estética & filosofia da arte - Carlos João Correia
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<strong>estética</strong> & <strong>filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>arte</strong><br />
carlos joão correia<br />
2012-2013 2ºSemestre
Ecce Homo
“Para compreender as implicações práticas <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> <strong>arte</strong> de Bell, vejamos<br />
como abor<strong>da</strong>ria uma pintura particular. Lac d'Annecy, de Cézanne, pintado em<br />
1896, está exposto na Courtauld Gallery, em Somerset House, Londres. É uma<br />
imagem serena de uma luxuosa casa de campo ao fundo de umas colinas vistas<br />
do outro lado de um lago. As formas foram simplifica<strong>da</strong>s e torna<strong>da</strong>s abstractas,<br />
mas o tema continua a ser reconhecível. Ao mesmo tempo, esta é uma pintura<br />
vibrante domina<strong>da</strong> por planos de azuis ricos e verdes mais suaves. De modo a<br />
podermos apreciar uma obra como esta, de acordo com Bell, precisamos de<br />
olhar para as suas formas, pondo de lado as associações <strong>da</strong> paisagem<br />
representa<strong>da</strong> ou o conhecimento que tenhamos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do pintor.<br />
Pressuporemos que a pintura tem uma forma significante e que esta é a causa<br />
<strong>da</strong> requinta<strong>da</strong> emoção que faz vibrar os observadores sensíveis. Esta emoção é<br />
muito diferente de tudo o que possamos sentir perante a própria paisagem. A<br />
simplificação <strong>da</strong>s formas de Cézanne é uma exemplificação do credo expresso<br />
por Bell: «Qualquer sacrifício feito pela representação é algo roubado à <strong>arte</strong>.»<br />
⇰⇰⇰
Esta pintura ilustra bem a teoria de Bell uma vez que Cézanne manipulou as<br />
relações entre as p<strong>arte</strong>s <strong>da</strong> composição a favor <strong>da</strong> forma, e teve pouca<br />
preocupação com a correcção literal. Por exemplo, <strong>da</strong> perspectiva de Cézanne, a<br />
casa de campo encontra-se na reali<strong>da</strong>de a um quilómetro e meio de distância na<br />
outra margem do lago, e teria parecido minúscula numa fotografia <strong>da</strong> paisagem. Mas<br />
na pintura impera. Do mesmo modo, as encostas <strong>da</strong> montanha que surgem no<br />
plano de fundo foram estiliza<strong>da</strong>s para criar uma relação mais simétrica <strong>da</strong>s formas<br />
do que seria visível na paisagem. Neste caso, Cézanne está conscientemente a criar<br />
«uma harmonia paralela à natureza». Não está a tentar espelhar a natureza. Está<br />
antes a criar um padrão que iguala a experiência visual do cenário e que expressa<br />
também a reacção emocional que provoca no artista. A ver<strong>da</strong>deira paisagem apenas<br />
fornece o «problema estético» para o qual a pintura é a solução. A ver<strong>da</strong>deira<br />
preocupação, contudo, é com a forma. E também esta deveria ser a preocupação<br />
do observador. Ver esta pintura pode <strong>da</strong>r origem a uma profun<strong>da</strong> emoção <strong>estética</strong><br />
e talvez mesmo transportar-nos para lá do mundo do dia-a-dia <strong>da</strong>s meras<br />
aparências em que normalmente vivemos. Bell produziu a sua teoria trabalhando a<br />
partir <strong>da</strong> sua experiência de pinturas como Lac d'Annecy. Percebeu que neste tipo<br />
de pintura era a forma, a cor e o design que o comoviam, e não o tema, e depois<br />
generalizou, a partir deste caso, para to<strong>da</strong> a <strong>arte</strong>.”<br />
Warburton 2007: 29-31; 2003: 16-18
Retrato de Daniel-Henry<br />
Kahnweiler
“Dir-se-á que os objectos que provocam esta emoção variam de indivíduo<br />
para indivíduo e que, por isso, um sistema de <strong>estética</strong> não pode ter vali<strong>da</strong>de<br />
objectiva. A este reparo deve responder-se que qualquer sistema de <strong>estética</strong><br />
que preten<strong>da</strong> assentar numa ver<strong>da</strong>de objectiva é tão manifestamente<br />
ridículo, que não merece ser discutido. Não dispomos de outro meio para<br />
reconhecer uma obra de <strong>arte</strong> que não seja o sentimento que ela suscita em<br />
nós. [...] Embora to<strong>da</strong>s as teorias <strong>estética</strong>s tenham de se basear em juízos<br />
estéticos e, em última instância, todos os juízos estéticos tenham de ser uma<br />
questão de gosto pessoal, seria precipitado afirmar que nenhuma teoria<br />
<strong>estética</strong> pode ter vali<strong>da</strong>de geral. Embora A, B, C, e D sejam obras que me<br />
emocionam e A, D, E e F as obras que emocionam o leitor, pode muito bem<br />
acontecer que x seja a única quali<strong>da</strong>de que ambos estamos convencidos de<br />
que é comum a to<strong>da</strong>s as obras <strong>da</strong> sua própria lista. Podemos estar todos de<br />
acordo em matéria de <strong>estética</strong> e, não obstante, discor<strong>da</strong>r quanto às obras de<br />
<strong>arte</strong> particulares, quanto à presença ou ausência <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de x.”<br />
Clive Bell 1949: 8-10; 2009: 23-24
“«Porque nos emocionam tão estranhamente certas disposições e<br />
combinações de formas?». Para a <strong>estética</strong> será suficiente que elas<br />
nos emocionem. [...] Parece-me possível, embora de modo algum<br />
certo, que a forma cria<strong>da</strong> nos emociona tão profun<strong>da</strong>mente porque<br />
expressa a emoção do seu criador. Talvez as linhas e cores de<br />
uma obra nos transmitam algo que o artista sentiu. Se assim for,<br />
isso explica o curioso mas inegável facto de aquilo a que chamo<br />
beleza material (a asa de uma borboleta, por exemplo) não<br />
emocionar a maioria de nós do mesmo modo que uma obra de <strong>arte</strong><br />
o faz."<br />
Clive Bell 1949:49; 2009:45
“Por que razão sente, então, o artista a emoção que deve expressar?<br />
Por vezes, a emoção chega-lhe certamente através <strong>da</strong> beleza<br />
material. A contemplação de objectos naturais é frequentemente a<br />
causa directa <strong>da</strong> emoção do artista. Devemos nós pensar, por isso,<br />
que o artista sente, ou sente às vezes, pela beleza material aquilo que<br />
nós sentimos por uma obra de <strong>arte</strong>? Será que, por vezes, para o<br />
artista a beleza material é de algum modo significante – ou seja,<br />
capaz de provocar emoção <strong>estética</strong>? (...) Será que ele sente algo por<br />
detrás dela [beleza material] do mesmo modo que nós imaginamos<br />
que sentimos algo por detrás <strong>da</strong>s formas de uma obra de <strong>arte</strong>?<br />
Devemos pensar que a emoção expressa pelo artista é uma emoção<br />
<strong>estética</strong> que sentiu por algo cujo significado habitualmente escapa às<br />
nossas sensibili<strong>da</strong>des grosseiras?”<br />
Clive Bell 1949: 50-51; 2009:45
“A emoção que o artista sentiu no seu momento de inspiração não<br />
foi senti<strong>da</strong> pelos objectos vistos como meios e sim na quali<strong>da</strong>de de<br />
objectos vistos como formas puras – ou seja, como fins em si<br />
mesmos. Não sentiu emoção por uma cadeira como meio para o<br />
bem-estar físico, nem como um objecto associado à vi<strong>da</strong> íntima de<br />
uma família, nem como o lugar onde alguém se sentou a dizer<br />
coisas inesquecíveis, nem sequer como algo ligado à vi<strong>da</strong> de<br />
centenas de homens e mulheres, mortos ou vivos, por centenas de<br />
laços subtis. É claro que um artista sente emoções como estas<br />
pelas coisas que vê, mas em momentos de visão <strong>estética</strong> vê os<br />
objectos como formas puras e não como meios envoltos em<br />
associações. É pela forma pura, e sempre através dela, que ele<br />
sente a sua emoção inspira<strong>da</strong>.<br />
Ver objectos como formas puras é vê-los como fins em si mesmos.”<br />
Clive Bell 1949:52; 2009:46
“Quem nunca teve, pelo menos uma vez na vi<strong>da</strong>, a súbita visão <strong>da</strong><br />
paisagem como forma pura? Por uma vez, essa pessoa, em lugar de ver a<br />
paisagem como campos e casas, sentiu-a como linhas e cores. Nesse<br />
momento não recebeu <strong>da</strong> beleza material uma emoção indiscernível<br />
<strong>da</strong>quela <strong>da</strong><strong>da</strong> pela <strong>arte</strong>? E se assim foi, não é certo que essa pessoa<br />
recebeu <strong>da</strong> beleza material uma emoção que geralmente só a <strong>arte</strong> pode<br />
<strong>da</strong>r porque conseguiu ver a paisagem como uma pura combinação formal<br />
de linhas e cores? Podemos dizer que sentiu a sua significação<br />
[significance] como um fim em si, tendo-a visto na sua forma pura,<br />
libertando-a de todo o interesse acessório e adventício, de tudo o que<br />
adquiriu através do comércio com seres humanos, de todo o seu<br />
significado como um meio?<br />
O que é a significação de algo como um fim em si? O que é que sobra<br />
quando despimos uma coisa de to<strong>da</strong>s as suas associações, de to<strong>da</strong> a sua<br />
significação como um meio? O quê senão aquilo a que os filósofos<br />
costumavam chamar «a coisa em si» e aquilo a que agora chamam «a<br />
reali<strong>da</strong>de última»? Seria, porventura, excêntrico <strong>da</strong> minha p<strong>arte</strong> sugerir<br />
que a significação <strong>da</strong> coisa em si é a significação <strong>da</strong> Reali<strong>da</strong>de?”<br />
Clive Bell 1949:53-54; 2009:46-47
“A teoria de Bell é uma teoria <strong>estética</strong>. Centra-se exclusivamente nos<br />
aspectos visuais <strong>da</strong>s obras de <strong>arte</strong>: as intenções dos artistas, o contexto<br />
histórico, e assim por diante, são irrelevantes. O que faz de algo uma obra de<br />
<strong>arte</strong> é a sua capaci<strong>da</strong>de para produzir um certo tipo de efeito no apreciador<br />
sensível em virtude <strong>da</strong> sua aparência. Este tipo de teoria tinha mais<br />
plausibili<strong>da</strong>de quando Bell escreveu sobre ela no início do século XX. Parece<br />
improvável conseguir captar na sua definição tudo aquilo a que hoje<br />
queremos chamar «<strong>arte</strong>». Artistas como Marcel Duchamp, Andy Warhol e<br />
Joseph Beuys produziram intencionalmente objectos que não exibem<br />
proprie<strong>da</strong>des <strong>estética</strong>s como convencionalmente as entendemos, e que<br />
contudo têm sido tratados como casos paradigmáticos de obras de <strong>arte</strong><br />
moderna. Para estes três artistas, os aspectos conceptuais <strong>da</strong>s suas obras<br />
podem ser pelo menos tão importantes como a sua aparência visual.<br />
Compreender estas obras envolve uma compreensão <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> <strong>arte</strong> e <strong>da</strong>s<br />
ideias particulares a que as obras fazem alusão.”<br />
Warburton 2007: 47; 2003: 34
Gerhard Richter<br />
Betty
1921-1986