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6<br />

O mais perigoso<br />

de todos<br />

Zack, veterano sargento do exército americano, perde a paciência<br />

depois que um menino sul-coreano que o acompanhava é morto<br />

por um franco-atirador, e atira à queima-roupa em um desarmado<br />

oficial norte-coreano. Morte ou assassinato? Talvez não faça diferença<br />

em uma guerra, no caso, a da Coréia, nos anos 50. Ou faz?<br />

O que contam as regras? O que pensa o sargento? O que diz seu<br />

comandante? O mundo é um lugar abarrotado de perguntas em um<br />

filme de Samuel Fuller, e embora cada um de nós tenha o direito<br />

inalienável de buscar suas próprias repostas, uma enormidade de<br />

regras e códigos nos conforma. Viver é esbarrar a cada esquina com<br />

uma contradição insuperável. Atordoado, confuso, cansado, Zack<br />

grita para o prisioneiro em Capacete de Aço (The Steel Helmet,<br />

1951): “Se você morrer, eu te mato!”<br />

Fuller faz cinema sem meias palavras. Atém-se aos fatos, aos<br />

detalhes mais mundanos, porém não menos cruciais, sem distinção<br />

aparente entre o pessoal e o político. Sua decupagem é algo excessiva,<br />

assim como o uso da música. Os planos são instáveis. A trama<br />

se desenvolve em saltos, como se fosse narrada por alguém absolutamente<br />

transtornado, afogado no mundo contraditório do qual<br />

faz parte e ao qual dá vida. São filmes diretos, bruscos, brutos, pouco<br />

elegantes. Eles refletem o temperamento passional do cineasta,<br />

sua urgência incontida, seu olhar objetivo, porém sempre disposto<br />

a perder-se na emoção. Em um longa de Fuller, o movimento é um<br />

misto de precisão dramática e emoção.<br />

Fuller foi repórter policial. Lutou na Segunda Guerra. Fez suas<br />

primeiras imagens em um campo de concentração. Voltou com a<br />

convicção de que o tempo do cinema é o presente e travou um confronto<br />

franco com a sociedade de sua época. Embora filmasse de<br />

dentro dos estúdios hollywoodianos, sempre esteve à margem. Fuller<br />

pertence a outro lugar. Ele mostra outro lado. “Entra pela porta<br />

dos fundos”, conta Inácio Araújo. Seus personagens são anarquistas,<br />

apegados com unhas e dentes ao seu livre arbítrio. Eles não acredi-<br />

tam em códigos pré-estabelecidos e estão dispostos a pagar altos<br />

preços por isso. São covardes apaixonados, heróis assassinos, prostitutas<br />

regeneradas, jornalistas inescrupulosos, homens em guerra.<br />

Eles estão inevitavelmente em rotas de colisão violentas e dissolvem-se<br />

em emoção. Somos todos Jekyll e Hyde, ao mesmo tempo,<br />

para todo o sempre.<br />

A guerra é como a metáfora fundamental ou o princípio organizador<br />

desse cinema. É o que Fuller, em uma participação especial,<br />

diz ao personagem de Jean-Paul Belmondo em O Demônio<br />

das Onze Horas (Pierrot le Fou, 1965), de Jean-Luc Godard, quando<br />

ele o pergunta o que é o cinema: “É um campo de batalha. É amor,<br />

ódio, ação, violência, morte. Em uma palavra: emoção”. Em Fuller,<br />

um corte, um plano-sequência, um close, um movimento, a câmera<br />

subjetiva presidem um conjunto de perspectivas e proposições não<br />

negociáveis. O que torna cada um de seus gestos uma espécie de ato<br />

de ruptura, de resistência, diante de um mundo injusto e absurdo,<br />

sem Deus. Como disse certa vez Francis Vogner dos Reis, Fuller talvez<br />

tenha sido o cineasta mais perigoso da história. Samuel Fuller:<br />

Se você morrer, eu te mato! é uma retrospectiva dedicada a exibir<br />

e fomentar a discussão a respeito desse que é um dos cineastas mais<br />

originais e influentes da história do cinema.<br />

Uma boa mostra a todos.<br />

Julio Bezerra<br />

Curador<br />

7

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