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Dezembro 2007 / Janeiro 2008 - Edição 285 - Cave

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6<br />

Os capitães da areia continuam a existir<br />

“ No sinal fechado<br />

Ele vende chiclete<br />

Capricha na flanela<br />

E se chama Pelé<br />

Pinta na janela<br />

Batalha algum trocado<br />

Aponta um canivete<br />

E até”<br />

(Pivete. Chico Buarque)<br />

Em 1937, depois do Estado Novo,<br />

Jorge Amado, escritor nascido em Itabuna,<br />

Bahia, no ano de 1912, publica<br />

Capitães da areia - marcante obra que<br />

enfoca uma das mais graves questões<br />

sociais de nosso tempo: o da criança<br />

abandonada, geralmente delinqüente. A<br />

primeira edição foi apreendida e exemplares<br />

queimados na praça pública de<br />

Salvador por autoridades da ditadura.<br />

A obra é uma narrativa de cunho social,<br />

neo-realista que descreve, numa linguagem<br />

coloquial e lírica, o cotidiano do grupo<br />

e o seu modo de agir, de conviver para<br />

agüentar sobreviver, na luta por alimento,<br />

abrigo e dinheiro. Num tom lírico, procura<br />

demonstrar que a sociedade é que leva<br />

essas crianças ao crime e à marginalidade.<br />

Intercalando a narrativa com reportagens<br />

sobre o grupo dos “Capitães da Areia”,<br />

mostra os menores sob o ponto de vista<br />

da imprensa e dos burgueses.<br />

O autor acompanha esta aventura<br />

colocando seu leitor em contato com<br />

uma realidade que não é exclusiva da<br />

Bahia e nem do século passado. Na música,<br />

por exemplo, Chico Buarque denuncia<br />

o abandono das crianças de rua<br />

nas letras de Pivete (1978) como pode<br />

ser confirmado na epígrafe de O Meu<br />

guri (1981): “Quando, seu moço / Nasceu<br />

meu rebento / Não era o momento /<br />

Dele rebentar... /Já foi nascendo / Com<br />

cara de fome/E eu não tinha nem nome<br />

/ Prá lhe dar”. Nos jornais e revista nos<br />

deparamos freqüentemente com manchetes<br />

relativas à situação desoladora<br />

dessas crianças.<br />

Capitães da areia relata as aventuras<br />

dos meninos de rua da Bahia, na década<br />

de 30, tendo como pano de fundo a miséria<br />

do cais de S. Salvador e a sombra<br />

protetora da mãe de santo Aninha. Mostra<br />

o cotidiano do grupo, sua maneira de<br />

agir, de conviver e a sua luta pela sobrevivência.<br />

Procura demonstrar que a sociedade<br />

é a responsável por essas crianças<br />

estarem no crime e na marginalidade. De<br />

um lado, apresenta<br />

a burguesia<br />

em suas mansões,<br />

tendo o<br />

amparo da Polícia:<br />

caçam os<br />

menores como<br />

adultos antes de<br />

se tornarem um; dos Reformatórios: um<br />

lugar de crueldades; da Igreja Católica: o<br />

clero é sempre retratado como opressor.<br />

Do outro, a parte baixa de Salvador, onde<br />

estão as prostitutas (Dalva), os malandros<br />

e boêmios, as lavadeiras (mãe de Dora),<br />

os doqueiros (João de Adão; o pai de Pedro<br />

Bala),<br />

A violência, sempre presente no diaa-dia<br />

destes jovens que vivem do roubo,<br />

tem o seu contraponto na amizade<br />

que os une e nos momentos em que ouvem<br />

histórias de aventureiros, de homens<br />

do mar, de personagens heróicas e lendárias.<br />

Capitães da areia é uma narrativa<br />

de personagens, uma vez que privilegia<br />

a movimentação de diferentes tipos sociais.<br />

Pedro Bala: filho de um estivador<br />

que foi morto pelo Exército numa greve,<br />

não sabe quem é sua mãe. Torna-se<br />

líder do bando, após vencer o mulato<br />

Raimundo. E, na busca de sua afirmação<br />

pessoal, após passar pelo reformatório<br />

e pela prisão, transforma-se em um<br />

líder proletário consciente de que era<br />

preciso mudar as estruturas do sistema<br />

social. O diretor do reformatório, o arcerbispo<br />

e a burguesia, representam o<br />

“status quo” da sociedade baiana. Lampião:<br />

simboliza a justiça social feita pelos<br />

excluídos. Professor: lê e desenha<br />

vorazmente; no final do livro, vai para o<br />

Rio de <strong>Janeiro</strong> e torna-se um pintor famoso.<br />

Pirulito: tem grande tendência religiosa,<br />

torna-se frade capuchinho. Padre<br />

José Pedro: único que se relaciona<br />

com os Capitães da areia. João Grande:<br />

o bom negro, segundo no comando<br />

(apenas atrás de Pedro Bala) que se torna<br />

marinheiro e embarca num navio.<br />

Querido-de-Deus: um capoeirista amigo<br />

do grupo. Sem-pernas: o garoto que<br />

serve de espião e acaba sendo morto<br />

pela polícia. Volta Seca, afilhado de<br />

Lampião, tem ódio das autoridades e o<br />

desejo de ser cangaceiro. Torna-se um<br />

cangaceiro do grupo de Lampião e mata<br />

mais de 60 soldados antes de ser capturado<br />

e condenado<br />

ducave<br />

O prólogo, intitulado CARTAS À<br />

REDAÇÃO, começa com uma reportagem<br />

- publicada no Jornal da Tarde -<br />

sobre o assalto das crianças nomeadas<br />

como Capitães da areia à casa do Comendador<br />

José Ferreira. Em seguida,<br />

são publicadas cartas dos leitores: secretário<br />

do chefe de polícia, do juiz de menores,<br />

da mãe de uma das crianças, do<br />

padre José Pedro (os dois últimos denunciam<br />

as condições miseráveis do reformatório)<br />

e do diretor do reformatório,<br />

que óbvio, defende-se das acusações.<br />

Termina com uma reportagem do próprio<br />

jornal, que faz elogios ao reformatório.<br />

A primeira parte SOB A LUA<br />

NUM VELHO TRAPICHE ABANDO-<br />

NADO é formada de onze capítulos que<br />

apresentam ao leitor uma “biografia” das<br />

principais personagens. Para completar,<br />

Jorge Amado relata como teve início a<br />

Varíola (Bexiga negra) e o quanto milhões<br />

de pessoas morreram por falta de<br />

cuidados médicos. Ele descreve a convivência<br />

da população da Bahia com a<br />

doença. Em Capitães da Areia, Omolu<br />

– deusa das florestas da África - envia a<br />

varíola para se vingar dos ricos, mas<br />

como estes estavam vacinados, transforma-a<br />

em ‘alastrim, bexiga branca e tola’.<br />

No final, Dora e seu irmão mais novo,<br />

Zé Fuinha, órfãos após ter perdido os<br />

pais durante a epidemia de Varíola, e não<br />

tendo para onde ir, se refugiam no velho<br />

trapiche. Na convivência com os Capitães<br />

da areia, ela resolve se tornar um<br />

deles.A segunda parte NOITE DA<br />

GRANDE PAZ, DA GRANDE PAZ<br />

DOS TEUS OLHOS é formada por oito<br />

capítulos e fala da descoberta do amor<br />

por parte de Pedro Bala. A terceira e<br />

última parte CANÇÃO DA BAHIA,<br />

CANÇÃO DA LIBERDADE, também<br />

formada por oito capítulos, revela ao leitor<br />

os diferentes destinos das personagens.<br />

Infelizmente, se compararmos a situação<br />

dos menores abandonados hoje<br />

com a descrita por Jorge Amado perceberemos<br />

que está difícil de se encontrar<br />

uma luz no final do túnel.<br />

Nilcilea Peixoto<br />

Professora de Língua Portuguesa<br />

__________________________<br />

· A quem quiser conhecer melhor esta obra, recomendo<br />

o livro no qual o presente texto foi baseado:<br />

GOMES, Álvaro Cardoso. Roteiro de<br />

Leitura: Capitães da Areia de Jorge Amado. São<br />

Paulo: Ática, 1996.

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