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uma leitura performática de Memórias Póstumas de Brás Cubas

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elacionamentos amorosos, por mais ar<strong>de</strong>nte que seja o prólogo, são apenas rascunhos, a<br />

espera <strong>de</strong> <strong>uma</strong> próxima edição.<br />

A consciência <strong>de</strong> que o livro é um veículo que pereniza objetos e fatos é<br />

apresentada no capítulo LXVI, Pernas. Ironicamente, o narrador rebaixa a focalização<br />

do objeto estético a ser representado. Elabora rascunhos para o seu gran<strong>de</strong> amor,<br />

Virgília, e para a morte <strong>de</strong> seu pai, mas compõe um capítulo, para as pernas que o<br />

conduzem até o jantar. Além disso, o leitor é frequentemente <strong>de</strong>squalificado como<br />

interlocutor. Ora obtuso, ora <strong>uma</strong> leitora ignorantona. Mas as pernas são evocadas como<br />

amigas, amáveis, abençoadas:<br />

Ora, enquanto eu pensava naquela gente, iam-me pernas<br />

levando, ruas abaixo, <strong>de</strong> modo que insensivelmente me achei à<br />

porta do Hotel Pharous. De costume jantava aí; mas, não tendo<br />

<strong>de</strong>liberadamente andado, nenhum merecimento da ação me<br />

cabe, e sim às pernas que a fizeram. Abençoadas pernas! E há<br />

quem vos trate com <strong>de</strong>sdém ou indiferença. Eu mesmo, até<br />

então, tinha-vos em má conta, zangava-me quando vos<br />

fatigáveis, quando não podíeis ir além <strong>de</strong> certo ponto, e me<br />

<strong>de</strong>ixáveis com o <strong>de</strong>sejo a avoaçar, à semelhança <strong>de</strong> galinha<br />

atada pelos pés.<br />

Aquele caso, porém, foi um raio <strong>de</strong> luz. Sim, pernas amigas, vós<br />

<strong>de</strong>ixastes à minha cabeça o trabalho <strong>de</strong> pensar em Virgília, e<br />

dissestes <strong>uma</strong> à outra: Ele precisa comer, são horas <strong>de</strong> jantar,<br />

vamos levá-lo ao Pharous; dividamos a consciência <strong>de</strong>le, <strong>uma</strong><br />

parte fique lá com a dama, tomemos nós a outra, para que ele vá<br />

direito, não: abalroe as gentes e as carroças, tire o chapéu aos<br />

conhecidos, e finalmente chegue são e salvo ao hotel. E<br />

cumpristes à risca o vosso propósito, amáveis pernas, o que me<br />

obriga a imortalizar-vos nesta página. (ibid., p. 578).<br />

O processo <strong>de</strong> mobilização das temáticas tradicionais da literatura se esten<strong>de</strong><br />

pelos próximos dois capítulos. Em O vergalho, há <strong>uma</strong> cena <strong>de</strong> violência na qual o<br />

antigo escravo <strong>de</strong> <strong>Brás</strong> cubas, Prudêncio, agora proprietário <strong>de</strong> um escravo, acoita-o<br />

publicamente. Embora a cena fosse triste, o narrador qualifica o capítulo como alegre,<br />

porque a partir <strong>de</strong>le, chega à conclusão <strong>de</strong> que Prudêncio é maroto, visto que consegue<br />

transferir a outro as pancadas recebidas. Novamente o narrador afirma que teria escrito<br />

um capítulo sobre as reflexões que fez do episódio, mas como as per<strong>de</strong>u no <strong>de</strong>sfiar da<br />

memória, o leitor não terá acesso àquele capítulo. Entretanto, alg<strong>uma</strong>s reflexões<br />

(alegres) são feitas em seguida, e o leitor fica sem saber se a matéria que está lendo é<br />

<strong>uma</strong> substituição do texto prometido, ou um simples rascunho do capítulo que <strong>de</strong>veria

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