A cidade e as serras - a casa do espiritismo
A cidade e as serras - a casa do espiritismo
A cidade e as serras - a casa do espiritismo
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
ajada de apitos, uivos, relinchos, cacarejos de galo, pôr entre magr<strong>as</strong> mãos,<br />
que se estendiam levantad<strong>as</strong> para estrangular <strong>as</strong> idéi<strong>as</strong>. Ao meu la<strong>do</strong> um velho,<br />
encolhi<strong>do</strong> na alta gola dum macfarlane de xadrezes, contemplava o tumulto com<br />
melancolia, pingan<strong>do</strong> endefluxa<strong>do</strong>. Perguntei ao velho:<br />
-Que querem eles? É embirração com o professor... é política?<br />
O velho abanou a cabeça, espirran<strong>do</strong>:<br />
-Não... É sempre <strong>as</strong>sim, agora, em to<strong>do</strong>s os cursos... Não querem idéi<strong>as</strong>...<br />
Creio que queriam cançonet<strong>as</strong>. É o amor da porcaria e da troça.<br />
Então, indigna<strong>do</strong>, berrei:<br />
-Silêncio, brutos!<br />
E eis que um abortozinho de rapaz, amarela<strong>do</strong> e sebento, de long<strong>as</strong><br />
melen<strong>as</strong>, um<strong>as</strong> enormes lunet<strong>as</strong> rebrilhantes, se arrebita, me fita, e me berra:<br />
-Sale Maure! 3<br />
Ergui o meu grosso punho serrano – e o desgraça<strong>do</strong>, numa confusão de<br />
melen<strong>as</strong>, com sangue pôr toda a face, aluiu, como um montão de trapos moles,<br />
ganin<strong>do</strong> desesperadamente, enquanto o furacão de uivos e cacarejos, guinchos<br />
e silvos, envolvia o Professor, que cruzara os braços, esperan<strong>do</strong>, com uma<br />
serenidade simples.<br />
Desde esse momento decidi aban<strong>do</strong>nar a f<strong>as</strong>tidiosa Cidade; e o único dia<br />
alegre e diverti<strong>do</strong> que nela p<strong>as</strong>sei foi o derradeiro, compran<strong>do</strong> para os meus<br />
queridinhos de Tormes brinque<strong>do</strong>s consideráveis, tremendamente complica<strong>do</strong>s<br />
pela Civilização – vapores de aço e cobre, provi<strong>do</strong>s de caldeir<strong>as</strong> para viajar em<br />
tanques; leões de pele verídica rugin<strong>do</strong> pavorosamente, bonec<strong>as</strong> vestid<strong>as</strong> pela<br />
Laferrière, com fonógrafo no ventre...<br />
Finalmente abalei uma tarde, depois de lançar da minha janela, sobre o<br />
Boulevard, <strong>as</strong> minh<strong>as</strong> despedid<strong>as</strong> à Cidade:<br />
-Pois adeuzinho, até nunca mais! Na lama <strong>do</strong> teu vício e na poeira da tua<br />
vaidade, outra vez, não me pilh<strong>as</strong>! O que tens de bom, que é o teu gênio,<br />
elegante e claro, lá o receberei na Serra pelo correio. Adeuzinho!<br />
Na tarde <strong>do</strong> seguinte Domingo, debruça<strong>do</strong> da janela <strong>do</strong> comboio, que<br />
vagarosamente deslizava pela borda <strong>do</strong> rio lento, num silêncio to<strong>do</strong> feito de azul<br />
e sol, avistei, na plataforma da quieta estação da minha aldeia, os Senhores de<br />
Tormes, com a minha afilhada Teresa, muito vermelha, arregalan<strong>do</strong> os seus<br />
soberbos olhos, e o bravo Jacintinho, que empunhava uma bandeira branca. O<br />
alvoroço ditoso com que abracei e beijei aquela tribo bem-amada conviria<br />
perfeitamente a quem volt<strong>as</strong>se vivo duma guerra distante, na Tartária. Na<br />
alegria de recuperar a Serra, até beijoquei o chefe Pimentinha, que a estalar de<br />
obesidade se açodava gritan<strong>do</strong> ao carrega<strong>do</strong>r to<strong>do</strong> o cuida<strong>do</strong> com <strong>as</strong> minh<strong>as</strong><br />
mal<strong>as</strong>.<br />
Jacinto, magnífico, de grande chapéu serrano e jaqueta, de novo me<br />
abraçou:<br />
-E esse Paris?<br />
-Me<strong>do</strong>nho!<br />
Sale Maure! : Mouro imun<strong>do</strong>!<br />
146