ANO XXIV - NUMERO 133 - MAIO, 1946 - PREÇO ... - Projeto Dami
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ANO XXIV - NUMERO 133 - MAIO, 1946 - PREÇO ... - Projeto Dami
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ISABEL, A R EDENTORA<br />
<strong>ANO</strong> <strong>XXIV</strong> - <strong>NUMERO</strong> <strong>133</strong> - <strong>MAIO</strong>, <strong>1946</strong> - <strong>PREÇO</strong> CR $ 5,00
.i\<br />
1 \<br />
. • V<br />
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'9<br />
f<br />
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Oswaldo de Souza e Silva<br />
Antonio A. de Souza e Silva<br />
Cirande:premiona (jxjhísíçAo. tio Centenario. cm 1922 — Premiada com medalha- de<br />
ouro na líxfjõsiç.ày' cl
R P l i<br />
CIA.DE C I G A R R O S ^ ^ ^ a<br />
ml" 1
CYMA<br />
RELOGIOSEM IGUA<br />
CHROnOGRflPHO<br />
DE RLTR<br />
PRECISÃO<br />
DèSDE às mais encantadoras páginas de literatura,<br />
até os mais úteis conselhos e ensinamentos que<br />
pôde desejar uma dona de caia. dèsde às mais sugestivas<br />
novidades sòbre modas em todos os<br />
setores da elegância feminina, até os mais<br />
curiosos artigos sôbre Arte, decorações, ginástica,<br />
esportes em geral, novidades sôbre cinema<br />
etc.; enfim, tudo quanto uma senhora<br />
tem vontade de conhecer e de guardar em<br />
casa para relèr e para utilizar-se dos novos<br />
conhecimentos — tudo<br />
isto está no "ANUÁ-<br />
RIO DAS SENHORAS".<br />
Preço Cr$ 12,00. Pedi- Çs.<br />
dos também pelo Reembolso-Postal<br />
à S. A.<br />
O MALHO, rua Senador<br />
Dantas. 15, 5.° andar<br />
— RIO.<br />
Agencia Brasileira de Patentes<br />
e Marcas, Limitada<br />
E D M U N DO DA C O S T A JVI O U K A<br />
Agente oficial da Propriedade Industrial<br />
Encarrega-se de obter concessão de Patentes de Invenção,<br />
Registro de Marcas de Fábrica ou de Comércio. Títulos<br />
de Estabelecimentos. Nome Comercial aprovação para<br />
expór à venda produtos químicos e farmacêuticos e<br />
quaisquer assuntos referentes à Propriedade Industrial,<br />
no Brasil e no extrangeiro.<br />
RUA 1.° DE MARÇO. 7 — 5.°, Sala 507 — Tsl. 43-2569<br />
Caixa Postal, 507 — Rio de Janeiro<br />
I<br />
( ß l i 1<br />
c i(Saà e§<br />
i 0 § w do BRASIL<br />
( ( A LMA dotada pela mais robusta vocação do bem e impre-<br />
A l gnada numa devoção religiosa ao melhoramento da<br />
espécie e grandeza da Pátria".<br />
Ruy Barbosa<br />
"Mestre e sábio, conservou sempre a inteireza de sua grande<br />
mentalidade.<br />
Floriano Vieira Peixoto<br />
"Sempre a mesma inteligência, vasta e culta, a mesma alma<br />
pura e desinteressada, a mesma firmeza em suas crenças filosó-<br />
ficas e políticas, o mesmo amor e dedicação pela República,<br />
que lhe deu a imortalidade".<br />
Joaquim Murtinho<br />
"Com o passar do tempo, maior ainda será a projeção de Ben-<br />
jamim Constant na história de nossa Pátria".<br />
Lauro Sodré<br />
"Benjamim Constant é maior ainda pela pureza de sua alma e<br />
dos seus intuitos do que pela sua mesma grandiosa capacidade<br />
intelectual".<br />
LÉXICO DA LÍNGUA INDÍGENA<br />
há — o diabo.<br />
Anaretá — o inferno.<br />
Ara — o céu.<br />
Baipendi — aberta, clareira.<br />
Chágà — ave, que é a sentinela da floresta.<br />
Chiviguassú — gato montês.<br />
Eira — mel.<br />
Eireté — mel.<br />
Guyrá — pássaro.<br />
Guvrapayé — pássaro que enfeitiça.<br />
Itã — concha.<br />
Itaqui — pedra ponteaguda.<br />
Jamotinga ara — Carnaval.<br />
B<br />
O<br />
Quintino «oeavuva<br />
G ,<br />
Jandê paya ipy — Adão.<br />
M<br />
Mampituba — brejo, onde se acolhem as cobras.<br />
Mboi chini — cobra cascavél.<br />
Nhapupè — perdiz.<br />
Nhè — terô-y — enseada, angra bem abrigada. Niterói.<br />
Oatocupa — pescada (peixe).<br />
Oje oáme — assado, cozido. y<br />
Papaçába ara — o Dia do Juizo final.<br />
Paricá — fumo. tabaco.<br />
.1<br />
J<br />
N<br />
O<br />
EXIJAM SEMPRE<br />
TH E P MOMETROS PARA FEBRE<br />
["CASELLA LONDON 1<br />
HORS CONCOURS
Sorocaba — fenda na terra.<br />
Tocantins — Nariz de tucano.<br />
Urupema — peneira.<br />
f n<br />
X<br />
Xibé — bebida, feita de farinha d'agua.<br />
Ysoindy — pirilampo, vagalume.<br />
Ysopé — sangue-suga (anélido).<br />
AS "CASAS AVIADORAS"<br />
u<br />
A<br />
Y<br />
ERAM estabelecimentos que, nas praças de Belém e Manaus,<br />
se fundaram, nos começos do século atual, para transacio<br />
nar com os seringais. Nèles se encontravam artigos de vá<br />
rias espécies: xarque, farinha, conservas, açúcar, pães, bolacha*,<br />
biscoitos, drogas, essências, fazendas, couros, calçados etc. Os<br />
proprietários, que eram, muitas vêzes, ricos seringueiros, possuiam<br />
inúmeros "gaiolas", pequenos vapores, destinados ao transporte,<br />
por via fluvial, dos "aviamentos" (mercadorias) encomendadas<br />
pelos senhores dos seringais.<br />
As "Casas aviadoras" serviam também de depósito da borracha<br />
provinda das florestas amazônicas. Era na estação fria que<br />
ditos armazéns ficavam abarrotados de lotes do precioso artigo,<br />
que, naqueles tempos, era vendido à razão de 12S000 o<br />
quilo.<br />
Era nas "Casas aviadoras" que os donos de seringais vinham re-<br />
ceber o dinheiro relativo ao valor da borracha de seu fabrico.<br />
A séde principal do comércio "aviador" era a praça de Belém, que<br />
detém o melhor porto do vale amazônico, cuja extensão c su-<br />
perior a 3.000.000 de quilômetros quadrados.<br />
O BRASILEIRO QUE ESTUDAVA 25 HORAS POR DIA<br />
JOAQUIM Caetano da Silva, tão esquecido de nossos contemporâneos,<br />
revelou-se desde cedo talhado para um grande<br />
destino. Aos 16 anos de idade partiu para a França, afim de<br />
se instruir.<br />
Aos dezoito, é eleito membro da Soriedade de História Natural,<br />
sediada em Montpellier. Aos dezenove, é secretário da Sociedade<br />
Luso-Brasileira, fundada em dita cidade por estudantes portu-<br />
guèses e brasileiros, com o escopo de se aperfeiçoarem cada vez<br />
mais em nossa lingua. Quando tinha 22 anos, apresentou àquele<br />
grémio um trabalho de sua lavra, o "Supplemento ao Diccionario<br />
de Moraes", no qual são apontados 890 vocábulos que faltavam<br />
naquela portentosa obra. Em 1836, seu Fraquent, memória so-<br />
bre a queda dos corpos, é lida no "Cercle da Médecine" de Mont-<br />
pellier, e tal é o mérito de seu trabalho cientifico, que, no mesmo<br />
ano, é eleito membro correspondente da "Société Royale de .Mé-<br />
decine" de Gand (Bélgica». Casa-se, em 1837, com Suzanne Clo-<br />
tilde de Moinac. Por essa época, dedica-se ao professorado. Co-<br />
gnominam-no Mestre os jovens franceses que se preparam para<br />
cursar a Universidade de Montpellier. Em 1852, cônsul do Brasil<br />
nos Paises-Baixos, organiza o Tratado provisional entre Portugal<br />
e aquela nação. A seguir, lavra, geógrafo notável que é. outra<br />
memória importante, L'Oyapoc et l'Amazone, a qual, nos pródro-<br />
mos dêste século, vem prestar ao Barão do Rio Branco inestimá-<br />
vel serviço.<br />
Regressando ao Brasil, é nomeado professor do Colégio Pedro,<br />
recém-creado (1837).<br />
Joaquim Caetano da Silva, sábio modesto e simples, previu, antes<br />
de outros, o desenvolvimento pré-columbiano da navegação<br />
do Atlântico.<br />
Dele disse Araujo Porto Alegre:<br />
— Eis ai um homem que estuda 25 horas por dia !<br />
Na realização do seu maior sonho...<br />
*<br />
Neste dia feliz de maio, não esqueça um<br />
detalhe que muito ha de contribuir para sua<br />
felicidade: u a mobilia em estilo representa mais<br />
um elo de aproximação na vida de um casal.<br />
R U A D O C A T E T E , 105
RIO DE JAN E I RO<br />
O U V I D O R , 91<br />
PORTO ALEGRE<br />
A N D R ADAS. 1459<br />
AV. ROOSEVELT. 1237<br />
AV. OT. ROCHA. 134
Alegoria á Abolição da Escravidão no Brasil — Painel a oleo de Décio Vilares<br />
Estatua da Princesa Isabel, no Parque Mariano Procopio<br />
em Juiz de Fóra<br />
DA TA d» 1542 o primeiro documento relativo a<br />
escravos negros no Brasil. Vindos da Africa,<br />
substituiam nos latifúndios agrarios das incipi-<br />
entes Capitanias, onde se levantavam os primeiros e<br />
rudes engenhos de produção do açúcar, a precaria<br />
e difícil mão-de-obra indígena. Tupis ou Gês não »ser-<br />
viam como escravos: ociosos, rebeldes, fujões, refractá-<br />
rios a qualquer disciplina, ora buscavam a liberdade<br />
na fuga, ora na revolta armada, ora na morte que<br />
voluntariamente procuravam. O africano, ao contrario,<br />
submetia-se ao constrangimento, resistia oo trabalho e,<br />
se bem tratado, acabava sendo um serviçal amigo e<br />
fiel. Por isso. desde o ano acima citado, a corrente de<br />
ravtgação a vela que conduzia os pretos escravizados<br />
para as Antilhas começou a ser desviada para o Bra-<br />
sil. Dentro de anos seria este o rincipal mercado para<br />
as chamadas peças de toda a procedencia do conti-<br />
nente negro, geralmente, porem, embarcadas na Cos-<br />
ta do Ouro. na Serra leôa, na Costa da Mina, na<br />
Costa dos Escravos, em Loanda. Benguela, Guiné e<br />
Angola.
Caneta de ouro cravejada de brilhantes e com magnificas esmeraldas que serviu a S. A. a Princesa Isabel<br />
para assinar a Lei que aboliu a escravidão no Brasil. {Das coleções do Museu Historico Nacional)<br />
Aii os barcos mercantes que deixavam<br />
Lisboa carregados de bugigangas, con-<br />
chas que serviam de moeda e aguarden-<br />
te. resgatavam pelos traficantes, muitfs<br />
vezes arabes, do âmago dos sertões. Res-<br />
gatar, como se dizia na época, equiva-<br />
lia a trocar comercialmente. A pacoti-<br />
lha, os búzios e o álcool eram trocados<br />
por escravos. Atestados os porões de<br />
negros, esses navios, dujos horrores<br />
tantos escritores e sobretudo Castro<br />
Alves imortalizaram, demandavam os<br />
portos brasileiros — S. Luiz. Recife.<br />
Salvador. Rio e S. Vicente ou Santos,<br />
nos quais desembarcavam os malungos<br />
e se enchiam de açúcar voltando<br />
para Europa. Assim, a verdade era<br />
esta; o açúcar era o negro e o<br />
negro era o açúcar. Tão frutuoso ne-<br />
gocio praticado pelos armadores de Por-<br />
tugal em viagens redondas, nas quais<br />
nunca os porões deixavam de ter carga,<br />
embora uma delas fosse de carn» huma-<br />
na viva, tentou a cobiça de outras gentes<br />
navegadoras e aventureiras. Quando ve-<br />
mos os holandeses conquistaram e se<br />
esforçarem por manter o Nordeste do<br />
Brasil e a costa angolana, não podemos<br />
deixar de aceitar a ideia de que se lo-<br />
cupletavam com esse magnifico giro co-<br />
mercial — Europa — Africa — Brasil<br />
— Europa.<br />
O afluxo de negros foi crescendo para<br />
o nosso país conforme cresceu a coloni-<br />
zação e se desenvolveu a agricultura.<br />
Algodão, cacau e café exigiram milha-<br />
res e milhares de braços negros. Ao fa-<br />
zer a Independencia em 1822, dois ter-<br />
ços da nossa população mais ou menos<br />
eram de africano^ e seus descendentes.<br />
Nessa data, 1822. havia duzentos e oi-<br />
tenta anos que se iniciara o trafico. A<br />
consciência humana, á medida que se<br />
ia esclarecendo, com maior veemencia<br />
o combatia! A Inglaterra, que fertilizara<br />
as Virginias, as Carolinas e as Antilhas<br />
com o suor dos negros no eito, fez-se<br />
campeã duma nobre causa e começou a<br />
insistir na cessação do infame negocio<br />
pelo Brasil. Desde o tempo do Príncipe<br />
Regente D. João, através de D. João VI,<br />
de D. Pedro I. da Rcgencia de D. Pe-<br />
dro II. o Gabinete Britânico procurou<br />
impor fórmulas para essa cessação, ora<br />
em convénios especiais, ora em tratados<br />
de aliança e comercio, ora na inspiração<br />
de leis internas.<br />
A opinião publica brasileira também foi<br />
aos poucos tomando a peito essa ques-<br />
tão, que envolvia interesses funda-<br />
mentais tanto de particulares como do<br />
Estado. O parlamento e os ministérios<br />
moveram-se, resultando disso tudo uma<br />
marcha paulatina para a definitiva ex-<br />
tinção do instituto servil. O trafico foi<br />
afinal proibido no meado do século XIX.<br />
O contrabando, perseguido. Veio a Lei<br />
do Ventre Livre. As fontes que alimen-<br />
tavam a escravidão iam secando. Mas a<br />
Barbeiros ambulantes do tempo da escravidão.<br />
Maio — 1046 7
Caneta de Ouro que serviu na lavratura dos termos de .averbação da Lei de 1888<br />
que libertou os escravosí no Brasil<br />
opinião se insurgia contra esses vagares<br />
e queria resolver logo a situaçção.<br />
Como o Imperador procurasse conservar<br />
o prestigio da classe dos grandes pro-<br />
prietários escravagistas que o apoiavam,<br />
a opinião se aproveitava para dar passos<br />
a frente dos períodos em que sua filha,<br />
a Princesa Isabel, esposa do Conde d'Eu<br />
e herdeira presuntiva da Corôa se acha-<br />
va na Regencia devido ás viagens á Eu-<br />
ropa de seu augusto pai para tratamento<br />
da saúde.<br />
( Das coleções do Museu Histórico Nacional)<br />
i<br />
Chegou-se, assim, ao ano de 1888. A es-<br />
cravidão existia entre nós havia trezen-<br />
tos e quarenta e seis anos. quasi tres sé-<br />
culos e meio. O movimento abolicionis-<br />
ta ou Libertador deflagrado desde al-<br />
guns anos atingia seu apogêo. Discur-<br />
sos reboavam na tribuna do Congresso<br />
e nos comícios da praça publica. A Im-<br />
prensa acirrava a campanha com ve-<br />
emencia. O Brasil dividia se entre escra-<br />
vocatas e abolicionistas. Em algumas<br />
Províncias, fora abolida a escravidão.<br />
José do Patrocínio. no dia 13 de Maio, falando em nome do povo deante da Princesa Isabel, exclama num<br />
arrubos "Minha alma sóbe de joelhos nestes paços' 0. (De uma gravura da época)<br />
»<br />
§<br />
No Ceará, a primeira delas, Terra da<br />
Luz. em 1884. A 9 de maio, a proposta<br />
oficial do Gabinete presidido pelo Con-<br />
selheiro João Alfredo Corrêa de Olivei-<br />
ra. que abolia a escravidão definitiva-<br />
mente, foi aprovada na Camara por 83<br />
votos contra 9. No dia seguinte, passava<br />
rapidamente em terceira e ultima discus-<br />
são. A 11 d: maio, o projeto lei enviado<br />
pela Camara foi lido no Senado e en-<br />
tregue a uma Comissão Especial, a fim<br />
de dar sobre ele seu parecer. No dia 12,<br />
entrou em discussão e foi aprovado por<br />
46 votos contra 6. A 13. diz sucinta-<br />
mente Rio Branco nas suas "Efemeri-<br />
des": "Aprovada em ultima discussão<br />
no Senado a proposição que declarava<br />
extinta a escravidão no Brasil, foi no<br />
me.smo dia sancionada por Sua Alteza<br />
a Sr." D. Isabel. Princesa Imperial, en-<br />
tão Regente. Na cidade do Rio de Ja-<br />
neiro e em todo o Brasil foi acolhido o<br />
grande ato no meio das mais vivas mos-<br />
tras de regosijo popular. As festas no<br />
Rio de Janeiro duraram vários dias..."<br />
Isabel — a Redentora duma Raça infe-<br />
liz — até hoje tem seu lugar carinhosa-<br />
mente marcado no coração dos brasilei-<br />
ros. ,
V<br />
p<br />
i j<br />
I<br />
i m n<br />
Nu como a pureza, forte como as raízes,<br />
trazendo somente uma pena de côr a enfeitar-lhe a cabeça,<br />
e as flexas e o arco e o tacape na mão,<br />
o bugre passava seus dias contentes, as horas felizes,<br />
amando e caçando, dansando e pescando,<br />
inverno e verão.<br />
Se tinha maleita — Tupã lha curava;<br />
se a trilha perdia — Tupã a encontrava;<br />
se cobra o mordia — Tupã o salvava;<br />
se dúvidas tinha — Tupã, consultado, conselhos lhe dava,<br />
e se alguém o agredia — Tupã só olhava:<br />
— sabia que o filho sabia lutar.<br />
Enfim, deus Tupã era deus e era pai.<br />
Um dia. porém, eis que o bugre aparece na bóca da mata<br />
correndo, arquejante, assustado, a gritar:<br />
— Tupã, meu bom pai, estão homens chegando<br />
do lado do mar,<br />
de pele de lua, de pêlos na cara,<br />
de fala esquisita, de corpo esquisito,<br />
as aves matando com fogo e trovão,<br />
que carregam nas mãos !<br />
[onde mora Tupã,<br />
IE2L r* ini a i irii ií<br />
Tupã, afastando mil jequitibás e quinhentas palmeiras,<br />
foi à praia espiar.<br />
Espiou... espiou... e se pòs. de repente, bondoso, a sorrir<br />
— que Èle é deus e vê tudo e lê tudo que há dentro çios<br />
e sabe quem presta e não presta também.<br />
E ao timido bugre déste jeito falou:<br />
W<br />
w<br />
í outros,<br />
— Vai lá recebê-los, meu filho, sem susto,<br />
que embora seus modos, seu corpo, seus pêlos, e o fogo e o<br />
3ue carregam nas mãos,<br />
é gente de bem que aqui vem por teu bem,<br />
e tem bom coração.<br />
Acolhe-os, confiante, e não fiques vexado<br />
se os pálidos homens agora chegados<br />
mudarem teu nome três vêzes seguidas.<br />
[trovão<br />
Desculpa-os, meu filho, que é vêzo das gentes nascidas<br />
[além<br />
dar nomes estranhos a tudo na terra que nome já tem.<br />
E os "filhos do fogo", meu filho, — coitados ! —<br />
estão assustados e tontos também.<br />
Por isso não leves os brancos a mal,<br />
e aceita o terceiro, que é curto e bonito:<br />
— BRASIL fica bem.<br />
E assim foi que, sem ser por acaso,<br />
o Brasil descobriu Portugal.<br />
f» O» F* ITk li
0 C o r ^ f a l a r ^ ) G )<br />
d* Peca
mas do Mercado, do Morro do Moinho<br />
e da rua da Misericórdia. Ás vezes, ao<br />
passar muito espigado por essa rua. ou-<br />
via uma voz feminina ciciar no mistério<br />
duma rótula:<br />
— Vem cá, marinheiro pachola!...<br />
Homem de boas maneiras, serviçal,<br />
sorridente e sempre pronto a facilitar<br />
tudo, irradiava simpatia e colhia o que<br />
semeava. Toda a gente dele, desde os<br />
negociantes que frequentavam a Guarda-<br />
Moria aos funcionários da aduana e dzs-<br />
de os moradores do bBirro aos estivado-<br />
res das capatazias. A meninada adora-<br />
va-o. Aos domingos, quando estava de<br />
de serviço, reunia-a em volta de si sobre<br />
o taboado do velho trapiche e d2sandava<br />
a contar-lhe historias, cada qual a mais<br />
emocionante. Todas passadas, com ele<br />
durante os quatorze anos que já tinha<br />
vivido a rondar o porto. Começara aos<br />
vinte e quatro de idade e andava então<br />
pelos trinta e oito. Alem do que vira c<br />
do que praticara, conhecia fatos de ou-<br />
tros tempos, que o pai. também capita-<br />
nia com ele, lhe transmitira nos serões<br />
familiares da casinha, onde ainda vivia<br />
com sua mãe na rua do Chafariz. Assim,<br />
chegavam aos ouvidos dos meninos a no-<br />
ticia do assassínio a tiros, de tocaia, dum<br />
antigo Patrão Mór a mandado do velho<br />
administrador das capitazias, Caetano,<br />
do qual o morto infilicitara uma filha,<br />
crime que fizera época; ou as façanhas<br />
de Mestre Chico do Nascimento, que<br />
depois fora Pratico-Mór do porto, o<br />
Dragão do Mar, no tempo da Abolição,<br />
quando chefiou os jangadeiros que se re-<br />
cusavam a embarcar escravos para as ou-<br />
tras Províncias do Império; e mesmo os<br />
motivos que levaram os catraeiros ali-<br />
ciados pelo valente Cairara a se insur-<br />
girem contra o sorteio da Armada, a<br />
desrespeitarem o Capitão do Porto e a<br />
enfrentarem a policia, que os espingar-<br />
deou. armados de faca. cacetes e pe-<br />
dras.<br />
Os guris eram todos ouvidos, mas<br />
ainda mais atentos ficavam quando o<br />
Aquiles enfiava pelo infindável caminho<br />
de suas próprias historias: aventuras de<br />
carnaval com papangús embriagados e<br />
maracatús do Outeiro; rixas e conflitos<br />
na Apertada Hora ou na Cachorra Ma-<br />
gra; truques para escapar ás unhes da<br />
policia depois das brigas; navalhadas da-<br />
das aqui e ali, no escuro das salas de<br />
samba, cujas luzes tinham sido apagadas<br />
a pau, cujo resultado só se vinha a saber<br />
depois — um caboclo sem orelhas ou um<br />
negro sem nariz, pingando sangue; a fa-<br />
mosa luta com o cabra Jamelão na rua<br />
do Seminário, o qual levou cinco facadas,<br />
sendo tres nos pulmões, foi levantado do<br />
chão com as feridas cheias de terra e ba-<br />
gaço de cana. conduzindo á Santa Casa.<br />
dado como morto, tratado afinal, por-<br />
que teimava em viver, e já andava de novo<br />
gingando pelo Mercado á cata doutro<br />
sururu para a fórra . . . Era de estarre-<br />
cer!. . .<br />
Parecia, porem, que o proprio mar<br />
verde e bravio se calava, que a própria<br />
nortada morria nos coqueirais, quando o<br />
Aquiles pessava ao capitulo das suas<br />
rondas noturnas pela praia, quando<br />
apreendera contrabandos, vira a troca de<br />
misteriosos sinais luminosos entre um va-<br />
por inglês e a torre do Bóris, andara aos<br />
socos com os noruegueses duma galera<br />
carvoeira e metera o revolver aos peitos<br />
dum bife, capitão duma barca sueca com<br />
carregamento de madeira, que arribara<br />
•ao Ceará fazendo agua por quantas<br />
juntas tinha. Sempre, depois de ouvi-lo<br />
religiosamente, a meninada pedia um re-<br />
lato que já sabia de cór e se não cansa-<br />
va de escutar, o do Contrabandista do<br />
Outro Mundo, titulo dado pelo senso<br />
geral.<br />
O Aquiles pigarreava lentamente e<br />
começava com a sua voz larga com este<br />
preambulo:<br />
— Ora, vocês sabem que não sou ho-<br />
mem de mentiras Só conto o que me<br />
contaram ou o que vi e isso eu vi, eu vl,<br />
mesmo com estes olhos que a terra ha<br />
de comer, juro por Nosso Senhor Jesus<br />
O.isto e toda a sua Côrte celeste!<br />
Fazia uma pausa, tragava umas fu-<br />
maçadas do cachimbo e largava.<br />
•—• Foi numa sexta-feira no mês de<br />
agosto de 1901. não me lembro mais do<br />
dia. Eu estava de ronda da Ponte Meta-<br />
lica á Praia do Peixe, porque se achava<br />
fundeado no porto o paquete da Booth<br />
"Anselm". que era useiro e veseiro em<br />
contrabandos. Toda a gente sabia disso.<br />
Noite de lua cheia. Eu ia andando ali<br />
pela frente daquele arrecife pequeno do<br />
Porto das Jangadas, quando ouvi, ao<br />
longe, o relogio da igreja da Prainha ba-<br />
ter meia noite. Fiz o sinal da cruz. A<br />
praia e o mar estavam claros como se<br />
fosse dia. Ao largo, viam-se distinta-<br />
mente as luzes do paquete. O farol do<br />
Mucuripe epagava e acendia, acendia e<br />
apagava. Parei para acender o cachimbo<br />
e ouvi barulho de remadas. Voltei-me<br />
para a arrebentação e avistei uma ba-<br />
teira, que vinha certamente do "Anselm"<br />
e se dirigia para a praia, justamente para<br />
o ponto onde eu me encontrava. Aquela<br />
hora só^ podia ser contrabando. O cora-<br />
ção bateu-me no peito. Quantos homens<br />
viriam na embarcação? Aproximou-se e<br />
vi que um só, remando de ginga. Escon-<br />
di-me por trás de uma moita de pinhão<br />
bravo e esperei. Não sei por que. sentia<br />
qualquer coisa desagradavel, uma certa<br />
apreensão, uns arrepios, uma sensação de<br />
receio. Tinha de dominar-me de instante<br />
a instante. A bateira passou deslisando<br />
sobre as ondas que se quebravam na<br />
areia e subiu por esta. rangendo o casco<br />
sobre ela. O remador tinha pulado nagua<br />
para aguentá-la firme e puxá-la o mais<br />
possível praia acima. Depois, tirou do<br />
barco um fardo pesado e veio colocá-lo<br />
bem ao pé da moita que me escondia;<br />
trouxe o segundo o terceiro. Achei, en-<br />
tão, que era tempo de intervir. Aprescn-<br />
tei-me ao sugeito de frente, empunhando<br />
o revolver, o dedo no gatilho:<br />
— Que historia é essa? gritei-lhe. Es-<br />
teja preso e vamos para a Guarda Moria!<br />
O Bicho, que era troncudo e baixote,<br />
parou e fitou-me com olhos que brilha-<br />
vam como duas brasas. Soltou um ai!<br />
prolongado c alto. Depois, começou a<br />
afinar e crescer na luz da lua. Foi fican-<br />
do magriço e alto assim como o Zé Vi-<br />
ana. Daí a pouco era tão comprido e fino<br />
como o Privilegio do Bumba-meu-boi.<br />
Por fim parecia uma vara de bambu com<br />
a cabecinha como a dum grande alfinete<br />
tocando no céu. Eu sentia um formiga-<br />
mento no braço estendido, tão doloroso c<br />
forte que quasi o revolver me caía da<br />
mão, os cabelos e os pelos do corpo todo<br />
se arripiavam, os queixos batiam de frio<br />
e um vento forte soprava praia afora, le-<br />
vantando nuvens de areia. E o tal sujei-<br />
to afinando e crescendo, crescendo e afi-<br />
nando no luar.<br />
— Pare com isso! gritei com esforço.<br />
Pare com isso. senão faço fogo!<br />
O vulto era quasi como uma linha.<br />
Pipoquei-lhe tres tiros seguidos: pum!<br />
pum! pum! Credo! Quando se apagou<br />
o clarão do ultimo e morreu de todo o<br />
>co do estampido, a ventania cessara, o<br />
vulto desaparecera, sumiram-se os fardos<br />
a bateira, tudo. Não havia nada alem<br />
do silencio e do luar na praia deserta.<br />
O Aquiles gosava a emoção dos cir-<br />
cunstantes, pitando o seu fumo da terra<br />
um instante e logo concluía:<br />
— Então, meninos, foi que me deu<br />
um medo dos diabos. Minha Nossa<br />
Senhora! Batecum do vexame no cora-<br />
ção.. as pernas tremendo e trambecando,<br />
uma zoeira na cabeça e a língua perra.<br />
Mesmo que eu quisesse gritar não pode-<br />
ria. Fiquei desse jeito uns tantos minu-<br />
tos: mas. logo que pude me mover, lar-<br />
guei numa carreira danada pela praia e<br />
vim parar aqui no trapiche. Estava de<br />
serviço o compadre Cesário (ele que não<br />
me deixe mentir!), que ficou tão assus-<br />
tado com a minha cara que se benzeu<br />
tres vezes. Contei-lhe a historia e fomos<br />
juntos dar uma busca no local. Não en-<br />
contramos nem a marca da bateira ou<br />
dos embrulhos na areia. Nada, nada c<br />
nada! O que foi eu não sei. O Çucrfsei é<br />
que vi isso que .estou contando com estes<br />
olhos que a terra ha de comer.<br />
Após ter ouvido essa historia do Aqui-<br />
les uma dúzia de vezes, certo dia não<br />
me contive, c, quando ele terminou, per-<br />
guntei:<br />
— Seu Aquiles, para que será que as<br />
almas querem contrabando?<br />
Ele matutou algum tempo e replicou:<br />
— Talvez não fosse uma alma, mas o<br />
proprio diabo com um contrabando de<br />
pecados.. .<br />
ção.<br />
Eu tinha doze anos e aceitei a explica
A SEGUNDA ESPOSA DE REMBRANDT<br />
(Téla pintada entre ld52 e 1654)
OI na "éra de ouro" da<br />
República das Províncias<br />
Unidas, no século<br />
XVII, que a arte noiandesa<br />
de pintura entrou na sua<br />
fase de maior exuberância.<br />
Influências estrangeiras já<br />
tinham sido absorvidas 9 assimiladas<br />
com o caráter tipicamente<br />
nac'onal. que se<br />
revela em toda a sua plenitude.<br />
Nunca houve, em toda<br />
a história, época mais fecunda.<br />
Surgem dezenas de<br />
pintores célebres, cujos nomes<br />
passaram à posteridade<br />
e cujas obras embelezam hoje os museus e coleções da Europa<br />
e das Américas, com o calor das suas còres e a perfeição das<br />
suas reproduções de pessoas, cenas e paisagens daqueles tempos.<br />
Entre todos esses, ressaltam os três "grandes mestres", Rembrandt,<br />
Frans Hals e Vermeer, cada um deles inegualavel e<br />
inegualado na sua especialidade, cabendo a Rembrandt a primazia.<br />
pela concepção inédita das suas obras. Até então a<br />
arte pictórica holandesa visava exclusivamente a reprodução<br />
da realidade visual. Foi Rembrandt quem introduziu o elemento<br />
espiritual como principal diretriz. A expressão do gênio<br />
criador do artista domina as suas obras, nas quais os modêlos,<br />
os objetos pintados, servem simplesmente de mater.al<br />
maleável. Foi êle, quem criou a ação como centro de interes-<br />
: e do quadro, e quem. em cada composição, fazia salientar por<br />
um jcgo magistral de luz e côres. o elemento principal, diminuindo<br />
a intensidade para fóra, até a semi-escuridão e as<br />
côres sombrias em que ficam envoltas as figuras e objetos de<br />
menos importância para o conjunto. E' sempre essa luz mágica,<br />
emanando de fontes ocultas, que liga todos os elemen-<br />
Yos do quadro em uma sinfonia harmoniosa e impressionante.<br />
Nasceu Rembrandt em Leiden, no ano de 1606 e foi naquela<br />
cidade que iniciou a sua carreira. Depois de ter feito sua<br />
aprendizagem em Amsterdam, no "atelier" do pintor Lastman.<br />
es abeleceu-se com 19 anos de idade, r.a sua cidade natal, como<br />
pii.tor independente. Desses primeiros anos são conhecidos<br />
os quadros de um grupo de músicos, de Bileam e Paulo na prisão<br />
(1627), nos quais já se adivinha o futuro mestre, embora<br />
estas telas denotem, como era de esperar, o período vacilante<br />
de alguém em procura de seu caminho. Mas em 1628 o jovem<br />
começa a descobrir o seu destino. E dali em diante a sua arte<br />
se desenvolve em uma continuidade surpreendente, nitidamente<br />
diferente do período inicial, quando ainda não se tinha<br />
revelado a si mesmo.<br />
A partir deste ano começa a ganhar fama de grande artista,<br />
a tal ponto que em 1631 é convidado a pintar em Amsterdam<br />
um grupo de médicos. Foi com esse quadro, mundialmente<br />
Por GUY DE CLERQQ<br />
conhecido como a "A Lição de Anatomia" do Dr. Nicolaas<br />
Tulp, que o jovem pintor fez a sua estréia na capital da república,<br />
abrindo um novo caminho à arte da pintura.<br />
A "Lição de Anatomia" é uma amostra grandiosa do impulso<br />
do gênio: a subjugação de tudo às exigências da sua arte,<br />
aquilo que provocará mais tarde os grandes e trágicos conflitos<br />
da sua vida. Porém, pelo momento ainda não lhe causa<br />
dificuldades. Os seus clientes ficaram satisfeitos, e Rembrandt<br />
passou logo a ser o pmtor de retratos mais festejado e cor-<br />
"Portrait" de Rembrandt (Téla de 1640,<br />
quando o artista contava 34 anos de<br />
idade).
f<br />
Trcs auto-retratos do artista, feitos respectivamente em 1657, 1659 e 1660.<br />
tejado de Amsterdam. Inúmeras são as encomendas que<br />
afluem ao seu "atelier", que se enche de discípulos. Sua fama<br />
vòa, e só com muito empenho e dinheiro, pode-se conseguir o<br />
privilégio de ser pintado pelo grande mestre. Neste período<br />
a fortuna o cobre com suas dádivas. O Príncipe de Orange<br />
encomenda uma série de quadros representando a paixão de<br />
Nosso Senhor. O seu casamento com Saskia, filha de famoso<br />
e opulento conhecedor de arte, eleva a sua posição social, —<br />
a sua força produtora é impressionante.<br />
Nesses dez anos, que são materialmente falando, os mais brilhantes<br />
da sua vida. se forma como pintor de retratos, cuja<br />
cbra não se afasta, em caráter, daquela dos seus contemporâneos.<br />
A diferença é na qualidade e na intensidade, e isto em<br />
todos os sentidos. A côr é mais viva. mais quente, com mais<br />
variações, maior finura nas tonalidades; a composição é mais<br />
livre, às vezes mais fantástica, sempre mais feliz. Na reprodução<br />
de seus modêlos penetra profundamente na personalidade<br />
humana.<br />
O verdadeiro gênio, porém, se manifesta melhor nas suas obras<br />
de fantasia da mesma época. Ao pintar sua mulher, os seus<br />
íntimos amigos, modêlos de "atelier", figuras imaginárias. —<br />
tem ampla liberdade para dar expansão às suas aspirações.<br />
Não fica toldado por exigências de cliente. Pôde vesti-los ao<br />
seu belo prazer de trajes vistosos ou fantásticos, —- representá-los<br />
como bem lhe parece, — deixar de dar os retoques finais.<br />
Ali pode realizar os seus verdadeiros sonhos.<br />
Também dessa época são as suas monumentais composições<br />
de assuntos do Velho Testamento e da Mitologia. Entre aqueles,<br />
a figura dramatica de Samsão parece tê-lo impressionado<br />
especialmente e o enorme quadro que representa o momento<br />
em que vasaram os olhos do seu herói, é um dos mais belos<br />
exemplos. A côr cede o lugar à magia da luz, que sempre tem<br />
a função de unir, de concentrar, de salientar o ponto principal<br />
da ação. Outras famosas telas desse gênero são: a ofer-<br />
ta de Abrahão, Ganymedes, o Banho de Danea e Diana no seu<br />
Leito.<br />
Chega, porém, o ano fatídico de 1642: a Ronda da Noite. Não<br />
podiam os seus contemporâneos aceitar essa execução de sua<br />
encomenda, e seria de admirar si tivessem podido aceitá-la.<br />
Incumbido de retratar o grupo de componentes da companhia<br />
da guarda civil do capitão Banning-Cocq, o pintor parece não<br />
se ter incomodado em absoluto com os desejos dos seus clientes.<br />
Com excepção de umas poucas figuras principais, os<br />
componentes do grupo não passam de elementos secundários<br />
no conjunto do quadro. Rembrandt tinha falhado. Tinha<br />
abusado desta encomenda para a realização de um sonho pessoal.<br />
Erro fatal, mas que teve como consequência a crcação<br />
de uma das maiores obras de arte de todos os tempos. Uma<br />
obra, na qual os problemas de côr e de luz são solucionados<br />
igualmente de maneira intensa e mágica. O preto, vermelho<br />
e ouro do grupo central, é de um colorido cintilante, e a luz<br />
liga todos os elementos do quadro, para pôr esse grupo em<br />
evidência, de acordo com os princípios da subordinação, de<br />
modo a fazer recuar tudo ao redor. Além de fazer ressaltar<br />
alguns elementos para relegar outros à semi-escuridão. Rembrandt<br />
ainda introduziu, com a sua fantasia de artista, motivos<br />
completamente alheios ao assunto do auadro. como a<br />
menina vestida de branco, que aparece no meio, como fonte<br />
de claridade. A síntese da "Ronda da Noite" é a absorção do<br />
retrato pelo impulso de reproduzir o seu próprio sentimento<br />
de artista. O retrato deixou de ser o objetivo e passa a ser<br />
pretexto e elemento secundário, para uma composição inteiramente<br />
diversa.<br />
Com a "Ronda da Noite" Rembrandt perdera a sua pos'çáo<br />
de pintor festejado dos cidadãos de Amsterdam. E, no mesmo<br />
ano de 1642. também perdeu a sua Saskia, que a morte<br />
lhe arrebatou. Os dez anos de glória e esplendor terminaram<br />
e a mudança violenta foi seguida de perto de sérias dificuldades<br />
financeiras. Mas o processo de<br />
evolução da pintura do mestre não sofreu,<br />
e ininterrupta corre a torrente das<br />
suas produções. As suas obras diminuem<br />
em brilhantismo e riqueza exterior,<br />
para ganharem em sobriedade e calor<br />
interno. A beleza de luz, côr e técnica,<br />
"A Lição dc Anatomia" (Uni dos<br />
mais celebres quadros dc Rembrandt,<br />
executado em 1632).
"Cristo de braços cruzados" (Tela<br />
de 1658).<br />
segue a sua via ascendente, e, cada vez<br />
mais, a sua vida espiritual se manifesta<br />
nas suas telas.<br />
Durante esse último período de sua vida.<br />
Cristo lhe serviu de motivo para muitas<br />
das suas mais belas composições.<br />
Por volta do ano de 1650 encontramos<br />
Rembrandt como um artista solitário,<br />
que segue o seu próprio caminho, e aue<br />
tem o poder estranho de materializar as<br />
mais profundas imaginações do seu espírito.<br />
Alguns amigos continuavam fieis, impressionados<br />
pela grandeza de sua arte,<br />
mas as encomendas escassearam. Os<br />
pedidos de retratos foram dirigidos aos<br />
seus antigos discípulos, que adaptaram<br />
a sua arte ao gosto dos clientes.<br />
Saskia, imortalizada em quadros preciosos,<br />
que hoje encontramos em muitos<br />
museus e coleções, foi sucedida por<br />
Hendrickje Stoffels, mulher simples, do<br />
povo, mas na qual o mestre achou uma<br />
companheira dedicadíssima, carinhosa e<br />
sensata nos seus anos de infortúnio.<br />
Continuam em imponente sucessão as<br />
obras deste período. Cenas bíblicas,<br />
paisagens, verdadeiras sinfonias das<br />
forças da natureza, grandiosas, impressionantes.<br />
Os retratos, que alguns admiradores<br />
ainda lhe encomendaram,<br />
provam que aprendeu a conciliar<br />
de maneira mais condescendente,<br />
os desejos dos seus clientes com seus ideiais de artista.<br />
São retratos de grande simplicidade e de extraordinária semelhança<br />
com os mcdèlos, que denotam o contáto espiritual<br />
entre o pintor e o retratado.<br />
Deste último período datam, igualmente mais três grandes<br />
telas. Destas conservou-se intáto o retrato do grupo dos síndicos<br />
dos negociantes de tecidos, "De Staalmeestres" (1662),<br />
que pertence às suas mais conhecidas obras-primas.<br />
O mestre imortalisou-se, não somente pelas suas telas, mas<br />
ainda pelas suas gravuras e agua-fortes, de uma beleza rara.<br />
Dos primeiros existe grande número de exemplares, e a sua<br />
"Rembrandt Austero" (Agua forte do artista,<br />
feita em 1628).<br />
concepção e execução lhes asseguram no meio das obras desse<br />
genero, o mesmo lugar de destaque que ocupam as telas na<br />
pintura.<br />
Durante os sessenta e três anos de sua vida, Rembrandt cvnheceu<br />
glória e fortuna, assim como miséria e abandono, mas<br />
a sua arte, através de todas as vicissitudes de sua existência,<br />
seguiu imutavelmente o seu caminho, como si nada dos acontecimentos<br />
exteriores pudesse afetar esse grande gênio. Elevou-se<br />
à categoria dos grandes imortais e seu pincel fecundo<br />
doou à humanidade um número notável das mais belas expressões<br />
de arte de todas as épocas.<br />
"Rembrandt Enraivecido" (Outra agua forte<br />
da mesma época).<br />
Maio — 1 946 15
Há ocorrências bem singulares. Está vendo<br />
aquela dama que vai entrando na igreja da<br />
Cruz? Parou agora no adro. para dar uma<br />
esmola.<br />
— De preto?<br />
— Justamente: lá vai entrando: entrou.<br />
— Não ponha mais na carta. Esse olhar está di-<br />
zendo que a dama é uma sua recordação do outro<br />
tempo, e não há de ser de muito WMX>, a julgar<br />
pelo corpo: é moça de truz.<br />
— Deve ter quarenta e seis anos.<br />
— Ah ! conservada. Vamos lá: deixe de olhar para<br />
o chao. e conte-me tudo. Está viuva, naturalmente?<br />
— Nao.<br />
— Bem; o marido ainda vive. É velho?<br />
— Não é casada.<br />
— Solteira?<br />
— Assim, assim. Deve chamar-se hoje I). Maria<br />
de tal. Em 1860 florescia com o nome familiar de<br />
Marocas. Não era costureira, nem proprietária,<br />
nem mestre de meninas; vá excluindo as profissões<br />
e lá chegará. Morava na rua do Sacramento já<br />
entio era esbelta, c, seguramente, mais linda do que<br />
hoje; medos sérios, linguagem limpa. Na rua com<br />
o vestido afogado, escorrido sem espavento, arras-<br />
tava a muitos, ainda assim.<br />
— Por exempo, ao senhor.<br />
— Xão, mas ao Andrade, um amigo meu, de vinte<br />
e seis anos, meio advogado, meio político, nascido<br />
nas Alagoas e casado na Bahia, donde viera em<br />
1859. Era bonita a mulher dele, afetuosa, meiga c<br />
resignada, quando os conheci, tinham uma filhinha<br />
de dois anos. f - . • »<br />
— Apesar disso, a Marocas...?<br />
— íi verdade, dominou-o. Olhe, se não tem pressa<br />
conto-lhe uma coisa interessante.<br />
— Diga.<br />
— A primeira vez que éle a encontrou foi á j>orta<br />
da loja. Paula Brito, no Rocio. Estava ali. viu à<br />
distância uma mulher bonita, e esperou, já alvoro-<br />
çado, porque éle tinha em alto gráo a paixão das<br />
mulheres. Marocas vinha andando, parando e olhan-<br />
do como quem procura alguma casa. Defronte da<br />
loja deteve-se um instante: depois envergonhada e<br />
a medo, estendeu um pedacinho de papel ao An-<br />
drade, e perguntou-lhe onde ficava o número ali<br />
escrito. Andrade disse-lhe que do outro lado do<br />
Rocio, e ensinou-lhe a altura provável da casa. Ela<br />
cortejou com muita graça; éle ficou sem saber o que<br />
pensasse da pergunta.<br />
— Como eu estou.<br />
— Nada mais simples: Marocas não sabia ler. file<br />
não chegou a suspeitá-lo. Viu-a atravessar o Rocio,<br />
que ainda não tinha estátua nem jardim, e ir<br />
á casa que buscava, ainda assim perguntando em<br />
outras. De noite foi ao Ginásio; dava-se a Dama<br />
das Camélias; Marocas estava lá, e, no último ato,<br />
chorou como uma criança. Xão lhe digo nada; no<br />
fim de quinze dias amavam-se loucamente. Maro-<br />
PAGINAS ANTIGAS<br />
.SINGULAR OCORRÊNCIA<br />
cas despediu tôdos os seus namorados, e creio que<br />
não perdeu pouco; tinha alguns capitalistas bem<br />
bons. Ficou só. sozinha, vivendo para o Andrade,<br />
não querendo outra afeição, não cogitando de ne-<br />
nhum outro interesse.<br />
— Como a dama das Camélias.<br />
— Justo. Andrade ensinou-lhe a ler. 44 Estou mes-<br />
trc-escola", disse-me éle um dia; e foi então que<br />
me contou a anedota do Rocio. Marocas aprendeu<br />
aprendeu depressa. Compreende-se: o vexame de<br />
não saber, o desejo de conhecer os romances em que<br />
éle lhe falava, e finalmente o gosto de obedecer a<br />
um desejo dele. de lhe ser agradavel. Xão me en-<br />
cobriu nada : contou-me tudo com um riso de gra-<br />
tidão nos olhos, que o senhor não imagina. Eu ti-<br />
nha a confiança de ambos. Junta vamos ás vezes os<br />
três juntos: e... não sei porque negá-lo — algu-<br />
mas vezes os quatro. Xão cuide que eram jantares<br />
de gente pandega; alegre, mas honestos. Marocas<br />
gostava da linguagem afogada como os vestidos.<br />
Pouco a pouco estabeleceu-se intimidade entre nós:<br />
éla interrogava-me acerca da vida de Andrade da<br />
mulher, da filha, dos hábitos dele. se gostava de-<br />
véras déla, ou se era um capricho, se tivera outros,<br />
se era capaz de a esquecer, uma chuva de pergun-<br />
tas e um receio de o perder, que mostrava a fórça<br />
e a sinceridade da afeição... Um dia numa festa<br />
de S. João. o Andrade acompanhou a família à<br />
Gavea. onde ia assistir a um jantar e um baile:<br />
dois dias de ausência. Eu fui com éles. Marocas,<br />
ao despedir-se. recordou a comédia que ouvira al-<br />
gumas semanas antes no Ginásio — Janto com<br />
minha mãe — e disse-me que. não tendo familia<br />
para passar a festa de S. João, ia fazer como a So-<br />
tia Arnout da comédia, ia jantar com um retrato;<br />
mas não seria o da mãe porque não tinha, c sim<br />
do Andrade. Este dito ia-lhe rendendo um beijo;<br />
o Andrade chegou a inclinar-se; éla, porém, ven-<br />
do que eu estava lí, afastou-o delicadamente com a<br />
mão.<br />
— Gósto desse gesto.<br />
— file não gostou menos. Pegou-lhe na cal>eça com<br />
ambas as mãos. e, paternalmente, pingou-lhe o bei-<br />
jo na testa. Seguimos para a Gavea. De caminho<br />
disse-me a respeito da Marocas as maiores finezas,<br />
falou-me as últimas frioleiras de ambos, falou-me<br />
do projeto que tinha de comprar-lhe uma casa em<br />
al^um arrabalde, logo que pudesse dispor de di-<br />
nheiro; e, de passagem, elogiou a modéstia da moça,<br />
que não queria receber dele mais do que o estrita-<br />
mento necessário. Há mais do que isso, disse-lhe<br />
eu; e contei-lhe uma coisa que sabia, isto é, que<br />
cerca de três semanas antes, a Marocas emp-<br />
ilhara algumas jóias para pagar uma conta da<br />
costureira. Esta notícia abalou-o muito; não juro.<br />
mas creio que ficou com os olhos molhados. Em<br />
tcxlo o caso, depois de cogitar algum tempo, disse-<br />
me que definitivamente ia arranjar-lhe uma casa<br />
e pô-la ao abrigo da miséria. Na Gavea ainda fa-<br />
lamos da Marocas. até que as festas acabaram, e<br />
nós voltamos. O Andrade deixou a família cm casa<br />
na Lapa. e foi ao escritório aviar alguns papeis ur-<br />
gentes. Pouco depois do meio dia apareceu-lhe um<br />
tal Leandro, ex agente de certos advogados a pe-<br />
dir-lhe, como de costume, dois ou três mil réis. Era<br />
um sujeito reles e vadio. Vivia a explorar os ami-<br />
gos do antigo patrão Andrade deu-lhe trés mil réis<br />
e, como o visse excepcionalmente risonho, ]>ergun-<br />
tou-lhc se tinha visto passarinho verde. O Lean-<br />
dro piscou os olhos c lambeu os beiços; o Andra-<br />
de, que dava o cavaco por anedotas eróticas per-<br />
guntou-lhe se eram amores, file mastigou um pou-<br />
co, e confessou que sim.<br />
— Olhe; lá vem ela saindo; não c ela? &<br />
— Ela mesma; afasteino-nos da esquina.<br />
— Realmente, deve ter sido muito bonita. Tem um<br />
ar de duqueza.<br />
— Xão olhou para cá; não olha nunca para os lados.<br />
Vai subir pela rua do Ouvidor...<br />
MACHADO DE ASSIS<br />
— Sim. senhor. Compreendo o Andrade.<br />
— Vamos ao caso. O Leandro confessou que tive-<br />
ra na véspera uma fortuna rara. ou antes única<br />
uma coisa que éle nunca esperara achar, nem me-<br />
recia mesmo, porque se conhecia e não passava de<br />
um pobre diabo. Mas, enfim, os pobres também são<br />
filhos de Deus. Foi o caso que na véspera, perto<br />
das dez horas da noite, encontrara no Rocio uma<br />
dama vestida com simplicidade, vistosa de corpo, e<br />
muito embrulhada num chalé grande. A dama vi-<br />
nha atrás dele, e mais depressa: ao passar rente-<br />
zinha com éle. fitou-lhe muito os olhos, c foi an-<br />
dando de vagar, como quem espera. O pobre diabo<br />
imaginou que era engano de pessoa; confessou a:><br />
Andrade que, apesar da roupa simples viu logo que<br />
não era coisa j>ara os seus beiços. Foi andando; a<br />
mulher, parada, fitou-o outra vez. mas com tal ins-<br />
tância. que éle chegou atrever-se um pouco; ela<br />
atreveu-se o resto... Ah ! um anjo ! E que casa.<br />
que sala rica ! Coisa papafina. E depois o desinte-<br />
resse... "Olhe acrescentou éle. para v. s. é que<br />
era um bom arranjo". Andrade abanou a cabeça;<br />
não lhe cheirava o comborço. Mas o Leandro tei-<br />
mou; era na rua do Sacramento, número tantos...<br />
— Não me diga isso !<br />
— Imagine como não ficou o Andrade, file mes-<br />
mo não soube o que fez nem o que disse durante<br />
os primeiros minutos, nem o que pensou nem o<br />
que sentiu. Afinal teve força para perguntar se era<br />
verdade o que estava contando; mas o outro ad-<br />
vertiu que não tinha nenhuma necessidade de in-<br />
ventar semelhante coisa; vendo porém o alvoroço<br />
de Andrade, pediu-lhe segredo, dizendo que éle pela<br />
sua parte, era discreto. Parece que ia sair; Andra-<br />
de deteve-o e propós-lhe um negócio; propós-lhe<br />
ganhar vinte mil reis — ou.<br />
Ela não confessou nada; mas estava fóra de si. e<br />
quando éle, depois de lhe dizer as coisas mais du-<br />
ras do mundo, se atirou para a porta, ela rojou<br />
se-lhe aos pés, agarrou-lhe as mãos. lacrimosa, de-<br />
sesperada, ameaçando matar-se; e ficou atirada ao<br />
chão. no ]>atamar da escada; éle desceu vertiginosa-<br />
mente e saiu.<br />
— Na verdade, um sujeito reles, apanhado na rua;<br />
provavelmente eram hábitos dela?<br />
— Não.<br />
— Xão?<br />
— Ouça o resto. De noite seriam oito horas. Andrade<br />
veio à minha casa, e esperou por mim. Já<br />
me tinha procurado três vezes. Fiquei estupefacto;<br />
mas como duvidar se élc tivera a precaução de levar<br />
a prova até à evidência? Xão lhe conto o que
ouvi, os planos dc vingança, as exclamações, os<br />
nomes que lhe chamou, todo o estilo e todo o re-<br />
pertório dessas crises. Meu conselho foi que a dei-<br />
xasse. que. afinal, vivesse para a mulher e a filha,<br />
a mulher tão boa. tão meiga... file concordava,<br />
mas tornava ao furor. Do furor passou à dúvida;<br />
chegou a imaginar que a Marocas, com o fim de o<br />
experimentar inventara o artifício a pagara ao Le-<br />
andro para vir dizer-lhe aquilo, era prosa é que o<br />
Leandro não querendo èlc saber que era teimoso<br />
e lhe disse a casa e o número. E agarrando a esta<br />
invcrosimilhança, tentava fugir a realidade; mas a<br />
realidade vinha — a palidez de Marocas e alegria<br />
sincera do Leandro, tudo o que lhe dizia que a<br />
aventura era certa. Creio até que ela arrependia-se<br />
de ter ido tão longe. Quanto a mim, cogitava na<br />
aventura, sem atinar com a explicação. Tão mo-<br />
desta ! maneiras tão acanhadas !<br />
— Há uma frase de teatro que psde explicar a<br />
aventura uma frase de Augier, creio eu: Ma nos-<br />
talgia da lama".<br />
— Acho que não; mas vá ouvindo. Ás dez horas<br />
apareceu-nos em casa uma criada de Marocas. uma<br />
preta forra, muito amiga da ama. Andava aflita, em<br />
procura de Andrade, porque a Marocas. depois de<br />
chorar muito, trancada no quarto, saira de casa<br />
sem jantar e não voltara mais. Contive o Andrade,<br />
cujo primeiro gesto foi para sair logo. A preta pe-<br />
dia-nos por tudo que fossemos descobrir a ama.<br />
"Não é costume dela sair?" perguntou o Andrade<br />
com sarcasmo. Mas a preta disse que não era cos-<br />
tume. -Está ouvindo?" bradou ele para mim. Era<br />
a esperança que de novo empolgara o coração do<br />
pobre diabo. "E ontem.. Mdisse eu. A preta<br />
respondeu que na vespera sim: mas não lhe per-<br />
guntei mais nada, tive compaixão do Andrade, cuja<br />
aflição crescia, e cujo pundonor ia cedendo diante<br />
do perigo. Saimos em busca de Marccas: fomos a<br />
todas as casas cm que era possivel encontrá-la;<br />
fomos ã policia; mas a noite passou-se sem cíytro<br />
resultado. De manhã voltamos a policia. O chefe<br />
ou um dos delegados, não me lembra, era amigo do<br />
Andrade, que lhe contou da aventura a parte con-<br />
veniente aliás a ligação do Andrade e da Maro-<br />
cas era conhecida de todos os seus amigos. Pes-<br />
quisou-se tudo: nenhum desastre se dera durante<br />
a noite; as barcas da Praia Grande não viram cair<br />
ao mar nenhum passageiro, as casas de armas não<br />
venderam nenhuma; as boticas nenhum veneno. A<br />
policia pôs em campo todos os seus recursos, e<br />
nada. Não lhe digo o estado de aflição em que o<br />
pobre Andrade viveu durante essas longas horas,<br />
porque todo o dia se passou em pesquisas inúteis.<br />
Não era só a dór de a perder; era também o re-<br />
morso, a dúvida, ao menos, da consciência, em pre-<br />
sença de um possivel desastre, que parecia justifi-<br />
car a meça. file erguntava-me. a cada passo, se não<br />
era natural fazer o que fez- no delirio da indigna-<br />
ção. se eu não faria a mesma coisa. Mas depois<br />
tornava a afirmar a aventura, e provava-me que<br />
era verdadeira com o mesmo ardor com que na ves-<br />
pera tentara provar que era falsa; o que êle que-<br />
ria era acomodar a realidade ao sentimento da<br />
ocasião.<br />
— Mas enfim, descobriram a Marocas?<br />
— Estavamos comendo alguma coisa em um hotel,<br />
eram perto de oito horas, quando recebemos notí-<br />
cia de um vestígio: — um cocheiro que levára na<br />
vespera uma senhora para o Jardim Botânico, onde<br />
• la entrou em uma hospedaria, e ficou. Nem aca-<br />
bamos o jantar; fomos no mesmo carro ao Jardim<br />
Botânico. O dono da hospedaria confirmou a ver-<br />
são acrescentando que a pessoa se recolhera a um<br />
quarto, não comera nada desde que chegara na ves-<br />
pera ; apenas pediu uma chicara de café. parecia<br />
profundamente abatida. Encaminhamo-nos para o<br />
quarto; o dono da hosi>edaria bateu à porta; ela respondeu<br />
com voz fraca, e abriu. O Andrade nem<br />
me deu tempo de preparar nada; empurrou-me. e<br />
cairam nos braços um do outro. Marocas chorou<br />
muito e perdeu os sentidos.<br />
— Tudo se explicou?<br />
— Coisa nenhuma. Nenhum deles tornou ao assun-<br />
to; livres de um naufrágio, não quiseram saber<br />
nada da tempestade que os meteu a pique. A re-<br />
conciliação fez-se depressa. O Andrade comprou-<br />
lhe, mezes depois uma casinha em Catumbi; a<br />
Marocas deu-lhe um filho que morreu, dc dois<br />
anos. Quando ele seguiu para o Norte, em comis-<br />
são do governo, a afeição era ainda a mesma, pos-<br />
to que os primeiros ardores não tivessem já a<br />
mesma intensidade. Não obstante ela quis ir tam-<br />
bém; foi eu que a obriguei a ficar. O Andrade<br />
contava tornar ao fim dc pouco tempo, mas como<br />
lhe disse morreu na província. Marocas sentiu pro-<br />
fundamente a morte, pôs luto e considerou-se viuva:<br />
sei que, nos três primeiros anos. ouvia sempre uma<br />
missa no dia do aniversário. Há dez anos perdi-a<br />
de vista. Que lhe parece tudo isto?<br />
— Realmente, há ocorrências bem singulares, se o<br />
senhor não abusou da minha ingenuidade de rapaz<br />
para imaginar um romance...<br />
— Não inventei nada ; é a realidade pura.<br />
— Pois, senhor c curioso. No meio de uma pai xá ><br />
tão ardente, tão sincera... Eu ainda estou na mi-<br />
nha ; acho que foi a nostalgia da lama.<br />
— Não; nunca a Marccas desceu até aos Lean-<br />
dros.<br />
— Então por que desceria naquela noite?<br />
— Era um homem que ela supunha separado, por<br />
um abismo, de todas as suas relaçõse pessoais; dai<br />
a confiança. Mas o acaso, que é um deus c um<br />
diabo ao mesmo tempo... Enfim, coisas !
... o Sr. Café Filho não se cuidou de apresentar à Mesa pedidas<br />
•de informações.<br />
NÀO sei se os leitores já tiveram a oportunidade<br />
de ler a "Autobiographv" de<br />
Stuart Mill. O trecho, a seguir, parece<br />
ter sido escrito especialmente para a<br />
nossa Assembléia Constituinte, e isso há<br />
quasi um século:<br />
"O principal dos problemas de um Parlamento<br />
é o da distinção entre duas funçõess
que oí crimes uu presente muitas vezes se<br />
transformam em consagrações no íuturo.<br />
E' forçoso, porém, reconhecer que não há a<br />
menor relação entre a atitude atual do sr.<br />
Luiz Carlos Prestes e as daqueles vultos históricos,<br />
imortalizados, sobretudo, pelo seu<br />
amor a Patria.<br />
O "leader" comunista, acima dos interesses<br />
da sua Patria, vc as conveniências da URSS,<br />
e outra cousa não se poderia exigir de quem<br />
se devota a um partido de âmbito e finalidade<br />
internacionalista.<br />
Pois não é que o sr. Otávio Mangabeira, subindo<br />
ã tribuna para responder ao secretário<br />
comunista, aceita a tese de Prestes e, em<br />
abono das absolvições da posteridade, ciía<br />
os casos de Thorez e Petain — o primeiro,<br />
condenado pelo governo de Vichy e mais<br />
tarde elevado a soberbas dignidades, e o segundo<br />
erguido, antes, ao govèrno francês e<br />
mais tarde arrastado ã degradação de um<br />
cubículo ?<br />
O tribuno pode ter sido brilhante, brilhantismo.<br />
Mas o promotor fez o pape! de advogado<br />
do réu...<br />
*<br />
» •<br />
Voltemos, todavia, à Conrssão Constitucional.<br />
E, assim fazendo, estamos a imitar os<br />
que se interessam pelas discussões do Palácio<br />
Tiradentes, e por isso mesmo têm uma<br />
vista no Plenário e outra na Comissão.<br />
Que decidiram os 34 Constituintes ? — A<br />
parte inicial da Constituição — Poder Exe-<br />
cutivo, Poder Legislativo, Poder Judiciário.<br />
Os maiores debates foram travados cm torno<br />
das seguintes questões nevrágileas: autonomia<br />
do Distrito Federal, duração dos<br />
mandatos do presidente, senadores, deputados,<br />
distribuição de rendas.<br />
•<br />
t<br />
Resolveu ainda a Constituinte fazer um parêntesis<br />
nas suas atividades quotidianas e<br />
reservar uma sessão para homenagear a figura<br />
de Roosevelt. Nada mais justo.<br />
A Guerra plasmou três figuras d stintas. que<br />
emergidam com irressistivel vocação para a<br />
posteridade e, de fato, se .sagraram com o<br />
éleo santo da imortalidade. Refer mo-nos a<br />
Churchill, De Gaulle e Roosevelt<br />
O prmeiro — solida, obstinada expres-áo das<br />
qualidades de calma e espirito de sacrifício<br />
do povo inglês — foi o homem que soube<br />
resistir. Um roihèdo no meio da tempestade,<br />
eis um pedestal para a estatua do primeiro<br />
ministro britânico.<br />
O segundo foi o general que soube confiar.<br />
Fincou a sua espada no chão. E confiou no<br />
gênio latino, na imortalidade da França, nas<br />
forças indomáveis do espirito e na fascinante<br />
omnipotência de Paris. De Gaulle foi o<br />
Homem-Esperança.<br />
O terceiro foi, sobretudo, o estadista oue<br />
soube prever. E ai está o seu maior quinhão<br />
de glória. Roosevelt previu o fulminante<br />
poder de expansão do nazismo. Não cometeu<br />
o erro de ' menosprezar o adversáro.<br />
A Comissão Constitucional numa das suas últimas reuniões.<br />
Admitiu a hipótese de que os alemães lavariam<br />
as suas bandeiras nas águas do Volga<br />
e também poderiam fincá-las em Dakar e,<br />
quem sabe ? nas praias americanas.<br />
O ex-presidente norte-americano, como nenhum<br />
homem de Estado, em hora tão critica<br />
para as Américas, a democracia e o<br />
mundo, foi o gênio da previsão. E sem essa<br />
faculdade não há homens de Estado dignos<br />
dèsse nome. A Constituinte, prestando uma<br />
homenagem a Roosevelt, realizou, na verdade,<br />
uma obra de justiça, consagrando um<br />
verdadeiro "cidadão do mundo".<br />
*<br />
* •<br />
No fim do mês, tiveram os nobres Cors itulntes<br />
as pequenas férias da "Semana<br />
Santa".<br />
Muitos aproveitaram para rever a famil a<br />
e os eleitores. Alguns, possivelmente, f zeram<br />
retiro espiritual, elevando o espirito às<br />
alturas divinas e banhando o coração nas<br />
doces beatitudes cristãs. E, com uns fartes<br />
e tranquilos bocados de paisagem, leram<br />
outros a "Politica" de Aristóteles ou cs decursos<br />
de Demóstenes.<br />
Estava na pauta, para discussão logo após<br />
o reinicio dos trabalhos parlamentares, a<br />
discussão da temporaridade dos mandatos.<br />
Quem, nêsses dias de meditação, versou os<br />
textos bíblicos ou a vida dos santos certamente<br />
anotou a seguinte observação de Santo<br />
Tomaz de Aquino:<br />
"Os govêrnos longos tornam-se indolentes e<br />
insolentes".
"Ele teve a desgraça de quaii tcdos os<br />
vencidos-, isto ê a 'de ver a sua história<br />
escrita pelos vencedores, seus<br />
inimigos".<br />
JUIZ aposentado, antigo deputado provincial,<br />
desde muitos anos entregue à vida<br />
placida da agricultura, o ilustre mineiro<br />
Francisco de Paula Ferreira de Rezende, na<br />
sua fazenda no sertão, passeia inquieto no<br />
seu gabinete de um lado para outro.<br />
Aborrece-se. Que fazer? Achaco-nos em<br />
Agosto de 1885. Os trabalhos de lavoura estão<br />
acabados. O fazendeiro está sozinho. A<br />
esposa foi com todos os filhos a Lecpóldina<br />
para ver sua mãe. à qual pretendia poupar<br />
o grande incômodo de uma viagem a cavalo<br />
e por máus caminhos. Sozinho. Que fazer<br />
? Lêr ? O olhar rapidamente percorre a<br />
estante. Não descobre senão iivros lidos e<br />
trelidos. Nenhum capaz de prender-lhe de<br />
novo a atenção.<br />
Enfim, já em desespero de caus3, avista um<br />
volume. Trata-se de um livro no qual tedo<br />
o mundo fala e que ninguém nunca lê. A Bíblia.<br />
Começa a lê-la. No principio os Evangelhos.<br />
Em seguida a Genesis, os outros livros<br />
do Pentateuco. Josué, os Juizes, os Livros<br />
de Samuel, dos Reis... Quanto mais<br />
continua na leitura, tanto mais se lhe desperta<br />
a atenção. E empolga-o sobretudo, o<br />
desejo de escrever sobre o assunto, de transmitir<br />
a outros as impressões que lhe oferece,<br />
por um capricho da sorte, essa impressionante<br />
leitura.<br />
Há muitas categorias de leitores "Os alunos<br />
de latim lêem Terencio de um modo e<br />
Grotio de outro " E talvez nenhum livro tenha<br />
tantas categorias de leitores como o Livro<br />
dos Livros. O jurista mineiro è bom catolico.<br />
Mas não lê a Biblia como Obra Sagrada.<br />
Nem a lê como cético ou incrédulo.<br />
Nem como historiador ou critico. Nada sabe<br />
ou nada quer saber da "Critica da Biblia".<br />
das pesquisas cientificas iniciadas na Alemanha<br />
protestante e continuadas na Inglaterra,<br />
na Franç3, na Escandinavia, arquivadas<br />
em montanhas de doutos e volumosos livros<br />
que discutem, à luz de documentos históricos,<br />
descobertas arqueológicas, glotologia,<br />
psicologia, exegése, tanto a autenticidade<br />
quanto a verdadeira significação dos Livros<br />
Sagrados. Tcda uma Escola Histórica e Critica<br />
apossa-se da Biblia, para aplicar inexoravelmente<br />
os mais modernos- métodos científicos<br />
aos velhos textos hebraicos e gregos.<br />
Nada de tudo isto chega ao jurista mineiro<br />
no seu sertão. Debruça-se sobre o seu texto<br />
português como antes se debruçava cuidadosa<br />
e meticulosamente sobre os papeis nos<br />
autos em que como juiz tinha de decidir.<br />
Estuda o texto sem nenhum preconceito,<br />
nem pro nem contra. Quando faz conjeturas<br />
nem pensa em precursores. Quando faz descobertas,<br />
nem lhe vem à idéia que talvez antes<br />
dêle cutros tivessem pensado ou concluído<br />
da mesma maneira. Pretende descobrir a<br />
America sem nenhuma preocupação com Colombos<br />
anteriores.<br />
Está estudando os textos como jurista. Está<br />
estudando-os como homem de bem. E' o homem<br />
justo e honesto que se revela em cada<br />
linha que escreve. E este homem justo o ho-<br />
ERNEST OI FEDE R<br />
nesto aue se revela em cada linha que escreve.<br />
E este homem justo o honesto — por que<br />
escondê-lo ? — muitas vezes fica indignado.<br />
Que é isto ? Tantas coisas feias, crimes e<br />
malefícios nos Livros Sagrados ? Malfeitores<br />
no Povo Eleito ? Nunca lhe vem a idéia que<br />
a Biblia não descreve a vida de santos e<br />
sim a existencia de homens, superiores, medianos,<br />
inferiores, com qualidades altas e<br />
defeitos, revelando ambes com a mesma simplicidade<br />
e ingenuidade, sem poupar mesmo<br />
cs reis ou sacendotes que pecaram ou vacilaram.<br />
Não ! Nada de (indulgência ! Ferreira de<br />
Rezende é um justo. Mas um juiz severo e<br />
inexorável. Não lhe diminue a censura cu a<br />
indignação a circunstância de terem ocorrido<br />
os fatos censuráveis há 3000 ou 2000 anos.<br />
Não ! O seu julgamento tem o vigor e a frescura<br />
de uma sentença sobre fatos de ontem.<br />
Ali os Livros Sagrados, aqui a sua razão humana,<br />
em torno dêle a solidão e o silencio<br />
do sertão mineiro. E assim se originam dois<br />
livros: "O julgamento de Pilatos ou Jesus<br />
Cristo perante a Razão" e "Comentários Bíblicos,<br />
O Mosaismo perante a razão e a<br />
Transformação da Teocracia Hebraica", livros<br />
singulares e interessantes, que hoje publica,<br />
"per um imperativo de amor filial", o seu filho,<br />
o ilustre medico carioca doutor Cássio<br />
d-e Rezende.<br />
O velho adagio conforme o qual têm os seus<br />
destines os livros, se aplica em sentido especial<br />
a essas obras do juiz-fazendeiro. Ferreira<br />
de Rezende no inicio nem pensou em publicação.<br />
Escreveu para si mesmo, para se<br />
esclarecer. A queda do Impeiio, a proclamação<br />
da Republica chamou o independente mineiro<br />
a novas. Em 1890 foi eleito Vice-Presidente<br />
do Estado de Minas. Em 1892 foi nomeado<br />
Ministro do Supremo Tribunal Federal.<br />
Após ter néle ocupado uma curai durante<br />
16 meses, faleceu subitamente na noite de 25<br />
de outubro de 1893, após um dia muito afanoso<br />
no Tribunal.<br />
Neste momento, a primeira das obras meniionadas,<br />
o "Pilatos", já estava impressa. Mas<br />
o autor, quando lhe mandaram os primeiros<br />
exemplares já tinha morrido, e o livro, nunca<br />
distribuído, se conservou completamente<br />
ignorado. A viuva, lutando com serias dificuldades<br />
de vida, encarregada da educação de<br />
cinco filhos menores, inexperiente em negocios,<br />
não poude cogitar em expò-lo à venda,<br />
limitando-se a remeter, segundo a recomendação<br />
do esposo, alguns exemplares para meia<br />
dúzia de velhos amigos e para as redações de<br />
dois ou tres jornais de Minas.<br />
Quai a sorte da tiragem em seu conjunto ? O<br />
doutor Cássio de Rezende esclarece o assunto:<br />
"Quando, no começo de 1898, minha Mãe<br />
teve que se mudar da C3sa em que residira<br />
não podendo ela carregar consigo cs caixotes<br />
em que se achavam encerrados os volumes do<br />
Julgamento de Pilatos, deixou-os num desvão<br />
da casa abandonada, sem se preocupar com o<br />
destino que êles viessem a ter e que nós, com<br />
efeito, nunca chegamos a descobrir.<br />
Ultimamente entretanto, conversando o respeito<br />
desse fato com o meu irmão Flamínio,<br />
atual desembargador do Tribunal de Apelação,<br />
contou-me êle que. por aquela época, pas-<br />
sando, certa vez pela porta de uma livraria,<br />
no centro da cidade, onde se compravam e<br />
vendiam livros usados, avistou, dentro dela<br />
uma grande pilha de livros ainda novos e entrando<br />
para vê-los. teve a surpresa de verificar<br />
que eram cs exemplares do Julgamento<br />
de Pilatos. Voltando, poucos dias depois para<br />
ver novamente cs livros, não encontrou mais<br />
nenhum. E' evidente que os novos inquilinos<br />
da casa de que havíamos saído, os haviam<br />
vendido, e sabe Deus por que ninharia e alguém<br />
que lera a obra e tinha interesse em<br />
que ela não fôsse divulgada, naturalmente<br />
adquiriu toda a edição e lançou-a ao fogo".<br />
Salvaram-se, porém. trés ou quatro exemplares<br />
que a viuva conservou consigo e segundo<br />
estes, o doutor Cássio de Rezende organizou<br />
no ano passado na "Empresa "A Noite" a<br />
nova edição.<br />
Publicou ao mesmo tempo a segunda obra que,<br />
em manuscrito, se encontrou no arquivo do<br />
ministro defunto, cs "Comentários Biblícos".<br />
Esta se divide em duas partes. Na primeira<br />
— "O Mosaismo perante a Razão" estuda a<br />
figura de Moisés, reconhecendo ter sido êle<br />
um dos maiores gênios que já produziu a humanidade<br />
em cuja evolução representa um<br />
papel sem paralelo na história, examinandelhe,<br />
porém, severamente as ações, algumas<br />
segundo êle crucis, injustas e indignas, como<br />
se se tratasse de um réu des nossos tempos,<br />
aparecendo perante o tribur.al, acusado pelo<br />
procurador segundo as leis da nessa época e<br />
convencido pelas testemunhas e pela sua<br />
própria confissão.<br />
A segunda parte — "A Transformação da<br />
Teocracia Hebraica" — ccupa-se um tanto<br />
sumariamente, da história dos Juizes, para<br />
dedicar depois sua atenção especial a quatro<br />
figuras que, inúmeras vezes descritas e representadas<br />
em obras da literatura, da poesia,<br />
das ciências e das belas artes, se c:ntam<br />
entre os n:ais celebres da história humana:<br />
Samuel, Saul, Davi e Salomão.<br />
O Ministro do Supremo Tribunal é severo.<br />
Três dentro daqueles quatro, Samuel, Davi e<br />
Salomão, são condenados, apesar das consideráveis<br />
façanhas que conseguiram e de certas<br />
circunstancias atenuantes que talvez resultem<br />
da situação e da época em que viviam.<br />
São condenados porque não correspondem<br />
aos elevados ideais morais do autor que<br />
aliás não examina a questão de saber se<br />
jamais na historiografia de um povo a vida<br />
dos seus heróis e chefes foi exposta e revelada<br />
com tanta franqueza.<br />
Ferreira de Rezende admite uma exceção.<br />
E' o Rei Saul que conquistou a admiração e<br />
a afeição sem reservas do autor mineiro.<br />
Saul que "sempre atravessou os séculos com<br />
a fama de um réprobo" foi. segundo êle,<br />
talvez o unico dos reis da antiguidade, cuja<br />
vida, tanto particular, como publica ficou<br />
isenta, não somente de crimes, mas, até<br />
mesmo, de vícios ou de simples erros. Ele,<br />
infelizmente", teve a desgraça de quasi todos<br />
os vencidos isto é, a de ver a sua história<br />
escrita pelos vencedores, seus inimigos".<br />
ecrla um engano tfupór que Fr^nalsco de<br />
Paula de Rezende, no fundo, só escreveu os<br />
seus "Comentários Bíblicos" para reabilitar<br />
esta grande figura da história judaica ? Quão<br />
sensivel e visivelmente o encanta esse modesto<br />
pastor que vai procurar as jumentas<br />
do pai e encontra uma coróa real, esse pobre<br />
aldeão que subitamente se acha entre os<br />
profetas, esse atrevido guerreiro que já a<br />
primeira vista se tornava notável pela sua<br />
beleza e pelo seu porte, esse grande rei e<br />
grande politico, que vence os inimigos, mas,<br />
depois da grande vitória da a ordem: "Hoje<br />
não se há de matar ninguém, porque, no<br />
dia de hoje o Senhor salvou a Israel".<br />
Há um sopro de caninho e de afeição nas<br />
páginas do livro dedicadas ao filho de Kis,<br />
que não deixa, duvidas sobre o intimo laço<br />
de afeição que, desprezando os milênios, se<br />
teceu entr© o grande chefe hebreu e o seu<br />
admirador mineiro.<br />
Não é comovente, essa nova prova da vitalidade<br />
inegualada do Livro dos Livros ? Disse<br />
Joaquim Nabuco, em "Pensées Détachees":<br />
"Todo o relato da Gênesis é fonte inesgotável<br />
de imaginação". O que o grande estadista<br />
brasileiro diz do primeiro livro da<br />
Biblia aplica-se a todos, e cada Novo Anw<br />
que se abre ao "Povo do Livro" vai conquistar<br />
ao livro eterno novos leitores, novos<br />
leitores, novos leitores, novos entusiastas,<br />
novos contestadores — fenomeno unico em<br />
toda a história da civilisação.
\<br />
PRAIA<br />
ILHA<br />
T É L A<br />
DA OLARIA<br />
DO GOVERNADOR)<br />
DE J. C A R V A L H O
FRANIO Peixoto, uma das niais<br />
notáveis figuras da literatura<br />
contemporânea do Brasil, vinha há<br />
muito colaborando, com o brilho de seu<br />
talento, em "Ilustração Brasileira".<br />
Para cumprir a alta missão cultural que<br />
se propõe, resolveu a direção deste men-<br />
sário tornar permanente ò valioso con-<br />
curso do ilustre escritor patrício. Do<br />
presente número em diante, o acadê-<br />
mico Afrânio Peixoto escreverá nossa<br />
crônica de abertura, o que constitue por<br />
certo agradavel noticia para nossos lei-<br />
tores e grande honra para nós.<br />
•ü & it<br />
EGUIRÁ brevemente para Paris o<br />
acadêmico João Neves, atual chan-<br />
celer brasileiro, afim de participar da<br />
Conferência da Paz como chefe da de-<br />
legação brasileira. Em seguida irá aos<br />
Estados Unidos em importante missão.<br />
Confia o Brasil a um dos mais ilustres<br />
inteletuais contemporâneos a incum-<br />
bência de defender seus mais altos inte-<br />
resses no conclave em que se debaterá<br />
a reorganização do mundo futuro e a<br />
tranquilidade da humanidade.<br />
f \ Associação Brasileira de Escritores<br />
tem nova diretoria. Foram eleitcs,<br />
em pleito muito renhido, o Snr. Gui-<br />
lherme Figueiredo — Presidente; Astro-<br />
gildo Pereira — Vice-Presidente: Emil<br />
Farhat — 1.° secretário; Lia Coireia<br />
Dutra — 2.° secretário; Floriano Gon-<br />
çalves — tesoureiro.<br />
Para o Conselho Fiscal foram escolhi-<br />
dos os Snrs. Hamilton Nogueira, Murilo<br />
Mendes, Prudente de Morais Netto, Oxi-<br />
genes Lessa e Clóvis Ramalhete.<br />
Os novos dirigentes da prestigiosa ins-<br />
tituição assumiram seus cargos dispos-<br />
tos a realizar os altos objetivos a que<br />
se propôs a A. B. D. E.<br />
y^CABA de ser distribuido o Boletim<br />
do P. E. N. Clube do Brasil. O aca-<br />
dêmico Cláudio de Souza, presidente<br />
dessa agremiação de intelectuais, não<br />
poupa esforços para elevar cada vez<br />
mais o nome do P. E. N. Clube. O<br />
Boletim que apresentou este ano, em<br />
que relata a fecunda atividade da ins-<br />
tituição, traz farto noticiário sòbre os<br />
sccios e informações úteis a todos aque-<br />
les que se dedicam às letras em nossa<br />
terra.<br />
sido muito comentadas as crí-<br />
ticas feitas à Bibliotéca Nacional,<br />
a maior concentração de livros da Ame-<br />
rica do Sul, onde há coleções raríssi-<br />
mas, como as de D. João VI, Maria<br />
Cristina, Ramos da Paz e muitos ou-<br />
tros, por um observador desinteressa-<br />
do. E' tão grave a acusação, que, a ser<br />
verdadeira, cumpre aos poderes públi-<br />
cos tornarem urgentes providencias<br />
contra esse atentada à nossa cultura.<br />
£ a
A<br />
Praça 15 de Novembro, e um trecho da Rua da Misericórdia<br />
aqui aparecem em duas fases distintas. Em 1906 ainda ali<br />
existia o secular convento dos Carmelitas — antiga residência<br />
da familia imperial (1808) e onde residiu e morreu a rainha<br />
D. Maria, a louca — então ocupado pelo Instituto histórico e<br />
Geográfico. _ .»<br />
Hoje, em seu lugar se ergue a Academia Nacional de Comércio, cuja<br />
esquina se vê à direita, fazendo frente à Catedral Metropolitana e<br />
ao edificio do Departamento dos Telégrafos. Na fotografia de<br />
1906 vê-se o Morro do Castslo 20 fundo, hoje desaparec'dO.<br />
U RIO DE HOJE...<br />
E DE IIÁ 40 <strong>ANO</strong>S
Vista acrea da flexa contraí da igreja<br />
unifico templo<br />
O pórtico do m 9 N O T R E D A M E ,<br />
A<br />
Catedral de Notre Da me está tão intimamente<br />
ligada à vida espiritual e a historia da Cidade<br />
Lu2 que pôde ser considerada o coração de Paris.<br />
Quem visita a grande metropole vê de longe a torre<br />
Eiffel, mas o pensamento vai direto ao magnifico tem-<br />
plo. onde se prosterna a população católica da capital<br />
da França, para agradecer o estímulo a força heróica,<br />
que a levaram a lutar pelo engrandecimento da França.<br />
O majestoso templo é um dos mais belos monumentos<br />
arquitetônicos existentes no mundo. Muitos poucos<br />
possuem tão rica ornamentação externa, toda ela mui-<br />
to espressiva na sua significação espiritual.<br />
Segundo R. Sternfeld, que traçou belíssimas paginas<br />
da historia da França, a catedral data da época de Fe-<br />
lipe II. monarca que. reconhecendo a importancia da<br />
capital, fê-la prosperar. embele2ando-a em magníficos<br />
edifícios".
CORAÇÃO DE PARIS<br />
Foi construída, de acordo com o estilo original, que do-<br />
minou o gosto francês durante a Idade Média (séculos<br />
XI a XVII), espalhando-se em seguida por quasi to-<br />
dos os países da Europa Ocidental.<br />
E' essa imponente catedral um dos pontos mais conhe-<br />
cidos de Paris. Todos os que ali chegam, acorrem logo<br />
para vc-la e admirar as linhas delgadas de suas plenas,<br />
a estatuaria das fachadas, a altura dos noves. Enfim,<br />
a beleza empolgante de todo o conjunto.<br />
A religião teve papel preponderante na historia de<br />
Marianne. na formação politica e social do país. A ca-<br />
tedral de Notre Dame é o marco mais belo e mais si-<br />
gnificativo dessa influência. Por isso. todos os fieis<br />
que visitam experimenta grande enlevo e extraordina-<br />
ria admiração pelo povo que a soube conservar e<br />
honrar.<br />
Baixo relevo da Catedral de Notre Dame de Paris<br />
^jes/oso<br />
f*
í<br />
'/ : r<br />
A.'<br />
7/' 71<br />
/ O<br />
Dr. A. Vallejo Nagera, eminente psiquiatra es-<br />
panhol. atualmente em Madrid, responde:<br />
GÊNIO:<br />
Atributo Jivino para os Helenos; paciência, para Buf-<br />
fon; aplicação, para Goethe. Alguns psicólogos acham<br />
que os gênios seriam homens de dons médios, elevados<br />
à celebridade em virtude do jôgo dos interêsses cri-<br />
adoà; o qualificativo de gênio defenderia da apreci-<br />
ação de um círculo de admiradores. E' o povo que con-<br />
cederia ao gênio sua reputaçã. mantida, expres-<br />
sas de cuidada propaganda, favorecida por oportuni-<br />
dades sociais. Náo se pode nem se deve identificar o<br />
talento com o gênio, e considerar êste último como o<br />
supremo e mais perfeito grau de uma escala escenden-<br />
te dos dotes intelectuais.<br />
A grande capacidade intelectual, unida a extraordi-<br />
nários dotes de energia, de perseverança é de vonta-<br />
de; pode criar talento, produtor de obras que se apro-<br />
ximam das geniais mais que carecem do selo de origi-<br />
r c.<br />
é-<br />
nalidade e invenção<br />
próprio do gênio. O<br />
gênio distingue-se do<br />
talento em algo essen-<br />
cialmente superior à<br />
faculdade intelectiva.<br />
O gênio cria. encontra<br />
ideias ou formas de expressão artística jamais pensada<br />
ou concebidas. No gênio desenhariam um papael im-<br />
portantíssimo a originalidade, a persistência da con-<br />
cepção. o juízo e outros característicos de um cérebro<br />
previlegiado.<br />
O homem genial há de ser criador, possuir elevado<br />
grau de intuição e perspicácia, uma imaginação pode-<br />
rosíssima. capaz de criar coisas inimagináveis, sem a<br />
intervenção da aprendisagem e da experiência.<br />
Menedez y Pelayo foi um homem de imenso talento,<br />
mas não um gênio, como Cervantes, criador d> dois ti-<br />
pos imortais: o fidalgo e o escudeiro.<br />
GÊNIO E LOUCURA:<br />
Deve-se a Moreau de Tours (1830) a peregrina ideia<br />
de que gênio e loucura têm uma fonte comum: um<br />
estado de mórbida excitabilidr.de cerebral de que flu-<br />
em a grande energia mental característica do gênio e os<br />
delírios do enfermo psíquico, tocando-se na inspira-<br />
ção tanto um como outra. Assinala Moreau que em<br />
sua quase totalidade os homens geniais foram nervo-<br />
sos congênitos. Lombroso. quarenta anos mais tarde,<br />
demonstra inumeráveis casos, de hereditariedade men-<br />
tal patológica nas famílias dos homens geniais e admi-<br />
te nestes últimos estigmas degenerativos e anomalias<br />
de sua organisação sômato-psíquica. Comprova que os<br />
caracteres de precocidade, intuição superdotação inte-<br />
lectual. próprios do gênio, se associam tanto a anoma-<br />
lias do caráter como a verdadeiros sináis de psicose.<br />
São freqüentes, nos tipos geniais, além de infermida-<br />
des psíquicas, certos morbos somáticos de origem ner-<br />
vosa. tais a êntero-colite mucomembranosa, perver-<br />
sões sexuais, enxaquecas, etc.<br />
/
Outra prova das relações entre o gênio<br />
e a loucura nós a temos na freqüencia de<br />
anormalidades psíquicas nas famílias dos<br />
homens famosos. O irmão mais velho do<br />
cardeal Richeleu julgava-se transforma-<br />
do em Deus. Cicero tinha um irmão al-<br />
coólatra. Os pais de Byron eram semi-<br />
loucos. O pai de Beethoven era um ébrio<br />
inveterado. Renan tinha um tio demente.<br />
Lange Eichenbaum sustenta que em 90%<br />
dos gênios se constatam taras psíquicas<br />
patológicas.<br />
LOUCURAS ADQUIRIDAS:<br />
De psicoses infecciosas, traumáticas e to-<br />
xicas sofrem tanto gênio como os medí-<br />
ocres. Habitualmente, devem-se a proces-<br />
sos destrutivos cerebrais (paralizia geral,<br />
p. ex.) que costumam lançar na estupidez<br />
mais absoluta indivíduos de grande valor.<br />
Pertencem a esta categoria Nietzche. que<br />
se intitulava "O Crucificado", e Maupas-<br />
sant. que se atirou ao mar por presumir<br />
que se havia peídido a si mesmo. . .<br />
TIPOS MISTÉRICOS:<br />
Byron representa o protótipo do histé-<br />
rico exibicionista. excêntrico, capricho-<br />
so. soberbo, luxurioso, mau corrompido,<br />
e Baudelaire o do histérico de sensibili-<br />
dade decadente e mórbida. Ele mesmo<br />
confessava cultivar, "com volúpia e hor-<br />
roro histerismo.<br />
í<br />
PSICOPATAS ILUSTRES<br />
Goethe foi um psicopata cicloide; Amiel,<br />
um esquizoide sensitivo; e Valle Inclán.<br />
"feio. católico e sentimental", um psico-<br />
pata instável e explosivo.<br />
CICLOFRÉNICOS GENITAIS:<br />
A' psicose maniaco-depressiva. caracte-<br />
risada por fa»es de depressão e exaltação<br />
do estado de ânimo, parecem predisposto<br />
apenas os homens geniais. Nesta classe de<br />
doentes incluem-se: Lope de Vega, cuja<br />
vida foi a de um bipertímico. e Filipe V,<br />
Lutero, Miguel Angelo. Gogol. Swift e<br />
o duque de Olivares, que padeceram fa-<br />
ses de melancolia mórbida.<br />
Essa enfermidade mental é a que mais<br />
faz pensar na possibilidade de relações<br />
entre o gênio e a loucura.<br />
Tasso esteve afeto da mania de perse-<br />
guição e sofreu fases de agitação cata-<br />
tômica. Newton, no fim de seus dias, foi<br />
presa de uma depressão apática. Augusto<br />
Conte divisou claramente a íei funda-<br />
mental da filosofia positivista, e escreveu<br />
os seis volumes de sua história da Hu-<br />
manidade" quando mais era atormentado<br />
por seus padecimentos. E Brahms. pas-<br />
seando pelo jardim da casa de saúde<br />
onde fôra internado, man-<br />
dava o trovão retumbar e<br />
ordenava o sol que saísse...
STEVENS. "Remember".<br />
HÁ uma pcesia nas coisas inanimadas.<br />
Essa poesia aumenta se elas participam<br />
de nossa vida.<br />
Na pintura de um retrato, em geral, as roupas<br />
do modêlo e o acessório do quadro passam<br />
para o campo secundário, e ninguém<br />
quasi os olha. No entanto, sendo o retrato<br />
também uma composição, tais elementos devem<br />
subir de importancia na conjugação e<br />
harmonia dêles entre si, e dêles com o têma<br />
central, que no caso é o retratado.<br />
Sei que há pintores que fazem 0 retrato do<br />
acessorio e deixam, como elemento posto a<br />
desdém, o modêlo.<br />
Em regra, um bo.n pintor, copia tudo. dèle<br />
tira uma dominante, e foca o modéio no<br />
ponto ouro. E assim, quando o observador<br />
contempla o personagem, só o vê a êle, e<br />
dèle recebe o choque óptico revelador. Tudo<br />
mais se funde num segundo plano. E a figura<br />
fica. então, dominante, absorvendo com<br />
energia ativa a vida global do quadro.<br />
O dificii será realizar essa harmonia de massas,<br />
com a dominante já anotada, e deixar,<br />
con vida própria, os elementos que compõe<br />
o c >njunto.<br />
Tais conceitos ocorrem, à lembrança de Alfredo<br />
Stevens, (1823-1906» pintor belga, de<br />
funda influencia francesa, e que se acredita<br />
pertencer à escola realista, sob a mestria de<br />
Courbet.<br />
Sempre encontrei na pintura de Stevens,<br />
além da pasta flamenga, de intensidade su-<br />
28 Ilustração P»r;.>iloira<br />
STEVENS: A Mulher da<br />
So77ibrtnha".<br />
til de colorido, e de uma especie de vigòr de<br />
delicada profundade uma anciosa percepção<br />
do mundo exterior. Seu realismo se alimentava<br />
de sensualidade espiritual: uma ância<br />
incontida, desejo impossível, ambição inallançada,<br />
como que frême nos seus personagens.<br />
D que. porém, mais o gradua e destaca, como<br />
;«intór original, é precisamente o sentimen-<br />
X) que êle evoca entre o personagem e as coisas<br />
que o cercam.<br />
Nos seus retratos, os objetos não são<br />
"coisas" do acaso: vivem da relação que<br />
há entre -elas e o indivíduo a que circundam.<br />
Mas fóra desse fato, e bem, acima dèle. resalta<br />
a sensação com que o artista anima a<br />
veste feminina. Creio que nenhum pintor<br />
conseguiu que o vestido de mulher tivesse<br />
tanta emoção própria, vivesse com tamanha<br />
segurança do sentimento do modêlo, que o<br />
veste. Os vestidos têm calòr, sensibilidade,<br />
intenções... Impragna-se nas massas das<br />
fazendas, nas pregas, nos fòfos. nas ondulações.<br />
certo abandono cálido, um não sei<br />
que pessoal que traduzem como a linguagem<br />
secreta da dona.
Pro. catedrático da Escola Nacional<br />
de Beias Artes<br />
Esse sentidi do vestido faz que Stevens seja o pintor<br />
dos estados d'alma irrevelados. Seus modelos aparecem,<br />
como no "Remember", na "A Mulher da Sombrinha", na<br />
"Volta do Balle", na "Dama de Rosa", com um momento<br />
de estranha melancolia, qualquer coisa de "impossível"<br />
que flutua na intenção dos vestidos, dos objetos de uso<br />
pessoal, tanto quanto na fisionomia do personagem.<br />
Para os românticos, semelh3nte fato seria a aurora da<br />
"vida moderna".<br />
STEVENS: "Interior de<br />
Atelier".<br />
STEVES: •Meditação<br />
Seja como fór. E' um realista que consegue<br />
tirar das coisas banais, o senso alto da relação<br />
moral.<br />
Além dessa verdadeira inovação. Stevens é<br />
o pintor predestinado de certos tipos. A modulação<br />
da forma, onde as linhas se afirmam<br />
numa sequencia de modalidades finas e<br />
ao mesmo tempo energicas, onde o langor<br />
se acelera na ânsia sensual, — nesse contraste<br />
de serenidade e avidez. — Stevens parece<br />
ter descoberto um tipo novo: a sensibilidade<br />
daí que se calam, das que ocultam, com aparér.oia<br />
fria. o tumulto vivo e crespo das ondas<br />
emocionais<br />
Para fixar esse personagem inédito, que fé<br />
verdadeiramente finde-siecle, o artista correu<br />
à pesquisa do encanto das coisas inanimadas.<br />
E foi pela relação dos objetos com<br />
o personagem,
A<br />
personalidade é na opinião unanime<br />
dos filosofos o íenomeno mais nobre que<br />
nos é dado conhecer nas serieis c a u -<br />
saes da natureza.<br />
Si pessoa é o que os teologos querem que<br />
seja, adeus personalidade humana: somos<br />
cc sa».<br />
O fracasso da teologia no conceito de personalidede<br />
é mais uma prova de que a razão<br />
está cem 0 agnosticismo e o panteísmo: nada<br />
podemos conjecturar sobre a natureza da<br />
causa primaria do Universo.<br />
Tudo é licito esperar da ferça expansiva e<br />
incoercível da verdade.<br />
Não, não existe um cosmos jurídico, anterior<br />
á sociedade, porque esta é a categoria do<br />
direito, da moralidade, e dos mais fenomenes<br />
sociaes, da mesma forma que o espaço é a<br />
categoria dos corpos.<br />
•<br />
Cada povo, cada nação, cada raça tem ao<br />
lado do seu direito positivo e concreto, cristalizando<br />
nos seus uses e costumes marmorlzado<br />
nos seus codigos, essa ordem jurídica<br />
ideal, formada dos seus ideaes jurídicos.<br />
Não se ha mister de um cosmos<br />
jurídico — ontologico nem de<br />
um deus para se explicar a majestade<br />
assombrosa do Direito.<br />
Os deuses também envelhecem<br />
e morrem...<br />
E quantas poderosas religiões<br />
não serão num futuro remoto<br />
amontoados de superstições?<br />
Quantos cultos não teve a raça<br />
ariana e quantos não terá ainda<br />
até a consumação dos séculos<br />
?<br />
Desde essas épocas quasi mitológicas os homens<br />
superiores se isolam para melhor potencializarem<br />
as suas enegias anêmicas e<br />
melhor aplica-las no estudo e conhecimento<br />
dos homens, da sociedade .3 do Universo.<br />
O budhismo é a religião da meditação e do<br />
silencio.<br />
O cristianismo também não desconheceu a<br />
influencia pedagógica e moralizadora do<br />
silencio.<br />
O amor do silencio devemos sirxretiza-lo<br />
como amor dos campos, com a vida no seio<br />
fecundo da Natureza.<br />
Um dos maiores males que estão minando a<br />
civilização moderna, isto é, a civilização do<br />
ocidente europeu, p r olongada tam b e m ás<br />
paragens virgens do Novo Mundo, é o urbanismo,<br />
o depauperador das raças, o neurastenizador<br />
das massas, o terrível ânimigo da<br />
felicidade e da vida simples.<br />
Felizes os que vivem nos campos, gosando as<br />
frescas madrugadas, que os passaros canoros<br />
anunciam alacremente, « á sestas sombra<br />
protetora das arvores prediletas, á beira<br />
d'algum regato de aguas cristalinas.<br />
Oh ! selvas benditas, como vos amo, como<br />
sinto, aqui no seio desta cidade imunda a<br />
nostalgica saudade das tuas arvores, do encanto<br />
dos teus bosques, do ar puro e oxigenado<br />
das tuas paragens!<br />
Malditos sejam aqueles que inventaram as<br />
cidades e trocaram por elas a vida livre dos<br />
campos!<br />
Malditos sejam os fundadores míticos de<br />
Roma, de Atenas, de Babilônia e de Tebas,<br />
pelo máu exemplo que deram aos contemporâneos<br />
e aos posteros, fundando esses fócos<br />
de cultura e de tédio, de vida intensa, e de<br />
miséria física e moral.<br />
Ah ! si jamais os homens tivessem deixado<br />
de morar em casas isolados nos campos e<br />
lezírias, como não seriam felizes!<br />
No augusto recolhimento das sebes orvalhadas,<br />
a nossa alma se solidariza com as forças<br />
Selecionadas por DE MATTOS PINTO<br />
construtivas do Universo, e desaparecem<br />
milagrosamente dos seus horizontes os<br />
seus preconceitos e as tristezas que a acabrunham<br />
ou a aniquilam.<br />
Bemaventurados, pois aqueles que nunca saíram<br />
da sua gleba natal, os que nunca<br />
abandonaram a vida simples do reino encantado<br />
e maravilhoso das florestas e das selvas,<br />
pelos frutos enganosos e falazes da civilização.<br />
Refugiemo-nos no campo nesse momento<br />
trágico da historia do mundo, em que todos<br />
sofrem, em que a maior das conflagrações<br />
solapam as bases da comunhão universal dos<br />
homens, dividindo-os para sempre, tornando-os<br />
inimigos rancorosos e irreconciliáveis.<br />
Esse tremenda crise planetaria é um dos<br />
frutos do urbanismo, que centuplicou a séde<br />
de luxo e de conforto, a vontade de mando<br />
e de predomínio, e, que é emfim a sinteze<br />
das causas psíquicas e económicas do grande<br />
cataclysma.<br />
Mas ninguém se engane : virá o dia em que<br />
serão arrasadas as cidades e os homens,<br />
voltando aos campos, comerão o pão cóm ó<br />
suor de seus rostos, e uma civilização agrícola<br />
e pastoril, como dos nossos archiavós<br />
arianos, substituirá essa civilização guerreira<br />
e das cidades.<br />
O ritmo é a lei eterna da historia.<br />
Critica literaria é o julgamento cientifico e<br />
filosofico das produções literarias.<br />
Podemos dizer que a critioa literaria julga<br />
a grande arte denominada poesia, tomando-se<br />
a palavra poesia em sentido amplíssimo,<br />
compreendendo a produção literaria<br />
em verso, e a em prosa, onde se notem reíulgencias<br />
de estilo e fôrma burilada.<br />
Onde não ha pensamento autonomo, onde<br />
não ha equação pessoal, domina a escolastica<br />
e pompeia a morte.<br />
Que mais quer a critica para aspirar aos<br />
fóros de ciência? Não será uma ciência exata,<br />
será um corpo de saber aproximativo.<br />
Ciência exata que eu saiba só existem as<br />
matematicas. as outras todas, a física, a química,<br />
a biologia, a sociologia,<br />
a moral são caminhos sinuosos<br />
e hipotéticos para o desconhecido.<br />
Si a critica não tivesse princípios<br />
nem verdades adquiridas,<br />
não chegariam acs mesmos<br />
resultados os críticos de diversas<br />
épocas e países, na apreciação<br />
das grandes obras do espirito<br />
humano.<br />
Nenhum critico arquiteto elo<br />
giaria um edifício em que se<br />
edsassem todos os estilos, o<br />
grego, o romano, o bizanttino, o arabe..;<br />
A critica literaria é uma ciência muito complexa<br />
que se une por estreitos laços à Antropologia.<br />
á Psicologia, á Sociologia, á Moral<br />
e á Psiquiatria, e ainda a outros ramos do<br />
saber.<br />
Não finda, porém, aqui o domínio da critica,<br />
porque ela hoje não estuda somente a obra,<br />
como a antiga medicina que só estudava a<br />
moléstia, esquecendo em absoluto o doente<br />
ou como a escola criminal classica, que se<br />
ocupa, de preferencia, do crime "como um<br />
ser jurídico abstrato", desprezando completamente<br />
o criminoso.<br />
É que nos domínios da critica literaria começa-se<br />
a observar a invasão triunfante do<br />
método de observação, esse método vigoroso<br />
que no meado do século passado acabou de<br />
penetrar em todas as provindas do saber.<br />
A critica antiga estudava preferentemente a<br />
obra, deixando na sombra o escritor, a quem<br />
se faziam apenas meras referencias biográficas.<br />
E * € 2 il ia> % JE£ S E EL; IF* JP^
O casal L. da Cunha Friedrich com um grupo de convidados.<br />
DO CASA ILa<br />
Snras Souza Aguiar<br />
e Bandeira Coelho,<br />
vendo-se ao fundo o<br />
prof. Ulysses de Nonohay.<br />
Palestram as senhoras Aires Ferreira. Souza Aguiar,<br />
Bay ma, Alves Bastos e Gilberto Marinho.<br />
JOCKEY CLUB ELEGANTE<br />
Flagrantes colhidos na "pelouse'' do Jockey Club, por ocasião da última<br />
reunião turfistica ali realisada.
k # /<br />
9<br />
«S/<br />
O MUSEU LUCILO DE ALBUQUERQUE<br />
NUM aprasivel recanto das Larangeiras, nesta capital, encontra-se o<br />
Museu Lucilo dc Albuquerque; artista cujo renome ecóa em todos os<br />
ângulos deste imenso Brasil. Embora muito procurado i>elos que Sc dedicam<br />
à arte, que vão admirar o conjunto da obra do grande artista, é interessante<br />
mostrar aos nossos leitores alguns aspectos daquele refugio espiritual, em<br />
que Georgina de Albuquerque, a consagrada pintora patrícia, cultua a.memória<br />
do seu inesquecível esposo, reunind« naquele templo de arte, escritores.<br />
jornalistas, artistas, estudantes e admiradores,promovendo conferências<br />
e exposições e finalmente, fazendo publicações periódicas, num movimento<br />
artístico admirável, que muito lhe recomenda o talento, a atividade criadora<br />
e a dedicação ãs coisas do espírito.<br />
Há pouco tempo, foi, fundada a Sociedade de Amigos de Lucilo de Albuquerque.<br />
com o fim de manter acesa na alma das nossas gerações a luz que<br />
emanou daquele grande -espírito. Essa iniciativa encontrou resonância em<br />
nossos meios artísticos e intelectuais, que lhe deram irrestrito apóio. Desse<br />
modo, a obra do mestre poderá ser perenemente admirada e o exemplo fecundo<br />
de trabalho e dedicação á arte, que lhe marcou a personalidade,<br />
ficará como guia espiritual para aqueles que desejarem trilhar a mesma senda.<br />
Todos os generos a que se dedicou Lucilo de Albuquerque estão expostos no<br />
Museu. Pode-se estudar ali as modalidades do gênio criador desse mestre da<br />
paleta, que ocupa lugar de excepcional destaque entre os melhores pintores do<br />
Brasil. Aqui vemos vários aspectos do Museu, destacando-se ao alto a sala A,<br />
onde são vistos o retrato do patrono do Museu e parte de sua famosa tela<br />
44 Farrapos''.
J A Ç A N Ã<br />
AIO de Abril de 1935 foi creado o sé-<br />
timo distrito policial no distrito de paz<br />
de Tucuruvi, compreendido na 9. a Cir-<br />
cunscrição de Policia da Capital Paulista<br />
com o nome de — JAÇANÃ.<br />
Como se sabe, Jaçanã é uma ave da fam.<br />
Parrideos, Parra jaçanã (•), conhecida na<br />
Amazônia com os nomes de - Japiaçóca,<br />
Piaçóca ou Uapé. O que no sul do país o vul-<br />
go chama de "frango dagua", no Amazonas<br />
é denominado — Açanã.<br />
A Jaçanã (Parra) pertence ao genero das<br />
aves pernaltas, vivendo nas regiões quen-<br />
tes, e habitando, de preferencia, nos bréjos<br />
e açudes, onde também choca os seus qua-<br />
tro óvos cór de tijolo com listas negras en-<br />
trelaçadas. E' uma ave muito relaxada e<br />
simplória, porque nem ao menos se dá ao»<br />
trabalho de fazer um ninho para a sua pos-<br />
tura. Entre as plantas aquáticas (parece<br />
impossível) quase em contato com a agua,<br />
põe os óvos sem nenhum cuidado ou res-<br />
guardo ! A cór da jaçanã geralmente é cas-<br />
tanha, tem o bico amarelo, pernas extre-<br />
mamente longas, dedos compridos e unhas<br />
direitas. Corre facilmente por sobre a ve-<br />
getação aquatica, poucas vezes voando, mes-<br />
mo quando perseguida. Se alguém tentar<br />
descobrir esta ave nos campos encharcados,<br />
nas bordas dos açudes ou à beira dos rios,<br />
muito dificilmente a encontrará, tão cuida-<br />
dosa ela é na escolha do seu esconderijo, con-<br />
fundindo-se manhosamente com a vegeta-<br />
ção.<br />
Porque teriam dado o nome de Jaçanã ao<br />
sétimo distrito policial da capital de S. Pau-<br />
lo ? Abundancia destas aves no lugar ? Cre-<br />
mos que sim. Mas se este foi o motivo da<br />
denominação, então o lugar dever-se-ia an-<br />
tes chamar — Jaçanãtuba ou Jaçanãtiba,<br />
para exprimir com mais exatidão, 110 tupi<br />
ou nheengatú, que a região foi outrora ha-<br />
bitada por numerosos bandos de jaçanãs...<br />
(O sufixo que exprime abundancia ou gran-<br />
de copia de alguma cousa da mesma espé-<br />
cie é Tiba ou Tuba, correspondendo, portan-<br />
to ao latim "etum" e ao português "Al".<br />
Além de Tuba e Tiba, ainda existem outras<br />
formas ou variantes, como, por exemplo:<br />
ti, tu, tib, tiva, tuva, tiua, túua, ndi,<br />
ndu, ndiba, nduba, ndiva, nduva, ndiua,<br />
ndúua, etc.<br />
Vejamos alguns nomes selvagens onde en-<br />
tra em composição o sufixo Tuba ou Tiba:<br />
Pirituba (Juncal), Curitiba (Pinhal), Paco-<br />
batuba (Bananal), Itatiba (Pedreiras), Pa-<br />
catiba (Lugar das pacas), Boituba 'Cobrei-<br />
ro, lugar das cobras), Araçatuba «Araçazal),<br />
Pindótuba (Palmar), Ubatuba (Abundancia<br />
de canoas, isto é, Porto), Uruguátiba (Lugar<br />
dos caramujos ou caracóes), Tauátuba (Bar-<br />
reiro), Capituba (Capinzal), Caraguatatuba<br />
(Grande cópia de caraguatás), Pitiraatuba<br />
(TabacaU, Geribatuba (Lugar de geribás),<br />
Ibícuituba (Areal), Catuba (Matagal), Pirá-<br />
tiba (Abundancia de peixes), Comandátuba<br />
(Feijoal), Iuticatiba (Batatal), Uirátuba<br />
(Região dos passaros), Abatituba (Milha-<br />
ral), Cipótuba (Cipoal), Tucuratiba (Lugar<br />
dos gafanhotos), Paraguátuba (Terra dos<br />
papagaios), Merutiba (Região das moscas),<br />
Acajutiba (Cajual), Amanatiba iLugar das<br />
chuvas), Ibatiba (Frutal, pomar), Iratiba<br />
(Meleira), Cabatuba (Lugar das vespas),<br />
Itajubatuba (Região onde ha ouro cm abun-<br />
dancia etc.<br />
QUE SIGNIFICA JAÇANA ?<br />
Henry Koster na sua excelente obra — "Via-<br />
gem ao nordeste do Brasil", à pag. 402, re-<br />
gista apenas: "Jaçanã (snipes)".<br />
Hermano Stradelli (Voe. Nheengatú-Portu-<br />
guês) anota os termos "Iasaná, X Tapé e Pia-<br />
sóca, não lhes dando porem o significado.<br />
O Dr. Vicente Chermont de Miranda, nos<br />
"Anais da Bibliotéca Nacional", vol. LXIV,<br />
consigna: "Araignan, Jaçanã, ave (Parra<br />
spinosa jacana, L.) Léry, 168, Arignan;<br />
Abbeville, Araignan. Boiste, jacana; Bes-<br />
cherelle, jacane".<br />
Batista de Castro (Dic. Tupi-Guaraní), es-<br />
creve: "Yaçanã, Iaçanã — (Yá H çã + nã):<br />
o que grita alto, ou (Y + eçá -r enã: — o<br />
que tem olho abérto, — Jaçanã".<br />
Maximiano Lemos na sua monumental En-<br />
ciclopédia Portuguèsa Ilustrada, esclarece:<br />
— "Jaçanan, s. f. Ave aquatica do Brasil:<br />
Jaçanans a mergulhar (J. Galeno)".<br />
Teodoro Sampaio, finalmente (O tupi na<br />
Geog. Nacional) diz: "Jaçanã, corr.<br />
Y-açá-nã, o que grita forte, o que tem o<br />
grito intenso (Parra jaçanã)".<br />
Cá para nós, Jaçanã, não quer significar "o<br />
que grita alto, forte ou intenso". Porque,<br />
"grito" no tupi, é sacemo ou sapucái, "forte"<br />
e Kyrimbaua, santaua ou antaua (Forte no<br />
sentido de rijo ou duro é-tantã, antã, atã,<br />
ou tã) "Alto" (cousa alta): ibaté, iaté ou<br />
íuaté, e alto como sufixo nos compostos é ã<br />
o ãn.<br />
Náo conhecemos a ave Jaçanã, mas na des-<br />
crição que dela faz, o erudito Rodolfo von<br />
Ihering no seu precioso Dicionário dos Ani-<br />
mais do Brasil, não faz absolutamente ne-<br />
nhuma alusão ao "grito forte" dessa per-<br />
nalta...<br />
Jaçanã (Yá-çá-ná) deve-se traduzir para —<br />
Aquele que tem a vista aguda, que vê longe,<br />
que enxerga distante, que tem a vista muito<br />
penetrante.<br />
Batista de Castro, na segunda interpretação<br />
do vocábulo, andou, pois, mais aproximado,<br />
registando — "O que tem olho abérto".<br />
Estudaremos agora os três elementos que<br />
entram na composição da palavra Jaçanã.<br />
J. DAVÍ JORGE (AIMORÉ)<br />
(Do Dcp. do Arquivo do Estado de S. Paulo)<br />
Yá (às vezes ocorre somente i): aquele que,<br />
em, o que, o que tem ou está;<br />
Eçá (çá, teçá, reçá, achá): olho, olhos,<br />
olhar, ver, avistar;<br />
Ná; muitas, tantas vezes, devéras. Logo,<br />
Yá-çá-nã (Jaçanã) = aquele que avista de-<br />
veras, que enxerga distante, que vê com<br />
"olhos de lince"...<br />
(Yá também quér dizer: fruto, grão, o cha-<br />
mado, o denominado, viveiro, copioso, abun-<br />
dante, dissimulado, abrir, abérto, caído; o<br />
cabaz — B. de Castro).<br />
Nã, anan ou anã, noutros casos d.'z: seme*<br />
lhante, parecido, parente; espesso, grande,<br />
alto, mesclar, misturar, misturado, confuso,<br />
manchado, úmido, liquido, etc. Um exem-<br />
plo: Maracanã: o que imita o chocalho,<br />
certa especie de papagaio. (Aqui cabe uma<br />
observação. Batista de Castro (na primei-<br />
ra interpretação) traduz "çá" por "grito",<br />
e T. Sampaio dá a entender que o elemen-<br />
to "açã" é que é o "grito". Se assim fór,<br />
teremos: Yaçánã ou Y-açã-nã = Aquele<br />
que grita (ou canta) no úmido, no líquido,<br />
isto é, no bréjo, nos campos alagados onde<br />
de fáto a jaçanã habita de preferencia<br />
(Uma vez que anã ou nã também se pôde<br />
traduzir por molhado, úmido ou encharca-<br />
do...)<br />
Nã ou nan também funciona como gráu au-<br />
mentativo no tupi. Exemplo: Paraná: Rio<br />
muitas ou tantas vezes, isto é. rio grande,<br />
enorme, caudaloso). O aumentativo mais<br />
usado, porém, é Turuçú e as suas contra-<br />
ções: guassú ou guaçú, oçú, uçú, uaçú,<br />
assú, açú, buçú, çú, correspondendo ao sufi-<br />
xo português áo ou ona, traduzindo-se ge-<br />
ralmente por grande, grosso, grosseiro, sa-<br />
liente, basto, espesso, considerável, graúdo,<br />
encorpado, cheio, volumoso, vasto, amplo.<br />
Além destes sufixos, o nheengatú ainda pos-<br />
sue as partículas etê e tey. EX.: Ti-etê,<br />
rio, água. caudal verdadeiro, notável, enor-<br />
me, grandioso; Tamanduá-tey, tamanduá<br />
grande, encorpado, avantajado.<br />
Como nã ou anã também tem o significa-<br />
do de grande e alto, fez com que vários au-<br />
tores traduzissem o vocábulo Jaçanã para<br />
"Aquele que grita forte ou alto". Antes<br />
afirmassem — Aquele que tem olhos "altos"<br />
ou "grandes", isto é, o que vê longe, que<br />
avista distante...<br />
(Os nossos aboricolas, entre as mil especies<br />
de armadilhas que possuíam para colher<br />
passaros, tinham uma que denominavam —<br />
Juçana ou Iuçána, i laço, a ratoeira, a ar-<br />
madilha.)<br />
(»; — \'oto-so a ausência da,cedilha (Jaçanã) sinal e>te que<br />
não exiuie no latim.
Heitor Beltrão — Vice-Presidente<br />
^ ^ Conselho Deliberativo da Associação<br />
Brasileira de Imprensa elegeu para di-<br />
rigir os destino«; da "Casa do Jornalista", de<br />
maio de <strong>1946</strong> a maio de 1948. a seguinte<br />
diretoria toda ela composta de nomes de<br />
grande projeção nos meios jornalísticos do<br />
país:<br />
Presidente: Herbert Moses —1.° Vicè-<br />
Presidente: Heitor Beltrão — 2.° Vice-<br />
Presidente: Oswaldo de Souza e Silva 3."<br />
R E E L E I T A<br />
A DIRETORIA<br />
DA A. B. I.<br />
Herbert Moses — Presidente<br />
EXPOSIÇÃO DE PINTURA<br />
Clinos.<br />
Constituiu nota<br />
de repercursão so-<br />
cial e artística, a<br />
exposição da pin-<br />
tora Alice Gon-<br />
çalves aluna de<br />
Pedro Alexandri-<br />
no na Galeria Be-<br />
nedetti. em São<br />
Paulo.<br />
Dotada de quali-<br />
dades próprias e<br />
sabendo empres-<br />
tar ás suas telas<br />
d» flores e natu-<br />
reza morta u m<br />
cunho de feitura<br />
e realismo bastan-<br />
te expressivo. Ali-<br />
ce Gonçalves vol-<br />
ta a atividade re-<br />
velando não só<br />
uma forte vontade<br />
de trabalhar, co-<br />
mo também tra-<br />
zendo na sua pa-<br />
lheta uma afir-<br />
mação vigorosa de<br />
seus pendores ar-<br />
tísticos.<br />
Oswaldo de Souza e Silva<br />
— Vice-Presidente<br />
Vice-Presidente: M. Paulo Filho — 1.° Se-<br />
cretário: Gastão de Carvalho — 2.° Secre-<br />
tário: Oscar Guerra Fontes — 3.° Secretá-<br />
rio: Julio Barbosa — 1.° Tesoureiro: Hugo<br />
Barreto — 2.° Tesoureiro: Manoel Lou-<br />
renço de Magalhães — 1.® Bibliotecário:<br />
M. Bastos Tigre — 2.° Bibliotecário: Fran-<br />
cisco de Paula Job — Procurador: João<br />
Mello — Diretores: Belisário d> Souza —<br />
Ozéas Motta — Ignacio Bittencourt Filho.<br />
Coco.
ASTROCARYUM ACULEATISSIMUM (Schott) Burret.<br />
ATTALEA HUMILIS Mart.<br />
PALMEIRAS<br />
DO BRASIL<br />
QUEM visita o Jardim Botânico, e dedica sua atenção<br />
à belíssima variedade de palmeiras que ali farfalham<br />
ao vento que vem do oceano vizinho, tem ensejo de<br />
admirar a riqueza do nosso país nêsse genero cu família<br />
vegetal.<br />
As palmeiras são tão abundantes em nossa terra, que ca-<br />
racterizam enormes regiões do país.<br />
»•<br />
Temos as zonas dos carnaubais como possuímos a dos co-<br />
queirais nordestino, cada qual com a sua feição caracte-<br />
rística .<br />
ACROCOMIA ÍNTUMESCENS Drude.
Barbosa Rodrigues, creador do Museu Botânico do Amazo-<br />
nas e diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro de<br />
1890 a 1909 dedicou parte de sua vida ao estudo desta<br />
família vegetal, legando ao mundo a monumental obra<br />
"Sertum Palmarum Brasiliensis". Estudando as palmei-<br />
ras que tanto amou, e divulgando seus conhecimentos,<br />
cbteve renome universal. Dentre os estrangeiros que es-<br />
tudaram a nossa flora, destaca-se o grande naturalista<br />
Martius que também dedicou um dos volumes de sua<br />
giande obra, Flóra brasiliensis às nossas palmeiras. Ve-<br />
g( tal de hábitos simples, não exigindo mais que alguns<br />
metros de terra afim de fixar suas raízes e um pequeno<br />
espaço onde expôr sua fronde ao sói, representa o esteio<br />
de economia de milhões de sertanejos do nordeste com<br />
uma só de suas especies — a carnaubeira<br />
Aqui aparecem alguns belos exemplares de palmeiras<br />
brasileiras, reproduzidas do interessante volume "Palmá-<br />
ceas do Brasil", valioso estudo de autoria do Dr. Cláudio<br />
Cecil Poland, superintendente do nosso Jardim Botânico,<br />
e notável autoridade na matéria.<br />
ACKOCOMI Y EBIOCANTHA Barb. Rodr.<br />
BUTIA CAP1TATA VAR. ODORATA (Barb. Rodr. Beceari<br />
COPERNICIA CERIFERA Martius.
ae<br />
A"<br />
' Aristides r0.<br />
, (tier '«- »•<br />
29-267O<br />
" XSgõéjJ/ praça pad<br />
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DEP6s "o ccli)UlCt<br />
3<br />
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6 .<br />
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V<br />
»
c o n o m i a<br />
TRANSPORTES E PRO<br />
NÃO faz muito tempo que o snr. Macedo<br />
Soares, atual Ministro da Viação, comparecia<br />
à Comissão Parlamentar de<br />
Inquérito para esclarecer a exata situação<br />
dos nossos transportes. E o animador de<br />
Volta Redonda expôs em colorido bem \ivo<br />
e com muita precisão técnica o exato esta-<br />
do das nossas ferrovias, rodovias, aerovias,<br />
portos, barcos, gaiolas, armazéns alfandegários,<br />
transviários, etc., situação que é. sob<br />
todos os aspectos e detalhes, de uma precariedade<br />
absoluta.<br />
Desgastes que vão, segundo o Ministro Macedo<br />
Soares, das máquinas e instalações ao<br />
homem que movimenta toda essa rêde de<br />
circulação dos nossos bens e utilidades.<br />
Ha dias outro depoimento prestou o deputado<br />
Agostinho Monteiro, à Constituinte, também<br />
sobre transportes. E. como o Ministro<br />
da Viação, louvando-se não só em muitas<br />
das afirmações do snr. Macedo Soares, como<br />
de outros técnicos e estatísticos, chegou ã<br />
A Central «lo Brasil.<br />
DUCÃO<br />
conclusão de que. está nos transportes, portos.<br />
rios e canais a solução da crise que no<br />
momento r.os asfixia.<br />
Tratando da situação financeira das estradas<br />
de ferro, que cortam alguns dos r.ossos<br />
Estados, apresentou o Coronel Macedo Soares<br />
o seguinte quadro:<br />
Despesa Receita<br />
Estrada de Bragança 14.000.000.00 3.300.000.00<br />
Estradas. Luiz Terezina 30.000.000,00 11.000.000.00<br />
Rêde Viação Cearense 48.000.000.00 34 .000 000.00<br />
Central do Rio Grande do Norte 14.000.000.00 9.000.000.00<br />
Great Western e Réde Baiana 111.000.000.00 52.000.000.00<br />
E o snr. Agostinho Monteiro, o quadro dos<br />
"deficits" estimados para <strong>1946</strong>. que está as-<br />
sim elaborado:<br />
Deficits previstos para <strong>1946</strong><br />
Central do Brasil 200.000.000.00<br />
S. Luiz-Terezina 27.000.000.00<br />
Viação Cearense 27.000.000.00<br />
Leste Brasileira 90.000.000.00<br />
Rêde Baiana 59.000.000.00<br />
Estrada de Bragança .. .. 14.500 000.00<br />
Até aqui tudo muito bem.<br />
Certinho. E evidenciando<br />
que as nossas ferrovias vivem<br />
em permanente crise<br />
financeira.<br />
So não concordamos com as<br />
conclusões a que ambos<br />
chegaram de que, resolvido<br />
o problema dos transportes,<br />
tudo estará resolvido. Acabaremos<br />
com a crise, o povo<br />
produzirá e voltaremos a<br />
uma situação de prosperidade<br />
permanente. Não. com<br />
as conclusões dos dois homens<br />
públicos não concordamos.<br />
Justamente a causa de estarem<br />
as referidas estradas<br />
de ferro em situação financeira<br />
precária, prende-se ao<br />
atrazo economico nacional.<br />
E não só os números trazidos<br />
para o debate público<br />
pelo Ministro e pelo deputado<br />
reforçam o nosso ponto<br />
ie vista. Outros elementos<br />
de pesquíza e outras estatísticas<br />
e gráficos são definitivos<br />
quando mostram ao<br />
economista que a causa fundamental<br />
de estarmos sem<br />
possibilidade de vencer a<br />
maior parte dos obstáculos<br />
atuais relaciona-se com os<br />
POR JUVENILLE PEREIRA<br />
restos feudais ainda predominantes na conjuntura<br />
do pais.<br />
O Ministro Macedo Soares, por exemplo, declarou<br />
com a honestidade marcante em seu<br />
caracter de homem público, que parte bem<br />
grande dos "deficits" das ferrovias, de que<br />
tratou perante a Comissão Parlamentar de<br />
Inquérito, prendia-se ao excessivo gasto com<br />
pessoal.<br />
Mas que tais anormalidades procediam d: do<br />
o estado precário de saneamento das zonas<br />
por onde percorriam os trilhos de muitas das<br />
estradas deficitárias. Em certas ocasiões —<br />
declarou o Ministro — turmas inteiras de<br />
trabalhadores e até de maquinistas, foguistas,<br />
graxeiros e condutores de trens, deixavam<br />
de trabalhar por causa das fébres que<br />
derrubava a todos sem piedade. E que a<br />
baixa resistencia do homem.dada a sub-nutriçáo<br />
crónica, levava a turmas inteiras a<br />
faltar ao serviço daí, manterem as estradas<br />
pessoal além das suas necessidades permanentes<br />
afim de que, nos dias difíceis não<br />
deixassem as locomotivas centenárias de<br />
percorrer os caminhos estabelecidos pela<br />
técnica e pela engenharia.<br />
Ora, não são, portanto, as causas técnicas<br />
o motivo principal da crise de transportes.<br />
Êles são precários e obsoletos, não ha dúvida.<br />
Mas o mal das referidas estradas e<br />
rodovias não se desenvolverem como desejamos<br />
e desejam os snrs. Macedo Soares e<br />
Agostinho Monteiro, está em que não temos<br />
capacidade de aumentar a riqueza nacional<br />
em face do precário estado do nosso<br />
campo. Èle vive num estágio social e económico<br />
primitivo. Sem dispor de poder de<br />
compra e completamente abandonado às<br />
endemias, impaludismos e desconforto.<br />
Proliferas nas fazendas o regime dos vales<br />
e dos barracões. Faltam escolas para essa<br />
massa rural. Hospitais, remédios, roupa,<br />
calçado e mais: salário para poder consumir<br />
o que as nossas indústrias manufaturam.<br />
Assim sendo, como podemos produzir<br />
para que os nossos trens tenham possibilidade<br />
financeiras de progredir ? De que<br />
nos valerão, por exemplo, composições velocíssimas<br />
e movidas a óleo ou energia hidro-elétrica,<br />
se o campo e as regiões por<br />
onde trafegarem tais equipamentos ferroviários<br />
ou rodoviários não dispõem de mercadoras<br />
para os fazer circular ? De que<br />
servirão portos mecanicamente perfeitos em<br />
Alagoas, Sergipe. Piauí, Manaus, Belém cu<br />
Angra dos Reis, si a produção dessas regiões<br />
é nula ou quasi nula ? Para quê trens de<br />
passageiros com todo conforto moderno si o<br />
homem, dada a miséria em que vive, não<br />
dispõe de dois ou três cruzeiros para comprar<br />
uma passagem de l. a ou 2. :l ?<br />
De que nos servirão tais serviços se economicamente<br />
vivemos arrazados pelo peso<br />
morto de 33 milhões de camponêses que,<br />
como disse o Ministro Soares, dado o precarismo<br />
das suas condições sociais e biológicas,<br />
nem trabalhar pódem embora isso<br />
agrave ainda mais a miséria que os cerca<br />
nos mucambos ou palhoças ?
Existem os que acham que uma vès que a<br />
verba pessoal onera demasiadamente os<br />
orçamentos daquelas ferrovias, como de<br />
outras entidades estatais ou autarquicas.<br />
que o desemprego em massa abrandaria<br />
a crise. Engano tão grosseiro como<br />
o dos oue pensam que. dando-se trens<br />
e ônibus às populações rurais elas passarão<br />
a viver uma vida folgada e de desafogo.<br />
A nosso vêr só um planejamento partindo<br />
do âmbito regional para o nacional, e trazendo<br />
no seu bojo uma reforma agrária horizontal<br />
e vertical incorporará à economia<br />
ao Pais os consumidores que hoje vegetam<br />
à margem não só do progresso como do<br />
mundo das cidades e das indústrias.<br />
Trilhos como fci pedir o Ministro Macedo<br />
Soares, ao? Estados Unidos, para estabelecer<br />
a ligação das capitais, dentro de um<br />
sistema ferroviário exclusivamente político<br />
ou técnico, ou então, palavras de ordem<br />
para "produzir", como levantou na Constituinte<br />
o snr. Agostinho Monteiro, não resolverão<br />
não só a crise dos transportes,<br />
como a crise geral que desde 1940 nos assola.<br />
O que se deve fazer é dar poder aquisitivo<br />
ao homem rural brasileiro: dar-lhe o govêrno<br />
terra para que a ela se dedique inteiramente.<br />
E paralelamente a uma reforma<br />
agrária que encerra de uma vês o ciclo<br />
feudal ainda vigorando em todos os Estados<br />
brasileiros, uma politica económica de fundo<br />
agrário que parta da assistência social<br />
e técnica e leve ao ruralista crédito, instrumentos<br />
e ate um Codigo de Trabalho<br />
com normas e dispositivos idênticos ao que<br />
deu aos traoainadores das cidades — aos<br />
industriários, comerciários, bane 1 'os c burocratas<br />
.<br />
Vér os problemas económicos de um só ângulo.<br />
como fés o deputado Agostinho ao tratar<br />
dos transportes, ou do aspecto estráte-<br />
.gico ou exclusivamente técnico, como fés<br />
o snr. Macedo Soares, é continuar a chover<br />
no molhado. Teremos amanhã uma<br />
rède ferroviária, segundo almeja o Ministro<br />
da Viação, agora nos Estados Unidos<br />
negociando um empréstimo de 5 bilhões de<br />
cruzeiros só para trilhos, trens guindastes,<br />
dragas, etc. Mas isso de nada irá beneficiar<br />
as condições económicas por onde hoje<br />
correm quasi todas as estradas de ferro deficitárias.<br />
Capitalizará ainda mais os parcos<br />
orçamentos dessas empresas ou autarquias.<br />
aumentando os fretes, desempregando<br />
gente, sem aumentar a produtividade<br />
das areas agrícolas do país. Estas continuarão<br />
estacionadas (onde estão) e o êxodo rural<br />
crescendo sempre.<br />
Isto, aliás, é matéria conhecida por iodos os<br />
que estudam as questões econômicas indígenas.<br />
E matéria teórica conhecida no mundo<br />
inteiro.<br />
Ainda há dias Heinrich Leder, em estudo<br />
feito sobre a crise agrária europeia, mostrava<br />
o seguinte: — "Que os camponeses da<br />
Europa estão fazendo greve. Por enquanto<br />
— diz êle — a greve dos camponêses está na<br />
primeira fase Mas vai crescer c intensificar-se<br />
no correr deste ano e terá efeitos catastróficos<br />
para as populações urbanas da<br />
Europa Central no inverno que vem". E a<br />
seguir Leder mostra a razão dessa instabilidade<br />
socio-económica. Ei-la: — "Os planos<br />
CREME DE MASSAGEM<br />
RAINHA DA HUNGRIA<br />
De Mme. Campo«<br />
COMBATE E EVITA AS RUGAS<br />
A VENDA EM TODA A PAUTE<br />
"Não podeis imaginar<br />
quantos serviços me prestou<br />
minha apólice de seguro../''<br />
Falando a uni amigo, que o felicitava por<br />
suá elevaçfio ao trono de Sflo Pedro, o Papa<br />
Pio X recordava como. mais de uma vez,<br />
cora a garantia de sua apólice de seguro,<br />
pudera levantar dinheiro urgente para<br />
obras de caridade. Êsse é um dos mui\os<br />
benefícios do seguro de vida, que é, acima<br />
de tudo, proteção para a família; e é um<br />
dever de todo chefe de família, autorizado<br />
pelos mais altos exemplos, como o de S. S.<br />
Sul America<br />
o Papa Pio X. Pense no seu dever, lembre-se<br />
de sua responsabilidade pessoal para consigo<br />
e para com os seus. E recorra à Sul America,<br />
há 50 anos a serviço da família no Brasil. Um<br />
agente da Sul America está á sua disposiçfio<br />
para mostrar- ; i<br />
lhe qual o tipo i<br />
(<br />
A SUL AMERICA<br />
CAIXA POSTAI. Kl - RIO<br />
de seguro mais j ^ ^ ^ MkHv j<br />
adequado a<br />
s.e u caso.<br />
COMPANHIA NACIONAL DE SEGUROS DE VIDA<br />
FUNDADA CM IMS<br />
no papel feitos para o após-guerra, na hipótese<br />
de que a agricultura pôde recuperarse<br />
depressa, baseiam-se em um erro de calculo:<br />
a agricultura e a industria europeia<br />
estão estreitamente relacionadas entre si.<br />
Mais de metade da população total da Olemanha<br />
vive em cidades e depende do campo.<br />
Em troca dos produtos agrícolas as cidades<br />
costumavam fornecer ao campo artigos<br />
manufaturados e serviços. Hoje. elas<br />
não tem o que fornecer. E em parte alguma<br />
do mundo veem-se lavradores produzirem<br />
voluntariamente para alimentar as populações<br />
urbanas sem nada receber em tro,-<br />
»<br />
ca<br />
São observações de um economista experimentado<br />
e que precisam ser conhecidas<br />
de todos aqueles que pensam resoífer a crise<br />
brasileira unilateralmente.<br />
O trabalhador rural brasileiro também iá<br />
compreendeu que não dedve produzir mais<br />
para as cidades se em troca elas não ;he<br />
oferecem possibilidades, ao menos possibilidades,<br />
de adquirir parte do que as cidades<br />
manufaturam.<br />
formofrt sótre o u^uro.<br />
% . YYYY I<br />
Xomu 5<br />
l>ctú do hc *. ; dia trUi .. c*o !<br />
Solteiro*....Cã$adét.... Ttm fUkOi... j<br />
- :<br />
Ciéêée EM*io !<br />
FIRME<br />
mmmmmmmmmmmm<br />
POMAOA SECATIVA OE<br />
S. LAZARO<br />
100 •/• mais tllcas<br />
no trata*<br />
mento da pele.<br />
Feridas, manchas<br />
espinhas,<br />
cravos, etc»<br />
j<br />
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São ainda de Leder essas observações: —<br />
"O plano aliado para a Alemanha é de aumentar<br />
a produção agrícola. Mas a agricultura<br />
alemã antes da guerra já era iníensiva.<br />
a tal ponto que só as da Holanda e da<br />
Bélgica a ultrapassavam em intensidade. E<br />
só era possível manter esse nivel porque a<br />
agricultura alemã recebia constantes 3 suficientes<br />
fornecimentos de artigos industriais.<br />
Assim, as inversões de capitais na agricultura<br />
representavam, em média 50 %, das inversões<br />
na industria na Alemanha antes c"a<br />
guerra".<br />
Esse o problema brasileiro. Enquanto não<br />
dermos ao campo capacidade de comprar,<br />
poder aquisitivo e niveis de vida suportáveis.<br />
de nada valerão os trilhos e os portos<br />
luxuosos. As safras continuarão sem escoamento<br />
interno, isto é. podem ser quantitivamente<br />
grandes, mas o campo esgotarse-á<br />
tanto mais depressa quanto maiores<br />
fòrem os artifícios econômicos executados<br />
pelos uniteralistas.<br />
No Brasil a agricultura não consome nem<br />
10 % do que as fábricas manufaturam. Tudo<br />
que se industrializa consome-se em São Paulo.<br />
Rio de Janeiro. Recife, Porto Alegre. Natal<br />
ou Belém. O interior não existe para a<br />
maioria dos homens públicos. Nem os economistas<br />
e técnicos computam nos seus es -<br />
tudos o mercado interno. As sobras são entregues<br />
ao estrangeiro pelos "tétos" que êles<br />
íos impuzerem. E assim vamos parasitando,<br />
com ou sem trilhos.<br />
Daí não aceitarmos a tese do Ministro cia<br />
Viação de que só com transportes resolveremos<br />
a crise que nos asfixia. Nem a defendida<br />
pelo deputado Agostinho de que produzir<br />
é ter transportes.<br />
Si não dermos íumos diferentes à economia<br />
brasileira, estruturando-a numa reforma<br />
agrária completa, e partindo do simples<br />
para o complexo, no caso dos planejamentos<br />
rurais para o nacional, amparando o<br />
homem e dando-lhe terra para que se fixe<br />
no seu "habitat", e mais leis assistências<br />
que. partindo da casa e do hospital chegam<br />
ao crédito seletivo, tudo não passará de um<br />
fraseado demagogico e sem qualquer conteúdo<br />
económico digno de registro por parte<br />
dos estudiosos dos assuntos econômicos.<br />
Destas colunas ja fizemos os mais sombrios<br />
prognosticos. Muitos deles se realizaram<br />
ainda quando estavam sendo impressas.<br />
Oxalá que nao sejamos testemunhas de um<br />
desequilíbrio social muito breve. Mas como<br />
estão correndo as coisas o pessimismo já<br />
nos venceu definitivamente.<br />
Com ou sem transportes, sem varrermos do<br />
campo os restos feudais que ainda o aniquilam.<br />
tudo continuará seguirá de mal<br />
para pior. Esse o nosso ponto de vista. E<br />
queira deus que êle esteja errado...<br />
A CRIANÇA<br />
ENFERMA<br />
(Conclusão do número anterior)<br />
A alma humana é a mesma na éra atômica<br />
ou nos primórdios dos registros históricos.<br />
Os pecados capitais continuam a ser sete e<br />
dentro dos mandamentos da lei mosaica<br />
ainda se encontra a salvação. A arte. po-<br />
rém, inspiração e técnica, busca e encontra<br />
sempre expressões novas para os eternos<br />
sentimentos. Struys, com sensibilidade pró-<br />
pria e não de mestre, soube deixar gravadas<br />
as expressões do sofrimento intimo, da re-<br />
signação. da bravura d'alma.<br />
Seus quadros têm a naturalidade, a seve-<br />
ridade. a emoção, a profundidade, o peso. a<br />
solenidade das coisas que ficam. Imutá-<br />
veis. Perenes.<br />
CARLOS DA SILVA ARAUJO<br />
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