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Morde-me, mas pouco - Fonoteca Municipal de Lisboa

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Bella e Edward em “Crepúsculo”, adaptação cinematográfi ca do pri<strong>me</strong>iro livro da saga <strong>de</strong> Stephenie Meyer<br />

versões simplistas do mundo rara<strong>me</strong>nte<br />

são inócuas.<br />

“Luz e Escuridão”: uma narrativa<br />

<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> outra, ambas cheias <strong>de</strong><br />

ratoeiras e alçapões.<br />

No <strong>me</strong>io do envolvi<strong>me</strong>nto cada vez<br />

mais próximo “ma non troppo” entre<br />

Bella e Edward – é um “fine romance<br />

with no kisses” (ou, como titulava a<br />

“Newsweek”: “Nada <strong>de</strong> beijos, por<br />

favor, somos vampiros”) –, a “Ti<strong>me</strong>”<br />

escrevia: “É esse o po<strong>de</strong>r [<strong>de</strong>stes<br />

livros]: são limpos à superfície, <strong>mas</strong>,<br />

<strong>me</strong>smo abaixo, são absoluta<strong>me</strong>nte,<br />

<strong>de</strong>liciosa<strong>me</strong>nte obscenos.”<br />

A Europa e a América populares<br />

sempre tiveram noções diferentes<br />

sobre o que consi<strong>de</strong>rar tanto obsceno<br />

como <strong>de</strong>liciosa<strong>me</strong>nte obsceno. Tal<br />

como sempre tiveram noções diferentes<br />

sobre o que te<strong>me</strong>r como narrativa.<br />

Edward – há muito que tem 17<br />

anos – renuncia ao <strong>de</strong>sejo. Em<br />

todos os sentidos. Vem <strong>de</strong> um<br />

clã, os Cullen, que adoptou<br />

uma forma <strong>de</strong> vegetarianismo:<br />

ali<strong>me</strong>nta-se apenas<br />

<strong>de</strong> animais. E, claro, ele<br />

não a beija – apesar <strong>de</strong> ela<br />

pedir – porque a ama<br />

<strong>de</strong>mais.<br />

A <strong>de</strong>liciosa obscenida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> que fala a<br />

“Ti<strong>me</strong>” virá do frémito<br />

<strong>de</strong> antecipação e<br />

impossibilida<strong>de</strong> que<br />

isso suscita numa adolescente<br />

<strong>de</strong> lábios<br />

entu<strong>me</strong>scidos?<br />

Fora do nicho do<br />

“gore”, as histórias <strong>de</strong><br />

vampiros sempre se<br />

fizeram disto, <strong>de</strong> um<br />

mundo especular em<br />

que os papéis sexuais<br />

mais estereotipados<br />

se invertem: ele<br />

<strong>de</strong>seja pri<strong>me</strong>iro,<br />

<strong>mas</strong> contém-se,<br />

acabando por<br />

fazer com que<br />

seja ela a procurar<br />

a concretização.<br />

Os vampiros,<br />

tal como<br />

fixados por<br />

Bram Stoker em<br />

1897, pleno ocaso<br />

<strong>de</strong> uma repressão<br />

vitoriana mais repleta<br />

<strong>de</strong> bordéis que qualquer outra era,<br />

são, assim, em parte, sempre femininos.<br />

Criaturas po<strong>de</strong>rosas <strong>mas</strong> “incompletas”,<br />

sugere alguma da literatura<br />

<strong>de</strong> análise do género, falando numa<br />

espécie <strong>de</strong> eunucos ou impotentes<br />

cujo isola<strong>me</strong>nto satânico se <strong>de</strong>finira<br />

também em termos sexuais; o coito<br />

substituído por um erotismo centrado<br />

na união oral, pelo prazer da penetração<br />

dos <strong>de</strong>ntes na carne, o “fellatio”<br />

substituído pelo lamber <strong>de</strong> uma fina<br />

corrente <strong>de</strong> sangue sobre a pele. Talvez.<br />

Mas nunca, antes <strong>de</strong> Stephenie<br />

Meyer, os vampiros como porta-estandartes<br />

do sexo como experiência<br />

reservada ao casa<strong>me</strong>nto. Edward<br />

impõe e Bella acaba por aceitar o casa<strong>me</strong>nto<br />

como condição – um vampirismo<br />

ultraconservador: é a história<br />

da marginalida<strong>de</strong> quando apropriada<br />

pelos discursos centrais, torna-se aparente<strong>me</strong>nte<br />

<strong>me</strong>nos letal.<br />

Na eternida<strong>de</strong> dos vampiros, o<br />

amor carnal sempre matou, <strong>mas</strong> a<br />

morte também nunca foi tão apetecível.<br />

Em “Luz e Escuridão” o amor<br />

carnal talvez não mate (e não mata)<br />

Estima-se que <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

a sua criação, em<br />

1996, o movi<strong>me</strong>nto<br />

para-religioso The<br />

Silver Ring Thing<br />

tenha levado dois<br />

milhões <strong>de</strong> jovens<br />

a fazer votos <strong>de</strong><br />

abstinência prématrimonial<br />

glamorizando<br />

o valor da<br />

virginda<strong>de</strong><br />

não há <strong>de</strong>ntada<br />

volu<strong>me</strong> <strong>de</strong> uma saga entre uma humana e um<br />

Meyer, um fi l<strong>me</strong> (para já) e agora um DVD estão<br />

história <strong>de</strong> vampiros não há sexo antes do<br />

pós-sida tornado discurso repressivo.<br />

<strong>me</strong>do. Vanessa Rato<br />

Ípsilon • Sexta-feira 1 Maio 2009 • 7

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