A cidade e as serras - a casa do espiritismo
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-Então que quer, Silvério? O Jacinto gosta da serra. E depois este é o solar<br />
da família, e aqui começaram no século XIV os Jacintos...<br />
O pobre Silvério, no seu desespero, esquecia o respeito devi<strong>do</strong> à secular<br />
nobreza da c<strong>as</strong>a.<br />
-Ora! até ficam mal ao Sr. Fernandes ess<strong>as</strong> idéi<strong>as</strong>, neste século da<br />
liberdade... Pois estamos lá em tempos de se falar em fidalgui<strong>as</strong>, agora que pôr<br />
toda a parte tu<strong>do</strong> em República? Leia o Século, Sr. Fernandes! leia o Século, e<br />
verá! E depois eu sempre quero ver o Sr.D. Jacinto, aqui no Inverno, com o<br />
nevoeiro a subir <strong>do</strong> rio logo pela manhã, e a friagem a tr<strong>as</strong>p<strong>as</strong>sar os ossos, e<br />
ventani<strong>as</strong> que atiram carvalheir<strong>as</strong> de raízes ao ar, e chuv<strong>as</strong> e chuv<strong>as</strong> que se<br />
desfaz a serra!... Olhe, até mesmo pôr amor da saúde o Sr. D. Jacinto, que é<br />
fraquinho e acostuma<strong>do</strong> à <strong>cidade</strong>, necessita sair da serra. Em Montemor, em<br />
Montemor é que Sua Exª estava bem. e o Sr. Fernandes, tão amigo dele e<br />
<strong>as</strong>sim com tanta influência, devia teimar, e berrar, até que o lev<strong>as</strong>se para<br />
Montemor.<br />
M<strong>as</strong>, infelizmente para quietação <strong>do</strong> Silvério, Jacinto lançara raízes, e rij<strong>as</strong>,<br />
e amoros<strong>as</strong> raízes na sua rude serra. Era realmente como se o tivessem<br />
planta<strong>do</strong> de estaca naquele antiquíssimo chão, de onde brotara a sua raça, e o<br />
antiquíssimo húmus refluísse e o penetr<strong>as</strong>se to<strong>do</strong>, e o and<strong>as</strong>se transforman<strong>do</strong><br />
num Jacinto rural, qu<strong>as</strong>e vegetal, tão <strong>do</strong> chão, e preso ao chão, como <strong>as</strong><br />
árvores que ele tanto amava.<br />
E depois o que o prendia à serra era o Ter nela encontra<strong>do</strong> o que na<br />
Cidade, apesar da sua sociabilidade, não encontrara nunca – di<strong>as</strong> tão cheios,<br />
tão deliciosamente ocupa<strong>do</strong>s, dum tão saboroso interesse, que sempre<br />
penetrava neles, como numa festa ou numa glória.<br />
Logo de manhã, às seis hor<strong>as</strong>, eu, no meu quarto, mexen<strong>do</strong> ainda<br />
regaladamente o meu corpo nos colchões de fresco folhelho, sentia os seus rijos<br />
sapatões pelo corre<strong>do</strong>r, e o seu cantarolar, desafina<strong>do</strong>, m<strong>as</strong> ditoso como o dum<br />
metro. Em poucos instantes escancarava com fragor a minha porta, já de<br />
chapéu desaba<strong>do</strong>, já de bengalão de cerejeira, disposto com reserva<strong>do</strong> fervor<br />
para os trilhos conheci<strong>do</strong>s da serra. E era sempre a mesma nova, qu<strong>as</strong>e<br />
orgulhosa:<br />
-Dormi hoje deliciosamente, Zé Fernandes. Tão bem, com uma tal<br />
serenidade, que começo a acreditar que sou um justo! Um dia lin<strong>do</strong>! Quan<strong>do</strong><br />
abri a janela, às cinco hor<strong>as</strong>, qu<strong>as</strong>e gritei de puro gosto!<br />
Na sua pressa, nem me deixava demorar na frescura da banheira; e<br />
quan<strong>do</strong> eu repetia a risca mal começada <strong>do</strong> cabelo, aquele antigo homem d<strong>as</strong><br />
trinta e nove escov<strong>as</strong> protestava contra esse desbarato efemina<strong>do</strong> dum tempo<br />
devi<strong>do</strong> aos fortes gozos da terra.<br />
M<strong>as</strong> quan<strong>do</strong>, depois de acariciar os rafeiros no pátio, desembocávamos da<br />
alameda de plátanos, e adiante de nós se dividiam matutinamente, mais<br />
brancos entre o verde matutino, os caminhos coleantes da Quinta, toda a sua<br />
pressa findava, e penetrava na Natureza, com a reverente lentidão de quem<br />
penetra num Templo. E repetidamente sustentava ser “contrário à Estética, à<br />
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