Weekend 1197 : Plano 56 : 1 : P.gina 1- - Económico
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Ulf Andersen/GettyImages<br />
A histeria O’Neill<br />
É o livro de que se fala. Um dos finalistas do Booker<br />
Prize que Obama leu e aconselhou ao mundo.<br />
O mundo foi atrás e fez ‘Netherland’ um ‘best-seller’<br />
Joseph O’Neill, 45 anos, meio irlandês,<br />
meio turco, criado na Holanda<br />
e a viver em Nova Iorque, alcançou<br />
fama mundial com um romance que dá<br />
uma outra visão sobre o terror do 11 de<br />
Setembro, centrando-se no quotidiano<br />
de um homem e no modo como a solidão<br />
molda a vida. Neste livro, vencedor do<br />
prémio PEN/Faulkner e finalista da edição<br />
do Booker Prize, o escritor serve-se<br />
do enredo histórico para construir uma<br />
narrativa onde disseca sentimentos tão<br />
básicos como o amor ou a amizade, mas<br />
de forma sedutora para o mais desprevenido<br />
dos leitores, facilmente atraído pela<br />
malha narrativa apertada, sem espaço<br />
para grandes respirações. De um fôlego.<br />
“Netherland, Terra de Sombras”, o terceiro<br />
livro de ficção de O’Neill, tem como<br />
cenários as cidades de Londres e Nova Iorque<br />
e um narrador holandês, Hans van den<br />
Broek, corrector da bolsa que, em 1998,<br />
deixa a capital londrina para se instalar em<br />
Manhattan. “Na minha última tarde de<br />
trabalho antes de apanhar o avião de Londres<br />
para Nova Iorque – Rachel partira seis<br />
semanas antes –, estava a encaixotar objectos<br />
pessoais no meu cubículo, quando<br />
um vice-presidente sénior do banco, um<br />
inglês na casa dos cinquenta anos, me veio<br />
dar felicidades. Fiquei surpreendido – o<br />
homem trabalhava noutra parte do edifício,<br />
noutro departamento, e conhecíamo-<br />
-nos apenas de vista. Ainda assim, quis saber<br />
ao pormenor onde eu tencionava morar<br />
(“Watts? E em que quarteirão?”) e falou<br />
durante vários minutos sobre o seu ‘loft’ na<br />
Wooster Sreet e sobre as suas idas ao Dean<br />
& DeLuca ‘ori<strong>gina</strong>l’. Nem se esforçou por<br />
disfarçar a inveja.”<br />
A ideia era ficar nos EUA por um ano,<br />
mas a estada de Hans prolonga-se, já sem<br />
Rachel e o filho que voltaram a Londres. É<br />
então que Hans entra num circuito de<br />
emigrantes nova-iorquinos onde vive<br />
Chuck (coincidência de nomes esta, com o<br />
da crónica de João Tordo), parceiro de<br />
croquete. Sozinho, Hans percorre esses<br />
meandroseconheceoterroreatristeza<br />
com uma dimensão que jamais concebera<br />
como possível.<br />
Joseph O’Neill desmonta o sonho americano<br />
num livro que conquistou o presidente<br />
Obama. Isso explica grande parte da<br />
histeria à volta. Mas não toda.<br />
ISABEL LUCAS<br />
NETHERLAND<br />
–<br />
JOSEPH O’NEILL<br />
–<br />
BERTRAND<br />
O MEU DRAMA<br />
João Tordo<br />
Fuck Chuck<br />
Outlook | Sábado, 19.12.2009 | 21<br />
Os tempos mudam, e de que maneira. Para os que,<br />
como eu, consumiram demasiada televisão e mau<br />
cinema nos anos oitenta existiram fenómenos que,<br />
com o passar dos anos, se transformaram em mitos.<br />
Um destes fenómenos foi o do pessoal da porrada.<br />
Na minha escola não havia miúdo que não tivesse um<br />
cromo / caderneta / dossier / t-shirt (pais ricos) com<br />
estas figuras épicas. Eram de diferentes nacionalidades<br />
e bairros sociais, mas todos massacravam em defesa<br />
de um ideal comum chamado América que, em plena<br />
Guerra Fria, andava a ressacar de coisas a rebentar e<br />
corpos mutilados; a porrada passou a figurar no grande<br />
ecrã em vez de nas selvas do Vietname. Vocês sabem<br />
de quem falo: do inefável Stallone, do incompreensível<br />
Schwarzenegger, do amaricado Van Damme e, ‘last but<br />
not least’, do malévolo Steve Seagal, que se limitava<br />
a estropiar todos os oponentes que se lhe atravessavam<br />
no caminho (e que, mais tarde, estropiou outras coisas,<br />
incluindo raparigas menores de idade; mas, caramba,<br />
era preciso sermos muito estúpidos para não perceber<br />
que o ‘look’ “porteiro de discoteca” escondia grandes<br />
ambições). A esta galeria de notáveis acrescento Chuck<br />
Norris. Vejo-o injustiçado e esquecido, sempre<br />
relembrado pelo seu trabalho mais medíocre<br />
(“O Ranger do Texas”) e nunca pelo mais hediondo<br />
(“Desaparecido em Combate”), como mandam as<br />
regras. Na altura circulavam certos rumores sobre<br />
Norris que ficaram por comprovar. Por exemplo:<br />
se tiveres cinco dólares e o Chuck tiver cinco dólares,<br />
ele tem mais dinheiro que tu; o Chuck consegue<br />
espirrar com os olhos abertos; o Chuck já contou até ao<br />
infinito – duas vezes; o Chuck nunca dorme, limita-se<br />
a esperar que a noite passe. Factos, provavelmente<br />
verdadeiros, ainda por demonstrar. O que não está<br />
por demonstrar é a sua inteligência superior. Fervoroso<br />
apoiante republicano, tem tecido críticas demolidoras<br />
à administração de Obama, e esta semana insurgiu-se<br />
contra a reforma do sistema de saúde proposta pelo<br />
presidente americano, dizendo que, segundo aquele,<br />
Jesus nunca teria existido, porque Maria teria abortado.<br />
“O que seria do mundo?”, pergunta o herói numa<br />
coluna de opinião (!). Eu acho a preocupação legítima,<br />
porque, tal como Jesus, também se diz de Chuck que<br />
a sua mãe era virgem; imaginem o que seria se, em<br />
tempos imemoriais, quando Norris nasceu, Obama<br />
fosse o presidente eleito e a mãe de Chuck tivesse<br />
abortado; o que seria do mundo sem Walker, o Ranger<br />
do Texas? Outro rumor provavelmente verdadeiro:<br />
a Terra resvalaria para um buraco negro; Lúcifer<br />
(certamente um negro) ascenderia ao trono,<br />
conduzindo a espécie humana ao final dos tempos;<br />
“Fuck Chuck”, diria o capeta. E depois Norris<br />
gerava-se a si próprio, dava-lhe uma sova,<br />
e salvava o mundo. Já se viram coisas mais estranhas.<br />
Escritor