Edição Nº 19 - Septembro/Outubro 2010 - Europa
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Edição Nº 19 - Septembro/Outubro 2010 - Europa
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O<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
C rreio<br />
A revista das relações e cooperação entre África-Caraíbas-Pacífico<br />
e a União Europeia<br />
www.acp-eucourier.info<br />
rEportagEm<br />
Tanzânia<br />
Entre imobilismo<br />
e audácia<br />
À dEScobErta da <strong>Europa</strong><br />
Flandres, na Bélgica<br />
Casamento de razão<br />
doSSIEr<br />
Migração e urbanismo<br />
Sonhos e pesadelos<br />
6-7 dez. <strong>2010</strong><br />
bruxelas
O<br />
C rreio<br />
Comité Editorial<br />
Co-Presidentes<br />
mohamed Ibn chambas, Secretário-geral<br />
Secretariado do grupo dos países de África, caraíbas e pacífico<br />
www.acp.int<br />
Fokion Fotiadis, director-geral da dg desenvolvimento<br />
comissão Europeia<br />
ec.europa.eu/development/<br />
Equipa Editorial<br />
Editor-Chefe<br />
Hegel goutier<br />
Jornalistas<br />
marie-martine buckens (Editor-chefe adjunto)<br />
debra percival<br />
Editor Assistente<br />
okechukwu umelo<br />
Assistente de Produção<br />
telm borràs<br />
Colaboraram nesta edição<br />
philip adekunle, Eric andriantsalonina, Sandra Federici, Erica gonzález, Yemisi Kuku,<br />
anne-marie mouradian, andrea marchesini reggiani, Francesca théosmy.<br />
Gerente de projecto<br />
gerda Van biervliet<br />
Coordenação artística<br />
gregorie desmons<br />
Paginação<br />
Loïc gaume<br />
Relações públicas<br />
andrea marchesini reggiani<br />
Distribuição<br />
Viva Xpress Logistics - www.vxlnet.be<br />
Agência Fotográfica<br />
reporters - www.reporters.be<br />
Contacto<br />
o correio<br />
45, rue de trèves<br />
1040 bruxelas<br />
bélgica (uE)<br />
info@acp-eucourier.info<br />
www.acp-eucourier.info<br />
tel.: +32 2 2345061<br />
Fax: +32 2 280 <strong>19</strong>12<br />
Capa<br />
rua na tanzânia.<br />
© marie-martine buckens<br />
Publicação em português, inglês, francês e espanhol<br />
para mais informações como subscrever, consulte o sítio web www.acp-eucourier.info<br />
ou contacte info@acp-eucourier.info<br />
Editor responsável<br />
Hegel goutier<br />
Parceiros<br />
gopa-cartermill - grand angle - Lai-momo<br />
a opinião expressa é dos autores e não representa o ponto de vista oficial da união<br />
Europeia nem dos países acp.<br />
os parceiros e a equipa editorial transferem toda a responsabilidade dos artigos escritos<br />
para os colaboradores externos.<br />
Índice<br />
O CORREIO, <strong>Nº</strong> <strong>19</strong> NoVa EdIÇÃo (N.E)<br />
PERSPECTIVA 10<br />
EDITORIAL 3<br />
PERFIL<br />
Jean-Pierre Ezin, Comissário da UA para os<br />
Recursos Humanos, Ciência e Tecnologia 4<br />
PONTO DE VISTA<br />
Andris Pielbags: Uma nova era nas relações da<br />
UE com África 6<br />
EM DIRECTO<br />
Bispo do Congo-Brazzaville, Mgr Louis Portella-Mbuyu:<br />
É necessário pôr um termo à ‘maldição dos<br />
recursos’ em África 8<br />
PERSPECTIVA 10<br />
DOSSIER<br />
Migração e urbanização<br />
DOSSIER 22<br />
Sonhos e pesadelos 16<br />
As migrações profissionais intra-ACP constituem<br />
uma prioridade 17<br />
Dinheiro, Informação, Talento e Arte 18<br />
Relatório ACP de 2011 sobre Mobilidade Humana<br />
destaca desafios políticos <strong>19</strong><br />
Solução para os bairros degradados. Mais do que<br />
dinheiro, interessa a tomada de consciência 20<br />
Urbanização interminável em Lagos, Nigéria 21<br />
Zanzibar, entroncamento de migrações 22<br />
O efeito de mudança da diáspora haitiana 23<br />
Pontos críticos da migração no Pacífico 25
DESCOBERTA DA EUROPA 26 A SOCIEDADE CIVIL EM AÇÇÃO 35 REPORTAGEM 48<br />
CRIATIVIDADE 60<br />
DESCOBERTA DA EUROPA<br />
Flandres, Bélgica<br />
Flandres, na Bélgica. Longa história de um casamento<br />
de razão 26<br />
Economia flamenga. O sucesso do que é pequeno 29<br />
Bélgica. Incertezas e esperança sobre o futuro 30<br />
Flandres. ONG de desenvolvimento 31<br />
Cidades de Flandres: País plano com vértices de beleza 32<br />
A Flandres em movimento 33<br />
Filmar o coração da Flandres 34<br />
A SOCIEDADE CIVIL EM AÇÇÃO<br />
Os esquecidos da Kagera 35<br />
EM FOCO<br />
Raoul Peck, realizador, argumentista e produtor haitiano 36<br />
Nossa terra<br />
Em foco: as finanças do clima 38<br />
INTERACÇÕES<br />
O Serviço Externo Europeu: qual o impacto sobre<br />
a política de desenvolvimento? 40<br />
A Terceira Cimeira África-UE realiza-se na Líbia 41<br />
Elevar a cooperação África-UE no domínio do espaço<br />
a novos cumes 43<br />
Centralizar o portal Agora na aldeia global 44<br />
Adeus às Antilhas Holandesas 45<br />
Dia Internacional da Alfabetização: a Ministra da<br />
Educação de Cabo Verde recebe o prémio da UNESCO 46<br />
COMéRCIO<br />
As Seicheles ganham o desafio da qualidade do peixe 47<br />
REPORTAGEM<br />
Tanzânia<br />
Tanzânia, entre imobilismo e audácia 48<br />
‘Mwalimu’, um ícone nacional e transnacional 49<br />
Um novo mercado comum – único na África – de<br />
130 milhões de pessoas 50<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
Com o seu potencial a Tanzânia podia fazer muito mais 52<br />
Um apoio orçamental importante ao serviço da luta<br />
contra a pobreza 54<br />
Romper o círculo vicioso da deficiência/pobreza 55<br />
O poder de decidir 56<br />
A água, o desafio da gestão sustentável em Zanzibar 57<br />
O pesadelo dos Tanzanianos 58<br />
Ebulição cultural 59<br />
CRIATIVIDADE<br />
Camuflagem urbana: Explorar as origens de um<br />
projecto artístico 60<br />
Fotografia africana em Ulm: uma exposição a<br />
não falhar 61<br />
PARA JOVENS LEITORES<br />
Uma entrada na <strong>Europa</strong> frutuosa? 63<br />
CORREIO DO LEITOR/AGENDA 64<br />
Espace Senghor é um centro que assegura a pro-<br />
O moção de artistas oriundos dos países de África, Caraíbas<br />
e Pacífico e o intercâmbio cultural entre comunidades,<br />
através de uma grande variedade de programas, indo<br />
das artes cénicas, música e cinema até à organização de<br />
conferências. É um lugar de encontro de belgas, imigrantes<br />
de origens diversas e funcionários europeus.<br />
Espace Senghor<br />
Centre culturel d’Etterbeek<br />
Bruxelas, Bélgica<br />
espace.senghor@chello.be<br />
www.senghor.be
2<br />
Bukoba, Tanzânia. © Marie-Martine Buckens
A tristeza dos poderosos<br />
poderoso é o melhor meio<br />
para combater a pobreza”.<br />
Estas palavras foram profe-<br />
“Ser<br />
ridas por um Comissário da<br />
União Africana na rubrica “Perfil” desta<br />
edição. É um eco do desejo de um defensor<br />
dos direitos do homem, convidado da<br />
“Sans détour”, ao considerar que as razões<br />
da pobreza e de guerras em África “encontram-se<br />
nos corredores económicos e em<br />
torno dos poços mineiros... muito longe<br />
de estarem sempre vinculadas a questões<br />
étnicas”. São corredores que permitem a<br />
evasão de receitas fiscais de cerca de mil<br />
milhões de dólares por ano, ou seja uma<br />
verba superior a toda a ajuda mundial ao<br />
desenvolvimento.<br />
Não faltam recursos nos países pobres.<br />
Mas será necessário pôr um termo àquilo<br />
a que o sínodo dos bispos africanos chama<br />
a “maldição dos recursos” neste continente.<br />
Este grito foi ouvido pelos parlamentos<br />
Europeu e dos Estados Unidos,<br />
que reclamam transparência nas indústrias<br />
extractivas do Norte a exercerem<br />
actividades no Sul, cujas verbas da evasão<br />
fiscal calculadas, quer dizer centenas de<br />
milhares de milhões de euros por ano,<br />
permitiriam realizar um grande pacote<br />
de Objectivos de Desenvolvimento do<br />
Milénio.<br />
A Comissão Europeia acaba de autorizar<br />
um montante de mil milhões de euros<br />
suplementares para ajudar os países ACP<br />
mais pobres a alcançar os ODM. Tanto<br />
quanto o Parlamento da UE, a Comissão<br />
é também favorável a uma taxa sobre as<br />
transacções financeiras que poderia contribuir<br />
com cerca de 100 mil milhões de<br />
euros por ano para o desenvolvimento<br />
dos países pobres. Os cidadãos da União<br />
Europeia – sabemo-lo pelos resultados<br />
de uma sondagem – sentem-se cada vez<br />
mais solidários das populações mais carecidas.<br />
São praticamente dois em cada<br />
três cidadãos a desejarem um reforço da<br />
ajuda ao desenvolvimento. Estes números<br />
vaticinam de algum modo o fim da<br />
“Aide Fatigue”. A solicitude e a compaixão<br />
para com os países em desenvolvimento<br />
têm progredido indiscutivelmente nestes<br />
últimos tempos. Mas, também, a tristeza<br />
causada pela pilhagem dos seus recursos.<br />
O grande dossiê consagrado à “Migração<br />
e urbanismo” revela também escuridão e<br />
claridade. Mas o que ressalta daí é que se<br />
vê mais aquela do que esta. O balanço das<br />
migrações a longo prazo foi geralmente<br />
o progresso e não a crueldade frequentemente<br />
temida. Mais do que os recursos,<br />
seria útil sensibilizar para a situação<br />
dos migrantes, a fim de transformar a<br />
migração numa grande oportunidade. A<br />
reportagem “Países ACP” faz descobrir<br />
a Tanzânia, inclusive o Zanzibar, a terra<br />
por excelência da migração com o seu<br />
aspecto luminoso.<br />
A reportagem Região da <strong>Europa</strong>, essa é<br />
consagrada à Flandres, na Bélgica, país<br />
que assume a presidência rotativa da<br />
UE e onde nasceu o primeiro Presidente<br />
da União, escolhido pelo Parlamento<br />
Europeu e pelos Chefes de Estado. Uma<br />
terra muito conhecida e muito ignorada<br />
ao mesmo tempo. Nesta altura em que<br />
a Bélgica atravessa um momento difícil,<br />
que torna saudosistas aqueles que tanto a<br />
amam, seria oportuno observar bem esta<br />
pátria da arte e do progresso, dotada de<br />
um espírito inventor inigualável em todas<br />
suas componentes. Os países pobres beneficiam<br />
de uma grande solicitude quando<br />
atravessam um mau período político.<br />
Emerge então um movimento de ajuda e<br />
de aconselhamento. Não se deve interferir<br />
nos assuntos políticos de um país onde<br />
reina uma democracia sólida. Um amigo<br />
belga afirmou estar “triste por não haver<br />
ninguém a intervir – não para indicar o<br />
que fazer – mas por simpatia, para ajudar<br />
a encontrar uma solução”. Títulos de dois<br />
belos romances belgas. De um lado “A<br />
tristeza dos Belgas” de Hugo Claus, do<br />
outro “Uma paz real” de Pierre Mertens.<br />
Hegel Goutier<br />
Chefe de Redacção<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong> 3<br />
Editorial
Perfil<br />
4<br />
Jean Pierre Ezin. © Michael Tsegaye<br />
Jean-Pierre Ezin, Comissário da UA para os Recursos Humanos,<br />
Ciência e Tecnologia<br />
“É fundamental que estejamos na<br />
dianteira das oito parcerias UA-EU”<br />
Debra Percival<br />
Jean Pierre Onvehoun<br />
Ezin é o Comissário<br />
da União Africana<br />
(UA) para os<br />
Recursos Humanos,<br />
Ciência e Tecnologia, um<br />
dos 10 comissários em<br />
representação dos 53 Estados<br />
Membros da UA. Este<br />
professor de matemática<br />
falou-nos da sua lista de<br />
aspirações para as<br />
áreas políticas pelas quais<br />
é responsável, no âmbito<br />
do segundo plano de acção<br />
(2011-2013) da Estratégia<br />
UE-África, que conta com<br />
oito parcerias sectoriais. Este<br />
plano de acção será debatido<br />
pelos parceiros UA-UE na<br />
próxima cimeira, a realizar<br />
em Trípoli, na Líbia, nos dias<br />
29 e 30 de Novembro.<br />
O Correio reuniu-se com<br />
o Comissário Ezin num<br />
seminário realizado em<br />
meados de Setembro, em<br />
Bruxelas, subordinado ao<br />
tema do Espaço e Cidadania<br />
Africana, organizado pela<br />
Presidência Belga da UE<br />
(ver o artigo separado<br />
nesta edição). Tendo em<br />
consideração o Objectivo de<br />
Desenvolvimento do Milénio<br />
(ODM) de reduzir a pobreza<br />
para metade até ao ano de<br />
2015, uma preocupação<br />
global partilhada, de que<br />
forma o apoio à ciência e à<br />
tecnologia pode contribuir<br />
para melhorar as condições<br />
de vida dos mais pobres?<br />
“A conquista de riqueza é a<br />
melhor forma de combate<br />
à pobreza, sendo que a<br />
melhor forma de conquistar<br />
riqueza passa pelo acesso<br />
à ciência, à tecnologia e ao<br />
conhecimento”, afirmou<br />
Ezin. Apesar de outros<br />
parceiros como a China,<br />
o Brasil e a Índia estarem<br />
actualmente a seduzir<br />
o continente africano,<br />
declarou Ezin, “a <strong>Europa</strong> é<br />
o parceiro que conhecemos<br />
melhor e que também<br />
nos conhece melhor,<br />
contudo, pretendemos uma<br />
cooperação mais efectiva.<br />
Queremos ver resultados<br />
em Trípoli, não apenas<br />
discursos”.<br />
Um assunto<br />
particularmente caro<br />
ao Comissário Ezin<br />
é a criação de uma<br />
Universidade<br />
Pan-Africana para a<br />
Ciência e Tecnologia<br />
O primeiro plano de acção<br />
(2008-<strong>2010</strong>) da parceria<br />
da sua responsabilidade, a<br />
da Ciência, Tecnologia e<br />
Informação, obteve muitos<br />
resultados. Entre estes<br />
incluem-se um programa<br />
de bolsas a atribuir a<br />
entidades de investigação<br />
científica da UE que se<br />
dediquem ao estudo de<br />
tópicos relacionados com a<br />
saúde e outros, em conjunto<br />
com parceiros africanos<br />
(será anunciado na próxima<br />
cimeira um programa novo,<br />
dedicado exclusivamente<br />
a entidades científicas<br />
africanas), prémios a atribuir<br />
a cientistas africanos pela<br />
excelência do trabalho<br />
produzido e o lançamento da<br />
Ligação África, alargando<br />
a rede GÉANT exclusiva<br />
da UE à África, uma<br />
página Internet dedicada<br />
a investigadores africanos,<br />
permitindo-lhes entrar em<br />
contacto e partilhar dados<br />
com cientistas de todo o<br />
mundo. O primeiro plano<br />
de acção aumentou ainda<br />
a competência no seio do<br />
Departamento de Ciência e<br />
Tecnologia da UA.<br />
Ezin afirmou, contudo,<br />
que a cooperação espacial,<br />
que inclui a monitorização<br />
via satélite de África, com<br />
o objectivo de estudar as<br />
alterações climáticas, a<br />
degradação ambiental ou<br />
a segurança ainda não<br />
arrancou em pleno, apesar
da viabilidade da extensão<br />
do sistema exclusivo da UE<br />
de Vigilância Global do<br />
Ambiente e da Segurança<br />
(GMES) ao continente<br />
africano. “É necessário<br />
darmos o passo seguinte para<br />
que possamos intensificar<br />
a nossa cooperação<br />
internacional, passando<br />
África a ser um membro<br />
em pé de igualdade, graças<br />
à aquisição ou exploração<br />
das capacidades espaciais”,<br />
adiantou EZIN. E<br />
acrescenta: “O programa<br />
GMES foi concebido<br />
para a <strong>Europa</strong>. Na nova<br />
estratégia, a adoptar em<br />
Trípoli, queremos chegar<br />
a um entendimento com<br />
os europeus em termos<br />
de conteúdo do novo<br />
plano GMES.” A possível<br />
extensão de outro satélite<br />
UE, o Serviço Europeu<br />
Complementar de Navegação<br />
Geoestacionária (EGNOS)<br />
à África subsariana, poderá,<br />
provavelmente, ser um dos<br />
temas abordados em Trípoli<br />
(ver o artigo do Correio,<br />
edição 17) EGNOS melhora<br />
a navegação das linhas<br />
aéreas e de outros meios de<br />
transporte. Ezin salientou,<br />
todavia, que o denominador<br />
comum em termos de<br />
preocupação da UA, em<br />
todas as oito parcerias, é a de<br />
posicionar África na linha da<br />
frente dos novos projectos.<br />
Gostaria de ver criada uma<br />
agência espacial para África.<br />
Um assunto particularmente<br />
caro ao Comissário Ezin é a<br />
criação de uma Universidade<br />
Pan-Africana para a<br />
Ciência e Tecnologia. Tem<br />
como objectivo despertar<br />
o interesse de possíveis<br />
patronos para a construção<br />
Eumetsat partilha dados com a África. Uma das primeiras linhas de borrasca sazonais, movimentando-se<br />
rapidamente para o oeste ao longo da costa da Nigéria para a Libéria, 15 de Fevereiro de <strong>2010</strong>.<br />
de um campus central,<br />
com institutos-satélite<br />
espalhados por várias<br />
regiões africanas. Anseia<br />
pelo compromisso político<br />
da UE relativamente ao<br />
projecto de Tripoli: “Depois<br />
de garantido o compromisso,<br />
arranjaremos uma solução<br />
de financiamento conjunto”,<br />
afirmou.<br />
Para mais informação acerca<br />
da parceria da UE em termos<br />
de Ciência, Tecnologia e<br />
Sociedade de Informação,<br />
consultar www.acp-eucourier.<br />
info/Science-becomespart.928.0.html<br />
Ver também páginas 6 & 41<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong> 5
6<br />
Ponto de vista<br />
Entrevista realizada por Hegel Goutier<br />
Houve recentemente uma<br />
evolução na estratégia<br />
UA-UE. Haverá agora na<br />
Cimeira uma revolução<br />
nessa estratégia?<br />
Desde há três anos, quando se realizou<br />
a Cimeira África-UE em Lisboa, os<br />
nossos dois continentes têm trabalhado<br />
como verdadeiros parceiros iguais numa<br />
relação que evoluiu para lá do modelo<br />
doador-beneficiário. Foram lançadas as<br />
oito parcerias temáticas e a sua execução<br />
está em curso. A cooperação entre as duas<br />
Uma nova era nas relações<br />
da UE com África<br />
Cimeira África-UE (Trípoli, Líbia, 29-30 de Novembro de <strong>2010</strong>)<br />
Na véspera da terceira Cimeira África-União Europeia (UE), em Trípoli, o Comissário da UE para o Desenvolvimento, Andris<br />
Pielbags, fala ao Correio da nova estratégia UA-UE implementada nos últimos três anos pelas duas partes. Salienta a<br />
importância da Cimeira de Trípoli para a adaptação da estratégia, a fim de dar resposta a desafios fundamentais relacionados<br />
com a paz em zonas de conflitos e com o combate às alterações climáticas.<br />
Comissões, da UE e da União Africana<br />
(UA), é estreita e assenta no diálogo aberto.<br />
Os dois colégios de Comissários já se reúnem<br />
regularmente, o que dá um ímpeto às<br />
nossas acções conjuntas. Encontrámo-nos<br />
nomeadamente antes da Cimeira da ONU<br />
sobre os ODM, para discutir mensagens e<br />
prioridades comuns. A próxima Cimeira<br />
África-UE, que reunirá em Novembro<br />
Chefes de Estado dos dois continentes,<br />
irá consolidar esta parceria estratégica.<br />
Estas reuniões políticas ao mais alto nível<br />
mostram que entrámos numa nova era nas<br />
nossas relações com África.<br />
Durante esta Cimeira iremos discutir<br />
como adaptar a nossa estratégia conjunta<br />
aos desafios comuns que se nos deparam<br />
actualmente: assegurar a paz e a estabilidade,<br />
combater as alterações climáticas e<br />
promover o crescimento. É por isso que os<br />
dirigentes europeus e africanos se concentrarão<br />
num tema principal: crescimento,<br />
investimento e criação de emprego. Todos<br />
sabemos que não basta a ajuda só por si<br />
para assegurar o desenvolvimento. Um<br />
aumento de um por cento do PIB vale<br />
mais do que um aumento de dez por<br />
cento da ajuda. Espero que surjam ideias<br />
concretas desta reunião sobre a maneira<br />
como podemos conseguir mais emprego e<br />
emprego inclusivo, em benefício de ambos<br />
os continentes. Devíamos analisar, por<br />
exemplo, como expandir o comércio e o<br />
investimento, como assegurar a mobilização<br />
dos recursos internos e também qual a<br />
Bandeiras da UE e dos Estados africanos desfraldadas ao vento. © Reporters / AP
melhor maneira de ajudar África a utilizar<br />
os seus recursos naturais, para passar à<br />
revolução das energias renováveis. Será<br />
adoptado um novo plano de acção para o<br />
período 2011-2013, que deve incluir metas<br />
concretas para cada uma das oito parcerias<br />
temáticas e centrar-se nos pontos em que<br />
podemos melhorar a nossa cooperação.<br />
Algumas pessoas consideram que os<br />
países europeus ou a UE só tardiamente<br />
estão a descobrir a atracção<br />
da UA, tendo sido ultrapassados por<br />
países emergentes como a China e o<br />
Brasil. Qual é a sua opinião?<br />
Isso é um grande exagero. As nossas ligações<br />
políticas e económicas com África<br />
datam de há mais de 50 anos. A UE continua<br />
a ser o maior parceiro comercial<br />
de África e é de longe o maior doador<br />
para os países e organizações regionais<br />
africanas. Se recuar um pouco verá que<br />
a política de cooperação da Comunidade<br />
Europeia teve início com a criação das<br />
instituições europeias. Desde aí estabelecemos<br />
ligações estreitas e profundas<br />
entre a <strong>Europa</strong> e os países africanos e<br />
a nossa cooperação continua a crescer;<br />
não só na ajuda ao desenvolvimento, mas<br />
igualmente no comércio, no ambiente e<br />
em muitas outras áreas.<br />
Dito isto, também me congratulo por ver<br />
que a chamada cooperação Sul-Sul está<br />
a crescer, o que favorece o crescimento<br />
mundial. Os investimentos de países do<br />
Sul em África são complementares da<br />
nossa ajuda e não contra nós. É evidente<br />
que ainda há obstáculos que a UE pode<br />
ajudar a ultrapassar. Estima-se que mais<br />
de 60 por cento das taxas aduaneiras pagas<br />
no mundo são pagas por países em desenvolvimento<br />
a outros países em desenvolvimento.<br />
Queremos ajudar os nossos<br />
parceiros a eliminarem essas barreiras.<br />
Mas o aparecimento dos países do Sul<br />
em África é com certeza uma boa notícia.<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
Um debate sem paralelo sobre<br />
o desenvolvimento<br />
Para si, qual é a importâncias das<br />
Jornadas do Desenvolvimento?<br />
As Jornadas Europeias do Desenvolvimento<br />
são o elemento principal dos nossos esforços<br />
de comunicação para aumentar a sensibilização<br />
para a nossa política e as nossas<br />
acções. É a plataforma avançada da <strong>Europa</strong><br />
para olhar para o futuro e para uma franca<br />
troca de ideias sobre os assuntos internacionais<br />
e a cooperação para o desenvolvimento.<br />
É uma reunião excepcional em<br />
que os europeus encontram pessoas dos<br />
países em desenvolvimento para modelarem<br />
a política futura e arquitectarem um<br />
novo consenso que poderá ultrapassar as<br />
influências institucionais.<br />
As Jornadas Europeias do Desenvolvimento<br />
continuarão a ser um momento fundamental<br />
de diálogo político e de celebração da<br />
cultura dos países em desenvolvimento<br />
através de concertos e de exposições.<br />
Todos os anos há cada vez mais pessoas<br />
a participar nas Jornadas Europeias do<br />
Desenvolvimento. Este ano, por exemplo,<br />
será uma oportunidade única para reunir<br />
um valioso feedback das consultas sobre<br />
as políticas de desenvolvimento da UE a<br />
lançar no Outono.<br />
Andris Piebalgs paga a sua primeira visita ao Ruanda, em Setembro. © CE<br />
Realidades do<br />
Desenvolvimento do Milénio<br />
Qual é a principal mensagem da recente<br />
Cimeira dos ODM em Nova Iorque?<br />
Ponto de vista<br />
A mensagem é muito clara: os dirigentes<br />
mundiais comprometeram-se a atingir<br />
os Objectivos de Desenvolvimento do<br />
Milénio (ODM) e reduzir a pobreza no<br />
mundo. Não abandonaremos as populações<br />
mais vulneráveis do Planeta. Os<br />
dirigentes reconheceram igualmente que<br />
tanto os países desenvolvidos como os<br />
países em desenvolvimento têm responsabilidades<br />
em fazer dos ODM um sucesso.<br />
Os doadores prometeram manter-se fiéis<br />
aos seus compromissos, enquanto os países<br />
em desenvolvimento elaborarão as suas<br />
estratégias nacionais de desenvolvimento.<br />
A este respeito, a Comissão Europeia<br />
ofereceu mil milhões de euros adicionais<br />
para os países que apresentam maiores<br />
desvios e que estão mais empenhados<br />
para apoiar a sua realização dos ODM.<br />
A vontade política e as declarações estão<br />
feitas. Agora, chegou a altura de transformar<br />
os “Objectivos” de Desenvolvimento<br />
do Milénio em “Realidades” e passar dos<br />
nossos compromissos a acções.<br />
Ver também páginas 4 & 41<br />
7
Em directo<br />
8<br />
“é necessário pôr um termo à<br />
‘maldição dos recursos’ em África”<br />
Bispo do Congo-Brazzaville e defensor dos direitos humanos, D. Louis Portella-Mbuyu<br />
luta há mais de dez anos por uma distribuição justa das receitas acumuladas pelas<br />
multinacionais mineiras e petrolíferas em África. Encontro no dia 15 de Setembro<br />
em Bruxelas, à margem de um debate organizado no Parlamento Europeu.<br />
Marie-Martine Buckens<br />
desenvolvimento católicas, terminou o<br />
seu périplo por várias capitais europeias<br />
no Parlamento Europeu.<br />
Portella-Mbuyu era o con- Qual é a sua mensagem?<br />
D.<br />
vidado especial do debate<br />
organizado pelos deputados A menos de uma semana da reunião dos<br />
europeus Charles Goerens doadores internacionais que, em Nova<br />
(ADLE), Eva Joly (Verdes) e Sirpa Iorque, irão avaliar os progressos reali-<br />
Pietikäinen (PPE) sobre A transparênzados na consecução dos Objectivos de<br />
cia das indústrias extractivas. O Bispo do Desenvolvimento do Milénio, quisemos<br />
Congo-Brazaville chefiava uma dele- aproveitar a ocasião para recordar às<br />
gação do Simpósio das Conferências instâncias europeias que a maldição dos<br />
Episcopais de África e de Madagáscar recursos em África não é inelutável. Já<br />
(SCEAM) que, com o apoio da CIDSE, referíamos, em <strong>19</strong>94, que a África é um<br />
uma aliança internacional de agências de “continente repleto de problemas”. Hoje<br />
em dia, nada mudou. Ainda existem a<br />
guerra, a pobreza, a miséria por vezes.<br />
Após o Sínodo, os Bispos de África tomaram<br />
posições claras sobre assuntos tão<br />
importantes como os recursos naturais,<br />
o acesso à terra, à água e a eliminação<br />
da pobreza. No seguimento da nossa<br />
assembleia plenária, decidimos, no final<br />
de Julho, encetar diligências concretas.<br />
Na véspera da cimeira sobre os ODM,<br />
decidimos dar a conhecer quais são as<br />
urgências para a África.<br />
“Longe de estarem sempre relacionadas<br />
com questões étnicas, é nos corredores<br />
económicos e à volta dos poços<br />
Bispo Louis Portella no debate do PE sobre a transparência nas indústrias extractivas. © CIDSE
mineiros que se devem encontrar as<br />
razões para a guerra e a pobreza”,<br />
ouviu-se aquando do Sínodo de 2009.<br />
Os bispos lançaram então um forte<br />
apelo para a adopção de legislações<br />
internacionais que obriguem as<br />
multinacionais que<br />
exploram os recursos<br />
naturais do continente<br />
a respeitar<br />
a terra africana e a<br />
promover o desenvolvimento<br />
das populações.<br />
Conhecido por<br />
falar sem rodeios e,<br />
apesar de três tentativas<br />
de assassinato,<br />
não cessa de reclamar<br />
a transparência<br />
das indústrias extractivas. Qual é a<br />
situação hoje em dia?<br />
Os chefes de Estado que estarão presentes<br />
em Nova Iorque vão tentar encontrar os<br />
fundos que faltam para a consecução dos<br />
ODM. Ora, existe uma reserva financeira<br />
importante, enorme, para a África. Os responsáveis,<br />
tanto do Norte como do Sul,<br />
devem entender que, enquanto as fugas<br />
não forem colmatadas, a África continuará<br />
a perder mais de um bilião (um milhão de<br />
milhão) de euros todos os anos por causa<br />
da evasão fiscal ou das perdas de receitas.<br />
A legislação europeia poderia contribuir<br />
para recuperar estas perdas de receitas,<br />
que ultrapassam largamente os montantes<br />
da ajuda pública para o desenvolvimento.<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
No meu país, o Congo-Brazaville, estamos<br />
atentos à questão do petróleo desde 2002.<br />
Nessa altura, lançámos uma mensagem aos<br />
nossos governantes: “Existe um problema<br />
de transparência, pensem nas gerações<br />
futuras.” Encontramos muita reticência,<br />
até alguma agressividade.<br />
A seguir, chefiei<br />
uma delegação<br />
em França, com os<br />
responsáveis da Igreja<br />
protestante, junto dos<br />
responsáveis políticos<br />
e da administração<br />
da Total, a companhia<br />
de petróleo que<br />
opera no nosso país.<br />
Em 2003, reunimo-<br />
-nos com responsáveis<br />
da Direcção para o Desenvolvimento<br />
na Comissão Europeia. A nossa campanha<br />
“Publiquem o que pagam” que se insere no<br />
quadro da Iniciativa para a transparência<br />
nas indústrias extractivas (ver Caixa) teve<br />
um certo sucesso, apesar de estarmos ainda<br />
numa fase de aprendizagem.<br />
“A perda de receitas fiscais<br />
dos Estados africanos devido<br />
aos fluxos ilícitos de capitais<br />
das indústrias extractivas<br />
representa, todos os anos, duas<br />
vezes o volume da ajuda para<br />
o desenvolvimento” (Bernard<br />
Pinaud, secretário-geral da<br />
ONG francesa CCFD)<br />
Na sua intervenção desta noite, Eva Joly<br />
sublinha que o verdadeiro problema é<br />
de ordem política e não técnica, lembrando<br />
que em países mineiros como<br />
a Tanzânia, a Zâmbia ou o Malawi, as<br />
companhias mineiras “operam e não<br />
deixam nada no país”. Pelo seu lado,<br />
Charles Goerens sublinhou a “esmagadora<br />
responsabilidade da <strong>Europa</strong>,<br />
partilhada pelos presidentes africanos”<br />
A delegação SECAM à <strong>Europa</strong>, Setembro de <strong>2010</strong>. © CIDSE<br />
que não faz nada para, nomeadamente,<br />
promover o sector privado no continente<br />
africano. Qual é a sua opinião?<br />
O combate à fuga de capitais e à corrupção<br />
é uma luta importante, na medida em<br />
que África está repleta de riquezas. Ora,<br />
presentemente, reina o caos. A pobreza<br />
e a violência atingiram um tal nível que<br />
ameaçam a segurança no mundo inteiro. E<br />
penso que a sociedade civil pode contribuir<br />
largamente. Esta começa a emergir em todo<br />
o mundo; pode fazer com que os Estados<br />
intervenham. Penso que o desenvolvimento<br />
de África terá origem na sociedade civil.<br />
Partirá da base, não do topo.<br />
A Iniciativa para a Transparência nas<br />
Industrias Extractivas (ITIE) foi lançada<br />
em 2002. Tomou a forma de um quadro<br />
voluntário aprovado pelos governos<br />
para divulgar as receitas provenientes<br />
dos elementos do activo petrolífero, do<br />
gás e mineiro, propriedade do Estado,<br />
conjugado a uma divulgação paralela,<br />
pelas sociedades exploradoras, dos pagamentos<br />
efectuados aos governos sob<br />
a forma de prémios, impostos, taxas e<br />
pagamentos em espécie.<br />
Trinta Estados, na maioria países em<br />
desenvolvimento, estão a implementar a<br />
ITIE. Em 2007, a Noruega foi o primeiro<br />
país desenvolvido a implementar a ITIE. A<br />
Câmara dos Representantes dos Estados<br />
Unidos analisa igualmente o Extractive<br />
Industry Transparency Disclosure Act,<br />
que permitirá a implementação da ITIE no<br />
país; esta lei permitirá igualmente apoiar<br />
as exigências em matéria de divulgação<br />
no caso das sociedades cotadas<br />
nas bolsas americanas. Além do mais,<br />
o Congresso americano aprovou recentemente<br />
a Dodd-Frank Wall Street Reform<br />
and Consumer Protection Act, que<br />
estabelece uma disposição histórica ao<br />
exigir das companhias mineiras, de gás e<br />
petrolíferas registadas junto da Securities<br />
and Exchange Commission dos Estados<br />
Unidos a publicação do montante pago<br />
aos países estrangeiros e ao governo<br />
dos Estados Unidos. Da mesma forma,<br />
o Parlamento Europeu modificou a Directiva<br />
europeia “transparência” (TOD)<br />
para convidar “os Estados-Membros a<br />
promover a divulgação dos pagamentos<br />
da empresa extractiva aos governos listados<br />
nos mercados bolseiros europeus”.<br />
Em directo<br />
9
D.P.<br />
10<br />
Perspectiva<br />
Colmatar o défice de<br />
financiamento do desenvolvimento<br />
Será atribuído um novo montante até<br />
mil milhões de euros – provenientes<br />
de fundos do FED ainda não<br />
afectados – para se atingirem os<br />
Objectivos de Desenvolvimento do Milénio<br />
(ODM), disse o Presidente da Comissão<br />
Europeia, José Manuel Durão Barroso,<br />
aos deputados europeus em Estrasburgo,<br />
em 7 de Setembro, na sua alocução sobre<br />
o “Estado da União”. “Estar aberto ao<br />
mundo significa igualmente estar ao<br />
lado dos países em desenvolvimento, em<br />
especial a África”, afirmou. Entretanto,<br />
a Direcção-Geral do Desenvolvimento<br />
da Comissão Europeia está a elaborar<br />
um documento de trabalho sobre financiamento<br />
inovador do desenvolvimento,<br />
que deve ser submetido aos Ministros do<br />
Desenvolvimento da UE em 22 de <strong>Outubro</strong><br />
e aos Ministros dos Negócios Estrangeiros<br />
em 15 de Novembro. Uma das ideias exploradas<br />
pelo documento para colmatar um<br />
défice de financiamento do desenvolvimento,<br />
estimado anualmente em 100 mil<br />
milhões de euros, consiste num imposto<br />
sobre as transacções financeiras. Elise<br />
Ford, Directora do Gabinete da Oxfam<br />
na UE, afirma o seguinte: “Um imposto<br />
sobre as transacções financeiras (ITF) per-<br />
© BSIP / Reporters<br />
O Presidente da Comissão oferece fundos adicionais aos<br />
países ACP mais necessitados para atingirem os ODM<br />
mitiria obter centenas de milhares de euros<br />
para proteger pessoas pobres na <strong>Europa</strong><br />
e nos países em desenvolvimento e para<br />
dar resposta às alterações climáticas.” A<br />
Confederation for Relief and Development<br />
(CONCORD), uma associação de organizações<br />
não governamentais sedeada<br />
em Bruxelas, estima que um ITF com<br />
uma taxa de 0,05 por cento poderia trazer<br />
anualmente mais 400 mil milhões de<br />
euros para financiar o desenvolvimento. O<br />
Presidente francês, Nicolas Sarkozy, disse<br />
que o ITF seria uma das primeiras prioridades<br />
quando assumisse as presidências<br />
do G8 e do G20 em 2011.<br />
A iniciativa da UE surge na sequência<br />
da reunião do Conselho “Negócios<br />
Estrangeiros” da UE, de 14 de Junho<br />
de <strong>2010</strong>, em que foi decidido que a UE<br />
devia “ponderar seriamente propostas de<br />
mecanismos inovadores de financiamento<br />
com importante potencial de rendimento,<br />
tendo em vista assegurar o financiamento<br />
previsível para o desenvolvimento sustentável,<br />
especialmente em relação aos países<br />
mais pobres e mais vulneráveis”. Nove<br />
Estados-Membros da UE são igualmente<br />
membros do Grupo de Direcção dos 61<br />
Países Norte e Sul, criado em 2006 e que<br />
reúne instituições internacionais e ONG<br />
para procurar formas de angariar financiamento<br />
adicional para o desenvolvimento.<br />
www.leadinggroup.org/<br />
www.concordeurope.org/<br />
Atlas de Doadores UE em <strong>2010</strong><br />
Os mapas fáceis de ler e os gráficos no<br />
Atlas de Doadores da União Europeia<br />
(UE) de <strong>2010</strong> são uma maneira rápida<br />
de conhecer os montantes dos fundos<br />
de financiamento do desenvolvimento<br />
disponibilizados pela UE e pelos seus<br />
27 Estados-Membros, bem como onde<br />
são afectados esses fundos. São feitas<br />
comparações com outros parceiros doadores<br />
e fornecidas informações sobre<br />
fluxos da ajuda privada para Estados<br />
em desenvolvimento, como por exemplo<br />
remessas, tudo em forma de mapa.<br />
Pleno de informações, o Atlas tem por<br />
objectivo uma maior harmonização e coordenação<br />
das políticas de desenvolvimento<br />
da UE com os Estados-Membros.<br />
Entre no sítio web: http://development.<br />
donoratlas.eu/index.htm<br />
Mulheres a colher água num poço em Dertu, Quénia. © Reporters / AP
Procura de soluções para problemas espinhosos<br />
H.G.<br />
Na véspera da Cimeira da<br />
Francofonia (Montreux,<br />
Suíça, de 22 a 24 de <strong>Outubro</strong><br />
de <strong>2010</strong>), o Secretário-Geral<br />
da Francofonia, Abdou Diouf, falou ao O<br />
Correio de desafios, como por exemplo, o<br />
lugar da língua francesa no mundo ou as<br />
derivas políticas nalguns Estados.<br />
Que impacto poderá ter a Cimeira de<br />
Montreux em termos geopolíticos?<br />
A Organização Internacional da<br />
Francofonia (OIF) conta 70 Estados<br />
e governos, ou seja mais de um terço<br />
das Nações Unidas, entre os quais 15<br />
países da União Europeia e 2 do G8.<br />
Portanto, quando os Chefes de Estado<br />
destes países se reúnem, o impacto<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
é eminentemente político. Há dois<br />
anos, na última Cimeira organizada no<br />
Quebeque, a Francofonia foi o primeiro<br />
fórum Norte-Sul a posicionar-se sobre<br />
a questão da crise financeira.<br />
Que estratégia poderá estancar o<br />
desaparecimento da língua francesa,<br />
por exemplo, nas Instituições<br />
Europeias?<br />
É verdade que o multilinguismo inscrito<br />
nos regulamentos das Instituições<br />
Europeias está a esfumar-se, sendo por<br />
essa razão que a Francofonia criou<br />
estratégias para responder à tendência<br />
para o monolinguismo nas organizações<br />
internacionais. A título de exemplo, os<br />
Ministros dos Negócios Estrangeiros<br />
da OIF comprometeram-se a impor<br />
a língua francesa aos seus diplomatas<br />
quando a sua língua nacional não está<br />
Abdou Diouf, Secretário-Geral da Francofonia. Cortesia da OIF.<br />
Cimeira da Francofonia<br />
Encontro com Abdou Diouf,<br />
Secretário-Geral da Francofonia<br />
prevista. Do mesmo modo, cerca de<br />
12.000 especialistas dos nossos Estados<br />
membros beneficiam anualmente, em<br />
Bruxelas ou na sua capital, do ensino<br />
do francês.<br />
O que pensar da fraca governação<br />
política nalguns países da OIF e,<br />
designadamente, em África?<br />
Em muitos estados africanos, a consolidação<br />
do Estado de Direito está a<br />
progredir. Assistimos a alternâncias<br />
políticas bastante notórias na última<br />
década. Os partidos únicos desapareceram.<br />
Os meios de comunicação<br />
social são livres. As sociedades civis<br />
estão cada vez mais presentes e vigilantes.<br />
Constata-se, no entanto, uma<br />
tendência ao regresso dos militares à<br />
cena política. As causas são frequentemente<br />
uma fraca governação e a falta<br />
de respeito do Estado de Direito. É<br />
absolutamente necessário antever as<br />
eventuais situações de crise antes que<br />
seja demasiado tarde.<br />
A OIF parece fazer da reconstrução<br />
do Haiti um caso de escola para a<br />
promoção dos seus valores. Será<br />
esse o caso?<br />
Exactamente! A OIF considera absolutamente<br />
indispensável assistir o povo<br />
haitiano na reconstrução física, material<br />
e moral do seu país. A Francofonia<br />
ficar-lhe-á eternamente grata pois, graças<br />
à vontade aturada do Haiti, a língua<br />
francesa, por um voto, tornou-se em<br />
língua oficial e de trabalho das Nações<br />
Unidas aquando dos acordos de Breton<br />
Woods. Este país contribui igualmente<br />
para o renascimento da francofonia<br />
norte-americana e inscreve-se na mestiçagem<br />
não só da língua, como também<br />
da cultura e dos povos. A Francofonia<br />
luta de par com as autoridades do Haiti.<br />
O nosso plano de acção veicula um valor<br />
acrescentado, isto é, agir o mais rapidamente<br />
possível junto da população.<br />
Perspectiva<br />
11
Perspectiva<br />
A comunidade internacional<br />
tem de cumprir<br />
as promessas<br />
ao Haiti<br />
Secretário-Geral do Grupo África,<br />
Caraíbas e Pacífico (ACP), Mohamed<br />
Ibn Chambas salientou a necessidade<br />
de uma rápida entrega de apoio ao<br />
Haiti durante uma visita que fez ao<br />
país, de 28 de Agosto a 6 de Setembro,<br />
com os co-Presidentes da Assembleia<br />
Parlamentar Conjunta ACP-UE.<br />
H.G.<br />
O<br />
Dr. Chambas disse ao Correio<br />
“estar profundamente impressionado<br />
pela amplitude da devastação<br />
causada pelo terramoto.<br />
Por outro lado, ficamos igualmente muito<br />
impressionados pela resiliência da população,<br />
que conseguiu demonstrar sentimentos<br />
humanos fortes e determinação para continuarem<br />
as suas vidas. Vim igualmente do<br />
Haiti com a esperança de que a comunidade<br />
internacional, que mostrou uma enorme<br />
boa vontade, irá cumprir rapidamente as<br />
suas promessas para podermos começar a<br />
reconstruir o Haiti, não o antigo, que não<br />
servia, como dizem muitos haitianos. Eles<br />
querem um novo começo que lhes permita<br />
fazer face às necessidades urgentes em termos<br />
de educação, saúde, infra-estruturas<br />
sociais e económicas, instituições e capacidade<br />
e fazer do Haiti um dos países de que<br />
queremos ter orgulho. Não esquecer que<br />
para muitos africanos isto é importante. O<br />
Haiti é um país de descendentes de africanos,<br />
o país de Toussaint Louverture, que<br />
foi o primeiro a obter a independência no<br />
hemisfério Ocidental”.<br />
O Acordo de Cotonu revisto<br />
Tónica sobre o comércio e as políticas de ajuda<br />
H.G.<br />
O<br />
Acordo de Cotonu que rege<br />
as relações entre o Grupo de<br />
Estados da África, Caraíbas e<br />
Pacífico e a União Europeia<br />
por um período de 20 anos (<strong>19</strong>90 a <strong>2010</strong>)<br />
sofreu, em Junho transacto, a sua segunda<br />
12<br />
O Secretário-Geral do grupo ACP, Mohamed Ibn Chambas (primeiro da direita), David Boyd, Conselheiro Político do<br />
Grupo de Conservadores e Reformistas Europeus (no centro) e James Nicholson, Vice-Presidente da JPA, a caminho<br />
de um projecto de educação em Mirebalais, Haiti.<br />
Está preocupado com o cumprimento<br />
das promessas de ajuda da comunidade<br />
internacional, incluindo dos<br />
países africanos?<br />
Sim. Há muitas promessas, mas o seu cumprimento<br />
é muitas vezes lento e por vezes<br />
nunca são cumpridas. No caso específico<br />
do Haiti, há por um lado a satisfação de a<br />
situação ter melhorado muito rapidamente<br />
para as pessoas que estão nos acampamentos,<br />
mas as obras de fundo ainda estão por<br />
fazer. Temos esperança de que a comunidade<br />
internacional continue empenhada<br />
e não passe para a crise seguinte, como<br />
tem acontecido algumas vezes no passado.<br />
Quanto aos países africanos, o que prometeram<br />
foi entregue imediatamente. Foi o<br />
caso da Nigéria, Gana, Guiné Equatorial,<br />
África do Sul e outros. Durante a missão<br />
da Assembleia Parlamentar Conjunta, o<br />
enviado especial do Presidente Wade do<br />
revisão quinquenal. A revisão incide sobre<br />
a alteração ocorrida nas relações entre as<br />
partes em matéria de comércio e políticas<br />
de ajuda ao desenvolvimento.<br />
O texto revisto do Acordo de Cotonu<br />
foi assinado, respectivamente, pela<br />
Sr.ª Soraya Rodriguez, Secretária de<br />
Estado da Cooperação da Espanha, e<br />
pelo Comissário do Desenvolvimento,<br />
Andris Pielbags, pela União Europeia,<br />
e pelo Presidente do Conselho, Paul<br />
Bunduku-Latha, Ministro-Adjunto do<br />
Senegal, o Ministro Amadou Tidiane Bâ,<br />
discutiu a oferta de bolsas de estudo a<br />
estudantes. Fiquei muito satisfeito pelo<br />
facto de África ter respondido desta forma<br />
concreta.<br />
O Secretário-Geral do grupo ACP, Mohamed<br />
Ibn Chambas, foi distinguido<br />
recentemente com o Prémio Alemanha-<br />
-África <strong>2010</strong> pelos "seus extraordinários<br />
esforços a favor da paz, da estabilidade<br />
e da integração regional" enquanto desempenhou<br />
as funções de Secretário<br />
Executivo e Presidente da CEDEAO.<br />
A Fundação Alemanha-África é uma<br />
organização que tem membros de todos<br />
os partidos políticos do Parlamento<br />
Federal alemão.<br />
Planeamento Económico, Comércio,<br />
Indústria e Turismo do Gabão, em nome<br />
dos Estados ACP. O acordo revisto prevê<br />
um reforço da luta contra a proliferação<br />
de armas ligeiras e contra as ameaças à<br />
segurança, como o crime organizado e<br />
os tráficos de seres humanos, de drogas<br />
e de armas. Prevê igualmente mais assistência<br />
aos países ACP confrontados com<br />
o problema do aquecimento climático e<br />
apoio adicional aos sectores da aquicultura<br />
e da pesca, bem como à luta contra<br />
o VIH-Sida.
O amor pensado de Lula<br />
pela África<br />
A África esteve no centro da estratégia Sul-Sul promovida pelo Presidente Lula nos<br />
seus oito anos de presidência do Brasil, por razões de solidariedade, mas também<br />
e sobretudo, por razões geopolíticas e económicas.<br />
Marie-Martine Buckens<br />
“O<br />
Brasil nunca reembolsará<br />
a sua dívida histórica ao<br />
continente africano”,<br />
martelou repetidas<br />
vezes, Luíz Ignácio Lula da Silva, mais<br />
conhecido por Lula, nas suas digressões<br />
africanas. E estas foram numerosas:<br />
uma dezena em 20 países. É um recorde<br />
no BRIC, o grupo que reúne as quatro<br />
grandes potências emergentes do planeta,<br />
ultrapassando de pouco o número de visitas<br />
do seu homólogo chinês, Hu Jintao, e<br />
Limites da solidariedade<br />
A África vê também no Brasil um interlocutor<br />
susceptível de defender os seus<br />
interesses na cena internacional face aos<br />
Ocidentais. “O Brasil deveria ter assento<br />
permanente no Conselho de Segurança<br />
das Nações Unidas”, declarou Pedro Pires,<br />
Presidente de Cabo Verde, veiculando<br />
o desejo de muitos líderes africanos. O<br />
Brasil que, em Maio passado, ganhou<br />
finalmente a sua batalha contra os Estados<br />
Unidos, que se comprometeram a<br />
pagar anualmente mais de 145 milhões<br />
de dólares, um montante que equivale,<br />
segundo a OMC, ao prejuízo causado<br />
aos produtores brasileiros de algodão<br />
pelas subvenções americanas aos seus<br />
próprios produtores. Os países africanos<br />
produtores de algodão, que se instituíram<br />
partes no processo, correm o risco de<br />
pagar as favas: “após os Americanos e<br />
os Europeus, são agora os Brasileiros a<br />
beneficiarem das subvenções”, acusava<br />
um produtor do Mali. Brasília prometeu<br />
utilizar uma parte do financiamento para<br />
apoiar os produtores africanos e do Haiti,<br />
mas as modalidades são muito vagas...<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
muito à frente dos responsáveis da Rússia<br />
e da Índia. O Brasil, há que o admitir, é<br />
ainda um actor menor na África, sobretudo<br />
comparado com a China.<br />
O presidente brasileiro, que terminará o<br />
seu mandato no final deste ano, dado a<br />
constituição brasileira proibir um terceiro<br />
mandato consecutivo, quis fazer em Julho<br />
passado uma última visita a seis países<br />
africanos. Até mesmo para lembrar que<br />
o Brasil – um dos últimos países a abolir<br />
a escravatura, em <strong>19</strong>88 – é o segundo país<br />
negro do mundo, após a Nigéria, com 76<br />
milhões de afro-brasileiros, ou seja metade<br />
da população do Brasil.<br />
As trocas comerciais passaram<br />
de 6 mil milhões de dólares para<br />
24 mil milhões em oito anos<br />
Confirmado este elo cultural, o Presidente<br />
Lula, acompanhado, como de costume,<br />
por uma comitiva de homens de negócios<br />
impressionante, colocou os seus<br />
piões. Em Cabo Verde, participou<br />
numa Cimeira entre o Brasil e 15 países<br />
da Comunidade Económica da África<br />
Ocidental (CEDEAO). Na África do Sul,<br />
sublinhou a importância dos novos acordos<br />
de comércio livre entre o Mercosur<br />
(Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e<br />
a SACU (África do Sul, Botsuana, Lesoto,<br />
Namíbia e Suazilândia). Um ano antes, a<br />
Apex-Brasil, uma agência de promoção<br />
das exportações do Brasil, tinha aberto<br />
dois grandes centros de negócios em<br />
África. As trocas comerciais acompanharam:<br />
passaram de 6 mil milhões de dólares<br />
para 24 mil milhões em oito anos.<br />
A lista de interesses brasileiros em África é<br />
longa: da Petrobras, sociedade petrolífera<br />
brasileira, interessada pelo ouro preto de<br />
Angola e da Nigéria (um terço das trocas<br />
faz-se actualmente com este gigante do petróleo),<br />
passando por Vale, o gigante brasileiro da<br />
indústria mineira, interessado, entre outras,<br />
pelas minas de carvão de Moçambique, até<br />
aos agro-industriais, empréstimos para a<br />
instalação de fábricas de etanol, como é o<br />
caso no Gana ou em Angola.<br />
Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, na abertura do Diálogo Brasil-África<br />
sobre Segurança Alimentar. © DPA / Reporters<br />
Perspectiva<br />
13
Perspectiva<br />
A população da UE responde um “sim”<br />
forte à ajuda ao desenvolvimento<br />
Debra Percival<br />
Em cada dez cidadãos da União<br />
Europeia (UE), nove consideram<br />
que a ajuda aos países em desenvolvimento<br />
é muito importante<br />
ou importante, revela o “Eurobarómetro”<br />
da UE sobre “Os Europeus, a ajuda ao<br />
desenvolvimento e os Objectivos de<br />
Desenvolvimento do Milénio”. Foram<br />
interrogados 26.500 cidadãos que vivem<br />
nos 27 Estados-Membros da União<br />
Europeia, em Junho de <strong>2010</strong>.<br />
Os funcionários da União Europeia afirmam<br />
que a votação dos cidadãos europeus<br />
reflecte um aumento do apoio à ajuda ao<br />
desenvolvimento, com 45% a responderem<br />
D.P.<br />
Os ministros e representantes das<br />
Caraíbas Orientais (Antígua,<br />
Santa Lúcia, São Vicente e<br />
Granadinas, Domínica, São<br />
Cristóvão e Nevis e Granada) reuniram-se<br />
em meados de Setembro em Bruxelas com<br />
as instituições da União Europeia (UE), a<br />
fim de analisar a futura cooperação com os<br />
doadores no terreno. A delegação incluía<br />
o Ministro da Energia de Santa Lúcia,<br />
Richard Frederick, e o seu homólogo de<br />
São Cristóvão e Nevis, Earl Asim Mardin.<br />
As energias geotérmica e eólica têm um<br />
grande potencial, uma vez que muitas das<br />
ilhas são vulcânicas e expostas ao vento.<br />
“A Organização dos Estados das Caraíbas<br />
Orientais (OECO) está a tentar centrar-se<br />
na diversificação da energia para impulsionar<br />
as suas economias. A utilização das<br />
energias renováveis constitui uma forma<br />
de fazer progredir as economias, dando<br />
ao mesmo tempo resposta ao problema<br />
muito, muito importante das alterações<br />
climáticas”, referiu um funcionário da<br />
Embaixada da OECO* em Bruxelas.<br />
14<br />
que a ajuda ao desenvolvimento é “muito<br />
importante”, em relação aos 30% de Junho<br />
de 2009.<br />
Regista-se também uma diferença decrescente<br />
no apoio ao desenvolvimento entre os<br />
15 Estados iniciais da UE, cujos cidadãos<br />
eram tradicionalmente mais favoráveis à<br />
ajuda ao desenvolvimento, e os 12 Estados<br />
mais recentes, embora continue a haver<br />
uma divisão bem distinta. Os cidadãos da<br />
Suécia (96%), Irlanda (95%), Dinamarca<br />
(94%), Finlândia (94%), Luxemburgo<br />
(93%) e Reino Unido continuam a ser<br />
os mais favoráveis à ajuda, ao passo que<br />
os recém-chegados à UE, a Eslovénia,<br />
Estónia e Bulgária, são os menos favoráveis.<br />
Globalmente, 64% dos cidadãos da<br />
UE gostariam que ajuda ao desenvolvimento<br />
aumentasse.<br />
Movimento de promoção das energias<br />
renováveis nas Caraíbas Orientais<br />
Os Pequenos Estados Insulares das Caraíbas Orientais estão a tentar aumentar<br />
a utilização de energias renováveis, como a energia geotérmica e eólica, para<br />
expandir a economia e fazer face às alterações climáticas.<br />
Facilidade da UE para a energia<br />
A UE está a financiar um projecto para<br />
desenvolver a capacidade de vários intervenientes<br />
no sector das energias renováveis<br />
na totalidade das Caraíbas, com fundos<br />
da Facilidade da UE para a energia destinada<br />
aos Estados de África, Caraíbas e<br />
Pacífico (ACP).<br />
Na reunião com a delegação das Caraíbas<br />
Orientais, Guus Heim, Chefe da Divisão<br />
© BSIP / Reporters<br />
Para consultar o relatório integral, consultar:<br />
http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/<br />
eb_special_en.htm#352<br />
“África Ocidental, Sahel e Caraíbas” do<br />
Banco Europeu de Investimento (BEI),<br />
sedeado no Luxemburgo, disse que o<br />
BEI estava a ponderar o financiamento<br />
de serviços de consultoria para analisar<br />
a viabilidade e o impacto ambiental de<br />
uma ligação submarina entre Domínica<br />
e a Martinica e Guadalupe, para permitir<br />
à Domínica explorar o seu potencial<br />
de fornecimento de energia geotérmica<br />
no futuro. Acrescentou que o BEI tinha<br />
contactos avançados com promotores de<br />
projectos eólicos em Santa Lúcia, Jamaica<br />
e na República Dominicana e de projectos<br />
de valorização energética de resíduos na<br />
Jamaica, Barbados e Baamas.<br />
Para saber mais sobre a Plataforma de<br />
Informação das Caraíbas sobre Energias<br />
Renováveis: www.cipore.org<br />
*Os membros da Organização dos Estados das<br />
Caraíbas Orientais (OECO) são: Antígua e<br />
Barbuda, Domínica, Granada, Monserrate, São<br />
Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia e São Vicente e<br />
Granadinas.<br />
Muitas ilhas da parte oriental das Caraíbas são vulcânicas com potencial geotérmico. Montserrat. © M Percival
Okechukwu Umelo<br />
H.G.<br />
Na Cimeira da União Europeia-<br />
África do Sul realizada em<br />
Bruxelas, em 28 de Setembro<br />
de <strong>2010</strong>, as duas partes, representadas<br />
respectivamente pelo Presidente<br />
do Conselho Europeu, Herman Van<br />
Rompuy, e pelo Presidente da Comissão<br />
Europeia, Manual Durão Barroso, e pelo<br />
Presidente da África do Sul, Jacob Zuma,<br />
assinaram um importante acordo de cooperação<br />
designado “Primary Education<br />
Sector Policy Support Programa”<br />
(Programa de Apoio Político ao Sector<br />
da Formação de Base).<br />
Durante toda a reunião insistiu-se<br />
na necessidade de educação a todos<br />
os níveis, o que está em fase com as<br />
prioridades do governo sul-africano.<br />
A África do Sul e a União Europeia<br />
concordaram também em reforçar a sua<br />
cooperação em muitos outros domínios,<br />
Conferência ‘SIDA <strong>2010</strong>’, 18-23 de Julho, Viena, Áustria<br />
“Os direitos aqui e agora”<br />
Em 2008 havia cerca de 33,4<br />
milhões de pessoas em todo o<br />
mundo infectadas com o vírus da<br />
SIDA. Sessenta e sete por cento<br />
das pessoas que vivem com VIH e 91<br />
por cento das novas infecções de crianças<br />
encontravam-se na África subsariana<br />
(Situação da epidemia da SIDA em 2009<br />
[ONUSIDA/OMS]). Embora se tenham<br />
verificado progressos na luta contra o<br />
VIH/SIDA, as estatísticas demonstram<br />
que é preciso fazer muito mais.<br />
A Conferência Internacional bienal de<br />
<strong>2010</strong> sobre a SIDA, sob o tema ‘os direitos<br />
aqui e agora’, centrou-se na protecção e<br />
promoção dos direitos humanos para combater<br />
o VIH/SIDA. Organizada em Viena,<br />
Áustria, pela Sociedade Internacional da<br />
SIDA, de 18 a 23 de Julho, reuniu <strong>19</strong> 300<br />
cientistas, médicos, advogados e dirigentes<br />
mundiais de <strong>19</strong>3 países.<br />
“Elogio os dirigentes que reconheceram<br />
que a negação do tratamento constitui<br />
uma negação do direito humano à vida”,<br />
disse o Arcebispo Desmond Tutu numa<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
comunicação por vídeo feita na cerimónia<br />
de encerramento.<br />
O acesso universal à prevenção, cuidados,<br />
tratamento e apoio no domínio da SIDA, o<br />
reforço do recurso a intervenções baseadas<br />
na evidência, o financiamento sustentado<br />
e os progressos na descoberta de uma cura<br />
foram outros temas da conferência.<br />
A Declaração de Viena, que faz um apelo a<br />
políticas de medicamentos mais racionais<br />
e cientificamente consistentes para refor-<br />
A educação no centro de<br />
uma cooperação reforçada<br />
indo da economia à investigação espacial<br />
ou a um acordo mútuo sobre isenções de<br />
visto. Acordaram também sobre as respectivas<br />
prioridades para a futura cimeira<br />
UE-África, a realizar em Novembro de<br />
<strong>2010</strong> na Líbia.<br />
çar a prevenção do VIH nos utilizadores<br />
de medicamentos, foi assinada por mais<br />
de 12 725 pessoas até ao encerramento da<br />
conferência. Além disso, foi feito um apelo<br />
aos dirigentes mundiais para garantirem<br />
pelo menos 20 mil milhões de dólares<br />
(14,5 mil milhões de euros) para o período<br />
2011-2013 ao Fundo Mundial de Luta<br />
contra o VIH/SIDA, a Tuberculose e o<br />
Paludismo. A eventual doação de 11,7 mil<br />
milhões de dólares (8,5 mil milhões de<br />
euros) feita na reunião de reconstituição<br />
do Fundo, realizada em 5 de <strong>Outubro</strong>,<br />
ficou muito aquém deste apelo. Contudo,<br />
a Comissão Europeia garantiu aumentar<br />
a sua contribuição, que foi de 100 milhões<br />
de euros em 2008-<strong>2010</strong>, para 330 milhões<br />
de euros nos três próximos anos.<br />
Para mais informações: www.aids<strong>2010</strong>.org<br />
Uma mulher com SIDA toma os seus comprimidos num campo de refugiados perto de Gulu, Uganda. © Reporters / DPA<br />
Cimeira UE-África do Sul<br />
O Presidente Zuma declarou à imprensa<br />
que ambas as partes “partilham o objectivo<br />
de concluir, antes do final do ano,<br />
um acordo final que reforçará as relações<br />
económicas entre a UE e os países da<br />
SADC-APE”.<br />
Jacob Zuma, Herman van Rompuy e José Manuel Durão Barroso. © Conselho da União Europeia<br />
Perspectiva<br />
15
D.P<br />
Em 2030 haverá mais pessoas a<br />
viver em zonas urbanas do que<br />
em comunidades rurais, prevê<br />
o HABITAT, organismo das<br />
Nações Unidas que analisa os aglomerados<br />
humanos. Uma urbanização rápida<br />
cria tensões, como as condições de vida<br />
deploráveis, mas igualmente enormes<br />
oportunidades de crescimento, afirma<br />
Ann Pawliczko, conselheira para os assuntos<br />
das populações emergentes do Fundo<br />
das Nações Unidas para a População.<br />
Nas páginas seguintes O Correio mostra<br />
como a urbanização está a criar tensões<br />
em cidades das regiões de África, Caraíbas<br />
e Pacífico, mas também a fomentar o<br />
crescimento económico. O recém-criado<br />
Observatório das Migrações ACP foi instituído<br />
para monitorizar em permanência as<br />
tendências migratórias dos cidadãos ACP.<br />
Os destinos mais populares dos migrantes<br />
da África subsariana são outras cidades<br />
africanas onde procuram melhores<br />
empregos e melhores condições de<br />
16<br />
Dossier<br />
Migração e<br />
urbanização<br />
Sonhos e pesadelos<br />
vida, como Abidjan, Libreville, Duala,<br />
Lagos, Nairobi, Joanesburgo, bem como<br />
os Estados Unidos e o Reino Unido,<br />
diz Philippe Bocquier, Professor de<br />
Demografia da Universidade de Lovaina<br />
(UCL), na Bélgica. As pessoas migram<br />
igualmente para sair de zonas de conflito:<br />
os somalianos e sudaneses para o Quénia,<br />
os zimbabuenses para a África do Sul, os<br />
congoleses (RDC), ruandeses e burundianos<br />
para a Tanzânia, os liberianos e<br />
serra-leoneses para a Costa do Marfim<br />
e os guineenses para o Senegal. Alguns<br />
migrantes congoleses e somalianos com<br />
maior nível de educação também emigraram<br />
para mais longe, para a África do Sul.<br />
Não é a própria migração que cria os bairros<br />
miseráveis, mas antes a organização<br />
do mercado de trabalho, alega Bocquier.<br />
Os jovens trabalhadores das zonas rurais<br />
emigram muitas vezes com as suas famílias<br />
e constroem alojamentos de madeira<br />
e de lata, vivendo em péssimas condições<br />
e sem qualquer direito à terra. “O rápido<br />
crescimento de algumas cidades torna mais<br />
difícil, a curto prazo, a prestação dos serviços<br />
urbanos”, afirma Bruno Schoumaker,<br />
Professor Associado da UCL.<br />
“Uma política orientada exclusivamente<br />
para o controlo dos influxos domésticos ou<br />
dos influxos internacionais não seria ética<br />
(a liberdade de circulação internacional<br />
não devia ser considerada como um direito<br />
humano?)”, questiona Bocquier. E acrescenta:<br />
“Se é preciso que haja um plano,<br />
então que seja para acompanhar a migração<br />
e não para a limitar ou restringir”.<br />
Ann Pawliczko concorda: “Nenhum país<br />
na era industrial conseguiu um crescimento<br />
económico significativo sem urbanização”.<br />
E salienta os aspectos positivos<br />
da migração: “A maior concentração de<br />
pessoas permite tornar os cuidados de<br />
saúde, os transportes, a educação e os<br />
outros bens sociais mais acessíveis, mais<br />
eficientes e mais abordáveis”.<br />
Acrescenta: “As cidades permitem que as<br />
mulheres e os jovens tenham mais oportunidades<br />
de escapar às restrições e práticas<br />
tradicionais, criem redes de apoio social,<br />
troquem informações e novas ideias e se<br />
organizem para provocar mudanças. A<br />
concentração de pessoas em zonas urbanas<br />
pode fazer diminuir a pressão sobre<br />
os habitats naturais e a biodiversidade”.<br />
Mas salienta a necessidade de uma boa<br />
administração nas cidades para os serviços<br />
serem prestados. “São necessárias acções<br />
viradas para o futuro por parte dos governos<br />
nacionais e municipais, das organizações<br />
internacionais e da sociedade civil”, afirma,<br />
“para libertar o potencial das cidades”.<br />
As entrevistas integrais de Ann Pawlickzo,<br />
Philippe Bocquier e Bruno Schoumaker<br />
podem ser consultadas no sítio de O Correio<br />
na Internet: www.acp-eucourier.info<br />
Abijão, Costa do Marfim. © Reporters / Ludovic / Rea
Encontro com Laurent de Boeck, Director do Observatório ACP sobre as Migrações<br />
“As migrações profissionais<br />
intra-ACP constituem uma prioridade”<br />
M.M.B<br />
Há 14 anos que este belga trabalha<br />
para a Organização<br />
Internacional para as<br />
Migrações (OIM). No início<br />
consagrou-se à reconstrução de países em<br />
situação de pós-conflito, como o Ruanda<br />
ou o Kosovo, ou que tinham sido atingidos<br />
por catástrofes naturais, como a Indonésia<br />
e o Haiti. “A minha função consistia em<br />
preencher o hiato entre as acções de urgência<br />
e o desenvolvimento a longo prazo”,<br />
explica Laurent de Boeck. “Mais recentemente,<br />
antes de ocupar o cargo de Director<br />
do Observatório, fui representante adjunto<br />
da OIM para a África Ocidental e Central,<br />
o que representa 23 países. O âmbito do<br />
trabalho aí era vasto: desde a imigração<br />
internacional à imigração interna, passando<br />
pela luta contra os imigrantes ilegais,<br />
a promoção dos trabalhadores migrantes,<br />
as alterações climáticas ou a ponte entre<br />
migração e saúde.”<br />
De entre todos estes fluxos migratórios,<br />
Laurent de Boeck salienta aquele “que<br />
exige prioritariamente a implementação<br />
de políticas adequadas”, tanto no plano<br />
nacional como regional e continental: as<br />
migrações profissionais. “É o caso sobretudo<br />
de África”, prossegue o Director do<br />
Observatório, “onde as pressões provocadas<br />
por essas migrações estão infelizmente<br />
ligadas à incapacidade dos Estados quanto<br />
às políticas a aplicar”.<br />
Atritos<br />
Estas migrações, cujos fluxos mais importantes<br />
se registam entre países vizinhos<br />
mas também no interior de um país, resultam<br />
do facto de as populações abandonarem<br />
o mundo rural para se instalarem<br />
nos grandes centros urbanos. “Mais de<br />
60% destes migrantes têm menos de 35<br />
anos e são dinâmicos. É uma migração<br />
puramente económica.” Estes migrantes<br />
ocupam os empregos dos sedentários e<br />
os atritos são inevitáveis. “São muitos<br />
os exemplos de expulsão à força destes<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
migrantes; basta lembrar-nos que há um<br />
ano o Gabão expulsou à força malianos,<br />
algemados”, salienta Laurent de Boeck,<br />
que prossegue: “Mesmo na Mauritânia,<br />
um país conhecido pela grande tolerância<br />
no acolhimento de migrantes, a população<br />
começa a opor-se a esta política de<br />
abertura perante o afluxo de migrantes<br />
a caminho da <strong>Europa</strong>.”<br />
Mas Laurent de Boeck, como todos os<br />
especialistas, faz questão de precisar: as<br />
migrações mais importantes são um fenómeno<br />
essencialmente Sul-Sul. “Por exemplo,<br />
o número de tanzanianos que migram<br />
para o Uganda é muito maior do que o<br />
daqueles que procuram entrar na <strong>Europa</strong>;<br />
e contribuem com imenso dinheiro para<br />
o seu país.” Um fenómeno que poderá ser<br />
tão importante, se não mais importante,<br />
do que o do envio de fundos da diáspora<br />
africana do Norte. Daí a importância de<br />
continuar os estudos sobre este fenómeno,<br />
acrescenta o Director.<br />
Fuga de cérebros intra-ACP<br />
Embora o conjunto de países ACP se<br />
tenha insurgido contra a vontade da União<br />
Europeia de favorecer a imigração de pessoas<br />
altamente qualificadas provenientes<br />
do Sul (o famoso 'cartão azul'), muitos<br />
países do Grupo ACP confrontam-se<br />
com esta fuga de cérebros. “A migração é<br />
Laurent de Boeck. © IOM<br />
17<br />
Dossier
Dossier<br />
sobretudo intelectual”, confirma Laurent<br />
de Boeck. “Mesmo nas migrações rurais<br />
para as cidades são os mais qualificados<br />
que partem.” Além disso, universidades<br />
de renome, como as de Dar-es-Salam, na<br />
Tanzânia, Kinshasa, na RDC ou ainda<br />
no Quénia ou no Senegal atraem muitos<br />
estudantes do continente. “A população<br />
de estudantes estrangeiros que vêm estudar<br />
em Dacar, no Senegal, é muito importante.<br />
E muitas vezes, uma vez formados,<br />
permanecem lá, o que representa uma<br />
perda para o país de origem.”<br />
Alavanca<br />
Este afluxo de migrantes, na sua maior<br />
parte jovens, para as cidades não corre<br />
o risco de criar megalópoles que não se<br />
Dinheiro, Informação, Talento e Arte<br />
M.M.B.<br />
Body: O secretariado do grupo<br />
ACP (África, Caraíbas e<br />
Pacífico) prepara a publicação<br />
do seu primeiro Relatório<br />
sobre a Mobilidade Humana em 2011<br />
(HMR2011), que apresentará pela primeira<br />
vez dados consolidados sobre a<br />
migração entre Estados ACP, utilizando<br />
as mais recentes conclusões do Centro<br />
de Investigação e Desenvolvimento da<br />
Universidade de Sussex.<br />
A mobilidade internacional dos países<br />
ACP está muito ligada a aspectos de proximidade<br />
e continua a ser um fenómeno<br />
regional, sublinha Andrea Gallina, especialista<br />
em Migração e Desenvolvimento<br />
no Secretariado ACP. Cerca de 70% dos<br />
migrantes subsarianos deslocam-se em<br />
curtas distâncias, ao passo que 16% (aproximadamente<br />
2,8 milhões) partem para<br />
os 27 países da UE, mais a Noruega e a<br />
Suíça, e outros 5% para a América do<br />
Norte.<br />
O número de migrantes da África subsariana<br />
na UE é inferior ao dos migrantes<br />
da África setentrional, apesar de aquela<br />
região ter uma populacão que lhe é muito<br />
superior demograficamente. Três quartos<br />
dos migrantes das ilhas do Pacífico<br />
imigram para a Austrália, Nova Zelândia<br />
e Estados Unidos e 85% dos migrantes<br />
18<br />
podem gerir? “Ainda que a urbanização<br />
aumente em África, continua a ser das<br />
mais fracas a nível mundial. Não parece<br />
que nos próximos dez anos se vá assistir<br />
a uma urbanização<br />
extrema, como acontece<br />
nas Caraíbas”,<br />
considera Laurent de<br />
Boeck, que prossegue:<br />
“É verdade que<br />
durante esse período<br />
África passará a contar mais cerca de 80<br />
milhões de habitantes, o que não acho<br />
excessivo.” Reforço das pequenas cidades<br />
nas zonas rurais? Laurent de Boeck não<br />
acredita demasiado nisso: “A atracção é<br />
muito fraca.” Aposta mais numa reformulação<br />
necessária das políticas de saúde, de<br />
segurança e de transportes nas grandes<br />
“A migração podia ser<br />
utilizada como uma alavanca<br />
para melhorar os serviços<br />
sociais”<br />
das Caraíbas imigram para a América<br />
do Norte. No total, os nacionais dos<br />
Estados ACP nos países da Organização<br />
de Cooperação e Desenvolvimento<br />
Económicos (OCDE) representam apenas<br />
9% da totalidade de residentes nascidos<br />
no estrangeiro. Há também fluxos<br />
consideráveis de migrantes ACP para<br />
destinos meridionais não ACP do mundo<br />
inteiro – essencialmente a Ásia –, o que<br />
constitui um fenómeno que justifica uma<br />
pesquisa mais aturada. Para além destas<br />
cidades. Retomando o caso de Dacar: “A<br />
insegurança é cada vez maior; a população<br />
associa-a à chegada dos nigerianos<br />
e burquinenses. O que acontece é que<br />
os investimentos não<br />
vêm a seguir. O acesso<br />
à água e à electricidade<br />
é cada vez mais raro.<br />
No entanto, a migração<br />
podia ser utilizada<br />
como uma alavanca<br />
para melhorar os serviços sociais.” O<br />
que é que falta? Essencialmente vontade<br />
política e uma mudança de mentalidade,<br />
considera o Director.<br />
estatísticas, o HMR2011 introduz uma<br />
abordagem baseada na capacidade de<br />
estudar a correlação entre a migração e<br />
o desenvolvimento humano, através da<br />
análise dos quatro recursos principais<br />
de migrantes, a saber, os capitais económico,<br />
social, humano e cultural. A análise<br />
das tendências, limites e potenciais<br />
na sua mobilização e utilização aponta<br />
para áreas de intervenção política, a fim<br />
de estimular a sua relação positiva com<br />
o desenvolvimento.<br />
© Reporters / Photononstop
Relatório ACP de 2011 sobre Mobilidade<br />
Humana destaca desafios políticos<br />
O Relatório ACP de 2011 sobre<br />
Mobilidade Humana destaca cinco desafios<br />
políticos essenciais que se colocam<br />
aos governos e às organizações regionais<br />
dos países ACP.<br />
M.M.B.<br />
O<br />
primeiro, explica Andrea<br />
Gallina, especialista em<br />
Migração e Desenvolvimento<br />
no Secretariado ACP, é sem<br />
dúvida a parca informação estatística<br />
disponível sobre os fluxos e valores: “As<br />
dificuldades em calcular o número de<br />
migrantes sem documentos, a ausência<br />
de inquéritos que permitam análises<br />
comparativas durante os períodos entre<br />
recenseamentos, a falta de coordenação<br />
de métodos de recolha de dados nos países<br />
de origem e de acolhimento, a recolha<br />
selectiva de dados por país, etc., minam<br />
significativamente o desenvolvimento<br />
político nesta área.”<br />
O segundo desafio é eliminar os entraves<br />
a uma mobilidade livre, regulada e segura.<br />
“A emigração circular”, explica Gallina,<br />
“pode contribuir para a promoção da coesão<br />
social e da protecção dos emigrantes,<br />
mas, para ser eficaz, será necessário promover<br />
medidas de securização do estatuto<br />
de residência, por exemplo, a dupla<br />
nacionalidade e uma licença de estadia<br />
permanente ou plurianual, sobretudo com<br />
o objectivo de inverter a fuga de cérebros”.<br />
Emigrantes por razões<br />
climáticas<br />
O terceiro desafio básico é a mobilidade<br />
induzida pelo clima. Compreender e prever<br />
as alterações climáticas e a mobilidade<br />
humana por elas induzida é extremamente<br />
difícil: as estimativas variam de 50 milhões<br />
de “pessoas migradas por razões climáticas”<br />
em <strong>2010</strong> e cerca de mil milhões em 2050,<br />
consoante as estimativas projectadas. Além<br />
disso, apesar de serem os que têm menos<br />
responsabilidade em termos de emissões<br />
de gases de estufa, os países ACP serão os<br />
mais afectados pelas alterações climáticas.<br />
No Pacífico, a maioria dos pequenos estados<br />
insulares, com relevos de pouca altitude,<br />
já sofre inundações e ciclones repetidos.<br />
Segundo o relatório, as deslocações forçadas<br />
já são frequentes em Vanuatu, Quiribati,<br />
Papua-Nova Guiné e Tuvalu. Calcula-se<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
Aldeãos deslocados debaixo de uma árvore na aldeia Longana, na ilha de Ambae, Ilhas Vanuatu. © Reporters / AP<br />
que nos países da África subsariana, explica<br />
ainda Gallina, a degradação dos solos esteja<br />
a causar uma perda anual de 3% na contribuição<br />
agrícola para o PIB e prevê-se<br />
que, no horizonte de 2020, os problemas<br />
de água poderão vir a afectar entre 75 e<br />
250 milhões de pessoas. Nas Caraíbas,<br />
metade da população vive no espaço de um<br />
quilómetro e meio da costa e as principais<br />
infra-estruturas e actividades económicas<br />
situam-se nas zonas do litoral.<br />
“Os governos insistem<br />
frequentemente na necessidade<br />
de melhor protecção dos seus<br />
trabalhadores migrantes quando<br />
estes chegam às regiões ricas,<br />
mas não fazem nada para<br />
proteger os trabalhadores<br />
migrantes que vivem nos seus<br />
países.”<br />
O quarto desafio essencial é integrar a<br />
mobilidade humana nas políticas nacionais<br />
de desenvolvimento e nos planos de<br />
redução da pobreza. Os Documentos<br />
sobre a Estratégia de Redução da Pobreza<br />
dos ACP disponíveis (39 dos 79 países)<br />
têm em conta a mobilidade, tanto interna<br />
como internacional, enquanto factor de<br />
desenvolvimento, mesmo se a tradução<br />
da análise e das propostas nas políticas e<br />
compromissos actuais não passa de uma<br />
opção limitada para orçamentos limitados.<br />
Por último, sublinha o especialista, “o<br />
quinto desafio político básico é assegurar<br />
a inclusão social, o respeito e a protecção<br />
dos migrantes nos países ACP. É<br />
provavelmente o desafio mais complexo<br />
a enfrentar, dado exigir uma mudança<br />
radical na maneira como a migração e a<br />
mobilidade são ressentidas pela opinião<br />
pública e pelos políticos nos países ACP.<br />
Os governos insistem frequentemente<br />
na necessidade de melhor protecção dos<br />
seus trabalhadores migrantes quando<br />
estes chegam às regiões ricas, mas não<br />
fazem nada para proteger os trabalhadores<br />
migrantes que vivem nos seus países.<br />
Entretanto, o comportamento xenófobo<br />
é uma realidade nos Estados ACP e só<br />
fomentando a importância da diversidade<br />
cultural para a inovação e o crescimento<br />
de vanguarda, assim como sublinhando<br />
a contribuição real da força de trabalho<br />
migrante para as economias locais, será<br />
possível implementar uma reforma profunda<br />
da legislação e dos sistemas de previdência<br />
social da migração”.<br />
<strong>19</strong><br />
Dossier
Dossier<br />
Projecto UE<br />
Solução para os bairros degradados. Mais do<br />
que dinheiro, interessa a tomada de consciência<br />
Está em fase de execução em cerca de<br />
trinta países ACP um projecto assente<br />
na dinâmica migração e urbanismo,<br />
financiado pela Comissão Europeia e<br />
realizado pela UN-Habitat. Consiste em<br />
traçar o perfil urbanístico de cidades<br />
onde se desenvolveram bairros de lata e<br />
elaborar planos de acção para melhorar<br />
as condições de vida dos seus habitantes.<br />
Uma das primeiras conclusões é<br />
que a solução reside mais na tomada<br />
de consciência do problema do que nos<br />
meios para o resolver.<br />
20<br />
H.G.<br />
Eduardo Sorribes-Manzana é<br />
responsável pela unidade encarregada<br />
do urbanismo na Direcção-<br />
Geral do Desenvolvimento da<br />
Comissão Europeia. A estrutura em que<br />
esta unidade se integra ocupa-se de uma<br />
vasta área, que vai do urbanismo à tecnologia<br />
espacial e à sociedade da informação,<br />
da meteorologia à prevenção das secas<br />
e à segurança. “Quanto ao urbanismo<br />
enquanto tal só existe um grande projecto<br />
da Comissão relativo ao Grupo África,<br />
Caraíbas e Pacífico. Mas é importante,<br />
uma vez que a maior parte destes países<br />
são obrigados a gerir estes bairros degradados.<br />
Por outro lado, a Comissão ocupa-se<br />
intensamente de sectores como a água, o<br />
saneamento, a energia ou os transportes.<br />
E a problemática urbanística está muito<br />
ligada a estes sectores.”<br />
O projecto, executado pela UN-Habitat<br />
com financiamento da CE, intitula-se<br />
“Programa Participativo de Beneficiação<br />
e Prevenção dos Bairros de Lata” e foi<br />
concebido a pedido do Secretariado-Geral<br />
Linha férrea para o Uganda atravessa um burgo de choupanas. © REA / Reporters<br />
ACP, contando com um orçamento de 5<br />
milhões de euros. Iniciado em Abril de<br />
2008 para terminar em fins de Março de<br />
2011, compreende duas fases: a elaboração<br />
do perfil urbanístico de determinadas cidades,<br />
por um lado, e a formulação de um<br />
plano de acção e de um programa para o<br />
futuro, por outro lado. Implica 63 cidades<br />
de 30 países, dezoito na fase 1* e doze,<br />
cujo perfil já tinha sido elaborado por um<br />
projecto anterior, na fase 2**.<br />
Um dos objectivos do projecto consiste<br />
em reforçar o saber-fazer das autoridades<br />
públicas e dos diversos intervenientes<br />
locais, nacionais e regionais no plano urbanístico.<br />
Mais especificamente no que se<br />
refere à governação, à gestão e à execução<br />
de projectos-piloto relativos às condições<br />
de instalação nos bairros de lata ou noutras<br />
estruturas.<br />
“Não é uma questão de dinheiro, mas sim<br />
de tomada de consciência. Sabe-se que<br />
existe um problema de migração para as<br />
grandes cidades. Se conseguirmos antecipá-lo<br />
e orientá-lo, quanto mais não seja<br />
para planificar os locais de implantação<br />
das escolas ou hospitais, a localização de<br />
uma fonte para distribuir água potável<br />
ou ainda as possibilidades de circulação<br />
dos transportes em comum, já melhoramos<br />
muito a situação. Esta tomada de<br />
consciência não diz apenas respeito às<br />
autoridades dos países ACP, mas a todos<br />
os intervenientes e portanto também aos<br />
financiadores, incluindo os colegas da<br />
Comissão, que tendo em conta ao mesmo<br />
tempo os sectores prioritários para a ajuda<br />
europeia, podem encontrar nos projectos<br />
que gerem lugar para a problemática dos<br />
bairros degradados.” Também é desejável<br />
maior coordenação entre a Comissão e<br />
os Estados-Membros sobre esta questão,<br />
conclui o funcionário europeu.<br />
Na sequência de uma concertação entre o<br />
Secretariado ACP e a Comissão Europeia,<br />
é possível que surja a criação de um novo<br />
projecto sobre o urbanismo depois da conclusão<br />
daquele que está em curso e com<br />
maior envergadura.<br />
* Burundi, Cabo Verde, República do Congo,<br />
Costa do Marfim, Gâmbia, Madagáscar,<br />
Malavi, Mali, Maurícia, Nigéria e Uganda;<br />
Haiti, Jamaica, Antígua e Barbuda e Trindade<br />
e Tobago; Fiji, Papuásia-Nova Guiné e Ilhas<br />
Salomão.<br />
** Burquina Faso, Camarões, R. D. do Congo,<br />
Eritreia, Etiópia, Gana, Quénia, Moçambique,<br />
Níger, Senegal, Tanzânia e Zâmbia.
Urbanização interminável<br />
em Lagos, Nigéria<br />
A cidade africana com a mais rápida taxa de crescimento<br />
Lagos, a cidade africana com a segunda maior densidade populacional (a seguir<br />
ao Cairo)* e a terceira maior do mundo, é um íman de migração em toda a África<br />
Ocidental, afirmam os autores deste artigo no fórum nigeriano Village Voice.<br />
Yemisi Kuku e Philip Adekunle<br />
Os migrantes oriundos de todo o<br />
país e de toda a África fixam-<br />
-se em Lagos na procura de<br />
emprego e de melhores oportunidades,<br />
sendo a maior parte oriundos de<br />
regiões rurais ou urbanas de outras zonas<br />
da Nigéria. Com uma população actual<br />
de 15 milhões de pessoas, e prevendo-se<br />
que este valor aumente para 24 milhões<br />
até 2015, os sectores da habitação e das<br />
infra-estruturas representam um enorme<br />
desafio para o governo.<br />
Lagos atrai igualmente migrantes de todo<br />
o mundo, apesar de não existirem dados<br />
relativos aos movimentos migratórios legais<br />
e ilegais. A maioria é oriunda da África<br />
Ocidental, sobretudo do Chade e de Níger,<br />
Togo e Benim. Enquanto que alguns conseguem<br />
concretizar o seu sonho, a maioria<br />
dos residentes de Lagos vive um autêntico<br />
pesadelo. Os imigrantes sonham com os<br />
Enquanto que alguns conseguem<br />
concretizar o seu sonho, a<br />
maioria dos residentes de Lagos<br />
vive um autêntico pesadelo.<br />
luxos de Lekki e da Ilha de Vitória, sendo<br />
que a maioria acaba nos bairros de lata de<br />
Mushin, Ajegunle e Makoko. Muitos dos<br />
recém chegados vivem em estruturas ilegais<br />
e apavorados com o despejo. Para além<br />
do pesadelo da habitação, existem muitos<br />
outros problemas de infra-estrutura que se<br />
manifestam quando o número de migrantes<br />
aumenta anualmente, em 600.000 pessoas,<br />
numa área que, em <strong>19</strong>50, tinha capacidade<br />
para acolher 300.000 pessoas. Os habitantes<br />
de Lagos enfrentam uma das piores<br />
situações de tráfego do mundo, poluição<br />
ambiental em massa, escassez de água,<br />
falhas graves de electricidade, saneamento<br />
insuficiente, vias rodoviárias sobrelotadas,<br />
hospitais e escolas com grandes deficiências<br />
em termos de equipamento, sobretudo nas<br />
áreas de menor afluência.<br />
Os esforços do governo<br />
O actual governo civil parece estar a<br />
fazer um esforço consertado para dar a<br />
volta à situação. Há alguns anos a esta<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
parte, o governo implementou um sistema<br />
piloto de autocarros rápidos (BRT), que<br />
tem sido um êxito extraordinário, e que<br />
se destina à expansão a outras áreas do<br />
estado.** Existem igualmente projectos de<br />
desenvolvimento de uma rede ferroviária<br />
ligeira*** e de ferries **** que fazem parte<br />
do “sistema de transporte intermodal”<br />
concebido para acabar com os congestionamentos<br />
rodoviários.<br />
O projecto Eko Atlantic é outro esquema<br />
que visa melhorar o acesso à habitação e<br />
ao emprego. Baseado num esquema semelhante<br />
implementado no Dubai, consiste<br />
no resgate de cerca de 8 km² de terra ao<br />
mar, onde será construída uma cidade<br />
moderna com infra-estruturas habitacionais,<br />
comerciais e financeiras, contemplando<br />
ainda atracções turísticas*****.<br />
Está ainda em curso uma série de projectos<br />
de construção rodoviária e de unida-<br />
des de produção eléctrica independentes<br />
que visam melhorar o abastecimento<br />
eléctrico, entre outros desenvolvimentos<br />
infra-estruturais.<br />
Contudo, a cidade não consegue continuar<br />
a absorver, anualmente, mais de<br />
meio milhão de novos residentes sem que<br />
se instale uma situação de crise. Devem<br />
ser envidados todos os esforços necessários<br />
para desenvolver outras zonas da<br />
Nigéria, especialmente as zonas rurais.<br />
A prioridade deve ser dada ao desenvolvimento<br />
das infra-estruturas que suportam<br />
a agricultura. Depois de as pessoas<br />
estarem convictas de conseguirem ter um<br />
nível de vida decente permanecendo nos<br />
seus locais de residência, estarão menos<br />
inclinadas a mudar-se para Lagos.<br />
www.nigeriavillagesquare.com<br />
* UN Habitat, 2008<br />
** http://allafrica.com/stories/<strong>2010</strong>01040624.html<br />
*** http://thenationonlineng.net/web2/articles/49677/1/Light-rail-services-ready-in-<br />
2011-says-Fashola/Page1.html<br />
**** http://www.punchng.com/Articl.<br />
aspx?theartic=Art20090303049662<br />
***** http://www.dredgingtoday.<br />
com/<strong>2010</strong>/01/25/eko-atlantic-city-rises-<br />
-offshore-lagos-nigeria-dredging-international-contracted/<br />
Pessoas e motoristas na rua Nnamdi Azikiwe em Lagos, Nigéria. © Reporters<br />
21<br />
Dossier
Dossier<br />
M.M.B<br />
22<br />
Zanzibar,<br />
entroncamento de<br />
migrações<br />
Vindo do mar, o viajante que<br />
desembarca no porto da Cidade<br />
de Pedra (Stone Town) em<br />
Zanzibar, primeiro só verá os<br />
vestígios das maciças muralhas e torres<br />
deixadas pelos Ocidentais, ou seja, neste<br />
caso, os Portugueses. É-lhe necessário<br />
entrar na cidade antiga para descobrir<br />
as marcas por vezes esmeradas dos seus<br />
primeiros ocupantes.<br />
A Cidade de Pedra de Zanzibar é um belo<br />
exemplo de cidades mercantis costeiras<br />
swahilies da África Oriental. É como se<br />
fora uma medina da África do Norte,<br />
o que não surpreende, dado o Islão ter<br />
desempenhado, a partir do século VII,<br />
um papel preponderante na difusão das<br />
grandes tramas urbanas pré-coloniais.<br />
Mas a Cidade – associada a Zanzibar,<br />
o arquipélago – é mais do que isso. Em<br />
cada canto da rua, um pormenor - portas<br />
esculpidas, orgulho genuíno dos habitantes<br />
de Zanzibar, varandas - é um cunho<br />
Nas ruas de Stone Town (Cidade de Pedra). © Marie-Martine Buckens<br />
material da fusão de elementos díspares<br />
das culturas africanas, árabes, indianas<br />
e europeias durante mais de um milénio.<br />
Mesmo se foram os chirazianos da Pérsia<br />
os primeiros a estabelecerem-se na ilha<br />
- dos quais o cantor britânico Queens,<br />
Freddie Mercury, é um ilustre descendente!-<br />
foi o Sultão de Omã, atraído<br />
pela prosperidade dos seus balcões, que<br />
decidiu instalar aí a sua capital e o seu<br />
tribunal em 1831, onde ficou até 1856.<br />
Quando este morreu, os Alemães, Ingleses<br />
e Franceses lutaram para imporem aí o seu<br />
protectorado. Ainda hoje, os Omanenses<br />
de Zanzibar regressados ao país conservam<br />
os seus traços africanos e falam a<br />
língua swahili.<br />
Herança<br />
As imponentes portas esculpidas são mais<br />
um testemunho deste passado comum.<br />
Importadas de Omã a custos elevados,<br />
os antigos Árabes consideravam a porta<br />
como o elemento primordial da casa. Uma<br />
entrada típica é composta por um duplo<br />
batente em madeira teca importada da<br />
Índia e decorada com esmero. As portas<br />
árabes rectangulares distinguem-se das<br />
portas indianas, compostas por um arco<br />
e fortes pregos de cobre, uma protecção<br />
utilizada no seu país de origem contra<br />
os elefantes.<br />
É um património de rara riqueza que<br />
foi quase perdido com a revolução marxista<br />
de <strong>19</strong>64. Há uns dez anos, era praticamente<br />
uma cidade fantasma. Sob o<br />
impulso da Unesco, que a elevou a património<br />
mundial, e da função Aga Khan<br />
para a cultura, a cidade renasce progressivamente<br />
e reencontra pouco a pouco o<br />
seu lugar de então de “pérola do Oceano<br />
Índico”.<br />
Mas Zanzibar tem igualmente uma grande<br />
importância simbólica. Sendo o principal<br />
porto da África Oriental para o trafico de<br />
negros, Zanzibar foi também a base dos<br />
seus oponentes, como David Livingstone,<br />
que aí fizeram as suas campanhas.<br />
Com excepção dos percursos turísticos,<br />
a Cidade de Pedra continua a ser uma<br />
cidade de pobres, cujas actividades estão<br />
essencialmente centradas no turismo. Há<br />
belas excepções, como o testemunham a<br />
vitalidade do seu mercado, mas também<br />
e sobretudo, o Festival Internacional do<br />
Filme de Zanzibar (ZIFF) que oferecem<br />
todos os anos o que há de melhor em<br />
músicas e filmes africanos.<br />
© Marie-Martine Buckens
O efeito de mudança da<br />
diáspora haitiana<br />
Depois do tremor de terra de 12 de Janeiro, um número até aqui desconhecido de haitianos abandonou o país. Foram reforçar<br />
uma diáspora que conta cerca de 2,5 milhões de pessoas e assegura 25% do Produto Interno Bruto (PIB). A contribuição<br />
da diáspora haitiana para a economia assenta nos laços entre os migrantes e o seu meio de origem. Estes laços com a<br />
Mãe-Pátria influenciam por sua vez as deslocações internas e a transformação das cidades.<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
Francesca Théosmy<br />
Uma mulher, com um cesto de manga à cabeça, no mercado de Telele em Port-au-Prince. © AP / Reporters<br />
A<br />
diáspora haitiana conta 2,5<br />
milhões de pessoas, segundo o<br />
geógrafo Jean Marie Théodat.<br />
No entanto, as estatísticas sobre<br />
o número de emigrantes haitianos variam<br />
em função do número de pessoas sem<br />
documentos, que não são contabilizadas.<br />
Esta comunidade haitiana distribui-se<br />
maioritariamente pela América do Norte,<br />
mas também pela França metropolitana e<br />
ultramarina, pelas Antilhas Neerlandesas<br />
(o Suriname serve por vezes de trânsito<br />
para a Guiana francesa) e pelas Baamas.<br />
Foi durante a ditadura dos Duvalier<br />
(<strong>19</strong>57-<strong>19</strong>86) que a emigração haitiana<br />
conheceu o maior desenvolvimento. Nos<br />
anos 50-60, os primeiros a partir foram<br />
intelectuais e elementos da burguesia<br />
opostos ao regime. Estes conseguiram<br />
integrar-se nos países de acolhimento,<br />
onde por vezes continuam a estar presentes<br />
no seio da burguesia.<br />
Cerca de duas décadas mais tarde sucedeu-<br />
-lhe uma segunda vaga proveniente dos<br />
meios rurais. Esta emigração tem origens<br />
23<br />
Dossier
Dossier<br />
mais económicas e ainda hoje prossegue.<br />
São migrantes mais numerosos mas menos<br />
integrados, porque a maior parte são ilegais<br />
e analfabetos. Entre <strong>19</strong>72 e <strong>19</strong>81, chegaram<br />
à Florida 55 000 migrantes clandestinos,<br />
estimam os Serviços de Imigração americanos.<br />
Rejeitada ao mesmo tempo pelos países<br />
de acolhimento, como na República<br />
Dominicana e nas ilhas Turcas e Caicos,<br />
e pelo Estado haitiano, que lhe nega qualquer<br />
direito civil e político, esta comunidade<br />
dá um apoio considerável às famílias<br />
no Haiti. Segundo um funcionário do<br />
governo haitiano, no<br />
dia a seguir à catástrofe<br />
de 12 de Janeiro<br />
as transferências de<br />
dinheiro dos emigrantes<br />
atingiram<br />
um pouco mais de mil<br />
milhões de dólares, ou seja, o equivalente<br />
ao transferido num ano.<br />
As famílias no Haiti recebem uma ajuda<br />
muitas vezes mensal, que empregam em<br />
90% nas despesas familiares, segundo o<br />
Fundo Internacional de Desenvolvimento<br />
Agrícola (FIDA). As transferências de<br />
fundos dos migrantes haitianos servem<br />
igualmente para pagar serviços como a<br />
educação, a habitação ou os cuidados<br />
médicos que se concentram nas cidades,<br />
principalmente Port-au-Prince.<br />
24<br />
Mulher a cortar carne com uma catana num mercado de Port au Prince. © DPA / Reporters<br />
Os apoios financeiros<br />
enviados às famílias causam<br />
transformações «na maneira<br />
de estar na cidade»<br />
Para Jean Marie Théodat, a emigração<br />
haitiana, devido à ligação dos migrantes<br />
com a sua região de origem, tem efeitos<br />
sobre a urbanidade. Os apoios financeiros<br />
enviados às famílias causam transformações<br />
“na maneira de estar na cidade”. A<br />
emigração haitiana provoca uma “mobilidade<br />
espacial” e transforma fisicamente as<br />
cidades onde os beneficiários vão procurar<br />
melhores condições de vida.<br />
Estas transferências de fundos “provocam<br />
reagrupamentos familiares que se<br />
realizam essencialmente a nível das vilas<br />
e das cidades, onde existem serviços que<br />
podem ser pagos com<br />
o dinheiro das transferências”,<br />
salienta<br />
Théodat. É uma realidade<br />
que se manifesta<br />
nomeadamente<br />
no Noroeste do país,<br />
uma região designada por Far West devido<br />
ao nível de vida muito baixo em relação<br />
ao resto do país e à insegurança alimentar<br />
permanente que aí se vive. Mas 60% dos<br />
migrantes haitianos que vivem no sul da<br />
Florida e nas Baamas são originários desta<br />
zona. “As pessoas de Port de Paix (capital<br />
do Noroeste) ou mesmo de Chansolme<br />
(10 km de Port de Paix) que têm pais<br />
no estrangeiro enviam os filhos à escola<br />
em Port-au-Prince e mais tarde pagam a<br />
universidade na República Dominicana,<br />
em Cuba ou por vezes mesmo nos Estados<br />
Unidos”, refere Renaud Cardichon, originário<br />
de Chansolme.<br />
Para além dos efeitos sobre a mobilidade<br />
espacial, as transferências têm consequências<br />
nas infra-estruturas e nos equipamentos,<br />
indica Théodat. “Existe muitas vezes<br />
um efeito de novos ricos”, com os migrantes<br />
a pagarem as casas mais opulentas. Além<br />
disso, a diáspora financia projectos comunitários,<br />
como a construção de hospitais<br />
e de ruas nas suas cidades natais. Assim,<br />
acabamos por ter “uma presença que geograficamente<br />
se lê na paisagem”, assinala.<br />
Por outro lado, as transferências contribuem<br />
para o financiamento do sector<br />
informal, principal sector da economia do<br />
país, e fazem aumentar nomeadamente os<br />
mercados livres em meio urbano.<br />
“A maior parte das vendedoras ambulantes<br />
de pistácios (e amendoins) na cidade<br />
de Jacmel vêm de Baînet (localidade<br />
situada a cerca de 20 km de Jacmel)”,<br />
refere Andrénor Jacques, natural de<br />
Baînet. Neste município, a maior parte<br />
dos habitantes emigra sazonalmente para<br />
a República Dominicana em busca de trabalho<br />
ou mais ou menos longamente para<br />
Curaçau. “Em Curaçau, alguns podem<br />
passar uma dezena de anos à espera de<br />
regularizarem a sua situação. As vendedoras<br />
vão lá vender os produtos cultivados<br />
localmente e trazem para Baînet objectos,<br />
como relógios, que depois revendem”.<br />
As cidades crescem continuamente porque<br />
abrigam certos serviços desconcentrados<br />
da capital, como serviços de transferência<br />
de dinheiro, sucursais de bancos privados<br />
ou hospitais. No entanto, estes serviços<br />
têm sempre limites, compensados pelas<br />
estruturas em Port-au-Prince, onde tudo<br />
continua centralizado.<br />
Segundo o geógrafo Georges Anglade*, ao<br />
longo da História o país foi dominado por<br />
três estruturas espaciais: o parcelamento<br />
(1664 à 1803), associado ao sistema de<br />
plantação colonial, a regionalização (1804<br />
à <strong>19</strong>15) e a centralização (à volta da capital),<br />
de <strong>19</strong>15 até à actualidade.<br />
As crises como o embargo imposto ao país<br />
pelos Estados Unidos em <strong>19</strong>93, depois do<br />
golpe de Estado militar de <strong>19</strong>91, e as catástrofes<br />
como o terramoto de 12 de Janeiro,<br />
por vezes invertem temporariamente a<br />
tendência de centralização, provocando o<br />
refluxo dos habitantes das zonas urbanas<br />
para o campo.<br />
* Georges Anglade, geógrafo de renome e a<br />
sua mulher morreram durante o terramoto de<br />
12 de Janeiro de <strong>2010</strong>.
D.P.<br />
Pontos críticos da<br />
migração no Pacífico<br />
Quem se transfere das zonas<br />
rurais para as zonas urbanas,<br />
das ilhas mais afastadas para<br />
as ilhas principais do Pacífico<br />
são em grande parte jovens à procura de<br />
emprego. “O efeito líquido deste fenómeno<br />
é a sobrepopulação, já que em muitos<br />
países das ilhas do Pacífico a oferta de<br />
terra é limitada. O desenvolvimento de<br />
bairros com construções miseráveis nas<br />
orlas urbanas é cada vez maior”, afirma<br />
Eduard Jongstra, conselheiro técnico<br />
do Fundo das Nações Unidas para a<br />
População (UNFPA), estabelecido nas<br />
Ilhas Fiji. E acrescenta: “Muitas destas<br />
zonas enfrentam um risco elevado de<br />
serem atingidas por desastres naturais.<br />
Além disso, o rápido crescimento de<br />
alguns centros urbanos coloca grande<br />
pressão no fornecimento de serviços,<br />
nomeadamente no que diz respeito aos<br />
serviços de saúde e às escolas”.<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
A migração para as cidades tem ao mesmo tempo riscos<br />
e benefícios para as ilhas do Pacífico<br />
A inexistência de dados fiáveis vem juntar-se<br />
às dificuldades de planeamento<br />
do crescimento urbano, refere, mas há<br />
aspectos positivos. “Reconhece-se em<br />
geral que sem o crescimento das cidades<br />
o desempenho de muitos países das ilhas<br />
do Pacífico teria sido menor do que realmente<br />
foi”, afirma Jongstra.<br />
Suva, Fiji<br />
Um caso politicamente muito sensível<br />
é a formação de bairros miseráveis nos<br />
arredores de Suva, Fiji. “Isto deve-<br />
-se em parte à expulsão<br />
dos agricultores<br />
indo-fijianos, a quem<br />
foi negada a renovação<br />
do arrendamento<br />
das terras (devido ao<br />
receio dos proprietários<br />
fijianos de que pudessem perder os<br />
seus direitos em relação a essas terras).<br />
Muitos já trabalhavam nessas terras<br />
desde há várias gerações e perderam<br />
tudo”, diz Jongstra.<br />
Os bairros urbanos miseráveis em<br />
Funafuti, a minúscula capital de Tuvalu,<br />
surgiram devido à falta de planeamento.<br />
“Em ambos os casos os bairros miseráveis<br />
situam-se em terrenos marginais,<br />
que nunca foram considerados adequados<br />
para habitação: nas margens de rios<br />
e nas orlas de charcos pantanosos. Estas<br />
zonas são altamente vulneráveis a inundações<br />
e mesmo em condições normais<br />
são ambientes insalubres, sobretudo<br />
devido à falta de saneamento e de instalações<br />
de eliminação de resíduos”, afirma.<br />
A acção regional em termos de planeamento<br />
urbano já começou. Os dirigentes<br />
do Fórum das Ilhas do Pacífico aprovaram<br />
em 2005 uma Agenda Urbana<br />
do Pacífico. Num seminário regional<br />
de agentes de planeamento do Pacífico,<br />
realizado pelo Instituto de Planeamento<br />
da Austrália, AusAID e UN-HABITAT<br />
em <strong>Outubro</strong> de 2007, a Agenda Urbana<br />
do Pacífico foi aperfeiçoada<br />
e passou a<br />
uma acção-quadro<br />
regional que identificou<br />
dez zonas para<br />
implementar essa<br />
Agenda e três zonas<br />
prioritárias para execução nos próximos<br />
cinco anos (para mais pormenores<br />
ver: http://www.unescap.org/epoc/<br />
R3_PacificUrbanAgenda.asp).<br />
As zonas de bairros<br />
miseráveis em Tuvalu são<br />
altamente vulneráveis a<br />
inundações<br />
Funafuti, Tuvalu. © Hegel Goutier<br />
A migração externa ameaça a<br />
existência das ilhas<br />
As Ilhas Cook, Tuvalu, Tokelau e Niue<br />
defrontam-se todas com uma diminuição<br />
das populações, devido ao abandono dos<br />
seus cidadãos, que vão para países mais<br />
desenvolvidos, como os Estados Unidos,<br />
a Austrália e a Nova Zelândia.<br />
Quase todos os países do Pacífico dependem<br />
cada vez mais das remessas<br />
dos seus emigrantes, nomeadamente<br />
Samoa, Tonga e os Estados Federados<br />
da Micronésia. “A migração tende a levar<br />
os cidadãos mais produtivos e causa problemas<br />
ao esforço de desenvolvimento<br />
nacional sustentável; em segundo lugar,<br />
a dependência das remessas torna os<br />
países do Pacífico mais vulneráveis,<br />
como se verifica agora na altura em que<br />
as remessas diminuíram enormemente<br />
devido aos efeitos da crise económica<br />
mundial”, refere Jongstra.<br />
25<br />
Dossier
Descoberta<br />
da europa<br />
26<br />
Flandres, na Bélgica. Longa<br />
história de um casamento de razão<br />
Quantos saberão que quem reinou no<br />
“Império onde o sol nunca se põe” é<br />
belga e flamengo? Carlos Quinto. Como<br />
antes dele, Ambiorix, resistente gaulês e<br />
Godefroy de Bouillon, o homem da cruzada<br />
até Jerusalém. Em períodos em que<br />
a Bélgica ainda não existia como Estado,<br />
os seus povos tinham constituído uma<br />
aposta de relevo através da história da<br />
<strong>Europa</strong>. Respeitados e às vezes temidos,<br />
como o testemunha a homenagem de<br />
César: “De todos os povos da Gália, os<br />
Belgas são os mais bravos.”<br />
H.G.<br />
César submeteu os “Belgas”,<br />
povos de origem céltica, no ano<br />
57. Os Eburões, povo da “Gália<br />
Bélgica”, conduzidos pelo destemido<br />
Ambiorix, voltaram a atacar em<br />
60 com a força do desespero. Foram mais<br />
uma vez vencidos, mas desta vez com<br />
glória. Durante o período romano dos<br />
séculos I a III, duas cidades da região<br />
eram de grande importância: Tongres<br />
e Tournai (em neerlandês Tongeren e<br />
Doornik). Estas duas cidades são ainda<br />
hoje cidades de arte de grande beleza e<br />
de uma riqueza arqueológica singular.<br />
A cidade de Tournai foi invadida pelos<br />
Bárbaros francos no século V. Depois da<br />
conversão do seu rei ao cristianismo, a<br />
cidade de Tournai tornou-se sede episcopal<br />
(Bispado). Em meados do século IX,<br />
a Flandres tornou-se condado, chefiado<br />
por Balduíno Braço-de-Ferro, ao passo<br />
que a parte sul da Bélgica fazia parte de<br />
um reino que caiu sob controlo do Santo<br />
Império romano-germânico um século<br />
depois. A Flandres conquistou pouco a<br />
pouco outros territórios deste império,<br />
sendo o seu Conde um vassalo do rei da<br />
França.<br />
Uma revolução económica,<br />
tecnológica e política a partir<br />
dos tecidos<br />
Os séculos XII e XIII são séculos de<br />
desenvolvimento comercial das cidades<br />
flamengas e da sua emancipação. Os<br />
Parlamento flamengo e Lião de Flandres, Bruxelas. © Reporters
tecidos de lã foram o motor principal do<br />
desenvolvimento económico, tecnológico<br />
e político, e uma fonte de liberdade,<br />
porque as novas riquezas, nas mãos de<br />
uma classe de artesãos e de comerciantes,<br />
conduziram a uma espécie de partilha da<br />
influência, quando não de poder, entre as<br />
guildas dos artesãos e as famílias nobres.<br />
As comunas tornaram-se autónomas e as<br />
corporações de artes e ofícios participavam<br />
na sua gestão. As “Grand-Places”<br />
das cidades flamengas simbolizam esse<br />
equilíbrio. A palavra flamenga que as<br />
designa, “Grote markt”, significa também<br />
o grande mercado. O seu urbanismo<br />
retrata o equilíbrio dos poderes. Em volta<br />
da “Casa do Príncipe” ou do rei, instalavam-se<br />
junto à torre da “Casa Comunal”<br />
(Câmara Municipal) as sedes das corporações<br />
de artes e ofícios. Os clientes dos<br />
comerciantes ricos eram essencialmente a<br />
Inglaterra e o Império Germânico.<br />
Uma imensa vitória sobre a<br />
França comemorada todos os<br />
anos sete séculos depois<br />
O povo de Flandres observava estes<br />
países, fontes de prosperidade, quando<br />
os nobres estavam mais voltados para a<br />
França. A implosão era inevitável. Apesar<br />
do apoio do rei inglês, João Sem-Terra,<br />
e do imperador germânico Otão IV, a<br />
ofensiva do rei francês, Filipe Augusto,<br />
em 1214, foi vitoriosa. A Flandres foi anexada<br />
oficialmente pela França em 1300. O<br />
povo flamengo reconquistou a sua autonomia<br />
em 11 de Julho de 1302 ao vencer<br />
as tropas de Filipe, o Belo, na batalha dos<br />
“Eperons d’Or”. Esta data é comemorada<br />
na Flandres com muito fervor. 11 de Julho<br />
é o dia da “festa nacional flamenga”. Hoje,<br />
todas as crianças da região conhecem cada<br />
pormenor desta batalha. É um momento<br />
fundador. É de considerar para compreender<br />
bem os atritos entre as comunidades<br />
flamenga e valona da Bélgica actual.<br />
A Flandres entrou na tormenta da<br />
Guerra dos Cem Anos entre a França e<br />
a Inglaterra que deflagrou em 1337. Na<br />
sequência de um casamento principesco, a<br />
Flandres será anexada sucessivamente ao<br />
ducado da Borgonha e depois ao Império<br />
dos Habsburgos, dos quais um dos herdeiros<br />
da linhagem dos Países Baixos<br />
será Carlos Quinto, natural de Gent,<br />
que fala flamengo e francês e só aprenderá<br />
o espanhol na adolescência. Carlos<br />
Quinto foi coroado rei dos Países Baixos<br />
em 1515. Era nessa altura ainda Carlos<br />
I de Espanha. Em 15<strong>19</strong>, Carlos Quinto<br />
foi coroado imperador do Santo Império<br />
Germânico. A maioria dos seus conselheiros<br />
vinha do território da actual Flandres.<br />
Em 1548, a sua capital é Bruxelas, a partir<br />
da qual ele alargará os Países Baixos.<br />
Em 1555, Carlos Quinto renunciou aos<br />
Países Baixos, ou seja à sua Flandres<br />
natal, em proveito do seu filho Filipe<br />
II, que não dedicou a estes territórios a<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
mesma paixão e empenho e que esmagou<br />
as rebeliões dos protestantes, instalados<br />
essencialmente na Flandres setentrional<br />
(a parte sul da Holanda). Foi este<br />
feito que levou à separação dos Países<br />
Baixos em dois territórios: a Norte, os<br />
calvinistas, e a Sul, nos “Países Baixos<br />
espanhóis” (praticamente todo o território<br />
da Bélgica mais Artois francês e o<br />
Luxemburgo), os católicos.<br />
A razão de Estados<br />
Em 1790 deflagrou a revolução do Brabante<br />
(região em redor de Bruxelas) nos Países<br />
Baixos, ainda nessa altura chamados “espanhóis”,<br />
mas sob controlo do Santo Império.<br />
Reapareceu nessa altura a palavra “belga”.<br />
Os revoltados editaram uma constituição<br />
dos Estados Unidos da Bélgica. Em<br />
1795, os Franceses invadiram este território<br />
e, após a derrota de Napoleão em<br />
Waterloo, o Congresso de Viena reagrupou<br />
os Países Baixos do Norte (Holanda), os<br />
Países Baixos espanhóis e o Luxemburgo.<br />
Em 1830, a Bélgica revoltou-se contra a<br />
Holanda e os protestantes e proclamou<br />
a sua independência. A luta durou ape-<br />
Descoberta da europa<br />
Parlamento da Bélgica em Bruxelas. © Reporters<br />
nas alguns dias em frente do palácio do<br />
príncipe em Bruxelas. Foi uma revolta<br />
conduzida essencialmente pela nobreza<br />
e alta nobreza francófona, sobretudo do<br />
sul do país. No plano geopolítico, a independência,<br />
apoiada quando não comanditada<br />
pelos três grandes, a Inglaterra, a<br />
Alemanha e a França, foi um compromisso<br />
para que nenhum deles se apossasse de<br />
uma parte do bolo.<br />
A constituição do novo Estado é promulgada<br />
em 1831, dando assim ao país o<br />
tempo de encontrar um rei. Era ainda um<br />
compromisso, mas desta vez entre liberais<br />
e católicos, que foram os actores da revolução.<br />
O rei escolhido vem da Alemanha, o<br />
príncipe de Saxónia-Coburgo, Leopoldo.<br />
O Estado belga será de tal maneira próspero<br />
que, na segunda metade do século<br />
XIX, foi o primeiro país do continente<br />
europeu, após a Inglaterra, a fazer a sua<br />
revolução industrial, tendo como epicentro<br />
a Valónia que drenava maciçamente<br />
a mão-de-obra barata da Flandres. Uma<br />
grande parte da população flamenga<br />
pobre imigra então para a parte sul do<br />
país. Os preconceitos sociais contra estes<br />
27
Descoberta da europa<br />
migrantes e os culturais contra a língua<br />
flamenga tornaram-se pouco a pouco um<br />
abcesso de fixação político.<br />
A partir de 1884, o Congo é uma colónia<br />
privada do rei belga, Leopoldo II, até à sua<br />
cessão à Bélgica em <strong>19</strong>08, na sequência de<br />
um protesto internacional sobre os maus<br />
tratos infligidos à população local, orquestrado<br />
essencialmente pelo parlamento britânico.<br />
Os colonos eram tanto Flamengos<br />
como Valões, mesmo se as grandes empresas<br />
pertenciam sobretudo a francófonos. A<br />
colonização fazia-se em francês.<br />
Após a Primeira Guerra Mundial, em<br />
compensação dos prejuízos sofridos, a<br />
Bélgica herdou três regiões alemãs e a<br />
colónia alemã do Ruanda-Urundi em<br />
<strong>19</strong>18. Na Segunda Guerra Mundial, a<br />
Bélgica foi ocupada pelas forças alemãs.<br />
Os nacionalistas flamengos responderam<br />
ao canto de sereia do Reich que lhes prometeu<br />
respeitar a sua cultura. Mais tarde,<br />
as condenações das pessoas, consideradas<br />
por alguns como colaboradores e por<br />
outros como nacionalistas, envenenaram<br />
a vida política.<br />
28<br />
Paralelamente, a Bélgica desempenhava<br />
um papel internacional importante e tornou-se<br />
um exemplo de democracia política<br />
e social. Em <strong>19</strong>48, foi reconhecido às<br />
mulheres o direito de sufrágio universal,<br />
e a segurança social é generosa.<br />
A Bélgica é um membro fundador das<br />
Nações Unidas, do Espaço Económico<br />
Europeu (EEE), precursor da União<br />
Europeia e a União Económica Benelux<br />
(com os Países Baixos e o Luxemburgo).<br />
A Flandres, que é de longe a região mais<br />
povoada, recuperou rapidamente o seu<br />
atraso económico. Em <strong>19</strong>60, o seu produto<br />
interno bruto (PIB) igualava o da<br />
Valónia. Em <strong>19</strong>70, foi iniciada uma série<br />
de reformas institucionais que conduziram,<br />
no início dos anos 90, à mutação<br />
da Bélgica em Estado Federal, com três<br />
regiões, a Flandres, a Valónia e a região<br />
de Bruxelas-Capital. Esta última região,<br />
geograficamente encravada na Flandres, é<br />
em grande parte de língua francesa. E três<br />
comunidades, a flamenga, a francófona<br />
e a de língua germânica (os cantões do<br />
Leste). Há governos e parlamentos para as<br />
comunidades e as regiões. Os Flamengos<br />
agruparam as suas instituições políticas<br />
de comunidade e de região.<br />
A tristeza dos Belgas<br />
O nacionalismo é favorecido por um sistema<br />
eleitoral que não prevê nenhuma<br />
eleição conjunta a nível do país. Um<br />
Flamengo, por exemplo, não tem nenhuma<br />
possibilidade de votar em um Valão. Só os<br />
Bruxelenses dispõem dessa escolha. Ora,<br />
isto não favorece a moderação. O sismo<br />
político criado pelas últimas eleições de 13<br />
de Junho de <strong>2010</strong>, das quais saiu vencedor<br />
o partido separatista flamengo, atingiu<br />
uma grande magnitude. Há agora muita<br />
incerteza. É “a tristeza dos Belgas”, para<br />
utilizar o título da obra-prima de Hugo<br />
Claus. Mas isto não significa tocar a finados<br />
por um pequeno país que marcou a<br />
história contemporânea para muito além<br />
da sua dimensão. É uma terra de compromissos.<br />
E todos os Belgas de todos os<br />
cantos do país estão conscientes disso. O<br />
divórcio não ocorrerá. Mas se, por desgraça,<br />
for o caso, será um divórcio por<br />
mútuo consentimento.<br />
‘Bataille des eperons d'or’. Hoje, esta data é celebrada pelos Flamengos como o dia da festa nacional. © Reporters
Economia<br />
flamenga.<br />
O sucesso do<br />
que é pequeno<br />
H.G.<br />
Paul de Grauw é professor de<br />
Economia Internacional na<br />
Universidade de Lovaina e<br />
director do departamento<br />
“Dinheiro, investigação da macro-finança<br />
e internacional” do CESifo (Instituto de<br />
Investigação Económica) da Universidade<br />
de Munique. Foi professor em várias<br />
universidades da <strong>Europa</strong> e dos Estados<br />
Unidos e é considerado como um dos<br />
poucos economistas que previu a crise<br />
financeira mundial. É também um ex-<br />
-deputado e ex-senador do parlamento<br />
belga. Ele analisa para O Correio a situação<br />
económica da Flandres.<br />
Presidente Director-Geral - A economia<br />
flamenga é eficaz desde o fim da Segunda<br />
Guerra Mundial. Registou recentemente<br />
algum recuo, mas a diferença em relação<br />
Paul De Grauw. © Hegel Goutier<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
à Valónia mantém-se. Basta analisar os<br />
números relativos ao desemprego: 6 a 7%<br />
de um lado e 15% do outro. A Flandres<br />
tem sofrido recentemente uma desindustrialização<br />
causada pela chegada de<br />
novos produtores ao mercado mundial. O<br />
aumento da sua produtividade provocou,<br />
além disso, numerosos despedimentos.<br />
Vivemos actualmente um período de convergência<br />
entre as duas regiões. Bruxelas<br />
é um caso à parte, com uma economia de<br />
serviços fomentada pela administração<br />
federal e as instituições europeias das<br />
quais beneficia.<br />
HG - Quais foram as bases do elevado<br />
desenvolvimento económico da<br />
Flandres?<br />
A sua industrialização tardia favoreceu a<br />
instalação de novas indústrias, facilitada<br />
pelo porto de Antuérpia que lhe conferia<br />
uma posição estratégica. Por outro lado,<br />
o número reduzido de grandes empresas<br />
sustentava a ausência de sindicatos fortes e<br />
antagonistas, como era o caso na Valónia.<br />
Uma razão conexa é, por conseguinte,<br />
a dimensão das empresas - geralmente<br />
pequenas e médias - que facilitava este<br />
diálogo social.<br />
Convém ainda acrescentar a tudo isto o<br />
nível da educação na Flandres, que é um<br />
dos mais elevados do mundo, bem como o<br />
conhecimento de línguas. Qualquer jovem<br />
flamengo fala três ou quatro línguas. A<br />
Flandres não se contenta em ensinar línguas,<br />
lecciona também as matérias dos<br />
cursos em diferentes línguas.<br />
Descoberta da europa<br />
Ann Demeulemeester, desfile de moda Primavera-Verão de <strong>2010</strong>. A Flandres tem um sector têxtil tradicional. © abaca / Reporters<br />
Quais são, actualmente, os pontos<br />
fortes da Flandres?<br />
Os problemas começaram nos anos 70,<br />
precisamente nas grandes empresas. O<br />
sector do automóvel desapareceu quase<br />
por completo. Foi feita uma reconversão<br />
para a tecnologia de ponta. A fileira<br />
tradicional do têxtil, por exemplo, que<br />
se orientou para a produção de tapetes,<br />
é muito competitiva. Já especializada na<br />
produção de máquinas-ferramentas, a<br />
Flandres reforçou ainda este sector.<br />
Algumas empresas deslocalizaram uma<br />
parte da sua produção mas preservaram<br />
os seus departamentos de elevado valor<br />
acrescentado. É por exemplo o caso da<br />
Bekaert, especialista na transformação do<br />
metal. É de sublinhar o desempenho das<br />
indústrias química e farmacêutica flamengas,<br />
das quais a Janssen Pharmaceuticals<br />
é a mais reputada. O ponto comum entre<br />
todos estes actores, são as suas pequenas<br />
dimensões. A Flandres prefere o que é<br />
pequeno.<br />
Uma Flandres independente seria<br />
próspera?<br />
O modelo que teve sucesso na Flandres<br />
foi pelo contrário o da abertura. Mas se a<br />
Bélgica se dividir, os custos serão elevados<br />
no momento da separação, mas mesmo<br />
assim a Flandres será viável. A Flandres<br />
tem a dimensão da Dinamarca. Mas isto<br />
não quer dizer que eu seja favorável à<br />
separação.<br />
29
Descoberta da europa<br />
Bélgica. Incertezas e<br />
esperança sobre o futuro<br />
Entrevista com Wouter Van Besien, Presidente do partido ecologista<br />
Groen (Verdes) e um dos negociadores sobre o futuro do país<br />
Desde as eleições de 13 de Junho de <strong>2010</strong> na Bélgica, os líderes de sete partidos<br />
negociam, sem sucesso, a formação de um governo que terá por missão remodelar<br />
profundamente as instituições do país, tendo como dificuldade suplementar progredir na<br />
via do federalismo. E, a longo prazo, talvez a independência da Flandres, tão desejada pelo<br />
partido nacionalista flamengo vencedor das últimas eleições, e à qual o líder dos Groen,<br />
Wouter Van Besien, se opõe, embora não o seja necessariamente por nacionalismo!<br />
H.G.<br />
As prioridades de Van Besien são<br />
essencialmente a luta contra<br />
a pobreza numa Bélgica rica,<br />
mas onde 15% da população<br />
vive abaixo do limiar europeu de pobreza,<br />
a luta contra a poluição<br />
e a favor de energias<br />
renováveis e um<br />
reequilíbrio da receita<br />
fiscal, que deverá basear-se menos nos<br />
rendimentos do trabalho e mais nos rendimentos<br />
do capital. “Mesmo tratando-se<br />
de negociações institucionais, pudemos<br />
apresentar algumas ideias verdes. E em<br />
termos de financiamento das regiões, será<br />
necessário determinar os recursos afectados<br />
às regiões, em função da redução das<br />
suas emissões de carbono”.<br />
O Partido Socialista (francófono), segundo<br />
vencedor das eleições de 13 de Junho,<br />
assim como o seu alter ego flamengo, o<br />
SP.A (Socialistische Partij. Anders), e os<br />
dois partidos ecologistas não aceitam que<br />
se ponha em causa a solidariedade entre<br />
regiões, que “deve ser da competência do<br />
mais elevado nível do Estado”, exprime<br />
convencido Van Besien.<br />
E a posição dos outros partidos nas<br />
negociações ?<br />
“Há os Groen, Ecolo, PS e SP.A à<br />
esquerda, e a N-VA muito à direita. Há<br />
os dois partidos cristãos CD&V (Christen<br />
Democratisch & Vlaams), CDH (Centre<br />
démocrate humaniste) numa posição<br />
intermédia. O nacionalismo progride<br />
na Flandres. Cerca de 30% dos eleitores<br />
votaram pela N-VA. O outro partido<br />
separatista, o Vlaams Belang (Interesse<br />
flamengo) situa-se na extrema direita.<br />
É um partido anti-imigrantes que reco-<br />
30<br />
é mais difícil dividir a<br />
Bélgica do que mantê-la unida<br />
lhe 12,3% dos votos. Estes dois partidos<br />
totalizam perto de 45% do eleitorado da<br />
Flandres, o que se deve em grande parte a<br />
Bart De Wever, líder carismático da N-VA.<br />
Eu não acredito que haja tantos flamengos<br />
a desejarem a independência da Flandres.<br />
O problema é que cada um vive no seu<br />
canto, sem verdadeiro conhecimento<br />
do outro. O sistema<br />
educativo é diferente e<br />
bem assim os meios de<br />
comunicação social.<br />
Numa comunidade, não se tem a mínima<br />
ideia do que se passa na outra”.<br />
Está optimista em relação à Bélgica ?<br />
“Estou. Simplesmente porque é mais<br />
difícil dividir a Bélgica do que mantê-la<br />
unida. Mesmo a N-VA afirma que não<br />
deseja a separação do país, que, com o<br />
decorrer do tempo e a transferência gradual<br />
do poder para as regiões e a <strong>Europa</strong>,<br />
a nação belga será evanescente e desaparecerá<br />
por si mesma.<br />
Eu não estou apaixonado por uma Bélgica<br />
eterna. Acho, isso sim, que em relação à<br />
política social, vale mais sermos numerosos.<br />
Se pudesse ser instaurada uma política<br />
social única para toda a <strong>Europa</strong> seria<br />
muito melhor para nós. Há poucos que<br />
possam dizer “eu sou realmente Belga”.<br />
Com a história e as imigrações sucessivas,<br />
formou-se uma multiculturalidade.<br />
A velha lua de uma nação, de um Estado<br />
e de uma cultura partilhados por todos<br />
pertence ao passado”.<br />
Wouter Van Besien (primeiro da esquerda) e Bart De Wever, o líder da N-VA, e outros políticos flamengos num<br />
espectáculo televisivo uma semana antes das eleições de 13 de Junho de <strong>2010</strong>. © Reporters
Flandres. ONG de desenvolvimento<br />
Modelo de sensibilização através<br />
de uma malhagem do território<br />
H.G.<br />
Três números conhecidos<br />
na Bélgica e sobretudo na<br />
Flandres como uma canção<br />
infantil 11.11.11. É a denominação<br />
da organização de cúpula das ONG<br />
flamengas de cooperação Norte-Sul. Na<br />
altura em que foi criada, em <strong>19</strong>66, a associação<br />
11.11.11 abrangia toda a Bélgica.<br />
A federalização também passou por aqui,<br />
com uma divisão em duas entidades, a<br />
francófona, com o nome de CNCD<br />
11.11.11, da qual o público retém CNCD,<br />
e a flamenga, com o nome de origem<br />
11.11.11 é simples. A organização original<br />
foi registada em 11 de Novembro de<br />
<strong>19</strong>66 às 11:h00, para lembrar o armistício<br />
da Primeira Guerra Mundial em<br />
11 de Novembro de <strong>19</strong>18. Depois da<br />
Segunda Guerra Mundial, conta Bogdan<br />
Vandenberghe, o secretário-geral da<br />
11.11.11, alguns humanistas de todas as<br />
tendências políticas e crenças religiosas<br />
disseram que a fome nos países do Sul,<br />
Bogdan Vendenberghe, Secretário-Geral de 11.11.11.<br />
© Hegel Goutier<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
tanto como a guerra, encobria os germes<br />
de perigos que era preciso ultrapassar<br />
através da cooperação.<br />
Actualmente, na Flandres há 100 associações,<br />
das quais uma quarentena de<br />
ONG de desenvolvimento e todos os sindicatos,<br />
que são membros de 11.11.11,<br />
mas são 20 000 comités espontâneos de<br />
voluntários que actuam em 300 comunas,<br />
que são quase todas. Em 2009 recolheram<br />
5, 8 milhões de euros, indo mais de<br />
metade para os projectos das ONG membros,<br />
como a OXFAM ou Pax Christi,<br />
Broederlijk Delen, Vredeseilanden ('Ilhas<br />
de Paz', criada pelo Padre Dominique<br />
Pire, Prémio Nobel da Paz, <strong>19</strong>58).<br />
"Mas a recolha de fundos para projectos<br />
de desenvolvimento, insiste Bogdan<br />
Descoberta da europa<br />
Bruges. © Reporters<br />
Vander Berghe, é apenas uma parte da<br />
nossa função, que consiste em denunciar,<br />
sensibilizar e financiar. A sensibilização<br />
faz-se sobretudo nas escolas.<br />
Todos os anos nos concentramos num<br />
tema, que este ano foi os Objectivos de<br />
Desenvolvimento do Milénio."<br />
11.11.11 está activa em nove países do Sul,<br />
sendo três em África: Ruanda, Burundi e<br />
RD do Congo. Neste último país apoiou<br />
"A voz dos sem voz" de Floribert Chebuya,<br />
recentemente assassinado, ou OCEAN<br />
(Organização Concertada de Ecologistas<br />
e Amigos da Natureza). No Ruanda, um<br />
dos parceiros é a "Dinâmica das Mulheres<br />
Juristas"<br />
Paralelamente à Bélgica, as regiões<br />
federadas também têm a sua política de<br />
31
Descoberta da europa<br />
desenvolvimento, mas com meios muito<br />
mais reduzidos. 1,5 mil milhões de euros<br />
por ano para o Estado Federal belga e<br />
50 milhões para a política específica da<br />
Flandres. "O que é importante, salienta<br />
o secretário-geral da 11.11.11, é que a<br />
Bélgica fez um esforço considerável nos<br />
últimos anos. Em 2009 a ajuda ao desenvolvimento<br />
era 0,55% do RNB. Para <strong>2010</strong><br />
chegará praticamente aos 0,7%, valor a<br />
que cada país da <strong>Europa</strong> se comprometeu".<br />
Vanden Berghe está por isso contente?<br />
"Sim, com um senão. O governo quer<br />
contabilizar no montante da sua ajuda<br />
o perdão da dívida – só para o Congo,<br />
corresponde a mais de 400 milhões de<br />
euros – e a ajuda aos estudantes do Sul<br />
na Bélgica, o que fará cair os 0,70% para<br />
cerca de 0,65. Vamos pedir-lhe para corrigir<br />
o tiro".<br />
Cidades de Flandres<br />
País plano com vértices de beleza<br />
“Este país plano que é o meu<br />
Com catedrais por únicas montanhas”<br />
H.G.<br />
Estes versos “O país plano” de<br />
Jacques Brel, segundo ele diz,<br />
flamengo de língua francesa,<br />
soam bem. As cidades da<br />
Flandres realçam esta terra pelas suas<br />
belezas e a sua originalidade. Não esquecámos<br />
o mar do Norte, “Com infindas<br />
névoas a chegar”, outro verso de Brel. Mas<br />
são as cidades que, apontarem o céu com<br />
as suas catedrais, as suas torres e outras<br />
obras-primas, impregnam a paisagem.<br />
Serpenteando-as, a beleza dos rios e dos<br />
canais tocam o sublime. O Escalda que<br />
banha Antuérpia. Os canais de Bruges.<br />
Mas há também esta paixão pelas suas<br />
bonitas cidades. Divagar num remanso e<br />
talvez o ardor do tez das belas flamengas<br />
devem ser uma herança da vida comum<br />
da Flandres e do reino de Espanha.<br />
32<br />
Modelo de pragmatismo flamengo:<br />
uma revista<br />
MO*, que corresponde a "mondial magazine",<br />
é uma revista mensal especializada<br />
no desenvolvimento e que é publicada em<br />
120 000 exemplares. O seu sítio Internet<br />
recebe 70 000 visitantes por mês. Além<br />
disso, a MO* organiza muitas conferências<br />
frequentadas por uma média de 400<br />
participantes. A revista é citada muitas<br />
vezes pela imprensa popular.<br />
A sua originalidade reside na montagem<br />
entre ONG, imprensa privada, empresa<br />
privada e governos flamengo e federal,<br />
que levou à sua criação em 2003. Até<br />
aí, as maiores ONG flamengas produ-<br />
Sem exagero<br />
A beleza de Bruges, a chamada “Veneza<br />
do Norte”, com os jogos de luz nos canais<br />
à noite. Gand, tão bela e tão real, não é<br />
o postal que é Bruges para os turistas.<br />
Aqui, são os próprios habitantes da cidade<br />
que a namoram com paixão. Algo a não<br />
perder é a semana de Festas de Gand<br />
(Gentse Feesten). Antuérpia, a opulenta<br />
com os seus diamantes, a sua estação,<br />
obra-prima que simboliza as miríades<br />
de maravilhas arquitecturais da cidade.<br />
E Furnes (Veurne)... para surpreender os<br />
amigos. Poucos a conhecem. É um oásis<br />
de beleza íntima. É como uma Bruges<br />
com dimensão graciosa, como se fosse<br />
só para nós.<br />
Depois, Tongres (Tongeren), cidade<br />
romana com um passado rico, é um museu<br />
vivo de extrema beleza. Não esqueçamos<br />
Lovaina (Leuven), cidade universitária<br />
eternamente jovem e viva desde há séculos.<br />
Malines, Courtrai, Hasselt, todas<br />
elas resplandecentes e atraentes. Até a<br />
pequena Grammont (Geraardsbergen),<br />
lugar de predilecção para os afeiçoados<br />
de belos trajes... E seguidamente, ainda<br />
nas margens do mar do Norte, a vaidosa<br />
Ostende, a sofisticada Knokke e a discreta<br />
Blankenberge.<br />
ziam uma publicação única. Gie Goris,<br />
redactor-chefe da MO*, conta o seguinte:<br />
‘O Grupo Roularta Media aceitou distribuir<br />
a MO* como suplemento mensal da<br />
Knack, a revista de informação semanal<br />
com maior distribuição na Flandres, sem<br />
que a revista perdesse qualquer autonomia<br />
editorial ou organizacional. As duas<br />
partes ficaram a ganhar, pelo facto de a<br />
assinatura da Knack se tornar mais rica na<br />
oferta, sem qualquer custo extra; e a MO*<br />
ganhou imediatamente uma distribuição<br />
gratuita de 110 000 exemplares; o mesmo<br />
montante de subsídios do governo que ia<br />
para a anterior publicação da ONG apoia<br />
agora uma revista moderna, com dez<br />
vezes mais artigos para leitura.’<br />
www.mo.be<br />
Gante, the Graslei. © Reporters / Photononstop
A<br />
Flandres em<br />
movimento<br />
H.G.<br />
Jan Goossens, Director do KVS (Teatro Flamengo).<br />
© Hegel Goutier<br />
Cultura<br />
KVS. O que se faz de mais fulgurante<br />
em teatro, coreografia<br />
moderna e música encontra-se<br />
na Flandres. Sem falar sequer<br />
das exposições e experiências de criação<br />
colectivas mais vanguardistas. O mestre<br />
da obra, Jan Goossens, fala-nos deste<br />
espaço mítico e em movimento na cultura<br />
da Flandres.<br />
Em relação à audácia e espírito engenhoso<br />
da sua programação, o nome deste<br />
lugar, poderia parecer moroso e solene,<br />
Koninklijke Vlaamse Schouwburg (Teatro<br />
Real Flamengo), se não fosse reduzido ao<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
seu acrónimo KVS. É frequentemente esse<br />
lugar, em Bruxelas, que se abre aos jovens<br />
criadores de origem africana, como foi<br />
o caso há anos atrás para o espectáculo<br />
colectivo multimédia, Green Light, sobre<br />
o tema “Ser artista africano”, que permanece<br />
ainda vivo nas nossas memórias.<br />
A metamorfose<br />
Começou tudo no final da década 90.<br />
Devido ao restauro do seu magnífico<br />
edifício neoclássico, o teatro flamengo<br />
encontrou paradeiro num bairro popular,<br />
com uma população 50% de origem imigrada.<br />
A sua clientela habitual começou<br />
a desertá-lo. A programação não estava<br />
em fase com o bairro nem com o renascimento<br />
cultural da Flandres. “Era necessário<br />
reconsiderar o repertório”, conta<br />
Gossens, nomeado director artístico nessa<br />
altura. “Era necessário ter em conta o cosmopolitismo<br />
de Bruxelas e convidar artistas<br />
não flamengos. Começámos, então,<br />
com jovens de origem estrangeira. Um<br />
símbolo dessa colaboração será a criação<br />
da peça ‘Gembloux’ de Sam Touzani e<br />
Ben Hamidou”.<br />
Foi assim que o KVS rompeu o esquema<br />
de um encenador e de uma companhia<br />
local para adoptar as tendências em voga<br />
na Flandres, como as criações colectivas.<br />
Surgiu entretanto uma nova vaga de<br />
jovens coreógrafos flamengos que se tornaram<br />
grandes vedetas da dança contemporânea<br />
mundial, como Anne Teresa De<br />
Keersmaeker, Wim Vandekeybus, Alain<br />
Platel e Ian Lauwens. E o coreógrafo e<br />
dançarino flamengo-marroquino, Sidi<br />
Larbi Cherkawi, com a sua companhia<br />
‘Ice man’. Ou ainda encenadores como<br />
Luk Perceval. Esse movimento incitou<br />
a Comunidade Flamenga a investir na<br />
política cultural.<br />
Conquista do mundo<br />
anglo-saxão<br />
Descoberta da europa<br />
KVS, edifício clássico. © Hegel Goutier<br />
“Um terceiro factor”, acrescenta o director<br />
do KVS, “que contribuiu para este<br />
dinamismo foi o não termos um Molière,<br />
um Goethe ou um Shakespeare com os<br />
quais os nossos artistas deviam confrontar-se.<br />
Isso deixou-lhes a liberdade, como<br />
foi o caso de Luk Perceval, de trabalhar<br />
peças clássicas sem respeito nem condescendência”.<br />
Que mais temos na Flandres? No mundo<br />
da música rock e pop: Deus, Daan ou os<br />
irmãos Dewaele, na sua configuração de<br />
duo ‘Too many DJ' s’. No jazz, há uma<br />
constelação de grandes nomes, como<br />
Chris Defoort. Todos conquistaram o<br />
mundo anglo-saxão, mesmo sendo pouco<br />
conhecidos, com algumas excepções,<br />
como Axelle Red ou Arno, no mundo<br />
francófono.<br />
E não podemos esquecer a moda, desde<br />
há cerca de vinte anos para cá, com “Os<br />
seis de Antuérpia” (The Antwerp six),<br />
segundo a expressão da imprensa inglesa:<br />
Dirk Bikkembergs, Ann Demeulemeester,<br />
Dries Van Noten, Dirk Van Saene, Walter<br />
Van Beirendonck e Marina Yee, saídos<br />
há pouco da Academia de Antuérpia.<br />
Outros os seguiram e continuam a encantar<br />
a clientela sofisticada dos desfiles de<br />
moda na França, Itália e noutras partes<br />
do mundo.<br />
33
Descoberta da europa<br />
H.G.<br />
34<br />
Filmar o coração da Flandres<br />
Uma quermesse heroica<br />
Vários grandes filmes da época de ouro<br />
do cinema descrevem bem a Flandres<br />
antiga e contemporânea. Os filmes apresentados<br />
aqui têm uma característica<br />
comum: uma imagem que se inspira<br />
dos grandes pintores flamengos. São<br />
verdadeiras jóias, que, felizmente, existem<br />
em DVD.<br />
“A<br />
obra<br />
cidade natal de Bruges,<br />
em preto” do belga<br />
André Delvaux (<strong>19</strong>87)<br />
conta o regresso à sua<br />
no século XVI, de Zenão, o alquimista,<br />
filósofo perseguido que acabou por ser<br />
condenado e executado. São actores Gian<br />
Maria Volonte, Samy Frey e Anna Karina.<br />
Este filme, inspirado do romance de<br />
Marguerite Yourcenar, trata da <strong>Europa</strong>,<br />
onde Zenão vagueou, e sobretudo da<br />
Flandres cujas obras dos seus grandes<br />
pintores servem de trama para o cenário.<br />
Claro-escuro de Rembrandt, paisagens<br />
cobertas de neve de Jan Bruegel (o Antigo)<br />
e também atmosferas de artistas contemporâneos,<br />
como Léon Spilliaert com os<br />
seus mares do Norte.<br />
“A quermesse heróica” (Die klugen Frauen)<br />
de Jacques Feyder (cineasta belga, naturalizado<br />
francês), assistido por Marcel<br />
Carné (<strong>19</strong>35), é uma obra-prima entre o<br />
que há de melhor no cinema. São actores<br />
Francisca Rosay, Louis Jouvet, André<br />
Alerme e Jean Murat. Entre as suas distinções,<br />
cite-se o Primeiro prémio do cinema<br />
francês e o Prémio de realização em <strong>19</strong>36,<br />
na Bienal de Veneza, pela versão francesa,<br />
e no mesmo ano 2 Óscares e o Primeiro<br />
prémio do cinema internacional da crítica<br />
francesa, pela versão alemã. Este filme é<br />
também um dos filmes mais longamente<br />
censurados ou postos no índice, primeiro<br />
na França, antes da guerra, sob a acusa de<br />
querer valorizar um mundo semelhante<br />
ao preconizado por Hitler; depois, pelos<br />
próprios nazis por causa da sua apologia<br />
da resistência popular; e, finalmente<br />
após a guerra e durante muito tempo,<br />
pelos nacionalistas flamengos por injúria<br />
à pátria.<br />
É uma sátira sobre a Flandres de 1616,<br />
com os seus burgomestres (presidentes de<br />
câmara municipal) demasiado comodistas<br />
para se oporem à invasão espanhola e<br />
cujas mulheres se encarregam de tudo,<br />
enfrentando o inimigo, triunfando com...<br />
as armas de que dispõem, com os seus<br />
encantos, evitando assim à Flandres uma<br />
nova destruição. Como confessa o realizador,<br />
a história utiliza o mesmo pretexto<br />
na época de Jan Bruegel para homenagear<br />
a criatividade da Flandres, tendo por tela<br />
de fundo as paisagens que inspiraram<br />
os pintores flamengos. Ninguém o compreendeu.<br />
Outra maravilha menos conhecida do<br />
que as precedentes, mas tão excepcional<br />
como elas, é o filme “Os lábios verme-<br />
lhos” (em inglês: Daughters of Darkness), do<br />
cineasta flamengo Harry Kümel (<strong>19</strong>71).<br />
Com os actores Delphine Seyrig, Danielle<br />
Quimet e John Karlen. A história passa-se<br />
em Ostende. O filme é realizado principalmente<br />
nesta cidade, mas também em<br />
Bruxelas, Bruges e Meise. Também aqui<br />
existem aquela névoa do mar do Norte e<br />
as atmosferas do “país plano” descritas<br />
pelos pintores flamengos contemporâneos,<br />
Spilliaert ou James Ensor e Permeke.<br />
Um filme de uma beleza de imagem prenhes<br />
de poesia tão subtil como uma renda<br />
de Bruges que conta a história de uma<br />
mulher dos nossos dias. É uma vampira<br />
mas é credível e poderia ter sido um manequim<br />
ou cantora. Sensual, comovente,<br />
em quem o espectador acredita. Bélgica,<br />
Flandres, surrealismo!<br />
Imagens do filme de Jacques Feyder "A quermesse heróica". França, <strong>19</strong>35. © Reporters
A sociedade<br />
civil em açção<br />
Os Albinos são também acolhidos no centro de nutrição de Partage Tanzanie. Os Albinos são frequentemente rejeitados pelas<br />
suas comunidades e às vezes mortos pelos comerciantes locais para se apoderarem dos seus órgãos, como o descreve<br />
Richard Mgamba, jornalista tanzaniano, no seu artigo “The Battle for Souls”. O artigo de Mgamba valeu-lhe o primeiro<br />
prémio de Lorenzo Natali para a África. © Marie-Martine Buckens<br />
M.M.B.<br />
Os esquecidos da Kagera<br />
Longe dos grandes circuitos económicos e turísticos, a região da Kagera, que<br />
contorna o lago Vitória no Noroeste da Tanzânia, anteriormente sinistrada, cura<br />
lentamente mas com eficácia as suas feridas, graças em parte à acção da população<br />
local e de ONGs, como a Partage-Tanzanie.<br />
Em <strong>19</strong>89, Philippe Krynen, piloto<br />
francês em visita à região da<br />
Kagera, deparou-se com uma<br />
região sinistrada, na sequência<br />
da situação económica catastrófica da<br />
Tanzânia, desde o final da década 70, e<br />
igualmente da guerra de <strong>19</strong>77 contra o<br />
Uganda de Idi Amin Dada, que devastou<br />
toda a região. Decidiu então instalar-se na<br />
região e criou um programa de ajuda global<br />
ao desenvolvimento – o programa Vitória<br />
- centrado nos órfãos e nas suas famílias.<br />
Nasceu assim a ONG Partage-Tanzanie.<br />
Nessa altura, a região era considerada<br />
o epicentro da Sida na Tanzânia e as<br />
crianças, cujos pais já faleceram, são<br />
geralmente designadas por “órfãos da<br />
Sida”. Nem todas elas o são, mas é, sem<br />
dúvida, o estado sanitário geral da região<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
que é posto em causa. O paludismo e a<br />
tuberculose continuam a ser as principais<br />
causas de mortalidade. A malnutrição<br />
gerada pela extrema pobreza da região é<br />
uma autêntica calamidade.<br />
É este estado de sinistrose que combate<br />
a ONG francesa. Alfred Minani, braço<br />
direito de Philippe Krynen, explica:<br />
“Actualmente, o programa ocupa cerca<br />
de 300 assalariados. O nosso objectivo<br />
é oferecer aos órfãos o que os seus pais<br />
lhes teriam dado: cuidados, alimentos e<br />
educação”. Embora os escritórios centrais<br />
se encontrem em Bukoba, porto e<br />
sede administrativa da região, a ONG<br />
trabalha prioritariamente nas zonas rurais<br />
da Kagera. “Abrimos escolas técnicas,<br />
dramaticamente ausentes na região, mas<br />
também infantários e escolas primárias”,<br />
prossegue Alfred Minani. Foram abertos<br />
vinte e um centros, entre os quais dispensários,<br />
que se ocupam da nutrição e de<br />
cuidados de saúde, e centros diurnos para<br />
órfãos. Uma inovação interessante é o<br />
ensino leccionado nas escolas, baseado no<br />
método Montessori, que favorece o desenvolvimento<br />
da iniciativa das crianças.<br />
A mortalidade infantil<br />
da região representa um terço<br />
da média nacional<br />
“As crianças que sofrem de malnutrição<br />
exigem muita atenção. São frequentemente<br />
necessários quatro anos para que<br />
uma criança comece a andar e seis anos<br />
para começar a falar”. No plano sanitário,<br />
os centros dispõem de um laboratório que<br />
permite detectar, entre outras doenças, as<br />
parasitoses. O nosso orçamento de luta<br />
contra o paludismo está sempre a diminuir”,<br />
acrescenta Alfred Minani. “É uma<br />
prova que a malária está quase erradicada,<br />
em todo caso está bem controlada. A nossa<br />
média é muito inferior à média nacional”.<br />
Mais globalmente, os resultados obtidos<br />
pela Partage-Tanzanie são concludentes:<br />
nos 4 000 órfãos da Partage-Tanzanie, a<br />
mortalidade (números de há 4 anos atrás)<br />
é cerca de um terço da mortalidade infantil<br />
nacional e um quarto da mortalidade<br />
infantil regional.<br />
Os corações generosos da Kiroyera<br />
Tours<br />
William Rutta gere com profissionalismo<br />
e bonomia a sua agência de<br />
viagens no centro de Bukoba. É uma<br />
agência sui generis. Para além de propor<br />
digressões de safari “clássicas”<br />
nas reservas vizinhas do Ngorongoro<br />
e Serengeti ou um pouco mais longe,<br />
a agência contribui também para a divulgação<br />
da cultura hayas da região e<br />
co-financia projectos solidários, como<br />
o centro Budap (www.budap.org) para<br />
pessoas com deficiência. Estas acções<br />
valeram-lhe, em 2006, o prémio Zeze<br />
do Fundo Cultural Tanzaniano.<br />
www.kiroyeratours.com<br />
William Rutta com membros do BUDAP a atravessar a<br />
fronteira entre a Tanzânia e o Uganda. © KiroyeraTours<br />
35
Em foco<br />
36<br />
Nos bastidores: Bastidores de ‘Moloch Tropical’.<br />
© Marie Baronne/Velvet Film<br />
Um dia na vida de Raoul Peck, realizador, argumentista e produtor haitiano<br />
Antestreia de “Moloch Tropical”<br />
no Festival África visionária,<br />
BOZAR, Bruxelas<br />
Este 11 de Setembro era um dia especial<br />
para Raoul Peck. A antestreia da<br />
última longa-metragem, Moloch Tropical,<br />
realizada e produzida por Raoul Peck<br />
acontecia em Bruxelas, no quadro do<br />
prestigioso festival “África visionária”.<br />
Após a sua programação na véspera<br />
pelo canal cultural franco-belga-alemão<br />
Arte, co-produtor do filme inteiramente<br />
rodado no Haiti, no interior e à volta da<br />
famosa cidadela Laferrière, classificada<br />
Património Mundial pela UNESCO.<br />
H.G.<br />
Para o cineasta haitiano, o Bozar<br />
estendeu o tapete vermelho. A<br />
Embaixada do Haiti em Bruxelas<br />
redobrou igualmente esforços para<br />
acolher o cineasta caribenho. Homenagem<br />
ao cineasta mas também ao ex-ministro da<br />
Cultura do Haiti, cargo que Peck ocupou<br />
durante um período de 18 meses, de <strong>19</strong>96 a<br />
<strong>19</strong>97, após o regresso de Aristide ao poder,<br />
período suficiente para se aperceber da<br />
deriva antidemocrática do presidente e se<br />
demitir. Para esta breve carreira política,<br />
Peck abandonou o seu cargo de professor<br />
de cinema e de escrita de argumentos,<br />
na Universidade de Nova Iorque. Desta<br />
experiência, nascerá um livro, Monsieur<br />
Le Ministre… jusqu’au bout de la patience.<br />
Sonia Rolland a representar a mulher do presidente no ‘Moloch Tropical’. © Marie Baronne/Velvet
Raoul Peck deixou a sua terra natal em<br />
<strong>19</strong>61, no início da adolescência, tendo os<br />
seus pais fugido da ditadura de Duvalier<br />
para a África. Do Congo, partirá para<br />
França para prosseguir estudos secundários,<br />
seguindo depois para Berlim. Na<br />
<strong>Europa</strong>, milita nas fileiras da diáspora da<br />
esquerda anti-Duvalier.<br />
Após estudos de engenharia nos Estados<br />
Unidos, em França e na Alemanha, com<br />
especialidade em ciências económicas<br />
e tendo colaborado como jornalista em<br />
alguns jornais de prestígio como o “Die<br />
Welt”, decide ser cineasta e voltar a estudar.<br />
Estudos de fotografia e de cinema,<br />
entre outros, na Academia do Filme e da<br />
Televisão de Berlim Ocidental. Aí realiza<br />
pequenos documentários enquanto estudante,<br />
um dos quais chama a atenção:<br />
Leugt.<br />
As asas do desejo<br />
Em Berlim, Peck sente-se como um peixe<br />
na água. É aí que conhece Kielowski ou<br />
Wim Wenders. Quando Wim Wenders<br />
filma, em <strong>19</strong>87, a sua obra-prima As asas<br />
do desejo (Der Himmel über Berlin), Raoul<br />
Peck traduz todas as noites do alemão<br />
para o francês um amontoado de rascunhos<br />
escritos tardiamente e à pressa por<br />
Wenders, que trabalhava sem um argumento<br />
formal, para depois os transmitir ao<br />
co-produtor francês e ao seu sócio alemão<br />
e desta forma sossegá-los. Daí resultavam<br />
efusões poéticas e filosóficas que provavelmente<br />
os deixavam confusos. Peck<br />
falará de Berlim, a sua cidade de adopção,<br />
ao mesmo tempo que da sua experiência<br />
enquanto ministro num filme que é uma<br />
verdadeira jóia, Chère Catherine.<br />
Algumas semanas após o seu trabalho<br />
para Wim Wenders, Peck filmará Haitian<br />
Corner em Nova Iorque.<br />
O filme é apresentado em vinte e cinco<br />
festivais e obteve várias distinções,<br />
nomeadamente uma Menção Especial<br />
no Festival de Locarno. É difundido por<br />
cadeias de televisão nacionais em França<br />
e na Alemanha. Uma primeira tentativa,<br />
um golpe de mestre.<br />
Mais nenhuma das cerca de 15 obras por<br />
ele realizadas passará despercebida. Após<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
Haitian Corner, será a vez de Lumumba, a<br />
morte do Profeta, um documentário que se<br />
apresenta mais como uma docu-ficção sob<br />
a forma de um thriller político, onde atrás<br />
de um relato nostálgico da sua infância no<br />
Congo, a homenagem à sua mãe falecida<br />
pouco antes, Peck conduz uma investigação<br />
rigorosa para descobrir os responsáveis<br />
pelo assassinato do herói congolês,<br />
Patrice Lumumba. Um grande semanário<br />
intelectual francês elogiara então Peck ao<br />
afirmar que tinha revolucionado a arte do<br />
documentário.<br />
Nove anos mais tarde, em 2000, a sua<br />
longa-metragem de ficção Lumumba virá<br />
complementar o documentário como uma<br />
segunda partição de um mesmo cânone<br />
musical. Aqui também os comentários são<br />
ditirâmbicos. O ano do cinema considerou<br />
que “há uma dimensão shakespeariana”<br />
no relato. Lumumba tornou-se um clássico<br />
no repertório de um grande número de<br />
cinematecas no mundo inteiro.<br />
Quando a maior cadeia de televisão de<br />
França quis realizar um filme sobre o caso<br />
Villemin, o homicídio de uma criança que<br />
traumatizou este país, esta tarefa foi confiada<br />
a Raoul Peck. O seu filme sobre um<br />
assunto tão difícil fez a unanimidade…<br />
em França. Um desafio!<br />
“Moloch Tropical”,<br />
desestruturação do poder e<br />
poesia<br />
Sobre Moloch Tropical, o seu último filme<br />
e sobre o seu cinema, Raoul Peck falou<br />
ao Correio que o acompanhou durante um<br />
dia, em Bruxelas.<br />
“Seria mais uma crónica satírica, uma<br />
constatação, um olhar quase shakespeariano<br />
em redor do poder, abordando<br />
de uma maneira forte e concentrada as<br />
peripécias dos últimos quarenta anos,<br />
tomando o Haiti como exemplo. Contudo,<br />
o Haiti não é o centro exclusivo deste<br />
olhar sarcástico.”<br />
“Assistimos neste filme aos últimos dias<br />
de um poder legal, longe do cliché das<br />
ditaduras para nos confrontar com dirigentes<br />
democraticamente eleitos e que,<br />
no entanto, conseguem transformar-se,<br />
através de múltiplas derivas complexas,<br />
em personagens que exercem um poder<br />
arbitrário. Citemos apenas um exemplo<br />
que está no limite da caricatura,<br />
Berlusconi na Itália; podemos também<br />
citar os disparates de Bush, na véspera da<br />
guerra contra o Iraque. A minha modesta<br />
tentativa consiste em desconstruir este<br />
conjunto chamado poder e reduzi-lo à sua<br />
expressão mais simples e à sua dimensão<br />
meramente humana.”<br />
“O antigo presidente Aristide foi a fonte<br />
de inspiração inicial. Alguém que usou<br />
palavras do evangelho, que teve como<br />
bússola o amor ao próximo, a defesa dos<br />
mais pobres e dos mais desfavorecidos e<br />
em quem se podia confiar. Ora, foi ele<br />
quem provocou essa decepção. Contudo,<br />
assumi rapidamente distâncias analíticas<br />
para extrair a personagem deste único<br />
exemplo.”<br />
Sobre a magnífica personagem da criança<br />
de “Moloch”, Peck dirá: “Em cada um<br />
dos meus filmes, o que tento captar, é a<br />
realidade e esta não é meramente brutal,<br />
violenta ou abusiva. Está repleta de poesia,<br />
está repleta de inocência. Da qual é<br />
necessário impregnar-se. Caso contrário,<br />
não haveria razão para lutar.”<br />
http://www.velvet-film.com/<br />
Póster, ‘Moloch Tropical’. © Marie Baronne/Velvet Film<br />
37<br />
Em foco
Nossa<br />
terra<br />
Três anos depois do seu lançamento,<br />
a iniciativa sobre uma Aliança Mundial<br />
contra as Alterações Climáticas (GCCA<br />
– Global Climate Change Alliance) entre<br />
a União Europeia e os países em desenvolvimento<br />
mais vulneráveis às alterações<br />
climáticas está no bom caminho.<br />
38<br />
Aliança UE-ACP contra<br />
as Alterações Climáticas<br />
A<br />
GCCA tenciona intensificar a<br />
cooperação e o diálogo entre<br />
a UE e os países em desenvolvimento<br />
primeiro afectados e<br />
com maior intensidade pelas alterações<br />
climáticas e que têm menor capacidade<br />
para reagir. Estes países são normalmente<br />
os países menos desenvolvidos (PMD)<br />
e os Pequenos Estados Insulares em<br />
Desenvolvimento (PEID), ou seja, mais<br />
de setenta países. A Aliança assenta em<br />
dois pilares:<br />
Primeiro, um diálogo aprofundado sobre<br />
as alterações climáticas. Os resultados<br />
deste diálogo irão alimentar as discussões<br />
relativas ao acordo sobre as alte-<br />
rações climáticas pós-2012 no âmbito<br />
da Convenção-Quadro das Nações<br />
Unidas sobre as Alterações Climáticas<br />
(CQNUAC). A ideia consiste em apoiar a<br />
convergência de visões entre a <strong>Europa</strong> e os<br />
países em desenvolvimento mais vulneráveis<br />
acerca de um novo acordo climático.<br />
Os diálogos no quadro da GCCA conduziram<br />
a Declarações Conjuntas sobre as<br />
alterações climáticas, respectivamente<br />
entre a UE e as Caraíbas (em Março de<br />
2008), o Pacífico (<strong>Outubro</strong> de 2008) e<br />
África (Novembro de 2008). Em Maio<br />
de 2009 foi adoptada uma Declaração<br />
Conjunta ACP-UE e em Maio de <strong>2010</strong><br />
foi assinada uma Declaração Conjunta<br />
entre a UE e os PMD da Ásia.<br />
Desertificação no Mali. © Laif / Reporters
Segundo, apoio financeiro para a adaptação<br />
e, quando favorecer a realização dos<br />
objectivos de redução da pobreza, para<br />
medidas de atenuação. Estão previstas<br />
cinco prioridades:<br />
- Apoiar a adaptação aos efeitos das<br />
alterações climáticas: adaptação, especialmente<br />
nos sectores da água e da<br />
agricultura. Esta prioridade irá basear-<br />
-se nos Programas de Acção Nacionais<br />
de Adaptação (PANA).<br />
- Reduzir as Emissões da Desflorestação e<br />
da Degradação Florestal (REDD): para<br />
os PMD, mais de 60 por cento das suas<br />
emissões têm origem na mudança da<br />
utilização da terra, principalmente desflorestação.<br />
A GCCA apoiará soluções<br />
inovadoras para evitar a desflorestação<br />
e baseia-se em iniciativas existentes para<br />
combater a exploração ilegal das florestas,<br />
como a Aplicação da Legislação,<br />
Governação e Comércio no Sector<br />
Florestal (FLEGT).<br />
- Aumentar a participação no mercado<br />
mundial do carbono; até aqui os países<br />
mais pobres atraíram muito poucos<br />
investidores no Mecanismo de<br />
Desenvolvimento Limpo. A GCCA, ao<br />
desenvolver as capacidades, promove<br />
uma distribuição geográfica mais equitativa<br />
dos projectos MDL.<br />
- Promover a Redução do Risco de<br />
Catástrofes: nas últimas décadas verificou-se<br />
um aumento de catástrofes<br />
naturais associadas a fenómenos meteorológicos<br />
extremos, resultantes das<br />
alterações climáticas. A GCCA dará<br />
assistência aos países mais sujeitos a<br />
A Comissão concedeu 95 milhões de eu-<br />
ros de fundos adicionais para a GCCA no<br />
quadro do Programa Temático Ambiente<br />
e Recursos Naturais (ENRTP), para o<br />
período orçamental 2008-<strong>2010</strong>. Incluem-<br />
-se aqui 25 milhões de euros adicionais<br />
no quadro do orçamento de <strong>2010</strong> cor-<br />
respondentes a metade da contribuição<br />
- Vanuatu (€3,2 milhões): a primeira componente<br />
irá apoiar o desenvolvimento de<br />
capacidades da Unidade de Alterações<br />
Climáticas do Departamento de Meteorologia.<br />
A segunda componente centra-se<br />
na melhoria das práticas agrícolas e de<br />
gestão da água e em acções para evitar<br />
a instalação de populações em zonas<br />
sujeitas a inundações.<br />
- Ruanda (€4,5 milhões): o objectivo geral<br />
é apoiar o Programa de Acção Nacional<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
catástrofes para desenvolverem as suas<br />
capacidades para preparar, reduzir e<br />
prevenir o risco de catástrofes naturais.<br />
- Integrar as alterações climáticas nos<br />
esforços de redução da pobreza. As<br />
alterações climáticas afectam muitos<br />
sectores e precisam de ser ‘integradas’<br />
nas estratégias de redução da pobreza.<br />
Em Julho de 2008, a Comissão Europeia<br />
identificou quatro projectos-piloto<br />
para iniciar as actividades da GCCA:<br />
Vanuatu, Maldivas,<br />
Camboja e Tanzânia.<br />
Foram seleccionados<br />
outros onze países<br />
para a cooperação<br />
no âmbito da GCCA<br />
com cobertura dos<br />
orçamentos 2009-<br />
<strong>2010</strong>: Bangladeche,<br />
Belize, Guiana,<br />
Jamaica, Mali, Madagáscar, Maurícia,<br />
Moçambique, Ruanda, Senegal e<br />
Seicheles. Os recursos adicionais do<br />
orçamento de <strong>2010</strong> tornaram possível<br />
identificar ainda mais países: Etiópia,<br />
Nepal, Ilhas Salomão e nove Pequenos<br />
Estados Insulares do Pacífico como uma<br />
região.<br />
Serão acrescentados outros países ao<br />
grupo-alvo global da GCCA, dependendo<br />
da disponibilidade de recursos no<br />
próximo período. Em relação aos países<br />
seleccionados, será dada especial atenção<br />
para criar formas inovadoras de lidar<br />
com as alterações climáticas, por exemplo<br />
através de apoio orçamental. Existe<br />
uma coordenação regular com acções<br />
semelhantes, como o Programa-Piloto<br />
de arranque rápido da CE no âmbito do<br />
Acordo de Copenhaga. As acções de arranque<br />
rápido são preparadas envolvendo<br />
a Etiópia, o Nepal e os mais Pequenos<br />
Estados Insulares do Pacífico. No âmbito<br />
do Programa intra-ACP do 10.º FED,<br />
foram decididos 40 milhões de euros em<br />
2009 para acções regionais da GCCA. A<br />
de Adaptação (PANA), centrando-se na<br />
gestão sustentável da terra. O objectivo<br />
específico é contribuir para o registo fundiário,<br />
que constitui uma condição prévia<br />
para as adaptações climáticas.<br />
- Tanzânia (€2,2 milhões): apoio à criação<br />
de Ecovillages com acções comunitá-<br />
rias em gestão de recursos naturais e<br />
energias renováveis (que complementa<br />
o trabalho da EDF sobre energias reno-<br />
váveis).<br />
A Aliança, ao desenvolver<br />
as capacidades, promove<br />
uma distribuição geográfica<br />
mais equitativa dos<br />
projectos do Mecanismo de<br />
Desenvolvimento Limpo<br />
do Banco Mundial para a resistência aos<br />
choques climáticos.<br />
Para além das acções por país, existe<br />
igualmente um nível de apoio regional<br />
da GCCA que recorre a financiamentos<br />
intra-ACP no quadro do 10.º FED (40<br />
milhões de euros). O apoio regional nas<br />
Caraíbas será concedido através do Centro<br />
de Alterações Climáticas das Caraíbas, em<br />
Belize (8 milhões de euros). No Pacífico<br />
incluirá prioridades de adaptação, envolvendo<br />
a Universidade do Pacífico Sul (8<br />
milhões de euros). A<br />
nível pan-africano, o<br />
apoio da GCCA processa-se<br />
no contexto<br />
da Parceria estratégica<br />
n.º 6 África-UE<br />
relativa às alterações<br />
climáticas. Isto irá<br />
contribuir para a iniciativa<br />
emblemática<br />
‘ClimDev-Africa’, que compreende o<br />
novo Centro Africano para as Alterações<br />
Climáticas, sedeado em Adis-Abeba,<br />
em especial para melhorar as ligações<br />
entre os dados climáticos e a resposta<br />
política. Além disso, apoiará as actividades<br />
sub-regionais relacionadas com o<br />
clima na África Ocidental (com CILSS /<br />
CEDEAO) e na África Oriental e Austral<br />
(com COMESA). Estas acções regionais<br />
centram-se em interesses africanos específicos,<br />
como a adaptação da agricultura<br />
e a participação no mercado do carbono.<br />
Podem ser obtidas mais informações no sítio<br />
www.gcca.eu.<br />
Comissão apelou aos Estados-Membros<br />
da UE para darem recursos para a GCCA.<br />
A Suécia, a República Checa e Chipre<br />
contribuem com 4,4 milhões de euros, 0,2<br />
milhões e 1,8 milhões, respectivamente.<br />
Outros Estados-Membros mostraram interesse<br />
em apoiar a GCCA.<br />
Algumas actividades de cooperação específicas no quadro da GCCA<br />
- Senegal (€4 milhões): centrado no com-<br />
bate à erosão costeira.<br />
- Maurícia (€3 milhões): apoio orçamental<br />
que contribuirá para a iniciativa Maurícia<br />
Ilha Sustentável.<br />
- Guiana (€4,2 milhões): reforçar as de-<br />
fesas marítimas e a replantação de<br />
mangais.<br />
- Jamaica (€4,1 milhões): reduzir o risco de<br />
catástrofes e restaurar os ecossistemas<br />
costeiros.<br />
Nossa terra<br />
39
Interacções<br />
Anne-Marie Mouradian<br />
Terão sido necessárias negociações<br />
intensas entre a<br />
Alta Representante da UE,<br />
Catherine Ashton, a Comissão<br />
e o Parlamento Europeu para chegar a<br />
acordo sobre a criação do futuro Serviço<br />
Europeu para a Acção Externa – SEAE.<br />
Esta nova entidade concentrará, em<br />
Bruxelas e nas 136 delegações espalhadas<br />
pelo mundo, agentes provenientes da<br />
Comissão, dos departamentos de política<br />
estrangeira do secretariado do Conselho,<br />
das estruturas político-militares da UE e<br />
dos Estados-Membros.<br />
Uma primeira leva de novos embaixadores<br />
foi nomeada em Setembro em 29 países<br />
terceiros, entre os quais 12 países africanos<br />
e o Haiti*.<br />
Até à entrada em vigor do Tratado de<br />
Lisboa, cabia à Comissão nomear o pessoal<br />
das suas delegações, actualmente<br />
“delegações da UE” sob a autoridade da<br />
Alta Representante.<br />
A criação de uma sinergia instaurando<br />
um “balcão único” para tratar das relações<br />
com todos os países parceiros deverá<br />
reforçar a coerência e a eficácia da UE na<br />
cena internacional. Simultaneamente,<br />
apareceram receios. Estavam relacionados<br />
com o risco de instrumentalização da<br />
40<br />
O Serviço Externo Europeu:<br />
qual o impacto sobre a política de<br />
desenvolvimento?<br />
ajuda ao desenvolvimento pela política<br />
estrangeira, da sua enfeudação ao SEAE<br />
e de um controlo crescente da abordagem<br />
intergovernamental em detrimento do<br />
método comunitário. Actualmente, estes<br />
receios parecem, pelo menos em parte,<br />
terem sido apaziguados.<br />
Um compromisso foi encontrado na programação<br />
da ajuda externa europeia que<br />
a Comissão e o Parlamento não queriam<br />
deixar ao SEAE. O papel da Comissão<br />
teria sido restringido e a independência<br />
da política europeia de desenvolvimento<br />
teria ficado comprometida. A autoridade<br />
da Comissão e dos serviços de Andris<br />
Piebalgs foi então reforçada nos ciclos<br />
de programação das políticas de desenvolvimento.<br />
Quanto às questões políticas e de estratégia,<br />
ficarão sob a alçada do SEAE, com<br />
escritórios geográficos espalhados por<br />
cinco direcções gerais. A África, separada<br />
do Grupo ACP, terá uma direcção própria<br />
que responda à estratégia África-UE. Os<br />
serviços que irão formar o SEAE estão<br />
actualmente a preparar um documento<br />
sobre o Corno de África.<br />
Seguindo esta lógica, as questões de<br />
estratégia relativas ao Fundo Europeu<br />
de Desenvolvimento serão tratadas pelo<br />
Serviço externo, enquanto que a preparação<br />
da programação e a sua implementação<br />
ficarão sob a alçada dos serviços<br />
do comissário Piebalgs que tratará das<br />
relações com os ACP no quotidiano.<br />
Segundo o eurodeputado Charles<br />
Goerens, coordenador liberal no seio<br />
da comissão de desenvolvimento do<br />
Parlamento europeu, “existe um risco real<br />
de perda da unidade do processo de tomada<br />
de decisão. No entanto, não posso acreditar<br />
que o poder de proposta da Comissão seja<br />
diminuído pelo Serviço externo”.<br />
Do lado dos serviços da Alta Representante<br />
Ashton, a atitude é mais optimista: “As<br />
questões de estratégia serão objecto de um diálogo<br />
entre a Alta Representante e o Comissário<br />
Piebalgs.”<br />
Para as ONG como a CIDSE, a<br />
Cooperação Internacional para o<br />
Desenvolvimento e a Solidariedade, “é<br />
necessário esperar para ver como é que as<br />
coisas se vão desenvolver”.<br />
O processo está apenas na fase inicial e<br />
ainda subsistem várias dúvidas, inclusive<br />
sobre o futuro da Direcção-Geral do<br />
Desenvolvimento. Ficou assente que os<br />
seus responsáveis geográficos (desk officers)<br />
deixarão a DEV para se juntar ao Serviço<br />
externo. Será que outros funcionários se<br />
irão juntar a eles? O eurodeputado Charles<br />
Goerens alerta para o “risco de desmantelamento<br />
desta DG brilhante que marcou a<br />
história das relações externas da UE”.<br />
* Embaixadores da UE foram nomeados nos<br />
seguintes países ACP: África do Sul, Angola,<br />
Botsuana, Burundi, Gabão, Guiné-Bissau,<br />
Haiti, Moçambique, Namíbia, Uganda,<br />
Papuásia-Nova Guiné, Senegal, Chade, Zâmbia.<br />
Catherine Ashton, segunda da esquerda. © EC
A.M.M.<br />
A<br />
Terceira Cimeira África-UE<br />
que se realizará em Trípoli, na<br />
Líbia, em 29 e 30 de Novembro,<br />
será uma oportunidade para a<br />
União Europeia (UE) e a União Africana<br />
(UA) fazerem o balanço dos progressos<br />
realizados até à data na implementação<br />
da estratégia conjunta África-UE, definida<br />
em Dezembro de 2007 e do seu primeiro<br />
plano de acção. O segundo plano<br />
de acção (2011-2013), que será adoptado<br />
na Cimeira, destina-se a responder a uma<br />
série de novos desafios e à futura cooperação<br />
de governos.<br />
“A parceria <strong>Europa</strong>-África distingue-se<br />
das outras parcerias que a UE e a UA<br />
podem ter em qualquer parte do mundo”,<br />
explica Klaus Rudischhauser, Director<br />
das Relações com os Estados de África,<br />
das Caraíbas e do Pacífico (ACP) na<br />
Direcção-Geral do Desenvolvimento da<br />
Comissão Europeia. “Os líderes europeus e<br />
africanos criaram um mecanismo inovador<br />
que traduz as nossas prioridades comuns<br />
em acções muito concretas”. Ele explica<br />
que o aspecto inovador desta parceria<br />
única provém do seu carácter inclusivo,<br />
que não se limita às duas organizações<br />
continentais, mas engloba os seus países<br />
membros, a sociedade civil, o sector privado,<br />
os parlamentos, etc. Nesta relação,<br />
os parceiros africanos e da UE estão em pé<br />
de igualdade e debatem abertamente não só<br />
matérias de desenvolvimento e africanas,<br />
como também tratam questões mundiais<br />
e prioridades europeias.<br />
Progressos<br />
“Fizemos muitos progressos em oito parcerias<br />
temáticas da estratégia conjunta. No<br />
entanto, algumas parcerias avançam mais<br />
depressa do que outras devido à sua própria<br />
natureza. Por exemplo, a parceria para a<br />
paz e segurança permite à UE apoiar a<br />
arquitectura africana de paz e de segurança<br />
e reforça as capacidades da UA de planear<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
A Terceira Cimeira África-UE<br />
realiza-se na Líbia<br />
O segundo plano de acção na mesa de discussão<br />
e conduzir missões de manutenção da paz.<br />
Isto está a progredir relativamente bem”,<br />
explica Rudischhauser.<br />
É também o caso da parceria sobre a energia,<br />
as alterações climáticas, a ciência, a<br />
tecnologia e o espaço. No quadro da parceria<br />
sobre a energia, a primeira reunião<br />
de alto nível realizou-se em Viena, em 14<br />
e 15 de Setembro, reunindo representantes<br />
europeus e africanos que se comprometeram<br />
a assegurar o acesso a energias<br />
modernas e sustentáveis a mais de 100<br />
milhões de africanos, pelo menos, até 2020.<br />
A reunião lançou igualmente um ambicioso<br />
programa de cooperação em matéria de<br />
energias renováveis que contribuirá para<br />
a realização dos objectivos africanos de<br />
energia renovável para 2020.<br />
Grandes projectos<br />
Trípoli, Líbia. © AP / Reporters<br />
A UA tenciona anunciar na Cimeira de<br />
Trípoli grandes projectos de infra-estrutura,<br />
um em cada uma das cinco regiões<br />
africanas, que irão juntar-se à longa lista<br />
de acções em curso. No quadro da parceria<br />
para a governação, os responsáveis da UE e<br />
da UA já se reúnem duas vezes por ano para<br />
um diálogo sobre os direitos do Homem.<br />
Antes da cimeira deve ser inaugurada uma<br />
plataforma euro-africana de debate sobre<br />
a governação. Relativamente às alterações<br />
climáticas, Klaus Rudischhauser disse<br />
que espera que haja progressos na Líbia<br />
quanto à realização dos compromissos de<br />
financiamento para o clima em África,<br />
para alimentar o debate sobre as alterações<br />
climáticas na conferência do México, no<br />
Interacções<br />
41
Interacções<br />
final deste ano. No contexto da parceria<br />
para as migrações, mobilidade e emprego,<br />
será inaugurado o Instituto Africano de<br />
Remessas de Emigrantes. O objectivo é<br />
reforçar as capacidades dos governos, bancos,<br />
expedidores e receptores de remessas,<br />
sector privado e outros interessados africanos,<br />
com vista a utilizar melhor as remessas<br />
dos emigrantes como ferramentas de<br />
desenvolvimento para redução da pobreza.<br />
Dispor de recursos humanos e financeiros<br />
suficientes é, evidentemente, essencial<br />
para a concretização eficaz da parceria. A<br />
Cimeira de Trípoli, que se reúne tendo<br />
como pano de fundo a crise económica<br />
mundial, examinará a maneira de os reforçar.<br />
Os Estados africanos dispõem actualmente<br />
de receitas e orçamentos nacionais<br />
muito limitados. O ponto principal deste<br />
debate, explica Klaus Rudischhauser, incidirá<br />
sobre os aspectos cruciais de saber<br />
de que maneira as economias africanas<br />
poderão atrair o investimento estrangeiro<br />
directo, a necessidade de criar relações<br />
entre a ajuda e o investimento, e as condições<br />
necessárias para alargar as trocas<br />
comerciais e promover a criação de<br />
emprego dos dois lados do continente.<br />
Acrescenta ainda que é, por conseguinte,<br />
muito oportuno que a Cimeira seja subordinada<br />
ao tema: “Investimento, crescimento<br />
económico e criação de emprego”.<br />
Mais informação: www.africa-eu-partnership.<br />
org/3rd-africa-eu-summit<br />
Ver também páginas 4 & 6<br />
A Comissão Europeia está a preparar<br />
uma série de documentos, alguns dos<br />
quais ligados directamente à Cimeira<br />
África-União Europeia. A sua comunicação<br />
sobre “As relações entre a <strong>Europa</strong> e<br />
a África”, em especial, irá alimentar os<br />
debates em Trípoli.<br />
Há dois outros livros verdes em preparação,<br />
um sobre a política do desenvolvimento<br />
e o outro sobre o apoio orçamental,<br />
mas não estão ligados directamente<br />
à Cimeira, devendo no entanto conduzir<br />
a um debate público sobre estes temas.<br />
42<br />
A Parceria Estratégica África-União Europeia<br />
constitui uma etapa essencial no<br />
diálogo e na cooperação que liga os dois<br />
continentes desde a Primeira Cimeira de<br />
Chefes de Estado e de Governo realizada<br />
no ano 2000, no Cairo. Faz da União<br />
Africana um parceiro privilegiado da UE<br />
e considera África no seu conjunto, ultrapassando<br />
os instrumentos e acordos existentes<br />
com as diferentes regiões (Acordo<br />
de Cotonu e Acordo UE-África do Sul na<br />
África Subsariana, Parceria Euromediterrânica<br />
e Política de Vizinhança para<br />
a África do Norte).<br />
A Segunda Cimeira África-UE, realizada<br />
em Lisboa em Dezembro de 2007,<br />
adoptou uma estratégia comum e um<br />
primeiro plano de acção (2008-<strong>2010</strong>), com<br />
o objectivo de aprofundar as relações e<br />
fazer frente, em conjunto, a uma série de<br />
novos desafios mundiais através de oito<br />
parcerias temáticas distintas:<br />
Trípoli, Líbia. © AP / Reporters<br />
1) A paz e a segurança<br />
2) A governação económica e os direitos<br />
do Homem<br />
3) O comércio, as infra-estruturas e a<br />
integração regional<br />
4) Os Objectivos de Desenvolvimento<br />
do Milénio<br />
5) A energia<br />
6) As alterações climáticas<br />
7) As migrações, a mobilidade e o emprego<br />
8) A ciência, a sociedade da informação<br />
e o espaço<br />
A Terceira Cimeira África-UE, que se<br />
realizará em Trípoli (Líbia), em 29 e 30<br />
de Novembro de <strong>2010</strong>, fará um balanço<br />
das primeiras realizações e lançará o<br />
segundo plano de acção (2011-2013).<br />
www.africa-eu-partnership.org
Elevar a cooperação África-UE no<br />
domínio do espaço a novos cumes<br />
O futuro da cooperação no domínio do espaço entre a União Europeia (UE) e o<br />
continente africano foi discutido num evento sobre o tema ‘O espaço para o cidadão<br />
africano’, realizado em Bruxelas, em 16 de Setembro, no âmbito da actual<br />
Presidência belga da UE.<br />
D.P.<br />
Sabine Laruelle, Ministra belga responsável<br />
pela política das Pequenas<br />
e Médias Empresas, trabalhadores<br />
independentes, agricultura e ciência,<br />
explicou que a cooperação no domínio<br />
do espaço, permitindo o acesso a dados por<br />
satélite, tem a ver com a gestão de recursos<br />
para o desenvolvimento sustentável. Pode<br />
ajudar os países africanos a melhorarem<br />
a capacidade para assegurar segurança<br />
alimentar e da água, bem como cuidados<br />
de saúde, e permitir alertas precoces de<br />
catástrofes, permitindo respostas rápidas<br />
a situações de emergência.<br />
O espaço integra a 8.ª parceria da estratégia<br />
da UE para África, juntamente com<br />
a ciência e a sociedade da informação.<br />
“Temos de dar um passo em frente para<br />
intensificar a nossa cooperação internacional,<br />
em que África será um parceiro<br />
igual, graças à aquisição ou exploração de<br />
capacidades no domínio do espaço”, afirmou<br />
o Comissário da UA para a Ciência e<br />
o Espaço, Jean Pierre Ezin, que afirmou<br />
ainda que gostaria de ter apoio internacional<br />
para uma Agência Espacial Africana.<br />
Alguns países do continente africano já<br />
desenvolveram capacidades próprias e<br />
programas no domínio do espaço: África<br />
do Sul, Egipto e Nigéria. Outros têm projectos<br />
bilaterais neste domínio com entidades<br />
privadas ou governos internacionais.<br />
Os dados meteorológicos da Organização<br />
Europeia para a Exploração de Satélites<br />
Meteorológicos (EUMETSAT) também<br />
já são partilhados com países africanos.<br />
“Foram desenvolvidos vários projectos espaciais<br />
em diferentes domínios para África,<br />
mas muito poucos são sustentáveis para<br />
além da fase-piloto. Isto resulta de a comunidade<br />
local de utilizadores finais frequentemente<br />
não ser envolvida desde o início e não<br />
ter o sentimento de apropriação”, lê-se num<br />
estudo publicado recentemente, Parceria<br />
<strong>Europa</strong>-África no Domínio das Aplicações por<br />
Satélite para o Desenvolvimento Sustentável<br />
(www.espi.or.at), realizado pelo Instituto<br />
Europeu de Política Espacial (ESPI).<br />
Andre Nonguierma, funcionário superior<br />
da Divisão de Informação, Ciência e<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
Tecnologia da Comissão Económica das<br />
Nações Unidas para África (CENUA) e<br />
responsável pelos sistemas de informação,<br />
declarou: “Este continente precisa do seu<br />
próprio sistema de observação específico<br />
para o continente africano.”<br />
Plano de acção da UE<br />
Prevê-se que o espaço terá um lugar central<br />
no próximo plano de acção 2011-2013 para<br />
a execução da estratégia África-UE. “A<br />
pedido do Grupo de Estados ACP, será<br />
identificado no final deste mês (<strong>Outubro</strong> de<br />
<strong>2010</strong>) um projecto de<br />
20 milhões de euros<br />
que será a contribuição<br />
intra-ACP do 10.º<br />
FED para a implementação de serviços<br />
de Monitorização Global do Ambiente<br />
e Segurança (GMES) em África. Serão<br />
retirados outros 4,5 milhões de euros<br />
dos 9 milhões de ‘Apoio ao Sector dos<br />
África quer ter a sua própria<br />
Agência Espacial<br />
Transportes Aéreos em África’, para financiar<br />
os preparativos da eventual utilização<br />
do Serviço Europeu Complementar de<br />
Navegação Geoestacionária (EGNOS)<br />
em África”, diz Francesco Affinito, ponto<br />
de contacto da Comissão Europeia na DG<br />
Desenvolvimento para a parceria 8 (Ciência<br />
e Tecnologia). O sistema GMES da UE,<br />
actualmente em desenvolvimento, pretende<br />
fornecer dados para monitorizar o ambiente<br />
e apoiar a segurança civil. No quadro do<br />
Fundo Europeu de Desenvolvimento<br />
(FED) da UE, foi lançado em 2007 um<br />
projecto com uma duração de 48 meses,<br />
intitulado Monitorização Africana do<br />
Ambiente para o Desenvolvimento<br />
Sustentável (MAADES). Este projecto já<br />
permite o acesso dos países africanos às<br />
tecnologias e aos dados de Observação da<br />
Terra (OT) para monitorização ambiental<br />
e climática. O desenvolvimento<br />
do EGNOS<br />
em África irá melhorar<br />
os serviços de navegação<br />
por satélite para o continente, especialmente<br />
para a aviação. For more see:<br />
GMES.info<br />
Para mais informações ver: GMES.info<br />
Fotografia por satélite mostrando a desflorestação em Madagáscar. Fotografia da esquerda<br />
tirada em <strong>19</strong>72. Fotografia da direita tirada em 2001.<br />
© CE Centro de Investigação Conjunta, Ispra, Itália<br />
Interacções<br />
43
Interacções<br />
Centralizar o portal Agora<br />
na aldeia global<br />
As eleições, que se encadeiam actualmente em África, beneficiam do apoio<br />
financeiro de doadores internacionais, encabeçados pela União Europeia, e da<br />
presença de observadores internacionais em grande número. Todavia, o que<br />
subsistirá após os escrutínios, se os parlamentos não estiverem em condições<br />
de exercer os seus poderes de controlo e de informação? O portal Agora tenta<br />
paliar estas carências.<br />
M.M.B.<br />
ver o que se passa no<br />
Norte do Níger, no Norte<br />
do Mali e no Chade, onde<br />
“Basta<br />
os acontecimentos põem<br />
face a face governos e homens revoltados.<br />
Um governo quase desqualificado<br />
desde o início para intervir, ao passo que<br />
o parlamento, sendo credível e responsável,<br />
pode agir”, declarava recentemente<br />
Ibrahim Yacouba, membro do Conselho<br />
Consultivo Nacional, criado pela junta<br />
militar do Níger para reconduzir o país a<br />
um Estado de Direito. Ser “credível e responsável”<br />
foi o que parlamento nigeriano<br />
não conseguiu aquando da crise alimentar<br />
que assolou o país em 2005. “A sociedade<br />
civil”, acrescenta Ibrahim Yacouba,<br />
“tinha então atacado os deputados sobre,<br />
entre outras coisas, as vantagens que estes<br />
se auto-atribuíram (...). É verdade que o<br />
parlamento tinha pouca margem moral<br />
para poder agir como agente de prevenção<br />
dos conflitos”.<br />
Estes comentários ilustram a complexidade<br />
das medidas a tomar para a manu-<br />
44<br />
tenção de democracias sólidas. A ajuda<br />
sob forma de apoio ao orçamento nacional<br />
dos países beneficiários generalizou-se e<br />
representa frequentemente mais de dois<br />
terços do financiamento da UE para a<br />
cooperação para o desenvolvimento. Para<br />
beneficiar desta ajuda, os países do Sul<br />
devem preencher determinados critérios<br />
ligados à “boa gover-<br />
nação” e comprometerem-se,<br />
na grande<br />
maioria, a reformar<br />
o sector público, a<br />
definir uma agenda a<br />
“favor dos pobres” e a apresentar estabilidade<br />
macroeconómica. São critérios que,<br />
na maioria das vezes, tornam os doadores<br />
extremamente perplexos.<br />
“A participação do parlamento neste<br />
exercício é uma condição prévia. Se ele<br />
for excluído do processo, não poderá<br />
assegurar a continuidade”, interroga-<br />
-se Olivier-Pierre Louveaux, gestor da<br />
plataforma Agora (ver caixa) criada<br />
pelo Programa das Nações Unidas para<br />
o Desenvolvimento (PNUD) com a<br />
participação de cerca de vintena parceiros,<br />
entre os quais a União Europeia. E<br />
ele prossegue: “Actualmente formam-se<br />
“é necessário<br />
que a política retome o seu<br />
lugar no debate”<br />
Parlamento da África do Sul. © Reporters / AP<br />
tecnocratas. Mas é necessário manter a<br />
transparência. É todo um sistema”. Para<br />
resumir, “é necessário que a política<br />
retome o seu lugar no debate”.<br />
Thomas Huyghebaert, especialista em<br />
“apoio à democracia”, no serviço de cooperação<br />
EuropAid da Comissão Europeia,<br />
acrescenta: “É impor-<br />
tante que as estratégias<br />
de redução da<br />
pobreza sejam caucionadas<br />
pelos parlamentos<br />
nacionais.<br />
Não sendo assim, corre-se o risco de<br />
continuar a enfraquecer o processo democrático”.<br />
Após ter sido o menos avultado<br />
da ajuda europeia (100 milhões de euros<br />
durante dez anos, sendo perto de metade<br />
desta verba afectada ao apoio à África<br />
do Sul do pós-Apartheid), o apoio aos<br />
parlamentos começa a tomar forma. As<br />
linhas directrizes que permitem integrar<br />
o papel do Parlamento no diálogo político<br />
com os países beneficiários acabam de ser<br />
finalizadas. Sem contar o trabalho no<br />
terreno, nomeadamente via geminações,<br />
empreendido pelo Parlamento Europeu,<br />
no seu Gabinete para a Promoção da<br />
Democracia Parlamentar. (OPPD).<br />
www.agora-parl.org<br />
Iniciativa multilateral, o portal Agora<br />
pretende ser uma plataforma de intercâmbio<br />
de informação em matéria<br />
de desenvolvimento parlamentar. Tem<br />
três objectivos: partilha do saber e do<br />
saber-fazer, constituição em rede dos<br />
diferentes intervenientes e promoção<br />
dos parlamentos como importantes<br />
vectores de mudança em matéria de<br />
políticas de desenvolvimento. O portal<br />
está disponível em várias línguas: inglês,<br />
francês e, numa fase ulterior, espanhol,<br />
árabe e russo.
Adeus às<br />
Antilhas<br />
Holandesas<br />
Erica González<br />
As Antilhas Holandesas, formadas<br />
por cinco ilhas no Mar das<br />
Caraíbas, deixaram de existir<br />
no passado dia 10 de <strong>Outubro</strong>.<br />
Curaçau e São Martinho passaram a<br />
ser países autónomos dentro do Reino<br />
da Holanda, enquanto Bonaire, Saba e<br />
Santo Eustáquio são agora municípios<br />
holandeses.<br />
A reestruturação das Antilhas assentou<br />
numa série de referendos de consulta à<br />
população das ilhas, realizados entre os<br />
anos 2000 e 2005. O resultado destas<br />
votações revelou enormes diferenças<br />
no seio das Antilhas. Enquanto Santo<br />
Eustáquio manifestou a sua concordância<br />
com a existência das Antilhas Holandesas,<br />
Saba e Bonaire optaram por um tipo de<br />
integração semelhante ao da colectividade<br />
francesa, através do qual se transformariam<br />
em municípios da Holanda. Em sentido<br />
oposto, Curaçau e São Martinho<br />
optaram por permanecer no reino como<br />
Estados autónomos. Com a desintegração<br />
das Antilhas Holandesas termina um<br />
longo período de dificuldades e diferendos<br />
no seu funcionamento interno.<br />
Finalmente, Bonaire, Saba e Santo<br />
Eustáquio converter-se-ão em municípios<br />
da Holanda, com adaptações resultantes<br />
da respectiva localização nas Caraíbas,<br />
ao passo que Curaçau e São Martinho<br />
passarão a ser países autónomos dentro<br />
do Reino da Holanda.<br />
Nascimento de dois países<br />
Curaçau e São Martinho, as suas ilhas<br />
maiores, conseguiram o mesmo estatuto<br />
de autonomia que Aruba já havia obtido<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
Willemstad, capital de Curaçao, é conhecida nas Caraíbas como sendo o único exemplo da arquitectura colonial<br />
neerlandesa. © Erica González<br />
em <strong>19</strong>86. Para Zita Jesús-Leito, membro<br />
do Governo de Curaçau, responsável<br />
pelos Assuntos Gerais e Estrutura Estatal,<br />
esta mudança é uma grande conquista<br />
para a ilha. “Passaremos agora a realizar<br />
tarefas que antes eram da responsabilidade<br />
das Antilhas Holandesas. Aspectos<br />
como o Corpo Policial, o Departamento<br />
de Aviação ou a Alfândega serão controlados<br />
por nós.”<br />
Com a criação dos dois novos países, será<br />
criada uma moeda comum e um Banco<br />
Central para Curaçau e São Martinho.<br />
“Se houver aprovação por parte do<br />
Conselho Insular, em conformidade com<br />
a proposta já apresentada, irá chamar-se:<br />
Florim Caribenho”, afirma Jesús-Leito.<br />
Novas relações com o CARICOM<br />
e a OEA<br />
Até ao passado dia 10 de <strong>Outubro</strong>, as<br />
Antilhas Holandesas tinham o estatuto<br />
de observador num dos Conselhos<br />
do CARICOM, o Conselho para o<br />
Desenvolvimento Humano e Social (com<br />
a sigla inglesa COHSOD). Gideon Isena,<br />
membro do Departamento de Assuntos<br />
Exteriores de Curaçau, assegura que os<br />
dois novos países terão este mesmo estatuto,<br />
embora seja o Conselho Ministerial<br />
do CARICOM que decide se o farão de<br />
imediato ou deverão apresentar um novo<br />
requerimento. Uma vez que não são completamente<br />
independentes e que continuarão<br />
a pertencer ao Reino da Holanda,<br />
estes dois novos países não podem ser<br />
membros de pleno direito do CARICOM.<br />
O mesmo sucede com a Organização dos<br />
Estados Americanos (OEA), ainda que o<br />
Secretário-Geral Adjunto desta organização,<br />
o senhor Albert Ramdin, se mostre<br />
mais optimista e espere que nos próximos<br />
meses tenham início conversações gerais<br />
com os novos países sobre temas como o<br />
intercâmbio de informação e a assistência<br />
nas áreas do desenvolvimento e da<br />
cooperação.<br />
Interacções<br />
45
Interacções<br />
46<br />
Dia Internacional da Alfabetização:<br />
a Ministra da Educação de Cabo Verde recebe<br />
o prémio da UNESCO<br />
Quando uma mulher é analfabeta quase não tem possibilidade de melhorar a sua situação e facilmente as pessoas lhe podem<br />
negar os seus direitos. No dia Internacional da Alfabetização, em 8 de Setembro de <strong>2010</strong>, a UNESCO (Organização das Nações<br />
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) comemorou a alfabetização como um meio de empoderamento das mulheres,<br />
atribuindo prémios a governos e intervenientes não estatais que conseguiram resultados efectivos no combate pela alfabetização.<br />
Andrea Marchesini Reggiani<br />
Este ano, o Prémio de Alfabetização<br />
da UNESCO Rei Sejong, criado<br />
em <strong>19</strong>89, no valor de 20 000<br />
dólares, foi atribuído a quatro<br />
projectos de alfabetização inovadores em<br />
Cabo Verde, no Egipto, na Alemanha e<br />
no Nepal. Esta iniciativa pretende homenagear<br />
as mulheres e os homens que trabalham<br />
na sombra para ajudar os outros<br />
a alfabetizar-se, segundo o princípio de<br />
que a alfabetização é importante para dar<br />
autonomia às pessoas.<br />
Um dos prémios foi atribuído à Direcção-<br />
Geral da Educação e Formação de<br />
Adultos (DGEFA) de Cabo Verde. O<br />
seu ‘Programa de Educação e Formação<br />
de Adultos’ (EdFoA) foi recompensado<br />
pela sua importância e flexibilidade, a sua<br />
ênfase nas mulheres e o seu extraordinário<br />
impacto: a taxa de analfabetismo em Cabo<br />
Verde diminuiu de 60% para 20% entre<br />
<strong>19</strong>74 e 2005 e continua a diminuir.<br />
Desde a independência, o analfabetismo<br />
foi sempre um grave problema nas zonas<br />
rurais de Cabo Verde, onde as mulheres<br />
tinham de trabalhar na agricultura de<br />
subsistência e a educação era um privilégio<br />
a que apenas alguns tinham acesso.<br />
A partir de <strong>19</strong>79, o programa da DGEFA<br />
visou aproximadamente 100 000 cabo-<br />
-verdianos, numa população de 500 000<br />
habitantes. Além de aumentar a confiança<br />
e a auto-estima graças à aquisição<br />
de competências de leitura, de escrita<br />
e de aritmética, o programa destina-se<br />
a permitir às pessoas que exerçam uma<br />
profissão, combatendo assim a pobreza.<br />
Constitui um programa de aprendizagem<br />
da comunidade ao longo da vida e<br />
assenta em quatro princípios: aprender<br />
a conhecer, aprender a fazer, aprender<br />
a ser e aprender a viver em conjunto. O<br />
método de ensino utilizado baseia-se no<br />
trabalho do pedagogo brasileiro Paulo<br />
Freire. As lições de português são retiradas<br />
de situações da vida real em Cabo<br />
Verde e também são ministradas na língua<br />
nacional, o crioulo. Os programas abarcam<br />
igualmente a igualdade de género e<br />
a prevenção contra o VIH/SIDA.<br />
Os outros prémios internacionais de alfabetização<br />
da UNESCO de <strong>2010</strong> foram atribuídos<br />
ao Centro de Educação Informal<br />
do Nepal, ao Governo da Província<br />
de Ismalia, no Egipto, e ao Instituto<br />
Público de Formação de Professores e de<br />
Desenvolvimento Escolar de Hamburgo,<br />
na Alemanha, porque cada um utilizou<br />
programas inovadores para melhorar as<br />
taxas de alfabetização em comunidades<br />
marginalizadas. O projecto alemão, por<br />
exemplo, está situado em Hamburgo, uma<br />
cidade onde os imigrantes constituem 14<br />
por cento da população. Dirige-se aos pais<br />
de crianças com menos de seis anos de<br />
idade, provenientes de comunidades imigrantes,<br />
especialmente mães, que vão à<br />
escola uma vez por semana com os filhos<br />
durante um período de dois anos.<br />
O Dia Internacional da Alfabetização é um<br />
dos muitos projectos paralelos supervisionados<br />
pela UNESCO, com o objectivo de<br />
aumentar as taxas de alfabetização em 50<br />
por cento até 2015. Está em consonância<br />
com o Objectivo de Desenvolvimento do<br />
Milénio (ODM) de assegurar que até 2015<br />
todas as crianças tenham oportunidade de<br />
completar um plano de escolaridade primária<br />
completo. Outro projecto é a Década<br />
das Nações Unidas para a Alfabetização<br />
(2003-2012), cujo lema é ‘Alfabetização<br />
como Liberdade’.<br />
Prisão de São Felipe, alfabetização, educação de adultos.<br />
@UNESCO/Dominique Roger<br />
Cabo Verde, Ilha do Fogo, curso de educação para adultos. © UNESCO/Dominique Roger
Comércio<br />
As Seicheles ganham o<br />
desafio da qualidade do peixe<br />
Christopher Hoareau, Inspector-Chefe da Unidade de Inspecção e Controlo da Qualidade do Peixe das Seicheles, fala do sucesso<br />
do país quanto ao cumprimento das exigentes normas de importação da UE relativas a peixe e produtos da pesca.<br />
As Seicheles deram passos importantes<br />
ao longo dos anos para<br />
satisfazerem as normas de qualidade<br />
com o apoio de doadores,<br />
incluindo fundos do programa da UE intitulado<br />
«Melhorar as Condições Sanitárias<br />
dos Produtos da Pesca» (SFP) nos Estados<br />
de África, Caraíbas e Pacífico (ACP) e<br />
Países e Territórios Ultramarinos (PTU).<br />
Este país do Oceano Índico começou as<br />
exportações de peixe e de produtos da pesca<br />
no início dos anos <strong>19</strong>70, principalmente<br />
para o seu vizinho no Oceano Índico,<br />
a ilha da Reunião, um Departamento<br />
Ultramarino francês. No início dos anos<br />
<strong>19</strong>80, ao abrigo de acordos de pesca bilaterais,<br />
alargou o seu mercado de exportações<br />
para o Reino Unido e a França. Ao mesmo<br />
tempo, grandes embarcações industriais<br />
de pesca de atum de Espanha e da França<br />
foram autorizadas a pescar nas águas das<br />
Seicheles. Em <strong>19</strong>87 foi inaugurada uma<br />
fábrica de conservas de atum.<br />
Em Agosto de <strong>19</strong>98, o Serviço Alimentar<br />
e Veterinário da UE procedeu a uma<br />
avaliação do cumprimento por parte das<br />
Seicheles dos requisitos sanitários da UE<br />
para a exportação de peixe e de produtos<br />
da pesca, surgindo com uma longa lista<br />
de recomendações que a indústria das<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
Seicheles tinha de respeitar para satisfazer<br />
as exigências sanitárias mínimas da UE e<br />
que iam desde a melhoria dos padrões dos<br />
laboratórios até à supervisão da higiene. “A<br />
política do governo consistia em aumentar<br />
as exportações e fazer do sector das pescas<br />
o segundo pilar da economia, depois do<br />
turismo”, diz Christopher Hoareau.<br />
Em 2002/2003, as Seicheles defrontaram-<br />
-se com um dos maiores desafios: a proibição<br />
das exportações de espadarte para o<br />
mercado da UE devido<br />
a um nível muito elevado<br />
de metais pesados,<br />
como o cádmio,<br />
em espécies que contrariavam<br />
o Nível<br />
Máximo Autorizado<br />
extremamente baixo<br />
de 0,05 partes por<br />
milhão (ppm) estabelecido<br />
pela regulamentação da UE. “Isto<br />
causou à indústria perdas económicas<br />
significativas, uma vez que a maior parte<br />
dos operadores de grandes embarcações<br />
de pesca tiveram de pôr termos às suas<br />
actividades”, diz Christopher Hoareau.<br />
Uma alteração subsequente da legislação<br />
aumentou o nível máximo para 0,3 ppm, o<br />
que levou à supressão da proibição.<br />
Melhoria permanente dos<br />
procedimentos<br />
Mais tarde, em 2007, a indústria das<br />
Seicheles viu-se confrontada com dois<br />
alertas nas suas exportações para o mercado<br />
da UE devido a níveis elevados de<br />
histamina descobertos no atum enlatado.<br />
A melhoria dos procedimentos relativos ao<br />
processamento resultou. As Seicheles foram<br />
um grande beneficiário do Módulo 2 do SFP<br />
para apoiar os laboratórios de microbiologia,<br />
de química alimentar,<br />
“É muito difícil conseguir<br />
ajudas para a formação<br />
a longo prazo nos domínios<br />
da segurança dos alimentos,<br />
ciência alimentar e<br />
tecnologias”<br />
ambientais e de metrologia<br />
(ver: http://www.<br />
sfp-acp.eu/).<br />
“É óbvio que a legislação<br />
sanitária das<br />
Seicheles para o peixe<br />
e os produtos da pesca<br />
para exportação agora<br />
satisfaz o princípio da equivalência com a<br />
da UE”, diz Christopher Hoareau, que não<br />
mostra qualquer complacência. Diz que<br />
algumas das dificuldades actuais consistem<br />
em manter trabalhadores com formação,<br />
porque são atraídos pelo sector privado.<br />
“É muito difícil conseguir ajudas para a<br />
formação a longo prazo nos domínios da<br />
segurança dos alimentos, ciência alimentar<br />
e tecnologias”, acrescenta.<br />
47<br />
Concurso de pesca, La Digue, Seicheles. © Hegel Goutier
Reportagem<br />
M.M.B.<br />
No momento em que O<br />
Correio saía de imprensa, os<br />
Tanzanianos votavam para<br />
eleger o seu novo Presidente.<br />
Novo é um termo algo excessivo, dado<br />
todos os observadores concordarem em<br />
dizer, com algum fatalismo, que o presidente<br />
cessante, Jakawa Kikwete, será reeleito<br />
sem grandes dificuldades. Apesar das<br />
medidas tomadas nestes últimos anos pelo<br />
presidente para sanear o seu partido, o<br />
Partido da Revolução (CCM), a usura do<br />
poder – 49 anos ininterruptos de poder,<br />
um recorde em África – juntamente com<br />
uma corrupção crescente, oneraram consideravelmente<br />
as estratégias instauradas<br />
para permitir ao país sair de uma pobreza<br />
endémica, não obstante a riqueza dos seus<br />
recursos naturais.<br />
48<br />
Tanzânia,<br />
entre imobilismo e audácia<br />
Na verdade, o Presidente Kikwete não<br />
tem rival. O principal partido de oposição,<br />
o CUF, está activo principalmente<br />
em Zanzibar. Outro grande partido de<br />
oposição, o Chadema, que representa<br />
principalmente as jovens elites urbanas,<br />
tem muitas dificuldades em definir uma<br />
linha clara de luta. Além disso, no entender<br />
de alguns, Jakawa Kikwete encarna a<br />
estabilidade, na falta de audácia. Na sua<br />
presidência foi celebrado, em 31 de Julho<br />
passado, um acordo histórico entre as<br />
alas zanzibaristas do CCM e CUF para<br />
a formação de um governo nacional de<br />
união em Zanzibar, arquipélago semi-<br />
-autónomo, periodicamente agitado com<br />
lutas políticas fratricidas e sangrentas. A<br />
sua presença activa na cena internacional<br />
e regional deve ser considerada como um<br />
acervo pessoal. Por último, o presidente<br />
conseguiu perpetuar certos valores de<br />
Nyerere, o ‘pai’ da independência tranquila<br />
do país. Nomeadamente, uma capa-<br />
cidade de empatia, como testemunha a sua<br />
política de abertura às vítimas de conflitos<br />
dos países vizinhos, e uma liberdade de<br />
imprensa exemplar. E é sem dúvida por<br />
todas estas razões que o país permanece<br />
ainda hoje, apesar de sinais de cansaço,<br />
“um lugar de predilecção dos doadores”.<br />
Continua a ser um país conhecido no<br />
estrangeiro pelo seu ouro e as suas pedras<br />
preciosas – a Tanzanite é uma exclusividade<br />
tanzaniana, embora amplamente<br />
comercializada pelos Indianos ou Sul-<br />
Africanos - , pelas suas manadas de gnus<br />
que ladeiam a galope a fabulosa cratera do<br />
Ngorongoro, as suas ‘cinco grandes feras’<br />
do parque de Serengeti e as suas praias<br />
paradisíacas na costa oriental de Zanzibar.<br />
Mas ao sair do país traz-se consigo o mais<br />
precioso bem: a gentileza serena dos seus<br />
43 milhões de habitantes.<br />
Em Arusha. © Marie-Martine Buckens
M.M.B.<br />
Actualmente o país conta mais<br />
de 120 etnias, na sua maioria<br />
bantos, não havendo predominância<br />
de uma em relação às<br />
outras, com excepção dos Sukumas (15%<br />
da população total). Os conflitos entre<br />
etnias são quase inexistentes, embora<br />
nos últimos anos tenham surgido tensões<br />
entre cristãos (cerca de 45% da população)<br />
e muçulmanos (35%, mas 95%<br />
no arquipélago), um problema que pode<br />
ameaçar a unidade – sempre frágil - entre<br />
o continente e Zanzibar. Esta ausência de<br />
conflitos explica-se em parte pela decisão<br />
tomada por Nyerere de tornar o suaíli a<br />
língua oficial, para ultrapassar as clivagens<br />
étnicas. O suaíli, originário de Zanzibar,<br />
é uma língua banta pelo seu léxico, mas<br />
foi enriquecida por contributos árabes e<br />
também portugueses.<br />
<strong>19</strong>61. Julius Nyerere, conhecido por<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
“O Pai da Nação”, Julius Nyerere, retrato presente<br />
nalgumas escolas. © Marie-Martine Buckens<br />
‘Mwalimu’, um ícone<br />
nacional e transnacional<br />
Há quem diga que a Tanzânia foi o primeiro país habitado de África, como testemunha<br />
a descoberta dos restos de um australopiteco robusto na garganta de Olduvai,<br />
que faz uma incisão na encosta oeste do vale do Rift, na planície do Serengeti, a<br />
norte da Tanzânia.<br />
«Mwalimu» (professor), assume a chefia<br />
do primeiro governo independente do<br />
Tanganica (parte continental da Tanzânia<br />
actual), antes de aceder à Presidência<br />
do país um ano mais tarde. Nessa época<br />
o ‘professor’ chefiava a TANU (União<br />
Nacional Africana do Tanganica), criada<br />
em <strong>19</strong>54, numa altura em que o país se<br />
encontrava sob tutela das Nações Unidas,<br />
depois de ter sido um protectorado britânico.<br />
Uma herança dos alemães, obrigados,<br />
depois da Primeira Guerra Mundial,<br />
a deixar aos britânicos as suas colónias<br />
da África Oriental alemã, com excepção<br />
do Ruanda e do Burundi, que ficaram<br />
para os belgas.<br />
Zanzibar, por seu lado, tornou-se independente<br />
da Grã-Bretanha em <strong>19</strong>63 e<br />
ficou sob a autoridade do sultão, que foi<br />
derrubado um ano mais tarde por uma<br />
revolução que consagrou Abeid Amani<br />
Karoumé na Presidência do arquipélago.<br />
No mesmo ano, Nyerere inicia negociações<br />
com o Presidente de Zanzibar, que<br />
alguns meses mais tarde resultam na cria-<br />
ção da Tanzânia unida. Porquê tal união<br />
entre dois países cujas ambições e objectivos<br />
eram tão diferentes? As potências<br />
ocidentais – receando que Zanzibar viesse<br />
a tornar-se a ‘Cuba’ de África – terão tido<br />
um papel importante nesta união.<br />
Fevereiro de <strong>19</strong>67. Julius Nyerere define<br />
na célebre «Declaração de Arusha» os<br />
princípios fundadores de uma nova política<br />
económica, destinada nomeadamente<br />
a atingir a auto-suficiência alimentar, e<br />
lança as bases de um socialismo à maneira<br />
da Tanzânia, o Ujamaa: «Um governo<br />
honesto, a igualdade entre ricos e pobres<br />
e a independência económica».<br />
<strong>19</strong>77. A TANU transforma-se no partido<br />
da revolução: Chama Cha Mapinduzi<br />
(CCM). Entre <strong>19</strong>70 e <strong>19</strong>80, a Tanzânia dá<br />
apoio a vários movimentos africanos de<br />
libertação, como Moçambique, o futuro<br />
Zimbabué ou a África do Sul. Nyerere<br />
consegue conservar boas relações com o<br />
Ocidente, enquanto recebia uma ajuda<br />
substancial da China. Mas em <strong>19</strong>83 a crise<br />
económica tornou necessária a liberalização<br />
da economia tanzaniana.<br />
<strong>19</strong>80. O ‘professor’ inicia o seu último<br />
mandato presidencial, mas fica à frente do<br />
CCM – partido único – até <strong>19</strong>90.<br />
<strong>19</strong>85. Ali Hassan Mwinyi sucede a<br />
Nyerere. Reeleito em <strong>19</strong>90, acelera o<br />
programa de reformas de transição para<br />
uma economia de mercado e para o multipartidarismo.<br />
Julius Nyerere conserva o<br />
seu papel de eminência parda na Tanzânia<br />
e de «sábio», chamado a dirimir conflitos<br />
regionais em África.<br />
<strong>19</strong>95. Benjamin Mkapa, candidato do<br />
CCM, é eleito Presidente. Em 14 de<br />
<strong>Outubro</strong> de <strong>19</strong>99, a morte de Julius<br />
Nyerere, o «Pai da Nação», faz temer um<br />
desmembramento da Tanzânia, mas a<br />
reeleição do Presidente Mkapa em 2000<br />
aparece como vontade de salvaguardar a<br />
herança da República unida da Tanzânia,<br />
enquanto Aman Abeid Karumé, filho<br />
de Karumé, primeiro Presidente de<br />
Zanzibar, é eleito para a Presidência da<br />
ilha, numa eleição boicotada pela oposição.<br />
O Presidente tanzaniano tem de fazer<br />
face a uma situação difícil, marcada por<br />
uma forte crise económica, e à presença de<br />
perto de 300 000 refugiados provenientes<br />
do Burundi.<br />
2005. Jakaya Kikwete, igualmente candidato<br />
do CCM, assume a chefia do país.<br />
Reportagem<br />
49
Reportagem<br />
50<br />
Um novo mercado comum<br />
– único na África –<br />
de 130 milhões de pessoas<br />
M.M.B.<br />
O<br />
dia 1 Julho de <strong>2010</strong> ficará marcado<br />
com letras de ouro para os<br />
cinco países da Comunidade<br />
da África do Leste, conhecida<br />
sob o seu acrónimo inglês EAC. Nesse<br />
dia, os Chefes de Estado da Tanzânia,<br />
Burundi, Ruanda, Uganda e Quénia<br />
assinaram o protocolo que prevê a livre<br />
circulação de pessoas, bens e serviços e,<br />
daqui até 2012, de uma moeda única.<br />
Entrevista em Arusha, na sede da<br />
EAC – não distante do Tribunal Penal<br />
Internacional para o Ruanda – com o<br />
seu Secretário-Geral, o tanzaniano Juma<br />
V. Mwapachu. Uma entrevista franca e<br />
sincera com este antigo Embaixador que,<br />
aos seus 68 anos, se propõe pôr a sua<br />
Juma V. Mwapachu. © Marie-Martine Buckens<br />
experiência à disposição do sector privado<br />
tanzaniano quando ceder o seu lugar de<br />
chefia na EAC em 2011.<br />
Foi criada em <strong>19</strong>67 uma primeira<br />
Comunidade a três – Tanzânia, Uganda<br />
e Quénia – que foi extinta 10 anos<br />
depois. Como explica este malogro?<br />
As razões são múltiplas e é-me impossível<br />
dizer qual delas predominou. Eu penso,<br />
antes de mais, que a primeira EAC, logo a<br />
seguir à independência, foi construída em<br />
falsos alicerces, isto é uma herança colonial<br />
construída pelos Britânicos. Havia instituições<br />
que asseguravam um serviço comum<br />
– caminhos-de-ferro, correios, aviação,<br />
energia e mesmo a universidade – mas não<br />
eram apoiadas por uma verdadeira vontade<br />
política, como se estas não tivessem<br />
bases sólidas. Em seguida, a tomada de<br />
decisão era demasiado centralizada, dependente<br />
dos Chefes de Estado. Não havia, por<br />
exemplo, um Conselho de Ministros como<br />
na <strong>Europa</strong>. Bastava que um representante<br />
estivesse ausente para bloquear todas<br />
as decisões. Acrescente-se ainda que o<br />
Presidente da Tanzânia, Nyerere, recusou<br />
sentar-se ao lado do Presidente do Uganda,<br />
Idi Amin Dada, quando este invadiu o<br />
norte da Tanzânia em <strong>19</strong>72, declarando:<br />
“Não quero sentar-me à mesa com este<br />
animal.” Por último, alguns sublinham<br />
opções económicas, a Tanzânia envereda<br />
pelo socialismo, o Quénia defende uma<br />
economia de mercado e o Uganda tinha<br />
uma mistura dos dois, antes de se tornar<br />
um Estado de não-direito.<br />
Em <strong>19</strong>99, a EAC renasceu, convidando<br />
à mesa de negociações o Ruanda e<br />
o Burundi. Qual foi o motivo dessa<br />
escolha?<br />
Voltemos à história. Antes do Tanganyika,<br />
o Ruanda e o Burundi eram colónias<br />
alemãs. Depois, partindo do Norte de<br />
Dar-Es-Salaam, a estrada dos escravos ia
até ao Kivu, divulgando assim o swahili,<br />
língua que é hoje comum na Tanzânia,<br />
Ruanda e Burundi. Há também muitas<br />
afinidades étnicas, sobretudo entre o<br />
Burundi e a Tanzânia. Além disso, devido<br />
ao seu grande vizinho, a RDC (República<br />
Democrática do Congo), houve quem<br />
acreditasse que o Burundi e o Ruanda<br />
voltavam-se mais para o Oeste. É um<br />
erro: estes países estão mais voltados<br />
para Leste. A totalidade do comércio<br />
externo destes países passa pelos portos<br />
de Mombaça, no Quénia e de Dar-Es-<br />
Salaam. Por último, os três países fundadores<br />
da EAC espelham na fragilidade<br />
histórica do Ruanda e do Burundi a sua<br />
própria fragilidade. Basta ver a empatia<br />
manifestada pelos Tanzanianos ao aceitarem<br />
um milhão de refugiados do Burundi<br />
no seu território. Não se pode também<br />
esquecer que um conflito entre Hútus e<br />
Tútsis continua potencialmente possível.<br />
Se for o caso, serão os países ribeirinhos<br />
que irão sofrer. Ora, ao aceitar estes países<br />
na Comunidade, podemos forjar uma<br />
aliança na perspectiva de uma paz estável.<br />
Quais são os desafios com que se<br />
depara a EAC, em especial a Tanzânia?<br />
Os Tanzanianos dizem que têm medo.<br />
Desde os anos 80, uma nova geração de<br />
jovens tanzanianos tem vindo a sofrer<br />
uma diminuição no seu nível de educação,<br />
o que corrói a sua confiança em relação<br />
aos outros, aos nacionais do Quénia, por<br />
exemplo. É verdade que o número de<br />
Tanzanianos que têm acesso à educação<br />
aumentou consideravelmente, mas a qualidade<br />
não acompanhou. A língua torna-se<br />
igualmente um factor importante. Eles<br />
invejam os Ugandeses e Quenianos que<br />
falam perfeitamente inglês, que é o caso,<br />
aliás, da minha geração, mas não a deles.<br />
Fecham-se assim numa fortaleza, devido<br />
à sensação de não poderem fazer concorrência.<br />
No plano da educação, precisamos<br />
de pelo menos 10 anos para chegarmos<br />
ao nível dos nossos dois grandes vizinhos.<br />
A minha resposta aos jovens tanzanianos<br />
é que despertem e adquiram novas competências,<br />
que se exponham. Por outro<br />
lado, o Conselho Interuniversitário, que é<br />
uma instituição da EAC, deverá trabalhar<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
na harmonização do sistema educativo.<br />
Somos a única região económica da África<br />
que deseja adoptar o processo de Bolonha<br />
instaurado na <strong>Europa</strong>. Já padronizámos o<br />
montante das inscrições na universidade.<br />
A RDC manifestou o desejo de entrar<br />
na EAC. Alguns receiam que ao aceitarem<br />
este “grande país com grandes<br />
problemas” é como o “beijo da morte”.<br />
Isso levantaria igualmente a questão<br />
da língua. O Burundi já tem sido marginalizado<br />
nas reuniões devido à sua<br />
língua, que é o francês.<br />
Relativamente à língua, o Presidente<br />
Kikwete, cujo país exerce actualmente a<br />
presidência da EAC, declarou, na última<br />
Cimeira de Campala, que é tempo de<br />
rever os textos, limitando a comunicação<br />
a uma única língua, o inglês. Quanto à<br />
RDC, eu sou um apaixonado por esse<br />
país. Eles estão sobretudo interessados<br />
nas nossas infra-estruturas. Mas o mais<br />
provável é que o próximo país a entrar na<br />
Comunidade será o Sul-Sudão. Se eles<br />
votarem a favor da independência em<br />
2011, é evidente que serão o candidato<br />
prioritário. As razões são simples: estão<br />
culturalmente ligados ao Uganda e ao<br />
Quénia, são cristãos e a sua economia está<br />
totalmente voltada para o Sul.<br />
A Tanzânia é igualmente membro<br />
da Comunidade de Desenvolvimento<br />
da África Austral, a SADC. Das duas<br />
instituições, SADC e EAC, qual é mais<br />
importante no entender dos líderes<br />
do país?<br />
Num dado momento, divorciámos da<br />
parte Leste e, na nossa procura de uma<br />
nova “esposa”, ficámos profundamente<br />
apaixonados pelo Sul, a SADC! Durante<br />
o apartheid, tínhamos relações fortes com<br />
o ANC na África do Sul e as elites estão<br />
ainda emocionalmente ligadas à SADC.<br />
Mas a Tanzânia sabe também de que lado<br />
se encontra a manteiga na fatia de pão,<br />
isto é a EAC. É uma questão de realismo.<br />
© entrepriseresilienceblog<br />
Reportagem<br />
51
Reportagem<br />
“Com o seu potencial a Tanzânia<br />
podia fazer muito mais”<br />
Entrevista com o Embaixador Tim Clarke, Chefe da Delegação da União Europeia na Tanzânia<br />
“Há vinte anos atrás passei cinco<br />
anos na Tanzânia como conselheiro<br />
de desenvolvimento rural, a trabalhar<br />
para a Comissão Europeia”, diz-nos<br />
Tim Clarke. “Conseguimos aquilo que<br />
era na altura o maior programa agrícola<br />
europeu em África, juntamente com o<br />
do Senegal. Hoje, 20 anos depois, as<br />
pessoas não gostam que eu diga que o<br />
nível de pobreza nas zonas rurais parece<br />
ter permanecido quase inalterado. Talvez<br />
não surpreenda, porque no mesmo período<br />
a população duplicou.”<br />
52<br />
M.M.B.<br />
A liderança de Nyerere<br />
“Nyerere já tinha percebido isto há 20<br />
anos”, continua Tim Clarke. Nyerere é<br />
‘a’ referência citada por todo a gente a<br />
quem se fala na Tanzânia. O Embaixador<br />
da UE não é excepção. “A sua imagem<br />
mantém-se respeitável. Ele era uma personalidade<br />
internacional, mesmo se as suas<br />
acções no domínio social demonstraram<br />
ser irrealistas. Era um homem modesto<br />
e humilde. Percebeu que a agricultura<br />
estava no centro de tudo e que a reforma<br />
deste sector era fundamental para se conseguirem<br />
mudanças positivas. Não teve<br />
todas as respostas certas, mas mesmo<br />
assim continua a ser uma pessoa profundamente<br />
respeitada.”<br />
A<br />
agricultura está no centro da<br />
luta do governo da Tanzânia<br />
contra a pobreza. No ano<br />
passado o governo lançou o<br />
extenso programa ‘Kilimo Kwanza’ (‘A<br />
agricultura primeiro’). “Receio que muitos<br />
vejam isto apenas como ‘vinho velho<br />
em odre novo’. Embora a decisão não<br />
seja ainda definitiva, os resultados desta<br />
nova estratégia estão para ver. Há famílias<br />
nas zonas rurais que continuam a viver<br />
na pobreza geração após geração. Não<br />
obstante, foram atribuídos recursos orçamentais<br />
suplementares para a agricultura<br />
no orçamento de 2011. Por isso continuo<br />
prudentemente optimista.”<br />
Combater a corrupção<br />
© Marie-Martine Buckens<br />
Nyerere é a referência para todos os países<br />
africanos que procuram a independência<br />
e as suas raízes. A Tanzânia ainda aspira a<br />
um papel de liderança e, acrescenta Tim<br />
Clarke, é verdade que “a sua atitude para<br />
com os refugiados é exemplar. A decisão<br />
do Ministro do Interior de naturalizar 160<br />
000 estrangeiros é extraordinária. Isto é<br />
‘Nyerere puro’, em conformidade com a<br />
sua política Ujamaa, de trabalhar para o<br />
bem comum. Na Tanzânia encontramos<br />
ao mesmo tempo este extraordinário sentido<br />
de compaixão humana e uma curiosa<br />
mentalidade do tipo fortaleza; o desejo<br />
de uma Tanzânia para os tanzanianos.”<br />
O Partido fundado por Nyerere, o CCM,<br />
está no entanto a sofrer de longevidade.<br />
“Está há 49 anos no poder, um recorde<br />
para África, se não para o mundo”, observa<br />
Tim Clarke. “E não sem alguns problemas.<br />
Infelizmente, a corrupção parece dominar<br />
hoje a vida política. O governo adoptou<br />
algumas medidas positivas, como a criação<br />
de um Serviço de Prevenção e Combate<br />
à Corrupção (PCCB), a que deu alguns<br />
meios. Mas muita gente vê isto como uma<br />
cortina de fumo. Há muitas ‘fugas’ de<br />
dinheiro do sector público. Foi criado um<br />
programa de reformas do sector público,<br />
que estamos a apoiar. Mas precisa de ser<br />
reforçado. O trânsito de mercadorias no<br />
© Marie-Martine Buckens
país e na região é objecto de repetidos<br />
controlos policiais que aumentam os custos<br />
económicos e, nalguns casos, nomeadamente<br />
no que se refere aos produtos<br />
agrícolas frescos, conduzem à sua desnecessária<br />
deterioração. São precisos esforços<br />
intensivos para reduzir estas barreiras não<br />
aduaneiras ao comércio dentro e fora da<br />
Tanzânia. Nem nós, nem outros parceiros,<br />
conseguimos ter um debate verdadeiramente<br />
sério e profundo sobre questões de<br />
governação e de corrupção. Mas tenho a<br />
certeza de que lá chegaremos.”<br />
Abandonar velhos hábitos<br />
“A maior parte da nossa ajuda assume a<br />
forma de apoio geral e sectorial ao orçamento<br />
do Estado. Mas como não existe<br />
uma ligação clara entre a injecção de recur-<br />
sos e os resultados<br />
alcançados – resultados<br />
reais quantificáveis<br />
–, alguns Estados-<br />
Membros da UE mostram-se<br />
cada vez mais<br />
relutantes em recorrer<br />
a esta forma de instrumento<br />
financeiro.<br />
Gostaríamos de mais<br />
diálogo sobre questões<br />
de governação e de responsabilidade.” Tim<br />
Clarke continua dizendo: “A gestão dos<br />
recursos públicos deve ser melhorada, permitindo<br />
que os sectores público e privado<br />
cooperem, beneficiando de sinergias. O<br />
que se reclama é a redução da burocracia e<br />
a destruição da corrupção a todos os níveis.<br />
A seguir, pensamos nós, haverá progressos<br />
concretos, com benefícios reais para os<br />
pobres.” “A minha função”, acrescenta,<br />
“é ajudar a criar um ambiente empresarial<br />
sólido, apoiar a capacidade das instituições<br />
envolvidas na cooperação e, em última<br />
instância, permitir que a Tanzânia seja<br />
independente. Estou convencido de que a<br />
Tanzânia tem potencialidades e recursos<br />
para isso. Continuamos a ser um parceiro<br />
respeitador, mas há algumas diferenças<br />
entre as nossas expectativas e aquilo que<br />
os tanzanianos pensam e fazem.”<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
Na Tanzânia encontramos<br />
ao mesmo tempo este<br />
extraordinário sentido de<br />
compaixão humana e uma<br />
mentalidade do tipo fortaleza,<br />
o desejo de uma Tanzânia<br />
para os tanzanianos.<br />
“É verdade que o país apresenta uma boa<br />
estabilidade macroeconómica. Tem um<br />
apoio orçamental adequado e vai na boa<br />
direcção. Mas na Tanzânia muitas das<br />
pessoas pertencentes à comunidade de<br />
dadores sentem que o país não está a aproveitar<br />
o seu potencial.” As razões? “Não<br />
sei. Se houvesse uma fórmula mágica já<br />
teria sido inventada. O desenvolvimento<br />
da agricultura é difícil e leva tempo. Existe<br />
um estranho receio de ver os quenianos,<br />
os ugandeses e outros estrangeiros a controlarem<br />
a economia. Mas há aqui má<br />
informação – os últimos dados revelam<br />
que é a Tanzânia que se está a portar<br />
tão bem ou melhor do que outros membros<br />
da Comunidade da África Oriental<br />
em termos de comércio intra-regional.<br />
A forte mentalidade socialista ainda está<br />
muito enraizada e embora o sector privado<br />
esteja a fazer alguns<br />
progressos, continua<br />
a ser um processo<br />
muito exigente.”<br />
“Embora a agricultura<br />
devesse ser o<br />
principal meio de<br />
criação de riqueza,<br />
cont i nu a mo s a<br />
assistir a uma gestão<br />
deficiente dos recursos naturais. A<br />
desflorestação aumenta e assistimos à<br />
erosão dos solos e à perda de biodiversidade.<br />
E não me parece que o governo<br />
esteja a mobilizar recursos suficientes<br />
para resolver estes problemas.” Considera<br />
igualmente que no centro do problema<br />
estão questões relacionadas com o regime<br />
de propriedade, impedindo os pequenos<br />
agricultores de explorarem novas oportunidades.<br />
A enxada (‘jembe’) continua a<br />
ser o instrumento agrícola predominante<br />
dos agricultores. Trata-se de um problema<br />
bem conhecido em muitos países africanos<br />
e não existem soluções simples. Um<br />
ardente Tim Clarke continua: “O mesmo<br />
acontece no sector da saúde. As condições<br />
nos hospitais são por vezes terríveis, com<br />
duas ou três pessoas a terem de partilhar<br />
a mesma cama.” Mas existem excepções<br />
espantosas. Cita como “o melhor que<br />
há” o programa do hospital CCBRT (ler<br />
artigo separado), que trata pessoas deficientes<br />
em Dar es Salam.<br />
Credibilidade internacional<br />
No entanto, a Tanzânia continua a ser um<br />
interlocutor internacional preferido em<br />
questões de política africana. O Presidente<br />
Kikwete da Tanzânia foi um dos três líderes<br />
(juntamente com os Presidentes da<br />
Libéria e do Ruanda) convidados para<br />
falar numa conferência organizada pelo<br />
Presidente dos EUA, Barack Obama.<br />
“As ligações com a China também são<br />
importantes, como indica a visita do<br />
líder chinês, que é um acontecimento<br />
raro. É com os chineses que são assinados<br />
a maior parte dos contratos. Notável<br />
igualmente é a visita do Vice-Presidente<br />
iraniano, uma vez que as ligações com o<br />
mundo muçulmano também são importantes.”<br />
O Presidente Kikwete chefiou a<br />
União Africana e actualmente preside à<br />
Comunidade da África Oriental (EAC)<br />
(ler entrevista com o seu Secretário-<br />
Geral). Isto conta e o Embaixador admite<br />
que “a UE não investiu suficientemente<br />
e não jogou esta cartada”. Mas considera<br />
igualmente que o Presidente Kikwete<br />
podia ter usado a sua actual posição na<br />
EAC para fazer avançar a agenda económica.<br />
No entanto, a UE tem um diálogo<br />
limitado com a EAC, ainda que lhe sejam<br />
atribuídos indirectamente fundos da UE,<br />
essencialmente para apoiar acções governamentais<br />
a favor dos direitos humanos e.<br />
no futuro, de infra-estruturas. “Os meus<br />
colegas e eu próprio estamos a tentar<br />
criar um diálogo político”, responde Tim<br />
Clarke. Um diálogo que é muito importante,<br />
uma vez que a Tanzânia escolheu<br />
finalmente negociar o seu futuro Acordo<br />
de Parceria Económica (APE) com a UE<br />
no âmbito da EAC, abandonando a adesão<br />
ao bloco da África Austral. APE que<br />
continuam a ser difíceis de concluir. “A<br />
vontade política na EAC continua frouxa”,<br />
considera Tim Clarke. Daí a importância<br />
do futuro diálogo EAC/UE.<br />
© Marie-Martine Buckens © Marie-Martine Buckens<br />
Reportagem<br />
53
Reportagem<br />
Um apoio orçamental importante ao<br />
serviço da luta contra a pobreza<br />
Apesar de uma elevada taxa anual de crescimento do PIB, à volta de 7%, a Tanzânia continua a ser um dos quinze países mais<br />
pobres do mundo, segundo o índice de desenvolvimento humano do PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.<br />
Este país continua assim a ser o principal beneficiário da ajuda pública ao desenvolvimento (APD) na África subsariana.<br />
M.M.B.<br />
Os desembolsos de APD ultrapassaram<br />
os 2 mil milhões de<br />
dólares em 2006, duplicando<br />
em relação aos anos <strong>19</strong>90.<br />
Em contrapartida, há uma importante<br />
dependência da economia tanzaniana em<br />
relação a financiadores internacionais (16<br />
% do rendimento nacional bruto e 41 %<br />
do orçamento do Estado).<br />
No entanto, foram<br />
realizados progressos,<br />
nomeadamente<br />
na sequência da estratégia<br />
de crescimento<br />
e redução da pobreza<br />
(Mkukuta) implementada<br />
pelas autoridades. Esses progressos<br />
contam-se principalmente nos domínios do<br />
ensino primário, da igualdade de géneros<br />
e do acesso da população urbana à água<br />
(quando metade da população rural não<br />
tem acesso directo): mas ainda há muito<br />
por fazer na modernização das infra-estru-<br />
54<br />
Num centro de renutrição de Partage Tanzanie, em Bukoba. © Marie-Martine Buckens<br />
“o ritmo de diminuição da<br />
pobreza é demasiado lento e<br />
continua a ser um verdadeiro<br />
desafio para o governo.”<br />
turas, na luta contra a pobreza extrema,<br />
na subnutrição e na saúde.<br />
“Além disso, precisa Sadick Magwaya,<br />
responsável dos programas da UE na<br />
célula do gestor orçamental principal do<br />
Ministério das Finanças tanzaniano, a taxa<br />
de mortalidade passou de 112 para 91 por<br />
mil entre 2005 e 2009”. Mas reconhece<br />
que “o ritmo de diminuição da pobreza é<br />
demasiado lento e continua a ser um verdadeiro<br />
desafio para o governo”. O ensino<br />
secundário também continua com problemas:<br />
muito poucos professores e muitas<br />
vezes com má forma-<br />
ção, sem contar que o<br />
inglês – imprescindível<br />
para prosseguir estudos<br />
superiores – só é<br />
ensinado no primário<br />
nas escolas privadas,<br />
que se multiplicam cada vez mais.<br />
As zonas rurais, essencialmente agrícolas,<br />
onde vive 80% da população, foram “duramente<br />
afectadas pelos fracos rendimentos<br />
agrícolas e pelo subemprego”. A falta de<br />
oportunidades é tal que, em 2006, dos<br />
Um pouco mais de 500 milhões<br />
de euros de ajuda europeia<br />
No quadro do 10.º Fundo Europeu de<br />
Desenvolvimento (FED), a UE decidiu<br />
conceder 555 milhões de euros à Tanzânia<br />
para o período 2008/2013. Esta<br />
ajuda é concedida essencialmente na<br />
forma de apoio ao orçamento do governo<br />
(55% para o orçamento geral e<br />
25% para o orçamento sectorial – comunicações,<br />
infra-estruturas), sendo o<br />
resto – ou seja, 55,5 milhões de euros<br />
– afectado ao comércio e à integração<br />
regional (na sua componente de intervenientes<br />
não estatais).<br />
Outra parcela de 55,5 milhões de euros<br />
é afectada a programas que prevêem<br />
apoios:<br />
− aos intervenientes não estatais<br />
(23 milhões de euros)<br />
− ao gestor orçamental nacional<br />
(5 milhões de euros)<br />
− às eleições de <strong>2010</strong><br />
(3 milhões de euros)<br />
− à cooperação técnica<br />
(5 milhões de euros)<br />
− aos programas de reformas<br />
(8 milhões de euros)<br />
− à investigação sobre o clima e a<br />
energia (8 milhões de euros)<br />
− outros (queixas, imprevistos)<br />
(3,5 milhões de euros)<br />
760 000 candidatos a emprego, apenas 70<br />
000 encontraram um emprego... No plano<br />
agrícola, prossegue Sadick Magwaya, “os<br />
desafios continuam a ser importantes; a<br />
agricultura continua dependente das precipitações,<br />
os apoios – em investigação e<br />
conhecimentos – faltam cruelmente, assim<br />
como as infra-estruturas. A nossa indústria<br />
agro-alimentar permanece muito débil,<br />
quando a UE lhe queria dar a prioridade<br />
e forçar neste quadro o papel do privado”.<br />
Na nova estratégia Mkukuta, lançada em<br />
Julho de <strong>2010</strong>, o governo decidiu atribuir<br />
maior importância ao sector privado, mas,<br />
reconhece Sadick Magwaya, “este ainda<br />
continua muito fraco. Ora o sector público<br />
não pode aumentar indefinidamente... ”
Em Dar-es-Salam, o centro hospitalar<br />
de Msasani é um autêntico formigueiro.<br />
Vêem-se crianças que esperam o seu<br />
fisioterapeuta, outras à espera de serem<br />
operadas da catarata. Há uma fila diária<br />
de mais de 200 pessoas que esperam a<br />
sua consulta. Mas os cuidados a pessoas<br />
com deficiências não se limitam a esta<br />
fila à porta do hospital.<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
Romper o círculo vicioso<br />
da deficiência/pobreza<br />
M.M.B.<br />
“O vel da CCBRT, acró-<br />
projecto data de <strong>19</strong>95”,<br />
explica-nos Erwin<br />
Telemans, responsá-<br />
nimo de Comprehensive Community Based<br />
Rehabilitation in Tanzania. É obra de um<br />
grupo de pessoas empenhadas, encabeçado<br />
pelo Dr. Willibrod Slaa (candidato<br />
a Presidente pelo partido da oposição,<br />
Chadema, NdR), actualmente Presidente<br />
do conselho de administração do programa.<br />
“No início, o programa destinava-<br />
-se aos cegos – a catarata é uma autêntica<br />
calamidade – mas foi posteriormente alargado.<br />
Hoje, conta 320 empregados e dispõe<br />
de 200 camas. Mas o que é provavelmente<br />
mais importante do que o próprio hospital<br />
é o fato de trabalharmos em comunidades,<br />
juntamente com pessoal local.” Porque,<br />
prossegue ele, “convém saber que a deficiência<br />
é considerada em África como uma<br />
falta, um castigo de Deus”.<br />
Marginalização<br />
As pessoas com deficiência encontram-se<br />
assim confinadas em comunidades. Graças<br />
a uma vasta estratégia de comunicação onde<br />
© CCBRT/Dieter Telemans<br />
intervêm os meios de comunicação social,<br />
mas também ‘embaixadores’, que são<br />
frequentemente antigos doentes, o centro<br />
consegue convencer as famílias de levar ao<br />
centro os seus surdos, as crianças cegas,<br />
as nascidas com um pé-boto ou um lábio<br />
leporino. O centro Msanani cuida dessas<br />
pessoas, com a contribuição de médicos<br />
tanzanianos e estrangeiros. “São efectuadas<br />
aqui, todos os anos, 10.000 operações,<br />
8000 aos olhos e 2000 em ortopedia<br />
e reconstrução plástica”, diz ainda Erwin<br />
Telemans, e continua: “Há pessoas que<br />
perderam a vista há vinte anos por causa<br />
da catarata e, hoje, graças a uma operação<br />
de 20 minutos, vêem novamente. Quando<br />
se opera uma criança com menos de 6/7<br />
anos nascida com catarata, essa criança<br />
poderá recuperar a vista e tornar-se jurista,<br />
médico, sei lá, até presidente.” O CEO do<br />
programa recorda-se, feliz, de uma família,<br />
que se apresentou com os seus cinco filhos,<br />
todos cegos. Poucos dias depois, todos eles<br />
podiam ver. “A mãe ficou doida de felicidade<br />
e as crianças corriam por todo o hospital. Os<br />
Africanos são muito expressivos!”<br />
Mas nem todas as crianças são curadas.<br />
Foram assim criadas ‘unidades de apoio’<br />
para ajudar os pais, com o apoio de uma<br />
equipa de fisioterapeutas, a inserir os<br />
seus filhos com deficiência na sociedade.<br />
Foram iniciados programas de educação,<br />
que envolvem actualmente 58 escolas.<br />
Pouco a pouco, o centro começa a tratar<br />
outras deficiências, por exemplo, a deficiência<br />
das mães que sofrem de fístula<br />
obstétrica após um parto difícil, que as<br />
invalida e marginaliza. Também neste<br />
campo o trabalho em comunidades, em<br />
especial nas regiões rurais, revelou-se<br />
determinante. Hoje, o governo pediu à<br />
CCBRT que alargasse os seus serviços aos<br />
cuidados de saúde materna. Foi criado um<br />
hospital baseado numa parceria público-<br />
-privada. O governo ofereceu o terreno<br />
e paga alguns salários. Quanto ao resto,<br />
o centro funciona com o financiamento<br />
de donativos privados, de outras ONG e,<br />
sobretudo, da União Europeia.<br />
Em cada dez pessoas no mundo, uma<br />
sofre de deficiência. Em cada dez pessoas<br />
com deficiência, oito vivem no Sul.<br />
Na Tanzânia, frequentam a escola menos<br />
de 2% das pessoas com deficiência.<br />
Reportagem<br />
55
Reportagem<br />
O poder de decidir<br />
Extrair as jovens do círculo vicioso da pobreza e da dependência é um dos projectos<br />
desenvolvido no Norte da Tanzânia pela ONG alemã, DSW, que trabalha em dois<br />
eixos: a aprendizagem de uma profissão e o acompanhamento da sua sexualidade.<br />
M.M.B.<br />
Gertrudes tem 22 anos. Trabalha<br />
como cozinheira estagiária no<br />
hotel Golden Rose em Arusha,<br />
um grande centro urbano e<br />
turístico perto de Kilimandjaro. Em princípio,<br />
a Gertrudes será empregada dentro<br />
em breve. Seria, sem dúvida, uma história<br />
banal, se não fosse o facto de há apenas<br />
um ano a sua única escolha de vida ser<br />
casar ou reencontrar-se na rua, dado os<br />
seus pais não terem recursos para a ajudar<br />
no fim da sua escolaridade. Hoje,<br />
a Gertrudes só pensa em casar daqui a<br />
cinco anos.<br />
Toda a sua formação foi adquirida no<br />
centro de formação (Centro de Formação<br />
Profissional) em Faraja, a alguns quilómetros<br />
de Arusha, um centro fundado<br />
em 2007 por Martina Siara, assistente<br />
social na reforma. É um centro exemplar,<br />
construído em terrenos pertencentes<br />
à Srª Siara, que acolhe actualmente<br />
40 raparigas. Muitas delas viveram um<br />
passado doloroso – vítimas de violações,<br />
de comércio sexual e abandonadas pelas<br />
suas famílias. Dezasseis destas jovens já<br />
são mães. Foi recentemente inaugurado<br />
um infantário para lhes permitir seguir<br />
as suas formações: essencialmente em<br />
gestão hoteleira, confecção e informática.<br />
“É um centro único”, explica Jesse<br />
Orgenes, responsável de programa, “porque<br />
as mulheres são aceites juntamente<br />
com os seus filhos. Anteriormente, estas<br />
mulheres eram rejeitadas. Se lhes damos<br />
as ferramentas necessárias, elas podem<br />
integrar-se no mercado com menos riscos,<br />
sendo menos vulneráveis e mais confiantes<br />
nelas próprias. E terão finalmente o poder<br />
de decidir o que fazer da sua própria vida”.<br />
Ministros da mudança<br />
A organização não governamental DSW<br />
apoia o centro, graças ao financiamento<br />
da União Europeia, entre outros. Como é<br />
que estas mulheres chegaram ao centro?<br />
“Graças aos nossos clubes de jovens, estabelecidos<br />
nas três regiões – cerca de trinta<br />
clubes em cada região – onde trabalhamos<br />
56<br />
aqui no Norte: Arusha, Kilimandjaro e<br />
Tanga”, acrescenta Jesse Orgenes, e prossegue:<br />
“Estes clubes são utilizados em todos<br />
os nossos projectos.” A ONG apoia muitos<br />
projectos, todos com um denominador<br />
comum: ensinar os jovens, essencialmente<br />
mulheres jovens, a se responsabilizarem<br />
pela sua própria vida. A informação sobre a<br />
saúde sexual está no centro de uma grande<br />
parte das nossas acções – para além da<br />
distribuição de preservativos ou de pílulas,<br />
há teatros itinerantes que passam pelos<br />
mercados para sensibilizar para as práticas<br />
de risco e são propostos testes de rastreio<br />
da SIDA –, mas os animadores dos clubes<br />
ensinam igualmente os jovens a montar<br />
projectos e a geri-los financeiramente.<br />
Estes animadores, formados pela ONG,<br />
formam por sua vez outros jovens, que se<br />
tornam “ministros da mudança”, acrescenta<br />
ainda a Jesse Orgenes.<br />
No Centro de Formação Profissional em Faraja. © Marie-Martine Buckens<br />
Sempre apoiado pela UE, o programa de<br />
“saúde reprodutiva” da DSW alarga-se<br />
aos hospitais e a algumas grandes empresas<br />
– a DSW colabora com a Associação<br />
dos Horticultores da Tanzânia, TAHA,<br />
que reúne algumas das grandes explorações<br />
agrícolas de produção intensiva de<br />
flores da região –, e mesmo aos pequenos<br />
exploradores de minas, que trabalham<br />
frequentemente em condições sórdidas.<br />
“O apoio da UE não se limita a esta<br />
acção”, sublinha também o director<br />
nacional da DSW, Peter Munene, “apoia<br />
igualmente as nossas acções a favor da<br />
saúde no Quénia e Uganda, através do seu<br />
fundo regional. Por outro lado, também<br />
nos ajuda, via a Comunidade da África<br />
Oriental, a empreender acções junto dos<br />
jovens dos cinco países membros a fim<br />
de os sensibilizar para a vida política”.
A água, o desafio da gestão<br />
sustentável em Zanzibar<br />
Não faltam precipitações na ilha das especiarias, que no entanto tem que enfrentar múltiplos desafios para assegurar um<br />
abastecimento de água suficiente e de qualidade, em especial às populações rurais abandonadas do noroeste da ilha,<br />
distantes das zonas turísticas.<br />
M.M.B.<br />
A<br />
água das chuvas de monções é<br />
armazenada regularmente em<br />
caves naturais desta ilha essencialmente<br />
de coralina. Mas há<br />
vários factores que ameaçam esta disponibilidade.<br />
“A sobreexploração das águas<br />
subterrâneas provoca a salinização dos<br />
poços costeiros, provocando a sobrecarga<br />
dos poços no interior da ilha e uma deterioração<br />
da qualidade das águas”, explica<br />
Luca Todeschini da ONG italiana ACRA.<br />
Além disso, contrariamente à parte continental<br />
da Tanzânia, um decreto deste<br />
arquipélago semi-autónomo autorizou o<br />
investimento estrangeiro que, logicamente,<br />
equipou apenas a zona turística, na parte<br />
oriental da ilha. Por último, a rede de<br />
água pública é obsoleta e subavaliada em<br />
relação à população actual. “A maior parte<br />
da rede data da independência e a política<br />
da água não estava inscrita nas prioridades<br />
do governo no período <strong>19</strong>80-2004”,<br />
acrescenta Luca Todeschini. Foi necessário<br />
esperar 2004 para ver as autoridades<br />
adoptarem um decreto sobre a água, e<br />
2006 para instaurar a ZAWA, a autoridade<br />
responsável pela água em Zanzibar.<br />
Prioridade às comunidades<br />
A ZAWA é o parceiro principal da ACRA<br />
no projecto de gestão sustentável da água<br />
em Zanzibar, ao lado de duas ONG locais.<br />
Dotado de um orçamento de 1,45 milhões<br />
de euros durante três anos, 75% do projecto<br />
beneficia de financiamento da União<br />
Europeia. “É particularmente inovador<br />
na medida em que criou ‘comunidades<br />
para a água’, que gerem a água nas aldeias”.<br />
Estas comunidades, compostas na sua<br />
maioria por mulheres - factor de integração,<br />
dado as mulheres serem ignoradas<br />
pela economia – têm por tarefa assegurar a<br />
recolha das taxas nas aldeias. É uma tarefa<br />
particularmente difícil, dado ser necessário<br />
convencer as populações a pagarem um<br />
bem que era gratuito até há bem pouco<br />
tempo. Os comités eleitos são também<br />
encarregados da manutenção da pequena<br />
infra-estrutura do interior das comunas.<br />
The active participation of the population,<br />
coupled with the rehabilitation of the<br />
water network, has a positive impact on<br />
the willingness to pay, adds Todeschini:<br />
“People understood that the sale of water<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
at reasonable prices is essential to perpetuate<br />
the service for future generations and<br />
public health. Although the national water<br />
tariffs, recently published, could guarantee<br />
the recovery of the costs, we are just at the<br />
beginning of a behavioural change which<br />
will need time before fully succeeding”.<br />
Acção holística<br />
“Mas a nossa acção não se limita a isto”,<br />
refere Luca Todeschini. A ONG, que<br />
trabalha igualmente em parceria com<br />
a Universidade de Milão na Itália, assegura<br />
um mínimo de higiene - a terrível<br />
epidemia de cólera que devastou a<br />
ilha em <strong>19</strong>78 ainda não foi esquecida –<br />
com a construção de latrinas familiares.<br />
Participa também na reabilitação de<br />
castelos de água e na diversificação das<br />
actividades económicas dos aldeãos.<br />
Também aqui são preferidas as mulheres.<br />
Algumas agruparam-se em cooperativas<br />
agrícolas, a fim de abastecer os mercados,<br />
mas sobretudo os hotéis, em frangos que<br />
respondam às normas de higiene requeridas.<br />
Outras instalam novas colmeias<br />
nos mangais que proliferam na costa ocidental.<br />
Sem esquecer as comunidades<br />
de pescadores, envolvidas em projectos,<br />
ainda difíceis, de aquicultura.<br />
Micro-subsídios para actividades de apicultura nos mangais. © ACRA Itália<br />
Novo tanque de água. © ACRA Itália<br />
Reportagem<br />
57
Reportagem<br />
O pesadelo dos Tanzanianos<br />
M.M.B.<br />
Mwanza, segundo porto da<br />
Tanzânia, está situado nas<br />
margens do lago Vitória. Se<br />
perguntarmos às pessoas o<br />
que pensam de O Pesadelo de Darwin do<br />
realizador Hubert Sauper, o rosto fecha-se.<br />
Quatro anos após a sua estreia, o filme,<br />
premiado pela crítica internacional e desprezado<br />
pelos especialistas que o classificam<br />
de “mirone” e “desonesto”, não foi<br />
esquecido. Os Tanzanianos continuam<br />
à espera do inquérito prometido pelo seu<br />
Presidente que, na altura da sua estreia,<br />
sentiu-se insultado pelo filme.<br />
Lembremos que o filme mostra os efeitos<br />
negativos da instalação, financiada pela<br />
UE, de uma fábrica de acondicionamento<br />
de filetes de perca do Nilo, destinados à<br />
exportação para a <strong>Europa</strong> e o Japão, num<br />
porto até então limitado à pesca tradicional<br />
de baixo rendimento. A fábrica, cria cerca<br />
de mil empregos directos, mas origina<br />
também o êxodo rural e o aparecimento de<br />
uma série de actividades conexas, entre as<br />
quais a recuperação dos subprodutos, mas<br />
igualmente a prostituição, crianças de rua<br />
toxicodependentes e, como o sugere o realizador,<br />
o tráfico de armas, armas estas que<br />
enchem os navios de regresso à África após<br />
terem descarregado os filetes no Norte. E<br />
nem sequer falemos do desastre ecológico:<br />
introduzida há mais de 50 anos, a perca<br />
do Nilo, voraz e carnívora, bem depressa<br />
despovoou as águas, deixando à sua volta<br />
a desolação de um lago morto.<br />
Em Bukoba, porto situado a norte do<br />
Mwanza, fala-se de um prato de tilápia.<br />
“Está a ver”, lança-me um economista que<br />
trabalha para uma ONG, “as outras espécies<br />
estão ainda bem presentes”. O tilápia<br />
servido, ou tilápia do Nilo, é também uma<br />
Protecção da natureza contra desenvolvimento<br />
económico<br />
58<br />
A um mês das eleições, o governo tan-<br />
zaniano tenta acalmar o mau humor dos<br />
ecologistas, anunciando a criação de<br />
um grupo de trabalho encarregado de o<br />
aconselhar sobre o seu projecto contro-<br />
verso de construção de uma estrada que<br />
atravessa o parque nacional do Serengeti,<br />
classificado como património mundial da<br />
Humanidade da Unesco e principal centro<br />
turístico do país. Esta estrada de 50 km<br />
permitiria concretizar o velho projecto de<br />
uma via de comunicação económica, por<br />
espécie introduzida, uma espécie endémica<br />
que, segundo dizem alguns especialistas, já<br />
está praticamente eliminada. “Nos nossos<br />
centros de renutrição para crianças órfãs,<br />
utilizamos em grande quantidade o fulu,<br />
um pequeno peixe pelágico, fonte preciosa<br />
de proteínas e sais minerais.” O fulu continua<br />
a ser o peixe preferido pelas populações<br />
rurais mesmo se, estatisticamente, este<br />
peixe representa hoje apenas 1% das capturas<br />
contra 80% antes do desenvolvimento<br />
da perca. “Todavia é falacioso apresentar<br />
as coisas nesta perspectiva, porque isso não<br />
nos indica o volume realmente pescado”,<br />
sublinha o referido economista.<br />
Professora de Geografia e antiga responsável<br />
de uma ONG humanitária, a francesa<br />
Sylvie Brunel, mesmo se não nega a reali-<br />
um lado, entre o Uganda, Ruanda, Burundi<br />
e a República Democrática do Congo, e por<br />
outro, a costa este da Tanzânia, no litoral<br />
do oceano Índico.<br />
Mas esta estrada barra o caminho de migração<br />
anual de 1,3 milhão de gnus, cuja<br />
população incorre o risco de ser reduzida<br />
para menos de 300.000 cabeças, provocando<br />
uma degradação dos prados e<br />
ameaçando a sobrevivência de predadores,<br />
segundo os defensores do ambiente.<br />
Aldeia de pesca no Lago Vitória. © Marie-Martine Buckens<br />
dade mostrada no filme, condena aquilo<br />
a que ela chama o olhar eternamente condescendente<br />
e saudosista dos Ocidentais<br />
sobre uma África perenemente vítima.<br />
Ela critica além disso a análise “profundamente<br />
desonesta” do realizador Sauper,<br />
que estabelece uma relação directa entre<br />
os pedidos de ajuda alimentar do país e a<br />
situação dos abandonados de Mwanza,<br />
fustigando de passagem a maneira desonesta<br />
como os representantes europeus<br />
são metidos a ridículo. Um país não pode<br />
desenvolver-se sem mercado interno, sublinha<br />
a professora Brunel, e a experiência<br />
mostra que é frequentemente a existência<br />
de uma indústria moderna voltada para a<br />
exportação que o permite e não a preservação<br />
de uma comunidade autárcica com<br />
baixos rendimentos.
Ebulição cultural<br />
Do ngoma tradicional ao design, passando pelas pinturas Tinga, sem esquecer o renascimento do cinema,<br />
a cultura tanzaniana vive-se e deve ser procurada entre tradição e modernidade.<br />
M.M.B.<br />
Perto do porto de Mwanza, no<br />
Norte do país, o centro cultural<br />
Bujora é uma das duas grandes<br />
instituições que faz a promoção<br />
do ngoma, dança tradicional tanzaniana,<br />
feita de ritmos subtis – ritmados por<br />
tambor e marimbas, ou lamelofonos – que<br />
exprimem a vida da comunidade e permitem<br />
comunicar com os antepassados.<br />
Em contrapartida, Dar es Salaam é palco<br />
de iniciativas mais modernas. É na capital<br />
económica que Mustafa Hassanali “faz<br />
da moda uma religião”, como o indica o<br />
sítio web da Semana da moda Swahilie,<br />
uma iniciativa anual lançada por este<br />
jovem desenhador de moda.<br />
Com os seus amigos, Rachel Kessi abriu<br />
a Mawazo Gallery, em 2003, no centro<br />
de Dar es Salaam. A galeria desta jovem<br />
‘comerciante de arte’ tanzaniana, expatriada<br />
durante longos anos na Suíça,<br />
permite aos artistas locais exporem as<br />
suas obras.<br />
O Festival Internacional do Filme de<br />
Zanzibar (ZIFF), lançado em <strong>19</strong>98, permitiu<br />
ao cinema tanzaniano sair do seu<br />
torpor. Mas o ZIFF, como o testemunha<br />
a sua última edição que premiou um<br />
filme sul-africano, tornou-se um acontecimento<br />
cultural incontornável e constitui<br />
uma vitrina para os artistas de todo o<br />
oceano Índico e além.<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
A herança de Tingatinga<br />
Quatro anos de pintura na sua vida... foram<br />
o suficiente para que 38 anos depois cerca<br />
de 400 artistas tanzanianos reivindiquem<br />
a sua pertença a uma escola que tem hoje<br />
o seu nome.<br />
Edward Saidi Tingatinga nasceu, é o que<br />
dizem, em <strong>19</strong>32. Foi apenas em <strong>19</strong>68, ao<br />
ver o interesse dos turistas de passagem<br />
em Dar es Salaam pelas pinturas realizadas<br />
em Moçambique, país vizinho, e<br />
a ausência de pinturas tanzanianas, que<br />
ele decidiu começar a pintar.<br />
Suporte: painéis de aglomerados. Cores:<br />
tintas esmaltadas obtidas nas carroçarias<br />
vizinhas. Motivos: animais, pintados em<br />
cores vibrantes e fortes. Nasceu assim<br />
um novo estilo. Edward, funcionário,<br />
encarregou a sua mulher de vender os<br />
seus quadros nos bairros frequentados<br />
da capital económica tanzaniana. As suas<br />
pinturas agradam, vendem-se – a preços<br />
módicos – e bem depressa Edward pediu<br />
ajuda a outros membros da família. Alguns<br />
deles tornaram-se mesmo seus discípulos.<br />
David Mzuguno. Cortesia de Lumières d’Afrique<br />
Foi assim que nasceu uma escola que se<br />
perpetua hoje, baseada na transmissão.<br />
Edward, formou cinco aprendizes que, por<br />
sua vez, formaram vinte outros, e assim<br />
de seguida. “Nestas cooperativas, a<br />
imitação era quase obrigatória”, explica-<br />
-nos Yves Goscinny, antigo galerista em<br />
Dar es Salaam e hoje co-gerente da Galerie<br />
Lumières d’Afrique, em Bruxelas. “Os<br />
artistas não assinavam as suas obras.<br />
Só mais tarde, aconselhado pelos Ocidentais,<br />
Edwaurd começou a assinar as<br />
suas pinturas E.S. Tingatinga, quando o<br />
nome que o designa é Edward, Saidi é<br />
o do seu pai e Tingatinga o do seu avô”.<br />
Edward morreu em <strong>19</strong>72 com uma bala<br />
perdida numa perseguição de malfeitores.<br />
Hoje, o estilo Tingatinga está muito diversificado<br />
com a introdução permanente<br />
de novos temas, mas as cores fortes e<br />
brilhantes mantêm-se. Entre os novos<br />
pintores, citemos David Mzuguno, cujas<br />
pinturas serão expostas numa retrospectiva<br />
excepcional de 4 a 29 de Abril, nas salas<br />
da Comissão Europeia, em Bruxelas.<br />
Informação: www.lumieresdafrique.eu<br />
Reportagem<br />
59
Criatividade<br />
Sandra Federici<br />
60<br />
Camuflagem urbana:<br />
Explorar as origens de um projecto artístico<br />
Em África, o vestuário não é apenas um meio de cobrir o corpo. É também um meio<br />
de comunicar uma origem cultural e definir um estatuto social. É como uma lição<br />
de história tornada plástica, passeando pelas cidades e aldeias. É este conceito<br />
que Ann Gollifer, uma artista britânica que vive permanentemente no Botsuana,<br />
explora no seu trabalho, especialmente no seu projecto ‘Camuflagem urbana’.<br />
Jovens do Botsuana participaram<br />
no primeiro projecto ‘Camuflagem<br />
urbana’. O ‘Safari de rua’ realizou-se<br />
em 2007 em Gaborone, capital do<br />
Botsuana, e nesse evento os jovens vestiram<br />
fatos especiais representando imagens<br />
dos fundadores do Botsuana – ‘Os Três<br />
Chefes’ – Khama, Sebele e Bathoen. O<br />
facto de passearem na sua cidade assim<br />
vestidos permitiu a estes jovens expressarem<br />
uma consciência de questões como a<br />
história e a identidade africanas e reflectirem<br />
sobre essas questões.<br />
O Correio entrevistou Ann Gollifer, que<br />
está neste momento a preparar outro<br />
evento artístico baseado nas cangas (panos<br />
africanos), que se realizará igualmente em<br />
Gaborone. As cangas são cortes de tecido<br />
de algodão estampados, frequentemente<br />
com uma orla, um desenho central e um<br />
texto. São um tipo de vestuário tradicional<br />
usado pelas mulheres na África Central<br />
e Oriental. O texto evoluiu de citações<br />
geralmente políticas nos anos 60 e 70 para<br />
ditos judiciosos e piadas actualmente.<br />
Pode falar-nos do seu novo projecto<br />
‘Moda e Arte’?<br />
Pretendo fazer uma série de cangas usando<br />
os meus próprios desenhos e provérbios.<br />
A minha ideia é arranjar um estampador<br />
industrial de tecidos para estampar o pano<br />
e depois arranjar um grupo de mulheres<br />
para usarem esses panos africanos e<br />
fazerem uma sessão de fotografia. Estou<br />
neste momento a desenhar o pano usando<br />
a continuação das minhas ilustrações e a<br />
‘Haarlem Hand’. Os slogans que vou usar<br />
serão em inglês e/ou tsuana.<br />
Urban Camouflage, saindo do cemitério Ramotswa, 2008. © Ann Gollifer
Onde será o evento e que slogans serão<br />
utilizados?<br />
Haverá outro ‘Safari de rua’ em Gaborone.<br />
Gostaria de usar locais urbanos, como<br />
supermercados: cadeias de supermercados<br />
sul-africanos no Botsuana, bem como<br />
pequenas cadeias locais como a Choppies.<br />
Estou também a pensar em estabelecimentos<br />
de limpeza a seco. Os slogans/provérbios<br />
estampados nas cangas terão frases<br />
que ouvi das minhas avós, da minha mãe e<br />
de amigos, bem como slogans publicitários<br />
que me impressionaram por serem divertidos<br />
ou de certo modo importantes. Por<br />
exemplo, o maravilhoso slogan publicitário<br />
que é usado actualmente para vender<br />
farinha de sorgo: ‘Unleash the indigenous<br />
you’! [‘Liberta o teu lado indígena’!]<br />
Quem é que vai vestir as cangas que<br />
está a criar?<br />
O grupo de mulheres que vai usar as cangas<br />
serão amigas minhas de diferentes<br />
nacionalidades e culturas que vivem em<br />
Gaborone: Botsuana, Suécia, Jamaica,<br />
África do Sul, Zimbabué, etc. Vão vestir<br />
as minhas cangas – ‘trajes tradicionais<br />
africanos’ que personalizei com as minhas<br />
imagens – em cenários contemporâneos<br />
relacionados com as tarefas mundanas<br />
realizadas durante um dia da vida de uma<br />
Fotografia africana em Ulm:<br />
uma exposição a não falhar<br />
Quando se utilizam grandes quantias de dinheiro para apoiar artistas, para contratar curadores competentes e para oferecer<br />
ao público uma experiência cultural inteligente e única, os resultados são sempre agradáveis. É isto que acontece com a<br />
primeira exposição organizada pela Colecção Walther, que está a decorrer em Burlafingen, perto de Ulm, no sul da Alemanha,<br />
de Junho de <strong>2010</strong> a Junho de 2011.<br />
S.F.<br />
Sob a direcção do crítico de arte<br />
nigeriano Okwui Enwezor, a exposição<br />
integra o trabalho de três<br />
gerações de artistas e fotógrafos<br />
africanos com o de fotógrafos alemães<br />
modernos e contemporâneos. No total<br />
compreende 243 trabalhos de 32 artistas,<br />
todos sobre o tema ‘Eventos de Si Próprio:<br />
Retratos e Identidade Social’.<br />
As fotografias em exposição fazem parte<br />
da Colecção Walther, uma vasta colecção<br />
muito importante e profunda do trabalho<br />
de fotógrafos africanos modernos e contemporâneos.<br />
A Colecção foi criada por Artur<br />
Walther, um gestor e empresário reformado<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
mulher, como preparar a comida e lavar a<br />
roupa: o dia de “caça e colheita” moderno,<br />
realizado pelas donas de casa actuais.<br />
O trabalho de Gollifer está cheio de ironia<br />
e conta histórias sobre a capacidade<br />
africana para alternar entre a tradição e a<br />
Urban Camouflage, no ar com os ‘Three Chiefs’(Três Chefes), 2008. © Ann Gollifer<br />
modernidade, renovando naturalmente a<br />
tradição todos os dias para produzir criações<br />
novas e autónomas. Os seus trabalhos<br />
suscitam sempre novas questões sobre a<br />
cultura e a identidade africanas.<br />
Theo Eshetu, “Trance” 100 x 100. Cortesia de Theo Eshetu<br />
Criatividade<br />
61
Criatividade<br />
que trabalhou antes no sector financeiro.<br />
Walther dedicou o seu tempo a coleccionar<br />
fotografias africanas, chinesas, americanas<br />
e alemãs e esteve envolvido activamente na<br />
organização de uma série de instituições<br />
de artes visuais e de palco. Desde 2005<br />
que Okwi Enwezor ajuda Arthur Walther<br />
a dar forma e a alargar a parte africana da<br />
sua Colecção e foi responsável pela supervisão<br />
do catálogo. Foi a primeira vez que a<br />
Colecção abriu as portas ao público.<br />
Chika Okeke-Agulu, um importante curador<br />
que também é Dean dos Assuntos<br />
Académicos do Instituto de Artes de<br />
São Francisco e editor-fundador de<br />
Nka: Journal of Contemporary African<br />
Art, escreve no seu blogue: “Prevejo que<br />
no futuro esta Colecção será a principal<br />
fonte de investigação para os estudiosos<br />
da fotografia africana”.<br />
62<br />
Por exemplo, a primeira secção da exposição<br />
– localizada no edifício ‘White<br />
Box’ – tem duas sequências. A primeira<br />
é uma exposição monográfica dedicada<br />
aos retratos de estúdio do artista<br />
anglo-nigeriano Rotimi Fani-Kayode<br />
(<strong>19</strong>55-<strong>19</strong>89), enquanto a segunda é uma<br />
exposição que apresenta o trabalho de<br />
25 artistas africanos contemporâneos e<br />
que está organizada em torno dos temas<br />
retratos, imagens, géneros, representação,<br />
teatralidade e identidade. Os artistas<br />
incluem Sammy Baloji, Oladélé Ajiboyé<br />
Bamgboyé, Yto Barrada, Candice Breitz,<br />
Allan de Souza, Theo Eshetu, Samuel<br />
Fosso, David Goldblatt, Kay Hassan,<br />
Romuald Hazoumè, Pieter Hugo, Maha<br />
Maamoun, Boubacar Touré Mandémory,<br />
Salem Mekuria, Zwelethu Mthethwa,<br />
Zanele Muholi, James Muriuki, Ingrid<br />
MwangiRobertHutter, Grace Ndiritu, Jo<br />
Ractliffe, Berni Searle, Mikhael Subotzky,<br />
Guy Tillim, Hentie van der Merwe e<br />
Nontsikelelo Veleko.<br />
A exposição na ‘Green House’ apresenta<br />
e compara os retratos de dois grandes<br />
mestres modernos: Seydou Keïta (do<br />
Mali) e August Sander (da Alemanha).<br />
Entretanto, na ‘Black House’ analisa-se<br />
o conceito de série no trabalho de Bernd<br />
e Hilla Becher (da Alemanha), Malick<br />
Sidibé (do Mali) e J. D. Okhai Ojeikere<br />
(da Nigéria).<br />
Theo Eshetu, "Passagem" 35 x 200, de "Trip to Mount Ziqualla"(Passeio ao Monte Ziqualla) (2005). Cortesia de The Walther Collection.
Para jovens leitores<br />
Um barco com mais de 200<br />
imigrantes clandestinos<br />
preso no alto mar<br />
Vejam<br />
só!<br />
está a<br />
ser cada Vez mais<br />
difícil...<br />
o Nosso plaNo foi<br />
por ágUa abaixo...<br />
calma,<br />
eU teNho talVez<br />
Uma ideia...<br />
N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />
Uma entrada na europa frutuosa?<br />
Não<br />
pode ser!!!<br />
Não<br />
podias dizer<br />
melhor!<br />
frUta exótica!<br />
frUta de áfrica!<br />
VeNham para a eUropa<br />
qUe Vos roUbam!<br />
mais<br />
Um falhaNço!<br />
eh! eh! eh!<br />
façam as malas!<br />
eU já teNho os<br />
Nossos passaportes<br />
para a eUropa!<br />
e estes Nem seqUer<br />
VislUmbraram ao loNge<br />
as costas da eUropa...<br />
mesmo<br />
arriscaNdo a Vida, NUNca<br />
coNsegUiremos partir daqUi!<br />
Banda desenhada de Eric Andriantsalonina<br />
63
Neste ano, a 5.ª edição das Jornadas Europeias<br />
do Desenvolvimento (JED) terão lugar<br />
em Bruxelas, em 6 e 7 de Dezembro. Organizadas<br />
pela Comissão Europeia e pela<br />
Presidência belga do Conselho da União<br />
Europeia, as JED são o fórum líder europeu<br />
onde são debatidos assuntos e questões<br />
sobre a cooperação internacional para o<br />
desenvolvimento.<br />
Agenda NOVEMBRO-DEZEMBRO DE <strong>2010</strong><br />
Novembro<br />
18 - <strong>19</strong>/11 Fórum dos líderes de media<br />
africanos<br />
Iaundé, Camerões<br />
<strong>19</strong>/11 Fórum da Diáspora BELUX<br />
Nigeriana<br />
Organizado pela Organização<br />
dos Nigerianos da Diáspora na<br />
<strong>Europa</strong> (NIDOE) em parceria<br />
com a Embaixada da Nigéria.<br />
Tema: Activar o investimento<br />
das Comunidades de<br />
Desenvolvimento Mútuo<br />
Centro de Conferências,<br />
Secretariado ACP, Bruxelas,<br />
Bélgica<br />
Mais informação: www.nidoebelux.org<br />
/ Tel.: +32 497 05 35 30<br />
E-mail: nidobelux@gmail.com<br />
64<br />
Jornadas Europeias do Desenvolvimento <strong>2010</strong><br />
As quatro edições anteriores das JED confirmaram<br />
o papel da <strong>Europa</strong>, não só como<br />
principal doador da ajuda ao desenvolvimento,<br />
mas também como líder do pensamento<br />
internacional sobre a cooperação<br />
para o desenvolvimento. As JED reforçaram<br />
o conhecimento público de questões<br />
de desenvolvimento e ajudaram a melhorar<br />
a coesão europeia com vista a aumentar a<br />
eficácia da ajuda.<br />
25-26/11 Africomm <strong>2010</strong>: 2.ª<br />
Conferência Internacional do<br />
ICST sobre e-Infra-estruturas<br />
e Serviços para Países em<br />
Desenvolvimento<br />
Cidade do Cabo, África do Sul<br />
26 - 28/11 4.º Fórum Comercial da<br />
UE-África<br />
Tripoli, Líbia<br />
www.euafrica-businessforum.org<br />
29 - 30/11 Cimeira UE-África<br />
Tripoli, Líbia<br />
www.africa-eu-partnership.<br />
org/3rd-africa-eu-summit<br />
29 - 10/12 Conferência das Nações<br />
Unidas sobre Alterações<br />
Climáticas<br />
Cancun, México<br />
http://cc<strong>2010</strong>.mx/en<br />
Alguns temas cobertos:<br />
• Eficácia da ajuda - Objectivo Coreia <strong>2010</strong><br />
• Estará a União Europeia empenhada em<br />
fomentar a mudança?<br />
• Desenvolvimento para a próxima geração<br />
– Os direitos das crianças na política de<br />
desenvolvimento<br />
• Segurança alimentar<br />
• Criar trabalho digno para mulheres<br />
www.eudevdays.eu<br />
Escola Montessori em Bukoba, construída pela ONG ‘Partage-Tanzanie’, Tanzânia. © Marie-Martine Buckens<br />
DIRECIóN: EL COREO – 45, RUE DE TRèVES 1040 BRUSELAS (BÉLGICA)<br />
COREO ELECTRóNICO: INFO@ACP-EUCOURIER.INFO – SITIO WEB: WW.ACP-EUCOURIER.INFO<br />
Dezembro<br />
02 - 04/12 20.ª sessão da Assembleia<br />
Paritária Parlamentar ACP-UE<br />
Kinshasa, República<br />
Democrática do Congo<br />
www.europarl.europa.eu/intcoop/<br />
acp/60_20/default_en.htm<br />
06 - 07/12 Jornadas Europeias do<br />
Desenvolvimento<br />
Bruxelas, Bélgica<br />
www.eudevdays.eu<br />
07 - 08/12 3.º Fórum da Cooperação<br />
<strong>Europa</strong>-África sobre<br />
Investigação TIC<br />
Helsínquia, Finlândia<br />
www.euroafrica-ict.org/events/<br />
cooperation-forums/at-a-glance/<br />
09 - 10/12 Conferência <strong>Europa</strong>-África<br />
sobre e-Infra-estructuras <strong>2010</strong><br />
Helsínquia, Finlândia<br />
http://ei-africa.eu/at-a-glance/
ÁFRICA – CARAÍBAS – PACÍFICO e UNIÃO EUROPEIA<br />
uNIÃo EuropEIa<br />
alemanha Áustria<br />
bélgica bulgária chipre<br />
dinamarca Eslováquia<br />
Eslovénia Espanha<br />
Estónia Finlândia França<br />
grécia Hungria Irlanda<br />
Itália Letónia Lituânia<br />
Luxemburgo malta<br />
países baixos polónia<br />
portugal reino unido<br />
república checa<br />
roménia Suécia<br />
caraÍbaS<br />
antígua e barbuda baamas<br />
barbados belize cuba<br />
domínica granada guiana Haiti<br />
Jamaica<br />
república dominicana São<br />
cristóvão e Nevis<br />
Santa Lucía<br />
São Vicente e<br />
granadinas<br />
Suriname trindade e<br />
tobago<br />
pacÍFIco<br />
cook (Ilhas) Fiji Kiribati marshall (Ilhas)<br />
micronésia (Estados Federados da)<br />
Nauru Niue palau papuásia-Nova<br />
guiné Salomão (Ilhas) Samoa timor<br />
Leste tonga tuvalu<br />
Vanuatu<br />
madagáscar malawi mali<br />
mauritânia maurícia (Ilha)<br />
moçambique Namíbia<br />
Níger Nigéria Quénia<br />
república centroafricana<br />
ruanda São<br />
tomé e príncipe Senegal<br />
Seicheles Serra Leoa<br />
Somália Suazilândia Sudão<br />
tanzânia togo uganda<br />
Zâmbia Zimbabué<br />
ÁFrIca<br />
África do Sul angola<br />
benim botsuana<br />
burquina Faso burundi<br />
cabo Verde camarões<br />
chade comores congo<br />
(república democrática)<br />
congo (brazzaville)<br />
costa do marfim djibouti<br />
Eritreia Etiopía gabão<br />
gâmbia gana guiné<br />
guiné-bissau guiné<br />
Equatorial Lesoto Libéria<br />
as listas dos países publicadas pelo Correio não prejulgam o estatuto dos mesmos e dos seus territórios, actualmente ou no futuro. O Correio utiliza mapas de inúmeras fontes.<br />
o seu uso não implica o reconhecimento de nenhuma fronteira em particular e tampouco prejudica o estatuto do Estado ou território.
Not for sale<br />
ISSN 1784-682X<br />
Contracapa: Estação Central de Antuérpia. © Reporters