Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras - World ...
Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras - World ...
Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras - World ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
que constrói o patrimônio da família. Neste sentido, as socieda<strong>de</strong>s camponesas ou<br />
tradicionais estariam estruturadas neste tripé terra, família e trabalho, categorias<br />
relacionadas entre si e vistas como valores vinculados a princípios organizatórios próprios.<br />
A terra é o “chão da morada”, “um espaço on<strong>de</strong> se reproduzem socialmente várias<br />
famílias <strong>de</strong> parentes, <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> um ancestral fundador comum” 41 . É o espaço da<br />
reciprocida<strong>de</strong>, princípio moral on<strong>de</strong> a prática da troca <strong>de</strong> tempo respon<strong>de</strong> à satisfação das<br />
necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho. A troca articula os elementos terra, trabalho e alimentos, que<br />
expressam uma relação também moral entre os homens e <strong>de</strong>les com a natureza. No uso da<br />
terra, o trabalho dá-se como valor ético, construindo a família enquanto valor. O valor<br />
monetário do trabalho, embora expressão da autonomia camponesa frente à socieda<strong>de</strong><br />
como um todo, acontece preferencialmente na feira, que é o espaço do negócio, fora do<br />
território camponês.<br />
Analisando o campo da Rússia <strong>de</strong> inícios do século XX, CHAYANOV 42 relacionou<br />
a autonomia camponesa à dimensão subjetiva na sua organização produtiva: a produção<br />
camponesa gira ao redor da própria satisfação das necessida<strong>de</strong>s e é avaliada subjetivamente<br />
através do balanço entre esta satisfação e a exploração da força <strong>de</strong> trabalho familiar.<br />
Produzir muito além do que se necessita é algo <strong>de</strong>svantajoso para estas comunida<strong>de</strong>s, pois<br />
requer mais tempo <strong>de</strong> trabalho, que po<strong>de</strong>ria estar sendo usufruído para outras ativida<strong>de</strong>s<br />
lúdicas, religiosas e <strong>de</strong> lazer, que ocupam um espaço significativo e valorizado no cotidiano<br />
marcado por relações <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> e pelo sentimento <strong>de</strong> religiosida<strong>de</strong>.<br />
Assim, o limite da produção, momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> trabalhar, é quando há<br />
superexploração da força <strong>de</strong> trabalho, enquanto o limite do aprimoramento da técnica para<br />
o aumento da produtivida<strong>de</strong> situa-se no ponto até on<strong>de</strong> se mantém uma certa quota <strong>de</strong><br />
utilização do trabalho familiar. Para WOLF 43 , esta autonomia respon<strong>de</strong> pela resistência do<br />
sujeito social camponês, atribuída por Teodor SHANIN 44 à sua adaptabilida<strong>de</strong> em<br />
situações <strong>de</strong> crise, pois é produtor da própria subsistência.<br />
Enfocando a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Itaúnas, cabe esten<strong>de</strong>r o entendimento das socieda<strong>de</strong>s<br />
camponesas, rústicas ou tradicionais para o uso comunal e extrativista <strong>de</strong> espaços e<br />
41<br />
I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p.34.<br />
42<br />
CHAYANOV, Alexan<strong>de</strong>r. La organización <strong>de</strong> la unidad económica campesina. Buenos aires, Ed. Nueva<br />
visión, 1974. (1.a. ed. Moscou, 1925)<br />
43<br />
WOLF, E.R. Guerras camponesas no século XX. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Global Editora, 1984.<br />
44<br />
SHANIN, Teodor. La clase incómoda. Madrid, Alianza Editorial, 1983.<br />
40