19.04.2013 Views

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

acercar submissamente um “receptor” <strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong>, e a permanecer imóveis para<br />

saborear Les C<strong>as</strong>quettes. E no salão cor-de-rosa murcha, na nave da Biblioteca,<br />

onde se espalhara um silêncio augusto, só eu fiquei desliga<strong>do</strong> <strong>do</strong> Teatrofone,<br />

com <strong>as</strong> mãos n<strong>as</strong> algibeir<strong>as</strong> e ocioso.<br />

No relógio monumental, que marcava a hora de tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> Capitais e o<br />

movimento de to<strong>do</strong>s os Planet<strong>as</strong>, o ponteiro rendilha<strong>do</strong> a<strong>do</strong>rmeceu. Sobre a<br />

mudez e a imobilidade pensativa daqueles <strong>do</strong>rsos, daqueles decotes, a<br />

Eletri<strong>cidade</strong> refulgia com uma tristeza de sol regela<strong>do</strong>. E de cada orelha atenta,<br />

que a mão tapava, pendia um fio negro, como uma tripa. Dornan, esboroa<strong>do</strong><br />

sobre a mesa, cerrara <strong>as</strong> pálpebr<strong>as</strong>, numa meditação de monge obeso. O<br />

historia<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s Duques de Anjou, com o “receptor” na ponta delicada <strong>do</strong>s de<strong>do</strong>s,<br />

erguen<strong>do</strong> o nariz agu<strong>do</strong> e triste, gravemente cumpria um dever palaciano.<br />

Madame de Oriol sorria, toda lânguida, como se o fio lhe murmur<strong>as</strong>se <strong>do</strong>çur<strong>as</strong>.<br />

Para desentorpecer arrisquei um p<strong>as</strong>so tími<strong>do</strong>. M<strong>as</strong> caiu logo sobre mim um<br />

chut severo <strong>do</strong> Grão-Duque! Recuei para entre <strong>as</strong> cortin<strong>as</strong> da janela, a abrigar a<br />

minha ociosidade. O Psicólogo da Couraça, distante da mesa, com o seu<br />

compri<strong>do</strong> fio estica<strong>do</strong>, mordia o beiço, num esforço de penetração. A beatitude<br />

de S. Alteza, enterra<strong>do</strong> numa v<strong>as</strong>ta poltrona, era perfeita. Ao la<strong>do</strong> o colo de<br />

Madame Verghane arfava como uma onda de leite. E o meu pobre Jacinto,<br />

numa aplicação conscienciosa, pendia sobre o Teatrofone tão tristemente como<br />

sobre uma sepultura.<br />

Então, ante aqueles seres de superior civilização, sorven<strong>do</strong> num silêncio<br />

devoto <strong>as</strong> obscenidades que a Gilberte lhes gania, pôr debaixo <strong>do</strong> solo de Paris,<br />

através de fios mergulha<strong>do</strong>s nos esgotos, cingi<strong>do</strong>s aos canos d<strong>as</strong> fezes – pensei<br />

na minha aldeia a<strong>do</strong>rmecida. O crescente de lua, que, segui<strong>do</strong> duma estrelinha,<br />

corria entre nuvens sobre os telha<strong>do</strong>s e <strong>as</strong> chaminés negr<strong>as</strong> <strong>do</strong>s Campos Elísios,<br />

também andava lá fugin<strong>do</strong>, mais lustrosa e mais <strong>do</strong>ce, pôr cima <strong>do</strong>s pinheirais.<br />

As rãs coaxavam ao longe no Pego da <strong>do</strong>na. A ermidinha de S. Joaquim<br />

branquejava no cabeço, nuazinha e cândida...<br />

Uma d<strong>as</strong> senhor<strong>as</strong> murmurou:<br />

-M<strong>as</strong>, não é a Gilberte!...<br />

E um <strong>do</strong>s homens:<br />

-Parece um cornetim...<br />

-Agora são palm<strong>as</strong>...<br />

-Não, é o Paulim!<br />

O Grão-Duque lançou um chut feroz... No pátio da nossa c<strong>as</strong>a ladravam<br />

os cães. De Além <strong>do</strong> ribeiro respondiam os cães <strong>do</strong> João Saranda. Como me<br />

encontrei descen<strong>do</strong> pôr uma quelha, sob <strong>as</strong> ramad<strong>as</strong>, com o meu varapau ao<br />

ombro? E sentia, entre a seda d<strong>as</strong> cortin<strong>as</strong>, num fino ar macio, o cheiro d<strong>as</strong><br />

pinh<strong>as</strong> estalan<strong>do</strong> n<strong>as</strong> lareir<strong>as</strong>, o calor <strong>do</strong>s currais através d<strong>as</strong> sebes alt<strong>as</strong>, e o<br />

sussurro <strong>do</strong>rmente d<strong>as</strong> levad<strong>as</strong>...<br />

Despertei a um bra<strong>do</strong> que não saía nem <strong>do</strong>s ei<strong>do</strong>s, nem d<strong>as</strong> sombr<strong>as</strong>.<br />

Era o Grão-Duque que se erguera, encolhia furiosamente os ombros:<br />

35

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!