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QUESTÕES DE HYGIENE<br />

B DE<br />

ALIMENTAÇÃO<br />

CORTE DO MANGUE<br />

SALUBRIDADE DA ALIMENTAÇÃO<br />

DEGENERACÃO SAMTARIi<br />

POR<br />

PEDRO SOARES CALDEIRA<br />

RIO DE JANEIRO<br />

Typographia linp. e Const. de J. Villeneuve & C<br />

Ol. Kua do Ouvidor, ül<br />

1889<br />

a<br />

%


AO LEITOR<br />

Durante longo período de minha vida aproveitei os<br />

minguados ocios que ella me permettia para estudar as<br />

causas que tornavão endemica a febre amarella neste paiz,<br />

e que, quanto a mim, se prendem á destruição das matas<br />

marítimas e conseqüente desapparecimento dos elementos<br />

da util industria da pesca. Não sendo profissional, não<br />

tendo títulos scientificos que me re<strong>com</strong>mendassem, receei<br />

por muito tempo publicar as averiguações, os pensamentos<br />

e inducções que este aturado estudo me suggeria. A<br />

sciencia moderna, embora tenda aos estudos experimentaes<br />

e se proclame oriunda delles, propende para as generalisações,<br />

sua applicação a todas as circumstancias e climas<br />

e esquece um pouco 011 menospreza as modificações<br />

que a natureza impõe a essas generalisações. Estudadas as<br />

causas da febre amarella, nem assim efficientemente, em<br />

outras paragens, entendeo-se que as indicações obtidas<br />

sobre o principio morbido devião transplantar-se para entre<br />

nós e não se pensou muito em observar as causas locaes<br />

que influião no desenvolvimento e permanencia da epidemia<br />

nesta zona.


4<br />

Temeridade parecia que eu, alheio ás praticas e reg<br />

i m e n s scientificos, viesse discordar das explicações indicadas<br />

c acceitas e suggerir novas idéias, apontar origens<br />

novas e differenles. A timidez unida á prudência erabargou-me<br />

por longos annos a palavra ; nem é ainda sem<br />

grande receio que ouso dar a lume as minhas cogitações.<br />

Alguns amigos meus, que pensão ser facto historico apparecerem<br />

os exploradores antes dos grandes descobridores,<br />

animarão-me a romper o silencio e vir dizer o que observei<br />

e colligi, embora outros o rectifiquem e adaptem<br />

ás regras da sciencia e á lógica das confrontações. Tratando-se<br />

de grandes interesses, que dizem respeito á saúde<br />

publica eá prosperidade de uma industria popular, entendi<br />

que os meus receios não deverião ir além das reservas de<br />

uma exposição despretenciosa e abalancei-me ao tenta<br />

meu.<br />

Peço a indulgência do publico e ainda mais a dos<br />

profissionaes. Se nassc :encias ha classificadores eminentes,<br />

ha também preparadores humildes e dedicados a que os<br />

mestres estendem a mão.<br />

E' a ser util unicamente que aspiro, nem excedo este<br />

limite dizendo apenas o que vi, o que tenho a<strong>com</strong>panhado,<br />

o que me parece poder-se deduzir dos factos, e que é para<br />

assim dizer a historia do littoral da bahia do Rio de Janeiro<br />

durante meio século. Se estes apontamentos poderem<br />

ser aproveitados, elucidando questões difiiceis e destruindo<br />

preconceitos tanto mais perigosos que se acobertáo cora a<br />

tradição scientifica, julgar-me-hei feliz e darei por bem<br />

aproveitado o tempo que empreguei em penosas e longas<br />

averiguações.<br />

E* este o prêmio a que aspiro.<br />

ê


5<br />

Sáo estas as palavras de advertencia que precedeu a<br />

publicação do CÓRTE DO MANGUE.<br />

Agora, <strong>com</strong> algumas alterações, reuni em ura volume<br />

as diversas publicações feitas no Jornal do Commcrcio o<br />

que abrangem artigos sobre hygiene e alimentação publica.<br />

Nelles procurei <strong>com</strong>pendiar as observações que fiz<br />

durante um longo estádio, e que são todas baseadas no<br />

estudo dos phenomenos que nos rodefio. Encadeão-se ellas<br />

entre si, e parlem todas do mesmo principio, — a acçáo<br />

reciproca do homem e da natureza. Espero merecer o<br />

mesmo apoio do publico estudioso e benevolente.<br />

PEDRO SOARES CALDEIRA.


D CAS PALAVRAS<br />

AO<br />

SR. PEDRO SOARES CALDEIRA<br />

Tornei a ler, <strong>com</strong> a maior attenção as tres publicações<br />

sobre o córte do mangue, salubridade da alimentação e<br />

dcgeneração sanitaria que o meu amigo publicou successivamente<br />

no Jornal do Commcrcio, a principiar de 1883»<br />

em que a sua novidade despertou a curiosidade e estudo<br />

de todos os observadores desta natureza antarctica e tropical,<br />

tão dilíerente da que se conhece na Europa. Aqui<br />

a natureza, o homem, a sociedade estão sugeitos a leis<br />

especiaes, que ainda não forão bem observadas, e que os<br />

assimiladores das idéas européas muitas vezes encontrão<br />

ante si <strong>com</strong>o barreiras oppostas ao êxito da assimilação.<br />

Os seus estudos, que se prendem e relacionão entre si,<br />

vierão mostrar que as condições especiaes do paiz modificão<br />

radicalmente as causas e origens que se attribuem no<br />

estrangeiro a certas difíiculdades de desenvolvimento da<br />

população e ás moléstias que dizimão os habitantes.


8<br />

Não se pode negar que o aspecto da natureza que nos<br />

cerca tem sido muito modificado desde 1838 até hoje.<br />

Meio século de exploração da bacia marítima, que se estende<br />

da serra dos Órgãos até a sua barra no Atlântico,<br />

nào transformou somente a sociedade colonial descripta<br />

por Cook e Ferdinand Dénis, também modificou profundamente<br />

o aspecto pliysico que dezenhárão em linguagem<br />

tão enthusiasta o príncipe Maximiliano de Wied Neuwied,<br />

o sábio Darwin, e o illustre botânico G. Gardner. Estes<br />

três espíritos de elevado quilate, que apanharão a photographia<br />

natural do Rio de Janeiro antes da acção devastadora<br />

do homem, sorprehendem-nos em suas descripções, quando<br />

agora os lemos.Nem a cidade, nem as suas cercanias, nem<br />

a bahia, nem as florestas contíguas, nem o clima e a hygiene<br />

correspondem hoje ao que elles viráo. M. de Wied<br />

assistio aos primeiros ensaios de colonisação e ás primeiras<br />

lutas dos colonos <strong>com</strong> uma natureza quasi indomita ; embrenhou-se<br />

pelas maltas do norte da província do Rio e foi<br />

surgir <strong>com</strong>o uma apparição revolucionaria nos primeiros<br />

povoados da Bahia. Darwin, <strong>com</strong> seus olhos de aguia,<br />

deparou as singularidades da fauna e da entomologia ; percebeu<br />

que o ambiente biologico que o cercava diflerençava-se<br />

muito de todos os que até então conheçera, mas nào<br />

teve tempo de estudar a phytologia e as condições meteorologicas,<br />

esses dous factores da vida. Gardner, demorouse<br />

mais, explicou alguns phenomenos hygienicos e occupou-se<br />

da botanica local. Escutemos o que elle diz das con.<br />

dições hygienicas do Rio Janeiro em 1836:<br />

« As derrubadas que se fizerão nas llorestas dos arredores<br />

modificarão consideravelmente o clima. Outrora a<br />

chuva cabia no Rio quasi todo anno e as trovoadas eráo mais


9<br />

freqüentes e violentas. Agora, os mananciaes diminuirão<br />

de tal maneira que o governo prohibio que se tocasse nas<br />

florestas do Corcovado vizinhas do Aqueducto. Nos mezes<br />

de Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro, o clima é ordinariamente<br />

delicioso. E a estação secca e fresca. A temperatura<br />

média do anuo é de 72 graus Farnheit. As grandes<br />

chuvas <strong>com</strong>erão em Outubro e são precedidas das trovoadas<br />

que se pronunciáo principalmente depois do meiodia.<br />

»<br />

Os fluminenses de idade superior a cincoent 1 annos<br />

ainda conhecerão esta regularidade de estações, embora, já<br />

então, <strong>com</strong>o diz Gardner, a destruição das maltas estivesse<br />

modificando o clima. Actualmente quasi desapparecêrâo as<br />

trovoadas, a estação fria é entremeada de chuvas e calor, e<br />

o mez de Outubro não é o inicio da estação quente, <strong>com</strong>o<br />

ainda é Maio da estação secca e ventilada, no extremo<br />

norte do Brazil, em que a hygieneda natureza se conserva<br />

pela existencia das matas marítimas.<br />

O etfeito providente da rhizophoia manylc, vislumbrado<br />

pelo sagaz viajante Finlayson, em Singapore, nào é hoje<br />

uma excepção na hygieneda natureza, pois aos coniferos<br />

se attribuem algumas de suas qualidades na Europa. O<br />

pinheiro marítimo é considerado <strong>com</strong>o um renovador e<br />

conquistador dosólo. O valor da descoberta do meu amigo<br />

em relação ás diversas qualidades da arvore mangue de<br />

nossa bahia está na variedade das observações, no multiplice<br />

apreço de suas funeções e no estudo perseverante de<br />

sua influencia na vida do homem e da fauna que o cerca.<br />

Logo que a sua descoberta nào é um facto bizzarro e inexplicável,<br />

logo que ella se harmoniza <strong>com</strong> idênticas obser-<br />

3


30<br />

vações feitas sobre outras cspecies de plantas, parece que a<br />

sciencia oíficial podia fazer entrar este contingente de estudos<br />

nos elementos que devem constituir a sanilicaçào do<br />

li.toral destes conlornos. Sobre o pinheiro, lemos em um<br />

e>cripto de M. Ch. Broilliard, que resumio ás ultimas<br />

observações feitas, —a seguinte e curiosa descripção :<br />

« Os coniferos dotados de aguçadas pontas, a que se<br />

dá o nome de pinheiros, acháo-se collocadossempre em<br />

lugar apropriado. Tendo desapparccido das planícies férteis,<br />

occupão os peores sólos, e cada especie de pinheiro<br />

parece destinado a fecundar uma terra ingrata. Comoros<br />

moveis, areias aridas, gress inerte, calcario <strong>com</strong>pacto,<br />

schisto queimado, granito nú, nào ha quasi uma rocha,<br />

qualquer que seja o seu lugar, do tropico ao circulo polar,<br />

em que nào se possão radicar pinheiros. Fixáo e corrigem<br />

as areias, desaggregào o gress, nioem o calcario, pulverisào<br />

os schistos, de<strong>com</strong>poem o granito e transformào a<br />

terra mineral em terra vegetal.—Primeiro cobrem o sólo<br />

de pontas cabidas que mantém o fresco e accolhem e<br />

guardáo as aguas pluviaes. As raizes, invasoras e penetrantes.<br />

apoderào-se dos proprios rochedos. Os fruetos<br />

granulados, munidos para assim dizer de antenas, voào e<br />

espalhào-se a grandes distancias e eolonisâo-se nos sólos<br />

despidos. Com o tempo o estendal de pinheiros cobre immensas<br />

superfícies, e exerce acção poderosa no clima,<br />

do qual atenua os extremos. A' sombra ligeira dos pinheiraes<br />

e nos terrenos que elles prepararão, diversas arvores<br />

podem estabelecer-se em seguida; carvalhos, pinheiros<br />

alpestres e a maior parte das essencias ilorestaes poderão<br />

assim, passo a passo, ir-se substituindo aos pinheiros pri-


11<br />

mitivos, tomando a si e <strong>com</strong>pletando a obra de fecundação<br />

do sólo.»<br />

Quem, ao ler estas indicações scientificas e precisas,<br />

de authoridade <strong>com</strong>petente, não pensou em uma reproducção<br />

das pinturas traçadas pelo meu amigo sobre a obra<br />

reparadora do mangue ?<br />

Entretanto, as suas observações forão isoladas c expontâneas,<br />

occupão-no ha trinta annos, e, apenas pela<br />

consequencia natural da verdade scientifíca, encontrárão-s«<br />

<strong>com</strong> idênticas descobertas feitas sobre outras especies de<br />

arvores pelos botânicos europeus. O mangue exerce pois<br />

sobre os alagadiços estereis dos tropicos, a mesma acçáo<br />

que os coniferos sobre os solos seccos e áridos das regiões<br />

frias.<br />

A mesma exactidão de suas observações encontra-se no<br />

que diz respeito ás condições hygienicas do littoral, á<br />

criação do pescado e a alimentação do povo. Ultimamente,<br />

na Europa e Estados-Unidos, um certo numero de hygienistas<br />

tem se dado ao estudo de uma nova seiencia, que é<br />

a chimica animal, e que elles observão principalmente<br />

nas funeções physiologicas do homem. Os alimentos,<br />

factores de primeira ordem, juntos <strong>com</strong> os ares, as aguas,<br />

e as correntes electro-magneticas, na elaboração da vitalidade<br />

humana, estão sendo estudados nas suas menores<br />

particularidades e eííeitos, e quasi que em breve, se reduziráÕ<br />

a quotas precisas e qualificadas segundo as suas<br />

propriedades. No que toca á hygiene da natureza e á<br />

chimica animal, sciencias de hontem, a civilisaçâo actual<br />

está sahindo do acaso, do empyrismo, das regras fortuitas<br />

e rudimentares, para entrar no conhecimento de leis<br />

precisas e immutaveis. Se ha paiz que precise destes


12<br />

ramos de estudos, é certamente o littoral da bahia do Rio<br />

de Janeiro, em que a fauna deperece e o sólo conquistado<br />

aos alagadiços, mas ainda não regularisado pela sciencia,<br />

ofTerece limitadas condições de vigorosa e activa multiplicação<br />

das raças importadas de povoadores. A mortalidade<br />

das crianças ó immensa,a debilitação das successivas gerações<br />

é manifesta, e, ao lado das irregulares condições fiygienicas,<br />

a alimentação do povo é escassa e pouco salutar.<br />

A imprevidencia tem exaurido as fontes de vida do pescado<br />

, — questão grave, que na própria Inglaterra, tão<br />

rica de meios, ainda ha pouco o Times levantou <strong>com</strong><br />

o maior vigor.<br />

E' por isso que eu dou o maior apreço aos estudos do<br />

meu amigo, que vierão, entre nós, <strong>com</strong> a maior originalidade<br />

e mérito espontâneo, despertar algumas das mais<br />

graves questões physicas, que importâo ao progresso do<br />

século.<br />

Rio, 9 de Outubro de 1888<br />

REIJÍALDO CARLOS MOXTÓRO


OCOUTE DO MANGUE<br />

BSE7SS c c s : s : s s ? ^ c c s s<br />

o<br />

Sobre o antigo e actual estado da bahia do Rio de Janeiro, conseqüências<br />

da destruição da arvore denominada MANGUE, melhodo barbaro da<br />

pesca e decadencia desta industria


IV<br />

Bem diverso do que foi, é actualmente o estado do<br />

littoral da vasta baliia do Rio de Janeiro. Até a terça parte<br />

do nosso século era esse littoral, assim <strong>com</strong>o o de avultado<br />

numero de suas ilhas, orlado por grande quantidade de arvores<br />

que cobrião immensos lodaçaes. Hoje a parte interna<br />

da bahia. na vasante da maré, mostra o aspecto de enorme<br />

parcel, de côr preta e repugnante.<br />

Aquella outrora extensissima orla de arvores, abrangendo<br />

área de muitos kiloinetros quadrados, constituía<br />

verdadeira mata marítima formada por arvores em que<br />

predomina otanino, e que.directa e indirectamente, nutrião<br />

a vida de prodigiosa quantidade de peixes, de mariscos e<br />

de toda a população do mar. Esta arvore, denominada<br />

Mangue, é um vegetal conquistador e a muitos títulos maravilhoso!<br />

Solidifica a vasa onde vegeta, e fa-la alteiar,<br />

porque tudo o que adhere á mesma arvore é detido pelos<br />

rebentões que se aclno ao nivel das suas raizes e por uma<br />

vegetação basta, consistente, que <strong>com</strong> o aspecto de espargo<br />

se desenvolve nellas.<br />

Nas folhas, cascas e sementes desprendidas do Mangue<br />

recebia a vasa porção immensa de tanino, antidoto poderoso<br />

da putrefacção. Solidificando a superfície da vasa pela<br />

adstringencia que o caracterisa, a preciosa arvore impedia<br />

o esparzimento do lodo ao mesmo tempo que dillicultava a


íè<br />

procreação de alguns mariscos immotos e facilitava consequentemente<br />

a de outros. Refiro-me aos carangueijos,<br />

que eráo os maiores consumidores da matéria orgânica<br />

depositada sobre os parceis. A utilissima arvore nâo cessava<br />

o seu trabalho de conquista da agua : avançava dia<br />

por dia, hora por hora, profundando raízes a mais e mais<br />

resistentes no lodo, alteiando-o, convertendo-o a pouco e<br />

pouco em terra solida. Se por elTeito de temporal vinha<br />

juntar-se porçào de lodo á área conquistada, o incansavel<br />

obreiro nào tardava a cobri-lo e a sanea-lo ; se parte da<br />

conquista lhe era arrebatada pela corrente, as raízes pertinazes<br />

náo licaváo por muito tempo sem achêgo.<br />

Assim mantinha a protectora arvore perfeitamente<br />

conservadas as barras e erabocaduras dos rios, riachos e<br />

jnnumeroscanaes que, na vasante, serviáo de escoadouros á<br />

terra para o centro da bahia. Em quanto estes rios e canaes<br />

se conservarão margeados pelo Mangue tanto áquem <strong>com</strong>o<br />

além do littoral tinhão tamanha profundidade que, até na<br />

vasante, davào franca passagem a embarcações de bastante<br />

calado, quaes as faluas e outras de igual porte. Eráo <strong>com</strong>o<br />

prolongamento da drainagem natural da terra firme; por<br />

elles escoaváo as aguas da chuvas que erào acarretadas até<br />

o centro da bahia. Devastadas as arvores que prendiào e<br />

tornavâo resistente e imputrescivel o lôdo, precipitou-se<br />

este nos canaes, que se vào obstruindo até que de todo<br />

íique perdida esta previdente obra da natureza.<br />

Se o Mangue houvera sido conservado, tenderia a socrguera<br />

parte immersa das margens da bahia e das ilhas e<br />

assim limitando o espaço pelo qual as aguas se estendem,<br />

dar-lhes-hia leito mais profundo.<br />

Ao tempo em que os lodaçaes da magestosa bahia se


17<br />

achavSo cobertos pela espontanea arvore, desconhecida era<br />

entre nós a febre amarella e desconhecidas outras enfermidades<br />

de caracter epidemico cuja explosão seria erroneo<br />

imputar á conta do augmento da população. Alii supera -<br />

bundava então o peixe de que varias especies tanto agora<br />

rareião; camarão, molluscos, toda a população da agua<br />

prosperava á sombra da providente arvore; quando vasava<br />

a maré os pequenos peixes íicavão abrigados em largos<br />

caldeirões o nos canaes protegidos pela sombra. Os raios<br />

ardentes do sol não penetravão alii senão coados pela ramagem,<br />

<strong>com</strong> frouxa intensidade que não aquecia a agua,<br />

conservando-se esta fresca e saudavel ao desenvolvimento<br />

de sua população. Hoje toda esta população que a vasante<br />

deixa nos caldeirões e nos poços é aniquilada pelo calor ardentíssimo<br />

dos raios solares, que os penetrâosem refranger<br />

na folhagem. Kntào havia muito peixe e poucos pescadores:<br />

hoje escassez de peixe, maior necessidade desta alimentação<br />

e maior numero de exploradores desta industria.<br />

Tudo mudou de aspecto. A população da cidade do Rio<br />

de Janeiro e assim a de Nilherohy e dos povoados do littoral<br />

augmentou consideravelmente de quarenta a cincoenta<br />

annos a esta parte; a navegação desenvolveu-se; desenvoiverão-se<br />

numerosas industrias; multiplicarão-se as necessidade<br />

da vida. Até certo tempo a natureza bastava a<br />

reparar a obra da destruição da mata marítima; a espontaneidade<br />

natural sobejava a recoperar as perdas causadas<br />

pela utilisação do vegetal <strong>com</strong>o <strong>com</strong>bustível. Estas<br />

perdas erão mínimas e incalculável o numero das arvores<br />

cujo poder de repruducção é sabidamente prodigioso. As<br />

novas necessidades industriaes, nimiamente exigentes de<br />

3


18<br />

<strong>com</strong>bustível barato e fácil de ser colhido, perturbarão profundamente<br />

aquella proporção da acção destruidora para o<br />

dom espontâneo da natureza. Os possuidores da vasta cinta<br />

de terras á beira mar nada melhor julgarão fazer do que<br />

aproveitar tão rico cabedal, eminentemente fecundo para<br />

a procreação da população da agua e para saneamento da<br />

da capital do Brazil. Quem conheceu a mata marítima e<br />

hoje visit'. os lugares queella outrora ensombrava, fica estupefacto<br />

diante do vácuo aborto pela devastação. Devem<br />

ser contadas por milhões as arvores que o braço do homem<br />

desarraigou da bahia do Rio de Janeiro. A quantidade de<br />

tanino que as nossas aguas deixarão de receber é incalculável.<br />

O homem perturbou as condições creadas pela<br />

natureza para o equilíbrio das suas forças e não poderia<br />

perturba-las impunemente.<br />

De sobre o lodo da hahia do Rio de Janeiro muitos<br />

milhares de contos tem sido extrahidos, mas a que preço<br />

de vidas!<br />

Pela época em que a cidade do Rio de Janeiro e a de<br />

Nitherohy <strong>com</strong>eçarão a desenvolver-se. a cal era fabricada<br />

exclusivamente de cascas de mariscos, accumuladas pelos<br />

séculos em diversos pontos da bahia, olíerecendo o Maivj no<br />

o único <strong>com</strong>bustível para a queima d'aquellas cascas.<br />

Consumidas aquellas immensas jazidas e devastada a mata<br />

marítima, passou a cal a ser fabricada de fragmentos de<br />

casca, denominados saiuja, agora queimados, na falta de<br />

lenha, por moinha de carvão de pedra. Tudo fragmentos !<br />

restos de exhaurida riqueza ! Avalie-se o grande numero<br />

de edificações que nos últimos cincoenta annos se erguerão<br />

nas duas cidades da bahia do Rio de Janeiro e em todo<br />

seu littoral e cercanias! A toda a cal, telha e tijolo empre-


19<br />

gado neste extraordinário numero de construcções servio<br />

de <strong>com</strong>bustível a lenha extrahida do Manguei Não é possível<br />

conjecturar as proporções da devastação !<br />

Toda a extensa área occupada pela vasa está agora<br />

descortinada, nem muito longe deverá achar-se o dia em<br />

que o ultimo exemplar da providente arvore terá desapparecido.<br />

De semelhante destruição resultou que quando as<br />

marés são baixas, principalmente por impedirem os ventos<br />

do quadrante norte, reinantes em alguns annos durante<br />

todo o verão, a entrada das aguas do oceano pela barra»<br />

ficão expostos os lodacaes aos ardores do sol que, encontrando<br />

bom conductor de calorico na cór dos mesmos lodaçaes,<br />

abi desenvolve temperatura tão elevada que poucos<br />

seres podem resistir-lhe. A agua que a vasante deixa empoçada<br />

nos vast :ss :mos lodacaes, que só por centenas<br />

de milhões de 1'tros poderá ser medida, é de<strong>com</strong>posta<br />

pelo excessivo calor: morrem enormes quantidades de<br />

peixes, de ostras, de mox :lhÕes, de molluscos de numerosas<br />

variedades, especialmente o samanguaiá e o mexilhão •<br />

cuja reproducção excede das raias do verosim'1. Muitas vezes<br />

toda a agua se evapora aos ardores dos raios solares<br />

e o lodo inte :ramonte secco, tomando a côr pardacenta,<br />

fende-se na superfície. Km tornando a maré, a<br />

camada assim fendida desaggrega-se da inferior, boia<br />

e vai depositar-se no littoral, formando abi pequenos<br />

<strong>com</strong>oros, onde se concluo a iniciada fermentação. Nos<br />

torrões de lama resequida vão mvriades de mariscos e<br />

molluscos de todo o genero em putrefacção. Maré mais<br />

pujante dissolve estes monticulos de detriclos orgânicos,<br />

arrasta-os na vasante e espalha-os por toda a parte.


20<br />

Cada dia de verSo em que reinSo ventos contrários à<br />

entrada das aguas do oceano pela barra, coincidindo <strong>com</strong><br />

determinados quartos de lua, repete-se o phenomeno, envenenando<br />

a atmosphera e saturando de elementos toxicos<br />

as aguas da bahia. A mortandade do peixe e mariscos, de<br />

todas as especies e variedades transcede tudo o que a imaginação<br />

pôde representar em números. E' neste ambiente<br />

inficcionado e lethal que se agita o peixe das diversas<br />

qualidades, bem assim o camarão, <strong>com</strong> que nos alimentamos<br />

e que, na maior parte, são colhidos enfermos. Aos<br />

elementos de des<strong>com</strong>posição dos séres animaes, das raizes<br />

dos Mangues extinetos e dos vegetaes marítimos, juntão-se<br />

os provenientes dos rios, riachos e canaes (1).<br />

Em alguns verões os immensos lodaçaes semelhão<br />

cemiterio colossal, abrangendo área igual á de grande<br />

(1) Quando no ioterior cahem chuvas torrenciaes, é grande<br />

a quantidade de matéria orgânica animal e vegetal, que, arrastada<br />

pelas aguas. vem por innumeros conductos para a nossa<br />

bahia e é depositada sobre os parceis, por se acharam obstruídos<br />

o» canaes. Até as aguas de<strong>com</strong>postas e toda a e-peeie de resíduos<br />

dos pantanos, que <strong>com</strong> as enchentes ficão avados. são para<br />

alli acarretadas pelo mesmo modo. em vez de irem para o seio da<br />

bahia onde a agua é bem saturada de sal Ocoorre mais que<br />

neste caso preòominão alli as aguas doces, que occasionão a<br />

morte de grande quantidade de algumas especies de mariscos e<br />

de peixes, que a não supportão. Quando os Iodos estarão cobertos<br />

pel » mangue, a mortandade occasionada feia presença da<br />

agua doce era muito menor, porque a quantida !e dos mariscos o<br />

era também, e havia alli quem tudo devorasse rapidamente.<br />

Agora, em mezes de verão, depois de chuvas torrencines, que<br />

n:io sejao seguidas de vento rijo do sul, que dê á agua do<br />

Oceano franca entrada i ara lavar a bahia e nas vasantes levar<br />

ate f< ra da barra tantos resíduos reunidos, o perigo é immenso :<br />

a mortandade proveniente da presença da agua doce, a que se<br />

lhe segue pela exposição dos Iodos aos ardores dos raios solares,<br />

e os resíduo» vindos pelos rios, riachos, etc., constituem, a meu<br />

ver, o mais terrível fóco de epidemias.


21<br />

numero dos maiores cemiterios do mundo reunidos. Nos<br />

cemiterios humanos os cadavercs jazem a mais de um<br />

metro abaixo da superfície do sólo; no vasto cemiterio de<br />

que falíamos, myriades de organismos atravessío, expostos<br />

ao sol, todas as phases da de<strong>com</strong>posição chimica que<br />

<strong>com</strong>eça <strong>com</strong> a morte. E 6 abi que, enchendo a maré, vem<br />

alimentar-se o peixo e camarão, de que por nossa vez<br />

teremos de alimentar-nos! Quando a maré se retira,<br />

acarreta parte de taes resíduos em que predomina o bromo,<br />

o iodo e o terrível phosphoro, e esta parte de resíduos vai<br />

espalhar-se nas agua da bahia, emquanto, subsistindo as<br />

mesmas causas, re<strong>com</strong>eça nos lodaçaes a serie de phenomenos<br />

que devem alastra-los de organismos sem vida.<br />

Annos ha em que este collossal laboratorio de de<strong>com</strong>posição<br />

chimica não interrompe a sua medonha faina<br />

durante um, dous e mais mezes.<br />

Quem escreve estas linhas foi contemporâneo da mata<br />

marítima que, apezar de iá ter entrado cm seu periodo de<br />

declinio, ainda em alguns lugares resistia pela <strong>com</strong>pensação<br />

expontanea da natureza tá devastação de que <strong>com</strong>eçara<br />

a ser victima. Vio a devastação caminhar e boje não<br />

depara um exemplar da util arvore em muitos lugares<br />

onde outr'ora florescia innumera quantidade de arvores<br />

que ensombravão vastíssimos lençoes de lodo. Pelo tempo<br />

em que existia a mata marítima a febre amarella jamais<br />

se manifestou 11a cidade ('o B :o de Janeiro. Em todo o caso<br />

ha nisto uma coincidência para notar, um campo de investigações<br />

a rotear, um lu rzonte aberto a pesquizas que<br />

especialistas podem fazer fructificar. Na minha obscuridade<br />

era-me impossível fazer mais do que tenho feito neste<br />

estudo a que, ha 2o annos, me dedico.


n<br />

Em vários artigos publicados, ha annos, 110 Jornal do<br />

Commercio, mostrou-se até certo ponto o autor, que me<br />

asscgurão ser o Sr. Albuquerque, pharmaceutico, natural<br />

da província de Pernambuco, de acordo <strong>com</strong>migo no modo<br />

de considerar a questão da febre amarella ; ambos nós<br />

tínhamos enveredado pelo mesmo caminho; a direcção das<br />

nossas conjecturas era idêntica; excepção feita quanto á<br />

devastação da mata marítima,<strong>com</strong>o origem de todos os phenoinenos.<br />

que, a meu ver, são causa desta e de outras enfermidades.<br />

Attribuia o autor a febre amarella ao desprendimento<br />

do bromo pela de<strong>com</strong>posição de organismos marinhos,<br />

e <strong>com</strong>o desde 1859 cheguei a convencer-me que do<br />

descortinamento dos lodacaes e conseqüente mortandade<br />

de crustáceos e molluscos provém a terrível moléstia e outras,<br />

dei áquelles artigos attenção particular. O autor assignalava<br />

o bromo por ter notado os symptomas que produz<br />

esta substancia quando ingerida pelo homen são ; e, por<br />

minha parte presumia e presumo que o descortinamento<br />

do lodo e a conseqüente mortandade de organismos que<br />

nelle se formão ou depositão, dá lugar ao desprendimento,<br />

não só daquelle mas ainda de outros productos mais nocivos,<br />

qual, por exemplo, o phosphoro, espalhado em grande<br />

escala. Terão os symptomas do envenenamento pelo phos-


24<br />

phoro, em pequenas quantidades, perfeita semelhança <strong>com</strong><br />

os do typho icteroide ? Limitar-me-hei a esta interrogação<br />

á qual sómente a homens <strong>com</strong>petentes cabe responder de<br />

modo cabal. Seria afouteza, que não condiz á minha Índole,<br />

concluir de analogias acaso notadas ou imperfeita<br />

e in<strong>com</strong>pletamente observadas para a afirmação de uma<br />

identidade symptomatologica, que não sei haja sido até<br />

agora objeclo de attenção. Julgo ter entrevisto a analogia ;<br />

não ouso. porém, afirma-la.<br />

Ha também alguns annos, um editorial do Commcrcio<br />

do Porto, ao manifestar-se uma febre que fez victimas<br />

entre pessoas em uso de banhos na praia de Miragaya (1),<br />

deu por corrente a versão de ser attribuida a epidemia ao<br />

facto de haverem desembarcado naquella praia dons carregamentos<br />

de mexilhão, destinados a adubo de terras de<br />

cultura. Com infracção do regulamento tinha a carga<br />

permanecido alli por alguns dias, e o mexilhão, apodrecendo,<br />

impregnara do miasma pestifero a atmosphera. Este<br />

facto é muito para ser considerado. Se em temperatura<br />

mais baixa do que a nossa e em praia directamente banhada<br />

pelo oceano e lavada por ventos puros, dous carregamentos<br />

de mexilhão determinarão, a juizode entendidos,<br />

a explosão de uma epidemia, que eíleito poderá ter causa<br />

idêntica entre nós, na temperatura de verão, quando os<br />

mariscos dessa variedade e de outras, diariamente mortos<br />

na bahia do Rio de Janeiro, não encherião dous, mas<br />

muitos barcos?<br />

Contava-se outr'ora por muitos kilometros quadrados<br />

rJ!L £? Í 0 t e ,'~ m e *?S a n a d . quanto ao nome da praia : <strong>com</strong> o<br />

correr dos annos perdi-o da memória.


29<br />

a área dos lodaçacs cobertos cm nossa bahia pelo Manfftíe.<br />

Toda esta área despovoou-se de arvores e constituo hoje<br />

immenso parcel a que impropriamente ainda o uso conserva<br />

o nome de Mangue. Então a mata conquistava o<br />

mar : agora é o mar que conquisia a terra, é certo que<br />

lentamente, mas não tanto, que já se não torne palpavel a<br />

conquista. Ilhas ha que possuem muito menor perímetro<br />

do que ao tempo em que forão despojadas de suas matas.<br />

Livre o lodo da adherencia das arvores e da vegetação que<br />

tendia a solidifica-lo, tornou-se semi-liquido, apto para o<br />

espar/imento, e propicio á multiplicação de alguns mariscos<br />

immotos, cuja mortandade é, portanto, extraordinariamente<br />

maior no rigor do verão. Coincidindo o calor, segundo<br />

já notámos, <strong>com</strong> ventos que impeção a entrada das<br />

aguas do oceano pela barra, o perigo da infecção será tanto<br />

maior quanto mais se forem alargando os parceis e maior<br />

quantidade de molluscos puderem, portanto, armazenar.<br />

Na quadra calmosa que acabamos de atravessar (em<br />

1883), mais de 11111 periodo houve em que, durante dias<br />

consecutivos, tão fracas forão as marés que ainda na maior<br />

enchente, não cobrirão os lodacaes. Seccárão estes <strong>com</strong>pletanente<br />

; fendêrão-se na superfície e seguio-se toda a serie<br />

de phenomenos já indicados. Nos últimos mezes de 1882 e<br />

especialmente nos primeiros deste anno(I883)a mortandade<br />

dos mariscos foi espantosa, do que podem dar testemunho<br />

todos os pescadores e operários de outras profissões marítimas.<br />

Nas coróas e bancos onde o mexilhão se havia accumulado<br />

<strong>com</strong> a espessura de alguns centímetros, a destruição<br />

por efieito dos rais solares c pela anterior presença da agua<br />

doce, foi <strong>com</strong>pleta. Os samanguaxàs, os mexilhões, c outros<br />

4


26<br />

organismos existentes na superfície dos parceis descobertos<br />

tiverâo igual destino. Os cchnidcos forão totalmente destruídos,<br />

sem duvida por predominarem na bahia asaguas doces<br />

sobre as salgadas que, repellidas pelos ventos reinantes,<br />

não podiáo penetrar pela barra em quantidade suíliciente<br />

a restabelecer o equilíbrio ou a recuperar o seu império.<br />

Seria preciso contar por muitos milhares de toneladas métricas<br />

os resíduos da população morta dentro da bahia ou<br />

a matéria organica animal entregue á de<strong>com</strong>posição. O<br />

afastamento das aguas do oceano foi tal nos referidos mezcs<br />

que até fora da barra se tornou sensível. Nas ilhotas e<br />

coroas visinhas da costa, a extraordinaria mortandade de<br />

mariscos sobretudo do mexilhão (1), produzia exhalações<br />

repugnantes que provoca vão vomitos.<br />

Em quadras epidêmicas de outros annos os mesmos<br />

factos têm occorrido. A manifestação da febre tem-se dado<br />

(1) Este marisco é conhecido pelos pescadores de barra<br />

dentro por marisco de de io — em virtude do modo por que c-ra<br />

catado e colhido no lodo. quando existia a mata marítima.<br />

Antigamente era eile muito escasso na bahia do Rio de Janeiro<br />

e o pouco que havia era encontrado nos lodaçaes cobertos pelo<br />

Alaufjue e enredado nas raizi-s do mesmo. Hoje, existe em quantidade<br />

pa«mosa. uâo só junto ás raizes dos Mamutes extinetos<br />

mas em todos os lodavaes e c.»roas onde se accumula em espessas<br />

camadas.<br />

A enorme propagação deste marisco, devida ao e-parzimento<br />

do lodo, e altamente perigosa, pois que sendo elle immoto, sotíre<br />

em alguns annos, pela presença dajjua doce e por (icar exposto<br />

ao ar.or do sol, espantos t mortandade, que tahez >e possa contar<br />

P " milhares de toneladas métrica*. l>ouco temp - depois de<br />

mono desh ea-se da concha, e os das corôas são levados pelas<br />

corr.njezas para cima dos parceis desnudados, a juntar-se aos<br />

ti S O f ! e' e'>trando em de<strong>com</strong>posição, por falta<br />

aves anZ ^? 8 , , m a l a e x i , l i í , e «tarião os caran^ueiros e<br />

slo o ou» íffftf» i ludo devorarião. transformando em alimento<br />

0 * u e aS° r a e traosformado em ele.uento de destruição.


27<br />

quando maior 6 a quantidade do matéria organica entrada<br />

em putrefacçâo nos vastos parceis.<br />

Felizmente, ainda que anno por anuo se repetissem<br />

as condições climatologicas da ultima quadra (calor intenso,<br />

ausência do chuvas constantes depois das torrenciaes<br />

e ventos contrários á entrada da agua do mar), a mortandade<br />

não seria annualmento tamanha, porque os mariscos,<br />

sobretudo os immolos, não poderião de um verão para<br />

outro reproduzir-se na proporção dos que houvessem<br />

morrido. Se durante annos successivos se verificassem<br />

aquellas condições, o aniquilaniento dos immotos seria<br />

talvez <strong>com</strong>pleto, por não poder a reproducção supprir os<br />

vácuos deixados pela morte. Tal é a prodigiosa quantidade<br />

de seres que a reunião daquellas condições extingue !<br />

Todo o formidável poder reproduetor da população dos<br />

parceis não basta a restaurar em um anno os eíTeitos da<br />

mortalidade de dous ou de três mezes! Avalie-se <strong>com</strong>o<br />

enorme volume do detrictos animaes revoluteia então nas<br />

aguas de nossa esplendida bahia e se deposita nas praias,<br />

nas corôas e em todo o immenso lençol dos parceis<br />

lodosos !<br />

Passão-se annos sem que a febre amarella se manifesto<br />

011 tome proporções assustadoras. A nosso ver não é<br />

senão porque nesses annos faltão elementos á putrefacçâo<br />

collossal, ou porque chuvas torrenciaes e reiteradas fornecem<br />

aos parceis grande quantidade d'agua, ou porque a<br />

agua do oceano, penetrando desimpedidamente na bahia,<br />

os alaga c refresca a miúdo. Segundo colhemos de observações,<br />

as aguas salobras são as mais favoraveis á de<strong>com</strong>posição,<br />

porque também o são á multiplicação dos<br />

mariscos; nas aguas salgadas ou doces, o numero dos


32<br />

mariscos é relativamente pequeno e quasi nenhum o dos<br />

grandes molluscos.<br />

E' nas bahias ou enseadas onde as aguas são salobras<br />

ou pouco salgadas que o Mangue mais facilmente prospera<br />

concorrendo para que o lodo se conserve e pelo correr dos<br />

annos se torne consistente até solidilicar-se. Mas dá-se que<br />

as cidades e povòações assentadas á beira destes grandes<br />

reservatórios carecem de <strong>com</strong>bustível e, preferindo o<br />

Mangue pela facilidade de o obter, acabão por destrui-lo,<br />

<strong>com</strong>o entre nós. Eis porque, segundo a nossa conjectura,<br />

a febre amarella se manifesta <strong>com</strong> singular preferencia nas<br />

nas margens das bahias, enseadas ou angras, onde a agua<br />

salgada, em contacto <strong>com</strong> a doce, perde grande parle de<br />

• sua saturação, olTerecendo nos lodacaes descobertos, por<br />

desprovidos de vegetação, meio apto á multiplicação de<br />

certas variedades de mariscos e, em certa quadra, ao<br />

phenomeno da mortalidade pelo predomínio d agua doce<br />

e pelos elTeitos dos raios solares.<br />

Será mera conjectura, mas em todo o caso conviria<br />

averiguar todos estes pontos que levo indicados, e averigua-los,<br />

não só no Rio de Janeiro a cuja bahia tenho<br />

circumscripto as minhas observações, mas em toda a<br />

parte onde a terrível moléstia se manifesta periodicamente.<br />

Estas averiguações poderião indicar o bom caminho<br />

que bem assignalado se nos afigura pelo estudo do<br />

que se passa na bahia do Rio de Janeiro.<br />

No Pará tem apparecido <strong>com</strong> frequencia a febre amarella,<br />

em quanto no Maranhão, no Ceará, no Rio-Grande<br />

do Norte e na Parahiba, não nos consta que tal enfermidade<br />

se haja manifestado <strong>com</strong> intensidade. Provirá esta<br />

desigualdade das circunstancias que acabo de expor?


33<br />

Haverá no Pará lodaçaes descobertos, causas de putrefacçâo<br />

analogas ás da bahia do Rio de Janeiro? Existe<br />

alli o Mangue? Tem sido devastado em larga escala?<br />

A febre amarella tem-se manifestado em Pernambuco,<br />

na Bahia, em Santos, e depois de 1870 em<br />

Paranaguá; S. Pedro do Sul não conhece semelhante<br />

flagello. Por que uns pontos do littoral do Brazil<br />

serão ac<strong>com</strong>mettidos e outros não ? Porque razão províncias<br />

próximas, em idênticas condições atmosphericas, não<br />

imporlão e exporlão o flagello de umas para outras? Se<br />

é verdade que importamos a febre amarella, <strong>com</strong>o não a<br />

exportamos para o Rio-Grande do Sul, a tão poucos dias<br />

de viagem ? Porque não a exportou Pernambuco para<br />

outros povoados proximos e assim successivãmente?<br />

Tudo conspira para mostrar <strong>com</strong>o ha uma causa do<br />

lado do mar, e <strong>com</strong>o a dilTerença da natureza da costa determina<br />

ou não a febre. A resistencia que lhe tem oííerecido<br />

o interior é prova disto. A causa é quanto a nós a<br />

devastação da mata marítima, o córte da preciosa arvore,<br />

no qual a observação nos tem mostrado um erro de fataes<br />

conseqüências.<br />

(Artigo publicado no Jornal do Commercio de 28 de<br />

Junho de 1883.)<br />

(O primeiro artigo foi publicado em 26 do mesmo<br />

mez.)


III<br />

A devastação da arvore, de que nos temos occupado,<br />

não deve ter concorrido pouco para os eíleitos das ultimas<br />

inundações de que tem sido theatro esta cidade e que tamanhos<br />

prejuízos têm causado ao Estado e aos particulares,<br />

além de inestimável perda de vidas.<br />

Em annos remotos tínhamos visto, por mais de uma<br />

vez, cahirem sobre esta cidade e suas cercanias chuvas<br />

não menos intensas, senão mais do que as do <strong>com</strong>eço deste<br />

anno, sem que todavia produzissem damnos <strong>com</strong> para veis<br />

aos que ultimamente lamentámos. O facto é tanto mais<br />

para impressionar quanto é notorio <strong>com</strong>o outrora não<br />

possuía esta cidade um só dos systemasque hoje se contão<br />

em larga zona urbana, para escoamento das aguas pluviaes,<strong>com</strong>prehendendo<br />

cerca de 12 kilometrosem galerias de<br />

diâmetro superior de i m,00, mais de 10 kilometros de collectores<br />

de 0'»,iG a 0 m,80 e 17 kilometros de manilhas de<br />

diversos diâmetros, sem fallar das obras elíectuadas para<br />

impedir os elíeitos das inundações nos bairros de S. Christovão,<br />

Andarahy-Grande e Engenho-Velho. Embora esteja<br />

oficialmente reconhecido <strong>com</strong>o estes diversos melhoramentos<br />

se achão muito longe de satisfazer as necessidades<br />

deste serviço em cidade <strong>com</strong> as condições topogra-


32<br />

piiicas da capital do Império, não é menos certo que assim<br />

temos procurado facilitar, nas occasiões de enchente, o<br />

escoamento de considerável volume d'agua que deve ser<br />

estimado em muitas centenas de milhões de litros por<br />

hora. Antigamente nada disto possuíamos; no entanto, as<br />

enchentes não produzião os estragos que ora produzem.<br />

Não basta o augmento das construcções a explicar os<br />

damnos produzidos pelas inundações. A tradição reza que<br />

outrora as aguas não se precipitavão dos morros <strong>com</strong> a<br />

impetuosidade notada agora, e assim outras causas devem<br />

de ser buscadas para tamanhos estragos. O augmento das<br />

construcções dará em parte a explicação do phenomeno,<br />

mas certamente não è senão causa con<strong>com</strong>ittante.<br />

Quanto a mim, duas causas são indicadas pela observação.<br />

Para os lados da Cidade-Nova, ruas do Rezende,<br />

Lavradio, Arcos, Cattete, Rotafogo e suas vizinhanças, a<br />

impetuosidade das aguas explica-se pela abertura de ruas<br />

sem esgoto proporcionado, e, sobretudo, pelas edificações<br />

que cobrem hoje tão larga área dos ponto? elevados. Antes<br />

que existissem taes edificações, a agua cabia em perímetro<br />

muito mais vasto de sólo permeável e coberto de vegetação,<br />

que facilitava a absorpção. Hoje este sólo está consideravelmente<br />

reduzido pelas casas, páteos, calçadas, terrenos<br />

entregues á pequena cultura e ruas Íngremes e empedradas<br />

que, em vez de absorverem a agua, a repellem,<br />

dando oecasião a que se avolume e precipite pelas declividades<br />

augmentando a mais e mais a força inicial, e acarretando<br />

quanto se lhe oppõe sem resistencia suficiente.<br />

Assim <strong>com</strong>o a menor superfície diminue a evaporação,<br />

diminue também a absorpção d'agua. Quanto melhor aproveitada<br />

fór a área dos morros e suas encostas, maior será e


33<br />

perigo das enchentes. Somente numerosas obras do esgotamento<br />

(1) preservarão parte da cidade contra os funestos<br />

effeitos das innundações, que, dado egual volume de agua,<br />

serão cada vez mais terríveis, em razão da impermeabilidade<br />

que as edificações tendem a augmentar.<br />

Quanto ao outro lado da cidade e ao bairro de<br />

S. Christovão, jamais viramos alli inundações. Entretanto,<br />

salvo a rua Bclla de S. João e outras que naturalmente<br />

devião solTrer <strong>com</strong> a construcção do reservatório 1). Pedro II,<br />

no Pcdregulho, tendendo as aguas não absorvidas a precipitarem-se<br />

para aquellas ruas, não milita a respeito desta<br />

parte da cidade a razão acima indicada para explicar a<br />

vehemencia da quéda d'agua pelas declividadcs. E' certo<br />

que, dentro do bairro de S. Christovão, e até o reconcavo<br />

de Inhaúma, os pontos elevados se achão despojados de<br />

arvores; mas o fado é antigo nem poderia explicar satisfactoriamente<br />

a intensidade das recentes inundações, nas<br />

quaes, repetiremos, se o volume d'agua cabida sobre a<br />

cidade foi extraordinário, não foi todavia inteiramente<br />

excepcional ou único. Nesta *gona não ha dizer que edificações<br />

numerosas nos morros limitarão a área permeável ;<br />

causa diversa tem aqui o phenonu no e, ainda uma vez,<br />

julgamos achar-nos diante dos elleitos da devastação imprevidente<br />

do Mangue.<br />

(1) As aguas não absorvidas nos pontos elevados, devem<br />

seguir para o mar por canalisação independente da da planície,<br />

e um tal <strong>com</strong>ettimento, que cada dia se torna mais necessário<br />

é de grande dispendio. Assim <strong>com</strong>o as aguas repeilidas pelo sólo<br />

nos pontos elevados, não devem ser arrojadas para as planícies,<br />

também, quando feita a canalisação nesses pontos, não deve<br />

esta ser ligada á rede geral e sim despejar directamente para<br />

o mar.


34<br />

Os canaes e embocaduras dos rios e riachos que desaguão<br />

no reconcavo da Praia Pequena e de Inhaúma<br />

achão-sc <strong>com</strong>pletamente obstruídos pelo lodo que nelles<br />

cahio, por lhe faltar o arrimo que o sostinlia e tornava<br />

<strong>com</strong>pacto e resistente. As aguas da chuva, que outrora<br />

tinhão franca sabida por aquelles regulares escoadouros,<br />

buscão agora em parte direcção diversa; e, se abundantes<br />

lanção-se para o bairro de S. Christovão cujos escoadouros.<br />

atravessando-o até desaguar na Praia Formosa, não<br />

pódem <strong>com</strong>portar maior volume d agua do que aquelle<br />

paraque os talhou anatureza. Nem tão pouco encontrão ellas<br />

no canal que margeia aquella praia, quando cheia a maré,<br />

fácil esgoto, por se achar <strong>com</strong>o os outros <strong>com</strong>pletamente<br />

obstruído pelo lodo que nelle cahio, na ausência da<br />

protectora arvore que o retinha e solidificava. (1)<br />

A fatal destruição do Mangue tem assim em alguns pontos<br />

a sua influencia nas enchentes que nos tem por ultimo<br />

flagellado, e que, mais cedo ou mais tarde, hão de exigir<br />

obras inda mais dispendiosas do que aquellas que <strong>com</strong><br />

pequeno resultado temos executado. Fossem desobstruídos<br />

os escoadouros naturaes; viesse uma regulamentação<br />

protectora preservar a preciosa arvore, e muitas obras<br />

far-se-hião dispensáveis. Restituiriamos assim á natureza<br />

o seu papel e, quando é possível utilisar uma tendencia<br />

(1) A ponte do rio Maracanã, que atravessa a rua de<br />

S. Christov ao. u:io tem a capacida le necessária para dar passagem<br />

ao grande volume d'agua, que alli afllue por occasião de<br />

innandações. Os troncos de bananeiras e ramos de arvores acct:mulão-sede<br />

encontro á ponte, diminuindo assim o espaço para a<br />

correnteza e d » occasião a que as aguas avolumando-se/se entornem<br />

pelos fundos das chacaras, pondo em perigo a propriedade.<br />

Melhor seria construir nova ponte e alargar ahi o leito do rio<br />

pondo assim termo a tanto mal.


35<br />

ou força natural, a engenharia não busca outra solução.<br />

Um engenheiro distineto escreveu, ha pouco tempo, que<br />

o trabalho do homem deve consistir em ajudar a natureza<br />

quando ella não pôde fazer por si só o necessário. Para o<br />

nosso caso bastaria ao homem não contrariar a natureza*<br />

Nem são estes os únicos elleitos da distruição da espontânea<br />

arvore que, convém repetir, cobria outr'ora o perímetro<br />

de muitos kilometros quadrados e de muitos pontos<br />

tem hoje desapparecido <strong>com</strong>pletamente, rareando cm<br />

outros sobre a acção constante da derrubada imprevidente»<br />

Nada é desrazoado presumir que a devastação da mata marítima<br />

lão extensa, capaz de derramar e entreter a frescura<br />

das aguas em vastíssima área, tenha influído mui<br />

desfavorável mente nas condições climatologicas do Rio de<br />

Janeiro.<br />

Não é raro que a temperatura se eleve, sem que variem<br />

os ventos, precisamente naquellas horas das nossas<br />

noites de verão, em que deve esperar-se attenuação do<br />

calor. E' possível que isto provenha de passarem os ventos<br />

por sobre os lodacaes que, tendo attrahido durante horas<br />

os raios solares e armazenado immenso calor, o evaporão<br />

na vazante. Se os lodacaes estivessem abrigados á sombra,<br />

nào serão deposito de calorico, e o vento do quadrante<br />

norte, varrendo-os, não se impregnaria do calor que derrama<br />

sobre a cidade. Esta conjectura só parecerá infundada<br />

a quem ignorar, já que os lodaçaes occupão superfície<br />

immensa, iá <strong>com</strong>o elles retôm o calor solar durante<br />

muitas horas. Qualquer pôde verificar em tempo de verão<br />

<strong>com</strong>o a agua dos parceis, quente na superfície, mais o ó<br />

abaixo delia. Quem caminhar sobro o lodo sentirá escaldarein-se-lhes<br />

os pés, algumas vezes <strong>com</strong>o se os mergulhara


36<br />

em dissolução de soda caustica de elevada graduação.<br />

O phenomeno será em parte produzido pela de<strong>com</strong>posição<br />

de organismos; mas certamente não lhe 6 estranha a<br />

influencia do calor absorvido durante as horas em que o<br />

parcel se acha exposto aos raios directos do sol.<br />

São notorios os conselhos e protestos levantados contra<br />

a devastação das matas terrestres: este mal é deplorado<br />

por todos os que se occupão da questão da salubridade<br />

desta capital, tão exposta a perturbações da constituição medica.<br />

A necessidade de repovoar as matas circumvizinhas<br />

da cidade é de todos reconhecida. Já possuímos serviços<br />

florestaes em Paineiras e Tijuca, onde anno por anuo se<br />

plantão milhares de arvores de lei. lia poucos dias foi<br />

apresentado á cantara dos deputados um projecto para organisação<br />

de vasto serviço florestal nas cercanias desta<br />

cidade; e não lia pôr em duvida <strong>com</strong>o a realisaeão desta<br />

idéa será sobremaneira util ao saneamento do Rio de<br />

Janeiro. Não é preciso preconisar a beneíica influencia<br />

de florestas cultivadas nos arredores dos grandes centros de<br />

população. Entretanto, nunca ouvimos sequer fallar da<br />

nossa mata marítima, e nós a possuíamos esplendida, rira<br />

e eminentemente apropriada a sanificar o Rio de Janeiro-<br />

Ella proporcionou-nos por dilatados annos <strong>com</strong>bustível que<br />

parecia inextinguivel; mas a boa qualidade de sua lenha<br />

concorreu para abreviar-lhe a destruição. A pródiga natureza<br />

não o pôde ser bastante para <strong>com</strong>pensar a devastação a<br />

mais e mais exigida pela industria, e hoje apenas algumas<br />

pessoas se recordão das enormes proporções da extineta<br />

mata marítima do Rio de Janeiro. Emquanto milhões de<br />

arvores ensombraváo a in<strong>com</strong>paravel bahia, sustendo nas<br />

resistentes raizes de fôrmas caprichosas, e purificando os


37<br />

resíduos de toda a especie que a ellas adheriáo; saturando<br />

as aguas <strong>com</strong> prodigiosa quantidade de tanino e ofterecendo<br />

fresco remanso à reproducção dos peixes, crustáceos<br />

e molluscos, eráo bem diversas das de hoje as condições<br />

de salubridade do Rio de Janeiro. Seja ou não mera conjectura.<br />

certo é que, emquanto tivemos mata marítima, não<br />

tivemos febre amarella. O apparecimento desta coincidio<br />

<strong>com</strong> o <strong>com</strong>eço do desapparecimento daquclla. Se isto não<br />

basta para determinar a relação de causa para eíTcito»<br />

conslitue certamente um elemento que não é para desprezar.<br />

(Artigo publicado no Jornal do Cotnmercio. de 29 de<br />

Junho de 1883.)


IV<br />

Já ficou notado <strong>com</strong>o a devastação da nossa outr'ora tão<br />

extensa mata miritima influe desfavoravelmente na procreação<br />

dos peixes, além disto diííicultada pelos barbaros<br />

methodos da nossa rudimentaria pesca. O ensombro produzido<br />

pelo Mangue em área vastíssima fomentava a reproducçâo,<br />

ofíerecendo aos pequenos peixes abrigo saudavel<br />

contra os rigores dos raios solares. Completamente desnudados<br />

os parceis, desappareceu aquella condição de vida<br />

para a população nascente da nossa piscosa bahia, e duplo<br />

inconveniente proveio dahi: o peixe rareou, sendo notoriamente<br />

muito menos abundante boje do que outr'ora, o<br />

boa parte do que entra na alimentação chega enfermo ao<br />

consumo.<br />

Registrarei factos de observação que podem ser testemunhados<br />

por todas as pessoas que. directa ou indirectamente,<br />

partecipão da industria da pesca. Tenho que estes<br />

factos, sendo sujeitados á methodica observação scientifica,<br />

abririão vasto campo a pesquisas jamais tentadas e úteis<br />

no miis alto grão á saúde publica, pois entendem <strong>com</strong> o<br />

que ha mais importante para a vida de uma população,<br />

quaes são as condicções da sua alimentação. As questões<br />

desta natureza inspirão a lodosos paizes policiados o mais<br />

vivo interesse; nada do que toca á alimentação é deixado á<br />

mercê da livre industria; tudo está regulado, previsto e


40<br />

ordenado, de maneira que só por abuso pôde a população<br />

ser mal alimentada; governos e municipalidades entendem<br />

que a este supremo interesse é para ser sacrificada essa<br />

falsa liberdade que, nociva á <strong>com</strong>munhão social, não<br />

pôde constituir direito de ninguém. População sadia é a<br />

primeira necessidade das nações, e para isto é indispensável<br />

que a alimentação seja severamente fiscalisada. Como<br />

as cousas se passão entre nós nem é preciso lembrar e de<br />

todas as industrias alimentares a pesca é a maisdescurada<br />

Quadras lia cada anno em que nos alimentamos de peixe<br />

enfermo, e durante as quaes o supprimento diário da cidade<br />

do Rio de Janeiro, representa enorme destruição da<br />

vida que regorgita em nossa bahia, nada estudada por este<br />

interessante aspecto, que a considerável interesse scientifico,<br />

reúne o da bygiene publica.<br />

Lembraremos o que se dá <strong>com</strong> o camarão. Durante o<br />

ultimo verão, bem <strong>com</strong>o em outros, era colhido este crustáceo<br />

em estado visivelmente enfermo, bem patenteado<br />

por um ponto de côr escarlate na cabeça, indicio certo de<br />

morte. Facto curioso e convincente : o camarão pequeno,<br />

então apanhado, chegava em duas ou tres horas a tal<br />

estado de de<strong>com</strong>posição, que. usado <strong>com</strong>o isca, era rejeitado<br />

pelo peixe. Peixes voracissimos <strong>com</strong>o o bagre e o<br />

bayacú(i),ao passo que facilmente a boca vão qualquer outra<br />

(1) Este peixe é considerado venenoso, por todos ue se<br />

occupão na industria da pesca, dentro da bahia. cei que existem<br />

variadas especies; mas só conheço o bayacú ará. o mirim e o<br />

denominado piry: o primeiro, o mais corpolento de todos, só<br />

habita em lugares de muita agua e não è accusado de produzir<br />

enfermidades a quem delle faz uso <strong>com</strong>o alimento ; o segundo,<br />

que em geral nao excede em <strong>com</strong>primento a 22 centímetros, é<br />

c-nstante freqüentador dos parceis e <strong>com</strong> elle tèm os pescadores<br />

muito cuidado, quando o preparão <strong>com</strong>o alimento, por ser nocivo


41<br />

isca c até carne secca, não mordião a isca do camarão;<br />

era certamente o instiucto que os fazia rejeitar alimentação<br />

doentia.<br />

Os camarões maiores duravão mais do que os pequenos,<br />

porém nào chegaváo perfeitos ao consumo; decorridas<br />

algumas horas depois de colhidos, <strong>com</strong>eçava também<br />

quand » está <strong>com</strong> o fél derramado ; e finalmente, o terceiro, que<br />

é muito pequeno e nu c.i utihsado, por ser crença geral, fazer<br />

mal em t das as circumstanci;.s.<br />

Dizem-me o- que se oecupão da pescaria, que ê necessário<br />

muito cuiiado em n .


42<br />

nelles a de<strong>com</strong>posição, variando esta cm intensidade, segundo<br />

a zona da pesca.<br />

Notei no camarão um phenomeno que presumo não<br />

ter sido devidemente apreciado e jamais encontrei em<br />

outro habitante dagua. E' a extraordinária causticidade de<br />

um liquido existente na cabeça, o qual chega a destruir a<br />

pelle das mãos dos pescadores que por dias consecutivos<br />

empregão <strong>com</strong>o isca aquelle crustáceo; as pontas dos<br />

dedos ticão-lhes ensangüentadas e <strong>com</strong> repugnante aspecto.<br />

Os vendedores ambulantes deste produeto, que o carregão<br />

em cestos á cabeça, não raras vezes lição <strong>com</strong> as costas<br />

queimadas pelo corrosivo liquido que exsuda do camarão,<br />

apezar de usarem chapéos de largas abas que muito<br />

diminuem aquelle mal. Esta causticidade augmenta consideravelmente<br />

no verão, quando as marés são baixas e os<br />

parceis, desnudados da mata, lição expostos à acção directa<br />

e intensissima dos raios do sol; é então que o crustáceo se<br />

mostra extraordinariamente saturado daquellc liquido e<br />

esta é, segundo creio, a causa da rapidá de<strong>com</strong>posição que<br />

muitas vezes <strong>com</strong>eça em vida.<br />

E qualquer pessoa poderá verificar até certo ponto o<br />

que levamos dito. Bastará descascar o camarão crú e triturar-lhe<br />

<strong>com</strong> os dedos a cabeça, para que a pelle se torne<br />

sensivelmente assetinada e pouco depois franzida; idêntica<br />

operação, repetida em dias consecutivos, produzirá na pelle<br />

dos dedos o mesmo eíTeito que o contado de uma dissolução<br />

de soda caustica, elevada a 8 ou 10 grãos do salinometro<br />

de Beaume.<br />

Quando o camarão é cozido em agua, perde a maior<br />

parte da causticidade, e então o efteito a que alludo não é<br />

igualmente intenso. Não succede porém o mesmo se as


43<br />

cascas e cabeças são espremidas em successivas lavagens,<br />

<strong>com</strong>o ingrediente para sopa e guizados. Então a causticidade<br />

não desapparece nem diminue.<br />

O camarão é refractario ao sal. Por mais salgada que<br />

seja a agua em que o cozemos, a carne conserva o seu<br />

peculiar sabor adocicado. E dos freqüentadores mais<br />

assíduos do laboratorio chimico dos parceis e dahi a sua<br />

morbidez naquellas quadras do anno, depois de chuvas<br />

abundantes, quando baixas marés, coincidindo <strong>com</strong> o rigor<br />

do verão, os deixáo a descoberto, constituindo então os<br />

lodacaes immenso cemiterio, cada dia exposto por longas<br />

horas á acção directa do sol.<br />

E abi, nesse enorme lençol de lodo em que a morte<br />

amontoa prodigioso volume de detrictos, tão assombrosa<br />

na sua obra de destruição quão pasmosa é a multiplicidade<br />

das fôrmas da vida nos seus degráos inferiores, é abi que<br />

diversas variedades de peixes e camarões destinados á<br />

nossa alimentação vem por sua vez alimentar-se, sendo<br />

portanto coibidos em estado morbido mais ou menos<br />

adiantado. As aguas que lavão estes parceis arrastão <strong>com</strong>sigo<br />

germens de morte que vão exercer ao longe nociva<br />

influencia em toda a serie dos phenomenos da reproducção.<br />

A escassez da ostra e da itarioba na bahia do<br />

Rio de Janeiro não é somente explicável pelo imperfeito<br />

methodo da colheita ; a causa principal é, n'alguns annos,<br />

a perniciosa influencia daquellas aguas que espalhão por<br />

toda a bahia causas de destruição. Todos os crustáceos e<br />

molluscos soflVem grande mortandade na quadra que temos<br />

assignalado; e para só fallar da ostra, pela sua importância<br />

para a alimentação, pôde prever-se que, a persistirem<br />

por annos successivos as causas apontadas, a pro-


4t<br />

ductividade da natureza será inefficaz para <strong>com</strong>pensar a<br />

destruirão. A ostra já é relativamente rara ; dia virá em<br />

que absolutamente não a teremos. Ella terá desapparecido<br />

<strong>com</strong> os últimos vestígios da mata marítima.<br />

O camarão é colhido por dons modos. O miúdo, que<br />

os pescadores denominão de lixo, por acudir á tona<br />

d'agua envolvido em uma planta marinha assim denominada,<br />

é apanhado pelas redes chamadas candombe e arrastão<br />

e quasi sempre se mostra no verão cm gráo adiantado de<br />

morbidez, por se achar em agua de elevada temperatura,<br />

desabrigada de sombra e saturada de detrictos em de<strong>com</strong>posição.<br />

O camarão chamado verdadeiro, grande, claro e<br />

por isto mais estimado, ainda que menos saboroso do que<br />

o miúdo, não se apresenta á tona do lodo. Por esta razão<br />

é apanhado pela rede denominada tarrafa, em lugares de<br />

maior profundidade, mas nem por isto é sempre são ; não<br />

raro (tal o estado das aguas !) patenteia todos os indícios<br />

que, em alguns mezes, tão fácil é achar no camarão miúdo.<br />

Presumo, e para este ponto reclamo a attenrão dos<br />

nossos hygienistas, que cm certa época do anuo o uso<br />

constante do camarão, principalmente do de lixo, deve<br />

ser mui prejudicial a todos, sobre tudo a estrangeiros não<br />

acclimados e a crianças. Quando o faclo de ser colhido<br />

este produeto nos lodaçaes não baste por si só a<br />

estabelecer forte presumpção contra suas propriedades<br />

nutritivas, aconselhando proscreve-lo da alimentação nos<br />

mezes de verão rigoroso, será em todo caso necessário a<br />

maior cautela para evitar o consumo de camarão enfermo.<br />

Esta cautela deve mesmo estender-se ao peixe que, durante<br />

a enchente, costuma ser colhido nos parceis nelas<br />

redes de anasíào e outras, e que affluindo para álli á


45<br />

busca de alimento, não pôde manter-se immune dos germens<br />

deletérios, no meio dos quaes se agita. Vem dalli o<br />

peixe que adquirimos <strong>com</strong> signaes apparentes de vida<br />

e que dentro de pouco tempo se mostra cm <strong>com</strong>eço de<br />

de<strong>com</strong>posição, que facilmente julgamos explicar pelo máo<br />

trato ou demora de quem deve prepara-lo. Este phcnomeno,<br />

muito <strong>com</strong>mum em nossas cosinhas, tem causa<br />

remota; o peixe enfermo teria morrido no parcel duas ou<br />

tres horas depois, victima da sua voracidade.<br />

Parece-me também digna de estudo a possível <strong>com</strong>binação<br />

de ácidos diíTinidos addicionados ao vinagre, para<br />

torna-lo mais forte, <strong>com</strong> algum dos saes de que o peixe e<br />

os mariscos apanhados nos parceis, devem achar-se saturados.<br />

Semelhante <strong>com</strong>binação de ácidos e saes afíins,<br />

pode ser favorecida pela elevada temperatura a que esses<br />

produetos são preparados, provindo dessa <strong>com</strong>binação, ou<br />

da fixação nas gorduras, de algum principio toxico, que<br />

então fique em estado livre, graves perturbações da digestão<br />

e outros phenomenos morbidos.<br />

A minha in<strong>com</strong>petência nada me permitte afirmar,<br />

mas julgo cumprir o dever de bom cidadão, que nada<br />

ambiciona, chamando para estes factos a attenção de quem<br />

pôde sujeita-los á observação methodica.<br />

E* preciso saber o que foi a mata marítima do Rio de<br />

Janeiro, qual a immensa área outrora povoada pela providente<br />

arvore, e hoje inteiramente desprovida de sombra;<br />

é preciso ver de perto, e na época própria, o que são os<br />

lodacaes. para <strong>com</strong>prehender <strong>com</strong>o este desnudamento deve<br />

ter iníluido nas condições da salubridade desta capital e<br />

na vida da população da nossa magestosa bahia.


IV<br />

Por um lado a devastarão da mata marítima, por outro<br />

a barbaria <strong>com</strong> que 6 exercida a industria da pesca, tornào<br />

mais escasso cada dia osupprimento de peixe colhido<br />

na bahia do Kio de Janeiro. Com os milhões de arvores que<br />

ensombravão as aguas, sanificando-as por considerável saturação<br />

de tanino, desappareceu uma condição essencial da<br />

procreaçáo: nesse immenso lençol d'agua remansada,<br />

fresca e saudável, que o Mangue protegia e bafejava, o<br />

peixe estanciava na época própria até adquirir o desenvolvimento<br />

que lhe permitisse buscar aguas mais profundas.<br />

Alli sobrava lhe alimentação sã, vegetal e animal. O lodo<br />

era rico de princípios nutrictivos. Este laboratorio de vida<br />

é agora laboratorio de morte. Os parceis desnudados expõem<br />

ao sol ardente volume prodigioso de detrictos, cada dia<br />

augmentado pela destruição dos innumeros seres que alli<br />

morrem e dos que para lá são arrastados. Pela sua parte,<br />

<strong>com</strong>o adiante veremos, a cubiçosa e irracional pesca concorre<br />

em todas as quadras do anno para empobrecer a<br />

'bahia; e á medida que a população augmenta, e <strong>com</strong> ella<br />

a exigencia do consumo, mais a industa requinta na selvageria,<br />

cavando a mais e mais a ruinade numerosa classe<br />

de homens laboriosos, que a imprevidencia lançará na<br />

carreira de outras profissões, forçando-os a abandonar um


4S<br />

ramo de trabalho que a muito maior numero poderia<br />

remunerar <strong>com</strong> suficiente largueza.<br />

Já hoje as exigencias do consumo obrigão a importar<br />

de Mangaratiba, de Sepetiba e de outras localidades, grande<br />

quantidade de peixe e camarão, que aguas mais próximas<br />

poderiáo fornecer cm tresdobro, dadas as condições do<br />

rcgimen normal da mata marítima e do exercício methodico<br />

da industria da pesca. Entretanto, pela demorada viagem<br />

e por serem colhidos de Iodos descortinados, chegãonos<br />

muitas vezes em péssimo estado aquelles productos,<br />

c assim são vendidos, ora aos immediatos consumidores,<br />

ora a intermediários que os conservão em gelo, para occorrerá<br />

falta desupprimentos regulares.<br />

Este modo de conservação, qual vemos praticado, é<br />

illusorioe perigoso. Peixe são será, talvez, bem conservado,<br />

se acondicionado em salas frigoríficas,logo depois de colhido.<br />

Não succederá o mesmo a peixe doentio, que muitas horas<br />

depois de tirado de seu meio natural fôr posto em contado<br />

<strong>com</strong> o gelo e sal. O peixe adquirirá no gelo certa rigidez,<br />

mas a sua de<strong>com</strong>posição terá continuado, ainda que lentamente.<br />

E' também grave erro olTerecer ao consumo peixe<br />

vivo, c procural-o o consumidor de preferencia nestas condições<br />

que nada garantem prefeito estado, visto não se<br />

acharem cm aquarios, <strong>com</strong> meios apropiados á vida de cada<br />

qualidade.<br />

Cumpre não esquecer que, tirado o peixe do seu ambiente,entra<br />

em agonia pela profunda perturbação das suas<br />

naturaes condições de existencia: os esforços que emprega<br />

e se traduzem em movimentos convulsivos, devem alterarlhe<br />

profundamente a sanidade, á qual não poderá ser in-


49<br />

diíTorente soffrimento tão prolongado, qual a vida fóra daquellas<br />

condições. Este soiTrimento ou longa agonia podem<br />

bem ser <strong>com</strong>parados aos que traria ao homem demorada<br />

asphyxia por submersão. Organismos delicados, qual o<br />

do peixe, não podem deixar de resentir-se muito de semelhante<br />

martyrio; não deve ser são o peixe que vive longas<br />

horas fóra d'agua. Inclino até a crer que o peixe cuja vida<br />

fôr extincta, logo depois de retirado da agua, se conservará<br />

perfeito e saboroso por maior espaço de tempo, porque<br />

então a morte provirá de subitanea cessação das funções<br />

vitaes, não da gradual e penosa exhaustão destas funeções,<br />

superexcitadas pelo supremo esforço de energia <strong>com</strong> que<br />

todo o ser, na esphera dos seus meios de acção, luta pela<br />

vida. Não sei se este tão uatural phenomeno terá sido notado<br />

nas suas relações <strong>com</strong> a alimentação humana; pequena<br />

ou grande, porém, alguma influencia deve ter na assimilação<br />

dos nossos alimentos marinhos a pliase em que<br />

houver cessado a vida dos seres que no-los fornecem.<br />

E' facto observado que a de<strong>com</strong>posição <strong>com</strong>eça em<br />

vida. Tenho visto peixes e mariscos vivos em vários gráos<br />

de de<strong>com</strong>posição : n'alguns, em que se mostrão todos os caracteres<br />

da vida, a polpa dilue-se ao mais leve attricto<br />

entre os dedos sem olTerecer nenhuma resistencia de matéria<br />

viva, e algumas vezes são elles nestas condições<br />

guardados em gelo por falta de consumidor. Ora, o gelo,<br />

<strong>com</strong> o sal, não tem a virtude de interromper o curso destes<br />

phenomenos; modera-os e, portanto não restitue senão<br />

em peior estado os produetos que recebe cm estado imperfeito.<br />

A rigidez apenas disfarça a de<strong>com</strong>posição, <strong>com</strong>o<br />

também a distorção ao paladar os adubos <strong>com</strong> que preparamos<br />

o peixe e mariscos. 7


50<br />

A modicidade do preço porque são vendidos o peixe e<br />

o camarão, assim transportados e conservados, faz <strong>com</strong> que<br />

este pernicioso alimento, sem qualquer exame 011 inspecção,<br />

entre por larga parte no consumo,especialmente na população<br />

pobre. Na estação benigna, <strong>com</strong>o no maior rigor do<br />

verão, a pesca, o transporte, a conservação e a venda, eiíectuão-se<br />

do mesmo modo. Nada modifica estes usos o estado<br />

mais ou menos perfeito do peixe 110 momento em que é<br />

colhido. Todas as quadras são igualmente boas para a pesca<br />

e todas as zonas. Onde mais fácil é apanha-lo, abi o apanhão<br />

Outro meio nocivo de conservar o peixe é guarda-lo em<br />

redes mergulhadas na praia para dalli o retirar cada dia.<br />

á medida que se faz necessário ao consumo. Na maior<br />

parte dos casos occorre que, durando esta operação por<br />

dias, grandes vasantes deixão o peixe a debater-se em<br />

pouca agua, na lula que travão pela vida as diversas especies<br />

e variedades, expostas aos raios do sol. E' intuitivo<br />

<strong>com</strong>o o peixe conservado em condições assim anômalas<br />

perde grande parte da sua actividade vital. Não é vivo, é<br />

semi-morto que, ao cabo de alguns dias, o retira d'agua o<br />

pescador. Toda a existencia violentamente deslocada do<br />

seu meio não mantém algumas funeções senão á custa de<br />

outras; não pôde ser indifferente á vida a perturbação<br />

das condições a que cila se adaptou por successivas<br />

e lentas transformações. Só a promiscuidade de especies<br />

ou variedades, que não são destinadas a viver juntas, deve<br />

concorrer poderosamente para alterar a sanidade dos lutadores<br />

mais fracos, os quaes não logrão escapar aos mais<br />

fortes, 11a luta de cada instante senão por esforços supremos<br />

de energia desesperada.<br />

A salga do peixe merece também cuidado. A boa fama


51<br />

de que goza em todos os mercados do mundo o bacalhau<br />

provém em grande parte da intelligente pesca que o colhe.<br />

Nesta grande industria, uma das maiores, em que se emprega<br />

a actividade humana, tudo é regulado <strong>com</strong> previdência<br />

que busca não contravir a ordem natural das cousas.<br />

O bacalhau não é colhido senão em época própria, de<br />

maneira que sua sanidade é garantida c ao mesmo tempo<br />

a reprodução. A nossa industria da salga a nenhuma<br />

regra é subordinada ; colhe o peixe quando quer e daqui<br />

resulta que muitas vezes o apanha, por lhe ser assim<br />

mais fácil, nas enseadas ou angras desnudadas, onde elle<br />

acóde a buscar, <strong>com</strong> o alimento, germens de morte alli<br />

accumulados pela de<strong>com</strong>posicção de myriadas de seres.<br />

Ainda mesmo sem a destruição da mata marítima,<br />

seria mui util regular a pesca, não só a bem da alimentação,<br />

mas da prosperidade daquella mesma profissão e das<br />

industrias que nella repousão. Destruida a mata, esta necessidade<br />

é ainda mais imperiosa. Quadras ha no anno<br />

em que boa parte do peixe e mariscos fornecidos ao nosso<br />

consumo devem ser eminentemente prejudiciaes á saúde<br />

publica. E' peixe colhido nos parceis, onde a morte amontôa<br />

incrível volume de destroços em diversas phases de<br />

de<strong>com</strong>posição. E' peixe enfermo, bem <strong>com</strong>o os mariscos,<br />

trazendo em si claros indícios de incipiente extincção da<br />

vida. Estes germens <strong>com</strong> que a evaporação satura e envenena<br />

a atmosphera,também os assimilamos ao nosso sangue<br />

pela alimentação doentia que dalli extrahem a imprevidencia,<br />

a ignorancia ea cobiça.<br />

J)e que valerá sanear a cidade, se não sanearmos as<br />

aguas que a banhão ?<br />

( Artigo publicado no Jornal do Commcrcio de 13 do<br />

Agosto de 1883. O quarto a 4 do dito mez.)


IV<br />

Temo-nos referido ás barbaras usanças a que recorre<br />

a nossa pesca, c ás quaes é devida em grande parte a escassez<br />

dos productos marinhos nas aguas que banhão as<br />

nossas cidades. Na bahia do Rio de Janeiro o empobrecimento<br />

é mui sensível. Será util exemplificar: as pessoas<br />

que não tenhão ligado attenção aos processos desta industria<br />

vão receber doloroza impressão do modo <strong>com</strong>o é ella praticada,<br />

e quasi pôde dízer-se, sem nenhum freio ou obstáculo<br />

regulamentar á sua selvageria.<br />

Os chamados povciros (talvez por serem naturaes da<br />

Povoa de Varzim, de Portugal, os primeiros que entre nós<br />

usarão das redes de ccrco v arrastão) colhem aquellas redes<br />

nas córoas que ftcâo a secco, e, separando o peixe proprio<br />

para a venda, deixão alli expostos ao sol e á morte próxima,<br />

quantidade enorme de peixes pequenos, de mariscos,<br />

etc. Por alguns productos utilisados, que considerável<br />

estrago causa cada uma de taes operações ! Ora, esta operação<br />

é muitas vezes repet da todos os dias e ajuize-se<br />

<strong>com</strong>o prodigiosa deve ser a prodnctividade da natureza,<br />

para que a despeito disto, e do desnudamento do lodo, tão<br />

variadas especies tenhão podido resistir a estas causas de<br />

destruição. Todavia, todas ellas se mostráo empo.;:ecidas<br />

e o mal ha de aggravar-se <strong>com</strong> o tempo.


54<br />

Até nisto influo a devastação da mata marítima. É em<br />

geral nos parceis que os exploradores manobrfio suas redes<br />

c não o poderião fazer, se aquelles parceis se mantivessem<br />

protegidos pela saudavel arvore.<br />

Atacada assim a vida nas suas fontes de reproducçfio,<br />

os ofTeitos não se fazem sentir tãosómente dentro da bahia<br />

mas também fóra, porque é na bahia que muitas especies<br />

vêm procrear. Lá mesmo, porém, empregarão-se na pesca<br />

meios condem nave is que deveriáo ser severamente reprimidos.<br />

Quando o arrastào colhe abundancia de peixe, o que<br />

succede ordinariamente no tempo de verão, em que elle<br />

se approxima da cosia, costumão os exploradores linear a<br />

rede na praia, formando assim um cercado donde extrahem<br />

por dias consecutivos o peixe de que carecem para a venda.<br />

A mortandade é espantosa desde o segundo ou terceiro dia,<br />

e já notei <strong>com</strong>o o peixe, assim conservado, por via de regra<br />

ha de tornar-se menos são. Isto não seria consentido<br />

onde a pesca estivesse dividamente regulada, não só a bem<br />

da sanidade, mas do supprimento regular da alimentação<br />

publica.<br />

Passão também <strong>com</strong>o prejudiciaes, ao ver dos homens<br />

da profissão, as redes chamadas altas, que opera») em tempo<br />

de inverno na proximidade das ilhas. E' facto observado<br />

que, em sendo immergidas estas redes, o peixe foge da<br />

zona, para nào mais tornar por largo decurso de tempo.<br />

Ilhas cujas cercanias era proverbialmente conhecidas <strong>com</strong>o<br />

piscosas, perdêrão sem outra causa esta boa fama.<br />

A estes antigos abusos veio juntar-se outro de data<br />

recente e de maior gravidade. Já na bahia, já fóra delia,<br />

tem-se empregado torpedos de dynamile <strong>com</strong>o instrumento<br />

de pesca ! Para colher vinte ou trinta peixes, barbaros


55<br />

exploradores destróem em larga zona myriadas de seres<br />

em todos os gráos de desenvolvimento. Até onde chegáo<br />

intensos os terríveis e liei tos da acçfio explosiva, a extincção<br />

súbita dos grandes e pequenos peixes é medonha. Taes<br />

effeitos, porém, nSo cessão de lodo senão muito ao longe, e<br />

de toda a redondeza o peixe foge espavorido.<br />

Não ha ainda muitos mezes a repetição deste facto<br />

brutal nas costas de Cabo-Frio motivou justíssima representação<br />

de pescadores á presidência da província do Rio<br />

de Janeiro. Queixavão-se daquella funesta pratica, que,<br />

usada por homens alheios á profissão, acabaria por despovoar<br />

a piscosa costa, condemnando á miséria a numerosa<br />

classe dos verdadeiros pescadores, que já dificilmente vião<br />

remunerado o seu trabalho, obrigados a afastarem-se extraordinariamente<br />

da zona devastada, para poderem exercitar<br />

o seu otücio. Esta representação foi ter aos ministérios<br />

da marinha e da agricultura, mas nem no regulamento<br />

das capitanias dos portos nem no que baixou para execução<br />

da lei de 10 de Setembro de 1836 <strong>com</strong> o decreto<br />

n. 8,338 de 17 de Dezembro de 1881, se acharão meios de<br />

obstar aquella selvageria. Eis o interesse que temos votado<br />

a esta importante industria extractiva, que poderia constituir<br />

uma das fontes mais copiosas da riqueza nacional!<br />

Nem para impedir o emprego da dynamite na pesca a nossa<br />

legislação mostra-se aparelhada !<br />

A cidade do Rio de Janeiro podia não ter <strong>com</strong>petencia<br />

no supprimento de productos marinhos; nenhuma outra<br />

em todo o mundo foi melhor dotada pela natureza para<br />

este fim. Regulada a pesca, e restaurada, <strong>com</strong>o não só é<br />

possível, mas mui fácil, a mata marítima, a nossa admiravel<br />

bahia constituir-se-hia inesgotável viveiro de todos


56<br />

os productos marinhos adaptados ao nosso clima c ás nossas<br />

aguas. A abundancia daquellcs productos concorreria, além<br />

do mais, para baratear muitos outros generos de alimentarão,<br />

e na pesca e nas industrias que lhe são accessorias,<br />

acharião numerosos braços occupação util e rcmuncradora.<br />

Este assumpto carece dc ser estudado por homens <strong>com</strong>petentes<br />

que oução os da profissão, utilisando a sua experiencia<br />

technica. E' preciso muito tacto para não constrager<br />

desnecessariamente a industria <strong>com</strong> o bom intuito de aperfeiçoa-la.<br />

Lembrarei para exemplo uma prohibição que, em<br />

vez de bem, somente mal e inútil vexame tem produzido»<br />

Alludo as cercadas cuja construccão foi vedada e contra as<br />

quaes nunca ouvimos queixa razoavel; forão prohibidas a<br />

bem da navegação, mas nunca houve noticia de desastre que<br />

causassem ás pequenas embarcações que transitão na proximidade<br />

da terra. Fóra certamente melhor prescrever o<br />

modo da construcçáo, de maneira que nenhum damno<br />

pudessem causar, do que veda-la.<br />

I)a falta de cercadas resultou escassearem a tainha e<br />

a sardinha, que outrora entravão em abundancia na alimentação<br />

do povo, sobretudo a sardinha, em razão do seu<br />

barato preço. Estes peixes na sua corrida investem a<br />

barra e é preciso retc-los nas cercadas; de outra sorte não<br />

se demorão na bahia por não encontrarem os mangues<br />

para fixarem residencia e procrearem. Esta consideração<br />

parece-me muito digna de ser levada em conta, para serem<br />

ou não prohibidas as cercadas. Prescreva-se a fôrma da<br />

construcção para evitar os inconvenientes rcaes ou presumidos;<br />

conceda-se a necessaria licença a quem a pedir,<br />

mediante regras a que devão subordinar-se; e asar-


57<br />

3<br />

dinha c outros peixes mostrar-se-hão em maior numero,<br />

<strong>com</strong> grande vantagem para a população pobre, cuja alimentação<br />

deve inspirar toda a solicitude aos poderes sociaes.<br />

Privara população de um alimento que cila preza, e<br />

que pôde ser-llie fornecido a baixo preço, é impor-lhe sacrilicio<br />

mais duro do que o mais duro imposto.<br />

Quem se dedica sinceramente a promover um melhoramento<br />

deve pôr cuidado em prevenir a manifestação de<br />

queixas menos reílectidas que. por serem inconscientes, não<br />

deixão por isso de exercer certa influencia no espirito publico.<br />

Presinto que estas queixas podem achar pretexto na<br />

insistência <strong>com</strong> que forem reclamadas dos poderes <strong>com</strong>petentes<br />

providencias destinadas a regularem a industria da<br />

pesca. Jamais industria, seja qual fôr, receberá sem murmurar<br />

medidas tendentes a subordina-la a regras e obrigações;<br />

o regimen da liberdade é fascinador; a falsa apparencia<br />

das cousas induz cada classe a pensar que toda a<br />

restricção de sua liberdade é para ella estorvo e causa<br />

de decadencia. A' primeira vista parecerá aos nossos<br />

laboriosos pescadores que sujeitar a sua industria a<br />

condições de tempo, vedando-lhes o uso de apparelhos a<br />

que estão atTeitos, importa dilliculta-la e força-la a maior<br />

tiabalho para obter a mesma cópia de productos. Lidando<br />

cada dia <strong>com</strong> o mar, testemunhas da prodigiosa fecundidade<br />

das especies, elles são em geral profundamente indiíferentes<br />

a toda a previsão : se os mais antigos na profissão<br />

chegão a convencer-se experimentalmente do empobrecimento<br />

das aguas, são raros os que attribuem o phenomeno<br />

á desvastaçáo causada pela pesca imprevidente. Para a


5S<br />

maior parte, isto é obra da natureza, tão sómentc delia, c<br />

contra a ordem natural nada pode o homem. Desta convicção<br />

tiráo a falsa consequencia de que não vale a pena<br />

cercear-lhes a liberdade em busca de imaginario beneficiamento<br />

das forças productoras.<br />

Não ha raciocínio mais erroneo. A fronteira legitima<br />

da liberdade de cada um xé o interesse da <strong>com</strong>munhão, e<br />

não ha para esta, interesse mais sagrado do que o da a<br />

abundancia e sanidade da alimentação. Prover ao repovoamento<br />

das aguas é necessidade social de primeira<br />

ordem, c os pescadores são nisto particularmente interessados.<br />

Restituida a bahia ás suas condições normaes de<br />

productividade, a profissão da pesca tornar-se-ha mais<br />

fácil e, por conguintc, mais remuneradora. A parte de<br />

liberdade tolhida a cada pescador redundará em beneficio<br />

para todos.<br />

O caso de Cabo-Frio oííerece exemplo edificante, tendo<br />

os homens da profissão reconhecido por dolorosa experiencia<br />

que o emprego da dynamite acabaria despovoando <strong>com</strong>pletamente<br />

as aguas em grande redondeza. Ora, <strong>com</strong> ser<br />

terrível instrumento a dynamite não é o único meio, de<br />

destruição usado em nossas aguas. Cada lanço de algumas<br />

redes depaupera as aguas de myriadas de seres úteis. Prolongue-se<br />

o uso destes mortíferos apparelhos, e veremos<br />

desappareccrem especies inteiras, apezar de todo o seu<br />

poder de reproducção, que aliás não é uniforme em todas<br />

as qualidades de peixe.<br />

Os pescadores, pois, devem ser os primeiros a reclamar<br />

providencias que contribuão a tornar lucrosa a sua<br />

decandenle industria. O apoio e a coadjuvaçào que neste


59<br />

sentido prestarem á autoridade ser-lhes-ha em beneficio<br />

próprio. Sem isto verão minguar cada vez mais a remuneração<br />

do seu áspero e arriscado trabalho, tão digno de<br />

boa re<strong>com</strong>pensa.<br />

(Artigo publicado no Jornal do Commcreio de io de<br />

Agosto de 188:).)


vn<br />

Porei termo ás observações que deixo longamente expostas.<br />

Pelos importantes interesses <strong>com</strong> que entendem e<br />

por serem frueto de prolongado exame, a que tenho dedicado<br />

todas as minhas horas de lazer, devem ellas provocar<br />

o estudo dos nossos hyglenistas, pois a sanificaçáo da cidade<br />

do Rio de Janeiro é dos mais monientosos problemas<br />

para a prosperidade do Brazil. Somos principalmente conhecidos<br />

pela nossa capital e este facto nada 6 para estranhar.<br />

Dá-se mais 011 menos o mesmo <strong>com</strong> todos os outros<br />

povos ; a séde-matriz da sua actividade mental, os seus<br />

grandes fócos de população, as suas capitães e as suas cidades,<br />

são os cimos que primeiro ferem o olhar daquelles<br />

que contemplão de longe. Além do interesse, pois, da saúde<br />

e da vida :los quatrocentos mil habitantes que estanciáo á<br />

beira da nossa formosa bahia, a questão do saneamento<br />

do Rio de Janeiro envolve outras; as perturbações tão freqüentes<br />

da constituição medica de nossa capital fazem-nos<br />

considerar paiz doentio, afastando de nossos portos a corrente<br />

emigratoria, repellida pelo terror da febre amarella.<br />

Será debalde clamar que o Brazil possue zonas diversissimas,<br />

climatologia variada, immensas regiões excepcionalmente<br />

favorecidas de condições de salubridade. Além de<br />

que estas noções dificilmente penetrão nas camadas sociaes<br />

que devem supprir-nos de immigrantes, a posição geogra-


02<br />

phica do Rio de Janeiro e os vastos interesses do nosso empório<br />

<strong>com</strong>mercial tornão naturalmente o nosso porto escala<br />

obrigada de quasi toda a navegação que se dirge para<br />

o Brasil meridional, e disto resulta que pelo menos quatro<br />

quintas partos da imnvgração transítão pela capital do Império.<br />

A má fama do Rio de Janeiro, por tanto, égraveempecUho<br />

ao povoamento do sul do Brazil, emquantoeste povoamento<br />

é incontestavelmente a primeira de nossas necessidades.<br />

Nem só o Rio de Janeiro carece de ser expunsrdo<br />

dos germens de morbidez que lhe perturbáo as condições<br />

hygienicas. Achão-se no mesmo caso outras varias cidades<br />

do littoral, e eu creio que em todas actuão, em maior ou<br />

menor gráo, causas idênticas ás que me parecem explicar<br />

as profundas alterações da saúde publica em nossa capital.<br />

A febre amarella nào invadio ainda o interior do Brasil e<br />

no littoral tem-se manifestado em uns pontos e nào em<br />

outros; ella reina ha muitos annos, e a intervallos mais<br />

ou menos curtos, para que o contagio lhe houvesse ampliado<br />

a área no caso de achar nas localidades até agora<br />

isentas meio adaptado á sementeira do flagello. Logo, édo<br />

lado do mar que deve ser buscada a causa e, <strong>com</strong>o o flagello<br />

não ac<strong>com</strong>metteu em dilatados anrios todas as povoações<br />

banhadas pelo occeano, infere-se que semelhante<br />

causa nào está virtualmente na agua, mas em condições<br />

que a modificão, saturando-a de elementos morbidos. Sinto<br />

não ter podido <strong>com</strong>pletar as minhas observações, estendendo-as<br />

a todas as povoações do littoral onde a febre<br />

amarella e outras enfermidades infecto-contagiosas impérão<br />

periodicamente; mas a bahia do Rio de Janeiro ofíereceume<br />

laboratorio bastante vasto para induzir-me pausada-


mente a conclusões <strong>com</strong> as quaes quadrão informações que<br />

tenho buscado tecolher acerca de outras cidades onde a<br />

febre é periódica.<br />

O que vai dito a respeito da mata marítima deixará<br />

de impressionar tào somente aquellas pessoas que a não<br />

tenhão conhecido ou não conhecâo agora os vastíssimos<br />

lodaçaesou parceis lodosos de nossa bahia, onde myriadas<br />

de organismos mortos lição expostos durante horas, cada<br />

dia, aos raios ardentes do sol, constituindo, <strong>com</strong>o tenho<br />

repetido, cemiterio colossal. A mata marítima, formada pela<br />

arvore denominada Mangue, cobria muitos kilometros quadrados,<br />

donde hoje desappareceu, devastada pela procura<br />

do <strong>com</strong>bustível que ella olíerece da melhor qualidade.<br />

Toda a prodigiosa espontaneidade da fecundissima arvore<br />

não bastou a desapiedada utilisação de sua matéria lenhosa<br />

; n'alguns lugares extingui-se <strong>com</strong>pletamente, doutros<br />

<strong>com</strong>eça a despontar, mas antes que attinja certo desenvolvimento<br />

terá de ser cortada e votada a alimentar o fogo.<br />

O immenso espaço que a mata cobria, protegia e saniíicava,<br />

é hoje enorme fóco do de<strong>com</strong>posição que envenena a<br />

atmosphera e, semeiando a morte na bahia, a espalha<br />

também sobre a nossa cidade.<br />

O Mangue, possuindo em altográo ácido tanico, saturava<br />

as aguas <strong>com</strong> este precioso antídoto da putrefacção ;<br />

milhões de arvores espalhavão cada hora na bahia esta<br />

substancia saniíicante, ao mesmo tempo que, solidificando<br />

o lodo, e derramando frescor e sombra, impedião a acção<br />

directa dos raios do sol sobre os parceis e desfarte obstavào<br />

a enorme mortandade e conseqüente de<strong>com</strong>posição dos<br />

organismos de toda a especie que ora alli se amontoão.<br />

No tranqüilo remanso, abrigado pela protectora arvore,


64<br />

diversas variedades de crustáceos decapodes (1) lidavSo na<br />

faina de devorar os detrictos que arrastados pelas aguas<br />

alli fossem parar, e bandos de aves aquaticas <strong>com</strong>pletavào<br />

este policiamento das aguas que o tanino purificava. Erão<br />

outras tantas condições de existencia a alentarem a prodigiosa<br />

manifestação de infinitas lórmasda vida; alli o peixe<br />

encontrava piscinas naturaes, alli alimento, alli sombra, alli<br />

conforto, onde hoje o esperào a morte e a de<strong>com</strong>posição.<br />

Agora, banido o Mangue, os parceis sáo laboratorios<br />

de putrefacçâo e, quando <strong>com</strong> o calor coincidem fatalmente<br />

os ventos que embargào na barra a entrada das aguas, e<br />

conseguintemente os parceis ficão por largo tempo a descoberto<br />

011 apenas <strong>com</strong> pequena camada d'agua, tornão-se<br />

grandes brazeiros, que, situados ao norte e varridos pelos<br />

(1) Com o córte do Mangue forão pouco a pouco escasseando<br />

muitas qualidades de caran^ueijos que moravão DOS lodaçaes em<br />

cavidades mais ou menos profundas, espec.almente os de côr<br />

preta, aliús muito corpulentos, voracis$imem são actualmente<br />

raros em muitos pontos do littoral, os denominados<br />

guayamús, queünh.o seus a osentos em terra solida á beira -mar.<br />

lista «jua idaue de car .ngueijos é muito mais corpulenta que<br />

aquella, mais voraz e forte, e muito beuefici, pois que na vasante<br />

da maré in\ adia os parceis para alimentar-se. Kstes e<br />

aquelles animaes. que existião em quantidade prodigiosa quando<br />

protegidos nela benetica arvore, reaiisavào nos parceis lodosos o<br />

que o urubu rea.i/a em terra, mas em escala muito superior.<br />

A falta, pois, de t o úteis animaes, bem <strong>com</strong>o


65<br />

ventos mui freqüentes daquelle quadrante, elevão extraordinariamente<br />

a temperatura da cidade, povoando-a de<br />

germens de destruição. E' preciso que soprem ventos do sul<br />

ou de léste para que gozemos de temperatura agradavel,<br />

porque taes ventos, impellindo para a bahia as aguas do<br />

occeano, concorrem para que os parceis se alaguem de<br />

aguas sãs e assim se apaguem aquelles monstruosos focos.<br />

Infelizmente estes ventos não são <strong>com</strong>muns e só o restabelecimento<br />

da mata marítima poderá, portanto, extinguir<br />

estas causas de insalubridade. Dada a coincidência de forte<br />

verão <strong>com</strong> os ventos do quadrante-norte e as baixas marés<br />

especialmente depois de abundantes chuvas, a febre amarella<br />

e outras enfermidades manifestão-se no Rio de Janeiro;<br />

se annos ha em que somos preservados do llagello, é porque<br />

uma daquellas causas neutralisa ou attenua as outras.<br />

A destruição do Mangue impedio o conducto natural<br />

das aguas das chuvas lorrenciaes que, cahindo freqüentemente<br />

de Dezembro a Março, escoão para a bahia por sem<br />

numero de canaes, rios, riachos e corregos. Estas aguas,<br />

acarretando innumeros detrictos c não achando a sabida<br />

que lhes olVerecia o lodo quasi solidificado pela mata marítima,<br />

esparzem-se sobre os parceis e, além de alli depositarem<br />

todos aquelles detrictos que vão alimentar o immenso<br />

laboratorio, determinão a morte dos ouriços e outros<br />

seres que não supportão a agua doce.<br />

A restauração da mata marítima, podendo ser obtida<br />

em prazo não excedente de seis a oito annos, sanaria a<br />

meu ver todas as condições de morbidez e de morte, ao<br />

mesmo tempo que restabeleceria as <strong>com</strong>municações do<br />

centro da bahia <strong>com</strong> a terra, pelo menos diminuindo de<br />

9


70<br />

muito a intensidade das inundações, e restituiria á nossa<br />

bahia as condições naturaes que a destinarão a ser eminentemente<br />

piscosa. Semelhante restauração não é empreza<br />

custosa; a espontaneidade da generosa arvore quasi não<br />

exige senão que a natureza não seja estorvada. N'alguns<br />

parceis ha vestígios da mata; é deixa-la prosperar : doutros<br />

nada será mais fácil do que semear e plantar algumas<br />

centenas de milhares da fecunda arvore. A principal preoccupação<br />

deve ser organizar uma policia tlorestal marítima,<br />

vedando absolutamente a utilisação do Mangue. A sua maior<br />

utilidade é florescer, é conquistar o mar, sanaíica-lo, fomentar<br />

a vida e impedir a morte.<br />

Não terminarei sem alludir, ainda uma vez, á interessante<br />

questão da pescaria que tem, quanto a mim, immediata<br />

relação <strong>com</strong> a mata marítima. E* facto notorio a<br />

diminuição, a extinção ou emigração de especies que<br />

abundavão em nossa bahia e nos rios que a ella affluem.<br />

Ha alguns annos entravão pela barra cardumes enexhauriveis<br />

de sardinhas que muito concorrião para a alimentação<br />

das classes pobres e hoje as sardinhas tem rareado. Os<br />

pescadores não obtêm agora a mesma quantidade de peixe<br />

senão <strong>com</strong> o dobro ou tresdobro do trabalho que outrora<br />

empregavão.<br />

Não ponho em duvida que a ictiologia registra casos<br />

analogos, nem que para este resultado concorrem outras<br />

causas além da destruição do Mangue. A mais activa procura<br />

do produeto, determinada pelas exigencias crescentes<br />

da alimentação publica; a multiplicação das machinas<br />

maritimasde vapor na navegação da bahia e aguas circumvizinhas;<br />

os esgotos c os resíduos de goz, reconhecidos pela<br />

sciencia <strong>com</strong>o elementos destruidores do peixe; por fim, os


67<br />

barbaros methodos, não só os rudimcntarios, mas os de<br />

selva geria requintada pela industria, são certamente outras<br />

tantas causas para explicar o phenomeno, duplamente prejudicial<br />

á população pobre, porque, emquanto a priva de<br />

alimentação ao seu alcance, afllige pelo encarecimento do<br />

producto a classe laboriosa que se occupa em extrahi-lo.<br />

Fallando de nossos metbodos de pesca, seja-me licito<br />

appellar de novo para os poderes públicos, aos quacs não<br />

serã sem duvida necessário demonstrar por exemplos <strong>com</strong>o<br />

todos os governos cultos têm procurado, já obstar ao despovoamento<br />

de suas aguas territoriaes, interiores e exteriores,<br />

já promover por meios scientificos o seu repovoamento<br />

ou a acclimação de especies novas. Graças a estes<br />

cuidados a Inglaterra possuo boje especies de peixes que<br />

jamais conheceu ; Newport, e os parques da embocadura do<br />

Tamisa, mostrão nas suas famosas ostreiras a praticabilidade<br />

da acclimação ; não ha ainda senão um anno, o<br />

príncipe de Galles collocava-sc á frente de uma exposição<br />

internacional de piscicultura. A França importa do Rheno»<br />

do Danúbio é dos lagos da Snissa exemplares de trutras»<br />

salmões e outro peixes <strong>com</strong> que repovóa as suas aguas e<br />

melhora as suas especies. A Bélgica promove igual repovoamento<br />

em rios que, outrora piscosos, chegárão a empobrecer<br />

por virtude de certas construcções fluviaes e por<br />

abusos da pesca. A cultura das aguas, em summa, é considerada<br />

em toda parte objecto momentoso e, entre nós, a<br />

lei n. 876 de 10 de Outubro de 18o6 e o regulamento<br />

approvado pelo decreto n. 8,338 de 17 de Dezembro de<br />

1881, denotão que o governo pelo menos não julga in<strong>com</strong>patível<br />

<strong>com</strong> sua missão social fomentar a industria da


6*<br />

pesca e pelos menos obstar ao despovoamento das nossas<br />

aguas.<br />

A pezar disto, porém, é espantoso o que presenciamos.<br />

Como se Qão bastara o uso imprevidente das redes a que<br />

em outro artigo nos referimos, veio agora o emprego cruel<br />

da dynamite devastar as nossas aguas. Esta terrível substancia<br />

não só extermina multidão de peixe na área onde<br />

exerce influencia immediata a explosão, mas afugenta de<br />

grande redondeza todo o peixe que escapa á morte, determinando<br />

migrações que talvez jámais voltem. Se este inqualificável<br />

abuso continuar tolerado ou frouxamente reprimido,<br />

o peixe terá de rarear dentro de pouco tempo até<br />

tornar-se phenomenal no Rio de Janeiro e nas suas cercanias.<br />

E' do maior interesse, é necessidade urgentíssima<br />

fazer cessar, quanto antes, esta brutal devastação.<br />

Vedados eflicazmente os methodos destruidores, e restaurada<br />

a mata marítima que restituirá á população do<br />

mar as suas condições naturaes de reproducção, o peixe<br />

abundará <strong>com</strong>o dantes e a industria da pesca tornar-se-ha<br />

occupação satisfactoriamente remunerada.<br />

Ao terminar direi que jámais convicção foi mais profunda<br />

e mesmo pausadamente formada do que aquella que<br />

tenho manifestado. Ha quinze annos tinha formado ácerca<br />

da mata marítima a opinião que sómente agora publico,<br />

mas que entretanto desde então tenho annunciado a varias<br />

pessoas. Nestes quinze annos accumulei observações, colligi<br />

numerosos dados, recolhi informações, e cada vez<br />

mais se robustece o meu modo de apreciar a influencia da<br />

mata marítima na constituirão medica do<br />

Rio de Janeiro.<br />

(Este artigo foi publicado no Jornal do Commercio de<br />

25 de Outubro de 1883.)


SAÜJBiUDADE DA ALIMENTAÇÃO<br />

m ® ©(D süilí


I<br />

A SCIENCIA CULINARIA<br />

Em nosso tempo, raros são os ramos do estudo, que<br />

não têm sollrido profunda reforma e alteração.<br />

Os que dizem respeito principalmente ás utilidades<br />

praticas e se relacionão <strong>com</strong> as sciencias physicas, passárfio<br />

por transformações correspondentes ao adiantamento daquelles<br />

conhecimentos.<br />

Não sou profissional, nem tenho diploma do mundo<br />

scientiíico; mas honro-me de pertencer ao numero dos<br />

humildes observadores populares, que notáo os factos,<br />

registráo-n'os, e proporcionão occasião, <strong>com</strong> seus trabalhos<br />

preparatórios, a que os homens da sciencia empreguem<br />

seu tempo em altas cogitações especulativas.<br />

Até quasi o principio deste século, vejo pela historia<br />

das sciencias e de suas applicações reinava em geral o<br />

empyrismo; e mesmo naquelles ramos de estudo que mais<br />

úteis nos são, e de que dependem a nossa vida e bemestar,<br />

eráo quasi exclusivamente os factos conhecidos e as<br />

tradições que determina vão os processos. A razão das<br />

cousas, a sua ordenação e encadêamento, as relações scientificas<br />

que as prendem, estavão envoltas em denso ne-


72<br />

voeiro; e até parecia irreligiosidade querer penetra-lo.<br />

Do melhor conhecimento de nosso globo, dos progressos da<br />

chimica e do ascendente ganhado pela philosophia experimental<br />

veio extincção de tão prejudicial preconceito. A<br />

Provindencia, que. para nosso bem, nos deu na natureza o<br />

poder de <strong>com</strong>bater os nossos males e soiTrimentos, levantou-nos<br />

mais um pouco do véo mysterioso de suas leis; e<br />

foi Isto em sua gloria, pois é hoje mais elevado o sentimento<br />

de reverencia ádivindade.<br />

E' notável, porém que a medicina, as artes fabris, a<br />

architectura, a navegação e outros ramos dependentes do<br />

progresso das sciencias physicas, tenhão soffrido radicaes<br />

modificações, e, entretanto, a sciencia da alimentação do<br />

homem, que é talvez, a de seu maior interesse, continue<br />

sujeita á obscuridade de seus resultados e ainda siga róta<br />

empyrica nos seus processos. A medicina apenas coadjuva<br />

a natureza humana em suas reacções contra os princípios<br />

destruetivos, que a ameacão; mais a arte culinaria, fundando-se<br />

em princípios racionaes. poderá contribuir poderosamente<br />

para eliminar as fraquezas constitutivas e reforçar<br />

as condições de vida de cada corpo. Se Rogério<br />

Racon pôde, entre outras previsões scien ti ficas, na idade<br />

média, prometter ao homem o poder de prolongar a vida,<br />

de certo que era em um systema racional de alimentação<br />

que fundava a sua maior esperança. Contar antes para<br />

esse íim <strong>com</strong> a medicina, seria <strong>com</strong>o na construcção das<br />

casas dar maior importancia ao concertador dos estragos de<br />

que ao architecto.<br />

Permittão-se-me estas reflexões, embora eu não passe<br />

de obscuro observador, estando nós atravessando uma<br />

quadra de temerosa espectativa, aguardando o momento


73<br />

fatal em que uma horrorosa epidemia poderá transpôr o<br />

Atlântico. Todos os conselhos, embora humildes, cabem<br />

neste momento de anciedade, e vale em minha defesa a<br />

própria asserção do illustre sábio Pasteur, que julga inoculado<br />

o mal pela alimentação, re<strong>com</strong>mendando por isso o<br />

maior cuidado no uso das bebidas e das iguarias.<br />

Infelizmente, a sciencia dos homens mais adiantados<br />

ainda não foi além da apparencia das cousas, e ignora as<br />

relações mysteriosas que tem entre si nào só os elementos<br />

9<br />

<strong>com</strong>o outros <strong>com</strong>ponentes do mundo, que escapáo á nossa<br />

percepção. Occupemo-nos, entretanto, dos meios que estão<br />

ao nosso alcance para <strong>com</strong>bater o mal, que viaja pela<br />

atmosphera, ou dentro das modificações geraes e parciaes<br />

desta têm sua origem.<br />

De todos os ingredientes que contribuem para a alimentação<br />

é o sal um dos mais importantes, a ponto que o<br />

seu uso, o modo e o gráo cm que é empregado, <strong>com</strong>o que<br />

classifica as raças e as diversas nacionalidades de uma<br />

mesma raca. +<br />

Sendo este ingrediente de tal importancia nos processos<br />

de alimentação, e procurando eu, nas minhas limitadas<br />

forças, entrar 110 estudo racional da arte culinaria,<br />

permitta-se-me que principie estas observações pelo que<br />

diz respeito á natureza, qualidade, origem e emprego<br />

do sal.<br />

Se estas singelas reflexões, que apenas têm em vista o<br />

bem ccmmum, forem benignamente acolhidas e merecerem<br />

a indulgente attenção dos homens da sciencia, exporei<br />

mais tarde outros factos de observação^ que tenho<br />

colligido e que desgostos pessoaes me hão privado de en-<br />

10


74<br />

tregar á publicidade. Ainda ha pouco, a perda de um bom<br />

filho e fiel <strong>com</strong>panheiro de trabalho lançou em minha<br />

existenciaa maior perturbação, equasi a annullou; apenas<br />

<strong>com</strong>eço agora, e <strong>com</strong> grande dificuldade, a reatar os fios da<br />

vida intellectual, e seja-me este soffrimento desculpa das<br />

imperfeições do trabalho.<br />

USO DO SAL<br />

Os povos de origem latina, na minguada attenção que<br />

prestão ao systema de alimentação, quasi em sua totalidade<br />

têm por uso cozinhar os alimentos em a<strong>com</strong>panhamento e<br />

presença de todo o sal necessário á satisfação do paladar.<br />

Não ha nesse processo nem o cuidado de conhecer a origem<br />

do sal, a sua <strong>com</strong>posição, as substancias extranhase deletérias,<br />

que nelle podem estar englobadas, nem os vasos em<br />

que as iguarias são preparadas. Este uso, julgo-o eu altamente<br />

inconveniente c causador de muitas enfermidades.<br />

O sal produzido nas salinas, e conforme é dellas tirado,<br />

nem sempre está isento de organismos prejudiciaes e impurezas<br />

; visto não haver meio de obstar a entrada de<br />

aguas de má qualidade de envolta <strong>com</strong> as boas para a formação<br />

do sal, nas épocas apropriadas ao recebimento dessas<br />

aguas. Existem, sem duvida, salinas, cujo produeto é<br />

actualmente inferior ao que davão em éra remota. As alterações<br />

soffridas pelo sólo proximo, ou mesmo pelos distantes,<br />

podem, quanto a mim, occasionar sensíveis mudanças<br />

na formação e qualidade do sal. A devastação das<br />

florestas, tornando o sólo impermeável, occasionão sempre<br />

grandes inundações; estas dão lugar á multiplicação dos


75<br />

pantanos; estes, quando sobrevêm outras inundações, entornão<br />

para os rios. Consequentemente as aguas dos rios<br />

vêm ao littoral <strong>com</strong> muito maior impetuosidade e volume<br />

do que antes da devastação das florestas, por não terem<br />

sido absorvidas pelo sólo. Naturalmente, é-lhes fácil, envolvidas<br />

<strong>com</strong> as aguas boas terem franca entrada nos taboleiros<br />

das salinas.<br />

Essas aguas, chegando em volume extraordinário ao<br />

littoral, e, portanto, <strong>com</strong> impetuosidade relativa ao seu<br />

peso, destróem grande quantidade de peixes e quasi <strong>com</strong>pletamente<br />

algumas qualidades de mariscos; estes na<br />

maior parle de<strong>com</strong>poem-se, dissolvem-se nessas aguas,<br />

já de si péssimas, e misturão-se depois <strong>com</strong> as que entráo,<br />

nas salinas. O que pôde resultar desta succcssão de factos?<br />

Será possível que a par do chlorureto de sodio se formem<br />

alguns saes nocivos ?<br />

A alteração do sólo deve, portanto, influir muito na<br />

qualidade do sal. Se os homens não fossem, antes de tudo,<br />

destruidores da natureza, mesmo contra seus interesses*<br />

nada disto succederia : —Deus Fez o Que Quiz e Quiz o Que<br />

Fez. Em vão o homem, na necedade de suas investigações<br />

myopes, quer estabelecer um critério da obra divina ; o<br />

entendimento gyra-lhe em um circulo vicioso. Da falta de<br />

convicção desta profunda verdade tem resultado á humanidade<br />

muitas desgraças.<br />

Buscarei exemplificar o principio observado pela natureza<br />

que nos cerca.<br />

Se as aguas da bahia do Rio de Janeiro se prestassem<br />

ao fabrico do sal, necessariamente se terião estabelecido<br />

salinas desde tempos remotos, ou existirião estas naturaes.<br />

O^sal então produzido poderia ser bom; mas, desde


76<br />

que o sólo no interior foi descortinado, o volume d'agua<br />

doce augmentou consideravente; esta, saturada de princípios<br />

nocivos, chega <strong>com</strong> grande impetuosidade e diminuiria<br />

a importância do elemento apropriado; este,já<br />

também contaminado pela de<strong>com</strong>posição dos parceis, devida<br />

á devastação de muitos kilometros quadrados de riquíssima<br />

vegetação (Mangue) e pelos resíduos e esgotamentos<br />

da grande capital, etc., etc., iria nesse estado para<br />

os recipientes das salinas. Do processo de formação nestas<br />

condições, sahiria um sal que não poderia servir de<br />

fôrma alguma para a alimentação.<br />

Não é só a destruição das florestas pelo homem que<br />

altera as condições do sólo. O incêndio das matas acarreta<br />

inales iguaes senão peiores. A devastação dos elementos<br />

hygienicos <strong>com</strong>eçou entre nós no littoral. Quem<br />

sabe se o districto de Santo Antonio de Sá (Macacú) não<br />

foi victima de algum grande incêndio, que destruio florestas<br />

em vasta área, bem <strong>com</strong>o a vegetação que cobria os<br />

alagadiços, e até mesmo o providente Mangue?<br />

Talvez que os horrores porque passou essa localidade'<br />

bem <strong>com</strong>o Guapi-mirim tivessem sua origem no incêndio<br />

das florestas terrestres e marítimas.<br />

A devastação das matas marítimas pôde também occasionar<br />

sensíveis alterações no sal produzido nas salinas<br />

próximas e mesmo nas distantes; especialmente se a devastação<br />

se dá em bahia <strong>com</strong>o a nossa, que, tendo uma<br />

barra por demais franca e muito segura quanto á navegação,<br />

e exeguia em relação á vastidão da mesma bahia.<br />

Resulta desta exiguidade que, nas enchentes das marés escassas,<br />

ou mesmo das ordinárias, não é a vasa, que tem seu<br />

<strong>com</strong>eço muito além das embocaduras dos rios, riachos, etc.,


77<br />

banhada e refrigerada pelas aguas do oceano, senão cm<br />

limitado perímetro e a largos intervallos. A mata marítima,<br />

pois, era o correctivo para esta diíiciencia; evitava<br />

os males produzidos pelo crescente desaguamento do interior<br />

(aguas do monte) resultante da impermcabilidade do<br />

sólo; e obstava a muitos phenomenos de não pequena importância,<br />

que tantos prejuízos nos tem accarretado e<br />

continuarão a acarretar.<br />

Em qualquer das circumstancias que deixo apontadas<br />

a sanidade das aguas está, em algumas épocas, perdida em<br />

vasta zona, e dei Ias não poderia vir um sal perfeito.<br />

Occorre mais que, por occasião da colheita do sal,<br />

as camadas inferiores se misturão <strong>com</strong> as superiores;<br />

que 110 transporte e nas múltiplas baldeações que soffre<br />

recebe o genero muitas immundicias e até mesmo as sccreções<br />

dos trabalhadores, ou assistentes, que bem podem<br />

estar aflectados de enfermidades contagiosas. Este caso<br />

parece-me gravíssimo, visto que repetidas vezes succede<br />

encontrar-se ensosso o alimento, ao sahir ou depois de<br />

sahir do fogo, e o sal é então addicionado a baixa temperatura.<br />

O sal, em estado bruto, é conduzido a granel <strong>com</strong>o o<br />

carvão de pedra e outros artigos; e, portanto tratado <strong>com</strong>o<br />

estes e não <strong>com</strong>o ingrediente destinado á alimentação<br />

publica.<br />

E' nas condições que acabo de descrever que nos servimos<br />

do sal marinho para uso da cozinha : tal <strong>com</strong>o elle<br />

saliio da salina, sempre impuro, sujo, bem que algumas<br />

vezes pareça limpo e crystallino, assim o empregamos.<br />

Os nossos orgãos são fatalmente limitados, e, <strong>com</strong>o já disse<br />

nossa percepção não vai além das apparencias.


78<br />

Sempre devemos ter em vista que as influencias atomisticas<br />

apenas nos podem ser pérceptiveis pela analyse o<br />

doducção, e nunca pelo uso dos orgãos naturaes.<br />

O conhecimento pleno e convicção desta lei 6 que<br />

separa essencialmente os povos adiantados dos que têm<br />

apenas um verniz de civilisação.<br />

No caso que aponto, e que é gravíssimo na elaboração<br />

de nossas forças vitaes, o mal não está só em lançar<br />

o sal na panella para cozinhar o alimento em <strong>com</strong>panhia e<br />

presença desse ingrediente ; o peior é que<br />

o sal que é necessário ás exigencias do nosso paladar. O<br />

resultado deste uso 6 sermos forçados a ingerir muitas<br />

impurezas vindas no sal, e nos alimentarmos <strong>com</strong> elementos<br />

intitulados nutritivos, mas profundamente alterados<br />

pela contribuição desse sal. cozinhado em grande quantidade.<br />

Esta alteração dá-se sobretudo quando se cozinhão<br />

alguns vegetaes, e o peixe. O uso de salgar por <strong>com</strong>pleto,<br />

ao lume, os alimentos, vicia inteiramente o paladar. Imgerimos<br />

muitas substancias deterioradas, julgando que o<br />

gosto picante ou desagradavel, que lhes sintimos, provém<br />

do excesso de sal. As pessoas acostumadas ao alimento temperado<br />

de sal na panella desconhecem <strong>com</strong>pletamente o<br />

gosto peculiar de cada alimento em estado simples e perfeito,<br />

ou ensosso, visto que nunca os provárão nessas condições,<br />

<strong>com</strong>o succede aos que têm por costume temperar<br />

no prato <strong>com</strong> sal refinado.<br />

(Artigo publicado no Jornal do Commercio de 13 de<br />

Dezembro de 188'*).


II<br />

Um dos inconvenientes do modo por que usamos do<br />

sal, é termos de nos sujeitar ao tempero que vem á mesa ;<br />

do que resulta umas vezes ingerirmos sal de mais e outras<br />

em quantidade insuficiente ; isto por não termos o habito<br />

de applicar o sal refinado na occasião em que nos alimentamos.<br />

O primeiro caso é irremediável.<br />

Este costume de lançar todo o sal na vazilha cm que<br />

se prepara a <strong>com</strong>ida, tem concorrido para que a farinha<br />

de mandioca seja accusada de produzir enfermidades.<br />

A observação, porém, demonstrou-me que esta farinha<br />

não produz mal algum directamcnte. Quanto a mim, ella<br />

não é senão um desequilibrante do principio salino, pelo<br />

modo por que a ingerimos.<br />

Os processos de preparação das substancias alimentícias<br />

são, infelizmente, entre nós, apenas os primitivos.<br />

A farinha de mandioca perde em sua preparação a maior<br />

parte dos seus sáes naturaes, e, portanto, necessita, muito<br />

mais do que qualquer outro alimento, do sal marinho, para<br />

ser digerida e tornar-se alimentícia. (1) Succede, porém,<br />

que é o alimento que menos sal recebe ; e algumas vezes<br />

nenhum.<br />

(1) Quando a raiz da mandioca é levada^ aos apparelhos<br />

para lhe ser extrahida a agua de vegetação, vão <strong>com</strong> esta todos<br />

os seus sáes naturaes.


80<br />

Quando na mesa tomamos um prato de feijão, ou<br />

outra qualquer iguaria semelhante, e lhe addicionamos<br />

uma porção de farinha de mandioca, o sal contido na<br />

iguaria e* adquirido pela cocção, é <strong>com</strong>pletamente desproporcional<br />

ao peso e volume da nova massa formada <strong>com</strong> a<br />

addiçáo da farinha, e que nesse estado é por nós ingerida.<br />

Ha ainda um habito peior, que ó <strong>com</strong>er a farinha crúa e<br />

singela, independente de qualquer outra iguaria. No primeiro<br />

caso, já o mal é muito grande, especialmente quando<br />

a iguaria não tem abundancia de toucinho ; mas, no segundo,<br />

ainda é peior, visto que, 110 todo, é á custa do<br />

nosso organismo que cila é digerida. Dahi provém o depauperamento<br />

orgânico, e <strong>com</strong> elle graves enfermidades;<br />

é, pois, injustamente que destes males accusamos a farinha<br />

de mandioca.<br />

Se tivessemos por uso temperar as iguarias na mesa<br />

<strong>com</strong> sal refinado, nada disto succederia. Completaríamos<br />

no prato os desejos do nosso paladar, e até mesmo lançaríamos<br />

o sal 11a farinha crúa antes de <strong>com</strong>ê-la.<br />

Cumpre notar que esta farinha, quendo de bôa qualidade,<br />

addiccionando-lhe o sal necessário, constituo alimento<br />

regular e anulla muitos princípios nocivos. Estou até<br />

convencido, que é muito util <strong>com</strong>er na occasião das refeições<br />

algumas colheres de chá, de farinha pura e bem<br />

secca, por que opéra <strong>com</strong>o purificador e attenua em muito<br />

as flatulencias.<br />

Sendo a farinha de mandioca um <strong>com</strong>ponente máximo<br />

nosso povo, requer que se appliqueomaior<br />

cuidado 110 estudo destes perniciosos hábitos. E' sabido<br />

quanto as anemias dizimavão, ha poucos annos, os trabalhadores<br />

de origem africana, e ainda agora, especial-


81<br />

mente nos sertões, a gente pobre é victimada por essa<br />

terrível moléstia. Uma alimentação generalisada, a que<br />

faltem os sáes nutritivos, torna o nosso povo anêmico<br />

inerte, de entendimento retardado c quasi inaproveitavel<br />

para as industrias aetivas.<br />

Todos sabem que muitas pessoas <strong>com</strong>em em excesso bananas<br />

<strong>com</strong> farinha, e, se, <strong>com</strong>o süpponho, esta fruta, 6<br />

avida de sal, tal modo de alimentar-se deve ser muito<br />

nocivo.<br />

Em parte, 6 desta anemia da população pobre que<br />

resulta ser ella no máximo numero, e por milhões, antes<br />

consumidora, do que productora, e não figurar entre as<br />

classes <strong>com</strong> occnpacão profissional.<br />

E' por consequencia também injusta a aceusação, que<br />

se nos faz de indolentes.<br />

Tenho notado que as pessoas habituadas a alimentarem-se<br />

freqüentemente <strong>com</strong> carne secca assada nas brazas<br />

ou em grelha,— excepçâo feita das que tem o tubo digestivo<br />

estragado, não accusão a farinha de mandioca de maléfica,<br />

e mesmo gozâo de saúde <strong>com</strong>parativamente boa.<br />

Provirá isso do excesso de sal, que na totalidade dos casos<br />

vem nessa carne ? Este modo de a preparar só a torna<br />

agradavel, quanto é um pouco salgada ; portanto, é possivel<br />

que esse excesso de salga supra as deficiências da farinha<br />

para a digestão. O mesmo tenho observado nas<br />

pessoas que <strong>com</strong>em toucinho em abundancia. Como elle<br />

coadjuva a digestão de todas as qualidades de feijões, pôde<br />

bem ser que produza o mesmo effeito <strong>com</strong> a farinha.<br />

Pôde também succeder, que o muito que nos nutre o<br />

11


82<br />

toucinho <strong>com</strong>pense o depauperamento produzido pela farinha<br />

de mandioca.<br />

Emiim, ás farinhas <strong>com</strong> que são fabricadas as diversas<br />

qualidades de pão, aos feijões e outros cereaes, que contem<br />

todos os seus sáes naturacs, lhes é addiccionado o sal marinho,<br />

para serem facilmente assimilados; e a farinha de<br />

mandioca, que perdeu todos os seus sáes, é ingerida sem a<br />

ad dicção de sal. Custa a acreditar que nào se tenha<br />

dado a maior attençáo a tal facto.<br />

Ha entre nós um uso igualmente nocivo ao estomago :<br />

refiro-me ao modo de preparar o peixe, Amanhão o peixe<br />

muitas horas antes de o levar ao fng«>, e o deixão, durante<br />

esse tempo, envolvido em sal, pensando que assim evitào<br />

a de<strong>com</strong>posição.<br />

Nunca pude <strong>com</strong>prehender este processo. Por que não<br />

se faz o mesmo <strong>com</strong> as carnes, ou qualquer outra iguaria ?<br />

Deste uso resulta <strong>com</strong>ermos o peixe quasi sempre de<strong>com</strong>posto,<br />

bem que algumas vezes o não pareça, por se conservar<br />

rija a polpa, o que é <strong>com</strong>mum cm algumas das especies,<br />

ainda mesmo <strong>com</strong>pletamente ardido. O peixe uma<br />

vez escamado, lavado em agua doce e passado pelas nossas<br />

mãos, torna-se susceptível de fácil deterioração e o sal por<br />

nenhum modo o pôde preservar; ao contrario, activa-lhe a<br />

de<strong>com</strong>posição.<br />

Immedialamcnte ao amanho, deve o peixe ser levado<br />

ao fogo, pois do contrario, ou clle se deteriora, ou perde o<br />

seu verdadeiro c delicado sabor.<br />

í) peixe lavado, cortado em postas e envolvido em<br />

sal por muito tempo, e até mesmo por limitado espaço,<br />

vem quasi sempre á mesa moido, ou ardido; e accreditamos<br />

que o gosto máo ou picante que lhe achamos, provém


83<br />

do excesso de sal, bem <strong>com</strong>o a sede, que neste caso nos<br />

atormenta. Succede também <strong>com</strong> peixe ou mariscos salgados<br />

o mesmo equivoco.<br />

E* costume lançar do molho em agua estas iguarias,<br />

para lhes tirar parte do sal, e depois cozinha-las neste estado.<br />

Vem algumas vezes o peixe á mesa <strong>com</strong> gosto picante<br />

e nos persuadimos que 6 excesso de sal, e muito mais convictos<br />

disso ficamos pela muita sede, que posteriormente<br />

sentimos, estes equívocos são fataes, quer <strong>com</strong> o peixe<br />

fresco, quer salgado. O gosto picante que lhe encontramos,<br />

é na maior parte dos casos proveniente da de<strong>com</strong>posição, e<br />

a sede que sentimos, é por esta produzida e não pelo excesso<br />

de sal. (1) A sôde produzida pelo peixe deteriorado é<br />

muito mais ardente, e custa muito mais a mitigar, do que<br />

a proveniente do excesso do sal marinho. Quantas vezes<br />

<strong>com</strong>emos carne secca asssada, lombo de porco, presunto c<br />

outras iguarias por demais salgados, e no entretanto não<br />

sentimos sede; ou, se a sentimos, não é cila desagradavel, e<br />

facilmente se mitiga ! De que provirá esta diflerença ?<br />

Por que motivo, usando do sal refinado na mesa. mesmo<br />

em excesso, em qualquer 'guaria, e até no peixe quando<br />

são, não sentimos sede que in<strong>com</strong>mode?<br />

Se tivéssemos por costume temperar os alimentos no<br />

prato, todo o sal seria tirado do peixe conservado, antes de<br />

o cozinhar; e quando tivessem os de o provar para temperar,<br />

reconheceríamos que elle estava deteriorado, e não<br />

Cl) No cn«o que aponto, é muito ntil ingerir immcdintnmmte<br />

uma eolh-r do ch:i. d^ assnear refinado o deois preparar<br />

agra levemente assu- ara ia para tomar de cinco em cinco<br />

minutos. Km geral a séde dcsapparece, bem <strong>com</strong>o os symptomas<br />

do envenenamento


84<br />

attribu iríamos o gosto máo ou picante ao excesso de sal.<br />

quando algumas vezes não tem nenhum.<br />

Attribui-se cm muitos casos o desenvolvimento do<br />

scorbuto. ao uso constante de alimentos conservados em<br />

sal, e. no entretanto, bem pôde ser que o mal provenha<br />

do que acabo de expór. Os que assim se alimentão, tirão»<br />

muitas vezes sem o querer, todo o sal dos productos<br />

quando os deitão de molho cm agua e não lhes addiccionão<br />

novo sal na mesa porque na maior parte dos casos os achão<br />

picantes em virtude de estarem ardidos. Ingerem deste<br />

modo o alimento deteriorado e para peior, priváo-se dos benefícios<br />

do sal. Nada me pôde fazer acreditar que este ingrediente<br />

produza scorbuto; o que eu acredito, é que a falta<br />

delle seja muito nociva, e até provoque esta enfermidade.<br />

Estas observações sobem de valor nas quadras epidêmicas,<br />

em que a atmosphera do globo, ás vezes por causas<br />

que escapão á nossa percepção, está <strong>com</strong>o que saturada de<br />

princípios morbidos. Os agentes dynamicos da peste não<br />

terião tão rapida acçáo, se não estivesse a atmosphera geral<br />

já predisposta ao contagio. Os alimentos salgados, de conserva.<br />

ou de immunidade obtida pela chimica, especialmente<br />

os marinhos, são, quando despidos do preservativo,<br />

muito mais sujeitos do que os frescos á de<strong>com</strong>posição, e,<br />

portanto, a serem conductores da peste. Todo o cuidado<br />

é pouco em seu preparo, e eu muito pago me julgarei, se<br />

nesta quadra, que atravessamos, e na que se approxima,<br />

contribuir em mínima parte para evitar entre nós a propagação<br />

do morticínio pestifero que nos ameaça, (1)<br />

(1) Fm quadras de epidemia, e em geral, nas localidade»<br />

> predomina o impaludismo mixto ou não mixto, é de abso-


85<br />

Quanto ao peixe fresco, o melhor methodo a seguir cm<br />

nossas cozinhas seria não amanha-lo, senão na occasião de o<br />

levar ao fogo, e tempera-lo ahi <strong>com</strong> pouco sal; mas, <strong>com</strong>o<br />

em geral o nosso peixe vem de aguas cuja sanidade está<br />

muito alterada, bem <strong>com</strong>o a atmosphera, em algumas quadras,<br />

póde-se, para evitar a sua perda, dar uma fervura<br />

breve ao destinado a ser cozido ou ensopado, e frigir logo<br />

o restante. Para o primeiro, basta leva-lo de novo ao fogo,<br />

quando se queira emprega-lo, e então acabar de bem cozinha-lo<br />

; mas ahi o sal deve entrar em pequena quantidade<br />

: na mesa se deve <strong>com</strong>pletar o tempero.<br />

Parece-me util prevenir, que o peixe deve ser muito<br />

bem cosido ou frito; peixes ha que são perigosissimos<br />

<strong>com</strong>o alimento, quando o sangue 110 todo, ou mesmo em<br />

parte, fica crú; e o perigo augmenta quando o peixe é<br />

doente ou se acha deteriorado. Tenho visto algumas vezes<br />

servir peixe guisado 011 cosido, <strong>com</strong>pletamente crú junto<br />

ã espinha dorsal. Com o peixe frito 6 este caso muito <strong>com</strong>-<br />

11111111 em virtude de se querer economisar a gordura ou o<br />

azeite. Em geral entre nós, <strong>com</strong>e-se peixe torrado por fóra<br />

e crú por dentro ; e não frito. Talvez que o mal produzido<br />

pelo Bayacii provenha de ficar o sangue crú.<br />

luta necessidade, não sahir dos aposentos depois de levantar da<br />

cama. sem tomar pelo menos uma chicara de bom e forte café.<br />

O melhor, porem, é tomar <strong>com</strong> este, um pouco de pão torrado<br />

<strong>com</strong> manteiga, ou outro qualquer alimento que apeteça. Com<br />

ae crianças, especialmente, é indispensável este cui lado, em<br />

virtude de suas aptidões á recepção do mal liste svstema quer<br />

usado pelos adultos, quer pelas criancinhas, dá-lhes certas immunidades.<br />

Muito me admiro que esta questão não tenha sido<br />

observada pelos hvgienistas. E' de madrugada e até que os raios<br />

solares actue:n <strong>com</strong> vigor para purificar o ar.que nas zonas palustres.<br />

o perigo ê maior para a vida do homem. E' também de<br />

grande utilidade, .<strong>com</strong>er um pouco de doce de calda e tomar<br />

bom café ou chá forte, bem aduçados, depois das refeições.


86<br />

E' necessário ter cuidado de não fechar o peixe frito,<br />

ainda quente, ein armario, gaveta, ou caixa, pois é isso<br />

muito nocivo. Com os peixes guisados ou cozidos, que<br />

têm de ser guardados, deve haver o mesmo cuidado, deixando<br />

que esfriem primeiro.<br />

Com o peixe, quer fresco, quer salgado, é mister muita<br />

cautela por ser iguaria extremamente delicada. O peixe<br />

e outros productos marinhos, para serem guardados, devem<br />

arrefecer ao ar livre.<br />

Quanto a mim, o uso do peixe e mariscos em épocas<br />

de epidemia é muito nocivo ; melhor seria abstermo-nos<br />

delles, sobretudo nas localidades em que se acha perdida a<br />

sanidade das aguas.<br />

Os peixes, creio eu, podem facilmente transportar, e<br />

<strong>com</strong> incrível rapidez, a pontos longinguos, os germens de<br />

terríveis epidemias.<br />

0 bacalhau perde muito do seu gosto e boa apparencia<br />

; e até mesmo chega a ficar informe, quando é fechado<br />

em <strong>com</strong>partimento ao alcance do álcool. Infelizmente<br />

é isso muito <strong>com</strong>mum entre nós, pois nas vendas é elle<br />

vendido a retalho, e a barrica tina ou caixa, em que está,<br />

principalmente de noite, quando se fechão as portas, fica<br />

sob a influencia, de evaporações alcoolicas, que vão prender-se<br />

ou misturar-se <strong>com</strong> algum dos saes conservadores<br />

deste alimento. E' este o peixe conservado, exepçâo feita<br />

do de fumeiro, que melhor preparo recebe e que ma :ores<br />

garantias de sanidade oíTerece ; mas <strong>com</strong>o as outras<br />

iguarias, está suje ;to a deconipôr-se. Deve haver a maior<br />

attenção no exame do bacalháu retalhado e na sua collocação,<br />

para não ser conductor de princípios nocivos á saúde.<br />

O mesmo escrupulo se deve ter <strong>com</strong> os peixes e ma-


87<br />

riscos salgados, que em geral são colhidos enfermos, por<br />

viverem em elemento doentio. Ü uso destes peixes e<br />

mariscos é muito nocivo, sobretudo no verão. Também o<br />

pôde ser no inverno, quando tenhão sido colhidos em<br />

quadra imprópria.<br />

Cumpre notar que a banha de porco não é dos melhores<br />

ingredientes para temperar o peixe guisado, e principalmente<br />

para frigi-lo. Como, porém, é o que mais facilmente<br />

se pôde obter, e o mais barato que se encontra no mercado,<br />

não ha remédio senão continuar a fazer uso delle. No<br />

entretanto, quando se tenha de friglr peixe para guardar,<br />

é indispensável que se use do azeite vegetal apropriado,<br />

e; de preferencia do azeite doce puro, sem mistura de oleo<br />

animal. O peixe frito em banha de porco de<strong>com</strong>põe-se <strong>com</strong><br />

incrível rapidez, c não tem sabor delicado, ao passo que o<br />

frito em oleo vegetal, conserva-se por muito tempo, bem<br />

<strong>com</strong>o o seu sabor peculiar. Accresce que o peixe frito em<br />

banha, depois de resfriado, além da de<strong>com</strong>posição interna,<br />

attrahe a si os miasmas pútridos e é 11111 vehiculo certo<br />

das epidemias. Ordinariamente o seu uso passadas 24<br />

horas, dá lugar a colicas e outros symptoinas de inoculação<br />

miasmatica.<br />

O toucinho derretido poderia, <strong>com</strong> alguma vantagem,<br />

substituir a banha ; infelizmente, porém, poucos são, relativamente,<br />

os que podem obter este producto, tão util ao<br />

homem quando usado <strong>com</strong> a devida moderação 110 alimento.<br />

Em caso algum se deve lançar mão do sebo ou graxa<br />

para adubar as iguarias. Estes productos, por nós importados,<br />

são preparados <strong>com</strong> destino ao fabrico de sabão e<br />

outras industrias, e nunca para tempero. Não são gordu-


88<br />

ras provenientes do gado bovino abatido em matadouros,<br />

para a alimentação publica: são productos de uma grandiosa<br />

industria, e toda especial! O gado cavallar, muar,<br />

lanigero e outros, criados e destinados a essa industria, é<br />

depois de despido dos couros ou pelles, lançado em caldeiras,<br />

para, a fogo nú 011 pelo vapor, ser extraindo todo<br />

o principio gorduroso e gelatinoso, nada 011 pouco, se importando<br />

os fabricantes, que, entre os infelizes animaes<br />

derretidos, vão poucos ou muitos, atacados de môrmo,<br />

carbunculo, ou outras enfermidades ainda peiores: não<br />

tem nem podem ter por isso responsabilidade alguma:<br />

porque os productos são especialmente destinados ás industrias<br />

fabris.<br />

Convirá, pois, ás pessoas que <strong>com</strong>em fóra de suas casas,<br />

pôr o maior cuidado em não ingerir carnes assadas ou<br />

guisadas, peixes ensopados ou fritos <strong>com</strong> graxa de pipas,<br />

sebo ou graxa de bexigas; o que é fácil conhecer, porque<br />

a superfície do molho se solidifica rapidamente fóra do<br />

calor do fogo, ou a iguaria, não tendo molho, se cobre de<br />

uma leve pasta de côr alvacenta. Do mesmo modo se conhece<br />

o alimento temperado <strong>com</strong> banha de porco falsificada<br />

<strong>com</strong> a addieâo daquelles productos. Sei que em larga<br />

escala, sem o menor escrúpulo, se lança mão destas qualidades<br />

de gorduras para fornecimentos de alimentação.<br />

(Este artigo foi publicado 110 Jornal do Commercio, de<br />

17 de Dezembro de 1884.)


III<br />

Julgo necessário prevenir que não ha inconveniente<br />

em tirar dos peixes ou mariscos salgados todo o sal, pois<br />

que o gosto, apparentementc perdido, volta, logo que o sal<br />

refinado lhes é addicionado 110 prato; e o 111 sino succede<br />

<strong>com</strong> as carnes salgadas. O methodo de lançar-se todo o<br />

sal 11a vazilha em que se cozinha, concorre entre nós, pelo<br />

uso que fazemos da farinha de mandioca, para desde tenra<br />

idade nos acostumarmos aos alimentos adocicados, o que<br />

me parece prejudicial. Qualquer pessoa habituada a addicionar<br />

farinha aos alimentos, estando em mesa que não<br />

tenha esse ingrediente, julga em geral as iguarias salgadas,<br />

quando muitas vezes até ensossas estão.<br />

Com o emprego de todo o sal 11a vasilha, em que se<br />

cozinha, deixamos de*gozar dos benefícios que nos deve<br />

proporcionar o verdadeiro sal marinho. Ingerimos assim o<br />

sal impuro, e muitas vezes alterado, por ter estado em<br />

presença de certos princípios aífins ou de terem esses princípios<br />

soífrido alteração pela alta temperatura. Qualquer excesso<br />

de sal na iguaria produz muita sede e lhe altera o<br />

gosto; ao passo que addicionado na mesa, mesmo em<br />

demasia, se produz sòd«», é moderada, de pouca duração, e<br />

não modifica o gosto peculiar de cada alimento.<br />

O uso do sal puro na mesa activa muito mais as func-<br />

12


90<br />

ções de nossas vísceras e nos dá muito maior vigor, conserva-nos<br />

as forças viris e as mãis gozáo de maior quantidade<br />

e melhor qualidade de leite para a criação de seus<br />

filhos. As anemias sào raras nos que usão temperar o alimento<br />

na mesa <strong>com</strong> o sal refinado.<br />

Infelizmente, os depauperamentos são em grande escala<br />

no Brazil. não só devidos ao pouco e máo uso que fazemos<br />

do sal e abuso de farinha sem este ingrediente, mas<br />

a outras muitas causas, c levào grande numero, especialmente<br />

nas classes pobres, a procurar no álcool, que bem<br />

fácil é de obter-se, o augmento de força physica e valor de<br />

animo para supportarem o trabalho e diminuírem a tristeza<br />

que os opprime: erro fatal. As poucas forças que<br />

possuiáo ao iniciar o uso da aguardente, diminuem rapidamente<br />

e a tristeza cada dia augmenta mais; e, se tem<br />

o vicio de fumar, cabem no excesso e estão irremediavelmente<br />

perdidos: quanto mais bebem mais fumáo e quanto<br />

mais fumào mais bebem. Estes infelizes enleiáo-se em uma<br />

dobadoura sinistra, movida por mão occulta ; não a podem<br />

fazer parar. A nicotina eliminada pelo álcool, não é <strong>com</strong>pensação<br />

110 caso de excesso deste.<br />

Este uso do sal fervido <strong>com</strong> os alimentos ó também<br />

appliçado ás vaccas destinadas a fornecer leite.<br />

Muitos males devem provir, e provem desse erro. Os<br />

donos das vaccas, <strong>com</strong> o intento de obter maior producçào<br />

de leite, cozinháo a alimentação daquellas <strong>com</strong> grande<br />

quantidade de sal; mal gravíssimo : porque os alimentos<br />

<strong>com</strong>põem-se de vegetaes. Até a farinha de milho é cozinhada<br />

<strong>com</strong> avultada quantidade de sal, o que é um absurdo-<br />

As vaccas, <strong>com</strong> este mclhodo de nutrição, se depauperáo<br />

pouco a pouco, e o leite perde as qualidades gordurosas e


91<br />

alimentícias, tornando-se era simples agua salgada e matéria<br />

colora n te.<br />

Muito melhor seria que, depois dos alimentos cozidos<br />

<strong>com</strong> pequeníssima quantidade de sal bem torrado, lhe<br />

addicionassem moderadamente o restante a frio, ou de<br />

qualquer modo, que o animal o recebesse sem repugnância<br />

e sem alteração. As vaccas, assim tratadas, gozariâo de<br />

boa saúde e longa vida, e o leite seria são e regularmente<br />

abundante.<br />

Entretanto, por muito bom que seja o leite, máo é<br />

usar delle crú, dentro das cidades. O leite deve ser bem<br />

fervido ; não <strong>com</strong>o entre nós se usa, que é apenas aquecido.<br />

Acredita-se que o leite está cosido logo que elle<br />

sobe cm escuma quando levado ao fogo, o que é grande<br />

erro: o leite para entrar cm eboliçáo, necessita estar<br />

mais tempo ao fogo e de temperatura mais elevada do que<br />

para ferver a agua. Para se conseguir coser o leite, é<br />

necessário ter paciência e estar attento para tirar do fogo<br />

a cafeteira, tantas vezes quantas a escuma subir, até que<br />

esta se extinga e a ebolição appareça.<br />

Ha um phenomeno, que me faz acreditar que o sal<br />

sofTre de<strong>com</strong>posição em presença de alguns vegetaes, ou<br />

que alli a promove. E' o seguinte: qualquer pessoa, a<br />

quem por descuido saltar nos olhos o succo da pimenta<br />

verde, e em seguida lançar sobre a lingua um pouco de<br />

sopa ou arroz cozido <strong>com</strong> bastante sal, não sentirá melhora<br />

sensível; se, porém, colloi*ar sobre a lingua alguns grãos<br />

de sal ou sal refinado, lagrima ardente se deslisará pela<br />

face e a dor passará subitamente. O elTeito é instantaneo,<br />

não deixando ao paciente tempo de sentir <strong>com</strong>o o phenomeno<br />

se opéra, embora a sciencia o pos^a explicar. Não fica


92<br />

vestígio algum do soffrimento, ainda mesmo que este seja<br />

muito forte.<br />

Qual será a razão por que, no primeiro caso, o sal não<br />

produz effeito, c sim no segundo ? (1)<br />

Eu sei de um vegetal que cozido <strong>com</strong> grande quantidade<br />

de sal, produz grave cmfermidade, e até a morte, em<br />

certos animaes.<br />

Um facto que também me leva a desconfiar da alteração<br />

operada no sal marinho fervido junto <strong>com</strong> o alimento<br />

ou por este sotírida, pela presença daquelle ao fogo ou<br />

por influencia da vas'lha, é que, tomado o sal crú em pequena<br />

quantidade, não contraria a diurese; que, bebendo<br />

cozimento de nabiças, a diurese. na maior parte dos casos,<br />

augmenta muito ; mas, cozinhadas estas <strong>com</strong> sal, desapparecem<br />

em grande parte os efleitos e não se colhem as<br />

mesmas vantagens.<br />

Eu creio que p ira os vegelaes não pode haver uniformidade<br />

no tempero do sal; e é isto uma questão digna<br />

de estudo. O agrião por exemplo, só admitte insignificante<br />

quantidade deste ingrediente : um pouco mais de sal do<br />

que o necessário tira-lhe todas as virtudes, torna-o picante,<br />

desagradavel ao paladar c infartante. Quando o agrião é<br />

guisado <strong>com</strong> excesso de sal e em seguida se bebe vinho,<br />

muda este de gosto e até nos parece não ser o mesmo que<br />

anteriormente havíamos bebido. O agrião é muito rico de<br />

(1 Ha cerca de trinta annos que me foi concedido conhecer<br />

este phenomeno e até agora ninguém me deu a explicação delle.<br />

Dizem-me que é efteito reflexo e nada mais. Reflexo ou nâo.tenho<br />

ensinado a grande numero de pessoas do meu connecimento este<br />

modo de annular a acção dolorosa produzida nos olhos pelo succo<br />

da pimenta verde.


93<br />

sáes, bem <strong>com</strong>o a carne de alguns animaes, que quasi não<br />

necessitão de tempero de sal.<br />

Em vista, pois, destes resultados, julgo possível que<br />

o grande mal produzido pela bretalha ás pessoas que soflrem<br />

da pelle ou de feridas, provenha de ser ella cozinhada <strong>com</strong><br />

o sal, ou do excesso deste na occasião da fervura. Sinto<br />

não ter podido experimentar o uso deste vegetal no estado<br />

simples. Sei apenas que a bretalha, julgada innocente, é<br />

altamente noc ;va ás pessoas que a c mem amiudadss vezes<br />

110 caso de padecerem de moléstias do pelle ou de ulceras.<br />

Ordinariamente não sárão 011 dilTicilmente o conseguem,<br />

sobretudo se a preferem a outros vegetaes <strong>com</strong>o dieta.<br />

E' possível, porém, que o mal resida 11a própria planta<br />

e não em ser esta preparada no fogo <strong>com</strong> sal; visto quo<br />

outras, consideradas innoccntes e até muito úteis, são prejudiciaes,<br />

<strong>com</strong>o seja o mate, que nenhun sal marinho<br />

recebe, e no entanto é pernicioso quando tomado em demasia,<br />

sobretudo ás senhoras, maxime quando soflrem de<br />

certas enfermidades.<br />

Estou convencido de que a população tiraria grande<br />

vantagem da mudança de methodo. Convirá que, em vez<br />

de lançar na panella o sal impuro, c até sem o torrar,<br />

<strong>com</strong>o é de uso até agora, se lance pequena quantidade<br />

delle torrado e de preferencia refinado nas iguarias que<br />

tenhão de vir á mesa. O sal nesta ultima condição, além<br />

da pureza que recebe 11a agua ferveu te, em que é dissolvido,<br />

passa no fabrico por elevada graduação de calor até<br />

se obter a sua nova crystallisação quando resfriado. Esta<br />

elevada graduação isenta-o de organismos impuros, e de<br />

qualquer principio toxico volátil ou não, que possa trazer<br />

das salinas ou adquiridos depois da colheita. Fica cmfim


94<br />

livre de todos, ou da maior parte dos elementos nocivos,<br />

que podem levar a destruição ao nosso organismo.<br />

Sei quanto é diflicil alterar hábitos inveterados ; mas,<br />

no caso de que trato, é da maior necessidade fazer a alteração<br />

110 modo de empregar o sal.<br />

O uso do peixe assado no forno é objecto de luxo, c<br />

devia ser banido da mesa, porque na maior parte dos casos,<br />

especialmente quando assado <strong>com</strong> muito sal, é pernicioso-<br />

O peixe assado na braza. ou na grelha, quando fresco e<br />

colhido são, e <strong>com</strong> pouco tempero de sal, que será <strong>com</strong>pletado<br />

110 prato, é saudavel; ao passo qneo de forno não o é de<br />

modo algum. No primeiro caso o peixe conserva o seu sabor<br />

peculiar, o que não succede <strong>com</strong> o de forno.<br />

Ha entre nós o systema, creio que por ostentação ou<br />

fantasia, de preparar as ostras, recheando-as nas próprias<br />

conchas grandes ; ao que se dá o nome de ostras de forno.<br />

E' preciso attender a que a vasilha neste caso contém phosphato<br />

de eal, e talvez quando serve pela primeira vez esteja<br />

sujeita á de<strong>com</strong>posição, por ser submettida a alta temperatura,<br />

em presença de saes, ácidos e gorduras e que nestas<br />

se fixem princípios toxicos. Melhor seria usar de pequenas<br />

vasilhas de barro, não vidrado. O certo é que as<br />

ostra« de forno, quando resfriadas, de<strong>com</strong>põem-se rap damente,<br />

dão lugar a doenças e provão que estão inoculadas<br />

de pr ncipios nocivos.<br />

Pelo que tenho observado, presumo que os peixes salgados,<br />

bem <strong>com</strong>o os mariscos, que nào tenhão sido bem remolhados,<br />

occasionão, porque os ingerimos deteriorados,<br />

predisposições para muitas moléstias, entre ellas as eruptivas.<br />

O mesmo acontece <strong>com</strong> o peixe fresco em rnáo estado-<br />

O uso constante, ou mesmo amiudado destes productos,


95<br />

pôde bem ser a origem de graves enfermidodes, sobretudo<br />

em algumas das províncias do norte, onde entrào em larga<br />

escala na alimentação do povo.<br />

E' necessário <strong>com</strong>prehender bem que o meu conselho<br />

pora o uso do sal refinado refere-se só ao tempero no prato;<br />

se o lançarem na vasilha, que vai ao fogo, junto <strong>com</strong> o<br />

alimento, da mesma sorte que praticão <strong>com</strong> o sal ordinário,<br />

isto é,em grande quantidade,a vantagem não será nenhuma.<br />

A necessidade pripcipal é abandonar o uso do sal grosso^<br />

não cozinhar os alimentos senão <strong>com</strong> pequena dósc de sal,<br />

ou nenhum, quando a qualidade da iguaria o permittir. O<br />

bife, as costelletas, as batatas, por exemplo, não necessitão<br />

ter sal quando vão para o fogo ; é só temperadas na mesa<br />

que estas e outras iguarias são saborosas e produzem o<br />

etleito que se deseja. Deve o tempero de sal fazer-se ou<br />

pelo menos <strong>com</strong>pletar-se no prato.<br />

A constante observação, emfim, tem-me convencido de<br />

que os povos que usão temperar <strong>com</strong> o sal limpo, na mesa,<br />

e que ahi adubáo os seus alimentos, gozão, até certo limite,<br />

de ímmunidades nas epidemias e são menos victimas de<br />

moléstias de ligado, dos rins, eruptivas e outras; e os que<br />

cozinháo a alimentação <strong>com</strong> todo o sal necessário á satisfação<br />

do paladar, <strong>com</strong> as pimentas verdes e da índia, <strong>com</strong> o<br />

alho e outros condimentos que só no prato devem seraddicionados,<br />

estão bem longe do gozo daquellas Ímmunidades.<br />

São essas, em geral, attribuidas a condições climatericas;<br />

A<br />

parece-me, porém, que na maior parte dos casos são o resultado<br />

benefico de um racional systema de alimentação.<br />

Entre nós, até a terrível folha de louro é cozida <strong>com</strong><br />

os alimentos, c algumas vezes em grande quantidade, o<br />

que sem duvida produz muito mal.


96<br />

O sal marinho é a vida : usado <strong>com</strong>o devo ser, evita<br />

grande numero de enfermidades; pôde sò por si curar e<br />

obstar a muitas dcllas e das mais terríveis. Sem elle não pôde<br />

haver nutrição regular nem bom desenvolvimento physico,<br />

porque a assimillaçáo dos alimentos na humanidade civilisada<br />

torna-se imperfeita ; mas o sal marinho não pôde por<br />

muito tempo garantir a sanidade dos productos destinados<br />

á alimentação, quando outros sáes o não coadjuvem.<br />

Parece-me que mais de uma vez tenho visto gorduras<br />

saponiíicadas nos alimentos que por trez ou quatro mezes<br />

estavão em coulacto <strong>com</strong> esse ingridiente, sem o auxilio<br />

de productos chimicos que mantivessem o equilíbrio. E'<br />

bem possível que me tenha enganado mas peço aos scientificosque<br />

me respondão a seguinte pergunta :— Terá algum<br />

dos princípios constuitivos do sal marinho, grande<br />

alfinidade para os ácidos graxos ?<br />

Se assim é : a salga dos alimentos feita em sal marinho<br />

sem o auxilio de outros ingredientes, deve ser perigosa<br />

de certo tempo em diante. Um principio fôrma sabão<br />

e o outro do qual se desligou, o que produz ?<br />

Neste ligeiro esboço não fiz mais do que coodernar<br />

apontamentos, que possuia quando o meu filho e amigo<br />

cahio doente <strong>com</strong> a fatal enfermidade que poz termo á sua<br />

existencia terrestre. Sei que muitos observações tinha que<br />

accrescentar aoque se achava escripto; mas não me foi ainda<br />

concedido, por mais esforços que tenho empregado, lembrar-me<br />

do que tinha na mente. Para apresentar este singelo<br />

trabalho foi necessário pedir a um amigo para corrigir.<br />

Como já disse, se este opusculo fôr benignamente<br />

acolhido e merecer a indulgente attenção dos homens da<br />

sciencia, exporei mais tarde os factos de observação que


97<br />

aqui faltão, bem <strong>com</strong>o <strong>com</strong>pletarei minhas investigações<br />

em outros assumptos, que julgo de interesse para o bemestar<br />

da sociedade brazileira ; isto se a grande dôr moral,<br />

por que estou passando, diminuir um pouco, e se fôr da<br />

vontade de Deus, que tudo pôde.<br />

O meu fim é suggeriraos homens da sciencia o estudo<br />

dos mais graves problemas, que se referem á existencia e<br />

prosperidade do homem sobre o globo. Evitar os princípios<br />

de destruição do organismo, robustece-lo, tornar os sentidos<br />

plenamente fortes, <strong>com</strong>bater a anemia e a degeneração das<br />

raças, é prolongar a vida do homem até ao limite da lei<br />

geral de transformação dos seres, nesta rotação e consubstanciaçáo<br />

continua dos átomos.<br />

A vida será sempre uma apparencia passageira, mais<br />

ou menos dolorosa; mas não contribuíamos para nossos<br />

solTrimentos c aniquilação; deixemos ás fatalidades dynamicas<br />

da natureza essa missão. A preparação dos alimentos<br />

de accôrdo <strong>com</strong> os conhecimentos scientificos, o aproveitamento<br />

das observações que dizem respeito a essa gravo<br />

questão, são, sem duvida, estudo digno dos mais nobres<br />

espíritos, embora o não paieça pela sua vulgaridade.<br />

Immensa será a minha satisfação se nesta terra, onde<br />

me prendem tantos laços, puder eu humildemente contribuir<br />

para o progresso e prosperidade de sua população.<br />

Dai a este formoso torrão uma raça forte, energica, de<br />

poderosa vitalidade, e tereis alevantado o seu futuro até<br />

o nivel da maiores nações do nosso tempo.<br />

(Este artigo foi publicado no Jornal do Commcrciop<br />

de 28 de Dezembro de 1884).<br />

13


i.<br />

14


DEGENERADO SANITÁRIA<br />

E<br />

C 3 . T 3 D C K 1 T G " J


I<br />

Quem ac<strong>com</strong>panha sem idéas preconcebidas de qualquer<br />

escola scientifica, <strong>com</strong>o simples curioso e amador de<br />

estudos, o andamento actual das verificações sobre a<br />

atmosphera respiravel na crosta do globo, se convence<br />

de que as antigas noções, que tudo fazião partir de princípios<br />

simples e facilmente palpaveis. estão agora sujeitas<br />

á discussão e passão por uma revolução radical. Onde está<br />

a verdade, qu es são os diversos contingentes que actuão<br />

sobre a <strong>com</strong>posição sanitaria do ar nas grandes agglomerações<br />

de gente, quaes os meios que se devem empregar<br />

para mante-los, não são definições de minha <strong>com</strong>petencia;<br />

mas a profanidade de meus conhecimentos não me inhibe<br />

de levar perante o publico illustrado e dos profissionaes os<br />

fructos de minhas laboriosas e repetidas observações.<br />

Parece-me que do estado actual dos conhecimentos<br />

pôde inferir-se que, além das causas conhecidas de morbidez<br />

atmospherica, ha outras que, por emquanto, escapão<br />

á percepção scientifica ou estão mal averiguadas. Medidas<br />

que muitas vezes produzem bons resultados em certas e<br />

determinadas condições epidemicas, outras vezes não dão<br />

resultados concludentes, ou os dão contradictorios.<br />

Repetidas observações me levárão a pensar que a des-


102<br />

trairão da mata marítima não só no Rio, <strong>com</strong>o em todo o<br />

littoral do Brazil, no sul dos Estados-Un idos, na Havana, no<br />

Golfo do México e no Indo-China fez substituir a doenças<br />

sem gravidade, outras affecções muito graves de caracter<br />

epidêmico ou que indica/ào não estar mais o ar em condições<br />

de manter a vida normal naquelles que o respira vão.<br />

Onde não pude verificar pessoalmente os factos de observarão,<br />

colhi-os pelos escriptos dos profissionaes e pessoas<br />

<strong>com</strong>petentes. O modo por que a mata marítima fôrma o<br />

sólo vegetal ehabitavel.e nelle mantém as condições de vida,<br />

foi objecto de novas e repetidas averiguações minhas, e,<br />

depois dellas, estou na convicção de que o Mangue é um<br />

grande instrumento phvsico e chi mico da conquista do<br />

globo. Esta convicção já está lavrando pelo publico estudioso,<br />

e seria, pois, cobardia, recuar desta despretenciosa<br />

exposição de doutrina.<br />

Já são decorr dos quatro annos depois que no Jornal<br />

do Commerc'0 forâo publicados vários artigos sobre o Corte<br />

do Mangue, attribuindo á destruirão dessa arvore providencial,<br />

as tão discutidas, incertas de origem e péssimas de<br />

facto, condições sanitarias da cidade do Rio de Janeiro e de<br />

outras do littoral do Império e o estado decadente da industria<br />

da pesca, a<strong>com</strong>panhada da degenerarão alimentícia de<br />

seus productos. Mais tarde, tem-se chegado quasi á convicção<br />

de que, devido principalmente a essas causas, a população<br />

estrangeira aqui não se radica e a nacional não<br />

tem progresso sensível. Comparativamente ao movimento<br />

economico da população da côrte, o seu progresso é quasi<br />

nullo. Entretanto, eu acredito que quanto á população<br />

estrangeira, outras causas, que não o máo estado sanitario<br />

a afastão desta cidade.


103<br />

Quando publiquei osses artigos contava <strong>com</strong> o auxilio<br />

da sabedoria de muitos e <strong>com</strong> os sentimentos humanitários<br />

e patrioticos de todos. Voltando agora a tratar do mesmo<br />

assumpto, em suas diversas phases, confio ainda em tão<br />

valiosos apoios.<br />

Animo-me a voltar a esta questão, por ver que, em<br />

tão limitado espaço de tempo, alguns espíritos observadores<br />

se applicárão ao estudo da questão enunciada, e 6<br />

disso prova, terem diversos proprietários de terras no<br />

littoral, prohibido o córte dos mangaes nascentes e dos<br />

poucos que ainda lhes restavão. Também os proprietários<br />

de algumas ilhas tomarão idêntica resolução. Veio em<br />

apoio da doutrina a postura da Gamara Municipal da córte,<br />

de que fazem parte illustres profissionaes, assim <strong>com</strong>o a de<br />

Nitherohy e Estrella, todas proscrevendo a barbara destruição.<br />

Iguaes medidas adoptárão as municipalidades do<br />

Desterro e S. José, na província de Santa Catharina, e a<br />

da Victoria, na do Espirito Santo, ficando por ellas piohibida<br />

a devastação da mala marítima desse providente<br />

Mangue, que é ao mesmo tempo laboratorio de ar respira<br />

vel e resguardo do sólo conquistado e dos elementos de<br />

alimentação. E de todas, a melhor prova foi dada pelo<br />

illustrado inspector da hygiene publica de Santa Catharina,<br />

aconselhando ás municipalidades que por meio de posturas<br />

impedissem a devastação dos mangaes.<br />

Ultimamente o illustrado Sr. Barão de Ibituruna y<br />

muito digno inspector de hygiene desta córte, reclamou<br />

também contra o córte das matas nos arrabaldes e fre-<br />

guezias suburbanas, o que é para me animar, nào obstante<br />

#<br />

S. Ex. nào se referir, ao que parece, ás matas marítimas<br />

constituídas pelos mangaes.


104<br />

Aquellas provas, pois, e esta ultima são um indicio<br />

visível de que a Providencia se inter ssa pela sorte da<br />

doutrina e que se <strong>com</strong>padece da sorte deste povo tão flagellado.<br />

Não se recusem os homens aos conselhos que um<br />

poder superior couseguio diíTundir tão rapidamente.<br />

A observarão, porém, da generalidade das opiniões<br />

sempre sujeita a idéas preconcebidas, seria para me desanimar<br />

e assustar.<br />

Vejo que a maior parte das pessoas occupadas no<br />

estudo de hygiene, continuào a attribuir a permanencia e<br />

desenvolvimento das epidemias e de diversas enfermidades<br />

graves nesta cidade e em outras do littoral do Brazil, enfermidades<br />

que aniquilão a su a população, — exclusivamente<br />

a causas existentes no proprio perímetro occupado<br />

pelas populações urbanas. Uns dizem que os cemiterios são<br />

a origem das influencias perneciosas, outros os esgotos e o<br />

lençol d'agua do sub-sólo da cidade; outros a fôrma de<br />

transporte do lixo, os estabulos e estrumeiras : as vallas de<br />

agrião e a mil outras causas, inclusive as hortas, e nunca<br />

se lcmbrão do cinto de lodacaes da bahia que nos contorna,<br />

em que a cidade é apenas um ponto de refugio, ao passo<br />

que esses lodacaes, quando expostos directamente aos ardentes<br />

raios solares no tempo de verão, em alguns annos<br />

tornão-se em verdadeiro amontoado de myriadas de seres<br />

roubados á vida, verdadeiro cemiterio colossal a descoberto<br />

<strong>com</strong>o já tive occasiào, de expôr e descrever. Não se lem •<br />

brão, emfim, que não é impunemente que em zona <strong>com</strong>o a<br />

nossa se derrubão milhões de arvores que, além de tudo,<br />

cobrião e saneavào enormes superfícies lodosas e immensos<br />

alagadiços.<br />

Ha também muitas pessoas que attribuem á constante


A<br />

105<br />

importação pela navegação, de princípios morbidos, as<br />

epidemias de que temos sido victimas e não veem que a<br />

cidade do Rio-Grande do Sul, a quatro dias de viagem<br />

daqui, não foi até noje visitada pelo ilagollo da febre amarella,<br />

não obstante lá ler aportado mais de um indivíduo<br />

<strong>com</strong> essa enfermidade. Outros pontos da<br />

estão nas mesmas condições.<br />

costa do Brazil<br />

Na cidade do Rio Grande do Sul predomina exclusivamente<br />

a saudavel areia.<br />

A vida e a morte trávâo luta ás portas deste nosso<br />

minguado recinto de habitação, e o nosso espirito não<br />

divulga as causas naturaes que nos ameaçáo. Um verda-<br />

V<br />

deiro exame do mappa topographico de nossa bahia talvez<br />

convencesse os mais prevenidos.<br />

Não ha duvida que todas aquellas questões devem ser<br />

attendidas c estudadas muito de perto, porque do conjuncto<br />

de algumas dellas pôde vir muito mal, dadas certas condições<br />

atmosphericas; é, porém, incontestável que todas<br />

ellas reunidas estão bem longe de representar o mal produzido<br />

pela destruição das matas marítimas, em todos os<br />

lugares onde ella se realizou. Tudo aquillo não passa de<br />

um insecto, <strong>com</strong>parado <strong>com</strong> isto, que tem as proporções de<br />

um elephante.<br />

De ha muito que procuro averiguar os factos nos ce-<br />

. miterios e nos esgotos, que são os mais accusados <strong>com</strong>o<br />

factores da insalubridade. Quanto aos cemiterios (o do<br />

Cajú é o que mais freqüento), nada encontro de suspeito;<br />

quanto aos esgotos, <strong>com</strong>o factores principaes, nada de positivo<br />

ainda encontrei.<br />

Incontestável mente os cemiterios, necessitão de ccr-<br />

14


106<br />

tas modificações que darão em resultado o exercício da<br />

caridade christà por todo o pessoal, grande economia de<br />

tempo e dinheiro, a diminuição de sacriiicios e sofrimentos<br />

daquelles a quem <strong>com</strong>pele o mais rude entre os<br />

trabalhos do homem; emlim o melhor aspecto interno desses<br />

estabelecimentos. No mais, especialmente na influencia<br />

livgienica, havendo methodo, nada ha que fazer, pois que<br />

deites nenhum mal pôde provir. Aquiilo é assim mesmo<br />

constituído, é a eterna lei dj natureza. O que devemos, é<br />

na organisaçáo do serviço apurar e ajudar as leis naturaes,<br />

c que estas não sejào contrariadas ou dillicultadas em sua<br />

acção, <strong>com</strong>o succede constantemente. A principal dilliculdade,<br />

a da má qualidade do sólo, parece-me fácil de corrigir.<br />

No cemiterio do Cajú, e em outras localidades, nos<br />

pontos montanhosos, existem veios de terra muito apropriadas<br />

para cobrir os cadaveres. Estes veios devem ser<br />

aproveitados para esse fim e as terras argillosas e outras<br />

impróprias por impermeáveis, podem servir para atterros<br />

e outros misteres. As terras a que me refiro são de bonita<br />

côr avermelhada, regularmente permeáveis, de espessura<br />

regular e muito aromaticas; e quando lançadas sobre o<br />

cadaver em nada contrariào a de<strong>com</strong>posição e re<strong>com</strong>posição:<br />

julgo-as perfeitamente depuradoras. Tenho colhido<br />

desia terra na occasião de exhumaçõcs, e da que estava»<br />

mais em contacto <strong>com</strong> o cadaver, e as encontrei perfeitamente<br />

soltas, sem mudança de cor e tão aromaticas <strong>com</strong>o<br />

no dia em que lá forão lançadas; acreditei mesmo que<br />

podiào servir diversas vezes para cobrir outras sepulturas<br />

visto que não me parecerão saturadas de nenhum principio<br />

máo. Estas terras, devem em muito facilitar, pela


107<br />

sua permeabilidade a queima pelo oxygenio dos productos<br />

da de<strong>com</strong>posição.<br />

Havendo o cuidado de encher sempre as sepulturas<br />

<strong>com</strong> estas terras ou outras idênticas; plantando-se arvores<br />

proximo das sepulturas <strong>com</strong>muns, das covas rasas e dos<br />

carneiros; não se permiti ndo que estes sendo temporários,<br />

sejão hermeticamente fechados; que o fundo dos<br />

mesmos tenha, para corrigir a impermeabilidade do subsólo,<br />

uma camada de cascalho e areia de vinte a vinte<br />

e cinco centimentros em vez de fórro de t :jolo; procedendo-se<br />

á grande plantação de arvores em todas as ruas<br />

dos cemiterios; á drainagem múltipla e sabiamente feita,<br />

á irrigação constante e permittir os canteiros <strong>com</strong> flôres ao<br />

lado das sepulturas, muito ganhará a hygiene e o aspecto<br />

desses lugares e muito tempo e dinheiro serão economisados.<br />

As arvores a plantar nas proximidades das sepulturas<br />

e mesmo em todas as ruas dos cemiterios, devem ser das<br />

que tenhão raises de grande irradiação, (excepção feita do<br />

grande Coqueiro) para que estas absorvâo os liquidos dos<br />

cadaveres, deixando os ossos perfeitamente limpos e as sepulturas<br />

livres da agua não renovada. O mal que as raises<br />

das arvores podem produzir nas paredes dos carneiros, é<br />

de bem pouca importancia e por demais <strong>com</strong>pensada pela<br />

promptidáo <strong>com</strong> que a elaboração é realisada. Exceptuei<br />

a grande Palmeira, por esterelisar as terras e por que a<br />

queda das suas grandes e pesadas folhas, destróe as obras<br />

de arte.<br />

Cumpre notar que os carneiros hermeticamente fechados,<br />

facilmente accuniulâo abi a agua que se não renova<br />

e obstão a entrada da luz e do ar, princípios estes


m<br />

indispensáveis á de<strong>com</strong>posição e re<strong>com</strong>posição. Uma sepultura<br />

a descoberto, <strong>com</strong> uma ou duas roseiras plantadas,<br />

6 muito mais hygienica do (pie a hermeticamente fechada,<br />

por que a terra é bem arejada e a agua bastantes vcses<br />

renovada. Nada ha a temer de nossos cemiterios; o que<br />

se torna necessário é corrigir alguns defeitos e nada mais*<br />

Pensar cm cremação de cadaveres a titulo de salubridade<br />

não assenta em prova alguma scientifica; é uma<br />

medida que ofíende os habUos e as crenças religiosas do<br />

povo desta cidade e de todo o império.<br />

Os esgotos necessitão também de modificações no<br />

serviço, e as principaes são : tratar o governo de activar o<br />

trabalho de drainagem da cidade, para alliv :ar os reservatórios<br />

das estações das impectuosas aguas pluviaes por<br />

occasião das fortes chuvas, afim de não difficultar as desinfccções<br />

; obter que o povo cumpra <strong>com</strong> seu dever, seja<br />

criterioso e se <strong>com</strong>penetre do fim para que os esgotos<br />

forão montados, e no caso de negligencia insistente, collocarem-se<br />

apparelhos <strong>com</strong> grades de defesa em cada receptaculo<br />

e sypbão; finalmente que nestes haja grande<br />

abundancia de agua, e que a queda desta seja por jactos<br />

violentos. Sem muita agua, melhor é não ter rede de esgotos.<br />

Continuo a estudar estas duas grandes questões,<br />

e do que praticamente e por observação paciente e pausada<br />

tiver conhecimento, darei parte ao publico, para que<br />

não prevaleça o erro a esse respeito. Os cemiterios actuaes<br />

e os esgotos não existião ao tempo em que a febre amarella<br />

se manifestou <strong>com</strong> grande intensidade no Rio de Janeiro.<br />

Cidades existem nolittoral do Brasil, e algumas importantes,<br />

que não possuem esgotos, e não obstante, as suas condições<br />

sanitarias são idênticas ás nossas.


109<br />

O que é notável e me dá muito que pensar é ver que<br />

os trabalhadores dos cemiterios, entre os quaes existem<br />

algumas vezes jovens estrangeiros recemchegados, nào são<br />

victimas das epidemias; gosáo muito boa saúde e dspõem<br />

de bastante força physica, sem a qual nào poderião supportar<br />

o pesado e repugnante trabalho de que são encarregados.<br />

Entretanto, os coveiros, serventes e seus chefes, dormem<br />

e alimentão-se dentro dos próprios cemiterios e bem<br />

poucoé o tempo que lhes resta em muitas occasiôes,para cuidarem<br />

de si. Nem ao menos tem banheiros para se lavarem<br />

depois do trabalho. O mesmo succede<strong>com</strong> os trabalhadores<br />

dos esgotos ; elles são muito robustos, e suas enfermidades<br />

de pequena gravidade ; não obstante muitos desses homens<br />

viverem durante as horas do trabalho, constantemente<br />

mergulhados em detrictos de toda a especie. Estou certo que<br />

o mesmo phenomcno se dá <strong>com</strong> os encarregados da remoção<br />

do lixo da cidade e <strong>com</strong> o pessoal da ilha de Sapucaia,<br />

onde esses detrictos são depositados.<br />

Dir-se-ha que todos esses homens se identifirárão <strong>com</strong><br />

o meio em que vivem, que estão saturados, e que por isso<br />

nada lhes succede!<br />

Não creio ; quando o ambiente que nos cerca 6 muito<br />

máo, ou perdemos logo a vida, ou elle nos debilita a tal<br />

ponto, que não podemos trabalhar. Estes factos, pois, só podem<br />

ser explicados lembrando-nos da infinita bondade de<br />

Deus. Sem duvida, Elle dá aquelles que enterrão os mortos<br />

e aos que cuidào de remover os detrictos immundosdas cidades,<br />

as necessarias immuiiidades, para cumprirem a sua<br />

dolorosa missão. Se assim não succedesse, quem sanearia<br />

as cidades, quem enterraria os mortos e os exhumaria ?<br />

Que seria feito dos médicos e dos enfermeiros, se não fosse


110<br />

aquelle auxilio da Divindade? Cumpre observar que temos<br />

atravessado longos períodos (segundo a boa estatística do<br />

Sr. Favilla Nunes, houve um de seis annos), sem que a<br />

febre amarella ou outra qualquer epidemia nos flagellassem;<br />

e, no entretanto, os cem terios funrcionárâo, bem <strong>com</strong>o os<br />

esgotos ; o lixo não parou de produzir-se, o lençol d'agua<br />

do sub solo não mudou ; os navios não deixarão de entrar<br />

em nosso porto, as estrume ras. os estabulos, as hortas e as<br />

vallas de agrião funccionáráo sempre do mesmo modo.<br />

Perderião todos esses factores de nosso máo estado hygicnico<br />

o seu poder delecterio? Ficarião por tanto tempo<br />

em <strong>com</strong>pleto estado de inércia, não obstante forçadamente<br />

funccionarem ?<br />

Ter-se-ha dado o facto de dispor a atmosphera de todo<br />

o seu poder reparador durante tanto tempo ?<br />

Sem duvida que assim succedeu !<br />

Deixaria de trabalhar ou de ser nocivo naquella quadra<br />

e cm outras, o colossal laboratorio de de<strong>com</strong>posição, constituído<br />

pela vasa lodosa desnudada da mata ? E' bem possível,<br />

<strong>com</strong>o demonstrarei em outros artigos.<br />

Um preconceito, que também me impressiona, é ver<br />

que a maior parte dos habitantes desta grande cidade, está<br />

convencida de que ella é mais habltavel do que a maior<br />

parle das do mundo; do que resulta nada observarem.<br />

Provém esta falsa convicção de ouvirem dizer e verem<br />

cscripto nos periodicos, que a mortalidade do Rio de<br />

Janeiro é, <strong>com</strong>parativamente, inferior á das outras cidades<br />

do globo e das consideradas <strong>com</strong>o mais sadias. Estimaria<br />

que assim fosse, mas, <strong>com</strong>o não é, muito penalisado fico<br />

<strong>com</strong> uma asserção que autorisa muitas negligencias.<br />

0 povo ouve dizer e lê nos jornaes, que a população


111<br />

da cidade do Rio de Janeiro é de 400,000 almas, quando<br />

todos os elementos de calculo o contes tâo. D'ahi <strong>com</strong>párào<br />

erradamente o obituario em relação a tào avultado<br />

numero de habitantes, e augmenlão ainda mais o seu erro,<br />

pois que ne m todos os falleeidos na totalidade são, em algumas<br />

occasiões, sepultados nos cemiterios, cujos enterramentos<br />

são publicados e exclusivamente conhecidos do<br />

povo.<br />

Na falta de estatísticas da população, tenho procurado<br />

nos dados da alimentação approximar-me da verdade*<br />

Tomando as quantidades dos principaes gêneros alimentícios<br />

que recebemos, <strong>com</strong>o sejão : feijão, farinha de mandioca,<br />

arroz, carne secca, farinha de trigo, bacalhau, toucinho,<br />

etc., etc., etc, e deduzindo as quantidades que reexportamos<br />

para o interior e para as províncias próximas e<br />

longiquas, o que lica, nào póJe de modo algum chegar para<br />

tào crescido numero de pessoas. Quanto á carne verde<br />

provinda do gado abatido no matadouro, a quantidade de<br />

matéria alimentícia ingerivel é pequena; o peixe, quer<br />

fresco, quer salgado, que entra para o consumo, é também<br />

em quantidade diminuta.<br />

Torna-se necessário, a bem da fam ilia e da patria, que<br />

a humanidade não aceite os oculos còr de rosa, que alguns<br />

dos bem aquinhoados da denominada fortuna, lhe dào<br />

logo que <strong>com</strong>eeào a ser pensantes. Esses que se julgão bem<br />

aquinhoados, que se julgão felizes, são na maior parte<br />

optimistas e alguns têm grande interesse em occultar a<br />

verdade,<br />

E' necessário que os povos não se eduquem <strong>com</strong> preconceitos<br />

que muitos males produzem no presente, e ainda<br />

maiores 110 futuro; é necessário não viverem de illusões,


2<br />

evitando o exame da verdade, <strong>com</strong>o o têm feito até agora.<br />

O patriotismo está em remediar, náo em disfarçar o<br />

abuso.<br />

Ainda uma vez peço a indulgência dos homens da<br />

sciencia, e a peço lambem ao povo. Igualmente peço aos leitores<br />

(se os houver), me relevem o máo estylo do que escrevo,<br />

pois que nào sou lilterato nem tenho pretenções a<br />

isso. Tanto conheço possuir poucas habilitações, que antes<br />

de publicar este artigo, recorri á caridade de um amigo para<br />

o ler-e diminuir-lhe as agruras: o mesmo farei <strong>com</strong> os<br />

que se seguirem a este.<br />

Espero, pois, merecer as indulgências pedidas, porque<br />

o meu íiin ésómenle o bem-estar do povo brazileiro, digno<br />

de melhor sorte, e da humanidade.<br />

Infelizmente sou instrumento muito imperfeito para<br />

tratar de questões de tào alevantado alcance. Por isso peço<br />

constantemente ao Christo que mo coadjuve e permitia que<br />

os bons me guiem sempre pelo caminho do bem e da<br />

verdade.<br />

(Este artigo foi publicado, no Jornal do Commcrcio de<br />

7 de Outubro de 1887).


i. »<br />

II<br />

Para <strong>com</strong>prohender-se bem a funesta influencia que<br />

o córte do Mangue leve no littoral da bahia o no interior<br />

desta capital, convém explicar bem a natureza das funcções,<br />

que essa providencial arvore exerce.<br />

A sorte da mata marítima anda tão intimamente<br />

ligada a fundação e desenvolvimento do Rio de Janeiro,<br />

que historiar a edificação da cidade é <strong>com</strong>o que a<strong>com</strong>panhar<br />

o progresso da destruição da mata.<br />

Não cançarei, não me darei por cançado, emquanto<br />

vivo, de trabalhar e procurar fazer <strong>com</strong>prehender á humanidade<br />

os funestos resultados da destruição do previdente<br />

Mangue, que pela sciencia e por todos os homens civil!sados,<br />

bem poderia ser considerado arvore sagrada.<br />

De todas as arvores que existem em nossa zona, é cila<br />

a mais importante e mais util, pois é a que mais serviços<br />

prestou e pôde prestar. Ella é um operário incansavel, ella<br />

tem uma missão importante a cumprir ; e por isso foi dotada<br />

por D MIS <strong>com</strong> amplos meios para cumprir seus desígnios.<br />

Esta arvore é nesta zona a encarregada da transformação<br />

do sólo n'um período de transição; a ella se<br />

deve, entro nós, e também em muitos pontos do globo, a<br />

existencia de vastas superfícies de terras, das quaes a hu-<br />

11)


114<br />

manidado tira enormes productos pela industria agrícola e<br />

pastoril.<br />

Não é possível contestar que até 1818, fossem arrancadas<br />

do littoral, que rodeia a bahia, immensas riquezas,<br />

das terras vagarosamente conquistadas pelos mangaes, e<br />

por elles entregues, perfeitamente saneadas, a outras<br />

arvores.<br />

Essas arvores eráo, de accòrdo <strong>com</strong> a altitude, a aroeira<br />

(de grande valor), a pitangueira, a tabibuia, o ingá, o ariticum,<br />

o camará, alguns palmitos e outras muitas, quo<br />

constituião verdadeiras florestas, em terra solida e rica, e<br />

de todos os lados onde predominava a agua, defendidas<br />

sempre pelos mangaes, que lá esta vão <strong>com</strong>o destacamentos<br />

de exercito formidável, nas avançadas e flancos. Em alguns<br />

pontos de além littoral, essas arvores, que succedêrão aos<br />

mangaes, forão destruídas, e as terras roteadas <strong>com</strong> diversas<br />

plantações, que era o que constituía as verdadeiras riquezas<br />

do Rio de Janeiro e não, <strong>com</strong>o falsamente se acredita,<br />

o produeto das minas de oiro. As plantações de canna<br />

de assucar deráo ao Brazil milhares de milhões, e a maior<br />

parte dellas, no littoral fluminense, erão assentes em sólo<br />

conquistado pelos mangaes. Nesse tempo os mangaes não<br />

erão devastados: ao contrario, os sábios padres jesuítas,<br />

senhores de vastos territorios, ajudavão a conquista realisada<br />

pelo Mangue, por meio de drainagem intelligentemente<br />

executada, <strong>com</strong>o se pôde ver em Macacú, Guapymirim<br />

e outros pontos, onde existem vestígios desses<br />

colossaes trabalhos; que mais tarde forão pelos livres pensadores<br />

abandonados <strong>com</strong>o inúteis.<br />

Data do abandono dessas obras gigantescas, feitas por<br />

aquelles que forão bànidos, e da destruição da mata mari-


115<br />

tima que, mais tarde, se seguio, a decadencia dos vastos<br />

territorios que rodeão esta colossal bahia e o estado inhospito<br />

e de quasi <strong>com</strong>pleto abandono em que actualmente se<br />

achão.<br />

Desde então principiou a derrubada impreviente. não<br />

só das salutares e grandes ilorestas que restavão nos pontos<br />

conquistados pelo providencial Mangue, <strong>com</strong>o também<br />

dos proprios mangaes. O impaludismo principiou então<br />

a desenvolver-se e a manifestar-se de diversos modos no<br />

littoral; e em cada anno cm maior escala, até que, inesperadamente<br />

em 1827, segundo penso, a peste se desenvolveu<br />

no districto de Santo Antonio de Sá, a ponto de morrerem<br />

todos os que nâo fugirão. Nesse lugar, porém, deve<br />

ter concorrido para tal desastre, especialmente, algum<br />

grande incêndio, que destruindo as florestas em vasta<br />

superfície, tenha ao mesmo tempo também queimado os<br />

mangaes e as vegetações, que cobrião os pantanos. Esta<br />

peste irradiou-se até á cidade do Rio de Janeiro; e, no<br />

entretanto, informão-me que poupou a pequena zona do<br />

Porto das Caixas, bem próxima do principal fôco. Se assim<br />

succedeu, bom é indagar das causas da immunidade ; talvez<br />

que nesse lugar a grande vegetação ainda existisse.<br />

Do estado anterior do que o sólo foi em alguns pontos<br />

do littoral, ainda ha vestígios. Existem em alguns<br />

lugares bellos grupos de mangaes, c das arvores que lhe<br />

succedôrão, ainda que de tenra idade relativamente.<br />

Outr*ora existirão, em quantidades enormes, diversas<br />

especies de Mangues, abundando mais o siriba e o branco,<br />

este denominado sapateiro, por ser preferido para o cortume<br />

de couros, — e o vermelho, o mais importante de


116<br />

todos, pelo seu poder <strong>com</strong>bustível, e por ser o principal e<br />

melhor conquistador da vasa lodosa.<br />

Por não saber nada, absolutamente nada, do botanica,<br />

dei ás arvores, que succedôrão aos mangaes e ás diversas<br />

especies destes, as designações dadas pelo povo dos<br />

lugares.<br />

Entre as diversas especies de mangues, das quacs<br />

umas vivem na agua doce, outras na salobra e outras na<br />

salgada, algumas attingião, no seu maior desenvolvimento,<br />

quando adultas, a sete metros c mais de altura.<br />

Essas arvores erão de tal modo unidas e tão <strong>com</strong>pactos<br />

os seus grupos, que constituião impenetráveis barreiras<br />

em muitos pontos do littoral. Todas as especies do<br />

de Mangue possuem tanino, e algumas em grande quantidade,<br />

que sendo por ellas derramado abundantemente,<br />

x mantinbão os Iodos e as aguas da bahia constantemente<br />

saturadas desta salutar substancia, que obsla á putrefacçâo<br />

e ao desenvolvimento dos micro-organismos.<br />

E' curioso ver o modo por que estas poderosas arvores<br />

se apoderão dos Iodos, c <strong>com</strong>o ellas os soerguem, até<br />

transforma-los em terra solida c saudavel, <strong>com</strong> aptidões<br />

para todos os empregos da agricultura.<br />

Essas terras, na maior parte, representão o accumulo<br />

de algumas argillas, de areias, humus em quantidade, e<br />

calcarcos provenientes das conchas dos molluscos, das couraças<br />

dos crustáceos, dos ossos de diversas aves e de diversos<br />

animaes ahi criados <strong>com</strong> a protecção das arvores e<br />

mortos no correr do tempo, soterrados pelos detrictos vindos<br />

do interior por grande numero de rios, cannaes, etc.,<br />

sendo esses detrictos os de que em primeiro lugar fallci.<br />

E' curioso, <strong>com</strong>o disse,ver o modo porque essas bene-


117<br />

ficas arvores realizío a sua perseverante conquista. 0<br />

mangue vermelho, o mais importante e util, e que outr'ora<br />

estava sempre na vanguarda de todos os outros, é de aspecto<br />

e fôrmas as mais caprichosas, de uma intelligencia<br />

evolutiva e de uma aptidão admiraveis.<br />

Logo que attinge a um certo desenvolvimento, dello<br />

<strong>com</strong>eção a descer diversos brotos, nús de folhagem, em<br />

dirccção ao chão lodoso, até que nelle pousão e crião raízes,<br />

ficando em torno do tronco chefe, em fôrma arqueada.<br />

Parece então o pé de uma destas arvores, colossal aranha<br />

de muitas pernas, e de corpo muito alevantado. Chegando<br />

a este estado, brotão de diversos pontos, novas hastes,<br />

também nüas, agora, em sentido parallelo ao lodo, procurando<br />

sempre estas hastes a direcção das aguas e dos<br />

ventos, que mais açoitão os Iodos a conquistar. Uma vez<br />

que as novas hastes chegão a uma certa extcnção, dellas<br />

nascem, de espaço a espaço, outras hastes igualmente despidas<br />

de folhagem ; agora, em sentido perpendicular aos<br />

Iodos, e cada uma destas hastes, ao approximar-se delles,<br />

divide-se nas extremidades em três ou quatro pequenas<br />

pontas bem distanciadas uma das outras, em seus extremos,<br />

até que se poem em contacto <strong>com</strong> a vasa lodosa. Chegadas<br />

ahi, crião raízes que se entrelação por debaixo <strong>com</strong><br />

as de suas <strong>com</strong>panheiras. Assim, incessantemente, vão<br />

surgindo novos brotos, sempre <strong>com</strong> a mesma harmonia e<br />

perseverança : de cada antena que mergulha no lodo,<br />

brotão outras antenas, que em fôrma arqueada a rodcião ;<br />

outras seguem parallelamcnte ao lodo, cohrido-se tudo nos<br />

topes de espessa folhagem. Deste modo, pôde uma só<br />

destas arvores, da qual não é, de certo tempo em diante,<br />

possivel conhecer o tronco de origem, tornar-se, <strong>com</strong> tal


118<br />

poder de irradiação, senhora absoluta de superfície lodosa<br />

de mais de meio kilometro quadrado.<br />

E' incalculável o numero de antenas, que uma destas<br />

arvores pôde possuir, e curioso ver as diversas orientações<br />

que ellas tomão, de accôrdo <strong>com</strong> as necessidades da conquista<br />

do sólo.<br />

Nestas condições, no periodo de irridiação, parece<br />

ver-se colossaes centopeias, seguindo por oppostos caminhos.<br />

Deste modo, essa previdente arvore se apodera dos<br />

Iodos, accumulando tudo que passa em seu emmaranhado<br />

de antenas, que constituem immenso filtro. Esta especie do<br />

Mangue acha-se de tal modo agarrada aos Iodos, que o<br />

mais forte cyclone não tem poder de os fazer largar a presa<br />

que é a vasa a que se radicárão.<br />

O Mangue sapateiro, assim denominado, por ser o de<br />

maior procura para curtir couros (necessariamente por<br />

conter maior quantidade de tanino), e o Mangue siriba, são<br />

segundo penso, verdadeiros auxiliares do mangue vermelho<br />

na conquista dos Iodos. Estas especies não tem antenas;<br />

debaixo dellas, porém, nascem e conservão-se uns rebentões,<br />

que julgo seremos mangues procreados, que não vingarão,<br />

e estes rebentões são muito bastos, <strong>com</strong> aspecto de espargos<br />

e assemelbão-se a grande carda <strong>com</strong> pontas direitas.<br />

Estas vegetações endurecidas por adherencias calcareas<br />

e os pequeninos mangues que abi nascem em grande quantidade<br />

e por algum tempo vivem, constituem também verdadeiros<br />

filtros : tudo o que passa 011 cabe, alli fica preso.<br />

Assim, estas especies de mangues vão, pelo acumulo feito,<br />

nestes filtros, <strong>com</strong>pletando a conquista dos Iodos encetado<br />

pelo Mangue vermelho, até os soerguer, e pôr a salvo do<br />

fluxo e refluxo da maré.


119<br />

Estas outras cspecies de mangues nffo apresentSo ás<br />

grandes ventanias a mesma resistencia que o vermelho.<br />

Elias pódem algumas vozes ser prejudicadas ; mas nunca<br />

muito; porque na generalidade, não são ellas que se achão<br />

nas avançadas.<br />

Quanto ao trabalho occulto destas arvores, trabalho<br />

verdadeiramente mysterioso, estabelecido entre ellas, o<br />

sólo, as aguas e a atmosphera, impossível é descrevê-lo.<br />

Apenas (uma ou outra vez) se pôde observar uma de<br />

suas phases que, supponho ser a da evaporação feita pelas<br />

moitas de folhagem, que constituem os tópes dessas arvores.<br />

O momento mais apropriado para observar tal pheno •<br />

meno é o do meio dia á uma hora da tarde, havendo céo<br />

límpido, sol radiante e branda aragem. Vê-se, então, <strong>com</strong>o<br />

que sombras fugitivas passarem por aquella parte das arvores<br />

em fôrma de exhalações vaporosas, violenta e vertiginosamente<br />

sabidas pela folhagem. Parece estar-se era<br />

presença de caldeira poderosa, deixando escapar pelas<br />

valvulas o vapor secco accumulado em seu reservatório<br />

sobreposto : parece até sentir-se o leve sussurro, que este<br />

phenomeno produz.<br />

E' imponente, é indescriptivel o phenomeno; elle<br />

nos prende, nos obriga á contemplação.<br />

Eu não devia entrar nestas descripções, porque, <strong>com</strong>o<br />

já disse, o meu espirito por muito atrazado não me o permitte;além<br />

de ser trabalho inútil; pois os homens da<br />

sciencia bem sabem qual é o serviço que prestâo as arvores<br />

em suas relações intimas <strong>com</strong> o sólo, <strong>com</strong> as aguas<br />

e <strong>com</strong> a atmosphera. Sabem já muito desses processos<br />

verdadeiramente mysteriosos; sabem emfim, que o ácido<br />

carbonico bem <strong>com</strong>o outros productos, são pelas arvores


120<br />

absorvidos e transformados em principios úteis á vida<br />

animal e vegetal.<br />

Encarando, pois, a importancia destas arvores, somente<br />

pelo lado do seu trabalho mysterioso, <strong>com</strong>prehende-se<br />

quanta falta fazem os milhões dellas, outr'ora empregadas<br />

no incessante c providencial labor do saneamento<br />

do ar ambiente que respiramos. Melhor se <strong>com</strong>prehenderá,<br />

sabendo que a área por csssas arvores outrora occupada,<br />

era de centenas de kilometros quadrados de superfície,<br />

reunidos os alagadiços de fundo lodoso além littoral, e<br />

os parceis lodosos constituídos pela eterna vasa de aquém<br />

littoral, nos quaes se criáo myriadas de seres, expostos<br />

agora, depois da destruirão dos mangues, aos ardores<br />

do sol, e em certas quadras de alguns annos, a morte<br />

infallivel.<br />

Debaixo dessa mata criava-se e estanciava um sem<br />

numero de seres úteis, cuja missão era devorar os que em<br />

excesso se reproduzião, bem <strong>com</strong>o os que sem vida erão<br />

alli arrojados pelas aguas.<br />

Os serviços em terra prestados pelos urubús e corvos<br />

nada são, <strong>com</strong>parados <strong>com</strong> os que aquelles prestavâo na<br />

grande bahia e seu littoral.<br />

Debaixo dos mangues existia saúde e abundancia de<br />

alimentação sã.<br />

Havia superiores ostras, mexilhões, carangueijos,<br />

peixe finíssimo, em tócas junto ás raizes dos mangues, e<br />

finalmente, muitas aves saborosas e delicadas.<br />

Tudo alli era vida e harmonia.<br />

Quando a mata marítima existia, dous erão os laboratórios:<br />

um,o constituído pelos milhões de arvores de Mangw<br />

de diversas especies, que <strong>com</strong> o seu emsombramento e des-


121<br />

prendimento de tanino, garantião a sanidade das aguas ea<br />

vida de myriadas de seres, que tudo absorvia, transformando<br />

e evaporando em princípios úteis; e outro, o da<br />

humidade e calor, e conseqüente desenvolvimento de muitos<br />

princípios máos, especialmente o ácido carbonico, principio<br />

este, que, pelo mais poderoso era annullado. Agora a área<br />

occupada pelos mangues, pelo grande laboratorio de absorpção,<br />

transformação e purificação, está transformado,<br />

dados certos plienomenos, em laboratorio de morte e podridão.<br />

Logo que o laboratorio de vida constituído pelos<br />

mangaes, foi destruído em certa escala, tornou-se maior o<br />

outro, que pouco a pouco, e depois violentamente, substituio<br />

aquelle, estabelecendo o <strong>com</strong>pleto desequilíbrio da<br />

atmosphera.<br />

Então as febres palustres, por diversos modos manifestadas,<br />

principiarão a afüigir o povo da capital, até que<br />

em 1850, a denominada febre amarella se desenvolveu em<br />

todo o seu vigor, por encontrar indivíduos para ella aptos*<br />

Actualmenle os mangues existentes são relativamente em<br />

quantidade insignificante, e impossível lhes éannullar tantos<br />

males produzi >os pelo grande laboratorio de putrefacçâo,<br />

creado á custa da vida do outro.<br />

E' assim que os descendentes dos descobridores e conquistadores<br />

desta e outras zonas, tudo desconhecendo, e<br />

<strong>com</strong> o seu natural egoísmo, nào attendendo á lei de Deus<br />

e seus desígnios, tudo forão devastando, preparando assim<br />

a ruína futura dos que mais tarde vicrão ao mundo em<br />

taes paragens, e dos que a ellas aportarão depois de tào<br />

profunda alteração.<br />

O Mangue denominado vermelho foi o mais appete-<br />

16


122<br />

cido cm virtude de suas propriedades <strong>com</strong>bustíveis. Esta<br />

madeira arde verde e, quando lançada em grelhas de caldeira,<br />

produz vapor igual ao do carvão de CardiíT. O denominado<br />

sapateiro (mangue branco) 6 também bom <strong>com</strong>o<br />

<strong>com</strong>bustível e o si riba, quando bem secco, presta-se regularmente<br />

ao trabalho dos fogões. A propriedade <strong>com</strong>bustível<br />

daquella primeira especie é digna de attenção.<br />

Em todas ellas, emíim, <strong>com</strong>o já disse, predomina o<br />

tanino; o que é questão de muito alcance.<br />

Finalmente, as propriedades dos mangues, o dom de<br />

conquista, e de sanilicaçào do sólo encharcado, vislumbradas<br />

por alguns naturalistas inglezes e americanos, d • observação<br />

immediata. é quasi uma novidade na biologia do<br />

Globo e na hygiene da natureza, e, penso não me arriscar,<br />

asseverando que a sciencia ainda tem largo estádio a percorrer<br />

no assumpto.<br />

(Artigo publicado no Jornal do Commcrcio de í) de Outubro<br />

de 1887.)


IIÍ<br />

O ponto de vista em que me colloquei explica também<br />

a indole meteorologica desta bahia c de seu littoral, que<br />

constitue serie de phenomcnos inteiramente especiaes,<br />

muitas vezes em contra dicção apparente <strong>com</strong> as regras da<br />

sciencia. A meteorologia, vasta sciencia das causas e<br />

efíeitos na vida do Globo, tem sido pouco attendida entre<br />

nós, e é antes considerada <strong>com</strong>o auxiliar do que base da<br />

maior parte dos conhecimentos pbysicos. Entretanto, é ella<br />

uma das sciencias novas, que mais contribuem para a<br />

explicação de factos que até ha poucos annos parecião<br />

mysteriosos ou insondaveis. Por intermédio da meteorologia,<br />

ou graças a ella, estudárâo-se muitos elementos<br />

novos da physica, que lançao luz deslumbrante 110 empyrismo<br />

de nossas antigas crenças scientiíicas. A atmosphera<br />

de<strong>com</strong>põe-se c revela a extraordinaria quantidade de influencias<br />

próprias e alheias, que sobre ella actuão. Por<br />

esta analyse chegaremos, talvez, um dia a conhecer as<br />

origens da vida sobre o Globo, que até agora são vasto<br />

campo de conjecturas. Em relação á zona que nos cerca, a<br />

acção do sólo e das aguas sobre a atmosphera usual da<br />

bahia é estudo primordial, e que decidirá muitos pontos da<br />

hygiene pratica da localidade.<br />

E' necessário e indispensável, pausada e paciente<br />

observação, para descobrir os phenomcnos que se produ-


124<br />

zem em nossa bahia e no seu vasto littoral; phenomenos<br />

que têm sua origem na devastarão brutal das matas marítimas,<br />

efiectuada pelo braço do homem. Houve outr'ora<br />

indivíduos que mandarão construir custosas embarcações,<br />

e que <strong>com</strong>prarão bastantes escravos para explorarão da<br />

industria da lenha ; e <strong>com</strong> isto ganharão avultados cabedaes<br />

e talvez posição social, sem saberem que estavão<br />

<strong>com</strong>mettendo uma grande falta. Houve também muitos<br />

fazendeiros do littoral, que tirarão os braços da lavoura de<br />

canna de assucar e mantimentos, para os atirar nas matas<br />

marítimas a derrubar Mangue para fazer lenha. Muitos<br />

indivíduos livres abandonarão também a lavoura e outros<br />

misteres, para o mesmo fim. Foi uma guerra de extermínio<br />

a essa vegetação protectora. Finalmente, grande parte<br />

de fazendeiros do littoral só tratarão de derrubar o providencial<br />

Mangue para fazer lenha e alguns tornárào-se fabricantes<br />

de telha, tijolo e até de cal. Nos lugares de<br />

onde foi tirada a argilla para as fabricas, ficarão innumeros<br />

depositos de aguas (verdadeiros pantanos), que cm<br />

certas épocas, entrão em elaboração, produzindo grandes<br />

males no littoral.<br />

A alteração do sólo e das aguas da bahia, destruído o<br />

Mangue, nào se fez esperar. Foi rapida e profunda, mudando<br />

<strong>com</strong>pletamente a atmosphera; d'ahi muitas enfermidades<br />

se forão manifestando, de diversos modos e segundo<br />

o meio biologico.<br />

A mata marítima da bahia do Rio de Janeiro era<br />

enorme; ella prolongava-se muito além da linha de limite<br />

da maior vazante natural da maré, — e ainda, dado o facto<br />

de coincidir <strong>com</strong> tal maré, soprar dentro da bahia forte<br />

vento do Norte, que impelle as aguas para fóra da barra, e


125<br />

lá bem fóra reinar o Nordeste rijo, que atira <strong>com</strong> violência<br />

as aguas para o sul. não as deixando entrar aqui, prolongande-se<br />

assim muito mais aquelle limite,— ficava sempre<br />

uma larga faxa de agua <strong>com</strong>pletamente coberta e ensombrada<br />

pelos mangaes. Esta faxa dagua, <strong>com</strong>quanto de<br />

pouca profundidade (cerca de dous metros), nunca aquecia,<br />

conservando-se sempre muito saúdavel e servindo de<br />

abrigo aos peixes, camarões e diversas aves. Os canaes,<br />

rios, etc., tanto áquem <strong>com</strong>o além littoral e até muito<br />

para o interior, eráo também perfeitamente ensoinbrados<br />

por largas orlas de mangues c de outras arvores que lhe<br />

succedião, que os margeavão.<br />

Quando a maré enchia, as aguas da parte descoberta<br />

da bahia e a superfície da parte profunda delia, que sem<br />

duvida devião achar-se aquecidas pelos raios solares no<br />

tempo de verão, ião buscar frescor e purificar-se debaixo<br />

da mata marítima, nos rios e canaes sombrios.<br />

Agora é tudo pelo contrario. Os Iodos, bem <strong>com</strong>o os<br />

alagadiços e a faxa de agua dc pouca profundidade, lição<br />

expostos aos abrazadores raios solares e chegáo algumas<br />

vezes a um tal estado de calor, que impossível é tocar-lhe.<br />

Escaldáo! A superfície das aguas mais profundas torna-se<br />

extremamente quente, e quando a maré enebe, em vez<br />

de lá encontrar frescor e purificarão, recebe ou absorve<br />

muito maior somma de calorico, do* que já tem, e<br />

satura o-se de espantosa quantidade de matéria organica<br />

de<strong>com</strong>posta e muitas vezes diluída. Ora, se por dias<br />

successivos o elemento oceânico ou salgado, não entra<br />

pela barra, fácil é <strong>com</strong>prehender-se qual será o estado<br />

das aguas da nossa bahia, <strong>com</strong> a falta de renovação,<br />

algumas vezes debaixo da pressão de terrível calmaria.


126<br />

Nos parceis lodosos e nos vastos alagadiços, quando existia<br />

a mata marítima, havia constante frescura e agora ao<br />

contrario, é o calor que impéra. Cumpre notar que, no<br />

littoral e nos alagadiços, a agua é na maior parte do anno<br />

salobra, e esta agua sem o Mangue que a ensombre e purifique,<br />

saturando-a de tanino,é a que mais facilmente se<br />

de<strong>com</strong>põe, porque é nella que maior numero de seres se<br />

desenvolve.<br />

Dados os phenomcnos que acima indiquei, especialmente<br />

sob o dominio de uma calmaria duradoura, infallivel<br />

é o desenvolvimento de enfermidades de máo caracter,<br />

e, entre ellas, a denominada febre amarella, se ha<br />

indivíduos aptos para nelles se desenvolver a febre desse<br />

caracter. Sc esse typo violento das febres, nesta zona, não<br />

se manifesta, dadas aquellas condições, será porque não<br />

encontra indivíduos aptos á manifestação dessa phase do<br />

impaludismo mixto. Vemos então que nem por isso a população<br />

deixa de ser horrivelmente dezimada por enfermidades<br />

manifestadas por outro modo, e sob outras fôrmas, da<br />

mesma origem,e que muitasvezessó produzem a terminação<br />

da vida, passado largo tempo, e quando impossível se torna<br />

conhecer da causa. No entretanto os factores, que devião<br />

produzir a febre amarella em uns, produzem enfermidades<br />

de outro modo manifestadas em outros, ora violentas, ora<br />

não. Lançamos f«»go em diversas especies de <strong>com</strong>bustíveis,<br />

mesmo em algumas inteiramente semelhantes, e cada uma<br />

dellas arde conforme a riqueza das essencias que as constituem,<br />

e ás vezes só ardera em parte ou alternadamenle.<br />

A origem do fogo foi, entretanto, uma só, e o modo porque<br />

o lancemos único, e, não obstante, as manifestações forão<br />

muito uiffe reates.


127<br />

Supponho que bahias c enseadas pôde haver, nas<br />

quaes a distruição das matas marítimas (mangues) que<br />

cobriào os respectivos lodacaes e alagadiços, não tenha<br />

produzido t;.ntos males, ou pareça não os ter causado,<br />

<strong>com</strong>o no Rio de Janeiro, e em algumas cidades do Golpho<br />

do México, Cuba, etc., etc., e é isso digno deattenta observação<br />

e pausado estudo. Quanto a mim, ha povoados nas<br />

mesmas condições do Rio de Janeiro, em que a genuina<br />

febre amarella nunca se manifestou, e que, no entretanto,<br />

as suas populações são lenta ou violentamente dizimadas<br />

por enfermidades diversamente mascaradas, de fundo pa-<br />

1 ustre <strong>com</strong> elementos mixtos, isto é, provindos das aguas<br />

doces, salobras e salgadas.<br />

Se, porém, era quadra apropriada, levarem a esses<br />

povoados indivíduos aptos a receber aquella enfermidade,<br />

ella logo se manifestará <strong>com</strong> maior ou menor intensidade,<br />

de acccòdo<strong>com</strong> o numero desses indivíduos; acabadoselles<br />

acabada estará a genuina febre amarella. E' assim que só<br />

o medo é produzido pela febre amarella violenta : não se<br />

manifestando ella, lica-se deseu idoso, nada se observa»<br />

de nada se cuida, porque só este violento typode febre fere<br />

seriamente os sentidos da população, e no correr dos<br />

tempos, até o beri-beri se desenvolve, e se formão, segundo<br />

penso, indivíduos <strong>com</strong> uma natureza apta á manifestação<br />

desta terrível enfermidade. As moléstias eruptivas,<br />

sobretudo a varíola, se manifestão e desenvolvem<br />

amiudadas vezes, e ellas são o aviso da peste verdadeira.<br />

Quando a varíola apparcce repetidas vezes, é mão signal.<br />

A de<strong>com</strong>posição marinha, é o maior factor desta infermidade.<br />

Se de freto existem algumas bahias, enseadas, etc.,


128<br />

descortinadas de mangues, em que as diversas febres amarellase<br />

não amarellas, nada ou pouco se desenvolvem, é isto<br />

devido á boa orientaçao das respectivas barras ou enibocaduras,<br />

em relação aos ventos alli predominantes, á nenhuma<br />

premanencia das calmarias, e ás abundantes<br />

mares de aguas muito saturadas de sal.<br />

A barra do Rio de Janeiro, grandiosa quanto á navegação,<br />

<strong>com</strong>o já tive occasião de dizer, é por demais estreita<br />

em relação ao desenvolvimento da mesma bahia e suas<br />

dependencias; o que muito dificulta o trabalho natural<br />

das marés, que, sendo mais ou menos sensíveis proximo<br />

da barra, são algumas vezes por muitos dias desconhecidas<br />

na maior parte do littoral.<br />

Tem, além disso, a barra má orientação, em virtude<br />

da sua posição topographica em relação á costa e aos ventos<br />

dominantes lá fóra. Em geral, no tempo de verão (e<br />

também em alguns invernos) reinão de preferencia fóra da<br />

barra os ventos de quadrante norte, e sobretudo o nordeste<br />

que, impellindo as aguas para o sul, não as deixão entrar<br />

neste colossal receptaculo, em proporções suíficientes para<br />

renovar as que alli revoluteião quentes e apodrecidas.<br />

Felizmente para a população desta cidade os períodos de<br />

falta de renovação em geral são de pouca duração ; se,<br />

porém, se der o phenomeno da falta de renovação por<br />

quinze ou mais dias, em tempo de verão e até mesmo no<br />

inverno, chegada repentina da agua do monte


129<br />

menos longos, sem calmarias em que as aguas da bahia<br />

são constantemente renovadas e a atmosphera enriquecida<br />

de princípios reparadores para fa/er face ás de<strong>com</strong>posições<br />

e re<strong>com</strong>posições, assim aquelle phenomeno pôde também<br />

dar-se.<br />

A destruição dos mangaes, pois, para as nossas condições<br />

metcorologicas e sanitarias foi um grande mal, o<br />

maior de todos; o Mangue é a arvore formadora e reparadora<br />

dos terrenos imperfeitos. É necessário deixa-la concluir<br />

a sua obra providente; é necessário não interromper<br />

<strong>com</strong> a sua destruição a obra de Deus.<br />

Por ter sido destruído o Mangue, destruídas são<br />

também as algas. Os mangues erão verdadeiras barreiras,<br />

que impediào, <strong>com</strong> suas multipliccs raízes, antenas e<br />

troncos, que as algas, impellidas pelos ventos 011 pela<br />

enchente da maré, se alastrassem pelos parceis lodosos e<br />

corôas, e lá morressem e se de<strong>com</strong>pozessem, expostas aos<br />

ardores dos raios solares, <strong>com</strong>o agora acontece a grandes<br />

quantidades, que, não podendo ser arrastadas pelas aguas<br />

na vasante da maré, ahi lição. Outrora, as algas, quando<br />

impellidas, accumulaváo-se dc encontro aos troncos, raízes<br />

e antenas dos mangues ficando sempre mergulhadas<br />

n'agua, e tinhão, pois, de voltar para o fundo da bahia,<br />

onde são indispensáveis á proercaçáo de 11111 sem numero<br />

de qualidades de peixes e mariscos. Quando faltão certas<br />

qualidades de algas, algumas especies de peixes e mariscos<br />

desapparecem <strong>com</strong>pletamente. Entre as algas ha muitos<br />

seres marinhos factores da transformação das substancias<br />

nocivas e, portanto, úteis á hygienc das aguas.<br />

Tudo o que lXus Fez, 11a organisaçáo primitiva e<br />

17


130<br />

evolução da natureza, é necssario, porque fôrma o equilíbrio<br />

e harmonia geral. Nos terrenos alagadiços, nos pantanos,<br />

etc., ha vegetação natural que os cobre no todo,<br />

ou nos pontos menos profundos. A vegetação das margens<br />

dá sombra e abrigo a seres que, alimentando-se de<br />

outros, não deixão por ess • modo effectuar se a perigosa<br />

multiplicação dos mesmos, purificando, portanto, as aguas<br />

e mantendo o equilíbrio. Uma vegetação, a que se dá bem<br />

pouca importancia, a tabúa, de que se fazem esteiras,<br />

quando cortada sem methodo, faz muita falta e pôde dar<br />

em resultado o desenvolvimento de graves enfermidades.<br />

Nas florestas, nas terras cultivadas, sendo destruídos<br />

certos animaes, especialmente as aves, outros seres se desenvolvem<br />

e multiplicão de tal modo, que é imminente<br />

perigo para as culturas e vegetação em geral. Dahi resulta<br />

o que o povo chama a praga.<br />

Não ha pragas, não; Deus não creou as pragas;<br />

foráo os homens que as creárão.<br />

(Artigo publicado no Jornal do Coromcrcio, de 12 de<br />

Outubro de 1887).


IV<br />

Das averiguações a que tenho procedido e pelo que<br />

tenho observado, estou cada vez mais convencido de<br />

que a bahia do Rio de Jane ;roeseu circuito são, nesta<br />

zona, um dos maiores receptaculos de matéria organica<br />

entregue á putrefacçâo, c o mais colossal laboratorio chimico<br />

de de<strong>com</strong>posição, dadas certas condições atmosphericas.<br />

Desta elaboração de matérias deleterias origina-se<br />

a maior parte das enfermidades que nos flagellão em<br />

alguns annos. A questão 6 de tal opportunidade, de tal<br />

peso nas medidas hyglenicas e applicações financeiras, que<br />

peço licença para justificar a minha asserção <strong>com</strong> pormenores<br />

que a robustecem e demonstrão.<br />

O littoral da habia do Rio de Janeiro é calculado em<br />

um arco de 160 a 100 kilometros, e o numero de ilhas<br />

existentes em seu perímetro, em cêrca de 70; todas <strong>com</strong><br />

os respectivos littoraes. A maior parte desses littoraes, que<br />

reun :dos devem representar uma extensão de mais de 300<br />

kilometros, tem na frente enorme superfície de vasa lodosaf<br />

que infelizmente conserva, na giria popular, o nome da<br />

arvore que outrora a cobria — Mangue ; —superfície esta<br />

que, em alguns pontos se estende a grande distancia e que<br />

tende sempre a augmentar. Propende a expargir-se, por<br />

falta de ensombroedo arrimo, das raízes daquellasarvores<br />

e do tanino <strong>com</strong> que ellas o saturavão. A vasa vem con-


132<br />

stantcmente do interior do paiz, <strong>com</strong> as aguas que para<br />

a bahia correm por mais de 100 escoadouros, <strong>com</strong>prehendidos<br />

rios, ribeirões, riachos e canaes; e essas aguas<br />

chegào ás margens do grande receptaculo, ora moderadamente,<br />

ora <strong>com</strong> grande e vertig :nosa impetuosidade e<br />

em enorme volume, arrastando na correnteza grande numero<br />

de seres sem vida e vegetaes. As aguas dos pantanos<br />

que lá 110 interior trasbordão vêm também por aquelles<br />

conductos.<br />

Algumas vezes coincide <strong>com</strong> aquelle phenomeno, <strong>com</strong><br />

o do grande desaguamcnto, soprar vento do Sueste, que<br />

impelle as aguas do oceano para dentro da barra, e então,<br />

o entorno daquellas aguas misturadas <strong>com</strong> estas, por centenas<br />

de kilometros quadrados de superfície de terras<br />

baixas e desnudadas das matas que sm cediáo aos mangues<br />

e que rodeião a bahia, é infallivel, redundando, mais<br />

tarde, em conseqüências fataes.<br />

Outrora, toda a matéria animal e vegetal que nos<br />

vinha do interior por aquelles conductos, bem <strong>com</strong>o todos<br />

os seres que no littoral perdião a vida por diversas causas,<br />

especialmente pela presença ou domínio da agua doce<br />

sobre a salgada, — erão rapidamente consumidos por numerosas<br />

tribus de carangueijos e de aves de variadas especies<br />

que mora vão ou estaciaváo debaixo da mata marítima<br />

( Mangue), que sendo d tados de grande voracidade, cumprião<br />

a missão a que erão destinados, evitando a putrefacção,<br />

<strong>com</strong> a transformação da matéria, por meio da deglutição.<br />

Quanto ás terras, areias e humus acarretados pelas<br />

aguas e que constituem a vasa, ficavão detidos pelas antenas<br />

e raízes das arvores mangues e pelo accumulo, <strong>com</strong>o


133<br />

já disse, o chão lodoso era soerguido até que se transformava<br />

em terra solida, não mais sujeita ao fluxo e<br />

rcflnxo da maré c ás enchentes pelas aguas das chuvas<br />

torrenciaes.<br />

Agora, som a mata marítima, sem os providentes<br />

mangues, toda a v;,Sa lodosa se exparge, invadindo tudo,<br />

até cobrir <strong>com</strong> espessa camada, os pontos do littoral, onde<br />

predominava a saudavel areia. Disto é bom exemplo a enseada<br />

de Botafogo, que bem distante se acha dos pontos<br />

em que o lodo é recebido do interior. Os canaes, as embocaduras<br />

dos rios, e muitos pontos da bahia estão obstruídos<br />

pela mesma causa. Toda a matéria organica animal c vegetal,<br />

vinda do interior nas enxurradas, fira soterrada nos<br />

vastos lodacaes, bem <strong>com</strong>o todos os seres mortos nos mesmos<br />

lodaçaes por expostos aos ardentes raios solares; a isto<br />

junta-se o que a maré na sua enchente alli deposita.<br />

Não ha mais as t ri bus, as legiões de aves e crustáceos<br />

decapodes, que só ao abrigo da mata marítima podem procrear<br />

e cuja missão evolutiva foi sempre tudo devorar e<br />

sanear. Agora, esses detrictos orgânicos lição amontoados<br />

e em estado latente, até que venhão condições aptas á fermentação<br />

em todas as suas phases e á putrefacçâo.<br />

Resulta, pois, destes accumulos que a quantidade de<br />

matérias entregues á de<strong>com</strong>posição, em certas quadras de<br />

alguns annos, bem se pôde julgar muito superior em massa<br />

especifica á que representaria o peso bruto de todos os<br />

seres humanos que vivem no município neutro, se englobadamente<br />

fossem entregues á de<strong>com</strong>posição. Neste ultimo<br />

caso, o peso putressivel não excederia a 12.000,000 de kilogrammas,<br />

ao passo que no primeiro a massa é muito<br />

maior, em muitas das occasiões já descriptas. Basta que


134<br />

os ouriços (echnideos) morrão pela presença e império da<br />

agua doce sobre a salgada, áquem das corôas, para se verificar<br />

que só elles fornecem aos parceis I dosos, para a<br />

putrefacçâo, muitos milhões de kilogrammas de peso bruto.<br />

Junte-se a isto o que vem do inter or especialmente o<br />

humus, os seres que morrem nas vastas corôas delles<br />

cobertas, os que morrem nos enormes parceis lodosos e<br />

nos imponentes alagadiços, e nascerá a convicção de que<br />

não exagero. E' incalculável a quantidade de seres aniquilados<br />

pelos abrazadores raios solares e pela invasão da<br />

agua doce.<br />

Ainda mais: da mistura desta agua <strong>com</strong> a salgada,<br />

deve, sem duvida, resultar a morte de todos ou quasi todos<br />

os seres orgânicos que a olhos desarmados não podem ser<br />

apercebidos e que nellas existem cm grande quantidade<br />

A mudança bruscamente operada nos respectivos ambientes<br />

deve causar-lhe a morte, do mesmo modo que a<br />

causa a muitos dos organismos visíveis. Creado o novo<br />

elemento, proveniente da mixtura, (o elemento salobro),<br />

outras especies de organismos, encontrando meio apto, se<br />

desenvolvem e multiplicão de modo espantoso, do que resulta<br />

a morte da maior parte delles, por se tornar o meio<br />

acanhado para a sua existencia.<br />

Excede, pois, todos os cálculos o mal produzido pela<br />

devastação da mata marítima e da que lhe succedia, que<br />

constituião uma das mais <strong>com</strong>pletas harmonias da creação.<br />

O volume e peso da massa a de<strong>com</strong>por é, pois, nas<br />

condições descriptas, de enorme valor especifico e em algumas<br />

quadras immensamente superior á capacidade<br />

e poder reparador das camadas atmosphericas, debaixo<br />

das quaes a fermentação tem de percorrer todas as suas


135<br />

phases, e a putrefacçâo de operar-se. O ambiente é para<br />

isso acanhado, e, portanto, multiplica-se a absorpção pela<br />

razão inversa do espaço.<br />

K toda essa monstruosa quantidade de matérias organicas<br />

accumuladas deixará de ser nociva, quando terminada<br />

a sua de<strong>com</strong>posição e putrefacçâo, isto 6, quando<br />

mais delia não se desprenderem moléculas que impressionem<br />

ou não o nosso olpbato ? Não penso assim.<br />

Segundo o que ouço dizer, a sciencia admitte que o<br />

resultado da putrefacçâo ou desaggregaçào vital das moléculas<br />

é ficar a atmosphera carregada ou saturada de princípios<br />

toxicos imperceptíveis, denominados miasmas, que<br />

sob diversas fôrmas são por nós absorvidos; parecendo<br />

que tudo termina nosaccumulos, logo que lindo seja o processo<br />

da putrefacçâo e conseqüente exhalação. Presumo que<br />

o perigo não cessa ahi; perigo igual, senão maior, deve<br />

seguir-se, especialmente em condições <strong>com</strong>o as nossas, em<br />

que a matéria a de<strong>com</strong>por-se nos parceis lodosos e em<br />

suas camadas inferiores, representa, <strong>com</strong>o já expuz, quantidade<br />

enorme, cm face de ambiente relativamente<br />

acanhado.<br />

Segundo as minhas conjecturas e a doutrina mais<br />

adiantada, a matéria organica animal e vegetal, depois<br />

de perdidas as condições de vida e desprendida das fôrmas<br />

anteriores,deve passar por duas phases distinctas: primeira<br />

a de <strong>com</strong>posição; segunda, a re<strong>com</strong>posição. Estas duas<br />

phases pela attracçào das moléculas organicas, dadas certas<br />

circunstancias, podem effectuar-se simultaneamente,—nos<br />

nossos casos, porém, a ultima deve prolongar-se muito, em<br />

virtude da quantidade, do modo e da violência, <strong>com</strong> que<br />

a fermentação e podridão se elíectuào em muitas occasiões.


140<br />

Daquella primeira phase, isto é, da de<strong>com</strong>posição e putrefacçáo<br />

sempre ouvi faltar, e <strong>com</strong> bastante emphase attribuir<br />

lhe grandes males; da segunda, porém, nunca observei<br />

que se tratasse, nem sei positivamente que tenha sido<br />

attendida, pelo menos entre nós; — e todavia, penso que<br />

os seuseíTeitos devem ter perniciosa influencia, dado <strong>com</strong>o<br />

factoro meio em que se realizar. Não admira este esquecimento<br />

dos processos naturaes da elaboração, em um século<br />

analytico, em que as sciencias perdòrão a <strong>com</strong>prehensão<br />

synthetica.<br />

Segundo a lei da eterna rotação e aggregação das<br />

moléculas por afinidades, logo que um corpo se desorganisa,<br />

os princípios que o <strong>com</strong>punhão, passáo a reorganisar-se,<br />

procurando ligar-se, e de novo creão fôrmas pela<br />

afíinidade <strong>com</strong> idênticos princípios evolutivos, e dos quaes<br />

por força maior ou violentamente havião sido desligados,<br />

ou solicitados por outros affins mais poderosos do que<br />

aquelles, a quecstiverão unidos. Ora, não podendo o sólo,<br />

onde a de<strong>com</strong>posição c putrefacção se opérão, especialmente,<br />

se em maior escala ella se dá na superlicie, <strong>com</strong>o succede<br />

nos vastíssimos parceis lodosos e nos alagadiços desprovidos<br />

e descortinados dos mangues, supprir todos os princípios<br />

exigidos para a re<strong>com</strong>posição da enorme massa, <strong>com</strong>o<br />

não as pôde supprir na phase da putrefacção por insutliciencia<br />

relativa, muitas alterações deve sollrer a atmosphera.<br />

Se esta por um ladoattrahio princípios nocivos, por<br />

outro lhe são subtrahidos alguns, e talvez dos mais indispensáveis<br />

ao seu equilíbrio salutar e ao de nossas forças e<br />

vida, e essa subtracçáo deve prolongar-se, até que a matéria<br />

de<strong>com</strong>posta se ache saturada dos princípios de que<br />

carece para as suas allinidades orgauicas. E se esto phe-


14Í5<br />

nomeno se manifesta, para cumulo dos males, quando<br />

predomina calmaria podre e pertinaz, em que a renovação<br />

da atmosphera é impossível, <strong>com</strong>o poderá realizar-se a<br />

reorganização? Prolongar-se-ha ella por muito tempo,<br />

ou ficará interdicta, e paralysadada ? Será ella feita, em<br />

parte, á custa de nosso organismo, isto é, sendo-nos subtrahidos<br />

directamente alguns princípios?<br />

A re<strong>com</strong>posição deve ser muito voraz : se não encontra<br />

110 sólo e na atmosphera os princípios de que carece,<br />

devora-nos!<br />

A velha historia dos pantanos do littoral italiano c<br />

da campanha romana, situação anormal, prolongada através<br />

dos séculos, parece autorisar a suppôr que o estado de<br />

paralysação mórbida da vida em certos lugares mal constituídos<br />

pôde dilatar-se, custando caro a gerações successivas<br />

de homens. A fatalidade da natureza eternisa-se, emquanto<br />

as gerações passão <strong>com</strong>o successivas sombras.<br />

Bem possível me parece que aquelle caso possa darse<br />

entre nós. Sendo o homem, relativamente, insignificante<br />

laboratorio chimico, bem podemos ser victimos pela subtracçâo<br />

ou roubo de princípios, elTectuado por laboratorios<br />

muito mais poderosos de que nós, <strong>com</strong>o sejão os vastos<br />

parcei lodosos, transformados em algumas quadras em colossaes<br />

e terríveis pantanos. Se não formos victimas pela subtracção,<br />

poderemos se-lo pela privação do indispensável ao<br />

equilíbrio do nosso organismo, em virtude do depauperamento<br />

operado 11a atmosphera por aquelles grandes laboratórios<br />

chimicos. Quer em 11111 quer cm outro caso, o desequilíbrio<br />

é certo, certa é a de<strong>com</strong>posição dos princípios<br />

de nossa constituição organica, c, pois, dahi resultará advi-


142<br />

rerii enfermidades de diversos modos manifestadas, que<br />

extinguem em nós a vida, ora violenta, ora lentamente.<br />

Assim, pois, acredito que, tanto podemos ser victimas<br />

da primeira phase, absorvendo miasmas ou microbios,<br />

<strong>com</strong>o podemos ser da segunda, pela subtracção ou privação<br />

de princípios, acçáo que, além de desorganisar os que nos<br />

constituem, pode, também, crear em nós meio apto ao<br />

desenvolvimento e multiplicação de seres parasitarios que,<br />

a seu turno, ponhão termo á nossa existencia.<br />

Julgo também possível o escambo entre a atmosphera<br />

e os productos chimicos que tenhão de servir-nos <strong>com</strong>o<br />

medicamentos e mesmo que a estes sejão subtrahidos pelas<br />

influencias 011 necessidades allins da atmosphera, princípios<br />

<strong>com</strong> que se achão <strong>com</strong>binados, perdendo assim a<br />

sua effieacia geral ou parcial. Este phenomeno, tanto<br />

poderá dar-se na occasião da manipulação das drogas,<br />

<strong>com</strong>o 110 momento de as ingerirmos. Julgo tudo possível<br />

110 ambiente em que vivemos em certas quadras de alguns<br />

annos. Outr-ora possuíamos colossal laboratorio chimico,<br />

constituído pelos mangaes, que tudo purificava <strong>com</strong> o seu<br />

trabalho visível e <strong>com</strong> o de caracter verdadeiramente<br />

mysterioso. Esses milhões de arvores extremamente<br />

unidas e as que lhe succedião nos pontos conquistados,<br />

absorvião todo o ácido carbonico produzido pelo calor e<br />

humidade, transformando-o, bem <strong>com</strong>o outros gazes, em<br />

princípios úteis; e, agora, o que temos? A de<strong>com</strong>posição,<br />

a putrefacção, a humidade e o calor a produzirem enorme<br />

quantidade de princípios nocivos, e não ha mais o apparelho<br />

natural que os absorva e transforme, que tudo<br />

annulle, que tudo purifique. Eu penso que algumas vezes


139<br />

nos achamos mergulhados em atmosphera por demais<br />

sobrecarregada de hydrogeneo phosphorado.<br />

E não se pense que este mal é privativo do littoral<br />

proprio da bahia. Quem estudar a topographia e vegetação<br />

primitivas do sólo desta cidade, <strong>com</strong>o consta dos<br />

antigos escriptos, se convencerá do que ella surgio de<br />

terrenos alagadiços, cobertos de mangaes, que tornavão<br />

verdadeiras ilhas os morros semeados pelo seu perímetro.<br />

Os mangues batião ás portas da cidade pelo antigo campo<br />

de S. Domingos e pela restinga, delles orlada, que ia da<br />

povoarão do Castcllo á antiga ermida do Desterro, na<br />

Lapa. Estes terrenos conquistados aos mangues fazem<br />

hoje parte do centro desta côrte. Vê-se, pois, que não foi<br />

só a bahia victima da destruição da arvore Mangue<br />

<strong>com</strong>o ha razões para crer que ella affectou o interior da<br />

cidade. Parece-me que o estado de insalubridade em que<br />

se acha a lagôa de Rodrigo de Freitas, tem igualmente<br />

sua origem na destruição dos mangues que a rodeavão,<br />

cobrião e ensombravão os lugares onde dominava o lodo.<br />

E' possível que a memória me falhe, mas julgo que<br />

ha 30 ou mais annos, passando lá pelos lados cia Lagôa,<br />

ella se achava rodeada de arvores, sem duvida mangues, no<br />

seu littoral lodoso, e que a <strong>com</strong>municação <strong>com</strong> suas aguas<br />

era feita por boqueirões, onde os pescadores tinhão as suas<br />

armações de pesea. Para ver a Lagoa teria sido necessário<br />

embarcar, e procurar lugares apropriados para gozar da<br />

sua perspectiva.<br />

Hoje, segundo me informão, a Lagôa é <strong>com</strong>pletamente<br />

visível aos moradores do lugar, e aos que pela estrada<br />

transi tão. A' primeira vista, isto parece melhor mais <strong>com</strong>modo<br />

e mais bonito. Tentar-se-haprovavelmente conservar


140<br />

todas essas regalias, mas todas as tentativas serão em pura<br />

perda. Eu creio que a Lagôa está, ha muito, pedindo plantarão<br />

de mangaes, pois é delles aquelle lugar. A Lagôa é<br />

uma miniatura de bahia do Rio de Janeiro. Ella necessita<br />

de ensombro e de tanino.<br />

Estas diversas conjecturas me preoccupão, ha muitos<br />

annos, e se as não <strong>com</strong>muniquei, quando, em 1883, no<br />

Jornal do Comme rcio publiquei o Corte do Mangue, foi isso<br />

devido ao natural acanhamento ou vexame, de que me<br />

possui fallando sobre assumptos da espbera especial dos<br />

scientiíicos ; receei que estes talvez me exprobassem a falta<br />

de habilitações e títulos, que garantissem os meus pensamentos.<br />

Aventando, entretanto, estas conjecturas, que tem por<br />

origem na sua fôrma dubitativa a falta de instrucção<br />

scientifica, pois não estudei medicina nem chimica, e nada<br />

ou quasi nada tenho lido a tal respeito por falta absoluta<br />

de tempo e por não possuir livros, penso não invadir<br />

seara alheia, <strong>com</strong>o também penso não poder ser notado de<br />

indisciplinado, naxime, quando não me proponho a resolver<br />

questões que dellas decorrem, questões dos imponderáveis,<br />

<strong>com</strong>o imponderáveis são os miasmas, a que a sciencia tem<br />

até hoje recorrido para explicar os phenomcnos morbidos<br />

que atarão e matão a humanidade.<br />

Voltando á questão da de<strong>com</strong>posição e re<strong>com</strong>posição,<br />

direi: que quanto ao primeiro caso, bem sabido é que para<br />

attenuar os seus eíTeitos são indicados pela sciencia diversos<br />

meios, entre os quaes figurão em primeiro plano os<br />

desinfectantcs; quanto ao segundo, porém, supponho que<br />

só ura meio existe : evitar que o primeiro apparcça.


V<br />

O estudo aprofundado das causas, que produzem as<br />

successivas transmutações da atmosphera na cidade do Rio<br />

de Janeiro e bahia vizinha, não pôde deixar de fazer vigorar<br />

a doutrina que sustento, sobre a influencia do córte<br />

da preciosa mata marítima constituída pelos mangaes.<br />

Vemos muitas vezes a graduação de calor subir ou<br />

baixar bruscamente, em qualquer quadra do anno, e raras<br />

são as pessoas, que conhecem a origem desses phenomenos.<br />

Pensa-se, em geral, que as chuvas são a causa da baixa<br />

de temperatura, e, no entretanto, bem poucos são os casos,<br />

em que ellas concorrem para um eíTeito duradouro. Por<br />

coincidir algumas vezes <strong>com</strong> as chuvas, em tempo de verão<br />

baixar a temperatura, acredita-se geralmente que ellas<br />

forão a causa única de tal phenomeno. Quanto a mim, a<br />

entrada franca e abundante da agua do oceano para dentro<br />

da bahia, é a principal causa dessa baixa; porque esse<br />

facto se reproduz sempre que ha vento rijo do quadrante<br />

do Sul, especialmente do Sueste. Este vento, porém, é<br />

quasi sempre a<strong>com</strong>panhado de fortes chuvas, attribuindo-se<br />

por isso a estas o resfriamento, e não ao <strong>com</strong>pleto<br />

alagamento da bahia e dos alagadiços, pelo elemento<br />

oceânico,


142<br />

Cumpre notar, que os Iodos e alagadiços semelhão<br />

algumas vezes collosaes brazeiros, que irradião calor até<br />

léguas de distancia, e que ficão em estado de inércia,<br />

quando cobertos de espessa camada d'agua.<br />

Quando no littoral, e na cidade cabem abundantes<br />

chuvas provenientes de trovoadas, dão-se phenomenos<br />

enganadores.<br />

Acontece muitas vezes baixara graduação thermometrica,<br />

011 o calor deminuir, depois de fortes chuvas produzidas<br />

pelas trovoadas, o que muito concorre para que se<br />

acredite serem ellas a origem de refrigerio e de outros<br />

benefícios, e no entretanto assim não é. Quando a trovoada<br />

se inicia no quadrante Norte, e acabada, o vento continua<br />

a soprar do mesmo lado, é certo o augmento do calor e<br />

subida de graduação thermometrica; se, porém, o vento<br />

ronda para a Sul e lá se fixa, o contrario se dá : a temperatura<br />

baixa, algumas vezes muito, em virtude do alagamento<br />

pelas aguas do oceano, que então, em parte, e por<br />

algum tempo, substituem os efle :tosdos extinctos mangaes.<br />

Outras vezes, a trovoada é iniciada no lado do Sul,<br />

e, lixando-se lá o vento, o ar atmospberico torna-se muito<br />

agradavel e frio, durante dias. As chuvas, pois, em nada<br />

concorrem para (ão salutares phenomenos; e sim a entrada<br />

mais ou menos franca da agua do mar para dentro<br />

da bahia. Entretanto, passa desapercebido o facto, de augmentar<br />

muito o calor, quando ternrnada uma trovoada do<br />

lado do Sul, e o vento muda para a Norte, e lá se demora.<br />

Reinando o vento do quadrante Sul, que directamente<br />

introduz a agua do mar na bahia —ainda mesmo não<br />

chovendo, <strong>com</strong>o muitas vezes suceede, — a temperatura<br />

baixa também, e algumas vezes tres, quatro e mais gráos


143<br />

centígrados. Não ha muitos mczcs que em pouco mais de<br />

30 horas o tliermometro centígrado baixou seis gráos; e<br />

este phenomeno teve sua origem, sem duvida, na entrada<br />

impetuosa e abundante das aguas do mar, impellidas pelo<br />

Sueste que então reinava.<br />

O mesmo fado se reproduzio nos dias 13 c 14 de<br />

Outubro corrente, em que a bahia se achava repleta de<br />

agua do oceano, na maior parte impellida por aquelle,<br />

vento. A temperatura máxima nesses dias foi de 19 gr. ct.<br />

que <strong>com</strong>parada <strong>com</strong> a do dia 12 apresenta uma baixa de<br />

G gr. e <strong>com</strong> a do dia 11, — 9 gr : Em seguida o calor foi,<br />

pouco a pouco, elevando-se á proporção que a agua foi<br />

escasseando na bahia, em virtude da passagem do vento<br />

para o quadrante Norte.<br />

Não ha duvida que os ventos do quadrante Sul são<br />

frios, e que muito concorrem para baixar a temperatura ;<br />

mas a entrada da agua na bahia, é a principal causa da<br />

baixa e de sua duração.<br />

E' assim que, cobertos os parceis lodosos e alagadiços<br />

pela agua do mar, a temperatura desce, elevando-sc á medida<br />

que a agua se retira e encontra obstáculos á sua<br />

reentrada, deixando os Iodos expostos directamente aos<br />

raios do sol por mais de um dia.<br />

Este phenomeno está intimamente ligado á devastação<br />

da mata marítima e das matas que lhe succedèrão.<br />

Quando ellas existião, havia mais uniformidade na graduação<br />

do calor, e ainda mesmo, quando o tliermometro<br />

accusava grão muito elevado, não nos opprimia, <strong>com</strong>o hoje<br />

succede, até nas occasiões em que a graduação é relativamente<br />

mais baixa. As matas marítimas e as que lhe<br />

succedèrão attenuavão também em muito o frio.


144<br />

Ilhas ha, que outr'ora, quando se achavSo orladas<br />

pelos mangues, erão uns verdadeiros edens:o calor era alli<br />

muito moderado; e no tempo de inverno o frio era pouco<br />

sensível. Agora, despojadas dos mangues, o calor é horrível.<br />

c o frio excessivo, por se acharem desagasalhadas das<br />

arvores. Os mesmos factos se dão em muitos pontos do<br />

littoral.<br />

As diversas pessoas, que residião no Rio de Janeiro de<br />

1825 a 1845, a quem consultei e ouvi, disserão-me que<br />

havia ainda a maior regularidade nas estações, accentuando-se<br />

o verão c o inverno. Este não passava de Ires<br />

a quatro mezes, e era brando e suave. O resto do anno<br />

conservava-se em temperatura elevada, mas nunca excessiva.<br />

A transpirarão normal e constante contribuía para<br />

a suavidade dos corpos, e as enfermidades não ílagellaváo<br />

constantemente o povo <strong>com</strong>o succede deste então.<br />

Com essa situação coincidia a existencia de algumas<br />

matas de M inguc, que ainda circundavão a cidade, destacando-se<br />

as avançadas até ao Campo d'Accla mação, diversos<br />

pontos da Cidade Nova, da Saúde, Botafogo, praia Formosa,<br />

Sacco do Alfcres, S. Christovão e Cajú.<br />

Outrora, as trovoadas erão constantes no tempo de<br />

verão, ao passo que, ha muitos annos. são relativamente<br />

raras ; o que supponho ser devido á destruição das matas<br />

marítimas, e das que além-littoral lhes succederão no terreno<br />

conquistado. Entretanto, as trovoadas a<strong>com</strong>panhadas<br />

de fortes chuvas, não se fixando o vento no quadrante Sul,<br />

nas condições de desnudamento, em que o sólo está, não<br />

podem ser salutares, <strong>com</strong>o eráo as de outro tempo. Ao<br />

contrario, dadas certas condições, pódem ser muito perniciosas,<br />

pelos seuseííeitos mediatos tanto para esta cidade


14Í5<br />

<strong>com</strong>o para os povoados do littoral, e dos que se achão<br />

mais ao interior nos terrenos baixos. Ellas, porém, são<br />

desejadas e indispensáveis para beneficio da agricultura.<br />

E' urgente restaurar as matas marítimas, e as que lhes<br />

succederão, para que as trovoadas voltem e sejão salutares.<br />

Repetidas vezes acontece que sentimos muito calor,<br />

marcando o thermometro centígrado á sombra 25 c 20<br />

gráos, ao passo que elle pouco nos impressiona em outras<br />

occasiões em que marca 30 e 31 gráos. E' isso devido, segundo<br />

penso, a dominarem ou nào as calmarias e estarem<br />

ou não bem cobertos de agua os parceis lodosos e os alagadiços.<br />

Logo que a atmosphera está rica de princípios<br />

reparadores, o calor pouco in<strong>com</strong>moda.<br />

Predominando a calmaria <strong>com</strong> 20 gráos, e até muito<br />

menos, sentimo-nos abatidos moral e physicamente; e repiramos<br />

<strong>com</strong> difficuldade ; se, porém, predomina a viraçào,<br />

ou ventos do quadrante Sul, especialmente <strong>com</strong> os Iodos<br />

cobertos de agua. nada disso sentimos. O que é horroroso<br />

e perigosissimo, é uma graduação de 30 a 31 ou mais<br />

gr. cent. á sombra, <strong>com</strong> calmaria pertinaz e parceis sem<br />

agua. Uma situação destas, prolongada por 15 a 20 dias<br />

<strong>com</strong> forte desaguamento de agua doce na bahia, podia<br />

acabar <strong>com</strong> toda a população da cidade do Rio de Janeiro<br />

e seus suburbios. Quem nào fugisse morria.<br />

Em certas occasiões a temperatura baixa em virtude<br />

dos phenomenos descriptos; e só por pouco tempo gozamos<br />

de bem estar: devido isso é, a sobrevirem as calmarias,<br />

que obstão á renovação atmospherica.<br />

As subtilezas da natureza são immensas, >ão infinitas.<br />

O nosso espirito percebe umas, mas logo outra e outra se<br />

19


146<br />

aprcsentâo; a primeira foge; e assim successivãmente* E*<br />

isto um verdadeiro labyrintho e de modo algum posso<br />

fazer a descripção, porque, <strong>com</strong>o já disse, o meu espirito é<br />

muito atrazado e faltão-me os necessários conhecimentos<br />

scientificos e litterarios para bem expór os meus pensamentos.<br />

Entrar em tal trabalho descriptivo seria o mesmo que<br />

querer estudar e decorar todos os termos scientificos,<br />

para delles fazer uso quando tivesse de escrever sobre<br />

qualquer assumpto. Eu acredito que me serião precisos<br />

muitos annos para taes cousas aprender, e que antes de<br />

ter percorrido uni terço do tempo, morreria de velhice, ou<br />

minha loucura se manifestaria pelo estado agudo. Só os<br />

nomes dos micro-organismo constituem um verdadeiro<br />

cipóal: labyrintho terrível!<br />

O que não sei, porém, explicar pelas causas e elleitos<br />

da sciencia, posso analysa-lo pelas sensações e observação<br />

dos factos cm si. Exemplificarei :<br />

Repetidas vezes tenho observado que durante um dia<br />

custa muito a supportar a acção directa dos raios solares<br />

sobre o nosso corpo; ao passo que no seguinte, sem que se<br />

note alteração alguma visível na atmosphera, conservandose<br />

esta apparentemente, nas mesmas condições da vespera,<br />

os raios solares perdem muito do seu poder, e a sua acção<br />

directa sobre nós é facilmente supportada.<br />

Quanto a mim, aquelle primeiro phenomeno não é<br />

devido somente á própria acção solar; e sim, principalmente,<br />

por se acharem os parceis lodosos e as côroas <strong>com</strong>pletamente<br />

fóra d'agua e por falta de renovação atmospherica<br />

pelos ventos. O segundo phenomeno, pelo que<br />

tenho observado, tem sua origem na mudança ou appare-


147<br />

cimento de vento, algumas vezes imperceptível na cidade,<br />

e, especialmente, a passarem os Iodos a ser cobertos por<br />

agua do mar, frias e bem saturadas de sal.<br />

A intensidade do phenomeno depende da maior ou<br />

menor espessura da camada de agua, e da saturação salina<br />

desta, que cobrir os Iodos.<br />

Algumas vezes os mesmos phenomenos se manifestSo<br />

em um só dia, e mais de uma vez. Expondo-nos directamente<br />

á acção dos raios solores ás 8 ou 9 horas da manhã,<br />

a sensação que sentimos é dolorosa, e, entretanto, uma ou<br />

duas horas depois, quando a forca dos raios solares devia<br />

ser maior, diminue de poder, e é por nós facilmente supportada.<br />

Supponho que a origem destes phenomenos ó a<br />

mesma que promove o que acima descrevi, e que entro si<br />

elles são idênticos.<br />

Também de noite se dão phenomenos muito semelhantes,<br />

e que a maior parte das pessoas não pôde explicar.<br />

Muitos indivíduos, procurando deitar-se para dormir<br />

cedo, não podendo conciliar o somno em virtude do excessivo<br />

calor, passeião na rua, ou sentados ás portas de suas<br />

casas, nos quintaes ou chacaras, esperão que a noite se<br />

adiante, na esperança de refrigerio na atmosphera ; e no<br />

entretanto, dá-se muitas vezes o contrario : o calor augmenta<br />

quasi repentinamente, e, em varias occasiões permanece<br />

até que o sol desponte, baixando então a temperatura.<br />

Eu creio, porque o tenho observado, que a elevação<br />

de temperatura, quando era de esperar o contrario, é devida<br />

á grande vasante da maré, que, deixando a descoberto<br />

vastíssimas superfícies de Iodos muito aquecidos,<br />

estes evaporão calor excessivo da superfície e das camadas


148<br />

inferiores, princípios deleterios, que tornão a atmosphera<br />

mais quente e pesada.<br />

Kste facto não é para admirar, pois que muitas vezes,<br />

depois de estarem immersos n'agua já fria, por três a quatro<br />

dias, os Iodos se achão ainda muito quentes.<br />

Quanto á baixa de temperatura, depois do apparecimento<br />

do sol, é ella, sem duvida, causada pela enchente de<br />

maré renovadora e do apparecimento de vento, algumas<br />

vezes imperceptível em alguns pontos da cidade.<br />

Estes phenomenos são mais sensíveis em uns bairros,<br />

do que em outros; e tornão-se menos apreciaveis, quando<br />

predominão calmarias absolutas, por que então o ambiente<br />

é sempre muito ardente. Repito, a calmaria é o phenomeno<br />

mais terrível que conheço para as nossas condições; e é<br />

tão perigosa no verão, <strong>com</strong>o no proprio inverno. Ella<br />

desequilibra tudo*<br />

O facto de se acharem a coberto ou a descoberto das<br />

aguas os parceis lodosos e alagadiços, tem grande importância.<br />

Os raios solares, actuando directamente sobre os<br />

Iodos de cór preta, nos alagadiços e em immensa superfície<br />

de aguas de pequena profundidade, quentes, e saturadas de<br />

de podridão, desenvolvem enorme calor, e nos magoão directa<br />

e indirectamente, —ao passo que, exercendo sua<br />

acção sobre agua fresca vinda do oceano, bem agitada em<br />

toda a superfiicie da bahia, não se saturão de princípios<br />

que lhe multiplicáo a acção, que no primeiro caso tem.<br />

Quando existião as matas marítimas e as que lhes<br />

succedião nos terrenos por ellas conquistados, — os raios<br />

solares só exercião sua acção sobre as moitas de folhagem<br />

que constituião os topes de milhões e milhões de arvores'<br />

tanto áqueni <strong>com</strong>o além do littoral, e em uma superfície


149<br />

relativamente pequena de aguas, e estas bastante profundas.<br />

Pouco importava então, que os Iodos deixassem de estar<br />

cobertos ainda que por muitíssimos dias e até por mcz,<br />

pela agua do mar: os mangues não deixavão penetrar os<br />

raios solares para aquecer a vasa e a saturavão do salutar<br />

tanino.<br />

E' assim que, em longas quadras do anno havia maior<br />

igualdade de temperatura, e que acção directa do sol sobre<br />

nós, não era tão variada, c nunca tão nociva, <strong>com</strong>o agora<br />

succede.<br />

Então só as calmarias e a sccca nos poderião affligir,<br />

porém muito menos do que actualmente, e mesmo devião<br />

ser raras.<br />

Estas observações que enuncio prendem-se a pontos<br />

de meteorologia e de hygiene, que actuão sobre o meio<br />

biologico do homem e que ainda não estão bem estudados.<br />

Elementos <strong>com</strong>ponentes da atmosphera ha, que ainda não<br />

são bem conhecidos nem descriminados; as diferentes influencias<br />

cósmicas apenas se principião a estudar : a transformação<br />

de forças que se chamão calor, electricidade,<br />

magnetismo, movem á roda de nós esses elementos, sem<br />

que os distingamos, e os phenomcnos da vida animal e<br />

vegetal, subordinão-se ás regras multiplices dessa natureza<br />

mysteriosa. Pela minha parte, contento-me em apontar os<br />

factos externos e visíveis.<br />

(Artigo publicado no Jornal do Commccio de 24 do<br />

Outubro de 1887. O anterior a 18 do mesmo mcz.)


•<br />

*


4<br />

VIII<br />

Passando a confrontar as condições dasbahias, enseadas<br />

e angras em que as vazas lodosas se achão despojadas<br />

da inata maritima, o previdente Mangue—bem <strong>com</strong>o dos<br />

alagadiços ou dependencias dessas babias, igualmente 110<br />

geral de fundo lodoso e descortinados dos mangues, que<br />

tudo emsombravão e sanificavão, <strong>com</strong> os lugares pantanosos<br />

ou bumidos pertencentes a terrenos baixos para além do<br />

littoral,— encontramos phenomenos muito semelhantes,<br />

assim <strong>com</strong>o outros na apparencSa semelhantes e alguns<br />

inteiramente dilTerentes, e isto principalmente, quanto á<br />

época da manifestação das enfermidades, ao modo por que<br />

se manifestão, á constancia do andamento c finalmente á<br />

uniformidade <strong>com</strong> que cedem a uma certa e determinada<br />

medicarão. *<br />

Para além littoral, na maior parte dos annos, na generalidade,<br />

poucas enfermidades de fundo palustre se manifestão,<br />

ou tem principio, na força do verão, quando secco;<br />

ao passo que na cidade do Rio de Janeiro, é de preferencia<br />

na força do verão que essas enfermidades surgem e algumas<br />

vezes <strong>com</strong> tal intensidade que se a genuina febre<br />

amarella e outras encontrão indivíduos para ellas aptos, o<br />

estado sanitario toma feição assustadora.


152<br />

São muito poderosos os raios solares, auxiliados da<br />

maior variedade de elementos chimicos; e os phenomenos<br />

por elles produzidos divergem, segundo o ponto e os elementos,<br />

sobre que actuâo. Para além do littoral, em tempo<br />

de verão e cm sua maior força, os raios solares tornão-se<br />

Salutares. Elles, se não desseccão, aquecem a tal ponto a<br />

agua dos pantanos, que impossível se torna a fermentação;<br />

—e a evaporação da agua nos terrenos baixos e encharcados<br />

ou humidos, se eftectua <strong>com</strong> tal rapidez e tão grande violência,<br />

que o sólo se apresenta logo <strong>com</strong> o aspecto da lorriíicação<br />

; tudo fica <strong>com</strong>o que paralysado ; em verdadeiro estado<br />

de inércia. E' então que o poder aniquilador dos ardentes<br />

raios solares é perfeitamente igual ao poder correlativo<br />

do frio mais intenso, daquelle que gela as aguas, lá<br />

nas regiões em que elle possuo essa intensidade. E' igual ao<br />

frio intenso (trato sómente de pequenos organismos) no<br />

poder de obstar ás fermentações e ao phniomeno da putrefacção.<br />

A elevada temperatura,<strong>com</strong>o a extremamente baixa,<br />

paralysa aquelles phenomenos. O excessivo calor dos raios<br />

solares, no caso de que trato, só diverge da acção do excessivo<br />

frio em facilitar a desaggregação de alguns princípios<br />

de seres orgânicos; mas <strong>com</strong>o esse phenomeno nào<br />

é o resultado das fermentações em todos os seus períodos,<br />

nem da putrefacção, mas sim devido especialmente á<br />

presença de princípios alfins, que solicitão aquella desaggregação<br />

e assim por diante, não deve ser de resultados<br />

muito perniciosos. Emfim, o excessivo frio mata, bem <strong>com</strong>o<br />

o calor elevado ; o frio excessivo conserva absoluta e infinitamente<br />

as suas victimas, emquanto a elle submettidas,<br />

bem <strong>com</strong>o o calor excessivo, <strong>com</strong> a diflerenea que este<br />

ultimo, <strong>com</strong>o já disse, facilita algumas desaggregações.


153<br />

Para que os phenomenos da fermentação dos vegetaçs<br />

percorrão todas as suas phases, bem <strong>com</strong>o o da putrefacção<br />

dos pequenos organismos, indispensável se torna, <strong>com</strong>o á<br />

sabido, a humidade, c também uma temperatura média<br />

relativa de calor ; pois é só nestas condições que laes phenomenos<br />

se manifestão. Eis porque, segundo a minha conjectura,<br />

na generalidade, para além do littoral e em todos<br />

os terrenos relativamente baixos, o apparecimento e desenvolvimento<br />

das enfermidades de fundo palustre ou miasmaticas,<br />

coincide de preferencia e <strong>com</strong> maior intensidade,<br />

na passagem do verão para o inverno e do inverno para o<br />

verão, dependendo em muito, da maior ou menor abundancia<br />

das chuvas e do tempo que ellas durão. E' então<br />

que o grão de calor dos raios solares, não tendo poder para<br />

evaporar e tudo desseccar, o tem, ajudado pela humidade<br />

para a elaboração dos productos da destruição que se elíectuou<br />

pelo excessivo calor, bem <strong>com</strong>o para de<strong>com</strong>por as<br />

aguas das chuvas depositadas na superfície do sólo, e aclivar<br />

as fermentações e putrefacção de infinidade de pequeninos<br />

seres, que, favorecidos pela temperatura relativamente<br />

pouco elevada o pela humidade, se desenvolvem e<br />

multiplicão de modo espantoso.<br />

Lá nas regiões onde o frio é sujeito a alternativas,<br />

deve também haver uma occasião em que o calor dos raios<br />

solares produza a elaboração nos organismos aniquilados<br />

pelo excessivo frio.<br />

Esta graduação média de calor, protege o desenvolvimento<br />

e multiplicação de muitas especics de pequeninos<br />

seres orgânicos, que, nascendo em um meio — cm que ha<br />

fermento latente, que se desenvolve <strong>com</strong> vigor a essa tem-<br />

20


154<br />

peratura, produzindo a fermentação e podridão das que<br />

anteriormente havião sido aniquiladas pelo excessivo calor,<br />

mata também aquelles, augmentando deste modo o volume<br />

da massa a de<strong>com</strong>por. Depois, outros organismos, encontrando<br />

na de<strong>com</strong>posição meio apto á sua existencia, se<br />

desenvolvem em grande quantidade e assim por diante.<br />

Aqui mesmo no perímetro occupado pela cidade e subúrbios,<br />

se pôde ver o que acal>o de expôr.<br />

Observo igualmente que para além do littoral, e em<br />

todas as terras baixas relativamente, as febres palustres<br />

se manifestâo quasi sempre <strong>com</strong> os mesmos symptomas, e<br />

que a sua marcha pouco ou nada varia ;—o que me faz<br />

presumir que, em casos normaes, os factores que as produzem<br />

são sempre da mesma origem, e nas mesmas proporções;<br />

e que ha mais homogeneidade na <strong>com</strong>pleição physica da população<br />

e mais uniformidade nas aptidões ou propensões.<br />

Entre nós, grande é a variedade das <strong>com</strong>pleições physicase<br />

propensões, o que obriga o medico a constante observação e<br />

amiudados exames nos enfermos. Nas bahias, enseadas, e<br />

mais configurações do nosso littoral, descortinados da<br />

mata marítima, do precioso Mangue, a acção directa dos<br />

raios solares em tempo de verão sobre os parceis lodosos<br />

a descoberto, e sobre os alagadiços também desnudados,<br />

opéra-se em parte, <strong>com</strong>o além do littoral. A superfície dos<br />

Iodos, alagadiços e corôas, bem <strong>com</strong>o a das aguas da bahia.<br />

sobretudo nos lugares, cm que ellas têm pouca profundidade,<br />

são aquecidas talvez de 50 a 60 gráos centígrados;<br />

produzindo tão elevada temperatura cm todos esses pontos a<br />

morte de myriadas de seres.<br />

Emquanto essa graduação alli predomina, as condições<br />

são iguaes ás de além do littoral; porque nesse momento


155 i<br />

é impossível, alli,a fermentação e a podridão. Esta parte tem,<br />

entretanto, o que muito dilTere das condições da outra<br />

camadas inferiores nos Iodos, verdadeiros depositos de<br />

húmus e de organismos sem vida, que em grande quantidade<br />

baixão da superfície, e, em geral, nessas camadas<br />

existe constante graduação de calor muito apta á fermentação<br />

e á putrefacção, em virtude do seu nivel ser o<br />

mesmo das aguas que indirectamente as refrigerão, de<br />

accôrdo <strong>com</strong> a maré; e também por não estarem directamente<br />

expostas aos ardores dos raios solares. Para que<br />

os perniciosos resultados da constante elaboração effectuada<br />

nessas camadas se faça sentir e se manifesta em<br />

todo o vigor, basta que as aguas da bahia deixem de cobrir<br />

a superfície lodosa por algum tempo. Então, a atmosphera<br />

é saturada de miasmas c, se dominão as calmarias, é também,<br />

roubada de alguns princípios indispensáveis ao equilíbrio<br />

geral da vida.<br />

Quanto á superfície lodosa e das aguas de pouca profundidade,<br />

por demais aquecidas, facilmente se lhe proporciona<br />

o seu periodo de elaboração. Uma noite seguida de<br />

um dia sombrio ou nublado, basta para lhe baixar a temperatura<br />

ao gráo apropriado ao desenvolvimento de todos<br />

os phenomenos descriptos.<br />

Também outros phenomenos são possíveis. O lodo,<br />

impregnado de organismos putrefactos, fica em algumas<br />

occasiões perfeitamente torrado e facilmente reductivel a<br />

pó finíssimo. Esse pó pôde ser levantado pelo vento bem<br />

<strong>com</strong>o insignificantes bolhas d'agua nas mesmas condições<br />

dos Iodos seccos, —e será esse pó, serão essas invisíveis<br />

bolhas d'agua, conductores de germens de micro-organismos,<br />

que encontrando nos alimentos solidos e nos líquidos


e<br />

especialmente no leite c na agua, bons vebiculos, virão ter<br />

ao nosso organismo pela deglutição, podendo se transformar<br />

ou de se multiplicar de tal modo, que nos dêm a<br />

morte, por alTecçõcs que se manifestão segundo as nossas<br />

predisposições organicas. E se não forem os microbios<br />

serão diversos princípios tóxicos, quedo mesmo modo serão<br />

por nós ingeridos. Podem até esses germens e princípios<br />

toxicos serem arrojados sobre as hortas, onde encontrão<br />

muitos vebiculos, e alguns bem seguros; os repolhos e as<br />

couvcs repolhudas, podem receber esses princípios toxicos<br />

e os germes dos micro-organismos no momento em que<br />

principião a fechar c guardai-los por muito tempo intactos,<br />

até virem a nós pela deglutição. Pôde também darse<br />

o mesmo facto <strong>com</strong> a alface e <strong>com</strong> a chicória, o que se<br />

torna mais perigoso, por que são por nós ingeridas sem<br />

irem ao fogo. E não se pense que são somente os Iodos da<br />

bahia que podem fornecer todos esses elementos. Aqui<br />

na cidade e no littoral ha laboratorios que tudo produzem,<br />

<strong>com</strong> a diferença que um pouco mais para além desse<br />

littoral, excepeão feita das proximidades dos rios, as especies<br />

de microbios devem ser menos variadas do que no<br />

nosso meio biologico.<br />

Para a inoculação dos productos gerados nesses laboratorios<br />

da cidade c subúrbios, temos mais, <strong>com</strong>o é sabido de<br />

todos, as moscas, que são abundantíssimas, especialmente,<br />

quando nas proximidades das habitações existem certos<br />

vcgetacs. Estes insectos, <strong>com</strong>o muita gente acredita, e<br />

<strong>com</strong> razão, bem podem trazer os pés ou a tromba saturados<br />

de princípios mórbidos em que tenhão pousado, e deposita-los<br />

em qualquer pequeno ou grande ferimento, que<br />

encontrem em nós a descoberto; resultando de tal con-


157<br />

tacto grave enfermidade ou a morte. Por estar convencido<br />

do que acabo de expôr, tenho sempre re<strong>com</strong>mendado ás<br />

pessoas <strong>com</strong> quem tenho relações, ponhão o maior cuidado<br />

cm abrigar do ar os ferimentos de qualquer ordem que<br />

sejão, especialmente em t mpo de epidemias. Um ferimento<br />

a descoberto em época de epidemia deve ser perigoso,<br />

porque o contacto do ar viciado, <strong>com</strong> o nosso sangue,<br />

dá occasião á absorpção do mal.<br />

As povoações d > interior, assentes á beira de rios<br />

cujas margens, pouco elevadas, houverem sido descortinadas<br />

de sua natural vegetação, estão em condiçõos muito<br />

idênticas ás das bahias <strong>com</strong>o a nossa, <strong>com</strong> a diftcrença que<br />

lá o elemento palustre provem da de<strong>com</strong>posição dospantanos<br />

e alagadiços nas margens dos rios de agua doce e das<br />

respectivas vegetações e seres orgânicos; sendo, portanto,<br />

considerado em geral, elemento não mixto ; aqui o elemento<br />

ora é daquella mesma origem, ora das aguas salgadas,<br />

ora das saiobras c dos seres orgânicos que nellas<br />

se desenvolvem cm escala espantosa, especialmente nestas<br />

ultimas, e muitas vezes de tudo reunido ; e, pois, ora<br />

mixto, ora nào mixto. Tanto aqui, <strong>com</strong>o lá, dados os phenomenos<br />

descriptos, as calmarias constituem o maior dos<br />

perigos.<br />

Na bahia do Rio de Janeiro o phenomeno das calmarias<br />

não se manifesta felizmente <strong>com</strong> muita insistência;<br />

ao contrario, predominào as viraçÕes,que renovão a atmosphera,<br />

muito atenuando os cfíeitos ou phenomenos provocados<br />

pela inconsiderada e selvagem devastação do previdente<br />

Mangue.<br />

Não sei se ha terrenos em algumas zonas próximas de<br />

rios, que sejão ricos de alguns saes, que tornâo as aguas


158<br />

muito piscosas; porque se existem, havendo devastações<br />

e dando-se certos phenomcnos, especialmente a<strong>com</strong>panhados<br />

de calmarias, pôde. segundo penso, manifestar-se<br />

febres muito semelhantes ao typho icteroide, no caso que<br />

nesses lugares, e cm terrenos proximos c baixos, residão<br />

indivíduos aptos, pelas suas disposições physiologicas, para<br />

receber a impressão mórbida. E assim que em muitos<br />

pontos se tem manifestado terrível epidemia de febre violenta,<br />

<strong>com</strong> origem puramente local, que 6 logo classificada<br />

de amarella ; c sendo o fiagello attribuido á importação de<br />

principio morbido. O mal, entretanto, está nas alterações<br />

do sólo, das aguas e nas aptidões daquclles que residem<br />

no lugar. Infelizmente assim succcdeu entre nós. Acreditámos<br />

que o mal vinha de fóra e foi isso uma grande desgraça.<br />

Só se cuidou desde então de achar remédio para<br />

curar a enfermidade e obstar o contagio e não para evitar<br />

a sua manifestação.<br />

Esta d sposição particular para a febre amarella, em<br />

certas raças e indivíduos mais ou menos fortes, mais ou<br />

menos ricos de sangue não pervertido por vírus débilitante,<br />

também ó uma questão grave do nosso meio biologico,<br />

c que se prende á acção exercida pela devastação da<br />

mata marítima.<br />

Eu disse mais acima, que as calmarias não predominão<br />

entre nós; mas a verdade é que, desde alguns annos,<br />

especialmente nestes dous últimos, ellas tem sido bastante<br />

repetidas, e as virações de leste e sul rarissimas vezes tem<br />

apparecido. (1)<br />

(I) Na quadra que atravessamos, Outubro de 1888 a Março<br />

de 1889. tivemos constantes virações e forâo ellas a nos*a salvação.<br />

be a calmaria nodre dominasse, os casos de peste ne^ra<br />

serião em grande escala, pois que muitos erão os elementos q ie<br />

havia, para o seu desenvolvimento.


159<br />

Não era assim cm tempos anteriores, Raras vezes ellas<br />

deixavão de manisfestar-se por tão longo prazo, <strong>com</strong>o<br />

succede, alternadamente, de ha 14 ou 15 annos para cá.<br />

Estas vi rações são muito salutares: além de renovarem<br />

a atmosphera, enriquecendo-a de princípios reparadores<br />

para fazer face ás de<strong>com</strong>posições e re<strong>com</strong>posições,<br />

introduzem em não pequena parte da bahia bastante agua<br />

do oceano, agitando muito a superfície da mesma, em<br />

quasi todo este grande receptaculo.<br />

Ellas são também muito beneficas aos que se occupão<br />

na industria da pesca.<br />

liste anuo a providencia do nosso estado sanitario na<br />

forca do verão, foi que os ventos do quadrante Sul rcnovárão<br />

as aguas da bahia e a atmosphera, por diversas<br />

vezes. Só tivemos dous períodos muito mãos; o primeiro<br />

em Janeiro e o ultimo, o peior, nos primeiros dias de<br />

Abril, que felizmente não durou cada um delles mais de<br />

cinco dias ; porque forão interrompidos por vento do Suéste,<br />

que tudo renovou. Esse ultimo período, porém, deixou<br />

elementos que mais tarde entrarão em elaboração, cm virtude<br />

de predominar no inverno a temperatura relativamente<br />

média e as calmarias.<br />

Se as virações nos abandonão, o que Deus não permitia.<br />

e passão a predominar nesta zona as calmarias, o<br />

futuro hygienico desta cidade, seus subúrbios e povoados<br />

do littoral, será cada anuo mais calamitoso, a não ser que<br />

se restaurem as matas marítimas eas que lhes succederão.<br />

Esta renovação ou restauração, é ao mesmo tempo um<br />

meio reparador c claborador das boas funcções mcteorologicas<br />

do nosso ambiente biologico.<br />

Entretanto, ha mais de quatro annos que o Corte do


160<br />

Mangue foi publicado, c medida alguma tem sido tomada<br />

a conselho das corporações scientiíicas e dos hygienistas<br />

oficialmente responsáveis pela hygiene futura desta cidade.<br />

Fallo do futuro, porque chegamos a um tal estado de<br />

desequilíbrio atmospherico, que pelo presente pouco se<br />

pôde fazer. São necessários alguns annos para que a<br />

grande arborisaeão mar ti ma indispensável nesta zona, se<br />

desenvolva e nos dê os benefícios que só ella nos pôde dar.<br />

À tal respeito, porém, pelo lado mais valioso, só tenho encontrado<br />

o s!lcnc :o, c mesmo o mais <strong>com</strong>pleto desprezo.—<br />

E a medida é de elevado alcance para a saude c longevidade<br />

do povo desta cidade e seus contornos.<br />

Talvez que a minha in<strong>com</strong>petência, nestes assumptos,<br />

seja causa dc tal silencio.<br />

Pelo que mais acima disse, fácil se torna explicar <strong>com</strong>o<br />

as enfermidades entre nós se apresentão de anno para<br />

anno <strong>com</strong> variadas moralidades, ou para melhor dizer,<br />

<strong>com</strong> falsas mascaras e insidiosas, induzindo a erro os<br />

homens da sciencia, e obrigando-os á diversidade de íhcrapeutica.<br />

Dependem estes phenomenos dos elementos que<br />

em cada período do anno mais predominão; e são elles<br />

tantos e tão variados, que annullão a mais severa observação<br />

dos clínicos.<br />

Annos ha, em que entra o inverno e as enfermidades<br />

do verão continuão a dizimar a população ; bem <strong>com</strong>o<br />

outras novas apparecem em virtude de permanecer por<br />

muito tempo a graduação média da temperatura a<strong>com</strong>panhada<br />

dc calmaria que alenta as fermentações e a putrefacçâo,<br />

e mantém a atmosphera <strong>com</strong>pletamente desequilibrada<br />

dc elementos salutares. E' nestas condições, quando<br />

do lado dos lodoçaos da bahia, o mal que nos vem é muito


161<br />

menor, que um sem numero de pequenos laboratorios de<br />

de<strong>com</strong>posição e de producção de miasmas e microbios,<br />

espalhados pelo perímetro occupado pela cidade e nos<br />

suburbios, entrão cm trabalho activo, que só pôde ser<br />

levado á inércia, por uma grande e demorada baixa de<br />

temperatura, ou pela sua elevação brusca a<strong>com</strong>panhada<br />

do céo limpo de nuvens, tempo muito secco e boas virações,<br />

pois que, se as calmarias predominão, o mal pôde<br />

augmentar em vez de diminuir.<br />

A elevada graduação de calor, dadas certas circumstancias,<br />

prepara; a relativamente média, prepara e<br />

elabora.<br />

Quanto a mim, ao <strong>com</strong>eçar o verão, havendo raios<br />

solares desempedidos de nuvens, parceis lodosos repletos<br />

de mariscos, baixas marés (maré de torrar lhe chamão os<br />

pescadores), sem renovação na bahia, pelas aguas do oceano,<br />

predominando calmaria; e especialmente tendo chegado<br />

grandes desaguamentos do interior, 20 a 27° cent. á sombra,<br />

é graduação bastante para fornecer todos os elementos necessários,<br />

para o apparecimento de graves enfermidades<br />

de fundo palustre e outras não menos perigosas.<br />

Pôde mais tarde o thermometro baixar a 22, 21 ou 20<br />

cent. e o mal continuará a manifestar-se por diversos<br />

modos, se moderadas chuvas que apaguem o pó subtil das<br />

ruas, fortes virações ou ventos do quadrante do Sul, não<br />

vierem em nosso auxilio.<br />

Pensar sómente em graduações thermometricas do<br />

calor; acreditar que as mais elevadas são as mais perigosas,<br />

sem attender aos phenomenos atmosphericos que as<br />

a<strong>com</strong>panhâo, e ás condicões do sólo, é grande erro para os<br />

21


162<br />

estudos de hygiene em zona <strong>com</strong>o a nossa. Isto não é a<br />

Europa; muitos dos estudos hygienicos lá feitos, não têm<br />

aqui applicação.<br />

Felizmente, nem sempre os phenomcnos, que mais<br />

acima descrevi, se dão conjunctamente durante annos<br />

seguidos : períodos mais ou menos longos tem havido, em<br />

que predominão fortes virações ou ventos do quadrante do<br />

Sul, que ohstão ao trabalho do grande laboratorio constituído<br />

pela vasa lodosa c alagadiços descortinados dos<br />

mangues, ou attenuão em muito a acção delecteria de seus<br />

productos. Os ventos do Sul trazem á nossa atmosphera os<br />

princípios reparadores de que cila carece para fazer face á<br />

de<strong>com</strong>posição e re<strong>com</strong>posição alli effectuadas, bem <strong>com</strong>o<br />

em um sem numero de pequenos laboratorios de de<strong>com</strong>posição<br />

espalhados pela cidade e suburbios; e as aguas<br />

constantemente renovadas, cobrindo os parceis lodosos e os<br />

alagadiços, substituem em parte e temporariamente, a extineta<br />

mata marítima, constituída pelos mangaes.<br />

E' assim, que mais de uma vez temos atravessado um<br />

e dous annos seguidos (e até 0 annos), sem que as epidemias<br />

nos flagellem. Entretanto, tal estado de cousas constituo<br />

uma eterna ameaça : estamos á mercê dos caprichos<br />

da atmosphera. E' indispeusavel uma guarda permanente<br />

que nos garanta contra taes caprichos, e essa guarda é a<br />

mata marítima, é o salutar e providencial Mangue.<br />

Repito ainda o que disse de outra vez :<br />

Deus Fez o que Quiz — e Quiz o que Fez — Nada do<br />

que nos succede teria lugar, se esta grande verdade fosse<br />

conhecida e acatada.<br />

(Artigo publicado no Jornal do Commercio de 28 de<br />

Outubro de 1887).


VIII<br />

Sc o brado pela conservação da mata marítima epela<br />

que lhe succedia, por mim levantado nas columnas do<br />

Jornal do Commcrcio não tivesse outro effeito, mais do que<br />

despertar a opinião publica sobre a questão florestal, já <strong>com</strong><br />

isso estaria bem re<strong>com</strong>pensado. Eflectivamente, do Rio<br />

Grande do Sul ao Pará, os meus humildes escriptos têm merecido<br />

menção na imprensa diaria; eesta, ha algum tempo,<br />

<strong>com</strong>move-se <strong>com</strong> a distruiçáo desse poderoso elemento de<br />

vida, que por séculos tornou este paiz um dos maiores reproduetores<br />

da especie humana.<br />

Resão as chonicas da descoberta, que no littoral do Amazonas,<br />

onde hoje vejeta mal uma população de 600,000<br />

almas, já os índios se contavão por muitos milhões, e ainda<br />

se passaráõ muitos annos antes que este vasto continente<br />

volte a ser povoado <strong>com</strong>o foi.<br />

A destruição das matas do littoral coincidio <strong>com</strong> o<br />

declínio geral da população, e antes das medidas coloniaes<br />

das antigas <strong>com</strong>panhias do Brazil, no ultimo quartel do<br />

século findo, um viajante inglez chegou a avaliar em<br />

menos de 1.000,000 a totalidade dos habitantes. Foi só<br />

quando as levas de gente para a lavra do oiro se internarão<br />

pelas matas do interior, que a população tornou a crescer


164<br />

Foi do ar saturado de oxygeneo nos sertões de Minas, Bahia<br />

e Pernambuco que sahio a massa de povo que hoje occupa<br />

o paiz.<br />

Para que não se renove a decadencia, convirá que<br />

as reclamações da imprensa sobre florestas e principalmente<br />

sobre as marítimas sejão attendidas <strong>com</strong> providencias<br />

praticas e eficazes. O exemplo deve partir do Rio<br />

de Janeiro, centro do povoamento. Ainda agora, a varíola,<br />

uma das phases da degenerarão atmospherica, veio<br />

nos relembrar a ameaça de morte que paira na<br />

atmosphera.<br />

Por qualquer modo que se encare a situarão desta<br />

importante cidade, em relação ao seu estado sanitario, a<br />

encontramos de péssimo caracter na maior parle dos annos.<br />

Desde 14 annos anteriores para cá, quasi que sem cessar,<br />

o Rio de Janeiro tem sido victima de enfermidades terríveis,<br />

mascaradas de diversos modos; e o mal tende a augmentar,<br />

se não forem destruídas as origens. A verdadeira<br />

hygiene consiste em evitar as enfermidades e não em procurar<br />

só curai-as. Pelo que tenho exposto, nào se pôde<br />

mais duvidar de que a destnrção das florestas marítimas<br />

constituídas pelos laboriosos e providenciaes mangues, e<br />

das florestas que lhes succedôrão nos terrenos por ellas conquistados,<br />

foi o maior de nossos males.<br />

A sorte desta zona está intimamente ligada á da mata<br />

marítima, em muitos casos por mim apontados ; outros,<br />

porém, e importantes, ha ainda para descrever.<br />

Um phenomeno existe, que torna muito sensível a<br />

falta daquellas matas, e esse phenomeno é um grande mal<br />

que tende sempre a augmentar, e vai buscar as origens


165<br />

bom longe de nós. E' o volume d*agua doce que actualmenle<br />

açode á bahia, por occasião das chuvas torrenciaes no interior,<br />

que é muito maior do que eíTectivamente era ha<br />

cincoenta ou sessenta annos ; e maior será em cada anno<br />

que se seguir. Esse augmento, que já é espantoso naquellas<br />

occasiões, provém da devastarão inconsiderada das florestas<br />

no interior do paiz. As terras conquistadas ás matas,<br />

para serem cultivadas pelo systema extensivo, ficão mais<br />

tarde, pelo abandono a que são votadas, a titulo de cançadas,<br />

cm estado dc <strong>com</strong>pleta impermeabilidade, por falta<br />

de vegetação poderosa, que lhes dê interstícios e que as<br />

resguarde dos abrazadores raios solares, que as acabão de<br />

exhaurir ccada dia as tornão mais tenazes. Nestas condições'<br />

de impremiabilidade, o sólo, na maior parte<br />

argilloso, em vez de absorver, repolle as aguas das chuvas,<br />

quando abundantes, e que, avolumando-se, correm para<br />

os rios, riachos, etc., pelos quaes são conduzidas em violenta<br />

correnteza e maior volume, do que outrora, para<br />

a nossa bahia. E o peior é quando a derrubada das florestas<br />

é realizada em pontos elevados, o que é muito <strong>com</strong>mum.<br />

A partir dos pincaros ou corôas das montanhas ou morros,<br />

as aguas, por não absorvidas, vão pelos dcclives ganhando<br />

grande volume, peso e força relativas, e <strong>com</strong> velocidade<br />

vertiginosa, na descida, cortão c arrastão grandes quantidades<br />

de terra, constitifndo estas, nos pontos relativamente<br />

baixos, grandes trincheiras, que as reprezão cm parte, formando-se,<br />

mais tarde, terríveis pantanos, que assim multiplicão<br />

o numero dos que já existião.<br />

Depois, novas chuvas torrenciaes enchem estes pantanos<br />

e os que já existião, e certo é o seu entorno para os<br />

rios c mais vebiculos, que de envolta <strong>com</strong> as aguas boas


166<br />

conduzem aquellas apodrecidas para a bahia (i). E o mal<br />

não pára aqui; neste caso, porém, os mangues em nada<br />

influem. Os rios que nos devem supprir as aguas para o<br />

abastecimento da cidade, vão pouco a pouco empobrecendo,<br />

porque não tendo sido aqueltas absorvidas pelo sólo, na<br />

occasião das chuvas, não pôde este fornece-las pela infiltração<br />

lenta ; ao jusso que, dada a circumstancia da inundação<br />

vêm essas aguas em quantidade que assusta, e de má qualidade,<br />

em virtude da mixtura que se deve opérar <strong>com</strong><br />

as estagnadas.<br />

As condições naturacs do sólo forão, em muitos pontos,<br />

violentamente alteradas; do que resulta, ás vezes, haver<br />

mais agua do que os leitos dos rios admittem, e de má<br />

qualidade, e logo que as chuvas párão, ficâo os mananciaes<br />

reduzidos a mu to pequeno volume. As aguas que devião<br />

ser fornecidas lentamente para o consumo dos povoados e<br />

para as terras de culturas—vem de chofre e de roldão á<br />

bahia, onde causão <strong>com</strong>o já expuz, grandes darnnos ; o<br />

depois vão na maior parte para o oceano.<br />

Quando ha abudanciade agua, é ella impura; se porém<br />

é de qualidade boa, pecca pela insufficiencia.<br />

Se a devastação das florestas continuar no interior,<br />

<strong>com</strong>o tem succedido até agora, muito temos nós de soíTrer<br />

aqui, e lá, algumas localidades, se tornaráõ inhospitas.<br />

As chuvas locaes pouco a pouco desappareceráõ desses<br />

lugares, porque não havendo a absorpção de agua não<br />

(1 Dadns estas circKmstancias.depois de prolongada secca no<br />

tempo de varão, é medonho o estado da nossa bahia: centenas de<br />

milhares de toneladas de peso bruto de matéria animal e vegetal<br />

mortos pejes raios solares, lá no interior são arrastadas para os nos-<br />

BOI parceif», para abi concluírem a de<strong>com</strong>posição.


167<br />

pôde haver evaporação nem condensação. Ficarão ahi á<br />

discripção das chuvas iniciadas em outros pontos longínquos,<br />

que, arrojadas pelas tempestades, são sempre terríveis<br />

pela violência.<br />

Somos, pois, victimas dos desmandos praticados lá no<br />

interior, porque o império da agua doce na nossa bahia,<br />

<strong>com</strong>o muitas vezes succede, é cousa terrível, por não estarmos<br />

apparelhados contra os seus perniciosos efleitos,<br />

em virtude da falta da íloresta marítima constituída pelos<br />

mangues ; e das florestas que lhes succedèrão nas terras<br />

conquistadas. Como já disse, succede algumas vezes coincidir<br />

<strong>com</strong> a reboada de aguas do monte, soprar aqui o<br />

vento do Suéste, que introduz na bahia a agua do oceano<br />

e obsta á sabida daquellas. Constitue isto o maior dos<br />

perigos, porque então o nível das aguas da bahia, sóbe<br />

muito, c o entorno pelas terras baixas é infallivel. Se as<br />

matas em questão existissem, nenhum perigo haveria 110<br />

caso que acabo de expôr. O ensombro produzido pelas ar -<br />

vores, os animaes transformadores que deviâo existir e o<br />

tanino <strong>com</strong> que os mangues saturão as aguas, obstavão á<br />

sua de<strong>com</strong>posição. Então, a devastação das florestas no interior,<br />

só nos in<strong>com</strong>modaria pelo lado da diminuição das<br />

aguas e pela sua má qualidade, em certas épocas; o que,<br />

sem duvida, é questão de immenso alcance.<br />

Entretanto, lá no interior também, algumas vezes,<br />

devem sentir os resultados da destruição das matas marítimas.<br />

As aves aquaticas, que aqui presta vão importantes<br />

serviços á hygiene, lá ião a quarenta c mais léguas,<br />

para devorar os peixes, que os rios em seu entorno provocado<br />

pelas chuvas torrenciaes deixavão nas terras baixas,<br />

que os margeião. Agora, não havendo aqui essas aves,


168<br />

áo em quantidade insignificante lá não vão e os peixes<br />

se de<strong>com</strong>põem, produzindo notáveis males. Não pôde deixar<br />

de assim succeder: quebrado um dente da engrenagem<br />

de uma machina, em seguida outro e outro se quebraráõ<br />

e as rotações não são mais as mesmas, e até se extinguem.<br />

Como disse, não se pôde mais duvidar de que a destruirão<br />

das matas marítimas constituídas pelos mangues,<br />

e das que lhes succedêrão nos terrenos conquistados, são a<br />

causa principal do desenvolvimento e permanencia das<br />

enfermidades de fundo palustre que ílagellão esta cidade,<br />

seus suburbios e littoral. Os mangues, porém, não forào<br />

só denubados no littoral propriamente dito, da bahia;<br />

também o forão em muitos pontos do perímetro hoje occupado<br />

pela população; e esses mangues erão<br />

de vida.<br />

laboratorio<br />

Ha, pois no perímetro occupado pela cidade um<br />

grande desequilíbrio na<br />

mente nocivo.<br />

vegetação útil; o que é alta-<br />

Bem sabido é, que, não pequena parte da cidade do<br />

Rio de Janeiro está assente sobre Iodos, que outr'ora<br />

estavão cobertos pelos mangaes; estes forão cortados,<br />

seguindo-se os aterros de todo o genero para a abertura de<br />

de ruas e edificações de casas.<br />

Se desde o <strong>com</strong>ero o da edificarãoda l» cidade, ' e no correr<br />

desta edificação tivessem sido reservados largos espaços,<br />

existiria hoje grande numero de praças, espalhadas por<br />

diversos pontos da cidade, que, bem arborisadas, manterião<br />

as proporções de vegetação, exigidas por esta zona,—<br />

proporções estas, que não podem deixar de ser, alternadamente,<br />

de quasi metade da área occupada pelos povoados.'<br />

K não se acredite que podemos prescindir de tal equilíbrio;


160<br />

a grande arborisação dentro da cidade é indispensável para<br />

attenuar e mesmo annular os princípios nocivos, produzidos<br />

no perímetro occupado polo povo agglomerado.<br />

Tão convencido estou disto, que quasi tenho a certeza<br />

de que, mais tarde, terá o Estado de desapropriar grande<br />

numero de edifícios para a abertura de grandes praças,<br />

scientificamente distribuídas e arborisadas.<br />

Fácil é <strong>com</strong>prehender-se, que, sendo a grande área<br />

que occupamos coberta outrora de poderosas arvores,que<br />

não forão, ao menos em parte, substituídas por outras,<br />

de accôrdo <strong>com</strong> a nossa Índole mctereologica e <strong>com</strong> as<br />

variadas aptidões do sólo, bem pôde <strong>com</strong>prehender-se,<br />

repito, quanto mal essa grave falta deve produzir. O numero<br />

de pequenos laboratorios de princípios nocivos é<br />

ainda avultado dentro da cidade e seus suburbios; e, pois,<br />

indispensável se torna crear instrumentos que os attenuem<br />

ou annulem. Espero voltar a este assumpto, e então tratarei<br />

miudamentedo que se passa nesta cidade, em relação<br />

á hygiene.<br />

Em vez de se pensar no aterro da lagoa Hodrigo de<br />

Freitas, empreza gigantesca, em que os proventos públicos<br />

não estão em relação <strong>com</strong> os sacrifícios financeiros, —<br />

melhor é que ella seja arborisada no seu littoral lodoso,<br />

<strong>com</strong> os providentes mangues, que em poucos annos, tudo<br />

sencaráõ. Os milhares e milhares do contos de réis a gastar<br />

<strong>com</strong> tão babylonica operação, deveriào ser applicados, gradualmente,<br />

e por parcellas, de accordo <strong>com</strong> as posses do<br />

thesouro, á <strong>com</strong>pra de terrenos e propriedades, para a<br />

abertura dc grandes praças e largas e extrensas avenidas,<br />

scientiíicamentc orientadas e bem arborisadas.


170<br />

Não se descuidem os responsáveis pelo futuro bygienico<br />

desta cidade; o legitimo typho icteroide, parece tender a<br />

manifestar-se em menor escala de anuo para anuo; por<br />

que os estrangeiros que vão chegando, não ficâo mais aqui<br />

senão em limitadíssimo numero; seguindo a maior parte<br />

para o interior, onde vão occupar-se em trabalhos da<br />

lavoura. A diminuição de tacs manifestações e característicos<br />

morbidos, nada importa, porque a terri/el febre remittente-biliosa,<br />

aseruptivas eum sem numero de enfermidades<br />

<strong>com</strong> origem no impaludismo mixto, a peste emfim, continuarão<br />

a flagellar o povo, sempre que se derem certos<br />

phenomenos atmosphericos. E esses phenomenos, tanto<br />

podem provocar enfermidades agudas, <strong>com</strong>o preparar as<br />

de longo estado doentio. Creio que grande numero de<br />

casos de tisica, de moléstias de coração, de beri-beri e<br />

outras, tem sua origem no impaludismo.<br />

Eu creio que as más funoções doestomago provenientes<br />

do impaludismo insidioso, muito concorrem para a manifestação<br />

da tisica pulmonar, em virtude da não assimilação<br />

dos alimentos c resultante debilitação do sangue.<br />

Nada temos que invejar a Buenos-Ayres, onde os<br />

Iodos dos portos artificiaes e suas aguas immoveis, tornão-se<br />

laboratorios de adulteração almospherica, e germens<br />

epidêmicos, pela <strong>com</strong>pleta ausência de renovação dos elementos,<br />

e falta absoluta da mata marítima. Alli, inculca-se<br />

ao vulgo, que o Rio de Janeiro é o factor das epidemias;<br />

quando, <strong>com</strong>o aqui, o factor está na própria situação<br />

do sólo. A única differença é a nosso favor, pela<br />

maior facilidade que temos de reconstituir a hygiene natural,<br />

preconisada pelas ultimas descobertas scieiiliíicas.<br />

As conferências sanitarias, para que se appella, não


171<br />

serão mais do que divagações ároda de um circulo vicioso,<br />

pagando o povo as custas da fantasmagoria, <strong>com</strong> a demora<br />

nas medidas a tomar.<br />

E', pois. indispensável a maior actividadc na restauração<br />

da mata marítima e de grande parte da que lhe<br />

succedia. Não hasta prohibir o córte do Manque, é indispensável<br />

que se faça realmente effectiva essa prohibiçáo;<br />

e ainda mais, que seja semeado e plantado nos lugares<br />

onde o regimen das aguas não permitte que as sementes<br />

pousem, sc radiquem e germinem no sólo. Esperar a conquista<br />

lenta, é perder muito tempo; porque só nos lugares<br />

de aguas remansadas os mangues nascem, se desenvolvem<br />

e progridem rapidamente. Os mangues das antenas, denominados<br />

vermelhos, que vão nascendo por entre os outros,<br />

levão annos para chegar por meio das irradiações ao ponto<br />

das avançadaseentão <strong>com</strong>eçarem a conquista sobre as aguas.<br />

Os sacrifícios, a fazer <strong>com</strong> a restauração são bem pequenos<br />

o serão altamente e por muitos modos <strong>com</strong>pensados.<br />

Em menos dc 20 annos, o córte scientifico das arvores<br />

dará ás camaras municip es renda fabulosa.<br />

Ao mesmo tempo, é mister abreviar o mais possível<br />

a obtenção de praças e avenidas, para serem arborisadas»<br />

depois dc modificado o sólo, dc acórdo <strong>com</strong> as necessidades<br />

das arvores a plantar.<br />

Para essa arborisação, pelo que tenho observado,<br />

devem ser preferidas as arvores, cm que predomine o tanino<br />

e a therebentia por que são ellas, segundo penso, as<br />

melhores para as nossas condições.<br />

Talvez que eu esteja em erro; supponho, porém,<br />

que aquellas substancias são de grande valor nesta zona,<br />

sobretudo, a ultima, que, quanto a mim, deve, c pódc


172<br />

prestar, grandes benefícios em muitas das enfermidades<br />

que nos flagcllão.<br />

Quando cscrivi o Corte do Mangue, em nota de um<br />

dos artigos, deixei perceber as minhas sympathias, a esta<br />

salutar subtancia, <strong>com</strong>o medicamento. Emfim, pelo estudo<br />

do sólo e das alterações que se lhe possão fazer, se conhecerá<br />

qual a arborisação que melhora qui pôde progredir,<br />

bem <strong>com</strong>o, qual o poder elahorador de cada arvore.<br />

E' de absoluta necessidade, que os Iodos immundos,<br />

verdadeiros laboratorios de putrefacção e morte, sejão novamente<br />

cobertos pelos mangaes; que esses Iodos, <strong>com</strong>o<br />

aconteceu, para cumulo dos males, nào continuem a gozar<br />

de nome de Mangue; nome que herdarão em toda a parte,<br />

onde houve a derrubada. Desta classificação, até usada<br />

por homens de saber, tem resultado grande confusão para<br />

a sciencia, c para os observadores. Ouvem estes dizer, que<br />

o Mangue éa causa de grandes males, e em conclusào, é<br />

ao lodo, <strong>com</strong> tào pomposo nome, que o povo accusa, e não<br />

ao verdadeiro Mangue, arvore providencial, que por isso,<br />

ha muitos séculos tem sido tratada, pelos muitos scientificos,<br />

<strong>com</strong> desprezo.<br />

E' assim que o sábio Finlayson, visitando a ilha de<br />

Singapore, estranhou que a febre amarella e outras, nào<br />

tivessem até então invadido aquella zona, nào obstanta<br />

alli encontar muitos e poderosos mangaes. Se alli os mangaes<br />

houvessem sido cortados em certa escala naquella<br />

época, o sábio Finlayson, teria lá encontrado a febre<br />

amarella e outras ainda peiores. Se depois, os mangaes<br />

forão cortados, sem duvida que a ilha se tornou inhospita.<br />

Cito o trecho das Questões Economicas, de 24 de Outubro<br />

de 1880, no qual o intelligente e intruido autor


173<br />

transcrever o que o sábio naturalista inglez Finlayson,<br />

disse em relação aos magaes:<br />

« Mais tarde a sciencia estrangeira encarregou-se dc<br />

consolar o nosso collaborador pela sua decepção. Um<br />

amigo, que avaliara bem os seus esforços e se interessava<br />

igualmente pelo progresso do Brazil, mandou-lhe<br />

um excerpto da importante viagem dc Finlayson, de Calcultá<br />

ao Indo-China. O autor era um distineto botânico a<br />

profissional que a<strong>com</strong>panhou, em 1821, a missão diplomática<br />

ingleza enviada ao reino de Sião pela <strong>com</strong>panhia das<br />

índias. A viagem de Finlayson ainda boje é consultada<br />

pelos naturalistas que procurào informa-se scientificamente<br />

da ílóra e fauna do extremo oriente. A vastos conhecimentos<br />

o autor reúne muito espirito de observação e<br />

um estylo lluente e correcto. A sua viagem está traduzida<br />

do inglez para outras linguas. Finlayson, visitando a ilha<br />

de Singarope, estudou as curiososas propriedades dos mangaes,<br />

e resvalou pela descoberta que mais tarde devia <strong>com</strong>petir<br />

ao Sr. Pedro Caldeira. » •<br />

A citação dc parte do trecho relativo ao curioso vegetal<br />

confirmará o nosso asserto. Diz Finlayson :<br />

« E' nos pontos cm que a agua doce dos riosc dos regatos<br />

se mixtura <strong>com</strong> a do mar que vemos abundar os<br />

mangroves (Mangue). A economia destes vegetaes tem um<br />

caracter que lhes é exclusivamente proprio, e pelo qual reclamão<br />

de todo o observador grande attenção. A especie<br />

mais <strong>com</strong>mum, na margem das correntes nestes climas,<br />

é uma bella e grande arvore que attinge algumas<br />

vezes a uma altura de quarenta pés, c que está carregada dc<br />

uma profusão de folhas largas, oblongas, carnosas, dispostas<br />

em moitas na extremidade dos ramos. A singular fôrma do


174<br />

fructo é muito conhecida para que seja preciso descrevô-Ia.<br />

(1)<br />

« O pé desta arvore, embora coberto de epiderme extremamente<br />

delgada, parece preencher as funcções ordinárias<br />

das folhas. Está muitas vezes submergido a uma<br />

profundidade de doze pés e mais, e nessas occasiões desempenha<br />

sem duvida funcções diversas. Numerosas raizes descem<br />

das arvores e desta maneira uma só arvore é supportada<br />

muitas vezes por numerosas.estacas, atravezde grande<br />

extenção de terreno, que acha-se assim defeso e inaccessivel<br />

aos animaes.<br />

« Uma outra especie, a rhizopliora-mangle, depende<br />

ainda menos da presença de agua doce. As vezes desenvolve-se<br />

lateralmente ao longo da margem do mar, ou<br />

cresce inteiramente na agua salgada. Outras especies tem<br />

hábitos iguaes.<br />

« A sombra destes vegetacs é a morada de innumeras<br />

tribus de mosquitos. Assim, por esta razão, não apresenta<br />

ao homem senão um abrigo inhospito. Tem-se fallado,<br />

<strong>com</strong> muita emphase da apparente^insalubridadc dos alagadiços<br />

deste gênero, c pretende-se que em muitos pontos são<br />

a principal, senão a única causa da mais fatal das doenças<br />

que reinão nos tropicos, a febre maligna. Sem apresentar<br />

duvidas sobre a insalubridade das posições alagadiças em<br />

geral, ha, segundo eu penso, todo o lugar de acreditar que<br />

ignoramos ainda as verdadeiras causas da febre amarella.<br />

(I) Se duvida é do Manone vermelho de que trato Finlayson.<br />

O fructo desta especie de Mangue tem a fóvma de charuto<br />

e quando se desprende da arvore já se acha germinado. O das<br />

outras especies de mangues é parecido <strong>com</strong> uma fava quando<br />

grelada.


175<br />

Com eíTeito, o estabelecimento de Singapore possue em<br />

gráo eminente todas as circumstancias que parecem ser as<br />

mais próprias para causa-la, e entretanto ella é ahi desconhecidas<br />

até hoje.<br />

« Estas circumstancias são uma situação na beira<br />

do mar; o clima tropical; a evaporação alta e excessiva ;<br />

a temperatura continuamente elevada; longa extensão de<br />

banhados, nos quaes a agua é salgada em unse doce nos<br />

outros,exposta a ardente sol; a impulsão vegetativa levada a<br />

um tal gráo deactividade que talvez não tenha igual em qualquer<br />

outra parte do globo ; a suspensão da vegetação berbacea,<br />

de tempos em tempos causada pela prolongação do<br />

calor que a<strong>com</strong>panhà as seccas; a profusão de matéria<br />

vegetal, por exemplo, folhas, ramos cabidos, frutas alastradas,<br />

etc., misturada <strong>com</strong> matéria animal c formando<br />

fócos de putrefacçâo cm todos os períodos. Estas são as<br />

causas mais evidentes a que ordinariamente é attribuida<br />

a febre amarella. Qualquer destas causas existe em Singapore<br />

mais violenta do que em outra parto, e contudo essa<br />

peste nunca ahi appareceu.<br />

« Uma grande utilidade do Mangue é impedir a invasão<br />

da terra pelo mar. Não só faz parar a tendencia<br />

desse elemento <strong>com</strong>o até produz o eíTeito contrario, no que<br />

as costas de Singapore offerecem a prova manifesta. Pódese,<br />

portanto, julgar quanto é injudicioso o uso de destruir<br />

as barreiras constituídas pelos mangaes. Em muitas partes<br />

esta vegetação estende-se por algumas milhas, para além<br />

das margens, até que o sólo sobre o qual nasce se eleve<br />

acima das aguas. Pouco a pouco, cedem o lugar ás arvores<br />

de outra especie, c, desta maneira, surgem e produzem-sc<br />

terras favoraveis á cultura do arroz. Existem assim innu-


176<br />

meros espaços 11a occupação que os inglezes fundarão na<br />

ilha.<br />

« Pedimos a nossos leitores desculpa pelo espaço que<br />

tomamos nesta citação, mas é tào importante a questão<br />

para a lavoura e hygiene publica, é tão valiosa a confirmação<br />

tacita de Finlayson, que nos pareceu uma das observações<br />

mais curiosas da sciencia moderna. Agradecemos<br />

ao autor do Córte do Mangue d <strong>com</strong>municação que nos<br />

fez da obra citada, e esperamos que a conquista do littoral<br />

pelos mangaes torne a ser uma causa da salubridade publica<br />

da abastança alimentícia e doaugmentoda população. Pelo<br />

menos a industria da pesca poderá renascer em nosso<br />

littoral, e proporcionar um alimento são e barato ás classes<br />

pobres. »<br />

Urge, pois, vedar de uma vez para sempre a devastação<br />

de tão úteis arvores em todo o Império do Brazil.<br />

A Camara Municipal da córte, foi a primeira a prohibir<br />

a devastação dos mangaes; outras, porém, que<br />

govcrnào no littoral da bahia ainda não tomarão igual<br />

resolução. As margens do rio Iguassú, Sarapuhy e outros,<br />

segundo me informão, a devastação é medonha.<br />

Todo o cidadão deve ser defensor dessa providencial<br />

vegetação. Não deve haver benevolencia <strong>com</strong> as pessoas<br />

que a derrubarem !<br />

Nestas qustões que envolvem a felicidade e bem estar<br />

da humanidade, nào se pódc ser bom de mais. E' preciso<br />

primeiro ser homem bom, para depois ser bom homem.<br />

Sáo estas as duas qualidades, que reunidas constituem um<br />

verdadeiro cidadão, uma individualidade útil.<br />

(Artigo publicado 110 Jornal do Commercio de 4 de<br />

Novembro de 1887.)


VIII<br />

Nada caracterisa melhor o grau de cuidado no aproveitamento<br />

dos recursos de 11111 paiz, do que o estado de<br />

sua fauna, da vegetação industrial, daquella mesma, que<br />

só tem por fim a utilidade publica. O adiantamento publico<br />

mede-se pelas previsões biológicas. A distruiçãoéa<br />

synthese da decadencia civil ou da falta de constituição regular.<br />

Na Turquia não ha arvores que in<strong>com</strong>modem a<br />

vista ; ouve-se, porém, o grito agudo da hyena, que percorre<br />

os despovoados.<br />

Desejo que os nossos desnudamentos do sólo e das<br />

aguas, não tragão doutro de alguns annos, o apparecimento<br />

dos animaes ferozes ao lado de outras férasmais terríveis;<br />

que são as doenças epidemicas. Desde já a belleza destes<br />

contornos vai desapparecendo, <strong>com</strong>o um scenario mal substituído.<br />

Causa profunda tristeza <strong>com</strong>parar o antigo <strong>com</strong> o actual<br />

estado da opulenta e magestosa bahia do Rio de Janeiro e<br />

dos vastos territorios que a circundão. Em tempos idos ha<br />

muito, a bahia do Rio de Janeiro, pela sua vastidão e notável<br />

esplendor, devia ser o encanto dos brazileiros e estrangeiros<br />

que a visitassem e attentamente a examinassem.<br />

Então, a bahia, olhada dc ponto muito elevado, não tinha<br />

o aspecto que hoje apresenta. Yiâo-se numerosos e exten-<br />

2:j


178<br />

sissimos canaes, continuação da drainagem natural da<br />

terra firme, e entre uns e outros, o espaço era todo occupado<br />

por frondosas arvores, e estas muito unidas.<br />

A superfície visível da agua, era, sem duvida, de<br />

menos de metade, do que é hoje. Os que entrassem a<br />

barra, acreditarião que se achavão em um grande rio <strong>com</strong>o<br />

succedeu aos descobridores (1). Para conhecer que era uma<br />

bahia, seria necessário investir pelos canaes, que constituião<br />

verdadeiro labyrinto, e nelles navegar por algumas horas,<br />

até chegar aos diversos pontos do seu littoral.<br />

Agora, a bahia é perfeitamente visível, e, quando<br />

cheia de agua, tem apparentemente aspecto grandioso;<br />

mas este especto é enganador, porque, quando examinada<br />

nas occasiões de baixa-maré, sào os extensos e medonhos<br />

parceis lodosos, e enorme superfície de aguas de pequena<br />

profundidade, na maior parte do tempo immoveis, que<br />

ferem a nossa vista. Parece ver-se um colossal e medonho<br />

pantano, <strong>com</strong>o de facto é, em algumas occasiões.<br />

A bahia de então nada se parecia <strong>com</strong> a de ha 60<br />

ou 70 annos para cá. Outrora, quando percorrida, era<br />

encantadora. Que prazer se devia ter ao avisl»r as lindas<br />

orlas de arvores (mangaes) que em muitos lugares se<br />

estendiáo a 11111, dous, tres c mais kilometros pelas aguas<br />

da bahia, constituindo verdadeira mata marítima, que<br />

encobria totalmente os Iodos, bem <strong>com</strong>o enorme superfície<br />

(1) E' esta a razão da denominação que lhe derão,—liio de<br />

Janeiro.—Rio, porque o aspecto o denotava—de Janeiro, por ser<br />

o mez da descoberta A denominação, portanto, cerrada, porque,<br />

secundo dizem, rios são onze os que desagi ão na bahia, aléai<br />

de mais 94 desaguadouros de maior ou menor importaucia. A floresta<br />

marítima que nada deixava ver,deu lugar ao equivoco.


183<br />

dc aguas pouco profundas! Que bellas c variadas impressões<br />

se sentiriâo, quando navegando pelas embocaduras<br />

dos rios e pelos exlensissimos, tortuosos e profundos<br />

canaes, margeados de mangues e por elles ensombrados,<br />

tanto áquem <strong>com</strong>o além littoral, se divisassem ahi milhares<br />

e milhares de aves de diversas especies! Ahi se<br />

podia ver o corpulento pato real <strong>com</strong> attitudesde philosopho,<br />

as Marrecas e os Irerês, dc todos os tamanhos e côres, tudo<br />

em grupos, que representa vão as respectivas famílias. Lá<br />

estava o João Grande, o Socó-boi, o Socó-gallinha c o<br />

merim — o Frango d'agua e o Maçarico, tão bonitos e tão<br />

esbeltos ; ora escondendo-se entre as folhagens das plantas<br />

aquaticas, ora passeando por baixo dos mangaes. Via-se a<br />

Saracura c a pequenina Sanã, tão ágeis e engraçadas em<br />

seus movimentos, —a Rendeira, a Camachilra, a Pomba<br />

rôla, a Pomba juruty, o Martin pescador, pousado nos ramos<br />

dos mangaes, no exercício da pesca, tão hábil e arteiro<br />

<strong>com</strong>o elle é nesse mister. No ar, pairavão o Atobá e<br />

o Mergulhão, bem <strong>com</strong>o o João-Grande, espreitando as<br />

aguas, para de chofre virem sobre ellas e apanharem os<br />

peixes.<br />

Via-se também o Trinta-réis, na mesma faina, e depois<br />

os Diz-meiros a persegui-los no vôo, para os cansar,<br />

obrigando-os a largar o que havião pescado, aproveitandose<br />

por este modo do produeto da industria c trabalho<br />

alheios. Vião-se as esbeltas Garças <strong>com</strong> seus longos c delgados<br />

collos e seus modos senhoris, e os bandos de Gaivotas<br />

dc diversas especies; emfim, todos essas aves, que<br />

existião em grande abundancia, na faina dc alimentar-se,<br />

sanificando e policiando as aguas.<br />

Que interessante devia ser, ver debaixo da mata ma-


180<br />

ritima (mangaes), numerosas tribus de carangueijos de<br />

todos os tamanhos e variadissimas especies e typos, devorando<br />

tudo o que encontravão ! Ver entre elles o denominado<br />

urutu ou macaco, de côr avermelhada, saltando de<br />

ramo em ramo dos mangaes, sem duvida para devorar as<br />

larvas! Ver também os denominados marinheiros, trepando<br />

pelos ramos das arvores, igualmente em procura das larvas<br />

e bichinhos; cumprindo, tanto uns <strong>com</strong>o outros, e todos, a<br />

mesma missão de purificar as aguas, de salvar a vegetação,<br />

protegendo-a contra os seres destruidores.<br />

Que arrebatamento se devia sentir, quando na proximidade<br />

dos mangaes, se ouvisse cantar o Sabiá nos<br />

ramos das aroeiras, que os attrahem <strong>com</strong> os seus pendões<br />

de pequeninas fruetas, muito apinhadas, e <strong>com</strong>o se fossem<br />

feitas de lacre escarlate! Como seria agradavel ouvir<br />

também alli o canto dos Colleiros c de muitos outros passarinhos,<br />

todos mimosos, tanto na voz <strong>com</strong>o na plumagem !<br />

Como seria encantador vêr as lindas Sahiras c também<br />

o pequenino Bico-de-lacre, o Ja nua rio de África, aqui<br />

acclimado!<br />

Que estranha e extraordinaria impressão devia sentir-se,<br />

ouvindo o grito estridente do Bem-te-vi, a<strong>com</strong>panhado<br />

do de outras aves, e ao mesmo tempo, uma avesinha<br />

dizer em tom melancolico de máo agouro — Tempo quente!<br />

Tempo quente ! o canto monotono da Saracura (t i-potetri-pote),<br />

c o Soeò-merim, que, quando pequenino repete<br />

— Muniz-Muniz! E ao romper do dia, ouvir lá<br />

nos ramos dos mangaes 011 das arvores que lhes succedião,<br />

um passarinho, <strong>com</strong>o que a despertar a adormecida<br />

<strong>com</strong>panheira, pronunciar o doce nome : — Maria !<br />

Maria ' acordai que è dia 1 Escutar, emfim, tudo isto,


181<br />

c, ao mesmo tempo, sentir o estalido ou crepitação<br />

constante de sons diversos, produzidos pelos molluscos<br />

ao abrir e fechar as respectivas conchas ! Todo esse<br />

enorme concerto, em que reunidas se a chavão a alegria e<br />

a melancolia ; concerto <strong>com</strong>posto dos cantos melodiosos de<br />

umas aves, trinados de outras, do piar, chilrar, assobiar,<br />

grasnar c do quasi fallar dc alguns dos plumosos habitantes,<br />

do sussurro produzido pelos molluscos dentro do<br />

lodo coberto pelos mangaes, todo esse concerto devia, sem<br />

duvida, causar estranheza aos que taes cousas virão e<br />

ouvirão.<br />

Era um encanto ! E tudo isso não era mais do que a<br />

obra de Deus, era a natureza em todo o seu esplendor c<br />

harmonia.<br />

Quão deleitoso não devera ser. tomar parto em innocente<br />

pescara! Que alegria ao ferra r <strong>com</strong> o anzol o lindo,<br />

saboroso e delicado lladcjctc, os Mixollos, as Coró-corô-cas,<br />

Canhanhas, Carapicús e outros muitos peixes, que então<br />

abundavão, e, no meio de tudo isto, apanhar um Bayacúmerim,<br />

ou Ara, depois delle iá ter cortado <strong>com</strong> os dentes,<br />

mais de um anzol e habilmente devorado a maior parte<br />

das iscas; e ve-lo ainda dilatar o papo todo estrellado,<br />

roncar fortemente, c querendo morder ! Igualmente deleitoso<br />

devia ser assistir ao trabalho exercido pelos pescadores<br />

de profissão; ver a variedade e abundancia dos productos<br />

colhidos; que então representavão enorme riqueza.<br />

Devia ser um bonito e innocente divertimento, penetrar<br />

debaixo de um Mangai, em que o lodo já estivo-se em<br />

adiantado estado de solidificarão, e lá em pequenas poçase<br />

caldeiras d'agua fresquissima c pura. resto da vasante, encontrar<br />

os camarões de diversos tamanhos, que, descuido-


182<br />

sos, isto é, que não havião a<strong>com</strong>panhado as aguas na retirada,<br />

e que esto vão por isso condemnados a ser devorados<br />

pelas aves aquaticase pelos manhosos carangueijos.<br />

Como era divertido e util passatempo tentar apanhalos<br />

á mão eelles a fugirem, dando grandes pulos; segirlos,<br />

cahir aqui, cahir acolá, mas por lim.sahir triumphante<br />

por ter apanhado boa porção delles. Colher no mesmo lugar<br />

os saborosos mariscos de dedo (mexilhões pequenos), que<br />

enredados nas rai/es dos mangues, abi progiediào, bem<br />

<strong>com</strong>o as ricas ostras, os carangueijos c outros mariscos,<br />

todos excellentes para a alimentação, porque erão cheios<br />

de vida e saúde !<br />

Descobrir junto ao tronco dos mangues um orifício<br />

<strong>com</strong> agua azulada, introduzir abi o braço e apanhar o<br />

peixe Maria da (oca, a que impropriamente denominão<br />

Mor ca, peixe finíssimo e muito saboroso. (1) Voltar depois<br />

para casa, cheio de contentamento, todo pintado de lodo<br />

preto até os olhos, e a família recebê-lo rindo-se do seu<br />

estado, porém contente, por ver que o samburá que levava<br />

no braço estava cheio de camarões ainda vivos e outros<br />

productos da floresta piscosa !<br />

Não haverá ainda alguém que se lembre, quando<br />

joven, de ter feito uma destas excursões ? Creio que sim!<br />

Devia, também, causar grande satisfação, penetrar nos<br />

vastos territorios que rodelão a bahia, todos cortados pelos<br />

rios e innumeros canaes e riachos, tudo defendido pelos<br />

mangaes, tanto no littoral, <strong>com</strong>o na larga faxa ás margens<br />

fiuviaes, e isto até algumas léguas pelo interior.<br />

(1) Informâo-me que em alguns pontos do Xorle, o nome<br />

dado pelos indígenas a e«te peixe é—More, Talvez que se :a<br />

isso a origem de chamar-se, entre nós, Moréa.


183<br />

Não menos agradavel seria observar também <strong>com</strong><br />

attenção esses terrenos, que por accumulo da vasa lodosa<br />

arêas, etc., forão 110 correr de muitos séculos conquistados<br />

solidificados e saneados pelos mangaes.<br />

Estes terrenos em alguns lugares acbavão-se cobertos<br />

por diversas especies de arvores, que havião succedido ás<br />

conquistadoras; em outros plantados de canna de assucar,<br />

de anil, dc toda a casta de cereaes e também utilisados<br />

pela industria pastoril. Yião-se, igualmente, por esses lugares<br />

e mais para o littoral, os Sambnqtiis, esses grandes<br />

accumulos de conchas de um sem numero de qualidades de<br />

mariscos c de ossos dc animaes mortos, através de milhares<br />

de annos, e que forão queimados <strong>com</strong> a lenha do Mangue<br />

para fabrico da cal.<br />

Via-se grande numero de ilhas que existem dentro da<br />

bahia, rodeadas de mangaes. e algumas quasi por elles<br />

escondidas. Kodcando-as, encontrava-se o porto, que na<br />

maior parte era de branca areia ; então, podiáo-se vôr as<br />

armações de pescaria, a satisfação em que vivião seus<br />

habitantes, <strong>com</strong> a abundancia de meios fornecidos pela<br />

industria da pesca e também pela producçáo das hortas e<br />

arvores frutíferas, que muitas havião então. Assistindo<br />

nessas ilhas ás brincadeiras do domingo e dias santiíieados,<br />

a cilas apropriados, via-se a grande quantidade dc amigos<br />

e conhecidos que da cidade para lá iao passar esses dias,<br />

em entretenimentos innocentes.<br />

A bahia do Rio de Janeiro era o maior e mais bello<br />

jardim do mundo; era o laboratorio das riquezas, da saúde<br />

c vida de nossos antepassados. Um só defeito tinhão os<br />

mangaes; erão os terríveis mosquitos, que em certas horas<br />

não consentiuo que ninguém se approximasse dos seus


184<br />

lares; por que mordião sem dó ! Os Iodos descortinados,<br />

porém, têm mosquitos ainda pciores.<br />

Isto o passado ; agora o presente :<br />

Em vez da grande floresta marítima constituída pelos<br />

mangaes, temos vasta superfície de Iodos descortinados<br />

daquella floresta, exposta aos ardores dos raios solares e<br />

cheia de myriadas de seres, que em certas quadras de alguns<br />

annos, são mortos pela acção abrazadora do sol, e se<br />

de<strong>com</strong>põem ; temos os rios e canaes na maior parte obstruídos<br />

pelo lodo e innavegaveis, quando as aguas se afastão<br />

da bahia. Temos, enfim, em muitas occasiões a bahia<br />

transformada, <strong>com</strong>o já disse, cm colossal pantano, productor<br />

dos terríveis e mortaes niiasmas palustres mixtos.<br />

As aves e carangueijos que se desenvolviáo, protegidos<br />

pelo cnsombramento dos mangues e boa qualidade das<br />

aguas, desapparecerão quasi na totalidade; as aves de<br />

arribarão nos abandonarão na maior parte e até o Atobá e<br />

o Mergulhão, temem vir pescar nesta bahia, transformada<br />

algumas vezes em cemiterio colossal.<br />

Como a devastação dos mangues, <strong>com</strong> as redes destruidoras<br />

e o destruidor dynamite, diminuio sensivelmente<br />

a quantidade e variedade de peixes; perderão estes a<br />

sanidade; porque as aguas estragadas têm em si elementos<br />

toxicos, provinientes da putrefacção operada nos parceis<br />

lodosos em alguns verões, quando <strong>com</strong> marés baixas coincidem<br />

ventos que embargão na barra a entrada do oceano,<br />

para as renovar.<br />

Faz dó ver, em muitas occasiões, lindas corvinas e<br />

outros peixes finíssimos, nadando, <strong>com</strong> a cabeça fóra da<br />

agua, soflrcndo terrível agonia e. repentinamente, voltarem<br />

o ventre para cima e morrerem. Tal é o estado das aguas !


1*5<br />

Desapparecerão certas qualidades de mariscos e entre<br />

ellas o Tamatim ; outras diminuirão e em certas quadras<br />

tornão-se perigosos <strong>com</strong>o alimento, do mesmo modo e<br />

pela mesma razão apontados em relação aos peixes.<br />

Outrorasó se via pescar <strong>com</strong> instrumentos permittidos<br />

pela lei, e agora, vemos, os arrastões, os cêrcos, o cae-cae e<br />

a dynamite, destruindo a criação dc peixes, despovoando<br />

as aguas da bahia, roubando a alimentação do povo e reduzindo<br />

os pescadores á miséria.<br />

Em vez de uma atmosphera equilibrada, rica de<br />

princípios reparadores, em vez de uma alimentação local<br />

abundante e saudavel, temos uma atmosphera por longos<br />

períodos desiquilibrada, temos na bahia o silencio do<br />

cimiterio. O laboratorio das riquezes da saúde e vida de<br />

nossos antepassados, estã agora transformado em laboratorio<br />

de pobreza, de miséria, podridão e morte.<br />

Em vez das terras baixas de além littoral se encontrarem<br />

em parte cobertas de arvores, que succedèrão aos<br />

mangaes conquistadores, e em parte rotcadas, e bem utilisadas,<br />

dando abundantes productos e immesas riquezas,<br />

vemos esses campos, quasi todos <strong>com</strong>postos de humus e<br />

calcareos, <strong>com</strong>pletamente abandonados, desnudados das<br />

matas, alagados e, na maior parte dos annos, pestiferos.<br />

Essas terras, <strong>com</strong>o já disse, erão a lenta conquista realizada<br />

Pelos mangaes.<br />

Emquanto esses mangaes forão conservados, tudo<br />

corria perfeitamente; logo, porém, que a derrubada attingio<br />

a um certo gráo, <strong>com</strong>eçou a insalubridade e o abandono.<br />

Outr'ora, os mangaes fizerão enormes conquistas sobre<br />

o mar; agora, o mar procura apoderar-se do que lhe havia<br />

24


190<br />

sido tirado. Em muitos lugares as aguas estão diluindo e<br />

espargindo as terras conquistadas, o que é horrível, porque<br />

a bahia vai assim sendo obstruída em sua maior parte.<br />

Em vez de ilhas florescentes, todas habitadas e em<br />

que reinava o contentamento, vemos agora um grande<br />

numero dellas desertas, rodeadas na maior parte de lodo<br />

desnudado, algumas parcialmente destruídas pelo marc em<br />

certas occasiões expostas a um tal calor, que impossível é<br />

alli o demorar-se, ao passo que no inverno rigoroso o frio é<br />

tal que custa a supporta-lo; tudo por falta dos mangaes.<br />

No entanto, todas as riquezas perdidas, bem <strong>com</strong>o<br />

toda a opulencia e esplendor da bahia, a harmonia geral,<br />

equilíbrio e purificação das aguas e da atmosphera nesta<br />

zona, podem voltar em poucos annos; basta que os homens<br />

da sciencia indiquem a necessidade da restauração da mata<br />

marítima, do precioso e providencial Mangue.<br />

Dirija o povo suas preces ao Ente Supremo, para que<br />

inspire esses homens; por que Elle é infinitamente bom.<br />

Então, as camaras municipaes possuirão posturas que<br />

autorizem o seqüestro da lenha de Mangue em todos os<br />

lugares onde fôr olíerecida á venda ; e as redes destruidoras<br />

da criação dos peixes e dos mariscos, serão consideradas<br />

instrumentos attentatórios do bem publico. Ninguém<br />

poderá possuir taes rOdes, a não querer que a autoridade<br />

lhe possa varejar a casa para sequestra-las e queimar. Não<br />

se pôde acreditar que um cidadão possua uma rede que importa<br />

em centenas de mil réis, simplesmente por ostentação<br />

; se a possue, é para <strong>com</strong> ella <strong>com</strong>metter um crime.<br />

Virá também uma lei que prohiba as caçadas dentro<br />

da bahia, e 110 littoral, poupando assim a vida das aves<br />

aquaticas, tão úteis c absolutamente indispensáveis nesta


187<br />

zona, para o equilíbrio e saneamento das aguas e conseqüente<br />

pureza dos ares.<br />

Só por estes meios se podem vedar os abusos que<br />

aponto e que por verdadeiramente selvagens são uma<br />

offensa, se não um desmentido á nossa civilisação.<br />

Quanto á vasa lodosa, que só áquem littoral tem uma<br />

superfície de mais de trinta legoas quadradas, não incluindo<br />

a que nas vasantes fica coberta apenas <strong>com</strong> uma<br />

camada de agua de 1 a 2 palmos, pensar cm conquista-la,<br />

a não ser <strong>com</strong> os mangues, é grande erro. A maior parte<br />

dos morros e montanhas que nos cercão, quando transferidos<br />

<strong>com</strong>o aterro para cima dos lodaçaes, não conseguirião<br />

fazer parar o trabalho da natureza ; verdadeiro tormento<br />

de Svsipho, os Iodos se renovarião eternamente.<br />

(Artigo publicado no Jornal do Commercin, de 8 de<br />

Novembro de 1887.)


VIII<br />

Ao terminar esta já tão longa e enfadante serie de<br />

artigos, vou ainda tratar da interessante questão da pesca,<br />

Constitue esta industria um dos mais importantes elementos<br />

de alimentação e riqueza das nações banhadas pelo<br />

oceano, ou cortadas pelos rios. E' ella das maiores industrias,<br />

em que se emprega a actividade humana ; depois da<br />

agricultura, é talvez a que maior numero de braços occupa.<br />

Da classe dos pescadores, emfim, são tirados os melhores<br />

marinheiros das nações.<br />

Paizes ha, <strong>com</strong>o o norte da França, Bélgica, Ingla*<br />

terra, Noruega, Hollanda, Terra-Nova e a China, em que a<br />

industria da pesca avulta no movimento <strong>com</strong>mercial e se<br />

eontáo por centenas de milhões os productos. No Brazil, já<br />

as armações de pesca occupárão milhares de braços, e<br />

ainda restão no Pará, nas immediações da Bahia, na Capitania<br />

e em Santa Catharina, os vestígios do que foi entre<br />

nós esta industria.<br />

Ainda mais, os peixes salgados do Rio Grande do Sul,<br />

Desterro e Cabo-Frio, contribuem annualmente <strong>com</strong> fortes<br />

quantidades para a alimentação publica das províncias. No<br />

Amazonas, pôde dizer-se que a maior parte da população<br />

vive do pescado de suas ribeiras.<br />

Nesta zona, a sorte da pescaria, <strong>com</strong>o já tive occasião<br />

do dizer, acha-se intimamente ligada á das matas mariti-


190<br />

mas, constituídas pelos mangaes: sem ellas o peixe nSo pôde<br />

procrear, e nem a sanidade pôde ser garantida. Diversas<br />

especies de peixes e mariscos, que em nossas aguas devem<br />

desenvolver-se em grande quantidade, mal podem progredir,<br />

já pela falta de emsombro onde demorem emquanto<br />

pequenos; já pela diminuição ou escassez das algas, já<br />

porque as aguas que cobrem os parceis lodosos, canaes<br />

e alagadiços, por expostas aos raios solares, tornão-se, em<br />

algumas épocas, verdadeiramente pútridas, matando-os,<br />

diminuindo assim a procreação e enfermando-os de tal<br />

modo, que os torna perigosos <strong>com</strong>o alimento.<br />

A diminuição dos crustáceos e dos mariscos de concha<br />

torna-se cada dia mais sensível, concorrendo para tão grande<br />

mal mais de uma causa. Os grandes carangueijos pretos<br />

não podem procrear <strong>com</strong> facilidade, em virtude da falta<br />

dos mangaes, debaixo dos quaes, em tócas mais ou menos<br />

profundas, construídas nos Iodos não diluídos e ensombrados,<br />

elles se desenvolvião e multiplicavão de modo assombroso;<br />

e os poucos que relativamente se crião, são quando<br />

pequeninos, na maior parte, destruídos pelas rêdes.<br />

Outros muitos crustáceos vão também tornando-se<br />

raros. O bonito carangueijo denominado gtiayá é raramente<br />

encontrado e o guagamú tem desapparecido de<br />

muitos pontos do littoral. Esta ultima especie construe<br />

seus aposentos na terra firme, junto aos mangaes e é muito<br />

util á hygiene das aguas, em virtude de sua voracidade e<br />

por ser dotado de grande força para 'cortar os detrictos<br />

mais resistentes. E* tão voraz, que invade os quintaes das<br />

casas para devorar os productos das hortas e a criação<br />

quando pequena. Cumpre prevenir ás pessoas que fóra<br />

daqui lerem o que acabo de escrever, que os guayamtiv


191<br />

de que constantemente tratao as folhas diarias desta côrte<br />

não são os crustáceos de que me occupo e sim uma outra<br />

especie, que segundo as mesmas folhas, se tem desenvolvido<br />

em grande escala dentro da cidade. Estes guayamús<br />

são homens brigadores, representando um grupo, que vive<br />

constantemente em luta <strong>com</strong> outros grupos denominados<br />

nagôas e os dissidentes coroados. Ao que parece, emquanto<br />

os guayamús de que trato diminuem no littoral, vão estes<br />

tendo grande desenvolvimento dentro da cidade, talvez por<br />

encontrarem meio apto á sua existencia. Ha até quem<br />

diga, que por certas questões de equilíbrio, elles têm a<br />

multiplicação garantida.<br />

Quanto aos mariscos de concha, a sua diminuição é<br />

também cada dia mais sensível. As ostras que se criávão<br />

debaixo dos mangues, ficão agora expostas aos raios solares<br />

immersas em lodo podre : a sua multiplicação é diminuta<br />

e são doentias, e as que se desenvolvem nas pedras, em<br />

aguas mais profundas, que algumas vezes estão em péssimo<br />

estado, as matão ou as fazem adoecer. Além disto, a colheita<br />

sem methodo, fará <strong>com</strong> que este precioso mollusco<br />

tenda a extinguir-se.<br />

Outros mariscos de concha, entre elles o tamatim,<br />

estão quasi extintos, e a itarioba (ameijoa) vai pelo mesmo<br />

caminho ; em virtude do mão estado das aguas em certas<br />

quadras. Este marisco procria e móra na saudavel areia, e<br />

<strong>com</strong>o esta não é coberta por mangues, que a ensombrem,<br />

foi dotado de meios de lo<strong>com</strong>oção afim de não ser victima<br />

dos ardentes raios solares. Ao romper do dia é este marisco<br />

encontrado a tres e quatro centímetros da superfície<br />

da areia ; logo, porém, que os raios solares os atacão <strong>com</strong><br />

mais vigor, abrem a respectiva concha, e servem-se de


192<br />

ama antema, <strong>com</strong> a qual cavão na areia, e lá vão por ella<br />

abaixo até onde querem.<br />

Não obstante, porém, a sua organização apropriada ao<br />

meio, nem sempre tem a vida garantida ; porque as aguas<br />

saturadas de princípios toxicos gerados nos Iodos descortinados,<br />

lá as vão atacar c as matào em grande quantidade<br />

nas suas jazidas. O samanguaid, cuja reproducção era prodigiosa,<br />

já hoje em muitas paragens é raro. Só o mexilhão<br />

apresenta desenvolvimento considerável, e isto tanto nos<br />

lôdos, <strong>com</strong>o nas corôas ; o que é altamente perigoso, por<br />

que o calor dos raios solares os mata. e as suas emanações<br />

pútridas são das mais terríveis.<br />

As lulas, producto marinho, tão estimado e que outr'ora<br />

abundáváo, são agora muito escassas sem duvida por<br />

serem destruídas pelos arrastões.<br />

O proprio peixe de corrida, 011 arribação, não fixa residência<br />

em nossa bahia, por não a encontrar ensombrada<br />

pelos mangues, e nem tão pouco as suas aguas sanificadas<br />

por elles.<br />

Estes peixes procurão por todos os modos sahir para o<br />

oceano, em busca de bahias ou enseadas, onde encontrem<br />

sombra c aguas puras. A maior parte dos cercados ou curraes,<br />

levantados na bahia, erão destinados a attrahir e<br />

prender esses peixes, na entrada ou na sabida. Os cercados<br />

tinhão este lado bom; mas tinhão outros prejudiciaesá<br />

industria da pesca, quando construídos em lugares impróprios.<br />

Entretanto, não se pôde prescindir desses instrumentos<br />

de pesca, pois são elles que em certas quadras<br />

fornecem ao mercado grande quantidade de peixe.<br />

E' infelizmente, no tempo de verão, que mais abundancia<br />

ha de peixe e camarão; e em alguns annos, tal é o es-


103<br />

tado pútrido das aguas, que esses produtos constituem,<br />

<strong>com</strong>o alimento, um grande perigo para certas <strong>com</strong>pleições,<br />

perigo este que maior se torna, quanto maior é a quantU<br />

dade que entra para o consumo da população. Para maior<br />

infelicidade, coincide a Quaresma e a Semana Santa <strong>com</strong> a<br />

quadra de regular abundancia e maior procura daquelles<br />

productos; quadra, quedados certos phenomenos, os tornão<br />

improprios <strong>com</strong>o alimento.<br />

Quando existia a mata marítima, não se passavão<br />

assim os factos, porque os productos erão perfeitamente<br />

sãos. Entretanto, é necessário, ó indispensável, augmentar<br />

e garantir, por todos os modos, a reproducção do peixe e<br />

mariscos. Para isso se obter, porém, é imprescindível a<br />

restauração da mata marítima, <strong>com</strong>o imprescindível cila<br />

é para garantia da sanidade. E' urgente, pois, cuidar simultaneamente<br />

dessas duas grandes questões, que se achão<br />

tào intimamente ligadas e que bem podem ser consideradas<br />

questões de salvação publica. Abandona-las, deixando de<br />

equilibrar a atmosphera e de repovoar as aguas, é descuido<br />

que olíende á Divindade previdente, e á sociedade ameaçada.<br />

Tenha-se o maior cuidado e rigor no exame do peixe<br />

c mariscos ollerecidos ao consumo ; marquem-se as horas<br />

cm que esses productos podem ser vendidos; o modo por<br />

que devem ser acondicionados e conduzidos pelos vendedores;<br />

indague-se de sua procedencia e qualidade, einquanto<br />

não fôr restaurada a mata marítima ; mas nào se<br />

descuidem aquelles a quem isto <strong>com</strong>pele, de deixar de<br />

concorrer <strong>com</strong> medidas que garantão a sua reproducção e<br />

sanidade, a titulo de que esses productos possão ser vehi-


105<br />

lei, para levar a termo o louvável intento de prestar um<br />

grande serviço ao povo, aos pescadores e ao paiz. A mesma<br />

autoridade tem igualmente procurado acabar <strong>com</strong> o<br />

barbaro uso da dynamite, mas pouco ou nada ha conseguido.<br />

Até em pleno dia, bombas têm sido lançadas na<br />

praia do Flamengo e em outros pontos do littoral, <strong>com</strong> a<br />

maior aíTronta para os que taes barbaridades presencião.<br />

Isto nào deve continuar assim, por que depõe muito contra<br />

a indole e costumes do povo.<br />

Ninguém, seja qual fôr a posição na sociedade, pôde<br />

praticar taes crueldades, ou proteger os que as praticâo.<br />

Demais, estas crueldades muito prejudição ao povo e a<br />

uma das mais importantes industrias. Inste a Gamara<br />

Municipal <strong>com</strong> o governo para que a Capitania do porto<br />

seja dotada de todos os meios de que necessita; vá a<br />

Camara em auxilio da Capitania do porto, gratificando<br />

generosamente aos pescadores e capatazes que seqüestrarem<br />

as redes, que tudo se acabará promptamente.<br />

As despezas feitas <strong>com</strong> as gratificações concedidas pela<br />

lei, serão amplamente <strong>com</strong>pensadas.<br />

Se dentro da bahia se dao taes abusos, e são praticadas<br />

taes barbaridades, lá fóra da barra, o mal é, talvez,<br />

igual, se não maior.<br />

Lá, as redes, em certas épocas do anno, realisão não<br />

pequena destruição e afugentão algumas qualidades de<br />

peixes, que muitas vezes só voltão passados alguns annos.<br />

A dynamite, segundo me informão, trabalha incessantemente<br />

<strong>com</strong>o instrumento de pesca, sende enormes as destruições<br />

feitas por esse terrível explosivo, que, além dos<br />

males que produz, matando myriadas de peixes ainda sem<br />

desenvolvimento, afugenta outros para sempre. Ainda


106<br />

mais, o peixe morto pela dynamite entra rapidamente em<br />

de<strong>com</strong>posição.<br />

Para ter-se certeza do que exponho sobre a pesca pela<br />

dynamite, fóra da barra, e dos elleitos produzidos pela explosão<br />

desta substancia, examine-se todo o peixe que do<br />

alto mar vem ao mercado, e se verá que cm alguns delles, a<br />

parte exterior do ventre tem côr azulada; que na boca não<br />

tem signa! de ler ferrado anzol, nem tão pouco a marca,<br />

em forma de annel, próxima á guelra ; marca que as redes<br />

deixão aos que cahiráo nas respectivas malhas. Aquelle<br />

primeiro signal, junto á ausência destes dous últimos, constituo<br />

indicio certo do modo barbaro, pelo qual forão colhidos.<br />

Examinados estes peixes, encontrar-se-hão os intestinos<br />

mais ou menos dilacerados e a maior parte do sangue<br />

aocumulado na espinha dorsal.<br />

A dynamite é de uma superíluidade dc acção horrível.<br />

Basta saber-se que, quando uma bomba faz explosão dentro<br />

d'agua, e se apanhão dez ou doze peixes de tamanho regular,<br />

por virem á tona, milhares delles das mesmas dimensões,<br />

além dc milhões dos mais pequeninos, ficão<br />

mortos no fundo do mar; sendo mais tarde em parte, arrojados<br />

ás praias, para lá apodrecerem e inficcionarem o ar,<br />

<strong>com</strong> emanações pútridas e das mais perigosas para a vida<br />

do homem. Os peixes que escaparão á medonha explosão,<br />

fogem espavoridos e na maior parte das vezes, os de sua<br />

cspccic, não voltâo mais á zona, em que taes crueldades<br />

slo praticadas. Entretanto, tenho ouvido muita gente dizer<br />

(da bem aquinhoada) que tudo isto dc nada vale, porque<br />

nossas aguas são muito ricas dc productos....<br />

Esta maneira dc pensar ou de evitar canseiras de<br />

pensamento, ca usa-me séria tristeza, porque o optimismo


107<br />

levado a tal ponto, contitue grave perigo para a humanidade<br />

e para a patria.<br />

O que todo o homem philantropo e sincero deve dizer<br />

é que poderemos ter, <strong>com</strong> as regulares cautelas, peixes e<br />

mariscos saudaveis, e em quantidade tal, <strong>com</strong>o em parte<br />

alguma ; e nunca o contrario disto.<br />

A liscalisação da pesca entre nós diííere em muitos<br />

pontos da dos outros paizes. Lá. nesses paizes, além da<br />

vigilancia exercida sobre os pescadores nas aguas de domínio<br />

territorial, afim de obstar á natural tendencia para<br />

o abuso, torna-se necessaria constante vigilancia para que<br />

nào scjào essas aguas invadidas pelos pescadores de outras<br />

nacionalidades, que, persuadidos de não resultar mal<br />

algum á sua zona, praticáo as maiores depredações, sem<br />

calcular que o mal feito por elles em aguas que lhes nâo<br />

pertencem, cedo ou tarde tem de reflectir-se nas suas<br />

próprias.<br />

Entre nós, quasi desnecessário é vigiar as linhas divisórias<br />

das aguas das províncias, porque, cm geral, os<br />

pescadores nào se achão apparelhados para excursões<br />

muito longínquas; —mas temos que x igiar, e <strong>com</strong> o maior<br />

cuidado e rigor, as aguas de domínio territorial, porque<br />

são ellas tratadas <strong>com</strong>o ser ão por invasores. Infelizmente,<br />

os exploradores da industria da pesca, <strong>com</strong> redes destrui -<br />

doras, dentro da bahia, sào quasi na totalidade homens<br />

que nunca forão pescadores; e sim, em grande numero,<br />

indivíduos em transito, que o que querem é ganhar a vida,<br />

pouco se importando <strong>com</strong> o bom ou máo futuro do lugar,<br />

onde lograrão fortuna : são cmfim, indivíduos sem família.<br />

Se o uso das redes destruidoras dos peixes, camarões, etc.,<br />

fór eflicazmcnte vedado, quasi todos os que exercem essa


202<br />

industria se retirarão do lugar ou passarão a ser serventes<br />

de pedreiros, chacareiros, etc., etc., mas nunca pescadores,<br />

porque de tal arte nada sabem. No mesmo caso estão os<br />

que, fóra da barra pescão <strong>com</strong> dynamite e <strong>com</strong> as redes<br />

que afugentão os peixes.<br />

Os inimigos da industria da pesca, estão, pois, vivendo<br />

no proprio recinto, occupado pela nossa população. Os<br />

americanos que vêm piratear nas aguas da Nova-Escossia,<br />

são entre nós os adventicios, abrigados á sombra de nossas<br />

ilhas e angras. Vivem, emfim, nas próprias aguas, cm que<br />

praticão as depredações. No entretanto, esses homens, têm<br />

tido mais de uma vez alguns defensores, o que custa a<br />

acreditar.<br />

E não é só isto : ha cinco ou seis annos. mais de um<br />

pescador me disse que julgava existirem indivíduos que<br />

viviáo de advogar os interesses dos poveiros. Não dei<br />

credito a tal boato, por me parecer que tinha elle origem<br />

no estado de desespero dos pescadores, por se verem privados<br />

de ganhar o pão para a família.<br />

Antigamente, quando os parceis lodosos se achavão<br />

encobertos pelos mangaes, e os canaes, rios e mais paragens<br />

aquaticas, esta vão por clles ensombrados, os peixes<br />

de arribação, principalmente a tainha, que na maior parte<br />

vem do Rio Grande do Sul, alli fica vão, havendo-as em<br />

abundancia, quasi todo o anno, e geralmente gordas e<br />

saudaveis. Agora está tudo mudado. Esses peixes, desde<br />

que foi destruída a mata marítima, não querem acudir<br />

aqui em abundancia, <strong>com</strong>o outrora ; coque entra a barra,<br />

procura rapidamente sahir. Só os que possuem cercados<br />

as podem utilisar, nas épocas cm que ellas entrão dc corrida,<br />

ou aa 3ua retirada.


203<br />

Quando a mata marítima existia, pouca necessidade<br />

havia de construir cercados; porque debaixo das arvores,<br />

em muitos pontos do littoral e das ilhas, se podiào<br />

construir magníficos viveiros. Hoje, os cercados, <strong>com</strong>o já<br />

disse, são indispensáveis para o abastecimento da cidade.<br />

São elles que fornecem a sardinha ao povo para alimentar-se<br />

e aos pescadores para iscarem os anzóes, visto que<br />

as apanhadas pelas redes, não se prestâo para esse fim, por<br />

se diluírem facilmente. Quando nào lia sardinhas, grandes<br />

são as dilficuldades <strong>com</strong> que lutào os pescadores.<br />

Urge, pois, que medidas rigoiosas sejào tomadas, para<br />

que este estado de cousas, tanto dentro da bahia, <strong>com</strong>o<br />

fóra da barra, tenha prompto termo.<br />

Faz dó ver os pobres laboriosos e honrados pescadores,<br />

na maior parte carregados de numerosa família, que trabalbâo<br />

<strong>com</strong> apparelhos legacs, faz dó, repito, ver o estado de<br />

pobreza, a que se achào reduzidos. O maior numero delles,<br />

depois de estarem uma noite inteira a trabalhar sobre as<br />

aguas, de lá voltáo sem produeto algum de seu trabalho, ou<br />

se alguma cousa trazem, mal lhes chega para dar café c<br />

pão á família. Os arrastões, cercos e outras redes, tudo<br />

apanháo e destruem, nas aguas por elles escolhidas, <strong>com</strong>o<br />

mais piscosas.<br />

Se uma ou outra vez suecede abundar o peixe e camarão<br />

em algumas paragens, os poveiros lego o sabem, e<br />

lá váo em qualquer noite, muito escondidos e tudo destróem<br />

<strong>com</strong> as terríveis redes.<br />

As redes destruidoras sào tào poderosas, que até fogões<br />

velhos, camas de ferro usadas e outros objectos lançados<br />

nos canaes e 110 fundo do mar, pelos pescadores, <strong>com</strong> intento<br />

de as embaraçar, sáo por ellas apanhados e arrebata-


200<br />

dos, o depois collocados em boa guarda. Algumas vezes<br />

os pescadores íincáo, no fundo dos canaes, fortes páos, para<br />

ver se assim conseguem afastar os terríveis nimigos.Trabalho<br />

perdido! Os páos são facilmente arrancados. Estas rèdes<br />

malditas, parece que são indcstructiveis, por qualquer lado<br />

que encaremos a questão, e, no entretanto, ellas destróem a<br />

criação dos peixes, camarões, siris, etc., etc., e até a humanidade.<br />

<strong>com</strong> os productos que apanháo em certas épocas de<br />

alguns annos.<br />

Para ver-se que não exagero, basta saber-se que<br />

aquellas rédes, bem <strong>com</strong>o outras, manobrão em aguas de<br />

má qualidade, e quando tirão o lance são levadas para<br />

cima de parceis mais consistentes e coroas cobertas de<br />

Iodos de<strong>com</strong>postos c saturados por grande quantidade de<br />

peixes e mariscos em putrefacçâo. O contado ainda que<br />

por poucos minutos, dos productos colhidos, <strong>com</strong> aquelles<br />

Iodos, os satura de princípios putrcfactos; o que junto ao<br />

seu estado naturalmente doentio, deve causar grande damno,<br />

aos que <strong>com</strong> elles se alimentarem. Demais, nesses lugares,<br />

fica sempre grande quantidade de bayncüs na maior<br />

parte ahi deixados pelas mesmas redes, conjuntamente<br />

<strong>com</strong> milhões e milhões de outros peixes, e camarões pequeninos,<br />

que simultaneamente apodrecem ; e sabido é,<br />

que o bayarú tem propriedades venenosas.<br />

Causa horror ver a quantidade de badejetes, robalos,<br />

linguados, garoupas, coró-coró-cas, canhanhas, pescadas,<br />

corvinas c outros muitos peixes, medindo 1 a ü e 7 centitimetros<br />

de <strong>com</strong>primento, desprezados sobre o lodo e praias<br />

por sua pequenez. Entretanto, esses peixes, poucos mezes<br />

depois, teriào um desenvolvimento tal, que cada um<br />

delles, poderia dar ao pescador que fóra da barra ou na


201<br />

bahia os apanhasse <strong>com</strong> anzol, ou mais. Vô-se, pois<br />

que as destruições feitas pelas redes conderanadas, attingem<br />

a milhares de contos de réis por anuo.<br />

O camarão, produeto tão estimado em toda parte do<br />

mundo, podia aqui abundar de tal modo, que a população<br />

dellc usaria constantemente e a baixo preço; mas as redes<br />

o destróem <strong>com</strong>pletamente. Muitas vezes nem para iscar<br />

os anzóes, os pescadores os apanhão; e é o camarão a<br />

isca predilecta de certos peixes, <strong>com</strong>o é a sardinha de<br />

outros. Eu tenho visto, sobre os parceis e corôas, porções<br />

dc camarões, que representão toneladas de peso bruto,<br />

quasi todos menores de dous centímetros, assim <strong>com</strong>o tenho<br />

encontrado, em muitos pontos das aguas remansadas, superfícies<br />

enormes de lodo, cobertas por elles, mortos ao calor<br />

dos raios solares. Entretanto, este produeto, podia constituir<br />

industria de grande valor.<br />

Os siris são também, pelo mesmo modo destruídos<br />

pelas redes. Não bastava a falta do Mangue, falta que<br />

concorre para que não progridão ; vierão ainda as redes<br />

para os acabar. Este crustáceo, todavia, não só é saborosíssimo<br />

quando gordo, mas é um reconstituinle poderoso<br />

quando levado na agua ao fogo ainda vivo. Até as cascas<br />

deste crustáceo, quando redusidas a pó impalpavel, são de<br />

grande utilidade ás criancinhas fracas. Tudo o que acabo<br />

de expôr é um verdadeiro horror e custa a acreditar que<br />

se pratique, que se consinta.<br />

A salga de peixe e mariscos é também questão dc<br />

grande alcance; não aqui, no Rio de Janeiro, mas em<br />

algumas províncias, onde essa industria vai tomando<br />

incremento. E', pois, necessário ensinar aos pescadores<br />

26


202<br />

ou nos que exercem a industria da salga, o modo scientiíico<br />

de a fazer; indicar-lhes, sobretudo, qual o sal dc que<br />

devem usar, visto que a maior parte das qualidades da<br />

que elles podem dispôr, não serve de modo algum para<br />

esse mister, <strong>com</strong>o não serve para conservar as carnes e<br />

até os couros.<br />

O peixe salgado <strong>com</strong> sal impróprio fica rapidamente<br />

ardido, e é muito perigoso <strong>com</strong>o alimento : tanto elle, <strong>com</strong>o<br />

os mariscos assim conservados, podem ser origem dc<br />

graves enfermidades, entre ellas as eruptivas.<br />

Se os alimentos merecem sérios cuidados dos hygíenistas,<br />

sem duvida os marinhos, são os que devem merecer<br />

a maior attenção; porque constituem, quando cm mão<br />

estado, quer frescos ou conservados, substancias damnosas e<br />

nocivas. Tenho visto famílias de vendedores de peixe, em<br />

estado que parecem cobertas de bexigas, que mais tarde<br />

se tornão em feias pústulas, deixando por longos mezes<br />

manchas na pelle.<br />

Provém este estado morbido de guardarem certos<br />

peixes amanhados, de um dia para outro, envolvidos em<br />

sal, pensando assim conserva-los. Quando depois ingerem<br />

o peixe nesse estado, e o sentem picante, julgão que isso<br />

provém de excesso de sal. Suppondo que as pustulas originadas<br />

por esse mão alimento, são contagiosas.<br />

A alimentação de productos marinhos, <strong>com</strong>o já disse,<br />

é altamente proveitosa em muitos sentidos: torna-se<br />

porém, excessivamente perigosa, quando os productos se<br />

achão alterados. E' muito mais perigoso <strong>com</strong>er peixe ou<br />

mariscos em estado de alteração, do que as carnes dos<br />

animaes terrestres, ou vegetaes em máo estado.


203<br />

Cumpro, pois, estudar, independentemente da restauração<br />

da mata marítima e conseqüente saneamento das<br />

aguas, a índole particular dos diversos seres marinhos,<br />

que entrão na alimentação, afim de conhecer das crises a<br />

que as respectivas organisações dos mesmos se achão sujeitas,<br />

para que os pescadores possão conhecer das épocas<br />

apropradas á colheita deste ou daquelle peixe, ou mariscos<br />

e também para que o povo não faça delles uso nas quadras<br />

impróprias. Peixes e mariscos ha. e dos mais delicados,<br />

que em certas occasiões se fomão impropros para a alimentação.<br />

Tenho \vsfo pe :xes enfermos que parecião do<br />

perfeita saúde : ma :s de um tenho cxanvnado nessas condições.<br />

Cada pe'\e e cada marisco, emfim, tem sua época,<br />

em nue se achão gordos, e. sem duv ;da. é então que elles<br />

são saudaveis e propros para sorver de alimento. Uma<br />

postura, que regulasse esta ;mportante questão, seria de<br />

graw'o utilidade, fe ;tos aturados e sérios estudos a tal<br />

respeito.<br />

Xâo fernvnarei estas considerações, sem lembrar que<br />

se não deve conscnt ;r a oferta á venda de peixe vivo,<br />

porque tirado elle de seu amb ;ente. entra em sofTrimonto<br />

tal o prolonga ?a agonia, que lhe altera a sanidade; bem<br />

<strong>com</strong>o o uso de guardar esses productos em gelo c sal que,<br />

<strong>com</strong>o já disse em 1883. é altamente nocivo á saúde e<br />

attentatóro dos direitos e interesses dos pescadores; e,<br />

portanto, da industria da pesca. Este systema dc conservar<br />

peixe, é, nesta zona impraticável.<br />

Em fim, os abusos ullrapassárão tudo o que se pódo<br />

imaginar; o parece-me que só por me'os muito cnergicoa<br />

ou mesmo violentos, se pôde dc uma vez extirpa-los*


204<br />

Venhão posturas, que autorisem as camaras municipaes<br />

a processar aquelles que forem denunciados <strong>com</strong>o<br />

possuidores das redes prohibidas ; e os que forem vistos<br />

<strong>com</strong> ellas pescar, bem <strong>com</strong>o os que para tal fim se servirem<br />

da dynamite. A lei não permittc que o povo possua certas<br />

qualidades de armas em seus domicílios; pratique-se do<br />

mesmo modo <strong>com</strong> aquelles instrumentos que attentão<br />

contra o bem estar do povo e contra a sustentação de<br />

uma das mais importantes industrias, em que se occupa a<br />

humanidade.<br />

Contar <strong>com</strong> flagrante, para seqüestrar essas redes que<br />

despovoão as aguas da bahia, é concorrer para a multiplicação<br />

desses terríveis instrumentos, que roubão o alimento<br />

do povo e aniquiláo uma das mais úteis industrias, redu-<br />

«<br />

zindo á miséria os que a exercem legalmente. E\ sem o<br />

querer, proteger cem ou duzentos indivíduos, em detrimento<br />

de centenas dc milhares, além de diminuir as rendas<br />

da Municipalidade e Capitania do porto. A bahia do<br />

Rio de Janeiro é enorme, e quasi impossível se torna<br />

policia-la elTicazmente. Como descobrir esses pescadores<br />

dc nova especie, essa verdadeira praga, no escuro da<br />

noite, quando immcrsos na agua <strong>com</strong> as suas redes malditas?<br />

Demais, elles dispõem de indivíduos que os avisão<br />

quando a autoridade se approxima para lhes dar caça, e<br />

nesse caso, largão os terríveis instrumentos no fundo<br />

dos canaes, saltão para as canôas c retirão-se para mais<br />

tarde vir cm busca de suas redes. Causa desagradavel impressão<br />

ver esses verdadeiros piratas das aguas, embarcar<br />

as redes nas canoas, partirem <strong>com</strong> ellas para a pesca e<br />

depois, mesmo era pleno dia, voltarem para terra, sem


14Í5<br />

que cousa alguma se lhes possa dizer. Os cápatazes e o<br />

proprio capitão do porto, podem passar junto ás canôas<br />

carregadas <strong>com</strong> as enormes redes destruidoras do peixe, e<br />

conhece-las: podem assistir ao seu embarque, trajecto<br />

pela bahia, e desembarque, c não tem o direito de as seqüestrar,<br />

por não ser caso de flagrante. Dizem-me mesmo<br />

que ha re<strong>com</strong>mendação, não sei de quem, de só aprehender<br />

taes redes, quando immersas na agua.<br />

Uma lei destas, se é que ha tal lei, assim concebida,<br />

torna-se ridícula; parece até que tem por fim zombar da<br />

gente sensata. No entretanto, se um indivíduo fôr denunciado<br />

de andar <strong>com</strong> armas prohibidas, ou instrumentos que<br />

indiquem intenção de roubo, é preso e processado.<br />

Restaurem-se as matas marítimas e repovôem-se as<br />

aguas da bahia ; prohiba-se a caça e destruição das aves<br />

aquaticas, que a sanifleação da capital do Império apparccerá,<br />

assim <strong>com</strong>o a abundancia de alimentação.<br />

Os pescadores, que aos milhares vivem na mais <strong>com</strong>pleta<br />

miséria, poderão manter-se folgadamente, supprindo<br />

a população de peixe saudavel o a preço baixo.<br />

Estarei em caminho errado ?<br />

Acaso o que tenho escripto, em assumptos concernentes<br />

ao bem estar e hygiene do povo brazileiro, será um amon<br />

toado de futilidades?<br />

O futuro o dirá.<br />

A responsabilidade rccalrrá em quem errou, se erro<br />

existe, e não em mim.<br />

Seja <strong>com</strong>o fôr, espero voltar a este assumpto da hygiene<br />

da natureza, por mira levantado aqui em 1883, isto,


206<br />

se o Jornal do Commercio continuar a ter <strong>com</strong>migo a condesccndencia,<br />

ou para melhor dizer, caridade, que ató agora<br />

tem tido. Se náo •.. não.<br />

(Artigo publicado no Jornal do Commercio, dc 22 de<br />

Novembro de 1887).<br />

% X<br />

FIM<br />

Typographia Imp. e Constit. de J. YiUencuve & C.


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