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AS NAUS ANTàNIO LOBO ANTUNES AS NAUS ... - hora absurda IV

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39<br />

Por mim n„o tem nada que saber: arrasto a cadeira de baloi‡o<br />

de palhinha para o centro do vest¡bulo, de onde se vˆ a porta<br />

e as t buas do sobrado se lamentam menos, apago a luz e fico …<br />

espera, a soprar com for‡a no escuro, que elas regressem das<br />

boites de Arroios ou das rvores do Campo de Santana,<br />

exaustas, despenteadas, de sapatos na m„o, com o baton<br />

desbotado pelos beijos dos clientes, perseguidas … distƒncia<br />

por ladrar de c„es, buzinas de autom¢veis despeitados e o<br />

p¡faro do vento nas ervas e nos pr‚dios em ru¡na. Depois do<br />

jantar aguento uma por‡„o de tempo, a chupar o charuto, de<br />

olhos abertos na noite, e a partir das duas, ou seja a seguir<br />

ao carro-patrulha iluminar os estores fracturados e<br />

desaparecer na embaixada de It lia, levanto-me devagarinho<br />

para n„o acordar a minha m„e e os meus filhos que dormem<br />

4I<br />

na mesma cama do que eu, des‡o as escadas amparando a barriga<br />

com o ninho da palma, e sento-me a observar os sem foros e as<br />

ins¡gnias da Estefƒnia, nomes de letras fundidas e peda‡os de<br />

telhado que o luar cor de tomate agu‡a e revela, a pensar nos<br />

trˆs cinemas que n„o tive nunca, apenas uma sala de percevejos<br />

no bairro dos paquistaneses de m morte, uma cave irrespir vel<br />

de suor e de mis‚ria e do cheiro do caril, com vaqueiros a<br />

galoparem, atr s do som dessincronizado dos cascos, no len‡ol<br />

do ‚cran. A pensar em µfrica, amados irm„os, e na vivenda com<br />

piscina que se resumia ao tanque de lavar roupa com um fundo<br />

de chuva dentro apodrecendo no capim ao lado da rulote em que<br />

mor vamos, comprada ao circo falido que depositava as girafas<br />

e os le”es nos penhoristas da cidade, bichos gastos como<br />

cotovelos de sobretudo estendidos nas vitrinas entre pulseiras<br />

e despertadores, ou palha‡os pobres nas estantes das montras a<br />

sorrirem para n¢s enormes gargalhadas melanc¢licas.<br />

Portanto oi‡o o ru¡do da cadeira de baloi‡o e os diversos,<br />

estranhos, m£ltiplos, ¡nfimos barulhos da casa, passinhos de<br />

carocha no silˆncio, a agita‡„o das tra‡as, o ressonar dos<br />

h¢spedes, escuto a manh„ que chega, ainda escuro, no reboli‡o<br />

dos p ssaros nos caboucos vizinhos, enquanto aguardo que as<br />

mulheres trepem, encosta acima, das discotecas de vodka marado<br />

do Bairro das Col¢nias e da Luciano Cordeiro, que entrem na<br />

pens„o tontas de vinho falso, que passem por mim sem me

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