O uso dos conceitos no ensino e pesquisa de história rural. João ...
O uso dos conceitos no ensino e pesquisa de história rural. João ...
O uso dos conceitos no ensino e pesquisa de história rural. João ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
O <strong>uso</strong> <strong>dos</strong> <strong>conceitos</strong> <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> e <strong>pesquisa</strong> <strong>de</strong> <strong>história</strong> <strong>rural</strong>.<br />
<strong>João</strong> Victor Pollig ∗<br />
Inicialmente é importante ressaltar que somos <strong>de</strong>fensores assíduos da ban<strong>de</strong>ira<br />
pedagógica que todo professor que leciona <strong>história</strong> tem como tarefa obrigatória ser um<br />
<strong>pesquisa</strong>dor. São vários os indicativos <strong>de</strong> que a <strong>história</strong> ensinada atualmente por meio da<br />
condução do alu<strong>no</strong> <strong>no</strong>s caminhos da <strong>pesquisa</strong> histórica tem um resultado muito mais<br />
satisfatório, eficiente e agradável, do que um ensi<strong>no</strong> pedagógico tradicional cujo método da<br />
memorização é instrumento básico. O ato <strong>de</strong> ensi<strong>no</strong>, principalmente da <strong>história</strong>, nada mais é<br />
que uma forma <strong>de</strong> <strong>pesquisa</strong>, uma prática que <strong>de</strong>ve ser uma via <strong>de</strong> mão-dupla entre professores<br />
e alu<strong>no</strong>s.<br />
Neste sentido temos a consciência <strong>de</strong> que o professor-historiador tem como suas<br />
principais funções à análise crítica <strong>dos</strong> documentos, a investigação, o levantamento <strong>de</strong><br />
problemas e hipóteses para po<strong>de</strong>r remontar através <strong>dos</strong> documentos ao passado e assim<br />
apresentá-los aos alu<strong>no</strong>s e <strong>de</strong>ixá-los construir sua visão histórica. Enfatizamos que nenhuma<br />
produção historiográfica será a mesma uma da outra, <strong>de</strong>vido à bagagem subjetiva que cada<br />
indivíduo possui e também <strong>dos</strong> artifícios disponíveis em suas mãos para enfim realizar a<br />
<strong>pesquisa</strong>. Assim como cada alu<strong>no</strong> tem sua bagagem sócio-cultural que interferem <strong>no</strong> seu<br />
processo cognitivo <strong>de</strong> aprendizagem e, por conseguinte, <strong>no</strong> <strong>de</strong>senvolvimento das tarefas <strong>de</strong> se<br />
construir a <strong>história</strong>.<br />
Diversos são os estudiosos do ensi<strong>no</strong> da <strong>história</strong> que <strong>de</strong>stacam como objeto principal<br />
que <strong>de</strong>ve ser posto a disposição <strong>dos</strong> estudantes para que a <strong>história</strong> se torne mais “concreta” e<br />
me<strong>no</strong>s “transcen<strong>de</strong>ntal” os fatos e os documentos históricos. É a abordagem e a indagação às<br />
fontes, segundo Carr, que se consegue ter o contato com o passado, e é por meio do<br />
levantamento <strong>de</strong> problemas e perguntas que as fontes irão respon<strong>de</strong>r as necessida<strong>de</strong>s do seu<br />
investigador. Pois bem, não será possível a qualquer pessoa realizar todas essas tarefas sem<br />
ter <strong>no</strong> mínimo uma <strong>de</strong>finição, um significado do seu objeto, ou seja, um conceito, a<br />
ferramenta na qual o historiador utiliza para po<strong>de</strong>r i<strong>de</strong>ntificar suas fontes, contextualizá-las,<br />
∗ Mestre em História Social pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro.
fazer enfim, a “investigação, compreensão, exploração <strong>dos</strong> documentos” (MARROU, 1974:<br />
131).<br />
Da mesma forma que Lucien Febvre <strong>no</strong>s coloca que não existe <strong>história</strong> sem<br />
problemas, po<strong>de</strong>mos afirmar que os meios necessários para resolver esses problemas<br />
instituí<strong>dos</strong> junto às fontes, são os <strong>conceitos</strong> cria<strong>dos</strong> ao longo <strong>de</strong> toda historiografia, são eles<br />
que fundamentam e até dão características, <strong>de</strong> acordo com cada conceito que é escolhido, ao<br />
resultado final <strong>de</strong> um estudo. É por meio <strong>de</strong>les que conseguimos se situar perante o<br />
documento e ter a consciência do que necessita para interagir com sua fonte e <strong>de</strong> quais<br />
caminhos precisará seguir para dar sentido a sua <strong>pesquisa</strong>.<br />
Marrou coloca que “(...) o historiador não po<strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r seja o que for do passado<br />
(...) sem o >” (I<strong>de</strong>m: 131), e esta apreensão do passado po<strong>de</strong> ser igualmente<br />
estendida na apreensão da fonte primária, sendo esta qualificação realizada por meio <strong>de</strong> vários<br />
<strong>conceitos</strong> que foram, ou ainda serão, construí<strong>dos</strong> pelos historiadores. Através <strong>de</strong>sta<br />
qualificação, do sentido que os <strong>conceitos</strong> dão ao objeto que permite não só ao professor e<br />
alu<strong>no</strong> entendê-lo, mas principalmente interpretá-lo, <strong>de</strong>scobrindo assim a verda<strong>de</strong>ira essência e<br />
importância que este objeto traga a ele, levando-o ao passado e abrindo possibilida<strong>de</strong>s para a<br />
realização <strong>de</strong> suas <strong>pesquisa</strong>s. Vemos a partir <strong>de</strong>ssas questões que os <strong>conceitos</strong> possuem o<br />
mesmo grau <strong>de</strong> relevância que as fontes <strong>no</strong> conjunto <strong>de</strong> instrumentos que o historiador<br />
disponibiliza para analisar, estudar e ter o contato com o passado. Em suma, “se não há<br />
problemas, não há <strong>história</strong>.” (FEBVRE, s/d: 31), também não há como o professor ensinar aos<br />
seus alu<strong>no</strong>s compreen<strong>de</strong>r esta <strong>história</strong> sem fontes e principalmente sem <strong>conceitos</strong>.<br />
Os <strong>conceitos</strong> são representações intelectuais, são generalizações sobre um recorte do<br />
real, em um <strong>de</strong>terminado tempo e espaço. Nunca haverá um conceito que abrangerá to<strong>dos</strong> os<br />
acontecimentos históricos semelhantes na <strong>história</strong>, como “não se po<strong>de</strong> escrever uma<br />
‘narração’ <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os acontecimentos da <strong>história</strong>, mas é possível sim haver um discurso não<br />
narrativo on<strong>de</strong> a lógica total <strong>de</strong> um processo histórico seja expressa.” (ARÓSTEGUI, 2006:<br />
294)<br />
Este processo histórico <strong>de</strong>finido por Aróstegui é o que caracteriza o estudo da <strong>história</strong>,<br />
a eterna mudança nas socieda<strong>de</strong>s, e para cada transformação se faz necessário criar mais <strong>de</strong><br />
uma generalização para estudá-la, por ser impossível estabelecer um conceito totalizante<br />
sobre cada processo, pois “a <strong>história</strong> existe enquanto existe mudanças e, antes disso, enquanto
existe movimento.” (I<strong>de</strong>m: 289). A mesma questão com os <strong>conceitos</strong> na historiografia,<br />
quando não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong> forma alguma totalizar ou universalizar um conceito histórico.<br />
Todo conceito é uma proposta <strong>de</strong> generalizar um recorte do real e não <strong>de</strong> universalizá-<br />
lo. Por ser cada conceito uma representação <strong>de</strong> parte do passado, quando um historiador<br />
busca, via <strong>de</strong> regra, <strong>conceitos</strong> que necessita para a explicação da realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> primeiro<br />
momento adquiri o que Marrou colocou como uma “imagem mutilada <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong><br />
humana” (MARROU, 1974: 133), por isso é importante cada professor e, sobretudo, cada<br />
alu<strong>no</strong> ter seus próprios <strong>conceitos</strong> construí<strong>dos</strong> com base naqueles que já estão presentes na<br />
historiografia para finalizar seu estudo, or<strong>de</strong>nando com clareza a realida<strong>de</strong>.<br />
Utilizaremos o conceito <strong>de</strong> colonialismo para exemplificar a diferença entre<br />
generalizar e universalizar o conceito, e quais os distúrbios que esta diferença po<strong>de</strong> ocasionar<br />
quando não compreendida. Colonialismo po<strong>de</strong> ser conceituado como forma <strong>de</strong> dominação ou<br />
subordinação, na qual existe um dominador que subordina um dominado por meio <strong>de</strong> uma<br />
política <strong>de</strong> total controle. Porém po<strong>de</strong>mos generalizar este conceito para a forma <strong>de</strong> ocupação<br />
adotada pelos europeus na América, mas não se po<strong>de</strong> universalizar a mesma forma <strong>de</strong><br />
dominação para to<strong>dos</strong> os mo<strong>de</strong>los europeus <strong>de</strong> colonização, pois na América do Sul teve um<br />
caráter exploratório, o que não ocorreu na América Inglesa, num primeiro momento.<br />
Todo o indivíduo envolvido com a compreensão da <strong>história</strong> tem como uma das suas<br />
principais funções, além daquelas já citadas, a criação <strong>dos</strong> <strong>conceitos</strong>. Ele po<strong>de</strong>rá utilizar<br />
<strong>conceitos</strong> já tradicionais na historiografia ou conceito <strong>de</strong> outro estudo, pois irão facilitar na<br />
produção <strong>de</strong> seu conhecimento científico, mas ele também po<strong>de</strong> conectar diversos <strong>conceitos</strong><br />
acerca <strong>de</strong> um mesmo objeto e criar um <strong>no</strong>vo conceito que irá complementar e aten<strong>de</strong>r to<strong>dos</strong><br />
seus anseios. Temos como professores <strong>de</strong> <strong>história</strong> <strong>de</strong>ixar claro aos alu<strong>no</strong>s que o passado em si<br />
já é o resultado <strong>de</strong> construções <strong>de</strong> outros historiadores e <strong>de</strong> indivíduos que <strong>de</strong>ixaram os seus<br />
registros e é por meio <strong>dos</strong> <strong>conceitos</strong> que há uma facilida<strong>de</strong> em ter uma or<strong>de</strong>nada conjuntura<br />
<strong>de</strong>ste passado, tendo uma maior compreensão sobre este,<br />
“Não apreen<strong>de</strong>mos diretamente as coisas tal como elas na realida<strong>de</strong> se passaram.<br />
Pensamo-la, isto é, apreen<strong>de</strong>mo-las por meio <strong>de</strong> <strong>conceitos</strong>, escolhi<strong>dos</strong> entre aqueles<br />
que foram elabora<strong>dos</strong> pelo homem, em or<strong>de</strong>m à construção das ciências da<br />
natureza, mecânica, biologia, etc.” (MARROU, 1974: 132)
Os <strong>conceitos</strong> são instrumentos teórico-metodológicos essenciais a qualquer<br />
historiador, professor ou estudante <strong>de</strong> <strong>história</strong> que possibilitam voltar ao passado e estudá-lo.<br />
Não adianta existir <strong>de</strong>scrições diversas sobre um acontecimento histórico, se não existem os<br />
<strong>conceitos</strong> para se enten<strong>de</strong>r o que possivelmente ocorreu, logo que não po<strong>de</strong>mos estabelecer<br />
uma verda<strong>de</strong> absoluta sobre algo, <strong>de</strong>finindo em quais meios estavam os acontecimentos <strong>de</strong>stes<br />
fatos.<br />
Portanto, faz-se mister docente <strong>de</strong> <strong>história</strong> saber e escolher quais os <strong>conceitos</strong><br />
históricos que utilizará com seus discentes para realizar o seu trabalho e que se encaixam<br />
or<strong>de</strong>nadamente na realida<strong>de</strong>. “O historiador é um selecionador” (CARR 2002: 48) não apenas<br />
das fontes, mas também <strong>dos</strong> <strong>conceitos</strong> existentes na historiografia; é importante analisar<br />
criticamente o conceito para não cometer algum tipo <strong>de</strong> erro na construção do conhecimento<br />
histórico acerca do passado, que está sendo estudado, e consequentemente dando um sentido<br />
errôneo a realida<strong>de</strong> histórica. Esta proposta <strong>de</strong> análise crítica em relação ao conceito se dá<br />
pelo fato <strong>de</strong> que nem todo o conceito po<strong>de</strong> ser aplicado as mesmas situações, mesmo tendo<br />
essas ganhado uma igual <strong>no</strong>menclatura pela historiografia ao longo do tempo, e também pelo<br />
fato <strong>de</strong> que todo conceito que chega para o historiador em seu cotidia<strong>no</strong>, foi produzido,<br />
i<strong>de</strong>alizado e repassado para a historiografia por um outro historiador com suas respectivas<br />
ferramentas teórico-metodológicas e <strong>de</strong>terminações ou influências da socieda<strong>de</strong> na qual<br />
estava inserido.<br />
Então é importante salientar que um mesmo conceito, po<strong>de</strong> ter diversas possibilida<strong>de</strong>s,<br />
vertentes e interpretações acerca <strong>de</strong> um único tema, e é o historiador que <strong>de</strong>ve saber com que<br />
<strong>conceitos</strong> e seus respectivos valores está trabalhando, i<strong>de</strong>ntificando se vão servir ou não para<br />
aten<strong>de</strong>r suas perguntas para o possível entendimento da <strong>história</strong>, por meio <strong>de</strong> uma<br />
simplificação concreta e coerente com a sua realida<strong>de</strong> estudada. Segundo Marrou, “O<br />
problema, para nós é <strong>de</strong>terminar a valida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes <strong>conceitos</strong>, a sua adaptação ao real, a sua<br />
verda<strong>de</strong> don<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, em última análise, a da <strong>história</strong>.” (MARROU, 1974: 133).<br />
Cabe salientar a diferença aqui <strong>de</strong> <strong>conceitos</strong> teóricos e <strong>conceitos</strong> históricos. Os<br />
<strong>conceitos</strong> teóricos são <strong>conceitos</strong> construí<strong>dos</strong> por biólogos, sociólogos, filósofos e até mesmo<br />
pelos historiadores para ter uma abrangência maior <strong>de</strong> compreensão da realida<strong>de</strong>, como<br />
conceito <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, memória. Muitos <strong>de</strong>sses <strong>conceitos</strong> estão enquadra<strong>dos</strong> <strong>no</strong>s <strong>conceitos</strong> <strong>de</strong>
ambição universal. Os <strong>conceitos</strong> históricos são <strong>conceitos</strong> construí<strong>dos</strong> especificamente pelo<br />
historiador para or<strong>de</strong>nar a realida<strong>de</strong> do tema estudado.<br />
Paul Veyne <strong>de</strong>staca a importância do conceito como “(...) os instrumentos conceituais<br />
são o ponto <strong>dos</strong> progressos da historiografia (possuir <strong>conceitos</strong> é conceber coisas)” (VEYNE,<br />
1995: 66), ou seja, quando o historiador reúne uma gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>conceitos</strong> ou<br />
propriamente os constrói, para aten<strong>de</strong>r suas vicissitu<strong>de</strong>s científicas respon<strong>de</strong>ndo os<br />
respectivos problemas que encontra na realida<strong>de</strong>, ele consegue produzir estu<strong>dos</strong> que<br />
momentaneamente, até que outro trabalho seja realizado acerca do mesmo objeto, o mais<br />
completo daquele recorte do real.<br />
A soma <strong>de</strong>stes <strong>conceitos</strong>, anteriores a um <strong>de</strong>terminado projeto, abre possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
que seja realizado um estudo mais abrangente do que o seu antece<strong>de</strong>nte. Então quando cada<br />
conceito é posto adicionalmente a outro e sucessivamente, para se chegar a um <strong>de</strong>terminado<br />
fim, é o que Veyne <strong>de</strong><strong>no</strong>mina como sendo os pontos do progresso da historiografia.<br />
Os <strong>conceitos</strong> são os principais e o suporte básico para a <strong>pesquisa</strong> histórica, portanto<br />
como Veyne coloca: “<strong>conceitos</strong> ina<strong>de</strong>qua<strong>dos</strong> provocam um mal-estar <strong>no</strong> historiador” (I<strong>de</strong>m:<br />
66), isto é, <strong>conceitos</strong> errôneos po<strong>de</strong>m provocar uma intuição negativa alu<strong>no</strong> cabendo o<br />
professor dirimir e alertar <strong>dos</strong> possíveis prejuízos que po<strong>de</strong>m ocorrer. Porém há aqueles<br />
professores <strong>de</strong>scompromissa<strong>dos</strong> com a função mágica do ensi<strong>no</strong> que não sabem exercer a<br />
função <strong>de</strong> <strong>pesquisa</strong>dor e acabam utilizando <strong>conceitos</strong> mal construí<strong>dos</strong> e erra<strong>dos</strong>, ou até mesmo<br />
aqueles que não possuem contexto para sua, construindo um estímulo aos seus alu<strong>no</strong>s para a<br />
produção do conhecimento histórico <strong>de</strong> baixo nível.<br />
A respeito do ensi<strong>no</strong> e <strong>pesquisa</strong> <strong>de</strong> <strong>história</strong> <strong>rural</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>conceitos</strong> bem<br />
<strong>de</strong>fini<strong>dos</strong> torna-se ainda mais necessário. Por sinal cabe-<strong>no</strong>s aqui apresentar uma crítica ao<br />
material didático <strong>de</strong> histórica que colocam a <strong>história</strong> <strong>rural</strong>, seja em qualquer momento da<br />
<strong>história</strong> brasileira, sempre em segundo pla<strong>no</strong> <strong>de</strong> estruturas maiores. Geralmente relacionada a<br />
assuntos econômicos e disputas políticas, os assuntos agrários passam <strong>de</strong>spercebi<strong>dos</strong> <strong>no</strong><br />
ensi<strong>no</strong> <strong>de</strong> <strong>história</strong> sendo <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rada sua relevância para <strong>no</strong> processo <strong>de</strong> formação do<br />
Brasil. Recentemente alguns pontos sobre questões rurais foram inseri<strong>dos</strong> <strong>no</strong> conteúdo do<br />
ENEM, mas comparativamente aos livros didáticos utiliza<strong>dos</strong> <strong>no</strong> dia-a-dia das salas <strong>de</strong> aula<br />
ainda percebemos um consi<strong>de</strong>rável esquecimento a essa importante temática da <strong>história</strong> do<br />
<strong>no</strong>sso país.
O <strong>uso</strong> <strong>dos</strong> <strong>conceitos</strong> <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> e <strong>pesquisa</strong> na <strong>história</strong> <strong>rural</strong> mostrou-se necessários por<br />
experiência própria. Ao empreen<strong>de</strong>rmos um estudo sobre apropriação <strong>de</strong> terras <strong>no</strong> Caminho<br />
Novo 1 percebemos que a formação da capitania <strong>de</strong> Minas Gerais é vista por alguns<br />
historiadores como resultado <strong>de</strong> um processo peculiar <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> uma conjugação <strong>de</strong><br />
fatores sócio-econômicos distintos. O intenso movimento migratório <strong>de</strong> pessoas, com<br />
diferentes status sociais, po<strong>de</strong>res econômicos, bagagens culturais e intuitos políticos atraídas<br />
exclusivamente pela cobiça do enriquecimento rápido na exploração do ouro, ocasio<strong>no</strong>u a<br />
cristalização <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> heterogênea num espaço físico diferente da geografia litorânea<br />
da colônia até então conhecida e mapeada. Rodrigo Bentes Monteiro <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o<br />
ouro e os diamantes “possibilitaram o surgimento <strong>de</strong> uma <strong>no</strong>va região colonial, a mais<br />
povoada e <strong>de</strong> difícil controle até então existente.”(MONTEIRO, 1993: 30)<br />
O historiador Francisco <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> diz que “constituiu-se uma região singular da<br />
América Portuguesa, diferente do sertão indômito ou do sertão da pecuária e, ainda, do litoral<br />
açucareiro ou plantacionista.”(ANDRADE, 2008: 15) Uma região on<strong>de</strong> as relações sociais<br />
foram forjadas na labuta da extração aurífera e na apropriação <strong>de</strong> terras para ocupação,<br />
<strong>de</strong>sbravamento e produção a fins abastecedores.<br />
Se há um campo físico sendo territorializado e conforme colocado por Monteiro<br />
constituía-se uma <strong>no</strong>va região colonial, cabe-<strong>no</strong>s perguntar em que consiste conceitualmente<br />
esta região? Somos leva<strong>dos</strong> a acreditar a primeira vista, <strong>de</strong> forma simplista, que a região se<br />
auto-<strong>de</strong>fine pelo espaço físico da natureza e pelos seus respectivos limites geográficos.<br />
Entretanto, numa análise mais aprofundada veremos que o conceito <strong>de</strong> região vai além <strong>de</strong>ssa<br />
<strong>de</strong>finição.<br />
O conceito <strong>de</strong> região suscita o interesse <strong>de</strong> diversas áreas científicas. Aparentemente<br />
um conceito exclusivo da geografia, é constantemente utilizado por historiadores,<br />
antropólogos, sociólogos e <strong>de</strong>ntre outras especialida<strong>de</strong>s, mas com <strong>de</strong>finições distintas e<br />
perspectivas <strong>de</strong> diferentes formas. Na visão <strong>de</strong> Pierre Bourdieu, comparando geógrafos e<br />
eco<strong>no</strong>mistas, “o geógrafo limita-se frequentemente à análise do conteúdo do espaço; ele olha<br />
muito pouco além das fronteiras políticas ou administrativas da região. Para o eco<strong>no</strong>mista,<br />
1 Via geográfica <strong>de</strong> comunicação entre as zonas <strong>de</strong> exploração <strong>de</strong> ouro em Minas Gerais com o porto do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro. Para informações mais <strong>de</strong>talhadas ver: POLLIG, <strong>João</strong> Victor. Apropriação <strong>de</strong> terras <strong>no</strong> Caminho Novo.<br />
Dissertação <strong>de</strong> Mestrado. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UNIRIO, 2012.
pelo contrário, a região seria tributária <strong>de</strong> outros espaços, tanto <strong>no</strong> que diz respeito aos seus<br />
aproveitamentos como <strong>no</strong> que diz respeito aos seus escoamentos.”(BOURDIEU, 1989: 108-<br />
109)<br />
Maria Yedda Linhares e Francisco Carlos Teixeira observaram que a geografia<br />
<strong>de</strong>cepcio<strong>no</strong>u os estudiosos <strong>de</strong> outros ramos científicos ao per<strong>de</strong>r o rumo e se <strong>de</strong>sinteressar do<br />
conceito <strong>de</strong> região, substituindo-a por espaço. Para eles, <strong>no</strong>s fins <strong>dos</strong> a<strong>no</strong>s 40,<br />
“a geografia evoluira para uma discussão centrada sobre o econômico, muitas<br />
vezes com a perda do seu próprio objeto. (...) Aos poucos, a própria expressão<br />
‘região’ foi sendo expulsa das discussões para ser substituída pela vaguíssima<br />
<strong>no</strong>ção <strong>de</strong> ‘espaço’. Esta, <strong>de</strong>sprovida da carga histórica que necessariamente<br />
acompanharia o conceito <strong>de</strong> região, passou a ser compreendida como algo <strong>no</strong>vo, ou<br />
seja, como uma aglomeração estruturada, lugar específico da produção,<br />
<strong>de</strong>terminado pelos imperativos da eco<strong>no</strong>mia espacial.” (LINHARES; SILVA, 1995:<br />
18-19)<br />
Dentre as discussões conceituais <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos que a região é um processo social. Em<br />
outras palavras, é o resultado <strong>de</strong> uma ação social em <strong>de</strong>terminado espaço físico, “não é mais<br />
do que uma <strong>no</strong>ção histórica mo<strong>de</strong>lada pelas situações, os <strong>de</strong>bates, os conflitos que<br />
caracterizam um período e um lugar.”(RONCAYOLO, 1986: 187) A argumentação do<br />
historiador Ilmar <strong>de</strong> Mattos serve para corroborar tal assertiva, quando versa que “a região só<br />
ganha significação quando percebida à luz <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> relações sociais que articula<br />
tanto os elementos que lhe são inter<strong>no</strong>s quanto aqueles exter<strong>no</strong>s.”(MATTOS, 1994: 23-24)<br />
Po<strong>de</strong>-se concluir que o conceito <strong>de</strong> região tanto na <strong>pesquisa</strong> <strong>de</strong> <strong>história</strong> agrária quanto<br />
<strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> do <strong>rural</strong> <strong>no</strong> Brasil explica mais do que a área física <strong>de</strong> produção econômica, explica<br />
a constituição <strong>de</strong> cenários sócio-políticos da <strong>história</strong> brasileira.<br />
Em suma, qualquer indivíduo envolvido com a <strong>pesquisa</strong> histórica, seja ele historiador,<br />
professor ou alu<strong>no</strong>, tem como um <strong>dos</strong> instrumentos principais os <strong>conceitos</strong>, para que consiga<br />
obter uma melhor seqüência ou or<strong>de</strong>namento da realida<strong>de</strong> em que <strong>pesquisa</strong>. É por meio <strong>de</strong>les<br />
que há uma qualificação da realida<strong>de</strong> histórica.<br />
Por este motivo criam-se os <strong>conceitos</strong>, por vezes embasa<strong>dos</strong> em outros <strong>conceitos</strong><br />
históricos presentes na historiografia, ou reúnem aqueles que irão auxiliar <strong>no</strong> momento <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>nar a realida<strong>de</strong>. Da mesma forma em que o historiador seleciona as suas fontes primárias
em relação a sua <strong>pesquisa</strong>, também tem como uma das suas tarefas selecionar os <strong>conceitos</strong> a<br />
serem utiliza<strong>dos</strong>.<br />
Os <strong>conceitos</strong> são importantes por serem generalizações <strong>de</strong> um recorte do real em um<br />
<strong>de</strong>terminado tempo e espaço, dando mais clareza, transparência e abrangência ao momento<br />
que está sendo estudado para que seja realizada enfim a <strong>pesquisa</strong> e a construção do<br />
conhecimento histórico.<br />
Resumo<br />
O objetivo <strong>de</strong>sse ensaio é apresentar uma reflexão sobre a relevância <strong>de</strong> alguns pontos<br />
oriun<strong>dos</strong> ou relaciona<strong>dos</strong> à <strong>história</strong> agrária para serem trabalha<strong>dos</strong> <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> escolar,<br />
sobretudo a respeito <strong>dos</strong> <strong>conceitos</strong>. Os <strong>conceitos</strong> são imprescindíveis para qualquer<br />
historiador <strong>no</strong> ofício da <strong>pesquisa</strong>, compreensão e exploração das fontes, como são importantes<br />
ferramentas que auxiliam <strong>no</strong> processo <strong>de</strong> ensi<strong>no</strong>-aprendizagem. Ter clara consciência na<br />
escolha e <strong>de</strong>finição <strong>dos</strong> <strong>conceitos</strong> é importante na condução <strong>de</strong> qualquer <strong>pesquisa</strong> histórica<br />
assim como na prática do ensi<strong>no</strong> <strong>de</strong> <strong>história</strong> <strong>rural</strong>.<br />
Palavras-chave: Conceitos; ensi<strong>no</strong>-aprendizagem; <strong>história</strong> <strong>rural</strong>.<br />
Abstract
The aim of this paper is to present a reflection on the relevance of some points arising out of<br />
or related to the agrarian history to be worked on at school, especially on the concepts. The<br />
concepts are essential for any historian in the office of research, un<strong>de</strong>rstanding and<br />
exploration of the sources, as are important tools that assist in the teaching-learning process.<br />
Have a clear conscience in the choice and <strong>de</strong>finition of concepts is important in the conduct of<br />
any historical research as well as the practice of teaching <strong>rural</strong> history.<br />
Key-words: Concepts; teaching-learning; <strong>rural</strong> history.<br />
Bibliografia<br />
- ANDRADE, Francisco Eduardo <strong>de</strong>. A invenção das Minas Gerais: empresas,<br />
<strong>de</strong>scobrimentos e entradas <strong>no</strong>s sertões do ouro da América portuguesa. Belo Horizonte:<br />
Autêntica; PUC Minas, 2008.<br />
- ARÓSTEGUI, Julio. A <strong>pesquisa</strong> histórica: teoria e método. Bauru: EDUSL, 2006.<br />
- BOURDIEU, Pierre. O po<strong>de</strong>r simbólico. Trad. De Fernando Tomaz. Lisboa: Difel, 1989.<br />
- CARR, Edward Hallet. Que é História?. 8 ed. São Paulo:Paz e Terra, 2002.<br />
- FEBVRE, Lucien. Combates pela História. Editorial Presença.<br />
- LINHARES, Maria Yedda L.; SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Região e História<br />
agrária, p.17-26. In: Estu<strong>dos</strong> Históricos, Rio <strong>de</strong> Janeiro, v. 8, n. 15, 1995.<br />
- MARROU, Henri I. Do Conhecimento Histórico. 3 ed. Lisboa: Editora Pedagógica<br />
Universitária, 1974.<br />
- MATTOS, Ilmar Rohloff <strong>de</strong>. O Tempo Saquarema. 3 ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Access, 1994.
- MONTEIRO, Rodrigo Bentes N. O teatro da colonização: a Cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>no</strong><br />
Tempo do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Boba<strong>de</strong>lla (1733-1763). Dissertação <strong>de</strong> Mestrado em História Social. São<br />
Paulo: USP, 1993.<br />
- RONCAYOLO, Marcel. Região, p. 161-189. In: Enciclopédia Einaudi: Volume 8 – Região.<br />
Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1986.<br />
- VEYNE, Paul. Como se escreve a História. 3 ed. Brasília: UnB., 1995.