutas são aquelas em que temos os falantes<br />
autorizados. Por exemplo, em tailandês, o morfema khráb éuma partícula polida que só<br />
po<strong>de</strong> ser usadas por falantes do sexo masculino, sendo khá a forma reservada para os<br />
falantes do sexo feminino. Outro exemplo, é que existe uma forma do pronome <strong>de</strong> primeira<br />
pessoa reservada para o uso do imperador japonês. Po<strong>de</strong>mos pensar também nos receptores<br />
autorizados. Por exemplo, em inglês, quando falamos com o presi<strong>de</strong>nte da nação, usamos a<br />
expressão Mr.Presi<strong>de</strong>nt.<br />
Seria interessante tentarmos <strong>de</strong>limitar a <strong>de</strong>scrição da dêixis social com o estudo da<br />
sociolingüística. A dêixis social está interessada no significado e na gramática <strong>de</strong> certas<br />
expressões lingüísticas (por exemplo, o problema <strong>de</strong> concordância com os honoríficos),<br />
enquanto a sociolingüística está interessada em como esses itens são efetivamente usados<br />
em contextos sociais concretos. Um outro ponto importante em relação ao estudo da dêixis<br />
social é que, embora o estudo do inglês (ou mesmo português) possa não sofrer nenhum<br />
prejuízo óbvio sem a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>sse sistema dêitico, em línguas como o japonês, javanês<br />
ou coreano não existe uma única sentença que possa ser a<strong>de</strong>quadamente <strong>de</strong>scrita do ponto<br />
<strong>de</strong> vista lingüístico sem uma análise da dêixis social.<br />
Exercícios<br />
1. Dê exemplos <strong>de</strong> dêixis social relacional e diga que tipo <strong>de</strong> relação foi estabelecida.<br />
2. Dê exemplos <strong>de</strong> dêixis social absoluta.<br />
20
4. Conclusões sobre o <strong>cap</strong>ítulo 2<br />
Um ponto importante que fica dos <strong>estudos</strong> sobre os vários aspectos da dêixis é que<br />
ainda existem poucos <strong>estudos</strong> efetivos e que realmente <strong>de</strong>screvam esse aspecto tão<br />
importante da língua. Também, um ponto a refletir é sobre on<strong>de</strong> se situa o estudo da dêixis:<br />
na semântica ou na pragmática. Contudo, seja o que for que se <strong>de</strong>cida a respeito da dêixis<br />
<strong>de</strong> pessoa, lugar e tempo, há pouca dúvida em relação à dêixis <strong>de</strong> discurso e à dêixis social;<br />
com certeza, os aspectos encontrados nesses <strong>estudos</strong> se encontram fora <strong>de</strong> uma semântica<br />
<strong>de</strong> condições <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>.<br />
21