revista gragoatá 27 - UFF
revista gragoatá 27 - UFF
revista gragoatá 27 - UFF
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Uma Dobra (Neo)barroca: Modernidade, Pós-modernidade e a inversão ideológica do discurso<br />
no melhor contributo teórico da vanguarda relativamente ao<br />
conceito ideológico de barroco. o barroco, longe de ser entendido<br />
nos seus aspectos sociológicos de época ou de cultura da<br />
Contra-reforma, da Inquisição, do Jesuitismo, transforma-se, na<br />
ressemantização dos poetas da década de 60 e 70 em Portugal,<br />
numa arma de resistência e de luta contra o regime salazarista,<br />
que pode apenas reevocar o Seiscentismo na comum característica<br />
de serem ambos períodos sem liberdade de expressão. aos<br />
poetas experimentalistas, para citar Melo e Castro, não interessava<br />
o período histórico em si, dos séculos XVII e XVIII, mas<br />
sim a potencialidade dinâmica da ideia de barroco, sobretudo<br />
à luz de uma perspectiva construtivista-combinatória, centrada<br />
quase exclusivamente nas suas vertentes lúdico-formalistas e<br />
concreto-visuais. No contexto nacional, nas últimas duas décadas<br />
da ditadura salazarista, a inversão ideológica do barroco<br />
torna-se significativa. Por detrás da prática estética barroca, está<br />
um inteiro projecto político moderno que faz com que a poesia<br />
experimental, ao reivindicar o barroco, o torne num instrumento<br />
de abertura e dissolução dos discursos repressivos e coercivos<br />
do Poder. Mesmo quando a prática poética deu lugar à investigação<br />
erudita, como no caso de ana Hatherly, que tentaria<br />
reconstituir uma arqueologia da Poesia Experimental a partir do<br />
maneirismo e do barroco, o problema da legitimação ideológica<br />
do passado, num contexto moderno, continuará a atormentar;<br />
ou melhor, o próprio horizonte contemporâneo de expectativa<br />
reclamará a justificação daquelas épocas. o melhor exemplo de<br />
inversão ideológica provém dos documentos que testemunham<br />
o diálogo entre ana Hatherly e Melo e Castro. Foi este que, numa<br />
carta enviada à autora de A Experiência do Prodígio, datada de<br />
26/10/1983, indicou alguns «reparos a fazer», relativamente à<br />
publicação do volume supracitado:<br />
Não me parece que seja correcto dizer (como está na Introdução,<br />
pág. 13) que: «entre as obras dos maneiristas e dos barrocos<br />
e as dos poetas de vanguarda da segunda metade do nosso<br />
século» se podem encontrar «perturbantes paralelos estéticos<br />
e ideológicos».<br />
Parece-me que quanto aos paralelos estéticos não há dúvida.<br />
Mas quanto aos ideológicos é que não. [...] De facto a ideologia<br />
da Contrareforma não é a nossa hoje nem foi a nossa no período<br />
da resistência à censura do Fascismo – através da escrita e da<br />
desconstrução dos discursos oficiais Impostos.<br />
Parece-me exactamente oPoSta! Mesmo que alguns frades<br />
tenham recheado os seus panegíricos de subreptícias denúncias.<br />
[...]<br />
Julgo que se poderá esquematizar a seguinte evolução:<br />
Niterói, n. <strong>27</strong>, p. 51-80, 2. sem. 2009 69