AS NAUS ANTàNIO LOBO ANTUNES AS NAUS ... - hora absurda IV

cometas, depositou-os numa esp‚cie de corredor de bas¡lica com
os v„os dos altares laterais numerados a algarismos de prata.
Na cama que nos ofereceram, t„o grande como os areais de
Bolama, focinhos de tubar„o navegavam na goma dos len‡¢is. Uma
banheira pontif¡cia ocupava a sacristia de azulejos do
compartimento vizinho, ao lado da escultura de uma sanita de
Henry Moore s¢ para eles, n¢s que em µfrica partilh vamos a
nossa intimidade com a intimidade dos restantes h¢spedes,
contendo a flora do intestino … espera do autoclismo de quem
se nos antecipara na urgˆncia das necessidades. Para l das
cortinas vermelhas e brancas percebiam-se os edif¡cios de
Lixboa,
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flechas de igreja, os quarteir”es isolados da peste,
jardinzinhos ex¡guos e o c‚u, liberto das nuvens de tempestade
da Guin‚, em que subiam e desciam santos de t£nica e m„os
postas que o sol doirava de uma poeira de talha. O velho
deixou a fotografia de casamento numa c¢moda ducal sem se
atrever a confrontar a noiva do retrato, de corpete de barbas
de baleia, com a septuagen ria de cabelo sem vi‡o de que
conhecia os tiques e os gestos at‚ … quase absoluta
inutilidade das palavras. E no entanto, amolecido numa
almofada de toucador cujos espelhos o reproduziam numa
repetitiva n usea intoler vel, palpou-se longamente para se
convencer da sua pr¢pria idade, tomando consciˆncia dos
molares que faltavam, dos m£sculos que obedeciam em guinadas
dolorosas, do rosto devastado pelo clima da Guin‚ desde que
aos quinze anos o pai o enviara para os tr¢picos aos cuidados
de um primo sargento que se decompunha de aguardente e de
s¡filis numa guarni‡„o de fronteira. Agora o casal do retrato
tornara-se numa aguarela de iodo e n¢s em m£mias sem pr‚stimo
espantadas diante das dezenas de garrafinhas do bar do
apartamento, expostas em prateleiras de mogno na imobilidade
inquietante das pe‡as de xadrez. Ao escurecer entraram a medo
na nave de mosteiro de Alcoba‡a da sala de jantar enfarpelados
com a roupa que escondemos, no decurso da viagem, numa maleta
de linha: a minha mulher com o vestido pr‚-hist¢rico do seu
antigo emprego de caixeira numa loja de fivelas, e eu com o
fato de bandas largas, … Al Capone ou … dan‡arino de tango,
estreado no baptizado da nossa filha juntamente com a grava
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tinha rid¡cula, do diƒmetro de um atacador, que procurava
inutilmente unir as metades de um colarinho sem bot„o.
Colocaram-nos na mesma mesa que trˆs fazendeiros de Carmona
que carpiam o caf‚ perdido e a lembran‡a das prostitutas da
Muxima, um ca‡ador de hipop¢tamos capaz de sobreviver s‚culos,
sem um gesto, nas margens dos rios mais inclementes, e um
faquir goˆs de perinha asc‚tica que mastigava parafusos e
roscas, a aperfei‡oar bolas de p„o nos espargos dos dedos. Ao
servirem a sopa um gordo de la‡arote subiu o tamborete de um
piano el‚ctrico, puxou os punhos com os an‚is dos dedos e
acompanhou a canja a semifusas. Escudeiros de travessa na
palma bailavam nos intervalos dos aparadores. Os al”es de ca‡a
do infante D. Jo„o devoravam lebres pelos cantos. E o marido
deu consigo a reparar, espadeirando contra o caldo, que quase
todas as senhoras traziam cintos ou mantilhas ou saias
vermelhas e brancas onde se reiterava o estampado das
cortinas. Nalgumas dependuravam-se ainda as argolas de lata