o projeto pedagógico de josé veríssimo para - Portal ANPED SUL
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TRANSFORMAÇÃO OU MODERNIZAÇÃO? O PROJETO PEDAGÓGICO DE<br />
RESUMO<br />
JOSÉ VERÍSSIMO PARA O BRASIL REPÚBLICA<br />
(401) TULLIO, Guaraciaba Aparecida (402) Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />
A pesquisa, aqui resumida, tem por objeto o pensamento <strong>de</strong> José Veríssimo<br />
Dias Mattos (1857-1916). Na análise da obra do autor buscamos compreen<strong>de</strong>r os<br />
pressupostos teórico-metodológicos que expressam e encaminham a luta <strong>de</strong> classes no<br />
contexto <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação da República no Brasil. Defensor <strong>de</strong> um país novo o seu<br />
pensamento se mostra conservador não só pela i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> progresso que postula mas,<br />
também, quando a reforça pela campanha <strong>de</strong> educação traduzida como instrumento <strong>de</strong><br />
intervenção imediata e/ou pragmática na socieda<strong>de</strong> brasileira. Optando pela reflexão<br />
teórica, e não por uma postura pragmática, enten<strong>de</strong>mos que a produção intelectual em<br />
torno da educação, enquanto ativida<strong>de</strong> humana não <strong>de</strong>svinculada da prática produtiva da<br />
vida, <strong>de</strong>ve expressar a própria prática, ou seja, o processo histórico do trabalho. Ao<br />
manifestá-lo ausente no seu pensamento, a <strong>de</strong>fesa da educação, na obra do autor, leva à<br />
<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al, unida por um consenso moral marcado pela abnegação<br />
do indivíduo e pela sua imersão na coletivida<strong>de</strong> ligada à idéia <strong>de</strong> pátria, <strong>de</strong> nação, <strong>de</strong><br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> organização da riqueza nacional. No sentido <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> a pesquisa abre<br />
espaço <strong>para</strong> a elaboração <strong>de</strong> dissertações na linha <strong>de</strong> História e Historiografia da<br />
Educação, o que já vem se realizando.
O presente trabalho trata <strong>de</strong> uma investigação a respeito do conceito <strong>de</strong><br />
revolução e <strong>de</strong> suas implicações no campo da educação, no processo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento do pensamento burguês, na virada do século XIX <strong>para</strong> o XX. Sua<br />
produção teórica está ligada, embora não a esgote na sua problemática e no seu<br />
conteúdo, à tese <strong>de</strong> doutorado, <strong>de</strong>fendida, em fevereiro <strong>de</strong> 1997, na área <strong>de</strong> Educação,<br />
pela UNICAMP, com o título acima exposto.<br />
Neste momento nosso objetivo é <strong>de</strong>monstrar, no terreno da luta <strong>de</strong> classes, mais<br />
especificamente, na sua expressão impressa no pensamento <strong>de</strong> José Veríssimo (1857-<br />
1916), a questão objetiva da or<strong>de</strong>nação da consciência e correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>fesa da<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> socialização da educação <strong>para</strong> todos.<br />
Defensor <strong>de</strong> uma país novo diríamos que, neste esforço, o autor se sente como<br />
revolucionário principalmente na campanha exaustiva que <strong>de</strong>senvolve em favor da<br />
educação nacional. Nesta campanha expressa a educação traduzida como instrumento <strong>de</strong><br />
intervenção imediata e/ou pragmática na socieda<strong>de</strong> brasileira.<br />
Vale lembrar que já em meados do século XIX, nos clássicos do marxismo, a<br />
formulação teórica da consciência necessária, entenda-se, da prática revolucionária, é<br />
explicitada como consciência que dá conta da questão humana fundamental que é a crise<br />
histórica da socieda<strong>de</strong> capitalista e a correspon<strong>de</strong>nte possibilida<strong>de</strong> que esta crise<br />
expressa <strong>para</strong> o avanço da humanida<strong>de</strong>, traduzido como uma nova forma <strong>de</strong> vida.<br />
Cotejando a com<strong>para</strong>ção da obra <strong>de</strong> José Veríssimo com as propostas <strong>de</strong><br />
revolução <strong>de</strong> Marx e Engels po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>duzir os limites do autor brasileiro<br />
principalmente nos conceitos <strong>de</strong> revolução e educação que são os pilares do seu<br />
pensamento. Na <strong>de</strong>fesa da revolução, a discussão encaminhada <strong>para</strong> a formulação da<br />
chamada "consciência filosófica" não faz avançar em nada a análise dos clássicos do<br />
pensamento marxista. Não faz avançar exatamente por que José Veríssimo parte do<br />
pressuposto <strong>de</strong> que a educação tem <strong>de</strong> ser, <strong>de</strong> que a educação é o ponto <strong>de</strong> partida. No<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste raciocínio, afirma o autor:<br />
Este livro (A Educação Nacional) foi escrito logo após a proclamação da<br />
República. Não me arreceio <strong>de</strong> dizer que o foi com a máxima boa fé e sincerida<strong>de</strong>.<br />
Meditei-o e escrevi-o na doce illusão e fagueira esperança <strong>de</strong> que o novo regimem, que<br />
só o propósito <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> regeneração <strong>para</strong> a nossa pátria legitimaria, havia realmente <strong>de</strong>
ser <strong>de</strong> emenda e correção dos vícios e <strong>de</strong>feitos <strong>de</strong> que os seus propagandistas, entre os<br />
quaes me po<strong>de</strong>ria contar, levaram mais <strong>de</strong> meio século a exprobar à monarchia. Ao seu<br />
ingenuo autor, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong>dicado, com ardor e estudo, às questões <strong>de</strong> educação,<br />
parecia que tanto a philosofia especulativa como a experiência da humanida<strong>de</strong><br />
certificavam que o meio mais apto, mais proficuo, mais directo e mais pratico <strong>de</strong> obter<br />
emenda e correção, era a educação. E assim pensando, ingenua talvez mas<br />
convictamente, elle o escreveu num verda<strong>de</strong>iro alvoroço <strong>de</strong> entusiasmo <strong>para</strong>, do fundo<br />
da sua obscurida<strong>de</strong> provinciana, propôr este expediente como o mais azado ás condições<br />
do paiz. (VERÍSSIMO, 1906, pp. V-VI)<br />
É importante ressaltar que, por mais esforços que se possa dispensar <strong>para</strong> tentar<br />
aproximar este discurso do marxismo, é sempre uma tentativa <strong>de</strong> aproximar o referido<br />
discurso do marxismo. Em outras palavras: ao nível do método, o marxismo não resiste a<br />
este tipo <strong>de</strong> análise da educação. Ele fica reduzido a um <strong>de</strong>ver ser e, nesta posição, <strong>de</strong>ixa<br />
<strong>de</strong> ser o que é e se transforma em i<strong>de</strong>ologia. Isso só não ocorre no momento em que nos<br />
projetamos como consciência capaz <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o movimento do marxismo em sua<br />
totalida<strong>de</strong>. Fazê-lo não é outra coisa, senão, enten<strong>de</strong>r o processo <strong>pedagógico</strong> traduzido<br />
por Marx como necessida<strong>de</strong>.<br />
Afastando-se <strong>de</strong>ste entendimento, a presença maciça da i<strong>de</strong>ologia dominante na<br />
obra <strong>de</strong> educadores brasileiros é, sem dúvida, um fato inquestionável no<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste pensamento. Como tal, já está presente na obra <strong>de</strong> José<br />
Veríssimo, portanto, no pensamento <strong>de</strong> um autor que inicia a discussão da educação<br />
nacional no Brasil República.(403)<br />
Tratada com <strong>de</strong>staque em sua obra a educação (na família, na escola, na<br />
literatura) é <strong>de</strong>fendida como o meio privilegiado <strong>de</strong> uma vasta empreitada <strong>para</strong> a<br />
construção da <strong>de</strong>mocracia, expressada na or<strong>de</strong>m e progresso republicanos. Como questão<br />
fundamental <strong>de</strong>staca-se, nesta luta, a produção do cidadão, a existência no país daquilo<br />
que ele nomina como necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma nova classe trabalhadora (brasileira),<br />
i<strong>de</strong>ntificada com aquela já constituída na "velha" Europa como trabalho livre .<br />
Voltada principalmente <strong>para</strong> a formação <strong>de</strong>ste trabalhador-cidadão, a educação<br />
nacional <strong>de</strong>veria contribuir não só <strong>para</strong> a difusão da instrução que José Veríssimo<br />
naturaliza como um <strong>de</strong>ver da escola mas, sobretudo, e preferencialmente, <strong>para</strong> a<br />
aquisição <strong>de</strong> sentimentos novos, <strong>para</strong> a mundialização <strong>de</strong> uma moral que tem por base os
i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> altruismo, <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> nacional, <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> amor à or<strong>de</strong>m, à pátria, <strong>de</strong>ntre<br />
outros. É na socialização da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes sentimentos, entendidos como guia<br />
prático <strong>de</strong> ação, que o autor concentra sua atenção na explicação da função social da<br />
escola. Neste sentido é preciso ressaltar que a obra <strong>de</strong> José Veríssimo, ao traduzir uma<br />
constante <strong>de</strong>fesa da educação nacional, nos ajuda a enten<strong>de</strong>r não só o esforço dos<br />
homens pela <strong>de</strong>mocratização da escolarização na socieda<strong>de</strong> capitalista mas,<br />
principalmente, nos ajuda compreen<strong>de</strong>r aquilo que lhe dá forma que é a própria luta pela<br />
or<strong>de</strong>nação do Estado.<br />
Estamos a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r que o conceito <strong>de</strong> educação, na obra do autor, não se<br />
<strong>de</strong>svincula daquilo que ele nomina como revolução. A <strong>de</strong>fesa da educação está<br />
diretamente ligada à <strong>de</strong>fesa da revolução enquanto avanço <strong>para</strong> a forma constituída da<br />
socieda<strong>de</strong> capitalista pelo trabalho livre. Mais especificamente, entretanto, po<strong>de</strong>mos<br />
dizer aqui, ainda que em síntese, que a obra do autor, enquanto processo <strong>de</strong> construção<br />
teórica e <strong>de</strong>fesa da revolução "brasileira" - <strong>de</strong>fesa esta marcada pelas idéias <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>generação e <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção e apresentada, politicamente, como vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma nova<br />
socieda<strong>de</strong> - ao se expor consciência marcada pelo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um pensamento<br />
on<strong>de</strong> a verda<strong>de</strong> histórica passa a ser a verda<strong>de</strong> relativa (= pluralismo), se traduz<br />
epistemologicamente conservadora e limitada, mesmo quando se faz acompanhada das<br />
mais sinceras intenções progressistas.<br />
Ao contrário da síntese dialética que i<strong>de</strong>ntifica a consciência como<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreensão da totalida<strong>de</strong> concreta, o pluralismo busca organizar uma<br />
leitura da realida<strong>de</strong> que se propõe alcançada através da adoção <strong>de</strong> diferentes<br />
perspectivas. Neste esforço, José Veríssimo incorpora não só uma leitura que se<br />
aproxima do marxismo, <strong>de</strong>struindo-o, mas incorpora, também, outras vertentes da<br />
i<strong>de</strong>ologia dominante. Assim agindo, se em seu pensamento clássicos da economia<br />
política como Adam Smith foram transformados em símbolo <strong>de</strong> uma exagerada luta<br />
materialista Marx passa a ser consi<strong>de</strong>rado, apesar <strong>de</strong> todo seu esforço <strong>para</strong> <strong>de</strong>monstrar o<br />
contrário, um filósofo, comprometido com a re<strong>de</strong>nção dos oprimidos: Des<strong>de</strong> Augusto<br />
Comte, no meiado do século passado, <strong>para</strong> não remontar mais alto, e os gran<strong>de</strong>s<br />
theoricos do socialismo, os Karl Marx, os Lassalles, os Proudhons, os Bakunines, todos<br />
os contemporaneos, até os Kropotkines e os Tolstois, não têm faltado philosofos,<br />
pensadores, ainda economistas, <strong>para</strong> pôr em duvida, contestar, negar o valor theorico e<br />
pratico, a legitimida<strong>de</strong> da Economia Politica, (...) conselheira escutada e lisongeira dos
que dominam a terra e na política, na finança, nas igrejas, na indústria exploram a<br />
immensa maioria dos homens. O <strong>de</strong>senvolvimento sempre crescente do socialismo, que<br />
será a doutrina politica do Século XX ou XXI, tão certo como a philosofia social do<br />
Século XVIII foi a doutrina politica do XIX, justifica essas dissidências, ataques e<br />
negações e <strong>de</strong>smente formal e triumphantemente a fingida soli<strong>de</strong>z da fabrica indigesta<br />
começada a construir por Adam Smith (...) (VERÍSSIMO,1907, pp. 147-48)<br />
No exercício da pluralida<strong>de</strong> teórica, enquanto <strong>de</strong>fensor das diferenças raciais<br />
(negação da luta <strong>de</strong> classes, em favor da luta <strong>de</strong> raças), por exemplo, chama a atenção a<br />
facilida<strong>de</strong> e a ausência, no pensamento do autor, <strong>de</strong> qualquer questionamento na adoção<br />
<strong>de</strong>sta leitura da realida<strong>de</strong>. Sem <strong>de</strong>ixar dúvidas, afirma ele: Sem nenhum preconceito <strong>de</strong><br />
raça, que m'os veda a minha própria estirpe, penso que a raça branca é a raça da<br />
civilização e do progresso, e que, quer no conjunto das socieda<strong>de</strong>s americanas, quer no<br />
das socieda<strong>de</strong>s brasileiras, a hegemonia ou pelo menos a superiorida<strong>de</strong> caberá áquellas<br />
em que dominar esse elemento. (VERÍSSIMO, s/d, p. 49)<br />
Com este tipo <strong>de</strong> conclusão José Veríssimo vai nos mostrando a leitura que faz<br />
da revolução pleiteada e, nela, do papel dos negros e mestiços libertos da produção<br />
ligada à escravidão na colônia. Em sua análise ele vai legitimando, pela <strong>de</strong>fesa da raça<br />
superior, a superiorida<strong>de</strong> da classe dominante, o que significa que apreen<strong>de</strong> como natural<br />
a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> classe que esta superiorida<strong>de</strong> encerra. No processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong>ste pensamento o autor não manifesta o menor interesse em saber o que justifica a<br />
proprieda<strong>de</strong> privada. Apenas recorre à biologia <strong>para</strong> explicar as diferenças entre os<br />
homens fazendo, <strong>de</strong>stas, um dos pontos <strong>de</strong> partida do seu raciocínio. Apesar da intenção<br />
<strong>de</strong>clarada <strong>de</strong> um pensamento crítico apreen<strong>de</strong>, sem qualquer questionamento, as<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classe como se fossem <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> raças.<br />
Outra vertente do pensamento burguês que José Veríssimo incorpora na análise<br />
da revolução é a crítica romântica à escravidão, o que culmina no entendimento <strong>de</strong> que a<br />
organização produtiva da colônia (escravismo) traduz um erro a ser corrigido pela<br />
educação. Neste entendimento, as palavras abaixo são esclarecedoras:<br />
Não pertenço àquelles, e o seu número é legião, que não enxergam no progresso<br />
senão o lado material e econômico, e que julgam uma civilização, ou a civilização, pelas<br />
pautas aduaneiras, pelas estatísticas comerciais ou pelo cômputo dos quilômetros <strong>de</strong><br />
estrada <strong>de</strong> ferro ou <strong>de</strong> cavalos-vapor ao serviço da indústria. A êsse progresso oponho e
prefiro o progresso moral (VERÍSSIMO, 1970 b, p. 114)<br />
Escreve ainda, citando Attillio Brunialti: Não terá talvez toda a razão um<br />
notabilíssimo economista italiano quando affirma que "eram tão elevantadas e nobres as<br />
razões que trouxeram á America os anglos saxões, quanto vis os motivos que <strong>para</strong> cá<br />
dirigiram hespanhoes e portugueses". (VERÍSSIMO, 1906, pp. 181-82)<br />
Levado pelo ímpeto da compaixão cristã José Veríssimo produz afirmativas<br />
como a que segue: "Diante do dominador o selvagem per<strong>de</strong> suas forças nas mãos <strong>de</strong>stes<br />
agentes" (VERÍSSIMO, 1970 a., p. 17-8). A socieda<strong>de</strong>, brada o autor isolando a análise<br />
da escravidão da análise da produção da riqueza, carrega uma terrivel <strong>de</strong>sgraça no seu<br />
seio:<br />
É o <strong>de</strong>sprezo pelo trabalho, <strong>de</strong>gradado entre nós pela <strong>de</strong>letéria influência da<br />
escravidão, um dos <strong>de</strong>feitos mais patentes do caráter do brazileiro.(VERÍSSIMO, 1906,<br />
p. 58)<br />
Na mesma direção, acrescenta: Não só abolindo como <strong>de</strong>gradando o trabalho, a<br />
escravidão consumou em nós a morte <strong>de</strong> todas as energias (...) (VERÍSSIMO, 1906, p.<br />
34)<br />
Resistindo ao trabalho livre como forma <strong>de</strong> vida, os filhos libertos dos escravos<br />
indígenas no Pará, <strong>para</strong> o autor, são uma raça que <strong>de</strong>genera em contato com a civilização<br />
que não compreen<strong>de</strong> e que lhes é madrasta.(VERÍSSIMO, 1970 a, p. 118)<br />
Ou, ainda, como diz ele: Filhos <strong>de</strong> uma raça <strong>para</strong> quem nada eram as privações<br />
dos gozos materiais, são eles como seus pais. (...) Falecem-lhes aspirações <strong>de</strong> um melhor<br />
viver. (...) Tudo o que exige ação, iniciativa, exercício continuado, persistência, a energia<br />
moral por on<strong>de</strong> as fortes individualida<strong>de</strong>s se afirmam, lhes é impossível. (VERÍSSIMO,<br />
1970 a, p. 22)<br />
Trazer esta questão já no primeiro capítulo da tese <strong>de</strong> doutorado não é um fato<br />
isolado. Tem o objetivo <strong>de</strong> chamar a atenção <strong>para</strong> o entendimento dos homens na<br />
questão do trabalho regido pelo capital. Os escritos <strong>de</strong> José Veríssimo se prestam a este<br />
propósito porque permitem enten<strong>de</strong>r que é exatamente no processo histórico <strong>de</strong><br />
supressão, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sorganização <strong>de</strong> uma forma objetiva da produção humana, ou melhor, do<br />
processo <strong>de</strong> finalização da escravidão na colônia brasileira com implantação do chamado
trabalho livre que os homens se <strong>de</strong>bruçam e buscam teorizar sobre o trabalho. No limite<br />
da prática produtiva e, correspon<strong>de</strong>ntemenete, no limite da consciência, enquanto o<br />
trabalho materializado expressa a prática cotidiana dos homens, portanto, enquanto o<br />
trabalho escravo legitima e reproduz a existência dos homens ele é entendido e explicado<br />
como uma ativida<strong>de</strong> natural dos homens. Somente quando este trabalho, por uma ou<br />
outra razão, não mais se efetiva na forma posta, quando os homens não mais conseguem<br />
se reproduzir na forma anterior, forma que era exatamente garantida por este trabalho,<br />
somente nesta etapa, os homens enten<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que a existência humana não é<br />
uma coisa natural, mas histórica.<br />
Entretanto, ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r uma perspectiva histórica José Veríssimo só<br />
aparentemente avança, pois, enten<strong>de</strong> a revolução como um processo marcado pelas<br />
idéias <strong>de</strong> <strong>de</strong>generação e <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção. Nesta <strong>de</strong>fesa i<strong>de</strong>ntifica a escravidão como<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crítica, <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação ao passado e traduz a história como necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> educação moral. As palavras do autor, dirigidas a alunos formandos do Colégio Pedro<br />
II, ajudam a compreen<strong>de</strong>r esta questão:<br />
Dai ao Gymnasio Nacional o orgulho <strong>de</strong> saber que não faz somente bachareis,<br />
senão homens. (VERÍSSIMO, s/d, p. 51).<br />
Na verda<strong>de</strong>, José Veríssimo, ao traduzir pelos sentimentos uma acentuada<br />
<strong>de</strong>fesa do homem que se preten<strong>de</strong> presente na pátria como primado da socieda<strong>de</strong><br />
corretamente conduzida torna, nesta análise, obscuro os fundamentos das relações<br />
sociais e, como extensão, a compreensão histórica do burguês-egoísta, por ele tão<br />
veementemente con<strong>de</strong>nado no processo da luta pela abolição da escravatura no Brasil. O<br />
autor acaba por negar, nesta análise, as contradições essenciais que dão forma à<br />
socieda<strong>de</strong> capitalista e à crise correspon<strong>de</strong>nte que se aflora no seu interior.<br />
Enten<strong>de</strong>mos que, ao nível do método e do conteúdo, a <strong>de</strong>fesa da revolução na<br />
forma estabelecida por José Veríssimo se traduz como impecilho, como controle à<br />
or<strong>de</strong>nação da consciência da classe trabalhadora que se preten<strong>de</strong> presente no país. Como<br />
já <strong>de</strong>monstraram Marx e Engels, na crítica ao socialismo utópico, <strong>para</strong> fazer avançar a<br />
socieda<strong>de</strong> naquilo que ela objetivamente apresenta como possibilida<strong>de</strong> - mas não ainda<br />
materialida<strong>de</strong> - impõe-se necessário <strong>de</strong>rivar a teoria não mais <strong>de</strong> condições morais<br />
fundadas sobre princípios a-históricos <strong>de</strong> justiça, <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong> etc., que vão dar na<br />
construção imaginária <strong>de</strong> sistemas sociais perfeitos e acabados, mas sim <strong>de</strong> análises
científicas da realida<strong>de</strong> social que permitam chegar a uma síntese superior baseada no<br />
conhecimento da estrutura e do movimento da socieda<strong>de</strong> dividida em classes, na<br />
compreensão do significado histórico <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>struição através do jogo das forças<br />
antagônicas.
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Estudos da literatura brasileira, 6a. série, introdução <strong>de</strong> Melânia Silva Aguiar, Belo
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Últimos estudos da literatura brasileira, 7a. série, introdução <strong>de</strong> Luiz Carlos Alves, Belo<br />
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