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MUZZIO, Henrique Csar

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De: <strong>Henrique</strong> César Muzzio<br />

Fonte: Manuscrito Original, Arquivo ABL.<br />

Ouro Preto, 6 de dezembro de [1866.] 1<br />

Meu caro Assis.<br />

ligeira.<br />

[61]<br />

Vieram ontem os Diários de 28, 29, 30, 1 e 2 do corrente. O de 28 veio repetido.<br />

Continua a faltar o de 25, que todos reclamam. Dá pronta ordem a tal respeito.<br />

De quem é a resposta ao Reclus 2 ? Seja de quem for é ótima se bem um pouco<br />

O tal Serra 3 nem nos versos nem no folhetim prova valer grande coisa. Quem é o<br />

João de Deus 4 ? É algum frade velho, de pince-nez que ainda tem saudades da Corina 5 ?<br />

1 O desenvolvimento da carta relaciona-se às ações de Saldanha Marinho no ano de 1866, em favor da causa<br />

progressista em Minas Gerais. Ver em [56] e [60]. (SE)<br />

2 Elisée Reclus, geógrafo francês, na Revue des Deux Mondes (15/10/1866), escreveu um artigo sobre a<br />

Guerra do Paraguai muito desfavorável ao Brasil. A resposta a que Muzzio alude – “ótima se bem que ligeira”<br />

– saiu num pequeno editorial do Diário do Rio de Janeiro em 01/12/1866 e num outro menor no dia seguinte.<br />

(SE)<br />

3 Machado de Assis vinha abrindo espaço a Joaquim Serra* no Diário do Rio de Janeiro. No folhetim de<br />

12/11/1866, Serra publicou “O Canto do Acauã” e as “Variações em Branco”, este último uma tradução de<br />

um poema de Theóphile Gautier. Em 16/11/1866, de novo o folhetim lhe foi entregue: uma carta aberta sobre<br />

as obras recém lançadas de José de Alencar* e Araújo Porto Alegre*. Muzzio possivelmente não gostou e,<br />

mal-humorado, não poupou críticas a Joaquim Serra. Ver em [57], carta de 16/11/1866. (SE)<br />

4 Machado de Assis, parece, andava encantado com João de Deus, pois nesta fase publicou muitos poemas<br />

dele, afirmando algumas vezes que eram enviados pelo próprio poeta. No microfilme do Diário do Rio de<br />

10/11/1866, por exemplo, há a seguinte nota: “João de Deus. Continuemos na publicação dos versos do<br />

grande poeta” - seguindo-se um longo poema. Já em 12/11/1866, no “Noticiário”, de novo reproduz um texto<br />

do poeta português:<br />

“Toda palma / Tem seu licor; / Tem como a alma / Tem seu amor; / Tem como a hera: / tem<br />

seu abril / Tem como a fera / Tem seu covil. // Lá tem a planta / Que o sol queimou / Lágrima<br />

santa / Que a orvalhou / E o passarinho / Que ontem nasceu, / Lá tem o seu ninho / Que a mãe<br />

luz deu! // Só eu na mágoa / Do meu penar, / Sou como a água / Que anda no mar: / Sou como<br />

a onda, / Que em busca vem, / D’onde se esconda, / E onde, não tem! // Folha revolta / Que<br />

anda no chão / Lágrima solta / Do coração / Folha caída / Folha sem flor / Folha caída / Do<br />

meu amor.”. (SE)<br />

O poeta João de Deus (1830-1896), muito popular em seu tempo, nasceu no Algarve; fez direito em Coimbra<br />

e, acabado o curso, dedicou-se ao jornalismo e à advocacia. Escreveu uma poesia lírica de grande sonoridade<br />

e pulsação rítmica, com profundas raízes populares. As suas poesias foram reunidas na coletânea Campo de<br />

Flores (1893), incluindo-se nela duas obras anteriores: Flores do Campo e Folhas Soltas. (SE)


Esfrega-me sempre que puderes o tal Lafaiete 6 correspondente histórico do Jornal.<br />

Fala com o Afonso 7 a tal respeito.<br />

Não poupes o correspondente conservador, que é o Benjamim primo do Lafaiete 8 .<br />

Les deux font la pair 9 .<br />

5 Há duas possibilidades de interpretação. Primeira: Muzzio não desconhecia quem era João de Deus, poeta<br />

muito em voga, apenas dava vazão à sua acidez contra redator Machado de Assis, que publicava quase todo<br />

dia poemas do poeta português, mas não fazia o artigo de fundo com a defesa de Saldanha Marinho. Como os<br />

poemas publicados eram de acentuado padrão lírico-amoroso, a alusão ao “frade velho de pince-nez” poderia<br />

ser uma ironia com o próprio Machado, que andaria saudoso de seu período dos “Versos a Corina”. Se, por<br />

outro lado, desconhecia quem era João de Deus, embora em vários momentos antes de publicá-lo Machado<br />

anunciasse o poeta, Muzzio poderia ter julgado que João de Deus fosse um pseudônimo do próprio Machado<br />

de Assis. (SPR/SE)<br />

6 O mineiro Lafaiete Rodrigues Pereira (Queluz, 1834-1917), filho do barão de Pouso Alegre, formou-se pela<br />

Faculdade Direito de São Paulo (1853). De volta a Minas, foi nomeado promotor público em Ouro Preto.<br />

Mais tarde, na corte, dedicou-se ao jornalismo e à advocacia no escritório Teixeira de Freitas. Presidente das<br />

províncias do Ceará (1864) e do Maranhão (1865), foi também ministro da Fazenda. Fundou com Pedro Luís<br />

e Flávio Farnese a folha Atualidade, na qual escreveu de 1858 a 1860. Assinale-se que, em janeiro e fevereiro<br />

de 1898, no Jornal do Comércio, sob o pseudônimo de “Labieno”, defendeu Machado de Assis que fora<br />

atacado por Sílvio Romero (Machado de Assis, Estudo Comparativo de Literatura Brasileira, 1897). Os cinco<br />

artigos de Lafaiete Rodrigues Pereira foram depois reunidos no livro Vindiciae. Na ABL, foi eleito sucessor<br />

de Machado de Assis na cadeira 23, em 01/05/1909. (SE)<br />

7 Afonso Celso, mineiro como Lafaiete Rodrigues, da região em que este fora promotor, devia conhecê-lo<br />

politicamente muito bem. Daí a recomendação. Teria Machado de Assis interesse em conversar tal assunto<br />

com Afonso Celso? Afinal neste momento o ministro trabalhava nos bastidores para favorecer o acesso de<br />

Machado de Assis à burocracia oficial. Sobre Afonso Celso, ver em [54], carta de 29/10/1866. (SE)<br />

8 Em 25/11/1866, começam as manifestações no Diário do Rio de Janeiro em favor de Saldanha Marinho:<br />

“O correspondente de Ouro Preto para o Jornal do Comércio continua no sistema de atacar por<br />

todos os modos a pessoa e os atos do nosso prezado amigo e ilustre presidente da província de<br />

Minas Gerais. A correspondência data de 10 e publicada no suplemento de anteontem, que<br />

ontem recebemos, é uma diatribe de coluna e meia, respirando um desses ódios de partido que<br />

nem mesmo salvam a consciência do agressor. [...] A grande preocupação do correspondente é<br />

que o presidente de Minas vá desalojar alguns candidatos conservadores nas próximas<br />

eleições.”<br />

Em 01/01/1867, há o comunicado de Sebastião Belfort sobre a mudança de propriedade do Diário do Rio:<br />

“[...] Tendo pertencido à redação do Diário do Rio de Janeiro durante a direção do Sr.<br />

conselheiro Saldanha Marinho e o Sr. Quintino Bocaiúva, amamos esta folha e não hesitaremos<br />

em fazer por ela todos os sacrifícios necessários. / Pedimos, pois, ao público a sua<br />

coadjuvação, certo de que encontrará no proprietário do Diário do Rio toda energia e precisa<br />

para corresponder à confiança pública. Sebastião Gomes da Silva Belfort.” (SE)<br />

Em seguida ao comunicado, estrategicamente colocado vem o editorial contra Benjamin Rodrigues e Lafaiete<br />

Rodrigues Pereira, que vinham atacando Saldanha Marinho através Jornal do Comércio e do Constitucional


de Ouro Preto. É provável que tenha saído da pena de Machado de Assis, que finalmente tinha condições de<br />

atender ao pedido de Muzzio por um artigo de fundo:<br />

“Não cansam os adversários do Sr. Conselheiro Saldanha Marinho. Discordes no que concerne<br />

a uns princípios que dizem ter, estão todos de acordo num ponto, que é atacar por todos os<br />

modos o digno presidente de Minas. Para isso nenhuma arma lhes parece má, nenhum meio<br />

recusam por indecente; a calúnia anônima, a intriga epistolar, tudo quanto pode tolher os<br />

passos do digno funcionário; tudo isso é posto em jogo com uma audácia e um sangue frio que<br />

admiraríamos, se já alguma coisa nos pudesse admirar. / Custa-nos a desenrolar o sudário das<br />

misérias com que a oposição do atual presidente de Minas tem procurado obter os seus fins. /<br />

Há poucos dias, vimos ainda no Jornal do Comércio um dos correspondentes de Ouro Preto (o<br />

histórico), mandar para cá uma série de destemperos e calúnias com o fim expresso de intrigar<br />

o Sr. Conselheiro Saldanha Marinho com os seus correligionários e com o seu país, que sempre<br />

respeitaram nele um caráter ilibado, uma verdadeira consciência política. / O correspondente<br />

conservador desta vez não escreveu. Parece que os dois Ajax revezam-se agora, e dividem a<br />

matéria, cabendo um correio a cada um deles. Política de família; harmonia fraternal; estilos<br />

gêmeos. Não se distingue pela linguagem qual é o conservador, nem qual é o histórico; e às<br />

vezes ficar-se-ia em dúvida se eles não tivessem o cuidado de dizer no correr do pasquim em<br />

nome de que princípio caluniam o presidente de Minas. / A última carta do histórico afirma que<br />

a viagem do Sr. Conselheiro Saldanha Marinho foi infrutífera e atribui o insucesso dela à<br />

desconfiança em que toda a província está relativamente a S. Ex.. Não estamos convencidos do<br />

insucesso da viagem; mas se acaso as esperanças que todos depositaram na província fossem<br />

desvanecidas, acaso esse resultado teria a causa que o fogoso correspondente lhe atribui? O<br />

povo e os chefes desprevenidos de todos os pontos onde o Sr. Conselheiro Saldanha Marinho<br />

esteve deram-lhe vivas provas de adesão e confiança. E contudo nenhum lugar houve para<br />

onde os políticos, que se dizem descendentes da história, não mandassem previamente uma<br />

série de calúnias e intrigas não já políticas, senão inteiramente pessoais. / Quem acreditará que<br />

os inimigos do digno presidente de Minas, tendo exaurido a alcofa dos impropérios, até<br />

caluniaram a severidade de seus costumes, seus hábitos modestos? / Foi por esse meio que se<br />

contava preparar ao Sr. Conselheiro Saldanha Marinho, em toda a parte, uma reação à ponta de<br />

lança, não esquecendo nunca o condimento da intriga eleitoral, que é arma poderosa em todos<br />

os tempos contra todos os homens. / O Ajax histórico admira-se que se atribuísse a algumas<br />

pessoas dos dois grupos, que se intitulam políticos, a paternidade do apedido anônimo que aqui<br />

apareceu no Jornal do Comércio contra o bispo de Mariana. Pois admira-se de pouca coisa.<br />

Não nos admiramos de nada, nem mesmo se nos viessem dizer que o autor do artigo era o<br />

próprio correspondente do Jornal do Comércio. É verdade que o astucioso escritor censura<br />

agora o artigo em questão, e parece desligar-se assim da responsabilidade e da autoria; mas<br />

isso, que provaria alguma coisa favorável em outros casos, estará alguém certo de que prova<br />

alguma coisa, no caso do correspondente? / Anunciando-se a próxima volta do presidente de<br />

Minas a Ouro-Preto, resolveram algumas pessoas influentes, a melhor sociedade da capital<br />

mineira oferecer um baile a S. Ex.. À frente dessa manifestação acha-se o Sr. Dr. Carlos<br />

Tomás, pessoa que goza de geral estima e consideração, graças ao caráter honesto de que é<br />

dotado. Pois é a respeito desta manifestação toda particular, toda espontânea, que o<br />

correspondente de Ouro Preto diz correr uma subscrição pelas repartições públicas. O escritor<br />

não aponta um fato, não exibe uma prova; apenas lança a calúnia, convencido como está do<br />

célebre aforismo a calúnia quando não queima, tisna. / Lançando ao papel estas palavras que a<br />

indignação nos dita, evitamos entrar por miúdo na exposição dos aleives e mentiras com que,<br />

como flores de martírio, foi juncado o caminho por onde teve que passar o nosso amigo<br />

presidente de Minas Gerais. / Quando acaso os detratores do Sr. Conselheiro Saldanha Marinho<br />

conseguissem voltar contra ele o ódio público, que vitória seria essa conquistada à sombra da<br />

intriga e pela arma desleal da “calúnia”? Pode ser que alguns lhas invejassem. Quanto a nós,<br />

parece-nos inútil dizer que o nosso parecer seria o de Catão: ‘acompanharíamos o vencido’.”<br />

(SE)


Teu do Coração<br />

<strong>Henrique</strong>.<br />

9 “OS DOIS FAZEM PAR”. Benjamim Rodrigues, o correspondente conservador e seu primo, o liberal<br />

Lafaiete Rodrigues Pereira. Essa situação explica-se pela aliança entre liberais e conservadores resultante da<br />

antiga política de conciliação do gabinete do conservador marquês de Paraná. Entretanto o progressivo<br />

recrudescimento da disputa política ao longo da década de 1860 irá derrubar em julho de 1868 os liberais<br />

progressistas e promoverá o retorno dos conservadores radicais ao poder, com o gabinete Itaboraí. A presente<br />

carta bem como a [56], [60], [62], [70] e a [71] são testemunhos da crise por que passava a política do<br />

período. A conciliação encetada na década anterior pelo gabinete Paraná (de 06/09/1853 a 03/09/1856)<br />

sustentara que o sistema monárquico brasileiro deveria garantir a alternância no poder de grupos<br />

hegemônicos, porém conflitantes, oriundos das elites, porque asseguraria assim a legitimidade do governo e<br />

do regime. Reunindo um ministério composto de jovens políticos conservadores moderados e veteranos das<br />

hostes liberais, o marquês de Paraná afastou os correligionários radicais, introduzindo mudanças no sistema<br />

eleitoral, que permitiram a partir das eleições de 1860 o crescimento da bancada liberal-moderada, que<br />

comporá então o partido progressista na câmara. Este novo partido terminou por se dividir entre os dois<br />

grupos; os liberais históricos fortalecidos pela vitória de 1860 começaram a disputar a hegemonia no interior<br />

do partido com os parceiros egressos das fileiras moderadas do partido conservador. (SE)

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