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Crises e oportunidades em tempos de mudança - SciELO - Site

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133<br />

CRÓNICAS E ENSAIOS / ESSAYS AND REPORTS<br />

<strong>Crises</strong> e <strong>oportunida<strong>de</strong>s</strong> <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos<br />

<strong>de</strong> <strong>mudança</strong>*<br />

IGNACY SACHS, CARLOS LOPES E LADISLAU DOWBOR<br />

* Extractos do documento <strong>de</strong> referência apresentado para discussão na reunião do Fórum Social<br />

Mundial da Baía <strong>em</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2010.<br />

O exercício que pretend<strong>em</strong>os no presente texto, ao apresentarmos argumentos para<br />

estimular a discussão e provocar propostas, é apontar os principais eixos <strong>de</strong> <strong>mudança</strong><br />

e as possíveis convergências <strong>de</strong> ação. Porque o que t<strong>em</strong>os pela frente é um imenso<br />

IGNACY SACHS<br />

Eco-socioeconomista com estudos superiores no Brasil, Índia e Polónia. Professor da Escola <strong>de</strong><br />

Altos Estudos en Ciências Sociais <strong>em</strong> Paris (E.H.E.S.S.) on<strong>de</strong> criou e dirigiu sucessivamente o<br />

Centre International <strong>de</strong> Recherches sur l’Environn<strong>em</strong>ent et le Développ<strong>em</strong>ent (C.I.R.E.D.) e o<br />

Centre <strong>de</strong> Recherches sur le Brésil Cont<strong>em</strong>porain (C.R.B.C.). Consultor <strong>em</strong> várias ocasiões da<br />

Organização das Nações Unidas, tendo participado nos preparativos da Conferência <strong>de</strong><br />

Estocolmo sobre o Meio Ambiente (1972) e da Cúpula da Terra <strong>de</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro (1992). A sua<br />

bibliografia é acessível no site: http://bit.ly/4AYaHu e po<strong>de</strong> ser contactado no blogue Crise e<br />

Oportunida<strong>de</strong>: http://criseoportunida<strong>de</strong>.wordpress.com/.<br />

Eco-socioeconomist with further studies in Brazil, India and Poland. Professor at the School of<br />

Further Studies in Social Science in Paris (E.H.E.S.S.) where he successfully set up and directed the<br />

Centre International <strong>de</strong> Recherches sur l’Environn<strong>em</strong>ent et le Développ<strong>em</strong>ent (C.I.R.E.D.) and the<br />

Centre <strong>de</strong> Recherches sur le Brésil Cont<strong>em</strong>porain (C.R.B.C.). United Nations Consultant on a number<br />

of occasions and participated in the preparations for the Stockholm Human Environment<br />

Conference (1972) and the Rio <strong>de</strong> Janeiro Earth Summit (1992). His bibliography can be accessed<br />

at: http://bit.ly/4AYaHu and he may be contacted at http://criseoportunida<strong>de</strong>.wordpress.com/.<br />

CARLOS LOPES<br />

Doutor <strong>em</strong> História pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Paris 1, Panthéon-Sorbonne. Sub-Secretário Geral da<br />

ONU, encarregado do UNITAR <strong>em</strong> Genebra e da Escola <strong>de</strong> Lí<strong>de</strong>res da ONU <strong>em</strong> Turim.<br />

Especialista <strong>em</strong> Desenvolvimento pelo Instituto <strong>de</strong> Altos Estudos Internacionais e Desenvolvimento<br />

da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Genebra. T<strong>em</strong> também numerosa bibliografia publicada e faz parte <strong>de</strong> 12<br />

conselhos acadêmicos. As opiniões aqui expressas são pessoais. Po<strong>de</strong> ser contactado no blogue<br />

Crise e Oportunida<strong>de</strong>: http://criseoportunida<strong>de</strong>.wordpress.com/.<br />

PhD in History from the University of Paris 1, Panthéon-Sorbonne. Un<strong>de</strong>r Secretary General of the<br />

UN, head of UNITAR in Geneva and of the UN Syst<strong>em</strong> Staff College in Turin. Specialist in Development<br />

from the University of Geneva Institute of Higher International Studies and Development.<br />

Has also published an extensive bibliography and is on 12 acad<strong>em</strong>ic councils. His personal opinions<br />

are expressed here. He may be contacted at http://criseoportunida<strong>de</strong>.wordpress.com/.<br />

LADISLAU DOWBOR<br />

ladislau@dowbor.org<br />

Doutor <strong>em</strong> Ciências Económicas (Escola Central <strong>de</strong> Planeamento e Estatística <strong>de</strong> Varsóvia),<br />

Professor Titular da Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo e consultor <strong>de</strong> diversas agências<br />

das Nações Unidas. É autor <strong>de</strong> D<strong>em</strong>ocracia Econômica (Vozes), O que É Po<strong>de</strong>r Local<br />

(Brasiliense) e <strong>de</strong> numerosos estudos sobre <strong>de</strong>senvolvimento. Os seus trabalhos estão disponíveis<br />

na íntegra, <strong>em</strong> regime copyleft, <strong>em</strong> http://dowbor.org.<br />

PhD in Economic Sciences (Central School of Planning and Statiscs of Varsovia), Professor of<br />

Economics at the Catholic University of Sao Paulo, consultant to various United Nations agencies,<br />

and author of D<strong>em</strong>ocracia Econômica (Vozes), O que É Po<strong>de</strong>r Local (Brasiliense). Books and<br />

papers can be found (copyleft) on http://dowbor.org.


IGNACY SACHS, CARLOS LOPES E LADISLAU DOWBOR<br />

esforço planetário <strong>de</strong> agregação <strong>de</strong> forças, <strong>de</strong> articulação <strong>em</strong> re<strong>de</strong>, <strong>de</strong> aprofundamento<br />

da compreensão dos <strong>de</strong>safios, <strong>de</strong> ampla comunicação, visando gerar uma massa<br />

crítica <strong>de</strong> conhecimento por parte dos mais variados atores sociais. Paulo Freire<br />

<strong>de</strong>finia b<strong>em</strong> a nossa tarefa: somos os andarilhos do óbvio. Dizia isto com bom humor,<br />

pois o bom humor faz parte do processo.<br />

Quer<strong>em</strong>os parar <strong>de</strong> nos matar <strong>de</strong> trabalhar para construir coisas inúteis e <strong>de</strong>struir<br />

o planeta. Quer<strong>em</strong>os priorizar radicalmente a melhoria da situação <strong>de</strong> 1 bilião <strong>de</strong> pessoas<br />

que passam fome e <strong>de</strong> 10 milhões <strong>de</strong> crianças que morr<strong>em</strong> anualmente <strong>de</strong> causas<br />

ridículas. Quer<strong>em</strong>os a prosaica qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, o prazer do cotidiano, <strong>em</strong> paz, para<br />

todos, e <strong>de</strong> forma sustentável.<br />

O sist<strong>em</strong>a hoje vigente produz muitos bilionários, mas não respon<strong>de</strong> aos anseios <strong>de</strong><br />

uma vida digna e sustentável para todos. Na realida<strong>de</strong>, agrava todos os probl<strong>em</strong>as, e<br />

nos <strong>em</strong>purra para impasses cada vez mais catastróficos. T<strong>em</strong>os um <strong>de</strong>slocamento ético<br />

fundamental pela frente: parar <strong>de</strong> nos admirar com a fortuna dos afortunados, como<br />

se foss<strong>em</strong> símbolos <strong>de</strong> sucesso. A ética do sucesso <strong>de</strong>ve estar centrada no que cada um<br />

<strong>de</strong> nós, individualmente ou <strong>em</strong> ativida<strong>de</strong>s institucionais, contribui para melhorar o<br />

planeta, e não no quanto consegue <strong>de</strong>le arrancar, ostentando fortunas e escon<strong>de</strong>ndo<br />

os custos 1.<br />

A DIMENSÃO DOS DESAFIOS<br />

Focar<strong>em</strong>os aqui o que nos parec<strong>em</strong> ser os quatro principais <strong>de</strong>safios ou vetores <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sequilíbrio que nos ameaçam. Trata-se <strong>de</strong> salvar o planeta, <strong>de</strong> reduzir as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s,<br />

<strong>de</strong> assegurar o acesso ao trabalho digno, e <strong>de</strong> corrigir as priorida<strong>de</strong>s produtivas.<br />

A convergência dos <strong>de</strong>sequilíbrios<br />

O seguinte comentário do New Scientist sobre macro-tendências foca diretamente<br />

o nosso próprio conceito <strong>de</strong> crescimento econômico:<br />

«A ciência nos diz que se quer<strong>em</strong>os ser sérios com a visão <strong>de</strong> salvar a terra, precisamos<br />

dar outra forma à nossa economia. Isso, naturalmente, constitui uma<br />

heresia econômica. O crescimento para a maioria dos economistas é tão essencial<br />

como o ar que respiramos: seria, diz<strong>em</strong>, a única força capaz <strong>de</strong> tirar os pobres<br />

da pobreza, <strong>de</strong> alimentar a crescente população mundial, <strong>de</strong> enfrentar os custos<br />

crescentes dos gastos públicos e <strong>de</strong> estimular o <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico –<br />

isso s<strong>em</strong> mencionar o financiamento <strong>de</strong> estilos <strong>de</strong> vida cada vez mais caros. Eles<br />

não vê<strong>em</strong> limites ao crescimento, nunca. Nas s<strong>em</strong>anas recentes tornou-se claro<br />

quão aterrorizados estão os governos <strong>de</strong> qualquer coisa que ameace o cresci-<br />

134


CRISES E OPORTUNIDADES EM TEMPOS DE MUDANÇA<br />

mento, enquanto <strong>de</strong>rramam bilhões <strong>em</strong> dinheiro público num sist<strong>em</strong>a financeiro<br />

<strong>em</strong> falência. No meio da confusão, qualquer questionamento do dogma do<br />

crescimento precisa ser visto <strong>de</strong> forma muito cuidadosa. O questionamento<br />

apoia-se numa questão duradoura: como conciliamos os recursos finitos da terra<br />

com o fato que, à medida que a economia cresce, o montante <strong>de</strong> recursos naturais<br />

necessário para sustentar a ativida<strong>de</strong> também <strong>de</strong>ve crescer? Levamos toda a<br />

história humana para a economia atingir a sua dimensão atual. Na forma corrente,<br />

levará apenas duas décadas para dobrar.» 2<br />

A convergência das tensões geradas para o planeta torna-se evi<strong>de</strong>nte. Não pod<strong>em</strong>os<br />

mais nos congratular com o aumento da pesca quando estamos liquidando a vida nos<br />

mares, ou com o aumento da produção agrícola quando estamos liquidando os<br />

aquíferos e contaminando as reservas planetárias <strong>de</strong> água doce. Isto s<strong>em</strong> falar do<br />

aumento <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> automóveis e da expansão <strong>de</strong> outras ca<strong>de</strong>ias produtivas geradoras<br />

<strong>de</strong> aquecimento climático. As soluções têm <strong>de</strong> ser sistêmicas. Esta visão mais<br />

ampla po<strong>de</strong> – e apenas po<strong>de</strong> – viabilizar <strong>mudança</strong>s mais profundas, ao esten<strong>de</strong>r o<br />

nível <strong>de</strong> consciência dos <strong>de</strong>safios.<br />

Qual <strong>de</strong>senvolvimento quer<strong>em</strong>os? E para este <strong>de</strong>senvolvimento, que Estado e que<br />

mecanismos <strong>de</strong> regulação são necessários? Não há como minimizar a dimensão dos<br />

<strong>de</strong>safios. Com 7 biliões <strong>de</strong> habitantes – e 75 milhões a mais a cada ano – que buscam<br />

um consumo cada vez mais <strong>de</strong>senfreado e manejam tecnologias cada vez mais<br />

po<strong>de</strong>rosas, o nosso planeta mostra toda a sua fragilida<strong>de</strong>. E nós, a nossa irresponsabilida<strong>de</strong><br />

ou impotência.<br />

O escândalo da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />

A financeirização dos processos econômicos v<strong>em</strong> há décadas se alimentando da<br />

apropriação dos ganhos da produtivida<strong>de</strong> que a revolução tecnológica <strong>em</strong> curso permite,<br />

<strong>de</strong> forma radicalmente <strong>de</strong>sequilibrada. Não é o caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver o processo<br />

aqui, mas é importante l<strong>em</strong>brar que a concentração <strong>de</strong> renda no planeta está atingindo<br />

limites absolutamente obscenos 3 (ver Figura 1, p. 136).<br />

A imag<strong>em</strong> da taça <strong>de</strong> champagne é extr<strong>em</strong>amente expressiva, pois mostra qu<strong>em</strong><br />

toma que parte do conteúdo e, <strong>em</strong> geral, as pessoas não têm consciência da profundida<strong>de</strong><br />

do drama. Os 20% mais ricos se apropriam <strong>de</strong> 82,7% da renda. Como ord<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za, os dois terços mais pobres têm acesso a apenas 6%. Em 1960, a renda<br />

apropriada pelos 20% mais ricos era 70 vezes o equivalente dos 20% mais pobres, <strong>em</strong><br />

1989 era 140 vezes. A concentração <strong>de</strong> renda é absolutamente escandalosa e nos obriga<br />

a ver <strong>de</strong> frente tanto o probl<strong>em</strong>a ético, da injustiça e dos dramas <strong>de</strong> biliões <strong>de</strong> pessoas,<br />

como o probl<strong>em</strong>a econômico, pois estamos excluindo biliões <strong>de</strong> pessoas que<br />

135


IGNACY SACHS, CARLOS LOPES E LADISLAU DOWBOR<br />

FIGURA 1<br />

Distribution of income<br />

Fonte: Relatórios <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano<br />

(1992, p. 35 e 2005 p. 37)<br />

po<strong>de</strong>riam estar não só vivendo melhor, como contribuindo <strong>de</strong> forma mais ampla com<br />

a sua capacida<strong>de</strong> produtiva. Não haverá tranquilida<strong>de</strong> no planeta enquanto a economia<br />

for organizada <strong>em</strong> função <strong>de</strong> um terço da população mundial.<br />

Esta concentração não se <strong>de</strong>ve apenas à especulação financeira, mas a contribuição<br />

é significativa e, sobretudo, é absurdo <strong>de</strong>sviar o capital <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s planetárias<br />

óbvias. The Economist traz uma cifra impressionante sobre o exce<strong>de</strong>nte social, gerado<br />

essencialmente por avanços tecnológicos da área produtiva, mas apropriado pelo setor<br />

que qualifica <strong>de</strong> «indústria <strong>de</strong> serviços financeiros»: «A indústria <strong>de</strong> serviços financeiros<br />

está con<strong>de</strong>nada a sofrer uma horrível contração. Na América, a participação<br />

<strong>de</strong>sta indústria nos lucros corporativos totais subiu <strong>de</strong> 10% no início dos anos 1980,<br />

para 40% no seu pico <strong>em</strong> 2007». Gera-se uma clara clivag<strong>em</strong> entre os que traz<strong>em</strong> inovações<br />

tecnológicas e produz<strong>em</strong> bens e serviços socialmente úteis – os engenheiros do<br />

processo, digamos assim – e o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> intermediários financeiros que se apropriam<br />

do exce<strong>de</strong>nte e <strong>de</strong>formam a orientação do conjunto. Os engenheiros do processo criam<br />

importantes avanços tecnológicos, mas a sua utilização e comercialização pertence a<br />

<strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong> finanças, <strong>de</strong> marketing e <strong>de</strong> assuntos jurídicos, que dominam nas<br />

<strong>em</strong>presas e se apropriam da sua utilização. É um sist<strong>em</strong>a que gerou um profundo divórcio<br />

entre qu<strong>em</strong> contribui produtivamente para a socieda<strong>de</strong> e qu<strong>em</strong> é r<strong>em</strong>unerado 4.<br />

Ao juntarmos os gráficos, o do New Scientist sobre os megatrends históricos e o da<br />

«taça <strong>de</strong> champagne» do Relatório <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano, chegamos a uma conclusão<br />

bastante óbvia: estamos <strong>de</strong>struindo o planeta, para o proveito <strong>de</strong> um terço da<br />

população mundial. Estes são os dados básicos que orientam as nossas ações futuras:<br />

inverter a marcha da <strong>de</strong>struição do planeta e reduzir a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> acumulada.<br />

136


CRISES E OPORTUNIDADES EM TEMPOS DE MUDANÇA<br />

É importante l<strong>em</strong>brar que a nossa principal medida <strong>de</strong> progresso, o PIB, não me<strong>de</strong><br />

nenhum dos dois, pois não contabiliza a redução do capital natural do planeta, contabiliza<br />

como positiva a poluição que exige gran<strong>de</strong>s programas <strong>de</strong> recuperação e, na<br />

realida<strong>de</strong>, apresenta-nos apenas a média nacional <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uso da máquina<br />

produtiva 5. E l<strong>em</strong>brar também que o motivador principal dos investimentos privados,<br />

o lucro, age contra ambos: t<strong>em</strong> tudo a ganhar com a extração máxima <strong>de</strong> recursos<br />

naturais e a externalização <strong>de</strong> custos, e não t<strong>em</strong> nada a ganhar com qu<strong>em</strong> t<strong>em</strong><br />

pouca capacida<strong>de</strong> aquisitiva. A motivação do lucro a curto prazo age naturalmente<br />

tanto contra a preservação como contra a igualda<strong>de</strong>.<br />

O <strong>de</strong>safio do acesso ao trabalho digno<br />

A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> e a sustentabilida<strong>de</strong> estão diretamente ligadas aos <strong>de</strong>sequilíbrios na<br />

inclusão nos processos produtivos. A mão-<strong>de</strong>-obra, a nossa imensa capacida<strong>de</strong> ociosa<br />

<strong>de</strong> produção, mais parece um probl<strong>em</strong>a do que uma oportunida<strong>de</strong>. Na forma atual<br />

<strong>de</strong> uso dos fatores <strong>de</strong> produção e das tecnologias, a inclusão produtiva é a exceção.<br />

No Brasil, t<strong>em</strong>os 190 milhões <strong>de</strong> habitantes. Destes, 130 milhões estão <strong>em</strong> ida<strong>de</strong><br />

ativa, entre os 15 e os 64 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, pelo critério internacional. Na população<br />

economicamente ativa, t<strong>em</strong>os 100 milhões <strong>de</strong> pessoas, o que já aponta para uma<br />

subutilização significativa. As estatísticas do <strong>em</strong>prego, por sua vez, mostram que<br />

t<strong>em</strong>os neste ano apenas 31 milhões <strong>de</strong> pessoas formalmente <strong>em</strong>pregadas no setor privado,<br />

com carteira assinada. Pod<strong>em</strong>os acrescentar os 9 milhões <strong>de</strong> funcionários públicos<br />

do país, e chegamos a 40 milhões. Ainda assim, estamos longe da conta. O que<br />

faz<strong>em</strong> os outros? T<strong>em</strong>os <strong>em</strong>presários, s<strong>em</strong> dúvida, b<strong>em</strong> como uma massa classificada<br />

como «autônomos», além <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 15 milhões <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados. No conjunto,<br />

forma-se um imenso setor <strong>de</strong> pessoas classificadas no conceito vago <strong>de</strong> «informais»,<br />

avaliados <strong>em</strong> 51% da população economicamente ativa. Essa «parcela» representa a<br />

meta<strong>de</strong> do país 6.<br />

O fato essencial para nós é que o mo<strong>de</strong>lo atual subutiliza a meta<strong>de</strong> das capacida<strong>de</strong>s<br />

produtivas do país. E imaginar que o crescimento centrado <strong>em</strong> <strong>em</strong>presas transnacionais,<br />

gran<strong>de</strong>s extensões <strong>de</strong> soja (200 hectares para gerar um <strong>em</strong>prego), ou ainda<br />

numa hipotética expansão do <strong>em</strong>prego público, permitirá absorver esta mão <strong>de</strong> obra,<br />

não é realista. Evoluir para formas alternativas <strong>de</strong> organização torna-se simplesmente<br />

necessário.<br />

O drama no Brasil é representativo <strong>de</strong> um universo mais amplo: «O <strong>em</strong>prego informal<br />

representa entre a meta<strong>de</strong> e três quartos do <strong>em</strong>prego não-agrícola na maioria dos<br />

países <strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. A parte dos trabalhadores informais na força <strong>de</strong> trabalho<br />

não-agrícola varia entre 48% na África do Norte e 51% na América Latina e o Caribe,<br />

atingindo 65% na Ásia e 78% na África subsariana» 7.<br />

137


IGNACY SACHS, CARLOS LOPES E LADISLAU DOWBOR<br />

Assim, o drama da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> que vimos acima não constitui apenas um probl<strong>em</strong>a<br />

<strong>de</strong> distribuição mais justa da renda e da riqueza: envolve a inclusão produtiva<br />

digna da maioria da população <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregada, sub<strong>em</strong>pregada, ou encurralada nos<br />

diversos tipos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s informais. O conjunto das propostas que surg<strong>em</strong> a partir<br />

da OIT sobre o trabalho digno, as visões do Banco Mundial sobre os 4 bilhões <strong>de</strong><br />

excluídos dos «benefícios da globalização», e um conjunto <strong>de</strong> iniciativas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

local encontram aqui a sua lógica: um PIB que cresce mas não inclui as<br />

populações não é sustentável. Estamos falando <strong>de</strong> quase dois terços da população<br />

mundial a qu<strong>em</strong> se trava o acesso ao financiamento, às tecnologias, ao direito <strong>de</strong> cada<br />

um ganhar o pão da sua família 8.<br />

A <strong>de</strong>formação das priorida<strong>de</strong>s<br />

A tabela abaixo, extraída do Relatório <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano <strong>de</strong> 1998,<br />

apresenta a <strong>de</strong>formação das priorida<strong>de</strong>s do uso dos recursos no planeta. A leitura é<br />

simples: não se consegu<strong>em</strong> os 6 biliões anuais supl<strong>em</strong>entares para universalizar a educação<br />

básica, mas se consegu<strong>em</strong> sim 8 biliões para cosméticos nos EUA, e assim por<br />

diante. Os valores são baixos, pois são dólares que valiam mais na época, mas o contraste<br />

é evi<strong>de</strong>nte. As cifras mais recentes apenas se agravaram. Os 780 biliões <strong>de</strong><br />

dólares <strong>em</strong> gastos militares, <strong>em</strong> 2008 já somam 1,5 trilião. E se pensarmos nos triliões<br />

<strong>de</strong> recursos públicos transferidos nesta crise para intermediários financeiros privados,<br />

ter<strong>em</strong>os uma idéia do grau <strong>de</strong> absurdo das priorida<strong>de</strong>s.<br />

Na realida<strong>de</strong>, o que precisa ser expandido hoje no mundo são os serviços básicos<br />

essenciais da humanida<strong>de</strong>, e muito menos os bens físicos <strong>de</strong> consumo. Em particular,<br />

há coisas que não pod<strong>em</strong> faltar a ninguém. O planeta produz quase um quilo <strong>de</strong> grãos<br />

por dia e por habitante, e t<strong>em</strong>os 1 bilião <strong>de</strong> pessoas que passam fome. Os 10 milhões<br />

<strong>de</strong> crianças que morr<strong>em</strong> <strong>de</strong> fome e <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> acesso à água limpa e causas s<strong>em</strong>elhantes,<br />

constitu<strong>em</strong> um escândalo insustentável. Mas do ponto <strong>de</strong> vista do investimento<br />

privado, resolver probl<strong>em</strong>as essenciais não ren<strong>de</strong>, e o conjunto da orientação<br />

das nossas capacida<strong>de</strong>s produtivas se vê radicalmente <strong>de</strong>formado (ver Tabela 1, p.<br />

139).<br />

Aparece como inevitável, no horizonte político, a d<strong>em</strong>ocratização das <strong>de</strong>cisões<br />

sobre como são utilizados os recursos econômicos do planeta, incluindo aqui não só<br />

os recursos dos orçamentos públicos, mas a orientação das aplicações dos gigantescos<br />

recursos <strong>de</strong> fundos <strong>de</strong> pensão e dos gran<strong>de</strong>s intermediários e especuladores financeiros.<br />

Não pod<strong>em</strong>os continuar a andar completamente à <strong>de</strong>riva <strong>em</strong> termos da priorização<br />

dos nossos objetivos. O uso dos recursos que são o resultado dos esforços do<br />

conjunto da socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ve obe<strong>de</strong>cer a uma visão sistêmica e <strong>de</strong> longo prazo, obe<strong>de</strong>cendo<br />

às priorida<strong>de</strong>s críticas <strong>de</strong> reduzir os <strong>de</strong>sastres sociais e ambientais.<br />

138


CRISES E OPORTUNIDADES EM TEMPOS DE MUDANÇA<br />

TABELA 1<br />

* Estimativa <strong>de</strong> custo anual adicional para alcançar o acesso aos serviços sociais básicos <strong>em</strong> todos os países <strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Fonte: Euromonitor 1997; UN 1997g; UNDP, UNFPA, ed UNICEF, 1994; Worldwi<strong>de</strong> Research, Advisory and Business<br />

Intelligence Services, 1997. Human Development Report, 1998, New York, p. 37.<br />

RESGATAR A CAPACIDADE DE GESTÃO PÚBLICA<br />

Na discussão <strong>de</strong> um outro mundo que esperamos seja possível, t<strong>em</strong>os <strong>de</strong> evoluir<br />

cada vez mais para o como fazer, para os mecanismos <strong>de</strong> gestão correspon<strong>de</strong>ntes, para<br />

a <strong>de</strong>scoberta das brechas que exist<strong>em</strong> no sist<strong>em</strong>a no sentido da sua transformação.<br />

O mundo não vai parar <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminado momento para passar a funcionar <strong>de</strong> outro<br />

modo. Cabe a nós introduzir, ou reforçar, as tendências <strong>de</strong> <strong>mudança</strong>. A análise dos<br />

processos <strong>de</strong>cisórios e a busca <strong>de</strong> correções tornou-se central.<br />

139


IGNACY SACHS, CARLOS LOPES E LADISLAU DOWBOR<br />

O que <strong>em</strong>erge como eixo central <strong>de</strong> reflexão, portanto, é a ina<strong>de</strong>quação dos processos<br />

<strong>de</strong>cisórios nas diversas tendências críticas que t<strong>em</strong>os <strong>de</strong> enfrentar. Enfrentar o<br />

<strong>de</strong>safio ambiental planetário exige processos colaborativos e a construção <strong>de</strong> uma<br />

cultura <strong>de</strong> pactos pelo b<strong>em</strong> comum ou, pelo menos, para evitar o <strong>de</strong>sastre comum.<br />

A ruptura do ciclo da pobreza e da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> implica no <strong>de</strong>slocamento da visão<br />

tradicional que atrai investimentos para on<strong>de</strong> se situa a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compra e, portanto,<br />

envolve a <strong>mudança</strong> da chamada governança corporativa. O processo <strong>de</strong><br />

inclusão produtiva dos quase dois terços <strong>de</strong> excluídos envolve uma outra lógica do<br />

<strong>em</strong>prego, formas múltiplas e diferenciadas <strong>de</strong> inserção na produção <strong>de</strong> bens e<br />

serviços. O resgate <strong>de</strong>stas priorida<strong>de</strong>s reais do planeta e da humanida<strong>de</strong> envolve por<br />

sua vez uma participação muito mais significativa do Estado que, com todas as suas<br />

fragilida<strong>de</strong>s, ainda constitui o melhor instrumento <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> esforços sociais<br />

<strong>de</strong> que dispomos. Mas se trata <strong>de</strong> um Estado muito mais regulador do conjunto<br />

dos esforços da socieda<strong>de</strong>. É indispensável o resgate da visão sistêmica, da visão <strong>de</strong><br />

longo prazo, e dos mecanismos <strong>de</strong> planejamento. Estamos falando, na realida<strong>de</strong>, da<br />

construção <strong>de</strong> uma outra cultura política.<br />

Reforçar e d<strong>em</strong>ocratizar o Estado<br />

As críticas ao tamanho do setor público refletiram no passado recente uma visão<br />

i<strong>de</strong>ológica e conhecimento fragmentado da realida<strong>de</strong>. Nas palavras <strong>de</strong> um diretor da<br />

École Nationale d’Administration, a famosa ENA, melhorar a produtivida<strong>de</strong> do setor<br />

público constitui a melhor maneira <strong>de</strong> melhorar a produtivida<strong>de</strong> sistêmica <strong>de</strong> toda a<br />

socieda<strong>de</strong>. O Relatório Mundial sobre o Setor Público, elaborado pelas Nações<br />

Unidas <strong>em</strong> 2005, mostra a evolução que houve a partir da visão tradicional da<br />

«Administração Pública» baseada <strong>em</strong> obediência, controles rígidos e conceito <strong>de</strong><br />

«autorida<strong>de</strong>s», transitando por uma fase <strong>em</strong> que se buscou uma gestão mais <strong>em</strong>presarial,<br />

na linha do public manag<strong>em</strong>ent que nos <strong>de</strong>u, por ex<strong>em</strong>plo, o conceito <strong>de</strong><br />

«gestor da cida<strong>de</strong>» no lugar do prefeito, e <strong>de</strong>s<strong>em</strong>bocando agora na visão mais mo<strong>de</strong>rna<br />

que o relatório chama <strong>de</strong> governança participativa ou responsive governance.<br />

Esta última forma <strong>de</strong> organização implica que, no espaço público, a boa gestão se<br />

consegue por meio da articulação inteligente e equilibrada do conjunto dos atores<br />

interessados no <strong>de</strong>senvolvimento, os chamados atores interessados, ou stakehol<strong>de</strong>rs.<br />

É uma gestão que busca «respon<strong>de</strong>r», ou «correspon<strong>de</strong>r» aos interesses que diferentes<br />

grupos manifestam e supõe sist<strong>em</strong>as amplamente participativos e, <strong>em</strong> todo caso,<br />

mais d<strong>em</strong>ocráticos, na linha da «governança participativa», além da ampliação da<br />

transparência <strong>de</strong> todos os processos.<br />

A evolução da administração pública tradicional (Public Administration) para o<br />

New Public Manag<strong>em</strong>ent se baseou numa visão privatista da gestão, buscando chefias<br />

140


CRISES E OPORTUNIDADES EM TEMPOS DE MUDANÇA<br />

mais eficientes. A evolução mais recente para o responsive governance, que traduzimos<br />

aqui por governança participativa, está baseada numa proposta mais pública, on<strong>de</strong> as<br />

chefias escutam melhor o cidadão, e on<strong>de</strong> é a participação cidadã, através <strong>de</strong> processos<br />

mais d<strong>em</strong>ocráticos, que assegura que os administradores serão mais eficientes,<br />

pois mais afinados com o que <strong>de</strong>les se <strong>de</strong>seja. É a diferença entre a eficiência<br />

autoritária por cima, e a eficiência d<strong>em</strong>ocrática pela base. A eficiência é medida não<br />

só no resultado, mas no processo.<br />

O Quadro ajuda a visualizar esta evolução.<br />

Relação cidadãoestado<br />

Responsabilida<strong>de</strong><br />

da administração<br />

superior<br />

Princípios<br />

orientadores<br />

Critério para<br />

sucesso<br />

Atributo chave<br />

Administração<br />

Pública<br />

Obediência<br />

Políticos<br />

Cumprimento <strong>de</strong><br />

leis e regras<br />

Objetivos<br />

quantitativos<br />

Imparcialida<strong>de</strong><br />

Fonte: UN, World Public Sector Report 2005, p. 7<br />

QUADRO<br />

141<br />

Nova Gestão<br />

Pública<br />

Cre<strong>de</strong>nciamento<br />

Clientes<br />

Eficiência e<br />

resultados<br />

Objetivos<br />

qualitativos<br />

Profissionalismo<br />

Governança<br />

Participativa<br />

Empo<strong>de</strong>ramento<br />

Cidadãos, atores<br />

Responsabilida<strong>de</strong>,<br />

transparência e<br />

participação<br />

Processo<br />

Participação<br />

«O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> governança (...) enfatiza um governo aberto e que se relaciona com<br />

a socieda<strong>de</strong> civil, mais responsabilizada e melhor regulada por controles externos e a<br />

lei. Propõe-se que a socieda<strong>de</strong> tenha voz através <strong>de</strong> organizações não governamentais<br />

e participação comunitária. Portanto o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> governança ten<strong>de</strong> a se concentrar<br />

mais na incorporação e inclusão dos cidadãos <strong>em</strong> todos os seus papéis <strong>de</strong> atores interessados<br />

(stakehol<strong>de</strong>rs), não se limitando a satisfazer clientes, numa linha mais afinada<br />

com a noção <strong>de</strong> ‘criação <strong>de</strong> valor público’»... «A teoria da governança olha para além<br />

da reforma da gestão e dos serviços, apontando para novos tipos <strong>de</strong> articulação<br />

Estado-socieda<strong>de</strong>, b<strong>em</strong> como para formas <strong>de</strong> governo com níveis mais diferenciados<br />

e <strong>de</strong>scentrados»(...) «A abertura (openness) e transparência constitu<strong>em</strong>, portanto,<br />

parte <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo <strong>em</strong>ergente». (UN, World Public Sector Report 2005, p. 13)


IGNACY SACHS, CARLOS LOPES E LADISLAU DOWBOR<br />

O novo mo<strong>de</strong>lo que <strong>em</strong>erge está essencialmente centrado numa visão mais d<strong>em</strong>ocrática,<br />

com participação direta dos atores interessados, maior transparência, com forte<br />

abertura para as novas tecnologias da informação e comunicação, e soluções organizacionais<br />

para assegurar a interativida<strong>de</strong> entre governo e cidadania. A visão envolve<br />

«sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> gestão do conhecimento mais sofisticados», com um papel importante<br />

do aproveitamento das novas tecnologias <strong>de</strong> informação e comunicação.<br />

A alocação racional <strong>de</strong> recursos<br />

A alocação <strong>de</strong> recursos é feita por intermediários, sejam eles governo, bancos, seguradoras,<br />

fundos <strong>de</strong> pensão, planos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, ou os gigantes planetários que chamamos<br />

<strong>de</strong> investidores institucionais. Todas essas instituições recolh<strong>em</strong> recursos sob diversas<br />

justificativas. Mas são intermediários, ou seja, trabalham com dinheiro que é do<br />

público, e <strong>de</strong>veriam <strong>de</strong>stinar os recursos a ativida<strong>de</strong>s afins.<br />

O governo, principal intermediário, aloca os recursos segundo um orçamento discutido<br />

no parlamento e aprovado <strong>em</strong> lei. Fato importante: o governo t<strong>em</strong> <strong>de</strong> assegurar<br />

a captação dos recursos que vai investir. A política fiscal (fazenda) e a aplicação<br />

(planejamento) têm <strong>de</strong> estar casados na peça orçamentária. No conjunto do planeta,<br />

os governos são os maiores gestores <strong>de</strong> recursos, e quanto mais rico o país, maior é a<br />

participação do governo nesta mediação.<br />

A tabela abaixo é interessante, pois mostra esta correlação rigorosa entre o nível<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e a participação do setor público. Nos países <strong>de</strong> renda baixa, a<br />

parte do PIB que cabe ao governo central é <strong>de</strong> 17,7%, elevando-se numa progressão<br />

regular à medida que chegamos aos países <strong>de</strong> alta renda 9. Falar mal dos governos<br />

parece ser um consenso planetário, mas precisamos cada vez mais <strong>de</strong>les, inclusive<br />

nos EUA.<br />

Note-se que se trata, na tabela acima, dos gastos do governo central apenas, os gastos<br />

públicos totais são b<strong>em</strong> mais amplos. «Há uma década os gastos do governo ame-<br />

Países <strong>de</strong>:<br />

Baixa renda<br />

Renda média baixa<br />

Renda média alta<br />

Alta renda<br />

Fonte: Finance and Development, IMF, Dez. 2007<br />

TABELA 2<br />

Governo central, percentag<strong>em</strong> do PIB, início anos 2000<br />

142<br />

17,7<br />

21,4<br />

26,9<br />

31,9


CRISES E OPORTUNIDADES EM TEMPOS DE MUDANÇA<br />

ricano eram <strong>de</strong> 34,3% do PIB, comparados com 48,2% na zona européia, uma distância<br />

<strong>de</strong> 14 pontos; <strong>em</strong> 2010, o gasto americano esperado é <strong>de</strong> 39,9% do PIB comparado<br />

com 47,1%, uma distância <strong>de</strong> menos <strong>de</strong> oito pontos percentuais» 10.<br />

L<strong>em</strong>br<strong>em</strong>os que a cifra equivalente no Brasil é <strong>de</strong> 36%. Na Suécia, que ninguém vai<br />

acusar <strong>de</strong> ser mal gerida, é <strong>de</strong> 66%. E são cifras anteriores à intervenção do Estado<br />

para salvar os bancos.<br />

Seja qual for a política adotada, portanto, é essencial assegurar a qualida<strong>de</strong> da alocação<br />

<strong>de</strong> recursos por parte do maior ator, o governo. Essa correlação entre o nível<br />

<strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong> do país e a participação do setor público não é misteriosa: simplesmente,<br />

o mundo está mudando. Antigamente, éramos populações rurais dispersas,<br />

e as famílias resolviam muitos dos seus probl<strong>em</strong>as individualmente, com a<br />

água no poço e o lixo no mato. Na cida<strong>de</strong> generalizam-se os investimentos sociais,<br />

pois precisamos <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> água e esgoto, <strong>de</strong> guias e sarjetas, <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s escolares, <strong>de</strong><br />

sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> segurança, <strong>de</strong>stino final <strong>de</strong> resíduos sólidos e assim por diante, evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente<br />

assegurados com forte presença do setor público. São serviços <strong>de</strong> consumo<br />

coletivo.<br />

Há que levar <strong>em</strong> conta igualmente, nesta presença crescente do setor público <strong>em</strong><br />

todo o planeta, a <strong>mudança</strong> da composição inter-setorial das nossas ativida<strong>de</strong>s. Há<br />

poucas décadas, o que chamávamos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s produtivas eram essencialmente<br />

ativida<strong>de</strong>s industriais, agrícolas e comerciais. Hoje passam a ocupar a linha <strong>de</strong> frente<br />

as políticas sociais. Vale l<strong>em</strong>brar que o maior setor econômico dos EUA não é a<br />

indústria bélica, n<strong>em</strong> a automobilística, mas a saú<strong>de</strong>, com 16% do PIB, e crescendo.<br />

No Brasil, somando a população estudantil, os professores e gestores da área educacional,<br />

estamos falando <strong>de</strong> 60 milhões <strong>de</strong> pessoas, quase um terço da população do<br />

país. As políticas sociais estão se tornando um fator po<strong>de</strong>roso <strong>de</strong> reestruturação social,<br />

pelo seu caráter capilar (a saú<strong>de</strong> t<strong>em</strong> <strong>de</strong> chegar a cada pessoa) e a sua intensida<strong>de</strong> <strong>em</strong><br />

mão-<strong>de</strong>-obra. São áreas on<strong>de</strong>, com a exceção dos nichos <strong>de</strong> alta renda, o setor público<br />

t<strong>em</strong> priorida<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nte, frequent<strong>em</strong>ente articulado com organizações da<br />

socieda<strong>de</strong> civil, outra área <strong>em</strong> expansão, caracterizando um setor público não governamental.<br />

A economia social e suas variantes ocupam um lugar crescente no conjunto<br />

das ativida<strong>de</strong>s econômicas.<br />

Um terceiro eixo <strong>de</strong> transformação social é a evolução para a socieda<strong>de</strong> do conhecimento.<br />

Hoje quase todas as ativida<strong>de</strong>s envolv<strong>em</strong> uma forte incorporação <strong>de</strong> tecnologia,<br />

<strong>de</strong> conhecimentos dos mais variados tipos, do conjunto do que t<strong>em</strong>os<br />

chamado <strong>de</strong> «intangíveis», ou <strong>de</strong> «imaterial». Quando o essencial do valor <strong>de</strong> um produto<br />

está no conhecimento incorporado, mudam as formas <strong>de</strong> organização correspon<strong>de</strong>ntes.<br />

143


IGNACY SACHS, CARLOS LOPES E LADISLAU DOWBOR<br />

Estes são megatrends, macro-tendências que transformam a socieda<strong>de</strong>, e que exig<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong> nós sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> gestão muito mais diversificados, <strong>de</strong>scentralizados e flexíveis.<br />

Estamos evoluindo para a socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> re<strong>de</strong>, para sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong>nsamente interativos e<br />

colaborativos. Alianças e parcerias entre diversos segmentos sociais, envolvendo áreas<br />

tanto públicas como privadas, nos diversos níveis <strong>de</strong> organização territorial, estão se<br />

generalizando. A urbanização leva a uma ampliação acelerada das dinâmicas da gestão<br />

local, <strong>em</strong> que as comunida<strong>de</strong>s se apropriam do seu <strong>de</strong>senvolvimento. As políticas<br />

sociais geram processos participativos, a socieda<strong>de</strong> do conhecimento nos leva para<br />

processos colaborativos <strong>em</strong> re<strong>de</strong>.<br />

O que está acontecendo na realida<strong>de</strong> é um choque do futuro generalizado. O business<br />

as usual (BAU), <strong>de</strong> ambos os lados do espectro político, está saindo fora <strong>de</strong> cena.<br />

São as relações <strong>de</strong> produção no sentido amplo que mudam, e com isso os mecanismos<br />

atuais <strong>de</strong> regulação tornaram-se <strong>em</strong> boa parte obsoletos.<br />

O papel do Estado aparece assim como central, inclusive na dimensão mundial da<br />

crise. Dada a extr<strong>em</strong>a fragilida<strong>de</strong> dos instrumentos planetários <strong>de</strong> governança, o eixo<br />

estratégico <strong>de</strong> construção dos novos sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> regulação passará mais pela articulação<br />

<strong>de</strong> políticas nacionais do que propriamente pela esfera global. O Estado aparece<br />

assim com uma função reforçada no plano dos equilíbrios internos, e no plano da<br />

re<strong>de</strong>finição das regras do jogo entre as nações.<br />

O potencial da gestão local<br />

Com a passag<strong>em</strong> do milênio, a humanida<strong>de</strong> tornou-se dominant<strong>em</strong>ente urbana.<br />

Isto implica uma outra racionalida<strong>de</strong> nos processos <strong>de</strong>cisórios e nas instituições que<br />

nos reg<strong>em</strong>, pois hoje cada região ou localida<strong>de</strong> t<strong>em</strong> um núcleo urbano que po<strong>de</strong><br />

administrar o seu <strong>de</strong>senvolvimento, e este núcleo torna-se, por sua vez, um articulador<br />

natural do seu entorno rural, ponto <strong>de</strong> convergência <strong>de</strong> uma gestão racional do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento. Hoje ainda predominam iniciativas setoriais como Cida<strong>de</strong>s<br />

Saudáveis, Cida<strong>de</strong>s Educadoras, Agenda XXI Local e assim por diante mas, gradualmente,<br />

estamos evoluindo para iniciativas integradas como «Bogotá Como Vamos»,<br />

«Nossa São Paulo» e tantas outras.<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento local permite a apropriação efetiva do <strong>de</strong>senvolvimento pelas<br />

comunida<strong>de</strong>s, e a mobilização <strong>de</strong>stas capacida<strong>de</strong>s é vital para um <strong>de</strong>senvolvimento<br />

participativo. Inúmeras experiências no mundo têm mostrado que o interesse individual<br />

das pessoas pelo seu progresso funciona efetivamente quando ancorado no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento integrado do território. Com sist<strong>em</strong>as simples <strong>de</strong> seguimento <strong>de</strong><br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida local, e o condicionamento do acesso aos recursos à estruturação <strong>de</strong><br />

entida<strong>de</strong>s locais <strong>de</strong> promoção do <strong>de</strong>senvolvimento, gera-se a base organizacional <strong>de</strong><br />

144


CRISES E OPORTUNIDADES EM TEMPOS DE MUDANÇA<br />

um <strong>de</strong>senvolvimento mais equilibrado. Já se foi o t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que se acreditava <strong>em</strong><br />

projetos «pára-quedas»: o <strong>de</strong>senvolvimento funciona quando é participativo, com um<br />

razoável equilíbrio entre o fomento externo e a dimensão endógena do processo.<br />

A racionalida<strong>de</strong> da alocação dos recursos exige, <strong>em</strong> última instância, uma avaliação<br />

eficiente do uso final dos <strong>em</strong>préstimos, coisa bastante mais trabalhosa do que o<br />

comércio <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivativos e outras ativida<strong>de</strong>s especulativas. O agente <strong>de</strong> crédito no nível<br />

local, que conhece o seu bairro e a sua comunida<strong>de</strong>, as necessida<strong>de</strong>s e os potenciais<br />

da região, torna-se <strong>de</strong> certa maneira um cre<strong>de</strong>nciador da soli<strong>de</strong>z dos usos finais dos<br />

recursos. É trabalhoso, exige conhecer a realida<strong>de</strong> das pessoas, fazer o seguimento,<br />

mas é a única maneira <strong>de</strong> transformar as poupanças <strong>de</strong> uns no aumento da produtivida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> todos, a chamada produtivida<strong>de</strong> sistêmica do território.<br />

É ampla a experiência nesta área, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Grameen Bank no Bangla<strong>de</strong>sh, até as<br />

ONG <strong>de</strong> intermediação financeira da França, a constituição <strong>de</strong> Bancos Comunitários<br />

<strong>de</strong> Desenvolvimento e <strong>de</strong> Oscips <strong>de</strong> crédito <strong>em</strong> numerosos municípios no Brasil, a<br />

evolução das experiências <strong>de</strong> microcrédito do Banco do Nor<strong>de</strong>ste. A exigência da aplicação<br />

local da poupança da população, com regras mais amplas <strong>de</strong> compensação entre<br />

regiões ricas e pobres através da re<strong>de</strong> pública, <strong>de</strong>verá permitir o financiamento tanto<br />

da micro e pequena <strong>em</strong>presa, como <strong>de</strong> organizações da socieda<strong>de</strong> civil <strong>em</strong>penhadas<br />

<strong>em</strong> projetos sociais e ambientais, investimentos públicos locais e regionais <strong>em</strong> saneamento,<br />

manutenção urbana, e s<strong>em</strong>elhantes.<br />

Os diversos programas sociais do governo brasileiro, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o «Bolsa-Família» até o «Luz<br />

para Todos», converg<strong>em</strong> no seu impacto <strong>de</strong> dinamizar o acesso local a recursos, mesmo<br />

nas regiões mais pobres do país. Esta convergência é agora reforçada com o programa<br />

«Territórios da Cidadania», que representa um programa anti-recessivo <strong>de</strong> recorte rooseveltiano<br />

capaz <strong>de</strong> compor – ao lado do PAC 11 – uma po<strong>de</strong>rosa alavanca, não apenas<br />

para resistir às turbulências atuais, mas para <strong>de</strong>flagrar uma nova dinâmica <strong>de</strong> crescimento,<br />

mais equilibrada do ponto <strong>de</strong> vista regional, e capaz <strong>de</strong> incorporar, <strong>de</strong> fato,<br />

as populações do campo ao <strong>de</strong>senvolvimento do Séc. XXI. São cerca <strong>de</strong> 20 biliões<br />

<strong>de</strong> reais para 120 regiões do país. Esta visão, <strong>de</strong> apoio ao <strong>de</strong>senvolvimento local,<br />

tanto respon<strong>de</strong> a uma política anticíclica como à d<strong>em</strong>ocratização do governo e ao<br />

resgate das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s.<br />

No conjunto, está se <strong>de</strong>senhando – <strong>em</strong> parte graças à crise financeira <strong>de</strong> 2008 mas<br />

sobretudo pelo acúmulo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sequilíbrios críticos – um Estado mais <strong>de</strong>scentralizado,<br />

mais participativo, mais d<strong>em</strong>ocrático nos seus processos <strong>de</strong>cisórios, mais transparente<br />

no plano da informação, e com maior papel articulador dos diversos agentes <strong>de</strong> transformação<br />

da socieda<strong>de</strong>.<br />

145


IGNACY SACHS, CARLOS LOPES E LADISLAU DOWBOR<br />

No conjunto, naturalmente, se os instrumentos <strong>de</strong> gestão pública constitu<strong>em</strong><br />

um vetor chave <strong>de</strong> transformação, não há como ignorar a profundida<strong>de</strong> da<br />

<strong>mudança</strong> cultural que é necessária para que o próprio Estado mu<strong>de</strong>. O que t<strong>em</strong>os<br />

pela frente é uma <strong>mudança</strong> civilizatória, com a dimensão que isto significa, e com<br />

a janela <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po relativamente curta que t<strong>em</strong>os pela frente. A consciência dos<br />

<strong>de</strong>safios e o sentimento <strong>de</strong> urgência penetram lentamente nas mentes das pessoas.<br />

A nossa tarefa é trabalhar nesta tomada <strong>de</strong> consciência e ajudar na construção dos<br />

rumos.<br />

ESBOÇOS DE AGENDA<br />

As propostas, ou linhas <strong>de</strong> ação sugeridas abaixo, têm um <strong>de</strong>nominador comum:<br />

todas já foram experimentadas e estão sendo aplicadas <strong>em</strong> diversas regiões do<br />

mundo, setores ou instâncias <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>. São iniciativas que <strong>de</strong>ram certo, e cuja<br />

generalização, com as <strong>de</strong>vidas adaptações e flexibilida<strong>de</strong> <strong>em</strong> função da diversida<strong>de</strong><br />

planetária, é hoje viável. Não t<strong>em</strong>os a ilusão relativamente à distância entre a realida<strong>de</strong><br />

política <strong>de</strong> hoje e as medidas sist<strong>em</strong>atizadas abaixo. Mas pareceu-nos essencial,<br />

<strong>de</strong> toda forma, elencar <strong>de</strong> forma organizada as medidas necessárias, pois ter um<br />

norte mais claro ajuda na construção <strong>de</strong> uma outra governança planetária. Não<br />

estão or<strong>de</strong>nados por objetivos, pois a maioria t<strong>em</strong> implicações simultâneas e dimensões<br />

interativas.<br />

Resgatar a dimensão pública do Estado<br />

Como pod<strong>em</strong>os ter mecanismos reguladores que funcion<strong>em</strong> se é o dinheiro das<br />

corporações a regular que elege os reguladores? Se as agências que avaliam risco são<br />

pagas por qu<strong>em</strong> cria o risco? Se é aceitável que os responsáveis <strong>de</strong> um banco central<br />

venham das <strong>em</strong>presas que precisam ser reguladas, e voltam para nelas encontrar<br />

<strong>em</strong>prego?<br />

Uma das propostas mais evi<strong>de</strong>ntes da última crise financeira, e que encontramos<br />

mencionada <strong>em</strong> quase todo o espectro político, é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se reduzir a capacida<strong>de</strong><br />

das corporações privadas ditar<strong>em</strong> as regras do jogo. A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leis<br />

aprovadas no sentido <strong>de</strong> reduzir impostos sobre transações financeiras, <strong>de</strong> reduzir a<br />

regulação <strong>de</strong> banco central, <strong>de</strong> autorizar os bancos a fazer<strong>em</strong> toda e qualquer operação,<br />

somado com o po<strong>de</strong>r dos lobbies financeiros, tornam evi<strong>de</strong>nte a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

se resgatar o po<strong>de</strong>r regulador do Estado e, para isto, os políticos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser eleitos por<br />

pessoas <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, e não por pessoas jurídicas, que constitu<strong>em</strong> ficções <strong>em</strong> termos <strong>de</strong><br />

direitos humanos. Enquanto não tivermos financiamento público das campanhas,<br />

políticas que represent<strong>em</strong> os interesses dos cidadãos, prevalecerão os interesses<br />

econômicos <strong>de</strong> curto prazo e a corrupção.<br />

146


CRISES E OPORTUNIDADES EM TEMPOS DE MUDANÇA<br />

Refazer as contas<br />

As contas têm <strong>de</strong> refletir os objetivos que visamos. O PIB indica a intensida<strong>de</strong> do<br />

uso do aparelho produtivo, mas não nos indica a utilida<strong>de</strong> do que se produz, para<br />

qu<strong>em</strong>, e com que custos para o estoque <strong>de</strong> bens naturais <strong>de</strong> que o planeta dispõe.<br />

Conta como aumento do PIB um <strong>de</strong>sastre ambiental, o aumento <strong>de</strong> doenças, o<br />

cerceamento <strong>de</strong> acesso a bens livres. O IDH já foi um imenso avanço, mas t<strong>em</strong>os <strong>de</strong><br />

evoluir para uma contabilida<strong>de</strong> integrada dos resultados efetivos dos nossos esforços<br />

e, particularmente, da alocação <strong>de</strong> recursos financeiros, <strong>em</strong> função <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senvolvimento<br />

que não seja apenas economicamente viável, mas também socialmente<br />

justo e ambientalmente sustentável. As metodologias exist<strong>em</strong>, aplicadas parcialmente<br />

<strong>em</strong> diversos países, setores ou pesquisas. A ampliação dos indicadores internacionais<br />

como o IDH, a generalização <strong>de</strong> indicadores nacionais como os Calvert-Hen<strong>de</strong>rson<br />

Quality of Life Indicators nos EUA, as propostas da Comissão Stiglitz/Sen/Fitoussi, o<br />

movimento Felicida<strong>de</strong> Interna Bruta (FIB) –, todos apontam para uma reformulação<br />

das contas. A adoção <strong>em</strong> todas as cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> indicadores locais <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida<br />

– veja-se os Jacksonville Quality of Life Progress Indicators – tornou-se hoje indispensável<br />

para que seja medido o que efetivamente interessa: o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável,<br />

o resultado <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida da população. Muito mais do que<br />

o output, trata-se <strong>de</strong> medir o outcome.<br />

Assegurar a renda básica<br />

A pobreza crítica é o drama maior, tanto pelo sofrimento que causa <strong>em</strong> si, como<br />

pela articulação com os dramas ambientais, o não acesso ao conhecimento, a <strong>de</strong>formação<br />

do perfil <strong>de</strong> produção que se <strong>de</strong>sinteressa das necessida<strong>de</strong>s dos que não têm<br />

capacida<strong>de</strong> aquisitiva. A ONU calcula que custaria 300 biliões <strong>de</strong> dólares (no valor<br />

do ano 2000) tirar da miséria um bilião <strong>de</strong> pessoas que viv<strong>em</strong> com menos <strong>de</strong> um<br />

dólar por dia. São custos ridículos quando se consi<strong>de</strong>ra os triliões transferidos para<br />

grupos econômicos financeiros no quadro da última crise financeira. O benefício<br />

ético é imenso, pois é inaceitável morrer<strong>em</strong> <strong>de</strong> causas ridículas 10 milhões <strong>de</strong> crianças<br />

por ano. O benefício <strong>de</strong> curto e médio prazo é gran<strong>de</strong>, na medida <strong>em</strong> que os recursos<br />

direcionados à base da pirâmi<strong>de</strong> dinamizam imediatamente a micro e pequena<br />

produção, agindo como processo anticíclico, como se t<strong>em</strong> constatado nas políticas<br />

sociais <strong>de</strong> muitos países. No mais longo prazo, será uma geração <strong>de</strong> crianças que terá<br />

sido alimentada <strong>de</strong>cent<strong>em</strong>ente, o que se transforma <strong>em</strong> melhor aproveitamento escolar<br />

e maior produtivida<strong>de</strong> na vida adulta. Em termos <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> política e <strong>de</strong><br />

segurança geral, os impactos são óbvios. Trata-se do dinheiro mais b<strong>em</strong> investido que<br />

se possa imaginar, e as experiências brasileira, mexicana e <strong>de</strong> outros países já nos<br />

forneceram todo o know-how correspon<strong>de</strong>nte. A teoria tão popular <strong>de</strong> que o pobre se<br />

acomoda se receber ajuda, é simplesmente <strong>de</strong>smentida pelos fatos: sair da miséria<br />

estimula.<br />

147


IGNACY SACHS, CARLOS LOPES E LADISLAU DOWBOR<br />

Assegurar o direito <strong>de</strong> ganhar a vida<br />

Toda pessoa que queira ganhar o pão da sua família <strong>de</strong>veria po<strong>de</strong>r ter acesso ao<br />

trabalho. Num planeta on<strong>de</strong> há um mundo <strong>de</strong> coisas a fazer, inclusive para resgatar<br />

o meio ambiente, é absurdo o número <strong>de</strong> pessoas s<strong>em</strong> acesso a formas organizadas<br />

<strong>de</strong> produzir e gerar renda. T<strong>em</strong>os os recursos e os conhecimentos técnicos<br />

e organizacionais para assegurar, <strong>em</strong> cada vila ou cida<strong>de</strong>, acesso a um trabalho<br />

<strong>de</strong>cente e socialmente útil. As experiências <strong>de</strong> Maharashtra, na Índia, d<strong>em</strong>onstraram<br />

a sua viabilida<strong>de</strong>, como o mostram as numerosas experiências brasileiras,<br />

s<strong>em</strong> falar no New Deal da crise dos anos 1930. São opções on<strong>de</strong> todos ganham: o<br />

município melhora o saneamento básico, a moradia, a manutenção urbana, a policultura<br />

alimentar. As famílias passam a po<strong>de</strong>r viver <strong>de</strong>cent<strong>em</strong>ente; e a socieda<strong>de</strong><br />

passa a ser melhor estruturada e menos tensionada. Os gastos com seguro-<strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego<br />

se reduz<strong>em</strong>. No caso indiano, cada vila ou cida<strong>de</strong> é obrigada a ter um cadastro<br />

<strong>de</strong> iniciativas intensivas <strong>em</strong> mão <strong>de</strong> obra. Dinheiro <strong>em</strong>prestado ou criado <strong>de</strong>sta<br />

forma representa investimento, melhoria <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, e dá excelente<br />

retorno. E um argumento fundamental: assegura que todos tenham o seu lugar para<br />

participar na construção <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senvolvimento sustentável. Na organização econômica,<br />

além do resultado produtivo, é essencial pensar no processo estruturador ou<br />

<strong>de</strong>sestruturador gerado. A pesca oceânica industrial po<strong>de</strong> ser mais produtiva <strong>em</strong> volume<br />

<strong>de</strong> peixe, mas o processo é <strong>de</strong>sastroso, tanto para a vida no mar como para centenas<br />

<strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> pessoas que viviam da pesca tradicional. A dimensão <strong>de</strong> geração <strong>de</strong><br />

<strong>em</strong>prego <strong>de</strong> todas as iniciativas econômicas t<strong>em</strong> <strong>de</strong> se tornar central.<br />

Reduzir a jornada <strong>de</strong> trabalho<br />

A sub-utilização da força <strong>de</strong> trabalho é um probl<strong>em</strong>a planetário, ainda que <strong>de</strong>sigual<br />

na sua gravida<strong>de</strong>. No lado dos <strong>em</strong>pregos <strong>de</strong> ponta, as pessoas não viv<strong>em</strong> por excesso<br />

<strong>de</strong> carga <strong>de</strong> trabalho. Não se trata aqui <strong>de</strong> uma exigência <strong>de</strong> luxo: são incontáveis os<br />

suicídios nas <strong>em</strong>presas on<strong>de</strong> a corrida pela eficiência se tornou simplesmente<br />

<strong>de</strong>sumana. O stress profissional está se tornando uma doença planetária e a questão<br />

da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida no trabalho passa a ocupar um espaço central. A redistribuição<br />

social da carga <strong>de</strong> trabalho torna-se hoje uma necessida<strong>de</strong>. As resistências são compreensíveis,<br />

mas a realida<strong>de</strong> é que, com os avanços da tecnologia, os processos produtivos<br />

tornam-se cada vez menos intensivos <strong>em</strong> mão <strong>de</strong> obra e reduzir a jornada é<br />

uma questão <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po. Não pod<strong>em</strong>os continuar a basear o nosso <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>em</strong> ilhas tecnológicas ultramo<strong>de</strong>rnas enquanto se gera uma massa <strong>de</strong> excluídos,<br />

inclusive porque se trata <strong>de</strong> equilibrar a r<strong>em</strong>uneração e, consequent<strong>em</strong>ente, a<br />

d<strong>em</strong>anda. A redução da jornada não reduzirá o b<strong>em</strong> estar ou a riqueza da população<br />

e, sim, a <strong>de</strong>slocará para novos setores mais centrados no uso do t<strong>em</strong>po livre, com mais<br />

ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cultura e lazer. Não precisamos necessariamente <strong>de</strong> mais carros e <strong>de</strong><br />

mais bonecas Barbie, precisamos sim <strong>de</strong> mais qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />

148


CRISES E OPORTUNIDADES EM TEMPOS DE MUDANÇA<br />

Favorecer a <strong>mudança</strong> do comportamento individual<br />

Neste planeta <strong>de</strong> 7 biliões <strong>de</strong> habitantes, com um aumento anual da ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> 75 milhões,<br />

toda política envolve também uma <strong>mudança</strong> <strong>de</strong> comportamento individual e da<br />

cultura do consumo. O respeito às normas ambientais, a mo<strong>de</strong>ração do consumo, o<br />

cuidado no endividamento, o uso inteligente dos meios <strong>de</strong> transporte, a generalização<br />

da reciclag<strong>em</strong>, a redução do <strong>de</strong>sperdício – há um conjunto <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> organização do<br />

nosso cotidiano que passa por uma <strong>mudança</strong> <strong>de</strong> valores e <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s frente aos <strong>de</strong>safios<br />

econômicos, sociais e ambientais. No apagão energético do final dos anos 1990 no<br />

Brasil, constatou-se como uma boa campanha informativa, o papel colaborativo da<br />

mídia e a punição sist<strong>em</strong>ática dos excessos permitiu uma racionalização generalizada do<br />

uso doméstico da energia. Esta dimensão da solução dos probl<strong>em</strong>as é essencial e envolve<br />

tanto uma legislação a<strong>de</strong>quada, como sobretudo uma participação ativa da mídia.<br />

Hoje 95% dos domicílios no Brasil têm televisão e o uso informativo inteligente<br />

<strong>de</strong>ste e <strong>de</strong> outros meios <strong>de</strong> comunicação tornou-se fundamental. Frente aos esforços<br />

necessários para reequilibrar o planeta, não basta reduzir o martelamento publicitário<br />

que apela para o consumismo <strong>de</strong>senfreado, é preciso generalizar as dimensões informativas<br />

dos meios <strong>de</strong> comunicação. A mídia científica praticamente <strong>de</strong>sapareceu, os<br />

noticiários navegam no atrativo da criminalida<strong>de</strong>, quando precisamos vitalmente <strong>de</strong><br />

uma população informada sobre os <strong>de</strong>safios reais que enfrentamos. Gran<strong>de</strong> parte da<br />

<strong>mudança</strong> do comportamento individual <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> ações públicas: as pessoas não<br />

<strong>de</strong>ixarão o carro <strong>em</strong> casa (ou <strong>de</strong>ixarão <strong>de</strong> tê-lo) se não houver transporte público, não<br />

farão reciclag<strong>em</strong> se não houver sist<strong>em</strong>as a<strong>de</strong>quados <strong>de</strong> coleta. Precisamos <strong>de</strong> uma<br />

política pública <strong>de</strong> <strong>mudança</strong> do comportamento individual.<br />

Racionalizar os sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> intermediação financeira<br />

A alocação final dos recursos financeiros <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser organizada <strong>em</strong> função dos<br />

usos finais <strong>de</strong> estímulo e orientação <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s econômicas e sociais, para obe<strong>de</strong>cer<br />

às finalida<strong>de</strong>s dos próprios intermediários financeiros. A ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crédito é s<strong>em</strong>pre<br />

uma ativida<strong>de</strong> pública, seja no quadro das instituições públicas, seja no quadro<br />

dos bancos privados que trabalham com dinheiro do público, e que para tanto precisam<br />

<strong>de</strong> uma carta-patente que os autoriza a ganhar dinheiro com dinheiro dos outros.<br />

A recente crise financeira <strong>de</strong> 2008 d<strong>em</strong>onstrou com clareza o caos que gera a<br />

ausência <strong>de</strong> mecanismos confiáveis <strong>de</strong> regulação no setor. Nas últimas duas décadas,<br />

t<strong>em</strong>os saltado <strong>de</strong> bolha <strong>em</strong> bolha, <strong>de</strong> crise <strong>em</strong> crise, s<strong>em</strong> que a relação <strong>de</strong> forças permita<br />

a reformulação do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> regulação <strong>em</strong> função da produtivida<strong>de</strong> sistêmica<br />

dos recursos. Enquanto não se gera uma relação <strong>de</strong> forças mais favorável, precisamos<br />

batalhar os sist<strong>em</strong>as nacionais <strong>de</strong> regulação financeira. O dinheiro não é mais produtivo<br />

on<strong>de</strong> ren<strong>de</strong> mais para o intermediário: <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os buscar a produtivida<strong>de</strong> sistêmica<br />

<strong>de</strong> um recurso que é público.<br />

149


IGNACY SACHS, CARLOS LOPES E LADISLAU DOWBOR<br />

A Coréia do Sul abriu recent<strong>em</strong>ente um financiamento <strong>de</strong> 36 biliões <strong>de</strong> dólares<br />

para financiar transporte coletivo e alternativas energéticas, gerando com isto 960 mil<br />

<strong>em</strong>pregos. O impacto positivo é ambiental pela redução <strong>de</strong> <strong>em</strong>issões, é anti-cíclico<br />

pela dinamização da d<strong>em</strong>anda, é social pela redução do <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego e pela renda gerada,<br />

é tecnológico pelas inovações que gera nos processos produtivos mais limpos.<br />

T<strong>em</strong>, inclusive, um impacto raramente consi<strong>de</strong>rado, que é a redução do t<strong>em</strong>po <strong>de</strong><br />

vida que as pessoas <strong>de</strong>sperdiçam no transporte. Trata-se aqui, evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, <strong>de</strong><br />

financiamento público, pois os bancos comerciais não teriam esta preocupação, n<strong>em</strong><br />

esta visão sistêmica. (UNEP,Global Green New Deal, 2009). Em última instância, os<br />

recursos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser tornados mais acessíveis seguido <strong>de</strong> que os objetivos do seu uso<br />

sejam mais produtivos <strong>em</strong> termos sistêmicos, visando um <strong>de</strong>senvolvimento mais<br />

inclusivo e mais sustentável. A intermediação financeira é um meio, não é um fim.<br />

Tributação das transações especulativas<br />

Uma das alternativas mais frequent<strong>em</strong>ente sugeridas é a tributação das transações<br />

especulativas. Na linha da antiga proposta <strong>de</strong> James Tobin, uma taxa <strong>de</strong>, por ex<strong>em</strong>plo,<br />

0,20% sobre cada transação, reduziria drasticamente a lucrativida<strong>de</strong> dos que têm<br />

como ativida<strong>de</strong> o constante movimento <strong>de</strong> capitais, ação que é apresentada pelos<br />

especuladores como aumentando a flui<strong>de</strong>z do mercado quando, na realida<strong>de</strong>, gera<br />

comportamentos <strong>de</strong> manada que joga preços <strong>de</strong> papéis e <strong>de</strong> commodities para cima e<br />

para baixo e <strong>de</strong>sorganiza qualquer ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> planejamento organizado da produção<br />

e do investimento produtivo. Um segundo importante efeito <strong>de</strong> uma taxa <strong>de</strong>ste tipo<br />

é que todas as transações passariam a ser registradas, o que reduziria drasticamente os<br />

imensos volumes <strong>de</strong> movimentos ilegais, <strong>em</strong> particular a evasão fiscal e o uso <strong>de</strong> paraísos<br />

fiscais. Trata-se <strong>de</strong> uma medida necessária, ainda que não suficiente, para a <strong>de</strong>sintermediação<br />

das transações e redução dos diversos tipos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s alavancadas<br />

(cary tra<strong>de</strong>, etc.). A recente aplicação no Brasil <strong>de</strong> uma taxa <strong>de</strong> 2% sobre capitais que<br />

entram, mostra o potencial <strong>de</strong> políticas nacionais <strong>de</strong> racionalização dos fluxos especulativos.<br />

Particular atenção precisa ser dada aos intermediários que ganham apenas nos fluxos<br />

entre outros intermediários – com papéis que representam direitos sobre outros<br />

papéis – e que têm tudo a ganhar com a maximização dos fluxos, pois são r<strong>em</strong>unerados<br />

por comissões sobre o volume e ganhos, e geram, portanto, volatilida<strong>de</strong> e prociclicida<strong>de</strong>,<br />

com os monumentais volumes que nos levaram, por ex<strong>em</strong>plo, a valores<br />

<strong>em</strong> <strong>de</strong>rivativos da ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> 863 triliões <strong>de</strong> dólares <strong>em</strong> Junho <strong>de</strong> 2008, 15 vezes o<br />

PIB mundial. A intermediação especulativa – diferent<strong>em</strong>ente da intermediação <strong>de</strong><br />

compras e vendas entre produtores e utilizadores finais – apenas gera uma pirâmi<strong>de</strong><br />

especulativa e insegurança, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>sorganizar os mercados e as políticas econômicas<br />

12.<br />

150


CRISES E OPORTUNIDADES EM TEMPOS DE MUDANÇA<br />

Repensar a lógica dos sist<strong>em</strong>as tributários<br />

Uma política tributária, equilibrada na cobrança e reorientada na aplicação dos<br />

recursos, constitui um dos instrumentos fundamentais <strong>de</strong> que dispomos, sobretudo<br />

porque po<strong>de</strong> ser promovida por mecanismos d<strong>em</strong>ocráticos. O eixo central não está<br />

na redução dos impostos, e sim na cobrança socialmente mais justa e na alocação mais<br />

produtiva <strong>em</strong> termos sociais e ambientais. A taxação das transações especulativas<br />

(nacionais ou internacionais) <strong>de</strong>verá gerar fundos para financiar uma série <strong>de</strong> políticas<br />

essenciais para o reequilíbrio social e ambiental. O imposto sobre gran<strong>de</strong>s fortunas<br />

é hoje essencial para reduzir o po<strong>de</strong>r político das dinastias econômicas (10% das<br />

famílias do planeta é dono <strong>de</strong> 90% do patrimônio familiar acumulado no planeta).<br />

O imposto sobre a herança é fundamental para dar chances a partilhas mais equilibradas<br />

para as sucessivas gerações. O imposto sobre a renda <strong>de</strong>ve adquirir mais peso<br />

relativamente aos impostos indiretos, com alíquotas que permitam efetivamente<br />

redistribuir a renda. É importante l<strong>em</strong>brar que as gran<strong>de</strong>s fortunas do planeta <strong>em</strong><br />

geral estão vinculadas não a um acréscimo <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong>s produtivas do planeta, e<br />

sim à aquisição maior <strong>de</strong> <strong>em</strong>presas por um só grupo, gerando uma pirâmi<strong>de</strong> cada vez<br />

mais instável e menos governável <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s cruzadas, impérios on<strong>de</strong> a gran<strong>de</strong><br />

luta é pelo controle do po<strong>de</strong>r financeiro, político e mediático, e a apropriação <strong>de</strong><br />

recursos naturais. O sist<strong>em</strong>a tributário t<strong>em</strong> <strong>de</strong> ser reformulado no sentido anti-cíclico,<br />

privilegiando ativida<strong>de</strong>s produtivas e penalizando as especulativas; no sentido do<br />

maior equilíbrio social ao ser fort<strong>em</strong>ente progressivo; e no sentido <strong>de</strong> proteção ambiental<br />

ao taxar <strong>em</strong>issões tóxicas ou geradoras <strong>de</strong> <strong>mudança</strong> climática, b<strong>em</strong> como o uso<br />

<strong>de</strong> recursos naturais não renováveis 13.<br />

Particular atenção <strong>de</strong>verá ser dada às taxas sobre <strong>em</strong>issão <strong>de</strong> gases do efeito estufa,<br />

que <strong>de</strong>verão <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar um papel importante <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> captação <strong>de</strong> recurso e<br />

po<strong>de</strong>rão constituir um fundo <strong>de</strong> primeira importância, para o equilíbrio ambiental.<br />

Está-se tornando evi<strong>de</strong>nte que o mercado <strong>de</strong> carbono simplesmente não é suficiente<br />

como mecanismo <strong>de</strong> dissuasão das <strong>em</strong>issões. A aplicação <strong>de</strong> taxas sobre as <strong>em</strong>issões –<br />

já <strong>em</strong> curso na Suécia, na Noruega, ou na Itália – é tecnicamente simples, e o seu uso<br />

generalizado permite que os usuários particulares ou industriais sejam obrigados a<br />

incorporar nas suas <strong>de</strong>cisões econômicas os custos reais indiretamente gerados para<br />

toda a socieda<strong>de</strong>, inclusive as futuras gerações.<br />

Repensar a lógica orçamentária<br />

O po<strong>de</strong>r redistributivo do Estado é gran<strong>de</strong>, tanto pelas políticas que executa – por<br />

ex<strong>em</strong>plo as políticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, lazer, saneamento e outras infra-estruturas sociais que<br />

melhoram o nível <strong>de</strong> consumo coletivo –, como pelas que po<strong>de</strong> fomentar, como<br />

opções energéticas, inclusão digital e assim por diante. Fundamental também é a<br />

política redistributiva que envolve política salarial, <strong>de</strong> previdência, <strong>de</strong> crédito, <strong>de</strong><br />

151


IGNACY SACHS, CARLOS LOPES E LADISLAU DOWBOR<br />

preços, <strong>de</strong> <strong>em</strong>prego. A forte presença das corporações junto ao po<strong>de</strong>r político constitui<br />

um dos entraves principais ao equilíbrio na alocação <strong>de</strong> recursos. O essencial é<br />

assegurar que todas as propostas <strong>de</strong> alocação <strong>de</strong> recursos sejam analisadas pelo triplo<br />

enfoque econômico, social e ambiental. No caso brasileiro, constatou-se com as<br />

recentes políticas sociais («Bolsa-Família», políticas <strong>de</strong> previdência, etc.) que volumes<br />

relativamente limitados <strong>de</strong> recursos, quando chegam à «base da pirâmi<strong>de</strong>», são<br />

incomparavelmente mais produtivos, tanto <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> situações críticas<br />

e consequente aumento <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, como pela dinamização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />

econômicas induzidas pela d<strong>em</strong>anda local. A d<strong>em</strong>ocratização aqui é fundamental.<br />

A apropriação dos mecanismos <strong>de</strong>cisórios sobre a alocação <strong>de</strong> recursos públicos<br />

está no centro dos processos <strong>de</strong> corrupção, envolvendo as gran<strong>de</strong>s bancadas corporativas,<br />

por sua vez ancoradas no financiamento privado das campanhas.<br />

Facilitar o acesso ao conhecimento e às tecnologias sustentáveis<br />

A participação efetiva das populações nos processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável<br />

envolve um <strong>de</strong>nso sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> acesso público e gratuito à informação necessária.<br />

A conectivida<strong>de</strong> planetária que as novas tecnologias permit<strong>em</strong> constitui uma ampla<br />

via <strong>de</strong> acesso direto. O custo-benefício da inclusão digital generalizada é simplesmente<br />

imbatível, pois é um programa que <strong>de</strong>sonera as instâncias administrativas<br />

superiores, na medida <strong>em</strong> que as comunida<strong>de</strong>s com acesso à informação se tornam<br />

sujeitos do seu próprio <strong>de</strong>senvolvimento. A rapi<strong>de</strong>z da apropriação <strong>de</strong>ste<br />

tipo <strong>de</strong> tecnologia até nas regiões mais pobres se constata na propagação do celular.<br />

O impacto produtivo é imenso para os pequenos produtores que passam a ter acesso<br />

direto a diversos mercados tanto <strong>de</strong> insumos como <strong>de</strong> venda, escapando aos<br />

diversos sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> atravessadores comerciais e financeiros. A inclusão digital<br />

generalizada é um <strong>de</strong>stravador potente do conjunto do processo <strong>de</strong> <strong>mudança</strong> que<br />

hoje se torna indispensável.<br />

O mundo frequent<strong>em</strong>ente esquece que 2 biliões <strong>de</strong> pessoas ainda cozinham com<br />

lenha, área <strong>em</strong> que há inovações significativas no aproveitamento calórico por<br />

meio <strong>de</strong> fogões melhorados. Tecnologias como o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> cisternas do Nor<strong>de</strong>ste,<br />

<strong>de</strong> aproveitamento da biomassa, <strong>de</strong> sist<strong>em</strong>as menos agressivos <strong>de</strong> proteção dos cultivos,<br />

etc., constitu<strong>em</strong> um vetor <strong>de</strong> <strong>mudança</strong> da cultura dos processos produtivos.<br />

A criação <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> núcleos <strong>de</strong> fomento tecnológico online, com ampla capilarida<strong>de</strong>,<br />

po<strong>de</strong>-se inspirar da experiência da Índia, on<strong>de</strong> foram criados núcleos <strong>em</strong><br />

praticamente todas as vilas do país. O World Economic and Social Survey 2009<br />

é particularmente eloquente ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a flexibilização <strong>de</strong> patentes no sentido <strong>de</strong><br />

assegurar ao conjunto da população mundial o acesso às informações indispensáveis<br />

para as <strong>mudança</strong>s tecnológicas exigidas por um <strong>de</strong>senvolvimento sustentável.<br />

152


CRISES E OPORTUNIDADES EM TEMPOS DE MUDANÇA<br />

D<strong>em</strong>ocratizar a comunicação<br />

A comunicação é uma das áreas que mais explodiu <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> peso relativo<br />

nas transformações da socieda<strong>de</strong>. Estamos <strong>em</strong> permanência cercados <strong>de</strong> mensagens.<br />

As nossas crianças passam horas submetidas à publicida<strong>de</strong> ostensiva ou disfarçada.<br />

A indústria da comunicação, com sua fantástica concentração internacional<br />

e nacional – e a sua crescente interação entre os dois níveis – gerou uma máquina <strong>de</strong><br />

fabricar estilos <strong>de</strong> vida, um consumismo obsessivo que reforça o elitismo, as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s,<br />

o <strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong> recursos como símbolo <strong>de</strong> sucesso. O sist<strong>em</strong>a circular permite<br />

que os custos sejam <strong>em</strong>butidos nos preços dos produtos que nos incitam a comprar,<br />

e ficamos envoltos <strong>em</strong> um cacarejo permanente <strong>de</strong> mensagens idiotas pagas do nosso<br />

bolso. Mais recent<strong>em</strong>ente, a corporação utiliza este caminho para falar b<strong>em</strong> <strong>de</strong> si, para<br />

se apresentar como sustentável e, <strong>de</strong> forma mais ampla, como boa pessoa. O espectro<br />

eletromagnético <strong>em</strong> que estas mensagens navegam é público, e o acesso a uma informação<br />

inteligente e gratuita para todo o planeta, é simplesmente viável. Expandindo<br />

gradualmente as inúmeras formas alternativas <strong>de</strong> mídia que surg<strong>em</strong> por toda parte,<br />

há como introduzir uma cultura nova, outras visões <strong>de</strong> mundo, cultura diversificada<br />

e não pasteurizada, pluralismo <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> fundamentalismos religiosos ou comerciais.<br />

A lista <strong>de</strong> propostas e sugestões po<strong>de</strong>, evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, alongar-se. O fato que mais<br />

inspira esperança é a multiplicação impressionante <strong>de</strong> iniciativas nos planos da tecnologia,<br />

dos sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> gestão local, do uso da Internet para d<strong>em</strong>ocratizar o conhecimento,<br />

da <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> produção menos agressivas, <strong>de</strong> formas mais<br />

equilibradas <strong>de</strong> acesso aos recursos. O Brasil neste plano t<strong>em</strong> mostrado que começar<br />

a construir uma vida mais digna para o «andar <strong>de</strong> baixo», para os dois terços <strong>de</strong> excluídos,<br />

não gera tragédias para os ricos. Inclusive, numa socieda<strong>de</strong> mais equilibrada,<br />

todos passarão a viver melhor.<br />

NOTAS<br />

1. Os rios <strong>de</strong> dinheiro e <strong>em</strong>bustes utilizados pela ExxonMobil e outras <strong>em</strong>presas para tentar camuflar os impactos<br />

da <strong>mudança</strong> climática e outros <strong>de</strong>sastres ambientais estão <strong>de</strong>scritos <strong>em</strong> <strong>de</strong>talhe no livro <strong>de</strong> James Hoggan, Climate<br />

Cover-Up: The Crusa<strong>de</strong> to Deny Global Warming, Greystone Books, Vancouver, 2009.<br />

2. No original: «The science tells us that if we are serious about saving the Earth, we must reshape our economy.<br />

This, of course, is economic heresy. Growth to most economists is as essential as the air we breathe: it is, they claim,<br />

the only force capable of lifting the poor out of poverty, feeding the world’s growing population, meeting the costs<br />

of rising public spending and stimulating technological <strong>de</strong>velopment – not to mention funding increasingly expensive<br />

lifestyles. They see no limits to growth, ever. In recent weeks it has become clear just how terrified governments<br />

are of anything that threatens growth, as they pour billions of public money into a failing financial syst<strong>em</strong>. Amid the<br />

confusion, any challenge to the growth dogma needs to be looked at very carefully. This one is built on a long standing<br />

question: how do we square Earth’s finite resources with the fact that as the economy grows, the amount of natural<br />

resources nee<strong>de</strong>d to sustain that activity must grow too? It has taken all of human history for the economy to<br />

reach its current size. On current form, it will take just two <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>s to double.» New Scientist, 2008, vol. 18,<br />

Outubro, p. 40.<br />

3. Há imensa literatura sobre o assunto. O gráfico anexo, conhecido como «taça <strong>de</strong> champagne», é do Relatório <strong>de</strong><br />

153


IGNACY SACHS, CARLOS LOPES E LADISLAU DOWBOR<br />

Desenvolvimento Humano 1992 das Nações Unidas; para uma atualização <strong>em</strong> 2005, ver Relatório <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento Humano 2005, p. 37 (verificar pagina na versão portuguesa). A taça <strong>de</strong> champagne apenas afinou<br />

o gargalo, não houve <strong>mudança</strong>s substantivas. Uma excelente análise do agravamento recente <strong>de</strong>stes números po<strong>de</strong> ser<br />

encontrada no relatório Report on the World Social Situation 2005, «The Inequality Predicament», United<br />

Nations, Nova Iorque, 2005. O documento do Banco Mundial, The Next 4 Billion, que avalia <strong>em</strong> 4 biliões as pessoas<br />

que estão «fora dos benefícios da globalização», é igualmente interessante – IFC. The Next 4 Billion,<br />

Washington, 2007; estamos falando <strong>de</strong> dois terços da população mundial.<br />

4. No original, «The financial-services industry is cond<strong>em</strong>ned to suffer a horrible contraction. In America the<br />

industry’s share of total corporate profits climbed from 10% in the early 1980s to 40% at its peak in 2007». «A special<br />

report on the future of finance», The Economist, 2009, 24 <strong>de</strong> Janeiro, p. 20.<br />

5. Ver <strong>em</strong> particular o relatório <strong>de</strong> Amartya Sen, Joseph Stiglitz e Jean Paul Fitoussi, Report by the Commission on<br />

the Measur<strong>em</strong>ent of Economic Performance and Social Progress, disponível <strong>em</strong> www.stiglitz-sen-fitoussi.fr.<br />

6. IPEA (2006), «Brasil, o estado <strong>de</strong> uma nação – mercado <strong>de</strong> trabalho, <strong>em</strong>prego e informalida<strong>de</strong>», Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

«Na sua expressão mais direta, o setor informal é encarado como gerador <strong>de</strong> <strong>em</strong>pregos <strong>de</strong> baixa qualida<strong>de</strong> e r<strong>em</strong>uneração,<br />

ineficiências e custos econômicos adicionais, constituindo uma distorção a ser combatida»...«Em 1992, o<br />

percentual da informalida<strong>de</strong> era <strong>de</strong> 51,9%, atingiu 53,9% <strong>em</strong> 1998, voltando a 51,7% <strong>em</strong> 2003 e caindo para 51,2%<br />

<strong>em</strong> 2004» (pp. 337 e 339). Os dados são muito s<strong>em</strong>elhantes praticamente para a totalida<strong>de</strong> da América Latina.<br />

7. UN (2005), The Inequality Predicament, Nova Iorque, p. 30.<br />

8. T<strong>em</strong>os hoje inúmeros estudos que apresentam propostas práticas tanto para a informalida<strong>de</strong>, como para a<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero, a <strong>mudança</strong> da jornada <strong>de</strong> trabalho, políticas locais <strong>de</strong> inclusão e outras, dada a extr<strong>em</strong>a diversida<strong>de</strong><br />

das situações herdadas, inclusive o aproveitamento ina<strong>de</strong>quado <strong>de</strong> universitários.<br />

9. SCHIEBER, George, FLEISHER Lisa e GOTTRET Pablo (2007), «Gettting Real on Health Financing».<br />

Finance and Development, International Monetary Fund, Dez<strong>em</strong>bro, http://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/-<br />

2006/12/schieber.htm.<br />

10. The Economist, 14 a 20 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 2009, p. 37, citando dados da Newsweek.<br />

11. PAC – Programa <strong>de</strong> Aceleração do Crescimento, é um dos programas centrais do governo fe<strong>de</strong>ral brasileiro no<br />

sentido <strong>de</strong> dinamizar a expansão <strong>de</strong> infra-estruturas, gerar <strong>em</strong>pregos, reforçar a inclusão («PAC Social») e enfrentar a<br />

crise financeira global.<br />

12. BIS Quarterly Review, Dez<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2008, Naohiko Baba et al., www.bis.org/publ/qtrpdf/r_qt0812b.pdf,<br />

p. 26: «In Nov<strong>em</strong>ber, the BIS released the latest statistics based on positions as at end-june 2008 in the global over-<br />

-the-counter (OTC) <strong>de</strong>rivatives markets. The notional amounts outstanding of OTC <strong>de</strong>rivatives continued to expand<br />

in the first half of 2008. Notional amounts of all types of OTC contracts stood at $863 trillion at the end of June,<br />

21% higher than six months before». São 863 triliões <strong>de</strong> dólares <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivativos <strong>em</strong>itidos, frente a um PIB mundial<br />

<strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 60 triliões.<br />

13. Susan George traz uma ilustração convincente: um bilionário que aplica o seu dinheiro com uma conservadora<br />

r<strong>em</strong>uneração <strong>de</strong> 5% ao ano, aumenta a sua fortuna <strong>em</strong> 137 mil dólares por dia. Taxar este tipo <strong>de</strong> ganhos não é<br />

«aumentar os impostos», é corrigir absurdos.<br />

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