a personagem feminina idosa nos contos de clarice lispector e flávia ...
a personagem feminina idosa nos contos de clarice lispector e flávia ...
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ela também <strong>de</strong>senvolve um sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência, culminando numa amarga<br />
sensação <strong>de</strong> inutilida<strong>de</strong> diante <strong>de</strong> um mundo <strong>de</strong> solidão e <strong>de</strong> indiferença. Além <strong>de</strong><br />
passar, brutalmente, da condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>tentora <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> domínio, <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />
para o papel <strong>de</strong> objeto <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />
Outro fator a ser ressaltado é a questão do olhar, isto é, Anita ainda que excluída<br />
e manipulada por seus familiares, os enfrenta por meio <strong>de</strong> seu olhar. É o momento em<br />
que ela constata o quanto seus filhos são seres vazios: “E olhava-os piscando. Todos<br />
aqueles seus filhos e netos e bisnetos que não passavam <strong>de</strong> carne <strong>de</strong> seu joelho, pensou<br />
<strong>de</strong> repente como se cuspisse.” (LISPECTOR, 1976, p.66)<br />
A partir disso, verifica-se que ao realizar este confronto <strong>de</strong> olhares, Anita voltase<br />
a uma outra realida<strong>de</strong>, tanto que ela passa a refletir sobre seu passado e seu presente e<br />
chega à conclusões <strong>de</strong>cepcionantes acerca <strong>de</strong> seus filhos, netos e bisnetos.<br />
Essa realida<strong>de</strong> almejada por Anita é <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> zona selvagem, como<br />
explica Heloísa Buarque <strong>de</strong> Hollanda:<br />
Espacialmente ela significa uma área só das mulheres, um lugar<br />
proibido para os homens, [...] Experimentalmente, significa os<br />
aspectos do estilo <strong>de</strong> vida feminino que estão do lado <strong>de</strong> fora e<br />
diferenciam-se daquele dos homens; [...] Mas, se pensarmos na zona<br />
selvagem metafisicamente, ou em termos <strong>de</strong> consciência, não há<br />
espaço masculino correspon<strong>de</strong>nte, já que tudo na consciência<br />
masculina está <strong>de</strong>ntro do círculo da estrutura dominante e, <strong>de</strong>sta<br />
forma, acessível à linguagem ou estruturada por ela. (HOLLANDA,<br />
1981, p.48)<br />
Assim, os conflitos existentes entre Anita e seus parentes fazem com que ela<br />
busque uma outra realida<strong>de</strong>, ou seja, a zona selvagem, que tudo leva a crer que se trata<br />
da sua morte. Esta, por sua vez, para Anita, ainda é um mistério, prova disso é a<br />
expectativa que se cria a partir da frase <strong>de</strong> José: “ – Até o ano que vem!” (LISPECTOR,<br />
1976, p. 72) e até mesmo pela observação feita pelo narrador no último parágrafo <strong>de</strong><br />
Feliz Aniversário: “A morte era o seu mistério.” (LISPECTOR, 1976, p. 75)<br />
No entanto, vale ressaltar que essa busca por parte <strong>de</strong> Anita teve como ponto <strong>de</strong><br />
partida o conflito vivido entre ela e seus familiares. Esse conflito chega ao ápice logo<br />
após a partilha do bolo, pois a matriarca passa a olhar sua família, o que lhe provoca o<br />
sentimento <strong>de</strong> nojo.<br />
É graças a esse olhar que ocorre a epifania para Anita, ou melhor, um momento<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scobertas, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s revelações. Devido a isso, o conflito vivido pela<br />
<strong>personagem</strong> <strong>de</strong> Lispector <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser externo (em relação aos parentes) e passa a ser<br />
interno (com ela mesma), é o que se confere em: “Como?! como tendo sido tão forte<br />
pu<strong>de</strong>ra dar à luz aqueles seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos? [...] Como<br />
pu<strong>de</strong>ra ela dar à luz aqueles seres risonhos fracos, sem austerida<strong>de</strong>? O rancor roncava<br />
no seu peito vazio.” (LISPECTOR, 1976, p.66 e 67)<br />
Se em “Feliz aniversário” predomina a referência ao azedo tanto da parte <strong>de</strong><br />
Anita quanto <strong>de</strong> seus familiares, em “Os laços <strong>de</strong> família” há a constante repetição da<br />
sentença: “- Não esqueci <strong>de</strong> nada?”, por parte <strong>de</strong> Severina. Diante disso, verifica-se que<br />
esta <strong>personagem</strong> também está à procura <strong>de</strong> sua zona selvagem.<br />
No caso <strong>de</strong> Severina, a questão da zona selvagem é ainda mais complexa porque<br />
ela sequer possui no conto algum lugar <strong>de</strong> referência. Tanto que após duas semanas <strong>de</strong><br />
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