NZO TUMBANSI DE ITAPECERICA DA SERRA- SP - SIALA
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Nzo Tumbansi: Uma Casa de Tradição e Cultura<br />
Ancestral Bantu<br />
Nganga Katuvanjesi – Jornalista Walmir Damasceno<br />
O Nzo Tumbansi - Kwa Dianda Nzo Ia Tumbansi Twa Nzambi Ngana<br />
Kavungu – sob a direção espiritual do Nganga Kwa Nkissi Katuvanjesi<br />
– jornalista Walmir Damasceno- se coloca como uma casa religiosa<br />
no culto aos Bankissi – divindades congo-angola, e como um centro<br />
de estudos e irradiação da cultura bantu, agregando em seu seio<br />
pesquisadores e estudiosos, que têm como interesse maior a cultura<br />
trazida pelos povos bantu durante os séculos de escravidão.<br />
É uma casa que se esmera em manter suas raízes, raízes herdadas<br />
de Thuenda Dia Nzambi – Maria Genoveva do Bonfim, também<br />
conhecida como Maria Nenê, que recebeu como herança, de seu<br />
iniciador Roberto de Barros Reis, um africano de Cabinda, o atual<br />
Tumbenci de Salvador-Ba. hoje sob a direção de sua herdeira<br />
espiritual e sobrinha carnal, de Thuenda Dia Nzambi, senhora<br />
Gereuna Passos, dijina Lembamuxi, e que é a Nengua atual da casa,<br />
a qual vem administrando espiritual e materialmente com muita<br />
propriedade.<br />
O Nzo Tumbansi não aceita inovações, não coloca em seus rituais<br />
nada que seja estranho à cultura bantu, principalmente à cultura<br />
bakongo (grupo etnolinguístico congo). No entanto entende que o<br />
Candomblé brasileiro, seja de que nação for, é uma criação brasileira<br />
e como tal deve permanecer. Não somos africanistas e sim<br />
candomblecistas. No entanto, tem procurado com afinco livrar-se de<br />
rituais e discursos alheios à nação de congo-angola, buscando aquilo<br />
que realmente é de origem bantu e eliminando de seus rituais,<br />
públicos ou privados, elementos alienígenas a sua cultura, que é de<br />
extrato bantu. Luta com afinco e denodo contra a miscigenação entre<br />
nações, pois entende que o candomblé de congo-angola vem de uma
cultura rica e extraordinária, não necessitando nem da língua, nem<br />
dos rituais, ou das vestimentas de outros grupos religiosos. Busca<br />
incessantemente uma identidade própria de angoleiro, procurando<br />
livrar-se de toda e qualquer influência de outros segmentos<br />
religiosos, sejam eles quais forem.<br />
Entende que a cultura religiosa e a cultura profana se entrelaçam,<br />
sendo impossível ser angoleiro, sem ser bantuísta, isto é entender<br />
nossas origens, nossas raízes, aqui no Brasil e na África. Estudar os<br />
povos bantu é buscar as raízes do candomblé de congo-angola, uma<br />
vez que esse candomblé foi implantado por aqueles oriundos dessas<br />
regiões da África. Dentro da nossa lógica de pensamento, é<br />
impossível querer ser angoleiro, sem conhecer nossas origens no<br />
continente africano, e todos os caminhos trilhados apontam na<br />
direção do mundo cultural bantu, mais especificamente bakongo.<br />
Por essa razão, temos procurado aprimorar nosso vocabulário<br />
litúrgico e de uso geral na casa, assim como procurar entender as<br />
cantigas e rezas, eliminando os elementos da língua que não fazem<br />
parte de uma das línguas bantu, com ênfase no aprendizado do<br />
kimbundo e o kikongo.<br />
Rezas e cantigas fazem parte da herança deixada por nossa matriarca<br />
Thuenda Dia Nzambi, mas que com o tempo e a dinâmica própria da<br />
oralidade, muita coisa se modificou em termos de pronúncia e<br />
melodia. Há um trabalho em nosso Nzo para melhorar as palavras, as<br />
melodias e torná-las mais próximas do original em língua africana.<br />
Não procuramos inovar e sim renovar, dando um novo alento e uma<br />
vestidura bantu as nossas práticas religiosas. Nosso tratamento aos<br />
Bankissi (plural de Nkissi) é feitos todos em línguas bantu (kimbundo<br />
ou kikongo) vestimos nossos Bankissi de acordo com suas<br />
procedências e procuramos, na medida do possível, aproximarmo-nos<br />
das nossas raízes africanas e brasileiras.<br />
Porque não usamos adês nem paramentos de orixás.
A história do candomblé é recente, tem pouco mais de um século,<br />
com otimismo podemos pensar em dois séculos de existência. Nesse<br />
tempo, muita coisa foi criada, introduzida, ou reintroduzida de acordo<br />
com os conhecimentos sobre as terras de origem, de acordo com as<br />
viagens que foram efetuadas de volta ao continente mãe.<br />
Os iorubanos baseados nos itans de ifá, criaram roupas e paramentos<br />
próprios para vestir suas divindades, usando nessas roupas e nesses<br />
paramentos os atributos de cada orixá de acordo com as histórias e<br />
mitos veiculados nos itans. Ogum usa capacete e um facão porque é<br />
um guerreiro, Oxum usa amarelo porque é a senhora da riqueza,<br />
Ossain, como o feiticeiro das folhas se veste de verde e assim<br />
sucessivamente. Cada orixá enverga o traje e carrega os paramentos<br />
de acordo com sua história mitológica e assim deve ser mesmo.<br />
E os bantu praticantes do candomblé de congo-angola? Como<br />
poderiam se vestir, se durante muito tempo o mundo bantu foi<br />
esquecido por eles, se ninguém voltou à África bantu, se não havia<br />
pesquisadores nem curiosos interessados no assunto? A solução foi<br />
lançar mão das roupas usadas pela nação irmã e assim apresentar<br />
suas divindades de maneira bonita e condigna. Nkossi se veste como<br />
Ogum, Dandalunda como Oxum, Katendê como Ossain e assim por<br />
diante. Durante muito tempo isso nos bastou, mas eis que surgiram<br />
as dúvidas. Porque vestirmos nossas divindades dessa maneira, se<br />
são divindades vindas de uma outra cultura? Porque não procurarmos<br />
nossa própria maneira de ser e conseqüentemente paramentar<br />
nossos Bankissi de acordo com a tradição bantu, ainda viva e<br />
constante na África subsaariana?<br />
Os livros de etnografia bantu estão por aí, a internet oferece farto<br />
material, as viagens tornaram possível vivenciar em loco os<br />
fenômenos religiosos e culturais Afro-Bantu. Nossa dependência dos<br />
nagôs está chegando ao fim porque hoje sabemos mais do que ontem<br />
sobre nossa cultura bantu e podemos e devemos dar um caráter mais
próprio as nossas práticas culturais e religiosas. Se nosso<br />
comportamento dentro do bakissi é bantu (rezas, invocações,<br />
cantigas, tudo é feito em bantu) porque nosso barracão é tão<br />
milongado, que chegam a dizer que somos um candomblé de ketu<br />
cantado em kikongo?<br />
No Nzo Tumbansi, em Itapecerica da Serra (<strong>SP</strong>), fazemos um<br />
candomblé que procura primar pela cultura bantu. Continuamos a<br />
seguir os passos de Maria Genoveva do Bonfim, nossa matriarca, mas<br />
nos aproximando em termos culturais cada vez mais, da cultura<br />
bantu africana. Afinal, se Thuenda Dia Nzambi ainda estivesse por<br />
aqui com certeza nos aprovaria. Ele sempre foi uma mulher do seu<br />
tempo!<br />
Em janeiro de 2010 tivemos a oportunidade de fazermos uma viagem<br />
cultural-religiosa a Angola e pudemos constatar que estamos no<br />
caminho certo. Encontramos em Cabinda nossos pares, cultuadores<br />
de Nkissi, da mesma maneira que fazemos no Brasil, aqui com as<br />
devidas adaptações. Conhecemos Sacerdotes (Ngangas) e pudemos<br />
dialogar de igual para igual porque fazemos parte da mesma cultura<br />
religiosa.<br />
Quanto ao uso das línguas kimbundo e kikongo, nós e os<br />
pesquisadores ligados a nossa casa estamos chegando à conclusão<br />
que há uma predominância relevante no uso do kikongo em lugar do<br />
kimbundo e que o kimbundo tem funcionado mais como língua<br />
auxiliar que língua veicular. As rezas, cantigas, expressões do dia-a-<br />
dia são em sua grande maioria em kikongo e parece-me que o<br />
kimbundo tem entrado em nossa forma religiosa por vias modernas,<br />
quando nós os sacerdotes de congo-angola tivemos acesso ao<br />
dicionário do Padre Antonio da Silva Maia, a partir dos anos 80, cuja<br />
cópia da obra circula livremente entre o povo-de-santo. Esta<br />
afirmação pode parecer leviana, mas na verdade estamos ainda em<br />
processo de levantamento e de tradução das cantigas e rezas para<br />
podermos fazer essa afirmativa com maior segurança.
O que nos tem encorajado nesse tipo de investigação é que a palavra<br />
nkissi é de origem kikongo, assim como o nome dado a casa de<br />
candomblé de Thuenda Dia Nzambi, Tumba Nsi, que também é de<br />
origem kikongo, significando Casa de adivinho entre outras coisas.<br />
Se os fundadores dessa casa, que é a primeira que consta na<br />
memória do povo-de-santo, deram um nome kikongo a casa que<br />
fundavam é porque com certeza eram oriundos das terras de cultura<br />
kikongo. Se fossem oriundos das regiões ambundas com certeza<br />
teriam dado um nome kimbundo ao templo que inauguravam.<br />
Fazem parte do nosso Nzo pesquisadores acadêmicos, artistas<br />
plásticos, pessoas que acostumadas e treinadas a questionar nos<br />
bancos escolares, trazem essas indagações quando se iniciam na<br />
religião. Nosso Nzo tem procurado as respostas incentivando as<br />
pesquisas e investigações a respeito e nós mesmos incentivados<br />
pelos filhos-de-santo fomos a Angola em busca de resposta para<br />
compreendermos o fenômeno religioso do qual somos sacerdote. E,<br />
felizmente encontramos o que procurávamos. Nossos antepassados<br />
religiosos vieram daquela região de Angola, principalmente de<br />
Cabinda, dos outrora reinos do Loango, de Ngoyo e de Kakondo. A<br />
partir desse encontro com nossas raízes religiosas começamos a<br />
perceber nossa verdadeira identidade religiosa e a reforçar nossa<br />
idéia que temos que ser cada dia mais de cultura bantu e<br />
principalmente bakongo.<br />
Por isso, em nossa casa estamos num processo, não de re-<br />
africanização, e sim de volta às raízes de um candomblé fundado por<br />
pessoas oriundas da etnia bakongo, que nos legaram esse rico<br />
cabedal cultural e religioso, a que nos compete preservar e dar<br />
continuidade.<br />
Muita coisa está ainda por ser feita. Investigar a biografia de nosso<br />
fundador, Roberto de Barros Reis e de nossa Matriarca Maria Nenê,<br />
assim como as primeiras casas de feição bantu fundadas na Bahia e<br />
no Recôncavo. Conclamamos os historiadores e os estudiosos de
cultura a se emprenharem nesse trabalho, já que as outras nações já<br />
encontraram pesquisadores interessados no assunto. Urge, pois, um<br />
trabalho de investigação de base histórica para podermos trazer à luz<br />
da ciência as verdades que ainda permanecem escondidas aos olhos<br />
do povo-de-santo angoleiro e do público em geral.