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primeiros campeonatos de surf em Portugal - Quimera Editores

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4 4<br />

as imagens<br />

<strong>de</strong>ste ficheiro<br />

encontram-se <strong>em</strong><br />

muito baixa resolução<br />

e <strong>de</strong>stinam-se apenas<br />

a permitir-lhe<br />

um primeiro contacto<br />

com a obra<br />

174 175<br />

Os primeirOs<br />

campeOnatOs<br />

<strong>de</strong> <strong>surf</strong> <strong>em</strong><br />

pOrtugal<br />

Para muitos <strong>surf</strong>istas da década <strong>de</strong> 1970<br />

os <strong>campeonatos</strong> <strong>de</strong> <strong>surf</strong> eram incompatíveis<br />

com a sua forma <strong>de</strong> encarar a modalida<strong>de</strong><br />

que, para eles, era um verda<strong>de</strong>iro estilo<br />

<strong>de</strong> vida.<br />

Assim, os <strong>primeiros</strong> <strong>campeonatos</strong><br />

marcaram uma ruptura com uma realida<strong>de</strong><br />

que, então, se julgava imutável.<br />

Apesar <strong>de</strong> todas as dificulda<strong>de</strong>s, o êxito dos<br />

<strong>primeiros</strong> <strong>campeonatos</strong> <strong>de</strong> <strong>surf</strong> <strong>em</strong> <strong>Portugal</strong><br />

foi marcante para a futura prática da<br />

modalida<strong>de</strong>. A faceta <strong>de</strong>sportiva associada<br />

ao campeonato prevaleceu sobre o <strong>surf</strong><br />

elitista e sobre o “<strong>surf</strong> estilo <strong>de</strong> vida”,<br />

este último muitas vezes ligado às drogas<br />

e a uma certa marginalida<strong>de</strong>.<br />

Os capítulos que se segu<strong>em</strong> registam<br />

os <strong>primeiros</strong> <strong>campeonatos</strong> <strong>de</strong> <strong>surf</strong> <strong>em</strong><br />

<strong>Portugal</strong>, revelando a visão e os objectivos<br />

<strong>de</strong> qu<strong>em</strong> os promoveu.<br />

JMR


JOãO MORAES ROCHA<br />

~<br />

176 177<br />

O 1.º Campeonato<br />

Nacional <strong>de</strong> Surf<br />

Tudo o que fuja àquilo a que se está habituado po<strong>de</strong> parecer estranho. Realizar o<br />

1.º Campeonato Nacional <strong>de</strong> Surf não foi algo <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nte para os <strong>surf</strong>istas da primeira<br />

meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 1970. Houve qu<strong>em</strong> duvidasse e, até, qu<strong>em</strong> julgasse ser impossí-<br />

vel realizar um campeonato <strong>de</strong> <strong>surf</strong> <strong>em</strong> <strong>Portugal</strong>.<br />

Para o público <strong>em</strong> geral, o <strong>surf</strong> era <strong>de</strong>sconhecido, ignorava-se o próprio significado<br />

da palavra. Para os mais informados, era algo que se praticava nas ondas lá para o<br />

Havai; não dizia minimamente respeito a <strong>Portugal</strong>.<br />

Se o <strong>surf</strong> não existia entre nós, que sentido teria falar <strong>de</strong> um Campeonato Nacional<br />

<strong>de</strong> Surf?... Mas a i<strong>de</strong>ia já fora sugerida <strong>em</strong> Carcavelos, quando, <strong>em</strong> 1976, no intervalo<br />

<strong>de</strong> duas boas marés, com as antigas esquerdas do “Moinho” e as direitas da “Bola<br />

Nívea” a funcionar, o grupo <strong>de</strong> <strong>surf</strong>istas portugueses falava com uma equipa <strong>de</strong> sur-<br />

fistas irlan<strong>de</strong>ses que havia vindo a <strong>Portugal</strong> treinar. Foi um <strong>de</strong>stes que sugeriu ao<br />

João Rocha que os portugueses <strong>de</strong>veriam começar a competir, pois o seu nível <strong>de</strong><br />

<strong>surf</strong> equivalia ao dos melhores europeus. A i<strong>de</strong>ia agradou àquele grupo <strong>de</strong> <strong>surf</strong>istas<br />

assíduos <strong>de</strong> Carcavelos — porque não juntar a “malta toda” e começar a competir?<br />

Com efeito, aquele grupo <strong>em</strong> nada se sentia inferior aos estrangeiros que iam apare-<br />

cendo. Além disso, a “velha guarda” era, sobretudo, formada por <strong>de</strong>sportistas, muitos<br />

<strong>de</strong>les habituados à competição. Quanto aos mais jovens, iniciados no <strong>surf</strong> após Abril<br />

<strong>de</strong> 1974, o ex<strong>em</strong>plo dos seniores era o suficiente para a sua a<strong>de</strong>são.<br />

Meses <strong>de</strong>corridos, alguns el<strong>em</strong>entos da Fe<strong>de</strong>ração Portuguesa <strong>de</strong> Activida<strong>de</strong>s<br />

Subaquáticas, uns dirigentes, outros atletas, que praticavam <strong>surf</strong> e mergulho, acor-<br />

daram <strong>em</strong> levar a i<strong>de</strong>ia à prática. De entre eles, João Rocha, João Boavida e Alberto<br />

Pais, este mais mergulhador do que <strong>surf</strong>ista.<br />

A estrutura da Fe<strong>de</strong>ração ajudaria, João Rocha estabeleceria os contactos entre<br />

os <strong>surf</strong>istas, faltava procurar alguns apoios logísticos e financeiros. Na antiga se<strong>de</strong> da<br />

Fe<strong>de</strong>ração, junto ao Campo Pequeno, fizeram-se as primeiras reuniões. À gente do<br />

mergulho juntou-se o pessoal, mais novo, do <strong>surf</strong>. O <strong>surf</strong> era uma activida<strong>de</strong> promissora<br />

e com uma imag<strong>em</strong> apelativa. A receptivida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>rativa foi positiva, não estaria longe<br />

dos intentos dos dirigentes daquela fe<strong>de</strong>ração englobar nela esta nova modalida<strong>de</strong>.<br />

Os contactos entre os <strong>surf</strong>istas foram estabelecidos; os manos Rocha tinham pres-<br />

tígio suficiente para convencer o pessoal da Figueira e do Baleal a vir <strong>em</strong> bloco, os<br />

grupos <strong>de</strong> São Pedro e da Caparica a<strong>de</strong>riram também. A palavra espalhou-se.<br />

O local do evento, a realizar <strong>em</strong> Maio, corria o ano <strong>de</strong> 1977, só po<strong>de</strong>ria ser Ribeira<br />

d’Ilhas, na Ericeira. A praia <strong>de</strong> Ribeira d’Ilhas era conhecida entre os estrangeiros que<br />

Ribeira d’Ilhas,<br />

int<strong>em</strong>poral...<br />

Página anterior:<br />

aspecto da assistência<br />

e, <strong>em</strong> baixo, fotografia<br />

da mesa do júri no<br />

1.º Campeonato<br />

Nacional <strong>de</strong> Surf,<br />

Ribeira d’Ilhas, 1977


Paulo Inocentes no<br />

1.º Campeonato Nacional<br />

nos visitavam como “Little Hawai”, lugar <strong>de</strong> referência na Europa para os <strong>surf</strong>istas <strong>de</strong><br />

todo o mundo. Com as chuvas, a ribeira abria um canal nos fundos <strong>de</strong> rebentação, que<br />

permitia, quando o mar crescia, fazer uma direita <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a concha <strong>de</strong> rocha situada a<br />

norte do pequeno areal <strong>de</strong> Ribeira até ao “Ali-Babá”, a praia <strong>de</strong> difícil acesso, a sul <strong>de</strong><br />

Ribeira. Era nesta última que ficavam os acompanhantes e <strong>de</strong> lá é que se entrava na<br />

água. A constância e a qualida<strong>de</strong> das ondas, aliadas à mística do local, justificavam<br />

plenamente a escolha — naquela data a praia, mal i<strong>de</strong>ntificada para qu<strong>em</strong>, não a conhe-<br />

cendo, a procurasse, estava envolta <strong>em</strong> vegetação e canavial, que só findava no areal.<br />

Os casebres eram habitados todo o ano, e qu<strong>em</strong> lá vivia <strong>de</strong>ixava os patos <strong>de</strong> criação à<br />

solta na ribeira, as galinhas nos canaviais, os cães por todo o lado. A presença <strong>de</strong>stes<br />

animais, das gaivotas e <strong>de</strong>mais passaritos que por ali havia, o silêncio do local, repleto<br />

da presença forte do mar, o areal povoado <strong>de</strong> pulga-do-mar, tudo conferia a Ribeira<br />

uma aura especial.<br />

Depois eram necessários apoios. Alberto Pais, João Rocha, Paulo Esteves e Nuno<br />

Jonet foram à Direcção-Geral dos Desportos. Recebidos pelo senhor director-geral,<br />

foram ouvidos, mas o <strong>surf</strong>, no enten<strong>de</strong>r daquele responsável, não era um <strong>de</strong>sporto...<br />

E não apoiou o evento. Mais sorte teve este grupo <strong>de</strong> <strong>surf</strong>istas junto da Direcção-Geral<br />

<strong>de</strong> Turismo: a responsável achou <strong>de</strong> interesse o evento e vislumbrou futuro para a<br />

modalida<strong>de</strong>. Quando voltámos à Avenida António Augusto <strong>de</strong> Aguiar, on<strong>de</strong> funcionava<br />

aquela Direcção-Geral, para concretizar o apoio, o Alberto levou uma rosa para ofere-<br />

cer. Mais do que apoio financeiro, quase simbólico, era importante o reconhecimento<br />

da estrutura oficial <strong>em</strong> relação à modalida<strong>de</strong>.<br />

Na Ericeira, contactou-se com a Junta <strong>de</strong> Freguesia, o presi<strong>de</strong>nte era o velho Caré,<br />

dono <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> da vila. Primeiro <strong>de</strong>sconfiado, <strong>de</strong>pois convencido, o velho Caré colo-<br />

cava o palanque na praia e espetava as ban<strong>de</strong>irolas das festas. “Depois, é com vocês!”,<br />

<strong>de</strong>clarou. Solicitar apoio <strong>em</strong> nome <strong>de</strong> uma fe<strong>de</strong>ração facilitou os contactos com as<br />

autorida<strong>de</strong>s marítimas. Já não eram só “estrangeiros ga<strong>de</strong>lhudos”, havia pessoal do<br />

<strong>de</strong>sporto, e eram portugueses. Bombeiros e GNR, tudo b<strong>em</strong>. Até tinham curiosida<strong>de</strong><br />

<strong>em</strong> ver o que iria acontecer.<br />

Depois, a entrega das medalhas e o jantar, on<strong>de</strong> seriam? O local tinha <strong>de</strong> acolher<br />

cerca <strong>de</strong> c<strong>em</strong> pessoas. O Hotel da Ericeira estava ocupado por retornados das ex-<br />

-colónias, além disso o seu recheio fora parcialmente <strong>de</strong>struído e pilhado, <strong>de</strong>vido<br />

à ocupação. Restava o Parque <strong>de</strong> Santa Marta. No dia da Espiga, lá se foi no carro<br />

do Alberto, à procura da pessoa responsável. Estava num piquenique para os lados<br />

do Lizandro. E foi no Lizandro que se acertou o “banquete”. O Alberto sinalizou do<br />

seu bolso.<br />

Em Lisboa, resolvia-se o probl<strong>em</strong>a do cartaz e as T-shirts. Que imag<strong>em</strong> para o car-<br />

taz, uma fotografia do estrangeiro? Não, o primeiro campeonato nacional tinha <strong>de</strong> ser<br />

português até no cartaz. A foto escolhida seria a <strong>de</strong> uma manobra <strong>em</strong> Carcavelos do<br />

Tó-Pê Rocha. A tipografia tinha <strong>de</strong> ser <strong>em</strong> conta; lá se arranjou uma, habituada a fazer<br />

panfletos <strong>de</strong> propaganda política. A fotografia ficou escura no papel, mas não havia<br />

marg<strong>em</strong> <strong>de</strong> manobra para outro ensaio... As T-shirts foram com um <strong>de</strong>senho escolhido<br />

pelo Tó-Pê, haviam <strong>de</strong> se esgotar no campeonato, e bisar-se a produção.<br />

O dia ia-se aproximando, importava resolver o probl<strong>em</strong>a da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso<br />

à Ericeira para o pessoal que não tinha viatura. Alugou-se um autocarro à Carris.<br />

178 179<br />

Taça do 1.º Campeão<br />

Nacional, 1977<br />

À direita, <strong>em</strong> cima:<br />

medalha atribuída a todos<br />

os participantes do<br />

1.º Campeonato Nacional<br />

Em baixo: medalha alusiva<br />

aos vinte anos do<br />

1.º Campeonato


Recorte do Diário <strong>de</strong> Notícias <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1977<br />

O cartaz alusivo ao 1.º Campeonato Nacional.<br />

Na fotografia, Tó-Pê Rocha <strong>em</strong> Carcavelos, 1975<br />

Fotógrafos, contactos com jornais, televisão... Tudo feito. O júri, as folhas para as<br />

classificações, a corneta dos “hits”, as T-shirts para i<strong>de</strong>ntificar os competidores, as<br />

ban<strong>de</strong>irolas para completar ou substituir o sinal da corneta, o altifalante manual, tipo<br />

manifestação política. Estava tudo pronto.<br />

E o dia chegou: 22 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1977.<br />

Havia ondas; pequenas, mas havia-as. Céu limpo, vento norte fraco. Os <strong>surf</strong>istas<br />

portugueses que efectivamente faziam <strong>surf</strong> estavam lá todos. Alguns dos mais velhos<br />

quiseram ser só júri, não entrando na competição — um certo elitismo não foi alheio<br />

a esta escolha. Eram uma minoria dos “antigos” e foram preciosos, eram o júri cons-<br />

tante; a restante parte do júri era móvel: nas eliminatórias dos seniores ficavam junio-<br />

res reconhecidamente competentes e vice-versa; nos juvenis não houve probl<strong>em</strong>a, os<br />

mais velhos das outras categorias assumiam as faltas. O consenso e o prestígio dos<br />

mais antigos chegaram para resolver as pequenas dificulda<strong>de</strong>s.<br />

A praia tinha sido “preparada” pela Junta <strong>de</strong> Freguesia, o acesso à areia fora<br />

aberto e panificado; limpo dos restos do Inverno, o areal estava imaculado. B<strong>em</strong> no<br />

centro da praia, o lugar do júri, com algumas ban<strong>de</strong>iras a compor.<br />

As tendas daqueles que lá haviam ficado <strong>de</strong> véspera contornavam o areal. Nunca<br />

se tinha visto tantas pranchas juntas naquele areal.<br />

A amiza<strong>de</strong> e o companheirismo não eliminaram a competitivida<strong>de</strong>, e as eliminató-<br />

rias suce<strong>de</strong>ram-se, renhidas, perante uma assistência curiosa e interessada. A maior<br />

parte da assistência era composta por pessoas conhecidas dos competidores, o que<br />

tornava a competição válida <strong>de</strong>ntro e fora <strong>de</strong> água. A divulgação do evento fora muito<br />

comedida fora do grupo das pessoas para qu<strong>em</strong> o <strong>surf</strong> era conhecido. Apenas alguma<br />

rádio e o Diário <strong>de</strong> Notícias haviam anunciado o evento, a 21 <strong>de</strong> Maio, fazendo este<br />

jornal uma pequena notícia <strong>em</strong> que teve o cuidado <strong>de</strong> explicar o que era isso do <strong>surf</strong>.<br />

No entanto, a pequena praia <strong>de</strong> Ribeira encheu-se, apresentando um movimento e um<br />

colorido invulgares.<br />

180 181<br />

O autocarro que permitia<br />

o acesso directo à praia<br />

À direita: Rui Ruas, Paulo<br />

Belo e Quico Rocha,<br />

à espera que o autocarro<br />

os levasse ao Parque <strong>de</strong><br />

Santa Marta<br />

Pela primeira vez, um arraial<br />

na praia <strong>de</strong> Ribeira d’Ilhas<br />

Panorâmica do júri<br />

do 1.º Campeonato


As pranchas <strong>de</strong> 1977<br />

Prachas, competidores<br />

e público <strong>em</strong> 1977<br />

A competição <strong>de</strong>senrolou-se <strong>em</strong> três categorias: juvenis, juniores e seniores.<br />

Nos juvenis a classificação foi a seguinte: 1.º Paulo Inocentes; 2.º João Inocentes;<br />

3.º Paulo Esteves; 4.º Carlos Rocha; 5.º Ivo Cruz.<br />

Nos juniores: 1.º António Pedro Rocha; 2.º João Filipe Galvão; 3.º José Silva Pinto;<br />

4.º João Luís Santos; 5.º Mário Castanheira.<br />

Nos seniores: 1.º João Luís Rocha; 2.º Nuno Jonet; 3.º Manuel Cruz; 4.º João Mon-<br />

teiro; 5.º Pedro Lima (pai).<br />

Os três <strong>primeiros</strong> campeões nacionais saíam, todos eles, <strong>de</strong> Carcavelos. O João<br />

e o Tó-Pê Rocha pertenciam ao primeiro núcleo daquela praia; o Paulo Inocentes, à<br />

segunda geração <strong>de</strong>sse mesmo local.<br />

O menor tamanho das ondas fez “vítimas” entre os <strong>surf</strong>istas <strong>de</strong> ondas gran<strong>de</strong>s.<br />

Foi o caso do José Miguel Rocha, que não chegou às meias-finais na sua categoria <strong>de</strong><br />

júnior — todos os <strong>surf</strong>istas que o conheciam reiteraram a “injustiça” dos resultados.<br />

Por outro lado, o júri havia retido um outro <strong>surf</strong>ista “gran<strong>de</strong>”, o Pedro Lima filho, o<br />

“Pipas”, que só viria a competir <strong>em</strong> <strong>campeonatos</strong> ulteriores. O facto <strong>de</strong> a competição<br />

ter revelado estes resultados <strong>em</strong> nada alterava o mérito <strong>de</strong> cada um dos concorren-<br />

tes, o que se ganhava era, sobretudo, o convívio e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se fazer <strong>surf</strong> <strong>em</strong><br />

conjunto, algo <strong>de</strong> muito raro naquela época.<br />

Apuradas as classificações, estavam todos — atletas e acompanhantes — convi-<br />

dados para a entrega <strong>de</strong> prémios e para o esperado “banquete”, daí rumo a Santa<br />

Marta.<br />

Enquanto se ultimavam os preparativos para a entrada, aquele parque da Ericeira<br />

apresentava um ambiente <strong>de</strong> festa, com a animada confraternização dos <strong>surf</strong>istas<br />

olhada <strong>de</strong> soslaio pelos habitantes circunspectos da vila.<br />

Sala cheia, muita comida para os estômagos vazios dos <strong>surf</strong>istas e a entrega <strong>de</strong><br />

medalhas e das taças. Discursos <strong>de</strong> circunstância, convívio saudável, todos concordavam<br />

que tinha valido a pena.<br />

182 183<br />

Ondas pequenas<br />

mas <strong>surf</strong>áveis.<br />

Aproveitar mesmo<br />

as esquerdas...<br />

Paulo Inocentes: uma<br />

promessa do <strong>surf</strong> <strong>em</strong> 1977.<br />

À direita: Tó-Pê num heat<br />

<strong>de</strong> juniores


Antero Santos entrega<br />

a medalha a Pedro Lima<br />

João Rocha recebe a taça<br />

<strong>de</strong> Campeão Nacional<br />

184 185<br />

No outro dia, alguma imprensa e a rádio noticiavam o resultado do evento. Pou-<br />

pados <strong>em</strong> espaço, arriscavam explicar o que era isso do <strong>surf</strong>, não fosse a notícia ser<br />

ininteligível para o leitor.<br />

A televisão não compareceu. A imag<strong>em</strong> televisiva do <strong>surf</strong> <strong>em</strong> <strong>Portugal</strong> ficou adiada.<br />

Ela havia <strong>de</strong> surgir, meses <strong>de</strong>pois, <strong>em</strong> programas para jovens. Mas um novo e impor-<br />

tante passo fora dado: a imag<strong>em</strong> do <strong>surf</strong> como <strong>de</strong>sporto passara a ser uma realida<strong>de</strong>,<br />

não era mais um lazer <strong>de</strong> “meninos ricos” ou <strong>de</strong> jovens que, além <strong>de</strong> se vestir<strong>em</strong> mal,<br />

tinham fama <strong>de</strong> hábitos <strong>de</strong> consumos menos lícitos. A faceta <strong>de</strong>sportiva do <strong>surf</strong>, mate-<br />

rializada naquela data, foi fulcral para o ulterior <strong>de</strong>senvolvimento da modalida<strong>de</strong>. O<br />

evento impulsionou muitos outros <strong>campeonatos</strong>, que logo se lhe seguiram, ao nível<br />

nacional e internacional. O estilo saudável, activo e, mesmo, competitivo, <strong>de</strong> visibili-<br />

da<strong>de</strong> apelativa, suplantara a perspectiva rebel<strong>de</strong>, à marg<strong>em</strong> da socieda<strong>de</strong>, que até<br />

então fazia parte da mística <strong>surf</strong>ista <strong>de</strong> 1960 e inícios <strong>de</strong> 1970.<br />

Por outro lado, a existência <strong>de</strong> <strong>campeonatos</strong> revelava, <strong>de</strong> facto, ao público nacional<br />

a existência <strong>de</strong> <strong>surf</strong> <strong>em</strong> <strong>Portugal</strong>. O que hoje é evi<strong>de</strong>nte, que existe <strong>surf</strong> <strong>em</strong> <strong>Portugal</strong>,<br />

não era naquela data; o 1.º Campeonato Nacional <strong>de</strong> Surf foi um evento arrojado, pois<br />

corporizou uma realida<strong>de</strong> que não existia na consciência colectiva. Depois <strong>de</strong>le, tudo<br />

foi diferente.<br />

Por último, este campeonato nacional foi o único que juntou todos os <strong>surf</strong>istas<br />

portugueses, os “antigos”, iniciados antes <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1974, e todos os outros<br />

que se lançaram no <strong>surf</strong> após aquela data. S<strong>em</strong> se ter plena consciência do facto,<br />

concentraram-se num mesmo evento duas posturas perante o <strong>surf</strong> completamente<br />

distintas, uma <strong>de</strong>las <strong>em</strong> vias <strong>de</strong> extinção... Os <strong>de</strong>scobridores e aventureiros dos<br />

<strong>primeiros</strong> t<strong>em</strong>pos davam lugar a uma geração jov<strong>em</strong>, competitiva e <strong>de</strong> cariz loca-<br />

lista.<br />

Pedro Melo no final<br />

<strong>de</strong> um heat


~Recordar o 1.º Campeonato Nacional<br />

ALBERTO PAIS<br />

Na Fe<strong>de</strong>ração Portuguesa <strong>de</strong> Activida<strong>de</strong>s Subaquáticas (FPAS)<br />

surg<strong>em</strong>, <strong>em</strong> 1976, dois jovens praticantes <strong>de</strong> mergulho e <strong>de</strong><br />

<strong>surf</strong> com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> organizar um campeonato nacional da<br />

activida<strong>de</strong>. Eram o João Rocha e o João Boavida.<br />

O Alberto Pais, que era o presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong><br />

Ensino da Fe<strong>de</strong>ração e que há anos tinha uma prancha <strong>de</strong> <strong>surf</strong><br />

(marca Keo), sensibilizado para esta modalida<strong>de</strong>, apadrinhou<br />

logo a i<strong>de</strong>ia, tendo sido o projecto levado à direcção, que o<br />

aprovou. A partir daí, a iniciativa passou a beneficiar da credibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> uma fe<strong>de</strong>ração.<br />

Com a ajuda <strong>de</strong> <strong>surf</strong>istas contactados pelo João Rocha,<br />

iniciaram-se reuniões para viabilizar o evento. Eram precisas<br />

medalhas e taças, cartazes e T-shirts, estabelecer contactos<br />

e estruturar a prova. O Alberto ficou encarregue das medalhas<br />

e das taças, o Tó-Pê e o Jonet ficaram com as T-shirts e os<br />

cartazes.<br />

Com o João Rocha e outros <strong>surf</strong>ers por ele contactados,<br />

foi nas instalações da Fe<strong>de</strong>ração, junto ao Campo Pequeno,<br />

<strong>de</strong>lineada a estrutura da competição. Eram precisos apoios<br />

e, pelo menos, uma ajuda financeira que permitisse custear<br />

algumas <strong>de</strong>spesas fundamentais.<br />

O João Rocha foi à Direcção-Geral <strong>de</strong> Desportos (DGD),<br />

que não apoiou a iniciativa. Perante a recusa <strong>de</strong> ajuda da DGD,<br />

pensou-se ir à Direcção-Geral <strong>de</strong> Turismo (DGT). Por indicação<br />

do Henrique Jourdan, também m<strong>em</strong>bro da FPAS, foi contactado<br />

um indivíduo da DGT, que indicou a pessoa a qu<strong>em</strong> se<br />

<strong>de</strong>veria apresentar a i<strong>de</strong>ia. Assim, o João Rocha e o Alberto<br />

Pais <strong>de</strong>slocaram-se à António Augusto <strong>de</strong> Aguiar, on<strong>de</strong> funcionava<br />

a <strong>de</strong>legação da DGT, tendo sido recebidos com toda a<br />

simpatia pela responsável, que, apoiando a iniciativa e reconhecendo<br />

que a imag<strong>em</strong> associada ao <strong>surf</strong> era boa para <strong>Portugal</strong>,<br />

atribuiu para o efeito a verba <strong>de</strong> 50 mil escudos.<br />

Depois, foi necessário ir à Ericeira, resolver os probl<strong>em</strong>as<br />

logísticos e obter as autorizações necessárias. Dos contactos<br />

então realizados, o que se fez com o então presi<strong>de</strong>nte<br />

da Junta <strong>de</strong> Freguesia, o Sr. Caré, foi<br />

importante, tendo este disponibilizado todos<br />

os meios <strong>de</strong> que dispunha, com uma simpatia<br />

in<strong>de</strong>scritível. Provi<strong>de</strong>nciou o palanque, as ban<strong>de</strong>iras,<br />

o local para a distribuição dos prémios,<br />

a mesa para o lanche...<br />

O campeonato correu muito b<strong>em</strong>, com<br />

gran<strong>de</strong> participação <strong>de</strong> <strong>surf</strong>istas e público.<br />

Aqueles que na FPAS tinham manifestado<br />

algumas reservas quanto ao êxito da iniciativa<br />

mudaram <strong>de</strong> opinião. O <strong>surf</strong> estava lançado,<br />

tendo surgido, nos anos imediatamente<br />

a seguir a este campeonato, outros <strong>de</strong> muita<br />

qualida<strong>de</strong>.<br />

Equipa <strong>de</strong> mergulho<br />

do Belenenses <strong>em</strong> 1977<br />

(<strong>em</strong> <strong>de</strong>staque, Alberto<br />

Pais e João Rocha;<br />

uma amiza<strong>de</strong> a que o<br />

<strong>surf</strong> nacional, nos seus<br />

<strong>primeiros</strong> passos, muito<br />

<strong>de</strong>ve)<br />

JOãO MORAES ROCHA<br />

~<br />

186 187<br />

Os <strong>primeiros</strong><br />

<strong>campeonatos</strong><br />

internacionais<br />

O êxito do 1.º Campeonato Nacional <strong>de</strong> Surf, <strong>em</strong> Maio <strong>de</strong> 1977, conseguiu que a comu-<br />

nida<strong>de</strong> <strong>surf</strong>ista não só tivesse passado a encarar o campeonato como algo compatível<br />

com o <strong>surf</strong>, mas também que mostrasse apetência por novos <strong>campeonatos</strong>.<br />

PENICHE, NOvEMBRO DE 1977<br />

Assim, ainda <strong>em</strong> 1977, na sequência do apoio da Direcção-Geral <strong>de</strong> Turismo, no seio<br />

da Fe<strong>de</strong>ração Portuguesa <strong>de</strong> Activida<strong>de</strong>s Subaquáticas, projecta-se um campeonato<br />

internacional <strong>em</strong> Peniche.<br />

Aproveitando uma boleia da Mimi Cruz, a mãe do Ivo Cruz, João Rocha <strong>de</strong>sloca-se<br />

a Peniche e, enquanto o Tó-Pê e o Ivo ficam a fazer <strong>surf</strong> no molhe leste, contacta a<br />

Comissão <strong>de</strong> Turismo <strong>de</strong> Peniche e as <strong>de</strong>mais entida<strong>de</strong>s públicas locais. viabilizada a<br />

prova, esta ficou dividida <strong>em</strong> dois torneios: um primeiro, aberto a todos os portugue-<br />

ses, a fim <strong>de</strong> qualificar aqueles que iriam competir internacionalmente, e um segundo,<br />

o próprio campeonato internacional.<br />

No dia 20 <strong>de</strong> Nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1977, disputaram-se as primeiras provas eliminatórias<br />

entre os portugueses. Realizaram-se na baía entre Peniche e o Baleal. Nos juvenis, o<br />

resultado do apuramento seria: 1.º Carlos Fre<strong>de</strong>rico Rocha (Quico), 2.º Paulo Inocentes<br />

e 3.º Ivo Cruz. Nos juniores: 1.º António Pedro Rocha (Tó-Pê), 2.º Nuno Baltazar e 3.º<br />

João Inocentes.<br />

O cartaz do 1.º Campeonato<br />

Internacional<br />

se gostou <strong>de</strong><br />

“folhear” estas<br />

páginas<br />

convidamo-lo a<br />

ver as outras 240,<br />

procurando o livro<br />

<strong>em</strong> qualquer livraria<br />

ou comprando-o<br />

directamente no<br />

nosso site<br />

Baía <strong>de</strong> Peniche/Baleal,<br />

Tó-Pê e João Luís Santos

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