Advogado dos diabos - Fonoteca Municipal de Lisboa
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ERIC ROBERT/CORBIS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7379 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />
Sexta-feira<br />
18 Junho 2010<br />
www.ipsilon.pt<br />
Janelle Monae Rita Redshoes Álvaro Cunhal Vasco Luís Curado João Canijo<br />
Retrato <strong>de</strong> Jacques Vergès,<br />
<strong>Advogado</strong> <strong>dos</strong> <strong>diabos</strong><br />
<strong>de</strong>fensor <strong>de</strong> terroristas, ditadores e nazis, no fi lme “O <strong>Advogado</strong> do Terror”
Flash<br />
Sumário<br />
Jacques Vergès 7<br />
Retrato <strong>de</strong> um advogado <strong>de</strong><br />
terroristas, ditadores e nazis<br />
João Canijo 12<br />
Regressa ao país-subúrbio,<br />
em “Sangue do Meu Sangue”<br />
Edgardo Cozarinsky 16<br />
O Sebald argentino no Doc’s<br />
Kingdom<br />
Rita Redshoes 21<br />
Menos fada, mais <strong>de</strong> carne e<br />
osso<br />
Álvaro Cunhal 26<br />
Nas memórias <strong>de</strong> Carlos<br />
Brito<br />
PhotoEspaña 34<br />
Encontra a luz com László<br />
Moholy-Nagy<br />
Próximo Futuro 40<br />
O Chile que explo<strong>de</strong> no teatro<br />
Patrice Chéreau 44<br />
Tentou Dominique Blanc com<br />
a dor <strong>de</strong> Marguerite Duras<br />
Ficha Técnica<br />
Directora Bárbara Reis<br />
Editor Vasco Câmara, Inês Nadais<br />
(adjunta)<br />
Conselho editorial Isabel<br />
Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />
Design Mark Porter, Simon<br />
Esterson, Kuchar Swara<br />
Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />
Designers Ana Carvalho, Carla<br />
Noronha, Mariana Soares<br />
Editor <strong>de</strong> fotografi a Miguel<br />
Ma<strong>de</strong>ira<br />
E-mail: ipsilon@publico.pt<br />
ROSA FRANK<br />
Trinta anos <strong>de</strong> dança reuni<strong>dos</strong> em Montpellier<br />
Trinta anos <strong>de</strong>pois da<br />
primeira vez, o festival<br />
Montpellier Danse abre hoje<br />
uma edição antológica com<br />
o monumental “Roaratorio”,<br />
<strong>de</strong> Merce Cunningham, e<br />
com a inauguração oficial do<br />
novo Théâtre <strong>de</strong> l’Agora,<br />
peça fundamental do puzzle<br />
que é a Cida<strong>de</strong> Internacional<br />
da Dança (um <strong>dos</strong> sonhos<br />
mais loucos <strong>de</strong> Dominique<br />
Bagouet, coreógrafoprodígio<br />
que refundou a<br />
dança contemporânea<br />
francesa e inventou a<br />
“aventura” Montpellier<br />
Danse, finalmente <strong>de</strong> carne<br />
e osso). Até 7 <strong>de</strong> Julho, o<br />
festival olha para trás,<br />
revisitando estações<br />
fundamentais da criação<br />
coreográfica recente - o<br />
“Roaratorio”, claro, numa<br />
excepcionalíssima<br />
remontagem, mas também<br />
vários momentos da carreira<br />
<strong>de</strong> Maurice Béjart (do<br />
“<strong>de</strong>tective-ballet” “Le<br />
Concours”, <strong>de</strong> 1985, até<br />
quatro das suas peças mais<br />
curtas e mais intimistas,<br />
“Sonate à Trois”, “Webern<br />
Opus V”, “Dialogue <strong>de</strong><br />
l’Ombre Double” e “Le<br />
Manteau sans Maitre”,<br />
construídas a partir <strong>de</strong><br />
composições <strong>de</strong> Pierre<br />
Boulez, Anton Webern e<br />
Bartók), e ainda William<br />
Forsythe, outro monstro<br />
sagrado que tem sido<br />
“compagnon <strong>de</strong> route” do<br />
Montpellier Danse e que este<br />
ano ali leva uma instalação<br />
(“White Bouncy Castle”),<br />
uma exposição “City of<br />
Abstract”, e uma série <strong>de</strong><br />
ví<strong>de</strong>os, “Installations”, e<br />
Danny Boyle a<br />
caminho <strong>dos</strong> Jogos<br />
Olímpicos<br />
Com “Trainspotting”, adaptação do<br />
primeiro livro <strong>de</strong> Irvine Welsh,<br />
Danny Boyle mergulhou no<br />
submundo <strong>de</strong> uma geração à <strong>de</strong>riva<br />
e, com um humor e uma atenção à<br />
cultura pop (e à cultura <strong>de</strong> pub)<br />
tipicamente britânicos, assinou<br />
aquele que se tornaria um <strong>dos</strong><br />
filmes <strong>de</strong> culto <strong>dos</strong> anos 90. Com<br />
“28 Dias Depois”, tentou encarnar<br />
George Romero numa Londres pós-<br />
A homenagem <strong>de</strong> Raimund Hoghe a Dominique Bagouet (ao lado) e a remontagem especialíssima<br />
<strong>de</strong> “Roaratorio”, <strong>de</strong> Merce Cunnigham (em baixo), são dois <strong>dos</strong> acontecimentos maiores do festival<br />
Anne Teresa De<br />
Keersmaeker, que regressa<br />
para voltar a mostrar uma<br />
peça fundadora, “Rosas<br />
Danst Rosas”. Sendo a dança<br />
uma arte particularmente<br />
efémera, isto é o mais perto<br />
que podíamos estar <strong>de</strong> uma<br />
cápsula do tempo.<br />
Há portanto muito passado<br />
este ano no Montpellier<br />
Danse, mas esta não é,<br />
garante o director Jean-Paul<br />
Montanari em entrevista<br />
publicada no programa do<br />
festival, uma “edição<br />
nostálgica”. Ainda que<br />
Dominique Bagouet (1951-<br />
1992) viva no programa: o<br />
alemão Raimund Hoghe<br />
homenageia o coreógrafo<br />
em “Si je meurs laissez le<br />
balcon ouvert”, estreia<br />
mundial, e Fabrice<br />
Ramalingon, que foi seu<br />
bailarino, mostra, com<br />
“Pandora Box / Body”, que<br />
Das margens para<br />
o “establishment”,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>dos</strong> Oscars<br />
houve uma passagem <strong>de</strong><br />
testemunho. Depois <strong>de</strong> olhar<br />
para trás, o festival também<br />
olha para a frente e mostra<br />
várias novas criações,<br />
incluindo a nova peça da<br />
muito lá <strong>de</strong> casa Mathil<strong>de</strong><br />
Monnier, directora do<br />
Centro Coreográfico<br />
Nacional <strong>de</strong> Montpellier, que<br />
convidou o artista plástico<br />
Dominique Figarella para<br />
trabalhar consigo em<br />
“Soapopéra”. Além <strong>de</strong>la,<br />
também Alain Buffard<br />
(“Tout Va Bien”), Ka<strong>de</strong>r<br />
Attou (“Symfonia pierni<br />
zalósnych”), Boris Charmatz<br />
(“Improvisation”, parceria<br />
com o músico <strong>de</strong> jazz<br />
Médéric Collignon), a dupla<br />
Cecilia Bangolea e François<br />
Chaignaud (“Castor &<br />
Pollux”), Ohad Naharin<br />
(“Hora”, produção da<br />
Batsheva Dance Company,<br />
<strong>de</strong> Israel), Régine Charinot<br />
apocalíptica e as coisas não<br />
correram tão bem. Ainda assim,<br />
manteve o estatuo <strong>de</strong> cineasta que,<br />
não sendo propriamente marginal,<br />
habitava as margens da criação<br />
cinematográfica <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
exposição.<br />
Em 2008, com “Quem Quer Ser<br />
Bilionário?”, isso <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser<br />
possível. A aventura indiana <strong>de</strong><br />
Boyle, que foi O “blockbuster” do<br />
ano, acabou entronizada nos Oscars<br />
(foram oito), e longe ficavam as<br />
memórias da heroína, da porrada e<br />
das trafulhices <strong>de</strong> “Trainspotting”.<br />
Danny Boyle, então atacado por<br />
ANNE FINKE<br />
(“In<strong>de</strong>pendance nº 1”),<br />
Germana Civera (“Splen<strong>de</strong>ur<br />
Inespérée”) e o Ne<strong>de</strong>rlands<br />
Dans Theater (“Symphone<br />
<strong>de</strong>s Psaumes” / “Mémoire<br />
d’Oubliettes” /<br />
“Whereabouts Unknown”)<br />
ali vão mostrar as suas<br />
novida<strong>de</strong>s em primeira mão.<br />
O programa inclui ainda um<br />
novo Akram Khan, “Gnosis”,<br />
solo da virtuosa do khatak<br />
(dança tradicional do<br />
Noroeste da Índia, região<br />
natal do coreógrafo) Gauri<br />
Sharma Tripathi, e<br />
“Refraction, Dust and<br />
Light”, <strong>de</strong> Alonzo King. De<br />
Montpellier para o mundo,<br />
mas sobretudo para a região<br />
do Languedoc-Roussillon:<br />
aos 30 anos, o Montpellier<br />
Danse oferece vários<br />
espectáculos às cida<strong>de</strong>s<br />
vizinhas e assume-se não<br />
como um festival, mas como<br />
um território. Inês Nadais<br />
“glamourizar” a <strong>de</strong>pravação moral, é<br />
agora um homem que a Inglaterra<br />
respeitável respeita. E, por isso<br />
mesmo, é apontado como o nome<br />
mais forte para realizar a cerimónia<br />
<strong>de</strong> abertura <strong>dos</strong> Jogos Olímpicos <strong>de</strong><br />
Londres, em 2012. É, pelo menos, o<br />
preferido <strong>de</strong> Sebastian Coe,<br />
campeão olímpico inglês nos 1500<br />
metros em 1980 e 1984 e agora<br />
presi<strong>de</strong>nte da comissão organizadora<br />
<strong>dos</strong> Jogos. Boyle diz que não po<strong>de</strong><br />
fazer quaisquer comentários, mas<br />
está feliz da vida: “Seria <strong>de</strong>licioso,<br />
não seria?” foi a sua única<br />
<strong>de</strong>claração à imprensa inglesa.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 3
Flash<br />
Hitler vai a<br />
Bollywood<br />
Hitler adorava a Índia? Deste e <strong>de</strong> outros mitos urbanos viverá a anunciada<br />
produção <strong>de</strong> Bollywood sobre os últimos dias do ditador nazi<br />
É, no mínimo, uma das mais<br />
acordo <strong>de</strong> rescisão com a NBC<br />
enquanto apresentador do “Tonight<br />
Show”. Mas claro que Conan não<br />
está parado. Em Maio, <strong>de</strong>u início à<br />
sua “Legally Prohibited From Being<br />
peculiares notícias saídas <strong>de</strong> Funny On Television Tour”,<br />
Bollywood, a capital da produção espectáculo em que transportava<br />
do cinema indiano: o realizador para palco o humor que lhe<br />
estreante Rakesh Ranjan Kumar conhecíamos do “Late Night With<br />
<strong>de</strong>clara preparar um filme sobre... Conan O’Brien” e o ressentimento<br />
os últimos dias do ditador alemão que se seguiu ao <strong>de</strong>spedimento do<br />
Adolf Hitler. O filme <strong>de</strong>verá<br />
“Tonight Show” - pelo meio, havia<br />
intitular-se “Caro Amigo Hitler”, espaço para aparecer um<br />
título inspirado por duas cartas que morcego insuflável gigante,<br />
Mahatma Gandhi terá escrito ao inspirado no “Bat Out Of Hell” <strong>de</strong><br />
lí<strong>de</strong>r nazi. O produtor Anil Sharma Meat Loaf, prova <strong>de</strong> que aquele<br />
diz que a produção tentará mostrar era, também, um espectáculo <strong>de</strong><br />
“os seus me<strong>dos</strong>, a sua insegurança rock’n’roll. Pois bem, agora, não<br />
e as pressões que sofre em<br />
temos dúvidas. Conan uniu esforços<br />
momentos <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão com Jack White e, em Julho, haverá<br />
cruciais”, enquanto Kumar<br />
disco nas lojas (edição limitada ao<br />
avançou ao jornal “Mumbai Mirror” vinil).<br />
que a i<strong>de</strong>ia é examinar porque é O álbum foi gravado ao vivo em<br />
que Hitler se tornou no “maior Nashville, nos estúdios do<br />
‘loser’ do século XX”.<br />
guitarrista <strong>dos</strong> White Stripes, os<br />
O filme, que contará com o<br />
Third Man Studios. Dia 10 <strong>de</strong> Junho,<br />
veterano Anupam Kher no papel <strong>de</strong> perante um público <strong>de</strong> 300 pessoas,<br />
Hitler e Neha Dhupia, ex-Miss Índia, ouviram-se standards como “On the<br />
como Eva Braun, será inteiramente road again” ou “Blue moon of<br />
rodado na Índia — mas não foi ainda Kentucky”, mas também versões <strong>de</strong><br />
tomada nenhuma <strong>de</strong>cisão sobre a “Creep”, <strong>dos</strong> Radiohead, ou “Seven<br />
eventual inclusão <strong>dos</strong> números nation army”, <strong>dos</strong> White Stripes.<br />
musicais habituais nas produções Jack White juntou-se à banda <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Bollywood. Em todo o caso, a Conan para “20 flight rock”, <strong>de</strong><br />
polémica está já lançada, visto que Eddie Cochran, e “40 days”, <strong>de</strong><br />
Kumar preten<strong>de</strong> mostrar “o amor Ronnie Hawkins. A parceria não<br />
<strong>de</strong> Hitler pela Índia” e a influência acabará por aqui. White e O’Brien<br />
indirecta que ele teve na<br />
acordaram também a gravação <strong>de</strong><br />
in<strong>de</strong>pendência do subcontinente, um disco <strong>de</strong> sete polegadas, <strong>de</strong>sta<br />
bem como o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> uma legião g vez sem banda, , com o comediante<br />
<strong>de</strong> solda<strong>dos</strong> indianos que lutaram utaram em em modo “spoken-word”.<br />
pelo Eixo durante a Guerra. .<br />
Têm sido tempos louco loucos<br />
Alex von Tunzelmann,<br />
para o comediante,<br />
comentadora do jornal inglês lês “The<br />
confessou o<br />
Guardian”, diz que Sharma a e Kumar<br />
próprio durante o<br />
manifestam “uma ignorância cia<br />
concerto, segund segundo<br />
chocante <strong>dos</strong> factos históricos”. cos”.<br />
o “Guardian”: “H “Há<br />
Sabe-se que não foi fácil a Kumar<br />
seis meses, era er o<br />
encontrar um produtor disposto posto<br />
apresentador<br />
apresentado<br />
a arriscar num filme tão<br />
do ‘Tonight<br />
invulgar, e que o realizador r<br />
Show’, Show’, o<br />
garante a quem o quiser<br />
ouvir que não será nem um<br />
m<br />
filme <strong>de</strong> guerra a nem um<br />
romance – antes es um filme<br />
sobre a “guerra a que se<br />
travava na consciência sciência <strong>de</strong><br />
maior<br />
Hitler” durante e os seus<br />
franchise na<br />
últimos dias. É caso<br />
história da<br />
para dizer: a ver er<br />
televisão. Dep Depois<br />
vamos...<br />
iniciei uma<br />
digressão, digressão,<br />
Conan<br />
O’Brien<br />
lança<br />
álbum<br />
com Jack k<br />
White<br />
Não podia ser mais<br />
imprevisível: Conan O’Brien,<br />
estrela rock’n’roll, e logo<br />
na companhia <strong>de</strong> Jack White<br />
andando andando <strong>de</strong><br />
pequeno auditó auditório<br />
em pequeno<br />
auditório. E esta<br />
noite estou a faz fazer<br />
uma gravação em<br />
vinil. Estou a rec recuar<br />
no tempo! Na<br />
próximo semana<br />
estarei a fazer<br />
Conan O’Brien<br />
vau<strong>de</strong>ville. Depoi Depois<br />
não po<strong>de</strong> voltar r<br />
serei capitão <strong>de</strong> um<br />
à televisão até<br />
barco a vapor.”<br />
Setembro,<br />
E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tudo<br />
proibição<br />
isso, isso isso, lá o teremos <strong>de</strong> novo nna<br />
incluída no<br />
telev televisão.<br />
Espaço<br />
Público<br />
O épico chinês que<br />
quer ser “Avatar”,<br />
“Gladiador” e “Pirata<br />
das Caraíbas”<br />
Em anos mais recentes, temos<br />
prestado atenção ao cinema chinês<br />
através <strong>dos</strong> magníficos retratos<br />
sociais <strong>de</strong> Jia Zhang-ke (“Plataforma”<br />
ou “Natureza Morta”) ou pelos<br />
épicos extraí<strong>dos</strong> às lendas e à<br />
história do país, como “O Tigre e o<br />
Dragão”, <strong>de</strong> Ang Lee, ou “A Batalha<br />
<strong>de</strong> Red Cliff”, <strong>de</strong> John Woo. Mas a<br />
China do século XXI quer mais do<br />
que isso. A China potência mundial<br />
quer o seu cinema a competir<br />
Este espaço vai ser<br />
seu. Que fi lme, peça <strong>de</strong><br />
teatro, livro, exposição,<br />
disco, álbum, canção,<br />
concerto, DVD viu e<br />
gostou tanto que lhe<br />
apeteceu escrever<br />
“Empires of the Deep” vai ser distribuido para 160<br />
países: a China também quer fazer “blockbusters”<br />
Bret Easton Ellis regressa ao seu território<br />
É por causa <strong>de</strong> “Imperial<br />
Bedrooms”, a sequela do<br />
romance “Menos que Zero”<br />
(1985) publicado nos EUA há<br />
mais <strong>de</strong> 20 anos, que esta<br />
semana se volta a falar <strong>de</strong><br />
Bret Easton Ellis. Quando a<br />
famosa crítica literária norteamericana<br />
Michiko Kakutani<br />
escreveu sobre “Menos que<br />
Zero” no “New York Times”,<br />
em Junho <strong>de</strong> 1985, começou<br />
assim a sua recensão: “Este é<br />
um <strong>dos</strong> romances mais<br />
perturbadores que eu li,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> há muito tempo.” Na<br />
última terça-feira, a continuação <strong>de</strong>ssa história<br />
seminal chegou às livrarias. Não se trata só do<br />
regresso do autor que já não publicava <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005,<br />
quando lançou “Lunar Park”, mas também do<br />
regresso das personagens do seu primeiro livro.<br />
“Menos que Zero” contava a história <strong>de</strong> uma<br />
geração perdida, seguindo a vida <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong><br />
adolescentes nos anos 80, em Los Angeles. Em<br />
“Imperial Bedrooms” (o título cita um álbum <strong>de</strong><br />
Elvis Costello), estão to<strong>dos</strong> na meia-ida<strong>de</strong> e o<br />
escritor norte-americano cria-lhes um <strong>de</strong>stino<br />
surpreen<strong>de</strong>nte. Algumas personagens encontram a<br />
re<strong>de</strong>nção, outras estão mais horripilantes do que<br />
nunca. Clay é agora argumentista, vive em Nova<br />
Iorque, mas regressa a Los Angeles por causa <strong>de</strong><br />
um filme; Blair, a sua ex-namorada casou-se com<br />
outro; Julian é um toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte em<br />
recuperação e Rip, que era o “<strong>de</strong>aler”, fez tantas<br />
operações plásticas que ficou irreconhecível. Estão<br />
to<strong>dos</strong> 25 anos mais velhos.<br />
“A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Los Angeles <strong>de</strong> Bret Easton Ellis, tal<br />
como ‘O Inferno’ <strong>de</strong> Dante, é circular. Por este<br />
directamente com Hollywood.<br />
Foi com esse <strong>de</strong>sejo que o<br />
multimilionário Jon Jiang, 40 anos, se<br />
lançou na produção <strong>de</strong> “Empires Of<br />
The Deep”. Com estreia prevista para<br />
2011, um elenco formado na sua<br />
maioria por actores americanos <strong>de</strong><br />
segunda linha e o maior orçamento<br />
<strong>de</strong> sempre no cinema chinês (100<br />
milhões <strong>de</strong> dólares; cerca <strong>de</strong> 81<br />
milhões <strong>de</strong> euros), o filme é <strong>de</strong>scrito<br />
pelo “New York Times” como uma<br />
mistura <strong>de</strong> “Avatar”, “Gladiador” e<br />
“Pirata das Caraíbas” – e, claro está,<br />
foi filmado em 3-D.<br />
Jon Jiang, magnata do imobiliário<br />
que diz ter como missão <strong>de</strong> vida<br />
produzir filmes, vi<strong>de</strong>ojogos e<br />
parques temáticos, diz-se distante<br />
Sem sauda<strong>de</strong>s <strong>dos</strong> anos 80: tal como as<br />
personagens <strong>de</strong> “Menos que Zero”,<br />
o escritor também envelheceu<br />
sobre ele, concordando<br />
ou não concordando<br />
com o que escrevemos?<br />
Envie-nos uma nota até<br />
500 caracteres para<br />
ipsilon@publico.pt. E<br />
nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />
<strong>de</strong> qualquer tradição<br />
cinematográfica chinesa. “Sou um<br />
produtor internacional. Não quero<br />
fazer filmes chineses. Não conheço<br />
a forma chinesa <strong>de</strong> contar histórias,<br />
não sei como os filmes são feitos na<br />
China”, disse-se ao jornal norteamericano.<br />
Jiang compara-se a<br />
George Lucas, James Cameron e<br />
Peter Jackson, quer fazer filmes “à<br />
maior escala possível” e distribuílos<br />
em 160 países.<br />
“Empires of the Deep” assegurou a<br />
Bond Girl Olga Kuryenko <strong>de</strong>pois das<br />
recusas <strong>de</strong> Sharon Stone e Mónica<br />
Bellucci, e vai já no seu quarto<br />
realizador. O argumento, do<br />
próprio Jiang, foi adaptado por uma<br />
equipa <strong>de</strong> argumentistas<br />
americanos e conheceu 40 versões<br />
antes <strong>de</strong> ser dado como terminado.<br />
Caso se revele um sucesso, a<br />
indústria irá vê-lo como primeiro<br />
sinal <strong>de</strong> uma alteração do equilíbrio<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>res. Provando-se que é<br />
possível criar na China filmes que<br />
reproduzam a estética e a acção <strong>dos</strong><br />
habituais blockbusters <strong>de</strong><br />
Hollywood, com custos reduzi<strong>dos</strong><br />
pelo recurso ao material e às<br />
equipas técnicas chinesas, prevê-se<br />
o início <strong>de</strong> uma colaboração intensa<br />
entre a velha potência <strong>de</strong> Los<br />
Angeles e nova potência que quer<br />
ser a China.<br />
‘Imperial Bedrooms’, do<br />
princípio ao fim, passa a i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> algo congelado no tempo,<br />
um tempo em colapso, um<br />
tempo que regressa a si <strong>de</strong><br />
várias maneiras diabólicas<br />
(...). 25 anos <strong>de</strong>pois,<br />
continuam a existir os flashes<br />
das câmaras e o ‘gloss’ com<br />
forte protecção solar. Só que,<br />
<strong>de</strong>sta vez, há um eco<br />
persistente <strong>de</strong> mal-estar, a<br />
tristeza <strong>de</strong> nos estarmos a<br />
mover num mundo <strong>de</strong><br />
jovens, quando já não somos<br />
jovens”, escreve a escritora<br />
Donna Tartt, que já leu o livro.<br />
Numa entrevista que <strong>de</strong>u este mês à “Details”, o<br />
escritor confessava que já não sai à noite, como<br />
antigamente. Tornou-se membro <strong>de</strong> um clube<br />
nocturno muito exclusivo, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobriu que<br />
ainda se consegue divertir. Conta que continua a<br />
beber e que a única vez que frequentou os<br />
Alcoólicos Anónimos foi porque queria ir para a<br />
cama com alguém que lá também andava. Quando<br />
lhe perguntaram se tem sauda<strong>de</strong>s <strong>dos</strong> anos 80,<br />
respon<strong>de</strong>u: “Não, nem por isso.”<br />
Para comemorar o lançamento <strong>de</strong> toda a sua obra<br />
em formato digital, Bret Easton Ellis criou uma<br />
“playlist” que acompanha cada um <strong>dos</strong> seus livros<br />
e po<strong>de</strong> se consultada no seu “site” oficial e no no<br />
Facebook. O rapaz também tem uma conta no<br />
Twitter. Basta segui-lo em @BretEastonEllis. No<br />
“site” também está disponível o primeiro capítulo<br />
<strong>de</strong> “Imperial Bedrooms”, que em português terá<br />
como título “Quartos Imperiais” e será publicado<br />
pela editora Teorema no dia 20 <strong>de</strong> Outubro. Isabel<br />
Coutinho
AGENDA CULTURAL FNAC<br />
entrada livre<br />
AO VIVO<br />
FRANKIE CHAVEZ<br />
Novos Talentos Fnac 2010<br />
A música <strong>de</strong> Frankie Chavez conjuga diferentes tipos <strong>de</strong> sonorida<strong>de</strong>s, reflectindo as influências musicais<br />
que ficam das suas viagens.<br />
18.06. 18H30 FNAC CHIADO<br />
20.06. 17H00 FNAC CASCAISHOPPING<br />
AO VIVO<br />
THE JONHWAYNES<br />
Novos Talentos Fnac 2010<br />
A música da dupla caracteriza-se por uma enorme diversida<strong>de</strong> que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o simples e minimalista acidhouse<br />
até ao cariz mais clássico do house, com <strong>de</strong>svios para o disco-funk e para o boogie.<br />
18.06. 19H00 FNAC BRAGA PARQUE<br />
AO VIVO<br />
EMMY CURL<br />
Novos Talentos Fnac 2010<br />
As canções <strong>de</strong> Emmy Curl remetem para o mais transcen<strong>de</strong>nte e etéreo do indie pop, sugeridas pela voz<br />
suave, os backvocals submergi<strong>dos</strong> em reverb e os arranjos <strong>de</strong> guitarra flutuantes.<br />
18.06. 22H00 FNAC COIMBRA<br />
19.06. 22H00 FNAC LEIRIASHOPPING<br />
24.06. 21H30 FNAC ALMADA<br />
29.06. 20H30 FNAC COLOMBO<br />
AO VIVO<br />
SALTO!<br />
Novos Talentos Fnac 2010<br />
Salto! é o segredo mais bem guardado da Amor Fúria. Dois rapazes do Porto e dança. E é mesmo para saltar.<br />
19.06. 17H00 FNAC STA. CATARINA<br />
24.06. 22H00 FNAC MAR SHOPPING<br />
26.06. 18H00 FNAC NORTESHOPPING<br />
20.06. 18H00 FNAC VASCO DA GAMA<br />
22.06. 22H00 FNAC ALMADA<br />
AO VIVO<br />
MISTER LIZARD<br />
Novos Talentos Fnac 2010<br />
Mister Lizard é um projecto criado em 2005 por Anthony John, guitarrista inglês. As influências musicais<br />
vão do funk ao rock e psica<strong>de</strong>lismo como o jazz e blues.<br />
29.06. 22H00 FNAC ALMADA<br />
Consulte to<strong>dos</strong> os eventos da Agenda,<br />
assim como outros conteú<strong>dos</strong> culturais Fnac em<br />
Apoio:<br />
APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO
6 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon
<strong>dos</strong> <strong>diabos</strong><br />
O título tdiz que ele é “O <strong>Advogado</strong> do Terror”. Foi o<br />
próprio, Jacques Vergès, manipulador, grandiloquente,<br />
que assim se baptizou. Defen<strong>de</strong>u terroristas, nazis,<br />
“serial killers”. O que o move? É insondável. Tal como a<br />
perversida<strong>de</strong>. Há palavra para esta <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, o “Mal”.<br />
É o fascínio do realizador <strong>de</strong>ste documentário que se<br />
estreia em Portugal em DVD, Barbet Schroe<strong>de</strong>r, com<br />
quem falámos. Vasco Câmara, em Paris<br />
Um homem,<br />
Jacques<br />
Vergès, e 50<br />
anos <strong>de</strong><br />
terrorismo em<br />
fundo. Eis “O<br />
<strong>Advogado</strong> do<br />
Terror”,<br />
documentário<br />
<strong>de</strong> Barbet<br />
Schroe<strong>de</strong>r,<br />
disponível em<br />
DVD<br />
É anticolonialista ou <strong>de</strong> extrema direi- Há uma ma explicação<br />
atirada para cota?<br />
É preciso uma ginástica diabólica locar or<strong>de</strong>m r<strong>de</strong>m nesta nnesta<br />
<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m que é a<br />
para conciliar a <strong>de</strong>fesa <strong>dos</strong> revolucio- <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m m do mmundo:<br />
mundo: a <strong>de</strong> que este filho<br />
nários argelinos com a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> um <strong>de</strong> mãe vietna vietnamita amita e <strong>de</strong> pai da ilha ha<br />
torcionário nazi, Klaus Barbie, “o car- Reunião, o, o colonizado, coolonizado,<br />
“le chi<br />
hirasco<br />
<strong>de</strong> Lyon”. Ou para <strong>de</strong>screver Pol nois!”, foi, é, uum<br />
um homem em<br />
Pot, lí<strong>de</strong>r <strong>dos</strong> Khmers Vermelhos e <strong>de</strong> guerra, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> e que simpatii<br />
um genocídio cambojano, como “diszou com m a cau causa usa argelina<br />
creto” e “sorri<strong>de</strong>nte”, e negar o genocí- nascida <strong>dos</strong> mmassacres<br />
assacres <strong>de</strong><br />
dio – porque se “houve mortes, fome”, Setif, em m 1945. 19455.<br />
Tudo o<br />
o que aconteceu “foi involuntário”; hou- que veio o <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>poois<br />
faria<br />
a<br />
ve “repressão con<strong>de</strong>nável, tortura”, parte da a mesm mesma ma estra-<br />
“mas não os milhões <strong>de</strong> mortes” <strong>de</strong> que tégia <strong>de</strong> <strong>de</strong>smo <strong>de</strong>smontar ontar a<br />
se fala. Os Khmers Vermelhos têm as velha or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>m e<br />
os seus<br />
s<br />
costas largas, diz ele. E por aí fora: “se- crimes – França, Frannça,<br />
a<br />
rial killers”, Carlos, o Chacal, Milose- colonizadora. adoraa.<br />
Covic,<br />
ditadores africanos...<br />
mo alguém uém co com om o<br />
Ele, o autor <strong>de</strong>sta acrobacia, chama- romantismo ismo <strong>de</strong>s- d<strong>de</strong>s<br />
se Jacques Vergès, advogado, tem hoje feito – o amor ppela<br />
pela<br />
85 anos, e um documentário <strong>de</strong> Barbet França da Revo<br />
Schroe<strong>de</strong>r que se estreia entre nós no lução, <strong>de</strong> Mon- Moon<br />
n<br />
mercado <strong>de</strong> DVD (pela Atalanta Filmes) taigne, <strong>de</strong> Di<strong>de</strong>- Did<strong>de</strong><br />
e<br />
chama-lhe “O <strong>Advogado</strong> do Terror”. rot – que e <strong>de</strong>dica <strong>de</strong>dicca<br />
Quando se sabe que foi, afinal, o pró- a vida a vinga vingararrprio Vergès que propôs o título, fica-se se, com artes <strong>de</strong> d<strong>de</strong><br />
a perceber melhor quem temos diante um “gourmet”, urmet”,<br />
da câmara do realizador francês nas- <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>sfeita. sfeita.<br />
cido em Teerão. E que Schroe<strong>de</strong>r se res- (Ele podia odia<br />
guar<strong>de</strong> perante a inteligência e a capa- ter sido um<br />
cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manipulação <strong>de</strong> quem tem à terrorista, sta,<br />
frente – a arma <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa é uma reserva diz alguém ém<br />
<strong>de</strong> cepticismo – só nos resguarda a nós em “O Advodvo- também.<br />
gadodo Capa <strong>Advogado</strong><br />
ALI JAREKJI REUTERS
Terror”, mas gostava <strong>de</strong>masiado das<br />
coisas da vida; alguém acrescenta que<br />
o vê bem a premir o botão <strong>de</strong> um explosivo<br />
à distância)<br />
Schroe<strong>de</strong>r, com quem falámos em<br />
Paris, não acredita nessa explicação<br />
que pacifica uma narrativa. Mas é isso<br />
que o fascina, como já o tinha fascinado<br />
Idi Amin Dada, ditador ugandês: a<br />
<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m a que se chama o “Mal”.<br />
Quando apresentou “O<br />
<strong>Advogado</strong> do Terror” no Festival<br />
<strong>de</strong> Cannes [secção Un Certain<br />
Regard], Jacques Vergès estava<br />
na sala. Apresentou-o como o<br />
seu cúmplice, o seu colaborador<br />
e a sua vítima...<br />
Eu disse: temos a sorte <strong>de</strong> ter entre<br />
nós o autor, o intérprete e a vítima<br />
<strong>de</strong>ste filme. Ele tinha-me dito, <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> ter visto “O <strong>Advogado</strong> do Terror”:<br />
“caro inimigo, sou a sua vítima”.<br />
Porque é que Jacques Vergès<br />
aceitou que fizesse um filme<br />
sobre ele?<br />
Achou que tinha coisas a dizer...<br />
E você, por que é que se<br />
interessou por ele? Existe uma<br />
familiarida<strong>de</strong> entre personagens<br />
<strong>dos</strong> seus filmes, entre o ditador<br />
Idi Amin Dada [“Général Idi<br />
Amin Dada: Autoportrait”,<br />
1974] ou Claus von Bulow [a<br />
personagem que Jeremy Irons<br />
interpretou em “Reveses da<br />
Fortuna”, 1990, filme baseado<br />
num “caso jurídico” <strong>dos</strong> anos<br />
80: Claus von Bullow foi acusado<br />
<strong>de</strong> ter “enviado” a sua rica<br />
mulher, Sunny, para o coma<br />
com a ajuda <strong>de</strong> insulina, e<br />
contratou uma das “estrelas” da<br />
época, Alan Dershowitz, para o<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r]?<br />
Em alguns aspectos, Vergès e Idi<br />
Amin Dada são o oposto, mas os dois<br />
filmes têm a mesma “démarche”.<br />
Mesmo se o filme sobre Vergès foi<br />
mais complexo. Em relação a Claus<br />
von Bulow, o que é divertido é que se<br />
misturarmos as duas personagens<br />
principais <strong>de</strong>sse filme, o advogado<br />
[Alan Dershowitz, interpretado por<br />
Ron Silver] e Claus von Bulow, o resultado<br />
é igual a Vergès.<br />
Acho estas personagens divertidas,<br />
mais interessantes, porque nos perturbam<br />
mais, do que as personagems<br />
ditas normais.<br />
A relação com as suas<br />
personagens é diferente antes <strong>de</strong><br />
fazer e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> fazer o filme?<br />
É preciso cuidado com isso. Lembrome<br />
que no caso <strong>de</strong> Idi Amin Dada disse<br />
a mim próprio que não me podia<br />
chegar <strong>de</strong>masiado perto <strong>de</strong>le. O caso<br />
<strong>de</strong> Vergès foi diferente, porque, <strong>de</strong><br />
alguma maneira, fizemos o filme juntos,<br />
tomámos <strong>de</strong>cisões juntos, ele fez<br />
sugestões interessantes. Por exemplo,<br />
o título do filme [no original,<br />
“L’Advocat <strong>de</strong> la Terreur”] é sugestão<br />
<strong>de</strong>le [risos].<br />
Não o vê, então, como o assunto<br />
do filme, mas como alguém que<br />
colaborou...<br />
Sim. Mesmo no caso <strong>de</strong> Idi Amin Dada<br />
havia momentos em que ele começava<br />
a dar or<strong>de</strong>ns à câmara. O que<br />
mostra que aí também ele foi colocado<br />
na situação <strong>de</strong> um <strong>dos</strong> participantes<br />
do filme.<br />
Po<strong>de</strong>mos falar em “mise-en-scène” no<br />
caso <strong>de</strong> um documentário baseado em<br />
testemunhos e que, quando não se levanta<br />
acima do grau zero da relevância,<br />
é uma sucessão <strong>de</strong> “talking heads”? Sim,<br />
“O <strong>Advogado</strong> do Terror” tem sinais <strong>de</strong>ssa<br />
coisa in<strong>de</strong>finível: “mise-en-scène”.<br />
Como se se quisesse manter a salvo,<br />
entre a curiosida<strong>de</strong> e o cepticismo (sobretudo<br />
o cepticismo), Barbet Schroe<strong>de</strong>r<br />
enquadra os entrevista<strong>dos</strong>, Vergès<br />
e os outros, numa parcela do respectivo<br />
mundo. Vêmo-los sempre a meia dis-<br />
8 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
“O que me interessa<br />
é <strong>de</strong>scobrir o que<br />
é o Mal, sob cujo rosto<br />
se escon<strong>de</strong> o Mal.<br />
É um assunto que foi<br />
tratado por<br />
Shakespeare,<br />
na minha opinião<br />
merece que continue<br />
a ser tratado...”<br />
tância, ro<strong>de</strong>a<strong>dos</strong> por um “cenário”. É<br />
aquele o mundo que habitam – o advogado<br />
e os seus objectos e mobília, por<br />
exemplo, e Schroe<strong>de</strong>r não anda longe,<br />
aqui, da ironia fascinada pelo mundo<br />
<strong>dos</strong> ricos que impregnava a construção<br />
do argumento <strong>de</strong> “Reveses da Fortuna”.<br />
Essa distância parece proteger-nos<br />
a to<strong>dos</strong>, realizador e espectadores, da<br />
envolvência total – protege-nos <strong>de</strong> sermos<br />
<strong>de</strong>vora<strong>dos</strong>, por exemplo. E assim<br />
também as manobras <strong>de</strong> teatralida<strong>de</strong><br />
(<strong>de</strong>les) têm espaço para se tornarem<br />
mais nítidas.<br />
Falamos “<strong>de</strong>les”, <strong>de</strong>veríamos falar<br />
“<strong>de</strong>le”, Jacques Vergès, que explicita a<br />
sua concepção da sala <strong>de</strong> tribunal como<br />
palco para o mundo ao referir-se à<br />
<strong>de</strong>fesa do “Carrasco <strong>de</strong> Lyon”, o nazi<br />
Klaus Barbie. Diz Vergès, falando da<br />
sua estratégia <strong>de</strong> provocar inci<strong>de</strong>ntes,<br />
<strong>de</strong> progredir por confrontos, da metodologia<br />
seguida <strong>de</strong> direccionar a <strong>de</strong>fesa<br />
para o ataque à França colonial (do<br />
género: o Governo francês terá sido<br />
responsável por vários Klaus Barbie na<br />
Argélia, para quê agora o escândalo<br />
com o nazi...): “eles” “prepararam o<br />
espectáculo”, cabia-lhe a ele improvisar<br />
a sua pequena peça no “décor” <strong>dos</strong><br />
outros. Estava “eufórico” perante os<br />
juízes – e está eufórico a admitir isso<br />
perante a câmara.<br />
Há uma espécie <strong>de</strong> explicação<br />
para o facto <strong>de</strong> Vergès po<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r tanto revolucionários<br />
argelinos como o nazi Klaus<br />
Barbie: o seu ódio à França<br />
colonial, a sua origem<br />
vietnamita, o facto <strong>de</strong> ter<br />
estado no lugar do colonizado.<br />
Não acha que é <strong>de</strong>masiado<br />
fácil resolver a questão assim?<br />
Acredita nessa explicação? Ou é<br />
mais complexo?<br />
É certamente mais complexo...<br />
É como se a única coisa certa<br />
seja a nossa dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ler o<br />
mundo como narrativa linear, <strong>de</strong><br />
o explicar...<br />
É isso.<br />
Barbet Schroe<strong>de</strong>r, um cineasta<br />
fascinado pelos “rostos do Mal”<br />
Um viajante pel<br />
Nos anos 80 está em <strong>de</strong>composição a primeira etapa do mo<strong>de</strong>rno terrorismo in<br />
abre nova fase, a <strong>de</strong> um terrorismo instrumental e c<br />
Vergès<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u<br />
Djamila<br />
Bouhired (à<br />
direita),<br />
“heroína da<br />
in<strong>de</strong>pendência”<br />
argelina,<br />
inaugurando<br />
a sua<br />
estratégia da<br />
“<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong><br />
ruptura”:<br />
contestando a<br />
legitimida<strong>de</strong><br />
do tribunal e<br />
colocando o<br />
processo na<br />
óptica do<br />
conflito<br />
francoargelino<br />
Quem é Jacques Vergès? Há<br />
excessivas pistas. A primeira é<br />
a do “advogado do terror”. Mas<br />
é redutora face à sua carteira <strong>de</strong><br />
clientes, que vai do terrorista<br />
Carlos ao nazi Barbie, <strong>dos</strong><br />
Khmer Vermelhos aos ditadores<br />
africanos. Ele explica: “As pessoas<br />
ditas in<strong>de</strong>fensáveis precisam <strong>de</strong><br />
ser <strong>de</strong>fendidas.”<br />
A segunda, por si indicada, diz<br />
que “a justiça é um jogo” em que o<br />
advogado “é gladiador, estratego<br />
e, por vezes, artista”. A propósito<br />
<strong>de</strong> uma peça <strong>de</strong> teatro em que ele<br />
próprio se representou, disse: “Há<br />
uma diferença entre uma obra<br />
literária e uma obra judiciária. A<br />
primeira cheira a tinta, a segunda<br />
tem um gosto <strong>de</strong> sangue. Des<strong>de</strong><br />
que o provamos, não passamos<br />
sem ele. Tornamo-nos um serial<br />
litigante.”<br />
A terceira é a do “ódio ao<br />
colonialismo e aos colonialistas”,<br />
que seria o fi o condutor do seu<br />
percurso.<br />
Outra pista, negada por Vergès<br />
mas que serve o mito, é a do juiz<br />
francês Jean-Louis Bruguière,<br />
que o aponta como membro<br />
do grupo terrorista <strong>de</strong> Carlos.<br />
Amador <strong>de</strong> “habanos”, escreve<br />
o jornalista René Backmann,<br />
Vergès é também um especialista<br />
em lançar cortinas <strong>de</strong> fumo e<br />
espalhar pistas falsas. Uma única<br />
qualifi cação é incontroversa:<br />
mestre do fascínio.<br />
A família<br />
Jacques nasceu em 1925 na<br />
Tailândia, fi lho <strong>de</strong> Raymond<br />
Vergès, alto funcionário francês<br />
natural da Reunião (Índico), e<br />
<strong>de</strong> Pham Ti Khang, professora<br />
vietnamita. Tem um irmão gémeo<br />
(ou um ano mais novo), Paul, lí<strong>de</strong>r<br />
comunista e, ainda hoje, fi gura<br />
dominante da Reunião. A família<br />
está na ilha <strong>de</strong>s<strong>de</strong> fi ns do século<br />
XVII.<br />
“É impossível compreen<strong>de</strong>r<br />
Paul e Jacques sem conhecer a<br />
história do pai, tal a energia que<br />
gastou em os moldar”, escreveu o<br />
ex-juiz Thierry Jean-Pierre, num<br />
livro sobre a dinastia Vergès.<br />
Raymond, maçon e anticlerical,<br />
“médico <strong>dos</strong> pobres”, foi precursor<br />
do anticolonialismo e aproximouse<br />
<strong>dos</strong> comunistas.<br />
Jacques conclui o liceu em<br />
Saint-Denis, Reunião. Alista-se<br />
em 1942 nas Forças Francesas<br />
Livres, do general De Gaulle.<br />
Combate no Norte <strong>de</strong> África e<br />
França. Em 1945, a<strong>de</strong>re ao Partido<br />
Comunista Francês. É amigo <strong>dos</strong><br />
futuros Khmer Vermelhos, Saloth<br />
Sar (Pol Pot) e Khieu Samphan,<br />
e admite ter “participado na sua<br />
politização”. Em Praga conhece<br />
futuros dignitários comunistas,<br />
como o alemão Erich Honecker.<br />
Inicia a carreira <strong>de</strong> advogado em<br />
1955.<br />
Djamila<br />
Parte para a Argélia em 1957.<br />
Pe<strong>de</strong>m-lhe que <strong>de</strong>fenda a<br />
Djamila Bouhired, jovem<br />
militante da re<strong>de</strong> terrorista da<br />
FLN durante a Batalha <strong>de</strong> Argel.
lo terrorismo do século passado<br />
o internacional inaugurada em 1968. Os grupos palestinianos e as suas ramifi cações europeias tornam-se mercenários e per<strong>de</strong>m a i<strong>de</strong>ologia. A revolução iraniana<br />
e controlado por um Estado e suas sucursais, como o Hezbollah libanês. E Jacques Verges no meio disto? Jorge Almeida Fernan<strong>de</strong>s<br />
Presa e torturada, é candidata à<br />
guilhotina.<br />
Vergès inaugura aí a sua<br />
estratégia da “<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> ruptura”.<br />
Contesta a legitimida<strong>de</strong> do<br />
tribunal e coloca o processo na<br />
óptica do confl ito franco-argelino.<br />
Djamila é con<strong>de</strong>nada à morte.<br />
Vergès lança-se numa campanha<br />
incansável para a salvar através<br />
<strong>de</strong> uma mobilização internacional.<br />
Será indultada em Março <strong>de</strong> 1958.<br />
A in<strong>de</strong>pendência chega<br />
em 1962. Djamila é libertada.<br />
Jacques casa-se com a “heroína<br />
da in<strong>de</strong>pendência”, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
se converter ao islão. Adopta a<br />
nacionalida<strong>de</strong> argelina. Trabalha<br />
no Ministério <strong>dos</strong> Negócios<br />
Estrangeiros, visita Pequim, é<br />
recebido por Mao, a<strong>de</strong>re às teses<br />
chinesas. Ben Bella não acha<br />
graça e expulsa-o da Argélia.<br />
O golpe <strong>de</strong> estado <strong>de</strong><br />
Boumédiène (1965) permite-lhe<br />
voltar a Argel, on<strong>de</strong> advoga<br />
apagadamente. Em 1968,<br />
Ab<strong>de</strong>laziz Boutefl ika (hoje<br />
Presi<strong>de</strong>nte) pe<strong>de</strong>-lhe que vá a<br />
Atenas <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r palestinianos<br />
que tinham <strong>de</strong>sviado um avião<br />
israelita. Encontra a nova causa.<br />
Em Fevereiro <strong>de</strong> 1970<br />
<strong>de</strong>saparece. Após sete anos <strong>de</strong><br />
casamento, abandona Djamila e as<br />
duas fi lhas. “Um crápula”, <strong>de</strong>creta<br />
a mãe do cartonista Siné, um<br />
amigo <strong>de</strong> sempre.<br />
Reaparece em 1978. On<strong>de</strong><br />
esteve? No Líbano, no Camboja,<br />
na Rússia, no Katanga, na África<br />
do Sul? Foi visto em Paris. Há um<br />
testemunho da sua passagem<br />
no Líbano. A pista katanguesa<br />
provém <strong>de</strong>, no regresso a Paris,<br />
pagar dívidas com malas <strong>de</strong><br />
dinheiro da família Tchombé.<br />
Diz apenas que esteve “muito a<br />
oriente da França”. Revolução,<br />
“crise fi nanceira” ou fuga da<br />
Mossad? O mistério engran<strong>de</strong>ce<br />
o mito.<br />
As ligações perigosas<br />
Em Agosto <strong>de</strong> 1994, o terrorista<br />
Carlos, o Chacal, foi entregue pelo<br />
Sudão à França. É um venezuelano<br />
– Ilich Ramírez Sánchez – que<br />
fez carreira na Frente Popular <strong>de</strong><br />
Libertação da Palestina (FPLP)<br />
e participou no sequestro <strong>dos</strong><br />
ministros do petróleo da OPEC,<br />
em 1975, em Viena. Expulso da<br />
FPLP, passa a trabalhar “por conta<br />
própria” e “por conta doutros”.<br />
A FPLP e o seu chefe<br />
operacional, Wadie Haddad,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> inventarem uma nova<br />
arma, o sequestro <strong>de</strong> aviões,<br />
<strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m recrutar terroristas<br />
europeus em crise <strong>de</strong> acção.<br />
Forma-se uma nebulosa<br />
promíscua, manipulada por<br />
serviços secretos – árabes e<br />
russos, <strong>de</strong>signadamente. O<br />
próprio Haddad, envenenado<br />
pela Mossad, teria sido agente<br />
do KGB. Terroristas do bando<br />
Baa<strong>de</strong>r-Meihoff (RAF) circulam<br />
por re<strong>de</strong>s palestinianas. Muitos<br />
atenta<strong>dos</strong> são feitos em regime <strong>de</strong><br />
“subcontratação”.<br />
Num <strong>dos</strong> seus livros,<br />
Vergès <strong>de</strong>fine-se como<br />
“o canalha luminoso”<br />
(“Le Salaud<br />
Lumineux”, 1996).<br />
Aí resume o seu<br />
pessimismo<br />
antropológico:<br />
“Os chefes são<br />
canalhas po<strong>de</strong>rosos;<br />
os súbditos<br />
são canalhas em<br />
potência”<br />
Carlos tinha dois manda<strong>dos</strong><br />
<strong>de</strong> captura em França, um por<br />
atenta<strong>dos</strong> e outro, já caducado,<br />
pelo assassínio <strong>de</strong> dois agentes da<br />
DST (segurança interna) francesa,<br />
em 1975.<br />
Através <strong>de</strong> uma fuga <strong>de</strong><br />
informação, “Le Mon<strong>de</strong>” noticiou<br />
que o juiz Bruguière acusava<br />
Vergès <strong>de</strong> cumplicida<strong>de</strong> com<br />
Carlos, graças à documentação da<br />
Stasi e <strong>dos</strong> serviços húngaros.<br />
Ele fora o advogado <strong>de</strong><br />
dois operacionais <strong>de</strong> Carlos,<br />
Magdalena Kopp e Bruno<br />
Bréguet, presos em 1982 quando<br />
preparavam um atentado. Kopp<br />
passara da RAF para o bando <strong>de</strong><br />
Carlos.<br />
Vergès concluiu assim a <strong>de</strong>fesa:<br />
“Seja qual for a sentença que ireis<br />
ditar, os meus clientes, solda<strong>dos</strong><br />
prisioneiros <strong>de</strong> uma nobre causa,<br />
<strong>de</strong>ixarão a prisão em três horas,<br />
em 48 horas ou em três meses,<br />
porque os seus amigos não<br />
baixarão os braços.”<br />
Era uma relativa farsa. Sob a<br />
ameaça <strong>de</strong> novos atenta<strong>dos</strong>, tinha<br />
previamente negociado com o<br />
po<strong>de</strong>r judicial um julgamento<br />
“benevolente” – para evitar mais<br />
atenta<strong>dos</strong> em França. Kopp foi<br />
con<strong>de</strong>nada a quatro anos.<br />
Nas suas memórias<br />
(2009), Bruguière vai mais<br />
longe e <strong>de</strong>nuncia Vergès e<br />
o advogado suíço Bernard<br />
Rambert como “membros da<br />
Carlos, o Chacal: foram<br />
<strong>de</strong>nunciadas ligações <strong>de</strong><br />
Vergès à re<strong>de</strong> terrorista<br />
re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Carlos”, envolvi<strong>dos</strong><br />
“i<strong>de</strong>ológica e operacionalmente<br />
na organização”. Revela<br />
pseudónimos, regras <strong>de</strong> contacto<br />
e as suas frequentes viagens a<br />
Berlim-Leste para encontros com<br />
Peter Weinrich, braço-direito<br />
<strong>de</strong> Carlos. Acusa ainda Vergès<br />
<strong>de</strong> tentar corromper guardas<br />
prisionais para facilitar a evasão<br />
<strong>dos</strong> dois terroristas. Vergès<br />
<strong>de</strong>smente.<br />
Outra iniciativa <strong>de</strong> pressão<br />
sobre o po<strong>de</strong>r foi a tentativa<br />
<strong>de</strong> libertação do terrorista<br />
libanês Anis Naccache, autor<br />
<strong>de</strong> um atentado falhado contra<br />
Chapour Bakhtiar, ex-primeiroministro<br />
do Irão, em 1982.<br />
A acção fora or<strong>de</strong>nada pelo<br />
ayatollah Khomeini. Bakhtiar<br />
será assassinado pouco <strong>de</strong>pois. E<br />
Naccache será indultado em 1990,<br />
por Mitterrand.<br />
Nos anos 80, está em acelerada<br />
<strong>de</strong>composição a primeira<br />
etapa do mo<strong>de</strong>rno terrorismo<br />
internacional inaugurada em 1968.<br />
Os grupos palestinianos e as suas<br />
ramifi cações europeias tornam-se<br />
progressivamente mercenários e<br />
per<strong>de</strong>m a i<strong>de</strong>ologia. A revolução<br />
iraniana abre nova fase, a <strong>de</strong><br />
um terrorismo instrumental e<br />
controlado por um Estado e suas<br />
sucursais, como o Hezbollah<br />
libanês.<br />
Depressa surgirá a nova<br />
gran<strong>de</strong> explosão, o “terrorismo<br />
islamista”, que para lá das<br />
erupções nacionais – Argélia,<br />
Tchetchénia ou Israel – dará lugar<br />
ao “terrorismo global” da Al-<br />
Qaeda. Os terroristas que Vergès<br />
Na <strong>de</strong>fesa do Chefe da Gestapo<br />
em Lyon, Klaus Barbie, Vergès<br />
argumentou que durante a<br />
colonização a França actuou<br />
exactamente como os nazis<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u ou frequentou são hoje<br />
um anacronismo.<br />
As más companhias<br />
Vergès <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u todo o tipo <strong>de</strong><br />
acusa<strong>dos</strong>. Teve intervenções<br />
notáveis, evitando monstruosos<br />
erros judiciais, como no caso<br />
<strong>de</strong> Omar Raddad, um jardineiro<br />
marroquino acusado <strong>de</strong><br />
assassinar uma francesa (1994).<br />
Mas os processos emblemáticos<br />
são os políticos, como o <strong>de</strong> Klaus<br />
Barbie, em 1987, ou o <strong>dos</strong> Khmer<br />
Vermelhos, em 2008.<br />
Entre Vergès, terroristas<br />
palestinianos e Barbie há um elo:<br />
François Genoud (1915-96). É um<br />
banqueiro suíço, simpatizante<br />
<strong>de</strong> Hitler, que terá colaborado na<br />
fuga <strong>de</strong> antigos nazis e fi nanciou a<br />
<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> Eichmann.<br />
A sua carreira foi estudada<br />
pelo jornalista Pierre Péan<br />
(“L’Extrémiste. François Genoud,<br />
<strong>de</strong> Hitler à Carlos”, 1996).<br />
Fundou em 1958, em Genebra,<br />
La Banque Commerciale Arabe,<br />
alegadamente com fun<strong>dos</strong> sírios<br />
e o patrocínio <strong>de</strong> Nasser. Geriu<br />
o “tesouro <strong>de</strong> guerra” da FLN<br />
argelina, tinha relações estreitas<br />
com Ben Bella, Haddad ou com<br />
Magdalena Kopp e, através <strong>de</strong>la,<br />
com Carlos. Era amigo <strong>de</strong> Vergès<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época argelina. Foi ele que<br />
encomendou a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> Barbie.<br />
Chefe da Gestapo em Lyon,<br />
em 1942-44, acusado <strong>de</strong> tortura,<br />
massacres, execução <strong>de</strong> centenas<br />
<strong>de</strong> franceses e responsável<br />
pela <strong>de</strong>portação <strong>de</strong> crianças<br />
judias para Auschwitz, Barbie<br />
foi extraditado da Bolívia para<br />
França.<br />
O julgamento foi uma<br />
<strong>de</strong>monstração da “<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong><br />
ruptura”. Vergès agiu em três<br />
planos. No primeiro, convencional,<br />
tentou <strong>de</strong>sacreditar as<br />
testemunhas, não sobre os factos<br />
mas sobre a presença física <strong>de</strong><br />
Barbie no momento <strong>dos</strong> factos.<br />
No segundo plano, procurou<br />
<strong>de</strong>smontar a Resistência,<br />
utilizando obras históricas para<br />
mostrar que os franceses foram<br />
O advogado <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u Khieu<br />
Samphan, Presi<strong>de</strong>nte do regime<br />
<strong>dos</strong> Khmer Vermelhos.<br />
Assumiu-se como negacionista<br />
largamente colaboracionistas<br />
– o que era verda<strong>de</strong>. Insinuou<br />
que o chefe da Resistência, Jean<br />
Moulin, foi “entregue” por dois<br />
resistentes, o casal Aubrac – o que<br />
os historiadores contestam.<br />
Por fi m, argumentou que<br />
durante a colonização o Estado<br />
francês actuou exactamente como<br />
os nazis. Era a relativização <strong>dos</strong><br />
crimes nazis – aquilo que estava a<br />
ser julgado.<br />
Vergès vangloria-se <strong>de</strong> ter<br />
ganho: diz que era um contra<br />
20 advoga<strong>dos</strong> <strong>de</strong> acusação e<br />
que, portanto, monopolizou<br />
as atenções. Teve um sucesso<br />
mediático nas primeiras sessões.<br />
Mas o julgamento transformou-se<br />
num impressionante “processo<br />
para a História”, resumido num<br />
fi lme <strong>de</strong> 70 horas.<br />
O “canalha luminoso”<br />
Em 2008, Vergès foi ao Camboja<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r um velho amigo. Pol<br />
Pot morrera. Defen<strong>de</strong>u Khieu<br />
Samphan, Presi<strong>de</strong>nte do regime<br />
<strong>dos</strong> Khmer Vermelhos. Repetiu<br />
a sua estratégia. Frisou que<br />
“se os actos <strong>de</strong> tortura são<br />
in<strong>de</strong>sculpáveis” e se “houve<br />
muitas mortes”, elas <strong>de</strong>correram<br />
sobretudo <strong>de</strong> “doença e fome”, em<br />
virtu<strong>de</strong> do embargo imposto pelos<br />
EUA. “Não houve genocídio no<br />
Camboja, os números foram muito<br />
exagera<strong>dos</strong>”.<br />
Quanto a Samphan: “O seu papel<br />
era meramente técnico. Enquanto<br />
chefe <strong>de</strong> Estado representava o<br />
país, (...) mas não era responsável<br />
pela repressão. É uma pessoa<br />
afável. É inocente. Era um i<strong>de</strong>alista<br />
com i<strong>de</strong>ias revolucionárias.”<br />
O tribunal da ONU não se<br />
impressionou e o advogado<br />
apanhou o avião para Paris.<br />
O <strong>de</strong>lírio <strong>de</strong> Pol Pot levou ao<br />
extermínio <strong>de</strong> um quarto da<br />
população. Vergès ousou assumirse<br />
como negacionista. Também<br />
a causa palestiniana serviu para<br />
encobrir o discreto perfume<br />
<strong>de</strong> anti-semitismo que sempre<br />
transportou consigo.<br />
Num <strong>dos</strong> seus livros, Vergès<br />
<strong>de</strong>fi ne-se como “o canalha<br />
luminoso” (“Le Salaud Lumineux”,<br />
1996). Aí resume o seu pessimismo<br />
antropológico: “Os chefes são<br />
canalhas po<strong>de</strong>rosos; os súbditos<br />
são canalhas em potência.”<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 9
Schroe<strong>de</strong>r na rodagem do filme<br />
que fez com Idi Amin Dada<br />
10 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
Não se po<strong>de</strong> dizer: “ele fez isso<br />
porque...”. Vamos pegar no caso Barbie:<br />
o que se diz no filme é que Vergès<br />
pegou no caso, na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> Klaus<br />
Barbie, porque François Genou [1915-<br />
1966, banqueiro suíço que se pôs ao<br />
serviço <strong>dos</strong> fugitivos nazis e que<br />
apoiou a Frente <strong>de</strong> Libertação Nacional<br />
argelina e a Frente Popular <strong>de</strong> Libertação<br />
da Palestina, FPLP – e a <strong>de</strong>fesa<br />
<strong>dos</strong> seus “guerrilheiros” ou “associa<strong>dos</strong>”,<br />
como Carlos, o Chacal] lho<br />
pediu. Aliás, conta-se no filme que<br />
antes <strong>de</strong> pedir a Vergès, foi pedido a<br />
outro advogado que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>sse Barbie<br />
e esse advogado recusou-se para,<br />
segundo ele, não sujar aquilo que até<br />
aí tinha feito. Vergès não teve esse<br />
problema. Há aí um elemento <strong>de</strong> perversida<strong>de</strong><br />
nele. Po<strong>de</strong> dizer-se que ele<br />
aceitou porque era uma forma <strong>de</strong> atacar<br />
a França. Mas po<strong>de</strong> dizer-se, também,<br />
que era uma forma <strong>de</strong> conseguir<br />
publicida<strong>de</strong> para si próprio. Se continuarmos<br />
por aí fora, é como as cascas<br />
<strong>de</strong> uma cebola: camadas cada vez<br />
mais profundas, diversas, mas nunca<br />
uma explicação.<br />
Mesmo assim, penso que, no plano<br />
legal, Vergès queria, ao aceitar o caso<br />
Barbie, tentar provar que a França<br />
tinha produzido centenas <strong>de</strong> Barbies<br />
na Argélia. Mas claro que para fazer<br />
isso ele branqueou aquilo que podia<br />
ligar a perseguição aos ju<strong>de</strong>us e os<br />
campos <strong>de</strong> concentração a Barbie...<br />
Houve algum momento em que<br />
O advogado Dershowitz (Ron<br />
Silver) e o cliente Claus von<br />
Bulow (Jeremy Irons) em<br />
“Reveses da Fortuna”: o fascínio<br />
<strong>de</strong> Schroe<strong>de</strong>r pelo ambíguo<br />
mundo <strong>dos</strong> ricos<br />
Vergès tenha dito que não queria<br />
falar <strong>de</strong> um assunto?<br />
Não, nunca... e daí sim: Carlos [o Chacal:<br />
Ilich Ramírez Sánchez, venezuelano,<br />
um <strong>dos</strong> “inimigos públicos” <strong>dos</strong><br />
anos 70/80, especialmente a partir <strong>de</strong><br />
1973, quando se associou à FPLP e às<br />
suas manobras <strong>de</strong> terrorismo internacional;<br />
cumpre pena <strong>de</strong> prisão perpétua].<br />
Há um momento em que Vergès<br />
diz que não quer falar das suas<br />
supostas ligações a Carlos porque foi<br />
advogado <strong>de</strong>le e não po<strong>de</strong> fazer revelações<br />
sobre essa relação...<br />
Mas podia <strong>de</strong>sculpar-se com isso<br />
em relação a todas as outras<br />
pessoas sobre as quais se fala no<br />
filme...<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente. Houve outra coisa: a<br />
sua história <strong>de</strong> amor com Djamila.<br />
Djamila Bouhired, o “rosto da in<strong>de</strong>pendência<br />
argelina”, nascida em 1935.<br />
Foi capturada em 1957 e con<strong>de</strong>nada à<br />
morte por terrorismo, mas a campanha<br />
mediática que o seu advogado, Vergès,<br />
lançou, com apelos <strong>de</strong> todo o mundo,<br />
levou à sua libertação em 1962. É um<br />
ícone, com quem Vergès se casou e com<br />
quem fundou a revista “Révolution africaine”.<br />
Está retratada em “A Batalha<br />
<strong>de</strong> Argel”, filme <strong>de</strong> 1966 <strong>de</strong> Gillo Pontecorvo.<br />
Po<strong>de</strong>mos resumir assim: há um Vergès<br />
da causa argelina, o Vergès <strong>de</strong> Djamila<br />
Bouhired, e o Vergès <strong>dos</strong> anos 80.<br />
Entre um momento e outro, um misterioso<br />
<strong>de</strong>saparecimento do protagonista,<br />
entre 1970 e 1978, não se sabe se para a<br />
floresta cambojana. Quando regressou,<br />
já afastado <strong>de</strong> Djamila, regressou também<br />
“uma maior distância em relação<br />
às coisas” – é assim que fala <strong>de</strong>le, no<br />
filme <strong>de</strong> Schroe<strong>de</strong>r, o jornalista Lionel<br />
Duroy, referindo-se a uma época <strong>de</strong> fim<br />
<strong>de</strong> todas as esperanças em relação à<br />
política. Se quisermos seguir a linha do<br />
documentário, a <strong>de</strong> ver na história <strong>de</strong><br />
Vergès sinais da história do terrorismo<br />
mundial, esse é então o momento em<br />
que o cinismo disparou em todas as direcções.<br />
Vergès tornou-se advogado<br />
pa-ra to<strong>dos</strong> os serviços: torcionários<br />
nazis, ditadores, <strong>de</strong> África e <strong>dos</strong> Balcãs,<br />
“serial killers”. É ver as imagens a preto<br />
e branco com um (mais) jovem Vergès,<br />
e adivinhar um romantismo contido<br />
mas tenaz, e olhar para a transbordante<br />
opulência do Vergès <strong>de</strong> hoje.<br />
Gosta-se um pouco <strong>de</strong>le por não ter querido<br />
falar <strong>de</strong> Djamila Bouhired<br />
Fala-se <strong>de</strong>ste filme, e <strong>de</strong> outros<br />
que realizou, como filmes sobre<br />
criaturas mostruosas, que serão<br />
a sua atracção...<br />
Monstros é uma palavra <strong>de</strong>masiado<br />
limitada. Diria que são personagens<br />
fora do comum, extremamente ambíguas,<br />
com um lado maléfico, até,<br />
sim. O que me interessa é <strong>de</strong>scobrir<br />
o que é o Mal, sob cujo rosto se escon<strong>de</strong><br />
o Mal. É um assunto que foi<br />
tratado por Shakespeare, na minha<br />
opinião merece que continue a ser<br />
tratado..<br />
E qual é o seu papel, como<br />
realizador? Vampiro?<br />
Todo o cinema é vampírico. É um <strong>dos</strong><br />
temas principais do cinema e da fotografia.<br />
Absorve-se uma realida<strong>de</strong><br />
para a fazermos nossa. Isso é certo.<br />
Não é assim mais no cinema do que<br />
na fotografia.<br />
Vergès po<strong>de</strong> dizer que foi<br />
enganado, que o que está ali é<br />
você e não ele...<br />
Claro. Mas ele não diz isso. Ele diz outra<br />
coisa: “Este filme é uma obra-prima<br />
e isso <strong>de</strong>ve-se a mim”. E diz ainda:<br />
há umas coisas ridículas que o realizador<br />
quis juntar mas não tem importância<br />
nenhuma, o filme sou eu, isso<br />
é que conta. O que é qualquer coisa<br />
<strong>de</strong> muito hábil, diabólico e genial.<br />
Continua a relacionar-se com<br />
ele?<br />
Aconteceu encontrar-me com ele várias<br />
vezes na altura da promoção do<br />
filme, mas não há laços entre nós.<br />
É como trabalhar com um<br />
actor: acaba o filme, acaba o<br />
relacionamento?<br />
Sim, não tenho outro papel para lhe<br />
dar [risos].<br />
Há coisas que sabe <strong>de</strong>le que nós,<br />
espectadores, não saibamos?<br />
O filme é feito para respon<strong>de</strong>r à pergunta:<br />
por que é que ele fez o que fez?<br />
E parte do filme respon<strong>de</strong> a isso. Não<br />
há nada na manga. Tudo o que foi dito<br />
e contado está no filme ou reflectido<br />
no filme.<br />
Mais do que um filme sobre<br />
Jacques Vergès, é um filme sobre<br />
o terrorismo.<br />
É isso, através <strong>de</strong> uma personagem<br />
extraordinária, contar a história do<br />
terrorismo que começou em Argel<br />
nos anos 60. É importante compreen<strong>de</strong>r<br />
esses inícios, é como olhar para<br />
as primeiras fotografias ou para os<br />
primeiros filmes. Está tudo no início,<br />
e é ao examinarmos o início que se<br />
compreen<strong>de</strong> algo <strong>de</strong> relevante para<br />
o presente. Estão aqui os primeiros<br />
50 anos <strong>de</strong> terrorismo, que continua<br />
e vai continuar, o que significa que<br />
daqui a 50 anos este filme continuará<br />
a ser actual.<br />
Sem Vergès não faria um<br />
documentário sobre o<br />
terrorismo...<br />
De maneira nenhuma, como nunca<br />
faria um documentário sobre o aquecimento<br />
global do planeta. Documentários<br />
temáticos, abstractos, não me<br />
interessam. Interessam-me as pessoas,<br />
interessa-me ouvir os terroristas<br />
a falar, ver quais são os problemas, a<br />
vida quotidiana <strong>de</strong> um terrorista. É o<br />
humano que me fala. Sem alguém como<br />
Vergès para ancorar a história<br />
seria totalmente <strong>de</strong>sinteressante. Po<strong>de</strong>ria<br />
não ter Vergès, mas teria <strong>de</strong> encontrar<br />
outras personagens apaixonantes,<br />
uma âncora. Vergès é um<br />
actor com uma presença no ecrã impressionante.<br />
O tema terrorismo é hoje mais<br />
fácil <strong>de</strong> trabalhar em cinema?<br />
Não. Estivemos, por exemplo,<br />
em Inglaterra, na BBC. Disseram<br />
que não queriam participar num<br />
filme sobre Vergès. Na Alemanha,<br />
a mesma coisa. França: nem um<br />
canal <strong>de</strong> televisão o quis, a não ser<br />
o Canal Plus – por causa do nome<br />
<strong>de</strong> Vergès, alguém que, acha-se,<br />
não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar falar. Vergès<br />
não é um negacionista da Shoah,<br />
é <strong>de</strong>masiado astuto para isso. Mas<br />
é um negacionista, por exemplo,<br />
<strong>dos</strong> crimes <strong>de</strong> Pol Pot [o lí<strong>de</strong>r <strong>dos</strong><br />
Khmers Vermelhos]. Isso para mim<br />
é aterrador e tem qualquer coisa <strong>de</strong><br />
maléfico: a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> apagar o Mal,<br />
para que ele continue. Isso mete<br />
medo. Ele não se aventurou u a negar<br />
a Shoah, mas não teve problemas blemas<br />
em dar provas <strong>de</strong> um anti-sionismo ionismo<br />
extremo.<br />
Falámos <strong>de</strong> Claus von Bulow, low,<br />
uma ficção baseada num caso<br />
verídico...<br />
... po<strong>de</strong>mos dizer que era um m documentário<br />
no sentido em que<br />
não havia uma única cena a do<br />
filme – e isto por razões legais gais<br />
– em que eu tivesse podido inventar<br />
o que quer que fosse. sse.<br />
Tudo o que estava no filme e<br />
tinha <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ser provado<br />
que exisiu. Se houvesse<br />
uma cena entre um marido o<br />
e uma mulher, na sua cama, , à<br />
beira <strong>de</strong> fazerem o que quer uer<br />
que fosse, era necessário que<br />
Comentário <strong>de</strong> Vergès sobre o<br />
documentário “O <strong>Advogado</strong> do<br />
Terror: “Este filme é uma obraprima<br />
e isso <strong>de</strong>ve-se a mim”<br />
“[Tratou-se <strong>de</strong>]<br />
Através <strong>de</strong> uma<br />
personagem<br />
extraordinária,<br />
contar a história do<br />
terrorismo que<br />
começou em Argel<br />
nos anos 60. É como<br />
olhar para<br />
as primeiras fotos<br />
ou para os primeiros<br />
filmes”<br />
houvesse documentos que provassem<br />
que aquela cena aconteceu. Não se<br />
podia inventar, tudo tinha que estar<br />
documentado. Ou seja, é um docudrama,<br />
mais brilhante do que os habituais<br />
docudramas...<br />
... o que ia dizer era que os seus<br />
documentários parecem mais<br />
obceca<strong>dos</strong> pelas personagens do<br />
que as ficções... e o que acaba <strong>de</strong><br />
acrescentar não contraria isso,<br />
já que consi<strong>de</strong>ra “Reveses da<br />
Fortuna” um documentário...<br />
É engraçado que diga isso, porque<br />
mesmo nos documentários o que me<br />
apaixona são os aspectos <strong>de</strong> ficção.<br />
No caso do filme sobre Vergès, a música<br />
sublinha tudo o que é ficção. Ou<br />
seja, temos o tema <strong>de</strong> Djamila, temos<br />
o tema <strong>de</strong> Magdalena [Kopp, militante<br />
extremista alemã, foi casada com<br />
Carlos, <strong>de</strong> quem teve uma filha], que<br />
é uma versão pervertida do tema <strong>de</strong><br />
Djamila, etc. Ou seja, todas as histórias<br />
<strong>de</strong> amor são traduzidas pela música.<br />
Quando fala em ficção, fala<br />
também nas ficções que as<br />
personagens inventam...<br />
Sim, isso também faz parte do filme.<br />
No filme sobre Idi Amin Dada, a ficção<br />
tem um papel enorme: às tantas convenço-o<br />
a fazer um conselho <strong>de</strong> minstros,<br />
coisa que não havia porque ele<br />
era um ditador. Desafio-o, e o mais<br />
extraordinário é que esse conselho<br />
<strong>de</strong> ministros organiza-se. Era falso,<br />
porque era feito para o filme, mas essa<br />
falsida<strong>de</strong> acaba por ser mais reveladora<br />
do que um documentário.<br />
Estas personagens, que estão<br />
no limite <strong>de</strong> uma humanida<strong>de</strong>,<br />
ficam muito tempo na sua<br />
cabeça?<br />
Sim, mas ao mesmo tempo elas fazem<br />
parte <strong>de</strong> uma narrativa. E o que conta<br />
é a narrativa que se construiu com<br />
elas. Algo com um início, meio e fim.<br />
JACK GUEZ/AFP
João Canijo continua<br />
do submundo po<br />
Rita Blanco disse-lhe que “achava<br />
porreiro” não continuar a fazer fi lmes<br />
<strong>de</strong>le “em que tudo acabasse mal”.<br />
Não sabemos se o realizador lhe fez a<br />
vonta<strong>de</strong>, não há re<strong>de</strong>nção para o país<br />
que ele tem vindo a fi lmar, inestético,<br />
sórdido, sufocante. João Canijo está<br />
a rodar o seu novo fi lme, “Sangue<br />
do Meu Sangue”, no subúrbio. “O<br />
subúrbio é o país.”. Kathleen Gomes<br />
(texto) e Nuno Ferreira Santos (fotos)<br />
Vai-se à procura do que a imprensa<br />
publicou no último ano sobre o Bairro<br />
Padre Cruz, na periferia <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>,<br />
e dá-se com isto:<br />
“Abuso <strong>de</strong> colega no WC da escola”<br />
“Discussão entre amigos acaba em<br />
facada mortal”<br />
“Assassina amigo por vingança”<br />
“Presos por tráfico e posse ilegal <strong>de</strong><br />
armas”<br />
“Gang parte cabeça <strong>de</strong> taxista a soco”<br />
Essa geografia suburbana que aparece<br />
nos tablói<strong>de</strong>s pelas piores razões<br />
e que o país se habituou a ver como<br />
ameaçadora e impenetrável é o coração<br />
do filme que João Canijo está a<br />
rodar há mais <strong>de</strong> duas semanas.<br />
Visto da estrada que leva a Telheiras,<br />
o Bairro Padre Cruz é um quadriculado<br />
<strong>de</strong> casinhas brancas entre árvores<br />
– um <strong>de</strong>clive ao sol, como um<br />
cemitério. Visto <strong>de</strong> perto, há assadores<br />
à porta <strong>de</strong> casa, cães nervosos,<br />
gente <strong>de</strong> pijama na rua, vento nas árvores.<br />
Iniciado em 1960, no regime<br />
salazarista, é a prova <strong>de</strong> que a província<br />
não acaba on<strong>de</strong> a cida<strong>de</strong> começa.<br />
Uma al<strong>de</strong>ia portuguesa, com certeza.<br />
“O bairro foi feito para os cantoneiros<br />
da Câmara. E os cantoneiros vinham<br />
da província”, explica João Canijo.<br />
“Até final <strong>dos</strong> anos 70 era uma<br />
al<strong>de</strong>ia às portas <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>: recriaram<br />
o ambiente <strong>de</strong> província, faziam a vida<br />
que faziam na al<strong>de</strong>ia, cada um tinha<br />
o seu quintalinho.”<br />
Se estamos aqui é porque ele, Canijo,<br />
resto <strong>de</strong> cigarrilha na boca, prossegue<br />
a sua investigação singular:<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2001, com “Ganhar a Vida”,<br />
tem vindo a fazer o retrato do país<br />
que preferimos não ver, inestético,<br />
sórdido, sufocante. A exposição do<br />
submundo português: <strong>de</strong>pois da emigração<br />
(“Ganhar a Vida”), da vida <strong>de</strong><br />
alterne (“Noite Escura”), do Portugal<br />
rural (“Mal Nascida”), e <strong>de</strong> um documentário<br />
ainda em sala que mostra o<br />
12 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
país salazarista como um espelho do<br />
presente (“Fantasia Lusitana”), o realizador<br />
veio para o subúrbio, filmar<br />
“Sangue do Meu Sangue”. “O subúrbio<br />
é o país”, diz. Uma violência, sim,<br />
mas não como imaginamos: existências<br />
emparedadas em prédios <strong>de</strong> 15<br />
andares, zero <strong>de</strong> vida comunitária,<br />
um crime urbanístico, antes <strong>de</strong> mais,<br />
acusa. “O subúrbio é muito pior do<br />
que aquilo que se pensa. Aqui [no<br />
Bairro Padre Cruz], as pessoas ainda<br />
têm alguma individualida<strong>de</strong>, algum<br />
espaço. No subúrbio verda<strong>de</strong>iro não<br />
há nada. O que vale é que não têm<br />
tempo para ter essa consciência, senão<br />
matavam-se to<strong>dos</strong>.”<br />
Amor em condições<br />
extremas<br />
A escolha do meio on<strong>de</strong> ambienta os<br />
seus filmes é menos programada do<br />
que po<strong>de</strong> parecer. Trabalha como um<br />
filósofo. Ou seja, parte <strong>de</strong> perguntas.<br />
No princípio <strong>de</strong> “Noite Escura”, por<br />
exemplo, havia a equação: on<strong>de</strong> é que<br />
a tragédia po<strong>de</strong> ser mais indiferente?<br />
Resposta: no mundo <strong>de</strong> representação<br />
permanente que é uma casa <strong>de</strong><br />
alterne.<br />
A ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> um filme,<br />
no caso <strong>de</strong>le é: primeiro, pensa nos<br />
actores com os quais quer trabalhar,<br />
<strong>de</strong>pois na pergunta que é um princípio<br />
<strong>de</strong> narrativa, e é a resposta que<br />
<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> o contexto. A pergunta que<br />
está na base <strong>de</strong> “Sangue do Meu Sangue”<br />
(e que, <strong>de</strong> novo, parece o tubo<br />
<strong>de</strong> ensaio para testar os limites do humano)<br />
é: on<strong>de</strong> é que o amor consegue<br />
sobreviver em condições extremas?<br />
Oiçam-no: “‘Mal Nascida’ era sobre<br />
a falta <strong>de</strong> amor, ou a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
amar, e este filme sempre foi sobre o<br />
amor incondicional. Portanto: sentimentos<br />
fortes. Pareceu-me uma evidência<br />
que num meio social on<strong>de</strong> a<br />
luta pela sobrevivência ocupa o tempo<br />
todo, não há reflexão consciente<br />
sobre os sentimentos, não há uma<br />
“O subúrbio é muito<br />
pior do que aquilo<br />
que se pensa. Aqui<br />
[Bairro Padre Cruz],<br />
as pessoas ainda<br />
têm alguma<br />
individualida<strong>de</strong>.<br />
No subúrbio<br />
verda<strong>de</strong>iro não há<br />
nada. O que vale é que<br />
não têm tempo para<br />
ter essa consciência,<br />
senão matavam-se<br />
to<strong>dos</strong>” João Canijo<br />
elaboração intelectual. Don<strong>de</strong>, os sentimentos<br />
saem <strong>de</strong> uma maneira mais<br />
visceral. Daí a escolha da classe social,<br />
<strong>de</strong> um bairro suburbano.”<br />
O risco é palpável: escorregar no<br />
superficial, cair na caricatura. E o caminho<br />
costuma estar cheio <strong>de</strong> armadilhas,<br />
que o país televisivo cristalizou<br />
no imaginário colectivo como sinais<br />
exteriores da cultura popular: o folclore,<br />
o “kitsch”, a fealda<strong>de</strong>. Canijo<br />
não se acerca <strong>de</strong>sse universo para o<br />
glamorizar ou sanear e tem sabido<br />
transcen<strong>de</strong>r o imediatismo do pressuposto<br />
<strong>de</strong> base, dando-lhe profundida<strong>de</strong>.<br />
Reparem como fala <strong>de</strong> “Sangue<br />
do Meu Sangue” no pretérito<br />
perfeito: “este filme sempre foi...” É<br />
que antes <strong>de</strong> começar a filmar, há um<br />
trabalho <strong>de</strong> casa exaustivo (“obsessivo”<br />
é a palavra que as pessoas à sua<br />
volta mais repetem quando falam do<br />
realizador), uma pesquisa tremenda,<br />
uma disponibilida<strong>de</strong> para mergulhar<br />
no meio que preten<strong>de</strong> filmar e <strong>de</strong>ixarse<br />
impregnar pela realida<strong>de</strong>. “O João<br />
Canijo andou aqui no Bairro Padre<br />
Cruz a entrevistar pessoas e a filmálas,<br />
e <strong>de</strong>u um DVD a to<strong>dos</strong> os actores<br />
para estudarem”, diz Anabela Moreira,<br />
que começou a trabalhar com o<br />
realizador em “Noite Escura” (pequeno<br />
papel, como prostituta), protagonizou<br />
“Mal Nascida” e reinci<strong>de</strong> em<br />
“Sangue do Meu Sangue”.<br />
Antes <strong>de</strong> serem ficções, portanto,<br />
os filmes <strong>de</strong> Canijo são documentais<br />
– “décors”, argumento, interpretação,<br />
tudo parece tocado pelo contágio do<br />
real.<br />
“O que ele quer é isto, a realida<strong>de</strong>”,<br />
diz José Pedro Penha Lopes, director<br />
<strong>de</strong> arte, fechando o seu MacBook, <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> mostrar fotografias <strong>de</strong> interiores<br />
<strong>de</strong> casas do Bairro Padre Cruz<br />
que serviram <strong>de</strong> referência para o<br />
“décor”. Mobília barata, flores <strong>de</strong><br />
plástico, quadros <strong>de</strong> feiras, bibelôs<br />
chineses, naperons, can<strong>de</strong>eiro <strong>de</strong> latão,<br />
molduras <strong>de</strong> fotografias, chão <strong>de</strong><br />
mosaico, TV gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> ecrã plano,<br />
uma exuberância pobre. Tudo isto
a exposição<br />
ortuguês<br />
Cinema<br />
está na sala <strong>de</strong> estar da casa Fialho, a<br />
família central <strong>de</strong> “Sangue do Meu<br />
Sangue”, e até o director <strong>de</strong> arte mostrar<br />
as imagens do espaço original<br />
(uma casa <strong>de</strong>socupada, com dois pisos,<br />
no extremo da Rua do Rio Sabor),<br />
nada fazia suspeitar que se tratava <strong>de</strong><br />
um “plateau” montado para o filme.<br />
Parece autêntico. “Tudo o que lá está<br />
foi posto. Se a casa parece genuína, é<br />
um elogio”, diz José Pedro Penha Lopes.<br />
O “décor” é apertado. Nenhuma<br />
assoalhada na Casa Fialho tem mais<br />
<strong>de</strong> dois metros quadra<strong>dos</strong>. A câmara<br />
vem para a sala <strong>de</strong> estar, que foi previamente<br />
esvaziada, e ocupa-a quase<br />
inteiramente. O espaço é tão limitado<br />
que, sempre que alguém se movimenta,<br />
os outros são força<strong>dos</strong> a moveremse<br />
também, como uma reacção em<br />
ca<strong>de</strong>ia. Pior quando se é fotógrafo: é<br />
preciso ganhar proximida<strong>de</strong>, tornarse<br />
pequeno, trepar pare<strong>de</strong>s.<br />
Canijo e os actores estão ao lado,<br />
na cozinha, on<strong>de</strong> a acção tem lugar.<br />
Ensaios, perguntas, afinações. Canijo<br />
permanecerá sempre junto aos actores,<br />
mesmo quando a câmara já estiver<br />
a rodar, e não frente ao monitor<br />
<strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o, que está na sala. “Ali não os<br />
consigo ver”, justifica. Sobre a porta<br />
que liga a sala à cozinha, há uma reprodução<br />
da Última Ceia. Em baixo,<br />
a câmara filma uma família à mesa.<br />
Nota <strong>de</strong> intenções do filme: “Esta é a<br />
história <strong>de</strong> uma família que vive num<br />
bairro camarário nos arredores <strong>de</strong><br />
<strong>Lisboa</strong>. E <strong>de</strong> como, no espaço <strong>de</strong> uma<br />
semana, a pacatez das suas vidas vai<br />
ser abalada para sempre.”<br />
Como noutros filmes <strong>de</strong> Canijo (“Filha<br />
da Mãe”, “Noite Escura”, “Mal<br />
Nascida”), o incesto faz parte da linha<br />
narrativa <strong>de</strong> “Sangue do Meu Sangue”.<br />
Talvez seja do convívio com as<br />
tragédias gregas (as últimas três ficções<br />
do realizador foram todas versões<br />
<strong>de</strong> tragédias, incluindo “Electra”)<br />
ou talvez seja porque o seu cinema é<br />
um laboratório para o monstruo-<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 13
CLÁUDIA ANDRADE<br />
Diz Canijo,<br />
referindo-se<br />
ao método da<br />
sua actriz, que<br />
Anabela<br />
Moreira “tem<br />
a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
ser maluca e<br />
sujeita-se a<br />
isso”. Para<br />
“Mal<br />
Nascida”,<br />
cuidou <strong>de</strong><br />
animais,<br />
engordou 25<br />
quilos (em<br />
baixo)<br />
Quando João Canijo lhe pediu<br />
para fazer “Mal Nascida”, no<br />
dia seguinte Anabela Moreira<br />
estava a caminho <strong>de</strong> Co<strong>de</strong>çoso,<br />
Minho, a al<strong>de</strong>ia on<strong>de</strong> o fi lme foi<br />
rodado. Mais provas da entrega<br />
com que se atirou ao papel:<br />
passou um mês com a família<br />
que vivia no “décor”, cuidou <strong>de</strong><br />
animais, engordou 25 quilos<br />
– i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>la. “Quase todas as<br />
pessoas daquela al<strong>de</strong>ia tinham<br />
uma corporalida<strong>de</strong> diferente<br />
da minha, eu ali no meio quase<br />
parecia uma mo<strong>de</strong>lo.”<br />
João Canijo: “A Anabela tem<br />
a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser maluca<br />
e sujeita-se a isso. Mas não<br />
consigo que os outros actores<br />
façam isso. E isso é um<br />
<strong>de</strong>feito português, porque<br />
os americanos fazem-no. O<br />
exemplo clássico é o Robert<br />
De Niro andar a conduzir táxis<br />
em Nova Iorque durante seis<br />
meses. Não é uma questão <strong>de</strong><br />
imitação, é uma questão <strong>de</strong><br />
ser contagiado. E o contágio,<br />
só com a continuida<strong>de</strong>, com a<br />
insistência...”<br />
Para “Sangue do Meu<br />
Sangue”, Canijo pediu à actriz<br />
para ir viver para o Bairro<br />
Padre Cruz, durante “15 dias”.<br />
E ela foi fi cando. As fi lmagens<br />
no “décor” já começaram e ela<br />
continua a viver lá. “Arrisquei<br />
fi car mais tempo. Mas nunca<br />
pensei continuar aqui durante<br />
as fi lmagens”, diz. A verda<strong>de</strong><br />
é que isso se começou a notar<br />
no seu trabalho. “Os ensaios<br />
que o João Canijo fez com os<br />
actores foram sendo fi lma<strong>dos</strong> e<br />
houve uma gran<strong>de</strong> diferença da<br />
minha parte em relação ao que<br />
já tínhamos feito. Estava mais<br />
dura, dur com um ar mais pesado.”<br />
É um método que lhe vai<br />
bem. be Quando já estava a viver<br />
no “décor” do fi lme, Anabela<br />
pparticipou<br />
num “workshop”<br />
no Teatro D. Maria II sobre<br />
a técnica Stanislavski e<br />
lembra-se <strong>de</strong> ter ouvido a<br />
frase: “Ser-se actor <strong>de</strong>ixa<br />
marcas”.<br />
O método <strong>de</strong> Canijo,<br />
justifi ca, “é uma tentativa<br />
<strong>de</strong> aproximação à<br />
personagem para que<br />
não parta tudo <strong>de</strong> um<br />
‘cliché’. ‘ Não é que eu sirva<br />
<strong>de</strong> d referência, mas já me<br />
aconteceu aco ver os outros actores<br />
a representarem re<br />
uma cena e<br />
dize dizer: ‘É isso mesmo’. Ou: ‘Uma<br />
pess pessoa daqui nunca falaria<br />
14 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
Anabela Moreira<br />
actriz do método<br />
Canijo pediu à actriz para ir viver para o Bairro Padre<br />
Cruz, durante “15 dias, mais ou menos”. Ela foi fi cando. As<br />
fi lmagens já começaram e ela continua a viver lá.<br />
assim.’ Os ‘clichés’ do que é<br />
ser pobre e viver no Bairro<br />
Padre Cruz acabam por ser<br />
<strong>de</strong>smistifi ca<strong>dos</strong>. Esses ‘clichés’<br />
são os maiores obstáculos<br />
quando se procura a verda<strong>de</strong><br />
enquanto actor.”<br />
Não é só uma questão <strong>de</strong> ser<br />
contagiado nos pormenores,<br />
“coisas subtis” – como “falar<br />
com as pessoas no café e <strong>de</strong>ixar<br />
ser corrompida pelo português<br />
<strong>de</strong>las”. É procurar enten<strong>de</strong>r as<br />
pessoas, com a disponibilida<strong>de</strong><br />
do olhar – <strong>de</strong> qualquer forma,<br />
ser actor é uma ciência humana,<br />
daí a empatia que muitos criam<br />
com as suas personagens, por<br />
mais sórdidas que possam<br />
ser. “A maioria das pessoas da<br />
equipa, quando chegou aqui o<br />
primeiro dia para fi lmar, fi cou<br />
horrorizada com os vizinhos<br />
do lado, o senhor António e a<br />
dona Manuela, com o cheiro, a<br />
linguagem, a forma como eles<br />
vivem. Ao fi m <strong>de</strong> algum tempo<br />
<strong>de</strong> estar aqui, o sentimento que<br />
eu tinha em relação a eles é<br />
diferente. Vivem num estado <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>silusão total com a vida. Só<br />
estão a tentar sobreviver. E isso<br />
é que o João Canijo está a tentar<br />
Anabela participou<br />
num “workshop”<br />
no D. Maria II sobre<br />
Stanislavski e<br />
lembra-se <strong>de</strong> ouvir<br />
a frase: “Ser-se actor<br />
<strong>de</strong>ixa marcas”<br />
fazer com este fi lme: como é que<br />
o amor sobrevive em condições<br />
extremas.”<br />
Mas Anabela faz questão<br />
<strong>de</strong> dizer que “não é <strong>de</strong>fensora<br />
<strong>de</strong> nada”. “Não acho que<br />
exista um método. Cada actor<br />
vai <strong>de</strong>scobrindo como é que<br />
funciona melhor. Isto também é<br />
contraproducente, o que estou a<br />
fazer. Quando chega a altura da<br />
rodagem <strong>de</strong>ves estar relaxada,<br />
para conseguires fazer o<br />
melhor. Ao estar a fazer esta<br />
experiência, estou um pouco<br />
cansada. Não vim para aqui com<br />
o meu iPod, não trouxe o meu<br />
computador. Não vim para aqui<br />
viver outra coisa.”<br />
As pessoas do bairro sabem<br />
que ela é actriz? “Algumas<br />
sabem mas esquecem-se. No<br />
princípio pensavam que eu era<br />
da Câmara, ou assistente social.<br />
Estive três dias fora, em casa, e<br />
o vizinho do lado perguntou: ‘A<br />
menina não esteve aqui, on<strong>de</strong> é<br />
que andou?’ Esquecem-se que<br />
sou actriz. Também porque, na<br />
cabeça <strong>de</strong>les, ser actriz não é<br />
isto. Associam um actor a um<br />
estilo <strong>de</strong> vida. Vêem a equipa,<br />
vêem as câmaras, e mesmo<br />
assim não têm noção.” K.G.<br />
“Ele [ João Canijo]<br />
enten<strong>de</strong> os actores<br />
como ninguém”<br />
Rita Blanco<br />
samente humano. Na génese, houve<br />
a pergunta: “O que é que representaria<br />
mais o amor incondicional entre<br />
uma mãe e uma filha? A mãe escon<strong>de</strong><br />
à filha que esta está a ter uma relação<br />
<strong>de</strong> incesto com o pai. Porque é que<br />
ela não conta logo à filha, quando <strong>de</strong>scobre?”<br />
A resposta, diz Canijo, só podia<br />
ter vindo <strong>de</strong> uma mulher. “Porque,<br />
se a filha não souber, não aconteceu<br />
para a filha. Isto é a <strong>de</strong>scoberta<br />
da Rita [Blanco]. Nunca um homem<br />
chegaria lá. Eu estive uma semana a<br />
pensar: porque é que uma mãe não<br />
diz à filha?”<br />
Cassavetes, Mike Leigh...<br />
Em 2006, João Canijo e Rita Blanco<br />
fizeram juntos um espectáculo, “Improviso<br />
Encenado”, apresentado no<br />
CCB, durante o Festival Temps<br />
d’Images. Definiu-se que Blanco e Vera<br />
Barreto, aluna do Conservatório,<br />
fariam <strong>de</strong> mãe e filha, e o fio dramatúrgico<br />
foi aparecendo através <strong>de</strong> um<br />
processo <strong>de</strong> improvisos e ensaios, em<br />
que as duas actrizes iam reagindo<br />
uma à outra enquanto personagens.<br />
De certa forma, Canijo quis prolongar<br />
essa experiência em “Sangue do Meu<br />
Sangue”. Depois <strong>de</strong> “Improviso Encenado”,<br />
explica Rita Blanco, “o João<br />
disse: ‘E agora, o que vamos fazer? E<br />
eu disse que achava porreiro não continuar<br />
a fazer filmes do João em que<br />
tudo acabasse mal. O João disse: ‘Quero<br />
falar sobre o amor incondicional.’”<br />
A “i<strong>de</strong>ia da abnegação”, em que “preferimos<br />
morrer para que o outro possa<br />
sobreviver”, agradou à actriz.<br />
A i<strong>de</strong>ia era ter Rita Blanco e Vera<br />
Barreto, <strong>de</strong> novo, como mãe e filha.<br />
Mas Barreto foi substituída por Cleia<br />
Almeida (a filha mais nova <strong>de</strong> “Noite<br />
Escura”).<br />
“O filme foi escrito com os actores<br />
durante dois anos <strong>de</strong> ensaios”, diz<br />
Canijo. “As personagens são construídas<br />
por eles.” O método foi o mesmo<br />
<strong>de</strong> “Improviso Encenado”: reacção,<br />
improviso. E assim foi nascendo um<br />
argumento. “Isto é mais Cassavetes”,<br />
diz. Nós pensamos em Mike Leigh (até<br />
porque “Sangue do Meu Sangue” soa<br />
como o “kitchen sink drama” <strong>de</strong> Canijo),<br />
que também faz ensaios “teatrais”<br />
com os seus actores antes <strong>de</strong><br />
começar a rodar. “Quando disse Cassavetes,<br />
também podia dizer Mike<br />
Leigh”, corrobora Canijo.<br />
Que se saiba, não há outro realizador<br />
português a trabalhar assim. Canijo<br />
diz que neste filme (produzido<br />
pela Midas) consegue levar mais longe<br />
o que sempre quis fazer, mas nunca<br />
conseguiu “dada a falta <strong>de</strong> interesse<br />
e <strong>de</strong> perspectiva estratégica do<br />
anterior produtor”, Paulo Branco,<br />
com o qual rompeu <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Mal<br />
Nascida”. “Suspeito que todas as pessoas<br />
minimamente inteligentes gostariam<br />
<strong>de</strong> trabalhar assim”, diz, mas<br />
os produtores “pensam que é mais<br />
caro”. Dois anos a fazer ensaios significa<br />
pagar a actores durante dois<br />
anos.<br />
A vantagem é que quando se “faz a<br />
cena”, já não precisa <strong>de</strong> dirigir. “Aliás,<br />
dirigir não tem interesse. Não faz sentido<br />
impor uma interpretação a um<br />
intérprete.” É um processo generoso<br />
para os actores. “É muito bom trabalhar<br />
assim porque temos mais tempo<br />
para perceber e mais espaço para intervir”,<br />
diz Rita Blanco. “Ele põe os<br />
actores nisso. E isso passa a ser um<br />
problema também teu. Fazer uma<br />
personagem só para fazer um papel<br />
não me interessa.” E, a seguir: “Ele já<br />
dirigiu mais os actores, já largou isso.<br />
É um sinal <strong>de</strong> evolução. Um bom director<br />
é um director que dá material<br />
aos actores para eles trabalharem e<br />
que sabe on<strong>de</strong> quer chegar.” Isso é<br />
algo que os actores repetem: “O João<br />
Canijo sabe perfeitamente o que<br />
quer” (Marcello Urgeghe). “Ele agarra<br />
em certas coisas que tu dizes e<br />
quando lhe interessa acaba por te levar,<br />
sem perceberes, para uma <strong>de</strong>terminada<br />
construção”, explica Anabela<br />
Moreira. “E muitas vezes não te<br />
impõe, mas pergunta: ‘Porque é que<br />
estás a dizer isto?’ Ou: ‘Porque é que<br />
não fazes isto assim e assim?’ Ele quer<br />
que <strong>de</strong>scubras <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> ti o porquê<br />
para ser como ele quer e, <strong>de</strong> repente,<br />
olhas para o guião e dizes: ‘Meu <strong>de</strong>us,<br />
eu criei esta monstruosida<strong>de</strong> que está<br />
aqui?’ Mas foi ele que te levou para<br />
ali sem te aperceberes 100 por cento.<br />
E quando te apercebes, ele tem toda<br />
a razão. Ele está <strong>de</strong> fora, a ver com<br />
mais objectivida<strong>de</strong> do que nós, que<br />
estamos envolvi<strong>dos</strong>.”<br />
Rita Blanco: “Ele enten<strong>de</strong> os actores<br />
como ninguém”. Anabela Moreira:<br />
“Somos co-autores. Foi um gran<strong>de</strong><br />
elogio ele dizer: acredito em ti para<br />
criar o meu argumento”. Marcello<br />
Urgeghe: “Ele não tem medo <strong>de</strong> passar<br />
horas a pensar. Eu também não<br />
– aqui encontramo-nos. Representar<br />
é perguntar: ‘Como é que se faz?’ É<br />
uma equação, é matemática pura.”<br />
No processo <strong>de</strong> ensaios <strong>de</strong>senhouse,<br />
inclusivamente, a biografia das<br />
personagens, a história passada, informação<br />
que não tem <strong>de</strong> estar no<br />
filme, mas que é matéria-prima para<br />
os actores – “para, no momento, usares<br />
tudo o que sabes, se quiseres”, diz<br />
Urgeghe. “É tudo matéria para se perceber<br />
porque é que se faz assim e não<br />
se faz assado.”<br />
Rita sob infl uência<br />
Tal como nos anteriores filmes, Canijo<br />
pediu aos actores para fazerem um<br />
“estágio” <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>: em “Sangue<br />
Em “Sangue<br />
do Meu<br />
Sangue” uma<br />
mãe (Rita<br />
Blanco)<br />
escon<strong>de</strong> à<br />
filha que esta<br />
está a ter uma<br />
relação <strong>de</strong><br />
incesto com o<br />
pai...
do Meu Sangue”, Rita Blanco interpreta<br />
a mãe da família, Márcia, que é<br />
cozinheira num restaurante, por isso<br />
a actriz trabalhou na cozinha <strong>de</strong> três<br />
restaurantes; Cleia Almeida, que interpreta<br />
a filha, trabalhou como caixa<br />
<strong>de</strong> supermercado, porque é o emprego<br />
“part-time” da sua personagem;<br />
Anabela Moreira esteve num salão <strong>de</strong><br />
cabeleireiro no Centro Comercial Babilónia,<br />
na Amadora; Marcello Urgeghe<br />
conheceu médicos oncologistas<br />
por causa do filme.<br />
Rita Blanco lembra que quando<br />
começou a trabalhar em “Ganhar a<br />
Vida” – “tour <strong>de</strong> force” para uma actriz<br />
que estávamos habitua<strong>dos</strong> a ver<br />
como uma espécie <strong>de</strong> bobo acutilante<br />
e que aqui revelou a sua gravida<strong>de</strong><br />
dramática – vinha <strong>de</strong> um processo<br />
intenso <strong>de</strong> filmagens da série da RTP,<br />
“Conta-me Como Foi”. “Tinha acabado<br />
<strong>de</strong> dar <strong>de</strong> mamar durante nove<br />
meses, to<strong>dos</strong> os dias, <strong>de</strong> três em três<br />
horas, durante as filmagens. Disseram-me:<br />
‘Tens <strong>de</strong> parar, senão morres.’<br />
Quando acabei fui para França<br />
fazer ‘Ganhar a Vida” e no primeiro<br />
dia o João Canijo quis que eu fizesse<br />
um curso <strong>de</strong> máquinas <strong>de</strong> limpeza.<br />
Mas isso era porque ele queria que eu<br />
estivesse com má cara. Os realizadores<br />
ven<strong>de</strong>m a mãe por um bom plano...”<br />
Repete a última frase alto, à<br />
procura <strong>de</strong> Canijo. “Ouviste? É assim<br />
que termina a minha entrevista.”<br />
Entre ela, actriz, e ele, realizador,<br />
há uma cumplicida<strong>de</strong> única. Des<strong>de</strong><br />
“‘Mal Nascida’ era<br />
sobre a falta <strong>de</strong> amor,<br />
ou a incapacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> amar, e este filme<br />
sempre foi sobre<br />
o amor incondicional.<br />
Num meio social on<strong>de</strong><br />
a luta pela<br />
sobrevivência ocupa<br />
o tempo todo, não há<br />
reflexão consciente<br />
sobre os sentimentos,<br />
não há elaboração<br />
intelectual. Don<strong>de</strong>,<br />
os sentimentos saem<br />
<strong>de</strong> maneira mais<br />
visceral”<br />
João Canijo<br />
que ele a <strong>de</strong>scobriu, num “casting”<br />
para um filme francês “financiado<br />
pela máfia siciliana”, on<strong>de</strong> trabalhava<br />
como assistente <strong>de</strong> realização (“Le<br />
cercle <strong>de</strong>s passions”, <strong>de</strong> Clau<strong>de</strong><br />
D’Anna, 1983), nunca mais <strong>de</strong>ixaram<br />
<strong>de</strong> se reencontrar no cinema. Canijo<br />
diz que os seus filmes “são escritos<br />
para ela”. “Há um entendimento mútuo,<br />
é como se tivéssemos feito os<br />
<strong>de</strong>graus juntos”, explica Rita Blanco.<br />
“Houve uma fase em que não pu<strong>de</strong>mos<br />
trabalhar juntos: ele já tinha criado<br />
uma imagem cristalizada do que<br />
queria <strong>de</strong> mim. Foi preciso <strong>de</strong>itar fora<br />
algumas <strong>de</strong>pendências que não<br />
eram felizes para o trabalho.”<br />
Será essa relação cúmplice e antiga<br />
que lhe dá corda para ela dominar o<br />
“plateau”. Como uma criança hiperactiva,<br />
Rita Blanco provoca os outros,<br />
espicaça o realizador, finta a<br />
espera e o aborrecimento que existe<br />
numa rodagem com a sua galhofice<br />
irrequieta.<br />
Cena 34, take 2.<br />
Rita Blanco – Por mim, esta está<br />
feita.<br />
João Canijo – Não.<br />
Rita Blanco – É esta que eu quero.<br />
João Canijo – Ah, mas é que isto vaise<br />
<strong>de</strong>scobrindo...<br />
Rita Blanco – I shall only do this<br />
again once.<br />
João Canijo – All the times necessary.<br />
Três dias <strong>de</strong>pois, a equipa está a<br />
filmar na Aroeira, margem sul, noite<br />
<strong>de</strong>ntro. Casa <strong>de</strong> arquitecto, mobiliário<br />
<strong>de</strong> autor, livros <strong>de</strong> arte, lareira, exterior<br />
em vidro, espaços generosos. O<br />
contraste com o “décor” do Bairro<br />
Padre Cruz não podia ser maior. No<br />
filme, esta é casa do casal Vieira (Marcello<br />
Urgeghe e Beatriz Batarda). Ele<br />
é médico e pai da filha <strong>de</strong> Márcia (Rita<br />
Blanco). Márcia aparece uma noite<br />
para o confrontar e fazer um ultimato.<br />
Os actores ensaiam.<br />
Rita Blanco – Eu por mim não dizia<br />
a primeira frase.<br />
João Canijo – Ó Rita, ‘tá sossegada.<br />
Posso ver?<br />
Rita Blanco – Só po<strong>de</strong>s ver <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> eu experimentar?<br />
João Canijo [para fora] – Dá aí o livro!<br />
“O livro” é um volume <strong>de</strong> 313 páginas<br />
A4, com os diálogos bati<strong>dos</strong> no<br />
computador, mas também o “croquis”<br />
<strong>de</strong> cada cena, com indicações<br />
<strong>dos</strong> movimentos <strong>dos</strong> actores e o tipo<br />
<strong>de</strong> plano e, neste caso, reproduções<br />
<strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> “Uma Mulher Sob Influência”<br />
(1974), <strong>de</strong> John Cassavetes.<br />
Na capa, o título que se lê é “Sangue<br />
do Meu Sangue, Sangue da Minha Alma”.<br />
Canijo explica que o projecto<br />
inicial era um díptico: dois filmes liga<strong>dos</strong>,<br />
cada um centrado em diferentes<br />
elementos da família do subúrbio<br />
– um na relação mãe e filha, outro na<br />
relação tia e sobrinho (Anabela Moreira<br />
e Rafael Marques). No final, uma<br />
montagem <strong>dos</strong> dois filmes resultaria<br />
numa série <strong>de</strong> televisão <strong>de</strong> quatro<br />
episódios. A proposta foi apresentada<br />
à RTP, que nunca respon<strong>de</strong>u, e ao<br />
FICA (Fundo <strong>de</strong> Investimento do Cinema<br />
e Audiovisual), que está <strong>de</strong>ficitário,<br />
<strong>de</strong>vido a problemas <strong>de</strong> gestão.<br />
Por falta <strong>de</strong> investimento, o realizador<br />
abandonou a i<strong>de</strong>ia.<br />
Cena 34, “take” 7. Rita Blanco (Márcia)<br />
sobe as escadas da casa <strong>de</strong> arquitecto<br />
com as suas sandálias <strong>de</strong> plástico<br />
barato. Afogueada, dirige-se a Beatriz<br />
Batarda (Maria da Luz).<br />
Márcia – Peço <strong>de</strong>sculpa por vir a<br />
esta hora, mas é uma urgência. Isto é<br />
um caso <strong>de</strong> vida ou <strong>de</strong> morte. Preciso<br />
<strong>de</strong> falar com o doutor Vieira. Diga-lhe<br />
que é a Márcia do Bairro Padre<br />
Cruz.<br />
Maria da Luz – Bairro quê, <strong>de</strong>sculpe?<br />
Márcia – Padre Cruz.<br />
MESTRADOS<br />
www.ipleiria.pt<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 15
16 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
1.<br />
Quando adoeceu – e pensou que morria<br />
– pediu que lhe trouxessem um<br />
ca<strong>de</strong>rno e um lápis, e escreveu:<br />
“Numa tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> Primavera <strong>de</strong> 1890,<br />
um jovem observava do alto da avenida<br />
Primorsky o movimento <strong>dos</strong><br />
barcos no porto <strong>de</strong> O<strong>de</strong>ssa.”<br />
Escreveu uma frase e <strong>de</strong>pois outra.<br />
Um parágrafo e <strong>de</strong>pois outro. Um<br />
conto e <strong>de</strong>pois outro. Um livro e <strong>de</strong>pois<br />
outro.<br />
É verda<strong>de</strong> que os livros tinham começado<br />
a escrever-se muito antes <strong>de</strong><br />
pedir esse ca<strong>de</strong>rno e esse lápis, antes<br />
<strong>de</strong>sse dia no hospital em que percebeu<br />
que a vida era, como o mundo e<br />
Deus teimavam, curta.<br />
Os livros tinham começado a escrever-se<br />
quando filmava, um impulso<br />
semelhante <strong>de</strong> fazer perguntas em<br />
Edgardo Cozarinsky<br />
Sou uma mentira<br />
que diz sempre a ve<br />
Já lhe chamaram o Joseph Roth das Pampas e apetece-nos dizer que é o SSebald<br />
Sebald argentino.<br />
Edgardo Cozarinsky, experiente realizador e jovem escritor, nunca esteve longe longge<br />
<strong>de</strong> Portugal. Agora<br />
que visita o Alentejo para o seminário sobre cinema documental, Doc’s King Kingdom, gdom, já não temos<br />
<strong>de</strong>sculpa para não conhecer Egardo Cozarinsky. Susana Moreira Marq Marques, ques, em Paris<br />
Cinema<br />
“La guerre<br />
d’un seul<br />
homme”,<br />
filme-ensaio<br />
sobre a<br />
ocupação nazi<br />
em França<br />
A ficção é talvez<br />
a única forma<br />
<strong>de</strong> “<strong>de</strong>ixar passar<br />
tudo”, “não fazer<br />
censura”<br />
redor, um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> narrativa. As histórias<br />
tinham começado a escrever-se<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a juventu<strong>de</strong>, observando os barcos<br />
que chegavam ao porto <strong>de</strong> Buenos<br />
Aires, e mais tar<strong>de</strong>, quando começou<br />
a viajar, observando os barcos que<br />
partiam <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> acabavam<br />
continentes, por exemplo <strong>Lisboa</strong>.<br />
Talvez tivesse verda<strong>de</strong>iramente<br />
começado a escrever – sem lápis nem<br />
ca<strong>de</strong>rno – em O<strong>de</strong>ssa, no mesmo lugar<br />
on<strong>de</strong> o avô, no início do século<br />
XX ainda um homem jovem, observava<br />
o movimento <strong>dos</strong> barcos no porto<br />
e tomava coragem para embarcar<br />
num <strong>dos</strong> navios com <strong>de</strong>stino à exótica<br />
América do Sul.<br />
Tudo isto, porque, como escreveu<br />
mais tar<strong>de</strong> estreando o primeiro romance,<br />
“El Rufián Moldavo”, “os contos<br />
não se inventam, herdam-se”.<br />
Ainda no hospital, aos 60 anos,<br />
sem saber que teria ainda tempo para<br />
escrever tantos livros, o cineasta<br />
que sempre tinha querido ser escritor,<br />
terminou o seu primeiro conto,<br />
“La novia <strong>de</strong> O<strong>de</strong>ssa”, como se fosse<br />
o último:<br />
“Pensa também que não tem filhos,<br />
que não conhece os longínquos filhos<br />
<strong>de</strong> tantos primos dispersos por distintos<br />
países, leva<strong>dos</strong> por novos ventos<br />
<strong>de</strong> rigor ou medo. Ocorre-lhe que<br />
ninguém lhe pedirá que preste contas<br />
por não ter transmitido a história. No<br />
entanto, dois dias <strong>de</strong>pois obe<strong>de</strong>ce a<br />
um impulso que não saberia explicar<br />
e começa a escrevê-la em forma <strong>de</strong><br />
conto.”<br />
2.<br />
Depois <strong>de</strong> entrevistar Edgardo Cozarinsky<br />
num café perto da sua casa <strong>de</strong><br />
Paris, on<strong>de</strong> vive a meias com Buenos<br />
Aires, tiro notas sentada à sombra<br />
num <strong>dos</strong> cais do Sena, a olhar para os<br />
barcos eternamente atraca<strong>dos</strong> na<br />
margem, a minha mala <strong>de</strong> viagem aos<br />
pés como uma <strong>de</strong>ssas personagens<br />
da obra <strong>de</strong> Edgardo Cozarinsky: em<br />
trânsito, à procura <strong>de</strong> outras personagens<br />
que talvez guar<strong>de</strong>m a solução<br />
para as suas vidas.<br />
À minha frente, dois adolescentes<br />
com calças militares e t-shirts manchadas<br />
<strong>de</strong> ver<strong>de</strong>-tropa pescam como<br />
se preparassem uma guerra, arrumando<br />
e <strong>de</strong>sarrumando material <strong>de</strong> última<br />
geração <strong>de</strong> aspecto bélico (porque<br />
pescam? o que são um ao outro?). Sentado<br />
a alguns metros à minha direita,<br />
um homem jovem e alto tem as calças<br />
<strong>de</strong> ganga tão rotas que <strong>de</strong>scobrem<br />
<strong>de</strong>scaradamente as pernas enormes<br />
e morenas as (por (porr<br />
<strong>de</strong>sgraça? por moda?),<br />
e ouve um rád rádio dio a pilhas (por nostalgia?<br />
por pobreza?). pobreeza?).<br />
Um rapaz com ar<br />
<strong>de</strong> sul-americano mericano<br />
passa a correr na<br />
hora <strong>de</strong> mais ccalor,<br />
alor, e serpenteia entre<br />
os pinos que lim limitam mitam a margem do rio<br />
(treina para qu quê? uê? porquê?), um aparelhos<br />
nos ouvi<strong>dos</strong><br />
para ouvir uma<br />
batida mo<strong>de</strong>rn mo<strong>de</strong>rna na e outro no braço para<br />
a antiga ga batida batidda<br />
do coração. Do outro<br />
lado do Sena, cchega<br />
chega música <strong>de</strong> testes<br />
<strong>de</strong> som para um<br />
m concerto (tango?<br />
porquê tango argentino em Paris?<br />
porquê quê hoje?). hooje?).<br />
Se isto o foss fosse se ficção, estas<br />
personagens agens e esta situação<br />
não seriam am verosímeis, veerosímeis,<br />
pareceriam<br />
<strong>de</strong>masiado <strong>de</strong>masiiado<br />
inventadas,<br />
propositadas tadas ppara<br />
para um postal<br />
extraordinário dináriio<br />
<strong>de</strong> Paris. E<br />
não sendo do ficç ficção, ção, que é o caso,<br />
não <strong>de</strong>veri <strong>de</strong>veria ia sequer estar<br />
escrito. Estas notas nnotas<br />
são o género<br />
<strong>de</strong> aponta apontamentos amentos que<br />
os jornalistas alistass<br />
guardam<br />
para si próprios, róprioos,<br />
porque<br />
na não-ficção icção é suposto<br />
ser–se objectivo, bjectivvo,<br />
nunca<br />
olhar para ra o lado, la ado, para<br />
o que supostamente<br />
uposttamente<br />
não interessa ressa oou<br />
ou não é<br />
relevante. e.<br />
Edgardo do Coza- Cooza<br />
rinsky, sobretudo obretuudo<br />
conhecido do como commo<br />
documentarisntaris- ta, acabou ou <strong>de</strong><br />
e<br />
me explicar plicarr<br />
que não o gosta gostaa<br />
da palavra vra do<br />
-<br />
cumentário, tárioo,<br />
porque esta pala<br />
vra implica ica que<br />
e é<br />
possível el “do “docuocumentar” ” a realida- reaalida<br />
<strong>de</strong>. “A partir artir ddo<br />
do momento<br />
em m que<br />
apontamos uma<br />
câmara a uma<br />
a pessoa e a filmamos,<br />
ela passa passaa<br />
a ser uma persopersonagem”, , disse disse. .<br />
É sobre re isto e sobre as permanentes<br />
e perm permeáveis meáveis ligações<br />
entre ficção ção e nnão-ficção<br />
não-ficção que ele<br />
vai falar em Serpa, Seerpa,<br />
durante este<br />
fim <strong>de</strong> semana, emanaa,<br />
nos encontros<br />
<strong>de</strong> cinema ma documental,<br />
Doc’s<br />
Kingdom. m.<br />
Olhar para a realida<strong>de</strong> é fazer<br />
perguntas guntas e fazer perguntas<br />
é começar meçar a construir uma<br />
ficção. E a segu seguir, uir, vem a questão<br />
da verda<strong>de</strong>. erda<strong>de</strong>e.<br />
O que é mais<br />
verda<strong>de</strong>: e: a realida<strong>de</strong><br />
ou a<br />
ficção?<br />
Um <strong>dos</strong><br />
principais<br />
pensadores da<br />
relação entre<br />
as letras e as<br />
imagens do<br />
século XX<br />
COLIN MCPHERSON/CORBIS
da<strong>de</strong><br />
3.<br />
O avô <strong>de</strong> O<strong>de</strong>ssa fugiu assusta<strong>dos</strong>ustado<br />
pelos pogroms <strong>de</strong><br />
1905. O avô do outro lado da<br />
família tinha chegado à Argentina<br />
no século anterior<br />
e produzido<br />
uma <strong>de</strong>scendência<br />
<strong>de</strong> ju-<br />
<strong>de</strong>us gaúchos. gaúchos<br />
Trabalharam a terra<br />
durante vária vvárias<br />
gerações e Edgardo<br />
Cozarinsky Cozarinskky<br />
lembra-se lem <strong>de</strong> uma tia con-<br />
tar que não nnão<br />
cconseguiam<br />
limpar as<br />
unhas, e isso era sobretudo motivo<br />
<strong>de</strong> orgulho: orgulhho:<br />
significava s que no país<br />
novo possuíam pos ssuía terra, e nessa terra,<br />
pensavam pensavamm<br />
talv talvez – como pensa Perl,<br />
a actriz <strong>de</strong> <strong>de</strong>e<br />
teatro teat ídiche <strong>de</strong> “El Rufián<br />
Moldavo” – qu que os filhos iriam “nascer<br />
num mundo munndo<br />
on<strong>de</strong> os ju<strong>de</strong>us não ti-<br />
vessem mmedo<br />
medo”.<br />
Esta<br />
conv conversa com a tia só aconteceu<br />
teceuu<br />
qu quando já era adulto e se<br />
começou commeço<br />
a interessar por fazer<br />
perguntas pergu p à família, o que<br />
levo llevou<br />
tempo a acontecer,<br />
porq pporque<br />
ele era um ju<strong>de</strong>u<br />
sem s medo.<br />
4. 4<br />
“Soy “S Soy una u mentira que siempre<br />
pree<br />
dice dic la verdad”, diz fron-<br />
tal, , olhos olh <strong>de</strong> um azul que terá<br />
resistido, resistid<br />
geração em geração,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
O<strong>de</strong>ssa, O intenso. Cita ain-<br />
da CCocte<br />
Cocteau no original: “Je suis<br />
une mensonge men que dit toujours<br />
la ve verité”, erité” e <strong>de</strong>pois os enormes<br />
olhos olhoss<br />
azuis azu fogem para as mesas<br />
do lado laddo<br />
e<br />
a janela e lá fora on<strong>de</strong><br />
estão as a histórias hi (e as perguntas<br />
por fazer). fazzer).<br />
A ficção, ficçção,<br />
acha Cozarinsky, é tal-<br />
vez a única únnica<br />
forma fo <strong>de</strong> “<strong>de</strong>ixar passar<br />
tudo”, “não “nnão<br />
fazer f censura”. E nem<br />
pela ficção, ficçãão,<br />
pela pe menos não pela sua<br />
ficção, chegaremos chhegar<br />
à verda<strong>de</strong>.<br />
Passaram-se Passaraam-s<br />
10 anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
esteve doente dooente<br />
no hospital e pensou<br />
que morria morr ria e finalmente começou a<br />
“<strong>de</strong>ixar passa ppassar<br />
tudo” e a escrever os<br />
livros que e esperavam. esp A conta ronda<br />
agora a <strong>de</strong>zen d<strong>de</strong>zena<br />
publica<strong>dos</strong>. Porque<br />
se começou<br />
a<br />
afirmar como escritor<br />
– na Argentina Argeentin<br />
e no estrangeiro, so-<br />
bretudo com c as suas traduções para<br />
inglês – em emm<br />
anos an recentes, quem não<br />
conheça o realizador rea <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> uma<br />
dúzia <strong>de</strong> filme ffilmes,<br />
mas apenas o escri-<br />
tor, esper esperaria raria talvez encontrar um<br />
jovem e quem q o pensasse não ficaria<br />
<strong>de</strong>siludido.<br />
<strong>de</strong>siludiddo.<br />
É nos olhos<br />
inquietos, talvez impa-<br />
ráveis, qu que ue se<br />
nota “ainda o adoles-<br />
cente que<br />
e seg seguia pela rua <strong>de</strong>sconhe-<br />
ci<strong>dos</strong> que<br />
lhe ppareciam<br />
portadores <strong>de</strong><br />
ficção, para pa ara ve ver on<strong>de</strong> iam, com quem<br />
se encontravam, encon ntrav on<strong>de</strong> viviam” (“El<br />
Rufián MMolda<br />
Moldavo”). Ou um pequeno<br />
como o ppequ<br />
pequeno Fre<strong>de</strong>rico, do seu<br />
romance romancce<br />
mais m recente, “Lejos <strong>de</strong><br />
Dón<strong>de</strong>”, , que que, às escondidas da mãe,<br />
fingindo fingindoo<br />
dormir do na varanda do<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 17
segundo andar, espia as pessoas lá<br />
em baixo na Avenida Colón: “Quando<br />
passam pelo círculo <strong>de</strong> luz projectado<br />
pelo can<strong>de</strong>eiro público e distingue o<br />
cabelo pintado, a maquilhagem pesada<br />
da mulher, Fre<strong>de</strong>rico associa-os<br />
a algum filme visto nas tar<strong>de</strong>s do Cecil…<br />
E o automóvel que pára na esquina<br />
para que eles possam atravessar<br />
a avenida? De on<strong>de</strong> vem?”<br />
5.<br />
Um dia, em Buenos Aires, teria talvez<br />
8 ou 9 anos, voltando <strong>de</strong> casa <strong>de</strong> uma<br />
tia velha que uma vez por ano os convidava<br />
para comer comidas muito<br />
estranhas, disse para o pai:<br />
-Coitada da tia-avó da mamã, está<br />
totalmente passada, diz que é ano<br />
novo e estamos em Outubro.<br />
18 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
No reino do doc<br />
Até domingo “a imagem-arquivo” junta os interessa<strong>dos</strong> no<br />
documentário em Serpa. É o Doc’s Kingdom. Jorge Mourinha<br />
Nascido em 1939 em Buenos<br />
Aires, Edgardo Cozarinsky<br />
é indubitavelmente um <strong>dos</strong><br />
principais pensadores da<br />
relação entre as letras e as<br />
imagens do século XX, educado<br />
nas duplas aca<strong>de</strong>mias <strong>dos</strong><br />
cinemas <strong>de</strong> bairro bonaerenses<br />
e da gran<strong>de</strong> fi cção europeia.<br />
Auto-proclamado nómada das<br />
artes cuja carreira fl utua entre<br />
a Argentina natal e a Paris<br />
que consi<strong>de</strong>ra o seu “armazém<br />
cultural” e abrangeu a literatura<br />
em todas as suas formas (da<br />
fi cção ao ensaio), o teatro, a<br />
ópera e o cinema, é um <strong>dos</strong><br />
convida<strong>dos</strong> <strong>de</strong> luxo do Doc’s<br />
Kingdom 2010, que apresenta,<br />
para lá do célebre fi lmeensaio<br />
“La Guerre d’un seul<br />
homme”, refl exão <strong>de</strong> 1981 sobre<br />
a ocupação nazi em França<br />
durante a II Guerra, imagens do<br />
seu novo documentário ainda<br />
em produção (sob o título <strong>de</strong><br />
trabalho “Apuntes para una<br />
Biografía Imaginária”).<br />
Entretanto, o Doc’s Kingdom<br />
chega à sua décima edição<br />
mantendo intacta a concepção<br />
primordial. A saber: sob a capa<br />
<strong>de</strong> um seminário, o encontro<br />
e o diálogo entre cineastas<br />
Edgardo Cozarinsky,<br />
sobretudo conhecido<br />
como<br />
documentarista,<br />
não gosta da palavra<br />
documentário,<br />
porque esta palavra<br />
implica que é possível<br />
“documentar”<br />
a realida<strong>de</strong><br />
Sob a capa<br />
<strong>de</strong> um seminário,<br />
um diálogo<br />
num espaço propício<br />
à reflexão sobre<br />
o documentário<br />
contemporâneo<br />
e observadores num espaço<br />
propício ao convívio e à<br />
refl exão sobre o documentário<br />
contemporâneo, longe da<br />
voragem, da velocida<strong>de</strong> e da<br />
competição da maior parte <strong>dos</strong><br />
festivais e sob o signo <strong>de</strong> Robert<br />
-É que é ano novo ju<strong>de</strong>u.<br />
-E?<br />
-E nós somos ju<strong>de</strong>us.<br />
-Ah.<br />
6.<br />
O que aconteceu ao cinema Cecil?<br />
Quem ainda vê filmes <strong>de</strong> outros tempos<br />
em Buenos Aires? Como morreu<br />
Falconetti, a Joana d’Arc <strong>de</strong> Dreyer?<br />
Porque nunca mais trabalhou o actor<br />
francês Le Vigan, herói das telas antes<br />
da Segunda Guerra, vilão colaboracionista<br />
<strong>de</strong>pois? Como foram os<br />
últimos anos <strong>de</strong> um e <strong>de</strong> outro exila<strong>dos</strong><br />
na Argentina? Quantas horas senta<strong>dos</strong><br />
numa plateia passámos com<br />
eles? Quando os esquecemos?<br />
Um homem caminha pelas ruas<br />
<strong>de</strong> Buenos Aires – na banda sonora,<br />
tango, sempre – e faz perguntas. Essas<br />
perguntas são as peças <strong>de</strong> um<br />
puzzle que reconstitui um mundo<br />
perdido mas o puzzle nunca estará<br />
completo e as perguntas irão continuar<br />
a fazer-se.<br />
O filme “Boulevard du Créspuscule”<br />
é um <strong>dos</strong> filmes <strong>de</strong> Cozarinsky<br />
exibido amanhã em Serpa. Outro filme<br />
inserido na programação é “A<br />
Guerra <strong>de</strong> Um Só Homem”, juntando<br />
imagens <strong>de</strong> arquivo da ocupação <strong>de</strong><br />
Paris e os diários do escritor alemão<br />
Ernst Jünger, contando uma história<br />
que é verda<strong>de</strong> e é mentira, a mentira<br />
que um alemão conta a si próprio<br />
para po<strong>de</strong>r viver <strong>de</strong>ntro daquelas<br />
imagens verda<strong>de</strong>iras.<br />
O cineasta, como o escritor, é um<br />
investigador ou um <strong>de</strong>tective. O “business”<br />
é “averiguar”. “Para mim, o<br />
impulso <strong>de</strong> investigar é a base <strong>de</strong> toda<br />
a narração”, diz Cozarinsky. As<br />
respostas, claro, “escapam-se entre<br />
os <strong>de</strong><strong>dos</strong> como se fossem areia”. E<br />
muitas vezes, <strong>de</strong>scobre que acaba<br />
por estar principalmente a “averiguar”<br />
sobre si próprio: “Porque me<br />
Kramer, a cujo fi lme homónimo<br />
(rodado em Portugal) o evento<br />
foi buscar a sua <strong>de</strong>signação.<br />
“A imagem-arquivo” é o<br />
conceito norteador <strong>de</strong>sta edição<br />
cujo elenco <strong>de</strong> convida<strong>dos</strong>,<br />
para além <strong>de</strong> Cozarinsky,<br />
inclui, primeiro, o crítico,<br />
ensaista e documentarista<br />
alemão Hartmut Bitomsky,<br />
ex-presi<strong>de</strong>nte da Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong><br />
Cinema Alemã (cinco fi lmes,<br />
entre os quais o aclamadíssimo<br />
“Staub”, sobre a poeira). Depois,<br />
estarão ainda presentes Yervant<br />
Gianikian e Angela Ricchi<br />
Lucchi, a dupla italiana que<br />
se tornou conhecida pelo seu<br />
trabalho experimental à volta<br />
da manipulação <strong>de</strong> imagens<br />
pré-existentes e “found footage”<br />
(seis fi lmes, entre os quais “Dal<br />
Polo all’Equatore”, <strong>de</strong> 1986, que<br />
os revelou mundialmente, e<br />
interessei por isto? Que coisa minha<br />
quero <strong>de</strong>scobrir?”<br />
7.<br />
Sempre quis viajar e nos anos 60 finalmente<br />
foi à Europa. A primeira<br />
escolha foi Berlim <strong>de</strong> Joseph Roth,<br />
para ele uma “cida<strong>de</strong> mítica”. Nos<br />
anos 70, mudou-se para Paris e viveu<br />
um exílio, mais ou menos voluntário,<br />
durante mais <strong>de</strong> 10 anos. Porque, confessa,<br />
tem “alma <strong>de</strong> nómada”, continuou<br />
a viajar. Caminhou em Istambul,<br />
on<strong>de</strong>, como em <strong>Lisboa</strong>, se reuniram<br />
refugia<strong>dos</strong> durante a II Guerra. Caminhou<br />
num terceiro país neutro, a Suíça,<br />
e na Polónia <strong>de</strong> Auschwitz, <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> parte a personagem da primeira<br />
parte <strong>de</strong> “Lejos <strong>de</strong> Dón<strong>de</strong>”, uma<br />
administrativa do campo <strong>de</strong> concentração<br />
que escapa com um passaporte<br />
<strong>de</strong> uma mulher judia morta nas<br />
câmaras <strong>de</strong> gás. Caminhou ainda na<br />
Andaluzia e em Tessalónica, on<strong>de</strong><br />
ouviu falar um espanhol muito antigo,<br />
anterior à expulsão <strong>de</strong> 1492.<br />
E este ju<strong>de</strong>u que não sabia em<br />
criança o que era o ano novo ju<strong>de</strong>u,<br />
que não acredita na raça mas acredita<br />
na cultura, fazia as perguntas surgindo<br />
inevitáveis do conto que, quisesse<br />
ou não, tinha herdado: o que<br />
significa ser ju<strong>de</strong>u, quem <strong>de</strong>ci<strong>de</strong><br />
quem é ju<strong>de</strong>u? E - como perguntam<br />
to<strong>dos</strong> os povos – <strong>de</strong> on<strong>de</strong> somos, <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> viemos, para on<strong>de</strong> vamos?<br />
Em “Lejos <strong>de</strong> Dón<strong>de</strong>”, a mulher<br />
alemã que passa por judia tem um<br />
filho que não tem olhos azuis “arianos”<br />
como os <strong>de</strong>la, mas escuros como<br />
os das gentes das Américas. Depois<br />
da sua morte, esse filho – porque os<br />
contos “herdam-se” e “acabam por<br />
tornar-se realida<strong>de</strong>” – foge (ironicamente,<br />
com um passaporte falso como<br />
a mãe) pelo mundo fora, e julga<br />
reconhecer em si próprio o mito do<br />
ju<strong>de</strong>u errante.<br />
os mais recentes “Ghiro Ghiro<br />
Tondo” e “Frammenti Eletrici no.<br />
6”). Finalmente, a portuguesa<br />
Susana <strong>de</strong> Sousa Dias, <strong>de</strong> quem<br />
se apresenta a sua segunda<br />
longa após “Natureza Morta”,<br />
“48”, vencedor em Março<br />
último do festival parisiense<br />
Cinéma du Réel. Os pormenores<br />
do seminário po<strong>de</strong>m ser<br />
consulta<strong>dos</strong> no site ofi cial em<br />
www.docskingdom.org.<br />
“48”, <strong>de</strong><br />
Susana Sousa<br />
Dias, “Ghiro<br />
Ghiro Tondo”<br />
<strong>de</strong> Yervant<br />
Gianikian e<br />
Angela Ricchi<br />
Lucchi e<br />
“Staub”, <strong>de</strong><br />
Hartmut<br />
Bitomsky<br />
Numa visita a Antuérpia, um amigo,<br />
negociante <strong>de</strong> diamantes, contalhe<br />
“uma história, talvez apócrifa,<br />
mas cujo sentido parecia indiscutível”:<br />
“Conheces a resposta do rapaz ju<strong>de</strong>u<br />
que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> emigrar para a América<br />
no princípio do século XX? No<br />
mísero stetl <strong>de</strong> Galitzia ou Bessarábia<br />
on<strong>de</strong> nasceu, a sua mãe chora sem<br />
consolo. “Meu filho, porque vais para<br />
tão longe?”, lamenta-se uma e outra<br />
vez. O filho, já longe dali no pensamento,<br />
talvez com um sentido inato<br />
da relativida<strong>de</strong>, respon<strong>de</strong>: “Longe?<br />
Longe <strong>de</strong> on<strong>de</strong>?””<br />
8.<br />
Portugal não conhece Cozarinsky,<br />
mas Cozarinsky conhece Portugal.<br />
Quando veio a primeira vez ainda não<br />
tinha acontecido a revolução e em<br />
<strong>Lisboa</strong> ainda se viam cartazes que<br />
garantiam que “Portugal não é pequeno”.<br />
<strong>Lisboa</strong> não é tão longe <strong>de</strong> Buenos<br />
Aires ou <strong>de</strong> Nova Iorque, não era tão<br />
longe durante a II Guerra Mundial.<br />
Os refugia<strong>dos</strong> viam as luzes da Europa<br />
apagar-se no mar alto.<br />
Não gostando da palavra “documentário”<br />
ou “documental” (em<br />
espanhol), Cozarinsky documenta<br />
como poucos aquilo que <strong>de</strong>saparece.<br />
E a História vive na nossa imaginação,<br />
como na do rapaz jovem que<br />
visita <strong>Lisboa</strong> em “Hotel <strong>de</strong> Emigrantes”,<br />
“um jovem interessado em velharias”<br />
como percebe, espantado,<br />
um velho livreiro <strong>de</strong> Sintra. Para esse<br />
jovem, para Cozarinsky, talvez<br />
para to<strong>dos</strong> nós, a História só é real<br />
quando começamos a ficcioná-la e<br />
sabemos, com nostalgia e uma ponta<br />
<strong>de</strong> inveja, que nunca viveremos<br />
– tão excitante, e por vezes, tão brutal<br />
– o que já passou.
ALGO EXCEPCIONAL AGUARDA POR SI EM ABSOLUT.COM
Música<br />
20 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
A América preparava-se para dormir,<br />
ou pelo menos 3 milhões <strong>de</strong> americanos<br />
preparavam-se para dormir,<br />
quando aquilo aconteceu. Foi a 19 <strong>de</strong><br />
Maio, parte do país assistia, sonolento,<br />
a um <strong>dos</strong> seus programas <strong>de</strong> TV<br />
favoritos – o Late Show <strong>de</strong> David Letterman<br />
– quando aquilo surgiu. Letterman<br />
lançava as últimas piadas sem<br />
gran<strong>de</strong> graça, parecendo ele próprio<br />
com vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> encerrar o expediente,<br />
quando ela irrompeu por ali. Era<br />
a sua estreia televisiva e Janelle Monáe,<br />
24 anos, cinco palmos <strong>de</strong> rapariga,<br />
poupa geométrica à Grace Jones,<br />
como sempre <strong>de</strong> smoking preto-ebranco<br />
fazendo lembrar a elegância<br />
<strong>dos</strong> artistas da mítica Motown, não<br />
fez a coisa por menos. Olhou à volta,<br />
fez pose, lançou a mão ao microfone<br />
como se fosse tirá-lo para dançar e<br />
atirou-se a uma versão electrizante<br />
da canção “Tightrope”. Dançou atrevida<br />
como James Brown, oferecendo<br />
uma mescla esfuziante <strong>de</strong> R&B e<br />
funk.<br />
Quem já a conhecia não ficou surpreendido,<br />
mas para aqueles milhões<br />
<strong>de</strong> americanos, e para os que nos dias<br />
seguintes viram a sua actuação na internet,<br />
foi um momento <strong>de</strong> enorme<br />
revelação.<br />
Tem tudo<br />
Janelle Monae vai ser gran<strong>de</strong>. Tem<br />
tudo. A voz: camaleónica. A atitu<strong>de</strong>:<br />
vibrante. A história: filha <strong>de</strong> pai toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
e mãe empregada <strong>de</strong><br />
limpeza. Os padrinhos: os “rappers”<br />
Puff Daddy e Big Boi <strong>dos</strong> OutKast ou<br />
a cantora Erykah Badu, com quem<br />
anda em digressão. Os ícones: Alfred<br />
Hitchcock e Katharine Hepburn. A<br />
confiança: inabalável – é vê-la cantar<br />
endiabrada. A ambição, só assim se<br />
compreen<strong>de</strong>ndo o lançamento <strong>de</strong> um<br />
álbum <strong>de</strong> estreia conceptual como<br />
“The ArchAndroid”. E a música, composto<br />
<strong>de</strong> como fazer algo vibrante<br />
para o centro do mercado sem ce<strong>de</strong>r<br />
aos valores do mesmo, congregando<br />
funk, folk pastoral, rock psicadélico,<br />
jazz orquestral e cabaret. Apenas não<br />
tem a altura e o apelo sensual que se<br />
fantasia que as gran<strong>de</strong>s estrelas têm.<br />
Mas transformar eventuais fragilida<strong>de</strong>s<br />
em potencialida<strong>de</strong>s é a sua especialida<strong>de</strong>.<br />
Nasceu nos subúrbios <strong>de</strong> Kansas<br />
City, numa família com dificulda<strong>de</strong>s<br />
económicas. Como tantas outras jovens<br />
negras apren<strong>de</strong>u a cantar na<br />
igreja, auxiliando a família com o dinheiro<br />
que ganhava nas competições<br />
<strong>de</strong> canto. Em 2004 mudou-se para<br />
Nova Iorque, já <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter criado<br />
um disco, “The Audition”, produzido<br />
por si e que nunca chegou a ser editado.<br />
Em Nova Iorque recebeu uma<br />
bolsa da American Musical & Dramatic<br />
Aca<strong>de</strong>my, mas no processo <strong>de</strong>sistiu<br />
<strong>de</strong> seguir carreira como actriz da Broadway.<br />
Fartou-se do ensino formatado<br />
e resolveu concentrar-se num novo<br />
tipo <strong>de</strong> musical. Foi para Atalanta,<br />
on<strong>de</strong>, após um <strong>dos</strong> seus espectáculos,<br />
Big Boi <strong>dos</strong> OutKast a convidou para<br />
O projecto <strong>de</strong> Janelle<br />
navega entre o apelo<br />
clássico e o <strong>de</strong>sejo<br />
<strong>de</strong> futuro. A primeira<br />
parte do disco é um<br />
concentrado <strong>de</strong><br />
excelentes canções<br />
enquanto a segunda<br />
é uma longa viagem<br />
pelas margens <strong>de</strong> um<br />
R&B exploratório<br />
participar no álbum “Idlewild”, concebido<br />
como um musical.<br />
Com os OutKast apren<strong>de</strong>u imenso,<br />
não só em termos musicais mas também<br />
<strong>de</strong> narrativa sónica – em particular<br />
com “The Love Below”, a meta<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> André 3000 no magnífico “Speakerboxxx/The<br />
Love below”. Pouco<br />
tempo <strong>de</strong>pois, à amiza<strong>de</strong> <strong>dos</strong> OutKast<br />
juntou uma outra importante: o po<strong>de</strong>roso<br />
Puff Daddy contactou-a através<br />
da sua página do MySpace. Janelle<br />
pensou que era brinca<strong>de</strong>ira. Acabou<br />
por assinar pela Bad Boy, dirigida por<br />
Puff, subsidiária da Atlantic.<br />
A revelação <strong>de</strong>u-se com o EP “Metropolis:<br />
Suite I (The Chase)”, produzido<br />
por Big Boi. Os mais atentos perceberam<br />
que algo se passava. Há dois<br />
anos o fenómeno Amy Winehouse estava<br />
no auge e existiu quem lhe apontasse<br />
semelhanças, inclusive nós, nestas<br />
páginas, pelo “swing” e pelas alusões<br />
aos anos 60. Mas o álbum actual<br />
<strong>de</strong>sfaz essas comparações.<br />
Clássica e futurista<br />
O ponto <strong>de</strong> partida é o clássico “Metropolis”<br />
(1927), realizado por Fritz<br />
Lang. É uma obra conceptual, com<br />
convida<strong>dos</strong> espera<strong>dos</strong> (Big Boi) mas<br />
outros surpreen<strong>de</strong>ntes, como os excêntricos<br />
do rock Of Montreal ou o<br />
poeta-cantor Saul Williams. A sequência<br />
<strong>de</strong> canções conta a história da andrói<strong>de</strong><br />
Cindi Mayweather, clone da<br />
cantora que se apaixona por um humano<br />
e que tem <strong>de</strong> escapar à polícia<br />
para não ser <strong>de</strong>sactivada, acabando<br />
por ser encarregue da libertar Metropolis<br />
<strong>dos</strong> seus opressores.<br />
A ficção-científica como inspiração<br />
da música negra não é novida<strong>de</strong>. De<br />
Sun Ra aos Funka<strong>de</strong>lic, <strong>dos</strong> Sa-Ra Cre-<br />
ative Partners a Erykah Badu, muitos<br />
já lá foram bater, <strong>de</strong> tal forma que se<br />
fala <strong>de</strong> afro-futurismo com assiduida<strong>de</strong>.<br />
No caso <strong>de</strong>la, tudo começou com<br />
a série <strong>de</strong> TV A 5ª Dimensão que via<br />
na adolescência com a mãe. Depois<br />
vieram “Alien”, os livros <strong>de</strong> Philip K.<br />
Dick e um mergulho profundo em<br />
“Metropolis”, o seu preferido.<br />
Não espanta que o projecto <strong>de</strong> Janelle<br />
navegue entre o apelo clássico<br />
e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> futuro. A primeira parte<br />
do disco é um concentrado <strong>de</strong> excelentes<br />
canções (“Locked insi<strong>de</strong>”, “Tightrope”,<br />
“Cold war”) enquanto a<br />
segunda é uma longa viagem pelas<br />
margens <strong>de</strong> um R&B exploratório. A<br />
versatilida<strong>de</strong> é uma das suas características<br />
marcantes, misto <strong>de</strong> extravagâncias<br />
vocais e <strong>de</strong> fantasias rítmicas<br />
que <strong>de</strong>sembocam numa pop barroca<br />
tão acessível quanto estranha e personalizada.<br />
Há cerca <strong>de</strong> um mês, no final do<br />
seu programa, David Letterman, dizia<br />
que há muito tempo não via nada assim.<br />
Puff Daddy, que não é conhecido<br />
pelos seus dotes <strong>de</strong> humilda<strong>de</strong>, ajoelhou-se<br />
perante o talento <strong>de</strong> Janelle.<br />
Não custa acreditar que muitos o farão<br />
nos próximos tempos.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos págs 59 e segs.<br />
Janelle Monae é tão pequena<br />
e já tão gran<strong>de</strong><br />
Apadrinhada<br />
por Puff<br />
Daddy, Big Boi<br />
(OutKast) e<br />
Erykah Badu<br />
Uma máquina <strong>de</strong> cantar e dançar, com cabelo <strong>de</strong> Grace Jones, pés <strong>de</strong> James Brown, inspirada<br />
pelos OutKast, Prince ou Fritz Lang. Vamos ouvir falar muito <strong>de</strong>la. Vítor Belanciano
Rita Redshoes não podia<br />
ser fada para sempre<br />
Com “Gol<strong>de</strong>n Era”, fotografou-se como emanação da Hollywood clássica. Com um “Lights &<br />
Darks” marcado pela “americana”, mostra que não <strong>de</strong>vemos cristalizá-la naquela imagem.<br />
“Não me esgoto naquele ar <strong>de</strong> menina irreal”. Mário Lopes<br />
A mulher <strong>de</strong> turbante, matrona oci<strong>de</strong>ntal<br />
passeando por terras africanas,<br />
prova pedaços <strong>de</strong> fruta e, muito senhora<br />
<strong>de</strong> si, esboça um leve sorriso. Quando<br />
fixa o olhar na câmara que a filma,<br />
fixa-a em pose. Se está fascinada com<br />
o que vê, com os merca<strong>dos</strong>, o calor e<br />
as pessoas que lhe oferecem fruta,<br />
nunca <strong>de</strong>ixará que se note. A senhora<br />
matrona já viu muito mundo e não se<br />
impressiona facilmente, pensamos nós<br />
que ela pensa. A senhora, filmada nas<br />
cores saturadas <strong>de</strong> uma câmara Super<br />
8, é a protagonista do ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong> “It’s a<br />
honey moon”, realizado por Rita Redshoes.<br />
A canção é uma das 14 <strong>de</strong> um<br />
novo álbum, “Lights & Darks”, o sucessor<br />
<strong>de</strong> “Gol<strong>de</strong>n Era”, estreia que a<br />
transformou numa das figuras da actualida<strong>de</strong><br />
pop portuguesa.<br />
Rita não sabe quem é aquela mulher.<br />
“Encontram-se à venda na net<br />
vários filmes familiares em Super 8,<br />
filmes que as pessoas já não querem”,<br />
explica-nos em rui<strong>dos</strong>a esplanada<br />
lisboeta. Um dia normal <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong><br />
2010. O Mundial <strong>de</strong> Futebol nas televisões,<br />
a alimentar a pausa do trabalho,<br />
e uma mesa <strong>de</strong>la alheada. A mesa<br />
em que Rita Redshoes nos fala do<br />
ví<strong>de</strong>o que fez para uma das canções<br />
do seu novo álbum, mas também do<br />
exotismo <strong>de</strong> Henry Mancini, Les Baxter<br />
e Esquivel (companhia durante a<br />
gravação do álbum) e, principalmente,<br />
da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> mostrar que há mais<br />
nela que a rapariga frágil sobrevoando<br />
a filigrana <strong>dos</strong> Atomic Bees ou a<br />
mulher <strong>de</strong> fantasia que, quando “Gol<strong>de</strong>n<br />
Era” foi editado, nos referia o<br />
colorido <strong>de</strong> “Feiticeiro <strong>de</strong> Oz” e o imaginário<br />
<strong>de</strong> Hollywood. Mas adiantamo-nos.<br />
Falávamos <strong>de</strong> “It’s a honey<br />
moon” e da mulher que Rita Redshoes<br />
não conhece.<br />
“Não faço i<strong>de</strong>ia quem é a senhora.<br />
Percebo que estava em férias com o<br />
marido e, quando a vi, tive a certeza<br />
que ela era a personagem da minha<br />
música”. Eis então a matrona posando<br />
para o marido. A música muito<br />
solar, qual country a caminho do Havai,<br />
e a voz a cantar: “I love you / and<br />
he loves me too / I love you / and he<br />
loves me too / they could be happy<br />
on the moon / they wouldn’t miss this<br />
earth.” Rita Redshoes já o fazia antes.<br />
Fazia das suas canções cenários por<br />
on<strong>de</strong> divagavam personagens <strong>de</strong> um<br />
mundo <strong>de</strong> fantasia, intrinsecamente<br />
feminino. Mas agora, dois anos <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> “Gol<strong>de</strong>n Era”, o álbum <strong>de</strong> “Dream<br />
on girl” ou “Hey Tom”, o álbum que<br />
ven<strong>de</strong>u até atingir o galardão <strong>de</strong> platina<br />
e que lhe permitiu actuar perante<br />
salas esgotadas <strong>de</strong> norte a sul (e que<br />
abriu portas no mercado escandinavo<br />
e holandês, on<strong>de</strong> foi editado e que<br />
Rita Redshoes lá promoverá em concertos<br />
este Verão); <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tudo<br />
isso, dizíamos, algo mudou.<br />
“Americana”<br />
O humor carinhoso com que justapôs<br />
a música <strong>de</strong> “It’s a honey moon” ao<br />
ví<strong>de</strong>o Super 8 <strong>de</strong> origem <strong>de</strong>sconhecida<br />
é algo que não lhe imaginávamos<br />
antes. Uma figura como Lila, a “Bad<br />
Lila” que Rita Redshoes encena em<br />
paisagem country-rock (banjo incluído),<br />
a “silly girl” que se apaixona por<br />
to<strong>dos</strong> os homens (porque encontra<br />
beleza em to<strong>dos</strong> e cada um <strong>de</strong>les), não<br />
teria lugar no romantismo frágil <strong>de</strong><br />
“Gol<strong>de</strong>n Era”.<br />
“Tenho uma série <strong>de</strong> facetas musicais<br />
e não me esgoto naquele ar <strong>de</strong><br />
menina irreal [<strong>de</strong> ‘Gol<strong>de</strong>n Era’]”, diznos.<br />
Pouco <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> nos explicar<br />
que a “Bad Lila” surgiu ao sabor<br />
<strong>de</strong> alguns textos <strong>de</strong> Anais Nin – “costumo<br />
dizer que as mulheres ou são<br />
Virgens Maria ou Maria Madalena”, e<br />
Anais Nin interessa-lhe por ter questionado<br />
febrilmente essa i<strong>de</strong>ia, na<br />
vida e em texto -, confessará: “Este<br />
disco será um pouco mais real em relação<br />
ao que sou.” Ri-se: “Ninguém<br />
po<strong>de</strong> ser fadinha para sempre”. A<br />
questão central, chega<strong>dos</strong> ao segundo<br />
álbum, é esta: “Quando faço música,<br />
há uma certa ingenuida<strong>de</strong> no processo,<br />
mas não quero ser só isso, porque<br />
não sou só isso. Explorei outros aspectos,<br />
algum humor, algum sarcasmo<br />
e tentei passá-los para o disco.<br />
Gosto <strong>de</strong> artistas que se <strong>de</strong>smontem<br />
a si próprios. Vem daí o meu fascínio<br />
pela PJ Harvey e pelo David Bowie.”<br />
Deles, porém, nada ouvimos.<br />
“Lights & Darks” é um álbum on<strong>de</strong><br />
Rita Redshoes mergulha mais <strong>de</strong>claradamente<br />
numa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “americana”.<br />
Continuamos a sentir cada canção<br />
como parte <strong>de</strong> um musical (que é<br />
sua a carreira), mas mudaram os cenários<br />
e mudou o tom. Temos o banjo<br />
<strong>de</strong>dilhado como em alpendre sulista,<br />
ouvem-se coros a arriscar a soul e até,<br />
em “Marching in this life”, um piscar<br />
<strong>de</strong> olho à Motown. Isto não é necessariamente<br />
iamente o que Rita Redshoes ouve<br />
nestas canções. Ou melhor, não foi<br />
com om essa intenção que partiu para ele:<br />
“Para Para este disco, fui buscar instrumentosos<br />
<strong>de</strong> que sempre gostei mas que nuncaa<br />
ttin<br />
tinha inha ha tocado. ttoc<br />
ocad ado. o. O bban<br />
banjo, anjo jo, , o Om Omni<br />
nichord,hor<br />
ord, d, a tábua ttáb<br />
ábua ua [washboard]... [ [wa wash shbo boar ard] d].. ... . De Deci Decidi cidi di<br />
comprar omp mpra rar r tu tudo<br />
do iiss<br />
isso, sso, o, uuti<br />
utilizar tili liza zar r tu tudo<br />
do iiss<br />
isso. sso. o.<br />
E es essa essas sas s coisas co cois isas as vêm êm da América.” Am Amér éric ica. a ”<br />
Gosta <strong>de</strong> explorar as imagens que<br />
a música sugere – “certas sequências<br />
<strong>de</strong> acor<strong>de</strong>s evocam imagens e é a partirir<br />
<strong>de</strong>ssa imagem que procura a letra<br />
e o resto da canção”. Os seus discos<br />
são ão a forma como se aventura nesse<br />
imaginário. maginário. Faz tudo o sentido,ido,<br />
assim sendo,<br />
que o novo<br />
álbum lbum seja<br />
acompanhadonh<br />
nhad ado o (n (nuu<br />
ma edi edição diçã ção o<br />
“<strong>de</strong>luxe”) <strong>de</strong>luxe”)<br />
por um<br />
DVD on<strong>de</strong>d<br />
e 13<br />
can- a nçõesõesganham<br />
um ví-<br />
<strong>de</strong>o<br />
que as<br />
ilustre. l ust r e .<br />
“It’s It’s a honey<br />
moon”, como vimos,<br />
é obra da<br />
autora da canção.ão.<br />
As restantes,es,<br />
são da responsabilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Paulo Furtado,ado,<br />
David<br />
Fonseca ou<br />
André Cepeda.<br />
Curioso<br />
que, na<br />
maioria, maioria,<br />
reconheeconheçamosamos o<br />
imaginámaginárioio <strong>de</strong><br />
Rita Re- Re-<br />
“Tenho uma série<br />
<strong>de</strong> ffacetas<br />
musicais<br />
e não não me esgoto<br />
naquele naquele ar <strong>de</strong> menina<br />
irreal”<br />
Música<br />
dshoes. Os brinque<strong>dos</strong> antigos, o carrossel<br />
rodopiando, uma rapariga correndo<br />
pelos campos. Não só. A aventura<br />
pouco católica da Barbie “Bad<br />
Lila”, que Paulo Furtado filmou entre<br />
Kens muscula<strong>dos</strong> e anões em fatos <strong>de</strong><br />
látex, confirma que há lugar para mais<br />
que sonho e fantasia inocente na música<br />
<strong>de</strong> Rita Redshoes.<br />
Com “Gol<strong>de</strong>n Era”, Rita fotografouse<br />
como emanação da Hollywood<br />
clássica e implantou-se no cenário<br />
musical português. Com “Lights &<br />
Darks” mostra que não <strong>de</strong>vemos cristalizá-la<br />
naquela imagem. Há mais<br />
Rita, uma outra Rita, para além <strong>dos</strong><br />
Redshoes saltitando pela estrada dourada<br />
a caminho <strong>de</strong> Oz.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 59 e segs.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 21
Bonitos<br />
e torci<strong>dos</strong>,<br />
eis os Feromona<br />
De to<strong>dos</strong> os projectos que surgiram do eixo xo Amor<br />
Fúria/Flor Caveira, os Feromona têm sido os mais<br />
discretos, uma injustiça que urge colmatar. Amanhã,<br />
no Porto, apresentam “Desoliú<strong>de</strong>”, o primeiro meiro<br />
disco a sério. João Bonifácio<br />
Se há tipo que sabe escolher bem os<br />
títulos para os seus discos, esse tipo<br />
é Diego Armés, voz e guitarra <strong>dos</strong> Feromona.<br />
Há dois anos eles (Diego, o irmão<br />
Marco e ainda Bernardo Barata) estreavam-se<br />
com um mini-disco, “Uma<br />
Vida a Direito”, rock sujo em português<br />
que foi visto como uma reencarnação<br />
do grunge. A expressão é boa<br />
porque goza subtilmente com uma<br />
frase feita, tornando-a ambígua.<br />
Quem parece ser às direitas é o próprio<br />
Armés que em uma hora <strong>de</strong> conversa<br />
se revela um tipo sem manias,<br />
ao ponto <strong>de</strong>, ao contrário do que<br />
acontece com a maior parte <strong>dos</strong> entrevista<strong>dos</strong>,<br />
ser ele a vir ter connosco,<br />
on<strong>de</strong> nos dá mais jeito. Chega ao cúmulo<br />
<strong>de</strong> ser o primeiro a chegar e não<br />
mostra má cara. Está na boa.<br />
Tem razões para estar: “Desoliú<strong>de</strong>”,<br />
o primeiro disco a sério da banda,<br />
acabou <strong>de</strong> sair e, à excepção <strong>de</strong><br />
uma crítica indigesta na “Time Out”,<br />
tem sido bem recebido. Amanhã apresentam<br />
o disco no bar Plano B, no<br />
Porto (uma cida<strong>de</strong> que para a maior<br />
parte <strong>dos</strong> lisboetas é a encarnação da<br />
palavra “Desoliú<strong>de</strong>”) e ainda há uns<br />
dias encabeçaram um belo cartaz no<br />
Técnico, acompanha<strong>dos</strong> pel’ Os Golpes,<br />
entre outros.<br />
“Desoliú<strong>de</strong>” é um óptimo neologismo<br />
e quem <strong>de</strong>nomina assim um disco<br />
não só está a querer dizer qualquer<br />
coisa (do género: se Hollywood é o<br />
cimo, o glamour e o sonho, “Desoliú<strong>de</strong>”<br />
é o cá em baixo, a <strong>de</strong>silusão ou<br />
a vidinha) como está a dizê-lo com<br />
talento no uso da palavra. Pensamos:<br />
este tipo também há-<strong>de</strong> gostar <strong>de</strong> ler<br />
umas coisinhas.<br />
Bingo: não só Armés se revela um<br />
tipo que salta <strong>de</strong> assunto em assunto<br />
com facilida<strong>de</strong>, que gosta <strong>de</strong> conversa<br />
e <strong>de</strong> discurso escorreito, como surge<br />
com um livrinho na mão que é uma<br />
pequena obra-prima, “O Jogador”, a<br />
22 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
novela que Dostoiévski escreveu em<br />
duas semanas, pressionado pelo seu<br />
editor. Não é truque para dar pinta:<br />
Armés confessa que está a lê-lo porque<br />
foi traduzido por um amigo (Filipe<br />
Guerra que, com a mulher Nina,<br />
tem feito um verda<strong>de</strong>iro serviço<br />
público na tradução da melhor literatura<br />
russa).<br />
Durante um bocado ficamos ali a<br />
falar <strong>de</strong> Púchkin, e a dada altura ele<br />
está a elogiar o humor <strong>dos</strong> jornalistas<br />
<strong>de</strong>sportivos do “Guardian” que fazem<br />
a cobertura on-line <strong>dos</strong> jogos. Armés<br />
jogou à bola no Mafra e no Torreense<br />
– é um tipo magrinho e baixo, <strong>de</strong> cabelo<br />
comprido, que admira a finta <strong>de</strong><br />
Simão. “Gostava mesmo <strong>de</strong> jogar a<br />
extremo”, diz. Acabamos a discutir<br />
os diálogos <strong>de</strong> Seinfeld. É difícil não<br />
ter simpatia por ele.<br />
Há uns anos atrás, trocou as chuteiras<br />
pelas seis cordas <strong>de</strong> uma guitarra.<br />
“Um tipo compra uma guitarra<br />
eléctrica para ser idolatrado”, diz ele<br />
com uma inocência que só torna a<br />
frase mais cómica, “para ter as colegas<br />
<strong>de</strong> turma à volta a dizer ‘Toca isto’.<br />
Depois começa a querer caprichar<br />
nas letras e torna-se outra coisa”.<br />
De Hollywood à <strong>de</strong>silusão<br />
A coisa não lhe correu mal. Armés não<br />
se arma em literato, mas sai-se muito<br />
bem na tarefa <strong>de</strong> explicar os seus<br />
amores literários – que vão <strong>de</strong> Bukowski<br />
ao “Malone Está a Morrer”, <strong>de</strong><br />
Beckett. Entretanto não foi idolatrado,<br />
mas ao segundo disco já tem o seu<br />
culto. “Nós temos groupies, pá”, diz<br />
ele. “São poucas, mas o público que<br />
temos é fiel”. E específico: garotas na<br />
casa <strong>dos</strong> 20, “muitas universitárias”.<br />
“Há uma barreira <strong>de</strong> afastamento que<br />
nós criámos porque não estamos só<br />
a dizer ‘Amo-te, amo-te’. Daí que as<br />
groupies não nos atirem soutiens”.<br />
Armés não está a mentir: os Feromona<br />
têm culto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira hora e<br />
agora que há disco<br />
a sério nas lojas as o<br />
culto prepara-se se<br />
para aumentar. r.<br />
Ajuda o facto o<br />
<strong>de</strong> editarem pela Amor Fúria, a editora/promotoraora<br />
cuja associação com<br />
a Flor Caveira a <strong>de</strong>u uma volta à pop<br />
feita em português. ê Mas eles l não ã caíram<br />
lá <strong>de</strong> para-quedas, estavam lá<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, só que na sombra.<br />
“A nossa relação com essa malta<br />
começou pelo Myspace”, conta. “Mas<br />
como o Manel [lí<strong>de</strong>r d’Os Golpes] vivia<br />
em Alfama na altura e frequentava<br />
os mesmos sítios, aproximámo-nos”.<br />
Isto em 2006, quando os Feromona<br />
começaram “a tocar mais a sério”. Ao<br />
contrário das restantes bandas das<br />
duas editoras, com estes moços “não<br />
há misturas políticas nem fé religiosa”.<br />
“Não há cá nada disso”, acrescenta<br />
naquilo a que po<strong>de</strong>mos chamar<br />
uma dupla negação.<br />
Não ter associações religiosas ou<br />
i<strong>de</strong>ológicas também tem o seu preço:<br />
os Feromona são os únicos <strong>de</strong>ssa fornada<br />
que ainda não tiveram verda<strong>de</strong>iro<br />
<strong>de</strong>staque. Haja justiça e “Desoliú<strong>de</strong>”<br />
talvez mu<strong>de</strong> isso, talvez faça <strong>de</strong>les<br />
estrelas – mas duvida-se, até porque<br />
o disco é o oposto disso, mistura <strong>de</strong><br />
Hollywood com <strong>de</strong>silusão. O disco em<br />
si não é <strong>de</strong>silusão alguma, antes pelo<br />
contrário. Encontra-os muito mais<br />
afina<strong>dos</strong> na sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> combinar<br />
sujeira com melodia, variações<br />
rítmicas com harmonia.<br />
“Nunca percebi porque nos chamavam<br />
grunge”, diz Armés, recordando<br />
a caracterização que se colou à banda<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início. “Antes <strong>de</strong> mais, o grunge<br />
é um momento, não uma <strong>de</strong>finição<br />
musical, logo não po<strong>de</strong>mos ser grunge”.<br />
Optaram por não se chatear com<br />
a insistência e vingaram-se gravando<br />
uma faixa chamada “Courtney Love”:<br />
“É o nosso gozo a essa i<strong>de</strong>ia”.<br />
Que fazem barulho, é certo. Mas é<br />
Os Feromona<br />
editam na<br />
Amor Fúria<br />
mas, ao<br />
contrário das<br />
outras bandas<br />
da editora e da<br />
sua associada<br />
Flor Caveira,<br />
não são<br />
rapazes<br />
religiosas<br />
“Nunca percebi<br />
porque nos<br />
chamavam grunge.<br />
Antes <strong>de</strong> mais,<br />
o grunge é um<br />
momento, não uma<br />
<strong>de</strong>finição musical,<br />
logo não po<strong>de</strong>mos ser<br />
grunge. [A faixa<br />
Courtney Love]<br />
é o nosso gozo a essa<br />
i<strong>de</strong>ia”<br />
Diego Armés<br />
Música<br />
um barulho que está cada vez mais<br />
lapidado, conseguido, bem distribuído.<br />
“Tivemos um bocadinho mais <strong>de</strong><br />
tempo para fazer este disco e isso feznos<br />
ser mais caprichosos com os arranjos”.<br />
Particularmente conseguidas<br />
são as harmonias entre Armés e Bernardo<br />
Barata, o baixista. “Ele está<br />
mais à vonta<strong>de</strong> a cantar, agora, e a<br />
trabalhar as harmonias. Isso traz mais<br />
riqueza melódica”.<br />
Ainda assim Armés fica surpreendido<br />
quando lhe dizemos que as melodias<br />
são um <strong>dos</strong> pontos fortes da<br />
banda. Está mais habituado a que lhe<br />
gabem os riffs, e fartou-se <strong>de</strong> trabalhar<br />
para conseguir melhorar o <strong>de</strong>sempenho<br />
vocal. “Tivemos duas fases<br />
<strong>de</strong> gravações”, conta, “e as vozes ficaram<br />
para a segunda. Fartei-me <strong>de</strong><br />
experimentar maneiras diferentes <strong>de</strong><br />
cantar, aqui mais sussurrado, aqui<br />
mais cantado, ali mais berrado”.<br />
Os Feromona queriam “um disco<br />
mesmo bem feito”, forma a<strong>de</strong>quada<br />
<strong>de</strong> dizer: tudo no sítio. Armés escreveu<br />
as canções <strong>de</strong> modo “a <strong>de</strong>ixar<br />
espaço para a inventivida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> outros<br />
músicos” e “a não <strong>de</strong>ixar as canções<br />
fechadas numa malha”. Não<br />
queria repetições, não queria “um<br />
simples crescendo <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong>”<br />
em cada canção quando podia ter<br />
“oscilações rítmicas”. Também havia<br />
uma segunda preocupação que, no<br />
fundo, parece ser a sua gran<strong>de</strong> paixão:<br />
“Conseguir ser torcido e bonito<br />
com as palavras” no intervalo <strong>de</strong> três<br />
minutos. “Isso é das coisas mais belas<br />
que po<strong>de</strong>s ter”, diz.<br />
Torcido e bonito, ou sujo e belo: a<br />
música <strong>dos</strong> Feromona é esse belo encontro<br />
<strong>de</strong> opostos. Como uma banda<br />
chamar-se Feromona e <strong>de</strong>pois ter<br />
groupies que não lhes atiram soutiens.<br />
Que vergonha, meninas.<br />
Ver agenda <strong>de</strong> espectáculos págs. 56 e<br />
segs.
As <strong>de</strong>scobertas <strong>de</strong> Fausto<br />
pela terra <strong>de</strong>ntro<br />
Em estreia absoluta, Fausto Bordalo Dias apresenta amanhã no CCB oito canções do disco que<br />
há-<strong>de</strong> completar a Trilogia iniciada em “Por Este Rio Acima”, ainda inédito. As <strong>de</strong>scobertas<br />
começadas no mar entram agora terra <strong>de</strong>ntro, num turbilhão fantástico. Nuno Pacheco<br />
Música<br />
24 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
Na sala <strong>de</strong> ensaio ainda se buscam<br />
sons. As teclas arriscam-nos, uma,<br />
duas vezes, num glissando que se vai<br />
aperfeiçoando. “Isto para mim é a<br />
onda, a entrada no rio e a vaga <strong>de</strong><br />
calor que eles sentem”, diz Fausto aos<br />
músicos. E à sala afluem Zurara, Cadamosto,<br />
Men<strong>de</strong>s Pinto, Diogo Gomes,<br />
é como se estivessem to<strong>dos</strong> ali,<br />
longe e perto, na bruma que já se dissipou,<br />
a olhar o horizonte para lá das<br />
pare<strong>de</strong>s pouco iluminadas. E a voz a<br />
retomar, enfim, o fio da história: “E<br />
fomos pela água do rio/ em busca daquela<br />
terra…”<br />
Quem conhece a obra <strong>de</strong> Fausto<br />
Bordalo Dias, sabe ao que vem. São<br />
milhares <strong>de</strong> horas <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação e estudo<br />
intenso, <strong>de</strong> criação febril, <strong>de</strong><br />
pausas sem tréguas ao pensamento.<br />
“Por Este Rio Acima”, em 1982, abriu<br />
caminho pela porta gran<strong>de</strong>. “Crónicas<br />
da Terra Ar<strong>de</strong>nte”, em 1994, <strong>de</strong>u-lhe<br />
continuida<strong>de</strong>, somando-lhe novos<br />
momentos <strong>de</strong> génio. O terceiro tomo<br />
da Trilogia assoma agora pela primeira<br />
vez, em oito canções inéditas. Há<br />
mais, já feitas. Mas só estas serão dadas<br />
amanhã a conhecer, pela primeira<br />
vez, no palco do CCB, em <strong>Lisboa</strong>.<br />
Uma <strong>de</strong>las, apenas uma, já correu<br />
mundo noutra voz: a <strong>de</strong> Ana Moura.<br />
Fausto já a tinha escrito, ce<strong>de</strong>u-lha e<br />
ela gravou-a, com êxito. As outras<br />
<strong>de</strong>scobrimo-las agora. E logo no início<br />
do espectáculo, que é por elas que<br />
começa. “E fomos pela água do rio”,<br />
“Velas e navios sobre as águas”, “E<br />
viemos nasci<strong>dos</strong> do mar”, “Nos palmares<br />
das baías”, “Fascínio e sedução”,<br />
“À luz mais frágil das auroras”,<br />
“À sombra das ciladas”, e, num salto<br />
mais para a frente no futuro disco,<br />
“Por altas terras <strong>de</strong> montanhas”. Só<br />
<strong>de</strong>pois virão temas <strong>dos</strong> discos anteriores,<br />
do fim para o princípio. Mas<br />
há um fim?<br />
Fausto diz: “Não sigo a or<strong>de</strong>m <strong>dos</strong><br />
relatos mas uma sequência cinematográfica<br />
da viagem, atravessando os<br />
relatos, colocando as canções correspon<strong>de</strong>ntes.<br />
Há naufrágios que foram<br />
à partida e outros que foram no regresso,<br />
como o do Sepúlveda.” Em<br />
síntese, vê assim a trilogia: “O ‘Por<br />
Este Rio Acima’ fundamentalmente é<br />
a água, é o mar. O ‘Crónicas’ é a aproximação<br />
à terra. E este novo disco é<br />
a entrada, <strong>de</strong>finitiva, pelo continente<br />
a<strong>de</strong>ntro.” Mas não é simples memória,<br />
este trabalho <strong>de</strong> minúcia sobre<br />
um passado riquíssimo: “A história<br />
respira aqui, mas o que aconteceu no<br />
passado ainda acontece hoje. É essa<br />
a minha gran<strong>de</strong> intenção, dizer que<br />
tudo isto é actual e se passa ainda à<br />
nos-sa frente.” Exemplos? “Quando<br />
falei sobre o Fernão Men<strong>de</strong>s Pinto<br />
transportei-o para os tempos actuais,<br />
porque a diáspora portuguesa continua.<br />
Aliás, incentivou-se agora: há<br />
portugueses que chegam a África pe-<br />
la primeira vez. No caso concreto da<br />
escravatura, ela continua a existir. No<br />
Sudão, na Arábia Saudita.”<br />
Viajar pelo sonho<br />
Nesta viagem, várias coisas chamaram<br />
a atenção do compositor. “Uma foi o<br />
sistema da escravatura, já a funcionar<br />
na sua ‘perfeição’ plena. Os portugueses<br />
ficaram espanta<strong>dos</strong> quando viram<br />
pessoas a serem trocadas por animais.”<br />
Outra foi o Preste João das Índias.<br />
“Era mítico, era uma lenda, e no<br />
entanto eles encontraram-no. Tinha<br />
práticas religiosas, cristãs, mas muito<br />
diferentes das que se praticavam. Não<br />
era um rei <strong>de</strong> palácios, era um rei nó-<br />
“‘Por Este Rio Acima’<br />
é a água, é o mar.<br />
‘Crónicas’ é a<br />
aproximação à terra.<br />
E este novo disco<br />
é a entrada pelo<br />
continente a<strong>de</strong>ntro”<br />
FERNANDO VELUDO/NFACTOS<br />
mada. Vivia um pouco em acampamentos<br />
que se iam montando, com a<br />
pompa que eles podiam aproveitar.<br />
O que era impressionante para os portugueses,<br />
e o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ficalho dá<br />
disso conta, é que as festas <strong>de</strong>les redundavam<br />
em gran<strong>de</strong>s bacanais.” E<br />
esse é outro ponto, o sexo.“Uma das<br />
primeiras coisas que nos relatos transparecem,<br />
quando vêem as gentes das<br />
terras on<strong>de</strong> vão, são as mulheres.<br />
Compreen<strong>de</strong>-se. As viagens eram longas<br />
no mar e ali viam mulheres que<br />
eles, to<strong>dos</strong> eles, diziam que eram lindíssimas<br />
e que se apresentavam <strong>de</strong><br />
forma escultural, não estavam vestidas<br />
do pescoço aos pés.”<br />
De tal modo que raptaram uma. “Se<br />
houvesse marcianos e chegássemos<br />
a Marte, tentaríamos trazer um marciano<br />
para mostrar às pessoas.” Eles<br />
fizeram o mesmo: “Não tendo ainda<br />
a noção do esclavagismo nem <strong>de</strong> que<br />
os escravos podiam ser importantes<br />
como força <strong>de</strong> trabalho, tentaram levar<br />
alguém para mostrarem como<br />
eram as pessoas que habitavam aquelas<br />
terras.” Numa das novas canções,<br />
Fausto recria esse momento da história,<br />
<strong>de</strong>screvendo-o assim: “Ó que negra<br />
mais linda/ cingimos agora/ suavemente<br />
levada/ à luz mais frágil das<br />
auroras”. “Não esquecendo a violência<br />
do acto, este tema tenta mostrar<br />
a forma cuidada como eles levam a<br />
pessoa, no caso uma mulher.”<br />
O novo disco levou-o, ainda, a uma<br />
velha paixão. “Entre os meus 10 e os<br />
meus 17/18 anos não perdoava nenhuma<br />
viagem entre Nova <strong>Lisboa</strong> [hoje<br />
Huambo] e Silva Porto [hoje Kuito] sem<br />
ir à casa do Silva Porto. Sabia-o um homem<br />
<strong>de</strong> barbas longas, um explorador<br />
que <strong>de</strong>morava seis meses a viajar do<br />
Bié para o Lobito, on<strong>de</strong> fazia o seu negócio,<br />
à base <strong>de</strong> pequeno comércio.<br />
Lembro-me bem da casa, porque me<br />
encantava: era uma casa europeia mas<br />
feita <strong>de</strong> adobe e colmo, uma cubata<br />
rectangular com uma paliçada, por<br />
causa das feras, e ro<strong>de</strong>ada <strong>de</strong> laranjeiras,<br />
um símbolo <strong>de</strong> Portugal.”<br />
A recriar esta viagem em 22 canções<br />
estarão no palco, com Fausto<br />
(voz e guitarra), João Maló (guitarra),<br />
Miguel Fevereiro (guitarra), Filipe Raposo<br />
(piano), Enzo D’Aversa (tecla<strong>dos</strong>,<br />
acor<strong>de</strong>ão), Vitor Milhanas (baixo) e<br />
Mário João Santos (bateria). Arranjos<br />
e direcção musical são <strong>de</strong> José Mário<br />
Branco, seu parceiro na aventura <strong>dos</strong><br />
Três Cantos.<br />
Da viagem, há ainda um ponto a<br />
reter: “Não vou chegar à parte da instalação<br />
<strong>de</strong> um sistema e administração<br />
colonial, nem quero. Até porque foi<br />
tardio. Eu privilegiei aqueles que viajaram<br />
pelo sonho, ainda que houvesse<br />
conflitos. Pelo sonho do conhecimento,<br />
do contacto com outros povos.”<br />
Como Silva Porto, seu herói.<br />
Quem conhece<br />
a obra <strong>de</strong><br />
Fausto<br />
Bordalo Dias,<br />
sabe ao que<br />
vem. São<br />
milhares <strong>de</strong><br />
horas <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>dicação e<br />
estudo<br />
intenso, <strong>de</strong><br />
criação febril,<br />
<strong>de</strong> pausas sem<br />
tréguas ao<br />
pensamento
VIVA A SARDINHA!<br />
14 MAIO / 15 JULHO<br />
FESTA DO FADO<br />
3 A 27 JUNHO<br />
PÔR-DO-FADO<br />
3, 10, 17, E 24 JUNHO, 19H MUSEU DO FADO M/3<br />
24 JOSÉ MANUEL NETO CONVIDA RÃO KYAO<br />
FADO NO CASTELO<br />
4, 5, 11, 18, 19, 25 E 26 JUNHO, 22H CASTELO DE SÃO JORGE 12,5 M/3<br />
18 PAULO DE CARVALHO CONVIDA ANA SOFIA VARELA<br />
19 JOÃO FERREIRA ROSA, MARIA DA FÉ, BEATRIZ DA CONCEIÇÃO<br />
E MARIA DA NAZARÉ CONVIDAM ARGENTINA SANTOS<br />
25 RICARDO PARREIRA CONVIDA CANTORES DE COIMBRA:<br />
PROF. MACHADO SOARES, DR. LUÍS GÓIS E ANTÓNIO ATAÍDE<br />
NOITES DE FADO<br />
5, 12, 19 E 26 JUNHO, 22H FÁBRICA BRAÇO DE PRATA 8 M/16<br />
HÉLDER MOUTINHO, RICARDO PARREIRA,<br />
MARCO OLIVEIRA E YAMI<br />
NO ADRO DA IGREJA<br />
RODRIGO<br />
6, 20, 27 JUNHO MIRADOURO DE SANTO ESTÊVÃO M/3<br />
FERNANDO SILVA, JAIME SANTOS E ANTÓNIO MOLIÇAS<br />
NOITES DE FADO<br />
8, 15 E 22 JUNHO, 23H CHAPITÔ M/16<br />
RICARDO ROCHA, MARCO OLIVEIRA E JOÃO PENEDO<br />
O FADO E A REPÚBLICA<br />
JUNHO E JULHO, TERÇA A DOMINGO, 10H ÀS 18H MUSEU DO FADO PARA TODAS AS IDADES<br />
JUNHO E JULHO, SEGUNDA A SÁBADO, 14H ÀS 20H SOCIEDADE NACIONAL DE BELAS ARTES PARA TODAS AS IDADES<br />
EXPOSIÇÃO<br />
OUTRAS CENAS<br />
16 A 20 JUNHO<br />
(1)<br />
THE COLD TURKEY SESSIONS<br />
17 A 20 JUNHO, 18H ÀS 20H ALKANTARA FESTIVAL 2010<br />
(2)<br />
A CIDADE DE LISBOA<br />
EM LUIZ RUFFATO<br />
18 JUNHO, 19H CASA DA AMÉRICA LATINA<br />
(3)<br />
ARRAIAL LATINO-AMERICANO<br />
19 E 20 JUNHO, 14H À 01H; 10H ÀS 18H30 CASA DA<br />
AMÉRICA LATINA<br />
(4)<br />
LISBOA: O QUE O TURISTA<br />
DEVE VER<br />
17 A 20 JUNHO, 10H ÀS 18H CASSEFAZ<br />
(5)<br />
JOSÉ MIGUEL WISNIK<br />
E CONVIDADOS<br />
18 JUNHO, 21H30 CULTURGEST<br />
(6)<br />
FESTIVAL SILÊNCIO<br />
17 A 20 JUNHO GOETHE INSTITUT PORTUGAL,<br />
INSTITUTO FRANCO PORTUGUÊS E MUSICBOX<br />
(7)<br />
AOARLIVRE<br />
19 JUNHO, 15H ÀS 20H MARIA MATOS TEATRO MUNICIPAL<br />
(8)<br />
DOMINIC PÚBLIC<br />
ROGER BERNAT<br />
19 E 20 JUNHO, 21H30; 17H30 E 21H30 MARIA MATOS<br />
TEATRO MUNICIPAL<br />
TODA A PROGRAMAÇÃO EM<br />
WWW.FESTASDELISBOA.COM<br />
<br />
<br />
<br />
(9)<br />
KING PAI<br />
CAROLINE BERGERON<br />
18 E 19 JUNHO, 21H E 23H MUSEU DA MARIONETA<br />
(10)<br />
ACORDEM AS GUITARRAS<br />
16 A 18 JUNHO, 11H ÀS 18H MUSEU DO FADO<br />
(11)<br />
FESTIVAL CHOPIN<br />
16 A 19 JUNHO, 18H30; 21H SÃO LUIZ TEATRO<br />
MUNICIPAL E METROPOLITANA<br />
(12)<br />
IN-TEATRO CAMINO REAL<br />
19 E 20 JUNHO, 21H30 TEATRO DA GARAGEM<br />
(13)<br />
O TEATRO NO JARDIM<br />
BRINCADEIRAS E TEATRICES<br />
19 E 20 JUNHO, 11H TEATRO DA GARAGEM<br />
(14)<br />
TEATRO TEEN CLUBE<br />
DE TEATRO JOVEM<br />
19 E 20 JUNHO TEATRO DA GARAGEM<br />
(15)<br />
A DOR<br />
MARGUERITE DURAS<br />
18 A 20 JUNHO, 21H30; 16H TEATRO NACIONAL<br />
D. MARIA II<br />
<br />
silva!<strong>de</strong>signers
Luz e escuridão<br />
na vida do camarada Álvaro<br />
Carlos Brito, durante muitos anos lí<strong>de</strong>r parlamentar do PCP, afastado do partido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2002,<br />
escreveu as suas memórias <strong>de</strong> Álvaro Cunhal. Memórias que são sobretudo políticas, mesmo<br />
que salpicadas por relatos <strong>de</strong> episódios menos conheci<strong>dos</strong>. Um livro entre a paixão do<br />
militante bolchevique e a razão do dissi<strong>de</strong>nte comunista. José Manuel Fernan<strong>de</strong>s<br />
26 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon
Livros<br />
A última vez que Carlos Brito se encontrou<br />
com Álvaro Cunhal – o “camarada<br />
Álvaro” – foi em 2000. Fevereiro<br />
<strong>de</strong> 2000. Cinco anos antes do<br />
lí<strong>de</strong>r histórico <strong>dos</strong> comunistas portugueses<br />
morrer, a 13 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 2005.<br />
E <strong>de</strong>z anos antes <strong>de</strong> sentir que podia<br />
“escrever um livro sereno, e isento<br />
tanto quanto possível”.<br />
O livro chama-se “Álvaro Cunhal –<br />
Sete Fôlegos do Combatente” e apresenta-se<br />
como livro <strong>de</strong> memórias. Que<br />
só o é muito parcialmente: “Este é um<br />
livro político, sobre o pensamento<br />
político <strong>de</strong> alguém com quem convivi<br />
directamente 33 anos”, diz-nos Carlos<br />
Brito, que conheceu o secretário-geral<br />
do PCP no final <strong>de</strong> 1966, em Paris,<br />
apenas três meses <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter saído<br />
da prisão. “Detenho-me apenas em<br />
alguns episódios para as pessoas tomarem<br />
o pé, enten<strong>de</strong>rem o contexto.<br />
Esforcei-me sempre para dar pormenores<br />
que ajudam a compreen<strong>de</strong>r as<br />
posições que Cunhal foi tomando”.<br />
Entre esses pormenores está a <strong>de</strong>scrição<br />
<strong>de</strong>sse último encontro, pouco<br />
antes <strong>de</strong> se iniciar uma reunião do<br />
Comité Central (CC) do PCP. Nessa<br />
altura já Carlos Brito <strong>de</strong>ixara a direcção<br />
<strong>de</strong> topo do partido, retirando-se<br />
para Alcoutim (Algarve), e já Cunhal<br />
<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ara – mas ainda não vencera<br />
– a sua luta contra o sector renovador.<br />
Foi, apesar <strong>de</strong> tudo, uma conversa<br />
menos tensa do que a reunião do<br />
CC que se lhe seguiria. Álvaro Cunhal<br />
pedira-a para criticar um artigo que<br />
Carlos Brito escrevera para o “Avante!”<br />
sobre Luís Sá, o dirigente da ala<br />
renovadora que morrera, <strong>de</strong> síncope,<br />
quando trabalhava no seu gabinete<br />
da Soeiro Pereira Gomes. Brito queria<br />
organizar um seminário sobre a sua<br />
obra teórica, Cunhal estava frontalmente<br />
contra: “O Luís Sá não era leninista!”,<br />
disparou. E não ser leninista<br />
era, para o velho dirigente, um<br />
pecado capital.<br />
Depois <strong>de</strong>ste primeiro embate, a<br />
segunda parte da conversa foi mais<br />
tranquila. O antigo lí<strong>de</strong>r parlamentar<br />
do PCP explicou ao antigo secretáriogeral<br />
a sua proposta para abandonar<br />
o “marxismo-leninismo”, este escutou<br />
e, como Brito escreve no livro,<br />
separaram-se, <strong>de</strong>ixando Cunhal “a<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que era uma questão que não<br />
lhe repugnava consi<strong>de</strong>rar”. Falsa<br />
“Tem <strong>de</strong> se encontrar<br />
uma maneira <strong>de</strong><br />
o eleitorado não votar<br />
contra o socialismo.<br />
Po<strong>de</strong> votar contra um<br />
governo que não está<br />
a ser o melhor, mas<br />
sem abandonar<br />
o socialismo. Isso até<br />
hoje não se<br />
conseguiu”<br />
i<strong>de</strong>ia: horas <strong>de</strong>pois da conversa Álvaro<br />
Cunhal reproduziria, em plena<br />
reunião do Comité Central, o teor das<br />
suas propostas, sem i<strong>de</strong>ntificar o autor<br />
e “como um exemplo <strong>de</strong> posições<br />
que faziam perigar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do<br />
Partido e que era necessário combater<br />
urgentemente”.<br />
Si<strong>de</strong>rado, Carlos Brito confirmou<br />
na pele a <strong>de</strong>scrição que, pouco antes,<br />
lhe havia feito um membro da Comissão<br />
Política sobre a forma <strong>de</strong> actuar<br />
<strong>de</strong> Cunhal ao lidar com pontos <strong>de</strong> vista<br />
divergentes: “Desconfia da fartura!<br />
Isso é o seu esquema para tirar nabos<br />
da púcara: mostrar-se concordante<br />
para aprofundar tudo o que os seus<br />
interlocutores têm no pensamento.”<br />
Já o fizera antes com alguns elementos<br />
<strong>de</strong> um <strong>dos</strong> primeiros grupo <strong>de</strong> dissi<strong>de</strong>ntes,<br />
o “Grupo <strong>dos</strong> Seis”, que saíra<br />
do PCP quase <strong>de</strong>z anos antes, voltava<br />
a fazê-lo com Carlos Brito.<br />
Álvaro Cunhal travava então o seu<br />
último gran<strong>de</strong> combate, uma luta que<br />
<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou contra a direcção do<br />
próprio PCP e os princípios do documento<br />
“Novo Impulso”. “Depois <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ixar o cargo <strong>de</strong> secretário-geral há<br />
um novo fôlego que já não é <strong>de</strong>le, é<br />
da Comissão Política”, recorda Carlos<br />
Brito. “É o ‘Novo Impulso’ que, quando<br />
sai, Cunhal enten<strong>de</strong> representar a<br />
subversão do centralismo <strong>de</strong>mocrático”.<br />
O choque entre a ala renovadora e<br />
os chama<strong>dos</strong> ortodoxos saldou-se na<br />
A última vez que Carlos Brito se<br />
encontrou com Álvaro Cunhal<br />
foi em Fevereiro <strong>de</strong> 2000: cinco<br />
anos antes <strong>de</strong> Cunhal morrer, a<br />
13 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 2005, e <strong>de</strong>z anos<br />
antes <strong>de</strong> sentir que podia<br />
“escrever um livro sereno, e<br />
isento tanto quanto possível”<br />
vitória total <strong>dos</strong> ortodoxos, em boa<br />
parte graças à campanha que o antigo<br />
secretário-geral fez, com sessões <strong>de</strong><br />
esclarecimento por todo o país, a contestar<br />
a linha aprovada nos órgãos do<br />
partido. Luís Sá, que fora um <strong>dos</strong> principais<br />
impulsionadores da mudança<br />
e era a figura mais prestigiada da ala<br />
renovadora, morrera entretanto; o<br />
secretário-geral que suce<strong>de</strong>ra a<br />
Cunhal, Carlos Carvalhas, acabaria<br />
por se inclinar para os ortodoxos; e<br />
figuras como Edgar Teixeira ou Carlos<br />
Luís Figueira acabaram expulsos. Carlos<br />
Brito, então suspenso por 10 meses,<br />
<strong>de</strong>ixou passar esse período e,<br />
face à ausência <strong>de</strong> qualquer contacto,<br />
acabou por ficar, também ele, <strong>de</strong> fora<br />
do partido. E a assistir ao que,<br />
neste livro, <strong>de</strong>fine como uma “vitória<br />
à Pirro <strong>de</strong> que o PCP nunca<br />
mais se recompôs”.<br />
Compreen<strong>de</strong>-se por isso que tenha<br />
optado por não incluir este último<br />
combate <strong>de</strong> Álvaro Cunhal entre<br />
os “sete fôlegos do combatente”<br />
que i<strong>de</strong>ntifica. Para ele o<br />
velho lí<strong>de</strong>r comunista não mostrou,<br />
nesta última fase, nenhuma<br />
das qualida<strong>de</strong>s e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
inovação que o haviam distinguido<br />
nos momentos anteriores,<br />
apenas uma tenaz resistência<br />
à mudança.<br />
Porém, não será antes<br />
este último combate <strong>de</strong><br />
Cunhal um corolário das<br />
suas lutas anteriores?<br />
Não terá ele saído a terreiro<br />
porque, no fundo,<br />
não po<strong>de</strong> haver partido comunista<br />
sem leninismo?<br />
Carlos Brito recusa calorosamente<br />
este i<strong>de</strong>ia: “Os parti<strong>dos</strong> existiam antes<br />
<strong>de</strong> Lenine”, diz-nos. Mas, contrapomos...<br />
– Não eram a mesma coisa. O partido<br />
<strong>de</strong> Rosa Luxemburgo não era<br />
igual ao <strong>de</strong> Lenine…<br />
– Mesmo assim eram o movimento<br />
comunista.<br />
– Mas esse movimento comunista<br />
foi <strong>de</strong>pois muito padronizado à imagem<br />
do leninismo e do partido bolchevique<br />
pela III Internacional...<br />
– A III Internacional acabaria por<br />
<strong>de</strong>saparecer porque os parti<strong>dos</strong> queriam<br />
mais autonomia.<br />
– Sobram os exemplos <strong>dos</strong> parti-<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 27<br />
ENRIC VIVES-RUBIO
<strong>dos</strong> que <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser leninistas<br />
e, <strong>de</strong>pois, também <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser<br />
comunistas...<br />
– Não aceito que, para serem comunistas,<br />
os parti<strong>dos</strong> tenham <strong>de</strong> ser leninistas.<br />
Tem <strong>de</strong> haver outras formas<br />
<strong>de</strong> organização. Era nisso que acreditávamos<br />
e acreditamos. De resto, entre<br />
os renovadores, não houve evoluções<br />
para a social-<strong>de</strong>mocracia: hoje,<br />
os que não morreram entretanto, ou<br />
são comunistas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, ou<br />
estão no Bloco.<br />
Estratégias <strong>de</strong> vitória<br />
e <strong>de</strong> recuo<br />
Aos 77 anos Carlos Brito sente que continua<br />
a fazer parte <strong>de</strong>ste mundo e está<br />
contente com o impacto <strong>de</strong>ste livro,<br />
que <strong>de</strong>fine como uma “homenagem a<br />
Álvaro Cunhal”, mas à sua maneira,<br />
isto é, sublinhando o seu papel como<br />
dirigente mas <strong>de</strong>ixando também as<br />
suas críticas. “Álvaro Cunhal foi, sem<br />
dúvida, uma das figuras do último século,<br />
uma das figuras <strong>de</strong>stes 100 anos<br />
da República”. Uma figura que retrata<br />
utilizando <strong>de</strong> preferência as palavras<br />
– discursos, documentos políticos – do<br />
próprio Cunhal, se bem que enquadradas<br />
nos tais “sete fôlegos” que sistematizam<br />
a evolução do pensamento<br />
político e i<strong>de</strong>ológico e das posições<br />
tácticas do PCP e do seu lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
mea<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> anos 60.<br />
O primeiro <strong>de</strong>sses fôlegos foi o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
do conceito <strong>de</strong> “Revolução<br />
Democrática e Nacional”, realizado<br />
após a fuga <strong>de</strong> Peniche e eleição<br />
como secretário-geral. Na opinião <strong>de</strong><br />
Carlos Brito uma obra como “Rumo<br />
à Vitória”, informe preparatório do<br />
VI Congresso do PCP realizado em<br />
1965, permitiu “<strong>de</strong>nsificar o conteúdo<br />
revolucionário da luta antifascista” e<br />
teria gran<strong>de</strong> influência nos acontecimentos<br />
que levaram ao 25 <strong>de</strong> Abril e<br />
no período que imediatamente se lhe<br />
seguiu. “Chamámos-lhe a estratégia<br />
da vitória”, recorda o antigo <strong>de</strong>putado<br />
pelo distrito <strong>de</strong> Faro.<br />
O segundo, o terceiro e o quarto<br />
fôlegos <strong>de</strong> Cunhal coinci<strong>de</strong>m, na opinião<br />
<strong>de</strong> Carlos Brito, com momentos<br />
<strong>de</strong> inflexão na orientação do PCP durante<br />
o PREC, o período que vai do<br />
25 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1974 ao 25 <strong>de</strong> Novembro<br />
<strong>de</strong> 1975.<br />
No final <strong>de</strong> 1974 os comunistas reuniram-se<br />
no seu VII Congresso para<br />
adaptarem o seu programa aos “processos<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização e <strong>de</strong>scolonização”<br />
e tirarem partido da aceleração<br />
da revolução <strong>de</strong>corrente da <strong>de</strong>rrota<br />
<strong>dos</strong> spinolistas a 28 <strong>de</strong> Setembro.<br />
É nessa altura que se consagra na linha<br />
do PCP a “aliança povo-MFA”, mas o<br />
tom geral é <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>ração – não se fala<br />
nem em nacionalizações, nem em<br />
reforma agrária, fazem-se <strong>de</strong>saparecer<br />
as referências à “ditadura do proletariado”<br />
–, o que leva Carlos Brito a <strong>de</strong>finir<br />
este fôlego como correspon<strong>de</strong>ndo<br />
a um “recuo programático”.<br />
Depois veio “o avanço impetuoso<br />
do 11 <strong>de</strong> Março”, possibilitado pela<br />
aceleração da revolução portuguesa<br />
assente numa correlação <strong>de</strong> forças no<br />
seio das Forças Armadas que era favorável<br />
ao PCP e à chamada “esquerda<br />
militar”. Foi uma orientação que,<br />
para Brito, “permitiu a rápida explo-<br />
28 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
Carlos Brito confirmou na pele a<br />
<strong>de</strong>scrição que lhe havia feito<br />
um membro da Comissão<br />
Política sobre a forma <strong>de</strong> actuar<br />
<strong>de</strong> Cunhal ao lidar com pontos<br />
<strong>de</strong> vista divergentes:<br />
“Desconfia da fartura! Isso é o<br />
seu esquema para tirar nabos<br />
da púcara: mostrar-se<br />
concordante para aprofundar<br />
tudo o que os seus<br />
interlocutores têm no<br />
pensamento”<br />
ração da <strong>de</strong>rrota do novo golpe <strong>de</strong><br />
estado contra-revolucionário e <strong>de</strong>senvolver<br />
um ataque severo ao capitalismo<br />
monopolista, inscrevendo o caminho<br />
do socialismo como a perspectiva<br />
do processo revolucionário<br />
português”.<br />
Álvaro Cunhal perceberia contudo,<br />
bem antes do 25 <strong>de</strong> Novembro, que a<br />
correlação <strong>de</strong> forças não permitiria o<br />
salto para o cumprimento integral da<br />
“revolução <strong>de</strong>mocrática e nacional”<br />
e, a partir <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1975, começou<br />
a travar as suas tropas. Essa nova viragem<br />
correspon<strong>de</strong> ao que Carlos<br />
Brito <strong>de</strong>fine como “a linha conciliatória<br />
do Comité Central <strong>de</strong> Alhandra” e<br />
terá permitido ao PCP “retirar-se da<br />
confrontação entre militares”, assim<br />
“contribuindo <strong>de</strong>cisivamente para<br />
evitar a guerra civil e fazendo abortar<br />
os planos da reacção para apanhar o<br />
PCP na armadilha das aventuras militares<br />
esquerdistas”.<br />
Apesar <strong>de</strong>sta inflexão, durante muito<br />
tempo as relações entre o lí<strong>de</strong>r do<br />
PCP e o teórico do movimento <strong>dos</strong><br />
capitães, Melo Antunes, foram tensas.<br />
Não havia espaço para dois i<strong>de</strong>ólogos<br />
da revolução, pelo que não surpreen<strong>de</strong><br />
que o i<strong>de</strong>ólogo comunista tivesse<br />
entrado em choque com o i<strong>de</strong>ólogo<br />
da facção mo<strong>de</strong>rada do MFA e só tivesse<br />
começado a olhá-lo <strong>de</strong> forma<br />
mais benevolente quando, após o 25<br />
<strong>de</strong> Novembro, o autor do “documento<br />
<strong>dos</strong> Nove” apareceu na televisão a<br />
dizer que o PCP faz falta à construção<br />
da <strong>de</strong>mocracia e do socialismo.<br />
O revolucionário<br />
e o <strong>de</strong>mocrata<br />
Três episódios recorda<strong>dos</strong> por Carlos<br />
Brito retratam o espírito <strong>de</strong>sses tempos<br />
e como “o ambiente revolucionário,<br />
mesmo <strong>de</strong>pois do comité central<br />
<strong>de</strong> Alhandra, se respirava por todo o<br />
lado, no partido como nas ruas”.<br />
O primeiro foi o apoio do PCP à chamada<br />
FUP, Frente <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong> Popular,<br />
uma organização frentista dinamizada<br />
pelos militares da V Divisão e<br />
apoiada por to<strong>dos</strong> os parti<strong>dos</strong> esquerdistas<br />
na qual o próprio Carlos Brito,<br />
seguindo o que julgava serem as<br />
orientações <strong>de</strong> Álvaro Cunhal, envolveu<br />
o PCP. Mas este não gostou pois<br />
consi<strong>de</strong>rava que, na FUP, o PCP iria<br />
atrelado a uma organização esquerdista,<br />
pelo que o PCP logo se distanciaria<br />
daquela organização.<br />
O segundo foi ainda mais caricato:<br />
o pedido da direcção do MES à direcção<br />
do PCP para que os comunistas<br />
<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>assem “a insurreição”. Na<br />
análise da facção mais radical que<br />
acabara <strong>de</strong> tomar conta daquele mo-<br />
vimento da “esquerda socialista” “as<br />
condições estavam maduras” para o<br />
levantamento popular revolucionário<br />
e “era ao PCP que competia tomar a<br />
iniciativa”. Ora, como escreve Carlos<br />
Brito, “não existiam tais condições e,<br />
além <strong>de</strong> não ser essa a nossa linha,<br />
tínhamos bem presentes as trágicas<br />
consequências <strong>de</strong> qualquer erro <strong>de</strong><br />
cálculo neste domínio”.<br />
E o terceiro episódio teve raias <strong>de</strong><br />
dramatismo pois obrigou Carlos Brito<br />
a abandonar a Assembleia Constituinte<br />
antes <strong>de</strong> esta ser cercada pelos<br />
operários da construção civil em greve<br />
com o objectivo <strong>de</strong>, cá fora e em<br />
colaboração com outro dirigente comunista,<br />
José Magro, domar os impulsos<br />
mais radicais do movimento<br />
sindical. “Não conseguimos evitar o<br />
sequestro <strong>dos</strong> <strong>de</strong>puta<strong>dos</strong>, mas conseguimos<br />
impedir o assalto a São Bento,<br />
que em vários momentos esteve<br />
iminente, instigado por elementos<br />
esquerdistas, por dirigentes revolta<strong>dos</strong><br />
ou por simples trabalhadores em<br />
estado <strong>de</strong> exaltação”, recorda o antigo<br />
quadro do PCP.<br />
Por tudo isso Carlos Brito não tem<br />
dúvidas: “O que foi admirável foi a<br />
forma como Álvaro Cunhal conseguiu<br />
conter esses ânimos e evitar que o<br />
partido seguisse por um caminho<br />
aventureiro que o podia <strong>de</strong>struir. A<br />
forma como o fez foi admirável. As<br />
solicitações para acelerar encontravam-se<br />
a cada esquina. Tudo nos empurrava<br />
nessa direcção, mas ele não<br />
se <strong>de</strong>ixou ir.” Ou seja, o PCP resistiu<br />
à tentação do “assalto ao Palácio <strong>de</strong><br />
Inverno”.<br />
E não o fez apesar <strong>de</strong>, nessa época,<br />
Cunhal ainda <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r – e com ele o<br />
PCP – que em Portugal não haveria<br />
uma <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong> tipo oci<strong>de</strong>ntal. A<br />
sua aceitação <strong>de</strong> que o nosso país seria<br />
um país normal, integrado na Europa,<br />
<strong>de</strong>moraria ainda algum tempo. De<br />
resto, como recorda este seu antigo<br />
companheiro, o “revolucionário” nunca<br />
ce<strong>de</strong>u completamente o lugar ao<br />
“<strong>de</strong>mocrata”, mesmo quando, a seguir<br />
ao 25 <strong>de</strong> Novembro, a <strong>de</strong>fesa da<br />
Constituição tomou, no discurso do<br />
PCP, o lugar da <strong>de</strong>fesa da revolução.<br />
Foi o que Carlos Brito <strong>de</strong>fine como<br />
o quinto fôlego, o da “valorização<br />
revolucionária da Constituição”. Os<br />
comunistas fazem então do texto<br />
fundamental a sua trincheira, mas<br />
sem conseguirem evitar a sua progressiva<br />
alteração sempre em sentido<br />
contrário ao que <strong>de</strong>fendiam. O<br />
que não surpreen<strong>de</strong> pois “não havia<br />
nenhuma tentativa <strong>de</strong> negociação<br />
séria com quem <strong>de</strong>tinha a força eleitoral,<br />
o PS”.<br />
Pelo contrário: numa nova inflexão<br />
<strong>de</strong>finida nestas memórias como um<br />
“sexto fôlego”, o PCP apoia a criação<br />
<strong>de</strong> um novo partido, o PRD, cujo objectivo<br />
era reduzir o peso eleitoral <strong>dos</strong><br />
dois parti<strong>dos</strong> do Bloco Central mas<br />
que se viraria contra o próprio PCP.<br />
Trata-se da corporização da teoria do<br />
“corpo social politicamente vazio”,<br />
formulada em 1983 e que levaria os<br />
comunistas a recolherem assinaturas<br />
para a legalização do partido inspirado<br />
por Ramalho Eanes e a juntaremse<br />
a ele e a dissi<strong>de</strong>ntes do PS na candidatura<br />
<strong>de</strong> Salgado Zenha. Com estas<br />
manobras o PCP não só não conseguiu<br />
evitar a eleição <strong>de</strong> Mário Soares<br />
para a Presidência da República – um<br />
Mário Soares que, a par com Santiago<br />
Carrilho, sempre contou com a franca<br />
hostilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cunhal –, como acabaria<br />
por favorecer o terramoto eleitoral<br />
<strong>de</strong> que resultou a primeira maioria<br />
absoluta <strong>de</strong> Cavaco Silva.<br />
É por isso já numa situação difícil,<br />
internamente em perda eleitoral e<br />
num quadro internacional marcado<br />
pela Perestroika, que Álvaro Cunhal<br />
surpreen<strong>de</strong> o próprio Carlos Brito ao<br />
avançar com “a i<strong>de</strong>ia da <strong>de</strong>mocracia<br />
avançada no limiar do século XXI”,<br />
um sétimo e <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro “fôlego” on<strong>de</strong><br />
a principal novida<strong>de</strong> seria “o novo<br />
tratamento da liberda<strong>de</strong> política como<br />
um pilar do projecto comunista<br />
em Portugal”.<br />
“Trata-se <strong>de</strong> um ensaio renovador,<br />
<strong>de</strong> um ensaio que tem profundida<strong>de</strong>,<br />
mas que foi submerso pelos episódios<br />
<strong>de</strong> disciplina interna”, recorda-nos<br />
Brito. E que episódios: logo na reunião<br />
do Comité Central em que esse<br />
documento foi aprovado esteve também<br />
em discussão o comportamento<br />
<strong>de</strong> Zita Seabra, e a dureza com que<br />
esta foi tratada faria com que essa<br />
reunião ficasse conhecida como a do<br />
“julgamento <strong>de</strong> Zita Seabra”. Fora do<br />
PCP ninguém <strong>de</strong>u por isso pela viragem<br />
teórica, e mesmo <strong>de</strong>ntro do partido<br />
ela passou <strong>de</strong>spercebida. Toda a<br />
atenção estava focada nas divergências<br />
entre a direcção política e os<br />
membros do “Grupo <strong>dos</strong> Seis” e da<br />
“Terceira Via”. To<strong>dos</strong> os títulos eram<br />
para a forma implacável como, no<br />
PCP, se entendia a disciplina interna.
A sua [<strong>de</strong> Cunhal]<br />
aceitação <strong>de</strong> que<br />
o nosso país seria um<br />
país normal,<br />
integrado na Europa,<br />
<strong>de</strong>moraria ainda<br />
algum tempo. De<br />
resto, como recorda<br />
este seu antigo<br />
companheiro [Brito],<br />
o “revolucionário”<br />
nunca ce<strong>de</strong>u<br />
completamente o<br />
lugar ao “<strong>de</strong>mocrata”,<br />
mesmo quando,<br />
a seguir ao 25<br />
<strong>de</strong> Novembro, a <strong>de</strong>fesa<br />
da Constituição<br />
tomou, no discurso do<br />
PCP, o lugar da <strong>de</strong>fesa<br />
da revolução<br />
E todas as pulsões iam no sentido do<br />
regresso à ortodoxia, como se tornou<br />
evi<strong>de</strong>nte no apoio prestado aos golpistas<br />
que, em Agosto <strong>de</strong> 1991, tentaram<br />
<strong>de</strong>rrubar Gorbatchev.<br />
Nessa altura o afastamento entre<br />
Brito e Cunhal já é notório, sendo sintomática<br />
a aproximação do primeiro<br />
a Luís Sá, o primeiro nome escolhido<br />
para secretário-geral adjunto mas que<br />
recusou, apesar das muitas insistências<br />
do próprio. Nessa época Brito morava<br />
num T0 na Cruz Quebrada e Luís Sá<br />
numa água-furtada no Dafundo, e às<br />
vezes juntavam-se para jantar. “Costumávamos<br />
brincar com a frugalida<strong>de</strong><br />
das nossas residências”, conta Carlos<br />
Brito. “Ah! Se a imprensa burguesa sou-<br />
apresenta<br />
PQ.MARECHAL<br />
CARMONA<br />
CHRIS ISAAK<br />
5JUL<br />
besse das residências sumptuosas em<br />
que vivem os responsáveis <strong>dos</strong> Partido<br />
no parlamento e nas autarquias!?”<br />
Foi <strong>de</strong>ssas conversas que nasceu o<br />
poema “As Dúvidas” – “Não basta ter<br />
por fito um i<strong>de</strong>al/como aves através<br />
<strong>dos</strong> continentes/cegas a tudo menos<br />
à chega/Neste voo migratório horizontal/no<br />
olhar atento para as gentes/<br />
sabe-se tudo mas não se sabe nada”<br />
–, texto que não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> incomodar<br />
Cunhal. Porém, apesar <strong>de</strong>ssa<br />
proximida<strong>de</strong>, Carlos Brito ainda<br />
hoje não sabe explicar porque é que<br />
Luís Sá, <strong>de</strong>z anos antes do velho lí<strong>de</strong>r<br />
o acusar <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> leninismo, não<br />
quis assumir o lugar <strong>de</strong> secretárioadjunto.<br />
ANTÓNIO PINHO VARGAS LAURENT FILIPE<br />
PQ.MARECHAL<br />
CARMONA<br />
NOITE DE JAZZ<br />
EM PORTUGUÊS<br />
17JUL<br />
“Seria por sentir que o Álvaro o<br />
queria mais perto <strong>de</strong> si do que ele<br />
próprio queria estar?”, aventa Brito.<br />
“O Luís <strong>de</strong>fendia que era necessário<br />
dar mais importância a Marx no trabalho<br />
teórico do partido, em especial<br />
no que respeita às liberda<strong>de</strong>s formais...”<br />
Mais liberda<strong>de</strong>s formais. Ainda<br />
agora a pedra <strong>de</strong> toque para este velho<br />
militante. Ele que continua próximo<br />
do PCP porque com ele partilha<br />
“i<strong>de</strong>ais”, a começar “pela ambição<br />
<strong>de</strong> alcançar a justiça social numa socieda<strong>de</strong><br />
sem classes”, mas ele que<br />
também vive “a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que sem liberda<strong>de</strong><br />
não há socialismo”, pois<br />
acredita que “o socialismo po<strong>de</strong> e<br />
CASCAIS PQ.PALMELA 1JUL REGINA SPEKTOR<br />
HIPÓDROMO 13JUL NORAH JONES 22JUL MARIA BETHÂNIA / CELSO<br />
FONSECA 25JUL DIANA KRALL PQ.MARECHAL CARMONA 24JUL CORINNE<br />
BAILEY RAE 27JUL CLUB DES BELUGAS Orchestra 28JUL ELVIS COSTELLO<br />
& THE SUGARCANES 29JUL SOLOMON BURKE Special Guest JOSS STONE<br />
MAFRA JARDIM DO CERCO 20JUL DEOLINDA 23JUL ORQUESTRA BUENA<br />
VISTA SOCIAL CLUB® Feat. OMARA PORTUONDO<br />
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<strong>de</strong>ve ser construído no respeito pelo<br />
resultado das eleições”.<br />
Mesmo quando o eleitorado está<br />
contra o socialismo? “Tem <strong>de</strong> se encontrar<br />
uma maneira <strong>de</strong> o eleitorado<br />
não votar contra o socialismo. Po<strong>de</strong><br />
votar contra um governo que não está<br />
a ser o melhor, mas sem abandonar<br />
o socialismo. Isso até hoje não se conseguiu.”<br />
Pois não. E é talvez por ter regressado<br />
a esta “utopia primitiva” que<br />
Carlos Brito acabou por se afastar irremediavelmente<br />
<strong>de</strong> Álvaro Cunhal,<br />
um firme crente nas virtu<strong>de</strong>s do “socialismo<br />
científico” e <strong>de</strong> que o marxismo<br />
se <strong>de</strong>ve conjugar sempre com<br />
hífen e com leninismo.<br />
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Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 29
Livros<br />
Vasco Luís Curado,<br />
um Homero caçado<br />
30 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
Esta é a embaraçosa chegada à maturida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vergílio, o protagonista<br />
socialmente incapaz do romance “A Vida Verda<strong>de</strong>ira”. Entre a vida verda<strong>de</strong>ira<br />
e a escrita, Vasco Luís Curado, o autor, prefere a escrita. Quer ser<br />
Homero e não Ulisses: “Alguém tem <strong>de</strong> fazer este trabalho”. Raquel Ribeiro<br />
Vasco Luís Curado, psicólogo, já tinha<br />
publicado contos, e, há nove anos,<br />
um pequeno romance. Foi finalista<br />
do prémio Leya, recomendado para<br />
publicação. Mas o romance que agora<br />
sai na Dom Quixote, “A Vida Verda<strong>de</strong>ira”,<br />
era outro que estava na<br />
gaveta e que avança primeiro do que<br />
aquele que foi finalista. Há, portanto,<br />
outro livro, já terminado, “que po<strong>de</strong>rá<br />
aparecer um dia <strong>de</strong>stes”.<br />
Aos 38 anos, é quase um <strong>de</strong>sconhecido.<br />
Uma pesquisa com o seu nome<br />
no Google po<strong>de</strong> não dar quaisquer<br />
resulta<strong>dos</strong>. O autor cultiva esse anonimato:<br />
“É uma arte que nem to<strong>dos</strong><br />
dominam [risos]. Sou ten<strong>de</strong>ncialmen-<br />
te discreto. Já fiz mais esforço. No<br />
passado fazia mais, era tímido. Uma<br />
pessoa vence a sua timi<strong>de</strong>z quando<br />
<strong>de</strong>scobre que os outros têm mais o<br />
que fazer do que estar sempre a avaliar.”<br />
Vasco Luís Curado é tímido como<br />
Vergílio, o protagonista <strong>de</strong> “A Vida<br />
Verda<strong>de</strong>ira”. À primeira vista, este é<br />
um romance sobre um homem que<br />
vai <strong>de</strong>ixar a casa da sua infância, a<br />
última proprieda<strong>de</strong> que resiste ao<br />
avançar impie<strong>dos</strong>o <strong>de</strong> um urbanismo<br />
<strong>de</strong> prédios altos e marquises reluzentes.<br />
Mas, num segundo olhar, este<br />
romance já não é sobre essa casa,<br />
mas, nas palavras do autor, sobre Ver-<br />
gílio, “um jovem adulto, inexperiente,<br />
que se sente incompatibilizado com<br />
a vida comum. Teve uma mãe sobreprotectora<br />
e um pai com uma personalida<strong>de</strong><br />
fantasista e omnipotente que<br />
não o prepararam para a vida adulta.<br />
Tem tendência para se fechar num<br />
casulo <strong>de</strong> memórias e recordações <strong>de</strong><br />
infância. Tem dificulda<strong>de</strong> em <strong>de</strong>ixar<br />
o espaço da infância.”<br />
Vergílio está numa fase <strong>de</strong> transição<br />
para a vida adulta. É o momento <strong>de</strong><br />
sair da casa das memórias, e <strong>de</strong> construir<br />
uma outra, “feita <strong>de</strong> palavras”,<br />
explica Vasco Luís Curado. Vai assumir<br />
a escrita enquanto <strong>de</strong>stino, e, ao<br />
“assumir-se como escritor, vai habitar<br />
outro casulo protector”. A vida verda<strong>de</strong>ira<br />
é a escrita?<br />
As palavras <strong>de</strong> Herberto Hél<strong>de</strong>r<br />
(que o autor <strong>de</strong>sconhecia) po<strong>de</strong>riam<br />
ter sido ditas por Vergílio, assim: “Esta<br />
é realmente a minha embaraçosa<br />
chegada à maturida<strong>de</strong>. Não serve para<br />
espectáculo, nem dá como exemplo<br />
ou símbolo. Tenho <strong>de</strong> inventar a<br />
minha vida verda<strong>de</strong>ira.”<br />
A vida ou a escrita<br />
É fácil culpar a mãe e a irmã, mulheres<br />
da vida <strong>de</strong> Vergílio, pela sua total<br />
incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “afrontar a realida<strong>de</strong><br />
convencional, comum, quotidiana”.<br />
Primeiro a mãe, super-protectora,<br />
Finalista do<br />
Prémio Leya,<br />
psicólogo,<br />
Vasco Luís<br />
Curado diz<br />
que nasceu<br />
para escrever:<br />
os livros são<br />
as suas<br />
caçadas<br />
NUNO OLIVEIRA
or <strong>de</strong> leões<br />
que não o <strong>de</strong>ixa sair. A escola vai ser<br />
o gran<strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> ruptura: “Durante<br />
a infância, sente-se dividido entre a<br />
lealda<strong>de</strong> à mãe, ao seu mundo enclausurado,<br />
e o apelo da vida social, a começar<br />
pela escola. A escola é a gran<strong>de</strong><br />
instituição que vem tirar as crianças<br />
às suas mães”. Isto tem<br />
consequências sérias para Vergílio:<br />
vai viver sempre dividido, “culpabilizado,<br />
porque partir para o exterior é<br />
trair a mãe”. Mas é o próprio Vergílio<br />
que se agarra ao passado “para justificar<br />
a sua inacção, a sua inabilida<strong>de</strong>,<br />
a sua incompetência social”.<br />
A relação com a irmã, Irene, “parece<br />
mais doentia”, quase incestuosa.<br />
No limite, explica o escritor, “o incesto<br />
puro e duro é casar e ter filhos e<br />
copular com as irmãs, com a mãe,<br />
com as filhas, é não ir para o exterior<br />
e não fazer trocas com o exterior”.<br />
Este é um incesto metafórico, portanto:<br />
“Como ele está incompatibilizado<br />
com a vida social, quotidiana, real,<br />
agarra-se às figuras marcantes da infância”.<br />
Irene tem a iniciativa <strong>de</strong> romper<br />
com o irmão. “Ela amadurece<br />
mais <strong>de</strong>pressa e exorta-o a amadurecer.<br />
É assim que vejo este incesto simbólico<br />
entre eles. A dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong>le<br />
em crescer, em amadurecer, em partir<br />
para a vida real. É uma zona <strong>de</strong><br />
conforto que ele não quer <strong>de</strong>ixar. É a<br />
irmã que lhe garante a continuida<strong>de</strong><br />
nessa redoma”.<br />
Além da mãe e da irmã, Vergílio<br />
agarra-se às memórias da família:<br />
“Inscreve-se na ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> antepassa<strong>dos</strong><br />
para se ligar à própria história da<br />
humanida<strong>de</strong> que é outro casulo que<br />
ele constrói à sua volta, acompanhado<br />
pelos heróis míticos do passado,<br />
como Ulisses”. Sim, mas Ulisses era<br />
um guerreiro aventureiro, e Vergílio<br />
não sai <strong>de</strong> casa: “Ele é um Ulisses doméstico<br />
[risos], entre a cama on<strong>de</strong><br />
dorme, a cozinha, e o portão da quinta<br />
on<strong>de</strong> mora, passa por mil aventuras,<br />
mil errâncias. Gran<strong>de</strong>s odisseias<br />
po<strong>de</strong>m acontecer nesse percurso”. O<br />
imaginário <strong>de</strong> Vergílio está ligado ao<br />
seu pai, ao avô e ao bisavô, “antepassa<strong>dos</strong><br />
masculinos que ele vê como<br />
uma corrida <strong>de</strong> estafetas, em que uma<br />
geração passa o seu testemunho à geração<br />
seguinte”. O autor continua o<br />
seu cepticismo quanto às reais possibilida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> Vergílio passar o testemunho:<br />
“Não o imagino casado, passando<br />
o testemunho à geração seguinte,<br />
pelo menos não da maneira<br />
convencional, tendo filhos, sendo o<br />
exemplo moral para o filho, como o<br />
pai foi para ele. Nesta transição para<br />
o mundo exterior à família, duvido<br />
“Homens com<br />
quem nos cruzamos<br />
to<strong>dos</strong> os dias na rua<br />
combateram<br />
em África, cometeram<br />
massacres, e também<br />
tiveram actos<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> heroísmo.<br />
Recalcámos isso<br />
muito <strong>de</strong>pressa.<br />
Não me surpreen<strong>de</strong><br />
que haja antigos<br />
combatentes a viver<br />
na sombra. O país<br />
europeu não os quer<br />
ouvir”<br />
muito das capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sobrevivência<br />
<strong>de</strong>le.”<br />
Mas o legado <strong>de</strong> Vergílio (como o<br />
<strong>de</strong> Vasco Luís Curado, afinal) po<strong>de</strong>rá<br />
ser, ao participar nessa corrida <strong>de</strong> estafetas,<br />
passar o testemunho através<br />
da escrita. A vida verda<strong>de</strong>ira também<br />
po<strong>de</strong> ser um texto: “Seduz-me pensar<br />
que a nossa vida verda<strong>de</strong>ira não é esta<br />
que assumimos publicamente, certificada,<br />
com bilhete <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>,<br />
mas sim uma ficção que to<strong>dos</strong> nós<br />
construímos. Essa lenda que fazemos<br />
<strong>de</strong> nós próprios e <strong>dos</strong> outros. Temos<br />
tendência para ver os outros como<br />
figuras lendárias, os nossos pais, os<br />
nossos avós; construímos narrativas,<br />
episódios da mitologia familiar.”<br />
Por isso, sair <strong>de</strong> casa para a realida<strong>de</strong><br />
comum é difícil. No final, Vergílio<br />
sai da casa que acabou <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r, literalmente<br />
sai, e vai para o centro da<br />
cida<strong>de</strong>. Mas essa nova vida será tão<br />
difícil como caçar o leão que o Tio<br />
Horácio, que combateu na guerra colonial<br />
em Angola, lhe contou ser o<br />
rito <strong>de</strong> transição entre a infância e a<br />
vida adulta para algumas tribos bantu.<br />
Vergílio ainda vai ter <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r<br />
a caçar leões: “Simbolicamente, esta<br />
transição na sua vida é ele a sair para<br />
o mato para caçar o seu leão. A casa<br />
é a infância, e o que o espera lá fora<br />
é uma experiência <strong>de</strong>cisiva para alcançar<br />
outro modo <strong>de</strong> vida mais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />
O leão continua lá fora<br />
para ser caçado por ele.”<br />
Ulisses <strong>de</strong> Nambuangongo<br />
O Tio Horácio é uma das personagens<br />
mais marcantes <strong>de</strong> “A Vida Verda<strong>de</strong>ira”.<br />
Apesar <strong>de</strong> sabermos aquilo por<br />
que passou na guerra colonial em<br />
África, o autor nunca tem uma leitura<br />
crítica ou política <strong>de</strong>sses acontecimentos.<br />
Parece vir a calhar esta conversa,<br />
dias <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> António Barreto<br />
lembrar os combatentes no 10 <strong>de</strong> Junho,<br />
dias <strong>de</strong>pois das comemorações<br />
do 25º aniversário da a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> Portugal<br />
à CEE.<br />
Ao contrário do narrador, Vasco<br />
Luís Curado (que ainda hoje, como<br />
psicólogo, trabalha na Liga <strong>dos</strong> Combatentes)<br />
tem uma opinião. Foi uma<br />
escolha intencional, diz, não fazer<br />
juízos <strong>de</strong> valor sobre a guerra em África,<br />
no romance: “Estou mais interessado<br />
na experiência <strong>dos</strong> próprios<br />
combatentes do que nas leituras políticas<br />
que se possam fazer da guerra<br />
colonial. Procuro situar-me do ponto<br />
<strong>de</strong> vista do combatente, um homem,<br />
em geral, com pouca instrução e normalmente<br />
apolítico. Ouvi muitos combatentes<br />
como psicólogo, ouvi muitas<br />
histórias, contactei com muitos veteranos.”<br />
Curado admite que, 35 anos <strong>de</strong>pois<br />
do fim da guerra, “é altura <strong>de</strong> resgatar<br />
essas histórias”. À guerra colonial e à<br />
<strong>de</strong>scolonização Curado preten<strong>de</strong> voltar<br />
em futuros livros. É importante<br />
para compreen<strong>de</strong>r o Portugal <strong>de</strong> hoje:<br />
“Esquecemos que, há bem pouco<br />
tempo, homens com quem nos cruzamos<br />
to<strong>dos</strong> os dias na rua combateram<br />
em África, cometeram massacres<br />
e violações, e também tiveram actos<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>cência, e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> heroísmo.<br />
Recalcámos isso muito <strong>de</strong>pressa.<br />
A<strong>de</strong>rimos rapidamente ao<br />
projecto europeu, encerrámos o capítulo<br />
imperial. Por isso não me surpreen<strong>de</strong><br />
que haja pessoas por aí a<br />
viver na sombra, antigos combatentes.<br />
Parece que o país não os quer<br />
ouvir, o país europeu.”<br />
Talvez este seja o tempo <strong>de</strong> contar<br />
tudo isso, <strong>de</strong> falar <strong>dos</strong> tios Horácios<br />
das famílias portuguesas. Assim, a<br />
escrita é uma espécie <strong>de</strong> missão. Sim,<br />
ainda está a apren<strong>de</strong>r a caçar leões,<br />
mas a sua caçada “são os livros”: “Os<br />
livros que me expõem em entrevistas,<br />
me expõem ao exterior da minha redoma.<br />
A minha caçada do leão talvez<br />
sejam esses livros escritos e os livros<br />
por escrever”. Conta como Cervantes<br />
põe fim ao Dom Quixote: “Dom Quixote<br />
nasceu para viver e eu para escrever,<br />
disse Cervantes”.<br />
Vasco Luís Curado quer ser Homero<br />
e não Ulisses. “Eu serei aquele que<br />
escreve, alguém tem <strong>de</strong> fazer este trabalho.<br />
Há por aí novos Ulisses que<br />
combateram em Nambuangongo e<br />
que precisam <strong>dos</strong> seus Homeros.”<br />
Ver crítica <strong>de</strong> livros págs. 46 e segs.<br />
silva!<strong>de</strong>signers<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
JUN~1O<br />
27 JUN<br />
DOMINGO ÀS 12H30<br />
SALA PRINCIPAL<br />
ENTRADA LIVRE<br />
CO-PRODUÇÃO SLTM ~ ESCOLA DE MÚSICA<br />
DO CONSERVATÓRIO NACIONAL<br />
M/3<br />
orquestra<br />
gera<br />
ção<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />
ciclo<br />
novos<br />
X9<br />
“(...) Vejo isto como o começo <strong>de</strong> um futuro para mim. Eu a tocar em orquestras,<br />
ou sozinha. Só me vejo num palco cheio <strong>de</strong> gente à minha frente e eu ali a tocar.”<br />
Neusa Tavares, contrabaixista, in Diário <strong>de</strong> Notícias<br />
WWW.TEATROSAOLUIZ.PT<br />
ENTRADA SUJEITA À LOTAÇÃO DA SALA.<br />
BILHETES DISPONÍVEIS A PARTIR<br />
DAS 13H00 DO DIA ANTERIOR.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 31
Livros<br />
África do Sul E não<br />
32 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
Ninguém consegue escrever suficientemente<br />
rápido para contar uma história<br />
verda<strong>de</strong>ira, lamenta Rian Malan.<br />
Quem é Rian Malan? O “Hunther<br />
S. Thomson da África do Sul”, diz a<br />
capa do seu novo livro. O não-me-lixem-com-o-politicamente-correcto<br />
da África do Sul. O eu-não-sou-inglêsmas-a-“Spectator”-gosta-<strong>de</strong>-mim<br />
da<br />
África do Sul.<br />
Sim, a “Spectator” publica-lhe textos,<br />
apesar <strong>de</strong> ele ser um selvagem<br />
das colónias, um afrikaner que até<br />
tentou ser estrela rock aos 50 anos.<br />
E tudo isto significa que que quem<br />
o ler não corre gran<strong>de</strong> risco <strong>de</strong> se maçar,<br />
mas também que Rian Malan é o<br />
anti-Cristo para boa parte da Nova<br />
África do Sul.<br />
Nova África do Sul: Man<strong>de</strong>la, Mbeki<br />
e agora Zuma, o país que <strong>de</strong>rrubou o<br />
“apartheid” criado pelos avós <strong>de</strong> Rian<br />
Malan. Não que ele tenha sido um<br />
bom neto. Aos 12 anos já insultava o<br />
Partido Nacional. Aos 20 pirou-se para<br />
a Califórnia, escapando ao exército.<br />
Aos 30 voltou e escreveu o romance<br />
“My Traitor’s Heart”. Antes <strong>de</strong> ser um<br />
<strong>de</strong>salinhado na Nova África do Sul foi<br />
um <strong>de</strong>salinhado na Velha África do<br />
Sul. É um <strong>de</strong>salinhado, ponto, ou<br />
“uma revolução cultural <strong>de</strong> um só<br />
homem”, como diz a contracapa do<br />
seu novo livro.<br />
O seu novo livro: “Resi<strong>de</strong>nt Alien”<br />
( Jonathan Ball Publishers, 2009), título<br />
que já é todo um programa. Reúne<br />
textos publica<strong>dos</strong> até 2008<br />
(“Rolling Stone”, “Esquire”, “Observer”,<br />
“The Spectator”, “Sunday Telegraph”),<br />
cada um com o seu “post<br />
scriptum”, e to<strong>dos</strong> antecedi<strong>dos</strong> pela<br />
tal introdução em que Rian Malan faz<br />
suas estas palavras: “Ninguém consegue<br />
escrever suficientemente rápido<br />
para contar uma história verda<strong>de</strong>ira.”<br />
Não é um veredicto sobre as limitações<br />
da forma. No caso da África do<br />
Sul é mesmo a lei da natureza: não<br />
existe uma história verda<strong>de</strong>ira. Do<br />
ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Nadine Gordimer,<br />
as verda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Rian Malan serão heresias<br />
racistas, tal como do ponto <strong>de</strong><br />
Um branco que é o anti-Cristo. Uma branca que quer ser negra. Um negro que<br />
milagre diário, e to<strong>dos</strong> são poucos para a contar. Mas é o<br />
“Os brancos estavam<br />
prepara<strong>dos</strong> para<br />
o pior às mãos <strong>de</strong> um<br />
Governo negro.<br />
Não estavam era<br />
prepara<strong>dos</strong> para<br />
serem perdoa<strong>dos</strong>. Isso<br />
fez, e ainda faz, com<br />
que se sintam muito<br />
<strong>de</strong>sconfortáveis.”<br />
Antjie Krog<br />
vista <strong>de</strong> Rian Malan as verda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Nadine Gordimer são distorções para<br />
agradar ao Oci<strong>de</strong>nte.<br />
A África do Sul, diz ele, é aquele<br />
país on<strong>de</strong> as verda<strong>de</strong>s que se aniquilam<br />
umas às outras afinal não se aniquilam.<br />
E se vamos fazer um pequeno ramalhete<br />
com alguns livros publica<strong>dos</strong><br />
recentemente sobre a África do Sul,<br />
vale a pena entrar por aqui.<br />
Pois o que é que Rian Malan tem<br />
em comum com a sua compatriota<br />
Antjie Krog, além <strong>de</strong> serem brancos?<br />
Ou o que é que Rian Malan tem em<br />
comum com o seu compatriota negro<br />
Zakes Mda, além <strong>de</strong> serem homens?<br />
Ou o que é que Rian Malan tem em<br />
comum com o inglês Alec Russell e o<br />
americano Richard Stengel, além <strong>de</strong><br />
serem brancos, homens e jornalistas?<br />
Só mesmo escreverem sobre a África<br />
do Sul. E, entre apocalipse e paraíso,<br />
a África do Sul é um milagre diário,<br />
to<strong>dos</strong> são poucos para a contar.<br />
Então, para já, conheçam Rian Ma-<br />
lan. Aos 56 anos, vive em Joanesburgo<br />
com o seu cão Arabella e um currículo<br />
<strong>de</strong> ex-supermulheres: aquela<br />
que nos anos 80 esteve com ele na<br />
boémia <strong>de</strong> Yeoville e se recusou a partir<br />
quando os brancos fugiram do<br />
bairro; ou aquela a que ele chamava<br />
Con<strong>de</strong>ssa e um dia lhe disse: ou eu<br />
ou a sida. Malan estava doente mas<br />
com uma obsessão, mostrar que as<br />
notícias sobre a mortanda<strong>de</strong> da sida<br />
eram claramente exageradas. É talvez<br />
o seu momento mais anti-Cristo, entre<br />
vários — como quando fez uma<br />
guerra à Comissão <strong>de</strong> Verda<strong>de</strong> e Reconciliação,<br />
não porque o terror do<br />
“apartheid” não tivesse existido, mas<br />
porque também tinha existido, por<br />
exemplo, o terror <strong>dos</strong> gangues alegadamente<br />
li<strong>de</strong>ra<strong>dos</strong> por Winnie Man<strong>de</strong>la.<br />
Do frenesim do Soweto aos mergulhos<br />
no Cabo — passando por Robert<br />
Mugabe, Angola, blues ju<strong>de</strong>u ou mau<br />
rock —, a caveira que Rian Malan tem<br />
na mão é sempre a África do Sul, velha<br />
e nova, supersticiosa e “high tech”,<br />
essa adrenalina.<br />
No fim do “apartheid”, o que Malan<br />
pensou foi: “Aleluia! Libertação<br />
da Culpa! Redistribuição da Responsabilida<strong>de</strong>!”<br />
E <strong>de</strong>pois emocionou-se<br />
até às lágrimas a ver Man<strong>de</strong>la tomar<br />
posse.<br />
O pós-“apartheid”, avisou Malan,<br />
ia ser o apocalipse, a vingança <strong>dos</strong><br />
negros. Depois o apocalipse não veio,<br />
os negros perdoaram, e ele ficou com<br />
cara <strong>de</strong> parvo.<br />
A única saída é ser ele a dizer como<br />
ficou com cara <strong>de</strong> parvo, e ele diz.<br />
Um <strong>dos</strong> gran<strong>de</strong>s textos <strong>de</strong> “Resi<strong>de</strong>nt<br />
Alien” é sobre o Príncipe das<br />
Trevas, ou seja, J.M. Coetzee. Para<br />
Malan, Coetzee era a melhor coisa<br />
viva a escrever em inglês <strong>de</strong>baixo do<br />
sol. Um “liberal branco, <strong>de</strong>sagradado<br />
com o ‘apartheid’, mas não particularmente<br />
entusiástico quanto à revolução,<br />
também”. Nada <strong>de</strong> Viva Man<strong>de</strong>la.<br />
“As suas parábolas negras, veladas,<br />
davam-nos a sensação <strong>de</strong> que os<br />
nossos problemas não tinham solução,<br />
<strong>de</strong> que estávamos a caminho <strong>de</strong><br />
um pesa<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s a ar<strong>de</strong>r, es-<br />
tradas bloquedas, arame farpado e<br />
campos <strong>de</strong> concentração.” Um dia,<br />
Malan teve a possibilida<strong>de</strong> raríssima<br />
<strong>de</strong> entrevistar Coetzee. Foi um <strong>de</strong>sastre<br />
tal que acabou a perguntar: “De<br />
que género <strong>de</strong> música gosta?”<br />
Coetzee simplesmente rabiscava<br />
num ca<strong>de</strong>rno e respondia nada. Depois<br />
escreveu “Desgraça”, um livro<br />
que mostra como “os brancos levarão<br />
séculos a viver as consequências <strong>de</strong><br />
séculos <strong>de</strong> opressão”, resume Malan,<br />
“e quem queria ouvir isso?” E <strong>de</strong>pois<br />
foi viver para a Austrália, “um lugar<br />
on<strong>de</strong> um intelectual não tem nada <strong>de</strong><br />
melhor para fazer do que meter-se<br />
em polémicas tontas sobre vegetarianismo”.<br />
Em suma, o Príncipe das<br />
Trevas não coube na Nova África do<br />
Sul, ou vice-versa.<br />
Mas, até ver, Rian Malan, esse falso<br />
cínico, cabe. A dádiva <strong>de</strong> 1994 — eleições<br />
livres, <strong>de</strong>mocracia, fim do “apartheid”<br />
— foi tão enorme que ele nem<br />
conseguiu dizer obrigado. “Mas tenho<br />
orgulho em dizê-lo agora”, escreveu<br />
<strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois.<br />
E lá continua em Joanesburgo, a<br />
“cida<strong>de</strong> mais interessante do mundo”,<br />
não sabemos se ainda com o seu<br />
cão Arabella (será uma ca<strong>de</strong>la?), porque<br />
ficou <strong>de</strong> se encontrar com o Ípsilon<br />
algures entre os bares <strong>de</strong> Melville<br />
e <strong>de</strong>pois nunca aten<strong>de</strong>u o telemóvel.<br />
Brancos e negros<br />
Mil e tal quilómetros para Sul, na Cida<strong>de</strong><br />
do Cabo, não tivemos mais sorte<br />
com Antjie Krog, mas a troca <strong>de</strong><br />
mails com a editora talvez nunca lhe<br />
tenha chegado.<br />
Krog é uma antítese <strong>de</strong> Malan. Uma<br />
afrikaner da mesma geração que, em<br />
vez <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>salinhada, militou contra<br />
o “apartheid” ao ponto <strong>de</strong> levar o marido<br />
e os quatro filhos para um bairro<br />
pobre, dar aulas numa escola negra,<br />
apoiar a luta armada do ANC e correr<br />
riscos pelos camaradas. Uma esquerdista<br />
<strong>de</strong>masiado preocupada com “o<br />
que está moralmente certo” para ter<br />
graça, acharia a “Spectator”.<br />
Mas, surpresa, Krog também tem<br />
graça.
o foi o apocalipse<br />
escreve histórias para fora. E aquilo que os <strong>de</strong> fora escrevem. A África do Sul é um<br />
que fazem alguns livros recentes. Alexandra Lucas Coelho<br />
O próprio título do seu novo livro,<br />
“Begging to Be Black” (Random House<br />
Struik, 2009), tem uma leitura<br />
auto-irónica. Porque quer pertencer<br />
à Nova África do Sul, ela está genuinamente<br />
empenhada em “ser negra”,<br />
no sentido <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o que é<br />
“ser negro”, mas todo o livro é uma<br />
interrogação sobre se isso é possível<br />
ou relevante. Uma interrogação pósmo<strong>de</strong>rna,<br />
que oscila entre relatos autobiográficos<br />
e a biografia <strong>de</strong> um rei<br />
africano oitocentista, atravessada por<br />
uma conversa com um filósofo sobre<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>senraizamento.<br />
“Tornar-se negra” ou “mais negra”<br />
será “partilhar a vulnerabilida<strong>de</strong> do<br />
corpo negro”, ver o mundo através<br />
do olhar negro e não da moldura<br />
branca liberal. E essa necessida<strong>de</strong><br />
vem da experiência <strong>de</strong> Krog como<br />
jornalista a cobrir a Comissão <strong>de</strong> Verda<strong>de</strong><br />
e Reconciliação, conduzida pelo<br />
arcebispo Desmond Tutu <strong>de</strong>pois<br />
do “apartheid”.<br />
“Estar com gente negra nos anos<br />
da luta fez-me sentir não branca nem<br />
negra, mas intensamente humana.”<br />
Depois, ouvir os relatos da Comissão,<br />
aquela capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perdoar os<br />
maiores horrores, fê-la <strong>de</strong>scobrir uma<br />
humanida<strong>de</strong> maior. “Os brancos estavam<br />
prepara<strong>dos</strong> para o pior às<br />
mãos <strong>de</strong> um Governo negro. Não estavam<br />
era prepara<strong>dos</strong> para serem<br />
perdoa<strong>dos</strong>. Isso fez, e ainda faz, com<br />
que se sintam muito <strong>de</strong>sconfortáveis.”<br />
Haverá algo <strong>de</strong> especificamente<br />
“negro” nesse perdão extraordinário?<br />
Seriam os brancos capazes <strong>de</strong>le?<br />
Po<strong>de</strong>rá ela, uma branca, alguma vez<br />
perceber isto?<br />
“Insi<strong>de</strong>rs” e “outsi<strong>de</strong>rs”<br />
Não são perguntas que Zakes Mda faça.<br />
Primeiro porque é negro, <strong>de</strong>pois<br />
porque conta histórias, e finalmente<br />
porque nas histórias <strong>de</strong>le há brancos<br />
pobres e negros arrivistas; brancos<br />
sujos e negros fanáticos da limpeza;<br />
brancos capazes <strong>de</strong> matar e <strong>de</strong>pois<br />
incapazes <strong>de</strong> matar um gato; negros<br />
incapazes <strong>de</strong> matar e <strong>de</strong>pois capazes<br />
<strong>de</strong> matar um gato.<br />
O seu último livro chama-se “Black<br />
Antjie Krog Quer “tornar-se<br />
negra” ou “mais negra”, para<br />
“partilhar a vulnerabilida<strong>de</strong> do<br />
corpo negro” e ver o mundo através<br />
<strong>de</strong>sse olhar<br />
Diamond” (Penguin ng ngui uin n Books Bo Book oks s South So S ut uth Africa,<br />
2009), título o que qu que e — como co como mo em eem<br />
m Rian<br />
Malan e Antjie tj tjie ie K<br />
KKro<br />
Krog ro rog g — é já j já t<br />
tod toda od oda da<br />
uma<br />
agenda. “Black ack ck k ddia<br />
diamonds” d ia iamo mo mond nd nds” s” s são ão os s negros<br />
novos-ricos riccos<br />
da<br />
a No Nova<br />
va ÁÁfr<br />
ÁÁfrica<br />
fric i a do<br />
Sul. Os fascina<strong>dos</strong> ina ad a<strong>dos</strong> os d<strong>dos</strong><br />
d<strong>dos</strong><br />
fatos fat at a os Ver Versace e sace<br />
que se tornaram aramm<br />
bilionários nos programas<br />
<strong>de</strong> disc discriminação criminação positiva.<br />
Don, o protagonista ago onista negro,<br />
o está<br />
mais interessado re ressad<br />
a o em cco<br />
coozinha do que e eem<br />
em m se ser um<br />
“black diamond”. ammo<br />
m nd nd”. ”.<br />
Kristin, a protago- pro r ttago<br />
gonista<br />
branca, a, eestá<br />
está tá<br />
mais interessada ssa s d da<br />
em combater ate te r<br />
bordéis do que ue<br />
em ter uma viida.<br />
De certa ta<br />
forma são dois ois<br />
“misfits”, e nna<br />
na a<br />
rota <strong>de</strong> colisão li l sã ão <strong>de</strong><br />
um para os bra braços aço ços do<br />
outro, Zakes s MMda<br />
Mda da faz<br />
az<br />
um “digest” ” da daa<br />
reali- rreali<br />
lida<strong>de</strong><br />
sul-africana, ic ican an na, a, crime,<br />
corrupção, pçã ção o, ten<br />
são racial, com om m ri ritmo<br />
<strong>de</strong> “escrita criativa” cr criia<br />
iativa”<br />
para estrangeiro ng ngei eiro<br />
ro ler.<br />
Um “insi<strong>de</strong>r” ” a escrever<br />
para fora.<br />
Rian Malan O pós-“apartheid”,<br />
avisou ele, ia ser o apocalipse.<br />
Depois o apocalipse não veio, os<br />
negros perdoaram, e ele ficou com<br />
cara <strong>de</strong> parvo<br />
Para uma panorâmica <strong>de</strong> “outsi<strong>de</strong>r”<br />
vale a pena o “After Man<strong>de</strong>la”,l<br />
la”, ” d<strong>de</strong> <strong>de</strong> Al Alec<br />
Ru Russ Russell ssel e l<br />
Zakes Mda Nas histórias <strong>de</strong>le há<br />
brancos pobres e negros arrivistas;<br />
brancos sujos e negros fanáticos da<br />
limpeza; brancos capazes <strong>de</strong> matar<br />
mas incapazes <strong>de</strong> matar um gato<br />
(Hutchinson, 2009), não-ficção tã tão ão<br />
sóbria e pertinente como se espera espe era<br />
<strong>de</strong> d<strong>de</strong> um corres- pon<strong>de</strong>nte d d ddo<br />
ddo<br />
“Finan- “F in ina n -<br />
ci cial<br />
al Ti- T TTi<br />
i<br />
mmes”, es”<br />
,<br />
dividid dividida da<br />
em capít capítutulos-tema, los-temma,<br />
Richard Stengel O biógrafo <strong>de</strong><br />
Man<strong>de</strong>la escreveu uma súmula do<br />
que apren<strong>de</strong>u com o lí<strong>de</strong>r sulafricano,<br />
e acha que to<strong>dos</strong> po<strong>de</strong>mos<br />
apren<strong>de</strong>r<br />
do <strong>de</strong> <strong>de</strong>sastre da primeira abordagem<br />
à sida<br />
às dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suce<strong>de</strong>r ao<br />
Santo Sant Man<strong>de</strong>la.<br />
Mas Ma Mas M como Man<strong>de</strong>la não era um san-<br />
to é<br />
o<br />
que mostra Richard Stengel<br />
num numm<br />
llivrinho<br />
que a Planeta traduziu<br />
rapidamente rapiid<br />
para português, e no<br />
original orig gin se chama “Man<strong>de</strong>la’s Way”<br />
(Virgin (Virggin<br />
Books, 2010; edição portugue-<br />
sa na n Planeta). Stengel, um editor da<br />
“Time”, “T “Tim im m foi o homem que durante<br />
anos an ano os seguiu Man<strong>de</strong>la para com ele<br />
escrever escrrev<br />
a autobiografia “Long Walk<br />
to Fr Freedom” (750 páginas que se lêem<br />
emm<br />
como água e <strong>de</strong>vem estar em<br />
qualquer qu q ramalhete intemporal<br />
sobre so a África do Sul). Este livro<br />
agora ag é uma espécie <strong>de</strong> súmula<br />
<strong>de</strong> d 15 lições do que Stengel apren<strong>de</strong>u<br />
d com Man<strong>de</strong>la, e acha que<br />
to<strong>dos</strong> t po<strong>de</strong>mos apren<strong>de</strong>r. Uma<br />
espécie e <strong>de</strong> “Sidharta” vivo.<br />
E o que emerge é a construção<br />
férrea <strong>de</strong> um homem que dominou<br />
no n tudo o que nele era enfraquecedor<br />
ce a longo prazo: impulsos,<br />
precipitações, p<br />
cólera. Alguém<br />
que q se tornou o melhor <strong>de</strong> to<strong>dos</strong><br />
nós, nós<br />
e saiu a tempo <strong>de</strong> isso fazer<br />
diferença diffe<br />
ao mundo. Foi o princípio<br />
da daa<br />
Nova N África do Sul, e a partir daí<br />
cada cad c um fará a sua verda<strong>de</strong>.<br />
A Nova África do Sul também<br />
são os novos-ricos negros, os<br />
“black diamonds”, que afinal<br />
não festejaram o fim do<br />
“apartheid” com vingança<br />
apocalíptica<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 33
László Moholy-Nagy:<br />
regresso ao artista t<br />
A lista é longa: fotógrafo, cineasta, cenografi sta, ensaísta, pedagogo... e podia continuar. A “estética<br />
<strong>de</strong> toda a criação <strong>de</strong> László Moholy-Nagy. É na sua “Arte da Luz” que o festival PHotoEspaña se<br />
o regresso a um <strong>dos</strong> artistas nucleares da primeira meta<strong>de</strong> do século XX. Sérgio B. Gomes em<br />
“Ellen Frank”, 1929; “Ascona,<br />
Itália”, 1930; “Militarismo”,<br />
poster <strong>de</strong> propaganda, 1924<br />
Se havia em Madrid um lugar perfeito<br />
para expor a obra eclética <strong>de</strong> László<br />
Moholy-Nagy (Bácsborsod, Hungria,<br />
1895 – Chicago, EUA, 1946), esse lugar<br />
era o Círculo <strong>de</strong> Bellas Artes (CBA), a<br />
casa que ostenta a estátua altaneira<br />
<strong>de</strong> Minerva, a <strong>de</strong>usa da guerra, da sabedoria<br />
e das artes. Uma casa multidisciplinar<br />
por excelência, para on<strong>de</strong><br />
confluem todo o tipo <strong>de</strong> manifestações<br />
criativas, sem filhos pródigos ou<br />
parentes pobres. É o mesmo tipo <strong>de</strong><br />
atitu<strong>de</strong> que norteou o percurso <strong>de</strong><br />
Moholy-Nagy como teórico, pedagogo,<br />
académico e criador em vários suportes<br />
que vão do cinema à pintura, do<br />
<strong>de</strong>senho gráfico à fotografia, da cenografia<br />
à escultura. Um labor intenso,<br />
sem hierarquias estéticas, que, durante<br />
os anos 20, 30 e 40, procurou a<br />
concretização do i<strong>de</strong>ário mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong><br />
artista total, em substituição do en<strong>de</strong>usamento<br />
do artista como génio.<br />
A luz e as suas qualida<strong>de</strong>s como<br />
matéria-prima criativa ocuparam a<br />
maior parte das obras e do raciocínio<br />
teórico <strong>de</strong> László Moholy-Nagy. Mas<br />
não menos importante é a intervenção<br />
crítica em relação ao seu tempo<br />
histórico, a centelha que fez com que<br />
se acen<strong>de</strong>sse essa vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> procurar<br />
nas nuances <strong>dos</strong> claros-escuros e<br />
nos jogos <strong>de</strong> reflexos <strong>dos</strong> espelhos<br />
uma reacção vanguardista aos cânones,<br />
uma alternativa que tenta “<strong>de</strong>spertar<br />
o espectador, torná-lo activo”.<br />
“O tempo expandido” é o tema escolhido<br />
por Sérgio Mah para fechar o<br />
seu último ano como comissário-geral<br />
do PHotoEspaña, no âmbito do qual<br />
foi inaugurada a exposição <strong>de</strong> Moholy-<br />
Nagy. Se consi<strong>de</strong>rarmos o conjunto<br />
da obra do mestre húngaro como uma<br />
procura incessante por uma “arte nova”<br />
capaz <strong>de</strong> “respon<strong>de</strong>r a um momento<br />
histórico presidido pela máquina<br />
e pela Revolução Industrial”, a<br />
34 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
mostra que Oliva María Rubio comissariou<br />
no CBA representa uma resposta<br />
ao tema expandida no tempo.<br />
Ecletismo<br />
O ecletismo com que to<strong>dos</strong> os anos<br />
se apresenta o festival – mo<strong>de</strong>lo que<br />
se tem afirmado como uma imagem<br />
<strong>de</strong> marca do PHotoEspaña – tem os<br />
seus perigos e as suas vantagens. Se<br />
por um lado, a varieda<strong>de</strong> das propostas<br />
expositivas po<strong>de</strong> dar contributos<br />
importantes para reflectir sobre o<br />
tema central, por outro po<strong>de</strong> estilhaçar<br />
essas referências que, por si mesmas,<br />
são difíceis <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nsar numa<br />
exposição, quanto mais em <strong>de</strong>zenas<br />
<strong>de</strong>las. As três exposições da Secção<br />
Oficial mais direccionadas para os<br />
autores clássicos, on<strong>de</strong> se inclui a<br />
mostra “A Arte da Luz” <strong>de</strong> László<br />
Moholy-Nagy (que já tem itinerâncias<br />
agendadas para o Martin Gropius Bau<br />
<strong>de</strong> Berlim e para o Gemeentemuseum<br />
Den Haag <strong>de</strong> Haia), são um bom<br />
exemplo <strong>de</strong> como po<strong>de</strong> resultar bem<br />
esse ecletismo. De uma assentada,<br />
po<strong>de</strong>m comparar-se, por exemplo,<br />
três utilizações/abordagens muito<br />
distintas do suporte fotográfico nos<br />
EUA <strong>de</strong>ntro da década <strong>de</strong> 40 do século<br />
passado, se a Moholy-Nagy juntarmos<br />
mais duas exposições: “Anatomia<br />
do Movimento”, <strong>de</strong> Harold<br />
Edgerton (EUA, 1903-1990), sobre as<br />
experiências com aparelhos fotográ-<br />
Muitas das suas<br />
máximas estão<br />
a acontecer diante<br />
<strong>dos</strong> nossos olhos.<br />
Como aquela:<br />
“Os analfabetos<br />
do futuro não serão<br />
apenas aqueles que<br />
ignorarem<br />
a linguagem escrita,<br />
mas também to<strong>dos</strong><br />
os que ignorarem<br />
o uso <strong>de</strong> máquina<br />
fotográfica”<br />
ficos ultra-rápi<strong>dos</strong>, capazes <strong>de</strong> revelar<br />
os mais ínfimos segre<strong>dos</strong> do movimento;<br />
e “Lírica Urbana”, <strong>de</strong> Helen<br />
Levitt (EUA, 1913-2009), sobre a vida<br />
nas ruas <strong>de</strong> Nova Iorque.<br />
De tão vasta e diversificada que é,<br />
a obra do húngaro po<strong>de</strong> entrar facilmente<br />
em diálogo com outras propostas<br />
expositivas. Durante a apresentação<br />
da mostra, a comissária Olivia<br />
María Rubio, directora <strong>de</strong> exposições<br />
da La Fábrica, empresa que organiza<br />
o PHotoEspaña, confessou que entre<br />
todas as artes tocadas por Moholy-<br />
Nagy, apenas a escultura não está representada.<br />
De resto, entre outros<br />
grupos <strong>de</strong> obras, po<strong>de</strong>m ver-se provas<br />
<strong>de</strong> época <strong>dos</strong> conheci<strong>dos</strong> fotogramas,<br />
imagens conseguidas com a acção directa<br />
da luz sobre uma superfície sensibilizada<br />
sem a intermediação da<br />
máquina que, para o autor, produzem<br />
“um efeito sublime, radiante, quase<br />
imaterial”, em contraponto com os<br />
raiogramas <strong>de</strong>senvolvi<strong>dos</strong> por Man<br />
Ray na mesma época, tecnicamente<br />
semelhantes mas com a representação<br />
<strong>de</strong> objectos <strong>de</strong> contornos bem<br />
<strong>de</strong>fini<strong>dos</strong>, menos “poéticos” e à procura<br />
do efeito “surpreen<strong>de</strong>nte”. São<br />
simbólicas, também, as fotografias<br />
captadas <strong>de</strong> maneira tradicional (com<br />
máquina), on<strong>de</strong> os enquadramentos<br />
e as perspectivas revelam o interesse<br />
<strong>de</strong> Moholy-Nagy pelas linhas <strong>de</strong> força<br />
e formas geométricas, características<br />
<strong>de</strong> vários autores mo<strong>de</strong>rnistas que lhe<br />
suce<strong>de</strong>ram (não é claro que tenha conhecido<br />
Alexan<strong>de</strong>r Rodchenko, fotógrafo<br />
russo com uma linguagem fotográfica<br />
semelhante). Num conjunto<br />
pouco conhecido, László Moholy-<br />
Nagy revela-se também como um <strong>dos</strong><br />
pioneiros da fotografia a cores, aqui<br />
com registos <strong>de</strong> pendor intimista, sobretudo<br />
capta<strong>dos</strong> em família.<br />
Falar da enorme importância <strong>de</strong><br />
László Moholy-Nagy na história da<br />
fotografia será sempre um eufemismo.<br />
O contributo que <strong>de</strong>u para a<br />
emancipação plena da produção fotográfica<br />
nas primeiras décadas do<br />
século XX é incontornável não só para<br />
uma prática até então <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rada,<br />
como para o conjunto <strong>de</strong> outras<br />
artes para on<strong>de</strong> levou a linguagem da
otal<br />
da luz” está na base<br />
concentra para<br />
Madrid<br />
Exposições<br />
fotografia, principalmente para o cinema<br />
e para a pintura. Consciente <strong>de</strong><br />
que a “a arte é o que <strong>de</strong>sperta os senti<strong>dos</strong>,<br />
que aguça a vista, a mente e as<br />
sensações”, Moholy-Nagy “trabalhará<br />
com afinco (…) num projecto pedagógico<br />
alargado que se concentra na<br />
formação <strong>de</strong>sse homem total, suma<br />
<strong>de</strong> psicofísico, intelecto e afecto, um<br />
homem não dividido e uma arte que<br />
se fun<strong>de</strong> com a vida”, escreve María<br />
Rubio no livro <strong>de</strong> ensaios em torno<br />
da proposta temática (novida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste<br />
festival).<br />
Sempre fiel à “estética da luz” e sem<br />
contrariar a sua concepção das artes<br />
como um todo, a fotografia foi um <strong>dos</strong><br />
suportes a que László Moholy-Nagy<br />
mais voltou. Sobretudo porque “alimentava<br />
a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> criar uma arte nova<br />
à volta da fotografia e porque acreditava<br />
que as antigas artes já não podiam<br />
representar a vida mo<strong>de</strong>rna”.<br />
Em paralelo à prática artística e pedagógica<br />
(foi professor da Bauhaus em<br />
Weimar, 1923-1925, e em Dessau, 1925-<br />
1928, na Alemanha, da New Bauhaus<br />
e do Institute of Design, ambas em<br />
Chicago, nos EUA, até à sua morte, em<br />
1946) <strong>de</strong>senvolveu ampla reflexão teórica<br />
em torno da fotografia, cujo<br />
principal ensaio é “Pintura, Fotografia,<br />
Cinema” (1925), on<strong>de</strong> elabora sobre<br />
“a luz como matriz da arte”.<br />
Apesar <strong>de</strong> ter orientado a sua criação<br />
rumo a um tempo repleto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais<br />
e <strong>de</strong> futuro que a história se encarregou<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>smentir, a arte <strong>de</strong> László<br />
Moholy-Nagy continua a <strong>de</strong>slumbrar<br />
e muitas das suas máximas revelaramse<br />
certeiras ou estão agora a acontecer<br />
diante <strong>dos</strong> nossos olhos. Como aquela<br />
que diz: “Os analfabetos do futuro<br />
não serão apenas aqueles que ignorarem<br />
a linguagem escrita, mas também<br />
to<strong>dos</strong> os que ignorarem o uso <strong>de</strong><br />
máquina fotográfica”.<br />
Juergen Teller,<br />
Calves and<br />
Thighs<br />
Comunidad <strong>de</strong><br />
Madrid/Sala<br />
Alcalá 31<br />
Até 22 <strong>de</strong> Agosto<br />
“Luis XV”,<br />
2004<br />
5 paragens<br />
obrigatórias<br />
Há muito que ver no PHotoEspaña<br />
2010. Exposições não faltam.<br />
Pelo menos estas cinco propostas<br />
convém não per<strong>de</strong>r.<br />
Depois <strong>de</strong> Juergen Teller a fotografia<br />
<strong>de</strong> moda nunca mais será a mesma<br />
A primeira fotografi a visível na exposição “Calves<br />
and Thighs” <strong>de</strong> Juergen Teller (Alemanha, 1964) não<br />
estava programada. Só apareceu porque Katy Baggott,<br />
amiga e agente do autor, morreu recentemente<br />
durante a preparação da mostra em Madrid. A<br />
imagem, que aparece por cima <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>dicatória<br />
<strong>de</strong> Teller, mostra Baggott com Nobuyoshi Araki, a<br />
estrela planetária da fotografi a japonesa, num braço<br />
<strong>de</strong> ferro renhido. Embora tenha sido escolhida com o<br />
propósito <strong>de</strong> homenagear alguém, a representação <strong>de</strong><br />
uma personagem do círculo mais íntimo do fotógrafo<br />
alemão em confronto (amigável) com um famoso<br />
ilustra as dicotomias temáticas que atravessam as<br />
séries agora seleccionadas pelo comissário inglês Paul<br />
Wombell a partir <strong>de</strong> uma exposição já apresentada em<br />
Nuremberga. A sensação <strong>de</strong> navegação à vista não se<br />
relaciona apenas com a aproximação formal da maioria<br />
das imagens <strong>de</strong> Teller (<strong>de</strong>sfocadas, sobreexpostas,<br />
tortas... enfi m, “retorcidas”, como alguém as classifi cou).<br />
Esten<strong>de</strong>-se aos sujeitos fotografa<strong>dos</strong>, que po<strong>de</strong>m ir <strong>de</strong><br />
auto-retratos intimistas, a tomar banho com o fi lho, a<br />
objectos vernaculares (muitas vezes abjectos) ou ainda<br />
às pernas <strong>de</strong> Vitoria Beckham enfi ada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um<br />
saco <strong>de</strong> compras da marca <strong>de</strong> roupa Mark Jacobs.<br />
Fotógrafo <strong>de</strong> moda durante anos para publicações<br />
como “Arena”, “The Face” e “I-D”, Teller, juntamente<br />
com o conterrâneo Wolfgang Tillmans, é reconhecido<br />
como alguém que contribui para quebrar os limites e<br />
<strong>de</strong>u início a mais uma discussão acerca do verda<strong>de</strong>iro<br />
lugar do género na criação contemporânea. Enfastiado<br />
com a repetição <strong>dos</strong> cânones, começou a colocar lado<br />
a lado imagens vindas<br />
<strong>de</strong> um universo pessoal<br />
e encomendas mais<br />
voltadas para a divulgação<br />
e publicida<strong>de</strong> das criações<br />
<strong>de</strong> estilístas ou marcas <strong>de</strong><br />
roupa. No meio <strong>de</strong> todo este<br />
cal<strong>de</strong>irão, cujo resultado se<br />
aproxima <strong>de</strong> um exercício<br />
<strong>de</strong> psicanálise público,<br />
prevalece um fi o condutor<br />
mínimo ao nível do tema –<br />
o retrato. E também ao nível<br />
da forma – o fl ash e a luz<br />
artifi cial.<br />
O catálogo da exposição,<br />
que o comissário classifi ca<br />
como “extensão” da mostra,<br />
abre com 102 perguntas<br />
dirigidas por vários<br />
amigos (muitos famosos,<br />
como não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
ser) a Juergen Teller. As<br />
tentativas <strong>de</strong> resposta não<br />
são dadas com texto – são<br />
dadas com imagens.<br />
Adriana Lestido mete-se <strong>de</strong>ntro das<br />
histórias<br />
O trabalho que Adriana Lestido (Argentina, 1955) tem<br />
<strong>de</strong>senvolvido ao longo <strong>de</strong> 30 anos está impregnado<br />
<strong>de</strong> uma aproximação documental que se inclui <strong>de</strong>ntro<br />
do género do fotojornalismo. As primeiras séries<br />
presentes na retrospectiva “Amores Difíciles” (obras<br />
captadas entre 1979 e 2007) <strong>de</strong>nunciam essa condição<br />
formal. Mas à medida que se avança rumo a trabalhos<br />
mais recentes, <strong>de</strong>scobre-se uma procura <strong>de</strong> registos<br />
mais fugazes, uma procura “pela vivência do tempo<br />
como um processo narrativo” que vai revelando uma<br />
visão mais poética e emotiva, “uma voz interior”.<br />
A experiência da maternida<strong>de</strong> em situações<br />
emocionais limite tem formado um <strong>dos</strong> temas centrais<br />
da obra da argentina. Dentro <strong>de</strong>sse universo que<br />
aborda a difi culda<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir relacionamentos<br />
estáveis (“Madres Adolescentes”, sobre a solidão e o<br />
medo <strong>de</strong> uma maternida<strong>de</strong> antes do tempo numa casa<br />
estranha, “Mujeres Presas”, sobre os condicionamentos<br />
<strong>de</strong> ser mãe na prisão), on<strong>de</strong> é mais nítida a refl exão<br />
sobre questões sociais, surge um olhar mais pessoal<br />
acerca da “difi culda<strong>de</strong> <strong>de</strong> amar” e que se revela nos<br />
projectos “Madres e hijas”, “El Amor” e “Villa Gesell”.<br />
Aqui, os senti<strong>dos</strong> e as experiências íntimas falam<br />
mais alto - a niti<strong>de</strong>z, o foco e o enquadramento perfeito<br />
foram fi cando para trás. No primeiro trabalho, Lestido<br />
acompanhou os altos e baixos do relacionamento <strong>de</strong><br />
quatro pares <strong>de</strong> mães e fi lhas. Em “El Amor” (1995-<br />
2005) e “Villa Gesell” (2005) aparecem as vivências<br />
mais introspectivas e ligadas a uma tentativa <strong>de</strong><br />
libertar as imagens <strong>de</strong> qualquer género ou tipologia.<br />
Lestido é “uma documentalista que não se dilui no<br />
género fotojornalístico e que procura um olhar interior,<br />
os aspectos mais emocionais que privilegiam os<br />
senti<strong>dos</strong>”, afi rmou o comissário Santiago Olmo na<br />
apresentação da mostra.<br />
Para Olmo, todas as séries apresentadas (um total <strong>de</strong><br />
159 fotografi as) são “para ver e sentir”, porque Adriana<br />
Lestido “é uma fotógrafa que se mete <strong>de</strong>ntro das<br />
histórias, não se limita a observá-las”.<br />
Adriana<br />
Lestido, Amores<br />
Difíciles<br />
Casa <strong>de</strong> América,<br />
Marqués <strong>de</strong>l Duero,<br />
2, Madrid<br />
Até 29 <strong>de</strong> Agosto<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 35
Com Helen Levitt a rua foi uma lírica<br />
urbana<br />
Se consi<strong>de</strong>rarmos cada fotografi a como uma máquina<br />
do tempo que é accionada no momento em que<br />
alguém a vê, é inevitável não entrarmos na viagem<br />
rumo às ruas <strong>de</strong> Nova Iorque <strong>dos</strong> anos 40 através das<br />
imagens <strong>de</strong> Helen Levitt (EUA, 1913-2009), on<strong>de</strong> as<br />
crianças se movimentam em liberda<strong>de</strong> numa teia <strong>de</strong><br />
cumplicida<strong>de</strong>s e todo o tipo <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras. Passeios,<br />
portas, escadas, esquinas e reentrâncias, fontes,<br />
árvores e pontos <strong>de</strong> água a espirrar géisers - tudo serve<br />
para campo <strong>de</strong> acção <strong>de</strong>sta “Lírica Urbana” nos bairros<br />
populares da gran<strong>de</strong> metrópole registada por uma das<br />
últimas gran<strong>de</strong>s autoras da fotografi a <strong>de</strong> rua do século<br />
XX, aposta forte da programação do festival com uma<br />
exposição antológica (a primeira <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua morte<br />
em 2009) que abarca trabalhos entre 1936 a 1993. Foi<br />
comissariada pelo catalão Jorge Ribalta, que <strong>de</strong>dica<br />
um ensaio à autora no livro “El tiempo expandido” que<br />
reúne ensaios <strong>de</strong> vários autores sobre a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
propostas do festival.<br />
As cópias <strong>de</strong> época <strong>de</strong> pequeno formato que dão corpo<br />
à exposição, sobretudo as que foram registadas durante<br />
a primeira década <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> Levitt, convidam-nos<br />
a entrar nessa cápsula do tempo, já que em muitas<br />
<strong>de</strong>las é preciso encostar o nariz ao vidro da moldura e<br />
alguma concentração para ver os risos, as caretas e as<br />
pistolas <strong>de</strong> fi ngir usadas nestas microscópicas peças <strong>de</strong><br />
teatro, fugazes instantes da vida quotidiana raramente<br />
ti<strong>dos</strong> em conta pela “gran<strong>de</strong>” história urbana. Esta<br />
subtileza no momento <strong>de</strong> revelar o seu trabalho através<br />
<strong>de</strong> pequenos formatos está em sintonia com uma<br />
actuação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za no momento <strong>de</strong> fazer<br />
o disparo. Helen Levitt bebeu to<strong>dos</strong> os ensinamentos<br />
<strong>de</strong> Walker Evans (uma das suas referências na<br />
fotografi a a par <strong>de</strong> Henri Cartier-Bresson), para quem<br />
a força do documento fotográfi co e o realismo máximo<br />
se conseguiam sobretudo quanto os fotógrafos<br />
passavam <strong>de</strong>spercebi<strong>dos</strong>, sem infl uenciar o sujeito e, <strong>de</strong><br />
preferência, com uma Leica na mão.<br />
O mundo que Levitt fotografou <strong>de</strong>sapareceu. Como<br />
quase <strong>de</strong>sapareceu a prática fotográfi ca cândida com<br />
que se divertia a registar o divertimento <strong>dos</strong> outros, a<br />
lírica urbana (título mais a<strong>de</strong>quado não podia haver)<br />
que hoje os fotógrafos têm mais difi culda<strong>de</strong> em<br />
apreen<strong>de</strong>r. É um paraíso perdido.<br />
Helen Levitt,<br />
Lírica Urbana.<br />
Fotografías<br />
1936-1993<br />
Museo Colecciones<br />
ICO (MUICO),<br />
Zorrilla, 3, Madrid<br />
Até 28 <strong>de</strong> Agosto<br />
36 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
Os livros e a fotografia casaram há<br />
muito, mas o namoro continua<br />
Já não é só uma tradição (e que boa tradição) – é<br />
uma instituição também. A iniciativa “Os melhores<br />
livros <strong>de</strong> fotografi a do ano” mantém-se inabalável<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira edição do PHotoEspaña, em 1998.<br />
To<strong>dos</strong> os anos o festival recebe centenas <strong>de</strong> cópias<br />
<strong>de</strong> fotolivros envia<strong>dos</strong> <strong>de</strong> todo o mundo, sinal <strong>de</strong><br />
que o suporte continua a merecer cada vez mais<br />
<strong>de</strong>dicação <strong>de</strong> autores e editores. No conjunto <strong>de</strong> várias<br />
<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> obras seleccionadas para os prémios<br />
fi nais <strong>de</strong>ste ano, estão, lado a lado, livros produzi<strong>dos</strong><br />
por editoras <strong>de</strong> escala mundial e livros produzi<strong>dos</strong><br />
pelos próprios fotógrafos, em edições <strong>de</strong> autor cada<br />
vez mais cuidadas. Esta profusão <strong>de</strong> projectos <strong>de</strong><br />
iniciativa individual no núcleo restrito <strong>de</strong> fi nalistas<br />
revela também como se <strong>de</strong>mocratizou o processo<br />
<strong>de</strong> produção <strong>dos</strong> fotolivros, que <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> estar<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes das gran<strong>de</strong>s tiragens para se tornarem<br />
realida<strong>de</strong>. Com tantas portas fechadas nos tradicionais<br />
meios <strong>de</strong> divulgação e sustento <strong>dos</strong> autores, quantas<br />
vezes os livros não surgem como a única maneira <strong>de</strong><br />
tornar visível o trabalho <strong>de</strong> um fotógrafo?<br />
Os melhores livros <strong>de</strong> fotografi a estão, pela segunda<br />
vez, no Mata<strong>de</strong>ro <strong>de</strong> Madrid. O festival dá três<br />
prémios. O prémio para o Melhor Livro <strong>de</strong> Fotografi a<br />
Nacional (livros publica<strong>dos</strong> em Espanha) foi para a<br />
reedição <strong>de</strong> “Soviet Aviation” (Editorial Lampreave),<br />
<strong>de</strong> Alexan<strong>de</strong>r Rodchenko e Varvara Stepanova, um<br />
<strong>dos</strong> vários produzi<strong>dos</strong> pelo regime soviético para<br />
levar à feira mundial <strong>de</strong> Nova Iorque, em 1939. O<br />
mais recente “Atlas Monograph” (T&G Publishing), do<br />
australiano Max Pam, foi consi<strong>de</strong>rado O Melhor Livro<br />
<strong>de</strong> Fotografi a Internacional. A obra inclui <strong>de</strong>senhos,<br />
pinturas e textos do autor produzi<strong>dos</strong> no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong><br />
várias viagens pelo mundo. O prémio para a Editora<br />
do Ano foi atribuído à Aperture Foundation, que<br />
chegou com várias obras à escolha fi nal, entre os<br />
quais o último fotolivro da americana Sally Mann,<br />
“Proud Flesh”. De Portugal só foi seleccionada para<br />
a exposição no Mata<strong>de</strong>ro a reedição <strong>de</strong> “<strong>Lisboa</strong>,<br />
Cida<strong>de</strong> Triste e Alegre”, <strong>de</strong> Victor Palla/Costa Martins,<br />
publicada pela Pierre von Kleist Editions.<br />
“Soviet<br />
Aviation” ,<br />
1939<br />
Os Melhores<br />
Livros <strong>de</strong><br />
Fotografi a do<br />
Ano<br />
Mata<strong>de</strong>ro <strong>de</strong><br />
Madrid, Chopera, 14<br />
Até 25 <strong>de</strong> Julho<br />
Quantos tempos tem o tempo na<br />
fotografia?<br />
Nos primeiros dois anos como comissário-geral, Sérgio<br />
Mah optou por centrar a <strong>de</strong>fesa do tema escolhido<br />
numa exposição, assumindo aí gran<strong>de</strong> parte das<br />
<strong>de</strong>spesas da justifi cação teórica <strong>dos</strong> eixos centrais<br />
do festival – foi assim com “Lugar” (2008), através da<br />
mostra <strong>de</strong> W. Eugene Smith, e com “Quotidiano” (2009),<br />
através da exposição colectiva “Anos 70. Fotografi a<br />
e Vida Quotidiana”. Para a recta fi nal como director<br />
artístico do PHotoEspaña 2010, dirigido segundo<br />
o tema genérico “Tempo”, o comissário português<br />
fez questão <strong>de</strong> sublinhar o carácter dialogante da<br />
exposição “Entre Tempos. Instantes, intervalos,<br />
durações” com outras propostas programáticas do<br />
festival, quer tenham sido orientadas por si ou por<br />
comissários convida<strong>dos</strong>. A i<strong>de</strong>ia é estabelecer relações<br />
formais e estéticas entre as várias exposições da<br />
secção ofi cial <strong>de</strong> maneira alargar a refl exão sobre<br />
o vasto espectro <strong>de</strong> práticas visuais que giram<br />
em torno das múltiplas (multíplices, paradoxais…)<br />
noções do conceito <strong>de</strong> tempo. O jogo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong><br />
semelhanças, contaminações, familiarida<strong>de</strong>s ou acasos<br />
não tem regras <strong>de</strong> partida, mas o guia ofi cial do festival<br />
po<strong>de</strong> dar uma ajuda preciosa. Por exemplo, através<br />
<strong>de</strong>le po<strong>de</strong>mos comparar as fi guras heróicas da NBA <strong>de</strong><br />
Paul Pfeiff er, em plena acção e isoladas <strong>de</strong> todo o ruído<br />
visual circundante, com o mergulho para a piscina<br />
sobre fundo negro <strong>de</strong> Pete Desjardin registado pelo<br />
engenheiro Harold Edgerton durante as experiências<br />
com fl ash estroboscópico, novida<strong>de</strong> técnica capaz <strong>de</strong><br />
registar movimentos até então impossíveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar<br />
a olho nu.<br />
Entre registos fotográfi cos, vi<strong>de</strong>ográfi cos e fílmicos,<br />
ao longo das salas subterrâneas do sempre fresco<br />
Teatro Fernán Gómez, há 17 autores para <strong>de</strong>scobrir<br />
(ou re<strong>de</strong>scobrir) e que representam uma cartografi a<br />
possível da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tempo na linguagem fotográfi ca.<br />
Em conversa com o Ípsilon no dia da inauguração,<br />
Mah afi rmou que “Entre Tempos...” é uma exposição<br />
para pensar e para se ver <strong>de</strong>vagar. Não só para que<br />
se possam estabelecer as relações e os confl itos<br />
dialogantes entre as várias propostas criativas, mas<br />
também para que se consiga <strong>de</strong>scobrir a beleza nas<br />
pequenas diferenças que se estabelecem entre duas<br />
imagens separadas apenas por um abrir e fechar <strong>de</strong><br />
olhos (Jochen Lempert, Cro-Mañon, 2006).<br />
Tacita Dean,<br />
“Day for<br />
Night”<br />
(fotograma),<br />
2009<br />
Vários autores,<br />
Entre Tempos.<br />
Instantes,<br />
intervalos,<br />
durações<br />
Teatro Fernán<br />
Gómez, Plaza <strong>de</strong><br />
Colón, 4, Madrid<br />
Até 25 <strong>de</strong> Julho
Com Helen Levitt a rua foi uma lírica<br />
urbana<br />
Se consi<strong>de</strong>rarmos cada fotografi a como uma máquina<br />
do tempo que é accionada no momento em que<br />
alguém a vê, é inevitável não entrarmos na viagem<br />
rumo às ruas <strong>de</strong> Nova Iorque <strong>dos</strong> anos 40 através das<br />
imagens <strong>de</strong> Helen Levitt (EUA, 1913-2009), on<strong>de</strong> as<br />
crianças se movimentam em liberda<strong>de</strong> numa teia <strong>de</strong><br />
cumplicida<strong>de</strong>s e todo o tipo <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras. Passeios,<br />
portas, escadas, esquinas e reentrâncias, fontes,<br />
árvores e pontos <strong>de</strong> água a espirrar géisers - tudo serve<br />
para campo <strong>de</strong> acção <strong>de</strong>sta “Lírica Urbana” nos bairros<br />
populares da gran<strong>de</strong> metrópole registada por uma das<br />
últimas gran<strong>de</strong>s autoras da fotografi a <strong>de</strong> rua do século<br />
XX, aposta forte da programação do festival com uma<br />
exposição antológica (a primeira <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua morte<br />
em 2009) que abarca trabalhos entre 1936 a 1993. Foi<br />
comissariada pelo catalão Jorge Ribalta, que <strong>de</strong>dica<br />
um ensaio à autora no livro “El tiempo expandido” que<br />
reúne ensaios <strong>de</strong> vários autores sobre a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
propostas do festival.<br />
As cópias <strong>de</strong> época <strong>de</strong> pequeno formato que dão corpo<br />
à exposição, sobretudo as que foram registadas durante<br />
a primeira década <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> Levitt, convidam-nos<br />
a entrar nessa cápsula do tempo, já que em muitas<br />
<strong>de</strong>las é preciso encostar o nariz ao vidro da moldura e<br />
alguma concentração para ver os risos, as caretas e as<br />
pistolas <strong>de</strong> fi ngir usadas nestas microscópicas peças <strong>de</strong><br />
teatro, fugazes instantes da vida quotidiana raramente<br />
ti<strong>dos</strong> em conta pela “gran<strong>de</strong>” história urbana. Esta<br />
subtileza no momento <strong>de</strong> revelar o seu trabalho através<br />
<strong>de</strong> pequenos formatos está em sintonia com uma<br />
actuação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za no momento <strong>de</strong> fazer<br />
o disparo. Helen Levitt bebeu to<strong>dos</strong> os ensinamentos<br />
<strong>de</strong> Walker Evans (uma das suas referências na<br />
fotografi a a par <strong>de</strong> Henri Cartier-Bresson), para quem<br />
a força do documento fotográfi co e o realismo máximo<br />
se conseguiam sobretudo quanto os fotógrafos<br />
passavam <strong>de</strong>spercebi<strong>dos</strong>, sem infl uenciar o sujeito e, <strong>de</strong><br />
preferência, com uma Leica na mão.<br />
O mundo que Levitt fotografou <strong>de</strong>sapareceu. Como<br />
quase <strong>de</strong>sapareceu a prática fotográfi ca cândida com<br />
que se divertia a registar o divertimento <strong>dos</strong> outros, a<br />
lírica urbana (título mais a<strong>de</strong>quado não podia haver)<br />
que hoje os fotógrafos têm mais difi culda<strong>de</strong> em<br />
apreen<strong>de</strong>r. É um paraíso perdido.<br />
Helen Levitt,<br />
Lírica Urbana.<br />
Fotografías<br />
1936-1993<br />
Museo Colecciones<br />
ICO (MUICO),<br />
Zorrilla, 3, Madrid<br />
Até 28 <strong>de</strong> Agosto<br />
36 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
Os livros e a fotografia casaram há<br />
muito, mas o namoro continua<br />
Já não é só uma tradição (e que boa tradição) – é<br />
uma instituição também. A iniciativa “Os melhores<br />
livros <strong>de</strong> fotografi a do ano” mantém-se inabalável<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira edição do PHotoEspaña, em 1998.<br />
To<strong>dos</strong> os anos o festival recebe centenas <strong>de</strong> cópias<br />
<strong>de</strong> fotolivros envia<strong>dos</strong> <strong>de</strong> todo o mundo, sinal <strong>de</strong><br />
que o suporte continua a merecer cada vez mais<br />
<strong>de</strong>dicação <strong>de</strong> autores e editores. No conjunto <strong>de</strong> várias<br />
<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> obras seleccionadas para os prémios<br />
fi nais <strong>de</strong>ste ano, estão, lado a lado, livros produzi<strong>dos</strong><br />
por editoras <strong>de</strong> escala mundial e livros produzi<strong>dos</strong><br />
pelos próprios fotógrafos, em edições <strong>de</strong> autor cada<br />
vez mais cuidadas. Esta profusão <strong>de</strong> projectos <strong>de</strong><br />
iniciativa individual no núcleo restrito <strong>de</strong> fi nalistas<br />
revela também como se <strong>de</strong>mocratizou o processo<br />
<strong>de</strong> produção <strong>dos</strong> fotolivros, que <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> estar<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes das gran<strong>de</strong>s tiragens para se tornarem<br />
realida<strong>de</strong>. Com tantas portas fechadas nos tradicionais<br />
meios <strong>de</strong> divulgação e sustento <strong>dos</strong> autores, quantas<br />
vezes os livros não surgem como a única maneira <strong>de</strong><br />
tornar visível o trabalho <strong>de</strong> um fotógrafo?<br />
Os melhores livros <strong>de</strong> fotografi a estão, pela segunda<br />
vez, no Mata<strong>de</strong>ro <strong>de</strong> Madrid. O festival dá três<br />
prémios. O prémio para o Melhor Livro <strong>de</strong> Fotografi a<br />
Nacional (livros publica<strong>dos</strong> em Espanha) foi para a<br />
reedição <strong>de</strong> “Soviet Aviation” (Editorial Lampreave),<br />
<strong>de</strong> Alexan<strong>de</strong>r Rodchenko e Varvara Stepanova, um<br />
<strong>dos</strong> vários produzi<strong>dos</strong> pelo regime soviético para<br />
levar à feira mundial <strong>de</strong> Nova Iorque, em 1939. O<br />
mais recente “Atlas Monograph” (T&G Publishing), do<br />
australiano Max Pam, foi consi<strong>de</strong>rado O Melhor Livro<br />
<strong>de</strong> Fotografi a Internacional. A obra inclui <strong>de</strong>senhos,<br />
pinturas e textos do autor produzi<strong>dos</strong> no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong><br />
várias viagens pelo mundo. O prémio para a Editora<br />
do Ano foi atribuído à Aperture Foundation, que<br />
chegou com várias obras à escolha fi nal, entre os<br />
quais o último fotolivro da americana Sally Mann,<br />
“Proud Flesh”. De Portugal só foi seleccionada para<br />
a exposição no Mata<strong>de</strong>ro a reedição <strong>de</strong> “<strong>Lisboa</strong>,<br />
Cida<strong>de</strong> Triste e Alegre”, <strong>de</strong> Victor Palla/Costa Martins,<br />
publicada pela Pierre von Kleist Editions.<br />
“Soviet<br />
Aviation” ,<br />
1939<br />
Os Melhores<br />
Livros <strong>de</strong><br />
Fotografi a do<br />
Ano<br />
Mata<strong>de</strong>ro <strong>de</strong><br />
Madrid, Chopera, 14<br />
Até 25 <strong>de</strong> Julho<br />
Quantos tempos tem o tempo na<br />
fotografia?<br />
Nos primeiros dois anos como comissário-geral, Sérgio<br />
Mah optou por centrar a <strong>de</strong>fesa do tema escolhido<br />
numa exposição, assumindo aí gran<strong>de</strong> parte das<br />
<strong>de</strong>spesas da justifi cação teórica <strong>dos</strong> eixos centrais<br />
do festival – foi assim com “Lugar” (2008), através da<br />
mostra <strong>de</strong> W. Eugene Smith, e com “Quotidiano” (2009),<br />
através da exposição colectiva “Anos 70. Fotografi a<br />
e Vida Quotidiana”. Para a recta fi nal como director<br />
artístico do PHotoEspaña 2010, dirigido segundo<br />
o tema genérico “Tempo”, o comissário português<br />
fez questão <strong>de</strong> sublinhar o carácter dialogante da<br />
exposição “Entre Tempos. Instantes, intervalos,<br />
durações” com outras propostas programáticas do<br />
festival, quer tenham sido orientadas por si ou por<br />
comissários convida<strong>dos</strong>. A i<strong>de</strong>ia é estabelecer relações<br />
formais e estéticas entre as várias exposições da<br />
secção ofi cial <strong>de</strong> maneira alargar a refl exão sobre<br />
o vasto espectro <strong>de</strong> práticas visuais que giram<br />
em torno das múltiplas (multíplices, paradoxais…)<br />
noções do conceito <strong>de</strong> tempo. O jogo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong><br />
semelhanças, contaminações, familiarida<strong>de</strong>s ou acasos<br />
não tem regras <strong>de</strong> partida, mas o guia ofi cial do festival<br />
po<strong>de</strong> dar uma ajuda preciosa. Por exemplo, através<br />
<strong>de</strong>le po<strong>de</strong>mos comparar as fi guras heróicas da NBA <strong>de</strong><br />
Paul Pfeiff er, em plena acção e isoladas <strong>de</strong> todo o ruído<br />
visual circundante, com o mergulho para a piscina<br />
sobre fundo negro <strong>de</strong> Pete Desjardin registado pelo<br />
engenheiro Harold Edgerton durante as experiências<br />
com fl ash estroboscópico, novida<strong>de</strong> técnica capaz <strong>de</strong><br />
registar movimentos até então impossíveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar<br />
a olho nu.<br />
Entre registos fotográfi cos, vi<strong>de</strong>ográfi cos e fílmicos,<br />
ao longo das salas subterrâneas do sempre fresco<br />
Teatro Fernán Gómez, há 17 autores para <strong>de</strong>scobrir<br />
(ou re<strong>de</strong>scobrir) e que representam uma cartografi a<br />
possível da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tempo na linguagem fotográfi ca.<br />
Em conversa com o Ípsilon no dia da inauguração,<br />
Mah afi rmou que “Entre Tempos...” é uma exposição<br />
para pensar e para se ver <strong>de</strong>vagar. Não só para que<br />
se possam estabelecer as relações e os confl itos<br />
dialogantes entre as várias propostas criativas, mas<br />
também para que se consiga <strong>de</strong>scobrir a beleza nas<br />
pequenas diferenças que se estabelecem entre duas<br />
imagens separadas apenas por um abrir e fechar <strong>de</strong><br />
olhos (Jochen Lempert, Cro-Mañon, 2006).<br />
Tacita Dean,<br />
“Day for<br />
Night”<br />
(fotograma),<br />
2009<br />
Vários autores,<br />
Entre Tempos.<br />
Instantes,<br />
intervalos,<br />
durações<br />
Teatro Fernán<br />
Gómez, Plaza <strong>de</strong><br />
Colón, 4, Madrid<br />
Até 25 <strong>de</strong> Julho
Design<br />
38 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
A tentação é gran<strong>de</strong>. Queremos chamar-lhe<br />
português suave, dar-lhe o<br />
título quase nobiliárquico <strong>de</strong>sse estilo<br />
arquitectónico, aplicar-lhe esse<br />
dichote que <strong>de</strong>fine quase tudo o que<br />
é calmo e lusitano. António Garcia é<br />
assim: caloroso, conversador, tranquilo.<br />
Mas também nos faz pensar<br />
em tabaco, em livros e num romance<br />
<strong>de</strong> Graham Greene em particular, “O<br />
Americano Tranquilo”. António Garcia,<br />
está visto, não é fácil <strong>de</strong> engavetar.<br />
Fez todo o tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sign (gráfico,<br />
<strong>de</strong> interiores, <strong>de</strong> equipamento, <strong>de</strong><br />
mobiliário) e ainda arquitectura. Capas<br />
<strong>de</strong> livros, embalagens <strong>de</strong> cigarros,<br />
stands açucara<strong>dos</strong>, ca<strong>de</strong>iras para japonês<br />
ver, cartazes. Aquele maço <strong>de</strong><br />
SG Filtro, Ventil ou Gigante? Foi ele.<br />
O branco do pacote do tabaco Ritz,<br />
imutável até hoje, salvo os retalhos<br />
que avisam que fumar não é simpático<br />
para os pulmões? Foi ele. As capas<br />
<strong>dos</strong> livros da colecção Autores<br />
Mo<strong>de</strong>rnos, da Ulisseia, que se escon<strong>de</strong>m<br />
nos alfarrabistas e nas prateleiras<br />
da casa <strong>de</strong> família? Também foi<br />
ele. Entre elas, a <strong>de</strong> “O Americano<br />
Tranquilo”, sim. E também “O A<strong>de</strong>us<br />
às Armas” (Ernest Hemingway),<br />
“Tempo <strong>de</strong> Matar” (Ennio Flaiano),<br />
“A Cida<strong>de</strong>la” (A. J. Cronin), “Os Nus<br />
e os Mortos” (Norman Mailer).<br />
Nestas pequenas gran<strong>de</strong>s coisas,<br />
António Garcia faz parte do quotidiano<br />
visual <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os portugueses, da<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> gráfica <strong>de</strong> marcas e <strong>de</strong> objectos<br />
que integram a nossa paisagem<br />
mental involuntária. Reconhecemos<br />
o que ele fez. Agora. “A relação entre<br />
o que ele fez e o que nós conhecemos<br />
só neste momento está estabelecida,<br />
só agora relacionamos a obra com o<br />
António Garcia,<br />
autor”, frisa Sofia da Costa Pessoa,<br />
autora <strong>de</strong> tese <strong>de</strong> mestrado sobre António<br />
Garcia e responsável pela compilação<br />
do seu espólio (“ZEITGEIST<br />
– o espírito do tempo, António Garcia,<br />
Depois da obra, o futuro, Design e<br />
Arquitectura, 1950-1970”).<br />
Mas António Garcia prefere o seu<br />
trabalho na arquitectura e no <strong>de</strong>sign<br />
<strong>de</strong> interiores. “Se toquei a vida das<br />
pessoas? Não sei. O que mais po<strong>de</strong><br />
tocar as pessoas é a arquitectura. Se<br />
conseguimos estar <strong>de</strong> mãos dadas<br />
com quem a vai habitar... É o que me<br />
liga mais às pessoas – os projectos <strong>de</strong><br />
interiores”, diz-nos, pon<strong>de</strong>rado, lembrando<br />
com igual carinho as agências<br />
bancárias, as casas, os escritórios do<br />
grupo CUF. “O trabalho liga as pessoas<br />
quando elas trabalham no mesmo<br />
comprimento <strong>de</strong> onda. O livro é uma<br />
coisa muito gira, mas é uma coisa<br />
mais anónima, não sabemos quem o<br />
lê...”, continua.<br />
Não vamos, afinal, chamar-lhe português<br />
suave. Foi o tipo <strong>de</strong> arquitectura<br />
<strong>de</strong> regime com que a sua fábrica<br />
para a Canada Dry (1956) quebrou.<br />
“To<strong>dos</strong> somos políticos, to<strong>dos</strong> éramos<br />
contra Salazar, mas nunca fui<br />
um activista. Ia contra o chamado<br />
estilo português suave, mas não foi<br />
propositado”. E a verda<strong>de</strong> é que essa<br />
não é uma das marcas <strong>de</strong> tabaco que<br />
<strong>de</strong>senhou.<br />
Soldado <strong>de</strong>sconhecido<br />
Está (quase) tudo lá, ele incluído, no<br />
primeiro piso do Museu <strong>de</strong> Design e<br />
<strong>de</strong> Moda (Mu<strong>de</strong>), em <strong>Lisboa</strong>, cenário<br />
da retrospectiva “António Garcia – <strong>de</strong>signer<br />
– Zoom in/Zoom out”. E é por<br />
lá que, <strong>de</strong> vez em quando, po<strong>de</strong>rá ver<br />
António Garcia em passeio. Intrigado,<br />
o <strong>de</strong>signer tranquilo<br />
Designer, arquitecto, autodidacta, veterano da cultura visual portuguesa, tem a sua obra exposta<br />
e um catálogo, hoje apresentado, que é a sua antologia. Desenhou parte do que fumamos, lemos<br />
porque adora resolver problemas. Joana Amaral Car<strong>dos</strong>o
“Se toquei as pessoas?<br />
Não sei. O que mais<br />
toca as pessoas<br />
é a arquitectura.<br />
Se conseguimos estar<br />
<strong>de</strong> mãos dadas<br />
com quem a vai<br />
habitar (...). O livro<br />
é uma coisa mais<br />
anónima, não<br />
sabemos quem o lê”<br />
no Mu<strong>de</strong>, em <strong>Lisboa</strong>,<br />
ou vivemos. Tudo<br />
ENRIC VIVES-RUBIO<br />
como na conversa com o Ípsilon, com<br />
quem se <strong>de</strong>bruça sobre as maquetes<br />
<strong>de</strong> um salão <strong>de</strong> exposição. Pesaroso<br />
por não falar bom inglês para interpelar<br />
quem com tanta atenção examina<br />
a sua ca<strong>de</strong>ira Osaka’70, criada<br />
a correr para a Exposição Universal<br />
<strong>de</strong> Osaka (1970), um mês antes da<br />
abertura e com o drama <strong>de</strong> já não po<strong>de</strong>r<br />
enviar o resultado por barco. Solução:<br />
bons materiais, e uma ca<strong>de</strong>ira<br />
leve, <strong>de</strong>smontável e prática. Numa<br />
caixa cabiam 12 ca<strong>de</strong>iras, “12 Osaka<br />
Sophistyled Doityourchairs”, e lá foram<br />
elas, <strong>de</strong> avião, ligeiras e compactas.<br />
“Dizem que é tipo Bauhaus, é<br />
muitíssimo confortável, e estava em<br />
minha casa até agora”, aponta.<br />
Também está mesmo quase, quase<br />
tudo no catálogo da exposição hoje<br />
lançado no Mu<strong>de</strong>, que faz as vezes <strong>de</strong><br />
monografia do seu trabalho, coligido<br />
ao longo <strong>de</strong> anos por Sofia da Costa<br />
Pessoa. Ela <strong>de</strong>bateu-se com a dificulda<strong>de</strong><br />
da perda <strong>de</strong> documentos (“é só<br />
papelada”, saco<strong>de</strong> António Garcia) ao<br />
longo <strong>dos</strong> anos, mas teve um aliado:<br />
o próprio autor que, por sua iniciativa,<br />
refez muitos <strong>dos</strong> cartazes e das<br />
maquetes agora expostos. Era um trabalhador<br />
incansável, confi<strong>de</strong>ncia-nos<br />
Sofia da Costa Pessoa – e ainda o é,<br />
aos 85 anos. Foi há mais <strong>de</strong> 20 que o<br />
conheceu e à sua casa no Bairro Alto,<br />
cheia <strong>dos</strong> seus objectos – “era um<br />
mundo fascinante”.<br />
António Garcia é um <strong>dos</strong> solda<strong>dos</strong><br />
<strong>de</strong>sconheci<strong>dos</strong> do <strong>de</strong>sign português<br />
e, segundo Sofia da Costa Pessoa,<br />
“um homem sem ida<strong>de</strong>”, “prático e<br />
muito intuitivo, que faz não porque<br />
viu ou leu mas porque tem <strong>de</strong> resolver<br />
um problema”. Já se cantaram os<br />
elogios a Daciano Costa e Sena da Silva,<br />
seus contemporâneos e colegas<br />
regulares, que muito admirava pelo<br />
lado mais literato, teórico. Faltava<br />
António Garcia, Prémio Nacional <strong>de</strong><br />
Design Carreira 2010 que doou o seu<br />
espólio ao Mu<strong>de</strong> e agora é cumprimentado<br />
pelos vigilantes do museu<br />
enquanto mexerica na Osaka ou ajeita<br />
uma vitrina.<br />
Dos livros da Ulisseia que <strong>de</strong>senhou<br />
para os escaparates só leu “O A<strong>de</strong>us<br />
Às Armas” e “A Casa <strong>de</strong> Jalna” (Mazo<br />
<strong>de</strong> la Roche), frisa. Não havia tempo<br />
para ler tudo e, à velocida<strong>de</strong> a que a<br />
editora lançava livros, algumas capas<br />
eram <strong>de</strong>senhadas com menos <strong>de</strong> 15<br />
dias <strong>de</strong> antecedência. Por isso, lia os<br />
resumos <strong>de</strong> uma ma ou duas páginas dac<br />
tilografadas feitos pelo editor, para<br />
que dali saíssem sem i<strong>de</strong>ias, “elementos<br />
que pu<strong>de</strong>ssem m simbolizar os conteú<strong>dos</strong>”.<br />
Raramente ente precisou disso, <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong>s leituras. ras. Estudou na António<br />
Arroio mas aos os 17 anos já estava a trabalhar.<br />
Sempre pre teve “a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> resolver coisas”, oisas”, conta. Das separatas<br />
<strong>de</strong> construções truções da revista “Mosquito”<br />
até aos s mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> coelheiras<br />
encomenda<strong>dos</strong> os pelo Estado Novo durante<br />
a Segunda nda Guerra Mundial e<br />
publica<strong>dos</strong> nos os jornais para mostrar<br />
os cidadãos o que<br />
<strong>de</strong>viam ter nas<br />
varandas, do bar<br />
do Hotel Alvor vor<br />
Praia, que <strong>de</strong>senhou<br />
com m<br />
Daciano Cos-<br />
ta, aos apo-<br />
sentos <strong>de</strong> Américo Tomás no navio<br />
Príncipe Perfeito, António Garcia fez<br />
<strong>de</strong> tudo para solucionar problemas.<br />
Finalmente em casa<br />
O seu trabalho ligou-o, <strong>de</strong> facto, a<br />
quem estava no mesmo comprimento<br />
<strong>de</strong> onda. Ligou-o a um então <strong>de</strong>sconhecido<br />
que conheceu numa festa<br />
no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 1965, e a quem<br />
ofereceu um maço <strong>de</strong> tabaco Sintra.<br />
Esse <strong>de</strong>sconhecido far-lhe-ia um convite<br />
para uma noite <strong>de</strong> Bossa Nova em<br />
que conheceu Elis Regina e João do<br />
Vale, em que viu Claudia Cardinale,<br />
em que foi, uma vez mais, um português<br />
tranquilo. Ligou-o também a um<br />
mundo <strong>de</strong> gentes que com ele se cruzou<br />
na publicida<strong>de</strong> ou no atelier que<br />
ocupou por 40 anos na Avenida da<br />
Liberda<strong>de</strong>, e que era “quase uma república”.<br />
Por ali passavam arquitectos,<br />
pintores e surrealistas como Fernando<br />
Lemos e Marcelino Vespeira.<br />
Tem memória, mas sobretudo calos<br />
<strong>dos</strong> tempos em que tudo se <strong>de</strong>senhava<br />
à mão, sem Photoshops ou Illustrators.<br />
“O <strong>de</strong>sign é algo que tenho<br />
dificulda<strong>de</strong> em explicar. Sempre houve<br />
<strong>de</strong>sign, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o homem lascou<br />
a pedra para cortar carne. Hoje em<br />
dia é tudo <strong>de</strong>sign, há coisas a que se<br />
chama <strong>de</strong>sign e que são horrorosas”,<br />
diz, pragmático. Os <strong>de</strong>signers – e António<br />
Garcia é outras coisas para além<br />
disso - são treina<strong>dos</strong> a pensar em termos<br />
<strong>de</strong> limitações e constrangimentos.<br />
Garcia não teve teoria, foi a prática<br />
que o fez assim. Agora, gosta <strong>de</strong><br />
pensar que o seu trabalho encontrou<br />
uma casa.<br />
“Foi um projecto que me ultrapassou,<br />
a mim e ao autor”, comenta Sofia<br />
da Costa Pessoa, encantada com<br />
os círculos que se fecharam. “Des<strong>de</strong><br />
os 20 anos que lhe digo que tínhamos<br />
que fazer uma exposição do seu trabalho”.<br />
Aconteceu agora (20 anos,<br />
um mestrado e uma tese <strong>de</strong>pois),<br />
num espaço tocado por ele – o auditório<br />
do Mu<strong>de</strong>, ex-Banco Nacional<br />
Ultramarino, foi <strong>de</strong>senhado por António<br />
Garcia e era, há anos, a única<br />
sala intacta e por esventrar do edifício<br />
que hoje acolhe o museu; o Mu<strong>de</strong><br />
preten<strong>de</strong> agora reactivar e rentabilizar<br />
essa sala.<br />
“O gran<strong>de</strong> valor <strong>de</strong> António Garcia<br />
é a gran<strong>de</strong> paixão pelo ofício e pela<br />
resolução <strong>de</strong> problemas a qualquer<br />
escala. É o gran<strong>de</strong> sentido <strong>de</strong> cons-<br />
truir, mas também da comunicação,<br />
da síntese, rápida. Gosta<br />
<strong>de</strong> resolver <strong>de</strong>safios”,<br />
diz a comissária. Directamente<br />
da era sem<br />
computadores, <strong>de</strong> lápis<br />
e esquadro na mão, para<br />
aquela em que uma<br />
janelinha digital nos<br />
oferece a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> resolver problemas,<br />
António Garcia e o seu<br />
trabalho ainda estão<br />
por aí.<br />
A ca<strong>de</strong>ira Osaka’70,<br />
feita em contrarelógio:<br />
“Esteve em<br />
minha casa até<br />
agora”, diz António<br />
Garcia<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
JUN~1O<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
JUN~1O<br />
24, 25 E 26 JUN<br />
QUINTA, SEXTA<br />
E SÁBADO ÀS 22H00<br />
JARDIM DE INVERNO M/12<br />
AUTORIA<br />
NUNO COSTA SANTOS<br />
INTERPRETAÇÃO<br />
DINARTE BRANCO<br />
DIRECÇÃO ARTÍSTICA<br />
NUNO COSTA SANTOS<br />
DINARTE BRANCO<br />
REALIZAÇÃO E<br />
EDIÇÃO DE VÍDEO<br />
PAULO ABREU<br />
SONOPLASTIA<br />
SÉRGIO GREGÓRIO<br />
LUZ<br />
FELICIANO BRANCO<br />
PRODUÇÃO EXECUTIVA<br />
PRODUÇÕES FICTÍCIAS<br />
PRODUÇÃO<br />
TEATRO MICAELENSE<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />
BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />
Cláudia Galhós<br />
João Salaviza<br />
António Mega Ferreira<br />
José Sasportes<br />
Luísa Taveira<br />
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3O JUN<br />
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BAUSCH<br />
UM ANO DEPOIS<br />
Toda a programação em<br />
www.teatrosaoluiz.pt<br />
© josé fra<strong>de</strong><br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 39<br />
silva!<strong>de</strong>signers
O futuro do Chile ainda<br />
Teatro<br />
Dois<br />
momentoschave<br />
do<br />
teatro chileno<br />
contemporâneo:<br />
“Neva”<br />
(em cima) e<br />
“Hechos<br />
Consuma<strong>dos</strong>”<br />
(em baixo)<br />
África, Caraíbas, América Latina: é para lá que <strong>de</strong>vemos olhar se quisermos ver “O Próximo<br />
companhias <strong>de</strong> teatro chilenas que integram o programa – o Teatro en el Blanco <strong>de</strong> Guillermo<br />
Castro, com “Hechos Consuma<strong>dos</strong>” – e o que vemos é um país com todo<br />
40 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
A América Latina tem todo o futuro<br />
pela frente: é por isso que é uma das<br />
regiões para on<strong>de</strong> <strong>de</strong>vemos olhar se<br />
quisermos saber por on<strong>de</strong> vai andar<br />
o mundo daqui a umas décadas, aponta<br />
a Gulbenkian, que a partir <strong>de</strong> hoje<br />
põe a meta<strong>de</strong> hispânica do continente<br />
americano (juntamente com África<br />
e as Caraíbas) no mapa do ciclo “Próximo<br />
Futuro”. Há lugar para o Chile<br />
nesse mapa – foi lá, e também na Argentina,<br />
que o programador António<br />
Pinto Ribeiro encontrou o melhor teatro<br />
do espectro latino-americano –,<br />
mesmo que talvez não haja lugar para<br />
o futuro no Chile. Olhamos para<br />
“Neva”, pequena obra-prima do Teatro<br />
en el Blanco <strong>de</strong> Guillermo Cal<strong>de</strong>rón<br />
(Santiago do Chile, 1971), e também<br />
para “Hechos Consuma<strong>dos</strong>”, do<br />
Teatro La Memoria <strong>de</strong> Alfredo Castro<br />
(Santiago do Chile, 1952), e vemos o<br />
sangue, a morte, a pobreza, a <strong>de</strong>silusão:<br />
este país tem todo o passado pela<br />
frente.<br />
Está igual, o Chile: igual ao que era<br />
em 1905, na São Petersburgo a caminho<br />
<strong>de</strong> ser Leninegrado que Guillermo<br />
Cal<strong>de</strong>rón ilumina com um radiador<br />
em “Neva” (hoje e amanhã, no<br />
Gran<strong>de</strong> Auditório), igual ao que era<br />
em 1981, nesses subúrbios <strong>de</strong> Santiago<br />
on<strong>de</strong> a ditadura militar sempre<br />
gostou <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejar os mortos vivos<br />
que teriam ficado um bocadinho mal<br />
(mesmo que <strong>de</strong> óculos escuros, como<br />
Pinochet) entre o sr. Reagan e a sra.<br />
Thatcher, na fotografia <strong>de</strong> família do<br />
neoliberalismo, e que agora também<br />
não ficam muito bem no auto-retrato<br />
que é “Hechos Consuma<strong>dos</strong>” (dias 25<br />
e 26), igual ao que foi há uns meses,<br />
a seguir a mais um terramoto. Não se<br />
mexe, o Chile, diz Cal<strong>de</strong>rón: o passado<br />
é um peso que o faz ir ao fundo.<br />
“Este é um país que não soube superar<br />
as diferenças <strong>de</strong> classes, um país<br />
ainda muito marcado pelas feridas da<br />
ditadura <strong>de</strong> Pinochet. Para mim, o<br />
processo <strong>de</strong>mocrático é um fracasso<br />
doloroso porque as instituições políticas<br />
da ditadura mantiveram-se intactas.<br />
Nisso, o Chile é um país mais<br />
<strong>de</strong> passado do que <strong>de</strong> futuro. A América<br />
Latina é um continente jovem;<br />
um continente on<strong>de</strong>, ao contrário da<br />
Europa, as pessoas ainda querem ter<br />
filhos, mas há <strong>de</strong>masiada violência,<br />
<strong>de</strong>masiada <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>. Seria <strong>de</strong>sajustado<br />
dizer que daqui se vê o futuro”.<br />
Uma hora antes, noutro telefonema<br />
<strong>de</strong> longa distância, Alfredo<br />
Castro, que podia ser pai <strong>de</strong> Cal<strong>de</strong>rón:<br />
“A América Latina é o que fizermos<br />
<strong>de</strong>la. É um continente tão novo, mas<br />
ao mesmo tempo com uma história<br />
tão pesada... Sim, houve um momento<br />
em que to<strong>dos</strong> acreditámos que este<br />
era o continente do futuro, mas<br />
estou <strong>de</strong>siludido. O mal menor não é<br />
o melhor. Há sectores que melhoraram<br />
muito com 20 anos <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia,<br />
mas não foi suficiente, não foi o<br />
que tinha <strong>de</strong> ser. O Chile acaba <strong>de</strong> eleger<br />
um Governo <strong>de</strong> direita, é como se<br />
nunca saíssemos do sítio”.<br />
To<strong>dos</strong> marginais<br />
Voltemos a esse sítio, então (a medo,<br />
porque também somos um país <strong>de</strong>sses:<br />
com mais passado do que futuro,<br />
e que passado). É como se o teatro<br />
chileno, 17 anos <strong>de</strong>pois, também não<br />
conseguisse sair daqui. Aqui são os<br />
arrabal<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Santiago, do outro lado<br />
do Maipo, num texto que o dramaturgo-operário<br />
Juan Radrigán, uma das<br />
vozes mais emblemáticas do teatro<br />
chileno, escreveu em 1981 e que o actor<br />
e encenador Alfredo Castro (que<br />
vimos não há muito tempo no cinema,<br />
a fazer <strong>de</strong> John Travolta em “Tony<br />
Manero”: e também aí o Chile estava<br />
parado nesse espaço-tempo que pa-
a é o passado<br />
Futuro”, na Gulbenkian. Olhamos para as duas<br />
Cal<strong>de</strong>rón, com “Neva”, e o Teatro La Memoria <strong>de</strong> Alfredo<br />
o passado pela frente. Inês Nadais<br />
rece engolir toda a sua tão latino-americana<br />
história) montou pela primeira<br />
vez em 1999. Em Janeiro, a convite<br />
da edição especial que o festival Santiago<br />
a Mil organizou para o bicentenário<br />
da in<strong>de</strong>pendência do Chile,<br />
Alfredo Castro voltou a 1999 e trouxe<br />
<strong>de</strong> lá “Hechos Consuma<strong>dos</strong>”. Não lhe<br />
mexeu muito, garante, e voltou a fazer<br />
todo o sentido: “Depois do festival,<br />
fizemos uma temporada <strong>de</strong> dois<br />
meses na nossa sala. Terminámos as<br />
representações no sábado e, tanto<br />
tempo <strong>de</strong>pois do fim da ditatura, as<br />
pessoas continuam a aplaudir <strong>de</strong> pé.<br />
O texto tem uma actualida<strong>de</strong> tremenda.<br />
Foi escrito na fase mais sinistra da<br />
ditadura, mas sobrevive completamente<br />
à pequena história pinochetista<br />
<strong>dos</strong> <strong>de</strong>sapareci<strong>dos</strong>, <strong>dos</strong> sequestros<br />
e das prisões políticas. Estamos até<br />
“Aqui as pessoas vêem<br />
o teatro como o lugar<br />
on<strong>de</strong> se discutem<br />
coisas relevantes (...).<br />
Utilizo o teatro<br />
como canal privado<br />
<strong>de</strong> participação.<br />
É a minha maneira<br />
<strong>de</strong> fazer política,<br />
uma maneira <strong>de</strong> ter<br />
voz e <strong>de</strong> ser ouvido”<br />
Guillermo Cal<strong>de</strong>rón<br />
impressiona<strong>dos</strong> com a maneira como<br />
continua tão vigente”.<br />
“Hechos Consuma<strong>dos</strong>” é sobre a<br />
luta pelo “direito a viver num lugar”<br />
– uma luta que parecia ser <strong>dos</strong> mais<br />
pobres e com os anos passou a ser <strong>de</strong><br />
toda a classe média. Foi isso que Juan<br />
Radrigán achou quando voltou a ver<br />
a peça em Janeiro: neiro: que<br />
o texto continuava ntinuava<br />
“em dia” e que ue Alfredo<br />
Castro tinha nhaconseguido a proeza oeza <strong>de</strong><br />
olhar para as s personagens<br />
e ver er<br />
mais do que<br />
dois semabrigo,<br />
um<br />
louco e um<br />
guardanoctur-<br />
Guillermo<br />
Cal<strong>de</strong>rón e<br />
Alfredo<br />
Castro: <strong>de</strong><br />
geração em<br />
geração, o<br />
teatro chileno<br />
é a<br />
continuação<br />
da política por<br />
outros meios<br />
pRÉMIO<br />
micro<br />
filmes ffilmess para<br />
macro<br />
causas<br />
uma parceria apoio<br />
CONCURSO<br />
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Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 41
42 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
Explo<strong>de</strong> América<br />
Latina<br />
Por estes anos, Santiago do Chile e Buenos Aires parecem as<br />
capitais mundiais do teatro in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Um fenómeno<br />
para o qual contribuem um público apaixonado, a tradição,<br />
longos perío<strong>dos</strong> <strong>de</strong> ensaios e, ironicamente, a precarieda<strong>de</strong><br />
do emprego artístico. Jorge Louraço Figueira<br />
E <strong>de</strong> novo, como no ano anterior,<br />
explo<strong>de</strong> mais um espectáculo<br />
vindo <strong>de</strong> Buenos Aires ou <strong>de</strong><br />
Santiago do Chile, fazendo<br />
sensação um pouco por todo o<br />
mundo, Europa incluída. Obras <strong>de</strong><br />
jovens directores e dramaturgos<br />
sul-americanos, como Guillermo<br />
Cal<strong>de</strong>rón e Rafael Spregelburd,<br />
que aliam a novida<strong>de</strong> e a frescura<br />
a peças com diálogo, enredo e<br />
personagem.<br />
Por estes anos, Buenos Aires<br />
e Santiago do Chile parecem as<br />
capitais mundiais do teatro, pelo<br />
menos da produção in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,<br />
que se distingue tanto do teatro<br />
comercial, feito <strong>de</strong> comédias<br />
mais ou menos televisivas e <strong>de</strong><br />
musicais, como do teatro ofi cial<br />
das salas do Estado, sempre às<br />
voltas com os clássicos mais ou<br />
menos integrais, na busca <strong>de</strong><br />
formas originais <strong>de</strong> expressar<br />
o ar <strong>dos</strong> tempos. Este chamado<br />
“Teatro <strong>de</strong> Grupo” prolifera na<br />
América Latina, as mais das vezes<br />
por necessida<strong>de</strong>. Em Buenos<br />
Aires e São Paulo, há meio milhar<br />
<strong>de</strong> estreias por ano, em centenas<br />
<strong>de</strong> salas registadas ou espaços<br />
improvisa<strong>dos</strong>, promovidas por<br />
pequenos colectivos teatrais.<br />
A Portugal têm chegado mais<br />
timidamente ecos <strong>de</strong>ssa vaga, nos<br />
festivais e em iniciativas pontuais,<br />
com as estreias <strong>de</strong> Rafael<br />
Spregelburd (“La Estupi<strong>de</strong>z”) e<br />
Guillermo Cal<strong>de</strong>rón (“Deciembre”),<br />
no Festival <strong>de</strong> Almada, em 2007<br />
e 2009, respectivamente, <strong>de</strong><br />
Claudio Tolcachir (“La omisión<br />
<strong>de</strong> la família Coleman”), em 2009,<br />
no Centro Cultural <strong>de</strong> Belém, e<br />
<strong>dos</strong> paulistas XIX (“Hysteria”) no<br />
FITEI, em 2004. Nas próximas<br />
semanas po<strong>de</strong>remos ver dois<br />
espectáculos chilenos do<br />
“Próximo Futuro”, na Gulbenkian,<br />
e a versão que Daniel Veronese<br />
fez <strong>de</strong> “Hedda Gabler” (“To<strong>dos</strong><br />
os gran<strong>de</strong>s governos evitaram o<br />
teatro íntimo”), na próxima edição<br />
do Festival <strong>de</strong> Almada, a 6 <strong>de</strong><br />
Julho.<br />
Ficam ainda por ver grupos<br />
como Luna Avante e Lagartijas<br />
tiradas al sol, da Cida<strong>de</strong><br />
do México; e encenadoresdramaturgos<br />
como Mariana<br />
Percovich e Gabriel Cal<strong>de</strong>rón, do<br />
Uruguai. Do Brasil, continuam<br />
<strong>de</strong>sconhecidas em Portugal as<br />
últimas obras <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> São<br />
Paulo como a Companhia São<br />
Jorge <strong>de</strong> Varieda<strong>de</strong>s, o Núcleo<br />
Bartolomeu <strong>de</strong> Depoimentos e o<br />
Teatro <strong>de</strong> Narradores. E já é tar<strong>de</strong><br />
para alguns <strong>dos</strong> espectáculos que<br />
fi zeram história, como “Mujeres<br />
sonãron caballos”, <strong>de</strong> Veronese<br />
(em que três casais têm <strong>de</strong><br />
conviver num minúsculo espaço<br />
sobrelotado <strong>de</strong> móveis), ou mesmo<br />
impossível, caso <strong>de</strong> “Bizarra”,<br />
<strong>de</strong> Spregelburd (subtítulo: “A<br />
luta <strong>de</strong> classes explicada às<br />
crianças, com pornografi a e pop”),<br />
uma “telenovela teatral” <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<br />
capítulos e 20 horas. Ainda vamos<br />
a tempo <strong>de</strong> muitos outros: “Tercer<br />
Cuerpo”, o novo <strong>de</strong> Tolcachir;<br />
“Sin Sangre”, do Teatro Cinema;<br />
“Amarillo”, do Línea <strong>de</strong> Sombra,<br />
ou as novas <strong>dos</strong> grupos Espanca<br />
(<strong>de</strong> Belo Horizonte, célebres por<br />
“Congresso Internacional do<br />
Medo”) e XIX.<br />
O que distingue esta produção?<br />
Várias coisas. Em primeiro lugar,<br />
um público apaixonado, fervoroso<br />
e entendido, que vive o teatro<br />
tanto quando os seus criadores<br />
e faz mais pelos espectáculos no<br />
passa-palavra do que a imprensa<br />
ou a publicida<strong>de</strong>. Nos últimos<br />
anos, foram criadas Escuelas <strong>de</strong><br />
Espectadores em Buenos Aires<br />
e outras cida<strong>de</strong>s argentinas, na<br />
Cida<strong>de</strong> do México, em Montevi<strong>de</strong>u<br />
e em Santiago. A atenção <strong>dos</strong><br />
espectadores ao que se faz<br />
aumenta a responsabilida<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />
criadores, que respon<strong>de</strong>m com<br />
trabalhos cada vez melhores.<br />
Em segundo lugar, a tradição.<br />
Fugindo à Guerra Civil <strong>de</strong><br />
Espanha, Margarita Xirgu, a actriz<br />
<strong>de</strong> Lorca, percorreu as capitais<br />
latino-americanas, elevando<br />
o nível <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> da produção<br />
teatral. Fixou-se em Montevi<strong>de</strong>u<br />
nos anos 50. Nos anos 70,<br />
Enrique Buenaventura, Santiago<br />
García, Aristi<strong>de</strong>s Vargas, Boal, e<br />
companhias como o Yuyachkani<br />
ou o Escambray praticamente<br />
inventaram o teatro <strong>de</strong> grupo<br />
sul-americano, infl uenciado<br />
por Brecht e por Grotowski.<br />
Mais recentemente, Sinisterra<br />
trabalhou com muitos autores<br />
em vários países da América<br />
Latina e Bartis é responsável<br />
pela formação <strong>de</strong> boa parte <strong>dos</strong><br />
actores e encenadores <strong>de</strong> Buenos<br />
Aires. Estes criadores herdaram<br />
também uma tradição <strong>de</strong> abordar<br />
os assuntos indirectamente,<br />
concentrando-se na criação <strong>de</strong><br />
metáforas e analogias, chegando<br />
aos temas através <strong>de</strong> histórias e<br />
cenas potencialmente universais,<br />
prática <strong>de</strong>senvolvida durante<br />
as ditaduras. Como se transmite<br />
isso? Este ano, para assinalar o<br />
bicentenário da in<strong>de</strong>pendência<br />
do Chile, o festival Santiago a Mil<br />
promoveu a reposição ou novas<br />
produções das mais relevantes<br />
peças ou montagens do teatro<br />
chileno.<br />
Depois, perío<strong>dos</strong> <strong>de</strong> ensaio<br />
longos, <strong>de</strong> um ano ou mais, em<br />
que a discussão sobre o texto,<br />
a encenação e a actuação se<br />
vai encaixando aos poucos.<br />
Ironicamente, a precarieda<strong>de</strong><br />
do emprego artístico, os “day<br />
jobs” e os locais alternativos<br />
<strong>de</strong>socupa<strong>dos</strong> geram este luxo <strong>de</strong><br />
espaço e <strong>de</strong> tempo. Os calendários<br />
Ironicamente,<br />
a precarieda<strong>de</strong><br />
do emprego artístico,<br />
os “day jobs”<br />
e os locais<br />
alternativos geram<br />
um luxo <strong>de</strong> espaço<br />
e <strong>de</strong> tempo impossível<br />
no modo <strong>de</strong> produção<br />
europeu<br />
aperta<strong>dos</strong> da produção e das salas<br />
europeias jamais facilitariam<br />
coisa assim. Nem permitiriam<br />
aos espectáculos fi carem em<br />
cena in<strong>de</strong>fi nidamente: “Mujeres”<br />
fi cou seis anos em cartaz e<br />
em digressão; “La Omisión”<br />
quatro. A perseverança ajuda.<br />
Vale a pena repetir a recolha<br />
<strong>de</strong> citações feita por Marcos<br />
Ordoñez no “El País”. Spregelburd:<br />
“Só funcionam os projectos<br />
verda<strong>de</strong>iramente impossíveis”;<br />
Daulte: “Os teatreiros argentinos<br />
<strong>de</strong>sconhecem o signifi cado da<br />
palavra não”; Tolcachir: “O teatro<br />
faz-te sentir que as coisas são<br />
possíveis”; Veronese: “Quando<br />
tenho um tempo livre ensaio uma<br />
peça – ou duas”. Mas há outra<br />
coisa: método. As entrevistas <strong>dos</strong><br />
jovens directores-dramaturgos<br />
não são apenas “soundbytes”, mas<br />
pequenos trata<strong>dos</strong> <strong>de</strong> produção<br />
teatral, que revelam concepções<br />
amadurecidas do trabalho, da<br />
estética e <strong>dos</strong> meios <strong>de</strong> produção<br />
disponíveis.<br />
Que aconteceu aos grupos<br />
históricos, entretanto? Em<br />
Bogotá, no ano passado, no<br />
encontro internacional do<br />
Instituto Hemisférico <strong>de</strong> Política<br />
e Performance, pu<strong>de</strong> assistir<br />
a “El Ultimo Ensayo”, <strong>dos</strong><br />
peruanos Yuyachkani, e a “A<br />
Título Personal”, do Teatro <strong>de</strong> La<br />
Can<strong>de</strong>laria, <strong>de</strong> Bogotá, on<strong>de</strong> eram<br />
postos em cena os impasses da<br />
criação perante o <strong>de</strong>sabar tanto<br />
das ditaduras <strong>de</strong> direita quanto<br />
das esperanças <strong>de</strong> esquerda.<br />
Des<strong>de</strong> o início do milénio, não<br />
só a <strong>de</strong>mocracia se revelou uma<br />
<strong>de</strong>silusão, como as esquerdas<br />
não forneceram alternativa<br />
viável, e as memórias do terror da<br />
ditadura continuaram a reemergir<br />
constantemente, criando uma<br />
sensação <strong>de</strong> tempo cíclico, em que<br />
o futuro é o passado, que os mais<br />
jovens querem romper.<br />
Quebrar esse impasse parece<br />
ser um <strong>dos</strong> movimentos <strong>de</strong>ste<br />
novo teatro. A cena é expressão<br />
da violência que <strong>de</strong>corre lá fora,<br />
para sempre, vê-se agora. E daí<br />
vem a força <strong>de</strong>sta dramaturgia,<br />
da articulação estética <strong>de</strong>ssa<br />
violência, no seio <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s<br />
globalizadas, mediocráticas, on<strong>de</strong><br />
a representação autêntica da<br />
violência e da opressão se tornou<br />
um bem escasso. Em “Manifesto<br />
<strong>de</strong> Niños”, <strong>de</strong> Veronese, produção<br />
do El Periférico <strong>de</strong> Objectos, o<br />
público espreita para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
uma cabine on<strong>de</strong> a violência<br />
física po<strong>de</strong> ocorrer a qualquer<br />
momento. Os nomes <strong>de</strong> crianças<br />
assassinadas estão pinta<strong>dos</strong><br />
nas pare<strong>de</strong>s e são ditos em voz<br />
alta. O premiadíssimo “Pedro <strong>de</strong><br />
Valdivia”, do Tryo Teatro Banda<br />
é outro exemplo disso: enquanto<br />
vai contando a história do<br />
conquistador do Chile, enumera os<br />
actos sanguinários do século XX.<br />
Os novos grupos da América<br />
Latina contam as suas histórias.<br />
Este teatro é real porque preten<strong>de</strong><br />
reagir ao real, refl ectindo-o,<br />
mas também porque é feito da<br />
diferença entre os sonhos e a<br />
vida real – a matéria que Eugene<br />
O’Neill aconselhou ao dramaturgo<br />
brasileiro Jorge Andra<strong>de</strong> registar<br />
nas suas peças.<br />
“Manifesto <strong>de</strong><br />
Niños”, do<br />
argentino<br />
Daniel<br />
Veronese: a<br />
violência,<br />
sobretudo a<br />
violência que<br />
não se vê, é<br />
uma história<br />
implícita da<br />
América<br />
Latina<br />
“Sin Sangre”,<br />
<strong>dos</strong> chilenos<br />
Teatro<br />
Cinema,<br />
“Pedro <strong>de</strong><br />
Valdivia”, do<br />
Tryo Teatro<br />
Banda, e o<br />
argentino<br />
Rafael<br />
Spregelburd
no a lutar até à morte por um metro<br />
<strong>de</strong> terreno. “A pobreza mudou muito,<br />
e atingiu a classe média. Há 30 anos,<br />
havia muita miséria visível, muitos<br />
miú<strong>dos</strong> <strong>de</strong>scalços na rua, agora não.<br />
Mas bastou dar-se um terramoto para<br />
voltarmos a encontrar, <strong>de</strong>baixo das<br />
pedras, muita coisa que pensávamos<br />
que já não existia”, argumenta. Mas<br />
o texto, insiste Alfredo, não é só a violência<br />
e a pobreza <strong>dos</strong> anos Pinochet<br />
(que são to<strong>dos</strong> os anos, até hoje), e<br />
por isso ele não quis que as suas personagens<br />
fossem miseráveis sem sapatos:<br />
“Isto, um guarda-nocturno a<br />
dizer que aquelas pessoas não po<strong>de</strong>m<br />
estar ali porque é proprieda<strong>de</strong> privada,<br />
mesmo que esteja ao abandono,<br />
está a passar-se em todo o mundo. Na<br />
Faixa <strong>de</strong> Gaza com os palestinianos,<br />
no Chile com os mapuches, no Peru<br />
com os bolivianos. Passa-se com todas<br />
as pessoas que são obrigadas a sair <strong>de</strong><br />
casa porque há uma barragem para<br />
construir e a al<strong>de</strong>ia vai <strong>de</strong>saparecer<br />
– a Espanha é dona <strong>de</strong> toda a re<strong>de</strong><br />
hidroeléctrica chilena, faz o que quer.<br />
Este homem limita-se a dizer que tem<br />
muita pena mas não vai mexer-se, já<br />
se mexeu vezes <strong>de</strong> mais”.<br />
Esse homem, diz Castro, é o Chile<br />
que nunca chegou a existir: o Chile<br />
épico da União Popular <strong>de</strong> Salvador<br />
Allen<strong>de</strong>, e em certo sentido to<strong>dos</strong> os<br />
outros países que po<strong>de</strong>riam ter sido<br />
maravilhosos, pelo menos na nossa<br />
cabeça. Tal como o guarda-nocturno<br />
po<strong>de</strong> ser o novo Governo <strong>de</strong> direita,<br />
WWW.CURTAS.PT<br />
“O teatro não serve<br />
para nada. É por isso<br />
que o faço: não há<br />
nada <strong>de</strong> mais<br />
revolucionário do que<br />
fazer coisas inúteis.<br />
Quando vês as<br />
pessoas a aplaudirem<br />
<strong>de</strong> pé <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> um espectáculo,<br />
dás-te conta <strong>de</strong> que<br />
sim, claro, vale a pena<br />
continuares a ser<br />
inútil”<br />
Alfredo Castro<br />
com os seus porta-vozes que nunca falam,<br />
apenas fecham portas. São or<strong>de</strong>ns<br />
superiores, diz ele, e este Governo foi<br />
feito para dar or<strong>de</strong>ns: “Economicamente,<br />
o [Sebastián] Piñera e os seus homens<br />
já eram donos do país. É claro<br />
que nos tratam como emprega<strong>dos</strong>”.<br />
Por ser tão <strong>de</strong> hoje, “Hechos Consuma<strong>dos</strong>”<br />
instalou-se muito bem no<br />
Chile circa 2010 em que estamos: “Via<br />
as pessoas tão emocionadas – e muitos<br />
jovens, o que é maravilhoso, porque<br />
não queria que isto fosse uma reconstituição<br />
puramente nostálgica – que<br />
às vezes perguntava o que raio se estava<br />
a passar. E o que os espectadores<br />
me diziam era ‘sabes, é que estamos<br />
to<strong>dos</strong> muito marginais’”.<br />
Um teatro útil<br />
Continuamos a andar para trás, mais<br />
<strong>de</strong>pressa: agora é domingo, e estamos<br />
em 1905, num teatro com vista para<br />
o Neva, em São Petersburgo. Olga Knipper<br />
(actriz <strong>de</strong> Stanislavsky, viúva <strong>de</strong><br />
Tchékhov) e mais dois actores ensaiam<br />
“O Cerejal” enquanto lá fora,<br />
na vida verda<strong>de</strong>ira, centenas <strong>de</strong> revolucionários<br />
são massacra<strong>dos</strong> pelas<br />
tropas do czar. E aqui, on<strong>de</strong> é que está<br />
o Chile? Está on<strong>de</strong> estava em 1973,<br />
no dia em que Allen<strong>de</strong>, o primeiro<br />
presi<strong>de</strong>nte marxista <strong>de</strong>mocraticamente<br />
eleito da história universal, foi<br />
substituído (tinha dito que só por cima<br />
do cadáver <strong>de</strong>le, e <strong>de</strong>pois apareceu<br />
morto) por um general <strong>de</strong> óculos<br />
escuros. Talvez nesse dia também<br />
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houvesse, algures num teatro <strong>de</strong> Santiago,<br />
três actores a ensaiar um texto<br />
<strong>de</strong> Tchékhov, e a estranhar o atraso<br />
do resto do elenco e o tumulto (ou o<br />
silêncio) lá fora.<br />
“Neva”, confirma Guillermo Cal<strong>de</strong>rón,<br />
é um texto muito chileno, muito<br />
da prodigiosa ida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> porquês que<br />
o Chile ainda não <strong>de</strong>ixou para trás,<br />
sobre o fracasso das melhores utopias<br />
políticas (um texto passado em 1905<br />
que sabe exactamente o que vai acontecer<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1917), mas também é<br />
um texto muito universal sobre o sentido<br />
<strong>de</strong> fazer (e <strong>de</strong> ver) teatro enquanto<br />
lá fora, na vida verda<strong>de</strong>ira, se mata<br />
e se morre: “Começámos a ensaiar<br />
esta peça em 2006, no ano mais difícil<br />
da Guerra do Iraque, e tivemos <strong>de</strong><br />
lidar com esse problema: para quem<br />
e para quê fazer teatro quando há tanta<br />
violência na rua? O que é que se<br />
po<strong>de</strong> fazer quando lá fora há uma matança<br />
política?”. Ele tem uma maneira<br />
<strong>de</strong> lidar com o problema: “O teatro<br />
é a minha maneira <strong>de</strong> fazer política,<br />
uma maneira <strong>de</strong> ter voz e <strong>de</strong> ser ouvido.<br />
Utilizo o teatro como canal privado<br />
<strong>de</strong> participação”.<br />
Quando “Neva” acaba, os actores<br />
não vêm sequer ao palco agra<strong>de</strong>cer<br />
os aplausos: como se, pelo menos uma<br />
vez na vida, o espectáculo não tivesse<br />
forçosamente <strong>de</strong> continuar. Mas isso<br />
que é uma violência para os espectadores<br />
não é necessariamente uma<br />
violência para o teatro, que Cal<strong>de</strong>rón<br />
continua “a admirar profundamente”.<br />
É um fenómeno chileno, diz (e bom,<br />
talvez isto seja o futuro): “O Chile tem<br />
uma gran<strong>de</strong> tradição teatral. Aqui as<br />
pessoas vêem <strong>de</strong> facto o teatro como<br />
o lugar on<strong>de</strong> se discutem coisas relevantes.<br />
O teatro chileno é muito político,<br />
e creio que vai continuar a ser<br />
assim por muito tempo”. Mas na Europa,<br />
“o centro da cultura e do privilégio”,<br />
também é urgente discutir o<br />
sentido que faz ir ao teatro, em vez <strong>de</strong><br />
fazer outras coisas mais úteis, no dia<br />
em que Israel dispara à queima-roupa<br />
sobre activistas num barco.<br />
É provável que morra gente na Faixa<br />
<strong>de</strong> Gaza, ou no Iraque, ou no Sudão,<br />
numa <strong>de</strong>stas noites em que, por<br />
cá, a vida é tão simples como ir ao<br />
teatro, bater palmas e voltar para casa.<br />
Nada disto que Guillermo Cal<strong>de</strong>rón<br />
e Alfredo Castro nos vêm mostrar<br />
vai mudar o mundo. “O teatro não<br />
serve para nada. Absolutamente para<br />
nada. É por isso que o faço: não há<br />
nada <strong>de</strong> mais revolucionário do que<br />
fazer coisas inúteis”, diz Castro. Ri-se,<br />
mas <strong>de</strong> repente isto fica muito sério<br />
(continua a ser uma história latinoamericana):<br />
“Quando vês as pessoas<br />
a aplaudirem <strong>de</strong> pé <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um espectáculo<br />
em que há seres vivos a<br />
cumprirem essa tradição ancestral <strong>de</strong><br />
contar histórias, então dás-te conta<br />
<strong>de</strong> que sim, claro, vale a pena continuares<br />
a ser inútil”.<br />
Ver agenda <strong>de</strong> espectáculos págs. 63 e<br />
segs.<br />
ANALOG 3D<br />
VIAGEM À HISTÓRIA DO CINEMA<br />
A 3 DIMENSÕES<br />
The Bubble<br />
Arch Oboler, 1966<br />
Andy Warhol’s Frankenstein<br />
Paul Morrisey, 1973<br />
Curtas Metragens 3D <strong>de</strong> Ken Jacobs<br />
1971-2007<br />
Dial M for Mur<strong>de</strong>r<br />
Alfred Hitchcock, 1954<br />
House of Wax<br />
André <strong>de</strong> Toth, 1953<br />
Competições <strong>de</strong> Curtas/ Programas Especiais <strong>de</strong><br />
Filmes/ Concertos/ Exposições/ Festas/ Workshops<br />
e Debates/ Curtinhas (filmes e activida<strong>de</strong>s para<br />
crianças) +info: www.curtas.pt/festival<br />
WWW.NOTYPE.PT ©2010<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 43
Teatro<br />
44 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
Dominique Blanc, uma voz,<br />
várias vidas<br />
Aquele homem<br />
sou eu<br />
Este fi m <strong>de</strong> semana, no Teatro Nacional D. Maria II, em<br />
<strong>Lisboa</strong>, “A Dor”. Durante três dias vamos po<strong>de</strong>r ouvir<br />
falar <strong>de</strong> um homem que não se sabia se estava vivo ou<br />
morto. Marguerite Duras, pela mão <strong>de</strong> Patrice Chèreau,<br />
recorda a espera por R... É uma voz vinda <strong>de</strong> um tempo<br />
que não se po<strong>de</strong> esquecer, <strong>de</strong> tão perto que po<strong>de</strong> estar<br />
o seu regresso. Tiago Bartolomeu Costa<br />
No início era uma mulher à espera e<br />
que, nessa espera dorida, violenta,<br />
sufocante, escreveu. Chamemos-lhe<br />
D. porque ela própria, mais tar<strong>de</strong>, não<br />
se reconheceu nos textos que escreveu<br />
e, se os escreveu com o seu nome,<br />
Duras, Marguerite. “Não me lembro<br />
<strong>de</strong> o ter escrito. Sei que o fiz, fui eu<br />
que o escrevi, reconheço a minha escrita<br />
e os pormenores daquilo que<br />
conto, volto a ver o local, a gare <strong>de</strong><br />
Orsay, os trajectos, mas não me vejo<br />
a mim a escrever este Diário. Quando<br />
é que o escrevi, em que ano, a que<br />
horas do dia, em que casa? Já não sei<br />
nada.”, previne.<br />
É uma mulher cheia <strong>de</strong> raiva. Escreveu<br />
porque “não podia esquecer”, não<br />
apenas sobre esse tempo <strong>de</strong> espera<br />
por um homem que não sabia se vivo<br />
se morto, mas sobre um tempo que<br />
não “distinguia vilões <strong>de</strong> heróis, cúmplices<br />
<strong>de</strong> ignorantes”. Abril <strong>de</strong> 1945:<br />
“Ele está <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma vala a morrer<br />
com a cabeça voltada para a terra, as<br />
pernas dobradas, os braços estendi<strong>dos</strong>.<br />
Está morto. Na estrada, ao lado<br />
<strong>de</strong>le, passam os exércitos que avançam.<br />
Há três semanas que está morto”.<br />
São dias nas filas das repartições<br />
a falar com quem sabe menos do que<br />
ela, são horas à espera que o telefone<br />
toque, são noites sem dormir, a cigarros<br />
e vinho. Mais tar<strong>de</strong>, no mesmo<br />
mês: “A Alemanha está em suplício. A<br />
Alemanha está em chamas. Ele está<br />
<strong>de</strong>ntro da Alemanha. Não se tem a<br />
certeza, não completamente. Mas po<strong>de</strong><br />
dizer-se isto: se não foi fuzilado, se<br />
ficou na coluna, está no incêndio da<br />
Alemanha”. E esse <strong>de</strong>sconhecimento<br />
é tão irracional e imenso que se volta<br />
contra to<strong>dos</strong>: “Como é que se po<strong>de</strong><br />
ser Alemão?”. “Pu<strong>de</strong> querer-lhes mal<br />
durante certo tempo, era claro, nítido,<br />
ao ponto <strong>de</strong> os massacrar to<strong>dos</strong>, até<br />
chegar ao número completo <strong>dos</strong> habitantes<br />
da Alemanha, suprimi-los da<br />
terra, fazer com que nunca mais fosse<br />
possível”. Depois, “não sei qual era o<br />
dia, se era ainda um dia <strong>de</strong> Abril, não,<br />
era um dia <strong>de</strong> Maio, uma manhã às<br />
onze o telefone tocou”. Estava vivo.<br />
“Ouvi gritos conti<strong>dos</strong> nas escadas, um<br />
tumulto, barulho <strong>de</strong> passos. Depois<br />
portas a bater e gritos. Era isso. Eles<br />
chegavam da Alemanha”. Estava vivo,<br />
fraco, mas vivo.<br />
Na voz <strong>de</strong> uma só mulher<br />
No início há uma mulher, chamemoslhe<br />
D., <strong>de</strong> Dominique, actriz, Blanc<br />
<strong>de</strong> apelido, “tentada por um texto”<br />
apresentado por um homem, chamemos-lhe<br />
Patrice, sem que o peso do<br />
apelido, Chéreau, surja como uma<br />
mão férrea que tudo domina. Quase<br />
como se o homem se apagasse para<br />
<strong>de</strong>ixar a mulher falar pela voz do homem<br />
que não sabe se está vivo ou<br />
morto. Não há efeitos, nem <strong>de</strong> luz ou<br />
<strong>de</strong> som, nem uma cenografia explícita<br />
ou ilustrativa. “É uma actriz, completamente<br />
sozinha em palco fazendo<br />
reviver a aventura que foi a espera<br />
pelo regresso <strong>de</strong>sse homem”. É uma<br />
leitura, é uma encenação, é um relato<br />
porque, do mesmo modo que face<br />
à literatura, esta “fenomenal <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m<br />
do pensamento e do sentimento”<br />
envergonhava a autora, também uma<br />
adaptação cénica leva “a um encarceramento<br />
da imaginação”, diz P.<br />
“É evi<strong>de</strong>nte que o teatro não está<br />
ausente. Há um trabalho com a luz,<br />
com o cenário, há uma reflexão sobre<br />
o todo”, mas, acrescenta, “as leituras<br />
são exercícios práticos”, distinguindo-as<br />
assim <strong>de</strong> um espectáculo. “É o<br />
prazer <strong>de</strong> fazer teatro sem reflectir”,<br />
diz. Po<strong>de</strong>mos, então, admitir que, às<br />
imagens ausentes <strong>de</strong> metáforas do<br />
Chéreau dá a ver<br />
o que Duras <strong>de</strong>u a ler,<br />
sim, mas permite<br />
que os corpos<br />
e as vozes existam<br />
<strong>de</strong> acordo com<br />
o potencial<br />
<strong>de</strong> projecção <strong>de</strong> cada<br />
leitor/espectador<br />
texto <strong>de</strong> Duras não se po<strong>de</strong>m acrescentar<br />
outras imagens que impeçam<br />
uma i<strong>de</strong>ntificação, ou uma projecção,<br />
directas da parte <strong>de</strong> quem ouve. Duras<br />
dizia que era preciso não esquecer.<br />
“Escrevi para que não nos esquecêssemos”,<br />
justificou.<br />
É um texto sobre a vida três pessoas:<br />
D., o homem, Robert L., por quem<br />
espera (Antelme, <strong>de</strong> apelido real, também<br />
autor, nomeadamente <strong>de</strong> “A Espécie<br />
Humana”, sobre a experiência<br />
vivida e, em espelho, com esta “dor”),<br />
e um resistente, François, <strong>de</strong> apelido<br />
Miterrand, aqui na voz <strong>de</strong> uma só mulher,<br />
uma actriz que nunca representa,<br />
apenas ritualiza, pelas palavras,<br />
um acto <strong>de</strong> memoração.<br />
Chéreau activa um processo não<br />
necessariamente <strong>de</strong> reconciliação<br />
proporcionada pelo teatro, mas “como<br />
acto <strong>de</strong> partilha”. O texto, escrito<br />
“<strong>de</strong> um fôlego”, é “sobre um tempo<br />
que não se po<strong>de</strong> esquecer”. Chéreau<br />
fala <strong>de</strong> “um exercício prático para fazer<br />
chegar ao espectador a um pensamento”<br />
e, acrescenta, “um pensamento<br />
que as pessoas conhecem mal,<br />
mesmo que conheçam Duras”. Duras<br />
tem uma “escrita premonitória sobre<br />
a <strong>de</strong>portação e libertação alemã”.<br />
É um espectáculo, e uma encenação,<br />
que levanta mais perguntas do<br />
que dá respostas. Chéreau dá a ver o<br />
que Duras <strong>de</strong>u a ler, sim, mas o encenador,<br />
no seu modo <strong>de</strong> trabalhar o<br />
tempo do corpo suspenso pela próxima<br />
palavra, permite que os corpos, e<br />
as vozes do homem por quem D. espera,<br />
e to<strong>dos</strong> os outros, mais do que<br />
se materializarem, existam <strong>de</strong> acordo<br />
com o potencial <strong>de</strong> projecção <strong>de</strong> cada<br />
leitor/espectador. Chéreau opta por<br />
não dar corpo as outros, e explora,<br />
com a presença da actriz, características<br />
do seu olhar, seja ele cinematográfico<br />
– ecoam aqui as pressões exercidas<br />
pelos corpos nus e anónimos<br />
em “Intimida<strong>de</strong>”, os olhares vicia<strong>dos</strong><br />
e cruéis em “A Rainha Margot”, ou até<br />
as rugas <strong>de</strong> Isabelle Huppert em “Gabrielle”<br />
– ou teatral – quem tiver visto,<br />
em 2007, a leitura que fez no Teatro<br />
Nacional S. Carlos <strong>de</strong> “O Gran<strong>de</strong> Inquisidor”,<br />
retirado <strong>de</strong> “Os Irmãos Karamazov”,<br />
<strong>de</strong> Dostoievsky, lembrarse-á<br />
das possibilida<strong>de</strong>s permitidas por<br />
um palco vazio, inundado pela voz.<br />
É um tempo barroco, prenhe <strong>de</strong><br />
símbolos, lento na sua afirmação, pesado<br />
na sua intenção. Um tempo que<br />
vai da pronunciação da palavra à formação<br />
<strong>de</strong> uma imagem equivalente,<br />
e individual, no nosso cérebro. As<br />
memórias <strong>de</strong> D. passam a ser as nossas,<br />
num exercício <strong>de</strong> contemplação<br />
do tempo e da história.<br />
(As <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> Patrice Chéreau fora retiradas<br />
<strong>de</strong> um ví<strong>de</strong>o/entrevista produzido pelo<br />
Théâtre <strong>de</strong>s Amandiers <strong>de</strong> Nanterre; “A Dor”<br />
está editado pela Difel numa belíssima tradução<br />
<strong>de</strong> Tereza Coelho)
Janelle Monae<br />
Chegou e vai ficar Pág. 59<br />
Rita<br />
Redshoes<br />
continua em<br />
busca <strong>de</strong> sonhos<br />
pop Pág. 60<br />
Herta Müller escreveu, com “Tudo o que eu<br />
tenho trago comigo”, um manifesto da memória do horror nos<br />
campos <strong>de</strong> trabalho estalinistas. Com uma presenca poética ímpar,<br />
mergulha-nos nos efeitos do totalitarismo sobre o indivíduo. Pág. 46<br />
THOMAS LOHNES/AFP
Livros<br />
THOMAS LOHNES/AFP<br />
46 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
Ficção<br />
Notícias do<br />
anjo poético<br />
Uma das mais<br />
impressionantes autoras<br />
europeias escreve sobre<br />
a memória do horror,<br />
num livro <strong>de</strong> uma singular<br />
linguagem poética. José<br />
Riço Direitinho<br />
Tudo o que eu tenho trago<br />
comigo<br />
Herta Müller<br />
(Trad. Aires Graça)<br />
Dom Quixote<br />
mmmmm<br />
originalmente em<br />
2009, poucos<br />
meses antes <strong>de</strong> a<br />
sua autora, Herta<br />
Müller (n. 1953),<br />
escritora romena<br />
nascida numa<br />
comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
língua alemã (e<br />
entretanto emigrada em 1987 para<br />
Berlim, on<strong>de</strong> ainda vive), ter sido<br />
distinguida com o Prémio Nobel da<br />
Literatura.<br />
O passado da comunida<strong>de</strong> romena<br />
<strong>de</strong> língua alemã está contaminado:<br />
até ao Verão <strong>de</strong> 1944, a Roménia –<br />
com o seu ditador fascista,<br />
Antonescu – apoiou Hitler, e a<br />
comunida<strong>de</strong> alemã cultivou os i<strong>de</strong>ais<br />
nacional-socialistas. Depois da<br />
ocupação por parte do Exército<br />
Vermelho, em Janeiro <strong>de</strong> 1945,<br />
Estaline or<strong>de</strong>nou que to<strong>dos</strong> os<br />
romenos <strong>de</strong> língua alemã, homens e<br />
mulheres, com ida<strong>de</strong>s entre os 17 e<br />
os 45 anos (cerca <strong>de</strong> 80 mil), fossem<br />
<strong>de</strong>porta<strong>dos</strong> para campos <strong>de</strong><br />
trabalhos força<strong>dos</strong> na União<br />
Soviética – entre eles, estava a mãe<br />
<strong>de</strong> Herta Müller. Durante déc décadas, e<br />
porque recordava esse passado passa<br />
fascista, fascista, o tema da <strong>de</strong>portação <strong>de</strong>portaçã foi<br />
tabu, apenas abordado em<br />
conversas clan<strong>de</strong>stinas, a medo me e<br />
por meias palavras. Em 2001 2001,<br />
intrigada intrigada com esses anos passa<strong>dos</strong> pas<br />
no nnos s campos <strong>de</strong> trabalho, Mül Müller<br />
começou a registar conversa conversas com<br />
<strong>de</strong>porta<strong>dos</strong> da sua al<strong>de</strong>ia-natal al<strong>de</strong>ia-na (um<br />
pouco à maneira <strong>de</strong> W. G. Se Sebald,<br />
que assim trabalhou o traum trauma <strong>dos</strong><br />
bombar<strong>de</strong>amentos sobre a<br />
população civil alemã). Contou Cont as<br />
suas intenções ao amigo e gran<strong>de</strong> gra<br />
poeta Oskar Pastior (1927-2006) (1927-200 –<br />
também também ele romeno <strong>de</strong> língua língu alemã<br />
e antigo <strong>de</strong>portado –, que a quis q<br />
ajudar narrando-lhe as suas<br />
vivências pessoais. Em 20 2004,<br />
visitaram juntos os antig antigos<br />
campos <strong>de</strong> trabalho na<br />
Ucrânia; o projecto ppassou<br />
então a ser o <strong>de</strong> um<br />
livro<br />
em conjunto, conjunto, mas<br />
a morte<br />
repentina <strong>de</strong> Pastior, Past em<br />
2006, <strong>de</strong>ixou Herta He<br />
Müller com “qu “quatro<br />
ca<strong>de</strong>rnos cheios cheio <strong>de</strong><br />
anotações<br />
manuscritas” nas<br />
mãos; um ano an<br />
<strong>de</strong>pois, começou com a<br />
escrever o<br />
romance.<br />
“Tudo o que<br />
eu tenho<br />
trago<br />
comigo” comigo é a<br />
autobiografia<br />
autob<br />
ficcional fi f ccio <strong>de</strong><br />
um tal t<br />
Leopold Leo<br />
Auberg, Au<br />
que qu foi<br />
<strong>de</strong>portado <strong>de</strong><br />
para pa um<br />
campo ca na<br />
estepe es<br />
ucraniana u<br />
Este romance intenso e vívido, <strong>de</strong><br />
uma enorme profundida<strong>de</strong><br />
existencial, , foi ppublicado<br />
,<br />
Herta Müller reduz a acção ao mínimo, resumindo os cinco anos<br />
no campo <strong>de</strong> trabalhos força<strong>dos</strong> ao frio, à fome, aos piolhos,<br />
aos percevejos e ao trabalho físico intenso; é a força da linguagem<br />
poética, e a sua po<strong>de</strong>rosa dimensão visual, que faz este romance<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
aos 17 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> (à semelhança<br />
<strong>de</strong> Pastior), em Janeiro <strong>de</strong> 1945, e lá<br />
passou cinco anos. À parte esse<br />
tempo, há ainda uma história<br />
secundária que surge no início e no<br />
final do romance, a da<br />
homossexualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Leopold, e do<br />
seu medo <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scoberto em<br />
“ren<strong>de</strong>z-vous” na piscina e nos<br />
parques (antes e <strong>de</strong>pois da<br />
<strong>de</strong>portação), actos que o regime<br />
comunista punia com a prisão e que,<br />
no contexto do campo, equivaliam a<br />
uma sentença <strong>de</strong> morte. Quando<br />
sabe que será levado pelos russos, vê<br />
a <strong>de</strong>portação como uma<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar a casa da<br />
família; “queria partir, fugir ao <strong>de</strong>do<br />
molesto da cida<strong>de</strong> pequena, on<strong>de</strong><br />
todas as pedras tinham olhos. Em<br />
vez <strong>de</strong> medo, sentia uma secreta<br />
impaciência” (p. 12). Mas o que se<br />
viria a passar no campo estava longe<br />
<strong>dos</strong> seus piores pesa<strong>de</strong>los. E é a<br />
lembrança da frase dita pela avó,<br />
“Eu sei que voltas” – escrita sempre<br />
em maiúsculas por Müller, como se<br />
fosse um refrão que não po<strong>de</strong> nunca<br />
ser esquecido –, que acaba por lhe<br />
dar forças para resistir, e o mantém<br />
na luta impie<strong>dos</strong>a pela sobrevivência<br />
diante do convívio com a morte que<br />
lhes aparece como única saída:<br />
“Quando removíamos os <strong>de</strong>spojos,<br />
víamos o alívio nos rostos <strong>dos</strong><br />
mortos, por finalmente lhes darem<br />
<strong>de</strong>scanso” (p. 240).<br />
À semelhança <strong>de</strong> outras obras <strong>de</strong><br />
Herta Müller, também neste<br />
romance a acção é quase mínima, os<br />
cinco anos no campo quase<br />
resumi<strong>dos</strong> ao frio, à fome, aos<br />
piolhos, aos percevejos e ao trabalho<br />
físico intenso, não obstante algum<br />
arremedo <strong>de</strong> laços afectivos que<br />
nunca chegam a cumprir-se. É a<br />
força da linguagem poética que faz<br />
este romance: uma linguagem que<br />
tem por magma o sofrimento, com<br />
palavras para o horror da fome, do<br />
frio e <strong>dos</strong> piolhos que são precisas<br />
até ao pormenor, <strong>de</strong> maneira a<br />
darem à escrita uma dimensão<br />
visual que facilmente não será<br />
esquecida pelo leitor. “No colcoz<br />
morria-se mais <strong>de</strong>pressa, vivia-se em<br />
abrigos na terra, seis, sete <strong>de</strong>graus<br />
abaixo, o tecto <strong>de</strong> carqueja e ervas.<br />
Por cima infiltrava-se a chuva, por<br />
baixo subia a água subterrânea.<br />
Havia um litro <strong>de</strong> água por dia para<br />
beber e lavar. Não se morria <strong>de</strong><br />
fome, ficava-se cheio <strong>de</strong> feridas<br />
purulentas <strong>de</strong> tétano, por causa do<br />
esterco e <strong>dos</strong> bichos” (p. 188). As<br />
frases mais simples, mesmo as da<br />
<strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> uma paisagem invernal<br />
ucraniana, acabam por atingir uma<br />
profundida<strong>de</strong> existencial inesperada<br />
e <strong>de</strong>sesperante, pois os olmos são<br />
negros, os cães são negros, e há a<br />
noite e o carvão que se carrega, há a<br />
neve em que se enterram as roupas<br />
para que os piolhos se concentrem à<br />
superfície numa espécie <strong>de</strong> couveflor<br />
escura, há o pão duro escondido<br />
<strong>de</strong>baixo da almofada on<strong>de</strong> os ratos<br />
fazem ninho.<br />
Para quem conhece a obra <strong>de</strong><br />
Oskar Pastior, não é difícil encontrar<br />
as suas imagens ou metáforas,<br />
apesar <strong>de</strong> filtradas pela voz<br />
inconfundível <strong>de</strong> Herta Müller, com<br />
os seus silêncios e o gosto pela<br />
inversão como elemento estilístico,<br />
como nestas duas frases separadas<br />
por um ou dois parágrafos: “A neve<br />
no telhado da cantina é um pano <strong>de</strong><br />
linho branco.” “O pão está coberto<br />
com a neve branca do telhado” (p.<br />
212)<br />
As metáforas que fazem a<br />
linguagem da personagem são<br />
construções imagéticas que o<br />
ajudam a or<strong>de</strong>nar o horror – uma<br />
espécie <strong>de</strong> protecção poética contra<br />
esse sentimento que o ro<strong>de</strong>ia – e que<br />
ao mesmo tempo tentam esconjurálo.<br />
“O anjo acompanha-me <strong>de</strong> fome<br />
escancarada até ao monte <strong>de</strong> lixo<br />
por <strong>de</strong>trás da cantina. (…) Sigo passo<br />
a passo os meus próprios pés, se não<br />
os seus. A fome é o meu norte, se<br />
não o seu. (…) A minha voracida<strong>de</strong> é<br />
crua, as minhas mãos são ferozes. As<br />
mãos são minhas. O anjo não mete<br />
as mãos no lixo. Enfio na boca restos<br />
<strong>de</strong> cascas <strong>de</strong> batata e fecho os dois<br />
olhos, assim sinto-os melhor” (p.<br />
86).<br />
Por cá, e mais uma vez, a<br />
atribuição do Nobel a Müller <strong>de</strong>ixou<br />
muita gente admirada, não faltando<br />
comentários que são resultado da<br />
ignorância e do facto <strong>de</strong> a edição<br />
portuguesa continuar<br />
propositadamente a recusar (muitos)<br />
gran<strong>de</strong>s nomes da literatura<br />
europeia (compare-se com o que é<br />
editado em Espanha ou Itália, por<br />
exemplo). Se o prémio <strong>de</strong> Müller foi<br />
uma surpresa, isso <strong>de</strong>ve-se apenas<br />
ao facto <strong>de</strong> a Aca<strong>de</strong>mia Sueca ter<br />
distinguido em anos recentes dois<br />
nomes da literatura <strong>de</strong> língua alemã,<br />
Günter Grass e Elfrie<strong>de</strong> Jelinek, e<br />
não ser expectável mais um. Não é<br />
preciso, mas se fosse este livro<br />
provaria a justeza da distinção.<br />
Retrato <strong>de</strong><br />
uma rapariga<br />
O gran<strong>de</strong> mérito <strong>de</strong>ste<br />
livro é o estoicismo com<br />
que <strong>de</strong>sperdiça todas as<br />
oportunida<strong>de</strong>s que vai<br />
criando. Luís Miguel<br />
Queirós<br />
Brooklyn<br />
Colm Tóibín<br />
(Trad. C. Santos)<br />
Bertrand<br />
mmmmn<br />
“Goethe segura um espelho diante<br />
da natureza”. A célebre frase do<br />
poeta Heinrich Heine adapta-se bem<br />
a “Brooklyn”, o mais recente
Isabel<br />
Coutinho<br />
Ciberescritas<br />
Eu me lembro <strong>de</strong> vê-lo andando e me<br />
surpreen<strong>de</strong>r que ele andasse”, conta o<br />
compositor e escritor Chico Buarque no<br />
documentário “Raízes do Brasil” on<strong>de</strong> fala do<br />
seu pai, o historiador Sérgio Buarque <strong>de</strong><br />
Holanda (1902-1982), que passava os dias enfiado no<br />
escritório com o nariz nos livros. Os filhos passavam e<br />
viam “aquela pessoa com óculos na testa”. Pouco antes<br />
<strong>de</strong> morrer, Sérgio Buarque chamou Chico ao escritório,<br />
aproximou-se da estante giratória e entregou-lhe um livro<br />
<strong>de</strong> capa preta que ele nunca tinha visto. Era o “Dicionário<br />
Analógico da Língua Portuguesa”, <strong>de</strong> Francisco Ferreira<br />
<strong>dos</strong> Santos Azevedo. Um dicionário em que as entradas<br />
estão organizadas por temas e não por uma lista<br />
alfabética <strong>de</strong> palavras. “Isso po<strong>de</strong> te servir, foi mais ou<br />
menos o que ele então me disse, no seu falar meio<br />
grunhido”, escreve Chico no prefácio que escreveu para<br />
a nova edição <strong>de</strong>ste dicionário e que po<strong>de</strong> ser lido na<br />
íntegra no “site” que a editora brasileira <strong>de</strong>dica à obra.<br />
Durante anos, este livro, escrito pelo jornalista,<br />
professor, gramático e historiador que fundou a<br />
Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Letras <strong>de</strong> Goiás, esteve esgotado. No fi nal<br />
<strong>de</strong>ste mês, 60 anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter ido pela primeira vez<br />
para as livrarias, a Lexikon<br />
Pouco antes <strong>de</strong> morrer,<br />
Sérgio Buarque<br />
chamou Chico ao<br />
escritório e entregoulhe<br />
um livro <strong>de</strong> capa<br />
preta que ele nunca<br />
tinha visto<br />
Dicionário Analógico<br />
da Língua<br />
Portuguesa<br />
http://www.<br />
lexikon.com.br/<br />
dicionario_analogico/dicionarioanalogico.hmtl<br />
Lexikon Editora<br />
Digital<br />
http://www.<br />
lexikon.com.br<br />
Leituras<br />
Para não se <strong>de</strong>ixarem<br />
embasbacar<br />
Editora Digital lança no<br />
Brasil uma nova edição, <strong>de</strong><br />
800 páginas, actualizada e<br />
ampliada por uma equipa<br />
dirigida por Paulo Geiger. E,<br />
até ao fi nal do ano, a editora<br />
dirigida por Carlos Augusto<br />
Lacerda quer ter uma versão<br />
“online” gratuita e que receba<br />
contributos <strong>dos</strong> leitores.<br />
No prefácio, Chico Buarque<br />
conta que com a ajuda <strong>de</strong>ste<br />
dicionário escreveu “novas<br />
canções e romances”, “<strong>de</strong>cifrou enigmas” e terminou<br />
“muitas palavras cruzadas”. “Escarafunchar” naquele<br />
dicionário analógico passou a ser “um passatempo”. O<br />
resultado é que o livro, “herdado já em estado precário”,<br />
começou a esfarelar-se nos seus <strong>de</strong><strong>dos</strong>. Descobriu um<br />
igual num alfarrabista e, quando esse também começou<br />
a dar “sinais <strong>de</strong> fadiga”, andou <strong>de</strong> alfarrabista em<br />
alfarrabista, até encontrar outro exemplar. “Encontrei<br />
dois, mas não me <strong>de</strong>i por satisfeito, fi quei viciado no<br />
negócio. Dei <strong>de</strong> vasculhar livrarias país afora, só em<br />
São Paulo adquiri meia dúzia <strong>de</strong> exemplares, e ainda<br />
arrematei o último à venda na Amazon.com antes<br />
que algum aventureiro o fi zesse. Eu já imaginava<br />
<strong>de</strong>ter o monopólio (açambarcamento, exclusivida<strong>de</strong>,<br />
hegemonia, senhorio, império) <strong>de</strong> dicionários analógicos<br />
da língua portuguesa, não fosse pelo senhor João Ubaldo<br />
Ribeiro, que ao que me consta também tem um, quiçá<br />
carcomido pelas traças (brocas, carunchos, gusanos,<br />
cupins, térmitas, cáries, lagartas-rosadas, gafanhotos,<br />
bichos-carpinteiros). A horas mortas, eu corria os olhos<br />
pela minha prateleira (...), anotava num moleskine as<br />
palavras mais preciosas, a fi m <strong>de</strong> esmerar o vocabulário<br />
com que eu embasbacaria as moças e esmagaria meus<br />
rivais”, conta Chico.<br />
As moças que não querem fi car embasbacadas e os<br />
rivais têm agora à sua disposição o “Dicionário Analógico<br />
da Língua Portuguesa”, on<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> procurarem<br />
palavras, po<strong>de</strong>m recorrer a um índice interminável.<br />
isabel.coutinho@publico.pt<br />
O Novo Grémio do Porto dá<br />
seguimento, até ao fi nal do<br />
mês, ao seu programa <strong>de</strong><br />
leituras em voz alta. Todas<br />
as terças-feiras, pelas<br />
21h, um comité <strong>de</strong> leitura<br />
informal, a que qualquer<br />
novo interessado po<strong>de</strong><br />
juntar-se, encontramse<br />
na sala do Centro <strong>de</strong><br />
Documentação do Teatro<br />
Nacional S. João (sita no<br />
Mosteiro <strong>de</strong> São Bento da<br />
Vitória). Pelas sessões<br />
(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/<br />
ciberescritas)<br />
do Novo Grémio mio<br />
do Porto,<br />
coor<strong>de</strong>nadas s<br />
pelo actor<br />
Daniel Pinto, , o<br />
encenador Nuno uno<br />
M. Car<strong>dos</strong>o e a<br />
documentalista sta<br />
Paula Braga, já<br />
passaram obras ras<br />
como “A Hora a<br />
em Que Não<br />
Sabíamos<br />
Nada<br />
Uns <strong>dos</strong> Outros”,<br />
<strong>de</strong> Pete Peter Handke,<br />
ou o “Fausto”, “Fa <strong>de</strong><br />
Christopher Christo Marlowe.<br />
Os próximos pró autores<br />
a entrar entr em cena são<br />
Heinrich Heinr von Kleist<br />
(“Pentesileia”), (“Pen<br />
dia<br />
22, e Marguerite<br />
Yourcenar<br />
Yo<br />
(“Diálogo (“ no<br />
Pântano”), P<br />
dia<br />
29.<br />
romance do<br />
irlandês Colm<br />
Tóibín, que<br />
conquistara a<br />
crítica<br />
internacional com<br />
“O Mestre”, uma<br />
biografia<br />
romanceada <strong>de</strong><br />
Henry James,<br />
publicada em 2004.<br />
Se, nesse livro, Tóibín se centrara<br />
nos últimos e difíceis anos do autor<br />
<strong>de</strong> “Retrato <strong>de</strong> Uma Senhora”,<br />
tempos <strong>de</strong> fracasso, envelhecimento<br />
e impotência criadora, em<br />
“Brooklyn”, pelo contrário,<br />
<strong>de</strong>screve-nos um início <strong>de</strong> vida. Eilis,<br />
uma jovem irlan<strong>de</strong>sa do pós-guerra,<br />
vai para os Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, como<br />
tantos <strong>dos</strong> seus conterrâneos, em<br />
busca <strong>de</strong> melhores condições <strong>de</strong><br />
trabalho. Não se po<strong>de</strong> dizer que<br />
tome pessoalmente essa <strong>de</strong>cisão.<br />
Limita-se a aceitar o que julga que a<br />
sua mãe a sua irmã acham que é o<br />
melhor para ela. De resto, nada do<br />
que lhe irá acontecer ao longo do<br />
livro parece resultar genuinamente<br />
da sua livre iniciativa.<br />
Seguindo, neste seu retrato <strong>de</strong><br />
uma rapariga, a lição <strong>de</strong> James,<br />
Tóibín é o narrador, mas restringe o<br />
seu conhecimento ao que Eilis sabe,<br />
vê e pensa. E Eilis sabe pouco, não<br />
se interessa especialmente pelo<br />
mundo exterior, que encara com<br />
uma <strong>de</strong>sconfiança resignada, e<br />
raramente pensa em algo que<br />
transcenda a sua esfera mais íntima.<br />
Com uma protagonista tão pouco<br />
“glamourosa”, seria <strong>de</strong> esperar que<br />
Tóibín tentasse espicaçar o interesse<br />
do leitor confrontando a sua heroína<br />
com circunstâncias que a<br />
obrigassem a sair da sua passivida<strong>de</strong>.<br />
Mas faz justamente o inverso, e essa<br />
é a gran<strong>de</strong> força <strong>de</strong>ste livro. Tudo o<br />
que acontece a Eilis é absolutamente<br />
plausível, e as suas reacções só não<br />
são sempre previsíveis porque nos<br />
habituamos a que as personagens <strong>de</strong><br />
ficção nos surpreendam.<br />
O enredo do livro conta-se em<br />
poucas palavras. Eilis emigra para<br />
Brooklyn, instala-se em casa <strong>de</strong> uma<br />
senhora que aluga quartos a jovens<br />
irlan<strong>de</strong>sas e trabalha ao balcão numa<br />
gran<strong>de</strong> loja <strong>de</strong> roupas. Num baile <strong>de</strong><br />
O talento <strong>de</strong> Cóibín está nos<br />
<strong>de</strong>talhes, e na sua capacida<strong>de</strong><br />
para resistir à tentação <strong>de</strong><br />
armadilhar o romance com<br />
surpresas que, no panorama<br />
actual da fi cção, seriam<br />
mais óbvias do que a sua<br />
imperturbável plausibilida<strong>de</strong><br />
paróquia, organizado pelo padre<br />
irlandês que lhe arranjou o<br />
emprego, conhece um italoamericano,<br />
Tony, que se torna seu<br />
namorado. Um dia recebe a notícia<br />
<strong>de</strong> que a sua irmã Rose morreu e<br />
regressa à Irlanda para confortar a<br />
mãe. No tempo que passa na sua<br />
terra natal, namorisca<br />
inocentemente com um amigo <strong>de</strong><br />
infância, James Farrell. A partir daí a<br />
questão é a <strong>de</strong> saber se regressará à<br />
América, e a Tony, ou se ficará em<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 47<br />
PAULO PIMENTA
Livros<br />
casa com Jim. Mas nunca é óbvio<br />
que esta seja, <strong>de</strong> facto, uma questão<br />
angustiante para Eilis, nem ela dá<br />
sinais <strong>de</strong> que qualquer uma das<br />
opções a entusiasme<br />
excessivamente. E, como sempre, é<br />
um estímulo exterior que a leva a<br />
<strong>de</strong>cidir.<br />
O livro está cheio <strong>de</strong> situações<br />
“prometedoras”, que muitos<br />
romancistas não teriam hesitado em<br />
espremer. Até o padre católico, que<br />
trabalha com jovens e crianças, é<br />
apenas um bom homem,<br />
genuinamente empenhado em<br />
ajudar os seus paroquianos, quando<br />
teria sido facílimo transformá-lo<br />
num abusador sexual.<br />
A suposta in<strong>de</strong>cisão final <strong>de</strong> Eilis<br />
ter-se-ia tornado mais dramática se,<br />
por exemplo, ela tivesse<br />
engravidado <strong>de</strong> Tony na noite em<br />
que o levou para a cama. Mas não<br />
engravidou. Ou se a mãe tivesse feito<br />
alguma chantagem emocional com<br />
ela para que ficasse na Irlanda. Mas<br />
não fez. E que dizer da cena em que<br />
Eilis é apalpada pela sua chefe no<br />
emprego? Sendo Tóibín um escritor<br />
assumidamente homossexual,<br />
esperava-se que Eilis reagisse, pelo<br />
menos, com sentimentos<br />
contraditórios. Mas a verda<strong>de</strong> é que<br />
pura e simplesmente não reage e a<br />
coisa esgota-se em duas ou três<br />
linhas.<br />
Esta <strong>de</strong>scrição po<strong>de</strong> sugerir que<br />
estamos perante um romance em<br />
que não se passa nada, centrado<br />
numa personagem bastante<br />
enfadonha. Nada mais falso. Passa-se<br />
muita coisa e a protagonista é<br />
fascinante. O talento <strong>de</strong> Tóibín está<br />
nos <strong>de</strong>talhes. Há tensões fortíssimas<br />
entre as personagens, mas que<br />
radicam em irrelevâncias. Que,<br />
claro, não são nada irrelevantes no<br />
mundo fechado <strong>de</strong> Eilis. Uma das<br />
coisas que Tóibín nos mostra neste<br />
livro é que uma aprendiz <strong>de</strong><br />
escriturária, uma empregada <strong>de</strong><br />
balcão, ou a dona <strong>de</strong> uma pensão<br />
48 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
mo<strong>de</strong>sta po<strong>de</strong>m ser tão ou mais<br />
implacavelmente “snobs” do que a<br />
mais aristocrática personagem <strong>de</strong><br />
Henry James.<br />
A escrita <strong>de</strong> Tóibín pouco <strong>de</strong>ve à<br />
<strong>de</strong> Henry James, cujas frases<br />
intermináveis, e <strong>de</strong> complexa<br />
sintaxe, criam um mundo singular<br />
inimitável. Mas é, <strong>de</strong> facto, um<br />
her<strong>de</strong>iro do romancista americano<br />
na sóbria perfeição estrutural <strong>dos</strong><br />
seus livros e na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
explorar as mais subtis nuances da<br />
psicologia humana.<br />
A ca<strong>de</strong>ia<br />
<strong>dos</strong> antepassa<strong>dos</strong><br />
Um romance em que a<br />
personagem principal<br />
é a vida como maldição<br />
colectiva. Pedro Mexia<br />
A Vida Verda<strong>de</strong>ira<br />
Vasco Luís Curado<br />
Dom Quixote<br />
mmmnn<br />
“A Vida<br />
Verda<strong>de</strong>ira” tem<br />
uma personagem<br />
principal e várias<br />
secundárias, mas<br />
a verda<strong>de</strong>ira<br />
protagonista é a<br />
própria vida, a<br />
vida genética,<br />
biológica,<br />
hereditária, da qual as pessoas<br />
concretas são meros fantoches. É<br />
esse o achado <strong>de</strong>ste invulgar<br />
romance <strong>de</strong> Vasco Luís Curado (n.<br />
1971), autor <strong>de</strong> duas ficções<br />
anteriores que passaram<br />
<strong>de</strong>spercebidas.<br />
Não há<br />
praticamente<br />
enredo em “A Vida<br />
Verda<strong>de</strong>ira”, Verda<strong>de</strong>ira”, apenas<br />
evocações do<br />
passado e<br />
peripécias<br />
minúsculas. Vasco<br />
Curado usa o mo<strong>de</strong>lo<br />
muito batido da velha<br />
casa que é vendida,<br />
acto acto que ressuscita um<br />
vendaval vendaval <strong>de</strong><br />
memórias,<br />
NUNO OLIVEIRA<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
tristezas, frustrações. frustr Esse<br />
trauma é aqui agravado<br />
pelo facto <strong>de</strong> o narrador<br />
ter vivido toda<br />
a vida<br />
encerrado encerrado nes nesse casarão.<br />
O pai, que entretanto entr<br />
morreu, tinha criado c um<br />
verda<strong>de</strong>iro siste sistema<br />
<strong>de</strong>fensivo, <strong>de</strong>fensivo, com mmuros,<br />
vedações e portões fecha<strong>dos</strong> a<br />
ca<strong>de</strong>ado. O narrador narrador e a irmã<br />
viviam nessa casa fecha<strong>dos</strong> ao<br />
mundo, totalmente total<br />
imersos na vida da<br />
família, famíl que<br />
incluía inc também<br />
a mãe, tios e<br />
avós. a Os<br />
miú<strong>dos</strong> m não<br />
sofreram s<br />
nenhum n<br />
abuso, a mas<br />
foram f<br />
obriga<strong>dos</strong> o à<br />
penosa p<br />
antecipação<br />
a<br />
<strong>de</strong> d uma<br />
“vida “<br />
verda<strong>de</strong>ira”<br />
v<br />
que q nunca<br />
chegou. ch<br />
É quase uma<br />
história histór <strong>de</strong> terror,<br />
contada ccom<br />
uma<br />
espécie <strong>de</strong> serenida<strong>de</strong><br />
inquieta. Aquela A<br />
família família viv viveu um<br />
Depois <strong>de</strong> duas fi cções que<br />
passaram <strong>de</strong>spercebidas,<br />
Vasco Luís Araújo encena<br />
a vida como um teatro<br />
<strong>de</strong> fantoches neste novo<br />
romance<br />
Poesia Libações eConcerto<br />
lançamento <strong>de</strong> novo CD + DVD<br />
JORGE FERRAZ<br />
TRIO<br />
ensimesmamento autista, uma<br />
proximida<strong>de</strong> quase incestuosa, num<br />
útero que nunca <strong>de</strong>ixou as crianças<br />
saírem realmente para o mundo. O<br />
contacto que o protagonista e a irmã<br />
tiveram com a vida verda<strong>de</strong>ira<br />
concentrou-se num punhado <strong>de</strong><br />
personagens <strong>de</strong>sequilibradas, como<br />
um tio que fez a guerra e um<br />
professor inábil. São eles as únicas<br />
pessoas que vivem neste romance,<br />
um cheio <strong>de</strong> aventuras, outro<br />
enredado em dificulda<strong>de</strong>s, mas<br />
nenhum parece um mo<strong>de</strong>lo saudável<br />
do que é um adulto.<br />
A casa que pren<strong>de</strong> o protagonista<br />
e a irmã é uma assombração feita <strong>de</strong><br />
objectos, fotografias, tralha,<br />
escuridão, um tétrico museu <strong>de</strong><br />
cera; mas, mais que isso, é o palco<br />
<strong>de</strong> muitas i<strong>de</strong>ias nunca<br />
concretizadas. Foi naquela casa que<br />
eles alimentaram fantasias,<br />
projectos, viagens, que imaginaram<br />
uma vida <strong>de</strong> adulto cada vez mais<br />
improvável. E foi na casa que se<br />
sentiram presos à maldição <strong>de</strong> uma<br />
repetição incessante do passado,<br />
presos à ca<strong>de</strong>ia das gerações, que se<br />
suce<strong>de</strong>m, se imitam, se<br />
contaminam: “A nossa vida começa<br />
antes <strong>de</strong> nascermos, na vida <strong>dos</strong> que<br />
nos antece<strong>de</strong>ram e nos estão liga<strong>dos</strong><br />
por laços <strong>de</strong> sangue ou leis<br />
hereditárias. Para nos conhecermos<br />
a nós próprios seria necessário<br />
conhecermos essa ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
antepassa<strong>dos</strong>. A ca<strong>de</strong>ia <strong>dos</strong><br />
antepassa<strong>dos</strong> não é uma i<strong>de</strong>ia<br />
abstracta: nós e eles somos as<br />
personagens recorrentes <strong>de</strong> um<br />
drama que é tanto individual como<br />
colectivo. E nessa memória<br />
hereditária to<strong>dos</strong> se querem <strong>de</strong>itar<br />
na posição fetal, ser acolhi<strong>dos</strong> nesse<br />
ventre para nascerem para uma vida<br />
nova e imperecível, sem a erosão <strong>de</strong><br />
um corpo corrupto” (p. 77).<br />
“A Vida Verda<strong>de</strong>ira” faz da vida<br />
uma coisa colectiva, uma entida<strong>de</strong><br />
separada, com a sua vonta<strong>de</strong><br />
própria, e na qual os indivíduos são<br />
estreia<br />
Volcano Skin<br />
leitura <strong>de</strong> poesia por Nuno Moura<br />
apoios: 19 <strong>de</strong> Junho 20.30 h<br />
www.myspace.com/espaconimas<br />
ESPACO NIMAS<br />
,<br />
espaconimas@gmail.com
insectos insignificantes e fungíveis. A<br />
vida, que não é necessariamente<br />
benigna, alastra como a hera que<br />
tudo inquina: “A hera subterrânea já<br />
nos espiava, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos <strong>dos</strong><br />
nossos pais e muito antes até, no<br />
tempo <strong>dos</strong> pais e avós <strong>dos</strong> nossos<br />
pais. A hera sub-reptícia,<br />
contemporânea <strong>de</strong> avós e bisavós,<br />
<strong>de</strong>via espiar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre a casa e<br />
os seus habitantes, aguardando, com<br />
paciência inumana, qualquer fissura<br />
ou sombra convidativa por on<strong>de</strong><br />
pu<strong>de</strong>sse avançar. Agora há, nas<br />
partes ajardinadas da quinta,<br />
árvores totalmente envolvidas por<br />
essa trama proliferante e agreste;<br />
todo o tronco e a copa estão<br />
recobertos por heras cujo progresso<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da sufocação da árvore que<br />
sustenta a sua arquitectura<br />
rastejante” (p. 153). Esta história é<br />
sufocante porque as pessoas<br />
parecem <strong>de</strong>stinadas a observar os<br />
efeitos da natureza, sem terem sobre<br />
ela nenhuma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
intervenção.<br />
É por isso que o texto é invadido<br />
por explicações científicas ou<br />
antropológicas. O narrador, in<strong>de</strong>ciso<br />
entre uma vocação científica ou<br />
literária, escreve um memorial que<br />
se lê como um tratado darwiniano.<br />
As gerações suce<strong>de</strong>m-se <strong>de</strong> um<br />
modo previsível, e cada pessoa já<br />
duvida se tem autonomia ou se é<br />
apenas uma máquinas programada.<br />
Além disso, há aqui uma comunhão<br />
entre vivos e mortos, entre<br />
mitologias e factos, que <strong>de</strong>strói <strong>de</strong><br />
facto a liberda<strong>de</strong> individual e a<br />
sanida<strong>de</strong> mental. Uma casa po<strong>de</strong> ser<br />
um lugar <strong>de</strong> aconchego, uma<br />
paisagem primitiva on<strong>de</strong> nos<br />
formámos como sujeitos; aqui, a<br />
casa, ou antes a família, é um<br />
obstáculo a que as pessoas se<br />
tornem adultas e saudáveis. Só a<br />
anunciada <strong>de</strong>molição po<strong>de</strong> fazer<br />
com que o narrador caia enfim no<br />
mundo, na vida verda<strong>de</strong>ira. Embora,<br />
para ele, seja <strong>de</strong>masiado tar<strong>de</strong>.<br />
Lançamento<br />
Memórias<br />
Algumas<br />
memórias,<br />
muita<br />
história<br />
política<br />
Carlos Brito reconstitui um<br />
Cunhal sempre à vonta<strong>de</strong><br />
entre militantes, mas muito<br />
menos à vonta<strong>de</strong> fora <strong>de</strong>stes<br />
círculos <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong><br />
e longe do modo <strong>de</strong> vida<br />
do povo em nome do qual<br />
combatia. José Manuel<br />
Fernan<strong>de</strong>s<br />
Álvaro Cunhal - Sete Fôlegos do<br />
Combatente<br />
Carlos Brito<br />
Edições Nelson <strong>de</strong> Matos<br />
mmmnn<br />
Onze estu<strong>dos</strong> sobre<br />
Fernando Pessoa<br />
compila<strong>dos</strong> num volume<br />
coor<strong>de</strong>nado por Brunello<br />
De Cusatis, e uma o<strong>de</strong><br />
exemplar da produção<br />
mítico-esotérica do poeta<br />
português, “Alla Memoria<br />
<strong>de</strong>l Presi<strong>de</strong>nte-Re Sidónio<br />
Pais”, são lança<strong>dos</strong> na<br />
Quem procurar<br />
em “Álvaro<br />
Cunhal – Sete<br />
Fôlegos do<br />
Combatente”<br />
pormenores sobre<br />
a vida íntima, ou<br />
mesmo sobre a<br />
vida privada, do<br />
lí<strong>de</strong>r histórico do<br />
PCP irá ao engano. Apesar <strong>de</strong> se<br />
apresentar como um livro <strong>de</strong><br />
memórias, e <strong>de</strong> o autor ter privado<br />
<strong>de</strong> perto durante mais <strong>de</strong> três<br />
décadas com o antigo secretáriogeral,<br />
este é um livro político on<strong>de</strong><br />
os episódios que Carlos Brito<br />
recorda servem, sobretudo, para<br />
CD edição limitada e numerada<br />
hardcover book 24 páginas + duplo poster<br />
DELL A‘POP<br />
RTE<br />
CONTRA MUNDUM<br />
próxima<br />
quarta,<br />
dia 23,<br />
na Casa<br />
Fernando<br />
Pessoa, em<br />
<strong>Lisboa</strong>. Na sessão<br />
<strong>de</strong> apresentação tação <strong>de</strong>stas<br />
duas edições italianas<br />
estarão presentes vários<br />
sublinhar ou ilustrar opções<br />
políticas.<br />
Álvaro Cunhal nunca quis exporse<br />
publicamente. Ele representava<br />
“o partido”, e apenas “o partido”,<br />
com todas as consequências que isso<br />
tem e que Carlos Brito mostra bem<br />
neste livro. Por isso sempre foi<br />
gran<strong>de</strong> a curiosida<strong>de</strong> por saber mais<br />
sobre a vida privada do lí<strong>de</strong>r<br />
comunista. Tinha família? Como se<br />
relacionava com os filhos? On<strong>de</strong><br />
morava? Como ocupava os tempos<br />
livres? Cunhal quase nunca permitiu<br />
que o véu se levantasse, e sempre<br />
que o fez foi apenas parcialmente.<br />
Quando não quase<br />
<strong>de</strong>sastradamente, como suce<strong>de</strong>u na<br />
altura em que aceitou falar um<br />
pouco <strong>de</strong> si numa entrevista à RTP e<br />
acabou a dizer que vivia com o<br />
salário mínimo e isso lhe chegava,<br />
<strong>de</strong>ixando furiosos os sindicalistas do<br />
PCP. Pior: sem que, como se conta<br />
neste livro, tivesse esclarecido que o<br />
bonito fato que tinha vestido, assim<br />
como a sua gravata <strong>de</strong> seda, haviam<br />
sido ofertas <strong>de</strong> camaradas<br />
comunistas…<br />
Esta regra <strong>de</strong> discrição não é<br />
quebrada por Car Carlos a los Brito – como<br />
não fora fora qu qquebrada ebrada<br />
por Jo José<br />
ENRIC VIVES-RUBIO<br />
<strong>dos</strong> autores <strong>dos</strong><br />
estu<strong>dos</strong>, estu incluindo<br />
José Jo José Blanco, B Ivo<br />
Castro, Castro Fernando<br />
J. B. Martinho,<br />
Ma<br />
Je Jerónim Jerónimo Pizarro,<br />
Manuel<br />
Simões, assim<br />
como De Cusatis e<br />
Marco Bucaioni, das<br />
Edizioni <strong>de</strong>ll’Urogallo.<br />
Pacheco Pereira nos três volumes<br />
que já editou sobre a vida <strong>de</strong> Cunhal.<br />
Há muitos episódios particulares<br />
que são recorda<strong>dos</strong> neste livro, mas<br />
quase to<strong>dos</strong> se relacionam com a<br />
forma como Cunhal tomava <strong>de</strong>cisões<br />
políticas, lidava com os quadros<br />
comunistas ou impunha a sua<br />
vonta<strong>de</strong>. Vemos confirmada a forma<br />
como estava como peixe na água nos<br />
conclaves do movimento comunista<br />
internacional, acompanhamos o<br />
cuidado que tinha na redacção da<br />
maioria <strong>dos</strong> documentos do PCP,<br />
somos leva<strong>dos</strong> a recordar a forma<br />
fria como lidava com os que<br />
entravam em divergência – mas<br />
nunca passamos para lá da linha que<br />
protege a vida privada <strong>de</strong> Cunhal.<br />
Mesmo a sua aproximação da<br />
Fernanda Barroso, a última<br />
companheira, é <strong>de</strong>scrita unicamente<br />
para mostrar como era discreto,<br />
mesmo entre camaradas, quando<br />
tocava aos que lhe eram mais<br />
próximos.<br />
Ainda assim, a leitura <strong>de</strong>ste<br />
“Álvaro Cunhal – Sete Fôlegos do<br />
Combatente” não nos leva apenas p a<br />
revisitar as suas sucessivas posi posições<br />
políticas – os seus “fôlegos” (ver<br />
texto na pág. 26 e segs.) –, antes<br />
humaniza o dirigente político que, qu<br />
na escrita solta e escorreita <strong>de</strong> Carlos C<br />
Brito nos surge com mais espessura espes<br />
do que na literatura oficialista. PPor<br />
vezes isso beneficia Cunhal, outras out<br />
vezes revela-nos um homem<br />
<strong>de</strong>masiado preso pela i<strong>de</strong>ologia e<br />
incapaz <strong>de</strong> imaginar um PCP<br />
diferente do “seu” PCP.<br />
Entre os aspectos mais curios curiosos<br />
do livro encontramos, por exemplo, exem<br />
a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>talhada da forma<br />
como como as suas relações com a<br />
esquerda militar, no Verão<br />
Quente <strong>de</strong> 19 1975, se<br />
foram<br />
Carlos Brito humaniza Álvaro Cunhal, que aqui nos surge com mais<br />
espessura do que na literatura ofi cialista, o que por vezes o benefi cia<br />
e outras vezes o revela completamente preso na sua i<strong>de</strong>ologia<br />
JORGE FERRAZ TRIO<br />
HUMANOS ABENCOADOS e outros contos<br />
/<br />
<strong>de</strong>gradando ao ponto <strong>de</strong> marcar<br />
distâncias relativamente a Vasco<br />
Gonçalves. A sua crítica aos excessos<br />
<strong>de</strong> entusiasmo <strong>dos</strong> que acreditavam<br />
ser “a vanguarda” traduziu-se<br />
mesmo, mais tar<strong>de</strong>, na sua frontal<br />
oposição à nomeação <strong>de</strong> José<br />
Saramago para a direcção <strong>de</strong> “o<br />
diário” em 1976, pois não apreciara<br />
o seu radicalismo quando estivera à<br />
frente do “Diário <strong>de</strong> Notícias” em<br />
1975. À conta <strong>de</strong>ssa oposição,<br />
Saramago acabaria por <strong>de</strong>ixar os<br />
jornais para, no Alentejo, com o<br />
apoio das estruturas locais do PCP,<br />
preparar o seu primeiro romance <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong> impacto, “Levantado do<br />
Chão”.<br />
Um outro episódio muito<br />
sintomático da sua habilida<strong>de</strong> para<br />
resolver situações potencialmente<br />
complicadas é o da <strong>de</strong>slocação <strong>de</strong><br />
um <strong>de</strong>putado do PCP numa<br />
<strong>de</strong>legação oficial a Marrocos. O<br />
<strong>de</strong>putado recusou-se<br />
terminantemente a usar gravata até<br />
que Cunhal sugeriu que, para<br />
cumprir com o protocolo do Reino,<br />
adoptasse um traje regional<br />
português, o que aterrorizou <strong>de</strong> tal<br />
forma esse militante que logo<br />
mandou vir as gravatas…<br />
Mesmo assim, o que sobressai<br />
<strong>de</strong>ste livro é a figura <strong>de</strong> um Cunhal<br />
sempre à vonta<strong>de</strong> entre militantes e<br />
quando se fechava para escrever os<br />
documentos programáticos do<br />
partido e os seus discursos (por<br />
regra nunca falava <strong>de</strong> improviso),<br />
mas muito menos à vonta<strong>de</strong> quando<br />
saía <strong>de</strong>stes círculos <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong>.<br />
Um Cunhal que, como se reconhece<br />
a dado momento, estava longe do<br />
sentir e da forma <strong>de</strong> viver do povo<br />
em nome do qual combatia.<br />
Uma nota final: um livro como<br />
este ganharia imenso com um índice<br />
remissivo. É mesmo<br />
incompreensível como os editores<br />
portugueses continuam a<br />
menosprezar este importante<br />
instrumento <strong>de</strong> leitura.<br />
PRESENTE<br />
CD + DVD edição limitada e numerada<br />
hardcover book 20 páginas À VENDA NAS LOJAS FNAC<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 49
Expos<br />
50 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
Entre e<br />
a rua a e<br />
o cubo bo<br />
branco co<br />
Nascida no o mundo do<br />
graffiti, a dupla upla brasileira<br />
OSGÉMEOS S confun<strong>de</strong><br />
categorias, escalas escalas e<br />
fronteiras. José Marmeleira<br />
Para quem mora lá, o céu é lá<br />
De Gustavo Pandolfo, Otávio<br />
Pandolfo (OSGÉMEOS).<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção Berardo. Praça do Império<br />
- Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Tel.: 213612878. Até<br />
19/09. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª, Dom. e<br />
Feria<strong>dos</strong> das 10h às 19h.<br />
Pintura, Outros.<br />
mmmnn<br />
PEDRO CUNHA<br />
A programação nem sempre é a mais<br />
equilibrada, mas ninguém po<strong>de</strong><br />
dizer que o Museu Colecção Berardo<br />
não tem trazido alguma diversida<strong>de</strong><br />
ao panorama das exposições <strong>de</strong> arte.<br />
Basta pensar em mostras temáticas e<br />
transversais como “Teatro sem<br />
teatro”, “Desenhos <strong>de</strong> escritores” ou<br />
“Quick, Quick, Slow” que, no âmbito<br />
da Experimenta Design 09, reuniu<br />
<strong>de</strong>sign, filme, banda <strong>de</strong>senhada e<br />
arte.<br />
Eis, portanto, um espaço <strong>de</strong> arte<br />
contemporânea on<strong>de</strong> a arte<br />
contemporânea (na sua <strong>de</strong>finição<br />
mais disciplinada como campo,<br />
categoria<br />
exposição, exp a<br />
realida<strong>de</strong> rea<br />
parece pa menos<br />
um u sítio ao<br />
qual q se<br />
regressa r do<br />
que um<br />
imenso<br />
“tableau<br />
vivant”<br />
que nunca<br />
foi aband abandonado. Essa<br />
é experiência sugerida sugerid na última<br />
sala: os artistas taparam com portas<br />
ou conceito) não<br />
as pare<strong>de</strong>s até ao tecto e<br />
numa<br />
ocupa o espaço todo. E se<br />
“colaram” mesmo duas<br />
casas. Nesse<br />
esta última úl i oração ã <strong>de</strong> d espantoso jogo j d<strong>de</strong> escalas l e dimensões, di o<br />
nada tem (a Tate, em Londres, e o espectador vê-se a “entrar” <strong>de</strong>ntro<br />
MoMA, em Nova Iorque, há muito da obra.<br />
que a põem em prática), serve<br />
Espectacular, o efeito não é<br />
perfeitamente para contextualizar conseguido sem o sacrifício <strong>de</strong><br />
“Para quem mora lá, o céu é lá”, a alguns pormenores e intervenções<br />
individual <strong>de</strong> OSGÉMEOS, dupla que se diluem na vertigem do espaço<br />
brasileira <strong>de</strong> “street art”, patente no (é um exercício curioso i<strong>de</strong>ntificar,<br />
museu lisboeta.<br />
por exemplo, a presença do graffti<br />
Gustavo e Otávio Pandolfo (são <strong>de</strong> nas esculturas ou as pequenas<br />
facto irmãos gémeos, nasci<strong>dos</strong> em colagens ou pinturas sobre a<br />
1974) pertencem à história <strong>dos</strong> ma<strong>de</strong>ira). Valerá a pena perguntar,<br />
encontros entre a arte e a rua. até, se alguns trabalhos não<br />
Começaram pelo grafitti,<br />
ganhariam outra presença se<br />
inspiraram-se no hip-hop, pintaram expostos <strong>de</strong> forma mais autónoma.<br />
e pintam muros e fachadas <strong>de</strong> São interrogações relativamente<br />
edifícios e, é verda<strong>de</strong>, expõem em inúteis. Só uma po<strong>de</strong> ser ensaiada<br />
galerias, feiras (Art Basel Miami em com outro alcance e a partir <strong>de</strong> um<br />
2009) e museus <strong>de</strong> arte (Tate, em território concreto: a Rua Andra<strong>de</strong><br />
2008). No entanto, a arte visual que Corvo, na zona <strong>de</strong> Picoas, em<br />
assinam não é facilmente recebida <strong>Lisboa</strong>, on<strong>de</strong> OSGÉMEOS pintaram a<br />
pelo centro da arte contemporânea fachada <strong>de</strong> um prédio <strong>de</strong>voluto.<br />
(seja este qual for). Razões? Porque é On<strong>de</strong> vive melhor a arte <strong>dos</strong> dois<br />
muito figurativa, porque é<br />
irmãos? No cubo branco ou na<br />
<strong>de</strong>masiado rui<strong>dos</strong>a ou porque vem poeira colorida da rua? Talvez a<br />
explicitamente do graffiti (ao meio caminho entre os dois, sem<br />
contrário da obra <strong>de</strong> Keith Haring nunca chegar <strong>de</strong>finitivamente a<br />
que se construiu, enquanto arte<br />
urbana e pública, com o graffti).<br />
nenhum.<br />
Porque, diga-se, fica melhor na<br />
“Juxtapoz” do que na “Artforum”.<br />
E “Para quem mora lá, o céu é lá”<br />
reflecte algumas <strong>de</strong>stas tensões,<br />
embora num colorido e<br />
<strong>de</strong>spreocupado tom. A dupla<br />
preencheu literalmente quatro<br />
pare<strong>de</strong>s com esculturas, instalações<br />
Sem<br />
lágrimas,<br />
nem sorrisos<br />
e pinturas. Numa série <strong>de</strong> telas<br />
advinham-se referências ao folclore<br />
brasileiro (com os seus seres e<br />
Exposição colectiva, <strong>de</strong> Cildo<br />
Meireles a Francisco Tropa,<br />
histórias fantásticas), mais à frente,<br />
na segunda sala, vêem-se famílias,<br />
mulheres <strong>de</strong> mão dada aos filhos,<br />
no Palácio das Artes, no<br />
Porto. Óscar Faria<br />
homens <strong>de</strong> viola. O traço é naïf, fino,<br />
simples (lembra o <strong>de</strong> Eva Armisen)<br />
e, com faces pintadas <strong>de</strong> amarelo,<br />
esten<strong>de</strong>-se a superfícies e volumes,<br />
caixas, colunas <strong>de</strong> som e guitarras;<br />
foi montado, inclusive, um palco<br />
que o espectador po<strong>de</strong> ocupar<br />
tocando vários instrumentos<br />
enquanto o som sai das colunas<br />
Like Tears in Rain<br />
De Carlos Garaicoa, Carlos<br />
Contente, ChunTeng Chu, Cildo<br />
Meireles, Damián Ortega, Euan<br />
Macdonald, Francisco Tropa, João<br />
Louro, Marius Engh, Marjolaine<br />
Ryley, Nedko Solakov, Susana<br />
Men<strong>de</strong>s Silva.<br />
suspensas na pare<strong>de</strong> (o que não<br />
aconteceu, durante a visita que<br />
antece<strong>de</strong>u esta crítica, <strong>de</strong>vido a uma<br />
avaria).<br />
Porto. Palácio das Artes - Fábrica <strong>de</strong> Talentos. Largo<br />
<strong>de</strong> São Domingos, 16-22. Até 28/07. 2ª a 6ª das<br />
9h30 às 19h.<br />
Instalação, Fotografia.<br />
A apropriação e a transformação<br />
<strong>de</strong> objectos do quotidiano ou da rua<br />
mmnnn<br />
(portas, tábuas, martelos,<br />
Nem sempre uma exposição que<br />
brinque<strong>dos</strong>) parecem recuperar reúne um relevante elenco <strong>de</strong><br />
algumas preocupações <strong>dos</strong><br />
artistas funciona enquanto tal,<br />
Nouveaux Réalistes, mas, nesta po<strong>de</strong>ndo mesmo resultar numa<br />
Nesta exposição, a realida<strong>de</strong> parece menos<br />
um sítio ao qual se regressa do que um imenso<br />
“tableau vivant” que nunca realmente<br />
se abandonou<br />
situação inversa à <strong>de</strong>sejada: em vez<br />
<strong>de</strong> se sublinhar uma i<strong>de</strong>ia comum<br />
aos distintos trabalhos – constituindo<br />
estes a matéria através da qual essa<br />
potência se realiza –, corre-se o risco<br />
<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar a ausência <strong>de</strong><br />
qualquer relação entre eles,<br />
provocando-se assim um<br />
<strong>de</strong>sequilíbrio irresolúvel. Neste caso,<br />
as obras continuam espelhos <strong>de</strong> si<br />
próprias, impossibilitando a<br />
abertura <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong> partilha, o<br />
qual constitui o ponto <strong>de</strong> partida<br />
essencial <strong>de</strong> uma mostra colectiva,<br />
tenha esta a intenção <strong>de</strong> estabelecer<br />
relações <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong><br />
conflito.<br />
A situação i<strong>de</strong>al, aquela em que o<br />
comum surge como a mais-valia<br />
expositiva, acontece raramente e<br />
cada vez com menos frequência: a<br />
gran<strong>de</strong> maioria das exposições<br />
colectivas funciona como um<br />
somatório <strong>de</strong> obras, relacionadas<br />
por i<strong>de</strong>ias mais ou menos vazias <strong>de</strong><br />
sentido. Embora geralmente<br />
inconsequentes, estas mostras<br />
ocupam um espaço cada vez mais<br />
significativo no contexto global,<br />
basta recordar o número crescente<br />
<strong>de</strong> bienais. Outra consequência<br />
<strong>de</strong>sta realida<strong>de</strong> foi o aparecimento<br />
da figura do curador, que assumiu,<br />
sobretudo a partir <strong>dos</strong> anos 90, o<br />
papel <strong>de</strong> protagonista.<br />
A exposição “Like Tears in Rain”,<br />
comissariada por Luiza Teixeira <strong>de</strong><br />
Freitas e patente no Palácio das<br />
Artes, é mais um <strong>dos</strong> casos em que<br />
um grupo <strong>de</strong> artistas significativos<br />
não chega para dar corpo a uma<br />
mostra. A primeira dificulda<strong>de</strong> parte<br />
do próprio discurso que serve <strong>de</strong><br />
introdução à colectiva, o qual,<br />
apesar da sua extrema boa vonta<strong>de</strong>,<br />
chega a ser pueril: “Através <strong>de</strong> obras<br />
que foram comissariadas sob este<br />
contexto [já lá vamos], a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>ste<br />
projecto é encontrar ligações que<br />
intrigam, fascinam e que tocam as<br />
pessoas <strong>de</strong> forma a que elas possam<br />
ver a arte como um meio <strong>de</strong> se<br />
confrontarem com a vida.”<br />
Há um vazio discursivo na<br />
afirmação da i<strong>de</strong>ia da exposição. A<br />
arte, mais do que dar respostas,<br />
procura colocar questões, dúvidas,<br />
uma série <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s a quem<br />
<strong>de</strong>la se aproxima. O acto criativo é<br />
sempre <strong>de</strong> resistência ao mundo,<br />
tendo por isso <strong>de</strong> se constituir<br />
enquanto instância crítica. A arte<br />
não é um confronto com a<br />
vida, ela é aquilo que e torna a<br />
vida mais interessante te do<br />
que a arte, como nos s dizia<br />
recentemente o filósofo ofo<br />
italiano Fe<strong>de</strong>rico Ferrari, rari,<br />
parafraseando Robert rt<br />
Filliou, artista próximo mo<br />
do movimento Fluxus. us.<br />
O contexto a que a<br />
curadora se refere,<br />
aquele que dá sentido o<br />
à exposição, são as<br />
suas preocupações<br />
com a morte, as<br />
memórias e o
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Manuel Cal<strong>de</strong>ira na Alecrim 50<br />
ausente. Diz-nos Luiza Teixeira <strong>de</strong><br />
Freitas: “Não acho que esta<br />
fascinação torne a vida mais fácil <strong>de</strong><br />
encarar, mas, por mais estranho que<br />
pareça, dá-me não só um bizarro<br />
sentimento <strong>de</strong> segurança, mas fazme<br />
também acreditar no absoluto<br />
valor da vida.” A comissária ainda<br />
nos diz que este sentimento lhe <strong>de</strong>u<br />
uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> “querer fazer<br />
alguma diferença e <strong>de</strong>ixar marcas,<br />
mesmo que tudo na vida seja<br />
eventualmente ‘apagado, como<br />
lágrimas na chuva’ [uma frase<br />
retirada do filme Bla<strong>de</strong> Runner].”<br />
Temos assim o corpo conceptual<br />
da mostra <strong>de</strong>finido. A partir <strong>de</strong>stes<br />
da<strong>dos</strong>, o exercício <strong>de</strong> criticar uma<br />
exposição adquire uma<br />
complexida<strong>de</strong> difícil <strong>de</strong> superar. As<br />
obras <strong>de</strong>vem ser vistas a partir <strong>de</strong><br />
que prisma? Do fornecido pelo vago<br />
texto da curadora, que criou uma<br />
exposição baseada nas suas<br />
“convicções e preocupações”; <strong>dos</strong><br />
curtos artigos que introduzem, no<br />
catálogo, a obra <strong>de</strong> quase to<strong>dos</strong> os<br />
artistas, escritos eles próprios por<br />
diferentes nomes – Delfim Sardo é<br />
autor <strong>de</strong> um outro ensaio, <strong>de</strong> teor<br />
mais historicista, em que consi<strong>de</strong>ra<br />
ter a mostra acertado no foco,<br />
“porque não existe outra matéria<br />
para a arte se não a morte” –; ou<br />
enquanto trabalhos em si mesmos,<br />
separa<strong>dos</strong> do contexto <strong>de</strong><br />
apresentação?<br />
Tarefa difícil, portanto. Contudo,<br />
ainda assim, po<strong>de</strong> dizer-se que<br />
enquanto colectiva, a exposição não<br />
funciona: as obras não se relacionam<br />
entre si, apenas ocupam um espaço<br />
comum. E este é outros <strong>dos</strong><br />
problemas da mostra, pois a opção<br />
<strong>de</strong> montagem acabou por <strong>de</strong>finir um<br />
percurso labiríntico pelas salas do<br />
Palácio das Artes, já <strong>de</strong> si um <strong>de</strong>safio<br />
para quem quiser ali realizar uma<br />
iniciativa semelhante. Neste<br />
contexto, falar das obras que se<br />
<strong>de</strong>stacam é uma situação que<br />
carrega consigo uma sensação <strong>de</strong><br />
uma certa injustiça para com todas<br />
as outras, pois se há uma crítica a<br />
sublinhar ela dirige-se ao escasso<br />
investimento conceptual da<br />
curadora. Por isso, o mais correcto<br />
talvez seja afirmar que Carlos<br />
Contente, Marius Engh, Cildo<br />
Meireles, Susana Men<strong>de</strong>s Silva e<br />
Francisco Tropa encontraram<br />
soluções a<strong>de</strong>quadas às<br />
circunstâncias <strong>de</strong> uma exposição p ç<br />
que se visita sem lágrimas, nem<br />
sorrisos.<br />
Susana Men<strong>de</strong>s Silva<br />
menos mal numa exposição<br />
que não funciona<br />
Agenda<br />
A d<br />
Inauguram<br />
“POVOpeople”<br />
no Museu<br />
da Electricida<strong>de</strong><br />
Chapéus<strong>de</strong>-Sol<br />
De Inês<br />
Lobo.<br />
<strong>Lisboa</strong>.<br />
Fundação e<br />
Museu Calouste<br />
Gulbenkian<br />
- Jardim. Av. <strong>de</strong> Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até<br />
30/9. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
Instalação. Programa Gulbenkian<br />
Próximo Futuro/Next Future.<br />
Natureza Morta<br />
De Barrão.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />
Av. <strong>de</strong> Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até 30/9. 3ª a<br />
Dom. das 10h às 18h.<br />
Instalação, Escultura. Programa<br />
Gulbenkian Próximo Futuro/Next<br />
Future.<br />
Liberda<strong>de</strong> Guiando o Povo/<br />
Liberty Leading The People<br />
De Barthélemy Toguo.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />
Av. <strong>de</strong> Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até 11/07. 3ª a<br />
Dom. das 10h às 18h.<br />
Instalação. Programa Gulbenkian<br />
Próximo Futuro/Next Future.<br />
O Brilhante Futuro da Cana-<strong>de</strong>-<br />
Açúcar<br />
De Kilian Glasner.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian<br />
- Pq. <strong>de</strong> Estacionamento. Av. <strong>de</strong> Berna, 45A. Tel.:<br />
217823700. Até 11/07. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
Desenho, Outros. Programa<br />
Gulbenkian Próximo Futuro/Next<br />
Future.<br />
Colectiva<br />
De Alejandro Somaschini, Cabelo,<br />
Helena Martins-Costa, José<br />
Bechara, Rodrigo Oliveira.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Carpe Diem Arte e Pesquisa. R. <strong>de</strong> O<br />
Século, 79. Até 18/09. 4ª a Sáb. das 14h às 20h.<br />
Inaugura 18/6 às 21h30.<br />
Instalação, Objectos, Outros.<br />
This Is That<br />
De Manuel Cal<strong>de</strong>ira.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Alecrim 50. R. do Alecrim, 48-50. Tel.:<br />
213465258. Até 14/07. 2ª a 6ª das 11h às 19h. Sáb.<br />
das 11h às 18h. Inaugura 18/6 às 19h.<br />
Objectos.<br />
POVOpeople<br />
De Almada Negreiros, Rafael<br />
Bordalo Pinheiro, Nikias Skapinakis,<br />
Nuno Cera, Joana Vasconcelos, Noé<br />
Sendas, entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu da Electricida<strong>de</strong>. Av. Brasília - Ed.<br />
Central Tejo. Tel.: 210028120. Até 19/09. Sáb. das<br />
10h às 20h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 18h.<br />
Inaugura 18/6 às 21h30.<br />
Documental, Pintura, Fotografia,<br />
Ví<strong>de</strong>o, Outros.<br />
Sem Limites - Nadir Afonso<br />
De Nadir Afonso.<br />
<strong>Lisboa</strong>. MNAC - Museu do Chiado. R. Serpa Pinto,<br />
4. Tel.: 213432148. Até 03/10. 3ª a Dom. das 10h às<br />
18h. Inaugura 22/6 às 19h.<br />
Pintura.<br />
Transformo-me Naquilo Que<br />
Toco<br />
De Rui Matos.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Giefarte. R. Arrábida, 54B. Tel.:<br />
213880381. Até 31/07. 2ª a 6ª das 11h às 20h.<br />
Inaugura 22/6 às 22h.<br />
Escultura.<br />
Zao Wou-Ki<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva.<br />
Pç. das Amoreiras, 56/58. Tel.: 213880044. De<br />
24/06 a 26/09. 2ª, 4ª, 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. das 10h<br />
às 18h.<br />
Pintura.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 51
Cinema<br />
série ípsilon II<br />
Sexta-feira,<br />
dia 25 <strong>de</strong> Junho,<br />
o DVD “Corações”,<br />
<strong>de</strong> Alain Resnais<br />
+4 DVD<br />
Todas as sextas,<br />
por €1,95. 20<br />
anos<br />
52 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
“Nada <strong>de</strong> Pessoal”: uma nova<br />
cineasta cujo nome convém reter,<br />
Urszula Antoniak<br />
Continuam<br />
Nada Pessoal<br />
Nothing Personal<br />
De Urszula Antoniak,<br />
com Lotte Verbeek, Stephen Rea. M/12<br />
MMMnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 24h 3ª<br />
4ª 16h, 18h, 20h, 22h, 24h;<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 7: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 14h30, 16h45, 19h, 21h30, 00h05;<br />
Se algo existe <strong>de</strong> interessante neste<br />
filme bizarro, realizado por uma<br />
polaca radicada na Holanda e<br />
colocada perante uma Irlanda quase<br />
abstracta (“pubs” solitários, casas<br />
isoladas, escarpas sobre o mar,<br />
estradas assombradas), trata-se sem<br />
dúvida <strong>de</strong> uma terrífica claustrofobia<br />
que encerra as personagens numa<br />
espécie <strong>de</strong> mutismo comunicativo,<br />
com a música e os gestos a darem o<br />
mote. “Nada Pessoal” fala <strong>de</strong> feridas<br />
antigas, não cicatrizadas, <strong>de</strong> vultos<br />
perdi<strong>dos</strong> na paisagem, incapazes <strong>de</strong><br />
ultrapassarem, em última análise, os<br />
seus fantasmas secretos e<br />
inomina<strong>dos</strong>. Tudo no filme se faz <strong>de</strong><br />
sugestões, <strong>de</strong> interditos, <strong>de</strong> silêncios<br />
estranhos, e até a <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> ntinuida<strong>de</strong><br />
temporal e os capítulos que<br />
pontuam a narrativa <strong>de</strong>sconjuntada<br />
conjuntada<br />
contribui para o mistério, o, nunca<br />
<strong>de</strong>svendado, da incomunicabilida<strong>de</strong>:<br />
nicabilida<strong>de</strong>:<br />
quando a personagem feminina minina<br />
(excelente Lotte Verbeek) k) parece<br />
abrir as <strong>de</strong>fesas, a masculina lina<br />
(Stephen Rea) volta a fechar har a<br />
sua concha, até ao suicídio. io.<br />
Parece um filme vindo do o<br />
passado, <strong>dos</strong> anos 60, mas as<br />
constitui relativamente boa<br />
<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> uma nova<br />
cineasta, cujo nome convém vém<br />
reter: Urszula Antoniak.<br />
Mário Jorge Torres<br />
24 City<br />
Er shi si cheng ji<br />
De Jia Zhang Ke,<br />
com Joan Chen, Zhao Tao, ,<br />
Lv Liping. M/12<br />
MMMnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª<br />
Domingo 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h,<br />
21h30 6ª Sábado 2ª 14h, 16h30, 19h, h,<br />
21h30, 24h;<br />
Porto: Me<strong>de</strong>ia Cine Estúdio do Teatro ro Campo<br />
Alegre: Cine-Estúdio: 5ª 6ª Sábado o Domingo<br />
A velha e a<br />
nova China<br />
em “24 City”<br />
As estrelas do público<br />
2ª 3ª 18h30, 22h 4ª 18h30;<br />
“24 City” é o ponto do cinema do<br />
chinês Jia Zhang-ke on<strong>de</strong> o seu olhar<br />
sobre a “velha China” em vias <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>saparecer com a abertura ao<br />
Oci<strong>de</strong>nte e a “nova China” que<br />
avança a passos largos melhor se<br />
cruza e sintetiza num todo<br />
inseparável e formalmente<br />
<strong>de</strong>safiador. Jia toma como ponto <strong>de</strong><br />
partida uma velha fábrica <strong>de</strong><br />
armamento à beira <strong>de</strong> ser<br />
<strong>de</strong>sactivada e <strong>de</strong>molida para dar<br />
lugar a um parque ultramo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong><br />
edifícios, e confronta <strong>de</strong>poimentos<br />
das várias gerações que a sua<br />
existência afectou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aqueles<br />
que cresceram a trabalhar na fábrica<br />
àqueles que nasceram à sua sombra.<br />
No entanto, o que parece ser um<br />
documentário mais ou menos<br />
tradicional sobre as convulsões da<br />
China revela-se aos poucos como a<br />
mais recente experiência formal na<br />
<strong>de</strong>clinação ficcional das técnicas<br />
documentais, com Jia a alternar<br />
<strong>de</strong>poimentos reais contribuí<strong>dos</strong> por<br />
operários reais e <strong>de</strong>poimentos<br />
ficciona<strong>dos</strong> co-escritos pelo<br />
realizador e representa<strong>dos</strong> por<br />
actores. O resultado não será o<br />
melhor melhor filme do<br />
cineasta chinês (há<br />
por vezes, em “24 “ City” mais do que<br />
noutros noutro filmes seus, a<br />
sensação sensaç <strong>de</strong> que Jia se<br />
enreda enred nos fios das teias<br />
que que eele<br />
próprio monta)<br />
mas é um objecto<br />
importante impo para quem<br />
quer qu perceber quais os<br />
caminhos ca que o<br />
cinema cin <strong>de</strong> autor<br />
contemporâneo co<br />
está a<br />
levar. lev Jorge Mourinha<br />
Líbano Líba<br />
Lebanon<br />
Leba<br />
De Samuel Sa Maoz,<br />
com YYoav<br />
Donat, Itay<br />
Tiran, Oshri Cohen. M/16<br />
MMMnn MMM<br />
<strong>Lisboa</strong>: CCinemaCity<br />
Alegro<br />
Alfragid Alfragi<strong>de</strong>: Sala 10: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 22h05; CinemaCity<br />
Beloura<br />
Shopping: Sala 6: 5ª 6ª<br />
Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
18h30;<br />
CinemaCity Campo Pequeno<br />
Praça <strong>de</strong> d Touros: Sala 5: 5ª 6ª<br />
Sábad Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
19h40;<br />
CinemaCity Classic<br />
Alvala<strong>de</strong> Alvala<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 19h10;<br />
Porto: Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala 2: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 14h30, 17h, 19h30, 22h 4ª<br />
14h30, 17h, 19h30;<br />
Como “A Valsa com Bashir” (que<br />
igualmente falava da invasão do<br />
Líbano em 82), é outro filme que<br />
mostra que os israelitas têm pazes a<br />
fazer também com eles próprios - e<br />
fazerem filmes sobre isso, pegarem<br />
na sua história com as suas mãos,<br />
libertam-nos pelo menos das garras<br />
<strong>dos</strong> “opinadores” que andam há<br />
anos a dizer que não senhora, está<br />
tudo bem, remorsos quais quê. À<br />
parte estes consi<strong>de</strong>ran<strong>dos</strong> (que nem<br />
são nada marginais), “Líbano” é uma<br />
eficaz apropriação <strong>de</strong> alguns códigos<br />
clássicos do filme <strong>de</strong> guerra (o “huis<br />
clos”, a convivência, a <strong>de</strong>scoberta da<br />
humanida<strong>de</strong> do inimigo, ou a perda<br />
da inocência, simbolizada - é um<br />
achado - pelo campo <strong>de</strong> girassóis),<br />
temperada pelas peculiarida<strong>de</strong>s e<br />
ambiguida<strong>de</strong>s do contexto narrativo<br />
(o falangista, a personagem mais<br />
sinistra do filme). Mas <strong>de</strong>pois é um<br />
filme sobre a visibilida<strong>de</strong> (da guerra,<br />
ou <strong>de</strong>sta guerra), sobre o olhar, em<br />
to<strong>dos</strong> aqueles planos em que câmara<br />
se fun<strong>de</strong> com a mira do tanque, esse<br />
gran<strong>de</strong> olho mecânico (por alguma<br />
razão faz pensar em Kubrick) que<br />
varre o cenário como o écran <strong>de</strong> um<br />
“shoot ‘em up” e faz <strong>dos</strong> solda<strong>dos</strong><br />
outra coisa para além <strong>de</strong> solda<strong>dos</strong>:<br />
testemunhas, as primeiras<br />
testemunhas <strong>de</strong>les mesmo e <strong>dos</strong><br />
seus actos. E esta é, evi<strong>de</strong>ntemente,<br />
a razão porque Samuel Maoz fez este<br />
filme. Luís Miguel Oliveira<br />
Fantasia Lusitana<br />
De João Canijo. M/12<br />
MMMMn<br />
Jorge<br />
Mourinha<br />
<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />
Touros: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
21h, 23h30; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />
Touros: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
23h30;<br />
Um filme todo feito <strong>de</strong> colagens <strong>de</strong><br />
colagens <strong>de</strong> documentários do<br />
Estado Novo, embora com a<br />
inteligente intromissão <strong>de</strong> uma<br />
textualida<strong>de</strong> exterior, que os<br />
recontextualiza <strong>de</strong> modo<br />
contemporâneo, po<strong>de</strong>rá possuir<br />
limites evi<strong>de</strong>ntes, mas o resultado é<br />
estimulante, porque Canijo<br />
enten<strong>de</strong> os materiais com que<br />
trabalha e se apercebe da sua<br />
<strong>de</strong>sgarrada eloquência. Por isso,<br />
“Fantasia Lusitana” ultrapassa a<br />
soma das suas partes constituintes e<br />
Luís M.<br />
Oliveira<br />
traça um <strong>dos</strong> olhares mais negros<br />
sobre o “fascismo português” e, sem<br />
sombra <strong>de</strong> <strong>de</strong>magogia, mostra como<br />
os anos 40, neste “jardim à beira<br />
mar plantado”, po<strong>de</strong>m funcionar<br />
enquanto chave para enten<strong>de</strong>r a<br />
nossa presente “apagada e vil<br />
tristeza”. M.J.T.<br />
Wendy and Lucy<br />
De Kelly Reichardt,<br />
com Michelle Williams, Walter<br />
Dalton, Larry Fessen<strong>de</strong>n, Will<br />
Oldham. M/12<br />
MMnnn<br />
Mário<br />
J. Torres<br />
Vasco<br />
Câmara<br />
A Mulher do Viajante no Tempo mmmnn nnnnn mmnnn nnnnn<br />
Eu Sou o Amor mmmmm mnnnn mmmmn nnnnn<br />
Um Funeral à Chuva mnnnn nnnnn A A<br />
Muitos Dias Tem o Mês mmnnn mnnnn nnnnn nnnnn<br />
Noite e Dia mnnnn mmmmn mmnnn nnnnn<br />
Nada <strong>de</strong> Pessoal mmmnn nnnnn mmmnn nnnnn<br />
24 City mmmnn mmmnn nnnnn mmmnn<br />
Vencer mmmmn mmmnn mmnnn mmnnn<br />
Sexo e a Cida<strong>de</strong> 2 A nnnnn nnnnn nnnnn<br />
Wendy e Lucy mmmmn mmnnn mmmnn mmmnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 2: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />
13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45 6ª Sábado 2ª<br />
13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45, 00h15;<br />
Há uma maneira, melancólica mas<br />
enxuta, quase casual, <strong>de</strong> dar a ver a<br />
paisagem urbana, suburbana, em<br />
recessão, do interior industrial<br />
americano. Mas <strong>de</strong>pois há um<br />
conflito entre essa paisagem - que<br />
vem “em bruto” - e o maneirismo,<br />
codificado, “exemplar”, com que<br />
Reichardt trata as figuras que <strong>de</strong>la<br />
extrai (<strong>dos</strong> planos “espectrais”, em<br />
expressionismo sublinhado pelo seu<br />
próprio “guia <strong>de</strong> leitura”, com o<br />
grupo <strong>de</strong> viajantes on<strong>de</strong> pontifica<br />
Will Oldham, às cenas com os<br />
indigentes na reciclagem <strong>de</strong> garrafas,<br />
que sublinham outra palavra, “neorealismo”),<br />
e se transmite às outras<br />
personagens (o mecânico, o<br />
segurança) numa espécie <strong>de</strong> excesso<br />
- <strong>de</strong> composição, <strong>de</strong> tiques, <strong>de</strong><br />
“cinema” - que inclui, obviamente, o<br />
“un<strong>de</strong>racting” gritado da<br />
protagonista Michelle Williams. A<br />
convenção “re-convencionada”. Isto<br />
retira alguma força ao filme, que<br />
amolece numa narrativa <strong>de</strong> moral<br />
previsível, como se a partir <strong>de</strong> certa<br />
altura não houvesse mais nada para<br />
ver, apenas para saber (Wendy<br />
reencontrará<br />
Lucy?),<br />
impressão<br />
agravada por<br />
Reichardt que<br />
não parecer ser<br />
alguém que<br />
acredite muito<br />
no plano plano<br />
(acredita, o<br />
que é uma<br />
coisa muito<br />
diferente, no<br />
que os planos<br />
contam).<br />
L.M.O.<br />
“Wendy<br />
and Lucy”
A Mulher do Viajante no Tempo<br />
The Time Traveler’s Wife<br />
De Robert Schwentke,<br />
com Eric Bana, Rachel McAdams, Ron<br />
Livingston, Arliss Howard. M/12<br />
MMnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 3: 5ª 2ª<br />
3ª 4ª 15h30, 18h50, 21h40 6ª 15h30, 18h50, 21h40,<br />
00h10 Sábado 13h10, 15h30, 18h50, 21h40, 00h10<br />
Domingo 13h10, 15h30, 18h50, 21h40; Me<strong>de</strong>ia<br />
Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 7: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h20, 19h, 21h30,<br />
00h15; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 8: 5ª 6ª<br />
Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h50,<br />
00h10 Domingo 11h30, 14h10, 16h40, 19h10, 21h50,<br />
00h10; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 13h45, 16h30, 19h10, 21h50, 00h30<br />
4ª 13h45, 16h30, 19h10, 00h30; ZON Lusomundo<br />
CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
21h40, 00h05; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 4ª 12h55, 15h55, 18h30, 21h10,<br />
23h45 3ª 12h55, 15h55, 18h30, 23h45; ZON<br />
Lusomundo Odivelas Parque: 5ª Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 21h40 6ª Sábado 21h40, 00h15; ZON Lusomundo<br />
Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h20, 16h, 18h40, 21h40, 00h15; ZON Lusomundo<br />
Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
Cineclubes para mais informações consultar www.fpcc.pt<br />
Cine-Teatro S. Pedro<br />
Largo S. Pedro - Abrantes<br />
Líbano<br />
De Samuel Maoz, 2009, M/16 23/6,<br />
21:30h<br />
Cinema Teixeira <strong>de</strong><br />
Pascoaes<br />
Centro Comercial Santa Luzia - Amarante<br />
Um Lugar para Viver<br />
De Sam Men<strong>de</strong>s, 2009, M/16<br />
18/6, 21.30h<br />
Auditório <strong>Municipal</strong><br />
Augusto Cabrita<br />
Parque da Cida<strong>de</strong>, Barreiro<br />
Derek Bailey Playing For<br />
Friends<br />
De Robert O’Haire, 2004, M/12<br />
19/6, 21:30h<br />
Auditório Soror<br />
Mariana<br />
Rua Diogo Cão, 8 – Évora<br />
Parnassus - O Homem que<br />
Queria Enganar o Diabo<br />
De Terry Gilliam, 2009, M/12<br />
23/6, 21h30<br />
Fundação Cupertino<br />
<strong>de</strong> Miranda<br />
Praça D. Maria II, Famalicão<br />
A Minha Noite em<br />
Casa <strong>de</strong> Maud<br />
De Eric Rohmer,<br />
1969, M/12<br />
18/6, 21:30h<br />
Casa das<br />
Artes <strong>de</strong> Vila<br />
Nova <strong>de</strong><br />
Famalicão<br />
Parque <strong>de</strong> Sinçães – Famalicão<br />
Ruínas<br />
De Manuel Mozos, 2009, 09,<br />
M/12<br />
24/6, 21:30h - Pequeno Auditório io<br />
Auditório do IPJ<br />
(Faro)<br />
Rua da PSP - Faro<br />
Fantasia Lusitana<br />
DeJoão Canijo, 2010, M/6<br />
21/6, 22:00h<br />
“A Mulher do Viajante do Tempo”<br />
21h50, 00h30; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h40,<br />
18h20, 21h50, 00h20; ZON Lusomundo Almada<br />
Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20,<br />
15h50, 18h45, 21h45, 00h25.<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 14h, 16h30, 19h05, 21h45, 00h20 3ª 4ª 16h30,<br />
19h05, 21h45, 00h20; ZON Lusomundo Dolce Vita<br />
Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 16h20,<br />
19h30, 22h, 00h30; ZON Lusomundo GaiaShopping:<br />
5ª Domingo 2ª 3ª 13h15, 15h55, 18h30, 21h20 6ª<br />
Sábado 4ª 13h15, 15h55, 18h30, 21h20, 00h10; ZON<br />
Lusomundo MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
14h, 16h45, 19h25, 22h 6ª Sábado 14h, 16h45, 19h25,<br />
22h, 00h40; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h30, 00h10; ZON<br />
Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h, 20h20, 22h50; ZON<br />
Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 22h, 00h40;<br />
Mais um filme estranho, fora <strong>de</strong><br />
todas as modas e <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os<br />
formatos, “A Mulher do Viajante do<br />
Tempo” alimenta-se <strong>de</strong> uma cinefilia<br />
filtrada, <strong>de</strong> fantasmas <strong>de</strong> filmes<br />
clássicos, <strong>de</strong> resquícios <strong>de</strong> citações e<br />
<strong>de</strong> pisca<strong>de</strong>las <strong>de</strong> olho. Falta-lhe o<br />
“amor louco”, sem limites nem peias<br />
Centro Cultural Vila<br />
Flor<br />
Av. D. Afonso Henriques, 701 - Guimarães<br />
As Ervas Daninhas<br />
De Alain Resnais, 2009, M/12<br />
20/6, 21.45h - Pequeno Auditório<br />
Cinemas Ria Shoping<br />
– Sala 3<br />
Estrada Nacional 125, 100 - Olhão<br />
Ruínas<br />
De Manuel Mozos, 2009, M/12<br />
22/6, 21.30h<br />
Auditório <strong>Municipal</strong><br />
da Póvoa <strong>de</strong> Varzim<br />
Rua D. Maria I, 56 - Póvoa <strong>de</strong> Varzim<br />
Afterschool - Depois das Aulas<br />
De António Campos, 2008, M/16<br />
24/6, 21:30h<br />
Cine-Teatro António<br />
Pinheiro<br />
R. Guilherme Gomes Fernan<strong>de</strong>s, 5 - Tavira<br />
Greenberg<br />
De Noam Baumbach, 2010, M/16<br />
20/6, 21:30h<br />
Líbano<br />
De Samuel Maoz, 2009, M/16<br />
24/6, 21:30h<br />
Tea Teatro Virgínia<br />
Largo JJosé<br />
Lopes <strong>dos</strong> Santos – Torres Novas<br />
35 Shots <strong>de</strong> Rum<br />
De Claire Denis, 2008, M/12<br />
23/6, 21:30h<br />
Cinema Ver<strong>de</strong><br />
Viana<br />
Praça 1º <strong>de</strong> Maio, Centro Comercial -<br />
Viana do Castelo<br />
Como Desenhar Um<br />
Círculo Perfeito<br />
De Marco Martins, 2009,<br />
M/16<br />
24/6, 24 21.45h<br />
“Shutter Teatro Te <strong>Municipal</strong><br />
Island”<br />
dAv.<br />
<strong>de</strong> Scorsese <strong>de</strong> Vila do Con<strong>de</strong><br />
Av. João Canavarro - Vila do Con<strong>de</strong><br />
em Vila<br />
Shutter S Island<br />
do Con<strong>de</strong> De D Martin Scorsese, 2010,<br />
M/16 M<br />
20/6, 2 21:45h<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Projec to<br />
para ultrapassar a mediania, mas<br />
quem gostar <strong>de</strong> melodrama, apesar<br />
<strong>de</strong> tudo, faz bem em arriscar a<br />
experiência, por muito que os<br />
contornos <strong>de</strong> “ficção científica”<br />
reduzam a emoção e os sentimentos<br />
exacerba<strong>dos</strong>. A produção é<br />
escorreita, a realização eficaz e sem<br />
excessivos efeitos, mas carece do<br />
elemento essencial para cumprir a<br />
sua função “nostálgica”, uma estrela<br />
com carisma – cita um filme com<br />
Bette Davis, mas faz lembrar “A Guy<br />
Named Joe” que Spielberg revisitou,<br />
já sem “estrelas”, em “Sempre”. Já<br />
não há Jennifer Jones, nem Gene<br />
Tierney, nem Irene Dunne e fazem<br />
muita falta para “veículos” como<br />
este. M.J.T.<br />
Muitos Dias Tem o Mês<br />
De Margarida Leitão. M/12<br />
Mnnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 1: 5ª<br />
Domingo 3ª 4ª 13h45, 15h30, 17h15, 19h, 21h45 6ª<br />
Sábado 13h45, 15h30, 17h15, 19h, 21h45, 23h50 2ª<br />
13h45, 15h30, 17h15, 19h;<br />
O excesso <strong>de</strong> endividamento, os<br />
orçamentos domésticos que não<br />
chegam para o mês (“alguns têm<br />
quarenta dias”, ouve-se no filme): a<br />
“Muitos Dias tem o Mês” não faltam<br />
nem pertinência nem uma relação<br />
forte com o dia-a-dia<br />
contemporâneo <strong>de</strong> boa parte da<br />
população portuguesa, e é<br />
certamente um documento sério<br />
sobre estes difíceis tempos em que<br />
do “dinheiro barato” ficou apenas<br />
uma dolorosa ressaca. O que o limita<br />
<strong>de</strong>cisivamente é o facto <strong>de</strong> não<br />
encontrar uma maneira produtiva<br />
<strong>de</strong> se relacionar com os testemunhos<br />
orais que recolhe, remetendo as<br />
imagens (e com excepção <strong>de</strong> poucos<br />
momentos) para uma função <strong>de</strong><br />
bengala ilustrativa, sem necessida<strong>de</strong><br />
intrínseca, simples suporte do “off”<br />
sonoro sem verda<strong>de</strong>iramente se<br />
relacionar com ele. L.M.O.<br />
Polícia Sem Lei<br />
The Bad Lieutenant: Port of Call<br />
- New Orleans<br />
De Werner Herzog,<br />
com Nicolas Cage, Eva Men<strong>de</strong>s, Val<br />
Kilmer. M/16<br />
MMMnn<br />
Angelina Jolie vai<br />
protagonizar um fi lme<br />
sobre a rainha do Nilo,<br />
adaptação da biografi a<br />
“Cleopatra: A Life”, <strong>de</strong><br />
Stacy Schiff , que será<br />
publicada no Outono.<br />
“O fi lme está a ser<br />
<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Beloura Shopping: Sala 1: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h35, 00h05; Me<strong>de</strong>ia<br />
Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 8: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h40,<br />
24h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 1: 5ª 6ª<br />
Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h35, 21h45, 00h20<br />
Domingo 11h30, 14h, 16h35, 21h45, 00h20; ZON<br />
Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 18h20, 21h10, 24h;<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 9: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 14h, 16h40, 19h25, 22h05, 00h45 3ª 4ª 16h40,<br />
19h25, 22h05, 00h45; ZON Lusomundo Fórum<br />
Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h55,18h50,<br />
21h45 6ª Sábado 13h, 15h55,18h50, 21h45, 00h40;<br />
O filme <strong>de</strong> Herzog não precisa <strong>de</strong><br />
comparações com o homónimo <strong>de</strong><br />
Abel Ferrara (“remake” ou não,<br />
interessa pouco) para fazer todo o<br />
“Polícia sem Lei”<br />
<strong>de</strong>senvolvido para<br />
Jolie”, confi rmou<br />
ao “Guardian” um<br />
porta-voz do produtor<br />
Scott Rudin. Há a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brad<br />
Pitt ser Mark Antony.<br />
Ecos do “Cleopatra”,<br />
sentido: há um outro tipo <strong>de</strong><br />
transcendência, uma redução da<br />
tragédia às leis <strong>de</strong> um acaso jogado<br />
com a costumeira noção <strong>de</strong> excesso<br />
visual, ainda que controlado.<br />
Po<strong>de</strong>mos até embirrar com o estilo<br />
<strong>de</strong> Herzog, pouco previsível para<br />
repegar nas profun<strong>de</strong>zas do “film<br />
noir”, mas como paródia (num<br />
sentido sério do termo) acaba por<br />
funcionar, não sem que sintamos um<br />
certo vazio in<strong>de</strong>finível <strong>de</strong> exercício<br />
sem re<strong>de</strong>. Subverter é um <strong>dos</strong><br />
prazeres do cineasta e como<br />
subversão o prazer das<br />
imagens acaba por triunfar do<br />
aleatório. M.J.T.<br />
Vencer<br />
Vincere<br />
De Marco Bellocchio,<br />
com Filippo Timi, Giovanna<br />
Mezzogiorno, Michela Cescon, Fausto<br />
Russo Alesi. M/12<br />
MMnnn<br />
<strong>de</strong> d Mankiewicz,<br />
que serviu<br />
<strong>de</strong> projecção<br />
pública para<br />
os amores <strong>de</strong><br />
Eli Elizabeth Taylor e<br />
Richard Ri Burton?<br />
<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h, 00h30;<br />
Marco Bellocchio é um sobrevivente<br />
do cinema italiano <strong>de</strong> autor e isso<br />
nota-se no modo como inicia esta<br />
ficção histórica, com uma <strong>de</strong>finição<br />
segura das personagens e com bom<br />
cruzamento entre a narrativa que<br />
constrói e as imagens <strong>de</strong> arquivo que<br />
instrumentaliza – a fazer recordar<br />
outros tempos <strong>de</strong> militância. O que<br />
limita, então, esta estranha história,<br />
baseada em factos verídicos, vindo a<br />
lume há pouco tempo sobre o<br />
primogénito <strong>de</strong> Mussollini e a mãe,<br />
Ida Dalser? “Vencer” começa<br />
Seja responsável. Beba com mo<strong>de</strong>ração. www.jameson.pt<br />
.<br />
Para quem leva o riso bem a sério e se aplica<br />
na boa disposição, a Jameson preparou um<br />
conjunto <strong>de</strong> festas verda<strong>de</strong>iramente divertidas.<br />
Entre num caso sério <strong>de</strong> gosto pela vida.<br />
Há poucas oportunida<strong>de</strong>s assim.<br />
Easygoing Irish.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 53
54 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
Cinema<br />
bem, com uma espécie <strong>de</strong> histeria<br />
visual em que Bellocchio sempre foi<br />
mestre, mas acaba por per<strong>de</strong>r-se em<br />
episódios repetitivos, <strong>de</strong> manicómio<br />
em manicómio, num estilo <strong>de</strong><br />
reportagem melodramática que<br />
cansa à força <strong>de</strong> quer funcionar em<br />
vários registos simultâneos,<br />
inclusive o operático que lhe não vai<br />
a capricho. A fotografia soturna<br />
também não ajuda a fazer “voar” a<br />
loucura. Dito isto, Giovanna<br />
Mezzogiorno e Filippo Timi valem o<br />
filme. M. J.T.<br />
Sexo e a Cida<strong>de</strong> 2<br />
Sex and the City 2<br />
De Michael Patrick King,<br />
com Sarah Jessica Parker, Kristin<br />
Davis, Cynthia Nixon, Kim Cattrall.<br />
M/16<br />
a<br />
<strong>Lisboa</strong>: Atlântida-Cine: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª<br />
15h30, 21h45 Sábado Domingo 15h30, 18h15,<br />
21h45; Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª 2ª<br />
3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20 6ª 15h20, 18h20, 21h20,<br />
00h20 Sábado 12h30, 15h20, 18h20, 21h20, 00h20<br />
Domingo 12h30, 15h20, 18h20, 21h20; Castello Lopes<br />
- Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h,<br />
18h45, 21h30 6ª Sábado 13h15, 16h, 18h45, 21h30,<br />
00h15; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 7: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30,<br />
18h20, 21h15, 00h10; CinemaCity Alegro<br />
Alfragi<strong>de</strong>: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 13h30, 16h30, 21h30, 00h25; CinemaCity Beloura<br />
Shopping: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 13h30, 16h25, 21h20, 00h15; CinemaCity Campo<br />
Pequeno Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 2: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h30, 21h30,<br />
00h25; CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª<br />
Domingo 3ª 4ª 13h35, 16h30, 21h30 6ª Sábado<br />
13h35, 16h30, 21h30, 00h20 2ª 13h35, 16h30; Me<strong>de</strong>ia<br />
Fonte Nova: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 14h45, 18h15, 21h30; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 4<br />
- Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h15, 16h, 18h45, 21h30, 00h15; Me<strong>de</strong>ia Saldanha<br />
Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 13h45, 16h30, 19h15, 22h; UCI Cinemas - El Corte<br />
Inglés: Sala 9: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h, 18h15, 21h30,<br />
00h25 Sábado 15h, 18h15, 21h30 Domingo 11h30,<br />
15h, 18h15, 21h30, 00h25; UCI Dolce Vita Tejo: Sala<br />
11: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h10, 18h15, 21h15 6ª<br />
Sábado 15h10, 18h15, 21h15, 00h20; ZON<br />
Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 13h40, 16h50, 21h20, 00h20; ZON<br />
Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 14h, 17h30, 21h, 24h; ZON Lusomundo<br />
CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
12h40, 16h30, 21h20, 00h20; ZON Lusomundo<br />
Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40,<br />
17h30, 21h05, 00h15; ZON Lusomundo Dolce Vita<br />
Miraflores: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20,<br />
21h20 6ª Sábado 15h20, 18h20, 21h20, 00h20; ZON<br />
Lusomundo Odivelas Parque: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h,<br />
18h20, 21h30 6ª 17h, 21h, 24h Sábado 13h30, 17h,<br />
21h, 24h Domingo 13h30, 17h, 21h; ZON Lusomundo<br />
Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
14h, 17h30, 20h55, 00h10; ZON Lusomundo Torres<br />
Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50,<br />
17h30, 21h, 00h15; ZON Lusomundo Vasco da Gama:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h30,<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
21h10, 00h15; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 2:<br />
5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h20 6ª 15h30, 18h20,<br />
21h20, 00h20 Sábado 12h40, 15h30, 18h20, 21h20,<br />
00h20 Domingo 12h40, 15h30, 18h20,<br />
21h20; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala 3: 5ª<br />
2ª 3ª 4ª 15h15, 18h10, 21h10 6ª 15h15, 18h10, 21h10,<br />
24h Sábado 12h20, 15h15, 18h10, 21h10, 24h<br />
Domingo 12h20, 15h15, 18h10, 21h10; Castello Lopes<br />
- Rio Sul Shopping: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h30,<br />
18h30, 21h30, 00h30 Sábado Domingo 12h35,<br />
15h30, 18h30, 21h30, 00h30; UCI Freeport: Sala 1:<br />
5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 18h10, 21h15 6ª<br />
Sábado 15h15, 18h10, 21h15, 00h10; ZON Lusomundo<br />
Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
12h50, 16h30, 21h, 00h10; ZON Lusomundo Fórum<br />
Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20,<br />
17h, 21h10, 00h10;<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 18h20, 21h40,<br />
00h40; Cinemax - Penafiel: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª<br />
15h30, 21h35 6ª 15h30, 21h35, 00h20 Sábado 15h,<br />
17h40, 21h35, 00h20 Domingo 15h, 17h40,<br />
21h35; Nun`Álvares: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 14h, 16h45, 19h30, 22h15; Vivacine -<br />
Maia: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
14h, 17h, 20h50, 24h; ZON Lusomundo Dolce Vita<br />
Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h25,<br />
17h30, 21h10, 00h20; ZON Lusomundo Ferrara<br />
Plaza: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h15, 21h10 6ª<br />
Sábado 15h20, 18h15, 21h10, 00h10; ZON<br />
Lusomundo GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h40, 16h50, 21h10 6ª Sábado 13h40, 16h50, 21h10,<br />
00h15; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 17h15, 21h 6ª Sábado<br />
13h50, 17h15, 21h, 00h20; ZON Lusomundo<br />
Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
14h10, 17h30, 21h40, 00h40; ZON Lusomundo<br />
NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
14h50, 18h, 21h20, 00h30; ZON Lusomundo Parque<br />
Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50,<br />
17h10, 21h30, 00h35; Castello Lopes - 8ª<br />
Avenida: Sala 3: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h35, 18h30, 21h25<br />
6ª 15h35, 18h30, 21h25, 00h20 Sábado 12h40,<br />
15h35, 18h30, 21h25, 00h20 Domingo 12h40, 15h35,<br />
18h30, 21h25; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h50, 21h10 6ª Sábado<br />
14h30, 17h50, 21h10, 00h30; ZON Lusomundo<br />
Glicínias: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20,<br />
17h30, 21h30, 00h35;<br />
Qualquer semelhança <strong>de</strong>stas<br />
intermináveis duas horas e meia<br />
com cinema (ou sequer com a<br />
comédia clássica que invoca, qual<br />
sacrilégio, em excertos <strong>de</strong> “Uma<br />
Noite Aconteceu”, 1934, Frank<br />
Capra, e “O Assunto do Dia”, 1942,<br />
George Stevens) é puro acaso.<br />
Chamar “filme” a “Sexo e a Cida<strong>de</strong><br />
2” é uma conveniência <strong>de</strong><br />
formulação, porque o que aqui se vê<br />
não passa <strong>de</strong> um episódio da série (e<br />
um episódio <strong>de</strong>sinspirado) esticado<br />
para lá do ponto <strong>de</strong> saturação. Não<br />
é, atenção, que não haja o gague<br />
pontual com piada (quase sempre<br />
<strong>de</strong>vido à ninfomaníaca Samantha <strong>de</strong><br />
Kim Cattrall), nem que haja alguma<br />
coisa <strong>de</strong> mal em querer fornecer<br />
uma noite <strong>de</strong> entretenimento<br />
<strong>de</strong>scomprometido. O problema é<br />
que “Sexo e a Cida<strong>de</strong> 2” acha<br />
preguiçosamente que basta fazer<br />
mais do mesmo em maior para se ter<br />
um filme (havia uma razão pela qual<br />
a série se limitava a meia-hora<br />
semanal). Não há aqui uma única<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> cinema: tudo é televisão no<br />
gran<strong>de</strong> écrã, e televisão mal feita,<br />
on<strong>de</strong> até a viagem ao Abu Dhabi que<br />
serve <strong>de</strong> pano <strong>de</strong> fundo à história é<br />
filmada como um qualquer exterior<br />
<strong>de</strong> fancaria. A única justificação para<br />
a existência <strong>de</strong>ste objecto é a<br />
batelada <strong>de</strong> dinheiro que o primeiro<br />
filme ren<strong>de</strong>u e a batelada que este<br />
também vai ren<strong>de</strong>r – e isso chateava<br />
menos se houvesse aqui nem que<br />
fosse um grama <strong>de</strong> cinema. Pior<br />
filme do ano, até agora. J. M.<br />
“Sexo e a Cida<strong>de</strong> 2”: tudo é televisão no gran<strong>de</strong> écrã<br />
Eu Sou o Amor<br />
Io Sono l’Amore<br />
De Luca Guadagnino,<br />
com Tilda Swinton, Flavio Parenti,<br />
Edoardo Gabbriellini. M/12<br />
Mnnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 2: 5ª 2ª<br />
3ª 4ª 15h40, 18h10, 21h10 6ª 15h40, 18h10, 21h10,<br />
00h05 Sábado 12h50, 15h40, 18h10, 21h10, 00h05<br />
Domingo 12h50, 15h40, 18h10, 21h10; UCI Cinemas<br />
- El Corte Inglés: Sala 13: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h45, 00h15 3ª 4ª 16h40,<br />
19h10, 21h45, 00h15;<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 18: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 13h55, 16h40, 19h20, 22h, 00h45 3ª 4ª<br />
16h40, 19h20, 22h, 00h45;<br />
Esforçado “pastiche” <strong>de</strong> qualquer<br />
coisa que se imagina representar, na<br />
cabeça <strong>de</strong> Guadagnino, o “melodrama<br />
clássico”, aqui confundido com uma<br />
acumulação <strong>de</strong> sinais - aristocratas<br />
italianos, a mulher <strong>de</strong> meia ida<strong>de</strong><br />
revigorada pela paixão, a ópera<br />
(com citação do “Phila<strong>de</strong>lphia” <strong>de</strong><br />
Jonathan Demme!) – postos a<br />
funcionar como as campainhas do<br />
Sr. Pavlov. Kitschíssimo, e<br />
frequentemente intragável: que<br />
horrorosa é aquela “epifania com<br />
gambas”, por exemplo, e que<br />
enervantes aqueles planos com<br />
folhinhas e insectos a acompanhar o<br />
sexo entre a aristocrata e o<br />
cozinheiro (folhinhas e insectos que,<br />
quase <strong>de</strong> certeza, Guadagnino foi<br />
pilhar à “Lady Chatterley” <strong>de</strong><br />
Pascale Ferran, que por sua vez os<br />
tinha ido buscar a Renoir - mas “Eu<br />
Sou o Amor” é isto: citação <strong>de</strong><br />
citação). E da citação nem Hitchcock<br />
escapa, naquele apontamento<br />
“Vertigo em San Remo” (caracol<br />
capilar e tudo), tão a <strong>de</strong>spropósito<br />
que quase chegava a ter graça não<br />
fosse o estilo “clipesco” e<br />
publicitário daquilo (até se fica à<br />
espera <strong>de</strong> ver aparecer o “Martini<br />
man”). Mas a câmara <strong>de</strong> Guadagnino<br />
é quase sempre bastante irritante,<br />
género mexe e remexe só para não<br />
estar quieta (aqueles movimentos<br />
em frente tão curtos que parecem<br />
pulinhos), e o único “excesso” que<br />
há aqui é o ornamental, que seria<br />
interessante se fosse capaz <strong>de</strong> se<br />
tornar no centro do próprio filme,<br />
<strong>de</strong> se constituir em razão <strong>de</strong> ser <strong>de</strong><br />
alguma coisa digna <strong>de</strong> ver (isso era<br />
mais para um Schroeter, mas o<br />
segredo <strong>de</strong>ve ter ido para a cova com<br />
ele). À <strong>de</strong>smesura <strong>de</strong>smesura – “clássica”, clássica ,<br />
digamos mos – não se chega com<br />
fantasias sias borboleteantes<br />
mas pelo seu oposto:<br />
pelo físico, pela<br />
gravida<strong>de</strong>, da<strong>de</strong>, pelo<br />
movimento mento em rasgo<br />
que converte onverte a<br />
paixão ão em energia e a<br />
inscreve, eve, para assim o<br />
transfigurar, figurar, no espaço da<br />
banalida<strong>de</strong> lida<strong>de</strong> quotidiana. Ora<br />
À <strong>de</strong>smesura<br />
i<strong>de</strong> lá – por exemplo tão<br />
não se chega<br />
bom como qualquer outro -<br />
com fantasias<br />
perguntar untar ao Sr. Mur Oti borboleteantes<br />
por um m certo<br />
“travelling”.L.M.O.<br />
elling”.L.M.O.
s<br />
es<br />
Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 <strong>Lisboa</strong>. Tel. 213596200<br />
Sexta, 18<br />
Tempesta<strong>de</strong> Mortal<br />
The Mortal Storm<br />
De Frank Borzage<br />
15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Justiça <strong>de</strong> Jesse James<br />
Jesse James<br />
De Henry King<br />
19h - Sala Félix Ribeiro<br />
Tempos Mo<strong>de</strong>rnos<br />
Mo<strong>de</strong>rn Times<br />
De Charles Chaplin<br />
19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Para Além do Paraíso<br />
Stranger Than Paradise<br />
De Jim Jarmusch<br />
21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
The Ring<br />
De Alfred Hitchcock<br />
22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Sábado, 19<br />
A Mulher do Gran<strong>de</strong> Senhor<br />
The Great Man’s Lady<br />
De William A. Wellman<br />
15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Phase IV<br />
De Saul Bass<br />
19h - Sala Félix Ribeiro<br />
A Boceta <strong>de</strong> Pandora<br />
Die Büchse <strong>de</strong>r Pandora<br />
De G. W. Pabst<br />
19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Contos da Lua Vaga<br />
Ugetsu Monogatari<br />
De Kenji Mizoguchi<br />
21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Comtesse Hachisch<br />
De Autor <strong>de</strong>sconhecido<br />
22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Segunda, 21<br />
Equilíbrio Instável<br />
A Delicate Balance<br />
De Tony Richardson<br />
15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Mulheres<br />
The Women<br />
De George Cukor<br />
19h - Sala Félix Ribeiro<br />
Belarmino<br />
De Fernando Lopes<br />
19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Esta Noite<br />
Nuit <strong>de</strong> Chien<br />
De Werner Schroeter<br />
21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
O Campeão<br />
The Champ<br />
De King Vidor<br />
22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Terça, 22<br />
Hitler’s Madman<br />
De Douglas Sirk<br />
15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Luzes da Cida<strong>de</strong> + Soigne Ton<br />
Gauche<br />
City Lights<br />
De Charles Chaplin<br />
19h - Sala Félix Ribeiro<br />
Eduardo Mãos <strong>de</strong> Tesoura<br />
Edward Scissorhands<br />
De Tim Burton<br />
19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
A Incrível Verda<strong>de</strong><br />
The Unbelievable Truth<br />
De Hal Hartley<br />
21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Esta Noite<br />
Nuit <strong>de</strong> Chien<br />
De Werner Schroeter<br />
22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Quarta, 23<br />
A Última Ameaça<br />
Deadline U.S.A.<br />
De Richard Brooks<br />
15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
O Ídolo do Público<br />
Gentleman Jim<br />
De Raoul Walsh<br />
19h - Sala Félix Ribeiro<br />
Family Viewing<br />
De Atom Egoyan<br />
19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
O Milagre Segundo Salomé<br />
De Mário Barroso<br />
21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Bobby Cassidy, Counterpuncher<br />
+ After The Fight<br />
Bobby Cassidy: Counterpuncher<br />
De Bruno <strong>de</strong> Almeida.<br />
22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Quinta, 24<br />
A Conquista da Felicida<strong>de</strong><br />
The Good Fary<br />
De William Wyler<br />
15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Corpo e Alma<br />
Body and Soul<br />
De Robert Rossen<br />
19h - Sala Félix Ribeiro<br />
Os Viajantes da Noite<br />
Subway Ri<strong>de</strong>rs<br />
De Amos Poe<br />
19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Música, Moçambique!<br />
De José Fonseca e Costa.<br />
21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
O Ídolo do Público<br />
Gentleman Jim<br />
De Raoul Walsh<br />
22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 55
Concertos<br />
Histórica, imperdível,<br />
a Orchestra Baobab é um nome<br />
fundamental da música <strong>de</strong> toda<br />
a África Oci<strong>de</strong>ntal<br />
56 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
Filmeconcerto<br />
Pop<br />
O Mediterrâneo<br />
é um<br />
mundo<br />
Orchestra Baobab, Femi Kuti<br />
e King Khan no Festival MED,<br />
em Loulé. Mário Lopes<br />
Festival MED 2010<br />
A Orquestra<br />
Gulbenkian<br />
encarregase<br />
esta noite<br />
da abertura<br />
do programa<br />
“Próximo Futuro” ro”<br />
numa sessão em m<br />
que interpretará, rá,<br />
ao vivo, uma banda anda<br />
sonora composta ta<br />
em 1995 pelo argentino<br />
Dia 23<br />
Com Femi Kuti & The Positive Force<br />
+ Amparo Sanchéz + Vieux Farka<br />
Touré + Zeca Me<strong>de</strong>iros + Macacos do<br />
Chinês<br />
Dia 24<br />
Com King Khan & The Shrines +<br />
Goran Bregovic & His Wedding and<br />
Funeral Band + Cacique’97 +<br />
Mazgani + An<strong>de</strong>rson Molière<br />
Dia 25<br />
Com Orchestra Baobab + Galandum<br />
Galundaina + 3 Pianos + Anaquim +<br />
The Legendary Tigerman + +<br />
Watcha Clan + Step_Line Project<br />
Dia 26<br />
Com Femi Kuti + René Aubry +<br />
Mercan De<strong>de</strong> & The Secret Tribe +<br />
Diabo na Cruz + Virgem Suta +<br />
Orelha Negra + Boom Pam<br />
Loulé. Centro Histórico. De 23/06 a 26/06. 4ª a Sáb.<br />
a partir das 20h30. Tel.: 91802810. 12,5€ (dia) a<br />
60,5€ (bilhete Premium). Na Nave Central.<br />
Cistermúsica - XVII Festival <strong>de</strong> Música <strong>de</strong> Alcobaça.<br />
Informações: 262580843.<br />
Loulé tem oficialmente 12 mil<br />
habitantes. O número, porém, é<br />
variável. Isso porque há pelo menos<br />
uma altura do ano em que a<br />
população se multiplica. Não é só o<br />
Verão, é a música que o Verão traz. É,<br />
concretizando, o Festival Med, que<br />
cumpre este ano a sua sétima edição.<br />
I<strong>de</strong>alizado como celebração das<br />
músicas e culturas mediterrâneas, o<br />
Med instala-se na zona histórica da<br />
Martín Ma Mart rtín<br />
Matalon para<br />
“Metrópolis” (1927) (1927), um<br />
<strong>dos</strong> fi lmes mais marcantes<br />
cida<strong>de</strong> algarvia e, durante quatro<br />
dias, oferece ao público um “melting<br />
pot” <strong>de</strong> world music que ecoa <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
o castelo em volume recomendável<br />
– ou seja, volume alto, que dançar é<br />
necessário.<br />
A edição 2010, com início marcado<br />
para quarta-feira, dia 23, promete ser<br />
uma das mais interessantes da sua<br />
história. Porque o Mediterrâneo não<br />
será apenas as fronteiras que o<br />
<strong>de</strong>limitam, antes um ponto <strong>de</strong><br />
partida e chegada para todo o<br />
mundo. Músicas do mundo, neste<br />
contexto, terão significado literal.<br />
Quarta-feira chegam dois filhos <strong>de</strong><br />
reis que já garantiram o seu espaço<br />
criativo para além do apelido. No<br />
palco Matriz (que, com o palco Cerca<br />
e o palco Castelo, forma o conjunto<br />
<strong>de</strong> palcos principais), actua Femi<br />
Kuti, filho mais velho <strong>de</strong> Fela Kuti<br />
que aprofundou o jazz que existia no<br />
afro-beat fundador do pai e abraçou<br />
outras linguagens, como o hip hop.<br />
Na Cerca, por sua vez, estará Vieux<br />
Farka Touré, filho <strong>de</strong> Ali Farka Touré<br />
que, sob a imensa sombra do pai,<br />
guitarrista que revelou ao mundo<br />
toda a riqueza da música maliana (e<br />
ao blues a sua fonte mais generosa),<br />
escolheu trilhar o seu próprio<br />
caminho, procurando a<br />
mo<strong>de</strong>rnização possível no funk e no<br />
rock.<br />
Quarta-feira será também dia <strong>de</strong><br />
cruzamentos musicais, os da<br />
espanhola Amparo Sanchéz, exvocalista<br />
<strong>dos</strong> Amparanoia que,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> quase duas décadas <strong>de</strong><br />
“son mestizo”, se estreou a solo com<br />
“Tucson – Habana”, álbum dividido,<br />
como o nome indica, entre Cuba e<br />
os Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> <strong>de</strong> fronteira (com<br />
os Calexico como banda suporte).<br />
No arranque, <strong>de</strong>staque também para<br />
a imponência da voz do açoriano<br />
Zeca Me<strong>de</strong>iros, mestre contador <strong>de</strong><br />
histórias em formato canção que o<br />
país se <strong>de</strong>veria obrigar a conhecer<br />
melhor. Mas isto é apenas o início.<br />
Entre 23 e 26 <strong>de</strong> Junho, veremos<br />
da história e da<br />
iconografi ico a do cinema<br />
mudo. m Será o próprio<br />
MMatalon<br />
a dirigir a<br />
OOrquestra<br />
neste fi lmeconcerto<br />
c que terá<br />
lugar no Anfi teatro<br />
Ao Ar Livre da<br />
Fundação Fund Calouste<br />
Gulbenkian, Gulb a partir das<br />
22h. 22h<br />
Os bilhetes custam<br />
<strong>de</strong>z euros.<br />
uma histórica banda senegalesa, a<br />
imperdível Orchestra Baobab, nome<br />
fundamental da música africana das<br />
décadas <strong>de</strong> 1970 e 1980 e um <strong>dos</strong><br />
gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>staques do festival (dia<br />
25), e um canadiano <strong>de</strong> ascendência<br />
indiana que toca garage-rock<br />
<strong>de</strong>liciosamente tresloucado, King<br />
Khan (toca com os seus Shrines dia<br />
24). Teremos franceses que fun<strong>de</strong>m<br />
cultura urbana, eléctrica, com<br />
música magrebina (Watcha Clan, a<br />
25) e as gaitas e polifonias miran<strong>de</strong>sas<br />
<strong>dos</strong> magníficos Galandum<br />
Galundaina (dia 25). Haverá fanfarra<br />
balcânica com Goran Bregovic & His<br />
Wedding and Funeral Band (dia 24),<br />
um trio israelita, Boom Pam , a fazer<br />
do surf-rock a mais festiva linguagem<br />
do Médio Oriente (dia 26) e a<br />
multifacetada presença da<br />
actualida<strong>de</strong> musical portuguesa,<br />
representada por Cacique’97 ou<br />
Mazgani (dia 24), Legendary Tiger<br />
Man, Anaquim ou os 3 Pianos <strong>de</strong><br />
Bernardo Sassetti, Mário Laginha e<br />
Pedro Burmester (25), Diabo Na Cruz,<br />
Orelha Negra e Virgem Suta (26).<br />
Teremos a música, chamariz<br />
principal, a suscitar reencontros e<br />
<strong>de</strong>scobertas. Uma exposição do<br />
artista plástico José <strong>de</strong> Guimarães,<br />
“Negreiros e Guaranis I”. E a<br />
gastronomia mediterrânica para<br />
recuperar energias. Quatro dias e<br />
uma cida<strong>de</strong> ocupada sem<br />
resistência.<br />
Três<br />
discretos<br />
gigantes<br />
Richard Youngs, David<br />
Maranha e Manuel Mota<br />
juntos pela primeira vez em<br />
<strong>Lisboa</strong>. Pedro Rios<br />
David Maranha + Manuel Mota +<br />
Richard Youngs<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos - Sala<br />
Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. 2ª, 21, às<br />
22h. Tel.: 218438801. 5€ a 12€.<br />
Festival Silêncio! 2010 - <strong>Lisboa</strong><br />
Capital da Palavra.<br />
Não sabemos o que vai acontecer no<br />
palco do Teatro Maria Matos, em<br />
<strong>Lisboa</strong>, na próxima segunda-feira.<br />
Não po<strong>de</strong>mos saber: é a primeira vez<br />
que o britânico Richard Youngs e os<br />
portugueses David Maranha e Manuel<br />
Mota se juntam. Maranha (órgão) e<br />
Mota (guitarra) trabalham juntos<br />
regularmente (nomeadamente nos<br />
Osso Exótico e Curia), mas sempre<br />
em formato instrumental, pelo que o<br />
encontro com Youngs, um brilhante<br />
artífice da voz, é um <strong>de</strong>safio. O<br />
acontecimento <strong>de</strong> segunda-feira,<br />
inserido no Festival Silêncio, põe fim<br />
a longos meses <strong>de</strong> ensaios à<br />
distância. É uma verda<strong>de</strong>ira<br />
formação <strong>de</strong> luxo, uma reunião <strong>de</strong><br />
Richard Youngs vai cantar<br />
em cima da guitarra<br />
<strong>de</strong> Manuel Mota e do órgão<br />
<strong>de</strong> David Maranha<br />
três personagens fundamentais da<br />
música aventureira actual.<br />
Des<strong>de</strong> os anos 90, Richard Youngs<br />
(bibliotecário durante o dia, discreto<br />
músico genial à noite) tem-se<br />
<strong>de</strong>sdobrado em discos (vai a caminho<br />
do centésimo) e linguagens - da folk<br />
ao minimalismo, com paragens pelo<br />
rock mais afiado ou mesmo pela pop<br />
(como no brilhante “Beyond The<br />
Valley Of Ultrahits”, que será<br />
reeditado em Julho). Nos últimos<br />
tempos, tem-se focado na sua própria<br />
voz, sem acompanhamento ou com<br />
instrumentação repetitiva, num<br />
<strong>de</strong>puramento progressivo <strong>de</strong> formas.<br />
Através <strong>dos</strong> anos, chegou a um som<br />
que é tão doce e acessível quanto<br />
austero e exigente – chega sempre à<br />
beleza pelo trajecto menos óbvio.<br />
David Maranha e Manuel Mota são<br />
dois <strong>dos</strong> mais distintos praticantes<br />
da experimentação portuguesa. Nos<br />
últimos discos a solo, Maranha<br />
entrega-se a estruturas circulares,<br />
<strong>de</strong>vedoras <strong>dos</strong> Velvet Un<strong>de</strong>rground<br />
em modo expansivo e da<br />
colaboração <strong>de</strong> Tony Conrad com os<br />
Faust. Já Manuel Mota é um<br />
guitarrista difícil <strong>de</strong> situar. Esparsa,<br />
quase pontilhada, a música que faz à<br />
guitarra está algures entre os blues e<br />
a improvisação não idiomática <strong>de</strong><br />
um Derek Bailey.<br />
A cartola está<br />
<strong>de</strong> volta<br />
Slash<br />
Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137. 3ª, 22, às 22h.<br />
Tel.: 223394947. 29€ a 34€.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Coliseu. R. Portas St. Antão, 96. 4ª, 23, às<br />
21h. Tel.: 213240580. 29€ a 34€.<br />
Cartola, guitarra em riste, caracóis a<br />
cobrir o rosto, rock ‘n’ roll por to<strong>dos</strong><br />
os poros: Slash, verda<strong>de</strong>iro “guitar<br />
hero”. É certo o que Slash nunca se foi<br />
realmente embora. mbora. De DDepois pois <strong>de</strong> se<br />
fartar <strong>de</strong> vez <strong>dos</strong> amuos<br />
<strong>de</strong> Axl Rose, ouvimo-lo ouv u imo-lo<br />
nos Slash’s Snakepit nakepit e<br />
vimo-lo formar ar um<br />
supergrupo, os<br />
pouco super Velvet<br />
Revolver, com m os<br />
ex-Guns N’Roses oses<br />
Duff McKagan n e<br />
Matt Sorum e o ex- ex-<br />
Stone Temple e Pilots<br />
Scott Weiland. d. Nada a<br />
disso, porém, , serviu serv r iu<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> estímulo. tímulo l .<br />
Porque quem m o viu<br />
sair daquela igreja<br />
Sim, está vivo:<br />
no meio do <strong>de</strong>serto eserto Slash, e a sua<br />
para atacar aquele quele inseparável guitarra,<br />
que é, ainda hoje,<br />
em carne e osso,<br />
o solo na pradaria daria ia nos Coliseus<br />
para acabar com<br />
m<br />
to<strong>dos</strong> os solos s na<br />
a<br />
pradaria, como mo<br />
no ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong><br />
“November<br />
Rain”, não se<br />
contenta com m<br />
pouco.
a,<br />
Figura imprescindível <strong>dos</strong> Guns<br />
N’Roses e, consequentemente, da<br />
década <strong>de</strong> 90, Slash foi<br />
provavelmente o último elo numa<br />
ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>de</strong>uses da guitarra on<strong>de</strong><br />
encontramos Jeff Beck, o Eric<br />
Clapton <strong>dos</strong> Cream, Jimmy Page ou o<br />
controverso Ted Nugent. Nos Guns<br />
N’Roses, os “bad boys” <strong>de</strong> Los<br />
Angeles, a banda <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os<br />
excessos e megalomanias que<br />
cruzou pompa hard-rock com<br />
agressivida<strong>de</strong> punk para conquistar<br />
os estádios do mundo inteiro, Slash<br />
tornou-se personagem reverenciada<br />
em escolas secundárias “all over” e<br />
um músico respeitado pela postura<br />
íntegra (para os padrões rock’n’roll,<br />
claro está) e pelo talento na<br />
pirotecnia em seis cordas.<br />
Agora que finalmente se assumiu<br />
como músico a solo, o mundo<br />
rejubila. O álbum homónimo é uma<br />
salgalhada, firmemente ancorada no<br />
rock <strong>dos</strong> anos 90, on<strong>de</strong> convivem as<br />
vozes <strong>de</strong> Ozzy Osbourne, Kid Rock,<br />
Lemmy Kilminster, Ian Astubury ou,<br />
vá-se lá saber porquê, Fergie <strong>dos</strong><br />
Black Eyed Peas (ou seja, será apenas<br />
cem vezes melhor do que o patético<br />
“Chinese Democracy”, editado há<br />
um par <strong>de</strong> anos por Axl Rose). Longe<br />
<strong>de</strong> consensual, “Slash” terá como<br />
principal virtu<strong>de</strong> para os fãs ter posto<br />
Slash <strong>de</strong> volta à estrada. Ei-lo que<br />
chega então.<br />
Dia 22 <strong>de</strong> Junho, no Coliseu do<br />
Porto, e dia 23 no <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. Com ele<br />
em palco, ouvir-se-ão canções <strong>de</strong> to<strong>dos</strong><br />
os momentos da sua carreira. De<br />
to<strong>dos</strong>? Quer isso dizer que... Isso<br />
mesmo, o alinhamento não é só o<br />
álbum a solo, os Snakepit e os Velvet<br />
Revolver. “Paradise city”, “Sweet child<br />
o’ mine”, “Civil war” ou “Nightrain”.<br />
Todas elas foram já ouvidas no<br />
<strong>de</strong>correr da digressão. Portanto, é caso<br />
para o fã assistir ao concerto e<br />
compará-lo mais tar<strong>de</strong>, a 6 Outubro,<br />
com aquele que os Guns N’Roses <strong>de</strong><br />
Axl levarão ao Pavilhão Atlântico. M.L.<br />
Clássica<br />
Elegância<br />
francesa<br />
Pianista <strong>de</strong> rara inteligência,<br />
Alexandre Tharaud<br />
apresenta no Festival<br />
<strong>de</strong> Sintra um programa<br />
<strong>de</strong>dicado a Schubert<br />
e Chopin. Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s<br />
Alexandre Tharaud<br />
Sintra. Palácio Nacional (Palácio da Vila). Lg. da<br />
Rainha Dona Amélia. 4ª, 23, às 21h30. Tel.:<br />
219106840. 20€.<br />
Festival <strong>de</strong> Sintra 2010. Obras <strong>de</strong><br />
Schubert e Chopin.<br />
A carreira do pianista Alexandre<br />
Agenda<br />
Sexta 18<br />
The Ruby Suns<br />
<strong>Lisboa</strong>. LX Factory. R. Rodrigues Faria, 103, às 23h.<br />
Tel.: 213143399. 10€.<br />
Sebastian 23 + Social Smokers<br />
<strong>Lisboa</strong>. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do<br />
Sodré, às 23h30. Tel.: 213430107. 8.<br />
Festival Silêncio! 2010.<br />
Deolinda<br />
Braga. Theatro Circo - Sala Principal. Av.<br />
Liberda<strong>de</strong>, 697, às 22h. Tel.: 253203800. 15€.<br />
Black Bombaim + Alto!<br />
Black Bombaim<br />
<strong>Lisboa</strong>. Café Teatro Santiago Alquimista. R.<br />
Santiago, 19, às 23h. Tel.: 218884503. 6€.<br />
Diabo Na Cruz<br />
Ovar. Centro <strong>de</strong> Arte <strong>de</strong> Ovar. R. Arquitecto<br />
Januário Godinho, às 22h. Tel.: 256585451. 4€.<br />
Norberto Lobo<br />
Portimão. Teatro <strong>Municipal</strong>. Lg. 1.º <strong>de</strong> Dezembro,<br />
às 22h. Tel.: 282402475. Entrada gratuita.<br />
Mazgani<br />
Alcochete. Fórum Cultural <strong>de</strong> Alcochete. Estrada<br />
<strong>Municipal</strong> 501, às 22h. Tel.: 212349640. 8€.<br />
Foge Foge Bandido<br />
Palmela. Cine-Teatro S. João. R. Gago Coutinho -<br />
Sacadura Cabral, às 21h30. Tel.: 212338520. 10€.<br />
Divino Sospiro<br />
Direcção Musical <strong>de</strong> Enrico Onofri.<br />
<strong>Lisboa</strong>. CCB - Pequeno Auditório. Pç. do Império, às<br />
21h. Tel.: 213612400. 12€ (concerto) a 30€ (passe).<br />
Ciclo De Bach a Kurtág.<br />
Rhys Chatham + Nina Canal +<br />
Nadia Lichtig + David Watson<br />
Porto. Culturgest. Av. <strong>dos</strong> Alia<strong>dos</strong>, 104 - Ed. da CGD,<br />
às 22h. Tel.: 222098116. 5€.<br />
Cornelius Car<strong>de</strong>w e a Liberda<strong>de</strong> da<br />
Escuta.<br />
Sábado 19<br />
Carta Branca a Fausto Bordalo<br />
Dias<br />
<strong>Lisboa</strong>. CCB - Gran<strong>de</strong> Auditório. Pç. do Império, às<br />
21h. Tel.: 213612400. 5€ a 25€.<br />
Ver texto na pág. 24.<br />
Feromona<br />
Porto. Plano B. R. Cândido <strong>dos</strong> Reis, 30, às 23h.<br />
Tel.: 222012500.<br />
Ver texto na pág. 22.<br />
Enrico Onofri<br />
dirige o Divino<br />
Sospiro no CCB<br />
Mário Laginha Trio<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz - Sala Principal.<br />
R. Antº Maria Car<strong>dos</strong>o, 38-58, às 21h. Tel.:<br />
213257650. 10€ a 20€.<br />
Festival Chopin.<br />
Jorge Moyano<br />
Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />
<strong>de</strong> Albuquerque, às 21h. Tel.: 220120220. 15€.<br />
Ciclo Piano EDP - Áustria 2010.<br />
Imaginarium Ensemble e<br />
Orquestra <strong>de</strong> Câmara Portuguesa<br />
Direcção Musical <strong>de</strong> Pedro Carneiro,<br />
Enrico Onofri.<br />
<strong>Lisboa</strong>. CCB - Pequeno Auditório. Pç. do Império, às<br />
18h30 e 21h. Tel.: 213612400. 12€ (concerto) a 30€<br />
(passe).<br />
Ciclo De Bach a Kurtág.<br />
John Tilbury<br />
Porto. Culturgest. Av. <strong>dos</strong> Alia<strong>dos</strong>, 104 - Ed. da CGD,<br />
às 22h. Tel.: 222098116. 5€.<br />
Cornelius Car<strong>de</strong>w e a Liberda<strong>de</strong> da<br />
Escuta.<br />
Client<br />
Famalicão. Casa das Artes - Gran<strong>de</strong> Auditório. Pq. <strong>de</strong><br />
Sinçães, às 21h30. Tel.: 252371297. 10€.<br />
The Ruby Suns<br />
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Av. D. Afonso<br />
Henriques, 701, às 0h. Tel.: 253424700. 4€.<br />
Dead Combo<br />
Sesimbra. Cine-Teatro <strong>Municipal</strong> João Mota. Av.<br />
Liberda<strong>de</strong>, 46, às 21h30. Tel.: 212234034. 3€.<br />
Tiguana Bibles<br />
Maia. Tertúlia Castelense. R. Augusto Nogueira da<br />
Silva, 779, às 23h30. Tel.: 229829425. 6€.<br />
Os Air no Coliseu do Porto<br />
Maria da Fé + Beatriz da<br />
Conceição + Argentina<br />
Santos<br />
<strong>Lisboa</strong>. Castelo <strong>de</strong> São Jorge. Castelo, às 22h. Tel.:<br />
218800620. 12,5€.<br />
Festa do Fado 2010.<br />
Pedro Barroso + Manuel Freire +<br />
Francisco Fanhais<br />
Ton<strong>de</strong>la. Cine Tejá - Novo Ciclo ACERT. R. Dr.<br />
Ricardo Mota, às 21h45. Tel.: 232814400. 7,5€.<br />
Domingo 20<br />
Air<br />
Porto. Coliseu do Porto. R. Passos Manuel, 137, às<br />
21h30. Tel.: 223394947. 29€ a 34€.<br />
Carlo Torlontano e Orquestra<br />
Nacional do Porto<br />
Direcção Musical <strong>de</strong> Fawzi Haimor.<br />
Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />
<strong>de</strong> Albuquerque, às 12h. Tel.: 220120220. 5€.<br />
Áustria 2010. Música <strong>dos</strong> Alpes.<br />
Divino Sospiro e<br />
OrchestrUtopica<br />
<strong>Lisboa</strong>. CCB - Pequeno Auditório. Pç. do Império, às<br />
18h30 e 21h. Tel.: 213612400. 12€ (concerto) a 30€<br />
(passe).<br />
Ciclo De Bach a Kurtág.<br />
Terça 22<br />
Alexandre Delgado e Bruno<br />
Belthoise<br />
<strong>Lisboa</strong>. CCB - Pequeno Auditório. Pç. do Império, às<br />
19h. Tel.: 213612400. 10€.<br />
Quarta 23<br />
Orquestra Nacional do Porto +<br />
Trabalhadores do Comércio +<br />
Blind Zero<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque - Pç., às 22h. Tel.: 220120220. Entrada<br />
gratuita.<br />
Agência <strong>de</strong> Viagens<br />
<strong>Lisboa</strong>. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do<br />
Sodré, às 23h40. Tel.: 213430107. 8€.<br />
Festival Silêncio! 2010.<br />
Quinta 24<br />
As Client, <strong>de</strong><br />
uniforme, em<br />
Famalicão<br />
Boo Boo Davies<br />
Sesimbra. Cine-Teatro <strong>Municipal</strong> João Mota. Av.<br />
Liberda<strong>de</strong>, 46, às 21h30. Tel.: 212234034. 7,5€.<br />
Grossraumdichten + Ghostpoet<br />
<strong>Lisboa</strong>. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do<br />
Sodré, às 23h30. Tel.: 213430107. 8€.<br />
Festival Silêncio! 2010.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 57
Concertos<br />
Alexandre Tharaud, um <strong>dos</strong><br />
melhores a abordar Chopin<br />
Tharaud encontra-se intimamente<br />
ligada ao repertório francês,<br />
contemplando compositores <strong>dos</strong><br />
século XVII a XX, mas os seus<br />
interesses artísticos não se<br />
restringem a esse universo. No seu<br />
mais recente CD, intitulado “Journal<br />
Intime” (Virgin Classics), traça um<br />
percurso pessoal da sua relação com<br />
58 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
Ao vivo<br />
Os Chameleons, nome<br />
seminal da música indie<br />
britânica, vão estar em<br />
<strong>Lisboa</strong> para um concerto<br />
único, dia 3 <strong>de</strong><br />
Julho, no<br />
Chopin <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro contacto<br />
com a música do compositor polaco<br />
a ligações pessoais e artísticas mais<br />
recentes com <strong>de</strong>terminadas obras. A<br />
sua peculiar sensibilida<strong>de</strong> para a<br />
música francesa adapta-se<br />
igualmente bem à estética refinada<br />
do pianismo <strong>de</strong> Chopin, compositor<br />
que viveu gran<strong>de</strong> parte da sua vida<br />
em Paris, pelo que Tharaud tinha já<br />
gravado na Harmonia Mundi as<br />
Valsas e os Prelúdios com gran<strong>de</strong><br />
sucesso.<br />
É pois na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intérprete<br />
<strong>de</strong> Chopin que o pianista francês<br />
participa na presente edição do<br />
Festival <strong>de</strong> Sintra, este ano com uma<br />
programação centrada nos<br />
bicentenários <strong>de</strong> Schumann e<br />
Chopin. No próximo dia 23,<br />
apresenta-se no Palácio Nacional <strong>de</strong><br />
Sintra para interpretar seis Valsas, a<br />
Fantasia op. 49, o Nocturno em Dó<br />
sustenido menor, op. póstumo, e a<br />
Fantasia-Improviso, op. 66. Este<br />
conjunto <strong>de</strong> obras será<br />
complementado pelos os Seis<br />
Momentos Musicais, D. 780 (op. 94),<br />
<strong>de</strong> Schubert, publica<strong>dos</strong> em 1828, ou<br />
Santiago Alquimista. A<br />
banda <strong>de</strong> Mark Burgess e<br />
John Lever actua a partir<br />
das 23h. Os bilhetes, que<br />
custam c 20 euros, já estão<br />
à vendas nas lojas Louie<br />
Louie L do Porto e <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
e<br />
na Two Tone Store <strong>de</strong><br />
seja, mais ou menos na época em<br />
que Chopin visitou Viena antes <strong>de</strong> se<br />
instalar em Paris.<br />
Nascido em 1968, Alexandre<br />
Tharaud diplomou-se no<br />
Conservatório Nacional Superior <strong>de</strong><br />
Paris e iniciou a sua carreira<br />
internacional <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter ganho o<br />
2º Prémio no Concurso<br />
Internacional <strong>de</strong> Piano ARD <strong>de</strong><br />
Munique em 1989. Dotado <strong>de</strong> uma<br />
técnica límpida e <strong>de</strong> uma<br />
estimulante inteligência<br />
interpretativa e conceptual, tem<br />
feito um brilhante percurso artístico,<br />
tanto a solo como na música <strong>de</strong><br />
câmara. A sua gravação das<br />
“Nouvelles Pièces <strong>de</strong> Clavecin”, <strong>de</strong><br />
Rameau, suscitou gran<strong>de</strong><br />
entusiasmo e a sua integral da obra<br />
pianística <strong>de</strong> Ravel obteve os mais<br />
importantes prémios da crítica. O<br />
CD “Tic, Toc, Choc”, uma colectânea<br />
<strong>de</strong> peças <strong>de</strong> Couperin, chegou ao<br />
“top 20” na Alemanha em 2007 e o<br />
seu álbum duplo <strong>de</strong>dicado a Erik<br />
Satie foi consi<strong>de</strong>rado um <strong>dos</strong> Discos<br />
do Ano <strong>de</strong> 2009 pela Revista<br />
“Diapason” e também pelo Ípsilon.<br />
Cacilhas, em Almada.<br />
Depois do concerto haverá<br />
uma “after-party” das<br />
Graveyard Sessions, com<br />
os DJ Yggdrasil, Lena Cat,<br />
M for Mur<strong>de</strong>r e Serotonin.<br />
Uma lenda musical<br />
em Alcobaça<br />
Luís Rodrigues e Orquestra do<br />
Algarve<br />
Alexandre Delgado<br />
estreia nova obra<br />
Direcção musical <strong>de</strong> Alexandre<br />
Delgado.<br />
Alcobaça. Cine-Teatro. R. Afonso <strong>de</strong> Albuquerque.<br />
Sáb., 19, às 21h30. Tel.: 262580890. 5€ a 8€.<br />
Cistermúsica - XVIII Festival <strong>de</strong><br />
Música <strong>de</strong> Alcobaça. Obras <strong>de</strong><br />
Mahler, Delgado e Beethoven.<br />
Dedicada ao tema “Música e<br />
Literatura”, a 18ª edição do Festival<br />
Cistermúsica, em Alcobaça,<br />
prossegue este fim-<strong>de</strong>-semana com a<br />
estreia absoluta <strong>de</strong> uma nova obra<br />
<strong>de</strong> Alexandre Delgado (n. 1965) pela<br />
Orquestra do Algarve e pelo<br />
barítono Luís Rodrigues, sob a<br />
direcção do próprio compositor.<br />
Trata-se <strong>de</strong> “Santo Asinha”, lenda<br />
para barítono e orquestra composta<br />
a partir <strong>de</strong> um poema <strong>de</strong> Fre<strong>de</strong>rico<br />
Lourenço inspirado num conto <strong>de</strong><br />
Iva Delgado, on<strong>de</strong> se evoca a curiosa<br />
história do temível assaltante que se<br />
arrepen<strong>de</strong> da sua conduta graças à<br />
intervenção <strong>de</strong> um fra<strong>de</strong>, passando a<br />
praticar o bem para se redimir.<br />
Todavia, enquanto tenta ajudar um<br />
lenhador, este vê a oportunida<strong>de</strong><br />
para matar o malfeitor procurado<br />
por to<strong>dos</strong>... O texto foi recentemente<br />
publicado pela Caminho em “Santo<br />
Asinha e outros poemas”, primeiro<br />
livro <strong>de</strong> poesia <strong>de</strong> Fre<strong>de</strong>rico<br />
Lourenço, e a obra musical resulta<br />
<strong>de</strong> uma encomenda da Orquestra do<br />
Algarve, da qual Alexandre Delgado<br />
é compositor associado nesta<br />
temporada. O restante programa do<br />
concerto inclui duas obras sinfónicas cas<br />
célebres: o “Adagietto” da Sinfonia a<br />
nº5, <strong>de</strong> Mahler, e a Sinfonia nº5, op.<br />
67, <strong>de</strong> Beethoven.<br />
Compositor, violetista, autor <strong>de</strong><br />
estu<strong>dos</strong> sobre música portuguesa e<br />
do programa da RDP-Antena 2 “A<br />
propósito da música”, Alexandre<br />
Delgado é director artístico do<br />
Festival Cistermúsica <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2002. A<br />
sua produção musical caracteriza-se -se<br />
por um forte po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> comunicação ão<br />
e inclui sobretudo obras orquestrais ais<br />
e <strong>de</strong> câmara, mas também uma das as<br />
mais bem sucedidas óperas<br />
portuguesas compostas nas<br />
últimas duas décadas: “O Doido e<br />
a Morte” (1994), baseada na farsa<br />
<strong>de</strong> Raul Brandão. Recentemente<br />
terminou mais uma ópera <strong>de</strong> câmara ara<br />
(“A Rainha Louca”), que, juntamente nte<br />
com a anterior e com um outro<br />
PEDRO CUNHA<br />
projecto sobre o sebastianismo,<br />
formarão a “Trilogia da<br />
Loucura”. C.F.<br />
Jazz<br />
Forma e<br />
abstracção<br />
Dois músicos notáveis, Scott<br />
Fields e Matthias Schubert,<br />
ensaiam as leis da atracção<br />
musical. Rodrigo Amado<br />
Scott Fields + Matthias Schubert<br />
<strong>Lisboa</strong>. CCB 5ª, 24, às 22h. Tel.: 213612400. Entrada<br />
gratuita.<br />
Jazz às 5ªs.<br />
Scott Fields era já um <strong>dos</strong> principais<br />
nomes da vanguarda jazz <strong>de</strong> Chicago<br />
quando <strong>de</strong>cidiu mudar toda a sua<br />
vida para a Europa, mais<br />
concretamente para a Alemanha.<br />
Guitarrista e compositor <strong>de</strong> um<br />
enorme rigor e contenção musical,<br />
Fields construiu uma discografia<br />
notável baseada naquilo que po<strong>de</strong><br />
ser consi<strong>de</strong>rada uma totalmente<br />
nova abordagem da guitarra jazz.<br />
Com paralelo apenas no trabalho<br />
conceptual <strong>de</strong> um músico como Joe<br />
Morris, Fields emprega movimentos<br />
melódicos e harmónicos pouco<br />
usuais, enigmáticos e abstractos.<br />
Matthias Schubert, um <strong>dos</strong> músicos<br />
alemães com o qual Fields tem<br />
partilhado inúmeros projectos, é um<br />
saxofonista fortemente inspirado<br />
nos mo<strong>de</strong>los mais criativos do jazz<br />
norte-americano. Improvisador<br />
vibrante e possuidor <strong>de</strong> um som<br />
intenso e bem <strong>de</strong>finido, tem em<br />
comum com Fields um particular<br />
gosto por intervalos harmónicos<br />
pouco usuais e melodias<br />
extremamente complexas. Antevê-se<br />
para este concerto <strong>de</strong> quinta-feira,<br />
no Centro Cultural <strong>de</strong> Belém, , em<br />
<strong>Lisboa</strong>, uma evolução<br />
<strong>dos</strong> conceitos orgânicos<br />
anteriormente<br />
explora<strong>dos</strong> em<br />
“Beckett”.<br />
Scott Fields tem uma abordagem<br />
completamente sem prece<strong>de</strong>ntes<br />
à guitarra jazz<br />
STEFAN STRASSER
Discos<br />
O genial contrabaixista Dave Holland<br />
Jazz<br />
Intemporal<br />
Um gran<strong>de</strong> contrabaixista<br />
que continua a fazer da<br />
tradição a gran<strong>de</strong> música <strong>de</strong><br />
hoje. Paulo Barbosa<br />
Dave Holland Octet<br />
Pathways<br />
Dare2, dist. Compact Records<br />
mmmmn mm mmmmn<br />
Nesta sua formação<br />
<strong>de</strong> dimensão<br />
intermédia, situada<br />
entre o quinteto e a<br />
big band, o genial<br />
contrabaixista Dave<br />
Holland volta a <strong>de</strong>ixar clara a<br />
consistência e amplitu<strong>de</strong> da<br />
sua visão enquanto<br />
compositor e arranjador. Este último<br />
aspecto está bem exemplificado nas<br />
intrincadas relações horizontais<br />
(melódicas, portanto, e não apenas<br />
harmónicas) que se estabelecem<br />
entre os vários sopros na leitura <strong>de</strong><br />
“Sea of Marmara”: a composição é <strong>de</strong><br />
Chris Potter, mas o arranjo reflecte a<br />
vasta experiência <strong>de</strong> Holland à frente<br />
<strong>de</strong> grupos compostos por músicos<br />
para os quais nada parece ser<br />
impossível.<br />
Embora não seja este o disco <strong>de</strong><br />
Holland on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos ouvir os<br />
melhores solos do trombonista Robin<br />
Eubanks, qua qualquer <strong>dos</strong> três<br />
saxofonistas saxofonistas ppresentes<br />
– Antonio Hart<br />
no alto, Gary<br />
Smulyan no barítono e<br />
Chris Potter no n tenor e soprano –<br />
oferece-nos ssolos<br />
<strong>de</strong> cortar a<br />
respiração. AAlém<br />
disso, <strong>de</strong>pois do<br />
mais morno “Pass “ It On”, com<br />
Mulgrew Mille Miller ao piano, não<br />
po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong>ix <strong>de</strong> aplaudir o<br />
regresso <strong>de</strong> Steve St Nelson, um<br />
vibrafonista mmuito<br />
especial,<br />
principalmente principalmen no contexto <strong>dos</strong><br />
grupos <strong>de</strong> Holland. Ho A sua prestação<br />
improvisada nno<br />
referido “Sea of<br />
Marmara” (no<br />
vibrafone) ou o seu<br />
contributo contribu b to para pa a ambiência<br />
enigmática enigmática <strong>de</strong><br />
“Blue Jean” (na<br />
marimba) são apenas duas possíveis<br />
ilustrações <strong>de</strong><br />
que Nelson é capaz <strong>de</strong><br />
servir como ninguém n a música <strong>de</strong><br />
Holland. E o<br />
que dizer <strong>dos</strong> solos <strong>de</strong><br />
Antonio Hart em “How’s never?”, ou<br />
<strong>dos</strong> do baterista bateri Nate Smith nesse<br />
mesmo tema e em “Shadow dance”?<br />
E do sax soprano sopr <strong>de</strong> Chris Potter na<br />
sua própria ccomposição<br />
ou do seu<br />
tenor em “Sh “Shadow dance”? Ou do<br />
vigor do trom trompetista Alex Sipiagin em<br />
“Wild dance”, dance” ou, finalmente, da<br />
imensa classe do barítono <strong>de</strong> Gary<br />
Smulyan logo<br />
no tema <strong>de</strong> abertura ou<br />
em “Blue Jean”? Je<br />
De Holland Holl já pouco haverá a<br />
dizer, a não n ser que, tal como<br />
<strong>de</strong>le sempre se se tem esperado,<br />
gran gran<strong>de</strong> parte do que aqui se<br />
ouv ouve vem <strong>de</strong>safiar a<br />
iimportância<br />
da<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
categorização e da aplicação <strong>de</strong><br />
rótulos a uma música cuja<br />
intemporalida<strong>de</strong> cada vez faz menos<br />
sentido questionar. Ouça-se o final <strong>de</strong><br />
“Ebb and flow” para se perceber<br />
porquê...<br />
O mundo<br />
na ponta<br />
das mãos<br />
John Hollenbeck assina<br />
um po<strong>de</strong>roso testamento<br />
à magia das gran<strong>de</strong>s<br />
formações no jazz,<br />
transformando vida em<br />
música com o toque do seu<br />
talento. Rodrigo Amado<br />
John Hollenbeck<br />
Eternal Interlu<strong>de</strong><br />
Sunnysi<strong>de</strong><br />
mmmmn<br />
Editado ainda em<br />
2009, “Eternal<br />
Interlu<strong>de</strong>” afirmouse<br />
como um <strong>dos</strong><br />
registos mais<br />
fascinantes do ano.<br />
I<strong>de</strong>alizado por John Hollenbeck,<br />
talentoso baterista<br />
percussionista / compositor /<br />
arranjador que tem vindo a <strong>de</strong>ixar a<br />
sua marca <strong>de</strong> contemporaneida<strong>de</strong> no<br />
jazz (Claudia Quintet, Meredith Monk<br />
Ensemble, entre muitos outros<br />
projectos), é uma obra<br />
<strong>de</strong>sconcertante, que contraria<br />
expectativas daquilo a que se<br />
convencionou chamar jazz<br />
orquestral, integrando visões e<br />
contributos tão diversos como os <strong>de</strong><br />
Gil Evans, Maria Schnei<strong>de</strong>r, Thad<br />
Jones/ Mel Lewis, Steve Reich, Bob<br />
Brookmeyer ou mesmo Phillip Glass.<br />
John Hollenbeck<br />
A todas estas estéticas, Hollenbeck<br />
aplica uma perspectiva global,<br />
integrando-as num todo orgânico e<br />
coerente, altamente pessoal,<br />
<strong>de</strong>safiando a nossa percepção e<br />
combinando os diferentes timbres<br />
em surpreen<strong>de</strong>ntes paisagens<br />
sonoras. Com um ensemble que<br />
integra instrumentistas <strong>de</strong> excepção<br />
como Tony Malaby, Ellery Eskelin,<br />
Kermit Driscoll ou Theo Bleckmann,<br />
Hollenbeck interpreta um repertório<br />
baseado em encomendas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />
ensembles jazz <strong>de</strong> todo o mundo,<br />
entre os quais se encontra a notável<br />
Orquestra Jazz <strong>de</strong> Matosinhos, aqui<br />
representada por “Perseverance”.<br />
Mas, mais do que o ímpeto <strong>de</strong> temas<br />
como “Eternal interlu<strong>de</strong>” ou<br />
“Perseverance”, a magia poética <strong>de</strong><br />
“The cloud” (com a voz <strong>de</strong><br />
Bleckmann em <strong>de</strong>staque) ou os solos<br />
notáveis <strong>de</strong> Malaby e Eskelin, aquilo<br />
que impressiona são as passagens<br />
orquestrais, as cores e ambientes<br />
cria<strong>dos</strong>, o extremo rigor e contenção<br />
com que são contruí<strong>dos</strong> os<br />
imaginativos arranjos <strong>de</strong> Hollenbeck.<br />
Minimalismo, pós-bop, clássicacontemporânea,<br />
impressionismo<br />
atmosférico e todas as outras músicas<br />
do mundo, fun<strong>de</strong>m-se num todo<br />
enigmático que ilustra bem a<br />
diversida<strong>de</strong> e contaminação musicais<br />
<strong>de</strong>ste novo século.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 59
60 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
Discos<br />
Pop<br />
A justiça está<br />
a ser feita<br />
Finalmente editado em<br />
Portugal o guitarrista<br />
nigeriano, numa edição que<br />
compila o seu trabalho <strong>de</strong><br />
1970 a 1976. João Bonifácio<br />
Sir Victor Uwaifo<br />
Guitar Boy Superstar 1970-1976<br />
Soundway; distri. Massala<br />
mmmmm<br />
A melhor coisa<br />
que aconteceu a<br />
humanida<strong>de</strong> neste<br />
enfadonho século<br />
XXI foi a reedição<br />
<strong>de</strong> música africana<br />
da década <strong>de</strong> 50, 60 e 70. Perdão: as<br />
reedições, um conjunto imenso<br />
<strong>de</strong>las, feitas por editoras como a<br />
Soundway. Compilações <strong>de</strong>dicadas à<br />
Nigéria, ao Gana, ao Senegal, mesmo<br />
à Colômbia e ao Panamá, países que,<br />
por via da emigração, também<br />
produziram uma tremenda<br />
miscigenação musical. A palavra<br />
essencial aqui é miscigenação:<br />
quando se fala em reedição <strong>de</strong><br />
música africana antiga as pessoas<br />
são tentadas a imaginar purismos,<br />
exotismos, uma música cristalizada<br />
Janelle Monae passa o teste com distinção, num disco ecléctico, <strong>de</strong> R&B futurista,<br />
funk nostálgico, pop barroca, jazz orquestral, rap psicadélico, cabaret<br />
Sir Victor Uwaifo: muito antes do século XXI<br />
ser negro o século XX também o foi<br />
no tempo que nos mostre como<br />
eram “mesmo” os pretos antes <strong>de</strong> os<br />
brancos irem lá colonizá-los. Mas a<br />
gran<strong>de</strong> graça <strong>de</strong>stas reedições é<br />
mostrar-nos como os pretos se<br />
estavam a borrifar para purismos e<br />
rapidamente aproveitaram os<br />
instrumentos <strong>dos</strong> brancos – as<br />
guitarras eléctricas, as baterias – e os<br />
adicionaram aos seus ritmos <strong>de</strong><br />
origem, revitalizando géneros que já<br />
então caíam em <strong>de</strong>suso e criando<br />
uma espécie <strong>de</strong> – se quisermos ser<br />
simplistas e virmos esta música<br />
como um todo produto do<br />
colonialismo – funk psicadélico.<br />
Agora, a segunda melhor coisa<br />
que aconteceu à modorra do século<br />
XXI foi porem nas mãos <strong>de</strong> uma<br />
<strong>de</strong>zena <strong>de</strong> tolinhos os meios<br />
necessários para eles divulgarem as<br />
peças <strong>de</strong> joalharia que tinham em<br />
casa – forma <strong>de</strong> dizer que uma<br />
<strong>de</strong>zena <strong>de</strong> loucos tem-se <strong>de</strong>dicado,<br />
nos últimos anos, a disponibilizar<br />
em blogs discos inteiros <strong>de</strong> exfiguras<br />
ilustres da música africana<br />
que nunca saíram do seu continente<br />
e nunca nenhum branco tinha<br />
ouvido falar. O resultado disto foi<br />
tomarmos a consciência <strong>de</strong> que<br />
aquele cânone que nos tinham<br />
convencido como sendo o essencial<br />
para percebermos a música do<br />
século XX, aquele cânone que<br />
começa nos Beatles, passa pelos<br />
Velvet Un<strong>de</strong>rground e vai dar à newwave,<br />
era uma mentira pegada: nada<br />
do que ali está é obrigatoriament<br />
melhor ou mais inventivo que o que<br />
se fez em África. Foi num <strong>de</strong>sses<br />
blogs que <strong>de</strong>scobrimos há muito a<br />
extraordinária música <strong>de</strong> Sir Victor<br />
Uwaifo, sem contexto, sem notas<br />
explicativas – da mesma forma que<br />
foi assim que <strong>de</strong>scobrimos Geraldo<br />
Pino, os The Congos, Orlando Julius,<br />
o “Palo Congo” <strong>de</strong> Sabu. Finalmente<br />
em Portugal Uwaifo é editado, numa<br />
edição que compila o seu trabalho<br />
<strong>de</strong> 1970 a 1976. Uwaifo era um<br />
guitarrista nigeriano que, se<br />
ritmicamente <strong>de</strong>ve muito à sua<br />
nação, no que toca à guitarra é meio<br />
Gana meio US of A: os rendilha<strong>dos</strong><br />
do highlife do Gana cruzam-se com<br />
aquilo a que chamamos funk, riffs<br />
quebra<strong>dos</strong> indutores <strong>de</strong> espasmos<br />
libidinosos. Não é exagero falar em<br />
highlife e US of A: ele tocou em<br />
bandas highlife e basta ouvir “Agho”,<br />
oitava faixa <strong>de</strong>sta compilação, para<br />
reparar como facilmente po<strong>de</strong>ria ter<br />
tocado com os 13th Floor Elevators<br />
se estes quisessem dançar. A<br />
guitarra é, portanto, rainha, mas<br />
Uwaifo era um jogador <strong>de</strong> equipa e<br />
não uma estrela que queria dar nas<br />
vistas: em última instância brilham<br />
mais as canções que ele. Atentem<br />
em “Egbe Natete”: um rendilhado <strong>de</strong><br />
guitarra todo manco, um break <strong>de</strong><br />
bateria com f-o-d-a escrito nos<br />
contra-tempos, os batuques num<br />
tum tum tum balançante, o saxofone<br />
ali a melar os corações. África, mãe<br />
África, obrigado. Salte-se até<br />
“Talking instruments”: as guitarras<br />
movidas por um bicho carpinteiro<br />
<strong>de</strong> danação, o cowbell, o ritmo<br />
torcido, a guitarra escala acima<br />
escala abaixo, percussões a surgirem<br />
da esquina <strong>de</strong> cada compasso, o sax<br />
todo sujo: muito antes do século XXI<br />
ser negro o século XX também o foi.<br />
Só que às escondidas. Agora,<br />
finalmente, a justiça está a ser feita.<br />
E a justiça dança que se farta.<br />
Com distinção<br />
Janelle Monae<br />
The ArchAndroid<br />
Bad Boy, distri. Warner<br />
mmmmn<br />
É um álbum épico,<br />
mais <strong>de</strong> setenta<br />
minutos, com 18<br />
temas, alguns <strong>de</strong>les<br />
grandiloquentes, o<br />
que não é<br />
propriamente gran<strong>de</strong> cartão <strong>de</strong><br />
visita quanto se fala <strong>de</strong> pop.<br />
Principalmente pop imaginada para<br />
ser consumida em larga escala. Mas<br />
Janelle Monae passa o teste com<br />
distinção, num disco ecléctico, <strong>de</strong><br />
R&B futurista, funk nostálgico, pop<br />
barroca, jazz orquestral, rap<br />
psicadélico, cabaret com cinema<br />
negro em fundo ou folk pastoral. É<br />
um disco diverso, mas com uma<br />
sequência lógica e uma estrutura<br />
dramática bem <strong>de</strong>finida.<br />
O referente mais óbvio é “The<br />
Love Below”, a face mais lúdica, da
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
autoria <strong>de</strong> André 3000, no duplo romantismo <strong>de</strong> “Lonesome town”, o<br />
“Speakerboxxx<br />
clássico <strong>de</strong> Ricky Nelson que lhe<br />
The Love Below” <strong>dos</strong> OutKast. ouvíamos nos concertos.<br />
Mas há também muito <strong>de</strong> Prince por Em “Lights & Darks”<br />
aqui. E <strong>de</strong> Stevie Won<strong>de</strong>r. E <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapareceram as orquestrações,<br />
Michael Jackson. E <strong>de</strong> James Brown. surgem banjos, balanço havaiano,<br />
E <strong>de</strong> Erykah Badu. E podíamos órgão Hammond e um sopro forte<br />
continuar. Porque Janelle Monae é da América vintage. Não se trata<br />
camaleónica. Não no sentido <strong>de</strong> se tanto da proverbial conversa do<br />
apropriar <strong>de</strong> obra alheia. Mas <strong>de</strong> amadurecimento: as canções <strong>de</strong> Rita<br />
construir personagens, dando-lhes Redshoes continuam a surgir<br />
vida própria, fazendo-os suas com perante nós como pedaços <strong>de</strong> um<br />
uma vivacida<strong>de</strong> imparável. A sua musical imaginário, acontece que<br />
gran<strong>de</strong> mais valia é essa. Mesmo este “filme” <strong>de</strong> “Lights & Darks” é<br />
quando o som é R&B clássico, não se mais interessante e menos frágil que<br />
sente nostalgia, porque a sua a “Gol<strong>de</strong>n Era” anterior.<br />
interpretação é dinâmica e vital, Mais que anteriormente, Rita<br />
adaptando-se com a mesma agu<strong>de</strong>za Redshoes mostra-se hábil na<br />
ao registo mais tranquilo do<br />
construção <strong>de</strong> cenários musicais.<br />
“crooner” como às exaltações mais Em “Hearted man”, imagina Joni<br />
físicas do funk.<br />
Mitchell em produção “wall of<br />
É um álbum acessível sem ser sound” <strong>de</strong> Phil Spector, em “Which<br />
fácil. Excêntrico sem ser estranho. one is the witch?” transforma<br />
Po<strong>de</strong> acontecer que as suas<br />
fantasmas country <strong>de</strong> Morricone<br />
extravagâncias capilares e<br />
num belo pedaço <strong>de</strong> pop, em “It’s a<br />
indumentárias venham a conhecer honey moon” dança como dançava a<br />
quase tanta projecção quanto a sua América sonhadora e ingénua da<br />
música, mas não estamos perante década <strong>de</strong> 1950 (é como se<br />
uma estrela <strong>de</strong>scartável.<br />
apontasse às Caraíbas numa varanda<br />
Nitidamente, Janelle Monae é <strong>de</strong> Miami).<br />
alguém que chegou, viu e vai ficar. Declaradamente filiado na clássica<br />
Vítor Belanciano<br />
tradição musical americana, mas<br />
abrindo espaço a coisas boas como a<br />
A “americana” <strong>de</strong><br />
Rita Redshoes<br />
marcha “shoegaze” <strong>de</strong> “One cold<br />
day”, e menos boas como “I’m the<br />
road to happiness”, balada com um<br />
pé na soul, mas <strong>de</strong>masiado<br />
Rita Redshoes<br />
Lights & Darks<br />
iPlay<br />
previsível, “Lights & Darks” mostranos<br />
uma Rita Redshoes diferente da<br />
que conhecíamos.<br />
“Lights & Darks” é um bom álbum<br />
mmmnn nn<br />
pop insuflado <strong>de</strong><br />
“americana”.<br />
De certo modo modo, é como se,<br />
Rita Redshoes<br />
agora sim, Rita<br />
Redshoes<br />
continua em<br />
tivesse chegado à “Gol<strong>de</strong>n<br />
busca <strong>de</strong> sonhos<br />
Era” a que apon apontava a estreia.<br />
pop. Ou melhor, a<br />
viver as suas<br />
Mário Lope Lopes<br />
canções<br />
como fantasia ntasia para tela.<br />
Mas dois s anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
“Gol<strong>de</strong>n Era”, o seu<br />
álbum <strong>de</strong> e estreia, algo<br />
The Drums<br />
Album<br />
Moshi Moshi Moshi; distri.<br />
Popstock<br />
mudou. Uma canção<br />
como “Bad Bad Lila”,<br />
mmmnn mmmn<br />
com banjo njo a<br />
Para<br />
marcar o<br />
enten<strong>de</strong>r<br />
andamento nto e<br />
bem o<br />
guitarra sli<strong>de</strong><br />
a pontuar ar a<br />
tempo<br />
Agora é que Rita chegou à “gol<strong>de</strong>n era” em que<br />
história da<br />
vivemos<br />
rapariga que<br />
há que encontrar en<br />
“procura a<br />
resposta<br />
para algumas<br />
beleza em m<br />
questões questõe essenciais:<br />
to<strong>dos</strong> os<br />
porque é que há<br />
homens”, ”,<br />
pessoas que preferem<br />
não<br />
usar sabonete sa a gel<br />
seria<br />
<strong>de</strong> banho?; ban porque é<br />
possível<br />
que a aalface<br />
antes.<br />
embalada embala fica<br />
Porque há<br />
estragada estraga ao fim <strong>de</strong><br />
dois anos, s, o<br />
três dias dia no<br />
seu imaginário ginário<br />
frigorífico; frigoríf e para que<br />
conjugava va o<br />
é que precisamos p <strong>de</strong><br />
colorido <strong>de</strong><br />
uma imitação i <strong>dos</strong><br />
fantasia <strong>de</strong><br />
New Or<strong>de</strong>r na<br />
“Feiticeiro ro <strong>de</strong><br />
nossa no vida? Sim,<br />
Oz” com m o<br />
para p quê? Não<br />
se pense que falar em imitação é<br />
exagero: as linhas <strong>de</strong> baixo em<br />
stacatto são plágios das <strong>de</strong> Peter<br />
Hook; as frases picadas <strong>de</strong> guitarra<br />
são clones das <strong>de</strong> Sumner. Pergunta<br />
subsequente: isto é mau? Não<br />
obrigatoriamente. Ainda hoje <strong>de</strong><br />
manhã, quando, ao som <strong>de</strong><br />
“Album”, passávamos gel <strong>de</strong> banho<br />
no corpo durante o duche matinal,<br />
nos admirámos com a capacida<strong>de</strong><br />
melódica <strong>dos</strong> moços. Por capacida<strong>de</strong><br />
melódica não se entenda que eles<br />
fazem melodias memoráveis, antes<br />
que um tipo está ali a espalhar gel <strong>de</strong><br />
banho e dá por si a assobiar a toda e<br />
qualquer canção. A questão é que,<br />
pela hora do almoço, quando<br />
reparámos que a salada já tinha<br />
queimado no frigorífico, já não<br />
recordávamos nenhuma das<br />
melodias, como se toda e qualquer<br />
canção <strong>de</strong> “Album” fosse uma<br />
variação da mesma melodia,<br />
esquecida algures nos anos 80. É<br />
como aqueles anúncios <strong>de</strong><br />
automóvel que não estão para pagar<br />
a faixa original que queriam e por<br />
isso põem uma imitação <strong>de</strong> 10<br />
segun<strong>dos</strong> em seu lugar. O que<br />
significa que os The Drums, se não<br />
tiverem os seus 15 minutos <strong>de</strong> fama,<br />
ainda hão-<strong>de</strong> ter os seus 15 segun<strong>dos</strong><br />
<strong>de</strong> banda-sonora <strong>de</strong> anúncio<br />
televisivo. O que é merecido. João<br />
Bonifácio<br />
Clássica<br />
A clareza<br />
hipnótica do<br />
Stile Antico<br />
Re<strong>de</strong>scoberta do gran<strong>de</strong><br />
polifonista inglês John<br />
Sheppard na inspirada<br />
interpretação do<br />
agrupamento Stile Antico.<br />
Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />
John Sheppard<br />
Media Vita<br />
Stile Antico<br />
Harmonia Mundi<br />
mmmmn<br />
A discografia do jovem agrupamento<br />
vocal britânico Stile Antico conta até<br />
agora com apenas quatro títulos,<br />
mas to<strong>dos</strong> eles são trabalhos<br />
artísticos <strong>de</strong> alto nível, que<br />
24 a 30 Junho 21h30<br />
(excepto dia 27) M/12<br />
teatro<br />
Má-Criação<br />
Learning to swim<br />
Piscina <strong>Municipal</strong> do Areeiro<br />
Mónica Calle<br />
www.teatromariamatos.pt<br />
teatro<br />
O ginjal <strong>de</strong> Anton Tchekov<br />
ou O sonho das cerejas<br />
1 a 10 Julho 21h30 (excepto dia 5)<br />
11 Julho 16h30 M/12<br />
Inserido no Festival Internacional <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Almada<br />
apresentações no âmbito da re<strong>de</strong> co-financiado por<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 61<br />
© Bruno Simão
62 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
<br />
Discos<br />
projectaram os<br />
intérpretes no<br />
competitivo<br />
panorama<br />
internacional da<br />
música antiga. O<br />
seu último CD é <strong>de</strong>dicado a John<br />
Sheppard (c.1515-c.1559), compositor<br />
injustamente pouco conhecido,<br />
ainda que tenha sido objecto <strong>de</strong><br />
outras gravações, das quais <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>staca um disco <strong>dos</strong> Tallis Scholars<br />
editado há 20 anos. A música <strong>de</strong>ste<br />
compositor britânico da era Tudor<br />
combina uma hábil construção<br />
contrapontística com um forte<br />
sentido do colorido harmónico, que<br />
se traduz num resultado <strong>de</strong> uma<br />
beleza etérea, reforçada pela<br />
inspirada interpretação do Stile<br />
Antico e por um enquadramento<br />
acústico que nos transmite a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
espaço, mas que não obscurece a<br />
clara percepção da textura das<br />
obras.<br />
O facto <strong>de</strong> a maior parte da música<br />
<strong>de</strong> Sheppard ter sobrevivido em<br />
manuscritos (ao contrário das obras<br />
do seu contemporâneo Thomas<br />
Tallis, que foram objecto <strong>de</strong><br />
publicação) e <strong>de</strong> algumas das suas<br />
peças subsistirem em fontes<br />
incompletas explica, em parte, o seu<br />
esquecimento em comparação com<br />
outros polifonistas britânicos do<br />
século XVI. O Stile Antico realizou as<br />
suas próprias edições e construiu<br />
um programa que combina peças da<br />
liturgia católica, em latim, com<br />
“anthems” (composições musicais<br />
da igreja anglicana) em inglês,<br />
reflexo <strong>dos</strong> diferentes cre<strong>dos</strong><br />
religiosos <strong>dos</strong> sucessivos monarcas<br />
da dinastia Tudor. O centro da<br />
gravação é a monumental Antífona<br />
“Media vita in morte sumus”, uma<br />
reflexão sobre a fragilida<strong>de</strong> da vida<br />
<strong>de</strong> forte po<strong>de</strong>r emocional e<br />
espiritual. Em geral, as peças em<br />
latim (o Responsório “Gau<strong>de</strong>, gau<strong>de</strong>,<br />
gau<strong>de</strong> Maria” e uma versão do “Te<br />
Deum”) são composições extensas,<br />
baseadas em melodias <strong>de</strong> cantochão,<br />
em torno das quais Sheppard<br />
constrói um ondulante, e por vezes<br />
intrincado, contraponto. Por seu<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
O Stile Antico fará a sua estreia em Portugal a 14 <strong>de</strong> Julho na Póvoa do Varzim<br />
turno, as páginas em inglês são<br />
breves e privilegiam a percepção do<br />
conteúdo do texto advogada pela<br />
tradição protestante. A<br />
interpretação do Stile Antico<br />
combina o rigor técnico com uma<br />
<strong>de</strong>licada expressivida<strong>de</strong>, atingindo<br />
por vezes uma dimensão hipnótica.<br />
A sonorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conjunto é<br />
equilibrada e tira partido <strong>de</strong> subtis<br />
nuances <strong>de</strong> cor ao mesmo tempo<br />
que mantém a transparência das<br />
linhas melódicas. O grupo fará a sua<br />
estreia em Portugal no próximo dia<br />
14 <strong>de</strong> Julho no Festival da Póvoa <strong>de</strong><br />
Varzim.<br />
Violino século XX<br />
Phantasy of Spring<br />
Carolin Widmann (violino)<br />
Simon Lepper (piano)<br />
Obras <strong>de</strong> Feldman, Zimmermann,<br />
Schoenberg e Xenakis<br />
ECM New Series<br />
mmmmn<br />
No seu último CD,<br />
a violinista alemã<br />
Carolin Widmann<br />
e o pianista<br />
britânico Simon<br />
Lepper mostramnos<br />
<strong>de</strong> que forma quatro<br />
compositores do século XX<br />
abordaram o tradicional duo <strong>de</strong><br />
violino e piano através <strong>de</strong> novas<br />
Carolin Widmann<br />
soluções, estilos e técnicas.<br />
Abrangendo um arco temporal <strong>de</strong><br />
três décadas, o programa inclui a<br />
Fantasia com acompanhamento <strong>de</strong><br />
piano, op. 47 (1949), <strong>de</strong> Schoenberg;<br />
a Sonata para Violino e Piano (1950),<br />
<strong>de</strong> Bernd Zimmermann; “Spring of<br />
Chosroes” (1978), <strong>de</strong> Morton<br />
Feldman; e “Dikhthas” (1979), <strong>de</strong><br />
Iannis Xenakis. Schoenberg explora<br />
as potencialida<strong>de</strong>s do violino solista<br />
através <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> efeitos,<br />
apoia<strong>dos</strong> pela concepção rigorosa da<br />
técnica do<strong>de</strong>cafónica, <strong>de</strong>ixando<br />
<strong>de</strong>liberadamente ao piano a mera<br />
função <strong>de</strong> acompanhamento. Um<br />
ano <strong>de</strong>pois, Zimmermann presta<br />
tributo a Schoenberg recorrendo<br />
também ao do<strong>de</strong>cafonismo, mas<br />
mostra ao mesmo tempo o seu<br />
peculiar pluralismo estilístico<br />
através da combinação <strong>de</strong><br />
referências tão díspares como a<br />
melodia gregoriana do “Dies Irae”<br />
ou <strong>dos</strong> ritmos da rumba. Num<br />
contraste radical com estas obras,<br />
“Spring of Chosroes”, <strong>de</strong> Feldman,<br />
revela uma atmosfera rarefeita e um<br />
trabalho minucioso <strong>de</strong> subtis<br />
variações e constantes mudanças <strong>de</strong><br />
métrica, que encontram a sua fonte<br />
<strong>de</strong> inspiração no fascínio que o<br />
compositor tinha pelos padrões <strong>dos</strong><br />
tapetes orientais, neste caso a<br />
imagem <strong>de</strong> um luxuriante jardim<br />
imortalizado por uma carpete persa<br />
do século VI. Finalmente,<br />
“Dikhthas”, <strong>de</strong> Xenakis, é uma peça<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> virtuosismo, com uma<br />
<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> e um impacto sonoro<br />
quase palpável, que explora timbres<br />
extravagantes e alu<strong>de</strong> a diferentes<br />
tradições musicais: <strong>de</strong> Paganini ao<br />
violino cigano. Estas tendências<br />
contrastantes são caracterizadas por<br />
Carolin Widmann e por Simon<br />
Lepper com admirável perfeição e<br />
um agudo sentido <strong>dos</strong> <strong>de</strong>talhes. A<br />
violinista alemã, reconhecida pela<br />
sua afinida<strong>de</strong> com a música<br />
contemporânea, coloca uma<br />
sonorida<strong>de</strong> polida ao serviço <strong>de</strong> uma<br />
inteligente percepção <strong>dos</strong> universos<br />
estéticos <strong>de</strong> cada obra e mantém<br />
com o pianista uma estreita<br />
cumplicida<strong>de</strong>.
Teatro<br />
“Vai e Vem”, monólogo<br />
<strong>de</strong> Sandra Celas<br />
Agenda<br />
Teatro<br />
Estreiam<br />
Neva<br />
De Guillermo Cal<strong>de</strong>rón. Pelo Teatro<br />
en el Blanco. Encenação <strong>de</strong><br />
Guillermo Cal<strong>de</strong>rón. Com Paula<br />
Zúñiga, Trinidad González e Jorge<br />
Becker.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian<br />
– Gran<strong>de</strong> Auditório. Av. <strong>de</strong> Berna, 45A. De 19/06 a<br />
20/06. Sáb. e Dom. às 21h30. Tel.: 217823700.<br />
Ver texto na pág. 40 e segs.<br />
A Dor<br />
De Marguerite Duras. Encenação <strong>de</strong><br />
Patrice Chéreau, Thierry Thieû<br />
Niang. Com Dominique Blanc.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional D. Maria II – Sala Garrett.<br />
Pç. D. Pedro IV. De 18/06 a 20/06. 6ª e Sáb. às<br />
21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213250835.<br />
7,5€ a 16€.<br />
Ver texto na pág. 44.<br />
Brel nos Açores<br />
De Nuno Costa Santos.<br />
Com Dinarte Branco.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> São Luiz –<br />
Jardim <strong>de</strong> Inverno. R. António Maria<br />
Car<strong>dos</strong>o, 38. De 24/06 a 26/06. 5ª a<br />
Sáb. às 22h. Tel.: 213257640. 10€.<br />
Learning to Swim<br />
De Alexan<strong>de</strong>r Kelly, Paula<br />
“Brel nos Açores”<br />
no São Luiz<br />
Aqui o<br />
criador é o<br />
espectador<br />
“Domini Públic” é um “jogo<br />
social em tamanho real”, diz<br />
o catalão Roger Bernat. Ana<br />
Dias Cor<strong>de</strong>iro<br />
Domini Públic<br />
De Roger Bernat. Com Adriana<br />
Bertran, Aleix Fauró, Anna Roca,<br />
Sònia Espinosa, Tonina Ferrer,<br />
Maria Salguero.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Rua Antero <strong>de</strong> Figueiredo. De 19/06 a 20/06.<br />
Sáb. às 21h30. Dom. às 17h30 e 21h30. 5€ a 12€.<br />
Uma peça teatral junta,<br />
habitualmente, um público num<br />
lugar específico – uma sala <strong>de</strong><br />
espectáculos, por exemplo. Neste<br />
caso, “Domini Públic” vai juntar,<br />
amanhã e <strong>de</strong>pois, numa rua junto ao<br />
Teatro Maria Matos, em <strong>Lisboa</strong>, um<br />
público que além <strong>de</strong> espectador será<br />
actor. A i<strong>de</strong>ia é reflectir sobre os<br />
vários papéis que cada pessoa<br />
representa no dia-a-dia, sem disso ter<br />
consciência. E pôr em cena, num<br />
espaço aberto e público, uma<br />
reflexão artística e sociológica sobre a<br />
comunida<strong>de</strong>.<br />
O projecto nasceu <strong>de</strong> uma<br />
convicção: “O teatro po<strong>de</strong> ser mais<br />
útil para reflectir sobre o que significa<br />
ser uma comunida<strong>de</strong> do que para<br />
reflectir sobre o indivíduo”, explica o<br />
Diogo. Pela Má Criação.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Piscina <strong>Municipal</strong> do Areeiro. Av. <strong>de</strong> Roma,<br />
28. De 24/06 a 30/06. 2ª a Sáb. às 21h30. 5€ a 12€.<br />
Vai Vem<br />
A partir <strong>de</strong> Beckett, entre outros.<br />
Encenação <strong>de</strong> José Wallenstein. Com<br />
Sandra Celas.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Clube Estefânia. R. Alexandre Braga, 24-A. De<br />
24/06 a 27/06. 5ª a Dom. às 22h. Tel.: 213542249. 10€.<br />
Cabeças Falantes - Festival <strong>de</strong><br />
Monólogos.<br />
Agosto - Contos da Emigração<br />
De Ferreira <strong>de</strong> Castro, Rodrigues<br />
Miguéis, entre outros. Pela Barraca.<br />
Encenação <strong>de</strong> Maria do Céu Guerra.<br />
<strong>Lisboa</strong>. A Barraca - Teatro Cinearte. Lg Santos, 2. De<br />
18/06 a 20/06. 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 17h. Tel.:<br />
213965360.<br />
Continuam<br />
Debate<br />
Meias Irmãs<br />
De Nuno Milagre.<br />
Pelo Teatro da<br />
Terra. Encenação<br />
<strong>de</strong> Gonçalo<br />
Amorim.<br />
Ponte <strong>de</strong> Sôr. Teatro<br />
Cinema. Av. Manuel Pires<br />
Filipe. Até 27/06. 4ª a Sáb.<br />
às 21h30. Dom. às 17h. Tel.:<br />
242292073. 6€.<br />
O Saguão<br />
De Spiro Scimone.<br />
Pelo Teatro <strong>dos</strong><br />
Fernando Mora Ramos, Portela, os quatro autores<br />
Américo Rodrigues, José do livro “Quatro Ensaios<br />
Luís Ferreira ra e Manuel à Boca <strong>de</strong> Cena – para<br />
uma polít política teatral e da<br />
programação”, program vão estar<br />
quarta-feira, quarta-f dia 23, nas<br />
instalações instalaçõ do Fórum<br />
Dança Da D nça / O Rumo do<br />
encenador catalão Roger Bernat, que<br />
apresenta o seu espectáculo como<br />
“um jogo social em tamanho real”. E<br />
especifica, ao telefone a partir <strong>de</strong><br />
Barcelona, dias antes <strong>de</strong> chegar a<br />
<strong>Lisboa</strong>: “O cinema trabalha a<br />
individualida<strong>de</strong>, e ali vemos uma<br />
coisa que nos i<strong>de</strong>ntifica pessoalmente<br />
e não como grupo. Com a pintura é o<br />
mesmo. Mas o teatro não. O teatro é a<br />
única arte que trabalha a<br />
comunida<strong>de</strong>.” Ao público-actor <strong>de</strong><br />
“Domini Públic” não é pois atribuído<br />
nenhum papel individual.<br />
Des<strong>de</strong> que foi criado há dois anos<br />
em Barcelona, “Domini Públic”<br />
viajou, entre outros países, por<br />
Canadá, Croácia, Bélgica e França.<br />
No ano passado, originou a<br />
publicação <strong>de</strong> um livro. Para cada<br />
um <strong>dos</strong> <strong>de</strong>stinos, uma versão<br />
adaptada do mo<strong>de</strong>lo original foi<br />
pensada. “Este é um espectáculo<br />
muito local, fala <strong>de</strong> nós enquanto<br />
Aloés. Encenação <strong>de</strong> Jorge Silva.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Meridional. R. do Açúcar, 64 – Beco<br />
da Mitra. Até 27/06. 4ª a Dom. às 22h. Tel.:<br />
218689245.<br />
Mulheres Profundas, Animais<br />
Superfi ciais<br />
De Howard Barker. Pelas Boas<br />
Raparigas. Encenação <strong>de</strong> Rogério <strong>de</strong><br />
Carvalho.<br />
Porto. Estúdio Zero. R. do Heroísmo, 86. Até 4/07.<br />
3ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h. Tel.: 225373265.<br />
Fim <strong>de</strong> Partida<br />
De Samuel Beckett. Encenação <strong>de</strong><br />
Julio Castronuovo.<br />
Matosinhos. Cine-Teatro Constantino Nery. Avenida<br />
Serpa Pinto. Até 27/06. 4ª a Sáb. às 21h30. Tel.:<br />
229392320.<br />
A Beleza do Pecado<br />
A partir <strong>de</strong> Stig Dagerman, entre<br />
outros. Pelo Teatro Art’Imagem.<br />
Encenação <strong>de</strong> Fernando Moreira.<br />
Porto. Cace Cultural do Porto. R. Do Freixo, 1071.<br />
Até 20/06. 3ª a Dom. às 21h30. Tel.: 22 2084014.<br />
Dança<br />
Estreiam<br />
Haute Couture<br />
De Rafael Alvarez. Com Paulo<br />
Guerreiro.<br />
Évora. Teatro Garcia <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong>. Pç. Joaquim<br />
António <strong>de</strong> Aguiar. De 18/06 a 19/06.<br />
6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 266703112. 8€.<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Os espectadores são os verda<strong>de</strong>iros<br />
actores <strong>de</strong> “Domini Públic”:<br />
juntos, acabarão por contar<br />
“uma fi cção muito simples,<br />
como a <strong>de</strong> um fi lme americano”<br />
grupo e enquanto grupo estamos<br />
muito liga<strong>dos</strong> à nossa geografia, à<br />
nossa história e à cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
vivemos”, explica Bernat. E, para<br />
essa adaptação ao local, a<br />
companhia <strong>de</strong>dica sempre “uma<br />
semana tentar que o espectáculo se<br />
enraíze, que ocupe realmente a<br />
realida<strong>de</strong> da cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> está.” Uma<br />
parte do espectáculo será pois<br />
totalmente lisboeta, em português.<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
JUN ~1O<br />
Fumo (LX Factory), em<br />
<strong>Lisboa</strong>, para um <strong>de</strong>bate<br />
aberto ao público sobre<br />
o panorama <strong>dos</strong> teatros<br />
em Portugal. A conversa<br />
começa às 19h e terá a<br />
mo<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> Rui Vieira<br />
Nery.<br />
A música inclui obras <strong>de</strong> Mozart,<br />
Mahler, Grieg, Borodin, e outros,<br />
mas só se ouve nos auscultadores<br />
<strong>dos</strong> espectadores-actores anónimos.<br />
“No espaço público, não há música<br />
nem cenário, nem nada que possa<br />
perturbar as pessoas que participam<br />
no espectáculo. Quem passa na rua e<br />
não participa vê coisas estranhas a<br />
acontecer mas não percebe o que é.<br />
Só os que participam vão po<strong>de</strong>r verse<br />
uns aos outros numa cena<br />
surpresa no final”, continua Bernat.<br />
No início da peça, o público<br />
começa por representar o seu<br />
próprio papel e, aos poucos, vai<br />
recebendo por auscultadores<br />
instruções e perguntas para, a partir<br />
daí, se dividir em grupos e assumir<br />
uma função social. Vêem-se assim<br />
pessoas espalhadas, a respon<strong>de</strong>r a<br />
perguntas com o braço levantado ou<br />
em movimento para um lado, em<br />
reacção ao que lhes é perguntado e<br />
que só elas ouvem. A acção <strong>de</strong>sses<br />
diferentes grupos acaba por contar<br />
uma história, “uma ficção muito<br />
simples, como a <strong>de</strong> um filme<br />
americano”, conclui Bernat.<br />
16 A 19 JUN FESTIVAL<br />
CHOPIN<br />
ANTÓNIO<br />
ROSADO<br />
17 E 18 JUN<br />
COM A ORQUESTRA<br />
METROPOLITANA<br />
DE LISBOA<br />
MAESTRO<br />
JEAN-SÉBASTIEN BÉREAU<br />
QUINTA E SEXTA ÀS 21H00<br />
SALA PRINCIPAL M/3<br />
MÁRIO<br />
LAGINHA<br />
TRIO<br />
19 JUN<br />
SÁBADO ÀS 21H00<br />
SALA PRINCIPAL M/3<br />
JAM<br />
CHOPIN<br />
19 JUN<br />
SÁBADO ÀS 21H00<br />
JARDIM DE INVERNO M/3<br />
ENTRADA LIVRE<br />
FINALISTAS<br />
DO CONCURSO<br />
JOVENS<br />
PIANISTAS<br />
2O1O<br />
ATÉ 19 JUN<br />
QUARTA A SÁBADO ÀS 18H30<br />
JARDIM DE INVERNO M/3<br />
ENTRADA LIVRE<br />
APOIOS<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />
BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />
Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 63<br />
WWW.TEATROSAOLUIZ.PT<br />
silva!<strong>de</strong>signers