19.04.2013 Views

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O meu Príncipe encolheu os ombros. Pôr esse Reino... Na igrejinha, no<br />

cemitério de alguma d<strong>as</strong> freguesi<strong>as</strong> numeros<strong>as</strong>, onde ele possuía terr<strong>as</strong>. C<strong>as</strong>a<br />

tão espalhada!<br />

-Bem! – concluí. – Então, como se trata de ossad<strong>as</strong> vag<strong>as</strong>, sem nome, sem<br />

data, convém uma cerimoniazinha muito simples, muito sóbria.<br />

-Quietinha, quietinha! – murmurou o Silvério, dan<strong>do</strong> um forte sorvo<br />

<strong>as</strong>sobia<strong>do</strong> ao café.<br />

E foi quietinha, duma rústica e <strong>do</strong>ce singeleza a cerimônia daqueles altos<br />

senhores. Ce<strong>do</strong>, pôr uma manhã, levemente enevoada, os oito caixões<br />

pequeninos, cobertos dum velu<strong>do</strong> vermelho mais de festa que de funeral, com<br />

molhos de ros<strong>as</strong> espalha<strong>do</strong>s conten<strong>do</strong> cada um o seu montezinho de ossos<br />

incertos, saíram aos ombros <strong>do</strong>s coveiros de Tormes e <strong>do</strong>s moços da quinta, da<br />

Igreja de S. José, cujo sino leve tangia, na enevoada <strong>do</strong>çura da manhã –<br />

quan<strong>do</strong> fina e levemente! – como pia um p<strong>as</strong>sarinho triste, Adiantem um airoso<br />

moço de sobrepeliz erguia com zelo a velha cruz prateada; abrigan<strong>do</strong> o pescoço<br />

sob um imenso lenço de rapé, de quadra<strong>do</strong>s azuis, o velho e corcova<strong>do</strong><br />

sacristão segurava pensativamente a caldeirinha de água benta; e o bom abade<br />

de S. José, com os de<strong>do</strong>s entre o breviário fecha<strong>do</strong>, movia os lábios, numa<br />

lenta, murmurosa reza, que ia pelo <strong>do</strong>ce ar, espalhan<strong>do</strong> mais <strong>do</strong>çura. Logo atrás<br />

<strong>do</strong> último cofre, o mais pequenino, o da caveirinha pequena, Jacinto caminhava;<br />

e eu, a estalar dentro dum fato preto de Jacinto, tira<strong>do</strong> à pressa duma d<strong>as</strong><br />

mal<strong>as</strong> de Paris quan<strong>do</strong>, de manhã, já tarde para mandar a Guiães, me lembrei<br />

que toda a minha roupa era de cores festivais e p<strong>as</strong>toris.<br />

Depois marchava o Silvério, soleníssimo, com um imenso peitilho, onde <strong>as</strong><br />

barb<strong>as</strong> imens<strong>as</strong> se al<strong>as</strong>travam negríssim<strong>as</strong>. De c<strong>as</strong>aca, com o grosso beiço<br />

descaí<strong>do</strong>, descaí<strong>do</strong> to<strong>do</strong> ele pôr aquela melancolia de enterro que se juntava à<br />

melancolia da serra, o Grilo enfiava no braço a sua coroa, enorme, de ros<strong>as</strong> e<br />

de her<strong>as</strong>. Pôr fim seguia o Melchior, entre um rancho de mulheres, que,<br />

sumid<strong>as</strong> na sombra <strong>do</strong>s lenços pretos, desfian<strong>do</strong> longos rosários, rosnavam<br />

surd<strong>as</strong> ave-mari<strong>as</strong>, através de espaça<strong>do</strong>s suspiros, tão <strong>do</strong>ri<strong>do</strong>s como se<br />

inconsoladamente lhes <strong>do</strong>esse a perda daqueles Jacintos. Assim, pel<strong>as</strong> várze<strong>as</strong><br />

entrecorrid<strong>as</strong> de regueiros, lenta nos recostos <strong>do</strong>s matos, escorregan<strong>do</strong> mais<br />

rápida, pelos córregos pedregosos, seguia a procissão, sempre com a cruz<br />

adiante, alta e prateada, rebrilhan<strong>do</strong> pôr vezes num breve raiozinho de Sol que,<br />

vagarosamente, surdia da névoa desfeita. Ramos baixos de lódão ou de<br />

salgueiro p<strong>as</strong>savam uma derradeira carícia sobre o velu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s caixões.<br />

Um regato pôr vezes nos acompanhava, com discreto fulgir entre <strong>as</strong> relv<strong>as</strong>,<br />

sussurran<strong>do</strong> e como rezan<strong>do</strong> também, alegremente; e nos quintalinhos<br />

umbrosos, à nossa p<strong>as</strong>sagem, os galos, de cima d<strong>as</strong> pilh<strong>as</strong> de mato, faziam<br />

soar o seu clarim festivo. Depois, adiante da fonte da Lira, como o caminho se<br />

alongava, e desejássemos poupar o nosso velho abade, cortamos através duma<br />

seara, já alta, qu<strong>as</strong>e madura, toda entremeada de papoul<strong>as</strong>. O Sol radiou: sob a<br />

brisa larga, que levara a névoa, toda a messe ondulou numa lenta vaga<br />

<strong>do</strong>urada, em que se balouçavam os esquifes; e, como enorme papoula, a mais<br />

100

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!