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Edição Nº 19 - Septembro/Outubro 2010 - Europa

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O<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

C rreio<br />

A revista das relações e cooperação entre África-Caraíbas-Pacífico<br />

e a União Europeia<br />

www.acp-eucourier.info<br />

rEportagEm<br />

Tanzânia<br />

Entre imobilismo<br />

e audácia<br />

À dEScobErta da <strong>Europa</strong><br />

Flandres, na Bélgica<br />

Casamento de razão<br />

doSSIEr<br />

Migração e urbanismo<br />

Sonhos e pesadelos<br />

6-7 dez. <strong>2010</strong><br />

bruxelas


O<br />

C rreio<br />

Comité Editorial<br />

Co-Presidentes<br />

mohamed Ibn chambas, Secretário-geral<br />

Secretariado do grupo dos países de África, caraíbas e pacífico<br />

www.acp.int<br />

Fokion Fotiadis, director-geral da dg desenvolvimento<br />

comissão Europeia<br />

ec.europa.eu/development/<br />

Equipa Editorial<br />

Editor-Chefe<br />

Hegel goutier<br />

Jornalistas<br />

marie-martine buckens (Editor-chefe adjunto)<br />

debra percival<br />

Editor Assistente<br />

okechukwu umelo<br />

Assistente de Produção<br />

telm borràs<br />

Colaboraram nesta edição<br />

philip adekunle, Eric andriantsalonina, Sandra Federici, Erica gonzález, Yemisi Kuku,<br />

anne-marie mouradian, andrea marchesini reggiani, Francesca théosmy.<br />

Gerente de projecto<br />

gerda Van biervliet<br />

Coordenação artística<br />

gregorie desmons<br />

Paginação<br />

Loïc gaume<br />

Relações públicas<br />

andrea marchesini reggiani<br />

Distribuição<br />

Viva Xpress Logistics - www.vxlnet.be<br />

Agência Fotográfica<br />

reporters - www.reporters.be<br />

Contacto<br />

o correio<br />

45, rue de trèves<br />

1040 bruxelas<br />

bélgica (uE)<br />

info@acp-eucourier.info<br />

www.acp-eucourier.info<br />

tel.: +32 2 2345061<br />

Fax: +32 2 280 <strong>19</strong>12<br />

Capa<br />

rua na tanzânia.<br />

© marie-martine buckens<br />

Publicação em português, inglês, francês e espanhol<br />

para mais informações como subscrever, consulte o sítio web www.acp-eucourier.info<br />

ou contacte info@acp-eucourier.info<br />

Editor responsável<br />

Hegel goutier<br />

Parceiros<br />

gopa-cartermill - grand angle - Lai-momo<br />

a opinião expressa é dos autores e não representa o ponto de vista oficial da união<br />

Europeia nem dos países acp.<br />

os parceiros e a equipa editorial transferem toda a responsabilidade dos artigos escritos<br />

para os colaboradores externos.<br />

Índice<br />

O CORREIO, <strong>Nº</strong> <strong>19</strong> NoVa EdIÇÃo (N.E)<br />

PERSPECTIVA 10<br />

EDITORIAL 3<br />

PERFIL<br />

Jean-Pierre Ezin, Comissário da UA para os<br />

Recursos Humanos, Ciência e Tecnologia 4<br />

PONTO DE VISTA<br />

Andris Pielbags: Uma nova era nas relações da<br />

UE com África 6<br />

EM DIRECTO<br />

Bispo do Congo-Brazzaville, Mgr Louis Portella-Mbuyu:<br />

É necessário pôr um termo à ‘maldição dos<br />

recursos’ em África 8<br />

PERSPECTIVA 10<br />

DOSSIER<br />

Migração e urbanização<br />

DOSSIER 22<br />

Sonhos e pesadelos 16<br />

As migrações profissionais intra-ACP constituem<br />

uma prioridade 17<br />

Dinheiro, Informação, Talento e Arte 18<br />

Relatório ACP de 2011 sobre Mobilidade Humana<br />

destaca desafios políticos <strong>19</strong><br />

Solução para os bairros degradados. Mais do que<br />

dinheiro, interessa a tomada de consciência 20<br />

Urbanização interminável em Lagos, Nigéria 21<br />

Zanzibar, entroncamento de migrações 22<br />

O efeito de mudança da diáspora haitiana 23<br />

Pontos críticos da migração no Pacífico 25


DESCOBERTA DA EUROPA 26 A SOCIEDADE CIVIL EM AÇÇÃO 35 REPORTAGEM 48<br />

CRIATIVIDADE 60<br />

DESCOBERTA DA EUROPA<br />

Flandres, Bélgica<br />

Flandres, na Bélgica. Longa história de um casamento<br />

de razão 26<br />

Economia flamenga. O sucesso do que é pequeno 29<br />

Bélgica. Incertezas e esperança sobre o futuro 30<br />

Flandres. ONG de desenvolvimento 31<br />

Cidades de Flandres: País plano com vértices de beleza 32<br />

A Flandres em movimento 33<br />

Filmar o coração da Flandres 34<br />

A SOCIEDADE CIVIL EM AÇÇÃO<br />

Os esquecidos da Kagera 35<br />

EM FOCO<br />

Raoul Peck, realizador, argumentista e produtor haitiano 36<br />

Nossa terra<br />

Em foco: as finanças do clima 38<br />

INTERACÇÕES<br />

O Serviço Externo Europeu: qual o impacto sobre<br />

a política de desenvolvimento? 40<br />

A Terceira Cimeira África-UE realiza-se na Líbia 41<br />

Elevar a cooperação África-UE no domínio do espaço<br />

a novos cumes 43<br />

Centralizar o portal Agora na aldeia global 44<br />

Adeus às Antilhas Holandesas 45<br />

Dia Internacional da Alfabetização: a Ministra da<br />

Educação de Cabo Verde recebe o prémio da UNESCO 46<br />

COMéRCIO<br />

As Seicheles ganham o desafio da qualidade do peixe 47<br />

REPORTAGEM<br />

Tanzânia<br />

Tanzânia, entre imobilismo e audácia 48<br />

‘Mwalimu’, um ícone nacional e transnacional 49<br />

Um novo mercado comum – único na África – de<br />

130 milhões de pessoas 50<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

Com o seu potencial a Tanzânia podia fazer muito mais 52<br />

Um apoio orçamental importante ao serviço da luta<br />

contra a pobreza 54<br />

Romper o círculo vicioso da deficiência/pobreza 55<br />

O poder de decidir 56<br />

A água, o desafio da gestão sustentável em Zanzibar 57<br />

O pesadelo dos Tanzanianos 58<br />

Ebulição cultural 59<br />

CRIATIVIDADE<br />

Camuflagem urbana: Explorar as origens de um<br />

projecto artístico 60<br />

Fotografia africana em Ulm: uma exposição a<br />

não falhar 61<br />

PARA JOVENS LEITORES<br />

Uma entrada na <strong>Europa</strong> frutuosa? 63<br />

CORREIO DO LEITOR/AGENDA 64<br />

Espace Senghor é um centro que assegura a pro-<br />

O moção de artistas oriundos dos países de África, Caraíbas<br />

e Pacífico e o intercâmbio cultural entre comunidades,<br />

através de uma grande variedade de programas, indo<br />

das artes cénicas, música e cinema até à organização de<br />

conferências. É um lugar de encontro de belgas, imigrantes<br />

de origens diversas e funcionários europeus.<br />

Espace Senghor<br />

Centre culturel d’Etterbeek<br />

Bruxelas, Bélgica<br />

espace.senghor@chello.be<br />

www.senghor.be


2<br />

Bukoba, Tanzânia. © Marie-Martine Buckens


A tristeza dos poderosos<br />

poderoso é o melhor meio<br />

para combater a pobreza”.<br />

Estas palavras foram profe-<br />

“Ser<br />

ridas por um Comissário da<br />

União Africana na rubrica “Perfil” desta<br />

edição. É um eco do desejo de um defensor<br />

dos direitos do homem, convidado da<br />

“Sans détour”, ao considerar que as razões<br />

da pobreza e de guerras em África “encontram-se<br />

nos corredores económicos e em<br />

torno dos poços mineiros... muito longe<br />

de estarem sempre vinculadas a questões<br />

étnicas”. São corredores que permitem a<br />

evasão de receitas fiscais de cerca de mil<br />

milhões de dólares por ano, ou seja uma<br />

verba superior a toda a ajuda mundial ao<br />

desenvolvimento.<br />

Não faltam recursos nos países pobres.<br />

Mas será necessário pôr um termo àquilo<br />

a que o sínodo dos bispos africanos chama<br />

a “maldição dos recursos” neste continente.<br />

Este grito foi ouvido pelos parlamentos<br />

Europeu e dos Estados Unidos,<br />

que reclamam transparência nas indústrias<br />

extractivas do Norte a exercerem<br />

actividades no Sul, cujas verbas da evasão<br />

fiscal calculadas, quer dizer centenas de<br />

milhares de milhões de euros por ano,<br />

permitiriam realizar um grande pacote<br />

de Objectivos de Desenvolvimento do<br />

Milénio.<br />

A Comissão Europeia acaba de autorizar<br />

um montante de mil milhões de euros<br />

suplementares para ajudar os países ACP<br />

mais pobres a alcançar os ODM. Tanto<br />

quanto o Parlamento da UE, a Comissão<br />

é também favorável a uma taxa sobre as<br />

transacções financeiras que poderia contribuir<br />

com cerca de 100 mil milhões de<br />

euros por ano para o desenvolvimento<br />

dos países pobres. Os cidadãos da União<br />

Europeia – sabemo-lo pelos resultados<br />

de uma sondagem – sentem-se cada vez<br />

mais solidários das populações mais carecidas.<br />

São praticamente dois em cada<br />

três cidadãos a desejarem um reforço da<br />

ajuda ao desenvolvimento. Estes números<br />

vaticinam de algum modo o fim da<br />

“Aide Fatigue”. A solicitude e a compaixão<br />

para com os países em desenvolvimento<br />

têm progredido indiscutivelmente nestes<br />

últimos tempos. Mas, também, a tristeza<br />

causada pela pilhagem dos seus recursos.<br />

O grande dossiê consagrado à “Migração<br />

e urbanismo” revela também escuridão e<br />

claridade. Mas o que ressalta daí é que se<br />

vê mais aquela do que esta. O balanço das<br />

migrações a longo prazo foi geralmente<br />

o progresso e não a crueldade frequentemente<br />

temida. Mais do que os recursos,<br />

seria útil sensibilizar para a situação<br />

dos migrantes, a fim de transformar a<br />

migração numa grande oportunidade. A<br />

reportagem “Países ACP” faz descobrir<br />

a Tanzânia, inclusive o Zanzibar, a terra<br />

por excelência da migração com o seu<br />

aspecto luminoso.<br />

A reportagem Região da <strong>Europa</strong>, essa é<br />

consagrada à Flandres, na Bélgica, país<br />

que assume a presidência rotativa da<br />

UE e onde nasceu o primeiro Presidente<br />

da União, escolhido pelo Parlamento<br />

Europeu e pelos Chefes de Estado. Uma<br />

terra muito conhecida e muito ignorada<br />

ao mesmo tempo. Nesta altura em que<br />

a Bélgica atravessa um momento difícil,<br />

que torna saudosistas aqueles que tanto a<br />

amam, seria oportuno observar bem esta<br />

pátria da arte e do progresso, dotada de<br />

um espírito inventor inigualável em todas<br />

suas componentes. Os países pobres beneficiam<br />

de uma grande solicitude quando<br />

atravessam um mau período político.<br />

Emerge então um movimento de ajuda e<br />

de aconselhamento. Não se deve interferir<br />

nos assuntos políticos de um país onde<br />

reina uma democracia sólida. Um amigo<br />

belga afirmou estar “triste por não haver<br />

ninguém a intervir – não para indicar o<br />

que fazer – mas por simpatia, para ajudar<br />

a encontrar uma solução”. Títulos de dois<br />

belos romances belgas. De um lado “A<br />

tristeza dos Belgas” de Hugo Claus, do<br />

outro “Uma paz real” de Pierre Mertens.<br />

Hegel Goutier<br />

Chefe de Redacção<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong> 3<br />

Editorial


Perfil<br />

4<br />

Jean Pierre Ezin. © Michael Tsegaye<br />

Jean-Pierre Ezin, Comissário da UA para os Recursos Humanos,<br />

Ciência e Tecnologia<br />

“É fundamental que estejamos na<br />

dianteira das oito parcerias UA-EU”<br />

Debra Percival<br />

Jean Pierre Onvehoun<br />

Ezin é o Comissário<br />

da União Africana<br />

(UA) para os<br />

Recursos Humanos,<br />

Ciência e Tecnologia, um<br />

dos 10 comissários em<br />

representação dos 53 Estados<br />

Membros da UA. Este<br />

professor de matemática<br />

falou-nos da sua lista de<br />

aspirações para as<br />

áreas políticas pelas quais<br />

é responsável, no âmbito<br />

do segundo plano de acção<br />

(2011-2013) da Estratégia<br />

UE-África, que conta com<br />

oito parcerias sectoriais. Este<br />

plano de acção será debatido<br />

pelos parceiros UA-UE na<br />

próxima cimeira, a realizar<br />

em Trípoli, na Líbia, nos dias<br />

29 e 30 de Novembro.<br />

O Correio reuniu-se com<br />

o Comissário Ezin num<br />

seminário realizado em<br />

meados de Setembro, em<br />

Bruxelas, subordinado ao<br />

tema do Espaço e Cidadania<br />

Africana, organizado pela<br />

Presidência Belga da UE<br />

(ver o artigo separado<br />

nesta edição). Tendo em<br />

consideração o Objectivo de<br />

Desenvolvimento do Milénio<br />

(ODM) de reduzir a pobreza<br />

para metade até ao ano de<br />

2015, uma preocupação<br />

global partilhada, de que<br />

forma o apoio à ciência e à<br />

tecnologia pode contribuir<br />

para melhorar as condições<br />

de vida dos mais pobres?<br />

“A conquista de riqueza é a<br />

melhor forma de combate<br />

à pobreza, sendo que a<br />

melhor forma de conquistar<br />

riqueza passa pelo acesso<br />

à ciência, à tecnologia e ao<br />

conhecimento”, afirmou<br />

Ezin. Apesar de outros<br />

parceiros como a China,<br />

o Brasil e a Índia estarem<br />

actualmente a seduzir<br />

o continente africano,<br />

declarou Ezin, “a <strong>Europa</strong> é<br />

o parceiro que conhecemos<br />

melhor e que também<br />

nos conhece melhor,<br />

contudo, pretendemos uma<br />

cooperação mais efectiva.<br />

Queremos ver resultados<br />

em Trípoli, não apenas<br />

discursos”.<br />

Um assunto<br />

particularmente caro<br />

ao Comissário Ezin<br />

é a criação de uma<br />

Universidade<br />

Pan-Africana para a<br />

Ciência e Tecnologia<br />

O primeiro plano de acção<br />

(2008-<strong>2010</strong>) da parceria<br />

da sua responsabilidade, a<br />

da Ciência, Tecnologia e<br />

Informação, obteve muitos<br />

resultados. Entre estes<br />

incluem-se um programa<br />

de bolsas a atribuir a<br />

entidades de investigação<br />

científica da UE que se<br />

dediquem ao estudo de<br />

tópicos relacionados com a<br />

saúde e outros, em conjunto<br />

com parceiros africanos<br />

(será anunciado na próxima<br />

cimeira um programa novo,<br />

dedicado exclusivamente<br />

a entidades científicas<br />

africanas), prémios a atribuir<br />

a cientistas africanos pela<br />

excelência do trabalho<br />

produzido e o lançamento da<br />

Ligação África, alargando<br />

a rede GÉANT exclusiva<br />

da UE à África, uma<br />

página Internet dedicada<br />

a investigadores africanos,<br />

permitindo-lhes entrar em<br />

contacto e partilhar dados<br />

com cientistas de todo o<br />

mundo. O primeiro plano<br />

de acção aumentou ainda<br />

a competência no seio do<br />

Departamento de Ciência e<br />

Tecnologia da UA.<br />

Ezin afirmou, contudo,<br />

que a cooperação espacial,<br />

que inclui a monitorização<br />

via satélite de África, com<br />

o objectivo de estudar as<br />

alterações climáticas, a<br />

degradação ambiental ou<br />

a segurança ainda não<br />

arrancou em pleno, apesar


da viabilidade da extensão<br />

do sistema exclusivo da UE<br />

de Vigilância Global do<br />

Ambiente e da Segurança<br />

(GMES) ao continente<br />

africano. “É necessário<br />

darmos o passo seguinte para<br />

que possamos intensificar<br />

a nossa cooperação<br />

internacional, passando<br />

África a ser um membro<br />

em pé de igualdade, graças<br />

à aquisição ou exploração<br />

das capacidades espaciais”,<br />

adiantou EZIN. E<br />

acrescenta: “O programa<br />

GMES foi concebido<br />

para a <strong>Europa</strong>. Na nova<br />

estratégia, a adoptar em<br />

Trípoli, queremos chegar<br />

a um entendimento com<br />

os europeus em termos<br />

de conteúdo do novo<br />

plano GMES.” A possível<br />

extensão de outro satélite<br />

UE, o Serviço Europeu<br />

Complementar de Navegação<br />

Geoestacionária (EGNOS)<br />

à África subsariana, poderá,<br />

provavelmente, ser um dos<br />

temas abordados em Trípoli<br />

(ver o artigo do Correio,<br />

edição 17) EGNOS melhora<br />

a navegação das linhas<br />

aéreas e de outros meios de<br />

transporte. Ezin salientou,<br />

todavia, que o denominador<br />

comum em termos de<br />

preocupação da UA, em<br />

todas as oito parcerias, é a de<br />

posicionar África na linha da<br />

frente dos novos projectos.<br />

Gostaria de ver criada uma<br />

agência espacial para África.<br />

Um assunto particularmente<br />

caro ao Comissário Ezin é a<br />

criação de uma Universidade<br />

Pan-Africana para a<br />

Ciência e Tecnologia. Tem<br />

como objectivo despertar<br />

o interesse de possíveis<br />

patronos para a construção<br />

Eumetsat partilha dados com a África. Uma das primeiras linhas de borrasca sazonais, movimentando-se<br />

rapidamente para o oeste ao longo da costa da Nigéria para a Libéria, 15 de Fevereiro de <strong>2010</strong>.<br />

de um campus central,<br />

com institutos-satélite<br />

espalhados por várias<br />

regiões africanas. Anseia<br />

pelo compromisso político<br />

da UE relativamente ao<br />

projecto de Tripoli: “Depois<br />

de garantido o compromisso,<br />

arranjaremos uma solução<br />

de financiamento conjunto”,<br />

afirmou.<br />

Para mais informação acerca<br />

da parceria da UE em termos<br />

de Ciência, Tecnologia e<br />

Sociedade de Informação,<br />

consultar www.acp-eucourier.<br />

info/Science-becomespart.928.0.html<br />

Ver também páginas 6 & 41<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong> 5


6<br />

Ponto de vista<br />

Entrevista realizada por Hegel Goutier<br />

Houve recentemente uma<br />

evolução na estratégia<br />

UA-UE. Haverá agora na<br />

Cimeira uma revolução<br />

nessa estratégia?<br />

Desde há três anos, quando se realizou<br />

a Cimeira África-UE em Lisboa, os<br />

nossos dois continentes têm trabalhado<br />

como verdadeiros parceiros iguais numa<br />

relação que evoluiu para lá do modelo<br />

doador-beneficiário. Foram lançadas as<br />

oito parcerias temáticas e a sua execução<br />

está em curso. A cooperação entre as duas<br />

Uma nova era nas relações<br />

da UE com África<br />

Cimeira África-UE (Trípoli, Líbia, 29-30 de Novembro de <strong>2010</strong>)<br />

Na véspera da terceira Cimeira África-União Europeia (UE), em Trípoli, o Comissário da UE para o Desenvolvimento, Andris<br />

Pielbags, fala ao Correio da nova estratégia UA-UE implementada nos últimos três anos pelas duas partes. Salienta a<br />

importância da Cimeira de Trípoli para a adaptação da estratégia, a fim de dar resposta a desafios fundamentais relacionados<br />

com a paz em zonas de conflitos e com o combate às alterações climáticas.<br />

Comissões, da UE e da União Africana<br />

(UA), é estreita e assenta no diálogo aberto.<br />

Os dois colégios de Comissários já se reúnem<br />

regularmente, o que dá um ímpeto às<br />

nossas acções conjuntas. Encontrámo-nos<br />

nomeadamente antes da Cimeira da ONU<br />

sobre os ODM, para discutir mensagens e<br />

prioridades comuns. A próxima Cimeira<br />

África-UE, que reunirá em Novembro<br />

Chefes de Estado dos dois continentes,<br />

irá consolidar esta parceria estratégica.<br />

Estas reuniões políticas ao mais alto nível<br />

mostram que entrámos numa nova era nas<br />

nossas relações com África.<br />

Durante esta Cimeira iremos discutir<br />

como adaptar a nossa estratégia conjunta<br />

aos desafios comuns que se nos deparam<br />

actualmente: assegurar a paz e a estabilidade,<br />

combater as alterações climáticas e<br />

promover o crescimento. É por isso que os<br />

dirigentes europeus e africanos se concentrarão<br />

num tema principal: crescimento,<br />

investimento e criação de emprego. Todos<br />

sabemos que não basta a ajuda só por si<br />

para assegurar o desenvolvimento. Um<br />

aumento de um por cento do PIB vale<br />

mais do que um aumento de dez por<br />

cento da ajuda. Espero que surjam ideias<br />

concretas desta reunião sobre a maneira<br />

como podemos conseguir mais emprego e<br />

emprego inclusivo, em benefício de ambos<br />

os continentes. Devíamos analisar, por<br />

exemplo, como expandir o comércio e o<br />

investimento, como assegurar a mobilização<br />

dos recursos internos e também qual a<br />

Bandeiras da UE e dos Estados africanos desfraldadas ao vento. © Reporters / AP


melhor maneira de ajudar África a utilizar<br />

os seus recursos naturais, para passar à<br />

revolução das energias renováveis. Será<br />

adoptado um novo plano de acção para o<br />

período 2011-2013, que deve incluir metas<br />

concretas para cada uma das oito parcerias<br />

temáticas e centrar-se nos pontos em que<br />

podemos melhorar a nossa cooperação.<br />

Algumas pessoas consideram que os<br />

países europeus ou a UE só tardiamente<br />

estão a descobrir a atracção<br />

da UA, tendo sido ultrapassados por<br />

países emergentes como a China e o<br />

Brasil. Qual é a sua opinião?<br />

Isso é um grande exagero. As nossas ligações<br />

políticas e económicas com África<br />

datam de há mais de 50 anos. A UE continua<br />

a ser o maior parceiro comercial<br />

de África e é de longe o maior doador<br />

para os países e organizações regionais<br />

africanas. Se recuar um pouco verá que<br />

a política de cooperação da Comunidade<br />

Europeia teve início com a criação das<br />

instituições europeias. Desde aí estabelecemos<br />

ligações estreitas e profundas<br />

entre a <strong>Europa</strong> e os países africanos e<br />

a nossa cooperação continua a crescer;<br />

não só na ajuda ao desenvolvimento, mas<br />

igualmente no comércio, no ambiente e<br />

em muitas outras áreas.<br />

Dito isto, também me congratulo por ver<br />

que a chamada cooperação Sul-Sul está<br />

a crescer, o que favorece o crescimento<br />

mundial. Os investimentos de países do<br />

Sul em África são complementares da<br />

nossa ajuda e não contra nós. É evidente<br />

que ainda há obstáculos que a UE pode<br />

ajudar a ultrapassar. Estima-se que mais<br />

de 60 por cento das taxas aduaneiras pagas<br />

no mundo são pagas por países em desenvolvimento<br />

a outros países em desenvolvimento.<br />

Queremos ajudar os nossos<br />

parceiros a eliminarem essas barreiras.<br />

Mas o aparecimento dos países do Sul<br />

em África é com certeza uma boa notícia.<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

Um debate sem paralelo sobre<br />

o desenvolvimento<br />

Para si, qual é a importâncias das<br />

Jornadas do Desenvolvimento?<br />

As Jornadas Europeias do Desenvolvimento<br />

são o elemento principal dos nossos esforços<br />

de comunicação para aumentar a sensibilização<br />

para a nossa política e as nossas<br />

acções. É a plataforma avançada da <strong>Europa</strong><br />

para olhar para o futuro e para uma franca<br />

troca de ideias sobre os assuntos internacionais<br />

e a cooperação para o desenvolvimento.<br />

É uma reunião excepcional em<br />

que os europeus encontram pessoas dos<br />

países em desenvolvimento para modelarem<br />

a política futura e arquitectarem um<br />

novo consenso que poderá ultrapassar as<br />

influências institucionais.<br />

As Jornadas Europeias do Desenvolvimento<br />

continuarão a ser um momento fundamental<br />

de diálogo político e de celebração da<br />

cultura dos países em desenvolvimento<br />

através de concertos e de exposições.<br />

Todos os anos há cada vez mais pessoas<br />

a participar nas Jornadas Europeias do<br />

Desenvolvimento. Este ano, por exemplo,<br />

será uma oportunidade única para reunir<br />

um valioso feedback das consultas sobre<br />

as políticas de desenvolvimento da UE a<br />

lançar no Outono.<br />

Andris Piebalgs paga a sua primeira visita ao Ruanda, em Setembro. © CE<br />

Realidades do<br />

Desenvolvimento do Milénio<br />

Qual é a principal mensagem da recente<br />

Cimeira dos ODM em Nova Iorque?<br />

Ponto de vista<br />

A mensagem é muito clara: os dirigentes<br />

mundiais comprometeram-se a atingir<br />

os Objectivos de Desenvolvimento do<br />

Milénio (ODM) e reduzir a pobreza no<br />

mundo. Não abandonaremos as populações<br />

mais vulneráveis do Planeta. Os<br />

dirigentes reconheceram igualmente que<br />

tanto os países desenvolvidos como os<br />

países em desenvolvimento têm responsabilidades<br />

em fazer dos ODM um sucesso.<br />

Os doadores prometeram manter-se fiéis<br />

aos seus compromissos, enquanto os países<br />

em desenvolvimento elaborarão as suas<br />

estratégias nacionais de desenvolvimento.<br />

A este respeito, a Comissão Europeia<br />

ofereceu mil milhões de euros adicionais<br />

para os países que apresentam maiores<br />

desvios e que estão mais empenhados<br />

para apoiar a sua realização dos ODM.<br />

A vontade política e as declarações estão<br />

feitas. Agora, chegou a altura de transformar<br />

os “Objectivos” de Desenvolvimento<br />

do Milénio em “Realidades” e passar dos<br />

nossos compromissos a acções.<br />

Ver também páginas 4 & 41<br />

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Em directo<br />

8<br />

“é necessário pôr um termo à<br />

‘maldição dos recursos’ em África”<br />

Bispo do Congo-Brazzaville e defensor dos direitos humanos, D. Louis Portella-Mbuyu<br />

luta há mais de dez anos por uma distribuição justa das receitas acumuladas pelas<br />

multinacionais mineiras e petrolíferas em África. Encontro no dia 15 de Setembro<br />

em Bruxelas, à margem de um debate organizado no Parlamento Europeu.<br />

Marie-Martine Buckens<br />

desenvolvimento católicas, terminou o<br />

seu périplo por várias capitais europeias<br />

no Parlamento Europeu.<br />

Portella-Mbuyu era o con- Qual é a sua mensagem?<br />

D.<br />

vidado especial do debate<br />

organizado pelos deputados A menos de uma semana da reunião dos<br />

europeus Charles Goerens doadores internacionais que, em Nova<br />

(ADLE), Eva Joly (Verdes) e Sirpa Iorque, irão avaliar os progressos reali-<br />

Pietikäinen (PPE) sobre A transparênzados na consecução dos Objectivos de<br />

cia das indústrias extractivas. O Bispo do Desenvolvimento do Milénio, quisemos<br />

Congo-Brazaville chefiava uma dele- aproveitar a ocasião para recordar às<br />

gação do Simpósio das Conferências instâncias europeias que a maldição dos<br />

Episcopais de África e de Madagáscar recursos em África não é inelutável. Já<br />

(SCEAM) que, com o apoio da CIDSE, referíamos, em <strong>19</strong>94, que a África é um<br />

uma aliança internacional de agências de “continente repleto de problemas”. Hoje<br />

em dia, nada mudou. Ainda existem a<br />

guerra, a pobreza, a miséria por vezes.<br />

Após o Sínodo, os Bispos de África tomaram<br />

posições claras sobre assuntos tão<br />

importantes como os recursos naturais,<br />

o acesso à terra, à água e a eliminação<br />

da pobreza. No seguimento da nossa<br />

assembleia plenária, decidimos, no final<br />

de Julho, encetar diligências concretas.<br />

Na véspera da cimeira sobre os ODM,<br />

decidimos dar a conhecer quais são as<br />

urgências para a África.<br />

“Longe de estarem sempre relacionadas<br />

com questões étnicas, é nos corredores<br />

económicos e à volta dos poços<br />

Bispo Louis Portella no debate do PE sobre a transparência nas indústrias extractivas. © CIDSE


mineiros que se devem encontrar as<br />

razões para a guerra e a pobreza”,<br />

ouviu-se aquando do Sínodo de 2009.<br />

Os bispos lançaram então um forte<br />

apelo para a adopção de legislações<br />

internacionais que obriguem as<br />

multinacionais que<br />

exploram os recursos<br />

naturais do continente<br />

a respeitar<br />

a terra africana e a<br />

promover o desenvolvimento<br />

das populações.<br />

Conhecido por<br />

falar sem rodeios e,<br />

apesar de três tentativas<br />

de assassinato,<br />

não cessa de reclamar<br />

a transparência<br />

das indústrias extractivas. Qual é a<br />

situação hoje em dia?<br />

Os chefes de Estado que estarão presentes<br />

em Nova Iorque vão tentar encontrar os<br />

fundos que faltam para a consecução dos<br />

ODM. Ora, existe uma reserva financeira<br />

importante, enorme, para a África. Os responsáveis,<br />

tanto do Norte como do Sul,<br />

devem entender que, enquanto as fugas<br />

não forem colmatadas, a África continuará<br />

a perder mais de um bilião (um milhão de<br />

milhão) de euros todos os anos por causa<br />

da evasão fiscal ou das perdas de receitas.<br />

A legislação europeia poderia contribuir<br />

para recuperar estas perdas de receitas,<br />

que ultrapassam largamente os montantes<br />

da ajuda pública para o desenvolvimento.<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

No meu país, o Congo-Brazaville, estamos<br />

atentos à questão do petróleo desde 2002.<br />

Nessa altura, lançámos uma mensagem aos<br />

nossos governantes: “Existe um problema<br />

de transparência, pensem nas gerações<br />

futuras.” Encontramos muita reticência,<br />

até alguma agressividade.<br />

A seguir, chefiei<br />

uma delegação<br />

em França, com os<br />

responsáveis da Igreja<br />

protestante, junto dos<br />

responsáveis políticos<br />

e da administração<br />

da Total, a companhia<br />

de petróleo que<br />

opera no nosso país.<br />

Em 2003, reunimo-<br />

-nos com responsáveis<br />

da Direcção para o Desenvolvimento<br />

na Comissão Europeia. A nossa campanha<br />

“Publiquem o que pagam” que se insere no<br />

quadro da Iniciativa para a transparência<br />

nas indústrias extractivas (ver Caixa) teve<br />

um certo sucesso, apesar de estarmos ainda<br />

numa fase de aprendizagem.<br />

“A perda de receitas fiscais<br />

dos Estados africanos devido<br />

aos fluxos ilícitos de capitais<br />

das indústrias extractivas<br />

representa, todos os anos, duas<br />

vezes o volume da ajuda para<br />

o desenvolvimento” (Bernard<br />

Pinaud, secretário-geral da<br />

ONG francesa CCFD)<br />

Na sua intervenção desta noite, Eva Joly<br />

sublinha que o verdadeiro problema é<br />

de ordem política e não técnica, lembrando<br />

que em países mineiros como<br />

a Tanzânia, a Zâmbia ou o Malawi, as<br />

companhias mineiras “operam e não<br />

deixam nada no país”. Pelo seu lado,<br />

Charles Goerens sublinhou a “esmagadora<br />

responsabilidade da <strong>Europa</strong>,<br />

partilhada pelos presidentes africanos”<br />

A delegação SECAM à <strong>Europa</strong>, Setembro de <strong>2010</strong>. © CIDSE<br />

que não faz nada para, nomeadamente,<br />

promover o sector privado no continente<br />

africano. Qual é a sua opinião?<br />

O combate à fuga de capitais e à corrupção<br />

é uma luta importante, na medida em<br />

que África está repleta de riquezas. Ora,<br />

presentemente, reina o caos. A pobreza<br />

e a violência atingiram um tal nível que<br />

ameaçam a segurança no mundo inteiro. E<br />

penso que a sociedade civil pode contribuir<br />

largamente. Esta começa a emergir em todo<br />

o mundo; pode fazer com que os Estados<br />

intervenham. Penso que o desenvolvimento<br />

de África terá origem na sociedade civil.<br />

Partirá da base, não do topo.<br />

A Iniciativa para a Transparência nas<br />

Industrias Extractivas (ITIE) foi lançada<br />

em 2002. Tomou a forma de um quadro<br />

voluntário aprovado pelos governos<br />

para divulgar as receitas provenientes<br />

dos elementos do activo petrolífero, do<br />

gás e mineiro, propriedade do Estado,<br />

conjugado a uma divulgação paralela,<br />

pelas sociedades exploradoras, dos pagamentos<br />

efectuados aos governos sob<br />

a forma de prémios, impostos, taxas e<br />

pagamentos em espécie.<br />

Trinta Estados, na maioria países em<br />

desenvolvimento, estão a implementar a<br />

ITIE. Em 2007, a Noruega foi o primeiro<br />

país desenvolvido a implementar a ITIE. A<br />

Câmara dos Representantes dos Estados<br />

Unidos analisa igualmente o Extractive<br />

Industry Transparency Disclosure Act,<br />

que permitirá a implementação da ITIE no<br />

país; esta lei permitirá igualmente apoiar<br />

as exigências em matéria de divulgação<br />

no caso das sociedades cotadas<br />

nas bolsas americanas. Além do mais,<br />

o Congresso americano aprovou recentemente<br />

a Dodd-Frank Wall Street Reform<br />

and Consumer Protection Act, que<br />

estabelece uma disposição histórica ao<br />

exigir das companhias mineiras, de gás e<br />

petrolíferas registadas junto da Securities<br />

and Exchange Commission dos Estados<br />

Unidos a publicação do montante pago<br />

aos países estrangeiros e ao governo<br />

dos Estados Unidos. Da mesma forma,<br />

o Parlamento Europeu modificou a Directiva<br />

europeia “transparência” (TOD)<br />

para convidar “os Estados-Membros a<br />

promover a divulgação dos pagamentos<br />

da empresa extractiva aos governos listados<br />

nos mercados bolseiros europeus”.<br />

Em directo<br />

9


D.P.<br />

10<br />

Perspectiva<br />

Colmatar o défice de<br />

financiamento do desenvolvimento<br />

Será atribuído um novo montante até<br />

mil milhões de euros – provenientes<br />

de fundos do FED ainda não<br />

afectados – para se atingirem os<br />

Objectivos de Desenvolvimento do Milénio<br />

(ODM), disse o Presidente da Comissão<br />

Europeia, José Manuel Durão Barroso,<br />

aos deputados europeus em Estrasburgo,<br />

em 7 de Setembro, na sua alocução sobre<br />

o “Estado da União”. “Estar aberto ao<br />

mundo significa igualmente estar ao<br />

lado dos países em desenvolvimento, em<br />

especial a África”, afirmou. Entretanto,<br />

a Direcção-Geral do Desenvolvimento<br />

da Comissão Europeia está a elaborar<br />

um documento de trabalho sobre financiamento<br />

inovador do desenvolvimento,<br />

que deve ser submetido aos Ministros do<br />

Desenvolvimento da UE em 22 de <strong>Outubro</strong><br />

e aos Ministros dos Negócios Estrangeiros<br />

em 15 de Novembro. Uma das ideias exploradas<br />

pelo documento para colmatar um<br />

défice de financiamento do desenvolvimento,<br />

estimado anualmente em 100 mil<br />

milhões de euros, consiste num imposto<br />

sobre as transacções financeiras. Elise<br />

Ford, Directora do Gabinete da Oxfam<br />

na UE, afirma o seguinte: “Um imposto<br />

sobre as transacções financeiras (ITF) per-<br />

© BSIP / Reporters<br />

O Presidente da Comissão oferece fundos adicionais aos<br />

países ACP mais necessitados para atingirem os ODM<br />

mitiria obter centenas de milhares de euros<br />

para proteger pessoas pobres na <strong>Europa</strong><br />

e nos países em desenvolvimento e para<br />

dar resposta às alterações climáticas.” A<br />

Confederation for Relief and Development<br />

(CONCORD), uma associação de organizações<br />

não governamentais sedeada<br />

em Bruxelas, estima que um ITF com<br />

uma taxa de 0,05 por cento poderia trazer<br />

anualmente mais 400 mil milhões de<br />

euros para financiar o desenvolvimento. O<br />

Presidente francês, Nicolas Sarkozy, disse<br />

que o ITF seria uma das primeiras prioridades<br />

quando assumisse as presidências<br />

do G8 e do G20 em 2011.<br />

A iniciativa da UE surge na sequência<br />

da reunião do Conselho “Negócios<br />

Estrangeiros” da UE, de 14 de Junho<br />

de <strong>2010</strong>, em que foi decidido que a UE<br />

devia “ponderar seriamente propostas de<br />

mecanismos inovadores de financiamento<br />

com importante potencial de rendimento,<br />

tendo em vista assegurar o financiamento<br />

previsível para o desenvolvimento sustentável,<br />

especialmente em relação aos países<br />

mais pobres e mais vulneráveis”. Nove<br />

Estados-Membros da UE são igualmente<br />

membros do Grupo de Direcção dos 61<br />

Países Norte e Sul, criado em 2006 e que<br />

reúne instituições internacionais e ONG<br />

para procurar formas de angariar financiamento<br />

adicional para o desenvolvimento.<br />

www.leadinggroup.org/<br />

www.concordeurope.org/<br />

Atlas de Doadores UE em <strong>2010</strong><br />

Os mapas fáceis de ler e os gráficos no<br />

Atlas de Doadores da União Europeia<br />

(UE) de <strong>2010</strong> são uma maneira rápida<br />

de conhecer os montantes dos fundos<br />

de financiamento do desenvolvimento<br />

disponibilizados pela UE e pelos seus<br />

27 Estados-Membros, bem como onde<br />

são afectados esses fundos. São feitas<br />

comparações com outros parceiros doadores<br />

e fornecidas informações sobre<br />

fluxos da ajuda privada para Estados<br />

em desenvolvimento, como por exemplo<br />

remessas, tudo em forma de mapa.<br />

Pleno de informações, o Atlas tem por<br />

objectivo uma maior harmonização e coordenação<br />

das políticas de desenvolvimento<br />

da UE com os Estados-Membros.<br />

Entre no sítio web: http://development.<br />

donoratlas.eu/index.htm<br />

Mulheres a colher água num poço em Dertu, Quénia. © Reporters / AP


Procura de soluções para problemas espinhosos<br />

H.G.<br />

Na véspera da Cimeira da<br />

Francofonia (Montreux,<br />

Suíça, de 22 a 24 de <strong>Outubro</strong><br />

de <strong>2010</strong>), o Secretário-Geral<br />

da Francofonia, Abdou Diouf, falou ao O<br />

Correio de desafios, como por exemplo, o<br />

lugar da língua francesa no mundo ou as<br />

derivas políticas nalguns Estados.<br />

Que impacto poderá ter a Cimeira de<br />

Montreux em termos geopolíticos?<br />

A Organização Internacional da<br />

Francofonia (OIF) conta 70 Estados<br />

e governos, ou seja mais de um terço<br />

das Nações Unidas, entre os quais 15<br />

países da União Europeia e 2 do G8.<br />

Portanto, quando os Chefes de Estado<br />

destes países se reúnem, o impacto<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

é eminentemente político. Há dois<br />

anos, na última Cimeira organizada no<br />

Quebeque, a Francofonia foi o primeiro<br />

fórum Norte-Sul a posicionar-se sobre<br />

a questão da crise financeira.<br />

Que estratégia poderá estancar o<br />

desaparecimento da língua francesa,<br />

por exemplo, nas Instituições<br />

Europeias?<br />

É verdade que o multilinguismo inscrito<br />

nos regulamentos das Instituições<br />

Europeias está a esfumar-se, sendo por<br />

essa razão que a Francofonia criou<br />

estratégias para responder à tendência<br />

para o monolinguismo nas organizações<br />

internacionais. A título de exemplo, os<br />

Ministros dos Negócios Estrangeiros<br />

da OIF comprometeram-se a impor<br />

a língua francesa aos seus diplomatas<br />

quando a sua língua nacional não está<br />

Abdou Diouf, Secretário-Geral da Francofonia. Cortesia da OIF.<br />

Cimeira da Francofonia<br />

Encontro com Abdou Diouf,<br />

Secretário-Geral da Francofonia<br />

prevista. Do mesmo modo, cerca de<br />

12.000 especialistas dos nossos Estados<br />

membros beneficiam anualmente, em<br />

Bruxelas ou na sua capital, do ensino<br />

do francês.<br />

O que pensar da fraca governação<br />

política nalguns países da OIF e,<br />

designadamente, em África?<br />

Em muitos estados africanos, a consolidação<br />

do Estado de Direito está a<br />

progredir. Assistimos a alternâncias<br />

políticas bastante notórias na última<br />

década. Os partidos únicos desapareceram.<br />

Os meios de comunicação<br />

social são livres. As sociedades civis<br />

estão cada vez mais presentes e vigilantes.<br />

Constata-se, no entanto, uma<br />

tendência ao regresso dos militares à<br />

cena política. As causas são frequentemente<br />

uma fraca governação e a falta<br />

de respeito do Estado de Direito. É<br />

absolutamente necessário antever as<br />

eventuais situações de crise antes que<br />

seja demasiado tarde.<br />

A OIF parece fazer da reconstrução<br />

do Haiti um caso de escola para a<br />

promoção dos seus valores. Será<br />

esse o caso?<br />

Exactamente! A OIF considera absolutamente<br />

indispensável assistir o povo<br />

haitiano na reconstrução física, material<br />

e moral do seu país. A Francofonia<br />

ficar-lhe-á eternamente grata pois, graças<br />

à vontade aturada do Haiti, a língua<br />

francesa, por um voto, tornou-se em<br />

língua oficial e de trabalho das Nações<br />

Unidas aquando dos acordos de Breton<br />

Woods. Este país contribui igualmente<br />

para o renascimento da francofonia<br />

norte-americana e inscreve-se na mestiçagem<br />

não só da língua, como também<br />

da cultura e dos povos. A Francofonia<br />

luta de par com as autoridades do Haiti.<br />

O nosso plano de acção veicula um valor<br />

acrescentado, isto é, agir o mais rapidamente<br />

possível junto da população.<br />

Perspectiva<br />

11


Perspectiva<br />

A comunidade internacional<br />

tem de cumprir<br />

as promessas<br />

ao Haiti<br />

Secretário-Geral do Grupo África,<br />

Caraíbas e Pacífico (ACP), Mohamed<br />

Ibn Chambas salientou a necessidade<br />

de uma rápida entrega de apoio ao<br />

Haiti durante uma visita que fez ao<br />

país, de 28 de Agosto a 6 de Setembro,<br />

com os co-Presidentes da Assembleia<br />

Parlamentar Conjunta ACP-UE.<br />

H.G.<br />

O<br />

Dr. Chambas disse ao Correio<br />

“estar profundamente impressionado<br />

pela amplitude da devastação<br />

causada pelo terramoto.<br />

Por outro lado, ficamos igualmente muito<br />

impressionados pela resiliência da população,<br />

que conseguiu demonstrar sentimentos<br />

humanos fortes e determinação para continuarem<br />

as suas vidas. Vim igualmente do<br />

Haiti com a esperança de que a comunidade<br />

internacional, que mostrou uma enorme<br />

boa vontade, irá cumprir rapidamente as<br />

suas promessas para podermos começar a<br />

reconstruir o Haiti, não o antigo, que não<br />

servia, como dizem muitos haitianos. Eles<br />

querem um novo começo que lhes permita<br />

fazer face às necessidades urgentes em termos<br />

de educação, saúde, infra-estruturas<br />

sociais e económicas, instituições e capacidade<br />

e fazer do Haiti um dos países de que<br />

queremos ter orgulho. Não esquecer que<br />

para muitos africanos isto é importante. O<br />

Haiti é um país de descendentes de africanos,<br />

o país de Toussaint Louverture, que<br />

foi o primeiro a obter a independência no<br />

hemisfério Ocidental”.<br />

O Acordo de Cotonu revisto<br />

Tónica sobre o comércio e as políticas de ajuda<br />

H.G.<br />

O<br />

Acordo de Cotonu que rege<br />

as relações entre o Grupo de<br />

Estados da África, Caraíbas e<br />

Pacífico e a União Europeia<br />

por um período de 20 anos (<strong>19</strong>90 a <strong>2010</strong>)<br />

sofreu, em Junho transacto, a sua segunda<br />

12<br />

O Secretário-Geral do grupo ACP, Mohamed Ibn Chambas (primeiro da direita), David Boyd, Conselheiro Político do<br />

Grupo de Conservadores e Reformistas Europeus (no centro) e James Nicholson, Vice-Presidente da JPA, a caminho<br />

de um projecto de educação em Mirebalais, Haiti.<br />

Está preocupado com o cumprimento<br />

das promessas de ajuda da comunidade<br />

internacional, incluindo dos<br />

países africanos?<br />

Sim. Há muitas promessas, mas o seu cumprimento<br />

é muitas vezes lento e por vezes<br />

nunca são cumpridas. No caso específico<br />

do Haiti, há por um lado a satisfação de a<br />

situação ter melhorado muito rapidamente<br />

para as pessoas que estão nos acampamentos,<br />

mas as obras de fundo ainda estão por<br />

fazer. Temos esperança de que a comunidade<br />

internacional continue empenhada<br />

e não passe para a crise seguinte, como<br />

tem acontecido algumas vezes no passado.<br />

Quanto aos países africanos, o que prometeram<br />

foi entregue imediatamente. Foi o<br />

caso da Nigéria, Gana, Guiné Equatorial,<br />

África do Sul e outros. Durante a missão<br />

da Assembleia Parlamentar Conjunta, o<br />

enviado especial do Presidente Wade do<br />

revisão quinquenal. A revisão incide sobre<br />

a alteração ocorrida nas relações entre as<br />

partes em matéria de comércio e políticas<br />

de ajuda ao desenvolvimento.<br />

O texto revisto do Acordo de Cotonu<br />

foi assinado, respectivamente, pela<br />

Sr.ª Soraya Rodriguez, Secretária de<br />

Estado da Cooperação da Espanha, e<br />

pelo Comissário do Desenvolvimento,<br />

Andris Pielbags, pela União Europeia,<br />

e pelo Presidente do Conselho, Paul<br />

Bunduku-Latha, Ministro-Adjunto do<br />

Senegal, o Ministro Amadou Tidiane Bâ,<br />

discutiu a oferta de bolsas de estudo a<br />

estudantes. Fiquei muito satisfeito pelo<br />

facto de África ter respondido desta forma<br />

concreta.<br />

O Secretário-Geral do grupo ACP, Mohamed<br />

Ibn Chambas, foi distinguido<br />

recentemente com o Prémio Alemanha-<br />

-África <strong>2010</strong> pelos "seus extraordinários<br />

esforços a favor da paz, da estabilidade<br />

e da integração regional" enquanto desempenhou<br />

as funções de Secretário<br />

Executivo e Presidente da CEDEAO.<br />

A Fundação Alemanha-África é uma<br />

organização que tem membros de todos<br />

os partidos políticos do Parlamento<br />

Federal alemão.<br />

Planeamento Económico, Comércio,<br />

Indústria e Turismo do Gabão, em nome<br />

dos Estados ACP. O acordo revisto prevê<br />

um reforço da luta contra a proliferação<br />

de armas ligeiras e contra as ameaças à<br />

segurança, como o crime organizado e<br />

os tráficos de seres humanos, de drogas<br />

e de armas. Prevê igualmente mais assistência<br />

aos países ACP confrontados com<br />

o problema do aquecimento climático e<br />

apoio adicional aos sectores da aquicultura<br />

e da pesca, bem como à luta contra<br />

o VIH-Sida.


O amor pensado de Lula<br />

pela África<br />

A África esteve no centro da estratégia Sul-Sul promovida pelo Presidente Lula nos<br />

seus oito anos de presidência do Brasil, por razões de solidariedade, mas também<br />

e sobretudo, por razões geopolíticas e económicas.<br />

Marie-Martine Buckens<br />

“O<br />

Brasil nunca reembolsará<br />

a sua dívida histórica ao<br />

continente africano”,<br />

martelou repetidas<br />

vezes, Luíz Ignácio Lula da Silva, mais<br />

conhecido por Lula, nas suas digressões<br />

africanas. E estas foram numerosas:<br />

uma dezena em 20 países. É um recorde<br />

no BRIC, o grupo que reúne as quatro<br />

grandes potências emergentes do planeta,<br />

ultrapassando de pouco o número de visitas<br />

do seu homólogo chinês, Hu Jintao, e<br />

Limites da solidariedade<br />

A África vê também no Brasil um interlocutor<br />

susceptível de defender os seus<br />

interesses na cena internacional face aos<br />

Ocidentais. “O Brasil deveria ter assento<br />

permanente no Conselho de Segurança<br />

das Nações Unidas”, declarou Pedro Pires,<br />

Presidente de Cabo Verde, veiculando<br />

o desejo de muitos líderes africanos. O<br />

Brasil que, em Maio passado, ganhou<br />

finalmente a sua batalha contra os Estados<br />

Unidos, que se comprometeram a<br />

pagar anualmente mais de 145 milhões<br />

de dólares, um montante que equivale,<br />

segundo a OMC, ao prejuízo causado<br />

aos produtores brasileiros de algodão<br />

pelas subvenções americanas aos seus<br />

próprios produtores. Os países africanos<br />

produtores de algodão, que se instituíram<br />

partes no processo, correm o risco de<br />

pagar as favas: “após os Americanos e<br />

os Europeus, são agora os Brasileiros a<br />

beneficiarem das subvenções”, acusava<br />

um produtor do Mali. Brasília prometeu<br />

utilizar uma parte do financiamento para<br />

apoiar os produtores africanos e do Haiti,<br />

mas as modalidades são muito vagas...<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

muito à frente dos responsáveis da Rússia<br />

e da Índia. O Brasil, há que o admitir, é<br />

ainda um actor menor na África, sobretudo<br />

comparado com a China.<br />

O presidente brasileiro, que terminará o<br />

seu mandato no final deste ano, dado a<br />

constituição brasileira proibir um terceiro<br />

mandato consecutivo, quis fazer em Julho<br />

passado uma última visita a seis países<br />

africanos. Até mesmo para lembrar que<br />

o Brasil – um dos últimos países a abolir<br />

a escravatura, em <strong>19</strong>88 – é o segundo país<br />

negro do mundo, após a Nigéria, com 76<br />

milhões de afro-brasileiros, ou seja metade<br />

da população do Brasil.<br />

As trocas comerciais passaram<br />

de 6 mil milhões de dólares para<br />

24 mil milhões em oito anos<br />

Confirmado este elo cultural, o Presidente<br />

Lula, acompanhado, como de costume,<br />

por uma comitiva de homens de negócios<br />

impressionante, colocou os seus<br />

piões. Em Cabo Verde, participou<br />

numa Cimeira entre o Brasil e 15 países<br />

da Comunidade Económica da África<br />

Ocidental (CEDEAO). Na África do Sul,<br />

sublinhou a importância dos novos acordos<br />

de comércio livre entre o Mercosur<br />

(Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e<br />

a SACU (África do Sul, Botsuana, Lesoto,<br />

Namíbia e Suazilândia). Um ano antes, a<br />

Apex-Brasil, uma agência de promoção<br />

das exportações do Brasil, tinha aberto<br />

dois grandes centros de negócios em<br />

África. As trocas comerciais acompanharam:<br />

passaram de 6 mil milhões de dólares<br />

para 24 mil milhões em oito anos.<br />

A lista de interesses brasileiros em África é<br />

longa: da Petrobras, sociedade petrolífera<br />

brasileira, interessada pelo ouro preto de<br />

Angola e da Nigéria (um terço das trocas<br />

faz-se actualmente com este gigante do petróleo),<br />

passando por Vale, o gigante brasileiro da<br />

indústria mineira, interessado, entre outras,<br />

pelas minas de carvão de Moçambique, até<br />

aos agro-industriais, empréstimos para a<br />

instalação de fábricas de etanol, como é o<br />

caso no Gana ou em Angola.<br />

Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, na abertura do Diálogo Brasil-África<br />

sobre Segurança Alimentar. © DPA / Reporters<br />

Perspectiva<br />

13


Perspectiva<br />

A população da UE responde um “sim”<br />

forte à ajuda ao desenvolvimento<br />

Debra Percival<br />

Em cada dez cidadãos da União<br />

Europeia (UE), nove consideram<br />

que a ajuda aos países em desenvolvimento<br />

é muito importante<br />

ou importante, revela o “Eurobarómetro”<br />

da UE sobre “Os Europeus, a ajuda ao<br />

desenvolvimento e os Objectivos de<br />

Desenvolvimento do Milénio”. Foram<br />

interrogados 26.500 cidadãos que vivem<br />

nos 27 Estados-Membros da União<br />

Europeia, em Junho de <strong>2010</strong>.<br />

Os funcionários da União Europeia afirmam<br />

que a votação dos cidadãos europeus<br />

reflecte um aumento do apoio à ajuda ao<br />

desenvolvimento, com 45% a responderem<br />

D.P.<br />

Os ministros e representantes das<br />

Caraíbas Orientais (Antígua,<br />

Santa Lúcia, São Vicente e<br />

Granadinas, Domínica, São<br />

Cristóvão e Nevis e Granada) reuniram-se<br />

em meados de Setembro em Bruxelas com<br />

as instituições da União Europeia (UE), a<br />

fim de analisar a futura cooperação com os<br />

doadores no terreno. A delegação incluía<br />

o Ministro da Energia de Santa Lúcia,<br />

Richard Frederick, e o seu homólogo de<br />

São Cristóvão e Nevis, Earl Asim Mardin.<br />

As energias geotérmica e eólica têm um<br />

grande potencial, uma vez que muitas das<br />

ilhas são vulcânicas e expostas ao vento.<br />

“A Organização dos Estados das Caraíbas<br />

Orientais (OECO) está a tentar centrar-se<br />

na diversificação da energia para impulsionar<br />

as suas economias. A utilização das<br />

energias renováveis constitui uma forma<br />

de fazer progredir as economias, dando<br />

ao mesmo tempo resposta ao problema<br />

muito, muito importante das alterações<br />

climáticas”, referiu um funcionário da<br />

Embaixada da OECO* em Bruxelas.<br />

14<br />

que a ajuda ao desenvolvimento é “muito<br />

importante”, em relação aos 30% de Junho<br />

de 2009.<br />

Regista-se também uma diferença decrescente<br />

no apoio ao desenvolvimento entre os<br />

15 Estados iniciais da UE, cujos cidadãos<br />

eram tradicionalmente mais favoráveis à<br />

ajuda ao desenvolvimento, e os 12 Estados<br />

mais recentes, embora continue a haver<br />

uma divisão bem distinta. Os cidadãos da<br />

Suécia (96%), Irlanda (95%), Dinamarca<br />

(94%), Finlândia (94%), Luxemburgo<br />

(93%) e Reino Unido continuam a ser<br />

os mais favoráveis à ajuda, ao passo que<br />

os recém-chegados à UE, a Eslovénia,<br />

Estónia e Bulgária, são os menos favoráveis.<br />

Globalmente, 64% dos cidadãos da<br />

UE gostariam que ajuda ao desenvolvimento<br />

aumentasse.<br />

Movimento de promoção das energias<br />

renováveis nas Caraíbas Orientais<br />

Os Pequenos Estados Insulares das Caraíbas Orientais estão a tentar aumentar<br />

a utilização de energias renováveis, como a energia geotérmica e eólica, para<br />

expandir a economia e fazer face às alterações climáticas.<br />

Facilidade da UE para a energia<br />

A UE está a financiar um projecto para<br />

desenvolver a capacidade de vários intervenientes<br />

no sector das energias renováveis<br />

na totalidade das Caraíbas, com fundos<br />

da Facilidade da UE para a energia destinada<br />

aos Estados de África, Caraíbas e<br />

Pacífico (ACP).<br />

Na reunião com a delegação das Caraíbas<br />

Orientais, Guus Heim, Chefe da Divisão<br />

© BSIP / Reporters<br />

Para consultar o relatório integral, consultar:<br />

http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/<br />

eb_special_en.htm#352<br />

“África Ocidental, Sahel e Caraíbas” do<br />

Banco Europeu de Investimento (BEI),<br />

sedeado no Luxemburgo, disse que o<br />

BEI estava a ponderar o financiamento<br />

de serviços de consultoria para analisar<br />

a viabilidade e o impacto ambiental de<br />

uma ligação submarina entre Domínica<br />

e a Martinica e Guadalupe, para permitir<br />

à Domínica explorar o seu potencial<br />

de fornecimento de energia geotérmica<br />

no futuro. Acrescentou que o BEI tinha<br />

contactos avançados com promotores de<br />

projectos eólicos em Santa Lúcia, Jamaica<br />

e na República Dominicana e de projectos<br />

de valorização energética de resíduos na<br />

Jamaica, Barbados e Baamas.<br />

Para saber mais sobre a Plataforma de<br />

Informação das Caraíbas sobre Energias<br />

Renováveis: www.cipore.org<br />

*Os membros da Organização dos Estados das<br />

Caraíbas Orientais (OECO) são: Antígua e<br />

Barbuda, Domínica, Granada, Monserrate, São<br />

Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia e São Vicente e<br />

Granadinas.<br />

Muitas ilhas da parte oriental das Caraíbas são vulcânicas com potencial geotérmico. Montserrat. © M Percival


Okechukwu Umelo<br />

H.G.<br />

Na Cimeira da União Europeia-<br />

África do Sul realizada em<br />

Bruxelas, em 28 de Setembro<br />

de <strong>2010</strong>, as duas partes, representadas<br />

respectivamente pelo Presidente<br />

do Conselho Europeu, Herman Van<br />

Rompuy, e pelo Presidente da Comissão<br />

Europeia, Manual Durão Barroso, e pelo<br />

Presidente da África do Sul, Jacob Zuma,<br />

assinaram um importante acordo de cooperação<br />

designado “Primary Education<br />

Sector Policy Support Programa”<br />

(Programa de Apoio Político ao Sector<br />

da Formação de Base).<br />

Durante toda a reunião insistiu-se<br />

na necessidade de educação a todos<br />

os níveis, o que está em fase com as<br />

prioridades do governo sul-africano.<br />

A África do Sul e a União Europeia<br />

concordaram também em reforçar a sua<br />

cooperação em muitos outros domínios,<br />

Conferência ‘SIDA <strong>2010</strong>’, 18-23 de Julho, Viena, Áustria<br />

“Os direitos aqui e agora”<br />

Em 2008 havia cerca de 33,4<br />

milhões de pessoas em todo o<br />

mundo infectadas com o vírus da<br />

SIDA. Sessenta e sete por cento<br />

das pessoas que vivem com VIH e 91<br />

por cento das novas infecções de crianças<br />

encontravam-se na África subsariana<br />

(Situação da epidemia da SIDA em 2009<br />

[ONUSIDA/OMS]). Embora se tenham<br />

verificado progressos na luta contra o<br />

VIH/SIDA, as estatísticas demonstram<br />

que é preciso fazer muito mais.<br />

A Conferência Internacional bienal de<br />

<strong>2010</strong> sobre a SIDA, sob o tema ‘os direitos<br />

aqui e agora’, centrou-se na protecção e<br />

promoção dos direitos humanos para combater<br />

o VIH/SIDA. Organizada em Viena,<br />

Áustria, pela Sociedade Internacional da<br />

SIDA, de 18 a 23 de Julho, reuniu <strong>19</strong> 300<br />

cientistas, médicos, advogados e dirigentes<br />

mundiais de <strong>19</strong>3 países.<br />

“Elogio os dirigentes que reconheceram<br />

que a negação do tratamento constitui<br />

uma negação do direito humano à vida”,<br />

disse o Arcebispo Desmond Tutu numa<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

comunicação por vídeo feita na cerimónia<br />

de encerramento.<br />

O acesso universal à prevenção, cuidados,<br />

tratamento e apoio no domínio da SIDA, o<br />

reforço do recurso a intervenções baseadas<br />

na evidência, o financiamento sustentado<br />

e os progressos na descoberta de uma cura<br />

foram outros temas da conferência.<br />

A Declaração de Viena, que faz um apelo a<br />

políticas de medicamentos mais racionais<br />

e cientificamente consistentes para refor-<br />

A educação no centro de<br />

uma cooperação reforçada<br />

indo da economia à investigação espacial<br />

ou a um acordo mútuo sobre isenções de<br />

visto. Acordaram também sobre as respectivas<br />

prioridades para a futura cimeira<br />

UE-África, a realizar em Novembro de<br />

<strong>2010</strong> na Líbia.<br />

çar a prevenção do VIH nos utilizadores<br />

de medicamentos, foi assinada por mais<br />

de 12 725 pessoas até ao encerramento da<br />

conferência. Além disso, foi feito um apelo<br />

aos dirigentes mundiais para garantirem<br />

pelo menos 20 mil milhões de dólares<br />

(14,5 mil milhões de euros) para o período<br />

2011-2013 ao Fundo Mundial de Luta<br />

contra o VIH/SIDA, a Tuberculose e o<br />

Paludismo. A eventual doação de 11,7 mil<br />

milhões de dólares (8,5 mil milhões de<br />

euros) feita na reunião de reconstituição<br />

do Fundo, realizada em 5 de <strong>Outubro</strong>,<br />

ficou muito aquém deste apelo. Contudo,<br />

a Comissão Europeia garantiu aumentar<br />

a sua contribuição, que foi de 100 milhões<br />

de euros em 2008-<strong>2010</strong>, para 330 milhões<br />

de euros nos três próximos anos.<br />

Para mais informações: www.aids<strong>2010</strong>.org<br />

Uma mulher com SIDA toma os seus comprimidos num campo de refugiados perto de Gulu, Uganda. © Reporters / DPA<br />

Cimeira UE-África do Sul<br />

O Presidente Zuma declarou à imprensa<br />

que ambas as partes “partilham o objectivo<br />

de concluir, antes do final do ano,<br />

um acordo final que reforçará as relações<br />

económicas entre a UE e os países da<br />

SADC-APE”.<br />

Jacob Zuma, Herman van Rompuy e José Manuel Durão Barroso. © Conselho da União Europeia<br />

Perspectiva<br />

15


D.P<br />

Em 2030 haverá mais pessoas a<br />

viver em zonas urbanas do que<br />

em comunidades rurais, prevê<br />

o HABITAT, organismo das<br />

Nações Unidas que analisa os aglomerados<br />

humanos. Uma urbanização rápida<br />

cria tensões, como as condições de vida<br />

deploráveis, mas igualmente enormes<br />

oportunidades de crescimento, afirma<br />

Ann Pawliczko, conselheira para os assuntos<br />

das populações emergentes do Fundo<br />

das Nações Unidas para a População.<br />

Nas páginas seguintes O Correio mostra<br />

como a urbanização está a criar tensões<br />

em cidades das regiões de África, Caraíbas<br />

e Pacífico, mas também a fomentar o<br />

crescimento económico. O recém-criado<br />

Observatório das Migrações ACP foi instituído<br />

para monitorizar em permanência as<br />

tendências migratórias dos cidadãos ACP.<br />

Os destinos mais populares dos migrantes<br />

da África subsariana são outras cidades<br />

africanas onde procuram melhores<br />

empregos e melhores condições de<br />

16<br />

Dossier<br />

Migração e<br />

urbanização<br />

Sonhos e pesadelos<br />

vida, como Abidjan, Libreville, Duala,<br />

Lagos, Nairobi, Joanesburgo, bem como<br />

os Estados Unidos e o Reino Unido,<br />

diz Philippe Bocquier, Professor de<br />

Demografia da Universidade de Lovaina<br />

(UCL), na Bélgica. As pessoas migram<br />

igualmente para sair de zonas de conflito:<br />

os somalianos e sudaneses para o Quénia,<br />

os zimbabuenses para a África do Sul, os<br />

congoleses (RDC), ruandeses e burundianos<br />

para a Tanzânia, os liberianos e<br />

serra-leoneses para a Costa do Marfim<br />

e os guineenses para o Senegal. Alguns<br />

migrantes congoleses e somalianos com<br />

maior nível de educação também emigraram<br />

para mais longe, para a África do Sul.<br />

Não é a própria migração que cria os bairros<br />

miseráveis, mas antes a organização<br />

do mercado de trabalho, alega Bocquier.<br />

Os jovens trabalhadores das zonas rurais<br />

emigram muitas vezes com as suas famílias<br />

e constroem alojamentos de madeira<br />

e de lata, vivendo em péssimas condições<br />

e sem qualquer direito à terra. “O rápido<br />

crescimento de algumas cidades torna mais<br />

difícil, a curto prazo, a prestação dos serviços<br />

urbanos”, afirma Bruno Schoumaker,<br />

Professor Associado da UCL.<br />

“Uma política orientada exclusivamente<br />

para o controlo dos influxos domésticos ou<br />

dos influxos internacionais não seria ética<br />

(a liberdade de circulação internacional<br />

não devia ser considerada como um direito<br />

humano?)”, questiona Bocquier. E acrescenta:<br />

“Se é preciso que haja um plano,<br />

então que seja para acompanhar a migração<br />

e não para a limitar ou restringir”.<br />

Ann Pawliczko concorda: “Nenhum país<br />

na era industrial conseguiu um crescimento<br />

económico significativo sem urbanização”.<br />

E salienta os aspectos positivos<br />

da migração: “A maior concentração de<br />

pessoas permite tornar os cuidados de<br />

saúde, os transportes, a educação e os<br />

outros bens sociais mais acessíveis, mais<br />

eficientes e mais abordáveis”.<br />

Acrescenta: “As cidades permitem que as<br />

mulheres e os jovens tenham mais oportunidades<br />

de escapar às restrições e práticas<br />

tradicionais, criem redes de apoio social,<br />

troquem informações e novas ideias e se<br />

organizem para provocar mudanças. A<br />

concentração de pessoas em zonas urbanas<br />

pode fazer diminuir a pressão sobre<br />

os habitats naturais e a biodiversidade”.<br />

Mas salienta a necessidade de uma boa<br />

administração nas cidades para os serviços<br />

serem prestados. “São necessárias acções<br />

viradas para o futuro por parte dos governos<br />

nacionais e municipais, das organizações<br />

internacionais e da sociedade civil”, afirma,<br />

“para libertar o potencial das cidades”.<br />

As entrevistas integrais de Ann Pawlickzo,<br />

Philippe Bocquier e Bruno Schoumaker<br />

podem ser consultadas no sítio de O Correio<br />

na Internet: www.acp-eucourier.info<br />

Abijão, Costa do Marfim. © Reporters / Ludovic / Rea


Encontro com Laurent de Boeck, Director do Observatório ACP sobre as Migrações<br />

“As migrações profissionais<br />

intra-ACP constituem uma prioridade”<br />

M.M.B<br />

Há 14 anos que este belga trabalha<br />

para a Organização<br />

Internacional para as<br />

Migrações (OIM). No início<br />

consagrou-se à reconstrução de países em<br />

situação de pós-conflito, como o Ruanda<br />

ou o Kosovo, ou que tinham sido atingidos<br />

por catástrofes naturais, como a Indonésia<br />

e o Haiti. “A minha função consistia em<br />

preencher o hiato entre as acções de urgência<br />

e o desenvolvimento a longo prazo”,<br />

explica Laurent de Boeck. “Mais recentemente,<br />

antes de ocupar o cargo de Director<br />

do Observatório, fui representante adjunto<br />

da OIM para a África Ocidental e Central,<br />

o que representa 23 países. O âmbito do<br />

trabalho aí era vasto: desde a imigração<br />

internacional à imigração interna, passando<br />

pela luta contra os imigrantes ilegais,<br />

a promoção dos trabalhadores migrantes,<br />

as alterações climáticas ou a ponte entre<br />

migração e saúde.”<br />

De entre todos estes fluxos migratórios,<br />

Laurent de Boeck salienta aquele “que<br />

exige prioritariamente a implementação<br />

de políticas adequadas”, tanto no plano<br />

nacional como regional e continental: as<br />

migrações profissionais. “É o caso sobretudo<br />

de África”, prossegue o Director do<br />

Observatório, “onde as pressões provocadas<br />

por essas migrações estão infelizmente<br />

ligadas à incapacidade dos Estados quanto<br />

às políticas a aplicar”.<br />

Atritos<br />

Estas migrações, cujos fluxos mais importantes<br />

se registam entre países vizinhos<br />

mas também no interior de um país, resultam<br />

do facto de as populações abandonarem<br />

o mundo rural para se instalarem<br />

nos grandes centros urbanos. “Mais de<br />

60% destes migrantes têm menos de 35<br />

anos e são dinâmicos. É uma migração<br />

puramente económica.” Estes migrantes<br />

ocupam os empregos dos sedentários e<br />

os atritos são inevitáveis. “São muitos<br />

os exemplos de expulsão à força destes<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

migrantes; basta lembrar-nos que há um<br />

ano o Gabão expulsou à força malianos,<br />

algemados”, salienta Laurent de Boeck,<br />

que prossegue: “Mesmo na Mauritânia,<br />

um país conhecido pela grande tolerância<br />

no acolhimento de migrantes, a população<br />

começa a opor-se a esta política de<br />

abertura perante o afluxo de migrantes<br />

a caminho da <strong>Europa</strong>.”<br />

Mas Laurent de Boeck, como todos os<br />

especialistas, faz questão de precisar: as<br />

migrações mais importantes são um fenómeno<br />

essencialmente Sul-Sul. “Por exemplo,<br />

o número de tanzanianos que migram<br />

para o Uganda é muito maior do que o<br />

daqueles que procuram entrar na <strong>Europa</strong>;<br />

e contribuem com imenso dinheiro para<br />

o seu país.” Um fenómeno que poderá ser<br />

tão importante, se não mais importante,<br />

do que o do envio de fundos da diáspora<br />

africana do Norte. Daí a importância de<br />

continuar os estudos sobre este fenómeno,<br />

acrescenta o Director.<br />

Fuga de cérebros intra-ACP<br />

Embora o conjunto de países ACP se<br />

tenha insurgido contra a vontade da União<br />

Europeia de favorecer a imigração de pessoas<br />

altamente qualificadas provenientes<br />

do Sul (o famoso 'cartão azul'), muitos<br />

países do Grupo ACP confrontam-se<br />

com esta fuga de cérebros. “A migração é<br />

Laurent de Boeck. © IOM<br />

17<br />

Dossier


Dossier<br />

sobretudo intelectual”, confirma Laurent<br />

de Boeck. “Mesmo nas migrações rurais<br />

para as cidades são os mais qualificados<br />

que partem.” Além disso, universidades<br />

de renome, como as de Dar-es-Salam, na<br />

Tanzânia, Kinshasa, na RDC ou ainda<br />

no Quénia ou no Senegal atraem muitos<br />

estudantes do continente. “A população<br />

de estudantes estrangeiros que vêm estudar<br />

em Dacar, no Senegal, é muito importante.<br />

E muitas vezes, uma vez formados,<br />

permanecem lá, o que representa uma<br />

perda para o país de origem.”<br />

Alavanca<br />

Este afluxo de migrantes, na sua maior<br />

parte jovens, para as cidades não corre<br />

o risco de criar megalópoles que não se<br />

Dinheiro, Informação, Talento e Arte<br />

M.M.B.<br />

Body: O secretariado do grupo<br />

ACP (África, Caraíbas e<br />

Pacífico) prepara a publicação<br />

do seu primeiro Relatório<br />

sobre a Mobilidade Humana em 2011<br />

(HMR2011), que apresentará pela primeira<br />

vez dados consolidados sobre a<br />

migração entre Estados ACP, utilizando<br />

as mais recentes conclusões do Centro<br />

de Investigação e Desenvolvimento da<br />

Universidade de Sussex.<br />

A mobilidade internacional dos países<br />

ACP está muito ligada a aspectos de proximidade<br />

e continua a ser um fenómeno<br />

regional, sublinha Andrea Gallina, especialista<br />

em Migração e Desenvolvimento<br />

no Secretariado ACP. Cerca de 70% dos<br />

migrantes subsarianos deslocam-se em<br />

curtas distâncias, ao passo que 16% (aproximadamente<br />

2,8 milhões) partem para<br />

os 27 países da UE, mais a Noruega e a<br />

Suíça, e outros 5% para a América do<br />

Norte.<br />

O número de migrantes da África subsariana<br />

na UE é inferior ao dos migrantes<br />

da África setentrional, apesar de aquela<br />

região ter uma populacão que lhe é muito<br />

superior demograficamente. Três quartos<br />

dos migrantes das ilhas do Pacífico<br />

imigram para a Austrália, Nova Zelândia<br />

e Estados Unidos e 85% dos migrantes<br />

18<br />

podem gerir? “Ainda que a urbanização<br />

aumente em África, continua a ser das<br />

mais fracas a nível mundial. Não parece<br />

que nos próximos dez anos se vá assistir<br />

a uma urbanização<br />

extrema, como acontece<br />

nas Caraíbas”,<br />

considera Laurent de<br />

Boeck, que prossegue:<br />

“É verdade que<br />

durante esse período<br />

África passará a contar mais cerca de 80<br />

milhões de habitantes, o que não acho<br />

excessivo.” Reforço das pequenas cidades<br />

nas zonas rurais? Laurent de Boeck não<br />

acredita demasiado nisso: “A atracção é<br />

muito fraca.” Aposta mais numa reformulação<br />

necessária das políticas de saúde, de<br />

segurança e de transportes nas grandes<br />

“A migração podia ser<br />

utilizada como uma alavanca<br />

para melhorar os serviços<br />

sociais”<br />

das Caraíbas imigram para a América<br />

do Norte. No total, os nacionais dos<br />

Estados ACP nos países da Organização<br />

de Cooperação e Desenvolvimento<br />

Económicos (OCDE) representam apenas<br />

9% da totalidade de residentes nascidos<br />

no estrangeiro. Há também fluxos<br />

consideráveis de migrantes ACP para<br />

destinos meridionais não ACP do mundo<br />

inteiro – essencialmente a Ásia –, o que<br />

constitui um fenómeno que justifica uma<br />

pesquisa mais aturada. Para além destas<br />

cidades. Retomando o caso de Dacar: “A<br />

insegurança é cada vez maior; a população<br />

associa-a à chegada dos nigerianos<br />

e burquinenses. O que acontece é que<br />

os investimentos não<br />

vêm a seguir. O acesso<br />

à água e à electricidade<br />

é cada vez mais raro.<br />

No entanto, a migração<br />

podia ser utilizada<br />

como uma alavanca<br />

para melhorar os serviços sociais.” O<br />

que é que falta? Essencialmente vontade<br />

política e uma mudança de mentalidade,<br />

considera o Director.<br />

estatísticas, o HMR2011 introduz uma<br />

abordagem baseada na capacidade de<br />

estudar a correlação entre a migração e<br />

o desenvolvimento humano, através da<br />

análise dos quatro recursos principais<br />

de migrantes, a saber, os capitais económico,<br />

social, humano e cultural. A análise<br />

das tendências, limites e potenciais<br />

na sua mobilização e utilização aponta<br />

para áreas de intervenção política, a fim<br />

de estimular a sua relação positiva com<br />

o desenvolvimento.<br />

© Reporters / Photononstop


Relatório ACP de 2011 sobre Mobilidade<br />

Humana destaca desafios políticos<br />

O Relatório ACP de 2011 sobre<br />

Mobilidade Humana destaca cinco desafios<br />

políticos essenciais que se colocam<br />

aos governos e às organizações regionais<br />

dos países ACP.<br />

M.M.B.<br />

O<br />

primeiro, explica Andrea<br />

Gallina, especialista em<br />

Migração e Desenvolvimento<br />

no Secretariado ACP, é sem<br />

dúvida a parca informação estatística<br />

disponível sobre os fluxos e valores: “As<br />

dificuldades em calcular o número de<br />

migrantes sem documentos, a ausência<br />

de inquéritos que permitam análises<br />

comparativas durante os períodos entre<br />

recenseamentos, a falta de coordenação<br />

de métodos de recolha de dados nos países<br />

de origem e de acolhimento, a recolha<br />

selectiva de dados por país, etc., minam<br />

significativamente o desenvolvimento<br />

político nesta área.”<br />

O segundo desafio é eliminar os entraves<br />

a uma mobilidade livre, regulada e segura.<br />

“A emigração circular”, explica Gallina,<br />

“pode contribuir para a promoção da coesão<br />

social e da protecção dos emigrantes,<br />

mas, para ser eficaz, será necessário promover<br />

medidas de securização do estatuto<br />

de residência, por exemplo, a dupla<br />

nacionalidade e uma licença de estadia<br />

permanente ou plurianual, sobretudo com<br />

o objectivo de inverter a fuga de cérebros”.<br />

Emigrantes por razões<br />

climáticas<br />

O terceiro desafio básico é a mobilidade<br />

induzida pelo clima. Compreender e prever<br />

as alterações climáticas e a mobilidade<br />

humana por elas induzida é extremamente<br />

difícil: as estimativas variam de 50 milhões<br />

de “pessoas migradas por razões climáticas”<br />

em <strong>2010</strong> e cerca de mil milhões em 2050,<br />

consoante as estimativas projectadas. Além<br />

disso, apesar de serem os que têm menos<br />

responsabilidade em termos de emissões<br />

de gases de estufa, os países ACP serão os<br />

mais afectados pelas alterações climáticas.<br />

No Pacífico, a maioria dos pequenos estados<br />

insulares, com relevos de pouca altitude,<br />

já sofre inundações e ciclones repetidos.<br />

Segundo o relatório, as deslocações forçadas<br />

já são frequentes em Vanuatu, Quiribati,<br />

Papua-Nova Guiné e Tuvalu. Calcula-se<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

Aldeãos deslocados debaixo de uma árvore na aldeia Longana, na ilha de Ambae, Ilhas Vanuatu. © Reporters / AP<br />

que nos países da África subsariana, explica<br />

ainda Gallina, a degradação dos solos esteja<br />

a causar uma perda anual de 3% na contribuição<br />

agrícola para o PIB e prevê-se<br />

que, no horizonte de 2020, os problemas<br />

de água poderão vir a afectar entre 75 e<br />

250 milhões de pessoas. Nas Caraíbas,<br />

metade da população vive no espaço de um<br />

quilómetro e meio da costa e as principais<br />

infra-estruturas e actividades económicas<br />

situam-se nas zonas do litoral.<br />

“Os governos insistem<br />

frequentemente na necessidade<br />

de melhor protecção dos seus<br />

trabalhadores migrantes quando<br />

estes chegam às regiões ricas,<br />

mas não fazem nada para<br />

proteger os trabalhadores<br />

migrantes que vivem nos seus<br />

países.”<br />

O quarto desafio essencial é integrar a<br />

mobilidade humana nas políticas nacionais<br />

de desenvolvimento e nos planos de<br />

redução da pobreza. Os Documentos<br />

sobre a Estratégia de Redução da Pobreza<br />

dos ACP disponíveis (39 dos 79 países)<br />

têm em conta a mobilidade, tanto interna<br />

como internacional, enquanto factor de<br />

desenvolvimento, mesmo se a tradução<br />

da análise e das propostas nas políticas e<br />

compromissos actuais não passa de uma<br />

opção limitada para orçamentos limitados.<br />

Por último, sublinha o especialista, “o<br />

quinto desafio político básico é assegurar<br />

a inclusão social, o respeito e a protecção<br />

dos migrantes nos países ACP. É<br />

provavelmente o desafio mais complexo<br />

a enfrentar, dado exigir uma mudança<br />

radical na maneira como a migração e a<br />

mobilidade são ressentidas pela opinião<br />

pública e pelos políticos nos países ACP.<br />

Os governos insistem frequentemente<br />

na necessidade de melhor protecção dos<br />

seus trabalhadores migrantes quando<br />

estes chegam às regiões ricas, mas não<br />

fazem nada para proteger os trabalhadores<br />

migrantes que vivem nos seus países.<br />

Entretanto, o comportamento xenófobo<br />

é uma realidade nos Estados ACP e só<br />

fomentando a importância da diversidade<br />

cultural para a inovação e o crescimento<br />

de vanguarda, assim como sublinhando<br />

a contribuição real da força de trabalho<br />

migrante para as economias locais, será<br />

possível implementar uma reforma profunda<br />

da legislação e dos sistemas de previdência<br />

social da migração”.<br />

<strong>19</strong><br />

Dossier


Dossier<br />

Projecto UE<br />

Solução para os bairros degradados. Mais do<br />

que dinheiro, interessa a tomada de consciência<br />

Está em fase de execução em cerca de<br />

trinta países ACP um projecto assente<br />

na dinâmica migração e urbanismo,<br />

financiado pela Comissão Europeia e<br />

realizado pela UN-Habitat. Consiste em<br />

traçar o perfil urbanístico de cidades<br />

onde se desenvolveram bairros de lata e<br />

elaborar planos de acção para melhorar<br />

as condições de vida dos seus habitantes.<br />

Uma das primeiras conclusões é<br />

que a solução reside mais na tomada<br />

de consciência do problema do que nos<br />

meios para o resolver.<br />

20<br />

H.G.<br />

Eduardo Sorribes-Manzana é<br />

responsável pela unidade encarregada<br />

do urbanismo na Direcção-<br />

Geral do Desenvolvimento da<br />

Comissão Europeia. A estrutura em que<br />

esta unidade se integra ocupa-se de uma<br />

vasta área, que vai do urbanismo à tecnologia<br />

espacial e à sociedade da informação,<br />

da meteorologia à prevenção das secas<br />

e à segurança. “Quanto ao urbanismo<br />

enquanto tal só existe um grande projecto<br />

da Comissão relativo ao Grupo África,<br />

Caraíbas e Pacífico. Mas é importante,<br />

uma vez que a maior parte destes países<br />

são obrigados a gerir estes bairros degradados.<br />

Por outro lado, a Comissão ocupa-se<br />

intensamente de sectores como a água, o<br />

saneamento, a energia ou os transportes.<br />

E a problemática urbanística está muito<br />

ligada a estes sectores.”<br />

O projecto, executado pela UN-Habitat<br />

com financiamento da CE, intitula-se<br />

“Programa Participativo de Beneficiação<br />

e Prevenção dos Bairros de Lata” e foi<br />

concebido a pedido do Secretariado-Geral<br />

Linha férrea para o Uganda atravessa um burgo de choupanas. © REA / Reporters<br />

ACP, contando com um orçamento de 5<br />

milhões de euros. Iniciado em Abril de<br />

2008 para terminar em fins de Março de<br />

2011, compreende duas fases: a elaboração<br />

do perfil urbanístico de determinadas cidades,<br />

por um lado, e a formulação de um<br />

plano de acção e de um programa para o<br />

futuro, por outro lado. Implica 63 cidades<br />

de 30 países, dezoito na fase 1* e doze,<br />

cujo perfil já tinha sido elaborado por um<br />

projecto anterior, na fase 2**.<br />

Um dos objectivos do projecto consiste<br />

em reforçar o saber-fazer das autoridades<br />

públicas e dos diversos intervenientes<br />

locais, nacionais e regionais no plano urbanístico.<br />

Mais especificamente no que se<br />

refere à governação, à gestão e à execução<br />

de projectos-piloto relativos às condições<br />

de instalação nos bairros de lata ou noutras<br />

estruturas.<br />

“Não é uma questão de dinheiro, mas sim<br />

de tomada de consciência. Sabe-se que<br />

existe um problema de migração para as<br />

grandes cidades. Se conseguirmos antecipá-lo<br />

e orientá-lo, quanto mais não seja<br />

para planificar os locais de implantação<br />

das escolas ou hospitais, a localização de<br />

uma fonte para distribuir água potável<br />

ou ainda as possibilidades de circulação<br />

dos transportes em comum, já melhoramos<br />

muito a situação. Esta tomada de<br />

consciência não diz apenas respeito às<br />

autoridades dos países ACP, mas a todos<br />

os intervenientes e portanto também aos<br />

financiadores, incluindo os colegas da<br />

Comissão, que tendo em conta ao mesmo<br />

tempo os sectores prioritários para a ajuda<br />

europeia, podem encontrar nos projectos<br />

que gerem lugar para a problemática dos<br />

bairros degradados.” Também é desejável<br />

maior coordenação entre a Comissão e<br />

os Estados-Membros sobre esta questão,<br />

conclui o funcionário europeu.<br />

Na sequência de uma concertação entre o<br />

Secretariado ACP e a Comissão Europeia,<br />

é possível que surja a criação de um novo<br />

projecto sobre o urbanismo depois da conclusão<br />

daquele que está em curso e com<br />

maior envergadura.<br />

* Burundi, Cabo Verde, República do Congo,<br />

Costa do Marfim, Gâmbia, Madagáscar,<br />

Malavi, Mali, Maurícia, Nigéria e Uganda;<br />

Haiti, Jamaica, Antígua e Barbuda e Trindade<br />

e Tobago; Fiji, Papuásia-Nova Guiné e Ilhas<br />

Salomão.<br />

** Burquina Faso, Camarões, R. D. do Congo,<br />

Eritreia, Etiópia, Gana, Quénia, Moçambique,<br />

Níger, Senegal, Tanzânia e Zâmbia.


Urbanização interminável<br />

em Lagos, Nigéria<br />

A cidade africana com a mais rápida taxa de crescimento<br />

Lagos, a cidade africana com a segunda maior densidade populacional (a seguir<br />

ao Cairo)* e a terceira maior do mundo, é um íman de migração em toda a África<br />

Ocidental, afirmam os autores deste artigo no fórum nigeriano Village Voice.<br />

Yemisi Kuku e Philip Adekunle<br />

Os migrantes oriundos de todo o<br />

país e de toda a África fixam-<br />

-se em Lagos na procura de<br />

emprego e de melhores oportunidades,<br />

sendo a maior parte oriundos de<br />

regiões rurais ou urbanas de outras zonas<br />

da Nigéria. Com uma população actual<br />

de 15 milhões de pessoas, e prevendo-se<br />

que este valor aumente para 24 milhões<br />

até 2015, os sectores da habitação e das<br />

infra-estruturas representam um enorme<br />

desafio para o governo.<br />

Lagos atrai igualmente migrantes de todo<br />

o mundo, apesar de não existirem dados<br />

relativos aos movimentos migratórios legais<br />

e ilegais. A maioria é oriunda da África<br />

Ocidental, sobretudo do Chade e de Níger,<br />

Togo e Benim. Enquanto que alguns conseguem<br />

concretizar o seu sonho, a maioria<br />

dos residentes de Lagos vive um autêntico<br />

pesadelo. Os imigrantes sonham com os<br />

Enquanto que alguns conseguem<br />

concretizar o seu sonho, a<br />

maioria dos residentes de Lagos<br />

vive um autêntico pesadelo.<br />

luxos de Lekki e da Ilha de Vitória, sendo<br />

que a maioria acaba nos bairros de lata de<br />

Mushin, Ajegunle e Makoko. Muitos dos<br />

recém chegados vivem em estruturas ilegais<br />

e apavorados com o despejo. Para além<br />

do pesadelo da habitação, existem muitos<br />

outros problemas de infra-estrutura que se<br />

manifestam quando o número de migrantes<br />

aumenta anualmente, em 600.000 pessoas,<br />

numa área que, em <strong>19</strong>50, tinha capacidade<br />

para acolher 300.000 pessoas. Os habitantes<br />

de Lagos enfrentam uma das piores<br />

situações de tráfego do mundo, poluição<br />

ambiental em massa, escassez de água,<br />

falhas graves de electricidade, saneamento<br />

insuficiente, vias rodoviárias sobrelotadas,<br />

hospitais e escolas com grandes deficiências<br />

em termos de equipamento, sobretudo nas<br />

áreas de menor afluência.<br />

Os esforços do governo<br />

O actual governo civil parece estar a<br />

fazer um esforço consertado para dar a<br />

volta à situação. Há alguns anos a esta<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

parte, o governo implementou um sistema<br />

piloto de autocarros rápidos (BRT), que<br />

tem sido um êxito extraordinário, e que<br />

se destina à expansão a outras áreas do<br />

estado.** Existem igualmente projectos de<br />

desenvolvimento de uma rede ferroviária<br />

ligeira*** e de ferries **** que fazem parte<br />

do “sistema de transporte intermodal”<br />

concebido para acabar com os congestionamentos<br />

rodoviários.<br />

O projecto Eko Atlantic é outro esquema<br />

que visa melhorar o acesso à habitação e<br />

ao emprego. Baseado num esquema semelhante<br />

implementado no Dubai, consiste<br />

no resgate de cerca de 8 km² de terra ao<br />

mar, onde será construída uma cidade<br />

moderna com infra-estruturas habitacionais,<br />

comerciais e financeiras, contemplando<br />

ainda atracções turísticas*****.<br />

Está ainda em curso uma série de projectos<br />

de construção rodoviária e de unida-<br />

des de produção eléctrica independentes<br />

que visam melhorar o abastecimento<br />

eléctrico, entre outros desenvolvimentos<br />

infra-estruturais.<br />

Contudo, a cidade não consegue continuar<br />

a absorver, anualmente, mais de<br />

meio milhão de novos residentes sem que<br />

se instale uma situação de crise. Devem<br />

ser envidados todos os esforços necessários<br />

para desenvolver outras zonas da<br />

Nigéria, especialmente as zonas rurais.<br />

A prioridade deve ser dada ao desenvolvimento<br />

das infra-estruturas que suportam<br />

a agricultura. Depois de as pessoas<br />

estarem convictas de conseguirem ter um<br />

nível de vida decente permanecendo nos<br />

seus locais de residência, estarão menos<br />

inclinadas a mudar-se para Lagos.<br />

www.nigeriavillagesquare.com<br />

* UN Habitat, 2008<br />

** http://allafrica.com/stories/<strong>2010</strong>01040624.html<br />

*** http://thenationonlineng.net/web2/articles/49677/1/Light-rail-services-ready-in-<br />

2011-says-Fashola/Page1.html<br />

**** http://www.punchng.com/Articl.<br />

aspx?theartic=Art20090303049662<br />

***** http://www.dredgingtoday.<br />

com/<strong>2010</strong>/01/25/eko-atlantic-city-rises-<br />

-offshore-lagos-nigeria-dredging-international-contracted/<br />

Pessoas e motoristas na rua Nnamdi Azikiwe em Lagos, Nigéria. © Reporters<br />

21<br />

Dossier


Dossier<br />

M.M.B<br />

22<br />

Zanzibar,<br />

entroncamento de<br />

migrações<br />

Vindo do mar, o viajante que<br />

desembarca no porto da Cidade<br />

de Pedra (Stone Town) em<br />

Zanzibar, primeiro só verá os<br />

vestígios das maciças muralhas e torres<br />

deixadas pelos Ocidentais, ou seja, neste<br />

caso, os Portugueses. É-lhe necessário<br />

entrar na cidade antiga para descobrir<br />

as marcas por vezes esmeradas dos seus<br />

primeiros ocupantes.<br />

A Cidade de Pedra de Zanzibar é um belo<br />

exemplo de cidades mercantis costeiras<br />

swahilies da África Oriental. É como se<br />

fora uma medina da África do Norte,<br />

o que não surpreende, dado o Islão ter<br />

desempenhado, a partir do século VII,<br />

um papel preponderante na difusão das<br />

grandes tramas urbanas pré-coloniais.<br />

Mas a Cidade – associada a Zanzibar,<br />

o arquipélago – é mais do que isso. Em<br />

cada canto da rua, um pormenor - portas<br />

esculpidas, orgulho genuíno dos habitantes<br />

de Zanzibar, varandas - é um cunho<br />

Nas ruas de Stone Town (Cidade de Pedra). © Marie-Martine Buckens<br />

material da fusão de elementos díspares<br />

das culturas africanas, árabes, indianas<br />

e europeias durante mais de um milénio.<br />

Mesmo se foram os chirazianos da Pérsia<br />

os primeiros a estabelecerem-se na ilha<br />

- dos quais o cantor britânico Queens,<br />

Freddie Mercury, é um ilustre descendente!-<br />

foi o Sultão de Omã, atraído<br />

pela prosperidade dos seus balcões, que<br />

decidiu instalar aí a sua capital e o seu<br />

tribunal em 1831, onde ficou até 1856.<br />

Quando este morreu, os Alemães, Ingleses<br />

e Franceses lutaram para imporem aí o seu<br />

protectorado. Ainda hoje, os Omanenses<br />

de Zanzibar regressados ao país conservam<br />

os seus traços africanos e falam a<br />

língua swahili.<br />

Herança<br />

As imponentes portas esculpidas são mais<br />

um testemunho deste passado comum.<br />

Importadas de Omã a custos elevados,<br />

os antigos Árabes consideravam a porta<br />

como o elemento primordial da casa. Uma<br />

entrada típica é composta por um duplo<br />

batente em madeira teca importada da<br />

Índia e decorada com esmero. As portas<br />

árabes rectangulares distinguem-se das<br />

portas indianas, compostas por um arco<br />

e fortes pregos de cobre, uma protecção<br />

utilizada no seu país de origem contra<br />

os elefantes.<br />

É um património de rara riqueza que<br />

foi quase perdido com a revolução marxista<br />

de <strong>19</strong>64. Há uns dez anos, era praticamente<br />

uma cidade fantasma. Sob o<br />

impulso da Unesco, que a elevou a património<br />

mundial, e da função Aga Khan<br />

para a cultura, a cidade renasce progressivamente<br />

e reencontra pouco a pouco o<br />

seu lugar de então de “pérola do Oceano<br />

Índico”.<br />

Mas Zanzibar tem igualmente uma grande<br />

importância simbólica. Sendo o principal<br />

porto da África Oriental para o trafico de<br />

negros, Zanzibar foi também a base dos<br />

seus oponentes, como David Livingstone,<br />

que aí fizeram as suas campanhas.<br />

Com excepção dos percursos turísticos,<br />

a Cidade de Pedra continua a ser uma<br />

cidade de pobres, cujas actividades estão<br />

essencialmente centradas no turismo. Há<br />

belas excepções, como o testemunham a<br />

vitalidade do seu mercado, mas também<br />

e sobretudo, o Festival Internacional do<br />

Filme de Zanzibar (ZIFF) que oferecem<br />

todos os anos o que há de melhor em<br />

músicas e filmes africanos.<br />

© Marie-Martine Buckens


O efeito de mudança da<br />

diáspora haitiana<br />

Depois do tremor de terra de 12 de Janeiro, um número até aqui desconhecido de haitianos abandonou o país. Foram reforçar<br />

uma diáspora que conta cerca de 2,5 milhões de pessoas e assegura 25% do Produto Interno Bruto (PIB). A contribuição<br />

da diáspora haitiana para a economia assenta nos laços entre os migrantes e o seu meio de origem. Estes laços com a<br />

Mãe-Pátria influenciam por sua vez as deslocações internas e a transformação das cidades.<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

Francesca Théosmy<br />

Uma mulher, com um cesto de manga à cabeça, no mercado de Telele em Port-au-Prince. © AP / Reporters<br />

A<br />

diáspora haitiana conta 2,5<br />

milhões de pessoas, segundo o<br />

geógrafo Jean Marie Théodat.<br />

No entanto, as estatísticas sobre<br />

o número de emigrantes haitianos variam<br />

em função do número de pessoas sem<br />

documentos, que não são contabilizadas.<br />

Esta comunidade haitiana distribui-se<br />

maioritariamente pela América do Norte,<br />

mas também pela França metropolitana e<br />

ultramarina, pelas Antilhas Neerlandesas<br />

(o Suriname serve por vezes de trânsito<br />

para a Guiana francesa) e pelas Baamas.<br />

Foi durante a ditadura dos Duvalier<br />

(<strong>19</strong>57-<strong>19</strong>86) que a emigração haitiana<br />

conheceu o maior desenvolvimento. Nos<br />

anos 50-60, os primeiros a partir foram<br />

intelectuais e elementos da burguesia<br />

opostos ao regime. Estes conseguiram<br />

integrar-se nos países de acolhimento,<br />

onde por vezes continuam a estar presentes<br />

no seio da burguesia.<br />

Cerca de duas décadas mais tarde sucedeu-<br />

-lhe uma segunda vaga proveniente dos<br />

meios rurais. Esta emigração tem origens<br />

23<br />

Dossier


Dossier<br />

mais económicas e ainda hoje prossegue.<br />

São migrantes mais numerosos mas menos<br />

integrados, porque a maior parte são ilegais<br />

e analfabetos. Entre <strong>19</strong>72 e <strong>19</strong>81, chegaram<br />

à Florida 55 000 migrantes clandestinos,<br />

estimam os Serviços de Imigração americanos.<br />

Rejeitada ao mesmo tempo pelos países<br />

de acolhimento, como na República<br />

Dominicana e nas ilhas Turcas e Caicos,<br />

e pelo Estado haitiano, que lhe nega qualquer<br />

direito civil e político, esta comunidade<br />

dá um apoio considerável às famílias<br />

no Haiti. Segundo um funcionário do<br />

governo haitiano, no<br />

dia a seguir à catástrofe<br />

de 12 de Janeiro<br />

as transferências de<br />

dinheiro dos emigrantes<br />

atingiram<br />

um pouco mais de mil<br />

milhões de dólares, ou seja, o equivalente<br />

ao transferido num ano.<br />

As famílias no Haiti recebem uma ajuda<br />

muitas vezes mensal, que empregam em<br />

90% nas despesas familiares, segundo o<br />

Fundo Internacional de Desenvolvimento<br />

Agrícola (FIDA). As transferências de<br />

fundos dos migrantes haitianos servem<br />

igualmente para pagar serviços como a<br />

educação, a habitação ou os cuidados<br />

médicos que se concentram nas cidades,<br />

principalmente Port-au-Prince.<br />

24<br />

Mulher a cortar carne com uma catana num mercado de Port au Prince. © DPA / Reporters<br />

Os apoios financeiros<br />

enviados às famílias causam<br />

transformações «na maneira<br />

de estar na cidade»<br />

Para Jean Marie Théodat, a emigração<br />

haitiana, devido à ligação dos migrantes<br />

com a sua região de origem, tem efeitos<br />

sobre a urbanidade. Os apoios financeiros<br />

enviados às famílias causam transformações<br />

“na maneira de estar na cidade”. A<br />

emigração haitiana provoca uma “mobilidade<br />

espacial” e transforma fisicamente as<br />

cidades onde os beneficiários vão procurar<br />

melhores condições de vida.<br />

Estas transferências de fundos “provocam<br />

reagrupamentos familiares que se<br />

realizam essencialmente a nível das vilas<br />

e das cidades, onde existem serviços que<br />

podem ser pagos com<br />

o dinheiro das transferências”,<br />

salienta<br />

Théodat. É uma realidade<br />

que se manifesta<br />

nomeadamente<br />

no Noroeste do país,<br />

uma região designada por Far West devido<br />

ao nível de vida muito baixo em relação<br />

ao resto do país e à insegurança alimentar<br />

permanente que aí se vive. Mas 60% dos<br />

migrantes haitianos que vivem no sul da<br />

Florida e nas Baamas são originários desta<br />

zona. “As pessoas de Port de Paix (capital<br />

do Noroeste) ou mesmo de Chansolme<br />

(10 km de Port de Paix) que têm pais<br />

no estrangeiro enviam os filhos à escola<br />

em Port-au-Prince e mais tarde pagam a<br />

universidade na República Dominicana,<br />

em Cuba ou por vezes mesmo nos Estados<br />

Unidos”, refere Renaud Cardichon, originário<br />

de Chansolme.<br />

Para além dos efeitos sobre a mobilidade<br />

espacial, as transferências têm consequências<br />

nas infra-estruturas e nos equipamentos,<br />

indica Théodat. “Existe muitas vezes<br />

um efeito de novos ricos”, com os migrantes<br />

a pagarem as casas mais opulentas. Além<br />

disso, a diáspora financia projectos comunitários,<br />

como a construção de hospitais<br />

e de ruas nas suas cidades natais. Assim,<br />

acabamos por ter “uma presença que geograficamente<br />

se lê na paisagem”, assinala.<br />

Por outro lado, as transferências contribuem<br />

para o financiamento do sector<br />

informal, principal sector da economia do<br />

país, e fazem aumentar nomeadamente os<br />

mercados livres em meio urbano.<br />

“A maior parte das vendedoras ambulantes<br />

de pistácios (e amendoins) na cidade<br />

de Jacmel vêm de Baînet (localidade<br />

situada a cerca de 20 km de Jacmel)”,<br />

refere Andrénor Jacques, natural de<br />

Baînet. Neste município, a maior parte<br />

dos habitantes emigra sazonalmente para<br />

a República Dominicana em busca de trabalho<br />

ou mais ou menos longamente para<br />

Curaçau. “Em Curaçau, alguns podem<br />

passar uma dezena de anos à espera de<br />

regularizarem a sua situação. As vendedoras<br />

vão lá vender os produtos cultivados<br />

localmente e trazem para Baînet objectos,<br />

como relógios, que depois revendem”.<br />

As cidades crescem continuamente porque<br />

abrigam certos serviços desconcentrados<br />

da capital, como serviços de transferência<br />

de dinheiro, sucursais de bancos privados<br />

ou hospitais. No entanto, estes serviços<br />

têm sempre limites, compensados pelas<br />

estruturas em Port-au-Prince, onde tudo<br />

continua centralizado.<br />

Segundo o geógrafo Georges Anglade*, ao<br />

longo da História o país foi dominado por<br />

três estruturas espaciais: o parcelamento<br />

(1664 à 1803), associado ao sistema de<br />

plantação colonial, a regionalização (1804<br />

à <strong>19</strong>15) e a centralização (à volta da capital),<br />

de <strong>19</strong>15 até à actualidade.<br />

As crises como o embargo imposto ao país<br />

pelos Estados Unidos em <strong>19</strong>93, depois do<br />

golpe de Estado militar de <strong>19</strong>91, e as catástrofes<br />

como o terramoto de 12 de Janeiro,<br />

por vezes invertem temporariamente a<br />

tendência de centralização, provocando o<br />

refluxo dos habitantes das zonas urbanas<br />

para o campo.<br />

* Georges Anglade, geógrafo de renome e a<br />

sua mulher morreram durante o terramoto de<br />

12 de Janeiro de <strong>2010</strong>.


D.P.<br />

Pontos críticos da<br />

migração no Pacífico<br />

Quem se transfere das zonas<br />

rurais para as zonas urbanas,<br />

das ilhas mais afastadas para<br />

as ilhas principais do Pacífico<br />

são em grande parte jovens à procura de<br />

emprego. “O efeito líquido deste fenómeno<br />

é a sobrepopulação, já que em muitos<br />

países das ilhas do Pacífico a oferta de<br />

terra é limitada. O desenvolvimento de<br />

bairros com construções miseráveis nas<br />

orlas urbanas é cada vez maior”, afirma<br />

Eduard Jongstra, conselheiro técnico<br />

do Fundo das Nações Unidas para a<br />

População (UNFPA), estabelecido nas<br />

Ilhas Fiji. E acrescenta: “Muitas destas<br />

zonas enfrentam um risco elevado de<br />

serem atingidas por desastres naturais.<br />

Além disso, o rápido crescimento de<br />

alguns centros urbanos coloca grande<br />

pressão no fornecimento de serviços,<br />

nomeadamente no que diz respeito aos<br />

serviços de saúde e às escolas”.<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

A migração para as cidades tem ao mesmo tempo riscos<br />

e benefícios para as ilhas do Pacífico<br />

A inexistência de dados fiáveis vem juntar-se<br />

às dificuldades de planeamento<br />

do crescimento urbano, refere, mas há<br />

aspectos positivos. “Reconhece-se em<br />

geral que sem o crescimento das cidades<br />

o desempenho de muitos países das ilhas<br />

do Pacífico teria sido menor do que realmente<br />

foi”, afirma Jongstra.<br />

Suva, Fiji<br />

Um caso politicamente muito sensível<br />

é a formação de bairros miseráveis nos<br />

arredores de Suva, Fiji. “Isto deve-<br />

-se em parte à expulsão<br />

dos agricultores<br />

indo-fijianos, a quem<br />

foi negada a renovação<br />

do arrendamento<br />

das terras (devido ao<br />

receio dos proprietários<br />

fijianos de que pudessem perder os<br />

seus direitos em relação a essas terras).<br />

Muitos já trabalhavam nessas terras<br />

desde há várias gerações e perderam<br />

tudo”, diz Jongstra.<br />

Os bairros urbanos miseráveis em<br />

Funafuti, a minúscula capital de Tuvalu,<br />

surgiram devido à falta de planeamento.<br />

“Em ambos os casos os bairros miseráveis<br />

situam-se em terrenos marginais,<br />

que nunca foram considerados adequados<br />

para habitação: nas margens de rios<br />

e nas orlas de charcos pantanosos. Estas<br />

zonas são altamente vulneráveis a inundações<br />

e mesmo em condições normais<br />

são ambientes insalubres, sobretudo<br />

devido à falta de saneamento e de instalações<br />

de eliminação de resíduos”, afirma.<br />

A acção regional em termos de planeamento<br />

urbano já começou. Os dirigentes<br />

do Fórum das Ilhas do Pacífico aprovaram<br />

em 2005 uma Agenda Urbana<br />

do Pacífico. Num seminário regional<br />

de agentes de planeamento do Pacífico,<br />

realizado pelo Instituto de Planeamento<br />

da Austrália, AusAID e UN-HABITAT<br />

em <strong>Outubro</strong> de 2007, a Agenda Urbana<br />

do Pacífico foi aperfeiçoada<br />

e passou a<br />

uma acção-quadro<br />

regional que identificou<br />

dez zonas para<br />

implementar essa<br />

Agenda e três zonas<br />

prioritárias para execução nos próximos<br />

cinco anos (para mais pormenores<br />

ver: http://www.unescap.org/epoc/<br />

R3_PacificUrbanAgenda.asp).<br />

As zonas de bairros<br />

miseráveis em Tuvalu são<br />

altamente vulneráveis a<br />

inundações<br />

Funafuti, Tuvalu. © Hegel Goutier<br />

A migração externa ameaça a<br />

existência das ilhas<br />

As Ilhas Cook, Tuvalu, Tokelau e Niue<br />

defrontam-se todas com uma diminuição<br />

das populações, devido ao abandono dos<br />

seus cidadãos, que vão para países mais<br />

desenvolvidos, como os Estados Unidos,<br />

a Austrália e a Nova Zelândia.<br />

Quase todos os países do Pacífico dependem<br />

cada vez mais das remessas<br />

dos seus emigrantes, nomeadamente<br />

Samoa, Tonga e os Estados Federados<br />

da Micronésia. “A migração tende a levar<br />

os cidadãos mais produtivos e causa problemas<br />

ao esforço de desenvolvimento<br />

nacional sustentável; em segundo lugar,<br />

a dependência das remessas torna os<br />

países do Pacífico mais vulneráveis,<br />

como se verifica agora na altura em que<br />

as remessas diminuíram enormemente<br />

devido aos efeitos da crise económica<br />

mundial”, refere Jongstra.<br />

25<br />

Dossier


Descoberta<br />

da europa<br />

26<br />

Flandres, na Bélgica. Longa<br />

história de um casamento de razão<br />

Quantos saberão que quem reinou no<br />

“Império onde o sol nunca se põe” é<br />

belga e flamengo? Carlos Quinto. Como<br />

antes dele, Ambiorix, resistente gaulês e<br />

Godefroy de Bouillon, o homem da cruzada<br />

até Jerusalém. Em períodos em que<br />

a Bélgica ainda não existia como Estado,<br />

os seus povos tinham constituído uma<br />

aposta de relevo através da história da<br />

<strong>Europa</strong>. Respeitados e às vezes temidos,<br />

como o testemunha a homenagem de<br />

César: “De todos os povos da Gália, os<br />

Belgas são os mais bravos.”<br />

H.G.<br />

César submeteu os “Belgas”,<br />

povos de origem céltica, no ano<br />

57. Os Eburões, povo da “Gália<br />

Bélgica”, conduzidos pelo destemido<br />

Ambiorix, voltaram a atacar em<br />

60 com a força do desespero. Foram mais<br />

uma vez vencidos, mas desta vez com<br />

glória. Durante o período romano dos<br />

séculos I a III, duas cidades da região<br />

eram de grande importância: Tongres<br />

e Tournai (em neerlandês Tongeren e<br />

Doornik). Estas duas cidades são ainda<br />

hoje cidades de arte de grande beleza e<br />

de uma riqueza arqueológica singular.<br />

A cidade de Tournai foi invadida pelos<br />

Bárbaros francos no século V. Depois da<br />

conversão do seu rei ao cristianismo, a<br />

cidade de Tournai tornou-se sede episcopal<br />

(Bispado). Em meados do século IX,<br />

a Flandres tornou-se condado, chefiado<br />

por Balduíno Braço-de-Ferro, ao passo<br />

que a parte sul da Bélgica fazia parte de<br />

um reino que caiu sob controlo do Santo<br />

Império romano-germânico um século<br />

depois. A Flandres conquistou pouco a<br />

pouco outros territórios deste império,<br />

sendo o seu Conde um vassalo do rei da<br />

França.<br />

Uma revolução económica,<br />

tecnológica e política a partir<br />

dos tecidos<br />

Os séculos XII e XIII são séculos de<br />

desenvolvimento comercial das cidades<br />

flamengas e da sua emancipação. Os<br />

Parlamento flamengo e Lião de Flandres, Bruxelas. © Reporters


tecidos de lã foram o motor principal do<br />

desenvolvimento económico, tecnológico<br />

e político, e uma fonte de liberdade,<br />

porque as novas riquezas, nas mãos de<br />

uma classe de artesãos e de comerciantes,<br />

conduziram a uma espécie de partilha da<br />

influência, quando não de poder, entre as<br />

guildas dos artesãos e as famílias nobres.<br />

As comunas tornaram-se autónomas e as<br />

corporações de artes e ofícios participavam<br />

na sua gestão. As “Grand-Places”<br />

das cidades flamengas simbolizam esse<br />

equilíbrio. A palavra flamenga que as<br />

designa, “Grote markt”, significa também<br />

o grande mercado. O seu urbanismo<br />

retrata o equilíbrio dos poderes. Em volta<br />

da “Casa do Príncipe” ou do rei, instalavam-se<br />

junto à torre da “Casa Comunal”<br />

(Câmara Municipal) as sedes das corporações<br />

de artes e ofícios. Os clientes dos<br />

comerciantes ricos eram essencialmente a<br />

Inglaterra e o Império Germânico.<br />

Uma imensa vitória sobre a<br />

França comemorada todos os<br />

anos sete séculos depois<br />

O povo de Flandres observava estes<br />

países, fontes de prosperidade, quando<br />

os nobres estavam mais voltados para a<br />

França. A implosão era inevitável. Apesar<br />

do apoio do rei inglês, João Sem-Terra,<br />

e do imperador germânico Otão IV, a<br />

ofensiva do rei francês, Filipe Augusto,<br />

em 1214, foi vitoriosa. A Flandres foi anexada<br />

oficialmente pela França em 1300. O<br />

povo flamengo reconquistou a sua autonomia<br />

em 11 de Julho de 1302 ao vencer<br />

as tropas de Filipe, o Belo, na batalha dos<br />

“Eperons d’Or”. Esta data é comemorada<br />

na Flandres com muito fervor. 11 de Julho<br />

é o dia da “festa nacional flamenga”. Hoje,<br />

todas as crianças da região conhecem cada<br />

pormenor desta batalha. É um momento<br />

fundador. É de considerar para compreender<br />

bem os atritos entre as comunidades<br />

flamenga e valona da Bélgica actual.<br />

A Flandres entrou na tormenta da<br />

Guerra dos Cem Anos entre a França e<br />

a Inglaterra que deflagrou em 1337. Na<br />

sequência de um casamento principesco, a<br />

Flandres será anexada sucessivamente ao<br />

ducado da Borgonha e depois ao Império<br />

dos Habsburgos, dos quais um dos herdeiros<br />

da linhagem dos Países Baixos<br />

será Carlos Quinto, natural de Gent,<br />

que fala flamengo e francês e só aprenderá<br />

o espanhol na adolescência. Carlos<br />

Quinto foi coroado rei dos Países Baixos<br />

em 1515. Era nessa altura ainda Carlos<br />

I de Espanha. Em 15<strong>19</strong>, Carlos Quinto<br />

foi coroado imperador do Santo Império<br />

Germânico. A maioria dos seus conselheiros<br />

vinha do território da actual Flandres.<br />

Em 1548, a sua capital é Bruxelas, a partir<br />

da qual ele alargará os Países Baixos.<br />

Em 1555, Carlos Quinto renunciou aos<br />

Países Baixos, ou seja à sua Flandres<br />

natal, em proveito do seu filho Filipe<br />

II, que não dedicou a estes territórios a<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

mesma paixão e empenho e que esmagou<br />

as rebeliões dos protestantes, instalados<br />

essencialmente na Flandres setentrional<br />

(a parte sul da Holanda). Foi este<br />

feito que levou à separação dos Países<br />

Baixos em dois territórios: a Norte, os<br />

calvinistas, e a Sul, nos “Países Baixos<br />

espanhóis” (praticamente todo o território<br />

da Bélgica mais Artois francês e o<br />

Luxemburgo), os católicos.<br />

A razão de Estados<br />

Em 1790 deflagrou a revolução do Brabante<br />

(região em redor de Bruxelas) nos Países<br />

Baixos, ainda nessa altura chamados “espanhóis”,<br />

mas sob controlo do Santo Império.<br />

Reapareceu nessa altura a palavra “belga”.<br />

Os revoltados editaram uma constituição<br />

dos Estados Unidos da Bélgica. Em<br />

1795, os Franceses invadiram este território<br />

e, após a derrota de Napoleão em<br />

Waterloo, o Congresso de Viena reagrupou<br />

os Países Baixos do Norte (Holanda), os<br />

Países Baixos espanhóis e o Luxemburgo.<br />

Em 1830, a Bélgica revoltou-se contra a<br />

Holanda e os protestantes e proclamou<br />

a sua independência. A luta durou ape-<br />

Descoberta da europa<br />

Parlamento da Bélgica em Bruxelas. © Reporters<br />

nas alguns dias em frente do palácio do<br />

príncipe em Bruxelas. Foi uma revolta<br />

conduzida essencialmente pela nobreza<br />

e alta nobreza francófona, sobretudo do<br />

sul do país. No plano geopolítico, a independência,<br />

apoiada quando não comanditada<br />

pelos três grandes, a Inglaterra, a<br />

Alemanha e a França, foi um compromisso<br />

para que nenhum deles se apossasse de<br />

uma parte do bolo.<br />

A constituição do novo Estado é promulgada<br />

em 1831, dando assim ao país o<br />

tempo de encontrar um rei. Era ainda um<br />

compromisso, mas desta vez entre liberais<br />

e católicos, que foram os actores da revolução.<br />

O rei escolhido vem da Alemanha, o<br />

príncipe de Saxónia-Coburgo, Leopoldo.<br />

O Estado belga será de tal maneira próspero<br />

que, na segunda metade do século<br />

XIX, foi o primeiro país do continente<br />

europeu, após a Inglaterra, a fazer a sua<br />

revolução industrial, tendo como epicentro<br />

a Valónia que drenava maciçamente<br />

a mão-de-obra barata da Flandres. Uma<br />

grande parte da população flamenga<br />

pobre imigra então para a parte sul do<br />

país. Os preconceitos sociais contra estes<br />

27


Descoberta da europa<br />

migrantes e os culturais contra a língua<br />

flamenga tornaram-se pouco a pouco um<br />

abcesso de fixação político.<br />

A partir de 1884, o Congo é uma colónia<br />

privada do rei belga, Leopoldo II, até à sua<br />

cessão à Bélgica em <strong>19</strong>08, na sequência de<br />

um protesto internacional sobre os maus<br />

tratos infligidos à população local, orquestrado<br />

essencialmente pelo parlamento britânico.<br />

Os colonos eram tanto Flamengos<br />

como Valões, mesmo se as grandes empresas<br />

pertenciam sobretudo a francófonos. A<br />

colonização fazia-se em francês.<br />

Após a Primeira Guerra Mundial, em<br />

compensação dos prejuízos sofridos, a<br />

Bélgica herdou três regiões alemãs e a<br />

colónia alemã do Ruanda-Urundi em<br />

<strong>19</strong>18. Na Segunda Guerra Mundial, a<br />

Bélgica foi ocupada pelas forças alemãs.<br />

Os nacionalistas flamengos responderam<br />

ao canto de sereia do Reich que lhes prometeu<br />

respeitar a sua cultura. Mais tarde,<br />

as condenações das pessoas, consideradas<br />

por alguns como colaboradores e por<br />

outros como nacionalistas, envenenaram<br />

a vida política.<br />

28<br />

Paralelamente, a Bélgica desempenhava<br />

um papel internacional importante e tornou-se<br />

um exemplo de democracia política<br />

e social. Em <strong>19</strong>48, foi reconhecido às<br />

mulheres o direito de sufrágio universal,<br />

e a segurança social é generosa.<br />

A Bélgica é um membro fundador das<br />

Nações Unidas, do Espaço Económico<br />

Europeu (EEE), precursor da União<br />

Europeia e a União Económica Benelux<br />

(com os Países Baixos e o Luxemburgo).<br />

A Flandres, que é de longe a região mais<br />

povoada, recuperou rapidamente o seu<br />

atraso económico. Em <strong>19</strong>60, o seu produto<br />

interno bruto (PIB) igualava o da<br />

Valónia. Em <strong>19</strong>70, foi iniciada uma série<br />

de reformas institucionais que conduziram,<br />

no início dos anos 90, à mutação<br />

da Bélgica em Estado Federal, com três<br />

regiões, a Flandres, a Valónia e a região<br />

de Bruxelas-Capital. Esta última região,<br />

geograficamente encravada na Flandres, é<br />

em grande parte de língua francesa. E três<br />

comunidades, a flamenga, a francófona<br />

e a de língua germânica (os cantões do<br />

Leste). Há governos e parlamentos para as<br />

comunidades e as regiões. Os Flamengos<br />

agruparam as suas instituições políticas<br />

de comunidade e de região.<br />

A tristeza dos Belgas<br />

O nacionalismo é favorecido por um sistema<br />

eleitoral que não prevê nenhuma<br />

eleição conjunta a nível do país. Um<br />

Flamengo, por exemplo, não tem nenhuma<br />

possibilidade de votar em um Valão. Só os<br />

Bruxelenses dispõem dessa escolha. Ora,<br />

isto não favorece a moderação. O sismo<br />

político criado pelas últimas eleições de 13<br />

de Junho de <strong>2010</strong>, das quais saiu vencedor<br />

o partido separatista flamengo, atingiu<br />

uma grande magnitude. Há agora muita<br />

incerteza. É “a tristeza dos Belgas”, para<br />

utilizar o título da obra-prima de Hugo<br />

Claus. Mas isto não significa tocar a finados<br />

por um pequeno país que marcou a<br />

história contemporânea para muito além<br />

da sua dimensão. É uma terra de compromissos.<br />

E todos os Belgas de todos os<br />

cantos do país estão conscientes disso. O<br />

divórcio não ocorrerá. Mas se, por desgraça,<br />

for o caso, será um divórcio por<br />

mútuo consentimento.<br />

‘Bataille des eperons d'or’. Hoje, esta data é celebrada pelos Flamengos como o dia da festa nacional. © Reporters


Economia<br />

flamenga.<br />

O sucesso do<br />

que é pequeno<br />

H.G.<br />

Paul de Grauw é professor de<br />

Economia Internacional na<br />

Universidade de Lovaina e<br />

director do departamento<br />

“Dinheiro, investigação da macro-finança<br />

e internacional” do CESifo (Instituto de<br />

Investigação Económica) da Universidade<br />

de Munique. Foi professor em várias<br />

universidades da <strong>Europa</strong> e dos Estados<br />

Unidos e é considerado como um dos<br />

poucos economistas que previu a crise<br />

financeira mundial. É também um ex-<br />

-deputado e ex-senador do parlamento<br />

belga. Ele analisa para O Correio a situação<br />

económica da Flandres.<br />

Presidente Director-Geral - A economia<br />

flamenga é eficaz desde o fim da Segunda<br />

Guerra Mundial. Registou recentemente<br />

algum recuo, mas a diferença em relação<br />

Paul De Grauw. © Hegel Goutier<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

à Valónia mantém-se. Basta analisar os<br />

números relativos ao desemprego: 6 a 7%<br />

de um lado e 15% do outro. A Flandres<br />

tem sofrido recentemente uma desindustrialização<br />

causada pela chegada de<br />

novos produtores ao mercado mundial. O<br />

aumento da sua produtividade provocou,<br />

além disso, numerosos despedimentos.<br />

Vivemos actualmente um período de convergência<br />

entre as duas regiões. Bruxelas<br />

é um caso à parte, com uma economia de<br />

serviços fomentada pela administração<br />

federal e as instituições europeias das<br />

quais beneficia.<br />

HG - Quais foram as bases do elevado<br />

desenvolvimento económico da<br />

Flandres?<br />

A sua industrialização tardia favoreceu a<br />

instalação de novas indústrias, facilitada<br />

pelo porto de Antuérpia que lhe conferia<br />

uma posição estratégica. Por outro lado,<br />

o número reduzido de grandes empresas<br />

sustentava a ausência de sindicatos fortes e<br />

antagonistas, como era o caso na Valónia.<br />

Uma razão conexa é, por conseguinte,<br />

a dimensão das empresas - geralmente<br />

pequenas e médias - que facilitava este<br />

diálogo social.<br />

Convém ainda acrescentar a tudo isto o<br />

nível da educação na Flandres, que é um<br />

dos mais elevados do mundo, bem como o<br />

conhecimento de línguas. Qualquer jovem<br />

flamengo fala três ou quatro línguas. A<br />

Flandres não se contenta em ensinar línguas,<br />

lecciona também as matérias dos<br />

cursos em diferentes línguas.<br />

Descoberta da europa<br />

Ann Demeulemeester, desfile de moda Primavera-Verão de <strong>2010</strong>. A Flandres tem um sector têxtil tradicional. © abaca / Reporters<br />

Quais são, actualmente, os pontos<br />

fortes da Flandres?<br />

Os problemas começaram nos anos 70,<br />

precisamente nas grandes empresas. O<br />

sector do automóvel desapareceu quase<br />

por completo. Foi feita uma reconversão<br />

para a tecnologia de ponta. A fileira<br />

tradicional do têxtil, por exemplo, que<br />

se orientou para a produção de tapetes,<br />

é muito competitiva. Já especializada na<br />

produção de máquinas-ferramentas, a<br />

Flandres reforçou ainda este sector.<br />

Algumas empresas deslocalizaram uma<br />

parte da sua produção mas preservaram<br />

os seus departamentos de elevado valor<br />

acrescentado. É por exemplo o caso da<br />

Bekaert, especialista na transformação do<br />

metal. É de sublinhar o desempenho das<br />

indústrias química e farmacêutica flamengas,<br />

das quais a Janssen Pharmaceuticals<br />

é a mais reputada. O ponto comum entre<br />

todos estes actores, são as suas pequenas<br />

dimensões. A Flandres prefere o que é<br />

pequeno.<br />

Uma Flandres independente seria<br />

próspera?<br />

O modelo que teve sucesso na Flandres<br />

foi pelo contrário o da abertura. Mas se a<br />

Bélgica se dividir, os custos serão elevados<br />

no momento da separação, mas mesmo<br />

assim a Flandres será viável. A Flandres<br />

tem a dimensão da Dinamarca. Mas isto<br />

não quer dizer que eu seja favorável à<br />

separação.<br />

29


Descoberta da europa<br />

Bélgica. Incertezas e<br />

esperança sobre o futuro<br />

Entrevista com Wouter Van Besien, Presidente do partido ecologista<br />

Groen (Verdes) e um dos negociadores sobre o futuro do país<br />

Desde as eleições de 13 de Junho de <strong>2010</strong> na Bélgica, os líderes de sete partidos<br />

negociam, sem sucesso, a formação de um governo que terá por missão remodelar<br />

profundamente as instituições do país, tendo como dificuldade suplementar progredir na<br />

via do federalismo. E, a longo prazo, talvez a independência da Flandres, tão desejada pelo<br />

partido nacionalista flamengo vencedor das últimas eleições, e à qual o líder dos Groen,<br />

Wouter Van Besien, se opõe, embora não o seja necessariamente por nacionalismo!<br />

H.G.<br />

As prioridades de Van Besien são<br />

essencialmente a luta contra<br />

a pobreza numa Bélgica rica,<br />

mas onde 15% da população<br />

vive abaixo do limiar europeu de pobreza,<br />

a luta contra a poluição<br />

e a favor de energias<br />

renováveis e um<br />

reequilíbrio da receita<br />

fiscal, que deverá basear-se menos nos<br />

rendimentos do trabalho e mais nos rendimentos<br />

do capital. “Mesmo tratando-se<br />

de negociações institucionais, pudemos<br />

apresentar algumas ideias verdes. E em<br />

termos de financiamento das regiões, será<br />

necessário determinar os recursos afectados<br />

às regiões, em função da redução das<br />

suas emissões de carbono”.<br />

O Partido Socialista (francófono), segundo<br />

vencedor das eleições de 13 de Junho,<br />

assim como o seu alter ego flamengo, o<br />

SP.A (Socialistische Partij. Anders), e os<br />

dois partidos ecologistas não aceitam que<br />

se ponha em causa a solidariedade entre<br />

regiões, que “deve ser da competência do<br />

mais elevado nível do Estado”, exprime<br />

convencido Van Besien.<br />

E a posição dos outros partidos nas<br />

negociações ?<br />

“Há os Groen, Ecolo, PS e SP.A à<br />

esquerda, e a N-VA muito à direita. Há<br />

os dois partidos cristãos CD&V (Christen<br />

Democratisch & Vlaams), CDH (Centre<br />

démocrate humaniste) numa posição<br />

intermédia. O nacionalismo progride<br />

na Flandres. Cerca de 30% dos eleitores<br />

votaram pela N-VA. O outro partido<br />

separatista, o Vlaams Belang (Interesse<br />

flamengo) situa-se na extrema direita.<br />

É um partido anti-imigrantes que reco-<br />

30<br />

é mais difícil dividir a<br />

Bélgica do que mantê-la unida<br />

lhe 12,3% dos votos. Estes dois partidos<br />

totalizam perto de 45% do eleitorado da<br />

Flandres, o que se deve em grande parte a<br />

Bart De Wever, líder carismático da N-VA.<br />

Eu não acredito que haja tantos flamengos<br />

a desejarem a independência da Flandres.<br />

O problema é que cada um vive no seu<br />

canto, sem verdadeiro conhecimento<br />

do outro. O sistema<br />

educativo é diferente e<br />

bem assim os meios de<br />

comunicação social.<br />

Numa comunidade, não se tem a mínima<br />

ideia do que se passa na outra”.<br />

Está optimista em relação à Bélgica ?<br />

“Estou. Simplesmente porque é mais<br />

difícil dividir a Bélgica do que mantê-la<br />

unida. Mesmo a N-VA afirma que não<br />

deseja a separação do país, que, com o<br />

decorrer do tempo e a transferência gradual<br />

do poder para as regiões e a <strong>Europa</strong>,<br />

a nação belga será evanescente e desaparecerá<br />

por si mesma.<br />

Eu não estou apaixonado por uma Bélgica<br />

eterna. Acho, isso sim, que em relação à<br />

política social, vale mais sermos numerosos.<br />

Se pudesse ser instaurada uma política<br />

social única para toda a <strong>Europa</strong> seria<br />

muito melhor para nós. Há poucos que<br />

possam dizer “eu sou realmente Belga”.<br />

Com a história e as imigrações sucessivas,<br />

formou-se uma multiculturalidade.<br />

A velha lua de uma nação, de um Estado<br />

e de uma cultura partilhados por todos<br />

pertence ao passado”.<br />

Wouter Van Besien (primeiro da esquerda) e Bart De Wever, o líder da N-VA, e outros políticos flamengos num<br />

espectáculo televisivo uma semana antes das eleições de 13 de Junho de <strong>2010</strong>. © Reporters


Flandres. ONG de desenvolvimento<br />

Modelo de sensibilização através<br />

de uma malhagem do território<br />

H.G.<br />

Três números conhecidos<br />

na Bélgica e sobretudo na<br />

Flandres como uma canção<br />

infantil 11.11.11. É a denominação<br />

da organização de cúpula das ONG<br />

flamengas de cooperação Norte-Sul. Na<br />

altura em que foi criada, em <strong>19</strong>66, a associação<br />

11.11.11 abrangia toda a Bélgica.<br />

A federalização também passou por aqui,<br />

com uma divisão em duas entidades, a<br />

francófona, com o nome de CNCD<br />

11.11.11, da qual o público retém CNCD,<br />

e a flamenga, com o nome de origem<br />

11.11.11 é simples. A organização original<br />

foi registada em 11 de Novembro de<br />

<strong>19</strong>66 às 11:h00, para lembrar o armistício<br />

da Primeira Guerra Mundial em<br />

11 de Novembro de <strong>19</strong>18. Depois da<br />

Segunda Guerra Mundial, conta Bogdan<br />

Vandenberghe, o secretário-geral da<br />

11.11.11, alguns humanistas de todas as<br />

tendências políticas e crenças religiosas<br />

disseram que a fome nos países do Sul,<br />

Bogdan Vendenberghe, Secretário-Geral de 11.11.11.<br />

© Hegel Goutier<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

tanto como a guerra, encobria os germes<br />

de perigos que era preciso ultrapassar<br />

através da cooperação.<br />

Actualmente, na Flandres há 100 associações,<br />

das quais uma quarentena de<br />

ONG de desenvolvimento e todos os sindicatos,<br />

que são membros de 11.11.11,<br />

mas são 20 000 comités espontâneos de<br />

voluntários que actuam em 300 comunas,<br />

que são quase todas. Em 2009 recolheram<br />

5, 8 milhões de euros, indo mais de<br />

metade para os projectos das ONG membros,<br />

como a OXFAM ou Pax Christi,<br />

Broederlijk Delen, Vredeseilanden ('Ilhas<br />

de Paz', criada pelo Padre Dominique<br />

Pire, Prémio Nobel da Paz, <strong>19</strong>58).<br />

"Mas a recolha de fundos para projectos<br />

de desenvolvimento, insiste Bogdan<br />

Descoberta da europa<br />

Bruges. © Reporters<br />

Vander Berghe, é apenas uma parte da<br />

nossa função, que consiste em denunciar,<br />

sensibilizar e financiar. A sensibilização<br />

faz-se sobretudo nas escolas.<br />

Todos os anos nos concentramos num<br />

tema, que este ano foi os Objectivos de<br />

Desenvolvimento do Milénio."<br />

11.11.11 está activa em nove países do Sul,<br />

sendo três em África: Ruanda, Burundi e<br />

RD do Congo. Neste último país apoiou<br />

"A voz dos sem voz" de Floribert Chebuya,<br />

recentemente assassinado, ou OCEAN<br />

(Organização Concertada de Ecologistas<br />

e Amigos da Natureza). No Ruanda, um<br />

dos parceiros é a "Dinâmica das Mulheres<br />

Juristas"<br />

Paralelamente à Bélgica, as regiões<br />

federadas também têm a sua política de<br />

31


Descoberta da europa<br />

desenvolvimento, mas com meios muito<br />

mais reduzidos. 1,5 mil milhões de euros<br />

por ano para o Estado Federal belga e<br />

50 milhões para a política específica da<br />

Flandres. "O que é importante, salienta<br />

o secretário-geral da 11.11.11, é que a<br />

Bélgica fez um esforço considerável nos<br />

últimos anos. Em 2009 a ajuda ao desenvolvimento<br />

era 0,55% do RNB. Para <strong>2010</strong><br />

chegará praticamente aos 0,7%, valor a<br />

que cada país da <strong>Europa</strong> se comprometeu".<br />

Vanden Berghe está por isso contente?<br />

"Sim, com um senão. O governo quer<br />

contabilizar no montante da sua ajuda<br />

o perdão da dívida – só para o Congo,<br />

corresponde a mais de 400 milhões de<br />

euros – e a ajuda aos estudantes do Sul<br />

na Bélgica, o que fará cair os 0,70% para<br />

cerca de 0,65. Vamos pedir-lhe para corrigir<br />

o tiro".<br />

Cidades de Flandres<br />

País plano com vértices de beleza<br />

“Este país plano que é o meu<br />

Com catedrais por únicas montanhas”<br />

H.G.<br />

Estes versos “O país plano” de<br />

Jacques Brel, segundo ele diz,<br />

flamengo de língua francesa,<br />

soam bem. As cidades da<br />

Flandres realçam esta terra pelas suas<br />

belezas e a sua originalidade. Não esquecámos<br />

o mar do Norte, “Com infindas<br />

névoas a chegar”, outro verso de Brel. Mas<br />

são as cidades que, apontarem o céu com<br />

as suas catedrais, as suas torres e outras<br />

obras-primas, impregnam a paisagem.<br />

Serpenteando-as, a beleza dos rios e dos<br />

canais tocam o sublime. O Escalda que<br />

banha Antuérpia. Os canais de Bruges.<br />

Mas há também esta paixão pelas suas<br />

bonitas cidades. Divagar num remanso e<br />

talvez o ardor do tez das belas flamengas<br />

devem ser uma herança da vida comum<br />

da Flandres e do reino de Espanha.<br />

32<br />

Modelo de pragmatismo flamengo:<br />

uma revista<br />

MO*, que corresponde a "mondial magazine",<br />

é uma revista mensal especializada<br />

no desenvolvimento e que é publicada em<br />

120 000 exemplares. O seu sítio Internet<br />

recebe 70 000 visitantes por mês. Além<br />

disso, a MO* organiza muitas conferências<br />

frequentadas por uma média de 400<br />

participantes. A revista é citada muitas<br />

vezes pela imprensa popular.<br />

A sua originalidade reside na montagem<br />

entre ONG, imprensa privada, empresa<br />

privada e governos flamengo e federal,<br />

que levou à sua criação em 2003. Até<br />

aí, as maiores ONG flamengas produ-<br />

Sem exagero<br />

A beleza de Bruges, a chamada “Veneza<br />

do Norte”, com os jogos de luz nos canais<br />

à noite. Gand, tão bela e tão real, não é<br />

o postal que é Bruges para os turistas.<br />

Aqui, são os próprios habitantes da cidade<br />

que a namoram com paixão. Algo a não<br />

perder é a semana de Festas de Gand<br />

(Gentse Feesten). Antuérpia, a opulenta<br />

com os seus diamantes, a sua estação,<br />

obra-prima que simboliza as miríades<br />

de maravilhas arquitecturais da cidade.<br />

E Furnes (Veurne)... para surpreender os<br />

amigos. Poucos a conhecem. É um oásis<br />

de beleza íntima. É como uma Bruges<br />

com dimensão graciosa, como se fosse<br />

só para nós.<br />

Depois, Tongres (Tongeren), cidade<br />

romana com um passado rico, é um museu<br />

vivo de extrema beleza. Não esqueçamos<br />

Lovaina (Leuven), cidade universitária<br />

eternamente jovem e viva desde há séculos.<br />

Malines, Courtrai, Hasselt, todas<br />

elas resplandecentes e atraentes. Até a<br />

pequena Grammont (Geraardsbergen),<br />

lugar de predilecção para os afeiçoados<br />

de belos trajes... E seguidamente, ainda<br />

nas margens do mar do Norte, a vaidosa<br />

Ostende, a sofisticada Knokke e a discreta<br />

Blankenberge.<br />

ziam uma publicação única. Gie Goris,<br />

redactor-chefe da MO*, conta o seguinte:<br />

‘O Grupo Roularta Media aceitou distribuir<br />

a MO* como suplemento mensal da<br />

Knack, a revista de informação semanal<br />

com maior distribuição na Flandres, sem<br />

que a revista perdesse qualquer autonomia<br />

editorial ou organizacional. As duas<br />

partes ficaram a ganhar, pelo facto de a<br />

assinatura da Knack se tornar mais rica na<br />

oferta, sem qualquer custo extra; e a MO*<br />

ganhou imediatamente uma distribuição<br />

gratuita de 110 000 exemplares; o mesmo<br />

montante de subsídios do governo que ia<br />

para a anterior publicação da ONG apoia<br />

agora uma revista moderna, com dez<br />

vezes mais artigos para leitura.’<br />

www.mo.be<br />

Gante, the Graslei. © Reporters / Photononstop


A<br />

Flandres em<br />

movimento<br />

H.G.<br />

Jan Goossens, Director do KVS (Teatro Flamengo).<br />

© Hegel Goutier<br />

Cultura<br />

KVS. O que se faz de mais fulgurante<br />

em teatro, coreografia<br />

moderna e música encontra-se<br />

na Flandres. Sem falar sequer<br />

das exposições e experiências de criação<br />

colectivas mais vanguardistas. O mestre<br />

da obra, Jan Goossens, fala-nos deste<br />

espaço mítico e em movimento na cultura<br />

da Flandres.<br />

Em relação à audácia e espírito engenhoso<br />

da sua programação, o nome deste<br />

lugar, poderia parecer moroso e solene,<br />

Koninklijke Vlaamse Schouwburg (Teatro<br />

Real Flamengo), se não fosse reduzido ao<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

seu acrónimo KVS. É frequentemente esse<br />

lugar, em Bruxelas, que se abre aos jovens<br />

criadores de origem africana, como foi<br />

o caso há anos atrás para o espectáculo<br />

colectivo multimédia, Green Light, sobre<br />

o tema “Ser artista africano”, que permanece<br />

ainda vivo nas nossas memórias.<br />

A metamorfose<br />

Começou tudo no final da década 90.<br />

Devido ao restauro do seu magnífico<br />

edifício neoclássico, o teatro flamengo<br />

encontrou paradeiro num bairro popular,<br />

com uma população 50% de origem imigrada.<br />

A sua clientela habitual começou<br />

a desertá-lo. A programação não estava<br />

em fase com o bairro nem com o renascimento<br />

cultural da Flandres. “Era necessário<br />

reconsiderar o repertório”, conta<br />

Gossens, nomeado director artístico nessa<br />

altura. “Era necessário ter em conta o cosmopolitismo<br />

de Bruxelas e convidar artistas<br />

não flamengos. Começámos, então,<br />

com jovens de origem estrangeira. Um<br />

símbolo dessa colaboração será a criação<br />

da peça ‘Gembloux’ de Sam Touzani e<br />

Ben Hamidou”.<br />

Foi assim que o KVS rompeu o esquema<br />

de um encenador e de uma companhia<br />

local para adoptar as tendências em voga<br />

na Flandres, como as criações colectivas.<br />

Surgiu entretanto uma nova vaga de<br />

jovens coreógrafos flamengos que se tornaram<br />

grandes vedetas da dança contemporânea<br />

mundial, como Anne Teresa De<br />

Keersmaeker, Wim Vandekeybus, Alain<br />

Platel e Ian Lauwens. E o coreógrafo e<br />

dançarino flamengo-marroquino, Sidi<br />

Larbi Cherkawi, com a sua companhia<br />

‘Ice man’. Ou ainda encenadores como<br />

Luk Perceval. Esse movimento incitou<br />

a Comunidade Flamenga a investir na<br />

política cultural.<br />

Conquista do mundo<br />

anglo-saxão<br />

Descoberta da europa<br />

KVS, edifício clássico. © Hegel Goutier<br />

“Um terceiro factor”, acrescenta o director<br />

do KVS, “que contribuiu para este<br />

dinamismo foi o não termos um Molière,<br />

um Goethe ou um Shakespeare com os<br />

quais os nossos artistas deviam confrontar-se.<br />

Isso deixou-lhes a liberdade, como<br />

foi o caso de Luk Perceval, de trabalhar<br />

peças clássicas sem respeito nem condescendência”.<br />

Que mais temos na Flandres? No mundo<br />

da música rock e pop: Deus, Daan ou os<br />

irmãos Dewaele, na sua configuração de<br />

duo ‘Too many DJ' s’. No jazz, há uma<br />

constelação de grandes nomes, como<br />

Chris Defoort. Todos conquistaram o<br />

mundo anglo-saxão, mesmo sendo pouco<br />

conhecidos, com algumas excepções,<br />

como Axelle Red ou Arno, no mundo<br />

francófono.<br />

E não podemos esquecer a moda, desde<br />

há cerca de vinte anos para cá, com “Os<br />

seis de Antuérpia” (The Antwerp six),<br />

segundo a expressão da imprensa inglesa:<br />

Dirk Bikkembergs, Ann Demeulemeester,<br />

Dries Van Noten, Dirk Van Saene, Walter<br />

Van Beirendonck e Marina Yee, saídos<br />

há pouco da Academia de Antuérpia.<br />

Outros os seguiram e continuam a encantar<br />

a clientela sofisticada dos desfiles de<br />

moda na França, Itália e noutras partes<br />

do mundo.<br />

33


Descoberta da europa<br />

H.G.<br />

34<br />

Filmar o coração da Flandres<br />

Uma quermesse heroica<br />

Vários grandes filmes da época de ouro<br />

do cinema descrevem bem a Flandres<br />

antiga e contemporânea. Os filmes apresentados<br />

aqui têm uma característica<br />

comum: uma imagem que se inspira<br />

dos grandes pintores flamengos. São<br />

verdadeiras jóias, que, felizmente, existem<br />

em DVD.<br />

“A<br />

obra<br />

cidade natal de Bruges,<br />

em preto” do belga<br />

André Delvaux (<strong>19</strong>87)<br />

conta o regresso à sua<br />

no século XVI, de Zenão, o alquimista,<br />

filósofo perseguido que acabou por ser<br />

condenado e executado. São actores Gian<br />

Maria Volonte, Samy Frey e Anna Karina.<br />

Este filme, inspirado do romance de<br />

Marguerite Yourcenar, trata da <strong>Europa</strong>,<br />

onde Zenão vagueou, e sobretudo da<br />

Flandres cujas obras dos seus grandes<br />

pintores servem de trama para o cenário.<br />

Claro-escuro de Rembrandt, paisagens<br />

cobertas de neve de Jan Bruegel (o Antigo)<br />

e também atmosferas de artistas contemporâneos,<br />

como Léon Spilliaert com os<br />

seus mares do Norte.<br />

“A quermesse heróica” (Die klugen Frauen)<br />

de Jacques Feyder (cineasta belga, naturalizado<br />

francês), assistido por Marcel<br />

Carné (<strong>19</strong>35), é uma obra-prima entre o<br />

que há de melhor no cinema. São actores<br />

Francisca Rosay, Louis Jouvet, André<br />

Alerme e Jean Murat. Entre as suas distinções,<br />

cite-se o Primeiro prémio do cinema<br />

francês e o Prémio de realização em <strong>19</strong>36,<br />

na Bienal de Veneza, pela versão francesa,<br />

e no mesmo ano 2 Óscares e o Primeiro<br />

prémio do cinema internacional da crítica<br />

francesa, pela versão alemã. Este filme é<br />

também um dos filmes mais longamente<br />

censurados ou postos no índice, primeiro<br />

na França, antes da guerra, sob a acusa de<br />

querer valorizar um mundo semelhante<br />

ao preconizado por Hitler; depois, pelos<br />

próprios nazis por causa da sua apologia<br />

da resistência popular; e, finalmente<br />

após a guerra e durante muito tempo,<br />

pelos nacionalistas flamengos por injúria<br />

à pátria.<br />

É uma sátira sobre a Flandres de 1616,<br />

com os seus burgomestres (presidentes de<br />

câmara municipal) demasiado comodistas<br />

para se oporem à invasão espanhola e<br />

cujas mulheres se encarregam de tudo,<br />

enfrentando o inimigo, triunfando com...<br />

as armas de que dispõem, com os seus<br />

encantos, evitando assim à Flandres uma<br />

nova destruição. Como confessa o realizador,<br />

a história utiliza o mesmo pretexto<br />

na época de Jan Bruegel para homenagear<br />

a criatividade da Flandres, tendo por tela<br />

de fundo as paisagens que inspiraram<br />

os pintores flamengos. Ninguém o compreendeu.<br />

Outra maravilha menos conhecida do<br />

que as precedentes, mas tão excepcional<br />

como elas, é o filme “Os lábios verme-<br />

lhos” (em inglês: Daughters of Darkness), do<br />

cineasta flamengo Harry Kümel (<strong>19</strong>71).<br />

Com os actores Delphine Seyrig, Danielle<br />

Quimet e John Karlen. A história passa-se<br />

em Ostende. O filme é realizado principalmente<br />

nesta cidade, mas também em<br />

Bruxelas, Bruges e Meise. Também aqui<br />

existem aquela névoa do mar do Norte e<br />

as atmosferas do “país plano” descritas<br />

pelos pintores flamengos contemporâneos,<br />

Spilliaert ou James Ensor e Permeke.<br />

Um filme de uma beleza de imagem prenhes<br />

de poesia tão subtil como uma renda<br />

de Bruges que conta a história de uma<br />

mulher dos nossos dias. É uma vampira<br />

mas é credível e poderia ter sido um manequim<br />

ou cantora. Sensual, comovente,<br />

em quem o espectador acredita. Bélgica,<br />

Flandres, surrealismo!<br />

Imagens do filme de Jacques Feyder "A quermesse heróica". França, <strong>19</strong>35. © Reporters


A sociedade<br />

civil em açção<br />

Os Albinos são também acolhidos no centro de nutrição de Partage Tanzanie. Os Albinos são frequentemente rejeitados pelas<br />

suas comunidades e às vezes mortos pelos comerciantes locais para se apoderarem dos seus órgãos, como o descreve<br />

Richard Mgamba, jornalista tanzaniano, no seu artigo “The Battle for Souls”. O artigo de Mgamba valeu-lhe o primeiro<br />

prémio de Lorenzo Natali para a África. © Marie-Martine Buckens<br />

M.M.B.<br />

Os esquecidos da Kagera<br />

Longe dos grandes circuitos económicos e turísticos, a região da Kagera, que<br />

contorna o lago Vitória no Noroeste da Tanzânia, anteriormente sinistrada, cura<br />

lentamente mas com eficácia as suas feridas, graças em parte à acção da população<br />

local e de ONGs, como a Partage-Tanzanie.<br />

Em <strong>19</strong>89, Philippe Krynen, piloto<br />

francês em visita à região da<br />

Kagera, deparou-se com uma<br />

região sinistrada, na sequência<br />

da situação económica catastrófica da<br />

Tanzânia, desde o final da década 70, e<br />

igualmente da guerra de <strong>19</strong>77 contra o<br />

Uganda de Idi Amin Dada, que devastou<br />

toda a região. Decidiu então instalar-se na<br />

região e criou um programa de ajuda global<br />

ao desenvolvimento – o programa Vitória<br />

- centrado nos órfãos e nas suas famílias.<br />

Nasceu assim a ONG Partage-Tanzanie.<br />

Nessa altura, a região era considerada<br />

o epicentro da Sida na Tanzânia e as<br />

crianças, cujos pais já faleceram, são<br />

geralmente designadas por “órfãos da<br />

Sida”. Nem todas elas o são, mas é, sem<br />

dúvida, o estado sanitário geral da região<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

que é posto em causa. O paludismo e a<br />

tuberculose continuam a ser as principais<br />

causas de mortalidade. A malnutrição<br />

gerada pela extrema pobreza da região é<br />

uma autêntica calamidade.<br />

É este estado de sinistrose que combate<br />

a ONG francesa. Alfred Minani, braço<br />

direito de Philippe Krynen, explica:<br />

“Actualmente, o programa ocupa cerca<br />

de 300 assalariados. O nosso objectivo<br />

é oferecer aos órfãos o que os seus pais<br />

lhes teriam dado: cuidados, alimentos e<br />

educação”. Embora os escritórios centrais<br />

se encontrem em Bukoba, porto e<br />

sede administrativa da região, a ONG<br />

trabalha prioritariamente nas zonas rurais<br />

da Kagera. “Abrimos escolas técnicas,<br />

dramaticamente ausentes na região, mas<br />

também infantários e escolas primárias”,<br />

prossegue Alfred Minani. Foram abertos<br />

vinte e um centros, entre os quais dispensários,<br />

que se ocupam da nutrição e de<br />

cuidados de saúde, e centros diurnos para<br />

órfãos. Uma inovação interessante é o<br />

ensino leccionado nas escolas, baseado no<br />

método Montessori, que favorece o desenvolvimento<br />

da iniciativa das crianças.<br />

A mortalidade infantil<br />

da região representa um terço<br />

da média nacional<br />

“As crianças que sofrem de malnutrição<br />

exigem muita atenção. São frequentemente<br />

necessários quatro anos para que<br />

uma criança comece a andar e seis anos<br />

para começar a falar”. No plano sanitário,<br />

os centros dispõem de um laboratório que<br />

permite detectar, entre outras doenças, as<br />

parasitoses. O nosso orçamento de luta<br />

contra o paludismo está sempre a diminuir”,<br />

acrescenta Alfred Minani. “É uma<br />

prova que a malária está quase erradicada,<br />

em todo caso está bem controlada. A nossa<br />

média é muito inferior à média nacional”.<br />

Mais globalmente, os resultados obtidos<br />

pela Partage-Tanzanie são concludentes:<br />

nos 4 000 órfãos da Partage-Tanzanie, a<br />

mortalidade (números de há 4 anos atrás)<br />

é cerca de um terço da mortalidade infantil<br />

nacional e um quarto da mortalidade<br />

infantil regional.<br />

Os corações generosos da Kiroyera<br />

Tours<br />

William Rutta gere com profissionalismo<br />

e bonomia a sua agência de<br />

viagens no centro de Bukoba. É uma<br />

agência sui generis. Para além de propor<br />

digressões de safari “clássicas”<br />

nas reservas vizinhas do Ngorongoro<br />

e Serengeti ou um pouco mais longe,<br />

a agência contribui também para a divulgação<br />

da cultura hayas da região e<br />

co-financia projectos solidários, como<br />

o centro Budap (www.budap.org) para<br />

pessoas com deficiência. Estas acções<br />

valeram-lhe, em 2006, o prémio Zeze<br />

do Fundo Cultural Tanzaniano.<br />

www.kiroyeratours.com<br />

William Rutta com membros do BUDAP a atravessar a<br />

fronteira entre a Tanzânia e o Uganda. © KiroyeraTours<br />

35


Em foco<br />

36<br />

Nos bastidores: Bastidores de ‘Moloch Tropical’.<br />

© Marie Baronne/Velvet Film<br />

Um dia na vida de Raoul Peck, realizador, argumentista e produtor haitiano<br />

Antestreia de “Moloch Tropical”<br />

no Festival África visionária,<br />

BOZAR, Bruxelas<br />

Este 11 de Setembro era um dia especial<br />

para Raoul Peck. A antestreia da<br />

última longa-metragem, Moloch Tropical,<br />

realizada e produzida por Raoul Peck<br />

acontecia em Bruxelas, no quadro do<br />

prestigioso festival “África visionária”.<br />

Após a sua programação na véspera<br />

pelo canal cultural franco-belga-alemão<br />

Arte, co-produtor do filme inteiramente<br />

rodado no Haiti, no interior e à volta da<br />

famosa cidadela Laferrière, classificada<br />

Património Mundial pela UNESCO.<br />

H.G.<br />

Para o cineasta haitiano, o Bozar<br />

estendeu o tapete vermelho. A<br />

Embaixada do Haiti em Bruxelas<br />

redobrou igualmente esforços para<br />

acolher o cineasta caribenho. Homenagem<br />

ao cineasta mas também ao ex-ministro da<br />

Cultura do Haiti, cargo que Peck ocupou<br />

durante um período de 18 meses, de <strong>19</strong>96 a<br />

<strong>19</strong>97, após o regresso de Aristide ao poder,<br />

período suficiente para se aperceber da<br />

deriva antidemocrática do presidente e se<br />

demitir. Para esta breve carreira política,<br />

Peck abandonou o seu cargo de professor<br />

de cinema e de escrita de argumentos,<br />

na Universidade de Nova Iorque. Desta<br />

experiência, nascerá um livro, Monsieur<br />

Le Ministre… jusqu’au bout de la patience.<br />

Sonia Rolland a representar a mulher do presidente no ‘Moloch Tropical’. © Marie Baronne/Velvet


Raoul Peck deixou a sua terra natal em<br />

<strong>19</strong>61, no início da adolescência, tendo os<br />

seus pais fugido da ditadura de Duvalier<br />

para a África. Do Congo, partirá para<br />

França para prosseguir estudos secundários,<br />

seguindo depois para Berlim. Na<br />

<strong>Europa</strong>, milita nas fileiras da diáspora da<br />

esquerda anti-Duvalier.<br />

Após estudos de engenharia nos Estados<br />

Unidos, em França e na Alemanha, com<br />

especialidade em ciências económicas<br />

e tendo colaborado como jornalista em<br />

alguns jornais de prestígio como o “Die<br />

Welt”, decide ser cineasta e voltar a estudar.<br />

Estudos de fotografia e de cinema,<br />

entre outros, na Academia do Filme e da<br />

Televisão de Berlim Ocidental. Aí realiza<br />

pequenos documentários enquanto estudante,<br />

um dos quais chama a atenção:<br />

Leugt.<br />

As asas do desejo<br />

Em Berlim, Peck sente-se como um peixe<br />

na água. É aí que conhece Kielowski ou<br />

Wim Wenders. Quando Wim Wenders<br />

filma, em <strong>19</strong>87, a sua obra-prima As asas<br />

do desejo (Der Himmel über Berlin), Raoul<br />

Peck traduz todas as noites do alemão<br />

para o francês um amontoado de rascunhos<br />

escritos tardiamente e à pressa por<br />

Wenders, que trabalhava sem um argumento<br />

formal, para depois os transmitir ao<br />

co-produtor francês e ao seu sócio alemão<br />

e desta forma sossegá-los. Daí resultavam<br />

efusões poéticas e filosóficas que provavelmente<br />

os deixavam confusos. Peck<br />

falará de Berlim, a sua cidade de adopção,<br />

ao mesmo tempo que da sua experiência<br />

enquanto ministro num filme que é uma<br />

verdadeira jóia, Chère Catherine.<br />

Algumas semanas após o seu trabalho<br />

para Wim Wenders, Peck filmará Haitian<br />

Corner em Nova Iorque.<br />

O filme é apresentado em vinte e cinco<br />

festivais e obteve várias distinções,<br />

nomeadamente uma Menção Especial<br />

no Festival de Locarno. É difundido por<br />

cadeias de televisão nacionais em França<br />

e na Alemanha. Uma primeira tentativa,<br />

um golpe de mestre.<br />

Mais nenhuma das cerca de 15 obras por<br />

ele realizadas passará despercebida. Após<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

Haitian Corner, será a vez de Lumumba, a<br />

morte do Profeta, um documentário que se<br />

apresenta mais como uma docu-ficção sob<br />

a forma de um thriller político, onde atrás<br />

de um relato nostálgico da sua infância no<br />

Congo, a homenagem à sua mãe falecida<br />

pouco antes, Peck conduz uma investigação<br />

rigorosa para descobrir os responsáveis<br />

pelo assassinato do herói congolês,<br />

Patrice Lumumba. Um grande semanário<br />

intelectual francês elogiara então Peck ao<br />

afirmar que tinha revolucionado a arte do<br />

documentário.<br />

Nove anos mais tarde, em 2000, a sua<br />

longa-metragem de ficção Lumumba virá<br />

complementar o documentário como uma<br />

segunda partição de um mesmo cânone<br />

musical. Aqui também os comentários são<br />

ditirâmbicos. O ano do cinema considerou<br />

que “há uma dimensão shakespeariana”<br />

no relato. Lumumba tornou-se um clássico<br />

no repertório de um grande número de<br />

cinematecas no mundo inteiro.<br />

Quando a maior cadeia de televisão de<br />

França quis realizar um filme sobre o caso<br />

Villemin, o homicídio de uma criança que<br />

traumatizou este país, esta tarefa foi confiada<br />

a Raoul Peck. O seu filme sobre um<br />

assunto tão difícil fez a unanimidade…<br />

em França. Um desafio!<br />

“Moloch Tropical”,<br />

desestruturação do poder e<br />

poesia<br />

Sobre Moloch Tropical, o seu último filme<br />

e sobre o seu cinema, Raoul Peck falou<br />

ao Correio que o acompanhou durante um<br />

dia, em Bruxelas.<br />

“Seria mais uma crónica satírica, uma<br />

constatação, um olhar quase shakespeariano<br />

em redor do poder, abordando<br />

de uma maneira forte e concentrada as<br />

peripécias dos últimos quarenta anos,<br />

tomando o Haiti como exemplo. Contudo,<br />

o Haiti não é o centro exclusivo deste<br />

olhar sarcástico.”<br />

“Assistimos neste filme aos últimos dias<br />

de um poder legal, longe do cliché das<br />

ditaduras para nos confrontar com dirigentes<br />

democraticamente eleitos e que,<br />

no entanto, conseguem transformar-se,<br />

através de múltiplas derivas complexas,<br />

em personagens que exercem um poder<br />

arbitrário. Citemos apenas um exemplo<br />

que está no limite da caricatura,<br />

Berlusconi na Itália; podemos também<br />

citar os disparates de Bush, na véspera da<br />

guerra contra o Iraque. A minha modesta<br />

tentativa consiste em desconstruir este<br />

conjunto chamado poder e reduzi-lo à sua<br />

expressão mais simples e à sua dimensão<br />

meramente humana.”<br />

“O antigo presidente Aristide foi a fonte<br />

de inspiração inicial. Alguém que usou<br />

palavras do evangelho, que teve como<br />

bússola o amor ao próximo, a defesa dos<br />

mais pobres e dos mais desfavorecidos e<br />

em quem se podia confiar. Ora, foi ele<br />

quem provocou essa decepção. Contudo,<br />

assumi rapidamente distâncias analíticas<br />

para extrair a personagem deste único<br />

exemplo.”<br />

Sobre a magnífica personagem da criança<br />

de “Moloch”, Peck dirá: “Em cada um<br />

dos meus filmes, o que tento captar, é a<br />

realidade e esta não é meramente brutal,<br />

violenta ou abusiva. Está repleta de poesia,<br />

está repleta de inocência. Da qual é<br />

necessário impregnar-se. Caso contrário,<br />

não haveria razão para lutar.”<br />

http://www.velvet-film.com/<br />

Póster, ‘Moloch Tropical’. © Marie Baronne/Velvet Film<br />

37<br />

Em foco


Nossa<br />

terra<br />

Três anos depois do seu lançamento,<br />

a iniciativa sobre uma Aliança Mundial<br />

contra as Alterações Climáticas (GCCA<br />

– Global Climate Change Alliance) entre<br />

a União Europeia e os países em desenvolvimento<br />

mais vulneráveis às alterações<br />

climáticas está no bom caminho.<br />

38<br />

Aliança UE-ACP contra<br />

as Alterações Climáticas<br />

A<br />

GCCA tenciona intensificar a<br />

cooperação e o diálogo entre<br />

a UE e os países em desenvolvimento<br />

primeiro afectados e<br />

com maior intensidade pelas alterações<br />

climáticas e que têm menor capacidade<br />

para reagir. Estes países são normalmente<br />

os países menos desenvolvidos (PMD)<br />

e os Pequenos Estados Insulares em<br />

Desenvolvimento (PEID), ou seja, mais<br />

de setenta países. A Aliança assenta em<br />

dois pilares:<br />

Primeiro, um diálogo aprofundado sobre<br />

as alterações climáticas. Os resultados<br />

deste diálogo irão alimentar as discussões<br />

relativas ao acordo sobre as alte-<br />

rações climáticas pós-2012 no âmbito<br />

da Convenção-Quadro das Nações<br />

Unidas sobre as Alterações Climáticas<br />

(CQNUAC). A ideia consiste em apoiar a<br />

convergência de visões entre a <strong>Europa</strong> e os<br />

países em desenvolvimento mais vulneráveis<br />

acerca de um novo acordo climático.<br />

Os diálogos no quadro da GCCA conduziram<br />

a Declarações Conjuntas sobre as<br />

alterações climáticas, respectivamente<br />

entre a UE e as Caraíbas (em Março de<br />

2008), o Pacífico (<strong>Outubro</strong> de 2008) e<br />

África (Novembro de 2008). Em Maio<br />

de 2009 foi adoptada uma Declaração<br />

Conjunta ACP-UE e em Maio de <strong>2010</strong><br />

foi assinada uma Declaração Conjunta<br />

entre a UE e os PMD da Ásia.<br />

Desertificação no Mali. © Laif / Reporters


Segundo, apoio financeiro para a adaptação<br />

e, quando favorecer a realização dos<br />

objectivos de redução da pobreza, para<br />

medidas de atenuação. Estão previstas<br />

cinco prioridades:<br />

- Apoiar a adaptação aos efeitos das<br />

alterações climáticas: adaptação, especialmente<br />

nos sectores da água e da<br />

agricultura. Esta prioridade irá basear-<br />

-se nos Programas de Acção Nacionais<br />

de Adaptação (PANA).<br />

- Reduzir as Emissões da Desflorestação e<br />

da Degradação Florestal (REDD): para<br />

os PMD, mais de 60 por cento das suas<br />

emissões têm origem na mudança da<br />

utilização da terra, principalmente desflorestação.<br />

A GCCA apoiará soluções<br />

inovadoras para evitar a desflorestação<br />

e baseia-se em iniciativas existentes para<br />

combater a exploração ilegal das florestas,<br />

como a Aplicação da Legislação,<br />

Governação e Comércio no Sector<br />

Florestal (FLEGT).<br />

- Aumentar a participação no mercado<br />

mundial do carbono; até aqui os países<br />

mais pobres atraíram muito poucos<br />

investidores no Mecanismo de<br />

Desenvolvimento Limpo. A GCCA, ao<br />

desenvolver as capacidades, promove<br />

uma distribuição geográfica mais equitativa<br />

dos projectos MDL.<br />

- Promover a Redução do Risco de<br />

Catástrofes: nas últimas décadas verificou-se<br />

um aumento de catástrofes<br />

naturais associadas a fenómenos meteorológicos<br />

extremos, resultantes das<br />

alterações climáticas. A GCCA dará<br />

assistência aos países mais sujeitos a<br />

A Comissão concedeu 95 milhões de eu-<br />

ros de fundos adicionais para a GCCA no<br />

quadro do Programa Temático Ambiente<br />

e Recursos Naturais (ENRTP), para o<br />

período orçamental 2008-<strong>2010</strong>. Incluem-<br />

-se aqui 25 milhões de euros adicionais<br />

no quadro do orçamento de <strong>2010</strong> cor-<br />

respondentes a metade da contribuição<br />

- Vanuatu (€3,2 milhões): a primeira componente<br />

irá apoiar o desenvolvimento de<br />

capacidades da Unidade de Alterações<br />

Climáticas do Departamento de Meteorologia.<br />

A segunda componente centra-se<br />

na melhoria das práticas agrícolas e de<br />

gestão da água e em acções para evitar<br />

a instalação de populações em zonas<br />

sujeitas a inundações.<br />

- Ruanda (€4,5 milhões): o objectivo geral<br />

é apoiar o Programa de Acção Nacional<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

catástrofes para desenvolverem as suas<br />

capacidades para preparar, reduzir e<br />

prevenir o risco de catástrofes naturais.<br />

- Integrar as alterações climáticas nos<br />

esforços de redução da pobreza. As<br />

alterações climáticas afectam muitos<br />

sectores e precisam de ser ‘integradas’<br />

nas estratégias de redução da pobreza.<br />

Em Julho de 2008, a Comissão Europeia<br />

identificou quatro projectos-piloto<br />

para iniciar as actividades da GCCA:<br />

Vanuatu, Maldivas,<br />

Camboja e Tanzânia.<br />

Foram seleccionados<br />

outros onze países<br />

para a cooperação<br />

no âmbito da GCCA<br />

com cobertura dos<br />

orçamentos 2009-<br />

<strong>2010</strong>: Bangladeche,<br />

Belize, Guiana,<br />

Jamaica, Mali, Madagáscar, Maurícia,<br />

Moçambique, Ruanda, Senegal e<br />

Seicheles. Os recursos adicionais do<br />

orçamento de <strong>2010</strong> tornaram possível<br />

identificar ainda mais países: Etiópia,<br />

Nepal, Ilhas Salomão e nove Pequenos<br />

Estados Insulares do Pacífico como uma<br />

região.<br />

Serão acrescentados outros países ao<br />

grupo-alvo global da GCCA, dependendo<br />

da disponibilidade de recursos no<br />

próximo período. Em relação aos países<br />

seleccionados, será dada especial atenção<br />

para criar formas inovadoras de lidar<br />

com as alterações climáticas, por exemplo<br />

através de apoio orçamental. Existe<br />

uma coordenação regular com acções<br />

semelhantes, como o Programa-Piloto<br />

de arranque rápido da CE no âmbito do<br />

Acordo de Copenhaga. As acções de arranque<br />

rápido são preparadas envolvendo<br />

a Etiópia, o Nepal e os mais Pequenos<br />

Estados Insulares do Pacífico. No âmbito<br />

do Programa intra-ACP do 10.º FED,<br />

foram decididos 40 milhões de euros em<br />

2009 para acções regionais da GCCA. A<br />

de Adaptação (PANA), centrando-se na<br />

gestão sustentável da terra. O objectivo<br />

específico é contribuir para o registo fundiário,<br />

que constitui uma condição prévia<br />

para as adaptações climáticas.<br />

- Tanzânia (€2,2 milhões): apoio à criação<br />

de Ecovillages com acções comunitá-<br />

rias em gestão de recursos naturais e<br />

energias renováveis (que complementa<br />

o trabalho da EDF sobre energias reno-<br />

váveis).<br />

A Aliança, ao desenvolver<br />

as capacidades, promove<br />

uma distribuição geográfica<br />

mais equitativa dos<br />

projectos do Mecanismo de<br />

Desenvolvimento Limpo<br />

do Banco Mundial para a resistência aos<br />

choques climáticos.<br />

Para além das acções por país, existe<br />

igualmente um nível de apoio regional<br />

da GCCA que recorre a financiamentos<br />

intra-ACP no quadro do 10.º FED (40<br />

milhões de euros). O apoio regional nas<br />

Caraíbas será concedido através do Centro<br />

de Alterações Climáticas das Caraíbas, em<br />

Belize (8 milhões de euros). No Pacífico<br />

incluirá prioridades de adaptação, envolvendo<br />

a Universidade do Pacífico Sul (8<br />

milhões de euros). A<br />

nível pan-africano, o<br />

apoio da GCCA processa-se<br />

no contexto<br />

da Parceria estratégica<br />

n.º 6 África-UE<br />

relativa às alterações<br />

climáticas. Isto irá<br />

contribuir para a iniciativa<br />

emblemática<br />

‘ClimDev-Africa’, que compreende o<br />

novo Centro Africano para as Alterações<br />

Climáticas, sedeado em Adis-Abeba,<br />

em especial para melhorar as ligações<br />

entre os dados climáticos e a resposta<br />

política. Além disso, apoiará as actividades<br />

sub-regionais relacionadas com o<br />

clima na África Ocidental (com CILSS /<br />

CEDEAO) e na África Oriental e Austral<br />

(com COMESA). Estas acções regionais<br />

centram-se em interesses africanos específicos,<br />

como a adaptação da agricultura<br />

e a participação no mercado do carbono.<br />

Podem ser obtidas mais informações no sítio<br />

www.gcca.eu.<br />

Comissão apelou aos Estados-Membros<br />

da UE para darem recursos para a GCCA.<br />

A Suécia, a República Checa e Chipre<br />

contribuem com 4,4 milhões de euros, 0,2<br />

milhões e 1,8 milhões, respectivamente.<br />

Outros Estados-Membros mostraram interesse<br />

em apoiar a GCCA.<br />

Algumas actividades de cooperação específicas no quadro da GCCA<br />

- Senegal (€4 milhões): centrado no com-<br />

bate à erosão costeira.<br />

- Maurícia (€3 milhões): apoio orçamental<br />

que contribuirá para a iniciativa Maurícia<br />

Ilha Sustentável.<br />

- Guiana (€4,2 milhões): reforçar as de-<br />

fesas marítimas e a replantação de<br />

mangais.<br />

- Jamaica (€4,1 milhões): reduzir o risco de<br />

catástrofes e restaurar os ecossistemas<br />

costeiros.<br />

Nossa terra<br />

39


Interacções<br />

Anne-Marie Mouradian<br />

Terão sido necessárias negociações<br />

intensas entre a<br />

Alta Representante da UE,<br />

Catherine Ashton, a Comissão<br />

e o Parlamento Europeu para chegar a<br />

acordo sobre a criação do futuro Serviço<br />

Europeu para a Acção Externa – SEAE.<br />

Esta nova entidade concentrará, em<br />

Bruxelas e nas 136 delegações espalhadas<br />

pelo mundo, agentes provenientes da<br />

Comissão, dos departamentos de política<br />

estrangeira do secretariado do Conselho,<br />

das estruturas político-militares da UE e<br />

dos Estados-Membros.<br />

Uma primeira leva de novos embaixadores<br />

foi nomeada em Setembro em 29 países<br />

terceiros, entre os quais 12 países africanos<br />

e o Haiti*.<br />

Até à entrada em vigor do Tratado de<br />

Lisboa, cabia à Comissão nomear o pessoal<br />

das suas delegações, actualmente<br />

“delegações da UE” sob a autoridade da<br />

Alta Representante.<br />

A criação de uma sinergia instaurando<br />

um “balcão único” para tratar das relações<br />

com todos os países parceiros deverá<br />

reforçar a coerência e a eficácia da UE na<br />

cena internacional. Simultaneamente,<br />

apareceram receios. Estavam relacionados<br />

com o risco de instrumentalização da<br />

40<br />

O Serviço Externo Europeu:<br />

qual o impacto sobre a política de<br />

desenvolvimento?<br />

ajuda ao desenvolvimento pela política<br />

estrangeira, da sua enfeudação ao SEAE<br />

e de um controlo crescente da abordagem<br />

intergovernamental em detrimento do<br />

método comunitário. Actualmente, estes<br />

receios parecem, pelo menos em parte,<br />

terem sido apaziguados.<br />

Um compromisso foi encontrado na programação<br />

da ajuda externa europeia que<br />

a Comissão e o Parlamento não queriam<br />

deixar ao SEAE. O papel da Comissão<br />

teria sido restringido e a independência<br />

da política europeia de desenvolvimento<br />

teria ficado comprometida. A autoridade<br />

da Comissão e dos serviços de Andris<br />

Piebalgs foi então reforçada nos ciclos<br />

de programação das políticas de desenvolvimento.<br />

Quanto às questões políticas e de estratégia,<br />

ficarão sob a alçada do SEAE, com<br />

escritórios geográficos espalhados por<br />

cinco direcções gerais. A África, separada<br />

do Grupo ACP, terá uma direcção própria<br />

que responda à estratégia África-UE. Os<br />

serviços que irão formar o SEAE estão<br />

actualmente a preparar um documento<br />

sobre o Corno de África.<br />

Seguindo esta lógica, as questões de<br />

estratégia relativas ao Fundo Europeu<br />

de Desenvolvimento serão tratadas pelo<br />

Serviço externo, enquanto que a preparação<br />

da programação e a sua implementação<br />

ficarão sob a alçada dos serviços<br />

do comissário Piebalgs que tratará das<br />

relações com os ACP no quotidiano.<br />

Segundo o eurodeputado Charles<br />

Goerens, coordenador liberal no seio<br />

da comissão de desenvolvimento do<br />

Parlamento europeu, “existe um risco real<br />

de perda da unidade do processo de tomada<br />

de decisão. No entanto, não posso acreditar<br />

que o poder de proposta da Comissão seja<br />

diminuído pelo Serviço externo”.<br />

Do lado dos serviços da Alta Representante<br />

Ashton, a atitude é mais optimista: “As<br />

questões de estratégia serão objecto de um diálogo<br />

entre a Alta Representante e o Comissário<br />

Piebalgs.”<br />

Para as ONG como a CIDSE, a<br />

Cooperação Internacional para o<br />

Desenvolvimento e a Solidariedade, “é<br />

necessário esperar para ver como é que as<br />

coisas se vão desenvolver”.<br />

O processo está apenas na fase inicial e<br />

ainda subsistem várias dúvidas, inclusive<br />

sobre o futuro da Direcção-Geral do<br />

Desenvolvimento. Ficou assente que os<br />

seus responsáveis geográficos (desk officers)<br />

deixarão a DEV para se juntar ao Serviço<br />

externo. Será que outros funcionários se<br />

irão juntar a eles? O eurodeputado Charles<br />

Goerens alerta para o “risco de desmantelamento<br />

desta DG brilhante que marcou a<br />

história das relações externas da UE”.<br />

* Embaixadores da UE foram nomeados nos<br />

seguintes países ACP: África do Sul, Angola,<br />

Botsuana, Burundi, Gabão, Guiné-Bissau,<br />

Haiti, Moçambique, Namíbia, Uganda,<br />

Papuásia-Nova Guiné, Senegal, Chade, Zâmbia.<br />

Catherine Ashton, segunda da esquerda. © EC


A.M.M.<br />

A<br />

Terceira Cimeira África-UE<br />

que se realizará em Trípoli, na<br />

Líbia, em 29 e 30 de Novembro,<br />

será uma oportunidade para a<br />

União Europeia (UE) e a União Africana<br />

(UA) fazerem o balanço dos progressos<br />

realizados até à data na implementação<br />

da estratégia conjunta África-UE, definida<br />

em Dezembro de 2007 e do seu primeiro<br />

plano de acção. O segundo plano<br />

de acção (2011-2013), que será adoptado<br />

na Cimeira, destina-se a responder a uma<br />

série de novos desafios e à futura cooperação<br />

de governos.<br />

“A parceria <strong>Europa</strong>-África distingue-se<br />

das outras parcerias que a UE e a UA<br />

podem ter em qualquer parte do mundo”,<br />

explica Klaus Rudischhauser, Director<br />

das Relações com os Estados de África,<br />

das Caraíbas e do Pacífico (ACP) na<br />

Direcção-Geral do Desenvolvimento da<br />

Comissão Europeia. “Os líderes europeus e<br />

africanos criaram um mecanismo inovador<br />

que traduz as nossas prioridades comuns<br />

em acções muito concretas”. Ele explica<br />

que o aspecto inovador desta parceria<br />

única provém do seu carácter inclusivo,<br />

que não se limita às duas organizações<br />

continentais, mas engloba os seus países<br />

membros, a sociedade civil, o sector privado,<br />

os parlamentos, etc. Nesta relação,<br />

os parceiros africanos e da UE estão em pé<br />

de igualdade e debatem abertamente não só<br />

matérias de desenvolvimento e africanas,<br />

como também tratam questões mundiais<br />

e prioridades europeias.<br />

Progressos<br />

“Fizemos muitos progressos em oito parcerias<br />

temáticas da estratégia conjunta. No<br />

entanto, algumas parcerias avançam mais<br />

depressa do que outras devido à sua própria<br />

natureza. Por exemplo, a parceria para a<br />

paz e segurança permite à UE apoiar a<br />

arquitectura africana de paz e de segurança<br />

e reforça as capacidades da UA de planear<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

A Terceira Cimeira África-UE<br />

realiza-se na Líbia<br />

O segundo plano de acção na mesa de discussão<br />

e conduzir missões de manutenção da paz.<br />

Isto está a progredir relativamente bem”,<br />

explica Rudischhauser.<br />

É também o caso da parceria sobre a energia,<br />

as alterações climáticas, a ciência, a<br />

tecnologia e o espaço. No quadro da parceria<br />

sobre a energia, a primeira reunião<br />

de alto nível realizou-se em Viena, em 14<br />

e 15 de Setembro, reunindo representantes<br />

europeus e africanos que se comprometeram<br />

a assegurar o acesso a energias<br />

modernas e sustentáveis a mais de 100<br />

milhões de africanos, pelo menos, até 2020.<br />

A reunião lançou igualmente um ambicioso<br />

programa de cooperação em matéria de<br />

energias renováveis que contribuirá para<br />

a realização dos objectivos africanos de<br />

energia renovável para 2020.<br />

Grandes projectos<br />

Trípoli, Líbia. © AP / Reporters<br />

A UA tenciona anunciar na Cimeira de<br />

Trípoli grandes projectos de infra-estrutura,<br />

um em cada uma das cinco regiões<br />

africanas, que irão juntar-se à longa lista<br />

de acções em curso. No quadro da parceria<br />

para a governação, os responsáveis da UE e<br />

da UA já se reúnem duas vezes por ano para<br />

um diálogo sobre os direitos do Homem.<br />

Antes da cimeira deve ser inaugurada uma<br />

plataforma euro-africana de debate sobre<br />

a governação. Relativamente às alterações<br />

climáticas, Klaus Rudischhauser disse<br />

que espera que haja progressos na Líbia<br />

quanto à realização dos compromissos de<br />

financiamento para o clima em África,<br />

para alimentar o debate sobre as alterações<br />

climáticas na conferência do México, no<br />

Interacções<br />

41


Interacções<br />

final deste ano. No contexto da parceria<br />

para as migrações, mobilidade e emprego,<br />

será inaugurado o Instituto Africano de<br />

Remessas de Emigrantes. O objectivo é<br />

reforçar as capacidades dos governos, bancos,<br />

expedidores e receptores de remessas,<br />

sector privado e outros interessados africanos,<br />

com vista a utilizar melhor as remessas<br />

dos emigrantes como ferramentas de<br />

desenvolvimento para redução da pobreza.<br />

Dispor de recursos humanos e financeiros<br />

suficientes é, evidentemente, essencial<br />

para a concretização eficaz da parceria. A<br />

Cimeira de Trípoli, que se reúne tendo<br />

como pano de fundo a crise económica<br />

mundial, examinará a maneira de os reforçar.<br />

Os Estados africanos dispõem actualmente<br />

de receitas e orçamentos nacionais<br />

muito limitados. O ponto principal deste<br />

debate, explica Klaus Rudischhauser, incidirá<br />

sobre os aspectos cruciais de saber<br />

de que maneira as economias africanas<br />

poderão atrair o investimento estrangeiro<br />

directo, a necessidade de criar relações<br />

entre a ajuda e o investimento, e as condições<br />

necessárias para alargar as trocas<br />

comerciais e promover a criação de<br />

emprego dos dois lados do continente.<br />

Acrescenta ainda que é, por conseguinte,<br />

muito oportuno que a Cimeira seja subordinada<br />

ao tema: “Investimento, crescimento<br />

económico e criação de emprego”.<br />

Mais informação: www.africa-eu-partnership.<br />

org/3rd-africa-eu-summit<br />

Ver também páginas 4 & 6<br />

A Comissão Europeia está a preparar<br />

uma série de documentos, alguns dos<br />

quais ligados directamente à Cimeira<br />

África-União Europeia. A sua comunicação<br />

sobre “As relações entre a <strong>Europa</strong> e<br />

a África”, em especial, irá alimentar os<br />

debates em Trípoli.<br />

Há dois outros livros verdes em preparação,<br />

um sobre a política do desenvolvimento<br />

e o outro sobre o apoio orçamental,<br />

mas não estão ligados directamente<br />

à Cimeira, devendo no entanto conduzir<br />

a um debate público sobre estes temas.<br />

42<br />

A Parceria Estratégica África-União Europeia<br />

constitui uma etapa essencial no<br />

diálogo e na cooperação que liga os dois<br />

continentes desde a Primeira Cimeira de<br />

Chefes de Estado e de Governo realizada<br />

no ano 2000, no Cairo. Faz da União<br />

Africana um parceiro privilegiado da UE<br />

e considera África no seu conjunto, ultrapassando<br />

os instrumentos e acordos existentes<br />

com as diferentes regiões (Acordo<br />

de Cotonu e Acordo UE-África do Sul na<br />

África Subsariana, Parceria Euromediterrânica<br />

e Política de Vizinhança para<br />

a África do Norte).<br />

A Segunda Cimeira África-UE, realizada<br />

em Lisboa em Dezembro de 2007,<br />

adoptou uma estratégia comum e um<br />

primeiro plano de acção (2008-<strong>2010</strong>), com<br />

o objectivo de aprofundar as relações e<br />

fazer frente, em conjunto, a uma série de<br />

novos desafios mundiais através de oito<br />

parcerias temáticas distintas:<br />

Trípoli, Líbia. © AP / Reporters<br />

1) A paz e a segurança<br />

2) A governação económica e os direitos<br />

do Homem<br />

3) O comércio, as infra-estruturas e a<br />

integração regional<br />

4) Os Objectivos de Desenvolvimento<br />

do Milénio<br />

5) A energia<br />

6) As alterações climáticas<br />

7) As migrações, a mobilidade e o emprego<br />

8) A ciência, a sociedade da informação<br />

e o espaço<br />

A Terceira Cimeira África-UE, que se<br />

realizará em Trípoli (Líbia), em 29 e 30<br />

de Novembro de <strong>2010</strong>, fará um balanço<br />

das primeiras realizações e lançará o<br />

segundo plano de acção (2011-2013).<br />

www.africa-eu-partnership.org


Elevar a cooperação África-UE no<br />

domínio do espaço a novos cumes<br />

O futuro da cooperação no domínio do espaço entre a União Europeia (UE) e o<br />

continente africano foi discutido num evento sobre o tema ‘O espaço para o cidadão<br />

africano’, realizado em Bruxelas, em 16 de Setembro, no âmbito da actual<br />

Presidência belga da UE.<br />

D.P.<br />

Sabine Laruelle, Ministra belga responsável<br />

pela política das Pequenas<br />

e Médias Empresas, trabalhadores<br />

independentes, agricultura e ciência,<br />

explicou que a cooperação no domínio<br />

do espaço, permitindo o acesso a dados por<br />

satélite, tem a ver com a gestão de recursos<br />

para o desenvolvimento sustentável. Pode<br />

ajudar os países africanos a melhorarem<br />

a capacidade para assegurar segurança<br />

alimentar e da água, bem como cuidados<br />

de saúde, e permitir alertas precoces de<br />

catástrofes, permitindo respostas rápidas<br />

a situações de emergência.<br />

O espaço integra a 8.ª parceria da estratégia<br />

da UE para África, juntamente com<br />

a ciência e a sociedade da informação.<br />

“Temos de dar um passo em frente para<br />

intensificar a nossa cooperação internacional,<br />

em que África será um parceiro<br />

igual, graças à aquisição ou exploração de<br />

capacidades no domínio do espaço”, afirmou<br />

o Comissário da UA para a Ciência e<br />

o Espaço, Jean Pierre Ezin, que afirmou<br />

ainda que gostaria de ter apoio internacional<br />

para uma Agência Espacial Africana.<br />

Alguns países do continente africano já<br />

desenvolveram capacidades próprias e<br />

programas no domínio do espaço: África<br />

do Sul, Egipto e Nigéria. Outros têm projectos<br />

bilaterais neste domínio com entidades<br />

privadas ou governos internacionais.<br />

Os dados meteorológicos da Organização<br />

Europeia para a Exploração de Satélites<br />

Meteorológicos (EUMETSAT) também<br />

já são partilhados com países africanos.<br />

“Foram desenvolvidos vários projectos espaciais<br />

em diferentes domínios para África,<br />

mas muito poucos são sustentáveis para<br />

além da fase-piloto. Isto resulta de a comunidade<br />

local de utilizadores finais frequentemente<br />

não ser envolvida desde o início e não<br />

ter o sentimento de apropriação”, lê-se num<br />

estudo publicado recentemente, Parceria<br />

<strong>Europa</strong>-África no Domínio das Aplicações por<br />

Satélite para o Desenvolvimento Sustentável<br />

(www.espi.or.at), realizado pelo Instituto<br />

Europeu de Política Espacial (ESPI).<br />

Andre Nonguierma, funcionário superior<br />

da Divisão de Informação, Ciência e<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

Tecnologia da Comissão Económica das<br />

Nações Unidas para África (CENUA) e<br />

responsável pelos sistemas de informação,<br />

declarou: “Este continente precisa do seu<br />

próprio sistema de observação específico<br />

para o continente africano.”<br />

Plano de acção da UE<br />

Prevê-se que o espaço terá um lugar central<br />

no próximo plano de acção 2011-2013 para<br />

a execução da estratégia África-UE. “A<br />

pedido do Grupo de Estados ACP, será<br />

identificado no final deste mês (<strong>Outubro</strong> de<br />

<strong>2010</strong>) um projecto de<br />

20 milhões de euros<br />

que será a contribuição<br />

intra-ACP do 10.º<br />

FED para a implementação de serviços<br />

de Monitorização Global do Ambiente<br />

e Segurança (GMES) em África. Serão<br />

retirados outros 4,5 milhões de euros<br />

dos 9 milhões de ‘Apoio ao Sector dos<br />

África quer ter a sua própria<br />

Agência Espacial<br />

Transportes Aéreos em África’, para financiar<br />

os preparativos da eventual utilização<br />

do Serviço Europeu Complementar de<br />

Navegação Geoestacionária (EGNOS)<br />

em África”, diz Francesco Affinito, ponto<br />

de contacto da Comissão Europeia na DG<br />

Desenvolvimento para a parceria 8 (Ciência<br />

e Tecnologia). O sistema GMES da UE,<br />

actualmente em desenvolvimento, pretende<br />

fornecer dados para monitorizar o ambiente<br />

e apoiar a segurança civil. No quadro do<br />

Fundo Europeu de Desenvolvimento<br />

(FED) da UE, foi lançado em 2007 um<br />

projecto com uma duração de 48 meses,<br />

intitulado Monitorização Africana do<br />

Ambiente para o Desenvolvimento<br />

Sustentável (MAADES). Este projecto já<br />

permite o acesso dos países africanos às<br />

tecnologias e aos dados de Observação da<br />

Terra (OT) para monitorização ambiental<br />

e climática. O desenvolvimento<br />

do EGNOS<br />

em África irá melhorar<br />

os serviços de navegação<br />

por satélite para o continente, especialmente<br />

para a aviação. For more see:<br />

GMES.info<br />

Para mais informações ver: GMES.info<br />

Fotografia por satélite mostrando a desflorestação em Madagáscar. Fotografia da esquerda<br />

tirada em <strong>19</strong>72. Fotografia da direita tirada em 2001.<br />

© CE Centro de Investigação Conjunta, Ispra, Itália<br />

Interacções<br />

43


Interacções<br />

Centralizar o portal Agora<br />

na aldeia global<br />

As eleições, que se encadeiam actualmente em África, beneficiam do apoio<br />

financeiro de doadores internacionais, encabeçados pela União Europeia, e da<br />

presença de observadores internacionais em grande número. Todavia, o que<br />

subsistirá após os escrutínios, se os parlamentos não estiverem em condições<br />

de exercer os seus poderes de controlo e de informação? O portal Agora tenta<br />

paliar estas carências.<br />

M.M.B.<br />

ver o que se passa no<br />

Norte do Níger, no Norte<br />

do Mali e no Chade, onde<br />

“Basta<br />

os acontecimentos põem<br />

face a face governos e homens revoltados.<br />

Um governo quase desqualificado<br />

desde o início para intervir, ao passo que<br />

o parlamento, sendo credível e responsável,<br />

pode agir”, declarava recentemente<br />

Ibrahim Yacouba, membro do Conselho<br />

Consultivo Nacional, criado pela junta<br />

militar do Níger para reconduzir o país a<br />

um Estado de Direito. Ser “credível e responsável”<br />

foi o que parlamento nigeriano<br />

não conseguiu aquando da crise alimentar<br />

que assolou o país em 2005. “A sociedade<br />

civil”, acrescenta Ibrahim Yacouba,<br />

“tinha então atacado os deputados sobre,<br />

entre outras coisas, as vantagens que estes<br />

se auto-atribuíram (...). É verdade que o<br />

parlamento tinha pouca margem moral<br />

para poder agir como agente de prevenção<br />

dos conflitos”.<br />

Estes comentários ilustram a complexidade<br />

das medidas a tomar para a manu-<br />

44<br />

tenção de democracias sólidas. A ajuda<br />

sob forma de apoio ao orçamento nacional<br />

dos países beneficiários generalizou-se e<br />

representa frequentemente mais de dois<br />

terços do financiamento da UE para a<br />

cooperação para o desenvolvimento. Para<br />

beneficiar desta ajuda, os países do Sul<br />

devem preencher determinados critérios<br />

ligados à “boa gover-<br />

nação” e comprometerem-se,<br />

na grande<br />

maioria, a reformar<br />

o sector público, a<br />

definir uma agenda a<br />

“favor dos pobres” e a apresentar estabilidade<br />

macroeconómica. São critérios que,<br />

na maioria das vezes, tornam os doadores<br />

extremamente perplexos.<br />

“A participação do parlamento neste<br />

exercício é uma condição prévia. Se ele<br />

for excluído do processo, não poderá<br />

assegurar a continuidade”, interroga-<br />

-se Olivier-Pierre Louveaux, gestor da<br />

plataforma Agora (ver caixa) criada<br />

pelo Programa das Nações Unidas para<br />

o Desenvolvimento (PNUD) com a<br />

participação de cerca de vintena parceiros,<br />

entre os quais a União Europeia. E<br />

ele prossegue: “Actualmente formam-se<br />

“é necessário<br />

que a política retome o seu<br />

lugar no debate”<br />

Parlamento da África do Sul. © Reporters / AP<br />

tecnocratas. Mas é necessário manter a<br />

transparência. É todo um sistema”. Para<br />

resumir, “é necessário que a política<br />

retome o seu lugar no debate”.<br />

Thomas Huyghebaert, especialista em<br />

“apoio à democracia”, no serviço de cooperação<br />

EuropAid da Comissão Europeia,<br />

acrescenta: “É impor-<br />

tante que as estratégias<br />

de redução da<br />

pobreza sejam caucionadas<br />

pelos parlamentos<br />

nacionais.<br />

Não sendo assim, corre-se o risco de<br />

continuar a enfraquecer o processo democrático”.<br />

Após ter sido o menos avultado<br />

da ajuda europeia (100 milhões de euros<br />

durante dez anos, sendo perto de metade<br />

desta verba afectada ao apoio à África<br />

do Sul do pós-Apartheid), o apoio aos<br />

parlamentos começa a tomar forma. As<br />

linhas directrizes que permitem integrar<br />

o papel do Parlamento no diálogo político<br />

com os países beneficiários acabam de ser<br />

finalizadas. Sem contar o trabalho no<br />

terreno, nomeadamente via geminações,<br />

empreendido pelo Parlamento Europeu,<br />

no seu Gabinete para a Promoção da<br />

Democracia Parlamentar. (OPPD).<br />

www.agora-parl.org<br />

Iniciativa multilateral, o portal Agora<br />

pretende ser uma plataforma de intercâmbio<br />

de informação em matéria<br />

de desenvolvimento parlamentar. Tem<br />

três objectivos: partilha do saber e do<br />

saber-fazer, constituição em rede dos<br />

diferentes intervenientes e promoção<br />

dos parlamentos como importantes<br />

vectores de mudança em matéria de<br />

políticas de desenvolvimento. O portal<br />

está disponível em várias línguas: inglês,<br />

francês e, numa fase ulterior, espanhol,<br />

árabe e russo.


Adeus às<br />

Antilhas<br />

Holandesas<br />

Erica González<br />

As Antilhas Holandesas, formadas<br />

por cinco ilhas no Mar das<br />

Caraíbas, deixaram de existir<br />

no passado dia 10 de <strong>Outubro</strong>.<br />

Curaçau e São Martinho passaram a<br />

ser países autónomos dentro do Reino<br />

da Holanda, enquanto Bonaire, Saba e<br />

Santo Eustáquio são agora municípios<br />

holandeses.<br />

A reestruturação das Antilhas assentou<br />

numa série de referendos de consulta à<br />

população das ilhas, realizados entre os<br />

anos 2000 e 2005. O resultado destas<br />

votações revelou enormes diferenças<br />

no seio das Antilhas. Enquanto Santo<br />

Eustáquio manifestou a sua concordância<br />

com a existência das Antilhas Holandesas,<br />

Saba e Bonaire optaram por um tipo de<br />

integração semelhante ao da colectividade<br />

francesa, através do qual se transformariam<br />

em municípios da Holanda. Em sentido<br />

oposto, Curaçau e São Martinho<br />

optaram por permanecer no reino como<br />

Estados autónomos. Com a desintegração<br />

das Antilhas Holandesas termina um<br />

longo período de dificuldades e diferendos<br />

no seu funcionamento interno.<br />

Finalmente, Bonaire, Saba e Santo<br />

Eustáquio converter-se-ão em municípios<br />

da Holanda, com adaptações resultantes<br />

da respectiva localização nas Caraíbas,<br />

ao passo que Curaçau e São Martinho<br />

passarão a ser países autónomos dentro<br />

do Reino da Holanda.<br />

Nascimento de dois países<br />

Curaçau e São Martinho, as suas ilhas<br />

maiores, conseguiram o mesmo estatuto<br />

de autonomia que Aruba já havia obtido<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

Willemstad, capital de Curaçao, é conhecida nas Caraíbas como sendo o único exemplo da arquitectura colonial<br />

neerlandesa. © Erica González<br />

em <strong>19</strong>86. Para Zita Jesús-Leito, membro<br />

do Governo de Curaçau, responsável<br />

pelos Assuntos Gerais e Estrutura Estatal,<br />

esta mudança é uma grande conquista<br />

para a ilha. “Passaremos agora a realizar<br />

tarefas que antes eram da responsabilidade<br />

das Antilhas Holandesas. Aspectos<br />

como o Corpo Policial, o Departamento<br />

de Aviação ou a Alfândega serão controlados<br />

por nós.”<br />

Com a criação dos dois novos países, será<br />

criada uma moeda comum e um Banco<br />

Central para Curaçau e São Martinho.<br />

“Se houver aprovação por parte do<br />

Conselho Insular, em conformidade com<br />

a proposta já apresentada, irá chamar-se:<br />

Florim Caribenho”, afirma Jesús-Leito.<br />

Novas relações com o CARICOM<br />

e a OEA<br />

Até ao passado dia 10 de <strong>Outubro</strong>, as<br />

Antilhas Holandesas tinham o estatuto<br />

de observador num dos Conselhos<br />

do CARICOM, o Conselho para o<br />

Desenvolvimento Humano e Social (com<br />

a sigla inglesa COHSOD). Gideon Isena,<br />

membro do Departamento de Assuntos<br />

Exteriores de Curaçau, assegura que os<br />

dois novos países terão este mesmo estatuto,<br />

embora seja o Conselho Ministerial<br />

do CARICOM que decide se o farão de<br />

imediato ou deverão apresentar um novo<br />

requerimento. Uma vez que não são completamente<br />

independentes e que continuarão<br />

a pertencer ao Reino da Holanda,<br />

estes dois novos países não podem ser<br />

membros de pleno direito do CARICOM.<br />

O mesmo sucede com a Organização dos<br />

Estados Americanos (OEA), ainda que o<br />

Secretário-Geral Adjunto desta organização,<br />

o senhor Albert Ramdin, se mostre<br />

mais optimista e espere que nos próximos<br />

meses tenham início conversações gerais<br />

com os novos países sobre temas como o<br />

intercâmbio de informação e a assistência<br />

nas áreas do desenvolvimento e da<br />

cooperação.<br />

Interacções<br />

45


Interacções<br />

46<br />

Dia Internacional da Alfabetização:<br />

a Ministra da Educação de Cabo Verde recebe<br />

o prémio da UNESCO<br />

Quando uma mulher é analfabeta quase não tem possibilidade de melhorar a sua situação e facilmente as pessoas lhe podem<br />

negar os seus direitos. No dia Internacional da Alfabetização, em 8 de Setembro de <strong>2010</strong>, a UNESCO (Organização das Nações<br />

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) comemorou a alfabetização como um meio de empoderamento das mulheres,<br />

atribuindo prémios a governos e intervenientes não estatais que conseguiram resultados efectivos no combate pela alfabetização.<br />

Andrea Marchesini Reggiani<br />

Este ano, o Prémio de Alfabetização<br />

da UNESCO Rei Sejong, criado<br />

em <strong>19</strong>89, no valor de 20 000<br />

dólares, foi atribuído a quatro<br />

projectos de alfabetização inovadores em<br />

Cabo Verde, no Egipto, na Alemanha e<br />

no Nepal. Esta iniciativa pretende homenagear<br />

as mulheres e os homens que trabalham<br />

na sombra para ajudar os outros<br />

a alfabetizar-se, segundo o princípio de<br />

que a alfabetização é importante para dar<br />

autonomia às pessoas.<br />

Um dos prémios foi atribuído à Direcção-<br />

Geral da Educação e Formação de<br />

Adultos (DGEFA) de Cabo Verde. O<br />

seu ‘Programa de Educação e Formação<br />

de Adultos’ (EdFoA) foi recompensado<br />

pela sua importância e flexibilidade, a sua<br />

ênfase nas mulheres e o seu extraordinário<br />

impacto: a taxa de analfabetismo em Cabo<br />

Verde diminuiu de 60% para 20% entre<br />

<strong>19</strong>74 e 2005 e continua a diminuir.<br />

Desde a independência, o analfabetismo<br />

foi sempre um grave problema nas zonas<br />

rurais de Cabo Verde, onde as mulheres<br />

tinham de trabalhar na agricultura de<br />

subsistência e a educação era um privilégio<br />

a que apenas alguns tinham acesso.<br />

A partir de <strong>19</strong>79, o programa da DGEFA<br />

visou aproximadamente 100 000 cabo-<br />

-verdianos, numa população de 500 000<br />

habitantes. Além de aumentar a confiança<br />

e a auto-estima graças à aquisição<br />

de competências de leitura, de escrita<br />

e de aritmética, o programa destina-se<br />

a permitir às pessoas que exerçam uma<br />

profissão, combatendo assim a pobreza.<br />

Constitui um programa de aprendizagem<br />

da comunidade ao longo da vida e<br />

assenta em quatro princípios: aprender<br />

a conhecer, aprender a fazer, aprender<br />

a ser e aprender a viver em conjunto. O<br />

método de ensino utilizado baseia-se no<br />

trabalho do pedagogo brasileiro Paulo<br />

Freire. As lições de português são retiradas<br />

de situações da vida real em Cabo<br />

Verde e também são ministradas na língua<br />

nacional, o crioulo. Os programas abarcam<br />

igualmente a igualdade de género e<br />

a prevenção contra o VIH/SIDA.<br />

Os outros prémios internacionais de alfabetização<br />

da UNESCO de <strong>2010</strong> foram atribuídos<br />

ao Centro de Educação Informal<br />

do Nepal, ao Governo da Província<br />

de Ismalia, no Egipto, e ao Instituto<br />

Público de Formação de Professores e de<br />

Desenvolvimento Escolar de Hamburgo,<br />

na Alemanha, porque cada um utilizou<br />

programas inovadores para melhorar as<br />

taxas de alfabetização em comunidades<br />

marginalizadas. O projecto alemão, por<br />

exemplo, está situado em Hamburgo, uma<br />

cidade onde os imigrantes constituem 14<br />

por cento da população. Dirige-se aos pais<br />

de crianças com menos de seis anos de<br />

idade, provenientes de comunidades imigrantes,<br />

especialmente mães, que vão à<br />

escola uma vez por semana com os filhos<br />

durante um período de dois anos.<br />

O Dia Internacional da Alfabetização é um<br />

dos muitos projectos paralelos supervisionados<br />

pela UNESCO, com o objectivo de<br />

aumentar as taxas de alfabetização em 50<br />

por cento até 2015. Está em consonância<br />

com o Objectivo de Desenvolvimento do<br />

Milénio (ODM) de assegurar que até 2015<br />

todas as crianças tenham oportunidade de<br />

completar um plano de escolaridade primária<br />

completo. Outro projecto é a Década<br />

das Nações Unidas para a Alfabetização<br />

(2003-2012), cujo lema é ‘Alfabetização<br />

como Liberdade’.<br />

Prisão de São Felipe, alfabetização, educação de adultos.<br />

@UNESCO/Dominique Roger<br />

Cabo Verde, Ilha do Fogo, curso de educação para adultos. © UNESCO/Dominique Roger


Comércio<br />

As Seicheles ganham o<br />

desafio da qualidade do peixe<br />

Christopher Hoareau, Inspector-Chefe da Unidade de Inspecção e Controlo da Qualidade do Peixe das Seicheles, fala do sucesso<br />

do país quanto ao cumprimento das exigentes normas de importação da UE relativas a peixe e produtos da pesca.<br />

As Seicheles deram passos importantes<br />

ao longo dos anos para<br />

satisfazerem as normas de qualidade<br />

com o apoio de doadores,<br />

incluindo fundos do programa da UE intitulado<br />

«Melhorar as Condições Sanitárias<br />

dos Produtos da Pesca» (SFP) nos Estados<br />

de África, Caraíbas e Pacífico (ACP) e<br />

Países e Territórios Ultramarinos (PTU).<br />

Este país do Oceano Índico começou as<br />

exportações de peixe e de produtos da pesca<br />

no início dos anos <strong>19</strong>70, principalmente<br />

para o seu vizinho no Oceano Índico,<br />

a ilha da Reunião, um Departamento<br />

Ultramarino francês. No início dos anos<br />

<strong>19</strong>80, ao abrigo de acordos de pesca bilaterais,<br />

alargou o seu mercado de exportações<br />

para o Reino Unido e a França. Ao mesmo<br />

tempo, grandes embarcações industriais<br />

de pesca de atum de Espanha e da França<br />

foram autorizadas a pescar nas águas das<br />

Seicheles. Em <strong>19</strong>87 foi inaugurada uma<br />

fábrica de conservas de atum.<br />

Em Agosto de <strong>19</strong>98, o Serviço Alimentar<br />

e Veterinário da UE procedeu a uma<br />

avaliação do cumprimento por parte das<br />

Seicheles dos requisitos sanitários da UE<br />

para a exportação de peixe e de produtos<br />

da pesca, surgindo com uma longa lista<br />

de recomendações que a indústria das<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

Seicheles tinha de respeitar para satisfazer<br />

as exigências sanitárias mínimas da UE e<br />

que iam desde a melhoria dos padrões dos<br />

laboratórios até à supervisão da higiene. “A<br />

política do governo consistia em aumentar<br />

as exportações e fazer do sector das pescas<br />

o segundo pilar da economia, depois do<br />

turismo”, diz Christopher Hoareau.<br />

Em 2002/2003, as Seicheles defrontaram-<br />

-se com um dos maiores desafios: a proibição<br />

das exportações de espadarte para o<br />

mercado da UE devido<br />

a um nível muito elevado<br />

de metais pesados,<br />

como o cádmio,<br />

em espécies que contrariavam<br />

o Nível<br />

Máximo Autorizado<br />

extremamente baixo<br />

de 0,05 partes por<br />

milhão (ppm) estabelecido<br />

pela regulamentação da UE. “Isto<br />

causou à indústria perdas económicas<br />

significativas, uma vez que a maior parte<br />

dos operadores de grandes embarcações<br />

de pesca tiveram de pôr termos às suas<br />

actividades”, diz Christopher Hoareau.<br />

Uma alteração subsequente da legislação<br />

aumentou o nível máximo para 0,3 ppm, o<br />

que levou à supressão da proibição.<br />

Melhoria permanente dos<br />

procedimentos<br />

Mais tarde, em 2007, a indústria das<br />

Seicheles viu-se confrontada com dois<br />

alertas nas suas exportações para o mercado<br />

da UE devido a níveis elevados de<br />

histamina descobertos no atum enlatado.<br />

A melhoria dos procedimentos relativos ao<br />

processamento resultou. As Seicheles foram<br />

um grande beneficiário do Módulo 2 do SFP<br />

para apoiar os laboratórios de microbiologia,<br />

de química alimentar,<br />

“É muito difícil conseguir<br />

ajudas para a formação<br />

a longo prazo nos domínios<br />

da segurança dos alimentos,<br />

ciência alimentar e<br />

tecnologias”<br />

ambientais e de metrologia<br />

(ver: http://www.<br />

sfp-acp.eu/).<br />

“É óbvio que a legislação<br />

sanitária das<br />

Seicheles para o peixe<br />

e os produtos da pesca<br />

para exportação agora<br />

satisfaz o princípio da equivalência com a<br />

da UE”, diz Christopher Hoareau, que não<br />

mostra qualquer complacência. Diz que<br />

algumas das dificuldades actuais consistem<br />

em manter trabalhadores com formação,<br />

porque são atraídos pelo sector privado.<br />

“É muito difícil conseguir ajudas para a<br />

formação a longo prazo nos domínios da<br />

segurança dos alimentos, ciência alimentar<br />

e tecnologias”, acrescenta.<br />

47<br />

Concurso de pesca, La Digue, Seicheles. © Hegel Goutier


Reportagem<br />

M.M.B.<br />

No momento em que O<br />

Correio saía de imprensa, os<br />

Tanzanianos votavam para<br />

eleger o seu novo Presidente.<br />

Novo é um termo algo excessivo, dado<br />

todos os observadores concordarem em<br />

dizer, com algum fatalismo, que o presidente<br />

cessante, Jakawa Kikwete, será reeleito<br />

sem grandes dificuldades. Apesar das<br />

medidas tomadas nestes últimos anos pelo<br />

presidente para sanear o seu partido, o<br />

Partido da Revolução (CCM), a usura do<br />

poder – 49 anos ininterruptos de poder,<br />

um recorde em África – juntamente com<br />

uma corrupção crescente, oneraram consideravelmente<br />

as estratégias instauradas<br />

para permitir ao país sair de uma pobreza<br />

endémica, não obstante a riqueza dos seus<br />

recursos naturais.<br />

48<br />

Tanzânia,<br />

entre imobilismo e audácia<br />

Na verdade, o Presidente Kikwete não<br />

tem rival. O principal partido de oposição,<br />

o CUF, está activo principalmente<br />

em Zanzibar. Outro grande partido de<br />

oposição, o Chadema, que representa<br />

principalmente as jovens elites urbanas,<br />

tem muitas dificuldades em definir uma<br />

linha clara de luta. Além disso, no entender<br />

de alguns, Jakawa Kikwete encarna a<br />

estabilidade, na falta de audácia. Na sua<br />

presidência foi celebrado, em 31 de Julho<br />

passado, um acordo histórico entre as<br />

alas zanzibaristas do CCM e CUF para<br />

a formação de um governo nacional de<br />

união em Zanzibar, arquipélago semi-<br />

-autónomo, periodicamente agitado com<br />

lutas políticas fratricidas e sangrentas. A<br />

sua presença activa na cena internacional<br />

e regional deve ser considerada como um<br />

acervo pessoal. Por último, o presidente<br />

conseguiu perpetuar certos valores de<br />

Nyerere, o ‘pai’ da independência tranquila<br />

do país. Nomeadamente, uma capa-<br />

cidade de empatia, como testemunha a sua<br />

política de abertura às vítimas de conflitos<br />

dos países vizinhos, e uma liberdade de<br />

imprensa exemplar. E é sem dúvida por<br />

todas estas razões que o país permanece<br />

ainda hoje, apesar de sinais de cansaço,<br />

“um lugar de predilecção dos doadores”.<br />

Continua a ser um país conhecido no<br />

estrangeiro pelo seu ouro e as suas pedras<br />

preciosas – a Tanzanite é uma exclusividade<br />

tanzaniana, embora amplamente<br />

comercializada pelos Indianos ou Sul-<br />

Africanos - , pelas suas manadas de gnus<br />

que ladeiam a galope a fabulosa cratera do<br />

Ngorongoro, as suas ‘cinco grandes feras’<br />

do parque de Serengeti e as suas praias<br />

paradisíacas na costa oriental de Zanzibar.<br />

Mas ao sair do país traz-se consigo o mais<br />

precioso bem: a gentileza serena dos seus<br />

43 milhões de habitantes.<br />

Em Arusha. © Marie-Martine Buckens


M.M.B.<br />

Actualmente o país conta mais<br />

de 120 etnias, na sua maioria<br />

bantos, não havendo predominância<br />

de uma em relação às<br />

outras, com excepção dos Sukumas (15%<br />

da população total). Os conflitos entre<br />

etnias são quase inexistentes, embora<br />

nos últimos anos tenham surgido tensões<br />

entre cristãos (cerca de 45% da população)<br />

e muçulmanos (35%, mas 95%<br />

no arquipélago), um problema que pode<br />

ameaçar a unidade – sempre frágil - entre<br />

o continente e Zanzibar. Esta ausência de<br />

conflitos explica-se em parte pela decisão<br />

tomada por Nyerere de tornar o suaíli a<br />

língua oficial, para ultrapassar as clivagens<br />

étnicas. O suaíli, originário de Zanzibar,<br />

é uma língua banta pelo seu léxico, mas<br />

foi enriquecida por contributos árabes e<br />

também portugueses.<br />

<strong>19</strong>61. Julius Nyerere, conhecido por<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

“O Pai da Nação”, Julius Nyerere, retrato presente<br />

nalgumas escolas. © Marie-Martine Buckens<br />

‘Mwalimu’, um ícone<br />

nacional e transnacional<br />

Há quem diga que a Tanzânia foi o primeiro país habitado de África, como testemunha<br />

a descoberta dos restos de um australopiteco robusto na garganta de Olduvai,<br />

que faz uma incisão na encosta oeste do vale do Rift, na planície do Serengeti, a<br />

norte da Tanzânia.<br />

«Mwalimu» (professor), assume a chefia<br />

do primeiro governo independente do<br />

Tanganica (parte continental da Tanzânia<br />

actual), antes de aceder à Presidência<br />

do país um ano mais tarde. Nessa época<br />

o ‘professor’ chefiava a TANU (União<br />

Nacional Africana do Tanganica), criada<br />

em <strong>19</strong>54, numa altura em que o país se<br />

encontrava sob tutela das Nações Unidas,<br />

depois de ter sido um protectorado britânico.<br />

Uma herança dos alemães, obrigados,<br />

depois da Primeira Guerra Mundial,<br />

a deixar aos britânicos as suas colónias<br />

da África Oriental alemã, com excepção<br />

do Ruanda e do Burundi, que ficaram<br />

para os belgas.<br />

Zanzibar, por seu lado, tornou-se independente<br />

da Grã-Bretanha em <strong>19</strong>63 e<br />

ficou sob a autoridade do sultão, que foi<br />

derrubado um ano mais tarde por uma<br />

revolução que consagrou Abeid Amani<br />

Karoumé na Presidência do arquipélago.<br />

No mesmo ano, Nyerere inicia negociações<br />

com o Presidente de Zanzibar, que<br />

alguns meses mais tarde resultam na cria-<br />

ção da Tanzânia unida. Porquê tal união<br />

entre dois países cujas ambições e objectivos<br />

eram tão diferentes? As potências<br />

ocidentais – receando que Zanzibar viesse<br />

a tornar-se a ‘Cuba’ de África – terão tido<br />

um papel importante nesta união.<br />

Fevereiro de <strong>19</strong>67. Julius Nyerere define<br />

na célebre «Declaração de Arusha» os<br />

princípios fundadores de uma nova política<br />

económica, destinada nomeadamente<br />

a atingir a auto-suficiência alimentar, e<br />

lança as bases de um socialismo à maneira<br />

da Tanzânia, o Ujamaa: «Um governo<br />

honesto, a igualdade entre ricos e pobres<br />

e a independência económica».<br />

<strong>19</strong>77. A TANU transforma-se no partido<br />

da revolução: Chama Cha Mapinduzi<br />

(CCM). Entre <strong>19</strong>70 e <strong>19</strong>80, a Tanzânia dá<br />

apoio a vários movimentos africanos de<br />

libertação, como Moçambique, o futuro<br />

Zimbabué ou a África do Sul. Nyerere<br />

consegue conservar boas relações com o<br />

Ocidente, enquanto recebia uma ajuda<br />

substancial da China. Mas em <strong>19</strong>83 a crise<br />

económica tornou necessária a liberalização<br />

da economia tanzaniana.<br />

<strong>19</strong>80. O ‘professor’ inicia o seu último<br />

mandato presidencial, mas fica à frente do<br />

CCM – partido único – até <strong>19</strong>90.<br />

<strong>19</strong>85. Ali Hassan Mwinyi sucede a<br />

Nyerere. Reeleito em <strong>19</strong>90, acelera o<br />

programa de reformas de transição para<br />

uma economia de mercado e para o multipartidarismo.<br />

Julius Nyerere conserva o<br />

seu papel de eminência parda na Tanzânia<br />

e de «sábio», chamado a dirimir conflitos<br />

regionais em África.<br />

<strong>19</strong>95. Benjamin Mkapa, candidato do<br />

CCM, é eleito Presidente. Em 14 de<br />

<strong>Outubro</strong> de <strong>19</strong>99, a morte de Julius<br />

Nyerere, o «Pai da Nação», faz temer um<br />

desmembramento da Tanzânia, mas a<br />

reeleição do Presidente Mkapa em 2000<br />

aparece como vontade de salvaguardar a<br />

herança da República unida da Tanzânia,<br />

enquanto Aman Abeid Karumé, filho<br />

de Karumé, primeiro Presidente de<br />

Zanzibar, é eleito para a Presidência da<br />

ilha, numa eleição boicotada pela oposição.<br />

O Presidente tanzaniano tem de fazer<br />

face a uma situação difícil, marcada por<br />

uma forte crise económica, e à presença de<br />

perto de 300 000 refugiados provenientes<br />

do Burundi.<br />

2005. Jakaya Kikwete, igualmente candidato<br />

do CCM, assume a chefia do país.<br />

Reportagem<br />

49


Reportagem<br />

50<br />

Um novo mercado comum<br />

– único na África –<br />

de 130 milhões de pessoas<br />

M.M.B.<br />

O<br />

dia 1 Julho de <strong>2010</strong> ficará marcado<br />

com letras de ouro para os<br />

cinco países da Comunidade<br />

da África do Leste, conhecida<br />

sob o seu acrónimo inglês EAC. Nesse<br />

dia, os Chefes de Estado da Tanzânia,<br />

Burundi, Ruanda, Uganda e Quénia<br />

assinaram o protocolo que prevê a livre<br />

circulação de pessoas, bens e serviços e,<br />

daqui até 2012, de uma moeda única.<br />

Entrevista em Arusha, na sede da<br />

EAC – não distante do Tribunal Penal<br />

Internacional para o Ruanda – com o<br />

seu Secretário-Geral, o tanzaniano Juma<br />

V. Mwapachu. Uma entrevista franca e<br />

sincera com este antigo Embaixador que,<br />

aos seus 68 anos, se propõe pôr a sua<br />

Juma V. Mwapachu. © Marie-Martine Buckens<br />

experiência à disposição do sector privado<br />

tanzaniano quando ceder o seu lugar de<br />

chefia na EAC em 2011.<br />

Foi criada em <strong>19</strong>67 uma primeira<br />

Comunidade a três – Tanzânia, Uganda<br />

e Quénia – que foi extinta 10 anos<br />

depois. Como explica este malogro?<br />

As razões são múltiplas e é-me impossível<br />

dizer qual delas predominou. Eu penso,<br />

antes de mais, que a primeira EAC, logo a<br />

seguir à independência, foi construída em<br />

falsos alicerces, isto é uma herança colonial<br />

construída pelos Britânicos. Havia instituições<br />

que asseguravam um serviço comum<br />

– caminhos-de-ferro, correios, aviação,<br />

energia e mesmo a universidade – mas não<br />

eram apoiadas por uma verdadeira vontade<br />

política, como se estas não tivessem<br />

bases sólidas. Em seguida, a tomada de<br />

decisão era demasiado centralizada, dependente<br />

dos Chefes de Estado. Não havia, por<br />

exemplo, um Conselho de Ministros como<br />

na <strong>Europa</strong>. Bastava que um representante<br />

estivesse ausente para bloquear todas<br />

as decisões. Acrescente-se ainda que o<br />

Presidente da Tanzânia, Nyerere, recusou<br />

sentar-se ao lado do Presidente do Uganda,<br />

Idi Amin Dada, quando este invadiu o<br />

norte da Tanzânia em <strong>19</strong>72, declarando:<br />

“Não quero sentar-me à mesa com este<br />

animal.” Por último, alguns sublinham<br />

opções económicas, a Tanzânia envereda<br />

pelo socialismo, o Quénia defende uma<br />

economia de mercado e o Uganda tinha<br />

uma mistura dos dois, antes de se tornar<br />

um Estado de não-direito.<br />

Em <strong>19</strong>99, a EAC renasceu, convidando<br />

à mesa de negociações o Ruanda e<br />

o Burundi. Qual foi o motivo dessa<br />

escolha?<br />

Voltemos à história. Antes do Tanganyika,<br />

o Ruanda e o Burundi eram colónias<br />

alemãs. Depois, partindo do Norte de<br />

Dar-Es-Salaam, a estrada dos escravos ia


até ao Kivu, divulgando assim o swahili,<br />

língua que é hoje comum na Tanzânia,<br />

Ruanda e Burundi. Há também muitas<br />

afinidades étnicas, sobretudo entre o<br />

Burundi e a Tanzânia. Além disso, devido<br />

ao seu grande vizinho, a RDC (República<br />

Democrática do Congo), houve quem<br />

acreditasse que o Burundi e o Ruanda<br />

voltavam-se mais para o Oeste. É um<br />

erro: estes países estão mais voltados<br />

para Leste. A totalidade do comércio<br />

externo destes países passa pelos portos<br />

de Mombaça, no Quénia e de Dar-Es-<br />

Salaam. Por último, os três países fundadores<br />

da EAC espelham na fragilidade<br />

histórica do Ruanda e do Burundi a sua<br />

própria fragilidade. Basta ver a empatia<br />

manifestada pelos Tanzanianos ao aceitarem<br />

um milhão de refugiados do Burundi<br />

no seu território. Não se pode também<br />

esquecer que um conflito entre Hútus e<br />

Tútsis continua potencialmente possível.<br />

Se for o caso, serão os países ribeirinhos<br />

que irão sofrer. Ora, ao aceitar estes países<br />

na Comunidade, podemos forjar uma<br />

aliança na perspectiva de uma paz estável.<br />

Quais são os desafios com que se<br />

depara a EAC, em especial a Tanzânia?<br />

Os Tanzanianos dizem que têm medo.<br />

Desde os anos 80, uma nova geração de<br />

jovens tanzanianos tem vindo a sofrer<br />

uma diminuição no seu nível de educação,<br />

o que corrói a sua confiança em relação<br />

aos outros, aos nacionais do Quénia, por<br />

exemplo. É verdade que o número de<br />

Tanzanianos que têm acesso à educação<br />

aumentou consideravelmente, mas a qualidade<br />

não acompanhou. A língua torna-se<br />

igualmente um factor importante. Eles<br />

invejam os Ugandeses e Quenianos que<br />

falam perfeitamente inglês, que é o caso,<br />

aliás, da minha geração, mas não a deles.<br />

Fecham-se assim numa fortaleza, devido<br />

à sensação de não poderem fazer concorrência.<br />

No plano da educação, precisamos<br />

de pelo menos 10 anos para chegarmos<br />

ao nível dos nossos dois grandes vizinhos.<br />

A minha resposta aos jovens tanzanianos<br />

é que despertem e adquiram novas competências,<br />

que se exponham. Por outro<br />

lado, o Conselho Interuniversitário, que é<br />

uma instituição da EAC, deverá trabalhar<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

na harmonização do sistema educativo.<br />

Somos a única região económica da África<br />

que deseja adoptar o processo de Bolonha<br />

instaurado na <strong>Europa</strong>. Já padronizámos o<br />

montante das inscrições na universidade.<br />

A RDC manifestou o desejo de entrar<br />

na EAC. Alguns receiam que ao aceitarem<br />

este “grande país com grandes<br />

problemas” é como o “beijo da morte”.<br />

Isso levantaria igualmente a questão<br />

da língua. O Burundi já tem sido marginalizado<br />

nas reuniões devido à sua<br />

língua, que é o francês.<br />

Relativamente à língua, o Presidente<br />

Kikwete, cujo país exerce actualmente a<br />

presidência da EAC, declarou, na última<br />

Cimeira de Campala, que é tempo de<br />

rever os textos, limitando a comunicação<br />

a uma única língua, o inglês. Quanto à<br />

RDC, eu sou um apaixonado por esse<br />

país. Eles estão sobretudo interessados<br />

nas nossas infra-estruturas. Mas o mais<br />

provável é que o próximo país a entrar na<br />

Comunidade será o Sul-Sudão. Se eles<br />

votarem a favor da independência em<br />

2011, é evidente que serão o candidato<br />

prioritário. As razões são simples: estão<br />

culturalmente ligados ao Uganda e ao<br />

Quénia, são cristãos e a sua economia está<br />

totalmente voltada para o Sul.<br />

A Tanzânia é igualmente membro<br />

da Comunidade de Desenvolvimento<br />

da África Austral, a SADC. Das duas<br />

instituições, SADC e EAC, qual é mais<br />

importante no entender dos líderes<br />

do país?<br />

Num dado momento, divorciámos da<br />

parte Leste e, na nossa procura de uma<br />

nova “esposa”, ficámos profundamente<br />

apaixonados pelo Sul, a SADC! Durante<br />

o apartheid, tínhamos relações fortes com<br />

o ANC na África do Sul e as elites estão<br />

ainda emocionalmente ligadas à SADC.<br />

Mas a Tanzânia sabe também de que lado<br />

se encontra a manteiga na fatia de pão,<br />

isto é a EAC. É uma questão de realismo.<br />

© entrepriseresilienceblog<br />

Reportagem<br />

51


Reportagem<br />

“Com o seu potencial a Tanzânia<br />

podia fazer muito mais”<br />

Entrevista com o Embaixador Tim Clarke, Chefe da Delegação da União Europeia na Tanzânia<br />

“Há vinte anos atrás passei cinco<br />

anos na Tanzânia como conselheiro<br />

de desenvolvimento rural, a trabalhar<br />

para a Comissão Europeia”, diz-nos<br />

Tim Clarke. “Conseguimos aquilo que<br />

era na altura o maior programa agrícola<br />

europeu em África, juntamente com o<br />

do Senegal. Hoje, 20 anos depois, as<br />

pessoas não gostam que eu diga que o<br />

nível de pobreza nas zonas rurais parece<br />

ter permanecido quase inalterado. Talvez<br />

não surpreenda, porque no mesmo período<br />

a população duplicou.”<br />

52<br />

M.M.B.<br />

A liderança de Nyerere<br />

“Nyerere já tinha percebido isto há 20<br />

anos”, continua Tim Clarke. Nyerere é<br />

‘a’ referência citada por todo a gente a<br />

quem se fala na Tanzânia. O Embaixador<br />

da UE não é excepção. “A sua imagem<br />

mantém-se respeitável. Ele era uma personalidade<br />

internacional, mesmo se as suas<br />

acções no domínio social demonstraram<br />

ser irrealistas. Era um homem modesto<br />

e humilde. Percebeu que a agricultura<br />

estava no centro de tudo e que a reforma<br />

deste sector era fundamental para se conseguirem<br />

mudanças positivas. Não teve<br />

todas as respostas certas, mas mesmo<br />

assim continua a ser uma pessoa profundamente<br />

respeitada.”<br />

A<br />

agricultura está no centro da<br />

luta do governo da Tanzânia<br />

contra a pobreza. No ano<br />

passado o governo lançou o<br />

extenso programa ‘Kilimo Kwanza’ (‘A<br />

agricultura primeiro’). “Receio que muitos<br />

vejam isto apenas como ‘vinho velho<br />

em odre novo’. Embora a decisão não<br />

seja ainda definitiva, os resultados desta<br />

nova estratégia estão para ver. Há famílias<br />

nas zonas rurais que continuam a viver<br />

na pobreza geração após geração. Não<br />

obstante, foram atribuídos recursos orçamentais<br />

suplementares para a agricultura<br />

no orçamento de 2011. Por isso continuo<br />

prudentemente optimista.”<br />

Combater a corrupção<br />

© Marie-Martine Buckens<br />

Nyerere é a referência para todos os países<br />

africanos que procuram a independência<br />

e as suas raízes. A Tanzânia ainda aspira a<br />

um papel de liderança e, acrescenta Tim<br />

Clarke, é verdade que “a sua atitude para<br />

com os refugiados é exemplar. A decisão<br />

do Ministro do Interior de naturalizar 160<br />

000 estrangeiros é extraordinária. Isto é<br />

‘Nyerere puro’, em conformidade com a<br />

sua política Ujamaa, de trabalhar para o<br />

bem comum. Na Tanzânia encontramos<br />

ao mesmo tempo este extraordinário sentido<br />

de compaixão humana e uma curiosa<br />

mentalidade do tipo fortaleza; o desejo<br />

de uma Tanzânia para os tanzanianos.”<br />

O Partido fundado por Nyerere, o CCM,<br />

está no entanto a sofrer de longevidade.<br />

“Está há 49 anos no poder, um recorde<br />

para África, se não para o mundo”, observa<br />

Tim Clarke. “E não sem alguns problemas.<br />

Infelizmente, a corrupção parece dominar<br />

hoje a vida política. O governo adoptou<br />

algumas medidas positivas, como a criação<br />

de um Serviço de Prevenção e Combate<br />

à Corrupção (PCCB), a que deu alguns<br />

meios. Mas muita gente vê isto como uma<br />

cortina de fumo. Há muitas ‘fugas’ de<br />

dinheiro do sector público. Foi criado um<br />

programa de reformas do sector público,<br />

que estamos a apoiar. Mas precisa de ser<br />

reforçado. O trânsito de mercadorias no<br />

© Marie-Martine Buckens


país e na região é objecto de repetidos<br />

controlos policiais que aumentam os custos<br />

económicos e, nalguns casos, nomeadamente<br />

no que se refere aos produtos<br />

agrícolas frescos, conduzem à sua desnecessária<br />

deterioração. São precisos esforços<br />

intensivos para reduzir estas barreiras não<br />

aduaneiras ao comércio dentro e fora da<br />

Tanzânia. Nem nós, nem outros parceiros,<br />

conseguimos ter um debate verdadeiramente<br />

sério e profundo sobre questões de<br />

governação e de corrupção. Mas tenho a<br />

certeza de que lá chegaremos.”<br />

Abandonar velhos hábitos<br />

“A maior parte da nossa ajuda assume a<br />

forma de apoio geral e sectorial ao orçamento<br />

do Estado. Mas como não existe<br />

uma ligação clara entre a injecção de recur-<br />

sos e os resultados<br />

alcançados – resultados<br />

reais quantificáveis<br />

–, alguns Estados-<br />

Membros da UE mostram-se<br />

cada vez mais<br />

relutantes em recorrer<br />

a esta forma de instrumento<br />

financeiro.<br />

Gostaríamos de mais<br />

diálogo sobre questões<br />

de governação e de responsabilidade.” Tim<br />

Clarke continua dizendo: “A gestão dos<br />

recursos públicos deve ser melhorada, permitindo<br />

que os sectores público e privado<br />

cooperem, beneficiando de sinergias. O<br />

que se reclama é a redução da burocracia e<br />

a destruição da corrupção a todos os níveis.<br />

A seguir, pensamos nós, haverá progressos<br />

concretos, com benefícios reais para os<br />

pobres.” “A minha função”, acrescenta,<br />

“é ajudar a criar um ambiente empresarial<br />

sólido, apoiar a capacidade das instituições<br />

envolvidas na cooperação e, em última<br />

instância, permitir que a Tanzânia seja<br />

independente. Estou convencido de que a<br />

Tanzânia tem potencialidades e recursos<br />

para isso. Continuamos a ser um parceiro<br />

respeitador, mas há algumas diferenças<br />

entre as nossas expectativas e aquilo que<br />

os tanzanianos pensam e fazem.”<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

Na Tanzânia encontramos<br />

ao mesmo tempo este<br />

extraordinário sentido de<br />

compaixão humana e uma<br />

mentalidade do tipo fortaleza,<br />

o desejo de uma Tanzânia<br />

para os tanzanianos.<br />

“É verdade que o país apresenta uma boa<br />

estabilidade macroeconómica. Tem um<br />

apoio orçamental adequado e vai na boa<br />

direcção. Mas na Tanzânia muitas das<br />

pessoas pertencentes à comunidade de<br />

dadores sentem que o país não está a aproveitar<br />

o seu potencial.” As razões? “Não<br />

sei. Se houvesse uma fórmula mágica já<br />

teria sido inventada. O desenvolvimento<br />

da agricultura é difícil e leva tempo. Existe<br />

um estranho receio de ver os quenianos,<br />

os ugandeses e outros estrangeiros a controlarem<br />

a economia. Mas há aqui má<br />

informação – os últimos dados revelam<br />

que é a Tanzânia que se está a portar<br />

tão bem ou melhor do que outros membros<br />

da Comunidade da África Oriental<br />

em termos de comércio intra-regional.<br />

A forte mentalidade socialista ainda está<br />

muito enraizada e embora o sector privado<br />

esteja a fazer alguns<br />

progressos, continua<br />

a ser um processo<br />

muito exigente.”<br />

“Embora a agricultura<br />

devesse ser o<br />

principal meio de<br />

criação de riqueza,<br />

cont i nu a mo s a<br />

assistir a uma gestão<br />

deficiente dos recursos naturais. A<br />

desflorestação aumenta e assistimos à<br />

erosão dos solos e à perda de biodiversidade.<br />

E não me parece que o governo<br />

esteja a mobilizar recursos suficientes<br />

para resolver estes problemas.” Considera<br />

igualmente que no centro do problema<br />

estão questões relacionadas com o regime<br />

de propriedade, impedindo os pequenos<br />

agricultores de explorarem novas oportunidades.<br />

A enxada (‘jembe’) continua a<br />

ser o instrumento agrícola predominante<br />

dos agricultores. Trata-se de um problema<br />

bem conhecido em muitos países africanos<br />

e não existem soluções simples. Um<br />

ardente Tim Clarke continua: “O mesmo<br />

acontece no sector da saúde. As condições<br />

nos hospitais são por vezes terríveis, com<br />

duas ou três pessoas a terem de partilhar<br />

a mesma cama.” Mas existem excepções<br />

espantosas. Cita como “o melhor que<br />

há” o programa do hospital CCBRT (ler<br />

artigo separado), que trata pessoas deficientes<br />

em Dar es Salam.<br />

Credibilidade internacional<br />

No entanto, a Tanzânia continua a ser um<br />

interlocutor internacional preferido em<br />

questões de política africana. O Presidente<br />

Kikwete da Tanzânia foi um dos três líderes<br />

(juntamente com os Presidentes da<br />

Libéria e do Ruanda) convidados para<br />

falar numa conferência organizada pelo<br />

Presidente dos EUA, Barack Obama.<br />

“As ligações com a China também são<br />

importantes, como indica a visita do<br />

líder chinês, que é um acontecimento<br />

raro. É com os chineses que são assinados<br />

a maior parte dos contratos. Notável<br />

igualmente é a visita do Vice-Presidente<br />

iraniano, uma vez que as ligações com o<br />

mundo muçulmano também são importantes.”<br />

O Presidente Kikwete chefiou a<br />

União Africana e actualmente preside à<br />

Comunidade da África Oriental (EAC)<br />

(ler entrevista com o seu Secretário-<br />

Geral). Isto conta e o Embaixador admite<br />

que “a UE não investiu suficientemente<br />

e não jogou esta cartada”. Mas considera<br />

igualmente que o Presidente Kikwete<br />

podia ter usado a sua actual posição na<br />

EAC para fazer avançar a agenda económica.<br />

No entanto, a UE tem um diálogo<br />

limitado com a EAC, ainda que lhe sejam<br />

atribuídos indirectamente fundos da UE,<br />

essencialmente para apoiar acções governamentais<br />

a favor dos direitos humanos e.<br />

no futuro, de infra-estruturas. “Os meus<br />

colegas e eu próprio estamos a tentar<br />

criar um diálogo político”, responde Tim<br />

Clarke. Um diálogo que é muito importante,<br />

uma vez que a Tanzânia escolheu<br />

finalmente negociar o seu futuro Acordo<br />

de Parceria Económica (APE) com a UE<br />

no âmbito da EAC, abandonando a adesão<br />

ao bloco da África Austral. APE que<br />

continuam a ser difíceis de concluir. “A<br />

vontade política na EAC continua frouxa”,<br />

considera Tim Clarke. Daí a importância<br />

do futuro diálogo EAC/UE.<br />

© Marie-Martine Buckens © Marie-Martine Buckens<br />

Reportagem<br />

53


Reportagem<br />

Um apoio orçamental importante ao<br />

serviço da luta contra a pobreza<br />

Apesar de uma elevada taxa anual de crescimento do PIB, à volta de 7%, a Tanzânia continua a ser um dos quinze países mais<br />

pobres do mundo, segundo o índice de desenvolvimento humano do PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.<br />

Este país continua assim a ser o principal beneficiário da ajuda pública ao desenvolvimento (APD) na África subsariana.<br />

M.M.B.<br />

Os desembolsos de APD ultrapassaram<br />

os 2 mil milhões de<br />

dólares em 2006, duplicando<br />

em relação aos anos <strong>19</strong>90.<br />

Em contrapartida, há uma importante<br />

dependência da economia tanzaniana em<br />

relação a financiadores internacionais (16<br />

% do rendimento nacional bruto e 41 %<br />

do orçamento do Estado).<br />

No entanto, foram<br />

realizados progressos,<br />

nomeadamente<br />

na sequência da estratégia<br />

de crescimento<br />

e redução da pobreza<br />

(Mkukuta) implementada<br />

pelas autoridades. Esses progressos<br />

contam-se principalmente nos domínios do<br />

ensino primário, da igualdade de géneros<br />

e do acesso da população urbana à água<br />

(quando metade da população rural não<br />

tem acesso directo): mas ainda há muito<br />

por fazer na modernização das infra-estru-<br />

54<br />

Num centro de renutrição de Partage Tanzanie, em Bukoba. © Marie-Martine Buckens<br />

“o ritmo de diminuição da<br />

pobreza é demasiado lento e<br />

continua a ser um verdadeiro<br />

desafio para o governo.”<br />

turas, na luta contra a pobreza extrema,<br />

na subnutrição e na saúde.<br />

“Além disso, precisa Sadick Magwaya,<br />

responsável dos programas da UE na<br />

célula do gestor orçamental principal do<br />

Ministério das Finanças tanzaniano, a taxa<br />

de mortalidade passou de 112 para 91 por<br />

mil entre 2005 e 2009”. Mas reconhece<br />

que “o ritmo de diminuição da pobreza é<br />

demasiado lento e continua a ser um verdadeiro<br />

desafio para o governo”. O ensino<br />

secundário também continua com problemas:<br />

muito poucos professores e muitas<br />

vezes com má forma-<br />

ção, sem contar que o<br />

inglês – imprescindível<br />

para prosseguir estudos<br />

superiores – só é<br />

ensinado no primário<br />

nas escolas privadas,<br />

que se multiplicam cada vez mais.<br />

As zonas rurais, essencialmente agrícolas,<br />

onde vive 80% da população, foram “duramente<br />

afectadas pelos fracos rendimentos<br />

agrícolas e pelo subemprego”. A falta de<br />

oportunidades é tal que, em 2006, dos<br />

Um pouco mais de 500 milhões<br />

de euros de ajuda europeia<br />

No quadro do 10.º Fundo Europeu de<br />

Desenvolvimento (FED), a UE decidiu<br />

conceder 555 milhões de euros à Tanzânia<br />

para o período 2008/2013. Esta<br />

ajuda é concedida essencialmente na<br />

forma de apoio ao orçamento do governo<br />

(55% para o orçamento geral e<br />

25% para o orçamento sectorial – comunicações,<br />

infra-estruturas), sendo o<br />

resto – ou seja, 55,5 milhões de euros<br />

– afectado ao comércio e à integração<br />

regional (na sua componente de intervenientes<br />

não estatais).<br />

Outra parcela de 55,5 milhões de euros<br />

é afectada a programas que prevêem<br />

apoios:<br />

− aos intervenientes não estatais<br />

(23 milhões de euros)<br />

− ao gestor orçamental nacional<br />

(5 milhões de euros)<br />

− às eleições de <strong>2010</strong><br />

(3 milhões de euros)<br />

− à cooperação técnica<br />

(5 milhões de euros)<br />

− aos programas de reformas<br />

(8 milhões de euros)<br />

− à investigação sobre o clima e a<br />

energia (8 milhões de euros)<br />

− outros (queixas, imprevistos)<br />

(3,5 milhões de euros)<br />

760 000 candidatos a emprego, apenas 70<br />

000 encontraram um emprego... No plano<br />

agrícola, prossegue Sadick Magwaya, “os<br />

desafios continuam a ser importantes; a<br />

agricultura continua dependente das precipitações,<br />

os apoios – em investigação e<br />

conhecimentos – faltam cruelmente, assim<br />

como as infra-estruturas. A nossa indústria<br />

agro-alimentar permanece muito débil,<br />

quando a UE lhe queria dar a prioridade<br />

e forçar neste quadro o papel do privado”.<br />

Na nova estratégia Mkukuta, lançada em<br />

Julho de <strong>2010</strong>, o governo decidiu atribuir<br />

maior importância ao sector privado, mas,<br />

reconhece Sadick Magwaya, “este ainda<br />

continua muito fraco. Ora o sector público<br />

não pode aumentar indefinidamente... ”


Em Dar-es-Salam, o centro hospitalar<br />

de Msasani é um autêntico formigueiro.<br />

Vêem-se crianças que esperam o seu<br />

fisioterapeuta, outras à espera de serem<br />

operadas da catarata. Há uma fila diária<br />

de mais de 200 pessoas que esperam a<br />

sua consulta. Mas os cuidados a pessoas<br />

com deficiências não se limitam a esta<br />

fila à porta do hospital.<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

Romper o círculo vicioso<br />

da deficiência/pobreza<br />

M.M.B.<br />

“O vel da CCBRT, acró-<br />

projecto data de <strong>19</strong>95”,<br />

explica-nos Erwin<br />

Telemans, responsá-<br />

nimo de Comprehensive Community Based<br />

Rehabilitation in Tanzania. É obra de um<br />

grupo de pessoas empenhadas, encabeçado<br />

pelo Dr. Willibrod Slaa (candidato<br />

a Presidente pelo partido da oposição,<br />

Chadema, NdR), actualmente Presidente<br />

do conselho de administração do programa.<br />

“No início, o programa destinava-<br />

-se aos cegos – a catarata é uma autêntica<br />

calamidade – mas foi posteriormente alargado.<br />

Hoje, conta 320 empregados e dispõe<br />

de 200 camas. Mas o que é provavelmente<br />

mais importante do que o próprio hospital<br />

é o fato de trabalharmos em comunidades,<br />

juntamente com pessoal local.” Porque,<br />

prossegue ele, “convém saber que a deficiência<br />

é considerada em África como uma<br />

falta, um castigo de Deus”.<br />

Marginalização<br />

As pessoas com deficiência encontram-se<br />

assim confinadas em comunidades. Graças<br />

a uma vasta estratégia de comunicação onde<br />

© CCBRT/Dieter Telemans<br />

intervêm os meios de comunicação social,<br />

mas também ‘embaixadores’, que são<br />

frequentemente antigos doentes, o centro<br />

consegue convencer as famílias de levar ao<br />

centro os seus surdos, as crianças cegas,<br />

as nascidas com um pé-boto ou um lábio<br />

leporino. O centro Msanani cuida dessas<br />

pessoas, com a contribuição de médicos<br />

tanzanianos e estrangeiros. “São efectuadas<br />

aqui, todos os anos, 10.000 operações,<br />

8000 aos olhos e 2000 em ortopedia<br />

e reconstrução plástica”, diz ainda Erwin<br />

Telemans, e continua: “Há pessoas que<br />

perderam a vista há vinte anos por causa<br />

da catarata e, hoje, graças a uma operação<br />

de 20 minutos, vêem novamente. Quando<br />

se opera uma criança com menos de 6/7<br />

anos nascida com catarata, essa criança<br />

poderá recuperar a vista e tornar-se jurista,<br />

médico, sei lá, até presidente.” O CEO do<br />

programa recorda-se, feliz, de uma família,<br />

que se apresentou com os seus cinco filhos,<br />

todos cegos. Poucos dias depois, todos eles<br />

podiam ver. “A mãe ficou doida de felicidade<br />

e as crianças corriam por todo o hospital. Os<br />

Africanos são muito expressivos!”<br />

Mas nem todas as crianças são curadas.<br />

Foram assim criadas ‘unidades de apoio’<br />

para ajudar os pais, com o apoio de uma<br />

equipa de fisioterapeutas, a inserir os<br />

seus filhos com deficiência na sociedade.<br />

Foram iniciados programas de educação,<br />

que envolvem actualmente 58 escolas.<br />

Pouco a pouco, o centro começa a tratar<br />

outras deficiências, por exemplo, a deficiência<br />

das mães que sofrem de fístula<br />

obstétrica após um parto difícil, que as<br />

invalida e marginaliza. Também neste<br />

campo o trabalho em comunidades, em<br />

especial nas regiões rurais, revelou-se<br />

determinante. Hoje, o governo pediu à<br />

CCBRT que alargasse os seus serviços aos<br />

cuidados de saúde materna. Foi criado um<br />

hospital baseado numa parceria público-<br />

-privada. O governo ofereceu o terreno<br />

e paga alguns salários. Quanto ao resto,<br />

o centro funciona com o financiamento<br />

de donativos privados, de outras ONG e,<br />

sobretudo, da União Europeia.<br />

Em cada dez pessoas no mundo, uma<br />

sofre de deficiência. Em cada dez pessoas<br />

com deficiência, oito vivem no Sul.<br />

Na Tanzânia, frequentam a escola menos<br />

de 2% das pessoas com deficiência.<br />

Reportagem<br />

55


Reportagem<br />

O poder de decidir<br />

Extrair as jovens do círculo vicioso da pobreza e da dependência é um dos projectos<br />

desenvolvido no Norte da Tanzânia pela ONG alemã, DSW, que trabalha em dois<br />

eixos: a aprendizagem de uma profissão e o acompanhamento da sua sexualidade.<br />

M.M.B.<br />

Gertrudes tem 22 anos. Trabalha<br />

como cozinheira estagiária no<br />

hotel Golden Rose em Arusha,<br />

um grande centro urbano e<br />

turístico perto de Kilimandjaro. Em princípio,<br />

a Gertrudes será empregada dentro<br />

em breve. Seria, sem dúvida, uma história<br />

banal, se não fosse o facto de há apenas<br />

um ano a sua única escolha de vida ser<br />

casar ou reencontrar-se na rua, dado os<br />

seus pais não terem recursos para a ajudar<br />

no fim da sua escolaridade. Hoje,<br />

a Gertrudes só pensa em casar daqui a<br />

cinco anos.<br />

Toda a sua formação foi adquirida no<br />

centro de formação (Centro de Formação<br />

Profissional) em Faraja, a alguns quilómetros<br />

de Arusha, um centro fundado<br />

em 2007 por Martina Siara, assistente<br />

social na reforma. É um centro exemplar,<br />

construído em terrenos pertencentes<br />

à Srª Siara, que acolhe actualmente<br />

40 raparigas. Muitas delas viveram um<br />

passado doloroso – vítimas de violações,<br />

de comércio sexual e abandonadas pelas<br />

suas famílias. Dezasseis destas jovens já<br />

são mães. Foi recentemente inaugurado<br />

um infantário para lhes permitir seguir<br />

as suas formações: essencialmente em<br />

gestão hoteleira, confecção e informática.<br />

“É um centro único”, explica Jesse<br />

Orgenes, responsável de programa, “porque<br />

as mulheres são aceites juntamente<br />

com os seus filhos. Anteriormente, estas<br />

mulheres eram rejeitadas. Se lhes damos<br />

as ferramentas necessárias, elas podem<br />

integrar-se no mercado com menos riscos,<br />

sendo menos vulneráveis e mais confiantes<br />

nelas próprias. E terão finalmente o poder<br />

de decidir o que fazer da sua própria vida”.<br />

Ministros da mudança<br />

A organização não governamental DSW<br />

apoia o centro, graças ao financiamento<br />

da União Europeia, entre outros. Como é<br />

que estas mulheres chegaram ao centro?<br />

“Graças aos nossos clubes de jovens, estabelecidos<br />

nas três regiões – cerca de trinta<br />

clubes em cada região – onde trabalhamos<br />

56<br />

aqui no Norte: Arusha, Kilimandjaro e<br />

Tanga”, acrescenta Jesse Orgenes, e prossegue:<br />

“Estes clubes são utilizados em todos<br />

os nossos projectos.” A ONG apoia muitos<br />

projectos, todos com um denominador<br />

comum: ensinar os jovens, essencialmente<br />

mulheres jovens, a se responsabilizarem<br />

pela sua própria vida. A informação sobre a<br />

saúde sexual está no centro de uma grande<br />

parte das nossas acções – para além da<br />

distribuição de preservativos ou de pílulas,<br />

há teatros itinerantes que passam pelos<br />

mercados para sensibilizar para as práticas<br />

de risco e são propostos testes de rastreio<br />

da SIDA –, mas os animadores dos clubes<br />

ensinam igualmente os jovens a montar<br />

projectos e a geri-los financeiramente.<br />

Estes animadores, formados pela ONG,<br />

formam por sua vez outros jovens, que se<br />

tornam “ministros da mudança”, acrescenta<br />

ainda a Jesse Orgenes.<br />

No Centro de Formação Profissional em Faraja. © Marie-Martine Buckens<br />

Sempre apoiado pela UE, o programa de<br />

“saúde reprodutiva” da DSW alarga-se<br />

aos hospitais e a algumas grandes empresas<br />

– a DSW colabora com a Associação<br />

dos Horticultores da Tanzânia, TAHA,<br />

que reúne algumas das grandes explorações<br />

agrícolas de produção intensiva de<br />

flores da região –, e mesmo aos pequenos<br />

exploradores de minas, que trabalham<br />

frequentemente em condições sórdidas.<br />

“O apoio da UE não se limita a esta<br />

acção”, sublinha também o director<br />

nacional da DSW, Peter Munene, “apoia<br />

igualmente as nossas acções a favor da<br />

saúde no Quénia e Uganda, através do seu<br />

fundo regional. Por outro lado, também<br />

nos ajuda, via a Comunidade da África<br />

Oriental, a empreender acções junto dos<br />

jovens dos cinco países membros a fim<br />

de os sensibilizar para a vida política”.


A água, o desafio da gestão<br />

sustentável em Zanzibar<br />

Não faltam precipitações na ilha das especiarias, que no entanto tem que enfrentar múltiplos desafios para assegurar um<br />

abastecimento de água suficiente e de qualidade, em especial às populações rurais abandonadas do noroeste da ilha,<br />

distantes das zonas turísticas.<br />

M.M.B.<br />

A<br />

água das chuvas de monções é<br />

armazenada regularmente em<br />

caves naturais desta ilha essencialmente<br />

de coralina. Mas há<br />

vários factores que ameaçam esta disponibilidade.<br />

“A sobreexploração das águas<br />

subterrâneas provoca a salinização dos<br />

poços costeiros, provocando a sobrecarga<br />

dos poços no interior da ilha e uma deterioração<br />

da qualidade das águas”, explica<br />

Luca Todeschini da ONG italiana ACRA.<br />

Além disso, contrariamente à parte continental<br />

da Tanzânia, um decreto deste<br />

arquipélago semi-autónomo autorizou o<br />

investimento estrangeiro que, logicamente,<br />

equipou apenas a zona turística, na parte<br />

oriental da ilha. Por último, a rede de<br />

água pública é obsoleta e subavaliada em<br />

relação à população actual. “A maior parte<br />

da rede data da independência e a política<br />

da água não estava inscrita nas prioridades<br />

do governo no período <strong>19</strong>80-2004”,<br />

acrescenta Luca Todeschini. Foi necessário<br />

esperar 2004 para ver as autoridades<br />

adoptarem um decreto sobre a água, e<br />

2006 para instaurar a ZAWA, a autoridade<br />

responsável pela água em Zanzibar.<br />

Prioridade às comunidades<br />

A ZAWA é o parceiro principal da ACRA<br />

no projecto de gestão sustentável da água<br />

em Zanzibar, ao lado de duas ONG locais.<br />

Dotado de um orçamento de 1,45 milhões<br />

de euros durante três anos, 75% do projecto<br />

beneficia de financiamento da União<br />

Europeia. “É particularmente inovador<br />

na medida em que criou ‘comunidades<br />

para a água’, que gerem a água nas aldeias”.<br />

Estas comunidades, compostas na sua<br />

maioria por mulheres - factor de integração,<br />

dado as mulheres serem ignoradas<br />

pela economia – têm por tarefa assegurar a<br />

recolha das taxas nas aldeias. É uma tarefa<br />

particularmente difícil, dado ser necessário<br />

convencer as populações a pagarem um<br />

bem que era gratuito até há bem pouco<br />

tempo. Os comités eleitos são também<br />

encarregados da manutenção da pequena<br />

infra-estrutura do interior das comunas.<br />

The active participation of the population,<br />

coupled with the rehabilitation of the<br />

water network, has a positive impact on<br />

the willingness to pay, adds Todeschini:<br />

“People understood that the sale of water<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

at reasonable prices is essential to perpetuate<br />

the service for future generations and<br />

public health. Although the national water<br />

tariffs, recently published, could guarantee<br />

the recovery of the costs, we are just at the<br />

beginning of a behavioural change which<br />

will need time before fully succeeding”.<br />

Acção holística<br />

“Mas a nossa acção não se limita a isto”,<br />

refere Luca Todeschini. A ONG, que<br />

trabalha igualmente em parceria com<br />

a Universidade de Milão na Itália, assegura<br />

um mínimo de higiene - a terrível<br />

epidemia de cólera que devastou a<br />

ilha em <strong>19</strong>78 ainda não foi esquecida –<br />

com a construção de latrinas familiares.<br />

Participa também na reabilitação de<br />

castelos de água e na diversificação das<br />

actividades económicas dos aldeãos.<br />

Também aqui são preferidas as mulheres.<br />

Algumas agruparam-se em cooperativas<br />

agrícolas, a fim de abastecer os mercados,<br />

mas sobretudo os hotéis, em frangos que<br />

respondam às normas de higiene requeridas.<br />

Outras instalam novas colmeias<br />

nos mangais que proliferam na costa ocidental.<br />

Sem esquecer as comunidades<br />

de pescadores, envolvidas em projectos,<br />

ainda difíceis, de aquicultura.<br />

Micro-subsídios para actividades de apicultura nos mangais. © ACRA Itália<br />

Novo tanque de água. © ACRA Itália<br />

Reportagem<br />

57


Reportagem<br />

O pesadelo dos Tanzanianos<br />

M.M.B.<br />

Mwanza, segundo porto da<br />

Tanzânia, está situado nas<br />

margens do lago Vitória. Se<br />

perguntarmos às pessoas o<br />

que pensam de O Pesadelo de Darwin do<br />

realizador Hubert Sauper, o rosto fecha-se.<br />

Quatro anos após a sua estreia, o filme,<br />

premiado pela crítica internacional e desprezado<br />

pelos especialistas que o classificam<br />

de “mirone” e “desonesto”, não foi<br />

esquecido. Os Tanzanianos continuam<br />

à espera do inquérito prometido pelo seu<br />

Presidente que, na altura da sua estreia,<br />

sentiu-se insultado pelo filme.<br />

Lembremos que o filme mostra os efeitos<br />

negativos da instalação, financiada pela<br />

UE, de uma fábrica de acondicionamento<br />

de filetes de perca do Nilo, destinados à<br />

exportação para a <strong>Europa</strong> e o Japão, num<br />

porto até então limitado à pesca tradicional<br />

de baixo rendimento. A fábrica, cria cerca<br />

de mil empregos directos, mas origina<br />

também o êxodo rural e o aparecimento de<br />

uma série de actividades conexas, entre as<br />

quais a recuperação dos subprodutos, mas<br />

igualmente a prostituição, crianças de rua<br />

toxicodependentes e, como o sugere o realizador,<br />

o tráfico de armas, armas estas que<br />

enchem os navios de regresso à África após<br />

terem descarregado os filetes no Norte. E<br />

nem sequer falemos do desastre ecológico:<br />

introduzida há mais de 50 anos, a perca<br />

do Nilo, voraz e carnívora, bem depressa<br />

despovoou as águas, deixando à sua volta<br />

a desolação de um lago morto.<br />

Em Bukoba, porto situado a norte do<br />

Mwanza, fala-se de um prato de tilápia.<br />

“Está a ver”, lança-me um economista que<br />

trabalha para uma ONG, “as outras espécies<br />

estão ainda bem presentes”. O tilápia<br />

servido, ou tilápia do Nilo, é também uma<br />

Protecção da natureza contra desenvolvimento<br />

económico<br />

58<br />

A um mês das eleições, o governo tan-<br />

zaniano tenta acalmar o mau humor dos<br />

ecologistas, anunciando a criação de<br />

um grupo de trabalho encarregado de o<br />

aconselhar sobre o seu projecto contro-<br />

verso de construção de uma estrada que<br />

atravessa o parque nacional do Serengeti,<br />

classificado como património mundial da<br />

Humanidade da Unesco e principal centro<br />

turístico do país. Esta estrada de 50 km<br />

permitiria concretizar o velho projecto de<br />

uma via de comunicação económica, por<br />

espécie introduzida, uma espécie endémica<br />

que, segundo dizem alguns especialistas, já<br />

está praticamente eliminada. “Nos nossos<br />

centros de renutrição para crianças órfãs,<br />

utilizamos em grande quantidade o fulu,<br />

um pequeno peixe pelágico, fonte preciosa<br />

de proteínas e sais minerais.” O fulu continua<br />

a ser o peixe preferido pelas populações<br />

rurais mesmo se, estatisticamente, este<br />

peixe representa hoje apenas 1% das capturas<br />

contra 80% antes do desenvolvimento<br />

da perca. “Todavia é falacioso apresentar<br />

as coisas nesta perspectiva, porque isso não<br />

nos indica o volume realmente pescado”,<br />

sublinha o referido economista.<br />

Professora de Geografia e antiga responsável<br />

de uma ONG humanitária, a francesa<br />

Sylvie Brunel, mesmo se não nega a reali-<br />

um lado, entre o Uganda, Ruanda, Burundi<br />

e a República Democrática do Congo, e por<br />

outro, a costa este da Tanzânia, no litoral<br />

do oceano Índico.<br />

Mas esta estrada barra o caminho de migração<br />

anual de 1,3 milhão de gnus, cuja<br />

população incorre o risco de ser reduzida<br />

para menos de 300.000 cabeças, provocando<br />

uma degradação dos prados e<br />

ameaçando a sobrevivência de predadores,<br />

segundo os defensores do ambiente.<br />

Aldeia de pesca no Lago Vitória. © Marie-Martine Buckens<br />

dade mostrada no filme, condena aquilo<br />

a que ela chama o olhar eternamente condescendente<br />

e saudosista dos Ocidentais<br />

sobre uma África perenemente vítima.<br />

Ela critica além disso a análise “profundamente<br />

desonesta” do realizador Sauper,<br />

que estabelece uma relação directa entre<br />

os pedidos de ajuda alimentar do país e a<br />

situação dos abandonados de Mwanza,<br />

fustigando de passagem a maneira desonesta<br />

como os representantes europeus<br />

são metidos a ridículo. Um país não pode<br />

desenvolver-se sem mercado interno, sublinha<br />

a professora Brunel, e a experiência<br />

mostra que é frequentemente a existência<br />

de uma indústria moderna voltada para a<br />

exportação que o permite e não a preservação<br />

de uma comunidade autárcica com<br />

baixos rendimentos.


Ebulição cultural<br />

Do ngoma tradicional ao design, passando pelas pinturas Tinga, sem esquecer o renascimento do cinema,<br />

a cultura tanzaniana vive-se e deve ser procurada entre tradição e modernidade.<br />

M.M.B.<br />

Perto do porto de Mwanza, no<br />

Norte do país, o centro cultural<br />

Bujora é uma das duas grandes<br />

instituições que faz a promoção<br />

do ngoma, dança tradicional tanzaniana,<br />

feita de ritmos subtis – ritmados por<br />

tambor e marimbas, ou lamelofonos – que<br />

exprimem a vida da comunidade e permitem<br />

comunicar com os antepassados.<br />

Em contrapartida, Dar es Salaam é palco<br />

de iniciativas mais modernas. É na capital<br />

económica que Mustafa Hassanali “faz<br />

da moda uma religião”, como o indica o<br />

sítio web da Semana da moda Swahilie,<br />

uma iniciativa anual lançada por este<br />

jovem desenhador de moda.<br />

Com os seus amigos, Rachel Kessi abriu<br />

a Mawazo Gallery, em 2003, no centro<br />

de Dar es Salaam. A galeria desta jovem<br />

‘comerciante de arte’ tanzaniana, expatriada<br />

durante longos anos na Suíça,<br />

permite aos artistas locais exporem as<br />

suas obras.<br />

O Festival Internacional do Filme de<br />

Zanzibar (ZIFF), lançado em <strong>19</strong>98, permitiu<br />

ao cinema tanzaniano sair do seu<br />

torpor. Mas o ZIFF, como o testemunha<br />

a sua última edição que premiou um<br />

filme sul-africano, tornou-se um acontecimento<br />

cultural incontornável e constitui<br />

uma vitrina para os artistas de todo o<br />

oceano Índico e além.<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

A herança de Tingatinga<br />

Quatro anos de pintura na sua vida... foram<br />

o suficiente para que 38 anos depois cerca<br />

de 400 artistas tanzanianos reivindiquem<br />

a sua pertença a uma escola que tem hoje<br />

o seu nome.<br />

Edward Saidi Tingatinga nasceu, é o que<br />

dizem, em <strong>19</strong>32. Foi apenas em <strong>19</strong>68, ao<br />

ver o interesse dos turistas de passagem<br />

em Dar es Salaam pelas pinturas realizadas<br />

em Moçambique, país vizinho, e<br />

a ausência de pinturas tanzanianas, que<br />

ele decidiu começar a pintar.<br />

Suporte: painéis de aglomerados. Cores:<br />

tintas esmaltadas obtidas nas carroçarias<br />

vizinhas. Motivos: animais, pintados em<br />

cores vibrantes e fortes. Nasceu assim<br />

um novo estilo. Edward, funcionário,<br />

encarregou a sua mulher de vender os<br />

seus quadros nos bairros frequentados<br />

da capital económica tanzaniana. As suas<br />

pinturas agradam, vendem-se – a preços<br />

módicos – e bem depressa Edward pediu<br />

ajuda a outros membros da família. Alguns<br />

deles tornaram-se mesmo seus discípulos.<br />

David Mzuguno. Cortesia de Lumières d’Afrique<br />

Foi assim que nasceu uma escola que se<br />

perpetua hoje, baseada na transmissão.<br />

Edward, formou cinco aprendizes que, por<br />

sua vez, formaram vinte outros, e assim<br />

de seguida. “Nestas cooperativas, a<br />

imitação era quase obrigatória”, explica-<br />

-nos Yves Goscinny, antigo galerista em<br />

Dar es Salaam e hoje co-gerente da Galerie<br />

Lumières d’Afrique, em Bruxelas. “Os<br />

artistas não assinavam as suas obras.<br />

Só mais tarde, aconselhado pelos Ocidentais,<br />

Edwaurd começou a assinar as<br />

suas pinturas E.S. Tingatinga, quando o<br />

nome que o designa é Edward, Saidi é<br />

o do seu pai e Tingatinga o do seu avô”.<br />

Edward morreu em <strong>19</strong>72 com uma bala<br />

perdida numa perseguição de malfeitores.<br />

Hoje, o estilo Tingatinga está muito diversificado<br />

com a introdução permanente<br />

de novos temas, mas as cores fortes e<br />

brilhantes mantêm-se. Entre os novos<br />

pintores, citemos David Mzuguno, cujas<br />

pinturas serão expostas numa retrospectiva<br />

excepcional de 4 a 29 de Abril, nas salas<br />

da Comissão Europeia, em Bruxelas.<br />

Informação: www.lumieresdafrique.eu<br />

Reportagem<br />

59


Criatividade<br />

Sandra Federici<br />

60<br />

Camuflagem urbana:<br />

Explorar as origens de um projecto artístico<br />

Em África, o vestuário não é apenas um meio de cobrir o corpo. É também um meio<br />

de comunicar uma origem cultural e definir um estatuto social. É como uma lição<br />

de história tornada plástica, passeando pelas cidades e aldeias. É este conceito<br />

que Ann Gollifer, uma artista britânica que vive permanentemente no Botsuana,<br />

explora no seu trabalho, especialmente no seu projecto ‘Camuflagem urbana’.<br />

Jovens do Botsuana participaram<br />

no primeiro projecto ‘Camuflagem<br />

urbana’. O ‘Safari de rua’ realizou-se<br />

em 2007 em Gaborone, capital do<br />

Botsuana, e nesse evento os jovens vestiram<br />

fatos especiais representando imagens<br />

dos fundadores do Botsuana – ‘Os Três<br />

Chefes’ – Khama, Sebele e Bathoen. O<br />

facto de passearem na sua cidade assim<br />

vestidos permitiu a estes jovens expressarem<br />

uma consciência de questões como a<br />

história e a identidade africanas e reflectirem<br />

sobre essas questões.<br />

O Correio entrevistou Ann Gollifer, que<br />

está neste momento a preparar outro<br />

evento artístico baseado nas cangas (panos<br />

africanos), que se realizará igualmente em<br />

Gaborone. As cangas são cortes de tecido<br />

de algodão estampados, frequentemente<br />

com uma orla, um desenho central e um<br />

texto. São um tipo de vestuário tradicional<br />

usado pelas mulheres na África Central<br />

e Oriental. O texto evoluiu de citações<br />

geralmente políticas nos anos 60 e 70 para<br />

ditos judiciosos e piadas actualmente.<br />

Pode falar-nos do seu novo projecto<br />

‘Moda e Arte’?<br />

Pretendo fazer uma série de cangas usando<br />

os meus próprios desenhos e provérbios.<br />

A minha ideia é arranjar um estampador<br />

industrial de tecidos para estampar o pano<br />

e depois arranjar um grupo de mulheres<br />

para usarem esses panos africanos e<br />

fazerem uma sessão de fotografia. Estou<br />

neste momento a desenhar o pano usando<br />

a continuação das minhas ilustrações e a<br />

‘Haarlem Hand’. Os slogans que vou usar<br />

serão em inglês e/ou tsuana.<br />

Urban Camouflage, saindo do cemitério Ramotswa, 2008. © Ann Gollifer


Onde será o evento e que slogans serão<br />

utilizados?<br />

Haverá outro ‘Safari de rua’ em Gaborone.<br />

Gostaria de usar locais urbanos, como<br />

supermercados: cadeias de supermercados<br />

sul-africanos no Botsuana, bem como<br />

pequenas cadeias locais como a Choppies.<br />

Estou também a pensar em estabelecimentos<br />

de limpeza a seco. Os slogans/provérbios<br />

estampados nas cangas terão frases<br />

que ouvi das minhas avós, da minha mãe e<br />

de amigos, bem como slogans publicitários<br />

que me impressionaram por serem divertidos<br />

ou de certo modo importantes. Por<br />

exemplo, o maravilhoso slogan publicitário<br />

que é usado actualmente para vender<br />

farinha de sorgo: ‘Unleash the indigenous<br />

you’! [‘Liberta o teu lado indígena’!]<br />

Quem é que vai vestir as cangas que<br />

está a criar?<br />

O grupo de mulheres que vai usar as cangas<br />

serão amigas minhas de diferentes<br />

nacionalidades e culturas que vivem em<br />

Gaborone: Botsuana, Suécia, Jamaica,<br />

África do Sul, Zimbabué, etc. Vão vestir<br />

as minhas cangas – ‘trajes tradicionais<br />

africanos’ que personalizei com as minhas<br />

imagens – em cenários contemporâneos<br />

relacionados com as tarefas mundanas<br />

realizadas durante um dia da vida de uma<br />

Fotografia africana em Ulm:<br />

uma exposição a não falhar<br />

Quando se utilizam grandes quantias de dinheiro para apoiar artistas, para contratar curadores competentes e para oferecer<br />

ao público uma experiência cultural inteligente e única, os resultados são sempre agradáveis. É isto que acontece com a<br />

primeira exposição organizada pela Colecção Walther, que está a decorrer em Burlafingen, perto de Ulm, no sul da Alemanha,<br />

de Junho de <strong>2010</strong> a Junho de 2011.<br />

S.F.<br />

Sob a direcção do crítico de arte<br />

nigeriano Okwui Enwezor, a exposição<br />

integra o trabalho de três<br />

gerações de artistas e fotógrafos<br />

africanos com o de fotógrafos alemães<br />

modernos e contemporâneos. No total<br />

compreende 243 trabalhos de 32 artistas,<br />

todos sobre o tema ‘Eventos de Si Próprio:<br />

Retratos e Identidade Social’.<br />

As fotografias em exposição fazem parte<br />

da Colecção Walther, uma vasta colecção<br />

muito importante e profunda do trabalho<br />

de fotógrafos africanos modernos e contemporâneos.<br />

A Colecção foi criada por Artur<br />

Walther, um gestor e empresário reformado<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

mulher, como preparar a comida e lavar a<br />

roupa: o dia de “caça e colheita” moderno,<br />

realizado pelas donas de casa actuais.<br />

O trabalho de Gollifer está cheio de ironia<br />

e conta histórias sobre a capacidade<br />

africana para alternar entre a tradição e a<br />

Urban Camouflage, no ar com os ‘Three Chiefs’(Três Chefes), 2008. © Ann Gollifer<br />

modernidade, renovando naturalmente a<br />

tradição todos os dias para produzir criações<br />

novas e autónomas. Os seus trabalhos<br />

suscitam sempre novas questões sobre a<br />

cultura e a identidade africanas.<br />

Theo Eshetu, “Trance” 100 x 100. Cortesia de Theo Eshetu<br />

Criatividade<br />

61


Criatividade<br />

que trabalhou antes no sector financeiro.<br />

Walther dedicou o seu tempo a coleccionar<br />

fotografias africanas, chinesas, americanas<br />

e alemãs e esteve envolvido activamente na<br />

organização de uma série de instituições<br />

de artes visuais e de palco. Desde 2005<br />

que Okwi Enwezor ajuda Arthur Walther<br />

a dar forma e a alargar a parte africana da<br />

sua Colecção e foi responsável pela supervisão<br />

do catálogo. Foi a primeira vez que a<br />

Colecção abriu as portas ao público.<br />

Chika Okeke-Agulu, um importante curador<br />

que também é Dean dos Assuntos<br />

Académicos do Instituto de Artes de<br />

São Francisco e editor-fundador de<br />

Nka: Journal of Contemporary African<br />

Art, escreve no seu blogue: “Prevejo que<br />

no futuro esta Colecção será a principal<br />

fonte de investigação para os estudiosos<br />

da fotografia africana”.<br />

62<br />

Por exemplo, a primeira secção da exposição<br />

– localizada no edifício ‘White<br />

Box’ – tem duas sequências. A primeira<br />

é uma exposição monográfica dedicada<br />

aos retratos de estúdio do artista<br />

anglo-nigeriano Rotimi Fani-Kayode<br />

(<strong>19</strong>55-<strong>19</strong>89), enquanto a segunda é uma<br />

exposição que apresenta o trabalho de<br />

25 artistas africanos contemporâneos e<br />

que está organizada em torno dos temas<br />

retratos, imagens, géneros, representação,<br />

teatralidade e identidade. Os artistas<br />

incluem Sammy Baloji, Oladélé Ajiboyé<br />

Bamgboyé, Yto Barrada, Candice Breitz,<br />

Allan de Souza, Theo Eshetu, Samuel<br />

Fosso, David Goldblatt, Kay Hassan,<br />

Romuald Hazoumè, Pieter Hugo, Maha<br />

Maamoun, Boubacar Touré Mandémory,<br />

Salem Mekuria, Zwelethu Mthethwa,<br />

Zanele Muholi, James Muriuki, Ingrid<br />

MwangiRobertHutter, Grace Ndiritu, Jo<br />

Ractliffe, Berni Searle, Mikhael Subotzky,<br />

Guy Tillim, Hentie van der Merwe e<br />

Nontsikelelo Veleko.<br />

A exposição na ‘Green House’ apresenta<br />

e compara os retratos de dois grandes<br />

mestres modernos: Seydou Keïta (do<br />

Mali) e August Sander (da Alemanha).<br />

Entretanto, na ‘Black House’ analisa-se<br />

o conceito de série no trabalho de Bernd<br />

e Hilla Becher (da Alemanha), Malick<br />

Sidibé (do Mali) e J. D. Okhai Ojeikere<br />

(da Nigéria).<br />

Theo Eshetu, "Passagem" 35 x 200, de "Trip to Mount Ziqualla"(Passeio ao Monte Ziqualla) (2005). Cortesia de The Walther Collection.


Para jovens leitores<br />

Um barco com mais de 200<br />

imigrantes clandestinos<br />

preso no alto mar<br />

Vejam<br />

só!<br />

está a<br />

ser cada Vez mais<br />

difícil...<br />

o Nosso plaNo foi<br />

por ágUa abaixo...<br />

calma,<br />

eU teNho talVez<br />

Uma ideia...<br />

N. <strong>19</strong> N.E. – SEtEmbro outubro <strong>2010</strong><br />

Uma entrada na europa frutuosa?<br />

Não<br />

pode ser!!!<br />

Não<br />

podias dizer<br />

melhor!<br />

frUta exótica!<br />

frUta de áfrica!<br />

VeNham para a eUropa<br />

qUe Vos roUbam!<br />

mais<br />

Um falhaNço!<br />

eh! eh! eh!<br />

façam as malas!<br />

eU já teNho os<br />

Nossos passaportes<br />

para a eUropa!<br />

e estes Nem seqUer<br />

VislUmbraram ao loNge<br />

as costas da eUropa...<br />

mesmo<br />

arriscaNdo a Vida, NUNca<br />

coNsegUiremos partir daqUi!<br />

Banda desenhada de Eric Andriantsalonina<br />

63


Neste ano, a 5.ª edição das Jornadas Europeias<br />

do Desenvolvimento (JED) terão lugar<br />

em Bruxelas, em 6 e 7 de Dezembro. Organizadas<br />

pela Comissão Europeia e pela<br />

Presidência belga do Conselho da União<br />

Europeia, as JED são o fórum líder europeu<br />

onde são debatidos assuntos e questões<br />

sobre a cooperação internacional para o<br />

desenvolvimento.<br />

Agenda NOVEMBRO-DEZEMBRO DE <strong>2010</strong><br />

Novembro<br />

18 - <strong>19</strong>/11 Fórum dos líderes de media<br />

africanos<br />

Iaundé, Camerões<br />

<strong>19</strong>/11 Fórum da Diáspora BELUX<br />

Nigeriana<br />

Organizado pela Organização<br />

dos Nigerianos da Diáspora na<br />

<strong>Europa</strong> (NIDOE) em parceria<br />

com a Embaixada da Nigéria.<br />

Tema: Activar o investimento<br />

das Comunidades de<br />

Desenvolvimento Mútuo<br />

Centro de Conferências,<br />

Secretariado ACP, Bruxelas,<br />

Bélgica<br />

Mais informação: www.nidoebelux.org<br />

/ Tel.: +32 497 05 35 30<br />

E-mail: nidobelux@gmail.com<br />

64<br />

Jornadas Europeias do Desenvolvimento <strong>2010</strong><br />

As quatro edições anteriores das JED confirmaram<br />

o papel da <strong>Europa</strong>, não só como<br />

principal doador da ajuda ao desenvolvimento,<br />

mas também como líder do pensamento<br />

internacional sobre a cooperação<br />

para o desenvolvimento. As JED reforçaram<br />

o conhecimento público de questões<br />

de desenvolvimento e ajudaram a melhorar<br />

a coesão europeia com vista a aumentar a<br />

eficácia da ajuda.<br />

25-26/11 Africomm <strong>2010</strong>: 2.ª<br />

Conferência Internacional do<br />

ICST sobre e-Infra-estruturas<br />

e Serviços para Países em<br />

Desenvolvimento<br />

Cidade do Cabo, África do Sul<br />

26 - 28/11 4.º Fórum Comercial da<br />

UE-África<br />

Tripoli, Líbia<br />

www.euafrica-businessforum.org<br />

29 - 30/11 Cimeira UE-África<br />

Tripoli, Líbia<br />

www.africa-eu-partnership.<br />

org/3rd-africa-eu-summit<br />

29 - 10/12 Conferência das Nações<br />

Unidas sobre Alterações<br />

Climáticas<br />

Cancun, México<br />

http://cc<strong>2010</strong>.mx/en<br />

Alguns temas cobertos:<br />

• Eficácia da ajuda - Objectivo Coreia <strong>2010</strong><br />

• Estará a União Europeia empenhada em<br />

fomentar a mudança?<br />

• Desenvolvimento para a próxima geração<br />

– Os direitos das crianças na política de<br />

desenvolvimento<br />

• Segurança alimentar<br />

• Criar trabalho digno para mulheres<br />

www.eudevdays.eu<br />

Escola Montessori em Bukoba, construída pela ONG ‘Partage-Tanzanie’, Tanzânia. © Marie-Martine Buckens<br />

DIRECIóN: EL COREO – 45, RUE DE TRèVES 1040 BRUSELAS (BÉLGICA)<br />

COREO ELECTRóNICO: INFO@ACP-EUCOURIER.INFO – SITIO WEB: WW.ACP-EUCOURIER.INFO<br />

Dezembro<br />

02 - 04/12 20.ª sessão da Assembleia<br />

Paritária Parlamentar ACP-UE<br />

Kinshasa, República<br />

Democrática do Congo<br />

www.europarl.europa.eu/intcoop/<br />

acp/60_20/default_en.htm<br />

06 - 07/12 Jornadas Europeias do<br />

Desenvolvimento<br />

Bruxelas, Bélgica<br />

www.eudevdays.eu<br />

07 - 08/12 3.º Fórum da Cooperação<br />

<strong>Europa</strong>-África sobre<br />

Investigação TIC<br />

Helsínquia, Finlândia<br />

www.euroafrica-ict.org/events/<br />

cooperation-forums/at-a-glance/<br />

09 - 10/12 Conferência <strong>Europa</strong>-África<br />

sobre e-Infra-estructuras <strong>2010</strong><br />

Helsínquia, Finlândia<br />

http://ei-africa.eu/at-a-glance/


ÁFRICA – CARAÍBAS – PACÍFICO e UNIÃO EUROPEIA<br />

uNIÃo EuropEIa<br />

alemanha Áustria<br />

bélgica bulgária chipre<br />

dinamarca Eslováquia<br />

Eslovénia Espanha<br />

Estónia Finlândia França<br />

grécia Hungria Irlanda<br />

Itália Letónia Lituânia<br />

Luxemburgo malta<br />

países baixos polónia<br />

portugal reino unido<br />

república checa<br />

roménia Suécia<br />

caraÍbaS<br />

antígua e barbuda baamas<br />

barbados belize cuba<br />

domínica granada guiana Haiti<br />

Jamaica<br />

república dominicana São<br />

cristóvão e Nevis<br />

Santa Lucía<br />

São Vicente e<br />

granadinas<br />

Suriname trindade e<br />

tobago<br />

pacÍFIco<br />

cook (Ilhas) Fiji Kiribati marshall (Ilhas)<br />

micronésia (Estados Federados da)<br />

Nauru Niue palau papuásia-Nova<br />

guiné Salomão (Ilhas) Samoa timor<br />

Leste tonga tuvalu<br />

Vanuatu<br />

madagáscar malawi mali<br />

mauritânia maurícia (Ilha)<br />

moçambique Namíbia<br />

Níger Nigéria Quénia<br />

república centroafricana<br />

ruanda São<br />

tomé e príncipe Senegal<br />

Seicheles Serra Leoa<br />

Somália Suazilândia Sudão<br />

tanzânia togo uganda<br />

Zâmbia Zimbabué<br />

ÁFrIca<br />

África do Sul angola<br />

benim botsuana<br />

burquina Faso burundi<br />

cabo Verde camarões<br />

chade comores congo<br />

(república democrática)<br />

congo (brazzaville)<br />

costa do marfim djibouti<br />

Eritreia Etiopía gabão<br />

gâmbia gana guiné<br />

guiné-bissau guiné<br />

Equatorial Lesoto Libéria<br />

as listas dos países publicadas pelo Correio não prejulgam o estatuto dos mesmos e dos seus territórios, actualmente ou no futuro. O Correio utiliza mapas de inúmeras fontes.<br />

o seu uso não implica o reconhecimento de nenhuma fronteira em particular e tampouco prejudica o estatuto do Estado ou território.


Not for sale<br />

ISSN 1784-682X<br />

Contracapa: Estação Central de Antuérpia. © Reporters

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