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o projeto pedagógico de josé veríssimo para - Portal ANPED SUL

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TRANSFORMAÇÃO OU MODERNIZAÇÃO? O PROJETO PEDAGÓGICO DE<br />

RESUMO<br />

JOSÉ VERÍSSIMO PARA O BRASIL REPÚBLICA<br />

(401) TULLIO, Guaraciaba Aparecida (402) Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />

A pesquisa, aqui resumida, tem por objeto o pensamento <strong>de</strong> José Veríssimo<br />

Dias Mattos (1857-1916). Na análise da obra do autor buscamos compreen<strong>de</strong>r os<br />

pressupostos teórico-metodológicos que expressam e encaminham a luta <strong>de</strong> classes no<br />

contexto <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação da República no Brasil. Defensor <strong>de</strong> um país novo o seu<br />

pensamento se mostra conservador não só pela i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> progresso que postula mas,<br />

também, quando a reforça pela campanha <strong>de</strong> educação traduzida como instrumento <strong>de</strong><br />

intervenção imediata e/ou pragmática na socieda<strong>de</strong> brasileira. Optando pela reflexão<br />

teórica, e não por uma postura pragmática, enten<strong>de</strong>mos que a produção intelectual em<br />

torno da educação, enquanto ativida<strong>de</strong> humana não <strong>de</strong>svinculada da prática produtiva da<br />

vida, <strong>de</strong>ve expressar a própria prática, ou seja, o processo histórico do trabalho. Ao<br />

manifestá-lo ausente no seu pensamento, a <strong>de</strong>fesa da educação, na obra do autor, leva à<br />

<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al, unida por um consenso moral marcado pela abnegação<br />

do indivíduo e pela sua imersão na coletivida<strong>de</strong> ligada à idéia <strong>de</strong> pátria, <strong>de</strong> nação, <strong>de</strong><br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> organização da riqueza nacional. No sentido <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> a pesquisa abre<br />

espaço <strong>para</strong> a elaboração <strong>de</strong> dissertações na linha <strong>de</strong> História e Historiografia da<br />

Educação, o que já vem se realizando.


O presente trabalho trata <strong>de</strong> uma investigação a respeito do conceito <strong>de</strong><br />

revolução e <strong>de</strong> suas implicações no campo da educação, no processo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento do pensamento burguês, na virada do século XIX <strong>para</strong> o XX. Sua<br />

produção teórica está ligada, embora não a esgote na sua problemática e no seu<br />

conteúdo, à tese <strong>de</strong> doutorado, <strong>de</strong>fendida, em fevereiro <strong>de</strong> 1997, na área <strong>de</strong> Educação,<br />

pela UNICAMP, com o título acima exposto.<br />

Neste momento nosso objetivo é <strong>de</strong>monstrar, no terreno da luta <strong>de</strong> classes, mais<br />

especificamente, na sua expressão impressa no pensamento <strong>de</strong> José Veríssimo (1857-<br />

1916), a questão objetiva da or<strong>de</strong>nação da consciência e correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>fesa da<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> socialização da educação <strong>para</strong> todos.<br />

Defensor <strong>de</strong> uma país novo diríamos que, neste esforço, o autor se sente como<br />

revolucionário principalmente na campanha exaustiva que <strong>de</strong>senvolve em favor da<br />

educação nacional. Nesta campanha expressa a educação traduzida como instrumento <strong>de</strong><br />

intervenção imediata e/ou pragmática na socieda<strong>de</strong> brasileira.<br />

Vale lembrar que já em meados do século XIX, nos clássicos do marxismo, a<br />

formulação teórica da consciência necessária, entenda-se, da prática revolucionária, é<br />

explicitada como consciência que dá conta da questão humana fundamental que é a crise<br />

histórica da socieda<strong>de</strong> capitalista e a correspon<strong>de</strong>nte possibilida<strong>de</strong> que esta crise<br />

expressa <strong>para</strong> o avanço da humanida<strong>de</strong>, traduzido como uma nova forma <strong>de</strong> vida.<br />

Cotejando a com<strong>para</strong>ção da obra <strong>de</strong> José Veríssimo com as propostas <strong>de</strong><br />

revolução <strong>de</strong> Marx e Engels po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>duzir os limites do autor brasileiro<br />

principalmente nos conceitos <strong>de</strong> revolução e educação que são os pilares do seu<br />

pensamento. Na <strong>de</strong>fesa da revolução, a discussão encaminhada <strong>para</strong> a formulação da<br />

chamada "consciência filosófica" não faz avançar em nada a análise dos clássicos do<br />

pensamento marxista. Não faz avançar exatamente por que José Veríssimo parte do<br />

pressuposto <strong>de</strong> que a educação tem <strong>de</strong> ser, <strong>de</strong> que a educação é o ponto <strong>de</strong> partida. No<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste raciocínio, afirma o autor:<br />

Este livro (A Educação Nacional) foi escrito logo após a proclamação da<br />

República. Não me arreceio <strong>de</strong> dizer que o foi com a máxima boa fé e sincerida<strong>de</strong>.<br />

Meditei-o e escrevi-o na doce illusão e fagueira esperança <strong>de</strong> que o novo regimem, que<br />

só o propósito <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> regeneração <strong>para</strong> a nossa pátria legitimaria, havia realmente <strong>de</strong>


ser <strong>de</strong> emenda e correção dos vícios e <strong>de</strong>feitos <strong>de</strong> que os seus propagandistas, entre os<br />

quaes me po<strong>de</strong>ria contar, levaram mais <strong>de</strong> meio século a exprobar à monarchia. Ao seu<br />

ingenuo autor, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong>dicado, com ardor e estudo, às questões <strong>de</strong> educação,<br />

parecia que tanto a philosofia especulativa como a experiência da humanida<strong>de</strong><br />

certificavam que o meio mais apto, mais proficuo, mais directo e mais pratico <strong>de</strong> obter<br />

emenda e correção, era a educação. E assim pensando, ingenua talvez mas<br />

convictamente, elle o escreveu num verda<strong>de</strong>iro alvoroço <strong>de</strong> entusiasmo <strong>para</strong>, do fundo<br />

da sua obscurida<strong>de</strong> provinciana, propôr este expediente como o mais azado ás condições<br />

do paiz. (VERÍSSIMO, 1906, pp. V-VI)<br />

É importante ressaltar que, por mais esforços que se possa dispensar <strong>para</strong> tentar<br />

aproximar este discurso do marxismo, é sempre uma tentativa <strong>de</strong> aproximar o referido<br />

discurso do marxismo. Em outras palavras: ao nível do método, o marxismo não resiste a<br />

este tipo <strong>de</strong> análise da educação. Ele fica reduzido a um <strong>de</strong>ver ser e, nesta posição, <strong>de</strong>ixa<br />

<strong>de</strong> ser o que é e se transforma em i<strong>de</strong>ologia. Isso só não ocorre no momento em que nos<br />

projetamos como consciência capaz <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o movimento do marxismo em sua<br />

totalida<strong>de</strong>. Fazê-lo não é outra coisa, senão, enten<strong>de</strong>r o processo <strong>pedagógico</strong> traduzido<br />

por Marx como necessida<strong>de</strong>.<br />

Afastando-se <strong>de</strong>ste entendimento, a presença maciça da i<strong>de</strong>ologia dominante na<br />

obra <strong>de</strong> educadores brasileiros é, sem dúvida, um fato inquestionável no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste pensamento. Como tal, já está presente na obra <strong>de</strong> José<br />

Veríssimo, portanto, no pensamento <strong>de</strong> um autor que inicia a discussão da educação<br />

nacional no Brasil República.(403)<br />

Tratada com <strong>de</strong>staque em sua obra a educação (na família, na escola, na<br />

literatura) é <strong>de</strong>fendida como o meio privilegiado <strong>de</strong> uma vasta empreitada <strong>para</strong> a<br />

construção da <strong>de</strong>mocracia, expressada na or<strong>de</strong>m e progresso republicanos. Como questão<br />

fundamental <strong>de</strong>staca-se, nesta luta, a produção do cidadão, a existência no país daquilo<br />

que ele nomina como necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma nova classe trabalhadora (brasileira),<br />

i<strong>de</strong>ntificada com aquela já constituída na "velha" Europa como trabalho livre .<br />

Voltada principalmente <strong>para</strong> a formação <strong>de</strong>ste trabalhador-cidadão, a educação<br />

nacional <strong>de</strong>veria contribuir não só <strong>para</strong> a difusão da instrução que José Veríssimo<br />

naturaliza como um <strong>de</strong>ver da escola mas, sobretudo, e preferencialmente, <strong>para</strong> a<br />

aquisição <strong>de</strong> sentimentos novos, <strong>para</strong> a mundialização <strong>de</strong> uma moral que tem por base os


i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> altruismo, <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> nacional, <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> amor à or<strong>de</strong>m, à pátria, <strong>de</strong>ntre<br />

outros. É na socialização da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes sentimentos, entendidos como guia<br />

prático <strong>de</strong> ação, que o autor concentra sua atenção na explicação da função social da<br />

escola. Neste sentido é preciso ressaltar que a obra <strong>de</strong> José Veríssimo, ao traduzir uma<br />

constante <strong>de</strong>fesa da educação nacional, nos ajuda a enten<strong>de</strong>r não só o esforço dos<br />

homens pela <strong>de</strong>mocratização da escolarização na socieda<strong>de</strong> capitalista mas,<br />

principalmente, nos ajuda compreen<strong>de</strong>r aquilo que lhe dá forma que é a própria luta pela<br />

or<strong>de</strong>nação do Estado.<br />

Estamos a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r que o conceito <strong>de</strong> educação, na obra do autor, não se<br />

<strong>de</strong>svincula daquilo que ele nomina como revolução. A <strong>de</strong>fesa da educação está<br />

diretamente ligada à <strong>de</strong>fesa da revolução enquanto avanço <strong>para</strong> a forma constituída da<br />

socieda<strong>de</strong> capitalista pelo trabalho livre. Mais especificamente, entretanto, po<strong>de</strong>mos<br />

dizer aqui, ainda que em síntese, que a obra do autor, enquanto processo <strong>de</strong> construção<br />

teórica e <strong>de</strong>fesa da revolução "brasileira" - <strong>de</strong>fesa esta marcada pelas idéias <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>generação e <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção e apresentada, politicamente, como vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma nova<br />

socieda<strong>de</strong> - ao se expor consciência marcada pelo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um pensamento<br />

on<strong>de</strong> a verda<strong>de</strong> histórica passa a ser a verda<strong>de</strong> relativa (= pluralismo), se traduz<br />

epistemologicamente conservadora e limitada, mesmo quando se faz acompanhada das<br />

mais sinceras intenções progressistas.<br />

Ao contrário da síntese dialética que i<strong>de</strong>ntifica a consciência como<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreensão da totalida<strong>de</strong> concreta, o pluralismo busca organizar uma<br />

leitura da realida<strong>de</strong> que se propõe alcançada através da adoção <strong>de</strong> diferentes<br />

perspectivas. Neste esforço, José Veríssimo incorpora não só uma leitura que se<br />

aproxima do marxismo, <strong>de</strong>struindo-o, mas incorpora, também, outras vertentes da<br />

i<strong>de</strong>ologia dominante. Assim agindo, se em seu pensamento clássicos da economia<br />

política como Adam Smith foram transformados em símbolo <strong>de</strong> uma exagerada luta<br />

materialista Marx passa a ser consi<strong>de</strong>rado, apesar <strong>de</strong> todo seu esforço <strong>para</strong> <strong>de</strong>monstrar o<br />

contrário, um filósofo, comprometido com a re<strong>de</strong>nção dos oprimidos: Des<strong>de</strong> Augusto<br />

Comte, no meiado do século passado, <strong>para</strong> não remontar mais alto, e os gran<strong>de</strong>s<br />

theoricos do socialismo, os Karl Marx, os Lassalles, os Proudhons, os Bakunines, todos<br />

os contemporaneos, até os Kropotkines e os Tolstois, não têm faltado philosofos,<br />

pensadores, ainda economistas, <strong>para</strong> pôr em duvida, contestar, negar o valor theorico e<br />

pratico, a legitimida<strong>de</strong> da Economia Politica, (...) conselheira escutada e lisongeira dos


que dominam a terra e na política, na finança, nas igrejas, na indústria exploram a<br />

immensa maioria dos homens. O <strong>de</strong>senvolvimento sempre crescente do socialismo, que<br />

será a doutrina politica do Século XX ou XXI, tão certo como a philosofia social do<br />

Século XVIII foi a doutrina politica do XIX, justifica essas dissidências, ataques e<br />

negações e <strong>de</strong>smente formal e triumphantemente a fingida soli<strong>de</strong>z da fabrica indigesta<br />

começada a construir por Adam Smith (...) (VERÍSSIMO,1907, pp. 147-48)<br />

No exercício da pluralida<strong>de</strong> teórica, enquanto <strong>de</strong>fensor das diferenças raciais<br />

(negação da luta <strong>de</strong> classes, em favor da luta <strong>de</strong> raças), por exemplo, chama a atenção a<br />

facilida<strong>de</strong> e a ausência, no pensamento do autor, <strong>de</strong> qualquer questionamento na adoção<br />

<strong>de</strong>sta leitura da realida<strong>de</strong>. Sem <strong>de</strong>ixar dúvidas, afirma ele: Sem nenhum preconceito <strong>de</strong><br />

raça, que m'os veda a minha própria estirpe, penso que a raça branca é a raça da<br />

civilização e do progresso, e que, quer no conjunto das socieda<strong>de</strong>s americanas, quer no<br />

das socieda<strong>de</strong>s brasileiras, a hegemonia ou pelo menos a superiorida<strong>de</strong> caberá áquellas<br />

em que dominar esse elemento. (VERÍSSIMO, s/d, p. 49)<br />

Com este tipo <strong>de</strong> conclusão José Veríssimo vai nos mostrando a leitura que faz<br />

da revolução pleiteada e, nela, do papel dos negros e mestiços libertos da produção<br />

ligada à escravidão na colônia. Em sua análise ele vai legitimando, pela <strong>de</strong>fesa da raça<br />

superior, a superiorida<strong>de</strong> da classe dominante, o que significa que apreen<strong>de</strong> como natural<br />

a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> classe que esta superiorida<strong>de</strong> encerra. No processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong>ste pensamento o autor não manifesta o menor interesse em saber o que justifica a<br />

proprieda<strong>de</strong> privada. Apenas recorre à biologia <strong>para</strong> explicar as diferenças entre os<br />

homens fazendo, <strong>de</strong>stas, um dos pontos <strong>de</strong> partida do seu raciocínio. Apesar da intenção<br />

<strong>de</strong>clarada <strong>de</strong> um pensamento crítico apreen<strong>de</strong>, sem qualquer questionamento, as<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classe como se fossem <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> raças.<br />

Outra vertente do pensamento burguês que José Veríssimo incorpora na análise<br />

da revolução é a crítica romântica à escravidão, o que culmina no entendimento <strong>de</strong> que a<br />

organização produtiva da colônia (escravismo) traduz um erro a ser corrigido pela<br />

educação. Neste entendimento, as palavras abaixo são esclarecedoras:<br />

Não pertenço àquelles, e o seu número é legião, que não enxergam no progresso<br />

senão o lado material e econômico, e que julgam uma civilização, ou a civilização, pelas<br />

pautas aduaneiras, pelas estatísticas comerciais ou pelo cômputo dos quilômetros <strong>de</strong><br />

estrada <strong>de</strong> ferro ou <strong>de</strong> cavalos-vapor ao serviço da indústria. A êsse progresso oponho e


prefiro o progresso moral (VERÍSSIMO, 1970 b, p. 114)<br />

Escreve ainda, citando Attillio Brunialti: Não terá talvez toda a razão um<br />

notabilíssimo economista italiano quando affirma que "eram tão elevantadas e nobres as<br />

razões que trouxeram á America os anglos saxões, quanto vis os motivos que <strong>para</strong> cá<br />

dirigiram hespanhoes e portugueses". (VERÍSSIMO, 1906, pp. 181-82)<br />

Levado pelo ímpeto da compaixão cristã José Veríssimo produz afirmativas<br />

como a que segue: "Diante do dominador o selvagem per<strong>de</strong> suas forças nas mãos <strong>de</strong>stes<br />

agentes" (VERÍSSIMO, 1970 a., p. 17-8). A socieda<strong>de</strong>, brada o autor isolando a análise<br />

da escravidão da análise da produção da riqueza, carrega uma terrivel <strong>de</strong>sgraça no seu<br />

seio:<br />

É o <strong>de</strong>sprezo pelo trabalho, <strong>de</strong>gradado entre nós pela <strong>de</strong>letéria influência da<br />

escravidão, um dos <strong>de</strong>feitos mais patentes do caráter do brazileiro.(VERÍSSIMO, 1906,<br />

p. 58)<br />

Na mesma direção, acrescenta: Não só abolindo como <strong>de</strong>gradando o trabalho, a<br />

escravidão consumou em nós a morte <strong>de</strong> todas as energias (...) (VERÍSSIMO, 1906, p.<br />

34)<br />

Resistindo ao trabalho livre como forma <strong>de</strong> vida, os filhos libertos dos escravos<br />

indígenas no Pará, <strong>para</strong> o autor, são uma raça que <strong>de</strong>genera em contato com a civilização<br />

que não compreen<strong>de</strong> e que lhes é madrasta.(VERÍSSIMO, 1970 a, p. 118)<br />

Ou, ainda, como diz ele: Filhos <strong>de</strong> uma raça <strong>para</strong> quem nada eram as privações<br />

dos gozos materiais, são eles como seus pais. (...) Falecem-lhes aspirações <strong>de</strong> um melhor<br />

viver. (...) Tudo o que exige ação, iniciativa, exercício continuado, persistência, a energia<br />

moral por on<strong>de</strong> as fortes individualida<strong>de</strong>s se afirmam, lhes é impossível. (VERÍSSIMO,<br />

1970 a, p. 22)<br />

Trazer esta questão já no primeiro capítulo da tese <strong>de</strong> doutorado não é um fato<br />

isolado. Tem o objetivo <strong>de</strong> chamar a atenção <strong>para</strong> o entendimento dos homens na<br />

questão do trabalho regido pelo capital. Os escritos <strong>de</strong> José Veríssimo se prestam a este<br />

propósito porque permitem enten<strong>de</strong>r que é exatamente no processo histórico <strong>de</strong><br />

supressão, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sorganização <strong>de</strong> uma forma objetiva da produção humana, ou melhor, do<br />

processo <strong>de</strong> finalização da escravidão na colônia brasileira com implantação do chamado


trabalho livre que os homens se <strong>de</strong>bruçam e buscam teorizar sobre o trabalho. No limite<br />

da prática produtiva e, correspon<strong>de</strong>ntemenete, no limite da consciência, enquanto o<br />

trabalho materializado expressa a prática cotidiana dos homens, portanto, enquanto o<br />

trabalho escravo legitima e reproduz a existência dos homens ele é entendido e explicado<br />

como uma ativida<strong>de</strong> natural dos homens. Somente quando este trabalho, por uma ou<br />

outra razão, não mais se efetiva na forma posta, quando os homens não mais conseguem<br />

se reproduzir na forma anterior, forma que era exatamente garantida por este trabalho,<br />

somente nesta etapa, os homens enten<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que a existência humana não é<br />

uma coisa natural, mas histórica.<br />

Entretanto, ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r uma perspectiva histórica José Veríssimo só<br />

aparentemente avança, pois, enten<strong>de</strong> a revolução como um processo marcado pelas<br />

idéias <strong>de</strong> <strong>de</strong>generação e <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção. Nesta <strong>de</strong>fesa i<strong>de</strong>ntifica a escravidão como<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crítica, <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação ao passado e traduz a história como necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> educação moral. As palavras do autor, dirigidas a alunos formandos do Colégio Pedro<br />

II, ajudam a compreen<strong>de</strong>r esta questão:<br />

Dai ao Gymnasio Nacional o orgulho <strong>de</strong> saber que não faz somente bachareis,<br />

senão homens. (VERÍSSIMO, s/d, p. 51).<br />

Na verda<strong>de</strong>, José Veríssimo, ao traduzir pelos sentimentos uma acentuada<br />

<strong>de</strong>fesa do homem que se preten<strong>de</strong> presente na pátria como primado da socieda<strong>de</strong><br />

corretamente conduzida torna, nesta análise, obscuro os fundamentos das relações<br />

sociais e, como extensão, a compreensão histórica do burguês-egoísta, por ele tão<br />

veementemente con<strong>de</strong>nado no processo da luta pela abolição da escravatura no Brasil. O<br />

autor acaba por negar, nesta análise, as contradições essenciais que dão forma à<br />

socieda<strong>de</strong> capitalista e à crise correspon<strong>de</strong>nte que se aflora no seu interior.<br />

Enten<strong>de</strong>mos que, ao nível do método e do conteúdo, a <strong>de</strong>fesa da revolução na<br />

forma estabelecida por José Veríssimo se traduz como impecilho, como controle à<br />

or<strong>de</strong>nação da consciência da classe trabalhadora que se preten<strong>de</strong> presente no país. Como<br />

já <strong>de</strong>monstraram Marx e Engels, na crítica ao socialismo utópico, <strong>para</strong> fazer avançar a<br />

socieda<strong>de</strong> naquilo que ela objetivamente apresenta como possibilida<strong>de</strong> - mas não ainda<br />

materialida<strong>de</strong> - impõe-se necessário <strong>de</strong>rivar a teoria não mais <strong>de</strong> condições morais<br />

fundadas sobre princípios a-históricos <strong>de</strong> justiça, <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong> etc., que vão dar na<br />

construção imaginária <strong>de</strong> sistemas sociais perfeitos e acabados, mas sim <strong>de</strong> análises


científicas da realida<strong>de</strong> social que permitam chegar a uma síntese superior baseada no<br />

conhecimento da estrutura e do movimento da socieda<strong>de</strong> dividida em classes, na<br />

compreensão do significado histórico <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>struição através do jogo das forças<br />

antagônicas.


BIBLIOGRAFIA<br />

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Livreiro Editor, 1910, 443p.<br />

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Estudos da literatura brasileira, 3a. série, introdução <strong>de</strong> Oscar<br />

Men<strong>de</strong>s, Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1977, 166p.<br />

Estudos da literatura brasileira, 4a. série, introdução <strong>de</strong> Letícia Malard, Belo Horizonte:<br />

Itatiaia; São Paulo, 1977, 154p.<br />

Estudos da literatura brasileira, 5a. série, introdução <strong>de</strong> João Etienne Filho, Belo<br />

Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1977, 115p.<br />

Estudos da literatura brasileira, 6a. série, introdução <strong>de</strong> Melânia Silva Aguiar, Belo


Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1977, 139p.<br />

Últimos estudos da literatura brasileira, 7a. série, introdução <strong>de</strong> Luiz Carlos Alves, Belo<br />

Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1979, 252p.<br />

Letras e Literatos, Rio <strong>de</strong> Janeiro: José Olympio Editora, 1936, (edição póstuma, 209p.<br />

Opúsculos, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Enca<strong>de</strong>rnação Perdigão, s/d., 233p.<br />

A Educação Nacional, 2.ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1906, 206p.<br />

A Educação Nacional, 3.ed., Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985. (Série Novas<br />

Perspectivas), 145p.<br />

Cultura, Literatura e Política na América Latina, seleção e apresentação <strong>de</strong> João<br />

Alexandre Barbosa, São Paulo, Brasiliense, 1986, 148p.

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