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Folheto do Museu Judiciário - Tribunal da Relação do Porto

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CRIAÇÃO DO MUSEU<br />

MUSEU JUDICIÁRIO<br />

DO<br />

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO<br />

SALA D. PEDRO V<br />

Ao longo de vários anos foram-se juntan<strong>do</strong> algumas peças. Encontram-se aqui deposita<strong>da</strong>s<br />

algumas peças escultóricas e pictóricas oriun<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s antigas instalações <strong>da</strong> Cadeia <strong>da</strong> <strong>Relação</strong> como<br />

por exemplo o Retábulo a óleo proveniente <strong>da</strong> pequena capela que existia na Sala de Sessões, uma<br />

belíssima imagem <strong>da</strong> Nossa Senhora <strong>da</strong> Conceição e outra, mais pequena, de Santo António, de<br />

autores desconheci<strong>do</strong>s.<br />

Estão também aqui deposita<strong>do</strong>s os processos emblemáticos, entre outros, de Camilo Castelo<br />

Branco e Ana Pláci<strong>do</strong>, <strong>do</strong> Zé <strong>do</strong> Telha<strong>do</strong> e <strong>do</strong> médico Urbino de Freitas, que à frente faremos uma<br />

breve síntese.<br />

Foram ain<strong>da</strong> reuni<strong>do</strong>s vários Livros, Escritos e Objectos.<br />

RETRATO DE D. PEDRO V – REI DE PORTUGAL<br />

ICONOGRAFIA<br />

Retrato a óleo, <strong>da</strong>ta<strong>do</strong> de 1860, em tamanho natural, <strong>da</strong> autoria de A. M.<br />

Fonseca, idêntico a outro que existe no Supremo <strong>Tribunal</strong> de Justiça pinta<strong>do</strong> <strong>do</strong>is<br />

anos antes pelo mesmo autor.<br />

Figura simpática, inteligente e culta que morreu aos 24 anos vítima <strong>da</strong>s<br />

terríveis epidemias que assolaram o País. Foi um monarca amigo <strong>do</strong> <strong>Porto</strong> e de<br />

Alexandre Herculano. A sua figura elegante está perpetua<strong>da</strong> em bronze, em estátua<br />

de Teixeira Lopes (pai), na Praça <strong>da</strong> Batalha.<br />

Durante o seu curto reina<strong>do</strong> ocorreram incidentes políticos sérios. A Velha<br />

Alia<strong>da</strong> Inglaterra deixou de apoiar Portugal.<br />

No seu tempo não havia residência oficial para a família real no <strong>Porto</strong>. Com essa finali<strong>da</strong>de D.<br />

Pedro V adquiriu o Palácio <strong>do</strong>s Carrancas, hoje <strong>Museu</strong> Soares <strong>do</strong>s Reis.<br />

NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO<br />

Imagem de madeira estofa<strong>da</strong> e policroma<strong>da</strong>, com 1,40 m <strong>da</strong> altura, <strong>da</strong>tável <strong>da</strong><br />

segun<strong>da</strong> metade <strong>do</strong> século XVIII. Notável figura que apresenta a Virgem sobre o Globo<br />

Celeste, calcan<strong>do</strong> a serpente e o quarto <strong>da</strong> Lua – figurações tradicionais desta invocação<br />

Mariana. De assinalar o equilíbrio <strong>do</strong> conjunto e o requinte <strong>do</strong> tratamento de alguns<br />

pormenores.


ALTAR DO ORATÓRIO DA CASA DA RELAÇÃO<br />

Executa<strong>do</strong> sobre desenho de Damião Pereira de Azeve<strong>do</strong> (1768-1815),<br />

Arquitecto <strong>da</strong> <strong>Relação</strong>. O desenho original ain<strong>da</strong> se conserva e está <strong>da</strong>ta<strong>do</strong> de Julho<br />

de 1796. O painel que preenche o retábulo é pinta<strong>do</strong> a óleo, com as dimensões 2,20<br />

metros de altura e 1,10 de largura e representa a Virgem <strong>da</strong> Conceição, padroeira <strong>do</strong><br />

Reino de Portugal, rodea<strong>da</strong> de cabeças de cherubins ala<strong>do</strong>s, to<strong>do</strong>s de diferentes<br />

expressões fisionómicas. É uma composição de notável valor artístico, pela sua<br />

perfeição e delicadeza e que infelizmente não está assina<strong>da</strong> pelo seu autor que pensase<br />

ser obra de Glamma, pintor que viveu o <strong>Porto</strong> no último quartel <strong>do</strong> século XVIII e portanto<br />

contemporâneo <strong>da</strong> edificação <strong>da</strong> Casa <strong>da</strong> <strong>Relação</strong>.<br />

SANTO ANTÓNIO<br />

Imagem de madeira policroma<strong>da</strong>, com 60 cm de altura, <strong>da</strong>tável <strong>do</strong>s inícios <strong>do</strong> século<br />

XVIII. Representa o Santo António com o Livro, o Menino e o Globo, dentro de um tipo de<br />

representação tradicional.<br />

OBJECTOS<br />

Entre vários outros objectos utiliza<strong>do</strong>s na Casa <strong>da</strong> <strong>Relação</strong> <strong>do</strong> <strong>Porto</strong>,<br />

temos o Selo Branco <strong>do</strong> Comércio <strong>do</strong> <strong>Porto</strong> – Séc. XIX; Escrivaninhas em prata<br />

– 1859; Urnas/Tômbolas que eram utiliza<strong>da</strong>s na distribuição <strong>do</strong>s<br />

processos, a Caixa de Dactiloscopia,<br />

utiliza<strong>da</strong> no processo de identificação<br />

humana por meio <strong>da</strong>s impressões<br />

digitais e Trajes Profissionais <strong>do</strong>s<br />

opera<strong>do</strong>res judiciários (Juiz, Advoga<strong>do</strong>, Solicita<strong>do</strong>r e Oficial de<br />

Justiça).<br />

LIVROS<br />

Corpus Iuris Civilis Romani – 1726;<br />

D. Justiniani Sacratissimi Principis PP. A. – 1726;<br />

Receitas e Despesas <strong>do</strong> Cofre <strong>da</strong> Décima <strong>da</strong> Comarca <strong>do</strong> <strong>Porto</strong> – 1772;<br />

Livro Sexto <strong>da</strong> Esfera – 1743-1758;<br />

Livro de Visitas nas Cadeias <strong>da</strong> <strong>Relação</strong> – 1822-1831;<br />

Posse <strong>do</strong>s Ministros – 1832-1881;<br />

Código Comercial Português – 1833;<br />

Livro 19 – Correspondência com o Governo – 1857-1858;<br />

Livro de Folhas de Ordena<strong>do</strong>s – 1833-1837;<br />

Livros <strong>da</strong>s Ordens ao Carcereiro – 1854-1859 e 1860-1874;<br />

Livro <strong>do</strong>s Condena<strong>do</strong>s à Pena de Morte;<br />

Livro <strong>do</strong>s Réus postos à disposição <strong>do</strong> Governo para serem man<strong>da</strong><strong>do</strong>s para as possessões ultramarinas –<br />

1892-1913.


PROCESSO DO CAMILO<br />

<strong>Tribunal</strong> Criminal, 1.º Distrito <strong>do</strong> <strong>Porto</strong>.<br />

PROCESSOS EMBLEMÁTICOS<br />

Por queixa de Manuel Pinheiro Alves, mari<strong>do</strong> de Ana Augusta Pláci<strong>do</strong>, foi<br />

instaura<strong>do</strong> processo de querela, por adultério, contra Camilo Castelo Branco e<br />

aquela Ana. O processo foi objecto de despacho lavra<strong>do</strong>, em 22 de Dezembro, pelo<br />

juiz José Maria de Almei<strong>da</strong> Teixeira de Queirós, pai <strong>do</strong> Eça, titular <strong>da</strong>quele <strong>Tribunal</strong><br />

Criminal, sito na Praça D.ª Filipa de Lencastre, na esquina com a Rua <strong>da</strong> Picaria. A<br />

queixa foi assina<strong>da</strong> pelo advoga<strong>do</strong> Alexandre Couto Pinto e os acusa<strong>do</strong>s tiveram<br />

como defensor Marcelino de Matos que também havia de defender, noutro<br />

processo, o Zé <strong>do</strong> Telha<strong>do</strong>.<br />

Camilo e Ana acabaram por ser pronuncia<strong>do</strong>s, ela por adultério e ele por ter copula<strong>do</strong> com<br />

mulher casa<strong>da</strong>, por decisão <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>da</strong> <strong>Relação</strong> <strong>do</strong> <strong>Porto</strong>, já que o juiz Queirós apenas pronunciara<br />

a Ana. Isto por que só o adultério <strong>da</strong> mulher era punível e, relativamente ao homem comparticipante, a<br />

punibili<strong>da</strong>de pressupunha o flagrante delito (sós e nus na mesma cama) ou a existência de cartas ou<br />

outro <strong>do</strong>cumento escrito. O flagrante não se verificava e apenas existia uma carta dirigi<strong>da</strong> a um tio<br />

(informa<strong>do</strong>r de Pinheiro Alves <strong>da</strong> infideli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mulher) de Ana, mas em que não era menciona<strong>do</strong> o<br />

nome desta. Na sequência <strong>da</strong> pronúncia, Ana Pláci<strong>do</strong> e, mais tarde Camilo, recolheram à Cadeia <strong>da</strong><br />

<strong>Relação</strong>. Depois de muitos incidentes (pedi<strong>do</strong>s de escusa de juízes, recursos), chegan<strong>do</strong> o processo a<br />

subir ao Supremo <strong>Tribunal</strong> de Justiça, foi efectua<strong>do</strong> o julgamento, num ambiente extremamente<br />

emotivo, correspondente à grandiosi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> escân<strong>da</strong>lo. Estava ao rubro a curiosi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s provectas<br />

virgens, <strong>da</strong>s matronas desocupa<strong>da</strong>s e <strong>do</strong>s conquista<strong>do</strong>res frustra<strong>do</strong>s, além <strong>do</strong>s seráficos moralistas de<br />

facha<strong>da</strong>. Se a <strong>Relação</strong> ultrapassara a desadequação legal à evolução se senso comum, pronuncian<strong>do</strong><br />

ambos os Réus, consideran<strong>do</strong> que "seria um contra-senso inqualificável que esse homem que a teve<br />

teú<strong>da</strong> e manteú<strong>da</strong> já nesta ci<strong>da</strong>de na Rua <strong>da</strong> Picaria, já em Lisboa e na Foz: que a foi tirar ao<br />

Convento <strong>da</strong> Conceição em Braga aonde se achava, para assim continuar com ela uma vi<strong>da</strong> de<br />

escân<strong>da</strong>lo e imorali<strong>da</strong>de que afecta a socie<strong>da</strong>de em geral ficasse impune...", o júri, acaba, de forma<br />

oposta por tornear aquela desadequação, não consideran<strong>do</strong> prova<strong>do</strong>s quesitos fun<strong>da</strong>mentais. A<br />

sentença, proferia em 17 de Outubro de 1861 (peça que, presentemente, não se encontra no processo<br />

por ter desapareci<strong>do</strong>), limitou-se a absolver os acusa<strong>do</strong>s e emitir man<strong>da</strong><strong>do</strong>s de soltura.<br />

Camilo permaneceu na cadeia, em prisão preventiva, um ano e dezasseis dias. Ana um pouco<br />

mais. Durante a prisão, ele receou que o tio <strong>da</strong> Ana que esteve na base <strong>da</strong> descoberta <strong>da</strong> situação de<br />

amantismo, pagasse a alguém, dentro <strong>da</strong> Cadeia, para o matar. Acabrunha<strong>do</strong>, terá desabafa<strong>do</strong> os<br />

seus temores perante um outro preso o qual lhe terá garanti<strong>do</strong> que estivesse descansa<strong>do</strong>, pois, se<br />

alguém ali lhe tocasse com um de<strong>do</strong>, três dias e três noites não chegariam para enterrar os mortos. Este<br />

outro preso era José <strong>do</strong> Telha<strong>do</strong>. A gratidão de Camilo levá-lo-ia a compartilhar o seu advoga<strong>do</strong> de<br />

defesa. A aura romântica <strong>do</strong> assaltante também a isso se terá fica<strong>do</strong> a dever.<br />

PROCESSO ZÉ DO TELHADO – MARCO DE CANAVESES<br />

O processo iniciou-se em 30 de Maio de 1859, com acusação pública em 9<br />

de Dezembro <strong>do</strong> mesmo ano. Foi condena<strong>do</strong> por sentença <strong>do</strong> juiz António Pereira<br />

Ferraz, de 27 de Abril de 1861, na pena de trabalhos públicos por to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>, na<br />

costa ocidental de África e no pagamento <strong>da</strong>s custas. Esta pena foi manti<strong>da</strong> pela


<strong>Relação</strong> <strong>do</strong> <strong>Porto</strong>, substituin<strong>do</strong> apenas a expressão "costa ocidental de África", por "Ultramar".<br />

Por acórdão <strong>da</strong> mesma <strong>Relação</strong> de 11 de Agosto de 1865, foi comuta<strong>da</strong> a pena aplica<strong>da</strong> na<br />

de 15 anos de degre<strong>do</strong> para a África Ocidental, a contar desde a <strong>da</strong>ta <strong>do</strong> Decreto de 28 de Setembro<br />

de 1863.<br />

A condenação reportou-se a diversos crimes cometi<strong>do</strong>s com violência: tentativa de roubo, com<br />

começo de execução, em casa de António Patrício Lopes Monteiro, se Santa Marinha <strong>do</strong> Zêzere,<br />

comarca de Baião; homicídio na pessoa de João de Carvalho, cria<strong>do</strong> de D.ª Ana Victória de Abreu e<br />

Vasconcelos, de Penha Longa, Baião, e roubo na casa de referi<strong>da</strong> senhora (Casa de Carrapatelo) de<br />

objectos de ouro e prata no valor de oitocentos mil e um conto de reis e algumas sacas com dinheiro,<br />

cujo valor a queixosa calculou em <strong>do</strong>ze contos de reis, não saben<strong>do</strong> ao certo quanto era, porque o<br />

dinheiro se encontrava na casa mortuário onde jazera, poucos dias antes, seu pai, e, após isso, ela<br />

ain<strong>da</strong> nem sequer lá voltara a entrar; roubo em casa <strong>do</strong> Pr. Padre Albino José Teixeira, de Unhão,<br />

comarca de Felgueiras, no valor de um conto e quatrocentos mil reis em dinheiro e ain<strong>da</strong> objectos de<br />

prata e outro; outro homicídio na pessoa de um correligionário, feri<strong>do</strong> num confronto com as<br />

autori<strong>da</strong>des. Para além de outros crimes de roubo e de resistência à autori<strong>da</strong>de, foi também<br />

condena<strong>do</strong> como autor e chefe de associação de malfeitores e de tentativa de evasão <strong>do</strong> reino sem<br />

passaporte e com violação <strong>do</strong>s regulamentos policiais.<br />

A sua quali<strong>da</strong>de de chefe é que o tornou responsável pelo homicídio <strong>do</strong> Carrapatelo, pois o<br />

autor material foi um capanga que abateu o cria<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> este tentou reagir, num momento em que<br />

o caudilho ain<strong>da</strong> nem entrara na residência. A acção <strong>do</strong> Zé <strong>do</strong> Telha<strong>do</strong>, alcunha de José Teixeira <strong>da</strong><br />

Silva, integra-se no fenómeno organizativo de grupos de assaltantes que tem a sua génese, de<br />

formação espontânea, durante as invasões francesas. Perante a total falta de reacção <strong>do</strong> exército<br />

português à entra<strong>da</strong> <strong>do</strong>s napoleónicos, grupos de populares procuram quebrar a total impuni<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s<br />

invasores. Esses grupos, veras milícias populares, entretanto com experiência guerrilheira acumula<strong>da</strong>,<br />

foram aproveita<strong>do</strong>s na guerra civil liberal por forças políticas e militares em campo: os "corcun<strong>da</strong>s"<br />

(absolutistas) e os "malha<strong>do</strong>s" (liberais). Termina<strong>da</strong> a guerra, ficou o gosto e o proveito <strong>da</strong> guerrilha por<br />

conta própria: é o João Barandão, é o Remexi<strong>do</strong>, é o Zé <strong>do</strong> Telha<strong>do</strong>. Este atingira, ao serviço liberal, a<br />

glória, com a atribuição <strong>da</strong> Torre e Espa<strong>da</strong>. Fin<strong>da</strong> a guerra pretendeu um emprego no Depósito <strong>do</strong><br />

Tabaco, no <strong>Porto</strong>. Não conseguiu.<br />

Usava evoluí<strong>da</strong> assinatura, com o último apeli<strong>do</strong> abrevia<strong>do</strong> (S.ª), curioso indício de cultura acima<br />

<strong>da</strong> vulgari<strong>da</strong>de.<br />

PROCESSO DE SOALHÃES – MARCO DE CANAVESES<br />

Em processo de querela com o n.º 41/33, <strong>da</strong> comarca <strong>do</strong> Marco de<br />

Canaveses, inicia<strong>do</strong> em 27 de Fevereiro de 1933, julgaram-se quatro indivíduos<br />

por co-autoria <strong>do</strong> crime de homicídio voluntário. Foram condena<strong>do</strong>s, por<br />

acórdão de 30 de Maio de 1934 <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> Colectivo <strong>da</strong>quela Comarca, na<br />

pena de 6 anos de prisão maior celular, segui<strong>da</strong> de degre<strong>do</strong> por 10 anos, ou<br />

alternativa fixa de degre<strong>do</strong> por 20 anos, em possessão de 1ª classe. Mais se<br />

condenaram a pagar a indemnização de 6.000$00 aos filhos <strong>da</strong> vítima, Armin<strong>da</strong><br />

de Jesus. A pena foi confirma<strong>da</strong> por acórdão <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>da</strong> <strong>Relação</strong> <strong>do</strong> <strong>Porto</strong>,<br />

de 13 de Maio de 1934.<br />

Motivação: um cunha<strong>do</strong> amigo <strong>da</strong> vítima e várias outras pessoas juntaram-se em casa de uma<br />

mulher possuí<strong>da</strong> por duas almas, uma boa e outra má, como sapientemente diagnosticara uma mulher<br />

de virtude de Vila Nova de Gaia. O referi<strong>do</strong> cunha<strong>do</strong> <strong>da</strong> vítima havia beneficia<strong>do</strong>, pouco antes, de<br />

<strong>do</strong>is empréstimos concedi<strong>do</strong>s por esta, um de 100$00 e outro de 90$00, sem juros e sem prazo de


pagamento, não ten<strong>do</strong> ain<strong>da</strong> si<strong>do</strong> devolvi<strong>do</strong> o dinheiro aquan<strong>do</strong> <strong>do</strong>s acontecimentos ocorri<strong>do</strong>s na<br />

noite de Sába<strong>do</strong>, 25, para 26 <strong>da</strong>quele mês de Fevereiro. Propuseram-se aqueles orar, com base no Livro<br />

de S. Cipriano, compra<strong>do</strong>, pouco tempo antes, em Penafiel, por 17 mil reis. Já haviam feito o mesmo na<br />

noite anterior, para esconjuro <strong>da</strong> alma má. Em certa altura, a possuí<strong>da</strong> disse para um casal circunstante<br />

se deitar no chão, se acaso pretendiam salvar-se, o que eles fizeram. Chegan<strong>do</strong>, nesse momento, a<br />

vítima Armin<strong>da</strong> também se deitou, começan<strong>do</strong> esta, desde logo, em altos gritos, de mãos ergui<strong>da</strong>s<br />

para o ar e a bater palmas, dizen<strong>do</strong> logo a possessa para a porem na rua e lhe baterem, pois,<br />

obviamente, trazia o diabo dentro dela. Foi prontamente obedeci<strong>da</strong> e agredi<strong>da</strong> à paula<strong>da</strong> e<br />

sachola<strong>da</strong>. Como, apesar disso, se não calava, mesmo já com ossos quebra<strong>do</strong>s, a mesma instiga<strong>do</strong>ra<br />

man<strong>do</strong>u que a queimassem. Juntaram, então, caruma de pinheiro e deitam-lhe persistentemente o<br />

fogo, acaban<strong>do</strong> este por pegar com a utilização de um isqueiro. À medi<strong>da</strong> que a caruma ardia e a<br />

vítima esturrava, os circunstantes foram ajeitan<strong>do</strong>, com diligente cui<strong>da</strong><strong>do</strong>, o combustível. Consuma<strong>da</strong> a<br />

queima, perante o estático torresmo, retiraram-se para casa <strong>da</strong> man<strong>da</strong>nte, recolhi<strong>do</strong>s em esperançosa<br />

oração, até alta madruga<strong>da</strong>, para que a vítima ressuscitasse (sancta simplicitas!). Como tal não se<br />

verificou, certamente já inquietos, os algozes foram para suas casas onde se mantiveram até que foram<br />

presos.<br />

O drama foi objecto de um filme e de uma peça teatral, "O Crime <strong>da</strong> aldeia Velha", esta <strong>da</strong><br />

autoria de Bernar<strong>do</strong> Santareno.<br />

PROCESSO DO MÉDICO URBINO DE FREITAS<br />

1.º Distrito, <strong>Tribunal</strong> Criminal <strong>do</strong> <strong>Porto</strong>.<br />

Processo instaura<strong>do</strong> em 23 de Abril de 1890 por crime de homicídio com<br />

envenenamento, cometi<strong>do</strong> na pessoa <strong>do</strong> menor Mário Guilherme Augusto<br />

Sampaio por Vicente Urbino de Freitas, médico e professor <strong>da</strong> Escola Médica <strong>do</strong><br />

<strong>Porto</strong>. Este nasceu, nesta ci<strong>da</strong>de, em 1849 e foi lente de Fisiologia na Escola<br />

Médico-Cirúrgica desta ci<strong>da</strong>de, chegan<strong>do</strong> a produzir notáveis trabalhos sobre<br />

lepra. Foi condena<strong>do</strong>, com intervenção <strong>do</strong> júri, em pena maior e degre<strong>do</strong>. A<br />

<strong>Relação</strong> <strong>do</strong> <strong>Porto</strong>, por acórdão de 3 de Fevereiro de 1894 fixou a pena em nove<br />

anos de prisão maior celular, segui<strong>da</strong> de degre<strong>do</strong> por 20 anos com prisão por <strong>do</strong>is<br />

anos no lugar <strong>do</strong> degre<strong>do</strong>, ou, em alternativa, na pena de degre<strong>do</strong> por trinta anos<br />

por prisão por 10 anos no lugar <strong>do</strong> degre<strong>do</strong>. Na Rua <strong>da</strong>s Flores viveu o rico comerciante de linhos José<br />

António Sampaio casa<strong>do</strong> com Maria Carolina Bastos Sampaio. Tiveram três filhos: Guilherme, José e<br />

Maria <strong>da</strong>s Dores. Em 1877, a Maria <strong>da</strong>s Dores casou com o talentoso médico. O cunha<strong>do</strong> Guilherme<br />

morreu pouco depois <strong>do</strong> respectivo casamento, deixan<strong>do</strong> os filhos Mário Guilherme e Maria Augusta. A<br />

mulher <strong>do</strong> José também faleceu precocemente, deixan<strong>do</strong> a filha Berta Fernan<strong>da</strong>, que passou a viver<br />

com os primos Mário e Maria Augusta em casa <strong>do</strong>s avós. O cunha<strong>do</strong> José dera em boémio e,<br />

amantiza<strong>do</strong> com uma inglesa, veio até ao <strong>Porto</strong>, instalan<strong>do</strong>-se no Hotel Paris, na Rua <strong>da</strong> Fábrica. Teve a<br />

infelici<strong>da</strong>de de se sentir <strong>do</strong>ente e a ideia fatal de man<strong>da</strong>r chamar o prestigia<strong>do</strong> cunha<strong>do</strong>. Este, que já<br />

magicara nas hipóteses de vir a ser proveitoso herdeiro <strong>do</strong> sogro, terá começa<strong>do</strong> a vislumbrar formas de<br />

eliminar concorrentes à herança. Certo é que o padecente, após o tratamento ministra<strong>do</strong>, morreu com<br />

horríveis sofrimentos típicos <strong>da</strong> ingestão de veneno. Passa<strong>do</strong>s meses, apareceu uma misteriosa<br />

encomen<strong>da</strong> em casa <strong>do</strong>s sogros <strong>do</strong> Urbino, conten<strong>do</strong> amên<strong>do</strong>as e precisamente três bolos, tantas<br />

quantas as crianças <strong>da</strong> casa. As crianças comeram os bolos e a avó teve a curiosi<strong>da</strong>de de os provar,<br />

achan<strong>do</strong>-lhes sabor algo esquisito. To<strong>do</strong>s se sentiram mal. Foi logo chama<strong>do</strong> naturalmente o médico <strong>da</strong><br />

casa. O Urbino receitou às crianças clisteres, recomen<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-lhes que fizessem uma retenção tão longa


quanto possível. As meninas, porém, logo evacuarem. O Mário, mais cresci<strong>do</strong> e controla<strong>do</strong>, conseguiu<br />

fazer maior retenção, logo sofren<strong>do</strong> espasmos horríveis à semelhança <strong>do</strong> faleci<strong>do</strong> tio José, acaban<strong>do</strong><br />

por sucumbir. O processo longo, cheio de incidente e muito volumoso, acabou em julgamento. Em<br />

plena audiência a sogra acusou-o: - Juro aqui, diante de Deus e <strong>do</strong>s homens, que foi este homem que<br />

matou o meu filho José e o meu neto Mário! Foi este homem, a quem eu dei um conto de reis para ir ao<br />

estrangeiro, onde foi aprender os venenos para matar a minha família!<br />

Condena<strong>do</strong>, demiti<strong>do</strong> <strong>da</strong>s suas funções, deporta<strong>do</strong> para o Brasil, proibi<strong>do</strong> de exercer medicina,<br />

morreu tristemente já regressa<strong>do</strong> ao País. Teve, apesar de tu<strong>do</strong>, a sorte de nunca ter perdi<strong>do</strong> a<br />

dedicação incondicional <strong>da</strong> Maria <strong>da</strong>s Dores, sua mulher.<br />

PROCESSO DE FILIAÇÃO E PETIÇÃO DE HERANÇA<br />

Francisco Pedro Viterbo propôs, em 1848, contra Teresa <strong>da</strong> Fonseca e Silva, a referi<strong>da</strong> acção de<br />

investigação de paterni<strong>da</strong>de, alegan<strong>do</strong> que era filho natural de faleci<strong>do</strong> bacharel em Medicina, com o<br />

mesmo nome <strong>do</strong> autor. Com efeito, este Bacharel, que foi director <strong>da</strong> Escola Médico-Cirúrgica <strong>do</strong> <strong>Porto</strong>,<br />

enquanto estu<strong>da</strong>nte de medicina na Universi<strong>da</strong>de de Coimbra, travou-se de amores furtivos com Ana<br />

Margari<strong>da</strong>, <strong>da</strong> vila de Valongo e "a levou de honra e virgin<strong>da</strong>de debaixo de promessa de casamento".<br />

Deste trato ilícito veio a nascer o autor, sen<strong>do</strong> a paterni<strong>da</strong>de sempre reconheci<strong>da</strong> pelo próprio pai e<br />

família deste e demais pessoas, sen<strong>do</strong> "um vivo retrato <strong>do</strong> asserto pai". A mãe "nunca teve fama com<br />

outro algum homem". O faleci<strong>do</strong> fez testamento a favor <strong>da</strong> irmã, a Ré, beneficiária <strong>do</strong> testamento<br />

<strong>da</strong>quele.<br />

Pediu, pois, que se julgasse o autor filho natural <strong>do</strong> faleci<strong>do</strong> e seu sucessível, declaran<strong>do</strong>-se<br />

inoficioso o testamento, deven<strong>do</strong> a Ré abrir mão <strong>do</strong>s respectivos bens. A acção foi veementemente<br />

contesta<strong>da</strong>, mas, na essência, veio a ser julga<strong>da</strong> procedente, sen<strong>do</strong> a sentença confirma<strong>da</strong> por<br />

acórdão <strong>da</strong> <strong>Relação</strong> <strong>do</strong> <strong>Porto</strong>, de 25 de Junho de 1850 e, depois, pelo Supremo <strong>Tribunal</strong> de Justiça (que<br />

havia si<strong>do</strong> cria<strong>do</strong> em 1832), de 26 de Maio de 1851.<br />

Um <strong>do</strong>s pontos mais debati<strong>do</strong>s foi o facto, logo esgrimi<strong>do</strong><br />

na contestação, de que a mãe <strong>do</strong> autor é "mulher <strong>da</strong> mais baixa<br />

condição <strong>da</strong> plebe", sen<strong>do</strong> o faleci<strong>do</strong> "homem nobre", exercen<strong>do</strong><br />

sempre cargos <strong>da</strong> mais alta distinção. Disso é evidência o grau<br />

académico que obteve, juntan<strong>do</strong>-se aos autos, para prova, o<br />

competente diploma com fitilhos amarelos e respectivos selos<br />

(canu<strong>do</strong>). Ora, segun<strong>do</strong> a contestação, a menciona<strong>da</strong><br />

quali<strong>da</strong>de de nobre era facto impeditivo de que pudesse ser<br />

declara<strong>da</strong> a referi<strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de sucessória, por via <strong>do</strong> disposto na<br />

Ordenação <strong>do</strong> Reino, Livro IV, Título 92 e demais disposições de<br />

Direito.<br />

A este propósito, o juiz Manuel José Peixoto que, em 21 de Dezembro de 1849, proferiu a<br />

sentença, escreveu: "A excepção de Nobreza <strong>do</strong> pai <strong>do</strong> A. para tornar este insucessível não é<br />

procedente porque se não prova a Nobreza ao tempo <strong>do</strong> nascimento <strong>do</strong> A. suposto então já o pai <strong>do</strong><br />

A. tivesse consegui<strong>do</strong> o Grau de Bacharel, atenden<strong>do</strong> que a distinção entre filhos naturais de nobres e<br />

plebeus para o efeito de sucessão é ti<strong>da</strong> por odiosa e não se deve ampliar. Portanto, e mais <strong>do</strong>s autos,<br />

julgo ser o A. filho natural e sucessível <strong>do</strong> faleci<strong>do</strong> Bacharel Francisco Pedro Viterbo e condeno a Ré a<br />

que faça inventário <strong>da</strong> herança <strong>do</strong> faleci<strong>do</strong> (...)". A presente decisão, superiormente confirma<strong>da</strong>,<br />

provém ain<strong>da</strong> <strong>do</strong> tempo de D. Maria II. O aresto é já testemunho de que determina<strong>do</strong>s privilégios<br />

começavam a tombar.

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