30/10/2005 11:19:22 O 'juridiquês' no banco dos réus ... - AMB
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<strong>30</strong>/<strong>10</strong>/<strong>2005</strong> <strong>11</strong>:<strong>19</strong>:<strong>22</strong><br />
O ‘juridiquês’ <strong>no</strong> <strong>banco</strong> <strong>dos</strong> <strong>réus</strong><br />
Associação <strong>dos</strong> Magistra<strong>dos</strong> Brasileiros faz campanha para simplificar a linguagem jurídica <strong>no</strong> País<br />
Lídia Maria de Melo<br />
"Cártula chéquica". "Ergástulo público". "Prima facie". "Data venia".<br />
No Brasil, expressões como essas são corriqueiras em textos jurídicos. Mesmo que o leitor não saiba que elas significam,<br />
respectivamente: ‘‘folha de talão de cheques’’, ‘‘cadeia’’, ‘‘à primeira vista’’ e ‘‘com a devida licença’’.<br />
Se o Código de Processo Civil fosse seguido à risca, esse linguajar já teria caído em desuso. As petições e sentenças judiciais seriam<br />
escritas de forma concisa e objetiva, sempre em Português. E as citações em idiomas estrangeiros só teriam vez, se estivessem<br />
seguidas de tradução na língua oficial do País.<br />
Mas, em <strong>no</strong>me da tradição, as orientações linguísticas expressas na lei são ig<strong>no</strong>radas por advoga<strong>dos</strong>, promotores, juízes,<br />
desembargadores. Por mais contraditória que essa situação possa parecer. Em consequência, <strong>no</strong> Poder Judiciário prevalece uma<br />
linguagem que não é compreendida por leigos e incomoda até mesmo uma parcela <strong>dos</strong> profissionais do Direito.<br />
Campanha<br />
Esse quadro preocupa a Associação <strong>dos</strong> Magistra<strong>dos</strong> Brasileiros (<strong>AMB</strong>), que congrega 14.800 juízes de todo o País. Fundada em <strong>19</strong>49 e<br />
com sede em Brasília, a entidade iniciou em agosto uma campanha em favor da simplificação.<br />
A iniciativa inclui um concurso para universitários e juízes, além da distribuição de um livrete para jornalistas, com sinônimos simples<br />
para termos jurídicos rebusca<strong>dos</strong>.<br />
O tema começou a ser discutido em 2003, quando a diretoria encomendou uma pesquisa ao Ibope e os resulta<strong>dos</strong> mostraram que a<br />
população considera o Poder Judiciário inacessível. Um <strong>dos</strong> motivos é justamente a linguagem complicada.<br />
O juiz que preside a <strong>AMB</strong>, Rodrigo Collaço, sabe que a proposta esbarra na resistência de muitos bacharéis. Mas ele, que atua na área<br />
criminal em Florianópolis (SC), esclarece: ‘‘Não queremos empobrecer a linguagem jurídica. A linguagem técnica é fundamental para a<br />
compreensão do Direito. Mas queremos evitar o uso de termos que possam prejudicar a compreensão do cidadão’’.<br />
Artigo irônico<br />
Para provar que essa forma de expressão, que mais parece um dialeto, precisa ser reformulada, Collaço escreveu um artigo para o site<br />
da <strong>AMB</strong> (www.amb.com.br).<br />
Intitulado ‘‘Entendeu?’’, o texto ironiza o chamado juridiquês. Nele, o juiz resume o objetivo da campanha pela simplificação e critica o<br />
linguajar ultrapassado que prevalece <strong>no</strong>s meios juristas. Só que não utiliza um estilo claro e direto. Propositadamente, usa palavras<br />
arcaicas, frases invertidas e expressões latinas e herméticas, que dificultam o entendimento imediato da mensagem.<br />
‘‘Vetusto vernáculo’’ (idioma ultrapassado), ‘‘excelsos pretórios’’ (tribunais), ‘‘peça ab ovo’’ (petição inicial), ‘‘remédio<br />
heróico’’ (mandado de segurança) e ‘‘dialética meditabunda’’ (discurso prolixo) são exemplos <strong>dos</strong> termos que ele emprega.<br />
‘‘Essa linguagem sempre foi um instrumento de poder, mas é cada vez mais incompatível com a modernidade, com a realidade do<br />
mundo atual’’, explica.<br />
Tribunal de Justiça<br />
www.amb.com.br<br />
O Tribunal de Justiça de São Paulo também já deu mostras de que está atento à linguagem usada em fóruns e cartórios. No a<strong>no</strong><br />
passado, distribuiu para todas as unidades do Estado a apostila de<strong>no</strong>minada Técnica de Redação Forense, que foi feita pelo<br />
desembargador Alexandre Moreira Germa<strong>no</strong>.<br />
No livrete, o autor explica os recursos que considera necessários para se redigir uma redação clara e objetiva. Embora tenha se<br />
formado em Direito em <strong>19</strong>58 e ingressado na Magistratura em <strong>19</strong>70, o desembargador (hoje aposentado) não é adepto do estilo<br />
rebuscado e hermético.
No item Simplicidade, por exemplo, ele orienta que escrever ‘‘autor e réu (como está <strong>no</strong> Código de Processo Civil) é melhor que<br />
demandante, demandado, postulante, peticionário’’.<br />
Ele faz ressalvas até ao emprego de expressões latinas: ‘‘Recomendase que tal prática se restrinja aos casos em que há real<br />
necessidade’’.<br />
Quando aborda o tema Clareza, observa: ‘‘Expressar o pensamento sem obscuridade é uma arte, que exige muito exercício até que o<br />
redator se acostume a escrever de forma simples, com frases curtas e objetivas, de fácil compreensão para o leitor’’.<br />
Em seguida, cita um trecho de uma sentença em que o juiz encadeou várias idéias, formando uma extensa frase. ‘‘É difícil entender<br />
todas essas informações’’.<br />
Concurso da <strong>AMB</strong><br />
Objetivo: Incentivar o uso de uma linguagem jurídica simplificada<br />
Promoção: Associação <strong>dos</strong> Magistra<strong>dos</strong> Brasileiros<br />
Categorias:<br />
1) estudante de Direito;<br />
2) juiz<br />
Premiações:<br />
1) R$ 6 mil (1º lugar); R$ 4 mil (2º); R$ 2 mil (3º)<br />
2) <strong>no</strong>tebook (1º); desktop (2º); palm top (3°)<br />
Temas:<br />
1) Pelo fim do juridiquês — Ninguém valoriza o que não entende<br />
2) Simplificação da linguagem jurídica<br />
Sugestões de trabalhos:<br />
1) artigo; proposta de mo<strong>no</strong>grafia; proposta de projeto de conscientização de estudantes<br />
2) texto mostrando a simplificação lingüística de uma peça jurídica; sugestão incentivando ações conscientizadoras em tribunais e<br />
comarcas<br />
Prazo para inscrição: até 4 de <strong>no</strong>vembro de <strong>2005</strong><br />
Local de inscrição: Associação <strong>dos</strong> Magistra<strong>dos</strong> Brasileiros (<strong>AMB</strong>)<br />
SCN Quadra 2, Bloco D, Torre B, Centro Empresarial Liberty Mall, conjunto 1.<strong>30</strong>2, CEP 70.712, BrasíliaDF, telefone (061) 2<strong>10</strong>39000<br />
Fonte: Site da <strong>AMB</strong> (www.amb.com.br)<br />
Palavra jurídica pode lesar cidadão, diz desembargador<br />
Lídia Maria de Melo<br />
No diaadia do Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador Rizzatto Nunes costuma depararse com o que ele chama de<br />
‘‘pérolas jurídicas’’: ‘‘São sentenças de juízes que não dizem absolutamente nada’’.<br />
Professor universitário há 25 a<strong>no</strong>s, ele selecio<strong>no</strong>u esse material e montou uma tabela para os alu<strong>no</strong>s do curso de Mestrado em Direito,<br />
que coordena na Universidade Metropolitana de Santos (Unimes). Na disciplina, que discute a retórica do processo linguístico da<br />
Faculdade de Direito, a classe combina frases aleatórias e percebe como é possível elaborar um discurso sem sentido, mas que<br />
impressiona pelo estilo empolado.<br />
Autor de 34 livros, <strong>no</strong>ve sobre Direito do Consumidor, Rizzatto Nunes defende que o jurista saiba empregar uma linguagem simples<br />
quando se dirigir ao leigo. ‘‘Temos que aprender a traduzir. O sujeito entra na escola de Direito, aprende uma linguagem <strong>no</strong>va e depois<br />
não sabe mais voltar para a linguagem anterior’’.<br />
A consequência dessa dificuldade, segundo ele, é que ‘‘o cidadão é lesado pela palavra jurídica’’. Por isso, o desembargador, que foi<br />
advogado por 18 a<strong>no</strong>s, é a favor da campanha da Associação <strong>dos</strong> Magistra<strong>dos</strong> do Brasil (<strong>AMB</strong>). ‘‘O juridiquês torna as relações mais<br />
injustas, porque às vezes o cidadão não sabe quais são os seus direitos’’.<br />
Ele, que é livredocente e doutor pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, cita a expressão ‘‘alienação fiduciária’’ para<br />
mostrar como um termo desconhecido pode prejudicar alguém. ‘‘O sujeito compra um automóvel financiado e a garantia é a ‘alienação<br />
fiduciária’, mas ele não sabe. Ele pensa que é proprietário do automóvel e vende. Mas aquele bem não é dele, é do <strong>banco</strong> financiador<br />
(proprietário fiduciário). Ele só será o do<strong>no</strong> quando quitar. Quando ele vende um bem que não é dele, acaba tendo problemas sérios’’.<br />
Livro<br />
Esse tipo de preocupação instigou o jurista a escrever um <strong>no</strong>vo livro, que será lançado <strong>no</strong> dia 8, pela Editora Nova Fronteira, na<br />
Fundação Itaú Cultural, em São Paulo.<br />
Dirigida a crianças e adolescentes, a obra tem o apoio da Fundação Abrinq e dá <strong>no</strong>ções de Direito do Consumidor, sem termos<br />
jurídicos. ‘‘Quando não dá para escapar do termo técnico, eu coloco a explicação dada pelo pai do personagem’’.<br />
Termos técnicos<br />
Em relação à simplificação, Rizzato Nunes acha que não é preciso atingir a linguagem técnica, porque toda área de atuação tem seu<br />
próprio vocabulário. ‘‘O problema do Direito é não ser direto para a população. É misturar termos técnicos com uma linguagem<br />
empolada, cheia de floreios, para impressionar’’.<br />
Para ele, numa sentença o juiz não deve usar, por exemplo, a palavra ‘‘abroquelar’’, em vez de ‘‘fundamentar’’. Mas não vê problemas
<strong>no</strong> emprego de ‘‘exordial’’ (petição inicial). ‘‘É um termo técnico, que não é feito para a população’’.<br />
Saiba mais<br />
As Aventuras de Joãozinho Legal (episódio 1) – Afinal, quem é o ladrão?, de Rizzato Nunes e editado pela Nova Fronteira, conta a<br />
história de Joãozinho, um meni<strong>no</strong> que é filho de advoga<strong>dos</strong> e se destaca entre os colegas por conhecer leis. Essa característica lhe vale<br />
o apelido de Legal. O garoto ouve as histórias que o pai conta sobre seu trabalho e repete para os amigos na escola. Com isso, ele<br />
conquista a simpatia de Margô, uma garota por quem é apaixonado. Além de explicar <strong>no</strong>ções de Direito, o livro discorre sobre aspectos<br />
da sociedade brasileira. (LMM)<br />
Juiz adverte que simplificação não prejudicará a língua<br />
Lídia Maria de Melo<br />
‘‘Entre duas palavras, escolha sempre a mais simples; entre duas palavras simples, a mais curta’’. O juiz Alexandre Coelho, titular da<br />
2ª Vara Criminal e da <strong>11</strong>8ª Zona Eleitoral de Santos, tem sempre em mente esse pensamento do poeta francês Paul Valéry e tenta<br />
transmitilo a seus alu<strong>no</strong>s e estagiários.<br />
A preocupação dele com o uso da língua vem desde os tempos de estudante, quando despertou para a importância de frequentar um<br />
curso de Português paralelamente ao de Direito. ‘‘A língua é <strong>no</strong>ssa ferramenta de trabalho’’.<br />
Em suas aulas na Universidade Católica de Santos (UniSantos), o juiz procura despertar essa consciência em seus alu<strong>no</strong>s. Primeiro,<br />
chama a atenção para a necessidade de ser sintético ao escrever.<br />
Para isso, recorre a um artifício: pede que o estudante feche os olhos e imagine quem vai ler suas petições. Depois, lança a questão:<br />
‘‘Quem você imagina? Um juiz arrumadinho, com uma paciência e<strong>no</strong>rme, que está a tarde inteira esperando você chegar para trazer<br />
alguma coisa para ele ler?’’.<br />
A classe se choca quando ele aconselha: ‘‘Você tem que imaginar uma pessoa cansada, irritada, com um monte de petições para ler e<br />
que a sua será, portanto, mais uma delas’’.<br />
A intenção é evitar que, depois de forma<strong>dos</strong>, os estudantes repitam erros de profissionais vetera<strong>no</strong>s.<br />
Na magistratura há 15 a<strong>no</strong>s, Coelho comenta que existem muitos que buscam argumentações na internet e copiam <strong>no</strong> processo, só<br />
para impressionar. Com isso, o que antes era escrito em duas ou três laudas, agora é feito em 20 ou <strong>30</strong>. ‘‘Ele aperta um ou dois<br />
botões, copia, recorta, cola’’.<br />
Clareza<br />
Lembrando que o trabalho <strong>dos</strong> juristas é voltado para o povo, o magistrado também incentiva a clareza de idéias. Ele relata uma<br />
experiência vivenciada na campanha eleitoral do a<strong>no</strong> passado, que demonstra como um texto confuso pode não ser compreendido por<br />
leigos ou especialistas.<br />
Uma jornalista recebeu por fax uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pediu que ele a ajudasse a entender. ‘‘Eu li uma vez,<br />
li duas vezes... Então falei: ‘Telefona para lá e pergunta, porque eu não entendi’. Eu não entendi o que estava escrito e era Português!’’.<br />
Nas palavras do juiz, o autor exagerou <strong>no</strong> emprego do vocabulário e <strong>no</strong> estilo. ‘‘Totalmente ultrapassado. As construções eram<br />
invertidas, truncadas...’’<br />
Ele diz que tenta sempre cada vez mais redigir suas decisões de forma simples e clara. Mesmo assim, outro dia um réu ouviu a<br />
sentença que ele proferiu e perguntou ao oficial de Justiça: ‘‘Fui absolvido ou condenado?’’.<br />
Muitas vezes também presencia a conversa entre advogado e cliente e percebe que as explicações não estão sendo entendidas pelo<br />
leigo. ‘‘Quando a maioria perceber que o que está falando não é inteligível, vai ficar frustrada’’.<br />
Para ele, o ideal é o que fazem os médicos Dráuzio Varella e José Bento, que usam os meios de comunicação para dar orientações<br />
sobre saúde. ‘‘Eles são considera<strong>dos</strong> excelentes até por quem nunca foi paciente deles. Acho que é porque os dois falam de uma<br />
maneira extremamente simples, sem falar errado’’.<br />
Alexandre Coelho frisa que a simplicidade não vai maltratar a língua, ao contrário do que os conservadores e puristas defendem. ‘‘Vai<br />
mostrar que a pessoa sabe manejar a língua em várias situações’’.<br />
Latinismo, citações estrangeiras e menções bíblicas atrapalham<br />
Lídia Maria de Melo<br />
As citações em outros idiomas são um capítulo à parte na análise do linguagar jurídico utilizado <strong>no</strong>s processos. O excesso de<br />
expressões latinas e a falta de tradução de textos em Francês, Inglês e Italia<strong>no</strong> mexem com o humor <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong>.<br />
Um deles é o juiz Alexandre Coelho. Ele conta que, quando entrou para a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo,<br />
ganhou de seu pai um livro de citações latinas. ‘‘Decorei tudo. Hoje, eu abomi<strong>no</strong>. A maioria delas tem um correspondente em<br />
Português’’.<br />
Coelho diz que consegue entender se um profissional i<strong>dos</strong>o abusar do latinismo. ‘‘É uma questão de formação. Já faz parte do
vocabulário dele. O difícil é ver um jovem recémformado, reproduzindo expressões totalmente em desuso’’. Para ele, são profissionais<br />
que aprendem com os mais antigos ou que querem impressionar a clientela, por exemplo.<br />
Nos meios jurídicos, segundo revela, quem não é capaz de escrever ou falar sem usar Latim passa a ser de<strong>no</strong>minado ‘‘Doutor Data<br />
Venia (lêse como uma paroxítona: vênia)’’.<br />
Mesmo tendo originado inúmeros idiomas, o Latim é uma língua morta, conforme classificação da Filologia (ciência que estuda os<br />
instrumentos linguísticos de um povo). Isto porque não é mais o único meio de comunicação de uma comunidade.<br />
Sobre a falta de tradução para as citações estrangeiras, ele diz: ‘‘Isso até fere uma <strong>no</strong>rma da ABNT (Associação Brasileira de Normas<br />
Técnicas) para textos técnicos. Ou o leitor sabe Francês, ou fica por isso mesmo. Se o advogado quer correr o risco de o juiz não falar<br />
Francês... Geralmente não fala. Italia<strong>no</strong>, poucos falam’’.<br />
Falso status<br />
‘‘Estamos <strong>no</strong> Brasil e a Língua Portuguesa é a que vale’’. sentencia o desembargador Rizzatto Nunes. ‘‘Não é só o latinório, porque uma<br />
ou outra palavra do Latim já foi incorporada’’. O que o deixa indignado são as citações estrangeiras: ‘‘São transcrições sem tradução!’’.<br />
A seu ver, o profissional que age dessa maneira quer demonstrar um conhecimento que às vezes não tem e se sentir melhor que os<br />
demais. ‘‘Isso é um falso status’’.<br />
Ele ressalta que está longe de ser contra o aprendizado de outros idiomas. Mas condena a valorização exagerada das línguas de outros<br />
países, em detrimento do idioma nacional. ‘‘É coisa cultural, de país catequizado, colonizado. Um horror! Na petição, na sentença, não<br />
pode usar língua estrangeira. Tem que escrever em Português’’.<br />
Referências bíblicas<br />
As restrições do juiz Leandro de Paula Martins Constant, diretor do Fórum de São Vicente e titular da 2ª Vara Cível vicentina, são para<br />
as citações de textos bíblicos <strong>no</strong>s processos. ‘‘O estado brasileiro é laico (desvinculado de religião). Não existe <strong>no</strong> Brasil uma fusão<br />
entre Estado e Igreja’’.<br />
Para Leandro Constant, o profissional que é acostumado a essa prática não se dá conta de um outro aspecto contrário à sua ação: o<br />
juiz pode não comungar da mesma religião que ele.<br />
‘‘Um juiz nunca vai basear sua decisão num texto bíblico, porque cita uma passagem que supostamente teria alguma ligação com<br />
aquele direito que está sendo discutido’’.<br />
Sobre as citações estrangeiras e o latinismo, Constant acha que deveriam ser evita<strong>dos</strong> na medida do possível: ‘‘Às vezes o próprio<br />
profissional da área não entende’’. Sem generalizar, ele interpreta esse hábito como um sinal de vaidade.<br />
Para quem é contra a reforma da linguagem jurídica, ele adverte: ‘‘O sistema jurídico não existe por si só. O Direito existe para<br />
resolver problemas e não, para criar um problema a mais para as pessoas’’.<br />
E ainda destaca: ‘‘Uma decisão pode acabar com uma vida humana. Pode decretar uma prisão, a perda de um patrimônio, a separação<br />
de um casal, a perda de um filho... Tudo isso de acordo com as palavras. Por isso, a palavra tem que ser clara’’.<br />
Eduardo Jardim e Rodrigo Lyra resistem às mudanças<br />
Lídia Maria de Melo<br />
‘‘Sou frontalmente contrário à linha da <strong>AMB</strong>’’, afirma o advogado Eduardo Marcial Ferreira Jardim, professor de Direito Tributário na<br />
Universidade Mackenzie. ‘‘Independentemente do estilo, qualquer linguagem, técnica ou não, pode ser permeada de gongorismo, de<br />
erudição’’.<br />
Mestre e doutor pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e autor de livros jurídicos, ele defende que a comunicação<br />
jurídica seja preservada: ‘‘Com suas expressões latinas, seus broca<strong>dos</strong>, seus termos técnicos. É uma linguagem própria como a de<br />
qualquer ciência’’.<br />
Profissional vetera<strong>no</strong>, Eduardo Jardim garante que sua posição não é um culto ao academicismo ou algo teórico, fora da realidade. ‘‘Os<br />
termos técnicos são precisos e compatíveis com a natureza do Direito. Não é uma linguagem coloquial’’.<br />
Na opinião do tributarista, os profissionais que atuam na área é que têm a atribuição de traduzir os termos técnicos quando entram em<br />
contato com a sociedade. ‘‘O magistrado e o advogado se comunicam entre si. Essa comunicação interna é eficaz. São to<strong>dos</strong> forma<strong>dos</strong>.<br />
Não há por que não entender a linguagem’’.<br />
Ele adverte que qualquer imposição em relação à maneira como um profissional deve se expressar pode ser considerada ‘‘uma medida<br />
restritiva à liberdade de pensamento’’.<br />
E acrescenta: ‘‘Isso é inaceitável em qualquer campo científico’’. Ele não vê como usuários da Justiça sejam prejudica<strong>dos</strong> pela<br />
linguagem: ‘‘Cabe ao advogado interpretar ao cliente o que foi decidido’’.<br />
Jardim argumenta ainda que a simplificação não vai acelerar a Justiça. ‘‘Isso é um sofisma. A Justiça é lenta ou ineficiente não por<br />
causa da linguagem. As razões são estruturais’’.<br />
Adequação<br />
O também advogado Rodrigo Lyra, que atua na área do Direito Civil há 20 a<strong>no</strong>s, é outro que se mostra resistente à campanha. ‘‘Não sei
se sou um pouco retrógrado ou conservador’’.<br />
Presidente da Subsecção de Santos da Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong> do Brasil (OAB), ele acredita que o ideal é o profissional adequar a<br />
linguagem à ocasião. ‘‘Quando vai explicar para um leigo, deve usar termos que ele compreenda’’.<br />
Ele concorda que o Direito tem uma forma de expressão rebuscada, mas considera essa característica natural. ‘‘É como outra<br />
linguagem técnica’’. Por isso, explica: ‘‘Não sou por completo a favor (da campanha)’’.<br />
A seu ver, o estilo não pode ser banalizado. ‘‘O Direito é um pouco conservador. Exige um cuidado. Não que ele não seja mutável, mas<br />
depois de muita discussão’’.<br />
Na faculdade<br />
Os estudantes que começam a tomar contato com a termi<strong>no</strong>logia jurídica na faculdade se assustam. Quem conta é a professora Kátia<br />
Laís Ferreira Patella, doutora em Língua Portuguesa e titular da disciplina Redação e Linguagem Jurídica, <strong>no</strong> curso da Universidade<br />
Santa Cecília (Unisanta).<br />
‘‘No primeiro a<strong>no</strong>, alguns até fazem estágio em escritórios, mas a linguagem ainda choca um pouco. Eles não estão familiariza<strong>dos</strong>’’.<br />
Após uma aula recente sobre a estrutura de petição, alguns demonstraram preocupação: ‘‘Nossa, professora, será que vamos aprender<br />
isso tudo?’’.<br />
Leis<br />
Maristela Low, que cursa o 5º a<strong>no</strong> de Direito na UniSantos, já está habituada com os termos técnicos. ‘‘É importante saber para o<br />
desempenho das atividades’’.<br />
Mas ela garante que não se sente pressionada a adotar um estilo rebuscado. ‘‘Ao contrário, os professores passam tudo com muita<br />
clareza. Nós costuma<strong>no</strong>s fazer petições e eu uso uma linguagem mais objetiva, mais simples. Eles preferem o texto mais objetivo’’.<br />
A respeito da campanha da <strong>AMB</strong>, ela tem uma proposta que vai além das petições e das sentenças. ‘‘As leis também devem ser<br />
simplificadas. Se um cidadão cometer uma infração, ele não pode alegar desconhecimento da lei. Isso não é considerado em seu favor.<br />
Mas como? Se a lei não é escrita numa linguagem acessível a to<strong>dos</strong>?’’.