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30/10/2005 11:19:22 O 'juridiquês' no banco dos réus ... - AMB

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<strong>30</strong>/<strong>10</strong>/<strong>2005</strong> <strong>11</strong>:<strong>19</strong>:<strong>22</strong><br />

O ‘juridiquês’ <strong>no</strong> <strong>banco</strong> <strong>dos</strong> <strong>réus</strong><br />

Associação <strong>dos</strong> Magistra<strong>dos</strong> Brasileiros faz campanha para simplificar a linguagem jurídica <strong>no</strong> País<br />

Lídia Maria de Melo<br />

"Cártula chéquica". "Ergástulo público". "Prima facie". "Data venia".<br />

No Brasil, expressões como essas são corriqueiras em textos jurídicos. Mesmo que o leitor não saiba que elas significam,<br />

respectivamente: ‘‘folha de talão de cheques’’, ‘‘cadeia’’, ‘‘à primeira vista’’ e ‘‘com a devida licença’’.<br />

Se o Código de Processo Civil fosse seguido à risca, esse linguajar já teria caído em desuso. As petições e sentenças judiciais seriam<br />

escritas de forma concisa e objetiva, sempre em Português. E as citações em idiomas estrangeiros só teriam vez, se estivessem<br />

seguidas de tradução na língua oficial do País.<br />

Mas, em <strong>no</strong>me da tradição, as orientações linguísticas expressas na lei são ig<strong>no</strong>radas por advoga<strong>dos</strong>, promotores, juízes,<br />

desembargadores. Por mais contraditória que essa situação possa parecer. Em consequência, <strong>no</strong> Poder Judiciário prevalece uma<br />

linguagem que não é compreendida por leigos e incomoda até mesmo uma parcela <strong>dos</strong> profissionais do Direito.<br />

Campanha<br />

Esse quadro preocupa a Associação <strong>dos</strong> Magistra<strong>dos</strong> Brasileiros (<strong>AMB</strong>), que congrega 14.800 juízes de todo o País. Fundada em <strong>19</strong>49 e<br />

com sede em Brasília, a entidade iniciou em agosto uma campanha em favor da simplificação.<br />

A iniciativa inclui um concurso para universitários e juízes, além da distribuição de um livrete para jornalistas, com sinônimos simples<br />

para termos jurídicos rebusca<strong>dos</strong>.<br />

O tema começou a ser discutido em 2003, quando a diretoria encomendou uma pesquisa ao Ibope e os resulta<strong>dos</strong> mostraram que a<br />

população considera o Poder Judiciário inacessível. Um <strong>dos</strong> motivos é justamente a linguagem complicada.<br />

O juiz que preside a <strong>AMB</strong>, Rodrigo Collaço, sabe que a proposta esbarra na resistência de muitos bacharéis. Mas ele, que atua na área<br />

criminal em Florianópolis (SC), esclarece: ‘‘Não queremos empobrecer a linguagem jurídica. A linguagem técnica é fundamental para a<br />

compreensão do Direito. Mas queremos evitar o uso de termos que possam prejudicar a compreensão do cidadão’’.<br />

Artigo irônico<br />

Para provar que essa forma de expressão, que mais parece um dialeto, precisa ser reformulada, Collaço escreveu um artigo para o site<br />

da <strong>AMB</strong> (www.amb.com.br).<br />

Intitulado ‘‘Entendeu?’’, o texto ironiza o chamado juridiquês. Nele, o juiz resume o objetivo da campanha pela simplificação e critica o<br />

linguajar ultrapassado que prevalece <strong>no</strong>s meios juristas. Só que não utiliza um estilo claro e direto. Propositadamente, usa palavras<br />

arcaicas, frases invertidas e expressões latinas e herméticas, que dificultam o entendimento imediato da mensagem.<br />

‘‘Vetusto vernáculo’’ (idioma ultrapassado), ‘‘excelsos pretórios’’ (tribunais), ‘‘peça ab ovo’’ (petição inicial), ‘‘remédio<br />

heróico’’ (mandado de segurança) e ‘‘dialética meditabunda’’ (discurso prolixo) são exemplos <strong>dos</strong> termos que ele emprega.<br />

‘‘Essa linguagem sempre foi um instrumento de poder, mas é cada vez mais incompatível com a modernidade, com a realidade do<br />

mundo atual’’, explica.<br />

Tribunal de Justiça<br />

www.amb.com.br<br />

O Tribunal de Justiça de São Paulo também já deu mostras de que está atento à linguagem usada em fóruns e cartórios. No a<strong>no</strong><br />

passado, distribuiu para todas as unidades do Estado a apostila de<strong>no</strong>minada Técnica de Redação Forense, que foi feita pelo<br />

desembargador Alexandre Moreira Germa<strong>no</strong>.<br />

No livrete, o autor explica os recursos que considera necessários para se redigir uma redação clara e objetiva. Embora tenha se<br />

formado em Direito em <strong>19</strong>58 e ingressado na Magistratura em <strong>19</strong>70, o desembargador (hoje aposentado) não é adepto do estilo<br />

rebuscado e hermético.


No item Simplicidade, por exemplo, ele orienta que escrever ‘‘autor e réu (como está <strong>no</strong> Código de Processo Civil) é melhor que<br />

demandante, demandado, postulante, peticionário’’.<br />

Ele faz ressalvas até ao emprego de expressões latinas: ‘‘Recomenda­se que tal prática se restrinja aos casos em que há real<br />

necessidade’’.<br />

Quando aborda o tema Clareza, observa: ‘‘Expressar o pensamento sem obscuridade é uma arte, que exige muito exercício até que o<br />

redator se acostume a escrever de forma simples, com frases curtas e objetivas, de fácil compreensão para o leitor’’.<br />

Em seguida, cita um trecho de uma sentença em que o juiz encadeou várias idéias, formando uma extensa frase. ‘‘É difícil entender<br />

todas essas informações’’.<br />

Concurso da <strong>AMB</strong><br />

Objetivo: Incentivar o uso de uma linguagem jurídica simplificada<br />

Promoção: Associação <strong>dos</strong> Magistra<strong>dos</strong> Brasileiros<br />

Categorias:<br />

1) estudante de Direito;<br />

2) juiz<br />

Premiações:<br />

1) R$ 6 mil (1º lugar); R$ 4 mil (2º); R$ 2 mil (3º)<br />

2) <strong>no</strong>tebook (1º); desktop (2º); palm top (3°)<br />

Temas:<br />

1) Pelo fim do juridiquês — Ninguém valoriza o que não entende<br />

2) Simplificação da linguagem jurídica<br />

Sugestões de trabalhos:<br />

1) artigo; proposta de mo<strong>no</strong>grafia; proposta de projeto de conscientização de estudantes<br />

2) texto mostrando a simplificação lingüística de uma peça jurídica; sugestão incentivando ações conscientizadoras em tribunais e<br />

comarcas<br />

Prazo para inscrição: até 4 de <strong>no</strong>vembro de <strong>2005</strong><br />

Local de inscrição: Associação <strong>dos</strong> Magistra<strong>dos</strong> Brasileiros (<strong>AMB</strong>)<br />

SCN Quadra 2, Bloco D, Torre B, Centro Empresarial Liberty Mall, conjunto 1.<strong>30</strong>2, CEP 70.712, Brasília­DF, telefone (061) 2<strong>10</strong>3­9000<br />

Fonte: Site da <strong>AMB</strong> (www.amb.com.br)<br />

Palavra jurídica pode lesar cidadão, diz desembargador<br />

Lídia Maria de Melo<br />

No dia­a­dia do Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador Rizzatto Nunes costuma deparar­se com o que ele chama de<br />

‘‘pérolas jurídicas’’: ‘‘São sentenças de juízes que não dizem absolutamente nada’’.<br />

Professor universitário há 25 a<strong>no</strong>s, ele selecio<strong>no</strong>u esse material e montou uma tabela para os alu<strong>no</strong>s do curso de Mestrado em Direito,<br />

que coordena na Universidade Metropolitana de Santos (Unimes). Na disciplina, que discute a retórica do processo linguístico da<br />

Faculdade de Direito, a classe combina frases aleatórias e percebe como é possível elaborar um discurso sem sentido, mas que<br />

impressiona pelo estilo empolado.<br />

Autor de 34 livros, <strong>no</strong>ve sobre Direito do Consumidor, Rizzatto Nunes defende que o jurista saiba empregar uma linguagem simples<br />

quando se dirigir ao leigo. ‘‘Temos que aprender a traduzir. O sujeito entra na escola de Direito, aprende uma linguagem <strong>no</strong>va e depois<br />

não sabe mais voltar para a linguagem anterior’’.<br />

A consequência dessa dificuldade, segundo ele, é que ‘‘o cidadão é lesado pela palavra jurídica’’. Por isso, o desembargador, que foi<br />

advogado por 18 a<strong>no</strong>s, é a favor da campanha da Associação <strong>dos</strong> Magistra<strong>dos</strong> do Brasil (<strong>AMB</strong>). ‘‘O juridiquês torna as relações mais<br />

injustas, porque às vezes o cidadão não sabe quais são os seus direitos’’.<br />

Ele, que é livre­docente e doutor pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, cita a expressão ‘‘alienação fiduciária’’ para<br />

mostrar como um termo desconhecido pode prejudicar alguém. ‘‘O sujeito compra um automóvel financiado e a garantia é a ‘alienação<br />

fiduciária’, mas ele não sabe. Ele pensa que é proprietário do automóvel e vende. Mas aquele bem não é dele, é do <strong>banco</strong> financiador<br />

(proprietário fiduciário). Ele só será o do<strong>no</strong> quando quitar. Quando ele vende um bem que não é dele, acaba tendo problemas sérios’’.<br />

Livro<br />

Esse tipo de preocupação instigou o jurista a escrever um <strong>no</strong>vo livro, que será lançado <strong>no</strong> dia 8, pela Editora Nova Fronteira, na<br />

Fundação Itaú Cultural, em São Paulo.<br />

Dirigida a crianças e adolescentes, a obra tem o apoio da Fundação Abrinq e dá <strong>no</strong>ções de Direito do Consumidor, sem termos<br />

jurídicos. ‘‘Quando não dá para escapar do termo técnico, eu coloco a explicação dada pelo pai do personagem’’.<br />

Termos técnicos<br />

Em relação à simplificação, Rizzato Nunes acha que não é preciso atingir a linguagem técnica, porque toda área de atuação tem seu<br />

próprio vocabulário. ‘‘O problema do Direito é não ser direto para a população. É misturar termos técnicos com uma linguagem<br />

empolada, cheia de floreios, para impressionar’’.<br />

Para ele, numa sentença o juiz não deve usar, por exemplo, a palavra ‘‘abroquelar’’, em vez de ‘‘fundamentar’’. Mas não vê problemas


<strong>no</strong> emprego de ‘‘exordial’’ (petição inicial). ‘‘É um termo técnico, que não é feito para a população’’.<br />

Saiba mais<br />

As Aventuras de Joãozinho Legal (episódio 1) – Afinal, quem é o ladrão?, de Rizzato Nunes e editado pela Nova Fronteira, conta a<br />

história de Joãozinho, um meni<strong>no</strong> que é filho de advoga<strong>dos</strong> e se destaca entre os colegas por conhecer leis. Essa característica lhe vale<br />

o apelido de Legal. O garoto ouve as histórias que o pai conta sobre seu trabalho e repete para os amigos na escola. Com isso, ele<br />

conquista a simpatia de Margô, uma garota por quem é apaixonado. Além de explicar <strong>no</strong>ções de Direito, o livro discorre sobre aspectos<br />

da sociedade brasileira. (LMM)<br />

Juiz adverte que simplificação não prejudicará a língua<br />

Lídia Maria de Melo<br />

‘‘Entre duas palavras, escolha sempre a mais simples; entre duas palavras simples, a mais curta’’. O juiz Alexandre Coelho, titular da<br />

2ª Vara Criminal e da <strong>11</strong>8ª Zona Eleitoral de Santos, tem sempre em mente esse pensamento do poeta francês Paul Valéry e tenta<br />

transmiti­lo a seus alu<strong>no</strong>s e estagiários.<br />

A preocupação dele com o uso da língua vem desde os tempos de estudante, quando despertou para a importância de frequentar um<br />

curso de Português paralelamente ao de Direito. ‘‘A língua é <strong>no</strong>ssa ferramenta de trabalho’’.<br />

Em suas aulas na Universidade Católica de Santos (UniSantos), o juiz procura despertar essa consciência em seus alu<strong>no</strong>s. Primeiro,<br />

chama a atenção para a necessidade de ser sintético ao escrever.<br />

Para isso, recorre a um artifício: pede que o estudante feche os olhos e imagine quem vai ler suas petições. Depois, lança a questão:<br />

‘‘Quem você imagina? Um juiz arrumadinho, com uma paciência e<strong>no</strong>rme, que está a tarde inteira esperando você chegar para trazer<br />

alguma coisa para ele ler?’’.<br />

A classe se choca quando ele aconselha: ‘‘Você tem que imaginar uma pessoa cansada, irritada, com um monte de petições para ler e<br />

que a sua será, portanto, mais uma delas’’.<br />

A intenção é evitar que, depois de forma<strong>dos</strong>, os estudantes repitam erros de profissionais vetera<strong>no</strong>s.<br />

Na magistratura há 15 a<strong>no</strong>s, Coelho comenta que existem muitos que buscam argumentações na internet e copiam <strong>no</strong> processo, só<br />

para impressionar. Com isso, o que antes era escrito em duas ou três laudas, agora é feito em 20 ou <strong>30</strong>. ‘‘Ele aperta um ou dois<br />

botões, copia, recorta, cola’’.<br />

Clareza<br />

Lembrando que o trabalho <strong>dos</strong> juristas é voltado para o povo, o magistrado também incentiva a clareza de idéias. Ele relata uma<br />

experiência vivenciada na campanha eleitoral do a<strong>no</strong> passado, que demonstra como um texto confuso pode não ser compreendido por<br />

leigos ou especialistas.<br />

Uma jornalista recebeu por fax uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pediu que ele a ajudasse a entender. ‘‘Eu li uma vez,<br />

li duas vezes... Então falei: ‘Telefona para lá e pergunta, porque eu não entendi’. Eu não entendi o que estava escrito e era Português!’’.<br />

Nas palavras do juiz, o autor exagerou <strong>no</strong> emprego do vocabulário e <strong>no</strong> estilo. ‘‘Totalmente ultrapassado. As construções eram<br />

invertidas, truncadas...’’<br />

Ele diz que tenta sempre cada vez mais redigir suas decisões de forma simples e clara. Mesmo assim, outro dia um réu ouviu a<br />

sentença que ele proferiu e perguntou ao oficial de Justiça: ‘‘Fui absolvido ou condenado?’’.<br />

Muitas vezes também presencia a conversa entre advogado e cliente e percebe que as explicações não estão sendo entendidas pelo<br />

leigo. ‘‘Quando a maioria perceber que o que está falando não é inteligível, vai ficar frustrada’’.<br />

Para ele, o ideal é o que fazem os médicos Dráuzio Varella e José Bento, que usam os meios de comunicação para dar orientações<br />

sobre saúde. ‘‘Eles são considera<strong>dos</strong> excelentes até por quem nunca foi paciente deles. Acho que é porque os dois falam de uma<br />

maneira extremamente simples, sem falar errado’’.<br />

Alexandre Coelho frisa que a simplicidade não vai maltratar a língua, ao contrário do que os conservadores e puristas defendem. ‘‘Vai<br />

mostrar que a pessoa sabe manejar a língua em várias situações’’.<br />

Latinismo, citações estrangeiras e menções bíblicas atrapalham<br />

Lídia Maria de Melo<br />

As citações em outros idiomas são um capítulo à parte na análise do linguagar jurídico utilizado <strong>no</strong>s processos. O excesso de<br />

expressões latinas e a falta de tradução de textos em Francês, Inglês e Italia<strong>no</strong> mexem com o humor <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong>.<br />

Um deles é o juiz Alexandre Coelho. Ele conta que, quando entrou para a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo,<br />

ganhou de seu pai um livro de citações latinas. ‘‘Decorei tudo. Hoje, eu abomi<strong>no</strong>. A maioria delas tem um correspondente em<br />

Português’’.<br />

Coelho diz que consegue entender se um profissional i<strong>dos</strong>o abusar do latinismo. ‘‘É uma questão de formação. Já faz parte do


vocabulário dele. O difícil é ver um jovem recém­formado, reproduzindo expressões totalmente em desuso’’. Para ele, são profissionais<br />

que aprendem com os mais antigos ou que querem impressionar a clientela, por exemplo.<br />

Nos meios jurídicos, segundo revela, quem não é capaz de escrever ou falar sem usar Latim passa a ser de<strong>no</strong>minado ‘‘Doutor Data<br />

Venia (lê­se como uma paroxítona: vênia)’’.<br />

Mesmo tendo originado inúmeros idiomas, o Latim é uma língua morta, conforme classificação da Filologia (ciência que estuda os<br />

instrumentos linguísticos de um povo). Isto porque não é mais o único meio de comunicação de uma comunidade.<br />

Sobre a falta de tradução para as citações estrangeiras, ele diz: ‘‘Isso até fere uma <strong>no</strong>rma da ABNT (Associação Brasileira de Normas<br />

Técnicas) para textos técnicos. Ou o leitor sabe Francês, ou fica por isso mesmo. Se o advogado quer correr o risco de o juiz não falar<br />

Francês... Geralmente não fala. Italia<strong>no</strong>, poucos falam’’.<br />

Falso status<br />

‘‘Estamos <strong>no</strong> Brasil e a Língua Portuguesa é a que vale’’. sentencia o desembargador Rizzatto Nunes. ‘‘Não é só o latinório, porque uma<br />

ou outra palavra do Latim já foi incorporada’’. O que o deixa indignado são as citações estrangeiras: ‘‘São transcrições sem tradução!’’.<br />

A seu ver, o profissional que age dessa maneira quer demonstrar um conhecimento que às vezes não tem e se sentir melhor que os<br />

demais. ‘‘Isso é um falso status’’.<br />

Ele ressalta que está longe de ser contra o aprendizado de outros idiomas. Mas condena a valorização exagerada das línguas de outros<br />

países, em detrimento do idioma nacional. ‘‘É coisa cultural, de país catequizado, colonizado. Um horror! Na petição, na sentença, não<br />

pode usar língua estrangeira. Tem que escrever em Português’’.<br />

Referências bíblicas<br />

As restrições do juiz Leandro de Paula Martins Constant, diretor do Fórum de São Vicente e titular da 2ª Vara Cível vicentina, são para<br />

as citações de textos bíblicos <strong>no</strong>s processos. ‘‘O estado brasileiro é laico (desvinculado de religião). Não existe <strong>no</strong> Brasil uma fusão<br />

entre Estado e Igreja’’.<br />

Para Leandro Constant, o profissional que é acostumado a essa prática não se dá conta de um outro aspecto contrário à sua ação: o<br />

juiz pode não comungar da mesma religião que ele.<br />

‘‘Um juiz nunca vai basear sua decisão num texto bíblico, porque cita uma passagem que supostamente teria alguma ligação com<br />

aquele direito que está sendo discutido’’.<br />

Sobre as citações estrangeiras e o latinismo, Constant acha que deveriam ser evita<strong>dos</strong> na medida do possível: ‘‘Às vezes o próprio<br />

profissional da área não entende’’. Sem generalizar, ele interpreta esse hábito como um sinal de vaidade.<br />

Para quem é contra a reforma da linguagem jurídica, ele adverte: ‘‘O sistema jurídico não existe por si só. O Direito existe para<br />

resolver problemas e não, para criar um problema a mais para as pessoas’’.<br />

E ainda destaca: ‘‘Uma decisão pode acabar com uma vida humana. Pode decretar uma prisão, a perda de um patrimônio, a separação<br />

de um casal, a perda de um filho... Tudo isso de acordo com as palavras. Por isso, a palavra tem que ser clara’’.<br />

Eduardo Jardim e Rodrigo Lyra resistem às mudanças<br />

Lídia Maria de Melo<br />

‘‘Sou frontalmente contrário à linha da <strong>AMB</strong>’’, afirma o advogado Eduardo Marcial Ferreira Jardim, professor de Direito Tributário na<br />

Universidade Mackenzie. ‘‘Independentemente do estilo, qualquer linguagem, técnica ou não, pode ser permeada de gongorismo, de<br />

erudição’’.<br />

Mestre e doutor pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e autor de livros jurídicos, ele defende que a comunicação<br />

jurídica seja preservada: ‘‘Com suas expressões latinas, seus broca<strong>dos</strong>, seus termos técnicos. É uma linguagem própria como a de<br />

qualquer ciência’’.<br />

Profissional vetera<strong>no</strong>, Eduardo Jardim garante que sua posição não é um culto ao academicismo ou algo teórico, fora da realidade. ‘‘Os<br />

termos técnicos são precisos e compatíveis com a natureza do Direito. Não é uma linguagem coloquial’’.<br />

Na opinião do tributarista, os profissionais que atuam na área é que têm a atribuição de traduzir os termos técnicos quando entram em<br />

contato com a sociedade. ‘‘O magistrado e o advogado se comunicam entre si. Essa comunicação interna é eficaz. São to<strong>dos</strong> forma<strong>dos</strong>.<br />

Não há por que não entender a linguagem’’.<br />

Ele adverte que qualquer imposição em relação à maneira como um profissional deve se expressar pode ser considerada ‘‘uma medida<br />

restritiva à liberdade de pensamento’’.<br />

E acrescenta: ‘‘Isso é inaceitável em qualquer campo científico’’. Ele não vê como usuários da Justiça sejam prejudica<strong>dos</strong> pela<br />

linguagem: ‘‘Cabe ao advogado interpretar ao cliente o que foi decidido’’.<br />

Jardim argumenta ainda que a simplificação não vai acelerar a Justiça. ‘‘Isso é um sofisma. A Justiça é lenta ou ineficiente não por<br />

causa da linguagem. As razões são estruturais’’.<br />

Adequação<br />

O também advogado Rodrigo Lyra, que atua na área do Direito Civil há 20 a<strong>no</strong>s, é outro que se mostra resistente à campanha. ‘‘Não sei


se sou um pouco retrógrado ou conservador’’.<br />

Presidente da Subsecção de Santos da Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong> do Brasil (OAB), ele acredita que o ideal é o profissional adequar a<br />

linguagem à ocasião. ‘‘Quando vai explicar para um leigo, deve usar termos que ele compreenda’’.<br />

Ele concorda que o Direito tem uma forma de expressão rebuscada, mas considera essa característica natural. ‘‘É como outra<br />

linguagem técnica’’. Por isso, explica: ‘‘Não sou por completo a favor (da campanha)’’.<br />

A seu ver, o estilo não pode ser banalizado. ‘‘O Direito é um pouco conservador. Exige um cuidado. Não que ele não seja mutável, mas<br />

depois de muita discussão’’.<br />

Na faculdade<br />

Os estudantes que começam a tomar contato com a termi<strong>no</strong>logia jurídica na faculdade se assustam. Quem conta é a professora Kátia<br />

Laís Ferreira Patella, doutora em Língua Portuguesa e titular da disciplina Redação e Linguagem Jurídica, <strong>no</strong> curso da Universidade<br />

Santa Cecília (Unisanta).<br />

‘‘No primeiro a<strong>no</strong>, alguns até fazem estágio em escritórios, mas a linguagem ainda choca um pouco. Eles não estão familiariza<strong>dos</strong>’’.<br />

Após uma aula recente sobre a estrutura de petição, alguns demonstraram preocupação: ‘‘Nossa, professora, será que vamos aprender<br />

isso tudo?’’.<br />

Leis<br />

Maristela Low, que cursa o 5º a<strong>no</strong> de Direito na UniSantos, já está habituada com os termos técnicos. ‘‘É importante saber para o<br />

desempenho das atividades’’.<br />

Mas ela garante que não se sente pressionada a adotar um estilo rebuscado. ‘‘Ao contrário, os professores passam tudo com muita<br />

clareza. Nós costuma<strong>no</strong>s fazer petições e eu uso uma linguagem mais objetiva, mais simples. Eles preferem o texto mais objetivo’’.<br />

A respeito da campanha da <strong>AMB</strong>, ela tem uma proposta que vai além das petições e das sentenças. ‘‘As leis também devem ser<br />

simplificadas. Se um cidadão cometer uma infração, ele não pode alegar desconhecimento da lei. Isso não é considerado em seu favor.<br />

Mas como? Se a lei não é escrita numa linguagem acessível a to<strong>dos</strong>?’’.

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