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Advogado dos diabos - Fonoteca Municipal de Lisboa

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ERIC ROBERT/CORBIS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7379 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />

Sexta-feira<br />

18 Junho 2010<br />

www.ipsilon.pt<br />

Janelle Monae Rita Redshoes Álvaro Cunhal Vasco Luís Curado João Canijo<br />

Retrato <strong>de</strong> Jacques Vergès,<br />

<strong>Advogado</strong> <strong>dos</strong> <strong>diabos</strong><br />

<strong>de</strong>fensor <strong>de</strong> terroristas, ditadores e nazis, no fi lme “O <strong>Advogado</strong> do Terror”


Flash<br />

Sumário<br />

Jacques Vergès 7<br />

Retrato <strong>de</strong> um advogado <strong>de</strong><br />

terroristas, ditadores e nazis<br />

João Canijo 12<br />

Regressa ao país-subúrbio,<br />

em “Sangue do Meu Sangue”<br />

Edgardo Cozarinsky 16<br />

O Sebald argentino no Doc’s<br />

Kingdom<br />

Rita Redshoes 21<br />

Menos fada, mais <strong>de</strong> carne e<br />

osso<br />

Álvaro Cunhal 26<br />

Nas memórias <strong>de</strong> Carlos<br />

Brito<br />

PhotoEspaña 34<br />

Encontra a luz com László<br />

Moholy-Nagy<br />

Próximo Futuro 40<br />

O Chile que explo<strong>de</strong> no teatro<br />

Patrice Chéreau 44<br />

Tentou Dominique Blanc com<br />

a dor <strong>de</strong> Marguerite Duras<br />

Ficha Técnica<br />

Directora Bárbara Reis<br />

Editor Vasco Câmara, Inês Nadais<br />

(adjunta)<br />

Conselho editorial Isabel<br />

Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />

Design Mark Porter, Simon<br />

Esterson, Kuchar Swara<br />

Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />

Designers Ana Carvalho, Carla<br />

Noronha, Mariana Soares<br />

Editor <strong>de</strong> fotografi a Miguel<br />

Ma<strong>de</strong>ira<br />

E-mail: ipsilon@publico.pt<br />

ROSA FRANK<br />

Trinta anos <strong>de</strong> dança reuni<strong>dos</strong> em Montpellier<br />

Trinta anos <strong>de</strong>pois da<br />

primeira vez, o festival<br />

Montpellier Danse abre hoje<br />

uma edição antológica com<br />

o monumental “Roaratorio”,<br />

<strong>de</strong> Merce Cunningham, e<br />

com a inauguração oficial do<br />

novo Théâtre <strong>de</strong> l’Agora,<br />

peça fundamental do puzzle<br />

que é a Cida<strong>de</strong> Internacional<br />

da Dança (um <strong>dos</strong> sonhos<br />

mais loucos <strong>de</strong> Dominique<br />

Bagouet, coreógrafoprodígio<br />

que refundou a<br />

dança contemporânea<br />

francesa e inventou a<br />

“aventura” Montpellier<br />

Danse, finalmente <strong>de</strong> carne<br />

e osso). Até 7 <strong>de</strong> Julho, o<br />

festival olha para trás,<br />

revisitando estações<br />

fundamentais da criação<br />

coreográfica recente - o<br />

“Roaratorio”, claro, numa<br />

excepcionalíssima<br />

remontagem, mas também<br />

vários momentos da carreira<br />

<strong>de</strong> Maurice Béjart (do<br />

“<strong>de</strong>tective-ballet” “Le<br />

Concours”, <strong>de</strong> 1985, até<br />

quatro das suas peças mais<br />

curtas e mais intimistas,<br />

“Sonate à Trois”, “Webern<br />

Opus V”, “Dialogue <strong>de</strong><br />

l’Ombre Double” e “Le<br />

Manteau sans Maitre”,<br />

construídas a partir <strong>de</strong><br />

composições <strong>de</strong> Pierre<br />

Boulez, Anton Webern e<br />

Bartók), e ainda William<br />

Forsythe, outro monstro<br />

sagrado que tem sido<br />

“compagnon <strong>de</strong> route” do<br />

Montpellier Danse e que este<br />

ano ali leva uma instalação<br />

(“White Bouncy Castle”),<br />

uma exposição “City of<br />

Abstract”, e uma série <strong>de</strong><br />

ví<strong>de</strong>os, “Installations”, e<br />

Danny Boyle a<br />

caminho <strong>dos</strong> Jogos<br />

Olímpicos<br />

Com “Trainspotting”, adaptação do<br />

primeiro livro <strong>de</strong> Irvine Welsh,<br />

Danny Boyle mergulhou no<br />

submundo <strong>de</strong> uma geração à <strong>de</strong>riva<br />

e, com um humor e uma atenção à<br />

cultura pop (e à cultura <strong>de</strong> pub)<br />

tipicamente britânicos, assinou<br />

aquele que se tornaria um <strong>dos</strong><br />

filmes <strong>de</strong> culto <strong>dos</strong> anos 90. Com<br />

“28 Dias Depois”, tentou encarnar<br />

George Romero numa Londres pós-<br />

A homenagem <strong>de</strong> Raimund Hoghe a Dominique Bagouet (ao lado) e a remontagem especialíssima<br />

<strong>de</strong> “Roaratorio”, <strong>de</strong> Merce Cunnigham (em baixo), são dois <strong>dos</strong> acontecimentos maiores do festival<br />

Anne Teresa De<br />

Keersmaeker, que regressa<br />

para voltar a mostrar uma<br />

peça fundadora, “Rosas<br />

Danst Rosas”. Sendo a dança<br />

uma arte particularmente<br />

efémera, isto é o mais perto<br />

que podíamos estar <strong>de</strong> uma<br />

cápsula do tempo.<br />

Há portanto muito passado<br />

este ano no Montpellier<br />

Danse, mas esta não é,<br />

garante o director Jean-Paul<br />

Montanari em entrevista<br />

publicada no programa do<br />

festival, uma “edição<br />

nostálgica”. Ainda que<br />

Dominique Bagouet (1951-<br />

1992) viva no programa: o<br />

alemão Raimund Hoghe<br />

homenageia o coreógrafo<br />

em “Si je meurs laissez le<br />

balcon ouvert”, estreia<br />

mundial, e Fabrice<br />

Ramalingon, que foi seu<br />

bailarino, mostra, com<br />

“Pandora Box / Body”, que<br />

Das margens para<br />

o “establishment”,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>dos</strong> Oscars<br />

houve uma passagem <strong>de</strong><br />

testemunho. Depois <strong>de</strong> olhar<br />

para trás, o festival também<br />

olha para a frente e mostra<br />

várias novas criações,<br />

incluindo a nova peça da<br />

muito lá <strong>de</strong> casa Mathil<strong>de</strong><br />

Monnier, directora do<br />

Centro Coreográfico<br />

Nacional <strong>de</strong> Montpellier, que<br />

convidou o artista plástico<br />

Dominique Figarella para<br />

trabalhar consigo em<br />

“Soapopéra”. Além <strong>de</strong>la,<br />

também Alain Buffard<br />

(“Tout Va Bien”), Ka<strong>de</strong>r<br />

Attou (“Symfonia pierni<br />

zalósnych”), Boris Charmatz<br />

(“Improvisation”, parceria<br />

com o músico <strong>de</strong> jazz<br />

Médéric Collignon), a dupla<br />

Cecilia Bangolea e François<br />

Chaignaud (“Castor &<br />

Pollux”), Ohad Naharin<br />

(“Hora”, produção da<br />

Batsheva Dance Company,<br />

<strong>de</strong> Israel), Régine Charinot<br />

apocalíptica e as coisas não<br />

correram tão bem. Ainda assim,<br />

manteve o estatuo <strong>de</strong> cineasta que,<br />

não sendo propriamente marginal,<br />

habitava as margens da criação<br />

cinematográfica <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

exposição.<br />

Em 2008, com “Quem Quer Ser<br />

Bilionário?”, isso <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser<br />

possível. A aventura indiana <strong>de</strong><br />

Boyle, que foi O “blockbuster” do<br />

ano, acabou entronizada nos Oscars<br />

(foram oito), e longe ficavam as<br />

memórias da heroína, da porrada e<br />

das trafulhices <strong>de</strong> “Trainspotting”.<br />

Danny Boyle, então atacado por<br />

ANNE FINKE<br />

(“In<strong>de</strong>pendance nº 1”),<br />

Germana Civera (“Splen<strong>de</strong>ur<br />

Inespérée”) e o Ne<strong>de</strong>rlands<br />

Dans Theater (“Symphone<br />

<strong>de</strong>s Psaumes” / “Mémoire<br />

d’Oubliettes” /<br />

“Whereabouts Unknown”)<br />

ali vão mostrar as suas<br />

novida<strong>de</strong>s em primeira mão.<br />

O programa inclui ainda um<br />

novo Akram Khan, “Gnosis”,<br />

solo da virtuosa do khatak<br />

(dança tradicional do<br />

Noroeste da Índia, região<br />

natal do coreógrafo) Gauri<br />

Sharma Tripathi, e<br />

“Refraction, Dust and<br />

Light”, <strong>de</strong> Alonzo King. De<br />

Montpellier para o mundo,<br />

mas sobretudo para a região<br />

do Languedoc-Roussillon:<br />

aos 30 anos, o Montpellier<br />

Danse oferece vários<br />

espectáculos às cida<strong>de</strong>s<br />

vizinhas e assume-se não<br />

como um festival, mas como<br />

um território. Inês Nadais<br />

“glamourizar” a <strong>de</strong>pravação moral, é<br />

agora um homem que a Inglaterra<br />

respeitável respeita. E, por isso<br />

mesmo, é apontado como o nome<br />

mais forte para realizar a cerimónia<br />

<strong>de</strong> abertura <strong>dos</strong> Jogos Olímpicos <strong>de</strong><br />

Londres, em 2012. É, pelo menos, o<br />

preferido <strong>de</strong> Sebastian Coe,<br />

campeão olímpico inglês nos 1500<br />

metros em 1980 e 1984 e agora<br />

presi<strong>de</strong>nte da comissão organizadora<br />

<strong>dos</strong> Jogos. Boyle diz que não po<strong>de</strong><br />

fazer quaisquer comentários, mas<br />

está feliz da vida: “Seria <strong>de</strong>licioso,<br />

não seria?” foi a sua única<br />

<strong>de</strong>claração à imprensa inglesa.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 3


Flash<br />

Hitler vai a<br />

Bollywood<br />

Hitler adorava a Índia? Deste e <strong>de</strong> outros mitos urbanos viverá a anunciada<br />

produção <strong>de</strong> Bollywood sobre os últimos dias do ditador nazi<br />

É, no mínimo, uma das mais<br />

acordo <strong>de</strong> rescisão com a NBC<br />

enquanto apresentador do “Tonight<br />

Show”. Mas claro que Conan não<br />

está parado. Em Maio, <strong>de</strong>u início à<br />

sua “Legally Prohibited From Being<br />

peculiares notícias saídas <strong>de</strong> Funny On Television Tour”,<br />

Bollywood, a capital da produção espectáculo em que transportava<br />

do cinema indiano: o realizador para palco o humor que lhe<br />

estreante Rakesh Ranjan Kumar conhecíamos do “Late Night With<br />

<strong>de</strong>clara preparar um filme sobre... Conan O’Brien” e o ressentimento<br />

os últimos dias do ditador alemão que se seguiu ao <strong>de</strong>spedimento do<br />

Adolf Hitler. O filme <strong>de</strong>verá<br />

“Tonight Show” - pelo meio, havia<br />

intitular-se “Caro Amigo Hitler”, espaço para aparecer um<br />

título inspirado por duas cartas que morcego insuflável gigante,<br />

Mahatma Gandhi terá escrito ao inspirado no “Bat Out Of Hell” <strong>de</strong><br />

lí<strong>de</strong>r nazi. O produtor Anil Sharma Meat Loaf, prova <strong>de</strong> que aquele<br />

diz que a produção tentará mostrar era, também, um espectáculo <strong>de</strong><br />

“os seus me<strong>dos</strong>, a sua insegurança rock’n’roll. Pois bem, agora, não<br />

e as pressões que sofre em<br />

temos dúvidas. Conan uniu esforços<br />

momentos <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão com Jack White e, em Julho, haverá<br />

cruciais”, enquanto Kumar<br />

disco nas lojas (edição limitada ao<br />

avançou ao jornal “Mumbai Mirror” vinil).<br />

que a i<strong>de</strong>ia é examinar porque é O álbum foi gravado ao vivo em<br />

que Hitler se tornou no “maior Nashville, nos estúdios do<br />

‘loser’ do século XX”.<br />

guitarrista <strong>dos</strong> White Stripes, os<br />

O filme, que contará com o<br />

Third Man Studios. Dia 10 <strong>de</strong> Junho,<br />

veterano Anupam Kher no papel <strong>de</strong> perante um público <strong>de</strong> 300 pessoas,<br />

Hitler e Neha Dhupia, ex-Miss Índia, ouviram-se standards como “On the<br />

como Eva Braun, será inteiramente road again” ou “Blue moon of<br />

rodado na Índia — mas não foi ainda Kentucky”, mas também versões <strong>de</strong><br />

tomada nenhuma <strong>de</strong>cisão sobre a “Creep”, <strong>dos</strong> Radiohead, ou “Seven<br />

eventual inclusão <strong>dos</strong> números nation army”, <strong>dos</strong> White Stripes.<br />

musicais habituais nas produções Jack White juntou-se à banda <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Bollywood. Em todo o caso, a Conan para “20 flight rock”, <strong>de</strong><br />

polémica está já lançada, visto que Eddie Cochran, e “40 days”, <strong>de</strong><br />

Kumar preten<strong>de</strong> mostrar “o amor Ronnie Hawkins. A parceria não<br />

<strong>de</strong> Hitler pela Índia” e a influência acabará por aqui. White e O’Brien<br />

indirecta que ele teve na<br />

acordaram também a gravação <strong>de</strong><br />

in<strong>de</strong>pendência do subcontinente, um disco <strong>de</strong> sete polegadas, <strong>de</strong>sta<br />

bem como o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> uma legião g vez sem banda, , com o comediante<br />

<strong>de</strong> solda<strong>dos</strong> indianos que lutaram utaram em em modo “spoken-word”.<br />

pelo Eixo durante a Guerra. .<br />

Têm sido tempos louco loucos<br />

Alex von Tunzelmann,<br />

para o comediante,<br />

comentadora do jornal inglês lês “The<br />

confessou o<br />

Guardian”, diz que Sharma a e Kumar<br />

próprio durante o<br />

manifestam “uma ignorância cia<br />

concerto, segund segundo<br />

chocante <strong>dos</strong> factos históricos”. cos”.<br />

o “Guardian”: “H “Há<br />

Sabe-se que não foi fácil a Kumar<br />

seis meses, era er o<br />

encontrar um produtor disposto posto<br />

apresentador<br />

apresentado<br />

a arriscar num filme tão<br />

do ‘Tonight<br />

invulgar, e que o realizador r<br />

Show’, Show’, o<br />

garante a quem o quiser<br />

ouvir que não será nem um<br />

m<br />

filme <strong>de</strong> guerra a nem um<br />

romance – antes es um filme<br />

sobre a “guerra a que se<br />

travava na consciência sciência <strong>de</strong><br />

maior<br />

Hitler” durante e os seus<br />

franchise na<br />

últimos dias. É caso<br />

história da<br />

para dizer: a ver er<br />

televisão. Dep Depois<br />

vamos...<br />

iniciei uma<br />

digressão, digressão,<br />

Conan<br />

O’Brien<br />

lança<br />

álbum<br />

com Jack k<br />

White<br />

Não podia ser mais<br />

imprevisível: Conan O’Brien,<br />

estrela rock’n’roll, e logo<br />

na companhia <strong>de</strong> Jack White<br />

andando andando <strong>de</strong><br />

pequeno auditó auditório<br />

em pequeno<br />

auditório. E esta<br />

noite estou a faz fazer<br />

uma gravação em<br />

vinil. Estou a rec recuar<br />

no tempo! Na<br />

próximo semana<br />

estarei a fazer<br />

Conan O’Brien<br />

vau<strong>de</strong>ville. Depoi Depois<br />

não po<strong>de</strong> voltar r<br />

serei capitão <strong>de</strong> um<br />

à televisão até<br />

barco a vapor.”<br />

Setembro,<br />

E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tudo<br />

proibição<br />

isso, isso isso, lá o teremos <strong>de</strong> novo nna<br />

incluída no<br />

telev televisão.<br />

Espaço<br />

Público<br />

O épico chinês que<br />

quer ser “Avatar”,<br />

“Gladiador” e “Pirata<br />

das Caraíbas”<br />

Em anos mais recentes, temos<br />

prestado atenção ao cinema chinês<br />

através <strong>dos</strong> magníficos retratos<br />

sociais <strong>de</strong> Jia Zhang-ke (“Plataforma”<br />

ou “Natureza Morta”) ou pelos<br />

épicos extraí<strong>dos</strong> às lendas e à<br />

história do país, como “O Tigre e o<br />

Dragão”, <strong>de</strong> Ang Lee, ou “A Batalha<br />

<strong>de</strong> Red Cliff”, <strong>de</strong> John Woo. Mas a<br />

China do século XXI quer mais do<br />

que isso. A China potência mundial<br />

quer o seu cinema a competir<br />

Este espaço vai ser<br />

seu. Que fi lme, peça <strong>de</strong><br />

teatro, livro, exposição,<br />

disco, álbum, canção,<br />

concerto, DVD viu e<br />

gostou tanto que lhe<br />

apeteceu escrever<br />

“Empires of the Deep” vai ser distribuido para 160<br />

países: a China também quer fazer “blockbusters”<br />

Bret Easton Ellis regressa ao seu território<br />

É por causa <strong>de</strong> “Imperial<br />

Bedrooms”, a sequela do<br />

romance “Menos que Zero”<br />

(1985) publicado nos EUA há<br />

mais <strong>de</strong> 20 anos, que esta<br />

semana se volta a falar <strong>de</strong><br />

Bret Easton Ellis. Quando a<br />

famosa crítica literária norteamericana<br />

Michiko Kakutani<br />

escreveu sobre “Menos que<br />

Zero” no “New York Times”,<br />

em Junho <strong>de</strong> 1985, começou<br />

assim a sua recensão: “Este é<br />

um <strong>dos</strong> romances mais<br />

perturbadores que eu li,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> há muito tempo.” Na<br />

última terça-feira, a continuação <strong>de</strong>ssa história<br />

seminal chegou às livrarias. Não se trata só do<br />

regresso do autor que já não publicava <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005,<br />

quando lançou “Lunar Park”, mas também do<br />

regresso das personagens do seu primeiro livro.<br />

“Menos que Zero” contava a história <strong>de</strong> uma<br />

geração perdida, seguindo a vida <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong><br />

adolescentes nos anos 80, em Los Angeles. Em<br />

“Imperial Bedrooms” (o título cita um álbum <strong>de</strong><br />

Elvis Costello), estão to<strong>dos</strong> na meia-ida<strong>de</strong> e o<br />

escritor norte-americano cria-lhes um <strong>de</strong>stino<br />

surpreen<strong>de</strong>nte. Algumas personagens encontram a<br />

re<strong>de</strong>nção, outras estão mais horripilantes do que<br />

nunca. Clay é agora argumentista, vive em Nova<br />

Iorque, mas regressa a Los Angeles por causa <strong>de</strong><br />

um filme; Blair, a sua ex-namorada casou-se com<br />

outro; Julian é um toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte em<br />

recuperação e Rip, que era o “<strong>de</strong>aler”, fez tantas<br />

operações plásticas que ficou irreconhecível. Estão<br />

to<strong>dos</strong> 25 anos mais velhos.<br />

“A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Los Angeles <strong>de</strong> Bret Easton Ellis, tal<br />

como ‘O Inferno’ <strong>de</strong> Dante, é circular. Por este<br />

directamente com Hollywood.<br />

Foi com esse <strong>de</strong>sejo que o<br />

multimilionário Jon Jiang, 40 anos, se<br />

lançou na produção <strong>de</strong> “Empires Of<br />

The Deep”. Com estreia prevista para<br />

2011, um elenco formado na sua<br />

maioria por actores americanos <strong>de</strong><br />

segunda linha e o maior orçamento<br />

<strong>de</strong> sempre no cinema chinês (100<br />

milhões <strong>de</strong> dólares; cerca <strong>de</strong> 81<br />

milhões <strong>de</strong> euros), o filme é <strong>de</strong>scrito<br />

pelo “New York Times” como uma<br />

mistura <strong>de</strong> “Avatar”, “Gladiador” e<br />

“Pirata das Caraíbas” – e, claro está,<br />

foi filmado em 3-D.<br />

Jon Jiang, magnata do imobiliário<br />

que diz ter como missão <strong>de</strong> vida<br />

produzir filmes, vi<strong>de</strong>ojogos e<br />

parques temáticos, diz-se distante<br />

Sem sauda<strong>de</strong>s <strong>dos</strong> anos 80: tal como as<br />

personagens <strong>de</strong> “Menos que Zero”,<br />

o escritor também envelheceu<br />

sobre ele, concordando<br />

ou não concordando<br />

com o que escrevemos?<br />

Envie-nos uma nota até<br />

500 caracteres para<br />

ipsilon@publico.pt. E<br />

nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />

<strong>de</strong> qualquer tradição<br />

cinematográfica chinesa. “Sou um<br />

produtor internacional. Não quero<br />

fazer filmes chineses. Não conheço<br />

a forma chinesa <strong>de</strong> contar histórias,<br />

não sei como os filmes são feitos na<br />

China”, disse-se ao jornal norteamericano.<br />

Jiang compara-se a<br />

George Lucas, James Cameron e<br />

Peter Jackson, quer fazer filmes “à<br />

maior escala possível” e distribuílos<br />

em 160 países.<br />

“Empires of the Deep” assegurou a<br />

Bond Girl Olga Kuryenko <strong>de</strong>pois das<br />

recusas <strong>de</strong> Sharon Stone e Mónica<br />

Bellucci, e vai já no seu quarto<br />

realizador. O argumento, do<br />

próprio Jiang, foi adaptado por uma<br />

equipa <strong>de</strong> argumentistas<br />

americanos e conheceu 40 versões<br />

antes <strong>de</strong> ser dado como terminado.<br />

Caso se revele um sucesso, a<br />

indústria irá vê-lo como primeiro<br />

sinal <strong>de</strong> uma alteração do equilíbrio<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>res. Provando-se que é<br />

possível criar na China filmes que<br />

reproduzam a estética e a acção <strong>dos</strong><br />

habituais blockbusters <strong>de</strong><br />

Hollywood, com custos reduzi<strong>dos</strong><br />

pelo recurso ao material e às<br />

equipas técnicas chinesas, prevê-se<br />

o início <strong>de</strong> uma colaboração intensa<br />

entre a velha potência <strong>de</strong> Los<br />

Angeles e nova potência que quer<br />

ser a China.<br />

‘Imperial Bedrooms’, do<br />

princípio ao fim, passa a i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> algo congelado no tempo,<br />

um tempo em colapso, um<br />

tempo que regressa a si <strong>de</strong><br />

várias maneiras diabólicas<br />

(...). 25 anos <strong>de</strong>pois,<br />

continuam a existir os flashes<br />

das câmaras e o ‘gloss’ com<br />

forte protecção solar. Só que,<br />

<strong>de</strong>sta vez, há um eco<br />

persistente <strong>de</strong> mal-estar, a<br />

tristeza <strong>de</strong> nos estarmos a<br />

mover num mundo <strong>de</strong><br />

jovens, quando já não somos<br />

jovens”, escreve a escritora<br />

Donna Tartt, que já leu o livro.<br />

Numa entrevista que <strong>de</strong>u este mês à “Details”, o<br />

escritor confessava que já não sai à noite, como<br />

antigamente. Tornou-se membro <strong>de</strong> um clube<br />

nocturno muito exclusivo, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobriu que<br />

ainda se consegue divertir. Conta que continua a<br />

beber e que a única vez que frequentou os<br />

Alcoólicos Anónimos foi porque queria ir para a<br />

cama com alguém que lá também andava. Quando<br />

lhe perguntaram se tem sauda<strong>de</strong>s <strong>dos</strong> anos 80,<br />

respon<strong>de</strong>u: “Não, nem por isso.”<br />

Para comemorar o lançamento <strong>de</strong> toda a sua obra<br />

em formato digital, Bret Easton Ellis criou uma<br />

“playlist” que acompanha cada um <strong>dos</strong> seus livros<br />

e po<strong>de</strong> se consultada no seu “site” oficial e no no<br />

Facebook. O rapaz também tem uma conta no<br />

Twitter. Basta segui-lo em @BretEastonEllis. No<br />

“site” também está disponível o primeiro capítulo<br />

<strong>de</strong> “Imperial Bedrooms”, que em português terá<br />

como título “Quartos Imperiais” e será publicado<br />

pela editora Teorema no dia 20 <strong>de</strong> Outubro. Isabel<br />

Coutinho


AGENDA CULTURAL FNAC<br />

entrada livre<br />

AO VIVO<br />

FRANKIE CHAVEZ<br />

Novos Talentos Fnac 2010<br />

A música <strong>de</strong> Frankie Chavez conjuga diferentes tipos <strong>de</strong> sonorida<strong>de</strong>s, reflectindo as influências musicais<br />

que ficam das suas viagens.<br />

18.06. 18H30 FNAC CHIADO<br />

20.06. 17H00 FNAC CASCAISHOPPING<br />

AO VIVO<br />

THE JONHWAYNES<br />

Novos Talentos Fnac 2010<br />

A música da dupla caracteriza-se por uma enorme diversida<strong>de</strong> que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o simples e minimalista acidhouse<br />

até ao cariz mais clássico do house, com <strong>de</strong>svios para o disco-funk e para o boogie.<br />

18.06. 19H00 FNAC BRAGA PARQUE<br />

AO VIVO<br />

EMMY CURL<br />

Novos Talentos Fnac 2010<br />

As canções <strong>de</strong> Emmy Curl remetem para o mais transcen<strong>de</strong>nte e etéreo do indie pop, sugeridas pela voz<br />

suave, os backvocals submergi<strong>dos</strong> em reverb e os arranjos <strong>de</strong> guitarra flutuantes.<br />

18.06. 22H00 FNAC COIMBRA<br />

19.06. 22H00 FNAC LEIRIASHOPPING<br />

24.06. 21H30 FNAC ALMADA<br />

29.06. 20H30 FNAC COLOMBO<br />

AO VIVO<br />

SALTO!<br />

Novos Talentos Fnac 2010<br />

Salto! é o segredo mais bem guardado da Amor Fúria. Dois rapazes do Porto e dança. E é mesmo para saltar.<br />

19.06. 17H00 FNAC STA. CATARINA<br />

24.06. 22H00 FNAC MAR SHOPPING<br />

26.06. 18H00 FNAC NORTESHOPPING<br />

20.06. 18H00 FNAC VASCO DA GAMA<br />

22.06. 22H00 FNAC ALMADA<br />

AO VIVO<br />

MISTER LIZARD<br />

Novos Talentos Fnac 2010<br />

Mister Lizard é um projecto criado em 2005 por Anthony John, guitarrista inglês. As influências musicais<br />

vão do funk ao rock e psica<strong>de</strong>lismo como o jazz e blues.<br />

29.06. 22H00 FNAC ALMADA<br />

Consulte to<strong>dos</strong> os eventos da Agenda,<br />

assim como outros conteú<strong>dos</strong> culturais Fnac em<br />

Apoio:<br />

APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO


6 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon


<strong>dos</strong> <strong>diabos</strong><br />

O título tdiz que ele é “O <strong>Advogado</strong> do Terror”. Foi o<br />

próprio, Jacques Vergès, manipulador, grandiloquente,<br />

que assim se baptizou. Defen<strong>de</strong>u terroristas, nazis,<br />

“serial killers”. O que o move? É insondável. Tal como a<br />

perversida<strong>de</strong>. Há palavra para esta <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, o “Mal”.<br />

É o fascínio do realizador <strong>de</strong>ste documentário que se<br />

estreia em Portugal em DVD, Barbet Schroe<strong>de</strong>r, com<br />

quem falámos. Vasco Câmara, em Paris<br />

Um homem,<br />

Jacques<br />

Vergès, e 50<br />

anos <strong>de</strong><br />

terrorismo em<br />

fundo. Eis “O<br />

<strong>Advogado</strong> do<br />

Terror”,<br />

documentário<br />

<strong>de</strong> Barbet<br />

Schroe<strong>de</strong>r,<br />

disponível em<br />

DVD<br />

É anticolonialista ou <strong>de</strong> extrema direi- Há uma ma explicação<br />

atirada para cota?<br />

É preciso uma ginástica diabólica locar or<strong>de</strong>m r<strong>de</strong>m nesta nnesta<br />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m que é a<br />

para conciliar a <strong>de</strong>fesa <strong>dos</strong> revolucio- <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m m do mmundo:<br />

mundo: a <strong>de</strong> que este filho<br />

nários argelinos com a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> um <strong>de</strong> mãe vietna vietnamita amita e <strong>de</strong> pai da ilha ha<br />

torcionário nazi, Klaus Barbie, “o car- Reunião, o, o colonizado, coolonizado,<br />

“le chi<br />

hirasco<br />

<strong>de</strong> Lyon”. Ou para <strong>de</strong>screver Pol nois!”, foi, é, uum<br />

um homem em<br />

Pot, lí<strong>de</strong>r <strong>dos</strong> Khmers Vermelhos e <strong>de</strong> guerra, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> e que simpatii<br />

um genocídio cambojano, como “diszou com m a cau causa usa argelina<br />

creto” e “sorri<strong>de</strong>nte”, e negar o genocí- nascida <strong>dos</strong> mmassacres<br />

assacres <strong>de</strong><br />

dio – porque se “houve mortes, fome”, Setif, em m 1945. 19455.<br />

Tudo o<br />

o que aconteceu “foi involuntário”; hou- que veio o <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>poois<br />

faria<br />

a<br />

ve “repressão con<strong>de</strong>nável, tortura”, parte da a mesm mesma ma estra-<br />

“mas não os milhões <strong>de</strong> mortes” <strong>de</strong> que tégia <strong>de</strong> <strong>de</strong>smo <strong>de</strong>smontar ontar a<br />

se fala. Os Khmers Vermelhos têm as velha or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>m e<br />

os seus<br />

s<br />

costas largas, diz ele. E por aí fora: “se- crimes – França, Frannça,<br />

a<br />

rial killers”, Carlos, o Chacal, Milose- colonizadora. adoraa.<br />

Covic,<br />

ditadores africanos...<br />

mo alguém uém co com om o<br />

Ele, o autor <strong>de</strong>sta acrobacia, chama- romantismo ismo <strong>de</strong>s- d<strong>de</strong>s<br />

se Jacques Vergès, advogado, tem hoje feito – o amor ppela<br />

pela<br />

85 anos, e um documentário <strong>de</strong> Barbet França da Revo<br />

Schroe<strong>de</strong>r que se estreia entre nós no lução, <strong>de</strong> Mon- Moon<br />

n<br />

mercado <strong>de</strong> DVD (pela Atalanta Filmes) taigne, <strong>de</strong> Di<strong>de</strong>- Did<strong>de</strong><br />

e<br />

chama-lhe “O <strong>Advogado</strong> do Terror”. rot – que e <strong>de</strong>dica <strong>de</strong>dicca<br />

Quando se sabe que foi, afinal, o pró- a vida a vinga vingararrprio Vergès que propôs o título, fica-se se, com artes <strong>de</strong> d<strong>de</strong><br />

a perceber melhor quem temos diante um “gourmet”, urmet”,<br />

da câmara do realizador francês nas- <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>sfeita. sfeita.<br />

cido em Teerão. E que Schroe<strong>de</strong>r se res- (Ele podia odia<br />

guar<strong>de</strong> perante a inteligência e a capa- ter sido um<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manipulação <strong>de</strong> quem tem à terrorista, sta,<br />

frente – a arma <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa é uma reserva diz alguém ém<br />

<strong>de</strong> cepticismo – só nos resguarda a nós em “O Advodvo- também.<br />

gadodo Capa <strong>Advogado</strong><br />

ALI JAREKJI REUTERS


Terror”, mas gostava <strong>de</strong>masiado das<br />

coisas da vida; alguém acrescenta que<br />

o vê bem a premir o botão <strong>de</strong> um explosivo<br />

à distância)<br />

Schroe<strong>de</strong>r, com quem falámos em<br />

Paris, não acredita nessa explicação<br />

que pacifica uma narrativa. Mas é isso<br />

que o fascina, como já o tinha fascinado<br />

Idi Amin Dada, ditador ugandês: a<br />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m a que se chama o “Mal”.<br />

Quando apresentou “O<br />

<strong>Advogado</strong> do Terror” no Festival<br />

<strong>de</strong> Cannes [secção Un Certain<br />

Regard], Jacques Vergès estava<br />

na sala. Apresentou-o como o<br />

seu cúmplice, o seu colaborador<br />

e a sua vítima...<br />

Eu disse: temos a sorte <strong>de</strong> ter entre<br />

nós o autor, o intérprete e a vítima<br />

<strong>de</strong>ste filme. Ele tinha-me dito, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> ter visto “O <strong>Advogado</strong> do Terror”:<br />

“caro inimigo, sou a sua vítima”.<br />

Porque é que Jacques Vergès<br />

aceitou que fizesse um filme<br />

sobre ele?<br />

Achou que tinha coisas a dizer...<br />

E você, por que é que se<br />

interessou por ele? Existe uma<br />

familiarida<strong>de</strong> entre personagens<br />

<strong>dos</strong> seus filmes, entre o ditador<br />

Idi Amin Dada [“Général Idi<br />

Amin Dada: Autoportrait”,<br />

1974] ou Claus von Bulow [a<br />

personagem que Jeremy Irons<br />

interpretou em “Reveses da<br />

Fortuna”, 1990, filme baseado<br />

num “caso jurídico” <strong>dos</strong> anos<br />

80: Claus von Bullow foi acusado<br />

<strong>de</strong> ter “enviado” a sua rica<br />

mulher, Sunny, para o coma<br />

com a ajuda <strong>de</strong> insulina, e<br />

contratou uma das “estrelas” da<br />

época, Alan Dershowitz, para o<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r]?<br />

Em alguns aspectos, Vergès e Idi<br />

Amin Dada são o oposto, mas os dois<br />

filmes têm a mesma “démarche”.<br />

Mesmo se o filme sobre Vergès foi<br />

mais complexo. Em relação a Claus<br />

von Bulow, o que é divertido é que se<br />

misturarmos as duas personagens<br />

principais <strong>de</strong>sse filme, o advogado<br />

[Alan Dershowitz, interpretado por<br />

Ron Silver] e Claus von Bulow, o resultado<br />

é igual a Vergès.<br />

Acho estas personagens divertidas,<br />

mais interessantes, porque nos perturbam<br />

mais, do que as personagems<br />

ditas normais.<br />

A relação com as suas<br />

personagens é diferente antes <strong>de</strong><br />

fazer e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> fazer o filme?<br />

É preciso cuidado com isso. Lembrome<br />

que no caso <strong>de</strong> Idi Amin Dada disse<br />

a mim próprio que não me podia<br />

chegar <strong>de</strong>masiado perto <strong>de</strong>le. O caso<br />

<strong>de</strong> Vergès foi diferente, porque, <strong>de</strong><br />

alguma maneira, fizemos o filme juntos,<br />

tomámos <strong>de</strong>cisões juntos, ele fez<br />

sugestões interessantes. Por exemplo,<br />

o título do filme [no original,<br />

“L’Advocat <strong>de</strong> la Terreur”] é sugestão<br />

<strong>de</strong>le [risos].<br />

Não o vê, então, como o assunto<br />

do filme, mas como alguém que<br />

colaborou...<br />

Sim. Mesmo no caso <strong>de</strong> Idi Amin Dada<br />

havia momentos em que ele começava<br />

a dar or<strong>de</strong>ns à câmara. O que<br />

mostra que aí também ele foi colocado<br />

na situação <strong>de</strong> um <strong>dos</strong> participantes<br />

do filme.<br />

Po<strong>de</strong>mos falar em “mise-en-scène” no<br />

caso <strong>de</strong> um documentário baseado em<br />

testemunhos e que, quando não se levanta<br />

acima do grau zero da relevância,<br />

é uma sucessão <strong>de</strong> “talking heads”? Sim,<br />

“O <strong>Advogado</strong> do Terror” tem sinais <strong>de</strong>ssa<br />

coisa in<strong>de</strong>finível: “mise-en-scène”.<br />

Como se se quisesse manter a salvo,<br />

entre a curiosida<strong>de</strong> e o cepticismo (sobretudo<br />

o cepticismo), Barbet Schroe<strong>de</strong>r<br />

enquadra os entrevista<strong>dos</strong>, Vergès<br />

e os outros, numa parcela do respectivo<br />

mundo. Vêmo-los sempre a meia dis-<br />

8 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

“O que me interessa<br />

é <strong>de</strong>scobrir o que<br />

é o Mal, sob cujo rosto<br />

se escon<strong>de</strong> o Mal.<br />

É um assunto que foi<br />

tratado por<br />

Shakespeare,<br />

na minha opinião<br />

merece que continue<br />

a ser tratado...”<br />

tância, ro<strong>de</strong>a<strong>dos</strong> por um “cenário”. É<br />

aquele o mundo que habitam – o advogado<br />

e os seus objectos e mobília, por<br />

exemplo, e Schroe<strong>de</strong>r não anda longe,<br />

aqui, da ironia fascinada pelo mundo<br />

<strong>dos</strong> ricos que impregnava a construção<br />

do argumento <strong>de</strong> “Reveses da Fortuna”.<br />

Essa distância parece proteger-nos<br />

a to<strong>dos</strong>, realizador e espectadores, da<br />

envolvência total – protege-nos <strong>de</strong> sermos<br />

<strong>de</strong>vora<strong>dos</strong>, por exemplo. E assim<br />

também as manobras <strong>de</strong> teatralida<strong>de</strong><br />

(<strong>de</strong>les) têm espaço para se tornarem<br />

mais nítidas.<br />

Falamos “<strong>de</strong>les”, <strong>de</strong>veríamos falar<br />

“<strong>de</strong>le”, Jacques Vergès, que explicita a<br />

sua concepção da sala <strong>de</strong> tribunal como<br />

palco para o mundo ao referir-se à<br />

<strong>de</strong>fesa do “Carrasco <strong>de</strong> Lyon”, o nazi<br />

Klaus Barbie. Diz Vergès, falando da<br />

sua estratégia <strong>de</strong> provocar inci<strong>de</strong>ntes,<br />

<strong>de</strong> progredir por confrontos, da metodologia<br />

seguida <strong>de</strong> direccionar a <strong>de</strong>fesa<br />

para o ataque à França colonial (do<br />

género: o Governo francês terá sido<br />

responsável por vários Klaus Barbie na<br />

Argélia, para quê agora o escândalo<br />

com o nazi...): “eles” “prepararam o<br />

espectáculo”, cabia-lhe a ele improvisar<br />

a sua pequena peça no “décor” <strong>dos</strong><br />

outros. Estava “eufórico” perante os<br />

juízes – e está eufórico a admitir isso<br />

perante a câmara.<br />

Há uma espécie <strong>de</strong> explicação<br />

para o facto <strong>de</strong> Vergès po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r tanto revolucionários<br />

argelinos como o nazi Klaus<br />

Barbie: o seu ódio à França<br />

colonial, a sua origem<br />

vietnamita, o facto <strong>de</strong> ter<br />

estado no lugar do colonizado.<br />

Não acha que é <strong>de</strong>masiado<br />

fácil resolver a questão assim?<br />

Acredita nessa explicação? Ou é<br />

mais complexo?<br />

É certamente mais complexo...<br />

É como se a única coisa certa<br />

seja a nossa dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ler o<br />

mundo como narrativa linear, <strong>de</strong><br />

o explicar...<br />

É isso.<br />

Barbet Schroe<strong>de</strong>r, um cineasta<br />

fascinado pelos “rostos do Mal”<br />

Um viajante pel<br />

Nos anos 80 está em <strong>de</strong>composição a primeira etapa do mo<strong>de</strong>rno terrorismo in<br />

abre nova fase, a <strong>de</strong> um terrorismo instrumental e c<br />

Vergès<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u<br />

Djamila<br />

Bouhired (à<br />

direita),<br />

“heroína da<br />

in<strong>de</strong>pendência”<br />

argelina,<br />

inaugurando<br />

a sua<br />

estratégia da<br />

“<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong><br />

ruptura”:<br />

contestando a<br />

legitimida<strong>de</strong><br />

do tribunal e<br />

colocando o<br />

processo na<br />

óptica do<br />

conflito<br />

francoargelino<br />

Quem é Jacques Vergès? Há<br />

excessivas pistas. A primeira é<br />

a do “advogado do terror”. Mas<br />

é redutora face à sua carteira <strong>de</strong><br />

clientes, que vai do terrorista<br />

Carlos ao nazi Barbie, <strong>dos</strong><br />

Khmer Vermelhos aos ditadores<br />

africanos. Ele explica: “As pessoas<br />

ditas in<strong>de</strong>fensáveis precisam <strong>de</strong><br />

ser <strong>de</strong>fendidas.”<br />

A segunda, por si indicada, diz<br />

que “a justiça é um jogo” em que o<br />

advogado “é gladiador, estratego<br />

e, por vezes, artista”. A propósito<br />

<strong>de</strong> uma peça <strong>de</strong> teatro em que ele<br />

próprio se representou, disse: “Há<br />

uma diferença entre uma obra<br />

literária e uma obra judiciária. A<br />

primeira cheira a tinta, a segunda<br />

tem um gosto <strong>de</strong> sangue. Des<strong>de</strong><br />

que o provamos, não passamos<br />

sem ele. Tornamo-nos um serial<br />

litigante.”<br />

A terceira é a do “ódio ao<br />

colonialismo e aos colonialistas”,<br />

que seria o fi o condutor do seu<br />

percurso.<br />

Outra pista, negada por Vergès<br />

mas que serve o mito, é a do juiz<br />

francês Jean-Louis Bruguière,<br />

que o aponta como membro<br />

do grupo terrorista <strong>de</strong> Carlos.<br />

Amador <strong>de</strong> “habanos”, escreve<br />

o jornalista René Backmann,<br />

Vergès é também um especialista<br />

em lançar cortinas <strong>de</strong> fumo e<br />

espalhar pistas falsas. Uma única<br />

qualifi cação é incontroversa:<br />

mestre do fascínio.<br />

A família<br />

Jacques nasceu em 1925 na<br />

Tailândia, fi lho <strong>de</strong> Raymond<br />

Vergès, alto funcionário francês<br />

natural da Reunião (Índico), e<br />

<strong>de</strong> Pham Ti Khang, professora<br />

vietnamita. Tem um irmão gémeo<br />

(ou um ano mais novo), Paul, lí<strong>de</strong>r<br />

comunista e, ainda hoje, fi gura<br />

dominante da Reunião. A família<br />

está na ilha <strong>de</strong>s<strong>de</strong> fi ns do século<br />

XVII.<br />

“É impossível compreen<strong>de</strong>r<br />

Paul e Jacques sem conhecer a<br />

história do pai, tal a energia que<br />

gastou em os moldar”, escreveu o<br />

ex-juiz Thierry Jean-Pierre, num<br />

livro sobre a dinastia Vergès.<br />

Raymond, maçon e anticlerical,<br />

“médico <strong>dos</strong> pobres”, foi precursor<br />

do anticolonialismo e aproximouse<br />

<strong>dos</strong> comunistas.<br />

Jacques conclui o liceu em<br />

Saint-Denis, Reunião. Alista-se<br />

em 1942 nas Forças Francesas<br />

Livres, do general De Gaulle.<br />

Combate no Norte <strong>de</strong> África e<br />

França. Em 1945, a<strong>de</strong>re ao Partido<br />

Comunista Francês. É amigo <strong>dos</strong><br />

futuros Khmer Vermelhos, Saloth<br />

Sar (Pol Pot) e Khieu Samphan,<br />

e admite ter “participado na sua<br />

politização”. Em Praga conhece<br />

futuros dignitários comunistas,<br />

como o alemão Erich Honecker.<br />

Inicia a carreira <strong>de</strong> advogado em<br />

1955.<br />

Djamila<br />

Parte para a Argélia em 1957.<br />

Pe<strong>de</strong>m-lhe que <strong>de</strong>fenda a<br />

Djamila Bouhired, jovem<br />

militante da re<strong>de</strong> terrorista da<br />

FLN durante a Batalha <strong>de</strong> Argel.


lo terrorismo do século passado<br />

o internacional inaugurada em 1968. Os grupos palestinianos e as suas ramifi cações europeias tornam-se mercenários e per<strong>de</strong>m a i<strong>de</strong>ologia. A revolução iraniana<br />

e controlado por um Estado e suas sucursais, como o Hezbollah libanês. E Jacques Verges no meio disto? Jorge Almeida Fernan<strong>de</strong>s<br />

Presa e torturada, é candidata à<br />

guilhotina.<br />

Vergès inaugura aí a sua<br />

estratégia da “<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> ruptura”.<br />

Contesta a legitimida<strong>de</strong> do<br />

tribunal e coloca o processo na<br />

óptica do confl ito franco-argelino.<br />

Djamila é con<strong>de</strong>nada à morte.<br />

Vergès lança-se numa campanha<br />

incansável para a salvar através<br />

<strong>de</strong> uma mobilização internacional.<br />

Será indultada em Março <strong>de</strong> 1958.<br />

A in<strong>de</strong>pendência chega<br />

em 1962. Djamila é libertada.<br />

Jacques casa-se com a “heroína<br />

da in<strong>de</strong>pendência”, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

se converter ao islão. Adopta a<br />

nacionalida<strong>de</strong> argelina. Trabalha<br />

no Ministério <strong>dos</strong> Negócios<br />

Estrangeiros, visita Pequim, é<br />

recebido por Mao, a<strong>de</strong>re às teses<br />

chinesas. Ben Bella não acha<br />

graça e expulsa-o da Argélia.<br />

O golpe <strong>de</strong> estado <strong>de</strong><br />

Boumédiène (1965) permite-lhe<br />

voltar a Argel, on<strong>de</strong> advoga<br />

apagadamente. Em 1968,<br />

Ab<strong>de</strong>laziz Boutefl ika (hoje<br />

Presi<strong>de</strong>nte) pe<strong>de</strong>-lhe que vá a<br />

Atenas <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r palestinianos<br />

que tinham <strong>de</strong>sviado um avião<br />

israelita. Encontra a nova causa.<br />

Em Fevereiro <strong>de</strong> 1970<br />

<strong>de</strong>saparece. Após sete anos <strong>de</strong><br />

casamento, abandona Djamila e as<br />

duas fi lhas. “Um crápula”, <strong>de</strong>creta<br />

a mãe do cartonista Siné, um<br />

amigo <strong>de</strong> sempre.<br />

Reaparece em 1978. On<strong>de</strong><br />

esteve? No Líbano, no Camboja,<br />

na Rússia, no Katanga, na África<br />

do Sul? Foi visto em Paris. Há um<br />

testemunho da sua passagem<br />

no Líbano. A pista katanguesa<br />

provém <strong>de</strong>, no regresso a Paris,<br />

pagar dívidas com malas <strong>de</strong><br />

dinheiro da família Tchombé.<br />

Diz apenas que esteve “muito a<br />

oriente da França”. Revolução,<br />

“crise fi nanceira” ou fuga da<br />

Mossad? O mistério engran<strong>de</strong>ce<br />

o mito.<br />

As ligações perigosas<br />

Em Agosto <strong>de</strong> 1994, o terrorista<br />

Carlos, o Chacal, foi entregue pelo<br />

Sudão à França. É um venezuelano<br />

– Ilich Ramírez Sánchez – que<br />

fez carreira na Frente Popular <strong>de</strong><br />

Libertação da Palestina (FPLP)<br />

e participou no sequestro <strong>dos</strong><br />

ministros do petróleo da OPEC,<br />

em 1975, em Viena. Expulso da<br />

FPLP, passa a trabalhar “por conta<br />

própria” e “por conta doutros”.<br />

A FPLP e o seu chefe<br />

operacional, Wadie Haddad,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> inventarem uma nova<br />

arma, o sequestro <strong>de</strong> aviões,<br />

<strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m recrutar terroristas<br />

europeus em crise <strong>de</strong> acção.<br />

Forma-se uma nebulosa<br />

promíscua, manipulada por<br />

serviços secretos – árabes e<br />

russos, <strong>de</strong>signadamente. O<br />

próprio Haddad, envenenado<br />

pela Mossad, teria sido agente<br />

do KGB. Terroristas do bando<br />

Baa<strong>de</strong>r-Meihoff (RAF) circulam<br />

por re<strong>de</strong>s palestinianas. Muitos<br />

atenta<strong>dos</strong> são feitos em regime <strong>de</strong><br />

“subcontratação”.<br />

Num <strong>dos</strong> seus livros,<br />

Vergès <strong>de</strong>fine-se como<br />

“o canalha luminoso”<br />

(“Le Salaud<br />

Lumineux”, 1996).<br />

Aí resume o seu<br />

pessimismo<br />

antropológico:<br />

“Os chefes são<br />

canalhas po<strong>de</strong>rosos;<br />

os súbditos<br />

são canalhas em<br />

potência”<br />

Carlos tinha dois manda<strong>dos</strong><br />

<strong>de</strong> captura em França, um por<br />

atenta<strong>dos</strong> e outro, já caducado,<br />

pelo assassínio <strong>de</strong> dois agentes da<br />

DST (segurança interna) francesa,<br />

em 1975.<br />

Através <strong>de</strong> uma fuga <strong>de</strong><br />

informação, “Le Mon<strong>de</strong>” noticiou<br />

que o juiz Bruguière acusava<br />

Vergès <strong>de</strong> cumplicida<strong>de</strong> com<br />

Carlos, graças à documentação da<br />

Stasi e <strong>dos</strong> serviços húngaros.<br />

Ele fora o advogado <strong>de</strong><br />

dois operacionais <strong>de</strong> Carlos,<br />

Magdalena Kopp e Bruno<br />

Bréguet, presos em 1982 quando<br />

preparavam um atentado. Kopp<br />

passara da RAF para o bando <strong>de</strong><br />

Carlos.<br />

Vergès concluiu assim a <strong>de</strong>fesa:<br />

“Seja qual for a sentença que ireis<br />

ditar, os meus clientes, solda<strong>dos</strong><br />

prisioneiros <strong>de</strong> uma nobre causa,<br />

<strong>de</strong>ixarão a prisão em três horas,<br />

em 48 horas ou em três meses,<br />

porque os seus amigos não<br />

baixarão os braços.”<br />

Era uma relativa farsa. Sob a<br />

ameaça <strong>de</strong> novos atenta<strong>dos</strong>, tinha<br />

previamente negociado com o<br />

po<strong>de</strong>r judicial um julgamento<br />

“benevolente” – para evitar mais<br />

atenta<strong>dos</strong> em França. Kopp foi<br />

con<strong>de</strong>nada a quatro anos.<br />

Nas suas memórias<br />

(2009), Bruguière vai mais<br />

longe e <strong>de</strong>nuncia Vergès e<br />

o advogado suíço Bernard<br />

Rambert como “membros da<br />

Carlos, o Chacal: foram<br />

<strong>de</strong>nunciadas ligações <strong>de</strong><br />

Vergès à re<strong>de</strong> terrorista<br />

re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Carlos”, envolvi<strong>dos</strong><br />

“i<strong>de</strong>ológica e operacionalmente<br />

na organização”. Revela<br />

pseudónimos, regras <strong>de</strong> contacto<br />

e as suas frequentes viagens a<br />

Berlim-Leste para encontros com<br />

Peter Weinrich, braço-direito<br />

<strong>de</strong> Carlos. Acusa ainda Vergès<br />

<strong>de</strong> tentar corromper guardas<br />

prisionais para facilitar a evasão<br />

<strong>dos</strong> dois terroristas. Vergès<br />

<strong>de</strong>smente.<br />

Outra iniciativa <strong>de</strong> pressão<br />

sobre o po<strong>de</strong>r foi a tentativa<br />

<strong>de</strong> libertação do terrorista<br />

libanês Anis Naccache, autor<br />

<strong>de</strong> um atentado falhado contra<br />

Chapour Bakhtiar, ex-primeiroministro<br />

do Irão, em 1982.<br />

A acção fora or<strong>de</strong>nada pelo<br />

ayatollah Khomeini. Bakhtiar<br />

será assassinado pouco <strong>de</strong>pois. E<br />

Naccache será indultado em 1990,<br />

por Mitterrand.<br />

Nos anos 80, está em acelerada<br />

<strong>de</strong>composição a primeira<br />

etapa do mo<strong>de</strong>rno terrorismo<br />

internacional inaugurada em 1968.<br />

Os grupos palestinianos e as suas<br />

ramifi cações europeias tornam-se<br />

progressivamente mercenários e<br />

per<strong>de</strong>m a i<strong>de</strong>ologia. A revolução<br />

iraniana abre nova fase, a <strong>de</strong><br />

um terrorismo instrumental e<br />

controlado por um Estado e suas<br />

sucursais, como o Hezbollah<br />

libanês.<br />

Depressa surgirá a nova<br />

gran<strong>de</strong> explosão, o “terrorismo<br />

islamista”, que para lá das<br />

erupções nacionais – Argélia,<br />

Tchetchénia ou Israel – dará lugar<br />

ao “terrorismo global” da Al-<br />

Qaeda. Os terroristas que Vergès<br />

Na <strong>de</strong>fesa do Chefe da Gestapo<br />

em Lyon, Klaus Barbie, Vergès<br />

argumentou que durante a<br />

colonização a França actuou<br />

exactamente como os nazis<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u ou frequentou são hoje<br />

um anacronismo.<br />

As más companhias<br />

Vergès <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u todo o tipo <strong>de</strong><br />

acusa<strong>dos</strong>. Teve intervenções<br />

notáveis, evitando monstruosos<br />

erros judiciais, como no caso<br />

<strong>de</strong> Omar Raddad, um jardineiro<br />

marroquino acusado <strong>de</strong><br />

assassinar uma francesa (1994).<br />

Mas os processos emblemáticos<br />

são os políticos, como o <strong>de</strong> Klaus<br />

Barbie, em 1987, ou o <strong>dos</strong> Khmer<br />

Vermelhos, em 2008.<br />

Entre Vergès, terroristas<br />

palestinianos e Barbie há um elo:<br />

François Genoud (1915-96). É um<br />

banqueiro suíço, simpatizante<br />

<strong>de</strong> Hitler, que terá colaborado na<br />

fuga <strong>de</strong> antigos nazis e fi nanciou a<br />

<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> Eichmann.<br />

A sua carreira foi estudada<br />

pelo jornalista Pierre Péan<br />

(“L’Extrémiste. François Genoud,<br />

<strong>de</strong> Hitler à Carlos”, 1996).<br />

Fundou em 1958, em Genebra,<br />

La Banque Commerciale Arabe,<br />

alegadamente com fun<strong>dos</strong> sírios<br />

e o patrocínio <strong>de</strong> Nasser. Geriu<br />

o “tesouro <strong>de</strong> guerra” da FLN<br />

argelina, tinha relações estreitas<br />

com Ben Bella, Haddad ou com<br />

Magdalena Kopp e, através <strong>de</strong>la,<br />

com Carlos. Era amigo <strong>de</strong> Vergès<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época argelina. Foi ele que<br />

encomendou a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> Barbie.<br />

Chefe da Gestapo em Lyon,<br />

em 1942-44, acusado <strong>de</strong> tortura,<br />

massacres, execução <strong>de</strong> centenas<br />

<strong>de</strong> franceses e responsável<br />

pela <strong>de</strong>portação <strong>de</strong> crianças<br />

judias para Auschwitz, Barbie<br />

foi extraditado da Bolívia para<br />

França.<br />

O julgamento foi uma<br />

<strong>de</strong>monstração da “<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong><br />

ruptura”. Vergès agiu em três<br />

planos. No primeiro, convencional,<br />

tentou <strong>de</strong>sacreditar as<br />

testemunhas, não sobre os factos<br />

mas sobre a presença física <strong>de</strong><br />

Barbie no momento <strong>dos</strong> factos.<br />

No segundo plano, procurou<br />

<strong>de</strong>smontar a Resistência,<br />

utilizando obras históricas para<br />

mostrar que os franceses foram<br />

O advogado <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u Khieu<br />

Samphan, Presi<strong>de</strong>nte do regime<br />

<strong>dos</strong> Khmer Vermelhos.<br />

Assumiu-se como negacionista<br />

largamente colaboracionistas<br />

– o que era verda<strong>de</strong>. Insinuou<br />

que o chefe da Resistência, Jean<br />

Moulin, foi “entregue” por dois<br />

resistentes, o casal Aubrac – o que<br />

os historiadores contestam.<br />

Por fi m, argumentou que<br />

durante a colonização o Estado<br />

francês actuou exactamente como<br />

os nazis. Era a relativização <strong>dos</strong><br />

crimes nazis – aquilo que estava a<br />

ser julgado.<br />

Vergès vangloria-se <strong>de</strong> ter<br />

ganho: diz que era um contra<br />

20 advoga<strong>dos</strong> <strong>de</strong> acusação e<br />

que, portanto, monopolizou<br />

as atenções. Teve um sucesso<br />

mediático nas primeiras sessões.<br />

Mas o julgamento transformou-se<br />

num impressionante “processo<br />

para a História”, resumido num<br />

fi lme <strong>de</strong> 70 horas.<br />

O “canalha luminoso”<br />

Em 2008, Vergès foi ao Camboja<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r um velho amigo. Pol<br />

Pot morrera. Defen<strong>de</strong>u Khieu<br />

Samphan, Presi<strong>de</strong>nte do regime<br />

<strong>dos</strong> Khmer Vermelhos. Repetiu<br />

a sua estratégia. Frisou que<br />

“se os actos <strong>de</strong> tortura são<br />

in<strong>de</strong>sculpáveis” e se “houve<br />

muitas mortes”, elas <strong>de</strong>correram<br />

sobretudo <strong>de</strong> “doença e fome”, em<br />

virtu<strong>de</strong> do embargo imposto pelos<br />

EUA. “Não houve genocídio no<br />

Camboja, os números foram muito<br />

exagera<strong>dos</strong>”.<br />

Quanto a Samphan: “O seu papel<br />

era meramente técnico. Enquanto<br />

chefe <strong>de</strong> Estado representava o<br />

país, (...) mas não era responsável<br />

pela repressão. É uma pessoa<br />

afável. É inocente. Era um i<strong>de</strong>alista<br />

com i<strong>de</strong>ias revolucionárias.”<br />

O tribunal da ONU não se<br />

impressionou e o advogado<br />

apanhou o avião para Paris.<br />

O <strong>de</strong>lírio <strong>de</strong> Pol Pot levou ao<br />

extermínio <strong>de</strong> um quarto da<br />

população. Vergès ousou assumirse<br />

como negacionista. Também<br />

a causa palestiniana serviu para<br />

encobrir o discreto perfume<br />

<strong>de</strong> anti-semitismo que sempre<br />

transportou consigo.<br />

Num <strong>dos</strong> seus livros, Vergès<br />

<strong>de</strong>fi ne-se como “o canalha<br />

luminoso” (“Le Salaud Lumineux”,<br />

1996). Aí resume o seu pessimismo<br />

antropológico: “Os chefes são<br />

canalhas po<strong>de</strong>rosos; os súbditos<br />

são canalhas em potência.”<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 9


Schroe<strong>de</strong>r na rodagem do filme<br />

que fez com Idi Amin Dada<br />

10 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Não se po<strong>de</strong> dizer: “ele fez isso<br />

porque...”. Vamos pegar no caso Barbie:<br />

o que se diz no filme é que Vergès<br />

pegou no caso, na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> Klaus<br />

Barbie, porque François Genou [1915-<br />

1966, banqueiro suíço que se pôs ao<br />

serviço <strong>dos</strong> fugitivos nazis e que<br />

apoiou a Frente <strong>de</strong> Libertação Nacional<br />

argelina e a Frente Popular <strong>de</strong> Libertação<br />

da Palestina, FPLP – e a <strong>de</strong>fesa<br />

<strong>dos</strong> seus “guerrilheiros” ou “associa<strong>dos</strong>”,<br />

como Carlos, o Chacal] lho<br />

pediu. Aliás, conta-se no filme que<br />

antes <strong>de</strong> pedir a Vergès, foi pedido a<br />

outro advogado que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>sse Barbie<br />

e esse advogado recusou-se para,<br />

segundo ele, não sujar aquilo que até<br />

aí tinha feito. Vergès não teve esse<br />

problema. Há aí um elemento <strong>de</strong> perversida<strong>de</strong><br />

nele. Po<strong>de</strong> dizer-se que ele<br />

aceitou porque era uma forma <strong>de</strong> atacar<br />

a França. Mas po<strong>de</strong> dizer-se, também,<br />

que era uma forma <strong>de</strong> conseguir<br />

publicida<strong>de</strong> para si próprio. Se continuarmos<br />

por aí fora, é como as cascas<br />

<strong>de</strong> uma cebola: camadas cada vez<br />

mais profundas, diversas, mas nunca<br />

uma explicação.<br />

Mesmo assim, penso que, no plano<br />

legal, Vergès queria, ao aceitar o caso<br />

Barbie, tentar provar que a França<br />

tinha produzido centenas <strong>de</strong> Barbies<br />

na Argélia. Mas claro que para fazer<br />

isso ele branqueou aquilo que podia<br />

ligar a perseguição aos ju<strong>de</strong>us e os<br />

campos <strong>de</strong> concentração a Barbie...<br />

Houve algum momento em que<br />

O advogado Dershowitz (Ron<br />

Silver) e o cliente Claus von<br />

Bulow (Jeremy Irons) em<br />

“Reveses da Fortuna”: o fascínio<br />

<strong>de</strong> Schroe<strong>de</strong>r pelo ambíguo<br />

mundo <strong>dos</strong> ricos<br />

Vergès tenha dito que não queria<br />

falar <strong>de</strong> um assunto?<br />

Não, nunca... e daí sim: Carlos [o Chacal:<br />

Ilich Ramírez Sánchez, venezuelano,<br />

um <strong>dos</strong> “inimigos públicos” <strong>dos</strong><br />

anos 70/80, especialmente a partir <strong>de</strong><br />

1973, quando se associou à FPLP e às<br />

suas manobras <strong>de</strong> terrorismo internacional;<br />

cumpre pena <strong>de</strong> prisão perpétua].<br />

Há um momento em que Vergès<br />

diz que não quer falar das suas<br />

supostas ligações a Carlos porque foi<br />

advogado <strong>de</strong>le e não po<strong>de</strong> fazer revelações<br />

sobre essa relação...<br />

Mas podia <strong>de</strong>sculpar-se com isso<br />

em relação a todas as outras<br />

pessoas sobre as quais se fala no<br />

filme...<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente. Houve outra coisa: a<br />

sua história <strong>de</strong> amor com Djamila.<br />

Djamila Bouhired, o “rosto da in<strong>de</strong>pendência<br />

argelina”, nascida em 1935.<br />

Foi capturada em 1957 e con<strong>de</strong>nada à<br />

morte por terrorismo, mas a campanha<br />

mediática que o seu advogado, Vergès,<br />

lançou, com apelos <strong>de</strong> todo o mundo,<br />

levou à sua libertação em 1962. É um<br />

ícone, com quem Vergès se casou e com<br />

quem fundou a revista “Révolution africaine”.<br />

Está retratada em “A Batalha<br />

<strong>de</strong> Argel”, filme <strong>de</strong> 1966 <strong>de</strong> Gillo Pontecorvo.<br />

Po<strong>de</strong>mos resumir assim: há um Vergès<br />

da causa argelina, o Vergès <strong>de</strong> Djamila<br />

Bouhired, e o Vergès <strong>dos</strong> anos 80.<br />

Entre um momento e outro, um misterioso<br />

<strong>de</strong>saparecimento do protagonista,<br />

entre 1970 e 1978, não se sabe se para a<br />

floresta cambojana. Quando regressou,<br />

já afastado <strong>de</strong> Djamila, regressou também<br />

“uma maior distância em relação<br />

às coisas” – é assim que fala <strong>de</strong>le, no<br />

filme <strong>de</strong> Schroe<strong>de</strong>r, o jornalista Lionel<br />

Duroy, referindo-se a uma época <strong>de</strong> fim<br />

<strong>de</strong> todas as esperanças em relação à<br />

política. Se quisermos seguir a linha do<br />

documentário, a <strong>de</strong> ver na história <strong>de</strong><br />

Vergès sinais da história do terrorismo<br />

mundial, esse é então o momento em<br />

que o cinismo disparou em todas as direcções.<br />

Vergès tornou-se advogado<br />

pa-ra to<strong>dos</strong> os serviços: torcionários<br />

nazis, ditadores, <strong>de</strong> África e <strong>dos</strong> Balcãs,<br />

“serial killers”. É ver as imagens a preto<br />

e branco com um (mais) jovem Vergès,<br />

e adivinhar um romantismo contido<br />

mas tenaz, e olhar para a transbordante<br />

opulência do Vergès <strong>de</strong> hoje.<br />

Gosta-se um pouco <strong>de</strong>le por não ter querido<br />

falar <strong>de</strong> Djamila Bouhired<br />

Fala-se <strong>de</strong>ste filme, e <strong>de</strong> outros<br />

que realizou, como filmes sobre<br />

criaturas mostruosas, que serão<br />

a sua atracção...<br />

Monstros é uma palavra <strong>de</strong>masiado<br />

limitada. Diria que são personagens<br />

fora do comum, extremamente ambíguas,<br />

com um lado maléfico, até,<br />

sim. O que me interessa é <strong>de</strong>scobrir<br />

o que é o Mal, sob cujo rosto se escon<strong>de</strong><br />

o Mal. É um assunto que foi<br />

tratado por Shakespeare, na minha<br />

opinião merece que continue a ser<br />

tratado..<br />

E qual é o seu papel, como<br />

realizador? Vampiro?<br />

Todo o cinema é vampírico. É um <strong>dos</strong><br />

temas principais do cinema e da fotografia.<br />

Absorve-se uma realida<strong>de</strong><br />

para a fazermos nossa. Isso é certo.<br />

Não é assim mais no cinema do que<br />

na fotografia.<br />

Vergès po<strong>de</strong> dizer que foi<br />

enganado, que o que está ali é<br />

você e não ele...<br />

Claro. Mas ele não diz isso. Ele diz outra<br />

coisa: “Este filme é uma obra-prima<br />

e isso <strong>de</strong>ve-se a mim”. E diz ainda:<br />

há umas coisas ridículas que o realizador<br />

quis juntar mas não tem importância<br />

nenhuma, o filme sou eu, isso<br />

é que conta. O que é qualquer coisa<br />

<strong>de</strong> muito hábil, diabólico e genial.<br />

Continua a relacionar-se com<br />

ele?<br />

Aconteceu encontrar-me com ele várias<br />

vezes na altura da promoção do<br />

filme, mas não há laços entre nós.<br />

É como trabalhar com um<br />

actor: acaba o filme, acaba o<br />

relacionamento?<br />

Sim, não tenho outro papel para lhe<br />

dar [risos].<br />

Há coisas que sabe <strong>de</strong>le que nós,<br />

espectadores, não saibamos?<br />

O filme é feito para respon<strong>de</strong>r à pergunta:<br />

por que é que ele fez o que fez?<br />

E parte do filme respon<strong>de</strong> a isso. Não<br />

há nada na manga. Tudo o que foi dito<br />

e contado está no filme ou reflectido<br />

no filme.<br />

Mais do que um filme sobre<br />

Jacques Vergès, é um filme sobre<br />

o terrorismo.<br />

É isso, através <strong>de</strong> uma personagem<br />

extraordinária, contar a história do<br />

terrorismo que começou em Argel<br />

nos anos 60. É importante compreen<strong>de</strong>r<br />

esses inícios, é como olhar para<br />

as primeiras fotografias ou para os<br />

primeiros filmes. Está tudo no início,<br />

e é ao examinarmos o início que se<br />

compreen<strong>de</strong> algo <strong>de</strong> relevante para<br />

o presente. Estão aqui os primeiros<br />

50 anos <strong>de</strong> terrorismo, que continua<br />

e vai continuar, o que significa que<br />

daqui a 50 anos este filme continuará<br />

a ser actual.<br />

Sem Vergès não faria um<br />

documentário sobre o<br />

terrorismo...<br />

De maneira nenhuma, como nunca<br />

faria um documentário sobre o aquecimento<br />

global do planeta. Documentários<br />

temáticos, abstractos, não me<br />

interessam. Interessam-me as pessoas,<br />

interessa-me ouvir os terroristas<br />

a falar, ver quais são os problemas, a<br />

vida quotidiana <strong>de</strong> um terrorista. É o<br />

humano que me fala. Sem alguém como<br />

Vergès para ancorar a história<br />

seria totalmente <strong>de</strong>sinteressante. Po<strong>de</strong>ria<br />

não ter Vergès, mas teria <strong>de</strong> encontrar<br />

outras personagens apaixonantes,<br />

uma âncora. Vergès é um<br />

actor com uma presença no ecrã impressionante.<br />

O tema terrorismo é hoje mais<br />

fácil <strong>de</strong> trabalhar em cinema?<br />

Não. Estivemos, por exemplo,<br />

em Inglaterra, na BBC. Disseram<br />

que não queriam participar num<br />

filme sobre Vergès. Na Alemanha,<br />

a mesma coisa. França: nem um<br />

canal <strong>de</strong> televisão o quis, a não ser<br />

o Canal Plus – por causa do nome<br />

<strong>de</strong> Vergès, alguém que, acha-se,<br />

não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar falar. Vergès<br />

não é um negacionista da Shoah,<br />

é <strong>de</strong>masiado astuto para isso. Mas<br />

é um negacionista, por exemplo,<br />

<strong>dos</strong> crimes <strong>de</strong> Pol Pot [o lí<strong>de</strong>r <strong>dos</strong><br />

Khmers Vermelhos]. Isso para mim<br />

é aterrador e tem qualquer coisa <strong>de</strong><br />

maléfico: a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> apagar o Mal,<br />

para que ele continue. Isso mete<br />

medo. Ele não se aventurou u a negar<br />

a Shoah, mas não teve problemas blemas<br />

em dar provas <strong>de</strong> um anti-sionismo ionismo<br />

extremo.<br />

Falámos <strong>de</strong> Claus von Bulow, low,<br />

uma ficção baseada num caso<br />

verídico...<br />

... po<strong>de</strong>mos dizer que era um m documentário<br />

no sentido em que<br />

não havia uma única cena a do<br />

filme – e isto por razões legais gais<br />

– em que eu tivesse podido inventar<br />

o que quer que fosse. sse.<br />

Tudo o que estava no filme e<br />

tinha <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ser provado<br />

que exisiu. Se houvesse<br />

uma cena entre um marido o<br />

e uma mulher, na sua cama, , à<br />

beira <strong>de</strong> fazerem o que quer uer<br />

que fosse, era necessário que<br />

Comentário <strong>de</strong> Vergès sobre o<br />

documentário “O <strong>Advogado</strong> do<br />

Terror: “Este filme é uma obraprima<br />

e isso <strong>de</strong>ve-se a mim”<br />

“[Tratou-se <strong>de</strong>]<br />

Através <strong>de</strong> uma<br />

personagem<br />

extraordinária,<br />

contar a história do<br />

terrorismo que<br />

começou em Argel<br />

nos anos 60. É como<br />

olhar para<br />

as primeiras fotos<br />

ou para os primeiros<br />

filmes”<br />

houvesse documentos que provassem<br />

que aquela cena aconteceu. Não se<br />

podia inventar, tudo tinha que estar<br />

documentado. Ou seja, é um docudrama,<br />

mais brilhante do que os habituais<br />

docudramas...<br />

... o que ia dizer era que os seus<br />

documentários parecem mais<br />

obceca<strong>dos</strong> pelas personagens do<br />

que as ficções... e o que acaba <strong>de</strong><br />

acrescentar não contraria isso,<br />

já que consi<strong>de</strong>ra “Reveses da<br />

Fortuna” um documentário...<br />

É engraçado que diga isso, porque<br />

mesmo nos documentários o que me<br />

apaixona são os aspectos <strong>de</strong> ficção.<br />

No caso do filme sobre Vergès, a música<br />

sublinha tudo o que é ficção. Ou<br />

seja, temos o tema <strong>de</strong> Djamila, temos<br />

o tema <strong>de</strong> Magdalena [Kopp, militante<br />

extremista alemã, foi casada com<br />

Carlos, <strong>de</strong> quem teve uma filha], que<br />

é uma versão pervertida do tema <strong>de</strong><br />

Djamila, etc. Ou seja, todas as histórias<br />

<strong>de</strong> amor são traduzidas pela música.<br />

Quando fala em ficção, fala<br />

também nas ficções que as<br />

personagens inventam...<br />

Sim, isso também faz parte do filme.<br />

No filme sobre Idi Amin Dada, a ficção<br />

tem um papel enorme: às tantas convenço-o<br />

a fazer um conselho <strong>de</strong> minstros,<br />

coisa que não havia porque ele<br />

era um ditador. Desafio-o, e o mais<br />

extraordinário é que esse conselho<br />

<strong>de</strong> ministros organiza-se. Era falso,<br />

porque era feito para o filme, mas essa<br />

falsida<strong>de</strong> acaba por ser mais reveladora<br />

do que um documentário.<br />

Estas personagens, que estão<br />

no limite <strong>de</strong> uma humanida<strong>de</strong>,<br />

ficam muito tempo na sua<br />

cabeça?<br />

Sim, mas ao mesmo tempo elas fazem<br />

parte <strong>de</strong> uma narrativa. E o que conta<br />

é a narrativa que se construiu com<br />

elas. Algo com um início, meio e fim.<br />

JACK GUEZ/AFP


João Canijo continua<br />

do submundo po<br />

Rita Blanco disse-lhe que “achava<br />

porreiro” não continuar a fazer fi lmes<br />

<strong>de</strong>le “em que tudo acabasse mal”.<br />

Não sabemos se o realizador lhe fez a<br />

vonta<strong>de</strong>, não há re<strong>de</strong>nção para o país<br />

que ele tem vindo a fi lmar, inestético,<br />

sórdido, sufocante. João Canijo está<br />

a rodar o seu novo fi lme, “Sangue<br />

do Meu Sangue”, no subúrbio. “O<br />

subúrbio é o país.”. Kathleen Gomes<br />

(texto) e Nuno Ferreira Santos (fotos)<br />

Vai-se à procura do que a imprensa<br />

publicou no último ano sobre o Bairro<br />

Padre Cruz, na periferia <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>,<br />

e dá-se com isto:<br />

“Abuso <strong>de</strong> colega no WC da escola”<br />

“Discussão entre amigos acaba em<br />

facada mortal”<br />

“Assassina amigo por vingança”<br />

“Presos por tráfico e posse ilegal <strong>de</strong><br />

armas”<br />

“Gang parte cabeça <strong>de</strong> taxista a soco”<br />

Essa geografia suburbana que aparece<br />

nos tablói<strong>de</strong>s pelas piores razões<br />

e que o país se habituou a ver como<br />

ameaçadora e impenetrável é o coração<br />

do filme que João Canijo está a<br />

rodar há mais <strong>de</strong> duas semanas.<br />

Visto da estrada que leva a Telheiras,<br />

o Bairro Padre Cruz é um quadriculado<br />

<strong>de</strong> casinhas brancas entre árvores<br />

– um <strong>de</strong>clive ao sol, como um<br />

cemitério. Visto <strong>de</strong> perto, há assadores<br />

à porta <strong>de</strong> casa, cães nervosos,<br />

gente <strong>de</strong> pijama na rua, vento nas árvores.<br />

Iniciado em 1960, no regime<br />

salazarista, é a prova <strong>de</strong> que a província<br />

não acaba on<strong>de</strong> a cida<strong>de</strong> começa.<br />

Uma al<strong>de</strong>ia portuguesa, com certeza.<br />

“O bairro foi feito para os cantoneiros<br />

da Câmara. E os cantoneiros vinham<br />

da província”, explica João Canijo.<br />

“Até final <strong>dos</strong> anos 70 era uma<br />

al<strong>de</strong>ia às portas <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>: recriaram<br />

o ambiente <strong>de</strong> província, faziam a vida<br />

que faziam na al<strong>de</strong>ia, cada um tinha<br />

o seu quintalinho.”<br />

Se estamos aqui é porque ele, Canijo,<br />

resto <strong>de</strong> cigarrilha na boca, prossegue<br />

a sua investigação singular:<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2001, com “Ganhar a Vida”,<br />

tem vindo a fazer o retrato do país<br />

que preferimos não ver, inestético,<br />

sórdido, sufocante. A exposição do<br />

submundo português: <strong>de</strong>pois da emigração<br />

(“Ganhar a Vida”), da vida <strong>de</strong><br />

alterne (“Noite Escura”), do Portugal<br />

rural (“Mal Nascida”), e <strong>de</strong> um documentário<br />

ainda em sala que mostra o<br />

12 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

país salazarista como um espelho do<br />

presente (“Fantasia Lusitana”), o realizador<br />

veio para o subúrbio, filmar<br />

“Sangue do Meu Sangue”. “O subúrbio<br />

é o país”, diz. Uma violência, sim,<br />

mas não como imaginamos: existências<br />

emparedadas em prédios <strong>de</strong> 15<br />

andares, zero <strong>de</strong> vida comunitária,<br />

um crime urbanístico, antes <strong>de</strong> mais,<br />

acusa. “O subúrbio é muito pior do<br />

que aquilo que se pensa. Aqui [no<br />

Bairro Padre Cruz], as pessoas ainda<br />

têm alguma individualida<strong>de</strong>, algum<br />

espaço. No subúrbio verda<strong>de</strong>iro não<br />

há nada. O que vale é que não têm<br />

tempo para ter essa consciência, senão<br />

matavam-se to<strong>dos</strong>.”<br />

Amor em condições<br />

extremas<br />

A escolha do meio on<strong>de</strong> ambienta os<br />

seus filmes é menos programada do<br />

que po<strong>de</strong> parecer. Trabalha como um<br />

filósofo. Ou seja, parte <strong>de</strong> perguntas.<br />

No princípio <strong>de</strong> “Noite Escura”, por<br />

exemplo, havia a equação: on<strong>de</strong> é que<br />

a tragédia po<strong>de</strong> ser mais indiferente?<br />

Resposta: no mundo <strong>de</strong> representação<br />

permanente que é uma casa <strong>de</strong><br />

alterne.<br />

A ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> um filme,<br />

no caso <strong>de</strong>le é: primeiro, pensa nos<br />

actores com os quais quer trabalhar,<br />

<strong>de</strong>pois na pergunta que é um princípio<br />

<strong>de</strong> narrativa, e é a resposta que<br />

<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> o contexto. A pergunta que<br />

está na base <strong>de</strong> “Sangue do Meu Sangue”<br />

(e que, <strong>de</strong> novo, parece o tubo<br />

<strong>de</strong> ensaio para testar os limites do humano)<br />

é: on<strong>de</strong> é que o amor consegue<br />

sobreviver em condições extremas?<br />

Oiçam-no: “‘Mal Nascida’ era sobre<br />

a falta <strong>de</strong> amor, ou a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

amar, e este filme sempre foi sobre o<br />

amor incondicional. Portanto: sentimentos<br />

fortes. Pareceu-me uma evidência<br />

que num meio social on<strong>de</strong> a<br />

luta pela sobrevivência ocupa o tempo<br />

todo, não há reflexão consciente<br />

sobre os sentimentos, não há uma<br />

“O subúrbio é muito<br />

pior do que aquilo<br />

que se pensa. Aqui<br />

[Bairro Padre Cruz],<br />

as pessoas ainda<br />

têm alguma<br />

individualida<strong>de</strong>.<br />

No subúrbio<br />

verda<strong>de</strong>iro não há<br />

nada. O que vale é que<br />

não têm tempo para<br />

ter essa consciência,<br />

senão matavam-se<br />

to<strong>dos</strong>” João Canijo<br />

elaboração intelectual. Don<strong>de</strong>, os sentimentos<br />

saem <strong>de</strong> uma maneira mais<br />

visceral. Daí a escolha da classe social,<br />

<strong>de</strong> um bairro suburbano.”<br />

O risco é palpável: escorregar no<br />

superficial, cair na caricatura. E o caminho<br />

costuma estar cheio <strong>de</strong> armadilhas,<br />

que o país televisivo cristalizou<br />

no imaginário colectivo como sinais<br />

exteriores da cultura popular: o folclore,<br />

o “kitsch”, a fealda<strong>de</strong>. Canijo<br />

não se acerca <strong>de</strong>sse universo para o<br />

glamorizar ou sanear e tem sabido<br />

transcen<strong>de</strong>r o imediatismo do pressuposto<br />

<strong>de</strong> base, dando-lhe profundida<strong>de</strong>.<br />

Reparem como fala <strong>de</strong> “Sangue<br />

do Meu Sangue” no pretérito<br />

perfeito: “este filme sempre foi...” É<br />

que antes <strong>de</strong> começar a filmar, há um<br />

trabalho <strong>de</strong> casa exaustivo (“obsessivo”<br />

é a palavra que as pessoas à sua<br />

volta mais repetem quando falam do<br />

realizador), uma pesquisa tremenda,<br />

uma disponibilida<strong>de</strong> para mergulhar<br />

no meio que preten<strong>de</strong> filmar e <strong>de</strong>ixarse<br />

impregnar pela realida<strong>de</strong>. “O João<br />

Canijo andou aqui no Bairro Padre<br />

Cruz a entrevistar pessoas e a filmálas,<br />

e <strong>de</strong>u um DVD a to<strong>dos</strong> os actores<br />

para estudarem”, diz Anabela Moreira,<br />

que começou a trabalhar com o<br />

realizador em “Noite Escura” (pequeno<br />

papel, como prostituta), protagonizou<br />

“Mal Nascida” e reinci<strong>de</strong> em<br />

“Sangue do Meu Sangue”.<br />

Antes <strong>de</strong> serem ficções, portanto,<br />

os filmes <strong>de</strong> Canijo são documentais<br />

– “décors”, argumento, interpretação,<br />

tudo parece tocado pelo contágio do<br />

real.<br />

“O que ele quer é isto, a realida<strong>de</strong>”,<br />

diz José Pedro Penha Lopes, director<br />

<strong>de</strong> arte, fechando o seu MacBook, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> mostrar fotografias <strong>de</strong> interiores<br />

<strong>de</strong> casas do Bairro Padre Cruz<br />

que serviram <strong>de</strong> referência para o<br />

“décor”. Mobília barata, flores <strong>de</strong><br />

plástico, quadros <strong>de</strong> feiras, bibelôs<br />

chineses, naperons, can<strong>de</strong>eiro <strong>de</strong> latão,<br />

molduras <strong>de</strong> fotografias, chão <strong>de</strong><br />

mosaico, TV gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> ecrã plano,<br />

uma exuberância pobre. Tudo isto


a exposição<br />

ortuguês<br />

Cinema<br />

está na sala <strong>de</strong> estar da casa Fialho, a<br />

família central <strong>de</strong> “Sangue do Meu<br />

Sangue”, e até o director <strong>de</strong> arte mostrar<br />

as imagens do espaço original<br />

(uma casa <strong>de</strong>socupada, com dois pisos,<br />

no extremo da Rua do Rio Sabor),<br />

nada fazia suspeitar que se tratava <strong>de</strong><br />

um “plateau” montado para o filme.<br />

Parece autêntico. “Tudo o que lá está<br />

foi posto. Se a casa parece genuína, é<br />

um elogio”, diz José Pedro Penha Lopes.<br />

O “décor” é apertado. Nenhuma<br />

assoalhada na Casa Fialho tem mais<br />

<strong>de</strong> dois metros quadra<strong>dos</strong>. A câmara<br />

vem para a sala <strong>de</strong> estar, que foi previamente<br />

esvaziada, e ocupa-a quase<br />

inteiramente. O espaço é tão limitado<br />

que, sempre que alguém se movimenta,<br />

os outros são força<strong>dos</strong> a moveremse<br />

também, como uma reacção em<br />

ca<strong>de</strong>ia. Pior quando se é fotógrafo: é<br />

preciso ganhar proximida<strong>de</strong>, tornarse<br />

pequeno, trepar pare<strong>de</strong>s.<br />

Canijo e os actores estão ao lado,<br />

na cozinha, on<strong>de</strong> a acção tem lugar.<br />

Ensaios, perguntas, afinações. Canijo<br />

permanecerá sempre junto aos actores,<br />

mesmo quando a câmara já estiver<br />

a rodar, e não frente ao monitor<br />

<strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o, que está na sala. “Ali não os<br />

consigo ver”, justifica. Sobre a porta<br />

que liga a sala à cozinha, há uma reprodução<br />

da Última Ceia. Em baixo,<br />

a câmara filma uma família à mesa.<br />

Nota <strong>de</strong> intenções do filme: “Esta é a<br />

história <strong>de</strong> uma família que vive num<br />

bairro camarário nos arredores <strong>de</strong><br />

<strong>Lisboa</strong>. E <strong>de</strong> como, no espaço <strong>de</strong> uma<br />

semana, a pacatez das suas vidas vai<br />

ser abalada para sempre.”<br />

Como noutros filmes <strong>de</strong> Canijo (“Filha<br />

da Mãe”, “Noite Escura”, “Mal<br />

Nascida”), o incesto faz parte da linha<br />

narrativa <strong>de</strong> “Sangue do Meu Sangue”.<br />

Talvez seja do convívio com as<br />

tragédias gregas (as últimas três ficções<br />

do realizador foram todas versões<br />

<strong>de</strong> tragédias, incluindo “Electra”)<br />

ou talvez seja porque o seu cinema é<br />

um laboratório para o monstruo-<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 13


CLÁUDIA ANDRADE<br />

Diz Canijo,<br />

referindo-se<br />

ao método da<br />

sua actriz, que<br />

Anabela<br />

Moreira “tem<br />

a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ser maluca e<br />

sujeita-se a<br />

isso”. Para<br />

“Mal<br />

Nascida”,<br />

cuidou <strong>de</strong><br />

animais,<br />

engordou 25<br />

quilos (em<br />

baixo)<br />

Quando João Canijo lhe pediu<br />

para fazer “Mal Nascida”, no<br />

dia seguinte Anabela Moreira<br />

estava a caminho <strong>de</strong> Co<strong>de</strong>çoso,<br />

Minho, a al<strong>de</strong>ia on<strong>de</strong> o fi lme foi<br />

rodado. Mais provas da entrega<br />

com que se atirou ao papel:<br />

passou um mês com a família<br />

que vivia no “décor”, cuidou <strong>de</strong><br />

animais, engordou 25 quilos<br />

– i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>la. “Quase todas as<br />

pessoas daquela al<strong>de</strong>ia tinham<br />

uma corporalida<strong>de</strong> diferente<br />

da minha, eu ali no meio quase<br />

parecia uma mo<strong>de</strong>lo.”<br />

João Canijo: “A Anabela tem<br />

a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser maluca<br />

e sujeita-se a isso. Mas não<br />

consigo que os outros actores<br />

façam isso. E isso é um<br />

<strong>de</strong>feito português, porque<br />

os americanos fazem-no. O<br />

exemplo clássico é o Robert<br />

De Niro andar a conduzir táxis<br />

em Nova Iorque durante seis<br />

meses. Não é uma questão <strong>de</strong><br />

imitação, é uma questão <strong>de</strong><br />

ser contagiado. E o contágio,<br />

só com a continuida<strong>de</strong>, com a<br />

insistência...”<br />

Para “Sangue do Meu<br />

Sangue”, Canijo pediu à actriz<br />

para ir viver para o Bairro<br />

Padre Cruz, durante “15 dias”.<br />

E ela foi fi cando. As fi lmagens<br />

no “décor” já começaram e ela<br />

continua a viver lá. “Arrisquei<br />

fi car mais tempo. Mas nunca<br />

pensei continuar aqui durante<br />

as fi lmagens”, diz. A verda<strong>de</strong><br />

é que isso se começou a notar<br />

no seu trabalho. “Os ensaios<br />

que o João Canijo fez com os<br />

actores foram sendo fi lma<strong>dos</strong> e<br />

houve uma gran<strong>de</strong> diferença da<br />

minha parte em relação ao que<br />

já tínhamos feito. Estava mais<br />

dura, dur com um ar mais pesado.”<br />

É um método que lhe vai<br />

bem. be Quando já estava a viver<br />

no “décor” do fi lme, Anabela<br />

pparticipou<br />

num “workshop”<br />

no Teatro D. Maria II sobre<br />

a técnica Stanislavski e<br />

lembra-se <strong>de</strong> ter ouvido a<br />

frase: “Ser-se actor <strong>de</strong>ixa<br />

marcas”.<br />

O método <strong>de</strong> Canijo,<br />

justifi ca, “é uma tentativa<br />

<strong>de</strong> aproximação à<br />

personagem para que<br />

não parta tudo <strong>de</strong> um<br />

‘cliché’. ‘ Não é que eu sirva<br />

<strong>de</strong> d referência, mas já me<br />

aconteceu aco ver os outros actores<br />

a representarem re<br />

uma cena e<br />

dize dizer: ‘É isso mesmo’. Ou: ‘Uma<br />

pess pessoa daqui nunca falaria<br />

14 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Anabela Moreira<br />

actriz do método<br />

Canijo pediu à actriz para ir viver para o Bairro Padre<br />

Cruz, durante “15 dias, mais ou menos”. Ela foi fi cando. As<br />

fi lmagens já começaram e ela continua a viver lá.<br />

assim.’ Os ‘clichés’ do que é<br />

ser pobre e viver no Bairro<br />

Padre Cruz acabam por ser<br />

<strong>de</strong>smistifi ca<strong>dos</strong>. Esses ‘clichés’<br />

são os maiores obstáculos<br />

quando se procura a verda<strong>de</strong><br />

enquanto actor.”<br />

Não é só uma questão <strong>de</strong> ser<br />

contagiado nos pormenores,<br />

“coisas subtis” – como “falar<br />

com as pessoas no café e <strong>de</strong>ixar<br />

ser corrompida pelo português<br />

<strong>de</strong>las”. É procurar enten<strong>de</strong>r as<br />

pessoas, com a disponibilida<strong>de</strong><br />

do olhar – <strong>de</strong> qualquer forma,<br />

ser actor é uma ciência humana,<br />

daí a empatia que muitos criam<br />

com as suas personagens, por<br />

mais sórdidas que possam<br />

ser. “A maioria das pessoas da<br />

equipa, quando chegou aqui o<br />

primeiro dia para fi lmar, fi cou<br />

horrorizada com os vizinhos<br />

do lado, o senhor António e a<br />

dona Manuela, com o cheiro, a<br />

linguagem, a forma como eles<br />

vivem. Ao fi m <strong>de</strong> algum tempo<br />

<strong>de</strong> estar aqui, o sentimento que<br />

eu tinha em relação a eles é<br />

diferente. Vivem num estado <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>silusão total com a vida. Só<br />

estão a tentar sobreviver. E isso<br />

é que o João Canijo está a tentar<br />

Anabela participou<br />

num “workshop”<br />

no D. Maria II sobre<br />

Stanislavski e<br />

lembra-se <strong>de</strong> ouvir<br />

a frase: “Ser-se actor<br />

<strong>de</strong>ixa marcas”<br />

fazer com este fi lme: como é que<br />

o amor sobrevive em condições<br />

extremas.”<br />

Mas Anabela faz questão<br />

<strong>de</strong> dizer que “não é <strong>de</strong>fensora<br />

<strong>de</strong> nada”. “Não acho que<br />

exista um método. Cada actor<br />

vai <strong>de</strong>scobrindo como é que<br />

funciona melhor. Isto também é<br />

contraproducente, o que estou a<br />

fazer. Quando chega a altura da<br />

rodagem <strong>de</strong>ves estar relaxada,<br />

para conseguires fazer o<br />

melhor. Ao estar a fazer esta<br />

experiência, estou um pouco<br />

cansada. Não vim para aqui com<br />

o meu iPod, não trouxe o meu<br />

computador. Não vim para aqui<br />

viver outra coisa.”<br />

As pessoas do bairro sabem<br />

que ela é actriz? “Algumas<br />

sabem mas esquecem-se. No<br />

princípio pensavam que eu era<br />

da Câmara, ou assistente social.<br />

Estive três dias fora, em casa, e<br />

o vizinho do lado perguntou: ‘A<br />

menina não esteve aqui, on<strong>de</strong> é<br />

que andou?’ Esquecem-se que<br />

sou actriz. Também porque, na<br />

cabeça <strong>de</strong>les, ser actriz não é<br />

isto. Associam um actor a um<br />

estilo <strong>de</strong> vida. Vêem a equipa,<br />

vêem as câmaras, e mesmo<br />

assim não têm noção.” K.G.<br />

“Ele [ João Canijo]<br />

enten<strong>de</strong> os actores<br />

como ninguém”<br />

Rita Blanco<br />

samente humano. Na génese, houve<br />

a pergunta: “O que é que representaria<br />

mais o amor incondicional entre<br />

uma mãe e uma filha? A mãe escon<strong>de</strong><br />

à filha que esta está a ter uma relação<br />

<strong>de</strong> incesto com o pai. Porque é que<br />

ela não conta logo à filha, quando <strong>de</strong>scobre?”<br />

A resposta, diz Canijo, só podia<br />

ter vindo <strong>de</strong> uma mulher. “Porque,<br />

se a filha não souber, não aconteceu<br />

para a filha. Isto é a <strong>de</strong>scoberta<br />

da Rita [Blanco]. Nunca um homem<br />

chegaria lá. Eu estive uma semana a<br />

pensar: porque é que uma mãe não<br />

diz à filha?”<br />

Cassavetes, Mike Leigh...<br />

Em 2006, João Canijo e Rita Blanco<br />

fizeram juntos um espectáculo, “Improviso<br />

Encenado”, apresentado no<br />

CCB, durante o Festival Temps<br />

d’Images. Definiu-se que Blanco e Vera<br />

Barreto, aluna do Conservatório,<br />

fariam <strong>de</strong> mãe e filha, e o fio dramatúrgico<br />

foi aparecendo através <strong>de</strong> um<br />

processo <strong>de</strong> improvisos e ensaios, em<br />

que as duas actrizes iam reagindo<br />

uma à outra enquanto personagens.<br />

De certa forma, Canijo quis prolongar<br />

essa experiência em “Sangue do Meu<br />

Sangue”. Depois <strong>de</strong> “Improviso Encenado”,<br />

explica Rita Blanco, “o João<br />

disse: ‘E agora, o que vamos fazer? E<br />

eu disse que achava porreiro não continuar<br />

a fazer filmes do João em que<br />

tudo acabasse mal. O João disse: ‘Quero<br />

falar sobre o amor incondicional.’”<br />

A “i<strong>de</strong>ia da abnegação”, em que “preferimos<br />

morrer para que o outro possa<br />

sobreviver”, agradou à actriz.<br />

A i<strong>de</strong>ia era ter Rita Blanco e Vera<br />

Barreto, <strong>de</strong> novo, como mãe e filha.<br />

Mas Barreto foi substituída por Cleia<br />

Almeida (a filha mais nova <strong>de</strong> “Noite<br />

Escura”).<br />

“O filme foi escrito com os actores<br />

durante dois anos <strong>de</strong> ensaios”, diz<br />

Canijo. “As personagens são construídas<br />

por eles.” O método foi o mesmo<br />

<strong>de</strong> “Improviso Encenado”: reacção,<br />

improviso. E assim foi nascendo um<br />

argumento. “Isto é mais Cassavetes”,<br />

diz. Nós pensamos em Mike Leigh (até<br />

porque “Sangue do Meu Sangue” soa<br />

como o “kitchen sink drama” <strong>de</strong> Canijo),<br />

que também faz ensaios “teatrais”<br />

com os seus actores antes <strong>de</strong><br />

começar a rodar. “Quando disse Cassavetes,<br />

também podia dizer Mike<br />

Leigh”, corrobora Canijo.<br />

Que se saiba, não há outro realizador<br />

português a trabalhar assim. Canijo<br />

diz que neste filme (produzido<br />

pela Midas) consegue levar mais longe<br />

o que sempre quis fazer, mas nunca<br />

conseguiu “dada a falta <strong>de</strong> interesse<br />

e <strong>de</strong> perspectiva estratégica do<br />

anterior produtor”, Paulo Branco,<br />

com o qual rompeu <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Mal<br />

Nascida”. “Suspeito que todas as pessoas<br />

minimamente inteligentes gostariam<br />

<strong>de</strong> trabalhar assim”, diz, mas<br />

os produtores “pensam que é mais<br />

caro”. Dois anos a fazer ensaios significa<br />

pagar a actores durante dois<br />

anos.<br />

A vantagem é que quando se “faz a<br />

cena”, já não precisa <strong>de</strong> dirigir. “Aliás,<br />

dirigir não tem interesse. Não faz sentido<br />

impor uma interpretação a um<br />

intérprete.” É um processo generoso<br />

para os actores. “É muito bom trabalhar<br />

assim porque temos mais tempo<br />

para perceber e mais espaço para intervir”,<br />

diz Rita Blanco. “Ele põe os<br />

actores nisso. E isso passa a ser um<br />

problema também teu. Fazer uma<br />

personagem só para fazer um papel<br />

não me interessa.” E, a seguir: “Ele já<br />

dirigiu mais os actores, já largou isso.<br />

É um sinal <strong>de</strong> evolução. Um bom director<br />

é um director que dá material<br />

aos actores para eles trabalharem e<br />

que sabe on<strong>de</strong> quer chegar.” Isso é<br />

algo que os actores repetem: “O João<br />

Canijo sabe perfeitamente o que<br />

quer” (Marcello Urgeghe). “Ele agarra<br />

em certas coisas que tu dizes e<br />

quando lhe interessa acaba por te levar,<br />

sem perceberes, para uma <strong>de</strong>terminada<br />

construção”, explica Anabela<br />

Moreira. “E muitas vezes não te<br />

impõe, mas pergunta: ‘Porque é que<br />

estás a dizer isto?’ Ou: ‘Porque é que<br />

não fazes isto assim e assim?’ Ele quer<br />

que <strong>de</strong>scubras <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> ti o porquê<br />

para ser como ele quer e, <strong>de</strong> repente,<br />

olhas para o guião e dizes: ‘Meu <strong>de</strong>us,<br />

eu criei esta monstruosida<strong>de</strong> que está<br />

aqui?’ Mas foi ele que te levou para<br />

ali sem te aperceberes 100 por cento.<br />

E quando te apercebes, ele tem toda<br />

a razão. Ele está <strong>de</strong> fora, a ver com<br />

mais objectivida<strong>de</strong> do que nós, que<br />

estamos envolvi<strong>dos</strong>.”<br />

Rita Blanco: “Ele enten<strong>de</strong> os actores<br />

como ninguém”. Anabela Moreira:<br />

“Somos co-autores. Foi um gran<strong>de</strong><br />

elogio ele dizer: acredito em ti para<br />

criar o meu argumento”. Marcello<br />

Urgeghe: “Ele não tem medo <strong>de</strong> passar<br />

horas a pensar. Eu também não<br />

– aqui encontramo-nos. Representar<br />

é perguntar: ‘Como é que se faz?’ É<br />

uma equação, é matemática pura.”<br />

No processo <strong>de</strong> ensaios <strong>de</strong>senhouse,<br />

inclusivamente, a biografia das<br />

personagens, a história passada, informação<br />

que não tem <strong>de</strong> estar no<br />

filme, mas que é matéria-prima para<br />

os actores – “para, no momento, usares<br />

tudo o que sabes, se quiseres”, diz<br />

Urgeghe. “É tudo matéria para se perceber<br />

porque é que se faz assim e não<br />

se faz assado.”<br />

Rita sob infl uência<br />

Tal como nos anteriores filmes, Canijo<br />

pediu aos actores para fazerem um<br />

“estágio” <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>: em “Sangue<br />

Em “Sangue<br />

do Meu<br />

Sangue” uma<br />

mãe (Rita<br />

Blanco)<br />

escon<strong>de</strong> à<br />

filha que esta<br />

está a ter uma<br />

relação <strong>de</strong><br />

incesto com o<br />

pai...


do Meu Sangue”, Rita Blanco interpreta<br />

a mãe da família, Márcia, que é<br />

cozinheira num restaurante, por isso<br />

a actriz trabalhou na cozinha <strong>de</strong> três<br />

restaurantes; Cleia Almeida, que interpreta<br />

a filha, trabalhou como caixa<br />

<strong>de</strong> supermercado, porque é o emprego<br />

“part-time” da sua personagem;<br />

Anabela Moreira esteve num salão <strong>de</strong><br />

cabeleireiro no Centro Comercial Babilónia,<br />

na Amadora; Marcello Urgeghe<br />

conheceu médicos oncologistas<br />

por causa do filme.<br />

Rita Blanco lembra que quando<br />

começou a trabalhar em “Ganhar a<br />

Vida” – “tour <strong>de</strong> force” para uma actriz<br />

que estávamos habitua<strong>dos</strong> a ver<br />

como uma espécie <strong>de</strong> bobo acutilante<br />

e que aqui revelou a sua gravida<strong>de</strong><br />

dramática – vinha <strong>de</strong> um processo<br />

intenso <strong>de</strong> filmagens da série da RTP,<br />

“Conta-me Como Foi”. “Tinha acabado<br />

<strong>de</strong> dar <strong>de</strong> mamar durante nove<br />

meses, to<strong>dos</strong> os dias, <strong>de</strong> três em três<br />

horas, durante as filmagens. Disseram-me:<br />

‘Tens <strong>de</strong> parar, senão morres.’<br />

Quando acabei fui para França<br />

fazer ‘Ganhar a Vida” e no primeiro<br />

dia o João Canijo quis que eu fizesse<br />

um curso <strong>de</strong> máquinas <strong>de</strong> limpeza.<br />

Mas isso era porque ele queria que eu<br />

estivesse com má cara. Os realizadores<br />

ven<strong>de</strong>m a mãe por um bom plano...”<br />

Repete a última frase alto, à<br />

procura <strong>de</strong> Canijo. “Ouviste? É assim<br />

que termina a minha entrevista.”<br />

Entre ela, actriz, e ele, realizador,<br />

há uma cumplicida<strong>de</strong> única. Des<strong>de</strong><br />

“‘Mal Nascida’ era<br />

sobre a falta <strong>de</strong> amor,<br />

ou a incapacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> amar, e este filme<br />

sempre foi sobre<br />

o amor incondicional.<br />

Num meio social on<strong>de</strong><br />

a luta pela<br />

sobrevivência ocupa<br />

o tempo todo, não há<br />

reflexão consciente<br />

sobre os sentimentos,<br />

não há elaboração<br />

intelectual. Don<strong>de</strong>,<br />

os sentimentos saem<br />

<strong>de</strong> maneira mais<br />

visceral”<br />

João Canijo<br />

que ele a <strong>de</strong>scobriu, num “casting”<br />

para um filme francês “financiado<br />

pela máfia siciliana”, on<strong>de</strong> trabalhava<br />

como assistente <strong>de</strong> realização (“Le<br />

cercle <strong>de</strong>s passions”, <strong>de</strong> Clau<strong>de</strong><br />

D’Anna, 1983), nunca mais <strong>de</strong>ixaram<br />

<strong>de</strong> se reencontrar no cinema. Canijo<br />

diz que os seus filmes “são escritos<br />

para ela”. “Há um entendimento mútuo,<br />

é como se tivéssemos feito os<br />

<strong>de</strong>graus juntos”, explica Rita Blanco.<br />

“Houve uma fase em que não pu<strong>de</strong>mos<br />

trabalhar juntos: ele já tinha criado<br />

uma imagem cristalizada do que<br />

queria <strong>de</strong> mim. Foi preciso <strong>de</strong>itar fora<br />

algumas <strong>de</strong>pendências que não<br />

eram felizes para o trabalho.”<br />

Será essa relação cúmplice e antiga<br />

que lhe dá corda para ela dominar o<br />

“plateau”. Como uma criança hiperactiva,<br />

Rita Blanco provoca os outros,<br />

espicaça o realizador, finta a<br />

espera e o aborrecimento que existe<br />

numa rodagem com a sua galhofice<br />

irrequieta.<br />

Cena 34, take 2.<br />

Rita Blanco – Por mim, esta está<br />

feita.<br />

João Canijo – Não.<br />

Rita Blanco – É esta que eu quero.<br />

João Canijo – Ah, mas é que isto vaise<br />

<strong>de</strong>scobrindo...<br />

Rita Blanco – I shall only do this<br />

again once.<br />

João Canijo – All the times necessary.<br />

Três dias <strong>de</strong>pois, a equipa está a<br />

filmar na Aroeira, margem sul, noite<br />

<strong>de</strong>ntro. Casa <strong>de</strong> arquitecto, mobiliário<br />

<strong>de</strong> autor, livros <strong>de</strong> arte, lareira, exterior<br />

em vidro, espaços generosos. O<br />

contraste com o “décor” do Bairro<br />

Padre Cruz não podia ser maior. No<br />

filme, esta é casa do casal Vieira (Marcello<br />

Urgeghe e Beatriz Batarda). Ele<br />

é médico e pai da filha <strong>de</strong> Márcia (Rita<br />

Blanco). Márcia aparece uma noite<br />

para o confrontar e fazer um ultimato.<br />

Os actores ensaiam.<br />

Rita Blanco – Eu por mim não dizia<br />

a primeira frase.<br />

João Canijo – Ó Rita, ‘tá sossegada.<br />

Posso ver?<br />

Rita Blanco – Só po<strong>de</strong>s ver <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> eu experimentar?<br />

João Canijo [para fora] – Dá aí o livro!<br />

“O livro” é um volume <strong>de</strong> 313 páginas<br />

A4, com os diálogos bati<strong>dos</strong> no<br />

computador, mas também o “croquis”<br />

<strong>de</strong> cada cena, com indicações<br />

<strong>dos</strong> movimentos <strong>dos</strong> actores e o tipo<br />

<strong>de</strong> plano e, neste caso, reproduções<br />

<strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> “Uma Mulher Sob Influência”<br />

(1974), <strong>de</strong> John Cassavetes.<br />

Na capa, o título que se lê é “Sangue<br />

do Meu Sangue, Sangue da Minha Alma”.<br />

Canijo explica que o projecto<br />

inicial era um díptico: dois filmes liga<strong>dos</strong>,<br />

cada um centrado em diferentes<br />

elementos da família do subúrbio<br />

– um na relação mãe e filha, outro na<br />

relação tia e sobrinho (Anabela Moreira<br />

e Rafael Marques). No final, uma<br />

montagem <strong>dos</strong> dois filmes resultaria<br />

numa série <strong>de</strong> televisão <strong>de</strong> quatro<br />

episódios. A proposta foi apresentada<br />

à RTP, que nunca respon<strong>de</strong>u, e ao<br />

FICA (Fundo <strong>de</strong> Investimento do Cinema<br />

e Audiovisual), que está <strong>de</strong>ficitário,<br />

<strong>de</strong>vido a problemas <strong>de</strong> gestão.<br />

Por falta <strong>de</strong> investimento, o realizador<br />

abandonou a i<strong>de</strong>ia.<br />

Cena 34, “take” 7. Rita Blanco (Márcia)<br />

sobe as escadas da casa <strong>de</strong> arquitecto<br />

com as suas sandálias <strong>de</strong> plástico<br />

barato. Afogueada, dirige-se a Beatriz<br />

Batarda (Maria da Luz).<br />

Márcia – Peço <strong>de</strong>sculpa por vir a<br />

esta hora, mas é uma urgência. Isto é<br />

um caso <strong>de</strong> vida ou <strong>de</strong> morte. Preciso<br />

<strong>de</strong> falar com o doutor Vieira. Diga-lhe<br />

que é a Márcia do Bairro Padre<br />

Cruz.<br />

Maria da Luz – Bairro quê, <strong>de</strong>sculpe?<br />

Márcia – Padre Cruz.<br />

MESTRADOS<br />

www.ipleiria.pt<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 15


16 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

1.<br />

Quando adoeceu – e pensou que morria<br />

– pediu que lhe trouxessem um<br />

ca<strong>de</strong>rno e um lápis, e escreveu:<br />

“Numa tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> Primavera <strong>de</strong> 1890,<br />

um jovem observava do alto da avenida<br />

Primorsky o movimento <strong>dos</strong><br />

barcos no porto <strong>de</strong> O<strong>de</strong>ssa.”<br />

Escreveu uma frase e <strong>de</strong>pois outra.<br />

Um parágrafo e <strong>de</strong>pois outro. Um<br />

conto e <strong>de</strong>pois outro. Um livro e <strong>de</strong>pois<br />

outro.<br />

É verda<strong>de</strong> que os livros tinham começado<br />

a escrever-se muito antes <strong>de</strong><br />

pedir esse ca<strong>de</strong>rno e esse lápis, antes<br />

<strong>de</strong>sse dia no hospital em que percebeu<br />

que a vida era, como o mundo e<br />

Deus teimavam, curta.<br />

Os livros tinham começado a escrever-se<br />

quando filmava, um impulso<br />

semelhante <strong>de</strong> fazer perguntas em<br />

Edgardo Cozarinsky<br />

Sou uma mentira<br />

que diz sempre a ve<br />

Já lhe chamaram o Joseph Roth das Pampas e apetece-nos dizer que é o SSebald<br />

Sebald argentino.<br />

Edgardo Cozarinsky, experiente realizador e jovem escritor, nunca esteve longe longge<br />

<strong>de</strong> Portugal. Agora<br />

que visita o Alentejo para o seminário sobre cinema documental, Doc’s King Kingdom, gdom, já não temos<br />

<strong>de</strong>sculpa para não conhecer Egardo Cozarinsky. Susana Moreira Marq Marques, ques, em Paris<br />

Cinema<br />

“La guerre<br />

d’un seul<br />

homme”,<br />

filme-ensaio<br />

sobre a<br />

ocupação nazi<br />

em França<br />

A ficção é talvez<br />

a única forma<br />

<strong>de</strong> “<strong>de</strong>ixar passar<br />

tudo”, “não fazer<br />

censura”<br />

redor, um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> narrativa. As histórias<br />

tinham começado a escrever-se<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a juventu<strong>de</strong>, observando os barcos<br />

que chegavam ao porto <strong>de</strong> Buenos<br />

Aires, e mais tar<strong>de</strong>, quando começou<br />

a viajar, observando os barcos que<br />

partiam <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> acabavam<br />

continentes, por exemplo <strong>Lisboa</strong>.<br />

Talvez tivesse verda<strong>de</strong>iramente<br />

começado a escrever – sem lápis nem<br />

ca<strong>de</strong>rno – em O<strong>de</strong>ssa, no mesmo lugar<br />

on<strong>de</strong> o avô, no início do século<br />

XX ainda um homem jovem, observava<br />

o movimento <strong>dos</strong> barcos no porto<br />

e tomava coragem para embarcar<br />

num <strong>dos</strong> navios com <strong>de</strong>stino à exótica<br />

América do Sul.<br />

Tudo isto, porque, como escreveu<br />

mais tar<strong>de</strong> estreando o primeiro romance,<br />

“El Rufián Moldavo”, “os contos<br />

não se inventam, herdam-se”.<br />

Ainda no hospital, aos 60 anos,<br />

sem saber que teria ainda tempo para<br />

escrever tantos livros, o cineasta<br />

que sempre tinha querido ser escritor,<br />

terminou o seu primeiro conto,<br />

“La novia <strong>de</strong> O<strong>de</strong>ssa”, como se fosse<br />

o último:<br />

“Pensa também que não tem filhos,<br />

que não conhece os longínquos filhos<br />

<strong>de</strong> tantos primos dispersos por distintos<br />

países, leva<strong>dos</strong> por novos ventos<br />

<strong>de</strong> rigor ou medo. Ocorre-lhe que<br />

ninguém lhe pedirá que preste contas<br />

por não ter transmitido a história. No<br />

entanto, dois dias <strong>de</strong>pois obe<strong>de</strong>ce a<br />

um impulso que não saberia explicar<br />

e começa a escrevê-la em forma <strong>de</strong><br />

conto.”<br />

2.<br />

Depois <strong>de</strong> entrevistar Edgardo Cozarinsky<br />

num café perto da sua casa <strong>de</strong><br />

Paris, on<strong>de</strong> vive a meias com Buenos<br />

Aires, tiro notas sentada à sombra<br />

num <strong>dos</strong> cais do Sena, a olhar para os<br />

barcos eternamente atraca<strong>dos</strong> na<br />

margem, a minha mala <strong>de</strong> viagem aos<br />

pés como uma <strong>de</strong>ssas personagens<br />

da obra <strong>de</strong> Edgardo Cozarinsky: em<br />

trânsito, à procura <strong>de</strong> outras personagens<br />

que talvez guar<strong>de</strong>m a solução<br />

para as suas vidas.<br />

À minha frente, dois adolescentes<br />

com calças militares e t-shirts manchadas<br />

<strong>de</strong> ver<strong>de</strong>-tropa pescam como<br />

se preparassem uma guerra, arrumando<br />

e <strong>de</strong>sarrumando material <strong>de</strong> última<br />

geração <strong>de</strong> aspecto bélico (porque<br />

pescam? o que são um ao outro?). Sentado<br />

a alguns metros à minha direita,<br />

um homem jovem e alto tem as calças<br />

<strong>de</strong> ganga tão rotas que <strong>de</strong>scobrem<br />

<strong>de</strong>scaradamente as pernas enormes<br />

e morenas as (por (porr<br />

<strong>de</strong>sgraça? por moda?),<br />

e ouve um rád rádio dio a pilhas (por nostalgia?<br />

por pobreza?). pobreeza?).<br />

Um rapaz com ar<br />

<strong>de</strong> sul-americano mericano<br />

passa a correr na<br />

hora <strong>de</strong> mais ccalor,<br />

alor, e serpenteia entre<br />

os pinos que lim limitam mitam a margem do rio<br />

(treina para qu quê? uê? porquê?), um aparelhos<br />

nos ouvi<strong>dos</strong><br />

para ouvir uma<br />

batida mo<strong>de</strong>rn mo<strong>de</strong>rna na e outro no braço para<br />

a antiga ga batida batidda<br />

do coração. Do outro<br />

lado do Sena, cchega<br />

chega música <strong>de</strong> testes<br />

<strong>de</strong> som para um<br />

m concerto (tango?<br />

porquê tango argentino em Paris?<br />

porquê quê hoje?). hooje?).<br />

Se isto o foss fosse se ficção, estas<br />

personagens agens e esta situação<br />

não seriam am verosímeis, veerosímeis,<br />

pareceriam<br />

<strong>de</strong>masiado <strong>de</strong>masiiado<br />

inventadas,<br />

propositadas tadas ppara<br />

para um postal<br />

extraordinário dináriio<br />

<strong>de</strong> Paris. E<br />

não sendo do ficç ficção, ção, que é o caso,<br />

não <strong>de</strong>veri <strong>de</strong>veria ia sequer estar<br />

escrito. Estas notas nnotas<br />

são o género<br />

<strong>de</strong> aponta apontamentos amentos que<br />

os jornalistas alistass<br />

guardam<br />

para si próprios, róprioos,<br />

porque<br />

na não-ficção icção é suposto<br />

ser–se objectivo, bjectivvo,<br />

nunca<br />

olhar para ra o lado, la ado, para<br />

o que supostamente<br />

uposttamente<br />

não interessa ressa oou<br />

ou não é<br />

relevante. e.<br />

Edgardo do Coza- Cooza<br />

rinsky, sobretudo obretuudo<br />

conhecido do como commo<br />

documentarisntaris- ta, acabou ou <strong>de</strong><br />

e<br />

me explicar plicarr<br />

que não o gosta gostaa<br />

da palavra vra do<br />

-<br />

cumentário, tárioo,<br />

porque esta pala<br />

vra implica ica que<br />

e é<br />

possível el “do “docuocumentar” ” a realida- reaalida<br />

<strong>de</strong>. “A partir artir ddo<br />

do momento<br />

em m que<br />

apontamos uma<br />

câmara a uma<br />

a pessoa e a filmamos,<br />

ela passa passaa<br />

a ser uma persopersonagem”, , disse disse. .<br />

É sobre re isto e sobre as permanentes<br />

e perm permeáveis meáveis ligações<br />

entre ficção ção e nnão-ficção<br />

não-ficção que ele<br />

vai falar em Serpa, Seerpa,<br />

durante este<br />

fim <strong>de</strong> semana, emanaa,<br />

nos encontros<br />

<strong>de</strong> cinema ma documental,<br />

Doc’s<br />

Kingdom. m.<br />

Olhar para a realida<strong>de</strong> é fazer<br />

perguntas guntas e fazer perguntas<br />

é começar meçar a construir uma<br />

ficção. E a segu seguir, uir, vem a questão<br />

da verda<strong>de</strong>. erda<strong>de</strong>e.<br />

O que é mais<br />

verda<strong>de</strong>: e: a realida<strong>de</strong><br />

ou a<br />

ficção?<br />

Um <strong>dos</strong><br />

principais<br />

pensadores da<br />

relação entre<br />

as letras e as<br />

imagens do<br />

século XX<br />

COLIN MCPHERSON/CORBIS


da<strong>de</strong><br />

3.<br />

O avô <strong>de</strong> O<strong>de</strong>ssa fugiu assusta<strong>dos</strong>ustado<br />

pelos pogroms <strong>de</strong><br />

1905. O avô do outro lado da<br />

família tinha chegado à Argentina<br />

no século anterior<br />

e produzido<br />

uma <strong>de</strong>scendência<br />

<strong>de</strong> ju-<br />

<strong>de</strong>us gaúchos. gaúchos<br />

Trabalharam a terra<br />

durante vária vvárias<br />

gerações e Edgardo<br />

Cozarinsky Cozarinskky<br />

lembra-se lem <strong>de</strong> uma tia con-<br />

tar que não nnão<br />

cconseguiam<br />

limpar as<br />

unhas, e isso era sobretudo motivo<br />

<strong>de</strong> orgulho: orgulhho:<br />

significava s que no país<br />

novo possuíam pos ssuía terra, e nessa terra,<br />

pensavam pensavamm<br />

talv talvez – como pensa Perl,<br />

a actriz <strong>de</strong> <strong>de</strong>e<br />

teatro teat ídiche <strong>de</strong> “El Rufián<br />

Moldavo” – qu que os filhos iriam “nascer<br />

num mundo munndo<br />

on<strong>de</strong> os ju<strong>de</strong>us não ti-<br />

vessem mmedo<br />

medo”.<br />

Esta<br />

conv conversa com a tia só aconteceu<br />

teceuu<br />

qu quando já era adulto e se<br />

começou commeço<br />

a interessar por fazer<br />

perguntas pergu p à família, o que<br />

levo llevou<br />

tempo a acontecer,<br />

porq pporque<br />

ele era um ju<strong>de</strong>u<br />

sem s medo.<br />

4. 4<br />

“Soy “S Soy una u mentira que siempre<br />

pree<br />

dice dic la verdad”, diz fron-<br />

tal, , olhos olh <strong>de</strong> um azul que terá<br />

resistido, resistid<br />

geração em geração,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

O<strong>de</strong>ssa, O intenso. Cita ain-<br />

da CCocte<br />

Cocteau no original: “Je suis<br />

une mensonge men que dit toujours<br />

la ve verité”, erité” e <strong>de</strong>pois os enormes<br />

olhos olhoss<br />

azuis azu fogem para as mesas<br />

do lado laddo<br />

e<br />

a janela e lá fora on<strong>de</strong><br />

estão as a histórias hi (e as perguntas<br />

por fazer). fazzer).<br />

A ficção, ficçção,<br />

acha Cozarinsky, é tal-<br />

vez a única únnica<br />

forma fo <strong>de</strong> “<strong>de</strong>ixar passar<br />

tudo”, “não “nnão<br />

fazer f censura”. E nem<br />

pela ficção, ficçãão,<br />

pela pe menos não pela sua<br />

ficção, chegaremos chhegar<br />

à verda<strong>de</strong>.<br />

Passaram-se Passaraam-s<br />

10 anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

esteve doente dooente<br />

no hospital e pensou<br />

que morria morr ria e finalmente começou a<br />

“<strong>de</strong>ixar passa ppassar<br />

tudo” e a escrever os<br />

livros que e esperavam. esp A conta ronda<br />

agora a <strong>de</strong>zen d<strong>de</strong>zena<br />

publica<strong>dos</strong>. Porque<br />

se começou<br />

a<br />

afirmar como escritor<br />

– na Argentina Argeentin<br />

e no estrangeiro, so-<br />

bretudo com c as suas traduções para<br />

inglês – em emm<br />

anos an recentes, quem não<br />

conheça o realizador rea <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> uma<br />

dúzia <strong>de</strong> filme ffilmes,<br />

mas apenas o escri-<br />

tor, esper esperaria raria talvez encontrar um<br />

jovem e quem q o pensasse não ficaria<br />

<strong>de</strong>siludido.<br />

<strong>de</strong>siludiddo.<br />

É nos olhos<br />

inquietos, talvez impa-<br />

ráveis, qu que ue se<br />

nota “ainda o adoles-<br />

cente que<br />

e seg seguia pela rua <strong>de</strong>sconhe-<br />

ci<strong>dos</strong> que<br />

lhe ppareciam<br />

portadores <strong>de</strong><br />

ficção, para pa ara ve ver on<strong>de</strong> iam, com quem<br />

se encontravam, encon ntrav on<strong>de</strong> viviam” (“El<br />

Rufián MMolda<br />

Moldavo”). Ou um pequeno<br />

como o ppequ<br />

pequeno Fre<strong>de</strong>rico, do seu<br />

romance romancce<br />

mais m recente, “Lejos <strong>de</strong><br />

Dón<strong>de</strong>”, , que que, às escondidas da mãe,<br />

fingindo fingindoo<br />

dormir do na varanda do<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 17


segundo andar, espia as pessoas lá<br />

em baixo na Avenida Colón: “Quando<br />

passam pelo círculo <strong>de</strong> luz projectado<br />

pelo can<strong>de</strong>eiro público e distingue o<br />

cabelo pintado, a maquilhagem pesada<br />

da mulher, Fre<strong>de</strong>rico associa-os<br />

a algum filme visto nas tar<strong>de</strong>s do Cecil…<br />

E o automóvel que pára na esquina<br />

para que eles possam atravessar<br />

a avenida? De on<strong>de</strong> vem?”<br />

5.<br />

Um dia, em Buenos Aires, teria talvez<br />

8 ou 9 anos, voltando <strong>de</strong> casa <strong>de</strong> uma<br />

tia velha que uma vez por ano os convidava<br />

para comer comidas muito<br />

estranhas, disse para o pai:<br />

-Coitada da tia-avó da mamã, está<br />

totalmente passada, diz que é ano<br />

novo e estamos em Outubro.<br />

18 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

No reino do doc<br />

Até domingo “a imagem-arquivo” junta os interessa<strong>dos</strong> no<br />

documentário em Serpa. É o Doc’s Kingdom. Jorge Mourinha<br />

Nascido em 1939 em Buenos<br />

Aires, Edgardo Cozarinsky<br />

é indubitavelmente um <strong>dos</strong><br />

principais pensadores da<br />

relação entre as letras e as<br />

imagens do século XX, educado<br />

nas duplas aca<strong>de</strong>mias <strong>dos</strong><br />

cinemas <strong>de</strong> bairro bonaerenses<br />

e da gran<strong>de</strong> fi cção europeia.<br />

Auto-proclamado nómada das<br />

artes cuja carreira fl utua entre<br />

a Argentina natal e a Paris<br />

que consi<strong>de</strong>ra o seu “armazém<br />

cultural” e abrangeu a literatura<br />

em todas as suas formas (da<br />

fi cção ao ensaio), o teatro, a<br />

ópera e o cinema, é um <strong>dos</strong><br />

convida<strong>dos</strong> <strong>de</strong> luxo do Doc’s<br />

Kingdom 2010, que apresenta,<br />

para lá do célebre fi lmeensaio<br />

“La Guerre d’un seul<br />

homme”, refl exão <strong>de</strong> 1981 sobre<br />

a ocupação nazi em França<br />

durante a II Guerra, imagens do<br />

seu novo documentário ainda<br />

em produção (sob o título <strong>de</strong><br />

trabalho “Apuntes para una<br />

Biografía Imaginária”).<br />

Entretanto, o Doc’s Kingdom<br />

chega à sua décima edição<br />

mantendo intacta a concepção<br />

primordial. A saber: sob a capa<br />

<strong>de</strong> um seminário, o encontro<br />

e o diálogo entre cineastas<br />

Edgardo Cozarinsky,<br />

sobretudo conhecido<br />

como<br />

documentarista,<br />

não gosta da palavra<br />

documentário,<br />

porque esta palavra<br />

implica que é possível<br />

“documentar”<br />

a realida<strong>de</strong><br />

Sob a capa<br />

<strong>de</strong> um seminário,<br />

um diálogo<br />

num espaço propício<br />

à reflexão sobre<br />

o documentário<br />

contemporâneo<br />

e observadores num espaço<br />

propício ao convívio e à<br />

refl exão sobre o documentário<br />

contemporâneo, longe da<br />

voragem, da velocida<strong>de</strong> e da<br />

competição da maior parte <strong>dos</strong><br />

festivais e sob o signo <strong>de</strong> Robert<br />

-É que é ano novo ju<strong>de</strong>u.<br />

-E?<br />

-E nós somos ju<strong>de</strong>us.<br />

-Ah.<br />

6.<br />

O que aconteceu ao cinema Cecil?<br />

Quem ainda vê filmes <strong>de</strong> outros tempos<br />

em Buenos Aires? Como morreu<br />

Falconetti, a Joana d’Arc <strong>de</strong> Dreyer?<br />

Porque nunca mais trabalhou o actor<br />

francês Le Vigan, herói das telas antes<br />

da Segunda Guerra, vilão colaboracionista<br />

<strong>de</strong>pois? Como foram os<br />

últimos anos <strong>de</strong> um e <strong>de</strong> outro exila<strong>dos</strong><br />

na Argentina? Quantas horas senta<strong>dos</strong><br />

numa plateia passámos com<br />

eles? Quando os esquecemos?<br />

Um homem caminha pelas ruas<br />

<strong>de</strong> Buenos Aires – na banda sonora,<br />

tango, sempre – e faz perguntas. Essas<br />

perguntas são as peças <strong>de</strong> um<br />

puzzle que reconstitui um mundo<br />

perdido mas o puzzle nunca estará<br />

completo e as perguntas irão continuar<br />

a fazer-se.<br />

O filme “Boulevard du Créspuscule”<br />

é um <strong>dos</strong> filmes <strong>de</strong> Cozarinsky<br />

exibido amanhã em Serpa. Outro filme<br />

inserido na programação é “A<br />

Guerra <strong>de</strong> Um Só Homem”, juntando<br />

imagens <strong>de</strong> arquivo da ocupação <strong>de</strong><br />

Paris e os diários do escritor alemão<br />

Ernst Jünger, contando uma história<br />

que é verda<strong>de</strong> e é mentira, a mentira<br />

que um alemão conta a si próprio<br />

para po<strong>de</strong>r viver <strong>de</strong>ntro daquelas<br />

imagens verda<strong>de</strong>iras.<br />

O cineasta, como o escritor, é um<br />

investigador ou um <strong>de</strong>tective. O “business”<br />

é “averiguar”. “Para mim, o<br />

impulso <strong>de</strong> investigar é a base <strong>de</strong> toda<br />

a narração”, diz Cozarinsky. As<br />

respostas, claro, “escapam-se entre<br />

os <strong>de</strong><strong>dos</strong> como se fossem areia”. E<br />

muitas vezes, <strong>de</strong>scobre que acaba<br />

por estar principalmente a “averiguar”<br />

sobre si próprio: “Porque me<br />

Kramer, a cujo fi lme homónimo<br />

(rodado em Portugal) o evento<br />

foi buscar a sua <strong>de</strong>signação.<br />

“A imagem-arquivo” é o<br />

conceito norteador <strong>de</strong>sta edição<br />

cujo elenco <strong>de</strong> convida<strong>dos</strong>,<br />

para além <strong>de</strong> Cozarinsky,<br />

inclui, primeiro, o crítico,<br />

ensaista e documentarista<br />

alemão Hartmut Bitomsky,<br />

ex-presi<strong>de</strong>nte da Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong><br />

Cinema Alemã (cinco fi lmes,<br />

entre os quais o aclamadíssimo<br />

“Staub”, sobre a poeira). Depois,<br />

estarão ainda presentes Yervant<br />

Gianikian e Angela Ricchi<br />

Lucchi, a dupla italiana que<br />

se tornou conhecida pelo seu<br />

trabalho experimental à volta<br />

da manipulação <strong>de</strong> imagens<br />

pré-existentes e “found footage”<br />

(seis fi lmes, entre os quais “Dal<br />

Polo all’Equatore”, <strong>de</strong> 1986, que<br />

os revelou mundialmente, e<br />

interessei por isto? Que coisa minha<br />

quero <strong>de</strong>scobrir?”<br />

7.<br />

Sempre quis viajar e nos anos 60 finalmente<br />

foi à Europa. A primeira<br />

escolha foi Berlim <strong>de</strong> Joseph Roth,<br />

para ele uma “cida<strong>de</strong> mítica”. Nos<br />

anos 70, mudou-se para Paris e viveu<br />

um exílio, mais ou menos voluntário,<br />

durante mais <strong>de</strong> 10 anos. Porque, confessa,<br />

tem “alma <strong>de</strong> nómada”, continuou<br />

a viajar. Caminhou em Istambul,<br />

on<strong>de</strong>, como em <strong>Lisboa</strong>, se reuniram<br />

refugia<strong>dos</strong> durante a II Guerra. Caminhou<br />

num terceiro país neutro, a Suíça,<br />

e na Polónia <strong>de</strong> Auschwitz, <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> parte a personagem da primeira<br />

parte <strong>de</strong> “Lejos <strong>de</strong> Dón<strong>de</strong>”, uma<br />

administrativa do campo <strong>de</strong> concentração<br />

que escapa com um passaporte<br />

<strong>de</strong> uma mulher judia morta nas<br />

câmaras <strong>de</strong> gás. Caminhou ainda na<br />

Andaluzia e em Tessalónica, on<strong>de</strong><br />

ouviu falar um espanhol muito antigo,<br />

anterior à expulsão <strong>de</strong> 1492.<br />

E este ju<strong>de</strong>u que não sabia em<br />

criança o que era o ano novo ju<strong>de</strong>u,<br />

que não acredita na raça mas acredita<br />

na cultura, fazia as perguntas surgindo<br />

inevitáveis do conto que, quisesse<br />

ou não, tinha herdado: o que<br />

significa ser ju<strong>de</strong>u, quem <strong>de</strong>ci<strong>de</strong><br />

quem é ju<strong>de</strong>u? E - como perguntam<br />

to<strong>dos</strong> os povos – <strong>de</strong> on<strong>de</strong> somos, <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> viemos, para on<strong>de</strong> vamos?<br />

Em “Lejos <strong>de</strong> Dón<strong>de</strong>”, a mulher<br />

alemã que passa por judia tem um<br />

filho que não tem olhos azuis “arianos”<br />

como os <strong>de</strong>la, mas escuros como<br />

os das gentes das Américas. Depois<br />

da sua morte, esse filho – porque os<br />

contos “herdam-se” e “acabam por<br />

tornar-se realida<strong>de</strong>” – foge (ironicamente,<br />

com um passaporte falso como<br />

a mãe) pelo mundo fora, e julga<br />

reconhecer em si próprio o mito do<br />

ju<strong>de</strong>u errante.<br />

os mais recentes “Ghiro Ghiro<br />

Tondo” e “Frammenti Eletrici no.<br />

6”). Finalmente, a portuguesa<br />

Susana <strong>de</strong> Sousa Dias, <strong>de</strong> quem<br />

se apresenta a sua segunda<br />

longa após “Natureza Morta”,<br />

“48”, vencedor em Março<br />

último do festival parisiense<br />

Cinéma du Réel. Os pormenores<br />

do seminário po<strong>de</strong>m ser<br />

consulta<strong>dos</strong> no site ofi cial em<br />

www.docskingdom.org.<br />

“48”, <strong>de</strong><br />

Susana Sousa<br />

Dias, “Ghiro<br />

Ghiro Tondo”<br />

<strong>de</strong> Yervant<br />

Gianikian e<br />

Angela Ricchi<br />

Lucchi e<br />

“Staub”, <strong>de</strong><br />

Hartmut<br />

Bitomsky<br />

Numa visita a Antuérpia, um amigo,<br />

negociante <strong>de</strong> diamantes, contalhe<br />

“uma história, talvez apócrifa,<br />

mas cujo sentido parecia indiscutível”:<br />

“Conheces a resposta do rapaz ju<strong>de</strong>u<br />

que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> emigrar para a América<br />

no princípio do século XX? No<br />

mísero stetl <strong>de</strong> Galitzia ou Bessarábia<br />

on<strong>de</strong> nasceu, a sua mãe chora sem<br />

consolo. “Meu filho, porque vais para<br />

tão longe?”, lamenta-se uma e outra<br />

vez. O filho, já longe dali no pensamento,<br />

talvez com um sentido inato<br />

da relativida<strong>de</strong>, respon<strong>de</strong>: “Longe?<br />

Longe <strong>de</strong> on<strong>de</strong>?””<br />

8.<br />

Portugal não conhece Cozarinsky,<br />

mas Cozarinsky conhece Portugal.<br />

Quando veio a primeira vez ainda não<br />

tinha acontecido a revolução e em<br />

<strong>Lisboa</strong> ainda se viam cartazes que<br />

garantiam que “Portugal não é pequeno”.<br />

<strong>Lisboa</strong> não é tão longe <strong>de</strong> Buenos<br />

Aires ou <strong>de</strong> Nova Iorque, não era tão<br />

longe durante a II Guerra Mundial.<br />

Os refugia<strong>dos</strong> viam as luzes da Europa<br />

apagar-se no mar alto.<br />

Não gostando da palavra “documentário”<br />

ou “documental” (em<br />

espanhol), Cozarinsky documenta<br />

como poucos aquilo que <strong>de</strong>saparece.<br />

E a História vive na nossa imaginação,<br />

como na do rapaz jovem que<br />

visita <strong>Lisboa</strong> em “Hotel <strong>de</strong> Emigrantes”,<br />

“um jovem interessado em velharias”<br />

como percebe, espantado,<br />

um velho livreiro <strong>de</strong> Sintra. Para esse<br />

jovem, para Cozarinsky, talvez<br />

para to<strong>dos</strong> nós, a História só é real<br />

quando começamos a ficcioná-la e<br />

sabemos, com nostalgia e uma ponta<br />

<strong>de</strong> inveja, que nunca viveremos<br />

– tão excitante, e por vezes, tão brutal<br />

– o que já passou.


ALGO EXCEPCIONAL AGUARDA POR SI EM ABSOLUT.COM


Música<br />

20 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

A América preparava-se para dormir,<br />

ou pelo menos 3 milhões <strong>de</strong> americanos<br />

preparavam-se para dormir,<br />

quando aquilo aconteceu. Foi a 19 <strong>de</strong><br />

Maio, parte do país assistia, sonolento,<br />

a um <strong>dos</strong> seus programas <strong>de</strong> TV<br />

favoritos – o Late Show <strong>de</strong> David Letterman<br />

– quando aquilo surgiu. Letterman<br />

lançava as últimas piadas sem<br />

gran<strong>de</strong> graça, parecendo ele próprio<br />

com vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> encerrar o expediente,<br />

quando ela irrompeu por ali. Era<br />

a sua estreia televisiva e Janelle Monáe,<br />

24 anos, cinco palmos <strong>de</strong> rapariga,<br />

poupa geométrica à Grace Jones,<br />

como sempre <strong>de</strong> smoking preto-ebranco<br />

fazendo lembrar a elegância<br />

<strong>dos</strong> artistas da mítica Motown, não<br />

fez a coisa por menos. Olhou à volta,<br />

fez pose, lançou a mão ao microfone<br />

como se fosse tirá-lo para dançar e<br />

atirou-se a uma versão electrizante<br />

da canção “Tightrope”. Dançou atrevida<br />

como James Brown, oferecendo<br />

uma mescla esfuziante <strong>de</strong> R&B e<br />

funk.<br />

Quem já a conhecia não ficou surpreendido,<br />

mas para aqueles milhões<br />

<strong>de</strong> americanos, e para os que nos dias<br />

seguintes viram a sua actuação na internet,<br />

foi um momento <strong>de</strong> enorme<br />

revelação.<br />

Tem tudo<br />

Janelle Monae vai ser gran<strong>de</strong>. Tem<br />

tudo. A voz: camaleónica. A atitu<strong>de</strong>:<br />

vibrante. A história: filha <strong>de</strong> pai toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

e mãe empregada <strong>de</strong><br />

limpeza. Os padrinhos: os “rappers”<br />

Puff Daddy e Big Boi <strong>dos</strong> OutKast ou<br />

a cantora Erykah Badu, com quem<br />

anda em digressão. Os ícones: Alfred<br />

Hitchcock e Katharine Hepburn. A<br />

confiança: inabalável – é vê-la cantar<br />

endiabrada. A ambição, só assim se<br />

compreen<strong>de</strong>ndo o lançamento <strong>de</strong> um<br />

álbum <strong>de</strong> estreia conceptual como<br />

“The ArchAndroid”. E a música, composto<br />

<strong>de</strong> como fazer algo vibrante<br />

para o centro do mercado sem ce<strong>de</strong>r<br />

aos valores do mesmo, congregando<br />

funk, folk pastoral, rock psicadélico,<br />

jazz orquestral e cabaret. Apenas não<br />

tem a altura e o apelo sensual que se<br />

fantasia que as gran<strong>de</strong>s estrelas têm.<br />

Mas transformar eventuais fragilida<strong>de</strong>s<br />

em potencialida<strong>de</strong>s é a sua especialida<strong>de</strong>.<br />

Nasceu nos subúrbios <strong>de</strong> Kansas<br />

City, numa família com dificulda<strong>de</strong>s<br />

económicas. Como tantas outras jovens<br />

negras apren<strong>de</strong>u a cantar na<br />

igreja, auxiliando a família com o dinheiro<br />

que ganhava nas competições<br />

<strong>de</strong> canto. Em 2004 mudou-se para<br />

Nova Iorque, já <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter criado<br />

um disco, “The Audition”, produzido<br />

por si e que nunca chegou a ser editado.<br />

Em Nova Iorque recebeu uma<br />

bolsa da American Musical & Dramatic<br />

Aca<strong>de</strong>my, mas no processo <strong>de</strong>sistiu<br />

<strong>de</strong> seguir carreira como actriz da Broadway.<br />

Fartou-se do ensino formatado<br />

e resolveu concentrar-se num novo<br />

tipo <strong>de</strong> musical. Foi para Atalanta,<br />

on<strong>de</strong>, após um <strong>dos</strong> seus espectáculos,<br />

Big Boi <strong>dos</strong> OutKast a convidou para<br />

O projecto <strong>de</strong> Janelle<br />

navega entre o apelo<br />

clássico e o <strong>de</strong>sejo<br />

<strong>de</strong> futuro. A primeira<br />

parte do disco é um<br />

concentrado <strong>de</strong><br />

excelentes canções<br />

enquanto a segunda<br />

é uma longa viagem<br />

pelas margens <strong>de</strong> um<br />

R&B exploratório<br />

participar no álbum “Idlewild”, concebido<br />

como um musical.<br />

Com os OutKast apren<strong>de</strong>u imenso,<br />

não só em termos musicais mas também<br />

<strong>de</strong> narrativa sónica – em particular<br />

com “The Love Below”, a meta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> André 3000 no magnífico “Speakerboxxx/The<br />

Love below”. Pouco<br />

tempo <strong>de</strong>pois, à amiza<strong>de</strong> <strong>dos</strong> OutKast<br />

juntou uma outra importante: o po<strong>de</strong>roso<br />

Puff Daddy contactou-a através<br />

da sua página do MySpace. Janelle<br />

pensou que era brinca<strong>de</strong>ira. Acabou<br />

por assinar pela Bad Boy, dirigida por<br />

Puff, subsidiária da Atlantic.<br />

A revelação <strong>de</strong>u-se com o EP “Metropolis:<br />

Suite I (The Chase)”, produzido<br />

por Big Boi. Os mais atentos perceberam<br />

que algo se passava. Há dois<br />

anos o fenómeno Amy Winehouse estava<br />

no auge e existiu quem lhe apontasse<br />

semelhanças, inclusive nós, nestas<br />

páginas, pelo “swing” e pelas alusões<br />

aos anos 60. Mas o álbum actual<br />

<strong>de</strong>sfaz essas comparações.<br />

Clássica e futurista<br />

O ponto <strong>de</strong> partida é o clássico “Metropolis”<br />

(1927), realizado por Fritz<br />

Lang. É uma obra conceptual, com<br />

convida<strong>dos</strong> espera<strong>dos</strong> (Big Boi) mas<br />

outros surpreen<strong>de</strong>ntes, como os excêntricos<br />

do rock Of Montreal ou o<br />

poeta-cantor Saul Williams. A sequência<br />

<strong>de</strong> canções conta a história da andrói<strong>de</strong><br />

Cindi Mayweather, clone da<br />

cantora que se apaixona por um humano<br />

e que tem <strong>de</strong> escapar à polícia<br />

para não ser <strong>de</strong>sactivada, acabando<br />

por ser encarregue da libertar Metropolis<br />

<strong>dos</strong> seus opressores.<br />

A ficção-científica como inspiração<br />

da música negra não é novida<strong>de</strong>. De<br />

Sun Ra aos Funka<strong>de</strong>lic, <strong>dos</strong> Sa-Ra Cre-<br />

ative Partners a Erykah Badu, muitos<br />

já lá foram bater, <strong>de</strong> tal forma que se<br />

fala <strong>de</strong> afro-futurismo com assiduida<strong>de</strong>.<br />

No caso <strong>de</strong>la, tudo começou com<br />

a série <strong>de</strong> TV A 5ª Dimensão que via<br />

na adolescência com a mãe. Depois<br />

vieram “Alien”, os livros <strong>de</strong> Philip K.<br />

Dick e um mergulho profundo em<br />

“Metropolis”, o seu preferido.<br />

Não espanta que o projecto <strong>de</strong> Janelle<br />

navegue entre o apelo clássico<br />

e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> futuro. A primeira parte<br />

do disco é um concentrado <strong>de</strong> excelentes<br />

canções (“Locked insi<strong>de</strong>”, “Tightrope”,<br />

“Cold war”) enquanto a<br />

segunda é uma longa viagem pelas<br />

margens <strong>de</strong> um R&B exploratório. A<br />

versatilida<strong>de</strong> é uma das suas características<br />

marcantes, misto <strong>de</strong> extravagâncias<br />

vocais e <strong>de</strong> fantasias rítmicas<br />

que <strong>de</strong>sembocam numa pop barroca<br />

tão acessível quanto estranha e personalizada.<br />

Há cerca <strong>de</strong> um mês, no final do<br />

seu programa, David Letterman, dizia<br />

que há muito tempo não via nada assim.<br />

Puff Daddy, que não é conhecido<br />

pelos seus dotes <strong>de</strong> humilda<strong>de</strong>, ajoelhou-se<br />

perante o talento <strong>de</strong> Janelle.<br />

Não custa acreditar que muitos o farão<br />

nos próximos tempos.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs 59 e segs.<br />

Janelle Monae é tão pequena<br />

e já tão gran<strong>de</strong><br />

Apadrinhada<br />

por Puff<br />

Daddy, Big Boi<br />

(OutKast) e<br />

Erykah Badu<br />

Uma máquina <strong>de</strong> cantar e dançar, com cabelo <strong>de</strong> Grace Jones, pés <strong>de</strong> James Brown, inspirada<br />

pelos OutKast, Prince ou Fritz Lang. Vamos ouvir falar muito <strong>de</strong>la. Vítor Belanciano


Rita Redshoes não podia<br />

ser fada para sempre<br />

Com “Gol<strong>de</strong>n Era”, fotografou-se como emanação da Hollywood clássica. Com um “Lights &<br />

Darks” marcado pela “americana”, mostra que não <strong>de</strong>vemos cristalizá-la naquela imagem.<br />

“Não me esgoto naquele ar <strong>de</strong> menina irreal”. Mário Lopes<br />

A mulher <strong>de</strong> turbante, matrona oci<strong>de</strong>ntal<br />

passeando por terras africanas,<br />

prova pedaços <strong>de</strong> fruta e, muito senhora<br />

<strong>de</strong> si, esboça um leve sorriso. Quando<br />

fixa o olhar na câmara que a filma,<br />

fixa-a em pose. Se está fascinada com<br />

o que vê, com os merca<strong>dos</strong>, o calor e<br />

as pessoas que lhe oferecem fruta,<br />

nunca <strong>de</strong>ixará que se note. A senhora<br />

matrona já viu muito mundo e não se<br />

impressiona facilmente, pensamos nós<br />

que ela pensa. A senhora, filmada nas<br />

cores saturadas <strong>de</strong> uma câmara Super<br />

8, é a protagonista do ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong> “It’s a<br />

honey moon”, realizado por Rita Redshoes.<br />

A canção é uma das 14 <strong>de</strong> um<br />

novo álbum, “Lights & Darks”, o sucessor<br />

<strong>de</strong> “Gol<strong>de</strong>n Era”, estreia que a<br />

transformou numa das figuras da actualida<strong>de</strong><br />

pop portuguesa.<br />

Rita não sabe quem é aquela mulher.<br />

“Encontram-se à venda na net<br />

vários filmes familiares em Super 8,<br />

filmes que as pessoas já não querem”,<br />

explica-nos em rui<strong>dos</strong>a esplanada<br />

lisboeta. Um dia normal <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong><br />

2010. O Mundial <strong>de</strong> Futebol nas televisões,<br />

a alimentar a pausa do trabalho,<br />

e uma mesa <strong>de</strong>la alheada. A mesa<br />

em que Rita Redshoes nos fala do<br />

ví<strong>de</strong>o que fez para uma das canções<br />

do seu novo álbum, mas também do<br />

exotismo <strong>de</strong> Henry Mancini, Les Baxter<br />

e Esquivel (companhia durante a<br />

gravação do álbum) e, principalmente,<br />

da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> mostrar que há mais<br />

nela que a rapariga frágil sobrevoando<br />

a filigrana <strong>dos</strong> Atomic Bees ou a<br />

mulher <strong>de</strong> fantasia que, quando “Gol<strong>de</strong>n<br />

Era” foi editado, nos referia o<br />

colorido <strong>de</strong> “Feiticeiro <strong>de</strong> Oz” e o imaginário<br />

<strong>de</strong> Hollywood. Mas adiantamo-nos.<br />

Falávamos <strong>de</strong> “It’s a honey<br />

moon” e da mulher que Rita Redshoes<br />

não conhece.<br />

“Não faço i<strong>de</strong>ia quem é a senhora.<br />

Percebo que estava em férias com o<br />

marido e, quando a vi, tive a certeza<br />

que ela era a personagem da minha<br />

música”. Eis então a matrona posando<br />

para o marido. A música muito<br />

solar, qual country a caminho do Havai,<br />

e a voz a cantar: “I love you / and<br />

he loves me too / I love you / and he<br />

loves me too / they could be happy<br />

on the moon / they wouldn’t miss this<br />

earth.” Rita Redshoes já o fazia antes.<br />

Fazia das suas canções cenários por<br />

on<strong>de</strong> divagavam personagens <strong>de</strong> um<br />

mundo <strong>de</strong> fantasia, intrinsecamente<br />

feminino. Mas agora, dois anos <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> “Gol<strong>de</strong>n Era”, o álbum <strong>de</strong> “Dream<br />

on girl” ou “Hey Tom”, o álbum que<br />

ven<strong>de</strong>u até atingir o galardão <strong>de</strong> platina<br />

e que lhe permitiu actuar perante<br />

salas esgotadas <strong>de</strong> norte a sul (e que<br />

abriu portas no mercado escandinavo<br />

e holandês, on<strong>de</strong> foi editado e que<br />

Rita Redshoes lá promoverá em concertos<br />

este Verão); <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tudo<br />

isso, dizíamos, algo mudou.<br />

“Americana”<br />

O humor carinhoso com que justapôs<br />

a música <strong>de</strong> “It’s a honey moon” ao<br />

ví<strong>de</strong>o Super 8 <strong>de</strong> origem <strong>de</strong>sconhecida<br />

é algo que não lhe imaginávamos<br />

antes. Uma figura como Lila, a “Bad<br />

Lila” que Rita Redshoes encena em<br />

paisagem country-rock (banjo incluído),<br />

a “silly girl” que se apaixona por<br />

to<strong>dos</strong> os homens (porque encontra<br />

beleza em to<strong>dos</strong> e cada um <strong>de</strong>les), não<br />

teria lugar no romantismo frágil <strong>de</strong><br />

“Gol<strong>de</strong>n Era”.<br />

“Tenho uma série <strong>de</strong> facetas musicais<br />

e não me esgoto naquele ar <strong>de</strong><br />

menina irreal [<strong>de</strong> ‘Gol<strong>de</strong>n Era’]”, diznos.<br />

Pouco <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> nos explicar<br />

que a “Bad Lila” surgiu ao sabor<br />

<strong>de</strong> alguns textos <strong>de</strong> Anais Nin – “costumo<br />

dizer que as mulheres ou são<br />

Virgens Maria ou Maria Madalena”, e<br />

Anais Nin interessa-lhe por ter questionado<br />

febrilmente essa i<strong>de</strong>ia, na<br />

vida e em texto -, confessará: “Este<br />

disco será um pouco mais real em relação<br />

ao que sou.” Ri-se: “Ninguém<br />

po<strong>de</strong> ser fadinha para sempre”. A<br />

questão central, chega<strong>dos</strong> ao segundo<br />

álbum, é esta: “Quando faço música,<br />

há uma certa ingenuida<strong>de</strong> no processo,<br />

mas não quero ser só isso, porque<br />

não sou só isso. Explorei outros aspectos,<br />

algum humor, algum sarcasmo<br />

e tentei passá-los para o disco.<br />

Gosto <strong>de</strong> artistas que se <strong>de</strong>smontem<br />

a si próprios. Vem daí o meu fascínio<br />

pela PJ Harvey e pelo David Bowie.”<br />

Deles, porém, nada ouvimos.<br />

“Lights & Darks” é um álbum on<strong>de</strong><br />

Rita Redshoes mergulha mais <strong>de</strong>claradamente<br />

numa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “americana”.<br />

Continuamos a sentir cada canção<br />

como parte <strong>de</strong> um musical (que é<br />

sua a carreira), mas mudaram os cenários<br />

e mudou o tom. Temos o banjo<br />

<strong>de</strong>dilhado como em alpendre sulista,<br />

ouvem-se coros a arriscar a soul e até,<br />

em “Marching in this life”, um piscar<br />

<strong>de</strong> olho à Motown. Isto não é necessariamente<br />

iamente o que Rita Redshoes ouve<br />

nestas canções. Ou melhor, não foi<br />

com om essa intenção que partiu para ele:<br />

“Para Para este disco, fui buscar instrumentosos<br />

<strong>de</strong> que sempre gostei mas que nuncaa<br />

ttin<br />

tinha inha ha tocado. ttoc<br />

ocad ado. o. O bban<br />

banjo, anjo jo, , o Om Omni<br />

nichord,hor<br />

ord, d, a tábua ttáb<br />

ábua ua [washboard]... [ [wa wash shbo boar ard] d].. ... . De Deci Decidi cidi di<br />

comprar omp mpra rar r tu tudo<br />

do iiss<br />

isso, sso, o, uuti<br />

utilizar tili liza zar r tu tudo<br />

do iiss<br />

isso. sso. o.<br />

E es essa essas sas s coisas co cois isas as vêm êm da América.” Am Amér éric ica. a ”<br />

Gosta <strong>de</strong> explorar as imagens que<br />

a música sugere – “certas sequências<br />

<strong>de</strong> acor<strong>de</strong>s evocam imagens e é a partirir<br />

<strong>de</strong>ssa imagem que procura a letra<br />

e o resto da canção”. Os seus discos<br />

são ão a forma como se aventura nesse<br />

imaginário. maginário. Faz tudo o sentido,ido,<br />

assim sendo,<br />

que o novo<br />

álbum lbum seja<br />

acompanhadonh<br />

nhad ado o (n (nuu<br />

ma edi edição diçã ção o<br />

“<strong>de</strong>luxe”) <strong>de</strong>luxe”)<br />

por um<br />

DVD on<strong>de</strong>d<br />

e 13<br />

can- a nçõesõesganham<br />

um ví-<br />

<strong>de</strong>o<br />

que as<br />

ilustre. l ust r e .<br />

“It’s It’s a honey<br />

moon”, como vimos,<br />

é obra da<br />

autora da canção.ão.<br />

As restantes,es,<br />

são da responsabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Paulo Furtado,ado,<br />

David<br />

Fonseca ou<br />

André Cepeda.<br />

Curioso<br />

que, na<br />

maioria, maioria,<br />

reconheeconheçamosamos o<br />

imaginámaginárioio <strong>de</strong><br />

Rita Re- Re-<br />

“Tenho uma série<br />

<strong>de</strong> ffacetas<br />

musicais<br />

e não não me esgoto<br />

naquele naquele ar <strong>de</strong> menina<br />

irreal”<br />

Música<br />

dshoes. Os brinque<strong>dos</strong> antigos, o carrossel<br />

rodopiando, uma rapariga correndo<br />

pelos campos. Não só. A aventura<br />

pouco católica da Barbie “Bad<br />

Lila”, que Paulo Furtado filmou entre<br />

Kens muscula<strong>dos</strong> e anões em fatos <strong>de</strong><br />

látex, confirma que há lugar para mais<br />

que sonho e fantasia inocente na música<br />

<strong>de</strong> Rita Redshoes.<br />

Com “Gol<strong>de</strong>n Era”, Rita fotografouse<br />

como emanação da Hollywood<br />

clássica e implantou-se no cenário<br />

musical português. Com “Lights &<br />

Darks” mostra que não <strong>de</strong>vemos cristalizá-la<br />

naquela imagem. Há mais<br />

Rita, uma outra Rita, para além <strong>dos</strong><br />

Redshoes saltitando pela estrada dourada<br />

a caminho <strong>de</strong> Oz.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 59 e segs.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 21


Bonitos<br />

e torci<strong>dos</strong>,<br />

eis os Feromona<br />

De to<strong>dos</strong> os projectos que surgiram do eixo xo Amor<br />

Fúria/Flor Caveira, os Feromona têm sido os mais<br />

discretos, uma injustiça que urge colmatar. Amanhã,<br />

no Porto, apresentam “Desoliú<strong>de</strong>”, o primeiro meiro<br />

disco a sério. João Bonifácio<br />

Se há tipo que sabe escolher bem os<br />

títulos para os seus discos, esse tipo<br />

é Diego Armés, voz e guitarra <strong>dos</strong> Feromona.<br />

Há dois anos eles (Diego, o irmão<br />

Marco e ainda Bernardo Barata) estreavam-se<br />

com um mini-disco, “Uma<br />

Vida a Direito”, rock sujo em português<br />

que foi visto como uma reencarnação<br />

do grunge. A expressão é boa<br />

porque goza subtilmente com uma<br />

frase feita, tornando-a ambígua.<br />

Quem parece ser às direitas é o próprio<br />

Armés que em uma hora <strong>de</strong> conversa<br />

se revela um tipo sem manias,<br />

ao ponto <strong>de</strong>, ao contrário do que<br />

acontece com a maior parte <strong>dos</strong> entrevista<strong>dos</strong>,<br />

ser ele a vir ter connosco,<br />

on<strong>de</strong> nos dá mais jeito. Chega ao cúmulo<br />

<strong>de</strong> ser o primeiro a chegar e não<br />

mostra má cara. Está na boa.<br />

Tem razões para estar: “Desoliú<strong>de</strong>”,<br />

o primeiro disco a sério da banda,<br />

acabou <strong>de</strong> sair e, à excepção <strong>de</strong><br />

uma crítica indigesta na “Time Out”,<br />

tem sido bem recebido. Amanhã apresentam<br />

o disco no bar Plano B, no<br />

Porto (uma cida<strong>de</strong> que para a maior<br />

parte <strong>dos</strong> lisboetas é a encarnação da<br />

palavra “Desoliú<strong>de</strong>”) e ainda há uns<br />

dias encabeçaram um belo cartaz no<br />

Técnico, acompanha<strong>dos</strong> pel’ Os Golpes,<br />

entre outros.<br />

“Desoliú<strong>de</strong>” é um óptimo neologismo<br />

e quem <strong>de</strong>nomina assim um disco<br />

não só está a querer dizer qualquer<br />

coisa (do género: se Hollywood é o<br />

cimo, o glamour e o sonho, “Desoliú<strong>de</strong>”<br />

é o cá em baixo, a <strong>de</strong>silusão ou<br />

a vidinha) como está a dizê-lo com<br />

talento no uso da palavra. Pensamos:<br />

este tipo também há-<strong>de</strong> gostar <strong>de</strong> ler<br />

umas coisinhas.<br />

Bingo: não só Armés se revela um<br />

tipo que salta <strong>de</strong> assunto em assunto<br />

com facilida<strong>de</strong>, que gosta <strong>de</strong> conversa<br />

e <strong>de</strong> discurso escorreito, como surge<br />

com um livrinho na mão que é uma<br />

pequena obra-prima, “O Jogador”, a<br />

22 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

novela que Dostoiévski escreveu em<br />

duas semanas, pressionado pelo seu<br />

editor. Não é truque para dar pinta:<br />

Armés confessa que está a lê-lo porque<br />

foi traduzido por um amigo (Filipe<br />

Guerra que, com a mulher Nina,<br />

tem feito um verda<strong>de</strong>iro serviço<br />

público na tradução da melhor literatura<br />

russa).<br />

Durante um bocado ficamos ali a<br />

falar <strong>de</strong> Púchkin, e a dada altura ele<br />

está a elogiar o humor <strong>dos</strong> jornalistas<br />

<strong>de</strong>sportivos do “Guardian” que fazem<br />

a cobertura on-line <strong>dos</strong> jogos. Armés<br />

jogou à bola no Mafra e no Torreense<br />

– é um tipo magrinho e baixo, <strong>de</strong> cabelo<br />

comprido, que admira a finta <strong>de</strong><br />

Simão. “Gostava mesmo <strong>de</strong> jogar a<br />

extremo”, diz. Acabamos a discutir<br />

os diálogos <strong>de</strong> Seinfeld. É difícil não<br />

ter simpatia por ele.<br />

Há uns anos atrás, trocou as chuteiras<br />

pelas seis cordas <strong>de</strong> uma guitarra.<br />

“Um tipo compra uma guitarra<br />

eléctrica para ser idolatrado”, diz ele<br />

com uma inocência que só torna a<br />

frase mais cómica, “para ter as colegas<br />

<strong>de</strong> turma à volta a dizer ‘Toca isto’.<br />

Depois começa a querer caprichar<br />

nas letras e torna-se outra coisa”.<br />

De Hollywood à <strong>de</strong>silusão<br />

A coisa não lhe correu mal. Armés não<br />

se arma em literato, mas sai-se muito<br />

bem na tarefa <strong>de</strong> explicar os seus<br />

amores literários – que vão <strong>de</strong> Bukowski<br />

ao “Malone Está a Morrer”, <strong>de</strong><br />

Beckett. Entretanto não foi idolatrado,<br />

mas ao segundo disco já tem o seu<br />

culto. “Nós temos groupies, pá”, diz<br />

ele. “São poucas, mas o público que<br />

temos é fiel”. E específico: garotas na<br />

casa <strong>dos</strong> 20, “muitas universitárias”.<br />

“Há uma barreira <strong>de</strong> afastamento que<br />

nós criámos porque não estamos só<br />

a dizer ‘Amo-te, amo-te’. Daí que as<br />

groupies não nos atirem soutiens”.<br />

Armés não está a mentir: os Feromona<br />

têm culto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira hora e<br />

agora que há disco<br />

a sério nas lojas as o<br />

culto prepara-se se<br />

para aumentar. r.<br />

Ajuda o facto o<br />

<strong>de</strong> editarem pela Amor Fúria, a editora/promotoraora<br />

cuja associação com<br />

a Flor Caveira a <strong>de</strong>u uma volta à pop<br />

feita em português. ê Mas eles l não ã caíram<br />

lá <strong>de</strong> para-quedas, estavam lá<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, só que na sombra.<br />

“A nossa relação com essa malta<br />

começou pelo Myspace”, conta. “Mas<br />

como o Manel [lí<strong>de</strong>r d’Os Golpes] vivia<br />

em Alfama na altura e frequentava<br />

os mesmos sítios, aproximámo-nos”.<br />

Isto em 2006, quando os Feromona<br />

começaram “a tocar mais a sério”. Ao<br />

contrário das restantes bandas das<br />

duas editoras, com estes moços “não<br />

há misturas políticas nem fé religiosa”.<br />

“Não há cá nada disso”, acrescenta<br />

naquilo a que po<strong>de</strong>mos chamar<br />

uma dupla negação.<br />

Não ter associações religiosas ou<br />

i<strong>de</strong>ológicas também tem o seu preço:<br />

os Feromona são os únicos <strong>de</strong>ssa fornada<br />

que ainda não tiveram verda<strong>de</strong>iro<br />

<strong>de</strong>staque. Haja justiça e “Desoliú<strong>de</strong>”<br />

talvez mu<strong>de</strong> isso, talvez faça <strong>de</strong>les<br />

estrelas – mas duvida-se, até porque<br />

o disco é o oposto disso, mistura <strong>de</strong><br />

Hollywood com <strong>de</strong>silusão. O disco em<br />

si não é <strong>de</strong>silusão alguma, antes pelo<br />

contrário. Encontra-os muito mais<br />

afina<strong>dos</strong> na sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> combinar<br />

sujeira com melodia, variações<br />

rítmicas com harmonia.<br />

“Nunca percebi porque nos chamavam<br />

grunge”, diz Armés, recordando<br />

a caracterização que se colou à banda<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início. “Antes <strong>de</strong> mais, o grunge<br />

é um momento, não uma <strong>de</strong>finição<br />

musical, logo não po<strong>de</strong>mos ser grunge”.<br />

Optaram por não se chatear com<br />

a insistência e vingaram-se gravando<br />

uma faixa chamada “Courtney Love”:<br />

“É o nosso gozo a essa i<strong>de</strong>ia”.<br />

Que fazem barulho, é certo. Mas é<br />

Os Feromona<br />

editam na<br />

Amor Fúria<br />

mas, ao<br />

contrário das<br />

outras bandas<br />

da editora e da<br />

sua associada<br />

Flor Caveira,<br />

não são<br />

rapazes<br />

religiosas<br />

“Nunca percebi<br />

porque nos<br />

chamavam grunge.<br />

Antes <strong>de</strong> mais,<br />

o grunge é um<br />

momento, não uma<br />

<strong>de</strong>finição musical,<br />

logo não po<strong>de</strong>mos ser<br />

grunge. [A faixa<br />

Courtney Love]<br />

é o nosso gozo a essa<br />

i<strong>de</strong>ia”<br />

Diego Armés<br />

Música<br />

um barulho que está cada vez mais<br />

lapidado, conseguido, bem distribuído.<br />

“Tivemos um bocadinho mais <strong>de</strong><br />

tempo para fazer este disco e isso feznos<br />

ser mais caprichosos com os arranjos”.<br />

Particularmente conseguidas<br />

são as harmonias entre Armés e Bernardo<br />

Barata, o baixista. “Ele está<br />

mais à vonta<strong>de</strong> a cantar, agora, e a<br />

trabalhar as harmonias. Isso traz mais<br />

riqueza melódica”.<br />

Ainda assim Armés fica surpreendido<br />

quando lhe dizemos que as melodias<br />

são um <strong>dos</strong> pontos fortes da<br />

banda. Está mais habituado a que lhe<br />

gabem os riffs, e fartou-se <strong>de</strong> trabalhar<br />

para conseguir melhorar o <strong>de</strong>sempenho<br />

vocal. “Tivemos duas fases<br />

<strong>de</strong> gravações”, conta, “e as vozes ficaram<br />

para a segunda. Fartei-me <strong>de</strong><br />

experimentar maneiras diferentes <strong>de</strong><br />

cantar, aqui mais sussurrado, aqui<br />

mais cantado, ali mais berrado”.<br />

Os Feromona queriam “um disco<br />

mesmo bem feito”, forma a<strong>de</strong>quada<br />

<strong>de</strong> dizer: tudo no sítio. Armés escreveu<br />

as canções <strong>de</strong> modo “a <strong>de</strong>ixar<br />

espaço para a inventivida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> outros<br />

músicos” e “a não <strong>de</strong>ixar as canções<br />

fechadas numa malha”. Não<br />

queria repetições, não queria “um<br />

simples crescendo <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong>”<br />

em cada canção quando podia ter<br />

“oscilações rítmicas”. Também havia<br />

uma segunda preocupação que, no<br />

fundo, parece ser a sua gran<strong>de</strong> paixão:<br />

“Conseguir ser torcido e bonito<br />

com as palavras” no intervalo <strong>de</strong> três<br />

minutos. “Isso é das coisas mais belas<br />

que po<strong>de</strong>s ter”, diz.<br />

Torcido e bonito, ou sujo e belo: a<br />

música <strong>dos</strong> Feromona é esse belo encontro<br />

<strong>de</strong> opostos. Como uma banda<br />

chamar-se Feromona e <strong>de</strong>pois ter<br />

groupies que não lhes atiram soutiens.<br />

Que vergonha, meninas.<br />

Ver agenda <strong>de</strong> espectáculos págs. 56 e<br />

segs.


As <strong>de</strong>scobertas <strong>de</strong> Fausto<br />

pela terra <strong>de</strong>ntro<br />

Em estreia absoluta, Fausto Bordalo Dias apresenta amanhã no CCB oito canções do disco que<br />

há-<strong>de</strong> completar a Trilogia iniciada em “Por Este Rio Acima”, ainda inédito. As <strong>de</strong>scobertas<br />

começadas no mar entram agora terra <strong>de</strong>ntro, num turbilhão fantástico. Nuno Pacheco<br />

Música<br />

24 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Na sala <strong>de</strong> ensaio ainda se buscam<br />

sons. As teclas arriscam-nos, uma,<br />

duas vezes, num glissando que se vai<br />

aperfeiçoando. “Isto para mim é a<br />

onda, a entrada no rio e a vaga <strong>de</strong><br />

calor que eles sentem”, diz Fausto aos<br />

músicos. E à sala afluem Zurara, Cadamosto,<br />

Men<strong>de</strong>s Pinto, Diogo Gomes,<br />

é como se estivessem to<strong>dos</strong> ali,<br />

longe e perto, na bruma que já se dissipou,<br />

a olhar o horizonte para lá das<br />

pare<strong>de</strong>s pouco iluminadas. E a voz a<br />

retomar, enfim, o fio da história: “E<br />

fomos pela água do rio/ em busca daquela<br />

terra…”<br />

Quem conhece a obra <strong>de</strong> Fausto<br />

Bordalo Dias, sabe ao que vem. São<br />

milhares <strong>de</strong> horas <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação e estudo<br />

intenso, <strong>de</strong> criação febril, <strong>de</strong><br />

pausas sem tréguas ao pensamento.<br />

“Por Este Rio Acima”, em 1982, abriu<br />

caminho pela porta gran<strong>de</strong>. “Crónicas<br />

da Terra Ar<strong>de</strong>nte”, em 1994, <strong>de</strong>u-lhe<br />

continuida<strong>de</strong>, somando-lhe novos<br />

momentos <strong>de</strong> génio. O terceiro tomo<br />

da Trilogia assoma agora pela primeira<br />

vez, em oito canções inéditas. Há<br />

mais, já feitas. Mas só estas serão dadas<br />

amanhã a conhecer, pela primeira<br />

vez, no palco do CCB, em <strong>Lisboa</strong>.<br />

Uma <strong>de</strong>las, apenas uma, já correu<br />

mundo noutra voz: a <strong>de</strong> Ana Moura.<br />

Fausto já a tinha escrito, ce<strong>de</strong>u-lha e<br />

ela gravou-a, com êxito. As outras<br />

<strong>de</strong>scobrimo-las agora. E logo no início<br />

do espectáculo, que é por elas que<br />

começa. “E fomos pela água do rio”,<br />

“Velas e navios sobre as águas”, “E<br />

viemos nasci<strong>dos</strong> do mar”, “Nos palmares<br />

das baías”, “Fascínio e sedução”,<br />

“À luz mais frágil das auroras”,<br />

“À sombra das ciladas”, e, num salto<br />

mais para a frente no futuro disco,<br />

“Por altas terras <strong>de</strong> montanhas”. Só<br />

<strong>de</strong>pois virão temas <strong>dos</strong> discos anteriores,<br />

do fim para o princípio. Mas<br />

há um fim?<br />

Fausto diz: “Não sigo a or<strong>de</strong>m <strong>dos</strong><br />

relatos mas uma sequência cinematográfica<br />

da viagem, atravessando os<br />

relatos, colocando as canções correspon<strong>de</strong>ntes.<br />

Há naufrágios que foram<br />

à partida e outros que foram no regresso,<br />

como o do Sepúlveda.” Em<br />

síntese, vê assim a trilogia: “O ‘Por<br />

Este Rio Acima’ fundamentalmente é<br />

a água, é o mar. O ‘Crónicas’ é a aproximação<br />

à terra. E este novo disco é<br />

a entrada, <strong>de</strong>finitiva, pelo continente<br />

a<strong>de</strong>ntro.” Mas não é simples memória,<br />

este trabalho <strong>de</strong> minúcia sobre<br />

um passado riquíssimo: “A história<br />

respira aqui, mas o que aconteceu no<br />

passado ainda acontece hoje. É essa<br />

a minha gran<strong>de</strong> intenção, dizer que<br />

tudo isto é actual e se passa ainda à<br />

nos-sa frente.” Exemplos? “Quando<br />

falei sobre o Fernão Men<strong>de</strong>s Pinto<br />

transportei-o para os tempos actuais,<br />

porque a diáspora portuguesa continua.<br />

Aliás, incentivou-se agora: há<br />

portugueses que chegam a África pe-<br />

la primeira vez. No caso concreto da<br />

escravatura, ela continua a existir. No<br />

Sudão, na Arábia Saudita.”<br />

Viajar pelo sonho<br />

Nesta viagem, várias coisas chamaram<br />

a atenção do compositor. “Uma foi o<br />

sistema da escravatura, já a funcionar<br />

na sua ‘perfeição’ plena. Os portugueses<br />

ficaram espanta<strong>dos</strong> quando viram<br />

pessoas a serem trocadas por animais.”<br />

Outra foi o Preste João das Índias.<br />

“Era mítico, era uma lenda, e no<br />

entanto eles encontraram-no. Tinha<br />

práticas religiosas, cristãs, mas muito<br />

diferentes das que se praticavam. Não<br />

era um rei <strong>de</strong> palácios, era um rei nó-<br />

“‘Por Este Rio Acima’<br />

é a água, é o mar.<br />

‘Crónicas’ é a<br />

aproximação à terra.<br />

E este novo disco<br />

é a entrada pelo<br />

continente a<strong>de</strong>ntro”<br />

FERNANDO VELUDO/NFACTOS<br />

mada. Vivia um pouco em acampamentos<br />

que se iam montando, com a<br />

pompa que eles podiam aproveitar.<br />

O que era impressionante para os portugueses,<br />

e o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ficalho dá<br />

disso conta, é que as festas <strong>de</strong>les redundavam<br />

em gran<strong>de</strong>s bacanais.” E<br />

esse é outro ponto, o sexo.“Uma das<br />

primeiras coisas que nos relatos transparecem,<br />

quando vêem as gentes das<br />

terras on<strong>de</strong> vão, são as mulheres.<br />

Compreen<strong>de</strong>-se. As viagens eram longas<br />

no mar e ali viam mulheres que<br />

eles, to<strong>dos</strong> eles, diziam que eram lindíssimas<br />

e que se apresentavam <strong>de</strong><br />

forma escultural, não estavam vestidas<br />

do pescoço aos pés.”<br />

De tal modo que raptaram uma. “Se<br />

houvesse marcianos e chegássemos<br />

a Marte, tentaríamos trazer um marciano<br />

para mostrar às pessoas.” Eles<br />

fizeram o mesmo: “Não tendo ainda<br />

a noção do esclavagismo nem <strong>de</strong> que<br />

os escravos podiam ser importantes<br />

como força <strong>de</strong> trabalho, tentaram levar<br />

alguém para mostrarem como<br />

eram as pessoas que habitavam aquelas<br />

terras.” Numa das novas canções,<br />

Fausto recria esse momento da história,<br />

<strong>de</strong>screvendo-o assim: “Ó que negra<br />

mais linda/ cingimos agora/ suavemente<br />

levada/ à luz mais frágil das<br />

auroras”. “Não esquecendo a violência<br />

do acto, este tema tenta mostrar<br />

a forma cuidada como eles levam a<br />

pessoa, no caso uma mulher.”<br />

O novo disco levou-o, ainda, a uma<br />

velha paixão. “Entre os meus 10 e os<br />

meus 17/18 anos não perdoava nenhuma<br />

viagem entre Nova <strong>Lisboa</strong> [hoje<br />

Huambo] e Silva Porto [hoje Kuito] sem<br />

ir à casa do Silva Porto. Sabia-o um homem<br />

<strong>de</strong> barbas longas, um explorador<br />

que <strong>de</strong>morava seis meses a viajar do<br />

Bié para o Lobito, on<strong>de</strong> fazia o seu negócio,<br />

à base <strong>de</strong> pequeno comércio.<br />

Lembro-me bem da casa, porque me<br />

encantava: era uma casa europeia mas<br />

feita <strong>de</strong> adobe e colmo, uma cubata<br />

rectangular com uma paliçada, por<br />

causa das feras, e ro<strong>de</strong>ada <strong>de</strong> laranjeiras,<br />

um símbolo <strong>de</strong> Portugal.”<br />

A recriar esta viagem em 22 canções<br />

estarão no palco, com Fausto<br />

(voz e guitarra), João Maló (guitarra),<br />

Miguel Fevereiro (guitarra), Filipe Raposo<br />

(piano), Enzo D’Aversa (tecla<strong>dos</strong>,<br />

acor<strong>de</strong>ão), Vitor Milhanas (baixo) e<br />

Mário João Santos (bateria). Arranjos<br />

e direcção musical são <strong>de</strong> José Mário<br />

Branco, seu parceiro na aventura <strong>dos</strong><br />

Três Cantos.<br />

Da viagem, há ainda um ponto a<br />

reter: “Não vou chegar à parte da instalação<br />

<strong>de</strong> um sistema e administração<br />

colonial, nem quero. Até porque foi<br />

tardio. Eu privilegiei aqueles que viajaram<br />

pelo sonho, ainda que houvesse<br />

conflitos. Pelo sonho do conhecimento,<br />

do contacto com outros povos.”<br />

Como Silva Porto, seu herói.<br />

Quem conhece<br />

a obra <strong>de</strong><br />

Fausto<br />

Bordalo Dias,<br />

sabe ao que<br />

vem. São<br />

milhares <strong>de</strong><br />

horas <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>dicação e<br />

estudo<br />

intenso, <strong>de</strong><br />

criação febril,<br />

<strong>de</strong> pausas sem<br />

tréguas ao<br />

pensamento


VIVA A SARDINHA!<br />

14 MAIO / 15 JULHO<br />

FESTA DO FADO<br />

3 A 27 JUNHO<br />

PÔR-DO-FADO<br />

3, 10, 17, E 24 JUNHO, 19H MUSEU DO FADO M/3<br />

24 JOSÉ MANUEL NETO CONVIDA RÃO KYAO<br />

FADO NO CASTELO<br />

4, 5, 11, 18, 19, 25 E 26 JUNHO, 22H CASTELO DE SÃO JORGE 12,5 M/3<br />

18 PAULO DE CARVALHO CONVIDA ANA SOFIA VARELA<br />

19 JOÃO FERREIRA ROSA, MARIA DA FÉ, BEATRIZ DA CONCEIÇÃO<br />

E MARIA DA NAZARÉ CONVIDAM ARGENTINA SANTOS<br />

25 RICARDO PARREIRA CONVIDA CANTORES DE COIMBRA:<br />

PROF. MACHADO SOARES, DR. LUÍS GÓIS E ANTÓNIO ATAÍDE<br />

NOITES DE FADO<br />

5, 12, 19 E 26 JUNHO, 22H FÁBRICA BRAÇO DE PRATA 8 M/16<br />

HÉLDER MOUTINHO, RICARDO PARREIRA,<br />

MARCO OLIVEIRA E YAMI<br />

NO ADRO DA IGREJA<br />

RODRIGO<br />

6, 20, 27 JUNHO MIRADOURO DE SANTO ESTÊVÃO M/3<br />

FERNANDO SILVA, JAIME SANTOS E ANTÓNIO MOLIÇAS<br />

NOITES DE FADO<br />

8, 15 E 22 JUNHO, 23H CHAPITÔ M/16<br />

RICARDO ROCHA, MARCO OLIVEIRA E JOÃO PENEDO<br />

O FADO E A REPÚBLICA<br />

JUNHO E JULHO, TERÇA A DOMINGO, 10H ÀS 18H MUSEU DO FADO PARA TODAS AS IDADES<br />

JUNHO E JULHO, SEGUNDA A SÁBADO, 14H ÀS 20H SOCIEDADE NACIONAL DE BELAS ARTES PARA TODAS AS IDADES<br />

EXPOSIÇÃO<br />

OUTRAS CENAS<br />

16 A 20 JUNHO<br />

(1)<br />

THE COLD TURKEY SESSIONS<br />

17 A 20 JUNHO, 18H ÀS 20H ALKANTARA FESTIVAL 2010<br />

(2)<br />

A CIDADE DE LISBOA<br />

EM LUIZ RUFFATO<br />

18 JUNHO, 19H CASA DA AMÉRICA LATINA<br />

(3)<br />

ARRAIAL LATINO-AMERICANO<br />

19 E 20 JUNHO, 14H À 01H; 10H ÀS 18H30 CASA DA<br />

AMÉRICA LATINA<br />

(4)<br />

LISBOA: O QUE O TURISTA<br />

DEVE VER<br />

17 A 20 JUNHO, 10H ÀS 18H CASSEFAZ<br />

(5)<br />

JOSÉ MIGUEL WISNIK<br />

E CONVIDADOS<br />

18 JUNHO, 21H30 CULTURGEST<br />

(6)<br />

FESTIVAL SILÊNCIO<br />

17 A 20 JUNHO GOETHE INSTITUT PORTUGAL,<br />

INSTITUTO FRANCO PORTUGUÊS E MUSICBOX<br />

(7)<br />

AOARLIVRE<br />

19 JUNHO, 15H ÀS 20H MARIA MATOS TEATRO MUNICIPAL<br />

(8)<br />

DOMINIC PÚBLIC<br />

ROGER BERNAT<br />

19 E 20 JUNHO, 21H30; 17H30 E 21H30 MARIA MATOS<br />

TEATRO MUNICIPAL<br />

TODA A PROGRAMAÇÃO EM<br />

WWW.FESTASDELISBOA.COM<br />

<br />

<br />

<br />

(9)<br />

KING PAI<br />

CAROLINE BERGERON<br />

18 E 19 JUNHO, 21H E 23H MUSEU DA MARIONETA<br />

(10)<br />

ACORDEM AS GUITARRAS<br />

16 A 18 JUNHO, 11H ÀS 18H MUSEU DO FADO<br />

(11)<br />

FESTIVAL CHOPIN<br />

16 A 19 JUNHO, 18H30; 21H SÃO LUIZ TEATRO<br />

MUNICIPAL E METROPOLITANA<br />

(12)<br />

IN-TEATRO CAMINO REAL<br />

19 E 20 JUNHO, 21H30 TEATRO DA GARAGEM<br />

(13)<br />

O TEATRO NO JARDIM<br />

BRINCADEIRAS E TEATRICES<br />

19 E 20 JUNHO, 11H TEATRO DA GARAGEM<br />

(14)<br />

TEATRO TEEN CLUBE<br />

DE TEATRO JOVEM<br />

19 E 20 JUNHO TEATRO DA GARAGEM<br />

(15)<br />

A DOR<br />

MARGUERITE DURAS<br />

18 A 20 JUNHO, 21H30; 16H TEATRO NACIONAL<br />

D. MARIA II<br />

<br />

silva!<strong>de</strong>signers


Luz e escuridão<br />

na vida do camarada Álvaro<br />

Carlos Brito, durante muitos anos lí<strong>de</strong>r parlamentar do PCP, afastado do partido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2002,<br />

escreveu as suas memórias <strong>de</strong> Álvaro Cunhal. Memórias que são sobretudo políticas, mesmo<br />

que salpicadas por relatos <strong>de</strong> episódios menos conheci<strong>dos</strong>. Um livro entre a paixão do<br />

militante bolchevique e a razão do dissi<strong>de</strong>nte comunista. José Manuel Fernan<strong>de</strong>s<br />

26 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon


Livros<br />

A última vez que Carlos Brito se encontrou<br />

com Álvaro Cunhal – o “camarada<br />

Álvaro” – foi em 2000. Fevereiro<br />

<strong>de</strong> 2000. Cinco anos antes do<br />

lí<strong>de</strong>r histórico <strong>dos</strong> comunistas portugueses<br />

morrer, a 13 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 2005.<br />

E <strong>de</strong>z anos antes <strong>de</strong> sentir que podia<br />

“escrever um livro sereno, e isento<br />

tanto quanto possível”.<br />

O livro chama-se “Álvaro Cunhal –<br />

Sete Fôlegos do Combatente” e apresenta-se<br />

como livro <strong>de</strong> memórias. Que<br />

só o é muito parcialmente: “Este é um<br />

livro político, sobre o pensamento<br />

político <strong>de</strong> alguém com quem convivi<br />

directamente 33 anos”, diz-nos Carlos<br />

Brito, que conheceu o secretário-geral<br />

do PCP no final <strong>de</strong> 1966, em Paris,<br />

apenas três meses <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter saído<br />

da prisão. “Detenho-me apenas em<br />

alguns episódios para as pessoas tomarem<br />

o pé, enten<strong>de</strong>rem o contexto.<br />

Esforcei-me sempre para dar pormenores<br />

que ajudam a compreen<strong>de</strong>r as<br />

posições que Cunhal foi tomando”.<br />

Entre esses pormenores está a <strong>de</strong>scrição<br />

<strong>de</strong>sse último encontro, pouco<br />

antes <strong>de</strong> se iniciar uma reunião do<br />

Comité Central (CC) do PCP. Nessa<br />

altura já Carlos Brito <strong>de</strong>ixara a direcção<br />

<strong>de</strong> topo do partido, retirando-se<br />

para Alcoutim (Algarve), e já Cunhal<br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ara – mas ainda não vencera<br />

– a sua luta contra o sector renovador.<br />

Foi, apesar <strong>de</strong> tudo, uma conversa<br />

menos tensa do que a reunião do<br />

CC que se lhe seguiria. Álvaro Cunhal<br />

pedira-a para criticar um artigo que<br />

Carlos Brito escrevera para o “Avante!”<br />

sobre Luís Sá, o dirigente da ala<br />

renovadora que morrera, <strong>de</strong> síncope,<br />

quando trabalhava no seu gabinete<br />

da Soeiro Pereira Gomes. Brito queria<br />

organizar um seminário sobre a sua<br />

obra teórica, Cunhal estava frontalmente<br />

contra: “O Luís Sá não era leninista!”,<br />

disparou. E não ser leninista<br />

era, para o velho dirigente, um<br />

pecado capital.<br />

Depois <strong>de</strong>ste primeiro embate, a<br />

segunda parte da conversa foi mais<br />

tranquila. O antigo lí<strong>de</strong>r parlamentar<br />

do PCP explicou ao antigo secretáriogeral<br />

a sua proposta para abandonar<br />

o “marxismo-leninismo”, este escutou<br />

e, como Brito escreve no livro,<br />

separaram-se, <strong>de</strong>ixando Cunhal “a<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que era uma questão que não<br />

lhe repugnava consi<strong>de</strong>rar”. Falsa<br />

“Tem <strong>de</strong> se encontrar<br />

uma maneira <strong>de</strong><br />

o eleitorado não votar<br />

contra o socialismo.<br />

Po<strong>de</strong> votar contra um<br />

governo que não está<br />

a ser o melhor, mas<br />

sem abandonar<br />

o socialismo. Isso até<br />

hoje não se<br />

conseguiu”<br />

i<strong>de</strong>ia: horas <strong>de</strong>pois da conversa Álvaro<br />

Cunhal reproduziria, em plena<br />

reunião do Comité Central, o teor das<br />

suas propostas, sem i<strong>de</strong>ntificar o autor<br />

e “como um exemplo <strong>de</strong> posições<br />

que faziam perigar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do<br />

Partido e que era necessário combater<br />

urgentemente”.<br />

Si<strong>de</strong>rado, Carlos Brito confirmou<br />

na pele a <strong>de</strong>scrição que, pouco antes,<br />

lhe havia feito um membro da Comissão<br />

Política sobre a forma <strong>de</strong> actuar<br />

<strong>de</strong> Cunhal ao lidar com pontos <strong>de</strong> vista<br />

divergentes: “Desconfia da fartura!<br />

Isso é o seu esquema para tirar nabos<br />

da púcara: mostrar-se concordante<br />

para aprofundar tudo o que os seus<br />

interlocutores têm no pensamento.”<br />

Já o fizera antes com alguns elementos<br />

<strong>de</strong> um <strong>dos</strong> primeiros grupo <strong>de</strong> dissi<strong>de</strong>ntes,<br />

o “Grupo <strong>dos</strong> Seis”, que saíra<br />

do PCP quase <strong>de</strong>z anos antes, voltava<br />

a fazê-lo com Carlos Brito.<br />

Álvaro Cunhal travava então o seu<br />

último gran<strong>de</strong> combate, uma luta que<br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou contra a direcção do<br />

próprio PCP e os princípios do documento<br />

“Novo Impulso”. “Depois <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ixar o cargo <strong>de</strong> secretário-geral há<br />

um novo fôlego que já não é <strong>de</strong>le, é<br />

da Comissão Política”, recorda Carlos<br />

Brito. “É o ‘Novo Impulso’ que, quando<br />

sai, Cunhal enten<strong>de</strong> representar a<br />

subversão do centralismo <strong>de</strong>mocrático”.<br />

O choque entre a ala renovadora e<br />

os chama<strong>dos</strong> ortodoxos saldou-se na<br />

A última vez que Carlos Brito se<br />

encontrou com Álvaro Cunhal<br />

foi em Fevereiro <strong>de</strong> 2000: cinco<br />

anos antes <strong>de</strong> Cunhal morrer, a<br />

13 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 2005, e <strong>de</strong>z anos<br />

antes <strong>de</strong> sentir que podia<br />

“escrever um livro sereno, e<br />

isento tanto quanto possível”<br />

vitória total <strong>dos</strong> ortodoxos, em boa<br />

parte graças à campanha que o antigo<br />

secretário-geral fez, com sessões <strong>de</strong><br />

esclarecimento por todo o país, a contestar<br />

a linha aprovada nos órgãos do<br />

partido. Luís Sá, que fora um <strong>dos</strong> principais<br />

impulsionadores da mudança<br />

e era a figura mais prestigiada da ala<br />

renovadora, morrera entretanto; o<br />

secretário-geral que suce<strong>de</strong>ra a<br />

Cunhal, Carlos Carvalhas, acabaria<br />

por se inclinar para os ortodoxos; e<br />

figuras como Edgar Teixeira ou Carlos<br />

Luís Figueira acabaram expulsos. Carlos<br />

Brito, então suspenso por 10 meses,<br />

<strong>de</strong>ixou passar esse período e,<br />

face à ausência <strong>de</strong> qualquer contacto,<br />

acabou por ficar, também ele, <strong>de</strong> fora<br />

do partido. E a assistir ao que,<br />

neste livro, <strong>de</strong>fine como uma “vitória<br />

à Pirro <strong>de</strong> que o PCP nunca<br />

mais se recompôs”.<br />

Compreen<strong>de</strong>-se por isso que tenha<br />

optado por não incluir este último<br />

combate <strong>de</strong> Álvaro Cunhal entre<br />

os “sete fôlegos do combatente”<br />

que i<strong>de</strong>ntifica. Para ele o<br />

velho lí<strong>de</strong>r comunista não mostrou,<br />

nesta última fase, nenhuma<br />

das qualida<strong>de</strong>s e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

inovação que o haviam distinguido<br />

nos momentos anteriores,<br />

apenas uma tenaz resistência<br />

à mudança.<br />

Porém, não será antes<br />

este último combate <strong>de</strong><br />

Cunhal um corolário das<br />

suas lutas anteriores?<br />

Não terá ele saído a terreiro<br />

porque, no fundo,<br />

não po<strong>de</strong> haver partido comunista<br />

sem leninismo?<br />

Carlos Brito recusa calorosamente<br />

este i<strong>de</strong>ia: “Os parti<strong>dos</strong> existiam antes<br />

<strong>de</strong> Lenine”, diz-nos. Mas, contrapomos...<br />

– Não eram a mesma coisa. O partido<br />

<strong>de</strong> Rosa Luxemburgo não era<br />

igual ao <strong>de</strong> Lenine…<br />

– Mesmo assim eram o movimento<br />

comunista.<br />

– Mas esse movimento comunista<br />

foi <strong>de</strong>pois muito padronizado à imagem<br />

do leninismo e do partido bolchevique<br />

pela III Internacional...<br />

– A III Internacional acabaria por<br />

<strong>de</strong>saparecer porque os parti<strong>dos</strong> queriam<br />

mais autonomia.<br />

– Sobram os exemplos <strong>dos</strong> parti-<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 27<br />

ENRIC VIVES-RUBIO


<strong>dos</strong> que <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser leninistas<br />

e, <strong>de</strong>pois, também <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser<br />

comunistas...<br />

– Não aceito que, para serem comunistas,<br />

os parti<strong>dos</strong> tenham <strong>de</strong> ser leninistas.<br />

Tem <strong>de</strong> haver outras formas<br />

<strong>de</strong> organização. Era nisso que acreditávamos<br />

e acreditamos. De resto, entre<br />

os renovadores, não houve evoluções<br />

para a social-<strong>de</strong>mocracia: hoje,<br />

os que não morreram entretanto, ou<br />

são comunistas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, ou<br />

estão no Bloco.<br />

Estratégias <strong>de</strong> vitória<br />

e <strong>de</strong> recuo<br />

Aos 77 anos Carlos Brito sente que continua<br />

a fazer parte <strong>de</strong>ste mundo e está<br />

contente com o impacto <strong>de</strong>ste livro,<br />

que <strong>de</strong>fine como uma “homenagem a<br />

Álvaro Cunhal”, mas à sua maneira,<br />

isto é, sublinhando o seu papel como<br />

dirigente mas <strong>de</strong>ixando também as<br />

suas críticas. “Álvaro Cunhal foi, sem<br />

dúvida, uma das figuras do último século,<br />

uma das figuras <strong>de</strong>stes 100 anos<br />

da República”. Uma figura que retrata<br />

utilizando <strong>de</strong> preferência as palavras<br />

– discursos, documentos políticos – do<br />

próprio Cunhal, se bem que enquadradas<br />

nos tais “sete fôlegos” que sistematizam<br />

a evolução do pensamento<br />

político e i<strong>de</strong>ológico e das posições<br />

tácticas do PCP e do seu lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

mea<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> anos 60.<br />

O primeiro <strong>de</strong>sses fôlegos foi o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

do conceito <strong>de</strong> “Revolução<br />

Democrática e Nacional”, realizado<br />

após a fuga <strong>de</strong> Peniche e eleição<br />

como secretário-geral. Na opinião <strong>de</strong><br />

Carlos Brito uma obra como “Rumo<br />

à Vitória”, informe preparatório do<br />

VI Congresso do PCP realizado em<br />

1965, permitiu “<strong>de</strong>nsificar o conteúdo<br />

revolucionário da luta antifascista” e<br />

teria gran<strong>de</strong> influência nos acontecimentos<br />

que levaram ao 25 <strong>de</strong> Abril e<br />

no período que imediatamente se lhe<br />

seguiu. “Chamámos-lhe a estratégia<br />

da vitória”, recorda o antigo <strong>de</strong>putado<br />

pelo distrito <strong>de</strong> Faro.<br />

O segundo, o terceiro e o quarto<br />

fôlegos <strong>de</strong> Cunhal coinci<strong>de</strong>m, na opinião<br />

<strong>de</strong> Carlos Brito, com momentos<br />

<strong>de</strong> inflexão na orientação do PCP durante<br />

o PREC, o período que vai do<br />

25 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1974 ao 25 <strong>de</strong> Novembro<br />

<strong>de</strong> 1975.<br />

No final <strong>de</strong> 1974 os comunistas reuniram-se<br />

no seu VII Congresso para<br />

adaptarem o seu programa aos “processos<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização e <strong>de</strong>scolonização”<br />

e tirarem partido da aceleração<br />

da revolução <strong>de</strong>corrente da <strong>de</strong>rrota<br />

<strong>dos</strong> spinolistas a 28 <strong>de</strong> Setembro.<br />

É nessa altura que se consagra na linha<br />

do PCP a “aliança povo-MFA”, mas o<br />

tom geral é <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>ração – não se fala<br />

nem em nacionalizações, nem em<br />

reforma agrária, fazem-se <strong>de</strong>saparecer<br />

as referências à “ditadura do proletariado”<br />

–, o que leva Carlos Brito a <strong>de</strong>finir<br />

este fôlego como correspon<strong>de</strong>ndo<br />

a um “recuo programático”.<br />

Depois veio “o avanço impetuoso<br />

do 11 <strong>de</strong> Março”, possibilitado pela<br />

aceleração da revolução portuguesa<br />

assente numa correlação <strong>de</strong> forças no<br />

seio das Forças Armadas que era favorável<br />

ao PCP e à chamada “esquerda<br />

militar”. Foi uma orientação que,<br />

para Brito, “permitiu a rápida explo-<br />

28 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Carlos Brito confirmou na pele a<br />

<strong>de</strong>scrição que lhe havia feito<br />

um membro da Comissão<br />

Política sobre a forma <strong>de</strong> actuar<br />

<strong>de</strong> Cunhal ao lidar com pontos<br />

<strong>de</strong> vista divergentes:<br />

“Desconfia da fartura! Isso é o<br />

seu esquema para tirar nabos<br />

da púcara: mostrar-se<br />

concordante para aprofundar<br />

tudo o que os seus<br />

interlocutores têm no<br />

pensamento”<br />

ração da <strong>de</strong>rrota do novo golpe <strong>de</strong><br />

estado contra-revolucionário e <strong>de</strong>senvolver<br />

um ataque severo ao capitalismo<br />

monopolista, inscrevendo o caminho<br />

do socialismo como a perspectiva<br />

do processo revolucionário<br />

português”.<br />

Álvaro Cunhal perceberia contudo,<br />

bem antes do 25 <strong>de</strong> Novembro, que a<br />

correlação <strong>de</strong> forças não permitiria o<br />

salto para o cumprimento integral da<br />

“revolução <strong>de</strong>mocrática e nacional”<br />

e, a partir <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1975, começou<br />

a travar as suas tropas. Essa nova viragem<br />

correspon<strong>de</strong> ao que Carlos<br />

Brito <strong>de</strong>fine como “a linha conciliatória<br />

do Comité Central <strong>de</strong> Alhandra” e<br />

terá permitido ao PCP “retirar-se da<br />

confrontação entre militares”, assim<br />

“contribuindo <strong>de</strong>cisivamente para<br />

evitar a guerra civil e fazendo abortar<br />

os planos da reacção para apanhar o<br />

PCP na armadilha das aventuras militares<br />

esquerdistas”.<br />

Apesar <strong>de</strong>sta inflexão, durante muito<br />

tempo as relações entre o lí<strong>de</strong>r do<br />

PCP e o teórico do movimento <strong>dos</strong><br />

capitães, Melo Antunes, foram tensas.<br />

Não havia espaço para dois i<strong>de</strong>ólogos<br />

da revolução, pelo que não surpreen<strong>de</strong><br />

que o i<strong>de</strong>ólogo comunista tivesse<br />

entrado em choque com o i<strong>de</strong>ólogo<br />

da facção mo<strong>de</strong>rada do MFA e só tivesse<br />

começado a olhá-lo <strong>de</strong> forma<br />

mais benevolente quando, após o 25<br />

<strong>de</strong> Novembro, o autor do “documento<br />

<strong>dos</strong> Nove” apareceu na televisão a<br />

dizer que o PCP faz falta à construção<br />

da <strong>de</strong>mocracia e do socialismo.<br />

O revolucionário<br />

e o <strong>de</strong>mocrata<br />

Três episódios recorda<strong>dos</strong> por Carlos<br />

Brito retratam o espírito <strong>de</strong>sses tempos<br />

e como “o ambiente revolucionário,<br />

mesmo <strong>de</strong>pois do comité central<br />

<strong>de</strong> Alhandra, se respirava por todo o<br />

lado, no partido como nas ruas”.<br />

O primeiro foi o apoio do PCP à chamada<br />

FUP, Frente <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong> Popular,<br />

uma organização frentista dinamizada<br />

pelos militares da V Divisão e<br />

apoiada por to<strong>dos</strong> os parti<strong>dos</strong> esquerdistas<br />

na qual o próprio Carlos Brito,<br />

seguindo o que julgava serem as<br />

orientações <strong>de</strong> Álvaro Cunhal, envolveu<br />

o PCP. Mas este não gostou pois<br />

consi<strong>de</strong>rava que, na FUP, o PCP iria<br />

atrelado a uma organização esquerdista,<br />

pelo que o PCP logo se distanciaria<br />

daquela organização.<br />

O segundo foi ainda mais caricato:<br />

o pedido da direcção do MES à direcção<br />

do PCP para que os comunistas<br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>assem “a insurreição”. Na<br />

análise da facção mais radical que<br />

acabara <strong>de</strong> tomar conta daquele mo-<br />

vimento da “esquerda socialista” “as<br />

condições estavam maduras” para o<br />

levantamento popular revolucionário<br />

e “era ao PCP que competia tomar a<br />

iniciativa”. Ora, como escreve Carlos<br />

Brito, “não existiam tais condições e,<br />

além <strong>de</strong> não ser essa a nossa linha,<br />

tínhamos bem presentes as trágicas<br />

consequências <strong>de</strong> qualquer erro <strong>de</strong><br />

cálculo neste domínio”.<br />

E o terceiro episódio teve raias <strong>de</strong><br />

dramatismo pois obrigou Carlos Brito<br />

a abandonar a Assembleia Constituinte<br />

antes <strong>de</strong> esta ser cercada pelos<br />

operários da construção civil em greve<br />

com o objectivo <strong>de</strong>, cá fora e em<br />

colaboração com outro dirigente comunista,<br />

José Magro, domar os impulsos<br />

mais radicais do movimento<br />

sindical. “Não conseguimos evitar o<br />

sequestro <strong>dos</strong> <strong>de</strong>puta<strong>dos</strong>, mas conseguimos<br />

impedir o assalto a São Bento,<br />

que em vários momentos esteve<br />

iminente, instigado por elementos<br />

esquerdistas, por dirigentes revolta<strong>dos</strong><br />

ou por simples trabalhadores em<br />

estado <strong>de</strong> exaltação”, recorda o antigo<br />

quadro do PCP.<br />

Por tudo isso Carlos Brito não tem<br />

dúvidas: “O que foi admirável foi a<br />

forma como Álvaro Cunhal conseguiu<br />

conter esses ânimos e evitar que o<br />

partido seguisse por um caminho<br />

aventureiro que o podia <strong>de</strong>struir. A<br />

forma como o fez foi admirável. As<br />

solicitações para acelerar encontravam-se<br />

a cada esquina. Tudo nos empurrava<br />

nessa direcção, mas ele não<br />

se <strong>de</strong>ixou ir.” Ou seja, o PCP resistiu<br />

à tentação do “assalto ao Palácio <strong>de</strong><br />

Inverno”.<br />

E não o fez apesar <strong>de</strong>, nessa época,<br />

Cunhal ainda <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r – e com ele o<br />

PCP – que em Portugal não haveria<br />

uma <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong> tipo oci<strong>de</strong>ntal. A<br />

sua aceitação <strong>de</strong> que o nosso país seria<br />

um país normal, integrado na Europa,<br />

<strong>de</strong>moraria ainda algum tempo. De<br />

resto, como recorda este seu antigo<br />

companheiro, o “revolucionário” nunca<br />

ce<strong>de</strong>u completamente o lugar ao<br />

“<strong>de</strong>mocrata”, mesmo quando, a seguir<br />

ao 25 <strong>de</strong> Novembro, a <strong>de</strong>fesa da<br />

Constituição tomou, no discurso do<br />

PCP, o lugar da <strong>de</strong>fesa da revolução.<br />

Foi o que Carlos Brito <strong>de</strong>fine como<br />

o quinto fôlego, o da “valorização<br />

revolucionária da Constituição”. Os<br />

comunistas fazem então do texto<br />

fundamental a sua trincheira, mas<br />

sem conseguirem evitar a sua progressiva<br />

alteração sempre em sentido<br />

contrário ao que <strong>de</strong>fendiam. O<br />

que não surpreen<strong>de</strong> pois “não havia<br />

nenhuma tentativa <strong>de</strong> negociação<br />

séria com quem <strong>de</strong>tinha a força eleitoral,<br />

o PS”.<br />

Pelo contrário: numa nova inflexão<br />

<strong>de</strong>finida nestas memórias como um<br />

“sexto fôlego”, o PCP apoia a criação<br />

<strong>de</strong> um novo partido, o PRD, cujo objectivo<br />

era reduzir o peso eleitoral <strong>dos</strong><br />

dois parti<strong>dos</strong> do Bloco Central mas<br />

que se viraria contra o próprio PCP.<br />

Trata-se da corporização da teoria do<br />

“corpo social politicamente vazio”,<br />

formulada em 1983 e que levaria os<br />

comunistas a recolherem assinaturas<br />

para a legalização do partido inspirado<br />

por Ramalho Eanes e a juntaremse<br />

a ele e a dissi<strong>de</strong>ntes do PS na candidatura<br />

<strong>de</strong> Salgado Zenha. Com estas<br />

manobras o PCP não só não conseguiu<br />

evitar a eleição <strong>de</strong> Mário Soares<br />

para a Presidência da República – um<br />

Mário Soares que, a par com Santiago<br />

Carrilho, sempre contou com a franca<br />

hostilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cunhal –, como acabaria<br />

por favorecer o terramoto eleitoral<br />

<strong>de</strong> que resultou a primeira maioria<br />

absoluta <strong>de</strong> Cavaco Silva.<br />

É por isso já numa situação difícil,<br />

internamente em perda eleitoral e<br />

num quadro internacional marcado<br />

pela Perestroika, que Álvaro Cunhal<br />

surpreen<strong>de</strong> o próprio Carlos Brito ao<br />

avançar com “a i<strong>de</strong>ia da <strong>de</strong>mocracia<br />

avançada no limiar do século XXI”,<br />

um sétimo e <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro “fôlego” on<strong>de</strong><br />

a principal novida<strong>de</strong> seria “o novo<br />

tratamento da liberda<strong>de</strong> política como<br />

um pilar do projecto comunista<br />

em Portugal”.<br />

“Trata-se <strong>de</strong> um ensaio renovador,<br />

<strong>de</strong> um ensaio que tem profundida<strong>de</strong>,<br />

mas que foi submerso pelos episódios<br />

<strong>de</strong> disciplina interna”, recorda-nos<br />

Brito. E que episódios: logo na reunião<br />

do Comité Central em que esse<br />

documento foi aprovado esteve também<br />

em discussão o comportamento<br />

<strong>de</strong> Zita Seabra, e a dureza com que<br />

esta foi tratada faria com que essa<br />

reunião ficasse conhecida como a do<br />

“julgamento <strong>de</strong> Zita Seabra”. Fora do<br />

PCP ninguém <strong>de</strong>u por isso pela viragem<br />

teórica, e mesmo <strong>de</strong>ntro do partido<br />

ela passou <strong>de</strong>spercebida. Toda a<br />

atenção estava focada nas divergências<br />

entre a direcção política e os<br />

membros do “Grupo <strong>dos</strong> Seis” e da<br />

“Terceira Via”. To<strong>dos</strong> os títulos eram<br />

para a forma implacável como, no<br />

PCP, se entendia a disciplina interna.


A sua [<strong>de</strong> Cunhal]<br />

aceitação <strong>de</strong> que<br />

o nosso país seria um<br />

país normal,<br />

integrado na Europa,<br />

<strong>de</strong>moraria ainda<br />

algum tempo. De<br />

resto, como recorda<br />

este seu antigo<br />

companheiro [Brito],<br />

o “revolucionário”<br />

nunca ce<strong>de</strong>u<br />

completamente o<br />

lugar ao “<strong>de</strong>mocrata”,<br />

mesmo quando,<br />

a seguir ao 25<br />

<strong>de</strong> Novembro, a <strong>de</strong>fesa<br />

da Constituição<br />

tomou, no discurso do<br />

PCP, o lugar da <strong>de</strong>fesa<br />

da revolução<br />

E todas as pulsões iam no sentido do<br />

regresso à ortodoxia, como se tornou<br />

evi<strong>de</strong>nte no apoio prestado aos golpistas<br />

que, em Agosto <strong>de</strong> 1991, tentaram<br />

<strong>de</strong>rrubar Gorbatchev.<br />

Nessa altura o afastamento entre<br />

Brito e Cunhal já é notório, sendo sintomática<br />

a aproximação do primeiro<br />

a Luís Sá, o primeiro nome escolhido<br />

para secretário-geral adjunto mas que<br />

recusou, apesar das muitas insistências<br />

do próprio. Nessa época Brito morava<br />

num T0 na Cruz Quebrada e Luís Sá<br />

numa água-furtada no Dafundo, e às<br />

vezes juntavam-se para jantar. “Costumávamos<br />

brincar com a frugalida<strong>de</strong><br />

das nossas residências”, conta Carlos<br />

Brito. “Ah! Se a imprensa burguesa sou-<br />

apresenta<br />

PQ.MARECHAL<br />

CARMONA<br />

CHRIS ISAAK<br />

5JUL<br />

besse das residências sumptuosas em<br />

que vivem os responsáveis <strong>dos</strong> Partido<br />

no parlamento e nas autarquias!?”<br />

Foi <strong>de</strong>ssas conversas que nasceu o<br />

poema “As Dúvidas” – “Não basta ter<br />

por fito um i<strong>de</strong>al/como aves através<br />

<strong>dos</strong> continentes/cegas a tudo menos<br />

à chega/Neste voo migratório horizontal/no<br />

olhar atento para as gentes/<br />

sabe-se tudo mas não se sabe nada”<br />

–, texto que não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> incomodar<br />

Cunhal. Porém, apesar <strong>de</strong>ssa<br />

proximida<strong>de</strong>, Carlos Brito ainda<br />

hoje não sabe explicar porque é que<br />

Luís Sá, <strong>de</strong>z anos antes do velho lí<strong>de</strong>r<br />

o acusar <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> leninismo, não<br />

quis assumir o lugar <strong>de</strong> secretárioadjunto.<br />

ANTÓNIO PINHO VARGAS LAURENT FILIPE<br />

PQ.MARECHAL<br />

CARMONA<br />

NOITE DE JAZZ<br />

EM PORTUGUÊS<br />

17JUL<br />

“Seria por sentir que o Álvaro o<br />

queria mais perto <strong>de</strong> si do que ele<br />

próprio queria estar?”, aventa Brito.<br />

“O Luís <strong>de</strong>fendia que era necessário<br />

dar mais importância a Marx no trabalho<br />

teórico do partido, em especial<br />

no que respeita às liberda<strong>de</strong>s formais...”<br />

Mais liberda<strong>de</strong>s formais. Ainda<br />

agora a pedra <strong>de</strong> toque para este velho<br />

militante. Ele que continua próximo<br />

do PCP porque com ele partilha<br />

“i<strong>de</strong>ais”, a começar “pela ambição<br />

<strong>de</strong> alcançar a justiça social numa socieda<strong>de</strong><br />

sem classes”, mas ele que<br />

também vive “a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que sem liberda<strong>de</strong><br />

não há socialismo”, pois<br />

acredita que “o socialismo po<strong>de</strong> e<br />

CASCAIS PQ.PALMELA 1JUL REGINA SPEKTOR<br />

HIPÓDROMO 13JUL NORAH JONES 22JUL MARIA BETHÂNIA / CELSO<br />

FONSECA 25JUL DIANA KRALL PQ.MARECHAL CARMONA 24JUL CORINNE<br />

BAILEY RAE 27JUL CLUB DES BELUGAS Orchestra 28JUL ELVIS COSTELLO<br />

& THE SUGARCANES 29JUL SOLOMON BURKE Special Guest JOSS STONE<br />

MAFRA JARDIM DO CERCO 20JUL DEOLINDA 23JUL ORQUESTRA BUENA<br />

VISTA SOCIAL CLUB® Feat. OMARA PORTUONDO<br />

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<strong>de</strong>ve ser construído no respeito pelo<br />

resultado das eleições”.<br />

Mesmo quando o eleitorado está<br />

contra o socialismo? “Tem <strong>de</strong> se encontrar<br />

uma maneira <strong>de</strong> o eleitorado<br />

não votar contra o socialismo. Po<strong>de</strong><br />

votar contra um governo que não está<br />

a ser o melhor, mas sem abandonar<br />

o socialismo. Isso até hoje não se conseguiu.”<br />

Pois não. E é talvez por ter regressado<br />

a esta “utopia primitiva” que<br />

Carlos Brito acabou por se afastar irremediavelmente<br />

<strong>de</strong> Álvaro Cunhal,<br />

um firme crente nas virtu<strong>de</strong>s do “socialismo<br />

científico” e <strong>de</strong> que o marxismo<br />

se <strong>de</strong>ve conjugar sempre com<br />

hífen e com leninismo.<br />

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Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 29


Livros<br />

Vasco Luís Curado,<br />

um Homero caçado<br />

30 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Esta é a embaraçosa chegada à maturida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vergílio, o protagonista<br />

socialmente incapaz do romance “A Vida Verda<strong>de</strong>ira”. Entre a vida verda<strong>de</strong>ira<br />

e a escrita, Vasco Luís Curado, o autor, prefere a escrita. Quer ser<br />

Homero e não Ulisses: “Alguém tem <strong>de</strong> fazer este trabalho”. Raquel Ribeiro<br />

Vasco Luís Curado, psicólogo, já tinha<br />

publicado contos, e, há nove anos,<br />

um pequeno romance. Foi finalista<br />

do prémio Leya, recomendado para<br />

publicação. Mas o romance que agora<br />

sai na Dom Quixote, “A Vida Verda<strong>de</strong>ira”,<br />

era outro que estava na<br />

gaveta e que avança primeiro do que<br />

aquele que foi finalista. Há, portanto,<br />

outro livro, já terminado, “que po<strong>de</strong>rá<br />

aparecer um dia <strong>de</strong>stes”.<br />

Aos 38 anos, é quase um <strong>de</strong>sconhecido.<br />

Uma pesquisa com o seu nome<br />

no Google po<strong>de</strong> não dar quaisquer<br />

resulta<strong>dos</strong>. O autor cultiva esse anonimato:<br />

“É uma arte que nem to<strong>dos</strong><br />

dominam [risos]. Sou ten<strong>de</strong>ncialmen-<br />

te discreto. Já fiz mais esforço. No<br />

passado fazia mais, era tímido. Uma<br />

pessoa vence a sua timi<strong>de</strong>z quando<br />

<strong>de</strong>scobre que os outros têm mais o<br />

que fazer do que estar sempre a avaliar.”<br />

Vasco Luís Curado é tímido como<br />

Vergílio, o protagonista <strong>de</strong> “A Vida<br />

Verda<strong>de</strong>ira”. À primeira vista, este é<br />

um romance sobre um homem que<br />

vai <strong>de</strong>ixar a casa da sua infância, a<br />

última proprieda<strong>de</strong> que resiste ao<br />

avançar impie<strong>dos</strong>o <strong>de</strong> um urbanismo<br />

<strong>de</strong> prédios altos e marquises reluzentes.<br />

Mas, num segundo olhar, este<br />

romance já não é sobre essa casa,<br />

mas, nas palavras do autor, sobre Ver-<br />

gílio, “um jovem adulto, inexperiente,<br />

que se sente incompatibilizado com<br />

a vida comum. Teve uma mãe sobreprotectora<br />

e um pai com uma personalida<strong>de</strong><br />

fantasista e omnipotente que<br />

não o prepararam para a vida adulta.<br />

Tem tendência para se fechar num<br />

casulo <strong>de</strong> memórias e recordações <strong>de</strong><br />

infância. Tem dificulda<strong>de</strong> em <strong>de</strong>ixar<br />

o espaço da infância.”<br />

Vergílio está numa fase <strong>de</strong> transição<br />

para a vida adulta. É o momento <strong>de</strong><br />

sair da casa das memórias, e <strong>de</strong> construir<br />

uma outra, “feita <strong>de</strong> palavras”,<br />

explica Vasco Luís Curado. Vai assumir<br />

a escrita enquanto <strong>de</strong>stino, e, ao<br />

“assumir-se como escritor, vai habitar<br />

outro casulo protector”. A vida verda<strong>de</strong>ira<br />

é a escrita?<br />

As palavras <strong>de</strong> Herberto Hél<strong>de</strong>r<br />

(que o autor <strong>de</strong>sconhecia) po<strong>de</strong>riam<br />

ter sido ditas por Vergílio, assim: “Esta<br />

é realmente a minha embaraçosa<br />

chegada à maturida<strong>de</strong>. Não serve para<br />

espectáculo, nem dá como exemplo<br />

ou símbolo. Tenho <strong>de</strong> inventar a<br />

minha vida verda<strong>de</strong>ira.”<br />

A vida ou a escrita<br />

É fácil culpar a mãe e a irmã, mulheres<br />

da vida <strong>de</strong> Vergílio, pela sua total<br />

incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “afrontar a realida<strong>de</strong><br />

convencional, comum, quotidiana”.<br />

Primeiro a mãe, super-protectora,<br />

Finalista do<br />

Prémio Leya,<br />

psicólogo,<br />

Vasco Luís<br />

Curado diz<br />

que nasceu<br />

para escrever:<br />

os livros são<br />

as suas<br />

caçadas<br />

NUNO OLIVEIRA


or <strong>de</strong> leões<br />

que não o <strong>de</strong>ixa sair. A escola vai ser<br />

o gran<strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> ruptura: “Durante<br />

a infância, sente-se dividido entre a<br />

lealda<strong>de</strong> à mãe, ao seu mundo enclausurado,<br />

e o apelo da vida social, a começar<br />

pela escola. A escola é a gran<strong>de</strong><br />

instituição que vem tirar as crianças<br />

às suas mães”. Isto tem<br />

consequências sérias para Vergílio:<br />

vai viver sempre dividido, “culpabilizado,<br />

porque partir para o exterior é<br />

trair a mãe”. Mas é o próprio Vergílio<br />

que se agarra ao passado “para justificar<br />

a sua inacção, a sua inabilida<strong>de</strong>,<br />

a sua incompetência social”.<br />

A relação com a irmã, Irene, “parece<br />

mais doentia”, quase incestuosa.<br />

No limite, explica o escritor, “o incesto<br />

puro e duro é casar e ter filhos e<br />

copular com as irmãs, com a mãe,<br />

com as filhas, é não ir para o exterior<br />

e não fazer trocas com o exterior”.<br />

Este é um incesto metafórico, portanto:<br />

“Como ele está incompatibilizado<br />

com a vida social, quotidiana, real,<br />

agarra-se às figuras marcantes da infância”.<br />

Irene tem a iniciativa <strong>de</strong> romper<br />

com o irmão. “Ela amadurece<br />

mais <strong>de</strong>pressa e exorta-o a amadurecer.<br />

É assim que vejo este incesto simbólico<br />

entre eles. A dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong>le<br />

em crescer, em amadurecer, em partir<br />

para a vida real. É uma zona <strong>de</strong><br />

conforto que ele não quer <strong>de</strong>ixar. É a<br />

irmã que lhe garante a continuida<strong>de</strong><br />

nessa redoma”.<br />

Além da mãe e da irmã, Vergílio<br />

agarra-se às memórias da família:<br />

“Inscreve-se na ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> antepassa<strong>dos</strong><br />

para se ligar à própria história da<br />

humanida<strong>de</strong> que é outro casulo que<br />

ele constrói à sua volta, acompanhado<br />

pelos heróis míticos do passado,<br />

como Ulisses”. Sim, mas Ulisses era<br />

um guerreiro aventureiro, e Vergílio<br />

não sai <strong>de</strong> casa: “Ele é um Ulisses doméstico<br />

[risos], entre a cama on<strong>de</strong><br />

dorme, a cozinha, e o portão da quinta<br />

on<strong>de</strong> mora, passa por mil aventuras,<br />

mil errâncias. Gran<strong>de</strong>s odisseias<br />

po<strong>de</strong>m acontecer nesse percurso”. O<br />

imaginário <strong>de</strong> Vergílio está ligado ao<br />

seu pai, ao avô e ao bisavô, “antepassa<strong>dos</strong><br />

masculinos que ele vê como<br />

uma corrida <strong>de</strong> estafetas, em que uma<br />

geração passa o seu testemunho à geração<br />

seguinte”. O autor continua o<br />

seu cepticismo quanto às reais possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> Vergílio passar o testemunho:<br />

“Não o imagino casado, passando<br />

o testemunho à geração seguinte,<br />

pelo menos não da maneira<br />

convencional, tendo filhos, sendo o<br />

exemplo moral para o filho, como o<br />

pai foi para ele. Nesta transição para<br />

o mundo exterior à família, duvido<br />

“Homens com<br />

quem nos cruzamos<br />

to<strong>dos</strong> os dias na rua<br />

combateram<br />

em África, cometeram<br />

massacres, e também<br />

tiveram actos<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> heroísmo.<br />

Recalcámos isso<br />

muito <strong>de</strong>pressa.<br />

Não me surpreen<strong>de</strong><br />

que haja antigos<br />

combatentes a viver<br />

na sombra. O país<br />

europeu não os quer<br />

ouvir”<br />

muito das capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sobrevivência<br />

<strong>de</strong>le.”<br />

Mas o legado <strong>de</strong> Vergílio (como o<br />

<strong>de</strong> Vasco Luís Curado, afinal) po<strong>de</strong>rá<br />

ser, ao participar nessa corrida <strong>de</strong> estafetas,<br />

passar o testemunho através<br />

da escrita. A vida verda<strong>de</strong>ira também<br />

po<strong>de</strong> ser um texto: “Seduz-me pensar<br />

que a nossa vida verda<strong>de</strong>ira não é esta<br />

que assumimos publicamente, certificada,<br />

com bilhete <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>,<br />

mas sim uma ficção que to<strong>dos</strong> nós<br />

construímos. Essa lenda que fazemos<br />

<strong>de</strong> nós próprios e <strong>dos</strong> outros. Temos<br />

tendência para ver os outros como<br />

figuras lendárias, os nossos pais, os<br />

nossos avós; construímos narrativas,<br />

episódios da mitologia familiar.”<br />

Por isso, sair <strong>de</strong> casa para a realida<strong>de</strong><br />

comum é difícil. No final, Vergílio<br />

sai da casa que acabou <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r, literalmente<br />

sai, e vai para o centro da<br />

cida<strong>de</strong>. Mas essa nova vida será tão<br />

difícil como caçar o leão que o Tio<br />

Horácio, que combateu na guerra colonial<br />

em Angola, lhe contou ser o<br />

rito <strong>de</strong> transição entre a infância e a<br />

vida adulta para algumas tribos bantu.<br />

Vergílio ainda vai ter <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r<br />

a caçar leões: “Simbolicamente, esta<br />

transição na sua vida é ele a sair para<br />

o mato para caçar o seu leão. A casa<br />

é a infância, e o que o espera lá fora<br />

é uma experiência <strong>de</strong>cisiva para alcançar<br />

outro modo <strong>de</strong> vida mais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />

O leão continua lá fora<br />

para ser caçado por ele.”<br />

Ulisses <strong>de</strong> Nambuangongo<br />

O Tio Horácio é uma das personagens<br />

mais marcantes <strong>de</strong> “A Vida Verda<strong>de</strong>ira”.<br />

Apesar <strong>de</strong> sabermos aquilo por<br />

que passou na guerra colonial em<br />

África, o autor nunca tem uma leitura<br />

crítica ou política <strong>de</strong>sses acontecimentos.<br />

Parece vir a calhar esta conversa,<br />

dias <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> António Barreto<br />

lembrar os combatentes no 10 <strong>de</strong> Junho,<br />

dias <strong>de</strong>pois das comemorações<br />

do 25º aniversário da a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> Portugal<br />

à CEE.<br />

Ao contrário do narrador, Vasco<br />

Luís Curado (que ainda hoje, como<br />

psicólogo, trabalha na Liga <strong>dos</strong> Combatentes)<br />

tem uma opinião. Foi uma<br />

escolha intencional, diz, não fazer<br />

juízos <strong>de</strong> valor sobre a guerra em África,<br />

no romance: “Estou mais interessado<br />

na experiência <strong>dos</strong> próprios<br />

combatentes do que nas leituras políticas<br />

que se possam fazer da guerra<br />

colonial. Procuro situar-me do ponto<br />

<strong>de</strong> vista do combatente, um homem,<br />

em geral, com pouca instrução e normalmente<br />

apolítico. Ouvi muitos combatentes<br />

como psicólogo, ouvi muitas<br />

histórias, contactei com muitos veteranos.”<br />

Curado admite que, 35 anos <strong>de</strong>pois<br />

do fim da guerra, “é altura <strong>de</strong> resgatar<br />

essas histórias”. À guerra colonial e à<br />

<strong>de</strong>scolonização Curado preten<strong>de</strong> voltar<br />

em futuros livros. É importante<br />

para compreen<strong>de</strong>r o Portugal <strong>de</strong> hoje:<br />

“Esquecemos que, há bem pouco<br />

tempo, homens com quem nos cruzamos<br />

to<strong>dos</strong> os dias na rua combateram<br />

em África, cometeram massacres<br />

e violações, e também tiveram actos<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>cência, e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> heroísmo.<br />

Recalcámos isso muito <strong>de</strong>pressa.<br />

A<strong>de</strong>rimos rapidamente ao<br />

projecto europeu, encerrámos o capítulo<br />

imperial. Por isso não me surpreen<strong>de</strong><br />

que haja pessoas por aí a<br />

viver na sombra, antigos combatentes.<br />

Parece que o país não os quer<br />

ouvir, o país europeu.”<br />

Talvez este seja o tempo <strong>de</strong> contar<br />

tudo isso, <strong>de</strong> falar <strong>dos</strong> tios Horácios<br />

das famílias portuguesas. Assim, a<br />

escrita é uma espécie <strong>de</strong> missão. Sim,<br />

ainda está a apren<strong>de</strong>r a caçar leões,<br />

mas a sua caçada “são os livros”: “Os<br />

livros que me expõem em entrevistas,<br />

me expõem ao exterior da minha redoma.<br />

A minha caçada do leão talvez<br />

sejam esses livros escritos e os livros<br />

por escrever”. Conta como Cervantes<br />

põe fim ao Dom Quixote: “Dom Quixote<br />

nasceu para viver e eu para escrever,<br />

disse Cervantes”.<br />

Vasco Luís Curado quer ser Homero<br />

e não Ulisses. “Eu serei aquele que<br />

escreve, alguém tem <strong>de</strong> fazer este trabalho.<br />

Há por aí novos Ulisses que<br />

combateram em Nambuangongo e<br />

que precisam <strong>dos</strong> seus Homeros.”<br />

Ver crítica <strong>de</strong> livros págs. 46 e segs.<br />

silva!<strong>de</strong>signers<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

JUN~1O<br />

27 JUN<br />

DOMINGO ÀS 12H30<br />

SALA PRINCIPAL<br />

ENTRADA LIVRE<br />

CO-PRODUÇÃO SLTM ~ ESCOLA DE MÚSICA<br />

DO CONSERVATÓRIO NACIONAL<br />

M/3<br />

orquestra<br />

gera<br />

ção<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />

ciclo<br />

novos<br />

X9<br />

“(...) Vejo isto como o começo <strong>de</strong> um futuro para mim. Eu a tocar em orquestras,<br />

ou sozinha. Só me vejo num palco cheio <strong>de</strong> gente à minha frente e eu ali a tocar.”<br />

Neusa Tavares, contrabaixista, in Diário <strong>de</strong> Notícias<br />

WWW.TEATROSAOLUIZ.PT<br />

ENTRADA SUJEITA À LOTAÇÃO DA SALA.<br />

BILHETES DISPONÍVEIS A PARTIR<br />

DAS 13H00 DO DIA ANTERIOR.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 31


Livros<br />

África do Sul E não<br />

32 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Ninguém consegue escrever suficientemente<br />

rápido para contar uma história<br />

verda<strong>de</strong>ira, lamenta Rian Malan.<br />

Quem é Rian Malan? O “Hunther<br />

S. Thomson da África do Sul”, diz a<br />

capa do seu novo livro. O não-me-lixem-com-o-politicamente-correcto<br />

da África do Sul. O eu-não-sou-inglêsmas-a-“Spectator”-gosta-<strong>de</strong>-mim<br />

da<br />

África do Sul.<br />

Sim, a “Spectator” publica-lhe textos,<br />

apesar <strong>de</strong> ele ser um selvagem<br />

das colónias, um afrikaner que até<br />

tentou ser estrela rock aos 50 anos.<br />

E tudo isto significa que que quem<br />

o ler não corre gran<strong>de</strong> risco <strong>de</strong> se maçar,<br />

mas também que Rian Malan é o<br />

anti-Cristo para boa parte da Nova<br />

África do Sul.<br />

Nova África do Sul: Man<strong>de</strong>la, Mbeki<br />

e agora Zuma, o país que <strong>de</strong>rrubou o<br />

“apartheid” criado pelos avós <strong>de</strong> Rian<br />

Malan. Não que ele tenha sido um<br />

bom neto. Aos 12 anos já insultava o<br />

Partido Nacional. Aos 20 pirou-se para<br />

a Califórnia, escapando ao exército.<br />

Aos 30 voltou e escreveu o romance<br />

“My Traitor’s Heart”. Antes <strong>de</strong> ser um<br />

<strong>de</strong>salinhado na Nova África do Sul foi<br />

um <strong>de</strong>salinhado na Velha África do<br />

Sul. É um <strong>de</strong>salinhado, ponto, ou<br />

“uma revolução cultural <strong>de</strong> um só<br />

homem”, como diz a contracapa do<br />

seu novo livro.<br />

O seu novo livro: “Resi<strong>de</strong>nt Alien”<br />

( Jonathan Ball Publishers, 2009), título<br />

que já é todo um programa. Reúne<br />

textos publica<strong>dos</strong> até 2008<br />

(“Rolling Stone”, “Esquire”, “Observer”,<br />

“The Spectator”, “Sunday Telegraph”),<br />

cada um com o seu “post<br />

scriptum”, e to<strong>dos</strong> antecedi<strong>dos</strong> pela<br />

tal introdução em que Rian Malan faz<br />

suas estas palavras: “Ninguém consegue<br />

escrever suficientemente rápido<br />

para contar uma história verda<strong>de</strong>ira.”<br />

Não é um veredicto sobre as limitações<br />

da forma. No caso da África do<br />

Sul é mesmo a lei da natureza: não<br />

existe uma história verda<strong>de</strong>ira. Do<br />

ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Nadine Gordimer,<br />

as verda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Rian Malan serão heresias<br />

racistas, tal como do ponto <strong>de</strong><br />

Um branco que é o anti-Cristo. Uma branca que quer ser negra. Um negro que<br />

milagre diário, e to<strong>dos</strong> são poucos para a contar. Mas é o<br />

“Os brancos estavam<br />

prepara<strong>dos</strong> para<br />

o pior às mãos <strong>de</strong> um<br />

Governo negro.<br />

Não estavam era<br />

prepara<strong>dos</strong> para<br />

serem perdoa<strong>dos</strong>. Isso<br />

fez, e ainda faz, com<br />

que se sintam muito<br />

<strong>de</strong>sconfortáveis.”<br />

Antjie Krog<br />

vista <strong>de</strong> Rian Malan as verda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Nadine Gordimer são distorções para<br />

agradar ao Oci<strong>de</strong>nte.<br />

A África do Sul, diz ele, é aquele<br />

país on<strong>de</strong> as verda<strong>de</strong>s que se aniquilam<br />

umas às outras afinal não se aniquilam.<br />

E se vamos fazer um pequeno ramalhete<br />

com alguns livros publica<strong>dos</strong><br />

recentemente sobre a África do Sul,<br />

vale a pena entrar por aqui.<br />

Pois o que é que Rian Malan tem<br />

em comum com a sua compatriota<br />

Antjie Krog, além <strong>de</strong> serem brancos?<br />

Ou o que é que Rian Malan tem em<br />

comum com o seu compatriota negro<br />

Zakes Mda, além <strong>de</strong> serem homens?<br />

Ou o que é que Rian Malan tem em<br />

comum com o inglês Alec Russell e o<br />

americano Richard Stengel, além <strong>de</strong><br />

serem brancos, homens e jornalistas?<br />

Só mesmo escreverem sobre a África<br />

do Sul. E, entre apocalipse e paraíso,<br />

a África do Sul é um milagre diário,<br />

to<strong>dos</strong> são poucos para a contar.<br />

Então, para já, conheçam Rian Ma-<br />

lan. Aos 56 anos, vive em Joanesburgo<br />

com o seu cão Arabella e um currículo<br />

<strong>de</strong> ex-supermulheres: aquela<br />

que nos anos 80 esteve com ele na<br />

boémia <strong>de</strong> Yeoville e se recusou a partir<br />

quando os brancos fugiram do<br />

bairro; ou aquela a que ele chamava<br />

Con<strong>de</strong>ssa e um dia lhe disse: ou eu<br />

ou a sida. Malan estava doente mas<br />

com uma obsessão, mostrar que as<br />

notícias sobre a mortanda<strong>de</strong> da sida<br />

eram claramente exageradas. É talvez<br />

o seu momento mais anti-Cristo, entre<br />

vários — como quando fez uma<br />

guerra à Comissão <strong>de</strong> Verda<strong>de</strong> e Reconciliação,<br />

não porque o terror do<br />

“apartheid” não tivesse existido, mas<br />

porque também tinha existido, por<br />

exemplo, o terror <strong>dos</strong> gangues alegadamente<br />

li<strong>de</strong>ra<strong>dos</strong> por Winnie Man<strong>de</strong>la.<br />

Do frenesim do Soweto aos mergulhos<br />

no Cabo — passando por Robert<br />

Mugabe, Angola, blues ju<strong>de</strong>u ou mau<br />

rock —, a caveira que Rian Malan tem<br />

na mão é sempre a África do Sul, velha<br />

e nova, supersticiosa e “high tech”,<br />

essa adrenalina.<br />

No fim do “apartheid”, o que Malan<br />

pensou foi: “Aleluia! Libertação<br />

da Culpa! Redistribuição da Responsabilida<strong>de</strong>!”<br />

E <strong>de</strong>pois emocionou-se<br />

até às lágrimas a ver Man<strong>de</strong>la tomar<br />

posse.<br />

O pós-“apartheid”, avisou Malan,<br />

ia ser o apocalipse, a vingança <strong>dos</strong><br />

negros. Depois o apocalipse não veio,<br />

os negros perdoaram, e ele ficou com<br />

cara <strong>de</strong> parvo.<br />

A única saída é ser ele a dizer como<br />

ficou com cara <strong>de</strong> parvo, e ele diz.<br />

Um <strong>dos</strong> gran<strong>de</strong>s textos <strong>de</strong> “Resi<strong>de</strong>nt<br />

Alien” é sobre o Príncipe das<br />

Trevas, ou seja, J.M. Coetzee. Para<br />

Malan, Coetzee era a melhor coisa<br />

viva a escrever em inglês <strong>de</strong>baixo do<br />

sol. Um “liberal branco, <strong>de</strong>sagradado<br />

com o ‘apartheid’, mas não particularmente<br />

entusiástico quanto à revolução,<br />

também”. Nada <strong>de</strong> Viva Man<strong>de</strong>la.<br />

“As suas parábolas negras, veladas,<br />

davam-nos a sensação <strong>de</strong> que os<br />

nossos problemas não tinham solução,<br />

<strong>de</strong> que estávamos a caminho <strong>de</strong><br />

um pesa<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s a ar<strong>de</strong>r, es-<br />

tradas bloquedas, arame farpado e<br />

campos <strong>de</strong> concentração.” Um dia,<br />

Malan teve a possibilida<strong>de</strong> raríssima<br />

<strong>de</strong> entrevistar Coetzee. Foi um <strong>de</strong>sastre<br />

tal que acabou a perguntar: “De<br />

que género <strong>de</strong> música gosta?”<br />

Coetzee simplesmente rabiscava<br />

num ca<strong>de</strong>rno e respondia nada. Depois<br />

escreveu “Desgraça”, um livro<br />

que mostra como “os brancos levarão<br />

séculos a viver as consequências <strong>de</strong><br />

séculos <strong>de</strong> opressão”, resume Malan,<br />

“e quem queria ouvir isso?” E <strong>de</strong>pois<br />

foi viver para a Austrália, “um lugar<br />

on<strong>de</strong> um intelectual não tem nada <strong>de</strong><br />

melhor para fazer do que meter-se<br />

em polémicas tontas sobre vegetarianismo”.<br />

Em suma, o Príncipe das<br />

Trevas não coube na Nova África do<br />

Sul, ou vice-versa.<br />

Mas, até ver, Rian Malan, esse falso<br />

cínico, cabe. A dádiva <strong>de</strong> 1994 — eleições<br />

livres, <strong>de</strong>mocracia, fim do “apartheid”<br />

— foi tão enorme que ele nem<br />

conseguiu dizer obrigado. “Mas tenho<br />

orgulho em dizê-lo agora”, escreveu<br />

<strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois.<br />

E lá continua em Joanesburgo, a<br />

“cida<strong>de</strong> mais interessante do mundo”,<br />

não sabemos se ainda com o seu<br />

cão Arabella (será uma ca<strong>de</strong>la?), porque<br />

ficou <strong>de</strong> se encontrar com o Ípsilon<br />

algures entre os bares <strong>de</strong> Melville<br />

e <strong>de</strong>pois nunca aten<strong>de</strong>u o telemóvel.<br />

Brancos e negros<br />

Mil e tal quilómetros para Sul, na Cida<strong>de</strong><br />

do Cabo, não tivemos mais sorte<br />

com Antjie Krog, mas a troca <strong>de</strong><br />

mails com a editora talvez nunca lhe<br />

tenha chegado.<br />

Krog é uma antítese <strong>de</strong> Malan. Uma<br />

afrikaner da mesma geração que, em<br />

vez <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>salinhada, militou contra<br />

o “apartheid” ao ponto <strong>de</strong> levar o marido<br />

e os quatro filhos para um bairro<br />

pobre, dar aulas numa escola negra,<br />

apoiar a luta armada do ANC e correr<br />

riscos pelos camaradas. Uma esquerdista<br />

<strong>de</strong>masiado preocupada com “o<br />

que está moralmente certo” para ter<br />

graça, acharia a “Spectator”.<br />

Mas, surpresa, Krog também tem<br />

graça.


o foi o apocalipse<br />

escreve histórias para fora. E aquilo que os <strong>de</strong> fora escrevem. A África do Sul é um<br />

que fazem alguns livros recentes. Alexandra Lucas Coelho<br />

O próprio título do seu novo livro,<br />

“Begging to Be Black” (Random House<br />

Struik, 2009), tem uma leitura<br />

auto-irónica. Porque quer pertencer<br />

à Nova África do Sul, ela está genuinamente<br />

empenhada em “ser negra”,<br />

no sentido <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o que é<br />

“ser negro”, mas todo o livro é uma<br />

interrogação sobre se isso é possível<br />

ou relevante. Uma interrogação pósmo<strong>de</strong>rna,<br />

que oscila entre relatos autobiográficos<br />

e a biografia <strong>de</strong> um rei<br />

africano oitocentista, atravessada por<br />

uma conversa com um filósofo sobre<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>senraizamento.<br />

“Tornar-se negra” ou “mais negra”<br />

será “partilhar a vulnerabilida<strong>de</strong> do<br />

corpo negro”, ver o mundo através<br />

do olhar negro e não da moldura<br />

branca liberal. E essa necessida<strong>de</strong><br />

vem da experiência <strong>de</strong> Krog como<br />

jornalista a cobrir a Comissão <strong>de</strong> Verda<strong>de</strong><br />

e Reconciliação, conduzida pelo<br />

arcebispo Desmond Tutu <strong>de</strong>pois<br />

do “apartheid”.<br />

“Estar com gente negra nos anos<br />

da luta fez-me sentir não branca nem<br />

negra, mas intensamente humana.”<br />

Depois, ouvir os relatos da Comissão,<br />

aquela capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perdoar os<br />

maiores horrores, fê-la <strong>de</strong>scobrir uma<br />

humanida<strong>de</strong> maior. “Os brancos estavam<br />

prepara<strong>dos</strong> para o pior às<br />

mãos <strong>de</strong> um Governo negro. Não estavam<br />

era prepara<strong>dos</strong> para serem<br />

perdoa<strong>dos</strong>. Isso fez, e ainda faz, com<br />

que se sintam muito <strong>de</strong>sconfortáveis.”<br />

Haverá algo <strong>de</strong> especificamente<br />

“negro” nesse perdão extraordinário?<br />

Seriam os brancos capazes <strong>de</strong>le?<br />

Po<strong>de</strong>rá ela, uma branca, alguma vez<br />

perceber isto?<br />

“Insi<strong>de</strong>rs” e “outsi<strong>de</strong>rs”<br />

Não são perguntas que Zakes Mda faça.<br />

Primeiro porque é negro, <strong>de</strong>pois<br />

porque conta histórias, e finalmente<br />

porque nas histórias <strong>de</strong>le há brancos<br />

pobres e negros arrivistas; brancos<br />

sujos e negros fanáticos da limpeza;<br />

brancos capazes <strong>de</strong> matar e <strong>de</strong>pois<br />

incapazes <strong>de</strong> matar um gato; negros<br />

incapazes <strong>de</strong> matar e <strong>de</strong>pois capazes<br />

<strong>de</strong> matar um gato.<br />

O seu último livro chama-se “Black<br />

Antjie Krog Quer “tornar-se<br />

negra” ou “mais negra”, para<br />

“partilhar a vulnerabilida<strong>de</strong> do<br />

corpo negro” e ver o mundo através<br />

<strong>de</strong>sse olhar<br />

Diamond” (Penguin ng ngui uin n Books Bo Book oks s South So S ut uth Africa,<br />

2009), título o que qu que e — como co como mo em eem<br />

m Rian<br />

Malan e Antjie tj tjie ie K<br />

KKro<br />

Krog ro rog g — é já j já t<br />

tod toda od oda da<br />

uma<br />

agenda. “Black ack ck k ddia<br />

diamonds” d ia iamo mo mond nd nds” s” s são ão os s negros<br />

novos-ricos riccos<br />

da<br />

a No Nova<br />

va ÁÁfr<br />

ÁÁfrica<br />

fric i a do<br />

Sul. Os fascina<strong>dos</strong> ina ad a<strong>dos</strong> os d<strong>dos</strong><br />

d<strong>dos</strong><br />

fatos fat at a os Ver Versace e sace<br />

que se tornaram aramm<br />

bilionários nos programas<br />

<strong>de</strong> disc discriminação criminação positiva.<br />

Don, o protagonista ago onista negro,<br />

o está<br />

mais interessado re ressad<br />

a o em cco<br />

coozinha do que e eem<br />

em m se ser um<br />

“black diamond”. ammo<br />

m nd nd”. ”.<br />

Kristin, a protago- pro r ttago<br />

gonista<br />

branca, a, eestá<br />

está tá<br />

mais interessada ssa s d da<br />

em combater ate te r<br />

bordéis do que ue<br />

em ter uma viida.<br />

De certa ta<br />

forma são dois ois<br />

“misfits”, e nna<br />

na a<br />

rota <strong>de</strong> colisão li l sã ão <strong>de</strong><br />

um para os bra braços aço ços do<br />

outro, Zakes s MMda<br />

Mda da faz<br />

az<br />

um “digest” ” da daa<br />

reali- rreali<br />

lida<strong>de</strong><br />

sul-africana, ic ican an na, a, crime,<br />

corrupção, pçã ção o, ten<br />

são racial, com om m ri ritmo<br />

<strong>de</strong> “escrita criativa” cr criia<br />

iativa”<br />

para estrangeiro ng ngei eiro<br />

ro ler.<br />

Um “insi<strong>de</strong>r” ” a escrever<br />

para fora.<br />

Rian Malan O pós-“apartheid”,<br />

avisou ele, ia ser o apocalipse.<br />

Depois o apocalipse não veio, os<br />

negros perdoaram, e ele ficou com<br />

cara <strong>de</strong> parvo<br />

Para uma panorâmica <strong>de</strong> “outsi<strong>de</strong>r”<br />

vale a pena o “After Man<strong>de</strong>la”,l<br />

la”, ” d<strong>de</strong> <strong>de</strong> Al Alec<br />

Ru Russ Russell ssel e l<br />

Zakes Mda Nas histórias <strong>de</strong>le há<br />

brancos pobres e negros arrivistas;<br />

brancos sujos e negros fanáticos da<br />

limpeza; brancos capazes <strong>de</strong> matar<br />

mas incapazes <strong>de</strong> matar um gato<br />

(Hutchinson, 2009), não-ficção tã tão ão<br />

sóbria e pertinente como se espera espe era<br />

<strong>de</strong> d<strong>de</strong> um corres- pon<strong>de</strong>nte d d ddo<br />

ddo<br />

“Finan- “F in ina n -<br />

ci cial<br />

al Ti- T TTi<br />

i<br />

mmes”, es”<br />

,<br />

dividid dividida da<br />

em capít capítutulos-tema, los-temma,<br />

Richard Stengel O biógrafo <strong>de</strong><br />

Man<strong>de</strong>la escreveu uma súmula do<br />

que apren<strong>de</strong>u com o lí<strong>de</strong>r sulafricano,<br />

e acha que to<strong>dos</strong> po<strong>de</strong>mos<br />

apren<strong>de</strong>r<br />

do <strong>de</strong> <strong>de</strong>sastre da primeira abordagem<br />

à sida<br />

às dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suce<strong>de</strong>r ao<br />

Santo Sant Man<strong>de</strong>la.<br />

Mas Ma Mas M como Man<strong>de</strong>la não era um san-<br />

to é<br />

o<br />

que mostra Richard Stengel<br />

num numm<br />

llivrinho<br />

que a Planeta traduziu<br />

rapidamente rapiid<br />

para português, e no<br />

original orig gin se chama “Man<strong>de</strong>la’s Way”<br />

(Virgin (Virggin<br />

Books, 2010; edição portugue-<br />

sa na n Planeta). Stengel, um editor da<br />

“Time”, “T “Tim im m foi o homem que durante<br />

anos an ano os seguiu Man<strong>de</strong>la para com ele<br />

escrever escrrev<br />

a autobiografia “Long Walk<br />

to Fr Freedom” (750 páginas que se lêem<br />

emm<br />

como água e <strong>de</strong>vem estar em<br />

qualquer qu q ramalhete intemporal<br />

sobre so a África do Sul). Este livro<br />

agora ag é uma espécie <strong>de</strong> súmula<br />

<strong>de</strong> d 15 lições do que Stengel apren<strong>de</strong>u<br />

d com Man<strong>de</strong>la, e acha que<br />

to<strong>dos</strong> t po<strong>de</strong>mos apren<strong>de</strong>r. Uma<br />

espécie e <strong>de</strong> “Sidharta” vivo.<br />

E o que emerge é a construção<br />

férrea <strong>de</strong> um homem que dominou<br />

no n tudo o que nele era enfraquecedor<br />

ce a longo prazo: impulsos,<br />

precipitações, p<br />

cólera. Alguém<br />

que q se tornou o melhor <strong>de</strong> to<strong>dos</strong><br />

nós, nós<br />

e saiu a tempo <strong>de</strong> isso fazer<br />

diferença diffe<br />

ao mundo. Foi o princípio<br />

da daa<br />

Nova N África do Sul, e a partir daí<br />

cada cad c um fará a sua verda<strong>de</strong>.<br />

A Nova África do Sul também<br />

são os novos-ricos negros, os<br />

“black diamonds”, que afinal<br />

não festejaram o fim do<br />

“apartheid” com vingança<br />

apocalíptica<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 33


László Moholy-Nagy:<br />

regresso ao artista t<br />

A lista é longa: fotógrafo, cineasta, cenografi sta, ensaísta, pedagogo... e podia continuar. A “estética<br />

<strong>de</strong> toda a criação <strong>de</strong> László Moholy-Nagy. É na sua “Arte da Luz” que o festival PHotoEspaña se<br />

o regresso a um <strong>dos</strong> artistas nucleares da primeira meta<strong>de</strong> do século XX. Sérgio B. Gomes em<br />

“Ellen Frank”, 1929; “Ascona,<br />

Itália”, 1930; “Militarismo”,<br />

poster <strong>de</strong> propaganda, 1924<br />

Se havia em Madrid um lugar perfeito<br />

para expor a obra eclética <strong>de</strong> László<br />

Moholy-Nagy (Bácsborsod, Hungria,<br />

1895 – Chicago, EUA, 1946), esse lugar<br />

era o Círculo <strong>de</strong> Bellas Artes (CBA), a<br />

casa que ostenta a estátua altaneira<br />

<strong>de</strong> Minerva, a <strong>de</strong>usa da guerra, da sabedoria<br />

e das artes. Uma casa multidisciplinar<br />

por excelência, para on<strong>de</strong><br />

confluem todo o tipo <strong>de</strong> manifestações<br />

criativas, sem filhos pródigos ou<br />

parentes pobres. É o mesmo tipo <strong>de</strong><br />

atitu<strong>de</strong> que norteou o percurso <strong>de</strong><br />

Moholy-Nagy como teórico, pedagogo,<br />

académico e criador em vários suportes<br />

que vão do cinema à pintura, do<br />

<strong>de</strong>senho gráfico à fotografia, da cenografia<br />

à escultura. Um labor intenso,<br />

sem hierarquias estéticas, que, durante<br />

os anos 20, 30 e 40, procurou a<br />

concretização do i<strong>de</strong>ário mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong><br />

artista total, em substituição do en<strong>de</strong>usamento<br />

do artista como génio.<br />

A luz e as suas qualida<strong>de</strong>s como<br />

matéria-prima criativa ocuparam a<br />

maior parte das obras e do raciocínio<br />

teórico <strong>de</strong> László Moholy-Nagy. Mas<br />

não menos importante é a intervenção<br />

crítica em relação ao seu tempo<br />

histórico, a centelha que fez com que<br />

se acen<strong>de</strong>sse essa vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> procurar<br />

nas nuances <strong>dos</strong> claros-escuros e<br />

nos jogos <strong>de</strong> reflexos <strong>dos</strong> espelhos<br />

uma reacção vanguardista aos cânones,<br />

uma alternativa que tenta “<strong>de</strong>spertar<br />

o espectador, torná-lo activo”.<br />

“O tempo expandido” é o tema escolhido<br />

por Sérgio Mah para fechar o<br />

seu último ano como comissário-geral<br />

do PHotoEspaña, no âmbito do qual<br />

foi inaugurada a exposição <strong>de</strong> Moholy-<br />

Nagy. Se consi<strong>de</strong>rarmos o conjunto<br />

da obra do mestre húngaro como uma<br />

procura incessante por uma “arte nova”<br />

capaz <strong>de</strong> “respon<strong>de</strong>r a um momento<br />

histórico presidido pela máquina<br />

e pela Revolução Industrial”, a<br />

34 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

mostra que Oliva María Rubio comissariou<br />

no CBA representa uma resposta<br />

ao tema expandida no tempo.<br />

Ecletismo<br />

O ecletismo com que to<strong>dos</strong> os anos<br />

se apresenta o festival – mo<strong>de</strong>lo que<br />

se tem afirmado como uma imagem<br />

<strong>de</strong> marca do PHotoEspaña – tem os<br />

seus perigos e as suas vantagens. Se<br />

por um lado, a varieda<strong>de</strong> das propostas<br />

expositivas po<strong>de</strong> dar contributos<br />

importantes para reflectir sobre o<br />

tema central, por outro po<strong>de</strong> estilhaçar<br />

essas referências que, por si mesmas,<br />

são difíceis <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nsar numa<br />

exposição, quanto mais em <strong>de</strong>zenas<br />

<strong>de</strong>las. As três exposições da Secção<br />

Oficial mais direccionadas para os<br />

autores clássicos, on<strong>de</strong> se inclui a<br />

mostra “A Arte da Luz” <strong>de</strong> László<br />

Moholy-Nagy (que já tem itinerâncias<br />

agendadas para o Martin Gropius Bau<br />

<strong>de</strong> Berlim e para o Gemeentemuseum<br />

Den Haag <strong>de</strong> Haia), são um bom<br />

exemplo <strong>de</strong> como po<strong>de</strong> resultar bem<br />

esse ecletismo. De uma assentada,<br />

po<strong>de</strong>m comparar-se, por exemplo,<br />

três utilizações/abordagens muito<br />

distintas do suporte fotográfico nos<br />

EUA <strong>de</strong>ntro da década <strong>de</strong> 40 do século<br />

passado, se a Moholy-Nagy juntarmos<br />

mais duas exposições: “Anatomia<br />

do Movimento”, <strong>de</strong> Harold<br />

Edgerton (EUA, 1903-1990), sobre as<br />

experiências com aparelhos fotográ-<br />

Muitas das suas<br />

máximas estão<br />

a acontecer diante<br />

<strong>dos</strong> nossos olhos.<br />

Como aquela:<br />

“Os analfabetos<br />

do futuro não serão<br />

apenas aqueles que<br />

ignorarem<br />

a linguagem escrita,<br />

mas também to<strong>dos</strong><br />

os que ignorarem<br />

o uso <strong>de</strong> máquina<br />

fotográfica”<br />

ficos ultra-rápi<strong>dos</strong>, capazes <strong>de</strong> revelar<br />

os mais ínfimos segre<strong>dos</strong> do movimento;<br />

e “Lírica Urbana”, <strong>de</strong> Helen<br />

Levitt (EUA, 1913-2009), sobre a vida<br />

nas ruas <strong>de</strong> Nova Iorque.<br />

De tão vasta e diversificada que é,<br />

a obra do húngaro po<strong>de</strong> entrar facilmente<br />

em diálogo com outras propostas<br />

expositivas. Durante a apresentação<br />

da mostra, a comissária Olivia<br />

María Rubio, directora <strong>de</strong> exposições<br />

da La Fábrica, empresa que organiza<br />

o PHotoEspaña, confessou que entre<br />

todas as artes tocadas por Moholy-<br />

Nagy, apenas a escultura não está representada.<br />

De resto, entre outros<br />

grupos <strong>de</strong> obras, po<strong>de</strong>m ver-se provas<br />

<strong>de</strong> época <strong>dos</strong> conheci<strong>dos</strong> fotogramas,<br />

imagens conseguidas com a acção directa<br />

da luz sobre uma superfície sensibilizada<br />

sem a intermediação da<br />

máquina que, para o autor, produzem<br />

“um efeito sublime, radiante, quase<br />

imaterial”, em contraponto com os<br />

raiogramas <strong>de</strong>senvolvi<strong>dos</strong> por Man<br />

Ray na mesma época, tecnicamente<br />

semelhantes mas com a representação<br />

<strong>de</strong> objectos <strong>de</strong> contornos bem<br />

<strong>de</strong>fini<strong>dos</strong>, menos “poéticos” e à procura<br />

do efeito “surpreen<strong>de</strong>nte”. São<br />

simbólicas, também, as fotografias<br />

captadas <strong>de</strong> maneira tradicional (com<br />

máquina), on<strong>de</strong> os enquadramentos<br />

e as perspectivas revelam o interesse<br />

<strong>de</strong> Moholy-Nagy pelas linhas <strong>de</strong> força<br />

e formas geométricas, características<br />

<strong>de</strong> vários autores mo<strong>de</strong>rnistas que lhe<br />

suce<strong>de</strong>ram (não é claro que tenha conhecido<br />

Alexan<strong>de</strong>r Rodchenko, fotógrafo<br />

russo com uma linguagem fotográfica<br />

semelhante). Num conjunto<br />

pouco conhecido, László Moholy-<br />

Nagy revela-se também como um <strong>dos</strong><br />

pioneiros da fotografia a cores, aqui<br />

com registos <strong>de</strong> pendor intimista, sobretudo<br />

capta<strong>dos</strong> em família.<br />

Falar da enorme importância <strong>de</strong><br />

László Moholy-Nagy na história da<br />

fotografia será sempre um eufemismo.<br />

O contributo que <strong>de</strong>u para a<br />

emancipação plena da produção fotográfica<br />

nas primeiras décadas do<br />

século XX é incontornável não só para<br />

uma prática até então <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rada,<br />

como para o conjunto <strong>de</strong> outras<br />

artes para on<strong>de</strong> levou a linguagem da


otal<br />

da luz” está na base<br />

concentra para<br />

Madrid<br />

Exposições<br />

fotografia, principalmente para o cinema<br />

e para a pintura. Consciente <strong>de</strong><br />

que a “a arte é o que <strong>de</strong>sperta os senti<strong>dos</strong>,<br />

que aguça a vista, a mente e as<br />

sensações”, Moholy-Nagy “trabalhará<br />

com afinco (…) num projecto pedagógico<br />

alargado que se concentra na<br />

formação <strong>de</strong>sse homem total, suma<br />

<strong>de</strong> psicofísico, intelecto e afecto, um<br />

homem não dividido e uma arte que<br />

se fun<strong>de</strong> com a vida”, escreve María<br />

Rubio no livro <strong>de</strong> ensaios em torno<br />

da proposta temática (novida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste<br />

festival).<br />

Sempre fiel à “estética da luz” e sem<br />

contrariar a sua concepção das artes<br />

como um todo, a fotografia foi um <strong>dos</strong><br />

suportes a que László Moholy-Nagy<br />

mais voltou. Sobretudo porque “alimentava<br />

a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> criar uma arte nova<br />

à volta da fotografia e porque acreditava<br />

que as antigas artes já não podiam<br />

representar a vida mo<strong>de</strong>rna”.<br />

Em paralelo à prática artística e pedagógica<br />

(foi professor da Bauhaus em<br />

Weimar, 1923-1925, e em Dessau, 1925-<br />

1928, na Alemanha, da New Bauhaus<br />

e do Institute of Design, ambas em<br />

Chicago, nos EUA, até à sua morte, em<br />

1946) <strong>de</strong>senvolveu ampla reflexão teórica<br />

em torno da fotografia, cujo<br />

principal ensaio é “Pintura, Fotografia,<br />

Cinema” (1925), on<strong>de</strong> elabora sobre<br />

“a luz como matriz da arte”.<br />

Apesar <strong>de</strong> ter orientado a sua criação<br />

rumo a um tempo repleto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais<br />

e <strong>de</strong> futuro que a história se encarregou<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>smentir, a arte <strong>de</strong> László<br />

Moholy-Nagy continua a <strong>de</strong>slumbrar<br />

e muitas das suas máximas revelaramse<br />

certeiras ou estão agora a acontecer<br />

diante <strong>dos</strong> nossos olhos. Como aquela<br />

que diz: “Os analfabetos do futuro<br />

não serão apenas aqueles que ignorarem<br />

a linguagem escrita, mas também<br />

to<strong>dos</strong> os que ignorarem o uso <strong>de</strong><br />

máquina fotográfica”.<br />

Juergen Teller,<br />

Calves and<br />

Thighs<br />

Comunidad <strong>de</strong><br />

Madrid/Sala<br />

Alcalá 31<br />

Até 22 <strong>de</strong> Agosto<br />

“Luis XV”,<br />

2004<br />

5 paragens<br />

obrigatórias<br />

Há muito que ver no PHotoEspaña<br />

2010. Exposições não faltam.<br />

Pelo menos estas cinco propostas<br />

convém não per<strong>de</strong>r.<br />

Depois <strong>de</strong> Juergen Teller a fotografia<br />

<strong>de</strong> moda nunca mais será a mesma<br />

A primeira fotografi a visível na exposição “Calves<br />

and Thighs” <strong>de</strong> Juergen Teller (Alemanha, 1964) não<br />

estava programada. Só apareceu porque Katy Baggott,<br />

amiga e agente do autor, morreu recentemente<br />

durante a preparação da mostra em Madrid. A<br />

imagem, que aparece por cima <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>dicatória<br />

<strong>de</strong> Teller, mostra Baggott com Nobuyoshi Araki, a<br />

estrela planetária da fotografi a japonesa, num braço<br />

<strong>de</strong> ferro renhido. Embora tenha sido escolhida com o<br />

propósito <strong>de</strong> homenagear alguém, a representação <strong>de</strong><br />

uma personagem do círculo mais íntimo do fotógrafo<br />

alemão em confronto (amigável) com um famoso<br />

ilustra as dicotomias temáticas que atravessam as<br />

séries agora seleccionadas pelo comissário inglês Paul<br />

Wombell a partir <strong>de</strong> uma exposição já apresentada em<br />

Nuremberga. A sensação <strong>de</strong> navegação à vista não se<br />

relaciona apenas com a aproximação formal da maioria<br />

das imagens <strong>de</strong> Teller (<strong>de</strong>sfocadas, sobreexpostas,<br />

tortas... enfi m, “retorcidas”, como alguém as classifi cou).<br />

Esten<strong>de</strong>-se aos sujeitos fotografa<strong>dos</strong>, que po<strong>de</strong>m ir <strong>de</strong><br />

auto-retratos intimistas, a tomar banho com o fi lho, a<br />

objectos vernaculares (muitas vezes abjectos) ou ainda<br />

às pernas <strong>de</strong> Vitoria Beckham enfi ada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um<br />

saco <strong>de</strong> compras da marca <strong>de</strong> roupa Mark Jacobs.<br />

Fotógrafo <strong>de</strong> moda durante anos para publicações<br />

como “Arena”, “The Face” e “I-D”, Teller, juntamente<br />

com o conterrâneo Wolfgang Tillmans, é reconhecido<br />

como alguém que contribui para quebrar os limites e<br />

<strong>de</strong>u início a mais uma discussão acerca do verda<strong>de</strong>iro<br />

lugar do género na criação contemporânea. Enfastiado<br />

com a repetição <strong>dos</strong> cânones, começou a colocar lado<br />

a lado imagens vindas<br />

<strong>de</strong> um universo pessoal<br />

e encomendas mais<br />

voltadas para a divulgação<br />

e publicida<strong>de</strong> das criações<br />

<strong>de</strong> estilístas ou marcas <strong>de</strong><br />

roupa. No meio <strong>de</strong> todo este<br />

cal<strong>de</strong>irão, cujo resultado se<br />

aproxima <strong>de</strong> um exercício<br />

<strong>de</strong> psicanálise público,<br />

prevalece um fi o condutor<br />

mínimo ao nível do tema –<br />

o retrato. E também ao nível<br />

da forma – o fl ash e a luz<br />

artifi cial.<br />

O catálogo da exposição,<br />

que o comissário classifi ca<br />

como “extensão” da mostra,<br />

abre com 102 perguntas<br />

dirigidas por vários<br />

amigos (muitos famosos,<br />

como não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

ser) a Juergen Teller. As<br />

tentativas <strong>de</strong> resposta não<br />

são dadas com texto – são<br />

dadas com imagens.<br />

Adriana Lestido mete-se <strong>de</strong>ntro das<br />

histórias<br />

O trabalho que Adriana Lestido (Argentina, 1955) tem<br />

<strong>de</strong>senvolvido ao longo <strong>de</strong> 30 anos está impregnado<br />

<strong>de</strong> uma aproximação documental que se inclui <strong>de</strong>ntro<br />

do género do fotojornalismo. As primeiras séries<br />

presentes na retrospectiva “Amores Difíciles” (obras<br />

captadas entre 1979 e 2007) <strong>de</strong>nunciam essa condição<br />

formal. Mas à medida que se avança rumo a trabalhos<br />

mais recentes, <strong>de</strong>scobre-se uma procura <strong>de</strong> registos<br />

mais fugazes, uma procura “pela vivência do tempo<br />

como um processo narrativo” que vai revelando uma<br />

visão mais poética e emotiva, “uma voz interior”.<br />

A experiência da maternida<strong>de</strong> em situações<br />

emocionais limite tem formado um <strong>dos</strong> temas centrais<br />

da obra da argentina. Dentro <strong>de</strong>sse universo que<br />

aborda a difi culda<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir relacionamentos<br />

estáveis (“Madres Adolescentes”, sobre a solidão e o<br />

medo <strong>de</strong> uma maternida<strong>de</strong> antes do tempo numa casa<br />

estranha, “Mujeres Presas”, sobre os condicionamentos<br />

<strong>de</strong> ser mãe na prisão), on<strong>de</strong> é mais nítida a refl exão<br />

sobre questões sociais, surge um olhar mais pessoal<br />

acerca da “difi culda<strong>de</strong> <strong>de</strong> amar” e que se revela nos<br />

projectos “Madres e hijas”, “El Amor” e “Villa Gesell”.<br />

Aqui, os senti<strong>dos</strong> e as experiências íntimas falam<br />

mais alto - a niti<strong>de</strong>z, o foco e o enquadramento perfeito<br />

foram fi cando para trás. No primeiro trabalho, Lestido<br />

acompanhou os altos e baixos do relacionamento <strong>de</strong><br />

quatro pares <strong>de</strong> mães e fi lhas. Em “El Amor” (1995-<br />

2005) e “Villa Gesell” (2005) aparecem as vivências<br />

mais introspectivas e ligadas a uma tentativa <strong>de</strong><br />

libertar as imagens <strong>de</strong> qualquer género ou tipologia.<br />

Lestido é “uma documentalista que não se dilui no<br />

género fotojornalístico e que procura um olhar interior,<br />

os aspectos mais emocionais que privilegiam os<br />

senti<strong>dos</strong>”, afi rmou o comissário Santiago Olmo na<br />

apresentação da mostra.<br />

Para Olmo, todas as séries apresentadas (um total <strong>de</strong><br />

159 fotografi as) são “para ver e sentir”, porque Adriana<br />

Lestido “é uma fotógrafa que se mete <strong>de</strong>ntro das<br />

histórias, não se limita a observá-las”.<br />

Adriana<br />

Lestido, Amores<br />

Difíciles<br />

Casa <strong>de</strong> América,<br />

Marqués <strong>de</strong>l Duero,<br />

2, Madrid<br />

Até 29 <strong>de</strong> Agosto<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 35


Com Helen Levitt a rua foi uma lírica<br />

urbana<br />

Se consi<strong>de</strong>rarmos cada fotografi a como uma máquina<br />

do tempo que é accionada no momento em que<br />

alguém a vê, é inevitável não entrarmos na viagem<br />

rumo às ruas <strong>de</strong> Nova Iorque <strong>dos</strong> anos 40 através das<br />

imagens <strong>de</strong> Helen Levitt (EUA, 1913-2009), on<strong>de</strong> as<br />

crianças se movimentam em liberda<strong>de</strong> numa teia <strong>de</strong><br />

cumplicida<strong>de</strong>s e todo o tipo <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras. Passeios,<br />

portas, escadas, esquinas e reentrâncias, fontes,<br />

árvores e pontos <strong>de</strong> água a espirrar géisers - tudo serve<br />

para campo <strong>de</strong> acção <strong>de</strong>sta “Lírica Urbana” nos bairros<br />

populares da gran<strong>de</strong> metrópole registada por uma das<br />

últimas gran<strong>de</strong>s autoras da fotografi a <strong>de</strong> rua do século<br />

XX, aposta forte da programação do festival com uma<br />

exposição antológica (a primeira <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua morte<br />

em 2009) que abarca trabalhos entre 1936 a 1993. Foi<br />

comissariada pelo catalão Jorge Ribalta, que <strong>de</strong>dica<br />

um ensaio à autora no livro “El tiempo expandido” que<br />

reúne ensaios <strong>de</strong> vários autores sobre a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

propostas do festival.<br />

As cópias <strong>de</strong> época <strong>de</strong> pequeno formato que dão corpo<br />

à exposição, sobretudo as que foram registadas durante<br />

a primeira década <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> Levitt, convidam-nos<br />

a entrar nessa cápsula do tempo, já que em muitas<br />

<strong>de</strong>las é preciso encostar o nariz ao vidro da moldura e<br />

alguma concentração para ver os risos, as caretas e as<br />

pistolas <strong>de</strong> fi ngir usadas nestas microscópicas peças <strong>de</strong><br />

teatro, fugazes instantes da vida quotidiana raramente<br />

ti<strong>dos</strong> em conta pela “gran<strong>de</strong>” história urbana. Esta<br />

subtileza no momento <strong>de</strong> revelar o seu trabalho através<br />

<strong>de</strong> pequenos formatos está em sintonia com uma<br />

actuação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za no momento <strong>de</strong> fazer<br />

o disparo. Helen Levitt bebeu to<strong>dos</strong> os ensinamentos<br />

<strong>de</strong> Walker Evans (uma das suas referências na<br />

fotografi a a par <strong>de</strong> Henri Cartier-Bresson), para quem<br />

a força do documento fotográfi co e o realismo máximo<br />

se conseguiam sobretudo quanto os fotógrafos<br />

passavam <strong>de</strong>spercebi<strong>dos</strong>, sem infl uenciar o sujeito e, <strong>de</strong><br />

preferência, com uma Leica na mão.<br />

O mundo que Levitt fotografou <strong>de</strong>sapareceu. Como<br />

quase <strong>de</strong>sapareceu a prática fotográfi ca cândida com<br />

que se divertia a registar o divertimento <strong>dos</strong> outros, a<br />

lírica urbana (título mais a<strong>de</strong>quado não podia haver)<br />

que hoje os fotógrafos têm mais difi culda<strong>de</strong> em<br />

apreen<strong>de</strong>r. É um paraíso perdido.<br />

Helen Levitt,<br />

Lírica Urbana.<br />

Fotografías<br />

1936-1993<br />

Museo Colecciones<br />

ICO (MUICO),<br />

Zorrilla, 3, Madrid<br />

Até 28 <strong>de</strong> Agosto<br />

36 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Os livros e a fotografia casaram há<br />

muito, mas o namoro continua<br />

Já não é só uma tradição (e que boa tradição) – é<br />

uma instituição também. A iniciativa “Os melhores<br />

livros <strong>de</strong> fotografi a do ano” mantém-se inabalável<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira edição do PHotoEspaña, em 1998.<br />

To<strong>dos</strong> os anos o festival recebe centenas <strong>de</strong> cópias<br />

<strong>de</strong> fotolivros envia<strong>dos</strong> <strong>de</strong> todo o mundo, sinal <strong>de</strong><br />

que o suporte continua a merecer cada vez mais<br />

<strong>de</strong>dicação <strong>de</strong> autores e editores. No conjunto <strong>de</strong> várias<br />

<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> obras seleccionadas para os prémios<br />

fi nais <strong>de</strong>ste ano, estão, lado a lado, livros produzi<strong>dos</strong><br />

por editoras <strong>de</strong> escala mundial e livros produzi<strong>dos</strong><br />

pelos próprios fotógrafos, em edições <strong>de</strong> autor cada<br />

vez mais cuidadas. Esta profusão <strong>de</strong> projectos <strong>de</strong><br />

iniciativa individual no núcleo restrito <strong>de</strong> fi nalistas<br />

revela também como se <strong>de</strong>mocratizou o processo<br />

<strong>de</strong> produção <strong>dos</strong> fotolivros, que <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> estar<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes das gran<strong>de</strong>s tiragens para se tornarem<br />

realida<strong>de</strong>. Com tantas portas fechadas nos tradicionais<br />

meios <strong>de</strong> divulgação e sustento <strong>dos</strong> autores, quantas<br />

vezes os livros não surgem como a única maneira <strong>de</strong><br />

tornar visível o trabalho <strong>de</strong> um fotógrafo?<br />

Os melhores livros <strong>de</strong> fotografi a estão, pela segunda<br />

vez, no Mata<strong>de</strong>ro <strong>de</strong> Madrid. O festival dá três<br />

prémios. O prémio para o Melhor Livro <strong>de</strong> Fotografi a<br />

Nacional (livros publica<strong>dos</strong> em Espanha) foi para a<br />

reedição <strong>de</strong> “Soviet Aviation” (Editorial Lampreave),<br />

<strong>de</strong> Alexan<strong>de</strong>r Rodchenko e Varvara Stepanova, um<br />

<strong>dos</strong> vários produzi<strong>dos</strong> pelo regime soviético para<br />

levar à feira mundial <strong>de</strong> Nova Iorque, em 1939. O<br />

mais recente “Atlas Monograph” (T&G Publishing), do<br />

australiano Max Pam, foi consi<strong>de</strong>rado O Melhor Livro<br />

<strong>de</strong> Fotografi a Internacional. A obra inclui <strong>de</strong>senhos,<br />

pinturas e textos do autor produzi<strong>dos</strong> no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong><br />

várias viagens pelo mundo. O prémio para a Editora<br />

do Ano foi atribuído à Aperture Foundation, que<br />

chegou com várias obras à escolha fi nal, entre os<br />

quais o último fotolivro da americana Sally Mann,<br />

“Proud Flesh”. De Portugal só foi seleccionada para<br />

a exposição no Mata<strong>de</strong>ro a reedição <strong>de</strong> “<strong>Lisboa</strong>,<br />

Cida<strong>de</strong> Triste e Alegre”, <strong>de</strong> Victor Palla/Costa Martins,<br />

publicada pela Pierre von Kleist Editions.<br />

“Soviet<br />

Aviation” ,<br />

1939<br />

Os Melhores<br />

Livros <strong>de</strong><br />

Fotografi a do<br />

Ano<br />

Mata<strong>de</strong>ro <strong>de</strong><br />

Madrid, Chopera, 14<br />

Até 25 <strong>de</strong> Julho<br />

Quantos tempos tem o tempo na<br />

fotografia?<br />

Nos primeiros dois anos como comissário-geral, Sérgio<br />

Mah optou por centrar a <strong>de</strong>fesa do tema escolhido<br />

numa exposição, assumindo aí gran<strong>de</strong> parte das<br />

<strong>de</strong>spesas da justifi cação teórica <strong>dos</strong> eixos centrais<br />

do festival – foi assim com “Lugar” (2008), através da<br />

mostra <strong>de</strong> W. Eugene Smith, e com “Quotidiano” (2009),<br />

através da exposição colectiva “Anos 70. Fotografi a<br />

e Vida Quotidiana”. Para a recta fi nal como director<br />

artístico do PHotoEspaña 2010, dirigido segundo<br />

o tema genérico “Tempo”, o comissário português<br />

fez questão <strong>de</strong> sublinhar o carácter dialogante da<br />

exposição “Entre Tempos. Instantes, intervalos,<br />

durações” com outras propostas programáticas do<br />

festival, quer tenham sido orientadas por si ou por<br />

comissários convida<strong>dos</strong>. A i<strong>de</strong>ia é estabelecer relações<br />

formais e estéticas entre as várias exposições da<br />

secção ofi cial <strong>de</strong> maneira alargar a refl exão sobre<br />

o vasto espectro <strong>de</strong> práticas visuais que giram<br />

em torno das múltiplas (multíplices, paradoxais…)<br />

noções do conceito <strong>de</strong> tempo. O jogo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong><br />

semelhanças, contaminações, familiarida<strong>de</strong>s ou acasos<br />

não tem regras <strong>de</strong> partida, mas o guia ofi cial do festival<br />

po<strong>de</strong> dar uma ajuda preciosa. Por exemplo, através<br />

<strong>de</strong>le po<strong>de</strong>mos comparar as fi guras heróicas da NBA <strong>de</strong><br />

Paul Pfeiff er, em plena acção e isoladas <strong>de</strong> todo o ruído<br />

visual circundante, com o mergulho para a piscina<br />

sobre fundo negro <strong>de</strong> Pete Desjardin registado pelo<br />

engenheiro Harold Edgerton durante as experiências<br />

com fl ash estroboscópico, novida<strong>de</strong> técnica capaz <strong>de</strong><br />

registar movimentos até então impossíveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar<br />

a olho nu.<br />

Entre registos fotográfi cos, vi<strong>de</strong>ográfi cos e fílmicos,<br />

ao longo das salas subterrâneas do sempre fresco<br />

Teatro Fernán Gómez, há 17 autores para <strong>de</strong>scobrir<br />

(ou re<strong>de</strong>scobrir) e que representam uma cartografi a<br />

possível da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tempo na linguagem fotográfi ca.<br />

Em conversa com o Ípsilon no dia da inauguração,<br />

Mah afi rmou que “Entre Tempos...” é uma exposição<br />

para pensar e para se ver <strong>de</strong>vagar. Não só para que<br />

se possam estabelecer as relações e os confl itos<br />

dialogantes entre as várias propostas criativas, mas<br />

também para que se consiga <strong>de</strong>scobrir a beleza nas<br />

pequenas diferenças que se estabelecem entre duas<br />

imagens separadas apenas por um abrir e fechar <strong>de</strong><br />

olhos (Jochen Lempert, Cro-Mañon, 2006).<br />

Tacita Dean,<br />

“Day for<br />

Night”<br />

(fotograma),<br />

2009<br />

Vários autores,<br />

Entre Tempos.<br />

Instantes,<br />

intervalos,<br />

durações<br />

Teatro Fernán<br />

Gómez, Plaza <strong>de</strong><br />

Colón, 4, Madrid<br />

Até 25 <strong>de</strong> Julho


Com Helen Levitt a rua foi uma lírica<br />

urbana<br />

Se consi<strong>de</strong>rarmos cada fotografi a como uma máquina<br />

do tempo que é accionada no momento em que<br />

alguém a vê, é inevitável não entrarmos na viagem<br />

rumo às ruas <strong>de</strong> Nova Iorque <strong>dos</strong> anos 40 através das<br />

imagens <strong>de</strong> Helen Levitt (EUA, 1913-2009), on<strong>de</strong> as<br />

crianças se movimentam em liberda<strong>de</strong> numa teia <strong>de</strong><br />

cumplicida<strong>de</strong>s e todo o tipo <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras. Passeios,<br />

portas, escadas, esquinas e reentrâncias, fontes,<br />

árvores e pontos <strong>de</strong> água a espirrar géisers - tudo serve<br />

para campo <strong>de</strong> acção <strong>de</strong>sta “Lírica Urbana” nos bairros<br />

populares da gran<strong>de</strong> metrópole registada por uma das<br />

últimas gran<strong>de</strong>s autoras da fotografi a <strong>de</strong> rua do século<br />

XX, aposta forte da programação do festival com uma<br />

exposição antológica (a primeira <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua morte<br />

em 2009) que abarca trabalhos entre 1936 a 1993. Foi<br />

comissariada pelo catalão Jorge Ribalta, que <strong>de</strong>dica<br />

um ensaio à autora no livro “El tiempo expandido” que<br />

reúne ensaios <strong>de</strong> vários autores sobre a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

propostas do festival.<br />

As cópias <strong>de</strong> época <strong>de</strong> pequeno formato que dão corpo<br />

à exposição, sobretudo as que foram registadas durante<br />

a primeira década <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> Levitt, convidam-nos<br />

a entrar nessa cápsula do tempo, já que em muitas<br />

<strong>de</strong>las é preciso encostar o nariz ao vidro da moldura e<br />

alguma concentração para ver os risos, as caretas e as<br />

pistolas <strong>de</strong> fi ngir usadas nestas microscópicas peças <strong>de</strong><br />

teatro, fugazes instantes da vida quotidiana raramente<br />

ti<strong>dos</strong> em conta pela “gran<strong>de</strong>” história urbana. Esta<br />

subtileza no momento <strong>de</strong> revelar o seu trabalho através<br />

<strong>de</strong> pequenos formatos está em sintonia com uma<br />

actuação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za no momento <strong>de</strong> fazer<br />

o disparo. Helen Levitt bebeu to<strong>dos</strong> os ensinamentos<br />

<strong>de</strong> Walker Evans (uma das suas referências na<br />

fotografi a a par <strong>de</strong> Henri Cartier-Bresson), para quem<br />

a força do documento fotográfi co e o realismo máximo<br />

se conseguiam sobretudo quanto os fotógrafos<br />

passavam <strong>de</strong>spercebi<strong>dos</strong>, sem infl uenciar o sujeito e, <strong>de</strong><br />

preferência, com uma Leica na mão.<br />

O mundo que Levitt fotografou <strong>de</strong>sapareceu. Como<br />

quase <strong>de</strong>sapareceu a prática fotográfi ca cândida com<br />

que se divertia a registar o divertimento <strong>dos</strong> outros, a<br />

lírica urbana (título mais a<strong>de</strong>quado não podia haver)<br />

que hoje os fotógrafos têm mais difi culda<strong>de</strong> em<br />

apreen<strong>de</strong>r. É um paraíso perdido.<br />

Helen Levitt,<br />

Lírica Urbana.<br />

Fotografías<br />

1936-1993<br />

Museo Colecciones<br />

ICO (MUICO),<br />

Zorrilla, 3, Madrid<br />

Até 28 <strong>de</strong> Agosto<br />

36 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Os livros e a fotografia casaram há<br />

muito, mas o namoro continua<br />

Já não é só uma tradição (e que boa tradição) – é<br />

uma instituição também. A iniciativa “Os melhores<br />

livros <strong>de</strong> fotografi a do ano” mantém-se inabalável<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira edição do PHotoEspaña, em 1998.<br />

To<strong>dos</strong> os anos o festival recebe centenas <strong>de</strong> cópias<br />

<strong>de</strong> fotolivros envia<strong>dos</strong> <strong>de</strong> todo o mundo, sinal <strong>de</strong><br />

que o suporte continua a merecer cada vez mais<br />

<strong>de</strong>dicação <strong>de</strong> autores e editores. No conjunto <strong>de</strong> várias<br />

<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> obras seleccionadas para os prémios<br />

fi nais <strong>de</strong>ste ano, estão, lado a lado, livros produzi<strong>dos</strong><br />

por editoras <strong>de</strong> escala mundial e livros produzi<strong>dos</strong><br />

pelos próprios fotógrafos, em edições <strong>de</strong> autor cada<br />

vez mais cuidadas. Esta profusão <strong>de</strong> projectos <strong>de</strong><br />

iniciativa individual no núcleo restrito <strong>de</strong> fi nalistas<br />

revela também como se <strong>de</strong>mocratizou o processo<br />

<strong>de</strong> produção <strong>dos</strong> fotolivros, que <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> estar<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes das gran<strong>de</strong>s tiragens para se tornarem<br />

realida<strong>de</strong>. Com tantas portas fechadas nos tradicionais<br />

meios <strong>de</strong> divulgação e sustento <strong>dos</strong> autores, quantas<br />

vezes os livros não surgem como a única maneira <strong>de</strong><br />

tornar visível o trabalho <strong>de</strong> um fotógrafo?<br />

Os melhores livros <strong>de</strong> fotografi a estão, pela segunda<br />

vez, no Mata<strong>de</strong>ro <strong>de</strong> Madrid. O festival dá três<br />

prémios. O prémio para o Melhor Livro <strong>de</strong> Fotografi a<br />

Nacional (livros publica<strong>dos</strong> em Espanha) foi para a<br />

reedição <strong>de</strong> “Soviet Aviation” (Editorial Lampreave),<br />

<strong>de</strong> Alexan<strong>de</strong>r Rodchenko e Varvara Stepanova, um<br />

<strong>dos</strong> vários produzi<strong>dos</strong> pelo regime soviético para<br />

levar à feira mundial <strong>de</strong> Nova Iorque, em 1939. O<br />

mais recente “Atlas Monograph” (T&G Publishing), do<br />

australiano Max Pam, foi consi<strong>de</strong>rado O Melhor Livro<br />

<strong>de</strong> Fotografi a Internacional. A obra inclui <strong>de</strong>senhos,<br />

pinturas e textos do autor produzi<strong>dos</strong> no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong><br />

várias viagens pelo mundo. O prémio para a Editora<br />

do Ano foi atribuído à Aperture Foundation, que<br />

chegou com várias obras à escolha fi nal, entre os<br />

quais o último fotolivro da americana Sally Mann,<br />

“Proud Flesh”. De Portugal só foi seleccionada para<br />

a exposição no Mata<strong>de</strong>ro a reedição <strong>de</strong> “<strong>Lisboa</strong>,<br />

Cida<strong>de</strong> Triste e Alegre”, <strong>de</strong> Victor Palla/Costa Martins,<br />

publicada pela Pierre von Kleist Editions.<br />

“Soviet<br />

Aviation” ,<br />

1939<br />

Os Melhores<br />

Livros <strong>de</strong><br />

Fotografi a do<br />

Ano<br />

Mata<strong>de</strong>ro <strong>de</strong><br />

Madrid, Chopera, 14<br />

Até 25 <strong>de</strong> Julho<br />

Quantos tempos tem o tempo na<br />

fotografia?<br />

Nos primeiros dois anos como comissário-geral, Sérgio<br />

Mah optou por centrar a <strong>de</strong>fesa do tema escolhido<br />

numa exposição, assumindo aí gran<strong>de</strong> parte das<br />

<strong>de</strong>spesas da justifi cação teórica <strong>dos</strong> eixos centrais<br />

do festival – foi assim com “Lugar” (2008), através da<br />

mostra <strong>de</strong> W. Eugene Smith, e com “Quotidiano” (2009),<br />

através da exposição colectiva “Anos 70. Fotografi a<br />

e Vida Quotidiana”. Para a recta fi nal como director<br />

artístico do PHotoEspaña 2010, dirigido segundo<br />

o tema genérico “Tempo”, o comissário português<br />

fez questão <strong>de</strong> sublinhar o carácter dialogante da<br />

exposição “Entre Tempos. Instantes, intervalos,<br />

durações” com outras propostas programáticas do<br />

festival, quer tenham sido orientadas por si ou por<br />

comissários convida<strong>dos</strong>. A i<strong>de</strong>ia é estabelecer relações<br />

formais e estéticas entre as várias exposições da<br />

secção ofi cial <strong>de</strong> maneira alargar a refl exão sobre<br />

o vasto espectro <strong>de</strong> práticas visuais que giram<br />

em torno das múltiplas (multíplices, paradoxais…)<br />

noções do conceito <strong>de</strong> tempo. O jogo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong><br />

semelhanças, contaminações, familiarida<strong>de</strong>s ou acasos<br />

não tem regras <strong>de</strong> partida, mas o guia ofi cial do festival<br />

po<strong>de</strong> dar uma ajuda preciosa. Por exemplo, através<br />

<strong>de</strong>le po<strong>de</strong>mos comparar as fi guras heróicas da NBA <strong>de</strong><br />

Paul Pfeiff er, em plena acção e isoladas <strong>de</strong> todo o ruído<br />

visual circundante, com o mergulho para a piscina<br />

sobre fundo negro <strong>de</strong> Pete Desjardin registado pelo<br />

engenheiro Harold Edgerton durante as experiências<br />

com fl ash estroboscópico, novida<strong>de</strong> técnica capaz <strong>de</strong><br />

registar movimentos até então impossíveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar<br />

a olho nu.<br />

Entre registos fotográfi cos, vi<strong>de</strong>ográfi cos e fílmicos,<br />

ao longo das salas subterrâneas do sempre fresco<br />

Teatro Fernán Gómez, há 17 autores para <strong>de</strong>scobrir<br />

(ou re<strong>de</strong>scobrir) e que representam uma cartografi a<br />

possível da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tempo na linguagem fotográfi ca.<br />

Em conversa com o Ípsilon no dia da inauguração,<br />

Mah afi rmou que “Entre Tempos...” é uma exposição<br />

para pensar e para se ver <strong>de</strong>vagar. Não só para que<br />

se possam estabelecer as relações e os confl itos<br />

dialogantes entre as várias propostas criativas, mas<br />

também para que se consiga <strong>de</strong>scobrir a beleza nas<br />

pequenas diferenças que se estabelecem entre duas<br />

imagens separadas apenas por um abrir e fechar <strong>de</strong><br />

olhos (Jochen Lempert, Cro-Mañon, 2006).<br />

Tacita Dean,<br />

“Day for<br />

Night”<br />

(fotograma),<br />

2009<br />

Vários autores,<br />

Entre Tempos.<br />

Instantes,<br />

intervalos,<br />

durações<br />

Teatro Fernán<br />

Gómez, Plaza <strong>de</strong><br />

Colón, 4, Madrid<br />

Até 25 <strong>de</strong> Julho


Design<br />

38 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

A tentação é gran<strong>de</strong>. Queremos chamar-lhe<br />

português suave, dar-lhe o<br />

título quase nobiliárquico <strong>de</strong>sse estilo<br />

arquitectónico, aplicar-lhe esse<br />

dichote que <strong>de</strong>fine quase tudo o que<br />

é calmo e lusitano. António Garcia é<br />

assim: caloroso, conversador, tranquilo.<br />

Mas também nos faz pensar<br />

em tabaco, em livros e num romance<br />

<strong>de</strong> Graham Greene em particular, “O<br />

Americano Tranquilo”. António Garcia,<br />

está visto, não é fácil <strong>de</strong> engavetar.<br />

Fez todo o tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sign (gráfico,<br />

<strong>de</strong> interiores, <strong>de</strong> equipamento, <strong>de</strong><br />

mobiliário) e ainda arquitectura. Capas<br />

<strong>de</strong> livros, embalagens <strong>de</strong> cigarros,<br />

stands açucara<strong>dos</strong>, ca<strong>de</strong>iras para japonês<br />

ver, cartazes. Aquele maço <strong>de</strong><br />

SG Filtro, Ventil ou Gigante? Foi ele.<br />

O branco do pacote do tabaco Ritz,<br />

imutável até hoje, salvo os retalhos<br />

que avisam que fumar não é simpático<br />

para os pulmões? Foi ele. As capas<br />

<strong>dos</strong> livros da colecção Autores<br />

Mo<strong>de</strong>rnos, da Ulisseia, que se escon<strong>de</strong>m<br />

nos alfarrabistas e nas prateleiras<br />

da casa <strong>de</strong> família? Também foi<br />

ele. Entre elas, a <strong>de</strong> “O Americano<br />

Tranquilo”, sim. E também “O A<strong>de</strong>us<br />

às Armas” (Ernest Hemingway),<br />

“Tempo <strong>de</strong> Matar” (Ennio Flaiano),<br />

“A Cida<strong>de</strong>la” (A. J. Cronin), “Os Nus<br />

e os Mortos” (Norman Mailer).<br />

Nestas pequenas gran<strong>de</strong>s coisas,<br />

António Garcia faz parte do quotidiano<br />

visual <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os portugueses, da<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> gráfica <strong>de</strong> marcas e <strong>de</strong> objectos<br />

que integram a nossa paisagem<br />

mental involuntária. Reconhecemos<br />

o que ele fez. Agora. “A relação entre<br />

o que ele fez e o que nós conhecemos<br />

só neste momento está estabelecida,<br />

só agora relacionamos a obra com o<br />

António Garcia,<br />

autor”, frisa Sofia da Costa Pessoa,<br />

autora <strong>de</strong> tese <strong>de</strong> mestrado sobre António<br />

Garcia e responsável pela compilação<br />

do seu espólio (“ZEITGEIST<br />

– o espírito do tempo, António Garcia,<br />

Depois da obra, o futuro, Design e<br />

Arquitectura, 1950-1970”).<br />

Mas António Garcia prefere o seu<br />

trabalho na arquitectura e no <strong>de</strong>sign<br />

<strong>de</strong> interiores. “Se toquei a vida das<br />

pessoas? Não sei. O que mais po<strong>de</strong><br />

tocar as pessoas é a arquitectura. Se<br />

conseguimos estar <strong>de</strong> mãos dadas<br />

com quem a vai habitar... É o que me<br />

liga mais às pessoas – os projectos <strong>de</strong><br />

interiores”, diz-nos, pon<strong>de</strong>rado, lembrando<br />

com igual carinho as agências<br />

bancárias, as casas, os escritórios do<br />

grupo CUF. “O trabalho liga as pessoas<br />

quando elas trabalham no mesmo<br />

comprimento <strong>de</strong> onda. O livro é uma<br />

coisa muito gira, mas é uma coisa<br />

mais anónima, não sabemos quem o<br />

lê...”, continua.<br />

Não vamos, afinal, chamar-lhe português<br />

suave. Foi o tipo <strong>de</strong> arquitectura<br />

<strong>de</strong> regime com que a sua fábrica<br />

para a Canada Dry (1956) quebrou.<br />

“To<strong>dos</strong> somos políticos, to<strong>dos</strong> éramos<br />

contra Salazar, mas nunca fui<br />

um activista. Ia contra o chamado<br />

estilo português suave, mas não foi<br />

propositado”. E a verda<strong>de</strong> é que essa<br />

não é uma das marcas <strong>de</strong> tabaco que<br />

<strong>de</strong>senhou.<br />

Soldado <strong>de</strong>sconhecido<br />

Está (quase) tudo lá, ele incluído, no<br />

primeiro piso do Museu <strong>de</strong> Design e<br />

<strong>de</strong> Moda (Mu<strong>de</strong>), em <strong>Lisboa</strong>, cenário<br />

da retrospectiva “António Garcia – <strong>de</strong>signer<br />

– Zoom in/Zoom out”. E é por<br />

lá que, <strong>de</strong> vez em quando, po<strong>de</strong>rá ver<br />

António Garcia em passeio. Intrigado,<br />

o <strong>de</strong>signer tranquilo<br />

Designer, arquitecto, autodidacta, veterano da cultura visual portuguesa, tem a sua obra exposta<br />

e um catálogo, hoje apresentado, que é a sua antologia. Desenhou parte do que fumamos, lemos<br />

porque adora resolver problemas. Joana Amaral Car<strong>dos</strong>o


“Se toquei as pessoas?<br />

Não sei. O que mais<br />

toca as pessoas<br />

é a arquitectura.<br />

Se conseguimos estar<br />

<strong>de</strong> mãos dadas<br />

com quem a vai<br />

habitar (...). O livro<br />

é uma coisa mais<br />

anónima, não<br />

sabemos quem o lê”<br />

no Mu<strong>de</strong>, em <strong>Lisboa</strong>,<br />

ou vivemos. Tudo<br />

ENRIC VIVES-RUBIO<br />

como na conversa com o Ípsilon, com<br />

quem se <strong>de</strong>bruça sobre as maquetes<br />

<strong>de</strong> um salão <strong>de</strong> exposição. Pesaroso<br />

por não falar bom inglês para interpelar<br />

quem com tanta atenção examina<br />

a sua ca<strong>de</strong>ira Osaka’70, criada<br />

a correr para a Exposição Universal<br />

<strong>de</strong> Osaka (1970), um mês antes da<br />

abertura e com o drama <strong>de</strong> já não po<strong>de</strong>r<br />

enviar o resultado por barco. Solução:<br />

bons materiais, e uma ca<strong>de</strong>ira<br />

leve, <strong>de</strong>smontável e prática. Numa<br />

caixa cabiam 12 ca<strong>de</strong>iras, “12 Osaka<br />

Sophistyled Doityourchairs”, e lá foram<br />

elas, <strong>de</strong> avião, ligeiras e compactas.<br />

“Dizem que é tipo Bauhaus, é<br />

muitíssimo confortável, e estava em<br />

minha casa até agora”, aponta.<br />

Também está mesmo quase, quase<br />

tudo no catálogo da exposição hoje<br />

lançado no Mu<strong>de</strong>, que faz as vezes <strong>de</strong><br />

monografia do seu trabalho, coligido<br />

ao longo <strong>de</strong> anos por Sofia da Costa<br />

Pessoa. Ela <strong>de</strong>bateu-se com a dificulda<strong>de</strong><br />

da perda <strong>de</strong> documentos (“é só<br />

papelada”, saco<strong>de</strong> António Garcia) ao<br />

longo <strong>dos</strong> anos, mas teve um aliado:<br />

o próprio autor que, por sua iniciativa,<br />

refez muitos <strong>dos</strong> cartazes e das<br />

maquetes agora expostos. Era um trabalhador<br />

incansável, confi<strong>de</strong>ncia-nos<br />

Sofia da Costa Pessoa – e ainda o é,<br />

aos 85 anos. Foi há mais <strong>de</strong> 20 que o<br />

conheceu e à sua casa no Bairro Alto,<br />

cheia <strong>dos</strong> seus objectos – “era um<br />

mundo fascinante”.<br />

António Garcia é um <strong>dos</strong> solda<strong>dos</strong><br />

<strong>de</strong>sconheci<strong>dos</strong> do <strong>de</strong>sign português<br />

e, segundo Sofia da Costa Pessoa,<br />

“um homem sem ida<strong>de</strong>”, “prático e<br />

muito intuitivo, que faz não porque<br />

viu ou leu mas porque tem <strong>de</strong> resolver<br />

um problema”. Já se cantaram os<br />

elogios a Daciano Costa e Sena da Silva,<br />

seus contemporâneos e colegas<br />

regulares, que muito admirava pelo<br />

lado mais literato, teórico. Faltava<br />

António Garcia, Prémio Nacional <strong>de</strong><br />

Design Carreira 2010 que doou o seu<br />

espólio ao Mu<strong>de</strong> e agora é cumprimentado<br />

pelos vigilantes do museu<br />

enquanto mexerica na Osaka ou ajeita<br />

uma vitrina.<br />

Dos livros da Ulisseia que <strong>de</strong>senhou<br />

para os escaparates só leu “O A<strong>de</strong>us<br />

Às Armas” e “A Casa <strong>de</strong> Jalna” (Mazo<br />

<strong>de</strong> la Roche), frisa. Não havia tempo<br />

para ler tudo e, à velocida<strong>de</strong> a que a<br />

editora lançava livros, algumas capas<br />

eram <strong>de</strong>senhadas com menos <strong>de</strong> 15<br />

dias <strong>de</strong> antecedência. Por isso, lia os<br />

resumos <strong>de</strong> uma ma ou duas páginas dac<br />

tilografadas feitos pelo editor, para<br />

que dali saíssem sem i<strong>de</strong>ias, “elementos<br />

que pu<strong>de</strong>ssem m simbolizar os conteú<strong>dos</strong>”.<br />

Raramente ente precisou disso, <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong>s leituras. ras. Estudou na António<br />

Arroio mas aos os 17 anos já estava a trabalhar.<br />

Sempre pre teve “a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> resolver coisas”, oisas”, conta. Das separatas<br />

<strong>de</strong> construções truções da revista “Mosquito”<br />

até aos s mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> coelheiras<br />

encomenda<strong>dos</strong> os pelo Estado Novo durante<br />

a Segunda nda Guerra Mundial e<br />

publica<strong>dos</strong> nos os jornais para mostrar<br />

os cidadãos o que<br />

<strong>de</strong>viam ter nas<br />

varandas, do bar<br />

do Hotel Alvor vor<br />

Praia, que <strong>de</strong>senhou<br />

com m<br />

Daciano Cos-<br />

ta, aos apo-<br />

sentos <strong>de</strong> Américo Tomás no navio<br />

Príncipe Perfeito, António Garcia fez<br />

<strong>de</strong> tudo para solucionar problemas.<br />

Finalmente em casa<br />

O seu trabalho ligou-o, <strong>de</strong> facto, a<br />

quem estava no mesmo comprimento<br />

<strong>de</strong> onda. Ligou-o a um então <strong>de</strong>sconhecido<br />

que conheceu numa festa<br />

no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 1965, e a quem<br />

ofereceu um maço <strong>de</strong> tabaco Sintra.<br />

Esse <strong>de</strong>sconhecido far-lhe-ia um convite<br />

para uma noite <strong>de</strong> Bossa Nova em<br />

que conheceu Elis Regina e João do<br />

Vale, em que viu Claudia Cardinale,<br />

em que foi, uma vez mais, um português<br />

tranquilo. Ligou-o também a um<br />

mundo <strong>de</strong> gentes que com ele se cruzou<br />

na publicida<strong>de</strong> ou no atelier que<br />

ocupou por 40 anos na Avenida da<br />

Liberda<strong>de</strong>, e que era “quase uma república”.<br />

Por ali passavam arquitectos,<br />

pintores e surrealistas como Fernando<br />

Lemos e Marcelino Vespeira.<br />

Tem memória, mas sobretudo calos<br />

<strong>dos</strong> tempos em que tudo se <strong>de</strong>senhava<br />

à mão, sem Photoshops ou Illustrators.<br />

“O <strong>de</strong>sign é algo que tenho<br />

dificulda<strong>de</strong> em explicar. Sempre houve<br />

<strong>de</strong>sign, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o homem lascou<br />

a pedra para cortar carne. Hoje em<br />

dia é tudo <strong>de</strong>sign, há coisas a que se<br />

chama <strong>de</strong>sign e que são horrorosas”,<br />

diz, pragmático. Os <strong>de</strong>signers – e António<br />

Garcia é outras coisas para além<br />

disso - são treina<strong>dos</strong> a pensar em termos<br />

<strong>de</strong> limitações e constrangimentos.<br />

Garcia não teve teoria, foi a prática<br />

que o fez assim. Agora, gosta <strong>de</strong><br />

pensar que o seu trabalho encontrou<br />

uma casa.<br />

“Foi um projecto que me ultrapassou,<br />

a mim e ao autor”, comenta Sofia<br />

da Costa Pessoa, encantada com<br />

os círculos que se fecharam. “Des<strong>de</strong><br />

os 20 anos que lhe digo que tínhamos<br />

que fazer uma exposição do seu trabalho”.<br />

Aconteceu agora (20 anos,<br />

um mestrado e uma tese <strong>de</strong>pois),<br />

num espaço tocado por ele – o auditório<br />

do Mu<strong>de</strong>, ex-Banco Nacional<br />

Ultramarino, foi <strong>de</strong>senhado por António<br />

Garcia e era, há anos, a única<br />

sala intacta e por esventrar do edifício<br />

que hoje acolhe o museu; o Mu<strong>de</strong><br />

preten<strong>de</strong> agora reactivar e rentabilizar<br />

essa sala.<br />

“O gran<strong>de</strong> valor <strong>de</strong> António Garcia<br />

é a gran<strong>de</strong> paixão pelo ofício e pela<br />

resolução <strong>de</strong> problemas a qualquer<br />

escala. É o gran<strong>de</strong> sentido <strong>de</strong> cons-<br />

truir, mas também da comunicação,<br />

da síntese, rápida. Gosta<br />

<strong>de</strong> resolver <strong>de</strong>safios”,<br />

diz a comissária. Directamente<br />

da era sem<br />

computadores, <strong>de</strong> lápis<br />

e esquadro na mão, para<br />

aquela em que uma<br />

janelinha digital nos<br />

oferece a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> resolver problemas,<br />

António Garcia e o seu<br />

trabalho ainda estão<br />

por aí.<br />

A ca<strong>de</strong>ira Osaka’70,<br />

feita em contrarelógio:<br />

“Esteve em<br />

minha casa até<br />

agora”, diz António<br />

Garcia<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

JUN~1O<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

JUN~1O<br />

24, 25 E 26 JUN<br />

QUINTA, SEXTA<br />

E SÁBADO ÀS 22H00<br />

JARDIM DE INVERNO M/12<br />

AUTORIA<br />

NUNO COSTA SANTOS<br />

INTERPRETAÇÃO<br />

DINARTE BRANCO<br />

DIRECÇÃO ARTÍSTICA<br />

NUNO COSTA SANTOS<br />

DINARTE BRANCO<br />

REALIZAÇÃO E<br />

EDIÇÃO DE VÍDEO<br />

PAULO ABREU<br />

SONOPLASTIA<br />

SÉRGIO GREGÓRIO<br />

LUZ<br />

FELICIANO BRANCO<br />

PRODUÇÃO EXECUTIVA<br />

PRODUÇÕES FICTÍCIAS<br />

PRODUÇÃO<br />

TEATRO MICAELENSE<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />

BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />

Cláudia Galhós<br />

João Salaviza<br />

António Mega Ferreira<br />

José Sasportes<br />

Luísa Taveira<br />

Fernando Lopes<br />

3O JUN<br />

PINA<br />

BAUSCH<br />

UM ANO DEPOIS<br />

Toda a programação em<br />

www.teatrosaoluiz.pt<br />

© josé fra<strong>de</strong><br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 39<br />

silva!<strong>de</strong>signers


O futuro do Chile ainda<br />

Teatro<br />

Dois<br />

momentoschave<br />

do<br />

teatro chileno<br />

contemporâneo:<br />

“Neva”<br />

(em cima) e<br />

“Hechos<br />

Consuma<strong>dos</strong>”<br />

(em baixo)<br />

África, Caraíbas, América Latina: é para lá que <strong>de</strong>vemos olhar se quisermos ver “O Próximo<br />

companhias <strong>de</strong> teatro chilenas que integram o programa – o Teatro en el Blanco <strong>de</strong> Guillermo<br />

Castro, com “Hechos Consuma<strong>dos</strong>” – e o que vemos é um país com todo<br />

40 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

A América Latina tem todo o futuro<br />

pela frente: é por isso que é uma das<br />

regiões para on<strong>de</strong> <strong>de</strong>vemos olhar se<br />

quisermos saber por on<strong>de</strong> vai andar<br />

o mundo daqui a umas décadas, aponta<br />

a Gulbenkian, que a partir <strong>de</strong> hoje<br />

põe a meta<strong>de</strong> hispânica do continente<br />

americano (juntamente com África<br />

e as Caraíbas) no mapa do ciclo “Próximo<br />

Futuro”. Há lugar para o Chile<br />

nesse mapa – foi lá, e também na Argentina,<br />

que o programador António<br />

Pinto Ribeiro encontrou o melhor teatro<br />

do espectro latino-americano –,<br />

mesmo que talvez não haja lugar para<br />

o futuro no Chile. Olhamos para<br />

“Neva”, pequena obra-prima do Teatro<br />

en el Blanco <strong>de</strong> Guillermo Cal<strong>de</strong>rón<br />

(Santiago do Chile, 1971), e também<br />

para “Hechos Consuma<strong>dos</strong>”, do<br />

Teatro La Memoria <strong>de</strong> Alfredo Castro<br />

(Santiago do Chile, 1952), e vemos o<br />

sangue, a morte, a pobreza, a <strong>de</strong>silusão:<br />

este país tem todo o passado pela<br />

frente.<br />

Está igual, o Chile: igual ao que era<br />

em 1905, na São Petersburgo a caminho<br />

<strong>de</strong> ser Leninegrado que Guillermo<br />

Cal<strong>de</strong>rón ilumina com um radiador<br />

em “Neva” (hoje e amanhã, no<br />

Gran<strong>de</strong> Auditório), igual ao que era<br />

em 1981, nesses subúrbios <strong>de</strong> Santiago<br />

on<strong>de</strong> a ditadura militar sempre<br />

gostou <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejar os mortos vivos<br />

que teriam ficado um bocadinho mal<br />

(mesmo que <strong>de</strong> óculos escuros, como<br />

Pinochet) entre o sr. Reagan e a sra.<br />

Thatcher, na fotografia <strong>de</strong> família do<br />

neoliberalismo, e que agora também<br />

não ficam muito bem no auto-retrato<br />

que é “Hechos Consuma<strong>dos</strong>” (dias 25<br />

e 26), igual ao que foi há uns meses,<br />

a seguir a mais um terramoto. Não se<br />

mexe, o Chile, diz Cal<strong>de</strong>rón: o passado<br />

é um peso que o faz ir ao fundo.<br />

“Este é um país que não soube superar<br />

as diferenças <strong>de</strong> classes, um país<br />

ainda muito marcado pelas feridas da<br />

ditadura <strong>de</strong> Pinochet. Para mim, o<br />

processo <strong>de</strong>mocrático é um fracasso<br />

doloroso porque as instituições políticas<br />

da ditadura mantiveram-se intactas.<br />

Nisso, o Chile é um país mais<br />

<strong>de</strong> passado do que <strong>de</strong> futuro. A América<br />

Latina é um continente jovem;<br />

um continente on<strong>de</strong>, ao contrário da<br />

Europa, as pessoas ainda querem ter<br />

filhos, mas há <strong>de</strong>masiada violência,<br />

<strong>de</strong>masiada <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>. Seria <strong>de</strong>sajustado<br />

dizer que daqui se vê o futuro”.<br />

Uma hora antes, noutro telefonema<br />

<strong>de</strong> longa distância, Alfredo<br />

Castro, que podia ser pai <strong>de</strong> Cal<strong>de</strong>rón:<br />

“A América Latina é o que fizermos<br />

<strong>de</strong>la. É um continente tão novo, mas<br />

ao mesmo tempo com uma história<br />

tão pesada... Sim, houve um momento<br />

em que to<strong>dos</strong> acreditámos que este<br />

era o continente do futuro, mas<br />

estou <strong>de</strong>siludido. O mal menor não é<br />

o melhor. Há sectores que melhoraram<br />

muito com 20 anos <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia,<br />

mas não foi suficiente, não foi o<br />

que tinha <strong>de</strong> ser. O Chile acaba <strong>de</strong> eleger<br />

um Governo <strong>de</strong> direita, é como se<br />

nunca saíssemos do sítio”.<br />

To<strong>dos</strong> marginais<br />

Voltemos a esse sítio, então (a medo,<br />

porque também somos um país <strong>de</strong>sses:<br />

com mais passado do que futuro,<br />

e que passado). É como se o teatro<br />

chileno, 17 anos <strong>de</strong>pois, também não<br />

conseguisse sair daqui. Aqui são os<br />

arrabal<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Santiago, do outro lado<br />

do Maipo, num texto que o dramaturgo-operário<br />

Juan Radrigán, uma das<br />

vozes mais emblemáticas do teatro<br />

chileno, escreveu em 1981 e que o actor<br />

e encenador Alfredo Castro (que<br />

vimos não há muito tempo no cinema,<br />

a fazer <strong>de</strong> John Travolta em “Tony<br />

Manero”: e também aí o Chile estava<br />

parado nesse espaço-tempo que pa-


a é o passado<br />

Futuro”, na Gulbenkian. Olhamos para as duas<br />

Cal<strong>de</strong>rón, com “Neva”, e o Teatro La Memoria <strong>de</strong> Alfredo<br />

o passado pela frente. Inês Nadais<br />

rece engolir toda a sua tão latino-americana<br />

história) montou pela primeira<br />

vez em 1999. Em Janeiro, a convite<br />

da edição especial que o festival Santiago<br />

a Mil organizou para o bicentenário<br />

da in<strong>de</strong>pendência do Chile,<br />

Alfredo Castro voltou a 1999 e trouxe<br />

<strong>de</strong> lá “Hechos Consuma<strong>dos</strong>”. Não lhe<br />

mexeu muito, garante, e voltou a fazer<br />

todo o sentido: “Depois do festival,<br />

fizemos uma temporada <strong>de</strong> dois<br />

meses na nossa sala. Terminámos as<br />

representações no sábado e, tanto<br />

tempo <strong>de</strong>pois do fim da ditatura, as<br />

pessoas continuam a aplaudir <strong>de</strong> pé.<br />

O texto tem uma actualida<strong>de</strong> tremenda.<br />

Foi escrito na fase mais sinistra da<br />

ditadura, mas sobrevive completamente<br />

à pequena história pinochetista<br />

<strong>dos</strong> <strong>de</strong>sapareci<strong>dos</strong>, <strong>dos</strong> sequestros<br />

e das prisões políticas. Estamos até<br />

“Aqui as pessoas vêem<br />

o teatro como o lugar<br />

on<strong>de</strong> se discutem<br />

coisas relevantes (...).<br />

Utilizo o teatro<br />

como canal privado<br />

<strong>de</strong> participação.<br />

É a minha maneira<br />

<strong>de</strong> fazer política,<br />

uma maneira <strong>de</strong> ter<br />

voz e <strong>de</strong> ser ouvido”<br />

Guillermo Cal<strong>de</strong>rón<br />

impressiona<strong>dos</strong> com a maneira como<br />

continua tão vigente”.<br />

“Hechos Consuma<strong>dos</strong>” é sobre a<br />

luta pelo “direito a viver num lugar”<br />

– uma luta que parecia ser <strong>dos</strong> mais<br />

pobres e com os anos passou a ser <strong>de</strong><br />

toda a classe média. Foi isso que Juan<br />

Radrigán achou quando voltou a ver<br />

a peça em Janeiro: neiro: que<br />

o texto continuava ntinuava<br />

“em dia” e que ue Alfredo<br />

Castro tinha nhaconseguido a proeza oeza <strong>de</strong><br />

olhar para as s personagens<br />

e ver er<br />

mais do que<br />

dois semabrigo,<br />

um<br />

louco e um<br />

guardanoctur-<br />

Guillermo<br />

Cal<strong>de</strong>rón e<br />

Alfredo<br />

Castro: <strong>de</strong><br />

geração em<br />

geração, o<br />

teatro chileno<br />

é a<br />

continuação<br />

da política por<br />

outros meios<br />

pRÉMIO<br />

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Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 41


42 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Explo<strong>de</strong> América<br />

Latina<br />

Por estes anos, Santiago do Chile e Buenos Aires parecem as<br />

capitais mundiais do teatro in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Um fenómeno<br />

para o qual contribuem um público apaixonado, a tradição,<br />

longos perío<strong>dos</strong> <strong>de</strong> ensaios e, ironicamente, a precarieda<strong>de</strong><br />

do emprego artístico. Jorge Louraço Figueira<br />

E <strong>de</strong> novo, como no ano anterior,<br />

explo<strong>de</strong> mais um espectáculo<br />

vindo <strong>de</strong> Buenos Aires ou <strong>de</strong><br />

Santiago do Chile, fazendo<br />

sensação um pouco por todo o<br />

mundo, Europa incluída. Obras <strong>de</strong><br />

jovens directores e dramaturgos<br />

sul-americanos, como Guillermo<br />

Cal<strong>de</strong>rón e Rafael Spregelburd,<br />

que aliam a novida<strong>de</strong> e a frescura<br />

a peças com diálogo, enredo e<br />

personagem.<br />

Por estes anos, Buenos Aires<br />

e Santiago do Chile parecem as<br />

capitais mundiais do teatro, pelo<br />

menos da produção in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,<br />

que se distingue tanto do teatro<br />

comercial, feito <strong>de</strong> comédias<br />

mais ou menos televisivas e <strong>de</strong><br />

musicais, como do teatro ofi cial<br />

das salas do Estado, sempre às<br />

voltas com os clássicos mais ou<br />

menos integrais, na busca <strong>de</strong><br />

formas originais <strong>de</strong> expressar<br />

o ar <strong>dos</strong> tempos. Este chamado<br />

“Teatro <strong>de</strong> Grupo” prolifera na<br />

América Latina, as mais das vezes<br />

por necessida<strong>de</strong>. Em Buenos<br />

Aires e São Paulo, há meio milhar<br />

<strong>de</strong> estreias por ano, em centenas<br />

<strong>de</strong> salas registadas ou espaços<br />

improvisa<strong>dos</strong>, promovidas por<br />

pequenos colectivos teatrais.<br />

A Portugal têm chegado mais<br />

timidamente ecos <strong>de</strong>ssa vaga, nos<br />

festivais e em iniciativas pontuais,<br />

com as estreias <strong>de</strong> Rafael<br />

Spregelburd (“La Estupi<strong>de</strong>z”) e<br />

Guillermo Cal<strong>de</strong>rón (“Deciembre”),<br />

no Festival <strong>de</strong> Almada, em 2007<br />

e 2009, respectivamente, <strong>de</strong><br />

Claudio Tolcachir (“La omisión<br />

<strong>de</strong> la família Coleman”), em 2009,<br />

no Centro Cultural <strong>de</strong> Belém, e<br />

<strong>dos</strong> paulistas XIX (“Hysteria”) no<br />

FITEI, em 2004. Nas próximas<br />

semanas po<strong>de</strong>remos ver dois<br />

espectáculos chilenos do<br />

“Próximo Futuro”, na Gulbenkian,<br />

e a versão que Daniel Veronese<br />

fez <strong>de</strong> “Hedda Gabler” (“To<strong>dos</strong><br />

os gran<strong>de</strong>s governos evitaram o<br />

teatro íntimo”), na próxima edição<br />

do Festival <strong>de</strong> Almada, a 6 <strong>de</strong><br />

Julho.<br />

Ficam ainda por ver grupos<br />

como Luna Avante e Lagartijas<br />

tiradas al sol, da Cida<strong>de</strong><br />

do México; e encenadoresdramaturgos<br />

como Mariana<br />

Percovich e Gabriel Cal<strong>de</strong>rón, do<br />

Uruguai. Do Brasil, continuam<br />

<strong>de</strong>sconhecidas em Portugal as<br />

últimas obras <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> São<br />

Paulo como a Companhia São<br />

Jorge <strong>de</strong> Varieda<strong>de</strong>s, o Núcleo<br />

Bartolomeu <strong>de</strong> Depoimentos e o<br />

Teatro <strong>de</strong> Narradores. E já é tar<strong>de</strong><br />

para alguns <strong>dos</strong> espectáculos que<br />

fi zeram história, como “Mujeres<br />

sonãron caballos”, <strong>de</strong> Veronese<br />

(em que três casais têm <strong>de</strong><br />

conviver num minúsculo espaço<br />

sobrelotado <strong>de</strong> móveis), ou mesmo<br />

impossível, caso <strong>de</strong> “Bizarra”,<br />

<strong>de</strong> Spregelburd (subtítulo: “A<br />

luta <strong>de</strong> classes explicada às<br />

crianças, com pornografi a e pop”),<br />

uma “telenovela teatral” <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<br />

capítulos e 20 horas. Ainda vamos<br />

a tempo <strong>de</strong> muitos outros: “Tercer<br />

Cuerpo”, o novo <strong>de</strong> Tolcachir;<br />

“Sin Sangre”, do Teatro Cinema;<br />

“Amarillo”, do Línea <strong>de</strong> Sombra,<br />

ou as novas <strong>dos</strong> grupos Espanca<br />

(<strong>de</strong> Belo Horizonte, célebres por<br />

“Congresso Internacional do<br />

Medo”) e XIX.<br />

O que distingue esta produção?<br />

Várias coisas. Em primeiro lugar,<br />

um público apaixonado, fervoroso<br />

e entendido, que vive o teatro<br />

tanto quando os seus criadores<br />

e faz mais pelos espectáculos no<br />

passa-palavra do que a imprensa<br />

ou a publicida<strong>de</strong>. Nos últimos<br />

anos, foram criadas Escuelas <strong>de</strong><br />

Espectadores em Buenos Aires<br />

e outras cida<strong>de</strong>s argentinas, na<br />

Cida<strong>de</strong> do México, em Montevi<strong>de</strong>u<br />

e em Santiago. A atenção <strong>dos</strong><br />

espectadores ao que se faz<br />

aumenta a responsabilida<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />

criadores, que respon<strong>de</strong>m com<br />

trabalhos cada vez melhores.<br />

Em segundo lugar, a tradição.<br />

Fugindo à Guerra Civil <strong>de</strong><br />

Espanha, Margarita Xirgu, a actriz<br />

<strong>de</strong> Lorca, percorreu as capitais<br />

latino-americanas, elevando<br />

o nível <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> da produção<br />

teatral. Fixou-se em Montevi<strong>de</strong>u<br />

nos anos 50. Nos anos 70,<br />

Enrique Buenaventura, Santiago<br />

García, Aristi<strong>de</strong>s Vargas, Boal, e<br />

companhias como o Yuyachkani<br />

ou o Escambray praticamente<br />

inventaram o teatro <strong>de</strong> grupo<br />

sul-americano, infl uenciado<br />

por Brecht e por Grotowski.<br />

Mais recentemente, Sinisterra<br />

trabalhou com muitos autores<br />

em vários países da América<br />

Latina e Bartis é responsável<br />

pela formação <strong>de</strong> boa parte <strong>dos</strong><br />

actores e encenadores <strong>de</strong> Buenos<br />

Aires. Estes criadores herdaram<br />

também uma tradição <strong>de</strong> abordar<br />

os assuntos indirectamente,<br />

concentrando-se na criação <strong>de</strong><br />

metáforas e analogias, chegando<br />

aos temas através <strong>de</strong> histórias e<br />

cenas potencialmente universais,<br />

prática <strong>de</strong>senvolvida durante<br />

as ditaduras. Como se transmite<br />

isso? Este ano, para assinalar o<br />

bicentenário da in<strong>de</strong>pendência<br />

do Chile, o festival Santiago a Mil<br />

promoveu a reposição ou novas<br />

produções das mais relevantes<br />

peças ou montagens do teatro<br />

chileno.<br />

Depois, perío<strong>dos</strong> <strong>de</strong> ensaio<br />

longos, <strong>de</strong> um ano ou mais, em<br />

que a discussão sobre o texto,<br />

a encenação e a actuação se<br />

vai encaixando aos poucos.<br />

Ironicamente, a precarieda<strong>de</strong><br />

do emprego artístico, os “day<br />

jobs” e os locais alternativos<br />

<strong>de</strong>socupa<strong>dos</strong> geram este luxo <strong>de</strong><br />

espaço e <strong>de</strong> tempo. Os calendários<br />

Ironicamente,<br />

a precarieda<strong>de</strong><br />

do emprego artístico,<br />

os “day jobs”<br />

e os locais<br />

alternativos geram<br />

um luxo <strong>de</strong> espaço<br />

e <strong>de</strong> tempo impossível<br />

no modo <strong>de</strong> produção<br />

europeu<br />

aperta<strong>dos</strong> da produção e das salas<br />

europeias jamais facilitariam<br />

coisa assim. Nem permitiriam<br />

aos espectáculos fi carem em<br />

cena in<strong>de</strong>fi nidamente: “Mujeres”<br />

fi cou seis anos em cartaz e<br />

em digressão; “La Omisión”<br />

quatro. A perseverança ajuda.<br />

Vale a pena repetir a recolha<br />

<strong>de</strong> citações feita por Marcos<br />

Ordoñez no “El País”. Spregelburd:<br />

“Só funcionam os projectos<br />

verda<strong>de</strong>iramente impossíveis”;<br />

Daulte: “Os teatreiros argentinos<br />

<strong>de</strong>sconhecem o signifi cado da<br />

palavra não”; Tolcachir: “O teatro<br />

faz-te sentir que as coisas são<br />

possíveis”; Veronese: “Quando<br />

tenho um tempo livre ensaio uma<br />

peça – ou duas”. Mas há outra<br />

coisa: método. As entrevistas <strong>dos</strong><br />

jovens directores-dramaturgos<br />

não são apenas “soundbytes”, mas<br />

pequenos trata<strong>dos</strong> <strong>de</strong> produção<br />

teatral, que revelam concepções<br />

amadurecidas do trabalho, da<br />

estética e <strong>dos</strong> meios <strong>de</strong> produção<br />

disponíveis.<br />

Que aconteceu aos grupos<br />

históricos, entretanto? Em<br />

Bogotá, no ano passado, no<br />

encontro internacional do<br />

Instituto Hemisférico <strong>de</strong> Política<br />

e Performance, pu<strong>de</strong> assistir<br />

a “El Ultimo Ensayo”, <strong>dos</strong><br />

peruanos Yuyachkani, e a “A<br />

Título Personal”, do Teatro <strong>de</strong> La<br />

Can<strong>de</strong>laria, <strong>de</strong> Bogotá, on<strong>de</strong> eram<br />

postos em cena os impasses da<br />

criação perante o <strong>de</strong>sabar tanto<br />

das ditaduras <strong>de</strong> direita quanto<br />

das esperanças <strong>de</strong> esquerda.<br />

Des<strong>de</strong> o início do milénio, não<br />

só a <strong>de</strong>mocracia se revelou uma<br />

<strong>de</strong>silusão, como as esquerdas<br />

não forneceram alternativa<br />

viável, e as memórias do terror da<br />

ditadura continuaram a reemergir<br />

constantemente, criando uma<br />

sensação <strong>de</strong> tempo cíclico, em que<br />

o futuro é o passado, que os mais<br />

jovens querem romper.<br />

Quebrar esse impasse parece<br />

ser um <strong>dos</strong> movimentos <strong>de</strong>ste<br />

novo teatro. A cena é expressão<br />

da violência que <strong>de</strong>corre lá fora,<br />

para sempre, vê-se agora. E daí<br />

vem a força <strong>de</strong>sta dramaturgia,<br />

da articulação estética <strong>de</strong>ssa<br />

violência, no seio <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s<br />

globalizadas, mediocráticas, on<strong>de</strong><br />

a representação autêntica da<br />

violência e da opressão se tornou<br />

um bem escasso. Em “Manifesto<br />

<strong>de</strong> Niños”, <strong>de</strong> Veronese, produção<br />

do El Periférico <strong>de</strong> Objectos, o<br />

público espreita para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

uma cabine on<strong>de</strong> a violência<br />

física po<strong>de</strong> ocorrer a qualquer<br />

momento. Os nomes <strong>de</strong> crianças<br />

assassinadas estão pinta<strong>dos</strong><br />

nas pare<strong>de</strong>s e são ditos em voz<br />

alta. O premiadíssimo “Pedro <strong>de</strong><br />

Valdivia”, do Tryo Teatro Banda<br />

é outro exemplo disso: enquanto<br />

vai contando a história do<br />

conquistador do Chile, enumera os<br />

actos sanguinários do século XX.<br />

Os novos grupos da América<br />

Latina contam as suas histórias.<br />

Este teatro é real porque preten<strong>de</strong><br />

reagir ao real, refl ectindo-o,<br />

mas também porque é feito da<br />

diferença entre os sonhos e a<br />

vida real – a matéria que Eugene<br />

O’Neill aconselhou ao dramaturgo<br />

brasileiro Jorge Andra<strong>de</strong> registar<br />

nas suas peças.<br />

“Manifesto <strong>de</strong><br />

Niños”, do<br />

argentino<br />

Daniel<br />

Veronese: a<br />

violência,<br />

sobretudo a<br />

violência que<br />

não se vê, é<br />

uma história<br />

implícita da<br />

América<br />

Latina<br />

“Sin Sangre”,<br />

<strong>dos</strong> chilenos<br />

Teatro<br />

Cinema,<br />

“Pedro <strong>de</strong><br />

Valdivia”, do<br />

Tryo Teatro<br />

Banda, e o<br />

argentino<br />

Rafael<br />

Spregelburd


no a lutar até à morte por um metro<br />

<strong>de</strong> terreno. “A pobreza mudou muito,<br />

e atingiu a classe média. Há 30 anos,<br />

havia muita miséria visível, muitos<br />

miú<strong>dos</strong> <strong>de</strong>scalços na rua, agora não.<br />

Mas bastou dar-se um terramoto para<br />

voltarmos a encontrar, <strong>de</strong>baixo das<br />

pedras, muita coisa que pensávamos<br />

que já não existia”, argumenta. Mas<br />

o texto, insiste Alfredo, não é só a violência<br />

e a pobreza <strong>dos</strong> anos Pinochet<br />

(que são to<strong>dos</strong> os anos, até hoje), e<br />

por isso ele não quis que as suas personagens<br />

fossem miseráveis sem sapatos:<br />

“Isto, um guarda-nocturno a<br />

dizer que aquelas pessoas não po<strong>de</strong>m<br />

estar ali porque é proprieda<strong>de</strong> privada,<br />

mesmo que esteja ao abandono,<br />

está a passar-se em todo o mundo. Na<br />

Faixa <strong>de</strong> Gaza com os palestinianos,<br />

no Chile com os mapuches, no Peru<br />

com os bolivianos. Passa-se com todas<br />

as pessoas que são obrigadas a sair <strong>de</strong><br />

casa porque há uma barragem para<br />

construir e a al<strong>de</strong>ia vai <strong>de</strong>saparecer<br />

– a Espanha é dona <strong>de</strong> toda a re<strong>de</strong><br />

hidroeléctrica chilena, faz o que quer.<br />

Este homem limita-se a dizer que tem<br />

muita pena mas não vai mexer-se, já<br />

se mexeu vezes <strong>de</strong> mais”.<br />

Esse homem, diz Castro, é o Chile<br />

que nunca chegou a existir: o Chile<br />

épico da União Popular <strong>de</strong> Salvador<br />

Allen<strong>de</strong>, e em certo sentido to<strong>dos</strong> os<br />

outros países que po<strong>de</strong>riam ter sido<br />

maravilhosos, pelo menos na nossa<br />

cabeça. Tal como o guarda-nocturno<br />

po<strong>de</strong> ser o novo Governo <strong>de</strong> direita,<br />

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“O teatro não serve<br />

para nada. É por isso<br />

que o faço: não há<br />

nada <strong>de</strong> mais<br />

revolucionário do que<br />

fazer coisas inúteis.<br />

Quando vês as<br />

pessoas a aplaudirem<br />

<strong>de</strong> pé <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> um espectáculo,<br />

dás-te conta <strong>de</strong> que<br />

sim, claro, vale a pena<br />

continuares a ser<br />

inútil”<br />

Alfredo Castro<br />

com os seus porta-vozes que nunca falam,<br />

apenas fecham portas. São or<strong>de</strong>ns<br />

superiores, diz ele, e este Governo foi<br />

feito para dar or<strong>de</strong>ns: “Economicamente,<br />

o [Sebastián] Piñera e os seus homens<br />

já eram donos do país. É claro<br />

que nos tratam como emprega<strong>dos</strong>”.<br />

Por ser tão <strong>de</strong> hoje, “Hechos Consuma<strong>dos</strong>”<br />

instalou-se muito bem no<br />

Chile circa 2010 em que estamos: “Via<br />

as pessoas tão emocionadas – e muitos<br />

jovens, o que é maravilhoso, porque<br />

não queria que isto fosse uma reconstituição<br />

puramente nostálgica – que<br />

às vezes perguntava o que raio se estava<br />

a passar. E o que os espectadores<br />

me diziam era ‘sabes, é que estamos<br />

to<strong>dos</strong> muito marginais’”.<br />

Um teatro útil<br />

Continuamos a andar para trás, mais<br />

<strong>de</strong>pressa: agora é domingo, e estamos<br />

em 1905, num teatro com vista para<br />

o Neva, em São Petersburgo. Olga Knipper<br />

(actriz <strong>de</strong> Stanislavsky, viúva <strong>de</strong><br />

Tchékhov) e mais dois actores ensaiam<br />

“O Cerejal” enquanto lá fora,<br />

na vida verda<strong>de</strong>ira, centenas <strong>de</strong> revolucionários<br />

são massacra<strong>dos</strong> pelas<br />

tropas do czar. E aqui, on<strong>de</strong> é que está<br />

o Chile? Está on<strong>de</strong> estava em 1973,<br />

no dia em que Allen<strong>de</strong>, o primeiro<br />

presi<strong>de</strong>nte marxista <strong>de</strong>mocraticamente<br />

eleito da história universal, foi<br />

substituído (tinha dito que só por cima<br />

do cadáver <strong>de</strong>le, e <strong>de</strong>pois apareceu<br />

morto) por um general <strong>de</strong> óculos<br />

escuros. Talvez nesse dia também<br />

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houvesse, algures num teatro <strong>de</strong> Santiago,<br />

três actores a ensaiar um texto<br />

<strong>de</strong> Tchékhov, e a estranhar o atraso<br />

do resto do elenco e o tumulto (ou o<br />

silêncio) lá fora.<br />

“Neva”, confirma Guillermo Cal<strong>de</strong>rón,<br />

é um texto muito chileno, muito<br />

da prodigiosa ida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> porquês que<br />

o Chile ainda não <strong>de</strong>ixou para trás,<br />

sobre o fracasso das melhores utopias<br />

políticas (um texto passado em 1905<br />

que sabe exactamente o que vai acontecer<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1917), mas também é<br />

um texto muito universal sobre o sentido<br />

<strong>de</strong> fazer (e <strong>de</strong> ver) teatro enquanto<br />

lá fora, na vida verda<strong>de</strong>ira, se mata<br />

e se morre: “Começámos a ensaiar<br />

esta peça em 2006, no ano mais difícil<br />

da Guerra do Iraque, e tivemos <strong>de</strong><br />

lidar com esse problema: para quem<br />

e para quê fazer teatro quando há tanta<br />

violência na rua? O que é que se<br />

po<strong>de</strong> fazer quando lá fora há uma matança<br />

política?”. Ele tem uma maneira<br />

<strong>de</strong> lidar com o problema: “O teatro<br />

é a minha maneira <strong>de</strong> fazer política,<br />

uma maneira <strong>de</strong> ter voz e <strong>de</strong> ser ouvido.<br />

Utilizo o teatro como canal privado<br />

<strong>de</strong> participação”.<br />

Quando “Neva” acaba, os actores<br />

não vêm sequer ao palco agra<strong>de</strong>cer<br />

os aplausos: como se, pelo menos uma<br />

vez na vida, o espectáculo não tivesse<br />

forçosamente <strong>de</strong> continuar. Mas isso<br />

que é uma violência para os espectadores<br />

não é necessariamente uma<br />

violência para o teatro, que Cal<strong>de</strong>rón<br />

continua “a admirar profundamente”.<br />

É um fenómeno chileno, diz (e bom,<br />

talvez isto seja o futuro): “O Chile tem<br />

uma gran<strong>de</strong> tradição teatral. Aqui as<br />

pessoas vêem <strong>de</strong> facto o teatro como<br />

o lugar on<strong>de</strong> se discutem coisas relevantes.<br />

O teatro chileno é muito político,<br />

e creio que vai continuar a ser<br />

assim por muito tempo”. Mas na Europa,<br />

“o centro da cultura e do privilégio”,<br />

também é urgente discutir o<br />

sentido que faz ir ao teatro, em vez <strong>de</strong><br />

fazer outras coisas mais úteis, no dia<br />

em que Israel dispara à queima-roupa<br />

sobre activistas num barco.<br />

É provável que morra gente na Faixa<br />

<strong>de</strong> Gaza, ou no Iraque, ou no Sudão,<br />

numa <strong>de</strong>stas noites em que, por<br />

cá, a vida é tão simples como ir ao<br />

teatro, bater palmas e voltar para casa.<br />

Nada disto que Guillermo Cal<strong>de</strong>rón<br />

e Alfredo Castro nos vêm mostrar<br />

vai mudar o mundo. “O teatro não<br />

serve para nada. Absolutamente para<br />

nada. É por isso que o faço: não há<br />

nada <strong>de</strong> mais revolucionário do que<br />

fazer coisas inúteis”, diz Castro. Ri-se,<br />

mas <strong>de</strong> repente isto fica muito sério<br />

(continua a ser uma história latinoamericana):<br />

“Quando vês as pessoas<br />

a aplaudirem <strong>de</strong> pé <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um espectáculo<br />

em que há seres vivos a<br />

cumprirem essa tradição ancestral <strong>de</strong><br />

contar histórias, então dás-te conta<br />

<strong>de</strong> que sim, claro, vale a pena continuares<br />

a ser inútil”.<br />

Ver agenda <strong>de</strong> espectáculos págs. 63 e<br />

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Paul Morrisey, 1973<br />

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1971-2007<br />

Dial M for Mur<strong>de</strong>r<br />

Alfred Hitchcock, 1954<br />

House of Wax<br />

André <strong>de</strong> Toth, 1953<br />

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Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 43


Teatro<br />

44 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Dominique Blanc, uma voz,<br />

várias vidas<br />

Aquele homem<br />

sou eu<br />

Este fi m <strong>de</strong> semana, no Teatro Nacional D. Maria II, em<br />

<strong>Lisboa</strong>, “A Dor”. Durante três dias vamos po<strong>de</strong>r ouvir<br />

falar <strong>de</strong> um homem que não se sabia se estava vivo ou<br />

morto. Marguerite Duras, pela mão <strong>de</strong> Patrice Chèreau,<br />

recorda a espera por R... É uma voz vinda <strong>de</strong> um tempo<br />

que não se po<strong>de</strong> esquecer, <strong>de</strong> tão perto que po<strong>de</strong> estar<br />

o seu regresso. Tiago Bartolomeu Costa<br />

No início era uma mulher à espera e<br />

que, nessa espera dorida, violenta,<br />

sufocante, escreveu. Chamemos-lhe<br />

D. porque ela própria, mais tar<strong>de</strong>, não<br />

se reconheceu nos textos que escreveu<br />

e, se os escreveu com o seu nome,<br />

Duras, Marguerite. “Não me lembro<br />

<strong>de</strong> o ter escrito. Sei que o fiz, fui eu<br />

que o escrevi, reconheço a minha escrita<br />

e os pormenores daquilo que<br />

conto, volto a ver o local, a gare <strong>de</strong><br />

Orsay, os trajectos, mas não me vejo<br />

a mim a escrever este Diário. Quando<br />

é que o escrevi, em que ano, a que<br />

horas do dia, em que casa? Já não sei<br />

nada.”, previne.<br />

É uma mulher cheia <strong>de</strong> raiva. Escreveu<br />

porque “não podia esquecer”, não<br />

apenas sobre esse tempo <strong>de</strong> espera<br />

por um homem que não sabia se vivo<br />

se morto, mas sobre um tempo que<br />

não “distinguia vilões <strong>de</strong> heróis, cúmplices<br />

<strong>de</strong> ignorantes”. Abril <strong>de</strong> 1945:<br />

“Ele está <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma vala a morrer<br />

com a cabeça voltada para a terra, as<br />

pernas dobradas, os braços estendi<strong>dos</strong>.<br />

Está morto. Na estrada, ao lado<br />

<strong>de</strong>le, passam os exércitos que avançam.<br />

Há três semanas que está morto”.<br />

São dias nas filas das repartições<br />

a falar com quem sabe menos do que<br />

ela, são horas à espera que o telefone<br />

toque, são noites sem dormir, a cigarros<br />

e vinho. Mais tar<strong>de</strong>, no mesmo<br />

mês: “A Alemanha está em suplício. A<br />

Alemanha está em chamas. Ele está<br />

<strong>de</strong>ntro da Alemanha. Não se tem a<br />

certeza, não completamente. Mas po<strong>de</strong><br />

dizer-se isto: se não foi fuzilado, se<br />

ficou na coluna, está no incêndio da<br />

Alemanha”. E esse <strong>de</strong>sconhecimento<br />

é tão irracional e imenso que se volta<br />

contra to<strong>dos</strong>: “Como é que se po<strong>de</strong><br />

ser Alemão?”. “Pu<strong>de</strong> querer-lhes mal<br />

durante certo tempo, era claro, nítido,<br />

ao ponto <strong>de</strong> os massacrar to<strong>dos</strong>, até<br />

chegar ao número completo <strong>dos</strong> habitantes<br />

da Alemanha, suprimi-los da<br />

terra, fazer com que nunca mais fosse<br />

possível”. Depois, “não sei qual era o<br />

dia, se era ainda um dia <strong>de</strong> Abril, não,<br />

era um dia <strong>de</strong> Maio, uma manhã às<br />

onze o telefone tocou”. Estava vivo.<br />

“Ouvi gritos conti<strong>dos</strong> nas escadas, um<br />

tumulto, barulho <strong>de</strong> passos. Depois<br />

portas a bater e gritos. Era isso. Eles<br />

chegavam da Alemanha”. Estava vivo,<br />

fraco, mas vivo.<br />

Na voz <strong>de</strong> uma só mulher<br />

No início há uma mulher, chamemoslhe<br />

D., <strong>de</strong> Dominique, actriz, Blanc<br />

<strong>de</strong> apelido, “tentada por um texto”<br />

apresentado por um homem, chamemos-lhe<br />

Patrice, sem que o peso do<br />

apelido, Chéreau, surja como uma<br />

mão férrea que tudo domina. Quase<br />

como se o homem se apagasse para<br />

<strong>de</strong>ixar a mulher falar pela voz do homem<br />

que não sabe se está vivo ou<br />

morto. Não há efeitos, nem <strong>de</strong> luz ou<br />

<strong>de</strong> som, nem uma cenografia explícita<br />

ou ilustrativa. “É uma actriz, completamente<br />

sozinha em palco fazendo<br />

reviver a aventura que foi a espera<br />

pelo regresso <strong>de</strong>sse homem”. É uma<br />

leitura, é uma encenação, é um relato<br />

porque, do mesmo modo que face<br />

à literatura, esta “fenomenal <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m<br />

do pensamento e do sentimento”<br />

envergonhava a autora, também uma<br />

adaptação cénica leva “a um encarceramento<br />

da imaginação”, diz P.<br />

“É evi<strong>de</strong>nte que o teatro não está<br />

ausente. Há um trabalho com a luz,<br />

com o cenário, há uma reflexão sobre<br />

o todo”, mas, acrescenta, “as leituras<br />

são exercícios práticos”, distinguindo-as<br />

assim <strong>de</strong> um espectáculo. “É o<br />

prazer <strong>de</strong> fazer teatro sem reflectir”,<br />

diz. Po<strong>de</strong>mos, então, admitir que, às<br />

imagens ausentes <strong>de</strong> metáforas do<br />

Chéreau dá a ver<br />

o que Duras <strong>de</strong>u a ler,<br />

sim, mas permite<br />

que os corpos<br />

e as vozes existam<br />

<strong>de</strong> acordo com<br />

o potencial<br />

<strong>de</strong> projecção <strong>de</strong> cada<br />

leitor/espectador<br />

texto <strong>de</strong> Duras não se po<strong>de</strong>m acrescentar<br />

outras imagens que impeçam<br />

uma i<strong>de</strong>ntificação, ou uma projecção,<br />

directas da parte <strong>de</strong> quem ouve. Duras<br />

dizia que era preciso não esquecer.<br />

“Escrevi para que não nos esquecêssemos”,<br />

justificou.<br />

É um texto sobre a vida três pessoas:<br />

D., o homem, Robert L., por quem<br />

espera (Antelme, <strong>de</strong> apelido real, também<br />

autor, nomeadamente <strong>de</strong> “A Espécie<br />

Humana”, sobre a experiência<br />

vivida e, em espelho, com esta “dor”),<br />

e um resistente, François, <strong>de</strong> apelido<br />

Miterrand, aqui na voz <strong>de</strong> uma só mulher,<br />

uma actriz que nunca representa,<br />

apenas ritualiza, pelas palavras,<br />

um acto <strong>de</strong> memoração.<br />

Chéreau activa um processo não<br />

necessariamente <strong>de</strong> reconciliação<br />

proporcionada pelo teatro, mas “como<br />

acto <strong>de</strong> partilha”. O texto, escrito<br />

“<strong>de</strong> um fôlego”, é “sobre um tempo<br />

que não se po<strong>de</strong> esquecer”. Chéreau<br />

fala <strong>de</strong> “um exercício prático para fazer<br />

chegar ao espectador a um pensamento”<br />

e, acrescenta, “um pensamento<br />

que as pessoas conhecem mal,<br />

mesmo que conheçam Duras”. Duras<br />

tem uma “escrita premonitória sobre<br />

a <strong>de</strong>portação e libertação alemã”.<br />

É um espectáculo, e uma encenação,<br />

que levanta mais perguntas do<br />

que dá respostas. Chéreau dá a ver o<br />

que Duras <strong>de</strong>u a ler, sim, mas o encenador,<br />

no seu modo <strong>de</strong> trabalhar o<br />

tempo do corpo suspenso pela próxima<br />

palavra, permite que os corpos, e<br />

as vozes do homem por quem D. espera,<br />

e to<strong>dos</strong> os outros, mais do que<br />

se materializarem, existam <strong>de</strong> acordo<br />

com o potencial <strong>de</strong> projecção <strong>de</strong> cada<br />

leitor/espectador. Chéreau opta por<br />

não dar corpo as outros, e explora,<br />

com a presença da actriz, características<br />

do seu olhar, seja ele cinematográfico<br />

– ecoam aqui as pressões exercidas<br />

pelos corpos nus e anónimos<br />

em “Intimida<strong>de</strong>”, os olhares vicia<strong>dos</strong><br />

e cruéis em “A Rainha Margot”, ou até<br />

as rugas <strong>de</strong> Isabelle Huppert em “Gabrielle”<br />

– ou teatral – quem tiver visto,<br />

em 2007, a leitura que fez no Teatro<br />

Nacional S. Carlos <strong>de</strong> “O Gran<strong>de</strong> Inquisidor”,<br />

retirado <strong>de</strong> “Os Irmãos Karamazov”,<br />

<strong>de</strong> Dostoievsky, lembrarse-á<br />

das possibilida<strong>de</strong>s permitidas por<br />

um palco vazio, inundado pela voz.<br />

É um tempo barroco, prenhe <strong>de</strong><br />

símbolos, lento na sua afirmação, pesado<br />

na sua intenção. Um tempo que<br />

vai da pronunciação da palavra à formação<br />

<strong>de</strong> uma imagem equivalente,<br />

e individual, no nosso cérebro. As<br />

memórias <strong>de</strong> D. passam a ser as nossas,<br />

num exercício <strong>de</strong> contemplação<br />

do tempo e da história.<br />

(As <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> Patrice Chéreau fora retiradas<br />

<strong>de</strong> um ví<strong>de</strong>o/entrevista produzido pelo<br />

Théâtre <strong>de</strong>s Amandiers <strong>de</strong> Nanterre; “A Dor”<br />

está editado pela Difel numa belíssima tradução<br />

<strong>de</strong> Tereza Coelho)


Janelle Monae<br />

Chegou e vai ficar Pág. 59<br />

Rita<br />

Redshoes<br />

continua em<br />

busca <strong>de</strong> sonhos<br />

pop Pág. 60<br />

Herta Müller escreveu, com “Tudo o que eu<br />

tenho trago comigo”, um manifesto da memória do horror nos<br />

campos <strong>de</strong> trabalho estalinistas. Com uma presenca poética ímpar,<br />

mergulha-nos nos efeitos do totalitarismo sobre o indivíduo. Pág. 46<br />

THOMAS LOHNES/AFP


Livros<br />

THOMAS LOHNES/AFP<br />

46 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Ficção<br />

Notícias do<br />

anjo poético<br />

Uma das mais<br />

impressionantes autoras<br />

europeias escreve sobre<br />

a memória do horror,<br />

num livro <strong>de</strong> uma singular<br />

linguagem poética. José<br />

Riço Direitinho<br />

Tudo o que eu tenho trago<br />

comigo<br />

Herta Müller<br />

(Trad. Aires Graça)<br />

Dom Quixote<br />

mmmmm<br />

originalmente em<br />

2009, poucos<br />

meses antes <strong>de</strong> a<br />

sua autora, Herta<br />

Müller (n. 1953),<br />

escritora romena<br />

nascida numa<br />

comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

língua alemã (e<br />

entretanto emigrada em 1987 para<br />

Berlim, on<strong>de</strong> ainda vive), ter sido<br />

distinguida com o Prémio Nobel da<br />

Literatura.<br />

O passado da comunida<strong>de</strong> romena<br />

<strong>de</strong> língua alemã está contaminado:<br />

até ao Verão <strong>de</strong> 1944, a Roménia –<br />

com o seu ditador fascista,<br />

Antonescu – apoiou Hitler, e a<br />

comunida<strong>de</strong> alemã cultivou os i<strong>de</strong>ais<br />

nacional-socialistas. Depois da<br />

ocupação por parte do Exército<br />

Vermelho, em Janeiro <strong>de</strong> 1945,<br />

Estaline or<strong>de</strong>nou que to<strong>dos</strong> os<br />

romenos <strong>de</strong> língua alemã, homens e<br />

mulheres, com ida<strong>de</strong>s entre os 17 e<br />

os 45 anos (cerca <strong>de</strong> 80 mil), fossem<br />

<strong>de</strong>porta<strong>dos</strong> para campos <strong>de</strong><br />

trabalhos força<strong>dos</strong> na União<br />

Soviética – entre eles, estava a mãe<br />

<strong>de</strong> Herta Müller. Durante déc décadas, e<br />

porque recordava esse passado passa<br />

fascista, fascista, o tema da <strong>de</strong>portação <strong>de</strong>portaçã foi<br />

tabu, apenas abordado em<br />

conversas clan<strong>de</strong>stinas, a medo me e<br />

por meias palavras. Em 2001 2001,<br />

intrigada intrigada com esses anos passa<strong>dos</strong> pas<br />

no nnos s campos <strong>de</strong> trabalho, Mül Müller<br />

começou a registar conversa conversas com<br />

<strong>de</strong>porta<strong>dos</strong> da sua al<strong>de</strong>ia-natal al<strong>de</strong>ia-na (um<br />

pouco à maneira <strong>de</strong> W. G. Se Sebald,<br />

que assim trabalhou o traum trauma <strong>dos</strong><br />

bombar<strong>de</strong>amentos sobre a<br />

população civil alemã). Contou Cont as<br />

suas intenções ao amigo e gran<strong>de</strong> gra<br />

poeta Oskar Pastior (1927-2006) (1927-200 –<br />

também também ele romeno <strong>de</strong> língua língu alemã<br />

e antigo <strong>de</strong>portado –, que a quis q<br />

ajudar narrando-lhe as suas<br />

vivências pessoais. Em 20 2004,<br />

visitaram juntos os antig antigos<br />

campos <strong>de</strong> trabalho na<br />

Ucrânia; o projecto ppassou<br />

então a ser o <strong>de</strong> um<br />

livro<br />

em conjunto, conjunto, mas<br />

a morte<br />

repentina <strong>de</strong> Pastior, Past em<br />

2006, <strong>de</strong>ixou Herta He<br />

Müller com “qu “quatro<br />

ca<strong>de</strong>rnos cheios cheio <strong>de</strong><br />

anotações<br />

manuscritas” nas<br />

mãos; um ano an<br />

<strong>de</strong>pois, começou com a<br />

escrever o<br />

romance.<br />

“Tudo o que<br />

eu tenho<br />

trago<br />

comigo” comigo é a<br />

autobiografia<br />

autob<br />

ficcional fi f ccio <strong>de</strong><br />

um tal t<br />

Leopold Leo<br />

Auberg, Au<br />

que qu foi<br />

<strong>de</strong>portado <strong>de</strong><br />

para pa um<br />

campo ca na<br />

estepe es<br />

ucraniana u<br />

Este romance intenso e vívido, <strong>de</strong><br />

uma enorme profundida<strong>de</strong><br />

existencial, , foi ppublicado<br />

,<br />

Herta Müller reduz a acção ao mínimo, resumindo os cinco anos<br />

no campo <strong>de</strong> trabalhos força<strong>dos</strong> ao frio, à fome, aos piolhos,<br />

aos percevejos e ao trabalho físico intenso; é a força da linguagem<br />

poética, e a sua po<strong>de</strong>rosa dimensão visual, que faz este romance<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

aos 17 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> (à semelhança<br />

<strong>de</strong> Pastior), em Janeiro <strong>de</strong> 1945, e lá<br />

passou cinco anos. À parte esse<br />

tempo, há ainda uma história<br />

secundária que surge no início e no<br />

final do romance, a da<br />

homossexualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Leopold, e do<br />

seu medo <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scoberto em<br />

“ren<strong>de</strong>z-vous” na piscina e nos<br />

parques (antes e <strong>de</strong>pois da<br />

<strong>de</strong>portação), actos que o regime<br />

comunista punia com a prisão e que,<br />

no contexto do campo, equivaliam a<br />

uma sentença <strong>de</strong> morte. Quando<br />

sabe que será levado pelos russos, vê<br />

a <strong>de</strong>portação como uma<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar a casa da<br />

família; “queria partir, fugir ao <strong>de</strong>do<br />

molesto da cida<strong>de</strong> pequena, on<strong>de</strong><br />

todas as pedras tinham olhos. Em<br />

vez <strong>de</strong> medo, sentia uma secreta<br />

impaciência” (p. 12). Mas o que se<br />

viria a passar no campo estava longe<br />

<strong>dos</strong> seus piores pesa<strong>de</strong>los. E é a<br />

lembrança da frase dita pela avó,<br />

“Eu sei que voltas” – escrita sempre<br />

em maiúsculas por Müller, como se<br />

fosse um refrão que não po<strong>de</strong> nunca<br />

ser esquecido –, que acaba por lhe<br />

dar forças para resistir, e o mantém<br />

na luta impie<strong>dos</strong>a pela sobrevivência<br />

diante do convívio com a morte que<br />

lhes aparece como única saída:<br />

“Quando removíamos os <strong>de</strong>spojos,<br />

víamos o alívio nos rostos <strong>dos</strong><br />

mortos, por finalmente lhes darem<br />

<strong>de</strong>scanso” (p. 240).<br />

À semelhança <strong>de</strong> outras obras <strong>de</strong><br />

Herta Müller, também neste<br />

romance a acção é quase mínima, os<br />

cinco anos no campo quase<br />

resumi<strong>dos</strong> ao frio, à fome, aos<br />

piolhos, aos percevejos e ao trabalho<br />

físico intenso, não obstante algum<br />

arremedo <strong>de</strong> laços afectivos que<br />

nunca chegam a cumprir-se. É a<br />

força da linguagem poética que faz<br />

este romance: uma linguagem que<br />

tem por magma o sofrimento, com<br />

palavras para o horror da fome, do<br />

frio e <strong>dos</strong> piolhos que são precisas<br />

até ao pormenor, <strong>de</strong> maneira a<br />

darem à escrita uma dimensão<br />

visual que facilmente não será<br />

esquecida pelo leitor. “No colcoz<br />

morria-se mais <strong>de</strong>pressa, vivia-se em<br />

abrigos na terra, seis, sete <strong>de</strong>graus<br />

abaixo, o tecto <strong>de</strong> carqueja e ervas.<br />

Por cima infiltrava-se a chuva, por<br />

baixo subia a água subterrânea.<br />

Havia um litro <strong>de</strong> água por dia para<br />

beber e lavar. Não se morria <strong>de</strong><br />

fome, ficava-se cheio <strong>de</strong> feridas<br />

purulentas <strong>de</strong> tétano, por causa do<br />

esterco e <strong>dos</strong> bichos” (p. 188). As<br />

frases mais simples, mesmo as da<br />

<strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> uma paisagem invernal<br />

ucraniana, acabam por atingir uma<br />

profundida<strong>de</strong> existencial inesperada<br />

e <strong>de</strong>sesperante, pois os olmos são<br />

negros, os cães são negros, e há a<br />

noite e o carvão que se carrega, há a<br />

neve em que se enterram as roupas<br />

para que os piolhos se concentrem à<br />

superfície numa espécie <strong>de</strong> couveflor<br />

escura, há o pão duro escondido<br />

<strong>de</strong>baixo da almofada on<strong>de</strong> os ratos<br />

fazem ninho.<br />

Para quem conhece a obra <strong>de</strong><br />

Oskar Pastior, não é difícil encontrar<br />

as suas imagens ou metáforas,<br />

apesar <strong>de</strong> filtradas pela voz<br />

inconfundível <strong>de</strong> Herta Müller, com<br />

os seus silêncios e o gosto pela<br />

inversão como elemento estilístico,<br />

como nestas duas frases separadas<br />

por um ou dois parágrafos: “A neve<br />

no telhado da cantina é um pano <strong>de</strong><br />

linho branco.” “O pão está coberto<br />

com a neve branca do telhado” (p.<br />

212)<br />

As metáforas que fazem a<br />

linguagem da personagem são<br />

construções imagéticas que o<br />

ajudam a or<strong>de</strong>nar o horror – uma<br />

espécie <strong>de</strong> protecção poética contra<br />

esse sentimento que o ro<strong>de</strong>ia – e que<br />

ao mesmo tempo tentam esconjurálo.<br />

“O anjo acompanha-me <strong>de</strong> fome<br />

escancarada até ao monte <strong>de</strong> lixo<br />

por <strong>de</strong>trás da cantina. (…) Sigo passo<br />

a passo os meus próprios pés, se não<br />

os seus. A fome é o meu norte, se<br />

não o seu. (…) A minha voracida<strong>de</strong> é<br />

crua, as minhas mãos são ferozes. As<br />

mãos são minhas. O anjo não mete<br />

as mãos no lixo. Enfio na boca restos<br />

<strong>de</strong> cascas <strong>de</strong> batata e fecho os dois<br />

olhos, assim sinto-os melhor” (p.<br />

86).<br />

Por cá, e mais uma vez, a<br />

atribuição do Nobel a Müller <strong>de</strong>ixou<br />

muita gente admirada, não faltando<br />

comentários que são resultado da<br />

ignorância e do facto <strong>de</strong> a edição<br />

portuguesa continuar<br />

propositadamente a recusar (muitos)<br />

gran<strong>de</strong>s nomes da literatura<br />

europeia (compare-se com o que é<br />

editado em Espanha ou Itália, por<br />

exemplo). Se o prémio <strong>de</strong> Müller foi<br />

uma surpresa, isso <strong>de</strong>ve-se apenas<br />

ao facto <strong>de</strong> a Aca<strong>de</strong>mia Sueca ter<br />

distinguido em anos recentes dois<br />

nomes da literatura <strong>de</strong> língua alemã,<br />

Günter Grass e Elfrie<strong>de</strong> Jelinek, e<br />

não ser expectável mais um. Não é<br />

preciso, mas se fosse este livro<br />

provaria a justeza da distinção.<br />

Retrato <strong>de</strong><br />

uma rapariga<br />

O gran<strong>de</strong> mérito <strong>de</strong>ste<br />

livro é o estoicismo com<br />

que <strong>de</strong>sperdiça todas as<br />

oportunida<strong>de</strong>s que vai<br />

criando. Luís Miguel<br />

Queirós<br />

Brooklyn<br />

Colm Tóibín<br />

(Trad. C. Santos)<br />

Bertrand<br />

mmmmn<br />

“Goethe segura um espelho diante<br />

da natureza”. A célebre frase do<br />

poeta Heinrich Heine adapta-se bem<br />

a “Brooklyn”, o mais recente


Isabel<br />

Coutinho<br />

Ciberescritas<br />

Eu me lembro <strong>de</strong> vê-lo andando e me<br />

surpreen<strong>de</strong>r que ele andasse”, conta o<br />

compositor e escritor Chico Buarque no<br />

documentário “Raízes do Brasil” on<strong>de</strong> fala do<br />

seu pai, o historiador Sérgio Buarque <strong>de</strong><br />

Holanda (1902-1982), que passava os dias enfiado no<br />

escritório com o nariz nos livros. Os filhos passavam e<br />

viam “aquela pessoa com óculos na testa”. Pouco antes<br />

<strong>de</strong> morrer, Sérgio Buarque chamou Chico ao escritório,<br />

aproximou-se da estante giratória e entregou-lhe um livro<br />

<strong>de</strong> capa preta que ele nunca tinha visto. Era o “Dicionário<br />

Analógico da Língua Portuguesa”, <strong>de</strong> Francisco Ferreira<br />

<strong>dos</strong> Santos Azevedo. Um dicionário em que as entradas<br />

estão organizadas por temas e não por uma lista<br />

alfabética <strong>de</strong> palavras. “Isso po<strong>de</strong> te servir, foi mais ou<br />

menos o que ele então me disse, no seu falar meio<br />

grunhido”, escreve Chico no prefácio que escreveu para<br />

a nova edição <strong>de</strong>ste dicionário e que po<strong>de</strong> ser lido na<br />

íntegra no “site” que a editora brasileira <strong>de</strong>dica à obra.<br />

Durante anos, este livro, escrito pelo jornalista,<br />

professor, gramático e historiador que fundou a<br />

Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Letras <strong>de</strong> Goiás, esteve esgotado. No fi nal<br />

<strong>de</strong>ste mês, 60 anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter ido pela primeira vez<br />

para as livrarias, a Lexikon<br />

Pouco antes <strong>de</strong> morrer,<br />

Sérgio Buarque<br />

chamou Chico ao<br />

escritório e entregoulhe<br />

um livro <strong>de</strong> capa<br />

preta que ele nunca<br />

tinha visto<br />

Dicionário Analógico<br />

da Língua<br />

Portuguesa<br />

http://www.<br />

lexikon.com.br/<br />

dicionario_analogico/dicionarioanalogico.hmtl<br />

Lexikon Editora<br />

Digital<br />

http://www.<br />

lexikon.com.br<br />

Leituras<br />

Para não se <strong>de</strong>ixarem<br />

embasbacar<br />

Editora Digital lança no<br />

Brasil uma nova edição, <strong>de</strong><br />

800 páginas, actualizada e<br />

ampliada por uma equipa<br />

dirigida por Paulo Geiger. E,<br />

até ao fi nal do ano, a editora<br />

dirigida por Carlos Augusto<br />

Lacerda quer ter uma versão<br />

“online” gratuita e que receba<br />

contributos <strong>dos</strong> leitores.<br />

No prefácio, Chico Buarque<br />

conta que com a ajuda <strong>de</strong>ste<br />

dicionário escreveu “novas<br />

canções e romances”, “<strong>de</strong>cifrou enigmas” e terminou<br />

“muitas palavras cruzadas”. “Escarafunchar” naquele<br />

dicionário analógico passou a ser “um passatempo”. O<br />

resultado é que o livro, “herdado já em estado precário”,<br />

começou a esfarelar-se nos seus <strong>de</strong><strong>dos</strong>. Descobriu um<br />

igual num alfarrabista e, quando esse também começou<br />

a dar “sinais <strong>de</strong> fadiga”, andou <strong>de</strong> alfarrabista em<br />

alfarrabista, até encontrar outro exemplar. “Encontrei<br />

dois, mas não me <strong>de</strong>i por satisfeito, fi quei viciado no<br />

negócio. Dei <strong>de</strong> vasculhar livrarias país afora, só em<br />

São Paulo adquiri meia dúzia <strong>de</strong> exemplares, e ainda<br />

arrematei o último à venda na Amazon.com antes<br />

que algum aventureiro o fi zesse. Eu já imaginava<br />

<strong>de</strong>ter o monopólio (açambarcamento, exclusivida<strong>de</strong>,<br />

hegemonia, senhorio, império) <strong>de</strong> dicionários analógicos<br />

da língua portuguesa, não fosse pelo senhor João Ubaldo<br />

Ribeiro, que ao que me consta também tem um, quiçá<br />

carcomido pelas traças (brocas, carunchos, gusanos,<br />

cupins, térmitas, cáries, lagartas-rosadas, gafanhotos,<br />

bichos-carpinteiros). A horas mortas, eu corria os olhos<br />

pela minha prateleira (...), anotava num moleskine as<br />

palavras mais preciosas, a fi m <strong>de</strong> esmerar o vocabulário<br />

com que eu embasbacaria as moças e esmagaria meus<br />

rivais”, conta Chico.<br />

As moças que não querem fi car embasbacadas e os<br />

rivais têm agora à sua disposição o “Dicionário Analógico<br />

da Língua Portuguesa”, on<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> procurarem<br />

palavras, po<strong>de</strong>m recorrer a um índice interminável.<br />

isabel.coutinho@publico.pt<br />

O Novo Grémio do Porto dá<br />

seguimento, até ao fi nal do<br />

mês, ao seu programa <strong>de</strong><br />

leituras em voz alta. Todas<br />

as terças-feiras, pelas<br />

21h, um comité <strong>de</strong> leitura<br />

informal, a que qualquer<br />

novo interessado po<strong>de</strong><br />

juntar-se, encontramse<br />

na sala do Centro <strong>de</strong><br />

Documentação do Teatro<br />

Nacional S. João (sita no<br />

Mosteiro <strong>de</strong> São Bento da<br />

Vitória). Pelas sessões<br />

(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/<br />

ciberescritas)<br />

do Novo Grémio mio<br />

do Porto,<br />

coor<strong>de</strong>nadas s<br />

pelo actor<br />

Daniel Pinto, , o<br />

encenador Nuno uno<br />

M. Car<strong>dos</strong>o e a<br />

documentalista sta<br />

Paula Braga, já<br />

passaram obras ras<br />

como “A Hora a<br />

em Que Não<br />

Sabíamos<br />

Nada<br />

Uns <strong>dos</strong> Outros”,<br />

<strong>de</strong> Pete Peter Handke,<br />

ou o “Fausto”, “Fa <strong>de</strong><br />

Christopher Christo Marlowe.<br />

Os próximos pró autores<br />

a entrar entr em cena são<br />

Heinrich Heinr von Kleist<br />

(“Pentesileia”), (“Pen<br />

dia<br />

22, e Marguerite<br />

Yourcenar<br />

Yo<br />

(“Diálogo (“ no<br />

Pântano”), P<br />

dia<br />

29.<br />

romance do<br />

irlandês Colm<br />

Tóibín, que<br />

conquistara a<br />

crítica<br />

internacional com<br />

“O Mestre”, uma<br />

biografia<br />

romanceada <strong>de</strong><br />

Henry James,<br />

publicada em 2004.<br />

Se, nesse livro, Tóibín se centrara<br />

nos últimos e difíceis anos do autor<br />

<strong>de</strong> “Retrato <strong>de</strong> Uma Senhora”,<br />

tempos <strong>de</strong> fracasso, envelhecimento<br />

e impotência criadora, em<br />

“Brooklyn”, pelo contrário,<br />

<strong>de</strong>screve-nos um início <strong>de</strong> vida. Eilis,<br />

uma jovem irlan<strong>de</strong>sa do pós-guerra,<br />

vai para os Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, como<br />

tantos <strong>dos</strong> seus conterrâneos, em<br />

busca <strong>de</strong> melhores condições <strong>de</strong><br />

trabalho. Não se po<strong>de</strong> dizer que<br />

tome pessoalmente essa <strong>de</strong>cisão.<br />

Limita-se a aceitar o que julga que a<br />

sua mãe a sua irmã acham que é o<br />

melhor para ela. De resto, nada do<br />

que lhe irá acontecer ao longo do<br />

livro parece resultar genuinamente<br />

da sua livre iniciativa.<br />

Seguindo, neste seu retrato <strong>de</strong><br />

uma rapariga, a lição <strong>de</strong> James,<br />

Tóibín é o narrador, mas restringe o<br />

seu conhecimento ao que Eilis sabe,<br />

vê e pensa. E Eilis sabe pouco, não<br />

se interessa especialmente pelo<br />

mundo exterior, que encara com<br />

uma <strong>de</strong>sconfiança resignada, e<br />

raramente pensa em algo que<br />

transcenda a sua esfera mais íntima.<br />

Com uma protagonista tão pouco<br />

“glamourosa”, seria <strong>de</strong> esperar que<br />

Tóibín tentasse espicaçar o interesse<br />

do leitor confrontando a sua heroína<br />

com circunstâncias que a<br />

obrigassem a sair da sua passivida<strong>de</strong>.<br />

Mas faz justamente o inverso, e essa<br />

é a gran<strong>de</strong> força <strong>de</strong>ste livro. Tudo o<br />

que acontece a Eilis é absolutamente<br />

plausível, e as suas reacções só não<br />

são sempre previsíveis porque nos<br />

habituamos a que as personagens <strong>de</strong><br />

ficção nos surpreendam.<br />

O enredo do livro conta-se em<br />

poucas palavras. Eilis emigra para<br />

Brooklyn, instala-se em casa <strong>de</strong> uma<br />

senhora que aluga quartos a jovens<br />

irlan<strong>de</strong>sas e trabalha ao balcão numa<br />

gran<strong>de</strong> loja <strong>de</strong> roupas. Num baile <strong>de</strong><br />

O talento <strong>de</strong> Cóibín está nos<br />

<strong>de</strong>talhes, e na sua capacida<strong>de</strong><br />

para resistir à tentação <strong>de</strong><br />

armadilhar o romance com<br />

surpresas que, no panorama<br />

actual da fi cção, seriam<br />

mais óbvias do que a sua<br />

imperturbável plausibilida<strong>de</strong><br />

paróquia, organizado pelo padre<br />

irlandês que lhe arranjou o<br />

emprego, conhece um italoamericano,<br />

Tony, que se torna seu<br />

namorado. Um dia recebe a notícia<br />

<strong>de</strong> que a sua irmã Rose morreu e<br />

regressa à Irlanda para confortar a<br />

mãe. No tempo que passa na sua<br />

terra natal, namorisca<br />

inocentemente com um amigo <strong>de</strong><br />

infância, James Farrell. A partir daí a<br />

questão é a <strong>de</strong> saber se regressará à<br />

América, e a Tony, ou se ficará em<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 47<br />

PAULO PIMENTA


Livros<br />

casa com Jim. Mas nunca é óbvio<br />

que esta seja, <strong>de</strong> facto, uma questão<br />

angustiante para Eilis, nem ela dá<br />

sinais <strong>de</strong> que qualquer uma das<br />

opções a entusiasme<br />

excessivamente. E, como sempre, é<br />

um estímulo exterior que a leva a<br />

<strong>de</strong>cidir.<br />

O livro está cheio <strong>de</strong> situações<br />

“prometedoras”, que muitos<br />

romancistas não teriam hesitado em<br />

espremer. Até o padre católico, que<br />

trabalha com jovens e crianças, é<br />

apenas um bom homem,<br />

genuinamente empenhado em<br />

ajudar os seus paroquianos, quando<br />

teria sido facílimo transformá-lo<br />

num abusador sexual.<br />

A suposta in<strong>de</strong>cisão final <strong>de</strong> Eilis<br />

ter-se-ia tornado mais dramática se,<br />

por exemplo, ela tivesse<br />

engravidado <strong>de</strong> Tony na noite em<br />

que o levou para a cama. Mas não<br />

engravidou. Ou se a mãe tivesse feito<br />

alguma chantagem emocional com<br />

ela para que ficasse na Irlanda. Mas<br />

não fez. E que dizer da cena em que<br />

Eilis é apalpada pela sua chefe no<br />

emprego? Sendo Tóibín um escritor<br />

assumidamente homossexual,<br />

esperava-se que Eilis reagisse, pelo<br />

menos, com sentimentos<br />

contraditórios. Mas a verda<strong>de</strong> é que<br />

pura e simplesmente não reage e a<br />

coisa esgota-se em duas ou três<br />

linhas.<br />

Esta <strong>de</strong>scrição po<strong>de</strong> sugerir que<br />

estamos perante um romance em<br />

que não se passa nada, centrado<br />

numa personagem bastante<br />

enfadonha. Nada mais falso. Passa-se<br />

muita coisa e a protagonista é<br />

fascinante. O talento <strong>de</strong> Tóibín está<br />

nos <strong>de</strong>talhes. Há tensões fortíssimas<br />

entre as personagens, mas que<br />

radicam em irrelevâncias. Que,<br />

claro, não são nada irrelevantes no<br />

mundo fechado <strong>de</strong> Eilis. Uma das<br />

coisas que Tóibín nos mostra neste<br />

livro é que uma aprendiz <strong>de</strong><br />

escriturária, uma empregada <strong>de</strong><br />

balcão, ou a dona <strong>de</strong> uma pensão<br />

48 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

mo<strong>de</strong>sta po<strong>de</strong>m ser tão ou mais<br />

implacavelmente “snobs” do que a<br />

mais aristocrática personagem <strong>de</strong><br />

Henry James.<br />

A escrita <strong>de</strong> Tóibín pouco <strong>de</strong>ve à<br />

<strong>de</strong> Henry James, cujas frases<br />

intermináveis, e <strong>de</strong> complexa<br />

sintaxe, criam um mundo singular<br />

inimitável. Mas é, <strong>de</strong> facto, um<br />

her<strong>de</strong>iro do romancista americano<br />

na sóbria perfeição estrutural <strong>dos</strong><br />

seus livros e na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

explorar as mais subtis nuances da<br />

psicologia humana.<br />

A ca<strong>de</strong>ia<br />

<strong>dos</strong> antepassa<strong>dos</strong><br />

Um romance em que a<br />

personagem principal<br />

é a vida como maldição<br />

colectiva. Pedro Mexia<br />

A Vida Verda<strong>de</strong>ira<br />

Vasco Luís Curado<br />

Dom Quixote<br />

mmmnn<br />

“A Vida<br />

Verda<strong>de</strong>ira” tem<br />

uma personagem<br />

principal e várias<br />

secundárias, mas<br />

a verda<strong>de</strong>ira<br />

protagonista é a<br />

própria vida, a<br />

vida genética,<br />

biológica,<br />

hereditária, da qual as pessoas<br />

concretas são meros fantoches. É<br />

esse o achado <strong>de</strong>ste invulgar<br />

romance <strong>de</strong> Vasco Luís Curado (n.<br />

1971), autor <strong>de</strong> duas ficções<br />

anteriores que passaram<br />

<strong>de</strong>spercebidas.<br />

Não há<br />

praticamente<br />

enredo em “A Vida<br />

Verda<strong>de</strong>ira”, Verda<strong>de</strong>ira”, apenas<br />

evocações do<br />

passado e<br />

peripécias<br />

minúsculas. Vasco<br />

Curado usa o mo<strong>de</strong>lo<br />

muito batido da velha<br />

casa que é vendida,<br />

acto acto que ressuscita um<br />

vendaval vendaval <strong>de</strong><br />

memórias,<br />

NUNO OLIVEIRA<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

tristezas, frustrações. frustr Esse<br />

trauma é aqui agravado<br />

pelo facto <strong>de</strong> o narrador<br />

ter vivido toda<br />

a vida<br />

encerrado encerrado nes nesse casarão.<br />

O pai, que entretanto entr<br />

morreu, tinha criado c um<br />

verda<strong>de</strong>iro siste sistema<br />

<strong>de</strong>fensivo, <strong>de</strong>fensivo, com mmuros,<br />

vedações e portões fecha<strong>dos</strong> a<br />

ca<strong>de</strong>ado. O narrador narrador e a irmã<br />

viviam nessa casa fecha<strong>dos</strong> ao<br />

mundo, totalmente total<br />

imersos na vida da<br />

família, famíl que<br />

incluía inc também<br />

a mãe, tios e<br />

avós. a Os<br />

miú<strong>dos</strong> m não<br />

sofreram s<br />

nenhum n<br />

abuso, a mas<br />

foram f<br />

obriga<strong>dos</strong> o à<br />

penosa p<br />

antecipação<br />

a<br />

<strong>de</strong> d uma<br />

“vida “<br />

verda<strong>de</strong>ira”<br />

v<br />

que q nunca<br />

chegou. ch<br />

É quase uma<br />

história histór <strong>de</strong> terror,<br />

contada ccom<br />

uma<br />

espécie <strong>de</strong> serenida<strong>de</strong><br />

inquieta. Aquela A<br />

família família viv viveu um<br />

Depois <strong>de</strong> duas fi cções que<br />

passaram <strong>de</strong>spercebidas,<br />

Vasco Luís Araújo encena<br />

a vida como um teatro<br />

<strong>de</strong> fantoches neste novo<br />

romance<br />

Poesia Libações eConcerto<br />

lançamento <strong>de</strong> novo CD + DVD<br />

JORGE FERRAZ<br />

TRIO<br />

ensimesmamento autista, uma<br />

proximida<strong>de</strong> quase incestuosa, num<br />

útero que nunca <strong>de</strong>ixou as crianças<br />

saírem realmente para o mundo. O<br />

contacto que o protagonista e a irmã<br />

tiveram com a vida verda<strong>de</strong>ira<br />

concentrou-se num punhado <strong>de</strong><br />

personagens <strong>de</strong>sequilibradas, como<br />

um tio que fez a guerra e um<br />

professor inábil. São eles as únicas<br />

pessoas que vivem neste romance,<br />

um cheio <strong>de</strong> aventuras, outro<br />

enredado em dificulda<strong>de</strong>s, mas<br />

nenhum parece um mo<strong>de</strong>lo saudável<br />

do que é um adulto.<br />

A casa que pren<strong>de</strong> o protagonista<br />

e a irmã é uma assombração feita <strong>de</strong><br />

objectos, fotografias, tralha,<br />

escuridão, um tétrico museu <strong>de</strong><br />

cera; mas, mais que isso, é o palco<br />

<strong>de</strong> muitas i<strong>de</strong>ias nunca<br />

concretizadas. Foi naquela casa que<br />

eles alimentaram fantasias,<br />

projectos, viagens, que imaginaram<br />

uma vida <strong>de</strong> adulto cada vez mais<br />

improvável. E foi na casa que se<br />

sentiram presos à maldição <strong>de</strong> uma<br />

repetição incessante do passado,<br />

presos à ca<strong>de</strong>ia das gerações, que se<br />

suce<strong>de</strong>m, se imitam, se<br />

contaminam: “A nossa vida começa<br />

antes <strong>de</strong> nascermos, na vida <strong>dos</strong> que<br />

nos antece<strong>de</strong>ram e nos estão liga<strong>dos</strong><br />

por laços <strong>de</strong> sangue ou leis<br />

hereditárias. Para nos conhecermos<br />

a nós próprios seria necessário<br />

conhecermos essa ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

antepassa<strong>dos</strong>. A ca<strong>de</strong>ia <strong>dos</strong><br />

antepassa<strong>dos</strong> não é uma i<strong>de</strong>ia<br />

abstracta: nós e eles somos as<br />

personagens recorrentes <strong>de</strong> um<br />

drama que é tanto individual como<br />

colectivo. E nessa memória<br />

hereditária to<strong>dos</strong> se querem <strong>de</strong>itar<br />

na posição fetal, ser acolhi<strong>dos</strong> nesse<br />

ventre para nascerem para uma vida<br />

nova e imperecível, sem a erosão <strong>de</strong><br />

um corpo corrupto” (p. 77).<br />

“A Vida Verda<strong>de</strong>ira” faz da vida<br />

uma coisa colectiva, uma entida<strong>de</strong><br />

separada, com a sua vonta<strong>de</strong><br />

própria, e na qual os indivíduos são<br />

estreia<br />

Volcano Skin<br />

leitura <strong>de</strong> poesia por Nuno Moura<br />

apoios: 19 <strong>de</strong> Junho 20.30 h<br />

www.myspace.com/espaconimas<br />

ESPACO NIMAS<br />

,<br />

espaconimas@gmail.com


insectos insignificantes e fungíveis. A<br />

vida, que não é necessariamente<br />

benigna, alastra como a hera que<br />

tudo inquina: “A hera subterrânea já<br />

nos espiava, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos <strong>dos</strong><br />

nossos pais e muito antes até, no<br />

tempo <strong>dos</strong> pais e avós <strong>dos</strong> nossos<br />

pais. A hera sub-reptícia,<br />

contemporânea <strong>de</strong> avós e bisavós,<br />

<strong>de</strong>via espiar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre a casa e<br />

os seus habitantes, aguardando, com<br />

paciência inumana, qualquer fissura<br />

ou sombra convidativa por on<strong>de</strong><br />

pu<strong>de</strong>sse avançar. Agora há, nas<br />

partes ajardinadas da quinta,<br />

árvores totalmente envolvidas por<br />

essa trama proliferante e agreste;<br />

todo o tronco e a copa estão<br />

recobertos por heras cujo progresso<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da sufocação da árvore que<br />

sustenta a sua arquitectura<br />

rastejante” (p. 153). Esta história é<br />

sufocante porque as pessoas<br />

parecem <strong>de</strong>stinadas a observar os<br />

efeitos da natureza, sem terem sobre<br />

ela nenhuma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

intervenção.<br />

É por isso que o texto é invadido<br />

por explicações científicas ou<br />

antropológicas. O narrador, in<strong>de</strong>ciso<br />

entre uma vocação científica ou<br />

literária, escreve um memorial que<br />

se lê como um tratado darwiniano.<br />

As gerações suce<strong>de</strong>m-se <strong>de</strong> um<br />

modo previsível, e cada pessoa já<br />

duvida se tem autonomia ou se é<br />

apenas uma máquinas programada.<br />

Além disso, há aqui uma comunhão<br />

entre vivos e mortos, entre<br />

mitologias e factos, que <strong>de</strong>strói <strong>de</strong><br />

facto a liberda<strong>de</strong> individual e a<br />

sanida<strong>de</strong> mental. Uma casa po<strong>de</strong> ser<br />

um lugar <strong>de</strong> aconchego, uma<br />

paisagem primitiva on<strong>de</strong> nos<br />

formámos como sujeitos; aqui, a<br />

casa, ou antes a família, é um<br />

obstáculo a que as pessoas se<br />

tornem adultas e saudáveis. Só a<br />

anunciada <strong>de</strong>molição po<strong>de</strong> fazer<br />

com que o narrador caia enfim no<br />

mundo, na vida verda<strong>de</strong>ira. Embora,<br />

para ele, seja <strong>de</strong>masiado tar<strong>de</strong>.<br />

Lançamento<br />

Memórias<br />

Algumas<br />

memórias,<br />

muita<br />

história<br />

política<br />

Carlos Brito reconstitui um<br />

Cunhal sempre à vonta<strong>de</strong><br />

entre militantes, mas muito<br />

menos à vonta<strong>de</strong> fora <strong>de</strong>stes<br />

círculos <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong><br />

e longe do modo <strong>de</strong> vida<br />

do povo em nome do qual<br />

combatia. José Manuel<br />

Fernan<strong>de</strong>s<br />

Álvaro Cunhal - Sete Fôlegos do<br />

Combatente<br />

Carlos Brito<br />

Edições Nelson <strong>de</strong> Matos<br />

mmmnn<br />

Onze estu<strong>dos</strong> sobre<br />

Fernando Pessoa<br />

compila<strong>dos</strong> num volume<br />

coor<strong>de</strong>nado por Brunello<br />

De Cusatis, e uma o<strong>de</strong><br />

exemplar da produção<br />

mítico-esotérica do poeta<br />

português, “Alla Memoria<br />

<strong>de</strong>l Presi<strong>de</strong>nte-Re Sidónio<br />

Pais”, são lança<strong>dos</strong> na<br />

Quem procurar<br />

em “Álvaro<br />

Cunhal – Sete<br />

Fôlegos do<br />

Combatente”<br />

pormenores sobre<br />

a vida íntima, ou<br />

mesmo sobre a<br />

vida privada, do<br />

lí<strong>de</strong>r histórico do<br />

PCP irá ao engano. Apesar <strong>de</strong> se<br />

apresentar como um livro <strong>de</strong><br />

memórias, e <strong>de</strong> o autor ter privado<br />

<strong>de</strong> perto durante mais <strong>de</strong> três<br />

décadas com o antigo secretáriogeral,<br />

este é um livro político on<strong>de</strong><br />

os episódios que Carlos Brito<br />

recorda servem, sobretudo, para<br />

CD edição limitada e numerada<br />

hardcover book 24 páginas + duplo poster<br />

DELL A‘POP<br />

RTE<br />

CONTRA MUNDUM<br />

próxima<br />

quarta,<br />

dia 23,<br />

na Casa<br />

Fernando<br />

Pessoa, em<br />

<strong>Lisboa</strong>. Na sessão<br />

<strong>de</strong> apresentação tação <strong>de</strong>stas<br />

duas edições italianas<br />

estarão presentes vários<br />

sublinhar ou ilustrar opções<br />

políticas.<br />

Álvaro Cunhal nunca quis exporse<br />

publicamente. Ele representava<br />

“o partido”, e apenas “o partido”,<br />

com todas as consequências que isso<br />

tem e que Carlos Brito mostra bem<br />

neste livro. Por isso sempre foi<br />

gran<strong>de</strong> a curiosida<strong>de</strong> por saber mais<br />

sobre a vida privada do lí<strong>de</strong>r<br />

comunista. Tinha família? Como se<br />

relacionava com os filhos? On<strong>de</strong><br />

morava? Como ocupava os tempos<br />

livres? Cunhal quase nunca permitiu<br />

que o véu se levantasse, e sempre<br />

que o fez foi apenas parcialmente.<br />

Quando não quase<br />

<strong>de</strong>sastradamente, como suce<strong>de</strong>u na<br />

altura em que aceitou falar um<br />

pouco <strong>de</strong> si numa entrevista à RTP e<br />

acabou a dizer que vivia com o<br />

salário mínimo e isso lhe chegava,<br />

<strong>de</strong>ixando furiosos os sindicalistas do<br />

PCP. Pior: sem que, como se conta<br />

neste livro, tivesse esclarecido que o<br />

bonito fato que tinha vestido, assim<br />

como a sua gravata <strong>de</strong> seda, haviam<br />

sido ofertas <strong>de</strong> camaradas<br />

comunistas…<br />

Esta regra <strong>de</strong> discrição não é<br />

quebrada por Car Carlos a los Brito – como<br />

não fora fora qu qquebrada ebrada<br />

por Jo José<br />

ENRIC VIVES-RUBIO<br />

<strong>dos</strong> autores <strong>dos</strong><br />

estu<strong>dos</strong>, estu incluindo<br />

José Jo José Blanco, B Ivo<br />

Castro, Castro Fernando<br />

J. B. Martinho,<br />

Ma<br />

Je Jerónim Jerónimo Pizarro,<br />

Manuel<br />

Simões, assim<br />

como De Cusatis e<br />

Marco Bucaioni, das<br />

Edizioni <strong>de</strong>ll’Urogallo.<br />

Pacheco Pereira nos três volumes<br />

que já editou sobre a vida <strong>de</strong> Cunhal.<br />

Há muitos episódios particulares<br />

que são recorda<strong>dos</strong> neste livro, mas<br />

quase to<strong>dos</strong> se relacionam com a<br />

forma como Cunhal tomava <strong>de</strong>cisões<br />

políticas, lidava com os quadros<br />

comunistas ou impunha a sua<br />

vonta<strong>de</strong>. Vemos confirmada a forma<br />

como estava como peixe na água nos<br />

conclaves do movimento comunista<br />

internacional, acompanhamos o<br />

cuidado que tinha na redacção da<br />

maioria <strong>dos</strong> documentos do PCP,<br />

somos leva<strong>dos</strong> a recordar a forma<br />

fria como lidava com os que<br />

entravam em divergência – mas<br />

nunca passamos para lá da linha que<br />

protege a vida privada <strong>de</strong> Cunhal.<br />

Mesmo a sua aproximação da<br />

Fernanda Barroso, a última<br />

companheira, é <strong>de</strong>scrita unicamente<br />

para mostrar como era discreto,<br />

mesmo entre camaradas, quando<br />

tocava aos que lhe eram mais<br />

próximos.<br />

Ainda assim, a leitura <strong>de</strong>ste<br />

“Álvaro Cunhal – Sete Fôlegos do<br />

Combatente” não nos leva apenas p a<br />

revisitar as suas sucessivas posi posições<br />

políticas – os seus “fôlegos” (ver<br />

texto na pág. 26 e segs.) –, antes<br />

humaniza o dirigente político que, qu<br />

na escrita solta e escorreita <strong>de</strong> Carlos C<br />

Brito nos surge com mais espessura espes<br />

do que na literatura oficialista. PPor<br />

vezes isso beneficia Cunhal, outras out<br />

vezes revela-nos um homem<br />

<strong>de</strong>masiado preso pela i<strong>de</strong>ologia e<br />

incapaz <strong>de</strong> imaginar um PCP<br />

diferente do “seu” PCP.<br />

Entre os aspectos mais curios curiosos<br />

do livro encontramos, por exemplo, exem<br />

a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>talhada da forma<br />

como como as suas relações com a<br />

esquerda militar, no Verão<br />

Quente <strong>de</strong> 19 1975, se<br />

foram<br />

Carlos Brito humaniza Álvaro Cunhal, que aqui nos surge com mais<br />

espessura do que na literatura ofi cialista, o que por vezes o benefi cia<br />

e outras vezes o revela completamente preso na sua i<strong>de</strong>ologia<br />

JORGE FERRAZ TRIO<br />

HUMANOS ABENCOADOS e outros contos<br />

/<br />

<strong>de</strong>gradando ao ponto <strong>de</strong> marcar<br />

distâncias relativamente a Vasco<br />

Gonçalves. A sua crítica aos excessos<br />

<strong>de</strong> entusiasmo <strong>dos</strong> que acreditavam<br />

ser “a vanguarda” traduziu-se<br />

mesmo, mais tar<strong>de</strong>, na sua frontal<br />

oposição à nomeação <strong>de</strong> José<br />

Saramago para a direcção <strong>de</strong> “o<br />

diário” em 1976, pois não apreciara<br />

o seu radicalismo quando estivera à<br />

frente do “Diário <strong>de</strong> Notícias” em<br />

1975. À conta <strong>de</strong>ssa oposição,<br />

Saramago acabaria por <strong>de</strong>ixar os<br />

jornais para, no Alentejo, com o<br />

apoio das estruturas locais do PCP,<br />

preparar o seu primeiro romance <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> impacto, “Levantado do<br />

Chão”.<br />

Um outro episódio muito<br />

sintomático da sua habilida<strong>de</strong> para<br />

resolver situações potencialmente<br />

complicadas é o da <strong>de</strong>slocação <strong>de</strong><br />

um <strong>de</strong>putado do PCP numa<br />

<strong>de</strong>legação oficial a Marrocos. O<br />

<strong>de</strong>putado recusou-se<br />

terminantemente a usar gravata até<br />

que Cunhal sugeriu que, para<br />

cumprir com o protocolo do Reino,<br />

adoptasse um traje regional<br />

português, o que aterrorizou <strong>de</strong> tal<br />

forma esse militante que logo<br />

mandou vir as gravatas…<br />

Mesmo assim, o que sobressai<br />

<strong>de</strong>ste livro é a figura <strong>de</strong> um Cunhal<br />

sempre à vonta<strong>de</strong> entre militantes e<br />

quando se fechava para escrever os<br />

documentos programáticos do<br />

partido e os seus discursos (por<br />

regra nunca falava <strong>de</strong> improviso),<br />

mas muito menos à vonta<strong>de</strong> quando<br />

saía <strong>de</strong>stes círculos <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong>.<br />

Um Cunhal que, como se reconhece<br />

a dado momento, estava longe do<br />

sentir e da forma <strong>de</strong> viver do povo<br />

em nome do qual combatia.<br />

Uma nota final: um livro como<br />

este ganharia imenso com um índice<br />

remissivo. É mesmo<br />

incompreensível como os editores<br />

portugueses continuam a<br />

menosprezar este importante<br />

instrumento <strong>de</strong> leitura.<br />

PRESENTE<br />

CD + DVD edição limitada e numerada<br />

hardcover book 20 páginas À VENDA NAS LOJAS FNAC<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 49


Expos<br />

50 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Entre e<br />

a rua a e<br />

o cubo bo<br />

branco co<br />

Nascida no o mundo do<br />

graffiti, a dupla upla brasileira<br />

OSGÉMEOS S confun<strong>de</strong><br />

categorias, escalas escalas e<br />

fronteiras. José Marmeleira<br />

Para quem mora lá, o céu é lá<br />

De Gustavo Pandolfo, Otávio<br />

Pandolfo (OSGÉMEOS).<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção Berardo. Praça do Império<br />

- Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Tel.: 213612878. Até<br />

19/09. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª, Dom. e<br />

Feria<strong>dos</strong> das 10h às 19h.<br />

Pintura, Outros.<br />

mmmnn<br />

PEDRO CUNHA<br />

A programação nem sempre é a mais<br />

equilibrada, mas ninguém po<strong>de</strong><br />

dizer que o Museu Colecção Berardo<br />

não tem trazido alguma diversida<strong>de</strong><br />

ao panorama das exposições <strong>de</strong> arte.<br />

Basta pensar em mostras temáticas e<br />

transversais como “Teatro sem<br />

teatro”, “Desenhos <strong>de</strong> escritores” ou<br />

“Quick, Quick, Slow” que, no âmbito<br />

da Experimenta Design 09, reuniu<br />

<strong>de</strong>sign, filme, banda <strong>de</strong>senhada e<br />

arte.<br />

Eis, portanto, um espaço <strong>de</strong> arte<br />

contemporânea on<strong>de</strong> a arte<br />

contemporânea (na sua <strong>de</strong>finição<br />

mais disciplinada como campo,<br />

categoria<br />

exposição, exp a<br />

realida<strong>de</strong> rea<br />

parece pa menos<br />

um u sítio ao<br />

qual q se<br />

regressa r do<br />

que um<br />

imenso<br />

“tableau<br />

vivant”<br />

que nunca<br />

foi aband abandonado. Essa<br />

é experiência sugerida sugerid na última<br />

sala: os artistas taparam com portas<br />

ou conceito) não<br />

as pare<strong>de</strong>s até ao tecto e<br />

numa<br />

ocupa o espaço todo. E se<br />

“colaram” mesmo duas<br />

casas. Nesse<br />

esta última úl i oração ã <strong>de</strong> d espantoso jogo j d<strong>de</strong> escalas l e dimensões, di o<br />

nada tem (a Tate, em Londres, e o espectador vê-se a “entrar” <strong>de</strong>ntro<br />

MoMA, em Nova Iorque, há muito da obra.<br />

que a põem em prática), serve<br />

Espectacular, o efeito não é<br />

perfeitamente para contextualizar conseguido sem o sacrifício <strong>de</strong><br />

“Para quem mora lá, o céu é lá”, a alguns pormenores e intervenções<br />

individual <strong>de</strong> OSGÉMEOS, dupla que se diluem na vertigem do espaço<br />

brasileira <strong>de</strong> “street art”, patente no (é um exercício curioso i<strong>de</strong>ntificar,<br />

museu lisboeta.<br />

por exemplo, a presença do graffti<br />

Gustavo e Otávio Pandolfo (são <strong>de</strong> nas esculturas ou as pequenas<br />

facto irmãos gémeos, nasci<strong>dos</strong> em colagens ou pinturas sobre a<br />

1974) pertencem à história <strong>dos</strong> ma<strong>de</strong>ira). Valerá a pena perguntar,<br />

encontros entre a arte e a rua. até, se alguns trabalhos não<br />

Começaram pelo grafitti,<br />

ganhariam outra presença se<br />

inspiraram-se no hip-hop, pintaram expostos <strong>de</strong> forma mais autónoma.<br />

e pintam muros e fachadas <strong>de</strong> São interrogações relativamente<br />

edifícios e, é verda<strong>de</strong>, expõem em inúteis. Só uma po<strong>de</strong> ser ensaiada<br />

galerias, feiras (Art Basel Miami em com outro alcance e a partir <strong>de</strong> um<br />

2009) e museus <strong>de</strong> arte (Tate, em território concreto: a Rua Andra<strong>de</strong><br />

2008). No entanto, a arte visual que Corvo, na zona <strong>de</strong> Picoas, em<br />

assinam não é facilmente recebida <strong>Lisboa</strong>, on<strong>de</strong> OSGÉMEOS pintaram a<br />

pelo centro da arte contemporânea fachada <strong>de</strong> um prédio <strong>de</strong>voluto.<br />

(seja este qual for). Razões? Porque é On<strong>de</strong> vive melhor a arte <strong>dos</strong> dois<br />

muito figurativa, porque é<br />

irmãos? No cubo branco ou na<br />

<strong>de</strong>masiado rui<strong>dos</strong>a ou porque vem poeira colorida da rua? Talvez a<br />

explicitamente do graffiti (ao meio caminho entre os dois, sem<br />

contrário da obra <strong>de</strong> Keith Haring nunca chegar <strong>de</strong>finitivamente a<br />

que se construiu, enquanto arte<br />

urbana e pública, com o graffti).<br />

nenhum.<br />

Porque, diga-se, fica melhor na<br />

“Juxtapoz” do que na “Artforum”.<br />

E “Para quem mora lá, o céu é lá”<br />

reflecte algumas <strong>de</strong>stas tensões,<br />

embora num colorido e<br />

<strong>de</strong>spreocupado tom. A dupla<br />

preencheu literalmente quatro<br />

pare<strong>de</strong>s com esculturas, instalações<br />

Sem<br />

lágrimas,<br />

nem sorrisos<br />

e pinturas. Numa série <strong>de</strong> telas<br />

advinham-se referências ao folclore<br />

brasileiro (com os seus seres e<br />

Exposição colectiva, <strong>de</strong> Cildo<br />

Meireles a Francisco Tropa,<br />

histórias fantásticas), mais à frente,<br />

na segunda sala, vêem-se famílias,<br />

mulheres <strong>de</strong> mão dada aos filhos,<br />

no Palácio das Artes, no<br />

Porto. Óscar Faria<br />

homens <strong>de</strong> viola. O traço é naïf, fino,<br />

simples (lembra o <strong>de</strong> Eva Armisen)<br />

e, com faces pintadas <strong>de</strong> amarelo,<br />

esten<strong>de</strong>-se a superfícies e volumes,<br />

caixas, colunas <strong>de</strong> som e guitarras;<br />

foi montado, inclusive, um palco<br />

que o espectador po<strong>de</strong> ocupar<br />

tocando vários instrumentos<br />

enquanto o som sai das colunas<br />

Like Tears in Rain<br />

De Carlos Garaicoa, Carlos<br />

Contente, ChunTeng Chu, Cildo<br />

Meireles, Damián Ortega, Euan<br />

Macdonald, Francisco Tropa, João<br />

Louro, Marius Engh, Marjolaine<br />

Ryley, Nedko Solakov, Susana<br />

Men<strong>de</strong>s Silva.<br />

suspensas na pare<strong>de</strong> (o que não<br />

aconteceu, durante a visita que<br />

antece<strong>de</strong>u esta crítica, <strong>de</strong>vido a uma<br />

avaria).<br />

Porto. Palácio das Artes - Fábrica <strong>de</strong> Talentos. Largo<br />

<strong>de</strong> São Domingos, 16-22. Até 28/07. 2ª a 6ª das<br />

9h30 às 19h.<br />

Instalação, Fotografia.<br />

A apropriação e a transformação<br />

<strong>de</strong> objectos do quotidiano ou da rua<br />

mmnnn<br />

(portas, tábuas, martelos,<br />

Nem sempre uma exposição que<br />

brinque<strong>dos</strong>) parecem recuperar reúne um relevante elenco <strong>de</strong><br />

algumas preocupações <strong>dos</strong><br />

artistas funciona enquanto tal,<br />

Nouveaux Réalistes, mas, nesta po<strong>de</strong>ndo mesmo resultar numa<br />

Nesta exposição, a realida<strong>de</strong> parece menos<br />

um sítio ao qual se regressa do que um imenso<br />

“tableau vivant” que nunca realmente<br />

se abandonou<br />

situação inversa à <strong>de</strong>sejada: em vez<br />

<strong>de</strong> se sublinhar uma i<strong>de</strong>ia comum<br />

aos distintos trabalhos – constituindo<br />

estes a matéria através da qual essa<br />

potência se realiza –, corre-se o risco<br />

<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar a ausência <strong>de</strong><br />

qualquer relação entre eles,<br />

provocando-se assim um<br />

<strong>de</strong>sequilíbrio irresolúvel. Neste caso,<br />

as obras continuam espelhos <strong>de</strong> si<br />

próprias, impossibilitando a<br />

abertura <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong> partilha, o<br />

qual constitui o ponto <strong>de</strong> partida<br />

essencial <strong>de</strong> uma mostra colectiva,<br />

tenha esta a intenção <strong>de</strong> estabelecer<br />

relações <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong><br />

conflito.<br />

A situação i<strong>de</strong>al, aquela em que o<br />

comum surge como a mais-valia<br />

expositiva, acontece raramente e<br />

cada vez com menos frequência: a<br />

gran<strong>de</strong> maioria das exposições<br />

colectivas funciona como um<br />

somatório <strong>de</strong> obras, relacionadas<br />

por i<strong>de</strong>ias mais ou menos vazias <strong>de</strong><br />

sentido. Embora geralmente<br />

inconsequentes, estas mostras<br />

ocupam um espaço cada vez mais<br />

significativo no contexto global,<br />

basta recordar o número crescente<br />

<strong>de</strong> bienais. Outra consequência<br />

<strong>de</strong>sta realida<strong>de</strong> foi o aparecimento<br />

da figura do curador, que assumiu,<br />

sobretudo a partir <strong>dos</strong> anos 90, o<br />

papel <strong>de</strong> protagonista.<br />

A exposição “Like Tears in Rain”,<br />

comissariada por Luiza Teixeira <strong>de</strong><br />

Freitas e patente no Palácio das<br />

Artes, é mais um <strong>dos</strong> casos em que<br />

um grupo <strong>de</strong> artistas significativos<br />

não chega para dar corpo a uma<br />

mostra. A primeira dificulda<strong>de</strong> parte<br />

do próprio discurso que serve <strong>de</strong><br />

introdução à colectiva, o qual,<br />

apesar da sua extrema boa vonta<strong>de</strong>,<br />

chega a ser pueril: “Através <strong>de</strong> obras<br />

que foram comissariadas sob este<br />

contexto [já lá vamos], a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>ste<br />

projecto é encontrar ligações que<br />

intrigam, fascinam e que tocam as<br />

pessoas <strong>de</strong> forma a que elas possam<br />

ver a arte como um meio <strong>de</strong> se<br />

confrontarem com a vida.”<br />

Há um vazio discursivo na<br />

afirmação da i<strong>de</strong>ia da exposição. A<br />

arte, mais do que dar respostas,<br />

procura colocar questões, dúvidas,<br />

uma série <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s a quem<br />

<strong>de</strong>la se aproxima. O acto criativo é<br />

sempre <strong>de</strong> resistência ao mundo,<br />

tendo por isso <strong>de</strong> se constituir<br />

enquanto instância crítica. A arte<br />

não é um confronto com a<br />

vida, ela é aquilo que e torna a<br />

vida mais interessante te do<br />

que a arte, como nos s dizia<br />

recentemente o filósofo ofo<br />

italiano Fe<strong>de</strong>rico Ferrari, rari,<br />

parafraseando Robert rt<br />

Filliou, artista próximo mo<br />

do movimento Fluxus. us.<br />

O contexto a que a<br />

curadora se refere,<br />

aquele que dá sentido o<br />

à exposição, são as<br />

suas preocupações<br />

com a morte, as<br />

memórias e o


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Manuel Cal<strong>de</strong>ira na Alecrim 50<br />

ausente. Diz-nos Luiza Teixeira <strong>de</strong><br />

Freitas: “Não acho que esta<br />

fascinação torne a vida mais fácil <strong>de</strong><br />

encarar, mas, por mais estranho que<br />

pareça, dá-me não só um bizarro<br />

sentimento <strong>de</strong> segurança, mas fazme<br />

também acreditar no absoluto<br />

valor da vida.” A comissária ainda<br />

nos diz que este sentimento lhe <strong>de</strong>u<br />

uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> “querer fazer<br />

alguma diferença e <strong>de</strong>ixar marcas,<br />

mesmo que tudo na vida seja<br />

eventualmente ‘apagado, como<br />

lágrimas na chuva’ [uma frase<br />

retirada do filme Bla<strong>de</strong> Runner].”<br />

Temos assim o corpo conceptual<br />

da mostra <strong>de</strong>finido. A partir <strong>de</strong>stes<br />

da<strong>dos</strong>, o exercício <strong>de</strong> criticar uma<br />

exposição adquire uma<br />

complexida<strong>de</strong> difícil <strong>de</strong> superar. As<br />

obras <strong>de</strong>vem ser vistas a partir <strong>de</strong><br />

que prisma? Do fornecido pelo vago<br />

texto da curadora, que criou uma<br />

exposição baseada nas suas<br />

“convicções e preocupações”; <strong>dos</strong><br />

curtos artigos que introduzem, no<br />

catálogo, a obra <strong>de</strong> quase to<strong>dos</strong> os<br />

artistas, escritos eles próprios por<br />

diferentes nomes – Delfim Sardo é<br />

autor <strong>de</strong> um outro ensaio, <strong>de</strong> teor<br />

mais historicista, em que consi<strong>de</strong>ra<br />

ter a mostra acertado no foco,<br />

“porque não existe outra matéria<br />

para a arte se não a morte” –; ou<br />

enquanto trabalhos em si mesmos,<br />

separa<strong>dos</strong> do contexto <strong>de</strong><br />

apresentação?<br />

Tarefa difícil, portanto. Contudo,<br />

ainda assim, po<strong>de</strong> dizer-se que<br />

enquanto colectiva, a exposição não<br />

funciona: as obras não se relacionam<br />

entre si, apenas ocupam um espaço<br />

comum. E este é outros <strong>dos</strong><br />

problemas da mostra, pois a opção<br />

<strong>de</strong> montagem acabou por <strong>de</strong>finir um<br />

percurso labiríntico pelas salas do<br />

Palácio das Artes, já <strong>de</strong> si um <strong>de</strong>safio<br />

para quem quiser ali realizar uma<br />

iniciativa semelhante. Neste<br />

contexto, falar das obras que se<br />

<strong>de</strong>stacam é uma situação que<br />

carrega consigo uma sensação <strong>de</strong><br />

uma certa injustiça para com todas<br />

as outras, pois se há uma crítica a<br />

sublinhar ela dirige-se ao escasso<br />

investimento conceptual da<br />

curadora. Por isso, o mais correcto<br />

talvez seja afirmar que Carlos<br />

Contente, Marius Engh, Cildo<br />

Meireles, Susana Men<strong>de</strong>s Silva e<br />

Francisco Tropa encontraram<br />

soluções a<strong>de</strong>quadas às<br />

circunstâncias <strong>de</strong> uma exposição p ç<br />

que se visita sem lágrimas, nem<br />

sorrisos.<br />

Susana Men<strong>de</strong>s Silva<br />

menos mal numa exposição<br />

que não funciona<br />

Agenda<br />

A d<br />

Inauguram<br />

“POVOpeople”<br />

no Museu<br />

da Electricida<strong>de</strong><br />

Chapéus<strong>de</strong>-Sol<br />

De Inês<br />

Lobo.<br />

<strong>Lisboa</strong>.<br />

Fundação e<br />

Museu Calouste<br />

Gulbenkian<br />

- Jardim. Av. <strong>de</strong> Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até<br />

30/9. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Instalação. Programa Gulbenkian<br />

Próximo Futuro/Next Future.<br />

Natureza Morta<br />

De Barrão.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />

Av. <strong>de</strong> Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até 30/9. 3ª a<br />

Dom. das 10h às 18h.<br />

Instalação, Escultura. Programa<br />

Gulbenkian Próximo Futuro/Next<br />

Future.<br />

Liberda<strong>de</strong> Guiando o Povo/<br />

Liberty Leading The People<br />

De Barthélemy Toguo.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />

Av. <strong>de</strong> Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até 11/07. 3ª a<br />

Dom. das 10h às 18h.<br />

Instalação. Programa Gulbenkian<br />

Próximo Futuro/Next Future.<br />

O Brilhante Futuro da Cana-<strong>de</strong>-<br />

Açúcar<br />

De Kilian Glasner.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian<br />

- Pq. <strong>de</strong> Estacionamento. Av. <strong>de</strong> Berna, 45A. Tel.:<br />

217823700. Até 11/07. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Desenho, Outros. Programa<br />

Gulbenkian Próximo Futuro/Next<br />

Future.<br />

Colectiva<br />

De Alejandro Somaschini, Cabelo,<br />

Helena Martins-Costa, José<br />

Bechara, Rodrigo Oliveira.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Carpe Diem Arte e Pesquisa. R. <strong>de</strong> O<br />

Século, 79. Até 18/09. 4ª a Sáb. das 14h às 20h.<br />

Inaugura 18/6 às 21h30.<br />

Instalação, Objectos, Outros.<br />

This Is That<br />

De Manuel Cal<strong>de</strong>ira.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Alecrim 50. R. do Alecrim, 48-50. Tel.:<br />

213465258. Até 14/07. 2ª a 6ª das 11h às 19h. Sáb.<br />

das 11h às 18h. Inaugura 18/6 às 19h.<br />

Objectos.<br />

POVOpeople<br />

De Almada Negreiros, Rafael<br />

Bordalo Pinheiro, Nikias Skapinakis,<br />

Nuno Cera, Joana Vasconcelos, Noé<br />

Sendas, entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu da Electricida<strong>de</strong>. Av. Brasília - Ed.<br />

Central Tejo. Tel.: 210028120. Até 19/09. Sáb. das<br />

10h às 20h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 18h.<br />

Inaugura 18/6 às 21h30.<br />

Documental, Pintura, Fotografia,<br />

Ví<strong>de</strong>o, Outros.<br />

Sem Limites - Nadir Afonso<br />

De Nadir Afonso.<br />

<strong>Lisboa</strong>. MNAC - Museu do Chiado. R. Serpa Pinto,<br />

4. Tel.: 213432148. Até 03/10. 3ª a Dom. das 10h às<br />

18h. Inaugura 22/6 às 19h.<br />

Pintura.<br />

Transformo-me Naquilo Que<br />

Toco<br />

De Rui Matos.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Giefarte. R. Arrábida, 54B. Tel.:<br />

213880381. Até 31/07. 2ª a 6ª das 11h às 20h.<br />

Inaugura 22/6 às 22h.<br />

Escultura.<br />

Zao Wou-Ki<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva.<br />

Pç. das Amoreiras, 56/58. Tel.: 213880044. De<br />

24/06 a 26/09. 2ª, 4ª, 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. das 10h<br />

às 18h.<br />

Pintura.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 51


Cinema<br />

série ípsilon II<br />

Sexta-feira,<br />

dia 25 <strong>de</strong> Junho,<br />

o DVD “Corações”,<br />

<strong>de</strong> Alain Resnais<br />

+4 DVD<br />

Todas as sextas,<br />

por €1,95. 20<br />

anos<br />

52 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

“Nada <strong>de</strong> Pessoal”: uma nova<br />

cineasta cujo nome convém reter,<br />

Urszula Antoniak<br />

Continuam<br />

Nada Pessoal<br />

Nothing Personal<br />

De Urszula Antoniak,<br />

com Lotte Verbeek, Stephen Rea. M/12<br />

MMMnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 24h 3ª<br />

4ª 16h, 18h, 20h, 22h, 24h;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 7: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 14h30, 16h45, 19h, 21h30, 00h05;<br />

Se algo existe <strong>de</strong> interessante neste<br />

filme bizarro, realizado por uma<br />

polaca radicada na Holanda e<br />

colocada perante uma Irlanda quase<br />

abstracta (“pubs” solitários, casas<br />

isoladas, escarpas sobre o mar,<br />

estradas assombradas), trata-se sem<br />

dúvida <strong>de</strong> uma terrífica claustrofobia<br />

que encerra as personagens numa<br />

espécie <strong>de</strong> mutismo comunicativo,<br />

com a música e os gestos a darem o<br />

mote. “Nada Pessoal” fala <strong>de</strong> feridas<br />

antigas, não cicatrizadas, <strong>de</strong> vultos<br />

perdi<strong>dos</strong> na paisagem, incapazes <strong>de</strong><br />

ultrapassarem, em última análise, os<br />

seus fantasmas secretos e<br />

inomina<strong>dos</strong>. Tudo no filme se faz <strong>de</strong><br />

sugestões, <strong>de</strong> interditos, <strong>de</strong> silêncios<br />

estranhos, e até a <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> ntinuida<strong>de</strong><br />

temporal e os capítulos que<br />

pontuam a narrativa <strong>de</strong>sconjuntada<br />

conjuntada<br />

contribui para o mistério, o, nunca<br />

<strong>de</strong>svendado, da incomunicabilida<strong>de</strong>:<br />

nicabilida<strong>de</strong>:<br />

quando a personagem feminina minina<br />

(excelente Lotte Verbeek) k) parece<br />

abrir as <strong>de</strong>fesas, a masculina lina<br />

(Stephen Rea) volta a fechar har a<br />

sua concha, até ao suicídio. io.<br />

Parece um filme vindo do o<br />

passado, <strong>dos</strong> anos 60, mas as<br />

constitui relativamente boa<br />

<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> uma nova<br />

cineasta, cujo nome convém vém<br />

reter: Urszula Antoniak.<br />

Mário Jorge Torres<br />

24 City<br />

Er shi si cheng ji<br />

De Jia Zhang Ke,<br />

com Joan Chen, Zhao Tao, ,<br />

Lv Liping. M/12<br />

MMMnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª<br />

Domingo 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h,<br />

21h30 6ª Sábado 2ª 14h, 16h30, 19h, h,<br />

21h30, 24h;<br />

Porto: Me<strong>de</strong>ia Cine Estúdio do Teatro ro Campo<br />

Alegre: Cine-Estúdio: 5ª 6ª Sábado o Domingo<br />

A velha e a<br />

nova China<br />

em “24 City”<br />

As estrelas do público<br />

2ª 3ª 18h30, 22h 4ª 18h30;<br />

“24 City” é o ponto do cinema do<br />

chinês Jia Zhang-ke on<strong>de</strong> o seu olhar<br />

sobre a “velha China” em vias <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>saparecer com a abertura ao<br />

Oci<strong>de</strong>nte e a “nova China” que<br />

avança a passos largos melhor se<br />

cruza e sintetiza num todo<br />

inseparável e formalmente<br />

<strong>de</strong>safiador. Jia toma como ponto <strong>de</strong><br />

partida uma velha fábrica <strong>de</strong><br />

armamento à beira <strong>de</strong> ser<br />

<strong>de</strong>sactivada e <strong>de</strong>molida para dar<br />

lugar a um parque ultramo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong><br />

edifícios, e confronta <strong>de</strong>poimentos<br />

das várias gerações que a sua<br />

existência afectou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aqueles<br />

que cresceram a trabalhar na fábrica<br />

àqueles que nasceram à sua sombra.<br />

No entanto, o que parece ser um<br />

documentário mais ou menos<br />

tradicional sobre as convulsões da<br />

China revela-se aos poucos como a<br />

mais recente experiência formal na<br />

<strong>de</strong>clinação ficcional das técnicas<br />

documentais, com Jia a alternar<br />

<strong>de</strong>poimentos reais contribuí<strong>dos</strong> por<br />

operários reais e <strong>de</strong>poimentos<br />

ficciona<strong>dos</strong> co-escritos pelo<br />

realizador e representa<strong>dos</strong> por<br />

actores. O resultado não será o<br />

melhor melhor filme do<br />

cineasta chinês (há<br />

por vezes, em “24 “ City” mais do que<br />

noutros noutro filmes seus, a<br />

sensação sensaç <strong>de</strong> que Jia se<br />

enreda enred nos fios das teias<br />

que que eele<br />

próprio monta)<br />

mas é um objecto<br />

importante impo para quem<br />

quer qu perceber quais os<br />

caminhos ca que o<br />

cinema cin <strong>de</strong> autor<br />

contemporâneo co<br />

está a<br />

levar. lev Jorge Mourinha<br />

Líbano Líba<br />

Lebanon<br />

Leba<br />

De Samuel Sa Maoz,<br />

com YYoav<br />

Donat, Itay<br />

Tiran, Oshri Cohen. M/16<br />

MMMnn MMM<br />

<strong>Lisboa</strong>: CCinemaCity<br />

Alegro<br />

Alfragid Alfragi<strong>de</strong>: Sala 10: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 22h05; CinemaCity<br />

Beloura<br />

Shopping: Sala 6: 5ª 6ª<br />

Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

18h30;<br />

CinemaCity Campo Pequeno<br />

Praça <strong>de</strong> d Touros: Sala 5: 5ª 6ª<br />

Sábad Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

19h40;<br />

CinemaCity Classic<br />

Alvala<strong>de</strong> Alvala<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 19h10;<br />

Porto: Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala 2: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 14h30, 17h, 19h30, 22h 4ª<br />

14h30, 17h, 19h30;<br />

Como “A Valsa com Bashir” (que<br />

igualmente falava da invasão do<br />

Líbano em 82), é outro filme que<br />

mostra que os israelitas têm pazes a<br />

fazer também com eles próprios - e<br />

fazerem filmes sobre isso, pegarem<br />

na sua história com as suas mãos,<br />

libertam-nos pelo menos das garras<br />

<strong>dos</strong> “opinadores” que andam há<br />

anos a dizer que não senhora, está<br />

tudo bem, remorsos quais quê. À<br />

parte estes consi<strong>de</strong>ran<strong>dos</strong> (que nem<br />

são nada marginais), “Líbano” é uma<br />

eficaz apropriação <strong>de</strong> alguns códigos<br />

clássicos do filme <strong>de</strong> guerra (o “huis<br />

clos”, a convivência, a <strong>de</strong>scoberta da<br />

humanida<strong>de</strong> do inimigo, ou a perda<br />

da inocência, simbolizada - é um<br />

achado - pelo campo <strong>de</strong> girassóis),<br />

temperada pelas peculiarida<strong>de</strong>s e<br />

ambiguida<strong>de</strong>s do contexto narrativo<br />

(o falangista, a personagem mais<br />

sinistra do filme). Mas <strong>de</strong>pois é um<br />

filme sobre a visibilida<strong>de</strong> (da guerra,<br />

ou <strong>de</strong>sta guerra), sobre o olhar, em<br />

to<strong>dos</strong> aqueles planos em que câmara<br />

se fun<strong>de</strong> com a mira do tanque, esse<br />

gran<strong>de</strong> olho mecânico (por alguma<br />

razão faz pensar em Kubrick) que<br />

varre o cenário como o écran <strong>de</strong> um<br />

“shoot ‘em up” e faz <strong>dos</strong> solda<strong>dos</strong><br />

outra coisa para além <strong>de</strong> solda<strong>dos</strong>:<br />

testemunhas, as primeiras<br />

testemunhas <strong>de</strong>les mesmo e <strong>dos</strong><br />

seus actos. E esta é, evi<strong>de</strong>ntemente,<br />

a razão porque Samuel Maoz fez este<br />

filme. Luís Miguel Oliveira<br />

Fantasia Lusitana<br />

De João Canijo. M/12<br />

MMMMn<br />

Jorge<br />

Mourinha<br />

<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />

Touros: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

21h, 23h30; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />

Touros: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

23h30;<br />

Um filme todo feito <strong>de</strong> colagens <strong>de</strong><br />

colagens <strong>de</strong> documentários do<br />

Estado Novo, embora com a<br />

inteligente intromissão <strong>de</strong> uma<br />

textualida<strong>de</strong> exterior, que os<br />

recontextualiza <strong>de</strong> modo<br />

contemporâneo, po<strong>de</strong>rá possuir<br />

limites evi<strong>de</strong>ntes, mas o resultado é<br />

estimulante, porque Canijo<br />

enten<strong>de</strong> os materiais com que<br />

trabalha e se apercebe da sua<br />

<strong>de</strong>sgarrada eloquência. Por isso,<br />

“Fantasia Lusitana” ultrapassa a<br />

soma das suas partes constituintes e<br />

Luís M.<br />

Oliveira<br />

traça um <strong>dos</strong> olhares mais negros<br />

sobre o “fascismo português” e, sem<br />

sombra <strong>de</strong> <strong>de</strong>magogia, mostra como<br />

os anos 40, neste “jardim à beira<br />

mar plantado”, po<strong>de</strong>m funcionar<br />

enquanto chave para enten<strong>de</strong>r a<br />

nossa presente “apagada e vil<br />

tristeza”. M.J.T.<br />

Wendy and Lucy<br />

De Kelly Reichardt,<br />

com Michelle Williams, Walter<br />

Dalton, Larry Fessen<strong>de</strong>n, Will<br />

Oldham. M/12<br />

MMnnn<br />

Mário<br />

J. Torres<br />

Vasco<br />

Câmara<br />

A Mulher do Viajante no Tempo mmmnn nnnnn mmnnn nnnnn<br />

Eu Sou o Amor mmmmm mnnnn mmmmn nnnnn<br />

Um Funeral à Chuva mnnnn nnnnn A A<br />

Muitos Dias Tem o Mês mmnnn mnnnn nnnnn nnnnn<br />

Noite e Dia mnnnn mmmmn mmnnn nnnnn<br />

Nada <strong>de</strong> Pessoal mmmnn nnnnn mmmnn nnnnn<br />

24 City mmmnn mmmnn nnnnn mmmnn<br />

Vencer mmmmn mmmnn mmnnn mmnnn<br />

Sexo e a Cida<strong>de</strong> 2 A nnnnn nnnnn nnnnn<br />

Wendy e Lucy mmmmn mmnnn mmmnn mmmnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 2: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />

13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45 6ª Sábado 2ª<br />

13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45, 00h15;<br />

Há uma maneira, melancólica mas<br />

enxuta, quase casual, <strong>de</strong> dar a ver a<br />

paisagem urbana, suburbana, em<br />

recessão, do interior industrial<br />

americano. Mas <strong>de</strong>pois há um<br />

conflito entre essa paisagem - que<br />

vem “em bruto” - e o maneirismo,<br />

codificado, “exemplar”, com que<br />

Reichardt trata as figuras que <strong>de</strong>la<br />

extrai (<strong>dos</strong> planos “espectrais”, em<br />

expressionismo sublinhado pelo seu<br />

próprio “guia <strong>de</strong> leitura”, com o<br />

grupo <strong>de</strong> viajantes on<strong>de</strong> pontifica<br />

Will Oldham, às cenas com os<br />

indigentes na reciclagem <strong>de</strong> garrafas,<br />

que sublinham outra palavra, “neorealismo”),<br />

e se transmite às outras<br />

personagens (o mecânico, o<br />

segurança) numa espécie <strong>de</strong> excesso<br />

- <strong>de</strong> composição, <strong>de</strong> tiques, <strong>de</strong><br />

“cinema” - que inclui, obviamente, o<br />

“un<strong>de</strong>racting” gritado da<br />

protagonista Michelle Williams. A<br />

convenção “re-convencionada”. Isto<br />

retira alguma força ao filme, que<br />

amolece numa narrativa <strong>de</strong> moral<br />

previsível, como se a partir <strong>de</strong> certa<br />

altura não houvesse mais nada para<br />

ver, apenas para saber (Wendy<br />

reencontrará<br />

Lucy?),<br />

impressão<br />

agravada por<br />

Reichardt que<br />

não parecer ser<br />

alguém que<br />

acredite muito<br />

no plano plano<br />

(acredita, o<br />

que é uma<br />

coisa muito<br />

diferente, no<br />

que os planos<br />

contam).<br />

L.M.O.<br />

“Wendy<br />

and Lucy”


A Mulher do Viajante no Tempo<br />

The Time Traveler’s Wife<br />

De Robert Schwentke,<br />

com Eric Bana, Rachel McAdams, Ron<br />

Livingston, Arliss Howard. M/12<br />

MMnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 3: 5ª 2ª<br />

3ª 4ª 15h30, 18h50, 21h40 6ª 15h30, 18h50, 21h40,<br />

00h10 Sábado 13h10, 15h30, 18h50, 21h40, 00h10<br />

Domingo 13h10, 15h30, 18h50, 21h40; Me<strong>de</strong>ia<br />

Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 7: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h20, 19h, 21h30,<br />

00h15; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 8: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h50,<br />

00h10 Domingo 11h30, 14h10, 16h40, 19h10, 21h50,<br />

00h10; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 13h45, 16h30, 19h10, 21h50, 00h30<br />

4ª 13h45, 16h30, 19h10, 00h30; ZON Lusomundo<br />

CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

21h40, 00h05; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 4ª 12h55, 15h55, 18h30, 21h10,<br />

23h45 3ª 12h55, 15h55, 18h30, 23h45; ZON<br />

Lusomundo Odivelas Parque: 5ª Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 21h40 6ª Sábado 21h40, 00h15; ZON Lusomundo<br />

Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h20, 16h, 18h40, 21h40, 00h15; ZON Lusomundo<br />

Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

Cineclubes para mais informações consultar www.fpcc.pt<br />

Cine-Teatro S. Pedro<br />

Largo S. Pedro - Abrantes<br />

Líbano<br />

De Samuel Maoz, 2009, M/16 23/6,<br />

21:30h<br />

Cinema Teixeira <strong>de</strong><br />

Pascoaes<br />

Centro Comercial Santa Luzia - Amarante<br />

Um Lugar para Viver<br />

De Sam Men<strong>de</strong>s, 2009, M/16<br />

18/6, 21.30h<br />

Auditório <strong>Municipal</strong><br />

Augusto Cabrita<br />

Parque da Cida<strong>de</strong>, Barreiro<br />

Derek Bailey Playing For<br />

Friends<br />

De Robert O’Haire, 2004, M/12<br />

19/6, 21:30h<br />

Auditório Soror<br />

Mariana<br />

Rua Diogo Cão, 8 – Évora<br />

Parnassus - O Homem que<br />

Queria Enganar o Diabo<br />

De Terry Gilliam, 2009, M/12<br />

23/6, 21h30<br />

Fundação Cupertino<br />

<strong>de</strong> Miranda<br />

Praça D. Maria II, Famalicão<br />

A Minha Noite em<br />

Casa <strong>de</strong> Maud<br />

De Eric Rohmer,<br />

1969, M/12<br />

18/6, 21:30h<br />

Casa das<br />

Artes <strong>de</strong> Vila<br />

Nova <strong>de</strong><br />

Famalicão<br />

Parque <strong>de</strong> Sinçães – Famalicão<br />

Ruínas<br />

De Manuel Mozos, 2009, 09,<br />

M/12<br />

24/6, 21:30h - Pequeno Auditório io<br />

Auditório do IPJ<br />

(Faro)<br />

Rua da PSP - Faro<br />

Fantasia Lusitana<br />

DeJoão Canijo, 2010, M/6<br />

21/6, 22:00h<br />

“A Mulher do Viajante do Tempo”<br />

21h50, 00h30; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h40,<br />

18h20, 21h50, 00h20; ZON Lusomundo Almada<br />

Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20,<br />

15h50, 18h45, 21h45, 00h25.<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 14h, 16h30, 19h05, 21h45, 00h20 3ª 4ª 16h30,<br />

19h05, 21h45, 00h20; ZON Lusomundo Dolce Vita<br />

Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 16h20,<br />

19h30, 22h, 00h30; ZON Lusomundo GaiaShopping:<br />

5ª Domingo 2ª 3ª 13h15, 15h55, 18h30, 21h20 6ª<br />

Sábado 4ª 13h15, 15h55, 18h30, 21h20, 00h10; ZON<br />

Lusomundo MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

14h, 16h45, 19h25, 22h 6ª Sábado 14h, 16h45, 19h25,<br />

22h, 00h40; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h30, 00h10; ZON<br />

Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h, 20h20, 22h50; ZON<br />

Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 22h, 00h40;<br />

Mais um filme estranho, fora <strong>de</strong><br />

todas as modas e <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os<br />

formatos, “A Mulher do Viajante do<br />

Tempo” alimenta-se <strong>de</strong> uma cinefilia<br />

filtrada, <strong>de</strong> fantasmas <strong>de</strong> filmes<br />

clássicos, <strong>de</strong> resquícios <strong>de</strong> citações e<br />

<strong>de</strong> pisca<strong>de</strong>las <strong>de</strong> olho. Falta-lhe o<br />

“amor louco”, sem limites nem peias<br />

Centro Cultural Vila<br />

Flor<br />

Av. D. Afonso Henriques, 701 - Guimarães<br />

As Ervas Daninhas<br />

De Alain Resnais, 2009, M/12<br />

20/6, 21.45h - Pequeno Auditório<br />

Cinemas Ria Shoping<br />

– Sala 3<br />

Estrada Nacional 125, 100 - Olhão<br />

Ruínas<br />

De Manuel Mozos, 2009, M/12<br />

22/6, 21.30h<br />

Auditório <strong>Municipal</strong><br />

da Póvoa <strong>de</strong> Varzim<br />

Rua D. Maria I, 56 - Póvoa <strong>de</strong> Varzim<br />

Afterschool - Depois das Aulas<br />

De António Campos, 2008, M/16<br />

24/6, 21:30h<br />

Cine-Teatro António<br />

Pinheiro<br />

R. Guilherme Gomes Fernan<strong>de</strong>s, 5 - Tavira<br />

Greenberg<br />

De Noam Baumbach, 2010, M/16<br />

20/6, 21:30h<br />

Líbano<br />

De Samuel Maoz, 2009, M/16<br />

24/6, 21:30h<br />

Tea Teatro Virgínia<br />

Largo JJosé<br />

Lopes <strong>dos</strong> Santos – Torres Novas<br />

35 Shots <strong>de</strong> Rum<br />

De Claire Denis, 2008, M/12<br />

23/6, 21:30h<br />

Cinema Ver<strong>de</strong><br />

Viana<br />

Praça 1º <strong>de</strong> Maio, Centro Comercial -<br />

Viana do Castelo<br />

Como Desenhar Um<br />

Círculo Perfeito<br />

De Marco Martins, 2009,<br />

M/16<br />

24/6, 24 21.45h<br />

“Shutter Teatro Te <strong>Municipal</strong><br />

Island”<br />

dAv.<br />

<strong>de</strong> Scorsese <strong>de</strong> Vila do Con<strong>de</strong><br />

Av. João Canavarro - Vila do Con<strong>de</strong><br />

em Vila<br />

Shutter S Island<br />

do Con<strong>de</strong> De D Martin Scorsese, 2010,<br />

M/16 M<br />

20/6, 2 21:45h<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Projec to<br />

para ultrapassar a mediania, mas<br />

quem gostar <strong>de</strong> melodrama, apesar<br />

<strong>de</strong> tudo, faz bem em arriscar a<br />

experiência, por muito que os<br />

contornos <strong>de</strong> “ficção científica”<br />

reduzam a emoção e os sentimentos<br />

exacerba<strong>dos</strong>. A produção é<br />

escorreita, a realização eficaz e sem<br />

excessivos efeitos, mas carece do<br />

elemento essencial para cumprir a<br />

sua função “nostálgica”, uma estrela<br />

com carisma – cita um filme com<br />

Bette Davis, mas faz lembrar “A Guy<br />

Named Joe” que Spielberg revisitou,<br />

já sem “estrelas”, em “Sempre”. Já<br />

não há Jennifer Jones, nem Gene<br />

Tierney, nem Irene Dunne e fazem<br />

muita falta para “veículos” como<br />

este. M.J.T.<br />

Muitos Dias Tem o Mês<br />

De Margarida Leitão. M/12<br />

Mnnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 1: 5ª<br />

Domingo 3ª 4ª 13h45, 15h30, 17h15, 19h, 21h45 6ª<br />

Sábado 13h45, 15h30, 17h15, 19h, 21h45, 23h50 2ª<br />

13h45, 15h30, 17h15, 19h;<br />

O excesso <strong>de</strong> endividamento, os<br />

orçamentos domésticos que não<br />

chegam para o mês (“alguns têm<br />

quarenta dias”, ouve-se no filme): a<br />

“Muitos Dias tem o Mês” não faltam<br />

nem pertinência nem uma relação<br />

forte com o dia-a-dia<br />

contemporâneo <strong>de</strong> boa parte da<br />

população portuguesa, e é<br />

certamente um documento sério<br />

sobre estes difíceis tempos em que<br />

do “dinheiro barato” ficou apenas<br />

uma dolorosa ressaca. O que o limita<br />

<strong>de</strong>cisivamente é o facto <strong>de</strong> não<br />

encontrar uma maneira produtiva<br />

<strong>de</strong> se relacionar com os testemunhos<br />

orais que recolhe, remetendo as<br />

imagens (e com excepção <strong>de</strong> poucos<br />

momentos) para uma função <strong>de</strong><br />

bengala ilustrativa, sem necessida<strong>de</strong><br />

intrínseca, simples suporte do “off”<br />

sonoro sem verda<strong>de</strong>iramente se<br />

relacionar com ele. L.M.O.<br />

Polícia Sem Lei<br />

The Bad Lieutenant: Port of Call<br />

- New Orleans<br />

De Werner Herzog,<br />

com Nicolas Cage, Eva Men<strong>de</strong>s, Val<br />

Kilmer. M/16<br />

MMMnn<br />

Angelina Jolie vai<br />

protagonizar um fi lme<br />

sobre a rainha do Nilo,<br />

adaptação da biografi a<br />

“Cleopatra: A Life”, <strong>de</strong><br />

Stacy Schiff , que será<br />

publicada no Outono.<br />

“O fi lme está a ser<br />

<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Beloura Shopping: Sala 1: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h35, 00h05; Me<strong>de</strong>ia<br />

Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 8: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h40,<br />

24h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 1: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h35, 21h45, 00h20<br />

Domingo 11h30, 14h, 16h35, 21h45, 00h20; ZON<br />

Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 18h20, 21h10, 24h;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 9: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 14h, 16h40, 19h25, 22h05, 00h45 3ª 4ª 16h40,<br />

19h25, 22h05, 00h45; ZON Lusomundo Fórum<br />

Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h55,18h50,<br />

21h45 6ª Sábado 13h, 15h55,18h50, 21h45, 00h40;<br />

O filme <strong>de</strong> Herzog não precisa <strong>de</strong><br />

comparações com o homónimo <strong>de</strong><br />

Abel Ferrara (“remake” ou não,<br />

interessa pouco) para fazer todo o<br />

“Polícia sem Lei”<br />

<strong>de</strong>senvolvido para<br />

Jolie”, confi rmou<br />

ao “Guardian” um<br />

porta-voz do produtor<br />

Scott Rudin. Há a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brad<br />

Pitt ser Mark Antony.<br />

Ecos do “Cleopatra”,<br />

sentido: há um outro tipo <strong>de</strong><br />

transcendência, uma redução da<br />

tragédia às leis <strong>de</strong> um acaso jogado<br />

com a costumeira noção <strong>de</strong> excesso<br />

visual, ainda que controlado.<br />

Po<strong>de</strong>mos até embirrar com o estilo<br />

<strong>de</strong> Herzog, pouco previsível para<br />

repegar nas profun<strong>de</strong>zas do “film<br />

noir”, mas como paródia (num<br />

sentido sério do termo) acaba por<br />

funcionar, não sem que sintamos um<br />

certo vazio in<strong>de</strong>finível <strong>de</strong> exercício<br />

sem re<strong>de</strong>. Subverter é um <strong>dos</strong><br />

prazeres do cineasta e como<br />

subversão o prazer das<br />

imagens acaba por triunfar do<br />

aleatório. M.J.T.<br />

Vencer<br />

Vincere<br />

De Marco Bellocchio,<br />

com Filippo Timi, Giovanna<br />

Mezzogiorno, Michela Cescon, Fausto<br />

Russo Alesi. M/12<br />

MMnnn<br />

<strong>de</strong> d Mankiewicz,<br />

que serviu<br />

<strong>de</strong> projecção<br />

pública para<br />

os amores <strong>de</strong><br />

Eli Elizabeth Taylor e<br />

Richard Ri Burton?<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h, 00h30;<br />

Marco Bellocchio é um sobrevivente<br />

do cinema italiano <strong>de</strong> autor e isso<br />

nota-se no modo como inicia esta<br />

ficção histórica, com uma <strong>de</strong>finição<br />

segura das personagens e com bom<br />

cruzamento entre a narrativa que<br />

constrói e as imagens <strong>de</strong> arquivo que<br />

instrumentaliza – a fazer recordar<br />

outros tempos <strong>de</strong> militância. O que<br />

limita, então, esta estranha história,<br />

baseada em factos verídicos, vindo a<br />

lume há pouco tempo sobre o<br />

primogénito <strong>de</strong> Mussollini e a mãe,<br />

Ida Dalser? “Vencer” começa<br />

Seja responsável. Beba com mo<strong>de</strong>ração. www.jameson.pt<br />

.<br />

Para quem leva o riso bem a sério e se aplica<br />

na boa disposição, a Jameson preparou um<br />

conjunto <strong>de</strong> festas verda<strong>de</strong>iramente divertidas.<br />

Entre num caso sério <strong>de</strong> gosto pela vida.<br />

Há poucas oportunida<strong>de</strong>s assim.<br />

Easygoing Irish.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 53


54 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Cinema<br />

bem, com uma espécie <strong>de</strong> histeria<br />

visual em que Bellocchio sempre foi<br />

mestre, mas acaba por per<strong>de</strong>r-se em<br />

episódios repetitivos, <strong>de</strong> manicómio<br />

em manicómio, num estilo <strong>de</strong><br />

reportagem melodramática que<br />

cansa à força <strong>de</strong> quer funcionar em<br />

vários registos simultâneos,<br />

inclusive o operático que lhe não vai<br />

a capricho. A fotografia soturna<br />

também não ajuda a fazer “voar” a<br />

loucura. Dito isto, Giovanna<br />

Mezzogiorno e Filippo Timi valem o<br />

filme. M. J.T.<br />

Sexo e a Cida<strong>de</strong> 2<br />

Sex and the City 2<br />

De Michael Patrick King,<br />

com Sarah Jessica Parker, Kristin<br />

Davis, Cynthia Nixon, Kim Cattrall.<br />

M/16<br />

a<br />

<strong>Lisboa</strong>: Atlântida-Cine: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª<br />

15h30, 21h45 Sábado Domingo 15h30, 18h15,<br />

21h45; Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª 2ª<br />

3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20 6ª 15h20, 18h20, 21h20,<br />

00h20 Sábado 12h30, 15h20, 18h20, 21h20, 00h20<br />

Domingo 12h30, 15h20, 18h20, 21h20; Castello Lopes<br />

- Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h,<br />

18h45, 21h30 6ª Sábado 13h15, 16h, 18h45, 21h30,<br />

00h15; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 7: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30,<br />

18h20, 21h15, 00h10; CinemaCity Alegro<br />

Alfragi<strong>de</strong>: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h30, 16h30, 21h30, 00h25; CinemaCity Beloura<br />

Shopping: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h30, 16h25, 21h20, 00h15; CinemaCity Campo<br />

Pequeno Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 2: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h30, 21h30,<br />

00h25; CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª<br />

Domingo 3ª 4ª 13h35, 16h30, 21h30 6ª Sábado<br />

13h35, 16h30, 21h30, 00h20 2ª 13h35, 16h30; Me<strong>de</strong>ia<br />

Fonte Nova: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 14h45, 18h15, 21h30; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 4<br />

- Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h15, 16h, 18h45, 21h30, 00h15; Me<strong>de</strong>ia Saldanha<br />

Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h45, 16h30, 19h15, 22h; UCI Cinemas - El Corte<br />

Inglés: Sala 9: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h, 18h15, 21h30,<br />

00h25 Sábado 15h, 18h15, 21h30 Domingo 11h30,<br />

15h, 18h15, 21h30, 00h25; UCI Dolce Vita Tejo: Sala<br />

11: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h10, 18h15, 21h15 6ª<br />

Sábado 15h10, 18h15, 21h15, 00h20; ZON<br />

Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h40, 16h50, 21h20, 00h20; ZON<br />

Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 14h, 17h30, 21h, 24h; ZON Lusomundo<br />

CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

12h40, 16h30, 21h20, 00h20; ZON Lusomundo<br />

Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40,<br />

17h30, 21h05, 00h15; ZON Lusomundo Dolce Vita<br />

Miraflores: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20,<br />

21h20 6ª Sábado 15h20, 18h20, 21h20, 00h20; ZON<br />

Lusomundo Odivelas Parque: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h,<br />

18h20, 21h30 6ª 17h, 21h, 24h Sábado 13h30, 17h,<br />

21h, 24h Domingo 13h30, 17h, 21h; ZON Lusomundo<br />

Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

14h, 17h30, 20h55, 00h10; ZON Lusomundo Torres<br />

Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50,<br />

17h30, 21h, 00h15; ZON Lusomundo Vasco da Gama:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h30,<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

21h10, 00h15; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 2:<br />

5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h20 6ª 15h30, 18h20,<br />

21h20, 00h20 Sábado 12h40, 15h30, 18h20, 21h20,<br />

00h20 Domingo 12h40, 15h30, 18h20,<br />

21h20; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala 3: 5ª<br />

2ª 3ª 4ª 15h15, 18h10, 21h10 6ª 15h15, 18h10, 21h10,<br />

24h Sábado 12h20, 15h15, 18h10, 21h10, 24h<br />

Domingo 12h20, 15h15, 18h10, 21h10; Castello Lopes<br />

- Rio Sul Shopping: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h30,<br />

18h30, 21h30, 00h30 Sábado Domingo 12h35,<br />

15h30, 18h30, 21h30, 00h30; UCI Freeport: Sala 1:<br />

5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 18h10, 21h15 6ª<br />

Sábado 15h15, 18h10, 21h15, 00h10; ZON Lusomundo<br />

Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

12h50, 16h30, 21h, 00h10; ZON Lusomundo Fórum<br />

Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20,<br />

17h, 21h10, 00h10;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 18h20, 21h40,<br />

00h40; Cinemax - Penafiel: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª<br />

15h30, 21h35 6ª 15h30, 21h35, 00h20 Sábado 15h,<br />

17h40, 21h35, 00h20 Domingo 15h, 17h40,<br />

21h35; Nun`Álvares: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 14h, 16h45, 19h30, 22h15; Vivacine -<br />

Maia: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

14h, 17h, 20h50, 24h; ZON Lusomundo Dolce Vita<br />

Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h25,<br />

17h30, 21h10, 00h20; ZON Lusomundo Ferrara<br />

Plaza: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h15, 21h10 6ª<br />

Sábado 15h20, 18h15, 21h10, 00h10; ZON<br />

Lusomundo GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h40, 16h50, 21h10 6ª Sábado 13h40, 16h50, 21h10,<br />

00h15; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 17h15, 21h 6ª Sábado<br />

13h50, 17h15, 21h, 00h20; ZON Lusomundo<br />

Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

14h10, 17h30, 21h40, 00h40; ZON Lusomundo<br />

NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

14h50, 18h, 21h20, 00h30; ZON Lusomundo Parque<br />

Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50,<br />

17h10, 21h30, 00h35; Castello Lopes - 8ª<br />

Avenida: Sala 3: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h35, 18h30, 21h25<br />

6ª 15h35, 18h30, 21h25, 00h20 Sábado 12h40,<br />

15h35, 18h30, 21h25, 00h20 Domingo 12h40, 15h35,<br />

18h30, 21h25; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h50, 21h10 6ª Sábado<br />

14h30, 17h50, 21h10, 00h30; ZON Lusomundo<br />

Glicínias: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20,<br />

17h30, 21h30, 00h35;<br />

Qualquer semelhança <strong>de</strong>stas<br />

intermináveis duas horas e meia<br />

com cinema (ou sequer com a<br />

comédia clássica que invoca, qual<br />

sacrilégio, em excertos <strong>de</strong> “Uma<br />

Noite Aconteceu”, 1934, Frank<br />

Capra, e “O Assunto do Dia”, 1942,<br />

George Stevens) é puro acaso.<br />

Chamar “filme” a “Sexo e a Cida<strong>de</strong><br />

2” é uma conveniência <strong>de</strong><br />

formulação, porque o que aqui se vê<br />

não passa <strong>de</strong> um episódio da série (e<br />

um episódio <strong>de</strong>sinspirado) esticado<br />

para lá do ponto <strong>de</strong> saturação. Não<br />

é, atenção, que não haja o gague<br />

pontual com piada (quase sempre<br />

<strong>de</strong>vido à ninfomaníaca Samantha <strong>de</strong><br />

Kim Cattrall), nem que haja alguma<br />

coisa <strong>de</strong> mal em querer fornecer<br />

uma noite <strong>de</strong> entretenimento<br />

<strong>de</strong>scomprometido. O problema é<br />

que “Sexo e a Cida<strong>de</strong> 2” acha<br />

preguiçosamente que basta fazer<br />

mais do mesmo em maior para se ter<br />

um filme (havia uma razão pela qual<br />

a série se limitava a meia-hora<br />

semanal). Não há aqui uma única<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> cinema: tudo é televisão no<br />

gran<strong>de</strong> écrã, e televisão mal feita,<br />

on<strong>de</strong> até a viagem ao Abu Dhabi que<br />

serve <strong>de</strong> pano <strong>de</strong> fundo à história é<br />

filmada como um qualquer exterior<br />

<strong>de</strong> fancaria. A única justificação para<br />

a existência <strong>de</strong>ste objecto é a<br />

batelada <strong>de</strong> dinheiro que o primeiro<br />

filme ren<strong>de</strong>u e a batelada que este<br />

também vai ren<strong>de</strong>r – e isso chateava<br />

menos se houvesse aqui nem que<br />

fosse um grama <strong>de</strong> cinema. Pior<br />

filme do ano, até agora. J. M.<br />

“Sexo e a Cida<strong>de</strong> 2”: tudo é televisão no gran<strong>de</strong> écrã<br />

Eu Sou o Amor<br />

Io Sono l’Amore<br />

De Luca Guadagnino,<br />

com Tilda Swinton, Flavio Parenti,<br />

Edoardo Gabbriellini. M/12<br />

Mnnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 2: 5ª 2ª<br />

3ª 4ª 15h40, 18h10, 21h10 6ª 15h40, 18h10, 21h10,<br />

00h05 Sábado 12h50, 15h40, 18h10, 21h10, 00h05<br />

Domingo 12h50, 15h40, 18h10, 21h10; UCI Cinemas<br />

- El Corte Inglés: Sala 13: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h45, 00h15 3ª 4ª 16h40,<br />

19h10, 21h45, 00h15;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 18: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 13h55, 16h40, 19h20, 22h, 00h45 3ª 4ª<br />

16h40, 19h20, 22h, 00h45;<br />

Esforçado “pastiche” <strong>de</strong> qualquer<br />

coisa que se imagina representar, na<br />

cabeça <strong>de</strong> Guadagnino, o “melodrama<br />

clássico”, aqui confundido com uma<br />

acumulação <strong>de</strong> sinais - aristocratas<br />

italianos, a mulher <strong>de</strong> meia ida<strong>de</strong><br />

revigorada pela paixão, a ópera<br />

(com citação do “Phila<strong>de</strong>lphia” <strong>de</strong><br />

Jonathan Demme!) – postos a<br />

funcionar como as campainhas do<br />

Sr. Pavlov. Kitschíssimo, e<br />

frequentemente intragável: que<br />

horrorosa é aquela “epifania com<br />

gambas”, por exemplo, e que<br />

enervantes aqueles planos com<br />

folhinhas e insectos a acompanhar o<br />

sexo entre a aristocrata e o<br />

cozinheiro (folhinhas e insectos que,<br />

quase <strong>de</strong> certeza, Guadagnino foi<br />

pilhar à “Lady Chatterley” <strong>de</strong><br />

Pascale Ferran, que por sua vez os<br />

tinha ido buscar a Renoir - mas “Eu<br />

Sou o Amor” é isto: citação <strong>de</strong><br />

citação). E da citação nem Hitchcock<br />

escapa, naquele apontamento<br />

“Vertigo em San Remo” (caracol<br />

capilar e tudo), tão a <strong>de</strong>spropósito<br />

que quase chegava a ter graça não<br />

fosse o estilo “clipesco” e<br />

publicitário daquilo (até se fica à<br />

espera <strong>de</strong> ver aparecer o “Martini<br />

man”). Mas a câmara <strong>de</strong> Guadagnino<br />

é quase sempre bastante irritante,<br />

género mexe e remexe só para não<br />

estar quieta (aqueles movimentos<br />

em frente tão curtos que parecem<br />

pulinhos), e o único “excesso” que<br />

há aqui é o ornamental, que seria<br />

interessante se fosse capaz <strong>de</strong> se<br />

tornar no centro do próprio filme,<br />

<strong>de</strong> se constituir em razão <strong>de</strong> ser <strong>de</strong><br />

alguma coisa digna <strong>de</strong> ver (isso era<br />

mais para um Schroeter, mas o<br />

segredo <strong>de</strong>ve ter ido para a cova com<br />

ele). À <strong>de</strong>smesura <strong>de</strong>smesura – “clássica”, clássica ,<br />

digamos mos – não se chega com<br />

fantasias sias borboleteantes<br />

mas pelo seu oposto:<br />

pelo físico, pela<br />

gravida<strong>de</strong>, da<strong>de</strong>, pelo<br />

movimento mento em rasgo<br />

que converte onverte a<br />

paixão ão em energia e a<br />

inscreve, eve, para assim o<br />

transfigurar, figurar, no espaço da<br />

banalida<strong>de</strong> lida<strong>de</strong> quotidiana. Ora<br />

À <strong>de</strong>smesura<br />

i<strong>de</strong> lá – por exemplo tão<br />

não se chega<br />

bom como qualquer outro -<br />

com fantasias<br />

perguntar untar ao Sr. Mur Oti borboleteantes<br />

por um m certo<br />

“travelling”.L.M.O.<br />

elling”.L.M.O.


s<br />

es<br />

Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 <strong>Lisboa</strong>. Tel. 213596200<br />

Sexta, 18<br />

Tempesta<strong>de</strong> Mortal<br />

The Mortal Storm<br />

De Frank Borzage<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Justiça <strong>de</strong> Jesse James<br />

Jesse James<br />

De Henry King<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Tempos Mo<strong>de</strong>rnos<br />

Mo<strong>de</strong>rn Times<br />

De Charles Chaplin<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Para Além do Paraíso<br />

Stranger Than Paradise<br />

De Jim Jarmusch<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

The Ring<br />

De Alfred Hitchcock<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Sábado, 19<br />

A Mulher do Gran<strong>de</strong> Senhor<br />

The Great Man’s Lady<br />

De William A. Wellman<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Phase IV<br />

De Saul Bass<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

A Boceta <strong>de</strong> Pandora<br />

Die Büchse <strong>de</strong>r Pandora<br />

De G. W. Pabst<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Contos da Lua Vaga<br />

Ugetsu Monogatari<br />

De Kenji Mizoguchi<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Comtesse Hachisch<br />

De Autor <strong>de</strong>sconhecido<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Segunda, 21<br />

Equilíbrio Instável<br />

A Delicate Balance<br />

De Tony Richardson<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Mulheres<br />

The Women<br />

De George Cukor<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Belarmino<br />

De Fernando Lopes<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Esta Noite<br />

Nuit <strong>de</strong> Chien<br />

De Werner Schroeter<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

O Campeão<br />

The Champ<br />

De King Vidor<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Terça, 22<br />

Hitler’s Madman<br />

De Douglas Sirk<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Luzes da Cida<strong>de</strong> + Soigne Ton<br />

Gauche<br />

City Lights<br />

De Charles Chaplin<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Eduardo Mãos <strong>de</strong> Tesoura<br />

Edward Scissorhands<br />

De Tim Burton<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

A Incrível Verda<strong>de</strong><br />

The Unbelievable Truth<br />

De Hal Hartley<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Esta Noite<br />

Nuit <strong>de</strong> Chien<br />

De Werner Schroeter<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Quarta, 23<br />

A Última Ameaça<br />

Deadline U.S.A.<br />

De Richard Brooks<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

O Ídolo do Público<br />

Gentleman Jim<br />

De Raoul Walsh<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Family Viewing<br />

De Atom Egoyan<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

O Milagre Segundo Salomé<br />

De Mário Barroso<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Bobby Cassidy, Counterpuncher<br />

+ After The Fight<br />

Bobby Cassidy: Counterpuncher<br />

De Bruno <strong>de</strong> Almeida.<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Quinta, 24<br />

A Conquista da Felicida<strong>de</strong><br />

The Good Fary<br />

De William Wyler<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Corpo e Alma<br />

Body and Soul<br />

De Robert Rossen<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Os Viajantes da Noite<br />

Subway Ri<strong>de</strong>rs<br />

De Amos Poe<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Música, Moçambique!<br />

De José Fonseca e Costa.<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

O Ídolo do Público<br />

Gentleman Jim<br />

De Raoul Walsh<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 55


Concertos<br />

Histórica, imperdível,<br />

a Orchestra Baobab é um nome<br />

fundamental da música <strong>de</strong> toda<br />

a África Oci<strong>de</strong>ntal<br />

56 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Filmeconcerto<br />

Pop<br />

O Mediterrâneo<br />

é um<br />

mundo<br />

Orchestra Baobab, Femi Kuti<br />

e King Khan no Festival MED,<br />

em Loulé. Mário Lopes<br />

Festival MED 2010<br />

A Orquestra<br />

Gulbenkian<br />

encarregase<br />

esta noite<br />

da abertura<br />

do programa<br />

“Próximo Futuro” ro”<br />

numa sessão em m<br />

que interpretará, rá,<br />

ao vivo, uma banda anda<br />

sonora composta ta<br />

em 1995 pelo argentino<br />

Dia 23<br />

Com Femi Kuti & The Positive Force<br />

+ Amparo Sanchéz + Vieux Farka<br />

Touré + Zeca Me<strong>de</strong>iros + Macacos do<br />

Chinês<br />

Dia 24<br />

Com King Khan & The Shrines +<br />

Goran Bregovic & His Wedding and<br />

Funeral Band + Cacique’97 +<br />

Mazgani + An<strong>de</strong>rson Molière<br />

Dia 25<br />

Com Orchestra Baobab + Galandum<br />

Galundaina + 3 Pianos + Anaquim +<br />

The Legendary Tigerman + +<br />

Watcha Clan + Step_Line Project<br />

Dia 26<br />

Com Femi Kuti + René Aubry +<br />

Mercan De<strong>de</strong> & The Secret Tribe +<br />

Diabo na Cruz + Virgem Suta +<br />

Orelha Negra + Boom Pam<br />

Loulé. Centro Histórico. De 23/06 a 26/06. 4ª a Sáb.<br />

a partir das 20h30. Tel.: 91802810. 12,5€ (dia) a<br />

60,5€ (bilhete Premium). Na Nave Central.<br />

Cistermúsica - XVII Festival <strong>de</strong> Música <strong>de</strong> Alcobaça.<br />

Informações: 262580843.<br />

Loulé tem oficialmente 12 mil<br />

habitantes. O número, porém, é<br />

variável. Isso porque há pelo menos<br />

uma altura do ano em que a<br />

população se multiplica. Não é só o<br />

Verão, é a música que o Verão traz. É,<br />

concretizando, o Festival Med, que<br />

cumpre este ano a sua sétima edição.<br />

I<strong>de</strong>alizado como celebração das<br />

músicas e culturas mediterrâneas, o<br />

Med instala-se na zona histórica da<br />

Martín Ma Mart rtín<br />

Matalon para<br />

“Metrópolis” (1927) (1927), um<br />

<strong>dos</strong> fi lmes mais marcantes<br />

cida<strong>de</strong> algarvia e, durante quatro<br />

dias, oferece ao público um “melting<br />

pot” <strong>de</strong> world music que ecoa <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

o castelo em volume recomendável<br />

– ou seja, volume alto, que dançar é<br />

necessário.<br />

A edição 2010, com início marcado<br />

para quarta-feira, dia 23, promete ser<br />

uma das mais interessantes da sua<br />

história. Porque o Mediterrâneo não<br />

será apenas as fronteiras que o<br />

<strong>de</strong>limitam, antes um ponto <strong>de</strong><br />

partida e chegada para todo o<br />

mundo. Músicas do mundo, neste<br />

contexto, terão significado literal.<br />

Quarta-feira chegam dois filhos <strong>de</strong><br />

reis que já garantiram o seu espaço<br />

criativo para além do apelido. No<br />

palco Matriz (que, com o palco Cerca<br />

e o palco Castelo, forma o conjunto<br />

<strong>de</strong> palcos principais), actua Femi<br />

Kuti, filho mais velho <strong>de</strong> Fela Kuti<br />

que aprofundou o jazz que existia no<br />

afro-beat fundador do pai e abraçou<br />

outras linguagens, como o hip hop.<br />

Na Cerca, por sua vez, estará Vieux<br />

Farka Touré, filho <strong>de</strong> Ali Farka Touré<br />

que, sob a imensa sombra do pai,<br />

guitarrista que revelou ao mundo<br />

toda a riqueza da música maliana (e<br />

ao blues a sua fonte mais generosa),<br />

escolheu trilhar o seu próprio<br />

caminho, procurando a<br />

mo<strong>de</strong>rnização possível no funk e no<br />

rock.<br />

Quarta-feira será também dia <strong>de</strong><br />

cruzamentos musicais, os da<br />

espanhola Amparo Sanchéz, exvocalista<br />

<strong>dos</strong> Amparanoia que,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> quase duas décadas <strong>de</strong><br />

“son mestizo”, se estreou a solo com<br />

“Tucson – Habana”, álbum dividido,<br />

como o nome indica, entre Cuba e<br />

os Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> <strong>de</strong> fronteira (com<br />

os Calexico como banda suporte).<br />

No arranque, <strong>de</strong>staque também para<br />

a imponência da voz do açoriano<br />

Zeca Me<strong>de</strong>iros, mestre contador <strong>de</strong><br />

histórias em formato canção que o<br />

país se <strong>de</strong>veria obrigar a conhecer<br />

melhor. Mas isto é apenas o início.<br />

Entre 23 e 26 <strong>de</strong> Junho, veremos<br />

da história e da<br />

iconografi ico a do cinema<br />

mudo. m Será o próprio<br />

MMatalon<br />

a dirigir a<br />

OOrquestra<br />

neste fi lmeconcerto<br />

c que terá<br />

lugar no Anfi teatro<br />

Ao Ar Livre da<br />

Fundação Fund Calouste<br />

Gulbenkian, Gulb a partir das<br />

22h. 22h<br />

Os bilhetes custam<br />

<strong>de</strong>z euros.<br />

uma histórica banda senegalesa, a<br />

imperdível Orchestra Baobab, nome<br />

fundamental da música africana das<br />

décadas <strong>de</strong> 1970 e 1980 e um <strong>dos</strong><br />

gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>staques do festival (dia<br />

25), e um canadiano <strong>de</strong> ascendência<br />

indiana que toca garage-rock<br />

<strong>de</strong>liciosamente tresloucado, King<br />

Khan (toca com os seus Shrines dia<br />

24). Teremos franceses que fun<strong>de</strong>m<br />

cultura urbana, eléctrica, com<br />

música magrebina (Watcha Clan, a<br />

25) e as gaitas e polifonias miran<strong>de</strong>sas<br />

<strong>dos</strong> magníficos Galandum<br />

Galundaina (dia 25). Haverá fanfarra<br />

balcânica com Goran Bregovic & His<br />

Wedding and Funeral Band (dia 24),<br />

um trio israelita, Boom Pam , a fazer<br />

do surf-rock a mais festiva linguagem<br />

do Médio Oriente (dia 26) e a<br />

multifacetada presença da<br />

actualida<strong>de</strong> musical portuguesa,<br />

representada por Cacique’97 ou<br />

Mazgani (dia 24), Legendary Tiger<br />

Man, Anaquim ou os 3 Pianos <strong>de</strong><br />

Bernardo Sassetti, Mário Laginha e<br />

Pedro Burmester (25), Diabo Na Cruz,<br />

Orelha Negra e Virgem Suta (26).<br />

Teremos a música, chamariz<br />

principal, a suscitar reencontros e<br />

<strong>de</strong>scobertas. Uma exposição do<br />

artista plástico José <strong>de</strong> Guimarães,<br />

“Negreiros e Guaranis I”. E a<br />

gastronomia mediterrânica para<br />

recuperar energias. Quatro dias e<br />

uma cida<strong>de</strong> ocupada sem<br />

resistência.<br />

Três<br />

discretos<br />

gigantes<br />

Richard Youngs, David<br />

Maranha e Manuel Mota<br />

juntos pela primeira vez em<br />

<strong>Lisboa</strong>. Pedro Rios<br />

David Maranha + Manuel Mota +<br />

Richard Youngs<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos - Sala<br />

Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. 2ª, 21, às<br />

22h. Tel.: 218438801. 5€ a 12€.<br />

Festival Silêncio! 2010 - <strong>Lisboa</strong><br />

Capital da Palavra.<br />

Não sabemos o que vai acontecer no<br />

palco do Teatro Maria Matos, em<br />

<strong>Lisboa</strong>, na próxima segunda-feira.<br />

Não po<strong>de</strong>mos saber: é a primeira vez<br />

que o britânico Richard Youngs e os<br />

portugueses David Maranha e Manuel<br />

Mota se juntam. Maranha (órgão) e<br />

Mota (guitarra) trabalham juntos<br />

regularmente (nomeadamente nos<br />

Osso Exótico e Curia), mas sempre<br />

em formato instrumental, pelo que o<br />

encontro com Youngs, um brilhante<br />

artífice da voz, é um <strong>de</strong>safio. O<br />

acontecimento <strong>de</strong> segunda-feira,<br />

inserido no Festival Silêncio, põe fim<br />

a longos meses <strong>de</strong> ensaios à<br />

distância. É uma verda<strong>de</strong>ira<br />

formação <strong>de</strong> luxo, uma reunião <strong>de</strong><br />

Richard Youngs vai cantar<br />

em cima da guitarra<br />

<strong>de</strong> Manuel Mota e do órgão<br />

<strong>de</strong> David Maranha<br />

três personagens fundamentais da<br />

música aventureira actual.<br />

Des<strong>de</strong> os anos 90, Richard Youngs<br />

(bibliotecário durante o dia, discreto<br />

músico genial à noite) tem-se<br />

<strong>de</strong>sdobrado em discos (vai a caminho<br />

do centésimo) e linguagens - da folk<br />

ao minimalismo, com paragens pelo<br />

rock mais afiado ou mesmo pela pop<br />

(como no brilhante “Beyond The<br />

Valley Of Ultrahits”, que será<br />

reeditado em Julho). Nos últimos<br />

tempos, tem-se focado na sua própria<br />

voz, sem acompanhamento ou com<br />

instrumentação repetitiva, num<br />

<strong>de</strong>puramento progressivo <strong>de</strong> formas.<br />

Através <strong>dos</strong> anos, chegou a um som<br />

que é tão doce e acessível quanto<br />

austero e exigente – chega sempre à<br />

beleza pelo trajecto menos óbvio.<br />

David Maranha e Manuel Mota são<br />

dois <strong>dos</strong> mais distintos praticantes<br />

da experimentação portuguesa. Nos<br />

últimos discos a solo, Maranha<br />

entrega-se a estruturas circulares,<br />

<strong>de</strong>vedoras <strong>dos</strong> Velvet Un<strong>de</strong>rground<br />

em modo expansivo e da<br />

colaboração <strong>de</strong> Tony Conrad com os<br />

Faust. Já Manuel Mota é um<br />

guitarrista difícil <strong>de</strong> situar. Esparsa,<br />

quase pontilhada, a música que faz à<br />

guitarra está algures entre os blues e<br />

a improvisação não idiomática <strong>de</strong><br />

um Derek Bailey.<br />

A cartola está<br />

<strong>de</strong> volta<br />

Slash<br />

Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137. 3ª, 22, às 22h.<br />

Tel.: 223394947. 29€ a 34€.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Coliseu. R. Portas St. Antão, 96. 4ª, 23, às<br />

21h. Tel.: 213240580. 29€ a 34€.<br />

Cartola, guitarra em riste, caracóis a<br />

cobrir o rosto, rock ‘n’ roll por to<strong>dos</strong><br />

os poros: Slash, verda<strong>de</strong>iro “guitar<br />

hero”. É certo o que Slash nunca se foi<br />

realmente embora. mbora. De DDepois pois <strong>de</strong> se<br />

fartar <strong>de</strong> vez <strong>dos</strong> amuos<br />

<strong>de</strong> Axl Rose, ouvimo-lo ouv u imo-lo<br />

nos Slash’s Snakepit nakepit e<br />

vimo-lo formar ar um<br />

supergrupo, os<br />

pouco super Velvet<br />

Revolver, com m os<br />

ex-Guns N’Roses oses<br />

Duff McKagan n e<br />

Matt Sorum e o ex- ex-<br />

Stone Temple e Pilots<br />

Scott Weiland. d. Nada a<br />

disso, porém, , serviu serv r iu<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> estímulo. tímulo l .<br />

Porque quem m o viu<br />

sair daquela igreja<br />

Sim, está vivo:<br />

no meio do <strong>de</strong>serto eserto Slash, e a sua<br />

para atacar aquele quele inseparável guitarra,<br />

que é, ainda hoje,<br />

em carne e osso,<br />

o solo na pradaria daria ia nos Coliseus<br />

para acabar com<br />

m<br />

to<strong>dos</strong> os solos s na<br />

a<br />

pradaria, como mo<br />

no ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong><br />

“November<br />

Rain”, não se<br />

contenta com m<br />

pouco.


a,<br />

Figura imprescindível <strong>dos</strong> Guns<br />

N’Roses e, consequentemente, da<br />

década <strong>de</strong> 90, Slash foi<br />

provavelmente o último elo numa<br />

ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>de</strong>uses da guitarra on<strong>de</strong><br />

encontramos Jeff Beck, o Eric<br />

Clapton <strong>dos</strong> Cream, Jimmy Page ou o<br />

controverso Ted Nugent. Nos Guns<br />

N’Roses, os “bad boys” <strong>de</strong> Los<br />

Angeles, a banda <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os<br />

excessos e megalomanias que<br />

cruzou pompa hard-rock com<br />

agressivida<strong>de</strong> punk para conquistar<br />

os estádios do mundo inteiro, Slash<br />

tornou-se personagem reverenciada<br />

em escolas secundárias “all over” e<br />

um músico respeitado pela postura<br />

íntegra (para os padrões rock’n’roll,<br />

claro está) e pelo talento na<br />

pirotecnia em seis cordas.<br />

Agora que finalmente se assumiu<br />

como músico a solo, o mundo<br />

rejubila. O álbum homónimo é uma<br />

salgalhada, firmemente ancorada no<br />

rock <strong>dos</strong> anos 90, on<strong>de</strong> convivem as<br />

vozes <strong>de</strong> Ozzy Osbourne, Kid Rock,<br />

Lemmy Kilminster, Ian Astubury ou,<br />

vá-se lá saber porquê, Fergie <strong>dos</strong><br />

Black Eyed Peas (ou seja, será apenas<br />

cem vezes melhor do que o patético<br />

“Chinese Democracy”, editado há<br />

um par <strong>de</strong> anos por Axl Rose). Longe<br />

<strong>de</strong> consensual, “Slash” terá como<br />

principal virtu<strong>de</strong> para os fãs ter posto<br />

Slash <strong>de</strong> volta à estrada. Ei-lo que<br />

chega então.<br />

Dia 22 <strong>de</strong> Junho, no Coliseu do<br />

Porto, e dia 23 no <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. Com ele<br />

em palco, ouvir-se-ão canções <strong>de</strong> to<strong>dos</strong><br />

os momentos da sua carreira. De<br />

to<strong>dos</strong>? Quer isso dizer que... Isso<br />

mesmo, o alinhamento não é só o<br />

álbum a solo, os Snakepit e os Velvet<br />

Revolver. “Paradise city”, “Sweet child<br />

o’ mine”, “Civil war” ou “Nightrain”.<br />

Todas elas foram já ouvidas no<br />

<strong>de</strong>correr da digressão. Portanto, é caso<br />

para o fã assistir ao concerto e<br />

compará-lo mais tar<strong>de</strong>, a 6 Outubro,<br />

com aquele que os Guns N’Roses <strong>de</strong><br />

Axl levarão ao Pavilhão Atlântico. M.L.<br />

Clássica<br />

Elegância<br />

francesa<br />

Pianista <strong>de</strong> rara inteligência,<br />

Alexandre Tharaud<br />

apresenta no Festival<br />

<strong>de</strong> Sintra um programa<br />

<strong>de</strong>dicado a Schubert<br />

e Chopin. Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s<br />

Alexandre Tharaud<br />

Sintra. Palácio Nacional (Palácio da Vila). Lg. da<br />

Rainha Dona Amélia. 4ª, 23, às 21h30. Tel.:<br />

219106840. 20€.<br />

Festival <strong>de</strong> Sintra 2010. Obras <strong>de</strong><br />

Schubert e Chopin.<br />

A carreira do pianista Alexandre<br />

Agenda<br />

Sexta 18<br />

The Ruby Suns<br />

<strong>Lisboa</strong>. LX Factory. R. Rodrigues Faria, 103, às 23h.<br />

Tel.: 213143399. 10€.<br />

Sebastian 23 + Social Smokers<br />

<strong>Lisboa</strong>. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do<br />

Sodré, às 23h30. Tel.: 213430107. 8.<br />

Festival Silêncio! 2010.<br />

Deolinda<br />

Braga. Theatro Circo - Sala Principal. Av.<br />

Liberda<strong>de</strong>, 697, às 22h. Tel.: 253203800. 15€.<br />

Black Bombaim + Alto!<br />

Black Bombaim<br />

<strong>Lisboa</strong>. Café Teatro Santiago Alquimista. R.<br />

Santiago, 19, às 23h. Tel.: 218884503. 6€.<br />

Diabo Na Cruz<br />

Ovar. Centro <strong>de</strong> Arte <strong>de</strong> Ovar. R. Arquitecto<br />

Januário Godinho, às 22h. Tel.: 256585451. 4€.<br />

Norberto Lobo<br />

Portimão. Teatro <strong>Municipal</strong>. Lg. 1.º <strong>de</strong> Dezembro,<br />

às 22h. Tel.: 282402475. Entrada gratuita.<br />

Mazgani<br />

Alcochete. Fórum Cultural <strong>de</strong> Alcochete. Estrada<br />

<strong>Municipal</strong> 501, às 22h. Tel.: 212349640. 8€.<br />

Foge Foge Bandido<br />

Palmela. Cine-Teatro S. João. R. Gago Coutinho -<br />

Sacadura Cabral, às 21h30. Tel.: 212338520. 10€.<br />

Divino Sospiro<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Enrico Onofri.<br />

<strong>Lisboa</strong>. CCB - Pequeno Auditório. Pç. do Império, às<br />

21h. Tel.: 213612400. 12€ (concerto) a 30€ (passe).<br />

Ciclo De Bach a Kurtág.<br />

Rhys Chatham + Nina Canal +<br />

Nadia Lichtig + David Watson<br />

Porto. Culturgest. Av. <strong>dos</strong> Alia<strong>dos</strong>, 104 - Ed. da CGD,<br />

às 22h. Tel.: 222098116. 5€.<br />

Cornelius Car<strong>de</strong>w e a Liberda<strong>de</strong> da<br />

Escuta.<br />

Sábado 19<br />

Carta Branca a Fausto Bordalo<br />

Dias<br />

<strong>Lisboa</strong>. CCB - Gran<strong>de</strong> Auditório. Pç. do Império, às<br />

21h. Tel.: 213612400. 5€ a 25€.<br />

Ver texto na pág. 24.<br />

Feromona<br />

Porto. Plano B. R. Cândido <strong>dos</strong> Reis, 30, às 23h.<br />

Tel.: 222012500.<br />

Ver texto na pág. 22.<br />

Enrico Onofri<br />

dirige o Divino<br />

Sospiro no CCB<br />

Mário Laginha Trio<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz - Sala Principal.<br />

R. Antº Maria Car<strong>dos</strong>o, 38-58, às 21h. Tel.:<br />

213257650. 10€ a 20€.<br />

Festival Chopin.<br />

Jorge Moyano<br />

Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />

<strong>de</strong> Albuquerque, às 21h. Tel.: 220120220. 15€.<br />

Ciclo Piano EDP - Áustria 2010.<br />

Imaginarium Ensemble e<br />

Orquestra <strong>de</strong> Câmara Portuguesa<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Pedro Carneiro,<br />

Enrico Onofri.<br />

<strong>Lisboa</strong>. CCB - Pequeno Auditório. Pç. do Império, às<br />

18h30 e 21h. Tel.: 213612400. 12€ (concerto) a 30€<br />

(passe).<br />

Ciclo De Bach a Kurtág.<br />

John Tilbury<br />

Porto. Culturgest. Av. <strong>dos</strong> Alia<strong>dos</strong>, 104 - Ed. da CGD,<br />

às 22h. Tel.: 222098116. 5€.<br />

Cornelius Car<strong>de</strong>w e a Liberda<strong>de</strong> da<br />

Escuta.<br />

Client<br />

Famalicão. Casa das Artes - Gran<strong>de</strong> Auditório. Pq. <strong>de</strong><br />

Sinçães, às 21h30. Tel.: 252371297. 10€.<br />

The Ruby Suns<br />

Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Av. D. Afonso<br />

Henriques, 701, às 0h. Tel.: 253424700. 4€.<br />

Dead Combo<br />

Sesimbra. Cine-Teatro <strong>Municipal</strong> João Mota. Av.<br />

Liberda<strong>de</strong>, 46, às 21h30. Tel.: 212234034. 3€.<br />

Tiguana Bibles<br />

Maia. Tertúlia Castelense. R. Augusto Nogueira da<br />

Silva, 779, às 23h30. Tel.: 229829425. 6€.<br />

Os Air no Coliseu do Porto<br />

Maria da Fé + Beatriz da<br />

Conceição + Argentina<br />

Santos<br />

<strong>Lisboa</strong>. Castelo <strong>de</strong> São Jorge. Castelo, às 22h. Tel.:<br />

218800620. 12,5€.<br />

Festa do Fado 2010.<br />

Pedro Barroso + Manuel Freire +<br />

Francisco Fanhais<br />

Ton<strong>de</strong>la. Cine Tejá - Novo Ciclo ACERT. R. Dr.<br />

Ricardo Mota, às 21h45. Tel.: 232814400. 7,5€.<br />

Domingo 20<br />

Air<br />

Porto. Coliseu do Porto. R. Passos Manuel, 137, às<br />

21h30. Tel.: 223394947. 29€ a 34€.<br />

Carlo Torlontano e Orquestra<br />

Nacional do Porto<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Fawzi Haimor.<br />

Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />

<strong>de</strong> Albuquerque, às 12h. Tel.: 220120220. 5€.<br />

Áustria 2010. Música <strong>dos</strong> Alpes.<br />

Divino Sospiro e<br />

OrchestrUtopica<br />

<strong>Lisboa</strong>. CCB - Pequeno Auditório. Pç. do Império, às<br />

18h30 e 21h. Tel.: 213612400. 12€ (concerto) a 30€<br />

(passe).<br />

Ciclo De Bach a Kurtág.<br />

Terça 22<br />

Alexandre Delgado e Bruno<br />

Belthoise<br />

<strong>Lisboa</strong>. CCB - Pequeno Auditório. Pç. do Império, às<br />

19h. Tel.: 213612400. 10€.<br />

Quarta 23<br />

Orquestra Nacional do Porto +<br />

Trabalhadores do Comércio +<br />

Blind Zero<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque - Pç., às 22h. Tel.: 220120220. Entrada<br />

gratuita.<br />

Agência <strong>de</strong> Viagens<br />

<strong>Lisboa</strong>. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do<br />

Sodré, às 23h40. Tel.: 213430107. 8€.<br />

Festival Silêncio! 2010.<br />

Quinta 24<br />

As Client, <strong>de</strong><br />

uniforme, em<br />

Famalicão<br />

Boo Boo Davies<br />

Sesimbra. Cine-Teatro <strong>Municipal</strong> João Mota. Av.<br />

Liberda<strong>de</strong>, 46, às 21h30. Tel.: 212234034. 7,5€.<br />

Grossraumdichten + Ghostpoet<br />

<strong>Lisboa</strong>. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do<br />

Sodré, às 23h30. Tel.: 213430107. 8€.<br />

Festival Silêncio! 2010.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 57


Concertos<br />

Alexandre Tharaud, um <strong>dos</strong><br />

melhores a abordar Chopin<br />

Tharaud encontra-se intimamente<br />

ligada ao repertório francês,<br />

contemplando compositores <strong>dos</strong><br />

século XVII a XX, mas os seus<br />

interesses artísticos não se<br />

restringem a esse universo. No seu<br />

mais recente CD, intitulado “Journal<br />

Intime” (Virgin Classics), traça um<br />

percurso pessoal da sua relação com<br />

58 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Ao vivo<br />

Os Chameleons, nome<br />

seminal da música indie<br />

britânica, vão estar em<br />

<strong>Lisboa</strong> para um concerto<br />

único, dia 3 <strong>de</strong><br />

Julho, no<br />

Chopin <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro contacto<br />

com a música do compositor polaco<br />

a ligações pessoais e artísticas mais<br />

recentes com <strong>de</strong>terminadas obras. A<br />

sua peculiar sensibilida<strong>de</strong> para a<br />

música francesa adapta-se<br />

igualmente bem à estética refinada<br />

do pianismo <strong>de</strong> Chopin, compositor<br />

que viveu gran<strong>de</strong> parte da sua vida<br />

em Paris, pelo que Tharaud tinha já<br />

gravado na Harmonia Mundi as<br />

Valsas e os Prelúdios com gran<strong>de</strong><br />

sucesso.<br />

É pois na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intérprete<br />

<strong>de</strong> Chopin que o pianista francês<br />

participa na presente edição do<br />

Festival <strong>de</strong> Sintra, este ano com uma<br />

programação centrada nos<br />

bicentenários <strong>de</strong> Schumann e<br />

Chopin. No próximo dia 23,<br />

apresenta-se no Palácio Nacional <strong>de</strong><br />

Sintra para interpretar seis Valsas, a<br />

Fantasia op. 49, o Nocturno em Dó<br />

sustenido menor, op. póstumo, e a<br />

Fantasia-Improviso, op. 66. Este<br />

conjunto <strong>de</strong> obras será<br />

complementado pelos os Seis<br />

Momentos Musicais, D. 780 (op. 94),<br />

<strong>de</strong> Schubert, publica<strong>dos</strong> em 1828, ou<br />

Santiago Alquimista. A<br />

banda <strong>de</strong> Mark Burgess e<br />

John Lever actua a partir<br />

das 23h. Os bilhetes, que<br />

custam c 20 euros, já estão<br />

à vendas nas lojas Louie<br />

Louie L do Porto e <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

e<br />

na Two Tone Store <strong>de</strong><br />

seja, mais ou menos na época em<br />

que Chopin visitou Viena antes <strong>de</strong> se<br />

instalar em Paris.<br />

Nascido em 1968, Alexandre<br />

Tharaud diplomou-se no<br />

Conservatório Nacional Superior <strong>de</strong><br />

Paris e iniciou a sua carreira<br />

internacional <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter ganho o<br />

2º Prémio no Concurso<br />

Internacional <strong>de</strong> Piano ARD <strong>de</strong><br />

Munique em 1989. Dotado <strong>de</strong> uma<br />

técnica límpida e <strong>de</strong> uma<br />

estimulante inteligência<br />

interpretativa e conceptual, tem<br />

feito um brilhante percurso artístico,<br />

tanto a solo como na música <strong>de</strong><br />

câmara. A sua gravação das<br />

“Nouvelles Pièces <strong>de</strong> Clavecin”, <strong>de</strong><br />

Rameau, suscitou gran<strong>de</strong><br />

entusiasmo e a sua integral da obra<br />

pianística <strong>de</strong> Ravel obteve os mais<br />

importantes prémios da crítica. O<br />

CD “Tic, Toc, Choc”, uma colectânea<br />

<strong>de</strong> peças <strong>de</strong> Couperin, chegou ao<br />

“top 20” na Alemanha em 2007 e o<br />

seu álbum duplo <strong>de</strong>dicado a Erik<br />

Satie foi consi<strong>de</strong>rado um <strong>dos</strong> Discos<br />

do Ano <strong>de</strong> 2009 pela Revista<br />

“Diapason” e também pelo Ípsilon.<br />

Cacilhas, em Almada.<br />

Depois do concerto haverá<br />

uma “after-party” das<br />

Graveyard Sessions, com<br />

os DJ Yggdrasil, Lena Cat,<br />

M for Mur<strong>de</strong>r e Serotonin.<br />

Uma lenda musical<br />

em Alcobaça<br />

Luís Rodrigues e Orquestra do<br />

Algarve<br />

Alexandre Delgado<br />

estreia nova obra<br />

Direcção musical <strong>de</strong> Alexandre<br />

Delgado.<br />

Alcobaça. Cine-Teatro. R. Afonso <strong>de</strong> Albuquerque.<br />

Sáb., 19, às 21h30. Tel.: 262580890. 5€ a 8€.<br />

Cistermúsica - XVIII Festival <strong>de</strong><br />

Música <strong>de</strong> Alcobaça. Obras <strong>de</strong><br />

Mahler, Delgado e Beethoven.<br />

Dedicada ao tema “Música e<br />

Literatura”, a 18ª edição do Festival<br />

Cistermúsica, em Alcobaça,<br />

prossegue este fim-<strong>de</strong>-semana com a<br />

estreia absoluta <strong>de</strong> uma nova obra<br />

<strong>de</strong> Alexandre Delgado (n. 1965) pela<br />

Orquestra do Algarve e pelo<br />

barítono Luís Rodrigues, sob a<br />

direcção do próprio compositor.<br />

Trata-se <strong>de</strong> “Santo Asinha”, lenda<br />

para barítono e orquestra composta<br />

a partir <strong>de</strong> um poema <strong>de</strong> Fre<strong>de</strong>rico<br />

Lourenço inspirado num conto <strong>de</strong><br />

Iva Delgado, on<strong>de</strong> se evoca a curiosa<br />

história do temível assaltante que se<br />

arrepen<strong>de</strong> da sua conduta graças à<br />

intervenção <strong>de</strong> um fra<strong>de</strong>, passando a<br />

praticar o bem para se redimir.<br />

Todavia, enquanto tenta ajudar um<br />

lenhador, este vê a oportunida<strong>de</strong><br />

para matar o malfeitor procurado<br />

por to<strong>dos</strong>... O texto foi recentemente<br />

publicado pela Caminho em “Santo<br />

Asinha e outros poemas”, primeiro<br />

livro <strong>de</strong> poesia <strong>de</strong> Fre<strong>de</strong>rico<br />

Lourenço, e a obra musical resulta<br />

<strong>de</strong> uma encomenda da Orquestra do<br />

Algarve, da qual Alexandre Delgado<br />

é compositor associado nesta<br />

temporada. O restante programa do<br />

concerto inclui duas obras sinfónicas cas<br />

célebres: o “Adagietto” da Sinfonia a<br />

nº5, <strong>de</strong> Mahler, e a Sinfonia nº5, op.<br />

67, <strong>de</strong> Beethoven.<br />

Compositor, violetista, autor <strong>de</strong><br />

estu<strong>dos</strong> sobre música portuguesa e<br />

do programa da RDP-Antena 2 “A<br />

propósito da música”, Alexandre<br />

Delgado é director artístico do<br />

Festival Cistermúsica <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2002. A<br />

sua produção musical caracteriza-se -se<br />

por um forte po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> comunicação ão<br />

e inclui sobretudo obras orquestrais ais<br />

e <strong>de</strong> câmara, mas também uma das as<br />

mais bem sucedidas óperas<br />

portuguesas compostas nas<br />

últimas duas décadas: “O Doido e<br />

a Morte” (1994), baseada na farsa<br />

<strong>de</strong> Raul Brandão. Recentemente<br />

terminou mais uma ópera <strong>de</strong> câmara ara<br />

(“A Rainha Louca”), que, juntamente nte<br />

com a anterior e com um outro<br />

PEDRO CUNHA<br />

projecto sobre o sebastianismo,<br />

formarão a “Trilogia da<br />

Loucura”. C.F.<br />

Jazz<br />

Forma e<br />

abstracção<br />

Dois músicos notáveis, Scott<br />

Fields e Matthias Schubert,<br />

ensaiam as leis da atracção<br />

musical. Rodrigo Amado<br />

Scott Fields + Matthias Schubert<br />

<strong>Lisboa</strong>. CCB 5ª, 24, às 22h. Tel.: 213612400. Entrada<br />

gratuita.<br />

Jazz às 5ªs.<br />

Scott Fields era já um <strong>dos</strong> principais<br />

nomes da vanguarda jazz <strong>de</strong> Chicago<br />

quando <strong>de</strong>cidiu mudar toda a sua<br />

vida para a Europa, mais<br />

concretamente para a Alemanha.<br />

Guitarrista e compositor <strong>de</strong> um<br />

enorme rigor e contenção musical,<br />

Fields construiu uma discografia<br />

notável baseada naquilo que po<strong>de</strong><br />

ser consi<strong>de</strong>rada uma totalmente<br />

nova abordagem da guitarra jazz.<br />

Com paralelo apenas no trabalho<br />

conceptual <strong>de</strong> um músico como Joe<br />

Morris, Fields emprega movimentos<br />

melódicos e harmónicos pouco<br />

usuais, enigmáticos e abstractos.<br />

Matthias Schubert, um <strong>dos</strong> músicos<br />

alemães com o qual Fields tem<br />

partilhado inúmeros projectos, é um<br />

saxofonista fortemente inspirado<br />

nos mo<strong>de</strong>los mais criativos do jazz<br />

norte-americano. Improvisador<br />

vibrante e possuidor <strong>de</strong> um som<br />

intenso e bem <strong>de</strong>finido, tem em<br />

comum com Fields um particular<br />

gosto por intervalos harmónicos<br />

pouco usuais e melodias<br />

extremamente complexas. Antevê-se<br />

para este concerto <strong>de</strong> quinta-feira,<br />

no Centro Cultural <strong>de</strong> Belém, , em<br />

<strong>Lisboa</strong>, uma evolução<br />

<strong>dos</strong> conceitos orgânicos<br />

anteriormente<br />

explora<strong>dos</strong> em<br />

“Beckett”.<br />

Scott Fields tem uma abordagem<br />

completamente sem prece<strong>de</strong>ntes<br />

à guitarra jazz<br />

STEFAN STRASSER


Discos<br />

O genial contrabaixista Dave Holland<br />

Jazz<br />

Intemporal<br />

Um gran<strong>de</strong> contrabaixista<br />

que continua a fazer da<br />

tradição a gran<strong>de</strong> música <strong>de</strong><br />

hoje. Paulo Barbosa<br />

Dave Holland Octet<br />

Pathways<br />

Dare2, dist. Compact Records<br />

mmmmn mm mmmmn<br />

Nesta sua formação<br />

<strong>de</strong> dimensão<br />

intermédia, situada<br />

entre o quinteto e a<br />

big band, o genial<br />

contrabaixista Dave<br />

Holland volta a <strong>de</strong>ixar clara a<br />

consistência e amplitu<strong>de</strong> da<br />

sua visão enquanto<br />

compositor e arranjador. Este último<br />

aspecto está bem exemplificado nas<br />

intrincadas relações horizontais<br />

(melódicas, portanto, e não apenas<br />

harmónicas) que se estabelecem<br />

entre os vários sopros na leitura <strong>de</strong><br />

“Sea of Marmara”: a composição é <strong>de</strong><br />

Chris Potter, mas o arranjo reflecte a<br />

vasta experiência <strong>de</strong> Holland à frente<br />

<strong>de</strong> grupos compostos por músicos<br />

para os quais nada parece ser<br />

impossível.<br />

Embora não seja este o disco <strong>de</strong><br />

Holland on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos ouvir os<br />

melhores solos do trombonista Robin<br />

Eubanks, qua qualquer <strong>dos</strong> três<br />

saxofonistas saxofonistas ppresentes<br />

– Antonio Hart<br />

no alto, Gary<br />

Smulyan no barítono e<br />

Chris Potter no n tenor e soprano –<br />

oferece-nos ssolos<br />

<strong>de</strong> cortar a<br />

respiração. AAlém<br />

disso, <strong>de</strong>pois do<br />

mais morno “Pass “ It On”, com<br />

Mulgrew Mille Miller ao piano, não<br />

po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong>ix <strong>de</strong> aplaudir o<br />

regresso <strong>de</strong> Steve St Nelson, um<br />

vibrafonista mmuito<br />

especial,<br />

principalmente principalmen no contexto <strong>dos</strong><br />

grupos <strong>de</strong> Holland. Ho A sua prestação<br />

improvisada nno<br />

referido “Sea of<br />

Marmara” (no<br />

vibrafone) ou o seu<br />

contributo contribu b to para pa a ambiência<br />

enigmática enigmática <strong>de</strong><br />

“Blue Jean” (na<br />

marimba) são apenas duas possíveis<br />

ilustrações <strong>de</strong><br />

que Nelson é capaz <strong>de</strong><br />

servir como ninguém n a música <strong>de</strong><br />

Holland. E o<br />

que dizer <strong>dos</strong> solos <strong>de</strong><br />

Antonio Hart em “How’s never?”, ou<br />

<strong>dos</strong> do baterista bateri Nate Smith nesse<br />

mesmo tema e em “Shadow dance”?<br />

E do sax soprano sopr <strong>de</strong> Chris Potter na<br />

sua própria ccomposição<br />

ou do seu<br />

tenor em “Sh “Shadow dance”? Ou do<br />

vigor do trom trompetista Alex Sipiagin em<br />

“Wild dance”, dance” ou, finalmente, da<br />

imensa classe do barítono <strong>de</strong> Gary<br />

Smulyan logo<br />

no tema <strong>de</strong> abertura ou<br />

em “Blue Jean”? Je<br />

De Holland Holl já pouco haverá a<br />

dizer, a não n ser que, tal como<br />

<strong>de</strong>le sempre se se tem esperado,<br />

gran gran<strong>de</strong> parte do que aqui se<br />

ouv ouve vem <strong>de</strong>safiar a<br />

iimportância<br />

da<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

categorização e da aplicação <strong>de</strong><br />

rótulos a uma música cuja<br />

intemporalida<strong>de</strong> cada vez faz menos<br />

sentido questionar. Ouça-se o final <strong>de</strong><br />

“Ebb and flow” para se perceber<br />

porquê...<br />

O mundo<br />

na ponta<br />

das mãos<br />

John Hollenbeck assina<br />

um po<strong>de</strong>roso testamento<br />

à magia das gran<strong>de</strong>s<br />

formações no jazz,<br />

transformando vida em<br />

música com o toque do seu<br />

talento. Rodrigo Amado<br />

John Hollenbeck<br />

Eternal Interlu<strong>de</strong><br />

Sunnysi<strong>de</strong><br />

mmmmn<br />

Editado ainda em<br />

2009, “Eternal<br />

Interlu<strong>de</strong>” afirmouse<br />

como um <strong>dos</strong><br />

registos mais<br />

fascinantes do ano.<br />

I<strong>de</strong>alizado por John Hollenbeck,<br />

talentoso baterista<br />

percussionista / compositor /<br />

arranjador que tem vindo a <strong>de</strong>ixar a<br />

sua marca <strong>de</strong> contemporaneida<strong>de</strong> no<br />

jazz (Claudia Quintet, Meredith Monk<br />

Ensemble, entre muitos outros<br />

projectos), é uma obra<br />

<strong>de</strong>sconcertante, que contraria<br />

expectativas daquilo a que se<br />

convencionou chamar jazz<br />

orquestral, integrando visões e<br />

contributos tão diversos como os <strong>de</strong><br />

Gil Evans, Maria Schnei<strong>de</strong>r, Thad<br />

Jones/ Mel Lewis, Steve Reich, Bob<br />

Brookmeyer ou mesmo Phillip Glass.<br />

John Hollenbeck<br />

A todas estas estéticas, Hollenbeck<br />

aplica uma perspectiva global,<br />

integrando-as num todo orgânico e<br />

coerente, altamente pessoal,<br />

<strong>de</strong>safiando a nossa percepção e<br />

combinando os diferentes timbres<br />

em surpreen<strong>de</strong>ntes paisagens<br />

sonoras. Com um ensemble que<br />

integra instrumentistas <strong>de</strong> excepção<br />

como Tony Malaby, Ellery Eskelin,<br />

Kermit Driscoll ou Theo Bleckmann,<br />

Hollenbeck interpreta um repertório<br />

baseado em encomendas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />

ensembles jazz <strong>de</strong> todo o mundo,<br />

entre os quais se encontra a notável<br />

Orquestra Jazz <strong>de</strong> Matosinhos, aqui<br />

representada por “Perseverance”.<br />

Mas, mais do que o ímpeto <strong>de</strong> temas<br />

como “Eternal interlu<strong>de</strong>” ou<br />

“Perseverance”, a magia poética <strong>de</strong><br />

“The cloud” (com a voz <strong>de</strong><br />

Bleckmann em <strong>de</strong>staque) ou os solos<br />

notáveis <strong>de</strong> Malaby e Eskelin, aquilo<br />

que impressiona são as passagens<br />

orquestrais, as cores e ambientes<br />

cria<strong>dos</strong>, o extremo rigor e contenção<br />

com que são contruí<strong>dos</strong> os<br />

imaginativos arranjos <strong>de</strong> Hollenbeck.<br />

Minimalismo, pós-bop, clássicacontemporânea,<br />

impressionismo<br />

atmosférico e todas as outras músicas<br />

do mundo, fun<strong>de</strong>m-se num todo<br />

enigmático que ilustra bem a<br />

diversida<strong>de</strong> e contaminação musicais<br />

<strong>de</strong>ste novo século.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 59


60 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

Discos<br />

Pop<br />

A justiça está<br />

a ser feita<br />

Finalmente editado em<br />

Portugal o guitarrista<br />

nigeriano, numa edição que<br />

compila o seu trabalho <strong>de</strong><br />

1970 a 1976. João Bonifácio<br />

Sir Victor Uwaifo<br />

Guitar Boy Superstar 1970-1976<br />

Soundway; distri. Massala<br />

mmmmm<br />

A melhor coisa<br />

que aconteceu a<br />

humanida<strong>de</strong> neste<br />

enfadonho século<br />

XXI foi a reedição<br />

<strong>de</strong> música africana<br />

da década <strong>de</strong> 50, 60 e 70. Perdão: as<br />

reedições, um conjunto imenso<br />

<strong>de</strong>las, feitas por editoras como a<br />

Soundway. Compilações <strong>de</strong>dicadas à<br />

Nigéria, ao Gana, ao Senegal, mesmo<br />

à Colômbia e ao Panamá, países que,<br />

por via da emigração, também<br />

produziram uma tremenda<br />

miscigenação musical. A palavra<br />

essencial aqui é miscigenação:<br />

quando se fala em reedição <strong>de</strong><br />

música africana antiga as pessoas<br />

são tentadas a imaginar purismos,<br />

exotismos, uma música cristalizada<br />

Janelle Monae passa o teste com distinção, num disco ecléctico, <strong>de</strong> R&B futurista,<br />

funk nostálgico, pop barroca, jazz orquestral, rap psicadélico, cabaret<br />

Sir Victor Uwaifo: muito antes do século XXI<br />

ser negro o século XX também o foi<br />

no tempo que nos mostre como<br />

eram “mesmo” os pretos antes <strong>de</strong> os<br />

brancos irem lá colonizá-los. Mas a<br />

gran<strong>de</strong> graça <strong>de</strong>stas reedições é<br />

mostrar-nos como os pretos se<br />

estavam a borrifar para purismos e<br />

rapidamente aproveitaram os<br />

instrumentos <strong>dos</strong> brancos – as<br />

guitarras eléctricas, as baterias – e os<br />

adicionaram aos seus ritmos <strong>de</strong><br />

origem, revitalizando géneros que já<br />

então caíam em <strong>de</strong>suso e criando<br />

uma espécie <strong>de</strong> – se quisermos ser<br />

simplistas e virmos esta música<br />

como um todo produto do<br />

colonialismo – funk psicadélico.<br />

Agora, a segunda melhor coisa<br />

que aconteceu à modorra do século<br />

XXI foi porem nas mãos <strong>de</strong> uma<br />

<strong>de</strong>zena <strong>de</strong> tolinhos os meios<br />

necessários para eles divulgarem as<br />

peças <strong>de</strong> joalharia que tinham em<br />

casa – forma <strong>de</strong> dizer que uma<br />

<strong>de</strong>zena <strong>de</strong> loucos tem-se <strong>de</strong>dicado,<br />

nos últimos anos, a disponibilizar<br />

em blogs discos inteiros <strong>de</strong> exfiguras<br />

ilustres da música africana<br />

que nunca saíram do seu continente<br />

e nunca nenhum branco tinha<br />

ouvido falar. O resultado disto foi<br />

tomarmos a consciência <strong>de</strong> que<br />

aquele cânone que nos tinham<br />

convencido como sendo o essencial<br />

para percebermos a música do<br />

século XX, aquele cânone que<br />

começa nos Beatles, passa pelos<br />

Velvet Un<strong>de</strong>rground e vai dar à newwave,<br />

era uma mentira pegada: nada<br />

do que ali está é obrigatoriament<br />

melhor ou mais inventivo que o que<br />

se fez em África. Foi num <strong>de</strong>sses<br />

blogs que <strong>de</strong>scobrimos há muito a<br />

extraordinária música <strong>de</strong> Sir Victor<br />

Uwaifo, sem contexto, sem notas<br />

explicativas – da mesma forma que<br />

foi assim que <strong>de</strong>scobrimos Geraldo<br />

Pino, os The Congos, Orlando Julius,<br />

o “Palo Congo” <strong>de</strong> Sabu. Finalmente<br />

em Portugal Uwaifo é editado, numa<br />

edição que compila o seu trabalho<br />

<strong>de</strong> 1970 a 1976. Uwaifo era um<br />

guitarrista nigeriano que, se<br />

ritmicamente <strong>de</strong>ve muito à sua<br />

nação, no que toca à guitarra é meio<br />

Gana meio US of A: os rendilha<strong>dos</strong><br />

do highlife do Gana cruzam-se com<br />

aquilo a que chamamos funk, riffs<br />

quebra<strong>dos</strong> indutores <strong>de</strong> espasmos<br />

libidinosos. Não é exagero falar em<br />

highlife e US of A: ele tocou em<br />

bandas highlife e basta ouvir “Agho”,<br />

oitava faixa <strong>de</strong>sta compilação, para<br />

reparar como facilmente po<strong>de</strong>ria ter<br />

tocado com os 13th Floor Elevators<br />

se estes quisessem dançar. A<br />

guitarra é, portanto, rainha, mas<br />

Uwaifo era um jogador <strong>de</strong> equipa e<br />

não uma estrela que queria dar nas<br />

vistas: em última instância brilham<br />

mais as canções que ele. Atentem<br />

em “Egbe Natete”: um rendilhado <strong>de</strong><br />

guitarra todo manco, um break <strong>de</strong><br />

bateria com f-o-d-a escrito nos<br />

contra-tempos, os batuques num<br />

tum tum tum balançante, o saxofone<br />

ali a melar os corações. África, mãe<br />

África, obrigado. Salte-se até<br />

“Talking instruments”: as guitarras<br />

movidas por um bicho carpinteiro<br />

<strong>de</strong> danação, o cowbell, o ritmo<br />

torcido, a guitarra escala acima<br />

escala abaixo, percussões a surgirem<br />

da esquina <strong>de</strong> cada compasso, o sax<br />

todo sujo: muito antes do século XXI<br />

ser negro o século XX também o foi.<br />

Só que às escondidas. Agora,<br />

finalmente, a justiça está a ser feita.<br />

E a justiça dança que se farta.<br />

Com distinção<br />

Janelle Monae<br />

The ArchAndroid<br />

Bad Boy, distri. Warner<br />

mmmmn<br />

É um álbum épico,<br />

mais <strong>de</strong> setenta<br />

minutos, com 18<br />

temas, alguns <strong>de</strong>les<br />

grandiloquentes, o<br />

que não é<br />

propriamente gran<strong>de</strong> cartão <strong>de</strong><br />

visita quanto se fala <strong>de</strong> pop.<br />

Principalmente pop imaginada para<br />

ser consumida em larga escala. Mas<br />

Janelle Monae passa o teste com<br />

distinção, num disco ecléctico, <strong>de</strong><br />

R&B futurista, funk nostálgico, pop<br />

barroca, jazz orquestral, rap<br />

psicadélico, cabaret com cinema<br />

negro em fundo ou folk pastoral. É<br />

um disco diverso, mas com uma<br />

sequência lógica e uma estrutura<br />

dramática bem <strong>de</strong>finida.<br />

O referente mais óbvio é “The<br />

Love Below”, a face mais lúdica, da


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

autoria <strong>de</strong> André 3000, no duplo romantismo <strong>de</strong> “Lonesome town”, o<br />

“Speakerboxxx<br />

clássico <strong>de</strong> Ricky Nelson que lhe<br />

The Love Below” <strong>dos</strong> OutKast. ouvíamos nos concertos.<br />

Mas há também muito <strong>de</strong> Prince por Em “Lights & Darks”<br />

aqui. E <strong>de</strong> Stevie Won<strong>de</strong>r. E <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapareceram as orquestrações,<br />

Michael Jackson. E <strong>de</strong> James Brown. surgem banjos, balanço havaiano,<br />

E <strong>de</strong> Erykah Badu. E podíamos órgão Hammond e um sopro forte<br />

continuar. Porque Janelle Monae é da América vintage. Não se trata<br />

camaleónica. Não no sentido <strong>de</strong> se tanto da proverbial conversa do<br />

apropriar <strong>de</strong> obra alheia. Mas <strong>de</strong> amadurecimento: as canções <strong>de</strong> Rita<br />

construir personagens, dando-lhes Redshoes continuam a surgir<br />

vida própria, fazendo-os suas com perante nós como pedaços <strong>de</strong> um<br />

uma vivacida<strong>de</strong> imparável. A sua musical imaginário, acontece que<br />

gran<strong>de</strong> mais valia é essa. Mesmo este “filme” <strong>de</strong> “Lights & Darks” é<br />

quando o som é R&B clássico, não se mais interessante e menos frágil que<br />

sente nostalgia, porque a sua a “Gol<strong>de</strong>n Era” anterior.<br />

interpretação é dinâmica e vital, Mais que anteriormente, Rita<br />

adaptando-se com a mesma agu<strong>de</strong>za Redshoes mostra-se hábil na<br />

ao registo mais tranquilo do<br />

construção <strong>de</strong> cenários musicais.<br />

“crooner” como às exaltações mais Em “Hearted man”, imagina Joni<br />

físicas do funk.<br />

Mitchell em produção “wall of<br />

É um álbum acessível sem ser sound” <strong>de</strong> Phil Spector, em “Which<br />

fácil. Excêntrico sem ser estranho. one is the witch?” transforma<br />

Po<strong>de</strong> acontecer que as suas<br />

fantasmas country <strong>de</strong> Morricone<br />

extravagâncias capilares e<br />

num belo pedaço <strong>de</strong> pop, em “It’s a<br />

indumentárias venham a conhecer honey moon” dança como dançava a<br />

quase tanta projecção quanto a sua América sonhadora e ingénua da<br />

música, mas não estamos perante década <strong>de</strong> 1950 (é como se<br />

uma estrela <strong>de</strong>scartável.<br />

apontasse às Caraíbas numa varanda<br />

Nitidamente, Janelle Monae é <strong>de</strong> Miami).<br />

alguém que chegou, viu e vai ficar. Declaradamente filiado na clássica<br />

Vítor Belanciano<br />

tradição musical americana, mas<br />

abrindo espaço a coisas boas como a<br />

A “americana” <strong>de</strong><br />

Rita Redshoes<br />

marcha “shoegaze” <strong>de</strong> “One cold<br />

day”, e menos boas como “I’m the<br />

road to happiness”, balada com um<br />

pé na soul, mas <strong>de</strong>masiado<br />

Rita Redshoes<br />

Lights & Darks<br />

iPlay<br />

previsível, “Lights & Darks” mostranos<br />

uma Rita Redshoes diferente da<br />

que conhecíamos.<br />

“Lights & Darks” é um bom álbum<br />

mmmnn nn<br />

pop insuflado <strong>de</strong><br />

“americana”.<br />

De certo modo modo, é como se,<br />

Rita Redshoes<br />

agora sim, Rita<br />

Redshoes<br />

continua em<br />

tivesse chegado à “Gol<strong>de</strong>n<br />

busca <strong>de</strong> sonhos<br />

Era” a que apon apontava a estreia.<br />

pop. Ou melhor, a<br />

viver as suas<br />

Mário Lope Lopes<br />

canções<br />

como fantasia ntasia para tela.<br />

Mas dois s anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

“Gol<strong>de</strong>n Era”, o seu<br />

álbum <strong>de</strong> e estreia, algo<br />

The Drums<br />

Album<br />

Moshi Moshi Moshi; distri.<br />

Popstock<br />

mudou. Uma canção<br />

como “Bad Bad Lila”,<br />

mmmnn mmmn<br />

com banjo njo a<br />

Para<br />

marcar o<br />

enten<strong>de</strong>r<br />

andamento nto e<br />

bem o<br />

guitarra sli<strong>de</strong><br />

a pontuar ar a<br />

tempo<br />

Agora é que Rita chegou à “gol<strong>de</strong>n era” em que<br />

história da<br />

vivemos<br />

rapariga que<br />

há que encontrar en<br />

“procura a<br />

resposta<br />

para algumas<br />

beleza em m<br />

questões questõe essenciais:<br />

to<strong>dos</strong> os<br />

porque é que há<br />

homens”, ”,<br />

pessoas que preferem<br />

não<br />

usar sabonete sa a gel<br />

seria<br />

<strong>de</strong> banho?; ban porque é<br />

possível<br />

que a aalface<br />

antes.<br />

embalada embala fica<br />

Porque há<br />

estragada estraga ao fim <strong>de</strong><br />

dois anos, s, o<br />

três dias dia no<br />

seu imaginário ginário<br />

frigorífico; frigoríf e para que<br />

conjugava va o<br />

é que precisamos p <strong>de</strong><br />

colorido <strong>de</strong><br />

uma imitação i <strong>dos</strong><br />

fantasia <strong>de</strong><br />

New Or<strong>de</strong>r na<br />

“Feiticeiro ro <strong>de</strong><br />

nossa no vida? Sim,<br />

Oz” com m o<br />

para p quê? Não<br />

se pense que falar em imitação é<br />

exagero: as linhas <strong>de</strong> baixo em<br />

stacatto são plágios das <strong>de</strong> Peter<br />

Hook; as frases picadas <strong>de</strong> guitarra<br />

são clones das <strong>de</strong> Sumner. Pergunta<br />

subsequente: isto é mau? Não<br />

obrigatoriamente. Ainda hoje <strong>de</strong><br />

manhã, quando, ao som <strong>de</strong><br />

“Album”, passávamos gel <strong>de</strong> banho<br />

no corpo durante o duche matinal,<br />

nos admirámos com a capacida<strong>de</strong><br />

melódica <strong>dos</strong> moços. Por capacida<strong>de</strong><br />

melódica não se entenda que eles<br />

fazem melodias memoráveis, antes<br />

que um tipo está ali a espalhar gel <strong>de</strong><br />

banho e dá por si a assobiar a toda e<br />

qualquer canção. A questão é que,<br />

pela hora do almoço, quando<br />

reparámos que a salada já tinha<br />

queimado no frigorífico, já não<br />

recordávamos nenhuma das<br />

melodias, como se toda e qualquer<br />

canção <strong>de</strong> “Album” fosse uma<br />

variação da mesma melodia,<br />

esquecida algures nos anos 80. É<br />

como aqueles anúncios <strong>de</strong><br />

automóvel que não estão para pagar<br />

a faixa original que queriam e por<br />

isso põem uma imitação <strong>de</strong> 10<br />

segun<strong>dos</strong> em seu lugar. O que<br />

significa que os The Drums, se não<br />

tiverem os seus 15 minutos <strong>de</strong> fama,<br />

ainda hão-<strong>de</strong> ter os seus 15 segun<strong>dos</strong><br />

<strong>de</strong> banda-sonora <strong>de</strong> anúncio<br />

televisivo. O que é merecido. João<br />

Bonifácio<br />

Clássica<br />

A clareza<br />

hipnótica do<br />

Stile Antico<br />

Re<strong>de</strong>scoberta do gran<strong>de</strong><br />

polifonista inglês John<br />

Sheppard na inspirada<br />

interpretação do<br />

agrupamento Stile Antico.<br />

Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />

John Sheppard<br />

Media Vita<br />

Stile Antico<br />

Harmonia Mundi<br />

mmmmn<br />

A discografia do jovem agrupamento<br />

vocal britânico Stile Antico conta até<br />

agora com apenas quatro títulos,<br />

mas to<strong>dos</strong> eles são trabalhos<br />

artísticos <strong>de</strong> alto nível, que<br />

24 a 30 Junho 21h30<br />

(excepto dia 27) M/12<br />

teatro<br />

Má-Criação<br />

Learning to swim<br />

Piscina <strong>Municipal</strong> do Areeiro<br />

Mónica Calle<br />

www.teatromariamatos.pt<br />

teatro<br />

O ginjal <strong>de</strong> Anton Tchekov<br />

ou O sonho das cerejas<br />

1 a 10 Julho 21h30 (excepto dia 5)<br />

11 Julho 16h30 M/12<br />

Inserido no Festival Internacional <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Almada<br />

apresentações no âmbito da re<strong>de</strong> co-financiado por<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 61<br />

© Bruno Simão


62 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />

<br />

Discos<br />

projectaram os<br />

intérpretes no<br />

competitivo<br />

panorama<br />

internacional da<br />

música antiga. O<br />

seu último CD é <strong>de</strong>dicado a John<br />

Sheppard (c.1515-c.1559), compositor<br />

injustamente pouco conhecido,<br />

ainda que tenha sido objecto <strong>de</strong><br />

outras gravações, das quais <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>staca um disco <strong>dos</strong> Tallis Scholars<br />

editado há 20 anos. A música <strong>de</strong>ste<br />

compositor britânico da era Tudor<br />

combina uma hábil construção<br />

contrapontística com um forte<br />

sentido do colorido harmónico, que<br />

se traduz num resultado <strong>de</strong> uma<br />

beleza etérea, reforçada pela<br />

inspirada interpretação do Stile<br />

Antico e por um enquadramento<br />

acústico que nos transmite a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

espaço, mas que não obscurece a<br />

clara percepção da textura das<br />

obras.<br />

O facto <strong>de</strong> a maior parte da música<br />

<strong>de</strong> Sheppard ter sobrevivido em<br />

manuscritos (ao contrário das obras<br />

do seu contemporâneo Thomas<br />

Tallis, que foram objecto <strong>de</strong><br />

publicação) e <strong>de</strong> algumas das suas<br />

peças subsistirem em fontes<br />

incompletas explica, em parte, o seu<br />

esquecimento em comparação com<br />

outros polifonistas britânicos do<br />

século XVI. O Stile Antico realizou as<br />

suas próprias edições e construiu<br />

um programa que combina peças da<br />

liturgia católica, em latim, com<br />

“anthems” (composições musicais<br />

da igreja anglicana) em inglês,<br />

reflexo <strong>dos</strong> diferentes cre<strong>dos</strong><br />

religiosos <strong>dos</strong> sucessivos monarcas<br />

da dinastia Tudor. O centro da<br />

gravação é a monumental Antífona<br />

“Media vita in morte sumus”, uma<br />

reflexão sobre a fragilida<strong>de</strong> da vida<br />

<strong>de</strong> forte po<strong>de</strong>r emocional e<br />

espiritual. Em geral, as peças em<br />

latim (o Responsório “Gau<strong>de</strong>, gau<strong>de</strong>,<br />

gau<strong>de</strong> Maria” e uma versão do “Te<br />

Deum”) são composições extensas,<br />

baseadas em melodias <strong>de</strong> cantochão,<br />

em torno das quais Sheppard<br />

constrói um ondulante, e por vezes<br />

intrincado, contraponto. Por seu<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

O Stile Antico fará a sua estreia em Portugal a 14 <strong>de</strong> Julho na Póvoa do Varzim<br />

turno, as páginas em inglês são<br />

breves e privilegiam a percepção do<br />

conteúdo do texto advogada pela<br />

tradição protestante. A<br />

interpretação do Stile Antico<br />

combina o rigor técnico com uma<br />

<strong>de</strong>licada expressivida<strong>de</strong>, atingindo<br />

por vezes uma dimensão hipnótica.<br />

A sonorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conjunto é<br />

equilibrada e tira partido <strong>de</strong> subtis<br />

nuances <strong>de</strong> cor ao mesmo tempo<br />

que mantém a transparência das<br />

linhas melódicas. O grupo fará a sua<br />

estreia em Portugal no próximo dia<br />

14 <strong>de</strong> Julho no Festival da Póvoa <strong>de</strong><br />

Varzim.<br />

Violino século XX<br />

Phantasy of Spring<br />

Carolin Widmann (violino)<br />

Simon Lepper (piano)<br />

Obras <strong>de</strong> Feldman, Zimmermann,<br />

Schoenberg e Xenakis<br />

ECM New Series<br />

mmmmn<br />

No seu último CD,<br />

a violinista alemã<br />

Carolin Widmann<br />

e o pianista<br />

britânico Simon<br />

Lepper mostramnos<br />

<strong>de</strong> que forma quatro<br />

compositores do século XX<br />

abordaram o tradicional duo <strong>de</strong><br />

violino e piano através <strong>de</strong> novas<br />

Carolin Widmann<br />

soluções, estilos e técnicas.<br />

Abrangendo um arco temporal <strong>de</strong><br />

três décadas, o programa inclui a<br />

Fantasia com acompanhamento <strong>de</strong><br />

piano, op. 47 (1949), <strong>de</strong> Schoenberg;<br />

a Sonata para Violino e Piano (1950),<br />

<strong>de</strong> Bernd Zimmermann; “Spring of<br />

Chosroes” (1978), <strong>de</strong> Morton<br />

Feldman; e “Dikhthas” (1979), <strong>de</strong><br />

Iannis Xenakis. Schoenberg explora<br />

as potencialida<strong>de</strong>s do violino solista<br />

através <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> efeitos,<br />

apoia<strong>dos</strong> pela concepção rigorosa da<br />

técnica do<strong>de</strong>cafónica, <strong>de</strong>ixando<br />

<strong>de</strong>liberadamente ao piano a mera<br />

função <strong>de</strong> acompanhamento. Um<br />

ano <strong>de</strong>pois, Zimmermann presta<br />

tributo a Schoenberg recorrendo<br />

também ao do<strong>de</strong>cafonismo, mas<br />

mostra ao mesmo tempo o seu<br />

peculiar pluralismo estilístico<br />

através da combinação <strong>de</strong><br />

referências tão díspares como a<br />

melodia gregoriana do “Dies Irae”<br />

ou <strong>dos</strong> ritmos da rumba. Num<br />

contraste radical com estas obras,<br />

“Spring of Chosroes”, <strong>de</strong> Feldman,<br />

revela uma atmosfera rarefeita e um<br />

trabalho minucioso <strong>de</strong> subtis<br />

variações e constantes mudanças <strong>de</strong><br />

métrica, que encontram a sua fonte<br />

<strong>de</strong> inspiração no fascínio que o<br />

compositor tinha pelos padrões <strong>dos</strong><br />

tapetes orientais, neste caso a<br />

imagem <strong>de</strong> um luxuriante jardim<br />

imortalizado por uma carpete persa<br />

do século VI. Finalmente,<br />

“Dikhthas”, <strong>de</strong> Xenakis, é uma peça<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> virtuosismo, com uma<br />

<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> e um impacto sonoro<br />

quase palpável, que explora timbres<br />

extravagantes e alu<strong>de</strong> a diferentes<br />

tradições musicais: <strong>de</strong> Paganini ao<br />

violino cigano. Estas tendências<br />

contrastantes são caracterizadas por<br />

Carolin Widmann e por Simon<br />

Lepper com admirável perfeição e<br />

um agudo sentido <strong>dos</strong> <strong>de</strong>talhes. A<br />

violinista alemã, reconhecida pela<br />

sua afinida<strong>de</strong> com a música<br />

contemporânea, coloca uma<br />

sonorida<strong>de</strong> polida ao serviço <strong>de</strong> uma<br />

inteligente percepção <strong>dos</strong> universos<br />

estéticos <strong>de</strong> cada obra e mantém<br />

com o pianista uma estreita<br />

cumplicida<strong>de</strong>.


Teatro<br />

“Vai e Vem”, monólogo<br />

<strong>de</strong> Sandra Celas<br />

Agenda<br />

Teatro<br />

Estreiam<br />

Neva<br />

De Guillermo Cal<strong>de</strong>rón. Pelo Teatro<br />

en el Blanco. Encenação <strong>de</strong><br />

Guillermo Cal<strong>de</strong>rón. Com Paula<br />

Zúñiga, Trinidad González e Jorge<br />

Becker.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian<br />

– Gran<strong>de</strong> Auditório. Av. <strong>de</strong> Berna, 45A. De 19/06 a<br />

20/06. Sáb. e Dom. às 21h30. Tel.: 217823700.<br />

Ver texto na pág. 40 e segs.<br />

A Dor<br />

De Marguerite Duras. Encenação <strong>de</strong><br />

Patrice Chéreau, Thierry Thieû<br />

Niang. Com Dominique Blanc.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional D. Maria II – Sala Garrett.<br />

Pç. D. Pedro IV. De 18/06 a 20/06. 6ª e Sáb. às<br />

21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213250835.<br />

7,5€ a 16€.<br />

Ver texto na pág. 44.<br />

Brel nos Açores<br />

De Nuno Costa Santos.<br />

Com Dinarte Branco.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> São Luiz –<br />

Jardim <strong>de</strong> Inverno. R. António Maria<br />

Car<strong>dos</strong>o, 38. De 24/06 a 26/06. 5ª a<br />

Sáb. às 22h. Tel.: 213257640. 10€.<br />

Learning to Swim<br />

De Alexan<strong>de</strong>r Kelly, Paula<br />

“Brel nos Açores”<br />

no São Luiz<br />

Aqui o<br />

criador é o<br />

espectador<br />

“Domini Públic” é um “jogo<br />

social em tamanho real”, diz<br />

o catalão Roger Bernat. Ana<br />

Dias Cor<strong>de</strong>iro<br />

Domini Públic<br />

De Roger Bernat. Com Adriana<br />

Bertran, Aleix Fauró, Anna Roca,<br />

Sònia Espinosa, Tonina Ferrer,<br />

Maria Salguero.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Rua Antero <strong>de</strong> Figueiredo. De 19/06 a 20/06.<br />

Sáb. às 21h30. Dom. às 17h30 e 21h30. 5€ a 12€.<br />

Uma peça teatral junta,<br />

habitualmente, um público num<br />

lugar específico – uma sala <strong>de</strong><br />

espectáculos, por exemplo. Neste<br />

caso, “Domini Públic” vai juntar,<br />

amanhã e <strong>de</strong>pois, numa rua junto ao<br />

Teatro Maria Matos, em <strong>Lisboa</strong>, um<br />

público que além <strong>de</strong> espectador será<br />

actor. A i<strong>de</strong>ia é reflectir sobre os<br />

vários papéis que cada pessoa<br />

representa no dia-a-dia, sem disso ter<br />

consciência. E pôr em cena, num<br />

espaço aberto e público, uma<br />

reflexão artística e sociológica sobre a<br />

comunida<strong>de</strong>.<br />

O projecto nasceu <strong>de</strong> uma<br />

convicção: “O teatro po<strong>de</strong> ser mais<br />

útil para reflectir sobre o que significa<br />

ser uma comunida<strong>de</strong> do que para<br />

reflectir sobre o indivíduo”, explica o<br />

Diogo. Pela Má Criação.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Piscina <strong>Municipal</strong> do Areeiro. Av. <strong>de</strong> Roma,<br />

28. De 24/06 a 30/06. 2ª a Sáb. às 21h30. 5€ a 12€.<br />

Vai Vem<br />

A partir <strong>de</strong> Beckett, entre outros.<br />

Encenação <strong>de</strong> José Wallenstein. Com<br />

Sandra Celas.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Clube Estefânia. R. Alexandre Braga, 24-A. De<br />

24/06 a 27/06. 5ª a Dom. às 22h. Tel.: 213542249. 10€.<br />

Cabeças Falantes - Festival <strong>de</strong><br />

Monólogos.<br />

Agosto - Contos da Emigração<br />

De Ferreira <strong>de</strong> Castro, Rodrigues<br />

Miguéis, entre outros. Pela Barraca.<br />

Encenação <strong>de</strong> Maria do Céu Guerra.<br />

<strong>Lisboa</strong>. A Barraca - Teatro Cinearte. Lg Santos, 2. De<br />

18/06 a 20/06. 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 17h. Tel.:<br />

213965360.<br />

Continuam<br />

Debate<br />

Meias Irmãs<br />

De Nuno Milagre.<br />

Pelo Teatro da<br />

Terra. Encenação<br />

<strong>de</strong> Gonçalo<br />

Amorim.<br />

Ponte <strong>de</strong> Sôr. Teatro<br />

Cinema. Av. Manuel Pires<br />

Filipe. Até 27/06. 4ª a Sáb.<br />

às 21h30. Dom. às 17h. Tel.:<br />

242292073. 6€.<br />

O Saguão<br />

De Spiro Scimone.<br />

Pelo Teatro <strong>dos</strong><br />

Fernando Mora Ramos, Portela, os quatro autores<br />

Américo Rodrigues, José do livro “Quatro Ensaios<br />

Luís Ferreira ra e Manuel à Boca <strong>de</strong> Cena – para<br />

uma polít política teatral e da<br />

programação”, program vão estar<br />

quarta-feira, quarta-f dia 23, nas<br />

instalações instalaçõ do Fórum<br />

Dança Da D nça / O Rumo do<br />

encenador catalão Roger Bernat, que<br />

apresenta o seu espectáculo como<br />

“um jogo social em tamanho real”. E<br />

especifica, ao telefone a partir <strong>de</strong><br />

Barcelona, dias antes <strong>de</strong> chegar a<br />

<strong>Lisboa</strong>: “O cinema trabalha a<br />

individualida<strong>de</strong>, e ali vemos uma<br />

coisa que nos i<strong>de</strong>ntifica pessoalmente<br />

e não como grupo. Com a pintura é o<br />

mesmo. Mas o teatro não. O teatro é a<br />

única arte que trabalha a<br />

comunida<strong>de</strong>.” Ao público-actor <strong>de</strong><br />

“Domini Públic” não é pois atribuído<br />

nenhum papel individual.<br />

Des<strong>de</strong> que foi criado há dois anos<br />

em Barcelona, “Domini Públic”<br />

viajou, entre outros países, por<br />

Canadá, Croácia, Bélgica e França.<br />

No ano passado, originou a<br />

publicação <strong>de</strong> um livro. Para cada<br />

um <strong>dos</strong> <strong>de</strong>stinos, uma versão<br />

adaptada do mo<strong>de</strong>lo original foi<br />

pensada. “Este é um espectáculo<br />

muito local, fala <strong>de</strong> nós enquanto<br />

Aloés. Encenação <strong>de</strong> Jorge Silva.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Meridional. R. do Açúcar, 64 – Beco<br />

da Mitra. Até 27/06. 4ª a Dom. às 22h. Tel.:<br />

218689245.<br />

Mulheres Profundas, Animais<br />

Superfi ciais<br />

De Howard Barker. Pelas Boas<br />

Raparigas. Encenação <strong>de</strong> Rogério <strong>de</strong><br />

Carvalho.<br />

Porto. Estúdio Zero. R. do Heroísmo, 86. Até 4/07.<br />

3ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h. Tel.: 225373265.<br />

Fim <strong>de</strong> Partida<br />

De Samuel Beckett. Encenação <strong>de</strong><br />

Julio Castronuovo.<br />

Matosinhos. Cine-Teatro Constantino Nery. Avenida<br />

Serpa Pinto. Até 27/06. 4ª a Sáb. às 21h30. Tel.:<br />

229392320.<br />

A Beleza do Pecado<br />

A partir <strong>de</strong> Stig Dagerman, entre<br />

outros. Pelo Teatro Art’Imagem.<br />

Encenação <strong>de</strong> Fernando Moreira.<br />

Porto. Cace Cultural do Porto. R. Do Freixo, 1071.<br />

Até 20/06. 3ª a Dom. às 21h30. Tel.: 22 2084014.<br />

Dança<br />

Estreiam<br />

Haute Couture<br />

De Rafael Alvarez. Com Paulo<br />

Guerreiro.<br />

Évora. Teatro Garcia <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong>. Pç. Joaquim<br />

António <strong>de</strong> Aguiar. De 18/06 a 19/06.<br />

6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 266703112. 8€.<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Os espectadores são os verda<strong>de</strong>iros<br />

actores <strong>de</strong> “Domini Públic”:<br />

juntos, acabarão por contar<br />

“uma fi cção muito simples,<br />

como a <strong>de</strong> um fi lme americano”<br />

grupo e enquanto grupo estamos<br />

muito liga<strong>dos</strong> à nossa geografia, à<br />

nossa história e à cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

vivemos”, explica Bernat. E, para<br />

essa adaptação ao local, a<br />

companhia <strong>de</strong>dica sempre “uma<br />

semana tentar que o espectáculo se<br />

enraíze, que ocupe realmente a<br />

realida<strong>de</strong> da cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> está.” Uma<br />

parte do espectáculo será pois<br />

totalmente lisboeta, em português.<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

JUN ~1O<br />

Fumo (LX Factory), em<br />

<strong>Lisboa</strong>, para um <strong>de</strong>bate<br />

aberto ao público sobre<br />

o panorama <strong>dos</strong> teatros<br />

em Portugal. A conversa<br />

começa às 19h e terá a<br />

mo<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> Rui Vieira<br />

Nery.<br />

A música inclui obras <strong>de</strong> Mozart,<br />

Mahler, Grieg, Borodin, e outros,<br />

mas só se ouve nos auscultadores<br />

<strong>dos</strong> espectadores-actores anónimos.<br />

“No espaço público, não há música<br />

nem cenário, nem nada que possa<br />

perturbar as pessoas que participam<br />

no espectáculo. Quem passa na rua e<br />

não participa vê coisas estranhas a<br />

acontecer mas não percebe o que é.<br />

Só os que participam vão po<strong>de</strong>r verse<br />

uns aos outros numa cena<br />

surpresa no final”, continua Bernat.<br />

No início da peça, o público<br />

começa por representar o seu<br />

próprio papel e, aos poucos, vai<br />

recebendo por auscultadores<br />

instruções e perguntas para, a partir<br />

daí, se dividir em grupos e assumir<br />

uma função social. Vêem-se assim<br />

pessoas espalhadas, a respon<strong>de</strong>r a<br />

perguntas com o braço levantado ou<br />

em movimento para um lado, em<br />

reacção ao que lhes é perguntado e<br />

que só elas ouvem. A acção <strong>de</strong>sses<br />

diferentes grupos acaba por contar<br />

uma história, “uma ficção muito<br />

simples, como a <strong>de</strong> um filme<br />

americano”, conclui Bernat.<br />

16 A 19 JUN FESTIVAL<br />

CHOPIN<br />

ANTÓNIO<br />

ROSADO<br />

17 E 18 JUN<br />

COM A ORQUESTRA<br />

METROPOLITANA<br />

DE LISBOA<br />

MAESTRO<br />

JEAN-SÉBASTIEN BÉREAU<br />

QUINTA E SEXTA ÀS 21H00<br />

SALA PRINCIPAL M/3<br />

MÁRIO<br />

LAGINHA<br />

TRIO<br />

19 JUN<br />

SÁBADO ÀS 21H00<br />

SALA PRINCIPAL M/3<br />

JAM<br />

CHOPIN<br />

19 JUN<br />

SÁBADO ÀS 21H00<br />

JARDIM DE INVERNO M/3<br />

ENTRADA LIVRE<br />

FINALISTAS<br />

DO CONCURSO<br />

JOVENS<br />

PIANISTAS<br />

2O1O<br />

ATÉ 19 JUN<br />

QUARTA A SÁBADO ÀS 18H30<br />

JARDIM DE INVERNO M/3<br />

ENTRADA LIVRE<br />

APOIOS<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />

BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />

Ípsilon • Sexta-feira 18 Junho 2010 • 63<br />

WWW.TEATROSAOLUIZ.PT<br />

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