Weekend 1197 : Plano 56 : 1 : P.gina 1- - Económico
Weekend 1197 : Plano 56 : 1 : P.gina 1- - Económico
Weekend 1197 : Plano 56 : 1 : P.gina 1- - Económico
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Grécia em regime<br />
de falência<br />
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 5<br />
A Grécia deixou de ter um governo: passou a ter um gestor de falências,<br />
que tem em carteira a monumental tarefa de fazer regressar o país ao<br />
perímetro muito curto do grupo de nações com um défice<br />
economicamente suportável e politicamente admissível. Afinal, o mesmo<br />
perímetro de onde Portugal já derrapou, contando para isso com a<br />
concordância da União Europeia – posta em sossego com a promessa de<br />
que o país regressará ao interior do grupo mal possa, contando que seja<br />
em 2013.<br />
Por uma razão absolutamente egoísta, e que desmascara a pouca virtude<br />
com que alguns países entendem o que é uma união mais ou menos<br />
federativa de nações, a Bélgica eaAlemanhaapresentaramjáassuas<br />
reservas face à decisão do Banco Central Europeu em ‘deitar a mão’ a um<br />
associado que está a passar por horas difíceis. Tanto belgas como alemães<br />
têm um historial para esquecer em termos de bom relacionamento com<br />
os seus parceiros europeus: os belgas andam há anos a ver se se entendem<br />
entre si, para não terem que dividir ao meio aquela nesga de terra que<br />
lhes coube em sorte, enquanto vão disfarçando como podem a sua<br />
propensão para se darem mal com os forasteiros; e as tentações<br />
colonialistas dos alemães para com os seus vizinhos – principalmente<br />
franceses, austríacos, polacos em particular e eslavos em geral –<br />
mantiveram o continente a ferro e fogo durante mais de um século<br />
(quando apenas considerados os períodos da história moderna e<br />
contemporânea). Não é por isso de admirar que se tenham<br />
queixado da ajuda que a União quer fornecer a um país do Sul, logo do<br />
Sul, onde vivem aqueles europeus que só estão bem a apanhar<br />
Sol, a reduzir a escombros o mandamento segundo o qual não se<br />
deve cobiçar a mulher alheia e a viver dos subsídios da Europa do Norte,<br />
trabalhadora, ordeira e poupada. Talvez a Europa do Norte ache que<br />
a Europa do Sul só serve para passar férias e para agregar um corredor<br />
de segurança que sirva de tampão àqueles povos esquisitos que vivem<br />
do outro lado do Mediterrâneo – e que, meia volta, lhes dá para<br />
zarpar mar fora por ali acima.<br />
Pondo de lado a motivação mais óbvia para a formação da Comunidade<br />
Europeia, que era travar a guerra iminente ou eminente (efectiva) que<br />
marcou o relacionamento entre franceses e alemães e arrastava toda a<br />
genteatrásdesi–aUniãopretendeagregarumdesígnio,umapolítica,<br />
uma sociedade, uma defesa e uma preocupação comuns que permitam à<br />
Europa, 1.700 anos depois do fim do Império Romano do Ocidente, ser<br />
outra vez una – na medida do possível.<br />
Uma das qualidades dessa Europa é precisamente a de transformar o<br />
continente numa omeleta de regiões. No limite, se determinado fundo do<br />
governo da Alemanha tiver que ser usado para ajudar ao mau andamento<br />
económico da Alsácia-Lorena, isso é precisamente o mesmo – ou deve ser,<br />
ou é assim que quem pensou a União Europeia quer que seja – que enviar<br />
esse fundo para o Minho, para Atenas ou para a ilha de Chipre.<br />
Infelizmente, quando as coisas correm mal e a letra de forma tem de sair<br />
do papel para passar para o terreno, a propagandeada solidariedade entre<br />
os povos – uma das mais importantes construções da sociedade moderna,<br />
patrocinada pelos muito esquecidos anarquistas do final do século XIX e<br />
início do século XX – passa rapidamente a ser uma chatice.<br />
Como qualquer leigo adormecido consegue perceber, é a própria essência<br />
da União Europeia que fica posta em causa com estas peripécias. E não só<br />
fica em causa, como abre brechas nos fundamentos e alicerces da<br />
comunidade, em dois campos fundamentais da sua acção: no próprio<br />
relacionamento entre as nações que a compõem; e também, e às tantas<br />
mais importante ainda, na forma como os países terceiros observam a<br />
(falta de) argamassa de que a União padece – permitindo-lhes assim,<br />
neste mundo monumentalmente concorrencial, ficarem com a ideia,<br />
aparentemente verdadeira, que ela não é para levar a sério.<br />
Eles, os países terceiros nossos concorrentes, já desconfiavam: têm o<br />
exemplo, entre vários outros possíveis, da Política Agrícola Comum – uma<br />
invenção surpreendente para salvar a agricultura francesa em detrimento<br />
de todas as outras – para lhes provar isso mesmo. Ou dos devaneios<br />
bizarros e incalculavelmente maléficos registados quando a Jugoslávia<br />
entrou em processo de implosão. Mas não era preciso estar a insistir em<br />
dar-lhes mais exemplos deste destino comum tosco, que não passa do<br />
papel e emperra sempre que há um problema real.<br />
O que o caso da Grécia diz aos 350 a 400 milhões de almas acantonadas<br />
na União Europeia é que a federação ainda está longe de ser uma realidade<br />
que valha a pena ser levada a sério. Pior: que o melhor é cada um tratar<br />
de si, porque no fundo ninguém pode contar com mais ninguém. O brilho<br />
e ‘glamour’ das cimeiras, tratados, fotografias de grupo de presidentes e<br />
chefes de Estado e demais palhaçada são, neste quadro, apenas isso: uma<br />
palhaçada – que não atinge o Dubai, só para dar um exemplo tão próximo<br />
no tempo, rapidamente auxiliado pelo vizinho Abu Dhabi porque as<br />
motivações profundas da federação dos Emirados funcionou quando era<br />
preciso funcionar.