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1 O MAL-ESTAR DA CEGUEIRA “Eu me pergunto: se eu olhar a ...

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(1930) retomando Hobbes 9 . O ho<strong>me</strong>m precisa renunciar a satisfação de suas pulsões<br />

hostis a fim de não destruir o outro e, con<strong>se</strong>quente<strong>me</strong>nte, proteger a si <strong>me</strong>smo. Sem essa<br />

capacidade de renúncia, não havendo a internalização da lei, os ho<strong>me</strong>ns <strong>se</strong> matariam uns<br />

aos outros. A pulsão de morte prevaleceria sobre a pulsão de vida. É por <strong>me</strong>do de perder<br />

a proteção e por amor, que a renúncia pode <strong>se</strong> dar. Quando imperam o narcisismo, o não<br />

reconheci<strong>me</strong>nto da diferença e a transgressão, o ho<strong>me</strong>m fica ainda mais jogado no<br />

desamparo.<br />

“Dentro de nós há uma coisa que não tem no<strong>me</strong>, essa coisa é o que somos”, diz<br />

uma personagem do fil<strong>me</strong>. Mas isso que somos nem <strong>se</strong>mpre é fácil de <strong>se</strong>r visto. Um<br />

personagem <strong>se</strong> espanta quando o cego, que foi cego a vida toda, e que por isso <strong>me</strong>smo<br />

poderia, ou deveria mais facil<strong>me</strong>nte <strong>se</strong> colocar no lugar dos que ficaram cegos,<br />

entendendo sua fragilidade, age de forma perversa, explorando-os. Aquilo que escuta o<br />

espanta ainda mais: ele é cego e isso não faz dele bom ou mau. Isso aponta para o<br />

terrorífico dentro do próprio ho<strong>me</strong>m, Tânatos, pois re<strong>me</strong>te ao desamparo e à<br />

destrutividade, anterior ao <strong>se</strong>r bom ou não - é anterior ao <strong>se</strong>r sujeito.<br />

O ho<strong>me</strong>m, no entanto, é também habitado por Eros. Aquilo que é da ordem da<br />

vida busca estabelecer vínculos e encontrar <strong>se</strong>ntido. No fil<strong>me</strong>, ob<strong>se</strong>rva-<strong>se</strong> que as pessoas<br />

cuidadas pela mulher que não ficou cega foram estabelecendo vínculos e organizando<strong>se</strong><br />

com regras que visavam pre<strong>se</strong>rvar a vida. Na ausência do <strong>se</strong><strong>me</strong>lhante advém a<br />

destrutividade, que conduz ao aniquila<strong>me</strong>nto.<br />

A destrutividade e a lei<br />

Fr<strong>eu</strong>d afirma que a passagem humana para a posição ereta e a substituição do<br />

olfato pela visão 10 (carta 55) como <strong>se</strong>ntido predominante são barreiras importantes para<br />

o recalque da destrutividade. No fil<strong>me</strong>, a cegueira leva ao enfraqueci<strong>me</strong>nto desta<br />

barreira, aproximando cada um de sua destrutividade.<br />

Como propõe Fr<strong>eu</strong>d (1930), a cultura implica não conviver com a arbitrariedade,<br />

mitologica<strong>me</strong>nte repre<strong>se</strong>ntada pelo pai totêmico, e no fil<strong>me</strong> pelo “rei da ala 3”. Assim,<br />

em no<strong>me</strong> do grupo, e não do indivíduo, bem como foi possível matar o pai, foi possível<br />

matar o “monarca absolutista” que buscava comandar a todos os cegos.<br />

9<br />

Fr<strong>eu</strong>d (1930, p.108) refere ter tomado de Plauto esta afirmativa que é igual<strong>me</strong>nte utilizada por Hobbes<br />

para <strong>se</strong> referir “à passagem do estado de natureza ao estado político, ou <strong>se</strong>ja, a renúncia a uma ação<br />

violenta em no<strong>me</strong> de um contrato nos quais os ho<strong>me</strong>ns encontram-<strong>se</strong> entre si obrigados a um soberano”.<br />

(2005 p. 38).<br />

10<br />

Esta referência encontra-<strong>se</strong> na nota do editor que re<strong>me</strong>te à carta 55 e 75 da correspondência de Fr<strong>eu</strong>d<br />

(1892-99), p.280 e 310.<br />

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