A cidade e as serras - a casa do espiritismo
A cidade e as serras - a casa do espiritismo
A cidade e as serras - a casa do espiritismo
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
meu Jacinto, na Cidade, nesta criação tão antinatural onde o solo é de pau e<br />
feltro e alcatrão, e o carvão tapa o céu, e a gente vive acamada nos prédios<br />
como o paninho n<strong>as</strong> loj<strong>as</strong>, e a claridade vem pelos canos, e <strong>as</strong> mentir<strong>as</strong> se<br />
murmuram através de arames – o homem aparece como uma criatura antihumana,<br />
sem beleza, sem força, sem liberdade, sem riso, sem sentimento, e<br />
trazen<strong>do</strong> em si um espírito que é p<strong>as</strong>sivo como um escravo ou impudente como<br />
um Histrião... E aqui tem o belo Jacinto o que é a bela Cidade!<br />
E ante est<strong>as</strong> encanecid<strong>as</strong> e veneráveis invectiv<strong>as</strong>, retumbad<strong>as</strong><br />
pontualmente pôr to<strong>do</strong>s os Moralist<strong>as</strong> bucólicos, desde Hesío<strong>do</strong>, através <strong>do</strong>s<br />
séculos – o meu Príncipe vergou a nuca dócil, como se el<strong>as</strong> brot<strong>as</strong>sem,<br />
inesperad<strong>as</strong> e fresc<strong>as</strong>, duma Revelação superior, naqueles cimos de<br />
Montmartre:<br />
-Sim, com efeito, a Cidade... É talvez uma ilusão perversa!<br />
Insisti logo, com abundância, puxan<strong>do</strong> os punhos, saborean<strong>do</strong> o meu fácil<br />
filosofar. E se ao menos essa ilusão da Cidade torn<strong>as</strong>se feliz a totalidade <strong>do</strong>s<br />
seres que a mantém... M<strong>as</strong> não ! Só uma estreita e reluzente c<strong>as</strong>ta goza na<br />
Cidade os gozos especiais que ela cria. O resto, a escura, imensa plebe, só nela<br />
sofre, e com sofrimentos especiais que só nela existem! Deste terraço, junto a<br />
esta rica B<strong>as</strong>ílica consagrada ao Coração que amou o Pobre e pôr ele sangrou,<br />
bem avistamos nós o lôbrego c<strong>as</strong>ario onde a plebe se curva sob esse antigo<br />
opróbrio de que nem Religiões, nem Filosofi<strong>as</strong>, nem Morais, nem a sua própria<br />
força brutal a poderão jamais libertar! Aí jaz, espalhada pela Cidade, como<br />
esterco vil que fecunda a <strong>cidade</strong>. Os séculos rolam; e sempre imutáveis farrapos<br />
lhe cobrem o corpo, e sempre debaixo deles, através <strong>do</strong> longo dia, os homens<br />
labutarão e <strong>as</strong> mulheres chorarão. E com este labor e este pranto <strong>do</strong>s pobres,<br />
meu Príncipe, se edifica a abundância da Cidade! Ei-la agora coberta de<br />
morad<strong>as</strong> em que eles se não abrigam; armazenada de estofos, com que eles se<br />
não ag<strong>as</strong>alham; abarrotada de alimentos, com que eles se não saciam! Para<br />
eles só a neve, quan<strong>do</strong> a neve cai, e entorpece e sepulta <strong>as</strong> criancinh<strong>as</strong><br />
aninhad<strong>as</strong> pelos bancos d<strong>as</strong> praç<strong>as</strong> ou sob os arcos d<strong>as</strong> pontes de Paris... A<br />
neve cai, muda e branca na treva; <strong>as</strong> criancinh<strong>as</strong> gelam nos seus trapos; e a<br />
polícia, em torno, ronda atenta para que não seja perturba<strong>do</strong> o tépi<strong>do</strong> sono<br />
daqueles que amam a neve, para patinar nos lagos <strong>do</strong> Bosque de Bolonha com<br />
peliç<strong>as</strong> de três mil francos. M<strong>as</strong> quê, meu Jacinto! a tua Civilização reclama<br />
insaciavelmente regalos e pomp<strong>as</strong>, que só obterá, nesta amarga desarmonia<br />
social, se o Capital der Trabalho, pôr cada arquejante esforço, uma migalha<br />
ratinhada. Irremediável, é, pois, que incessantemente a plebe sirva, a plebe<br />
pene! A sua esfalfada miséria é a condição <strong>do</strong> esplen<strong>do</strong>r sereno da Cidade. Se<br />
n<strong>as</strong> su<strong>as</strong> tigel<strong>as</strong> fumeg<strong>as</strong>se a justa ração de cal<strong>do</strong> – não poderia aparecer n<strong>as</strong><br />
baixel<strong>as</strong> de prata a luxuosa porção de foie-gr<strong>as</strong> e túbar<strong>as</strong> que são o orgulho da<br />
Civilização. Há andrajos em trapeir<strong>as</strong> – para que <strong>as</strong> bel<strong>as</strong> Madam<strong>as</strong> de Oriol,<br />
resplandecentes de sed<strong>as</strong> e rend<strong>as</strong>, subam em <strong>do</strong>ce ondulação, a escadaria da<br />
Ópera. Há mãos regelad<strong>as</strong> que se estendem e beiços sumi<strong>do</strong>s que agradecem o<br />
<strong>do</strong>m magnânimo dum sou - para que os Efrains tenham dez milhões no Banco<br />
51