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ADI 3682 - Supremo Tribunal Federal

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Revista Trimestral de Jurisprudência<br />

volume 202 – número 2<br />

outubro a dezembro de 2007<br />

páginas 453 a 922


Diretoria-Geral<br />

Sérgio José Américo Pedreira<br />

Secretaria de Documentação<br />

Altair Maria Damiani Costa<br />

Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência<br />

Nayse Hillesheim<br />

Seção de Preparo de Publicações<br />

Leide Maria Soares Corrêa Cesar<br />

Seção de Padronização e Revisão<br />

Rochelle Quito<br />

Seção de Distribuição de Edições<br />

Leila Corrêa Rodrigues<br />

Diagramação: Fabiana Antonia da Silva e Joyce Ferreira<br />

Capa: Núcleo de Programação Visual<br />

(<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)<br />

Revista trimestral de jurisprudência / <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, Coordenadoria de Divulgação de<br />

Jurisprudência. – Ano 1, n. 1 (abr./jun. 1957)- . –<br />

Brasília: Imprensa Nacional, 1957-.<br />

v. 202-2; 22 cm.<br />

Três números a cada trimestre.<br />

Editores: Editora Brasília Jurídica, 2002-2006; <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> 2007- .<br />

ISSN 0035-0540<br />

1. Direito - Jurisprudência - Brasil. I. Brasil. <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (STF).<br />

Solicita-se permuta.<br />

Pídese canje.<br />

On demande l'échange.<br />

Si richiede lo scambio.<br />

We ask for exchange.<br />

Wir bitten um Austausch.<br />

CDD 340.6<br />

STF/CDJU<br />

SAAN<br />

Qd. 3, Lt. 915, 1º andar<br />

72220-000 – Brasília-DF<br />

rtj@stf.gov.br<br />

Fone: (0xx61) 3403-3795


SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL<br />

Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000), Presidente<br />

Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), Vice-Presidente<br />

Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)<br />

Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)<br />

Ministro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003)<br />

Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003)<br />

Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)<br />

Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004)<br />

Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (16-3-2006)<br />

Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006)<br />

Ministro Carlos Alberto MENEZES DIREITO (5-9-2007)<br />

PRIMEIRA TURMA<br />

COMPOSIÇÃO DAS TURMAS<br />

Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello, Presidente<br />

Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO<br />

Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI<br />

Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha<br />

Ministro Carlos Alberto MENEZES DIREITO<br />

SEGUNDA TURMA<br />

Ministro José CELSO DE MELLO Filho, Presidente<br />

Ministro GILMAR Ferreira MENDES<br />

Ministro Antonio CEZAR PELUSO<br />

Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes<br />

Ministro EROS Roberto GRAU<br />

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA<br />

Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA


COMISSÃO DE REGIMENTO<br />

Ministro CELSO DE MELLO<br />

Ministro GILMAR MENDES<br />

Ministro MENEZES DIREITO<br />

Ministra CÁRMEN LÚCIA – Suplente<br />

COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA<br />

Ministro MARCO AURÉLIO<br />

Ministro JOAQUIM BARBOSA<br />

Ministro RICARDO LEWANDOWSKI<br />

COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO<br />

Ministro CEZAR PELUSO<br />

Ministro CARLOS BRITTO<br />

Ministro EROS GRAU<br />

COMISSÃO DE COORDENAÇÃO<br />

Ministro GILMAR MENDES<br />

Ministro CEZAR PELUSO<br />

Ministra CÁRMEN LÚCIA<br />

COMPOSIÇÃO DAS COMISSÕES


SUMÁRIO<br />

ACÓRDÃOS ................................................................................................461<br />

ÍNDICE ALFABÉTICO ..............................................................................885<br />

ÍNDICE NUMÉRICO ..................................................................................919<br />

Pág.


ACÓRDÃOS


MEDIDA CAUTELAR NA<br />

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 11 — DF<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Requerente: Governador do Distrito <strong>Federal</strong><br />

Fazenda Pública. Prazo processual. Embargos à execução. Prazos<br />

previstos no art. 730 do CPC e no art. 884 da CLT. Ampliação pela Medida<br />

Provisória 2.180-35/01, que acrescentou o art. 1º-B à Lei federal 9.494/97.<br />

Limites constitucionais de urgência e relevância não ultrapassados. Dissídio<br />

jurisprudencial sobre a norma. Ação direta de constitucionalidade. Liminar<br />

deferida. Aplicação do art. 21, caput, da Lei 9.868/99. Ficam suspensos todos<br />

os processos em que se discuta a constitucionalidade do art. 1º-B da Medida<br />

Provisória 2.180-35.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade<br />

da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, deferir a cautelar,<br />

nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente. Falou pelo Requerente a Dra. Maria<br />

Dolores Serra M. Martins. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Marco<br />

Aurélio. Licenciada a Ministra Ellen Gracie (Presidente).<br />

Brasília, 28 de março de 2007 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de ação direta de constitucionalidade, com<br />

pedido de liminar, movida pelo Governador do Distrito <strong>Federal</strong>, que pretende ver declarado<br />

constitucional o disposto no art. 1º-B da Lei 9.494, de 10-9-97, acrescentado pelo art. 4º da<br />

Medida Provisória 2.180-35, de 24-8-01 (fls. 2/15).


464<br />

R.T.J. — 202<br />

Tal norma ampliou para trinta (30) dias o prazo que os arts. 730 do Código de Processo<br />

Civil e 884 da Consolidação das Leis do Trabalho concediam à Fazenda Pública, para<br />

oferecimento de embargos à execução.<br />

O Autor vindica interesse jurídico na declaração, uma vez que teriam sobrevindo<br />

inúmeras decisões que reputaram, incidentalmente, inconstitucional a mesma norma,<br />

inclusive uma exarada pelo Pleno do <strong>Tribunal</strong> Superior do Trabalho, demonstrando assim<br />

a existência de efetiva controvérsia judicial a respeito.<br />

Como fundamento da pretensão, aduz que a Medida Provisória 2.180-35 é anterior à<br />

Emenda Constitucional 32/01, a qual impediu o uso dessa via legislativa para dispor sobre<br />

matéria processual, mas validou as editadas até a data de sua publicação (art. 2º).<br />

A par disso, far-se-iam presentes os requisitos constitucionais da relevância e da<br />

urgência (art. 62 da CF). O volume de demandas e a estrutura insuficiente da advocacia<br />

estatal tornariam imperativa a ampliação do prazo para embargos à execução, coisa que já<br />

não poderia ficar na dependência do lento trâmite legislativo do projeto (de número 2.689/<br />

96) que, sobre a mesma matéria, aguarda há quase dez anos deliberação.<br />

Em caráter liminar, pede “a suspensão dos julgamentos dos processos que envolvam<br />

a aplicação do artigo 1º-B da Lei <strong>Federal</strong> nº 9.494/97, acrescentado pelo artigo 4º da<br />

Medida Provisória 2.180-35/2001” (fl. 14).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Tenho, em princípio, por admissível a ação<br />

direta de constitucionalidade.<br />

Reputo haver o Autor logrado demonstrar interesse de agir, na particular conformação<br />

que essa condição adquire na via processual da ação direta de constitucionalidade. É<br />

que se não pode negar a ocorrência de efetivo dissenso jurisprudencial sobre a<br />

constitucionalidade do art. 1º-B da Lei 9.494, de 10-9-97, acrescentado pelo art. 4º da<br />

Medida Provisória 2.180-35, de 24-8-01, o que prova a existência de dúvida objetiva a<br />

respeito (ADC 8-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 12-8-99). De tal quadro constitui<br />

exemplo o acórdão proferido pelo órgão plenário do <strong>Tribunal</strong> Superior do Trabalho, que,<br />

em juízo incidental, declarou, por maioria de votos, a inconstitucionalidade da norma<br />

(fls. 16/32).<br />

2. E é caso de liminar.<br />

Conforme entendimento consolidado da Corte, os requisitos constitucionais<br />

legitimadores da edição de medidas provisórias, vertidos nos conceitos jurídicos<br />

indeterminados de “relevância” e “urgência” (art. 62 da CF), apenas em caráter excepcional<br />

se submetem ao crivo do Poder Judiciário, por força da regra da separação de poderes (art.<br />

2º da CF) (<strong>ADI</strong> 2.213, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23-4-04; <strong>ADI</strong> 1.647, Rel. Min. Carlos<br />

Velloso, DJ de 26-3-99; <strong>ADI</strong> 1.753-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 12-6-98; <strong>ADI</strong><br />

162-MC, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 19-9-97).<br />

Nesse juízo prévio e sumário, estou em que o chefe do Poder Executivo não transpôs<br />

os limites daqueles requisitos constitucionais, na edição da Medida Provisória 2.180-35,


R.T.J. — 202 465<br />

em especial no que toca ao art. 1º-B, objeto desta demanda. Com efeito, é dotada de<br />

verossimilhança a alegação de que as notórias insuficiências da estrutura burocrática de<br />

patrocínio dos interesses do Estado, aliadas ao crescente volume de execuções contra a<br />

Fazenda Pública, tornavam relevante e urgente a ampliação do prazo para ajuizamento de<br />

embargos.<br />

Tal alteração parece não haver ultrapassado os termos de razoabilidade e proporcionalidade<br />

que devem pautar a outorga de benefício jurídico-processual à Fazenda Pública,<br />

para que se não converta em privilégio e dano da necessária paridade de armas entre as<br />

partes no processo, a qual é inerente à cláusula due process of law (arts. 5º, incisos I e LIV;<br />

CPC, art. 125) (<strong>ADI</strong> 1.753-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 12-6-98).<br />

A observação é, aliás, sobremodo conveniente ao caso do art. 884 da CLT, cujo<br />

prazo se aplica a qualquer das partes, não apenas à Fazenda Pública.<br />

Além disso, faz muito foi apresentado, com igual propósito, o Projeto de Lei 2.689/96<br />

(fls. 52/53), sem que até agora fosse objeto de deliberação, enquanto mais um elemento<br />

expressivo da relevância e da urgência da edição da Medida Provisória 2.180-35, cujo art.<br />

1º-D, que exime a Fazenda Pública do pagamento de honorários advocatícios nas execuções<br />

não embargadas, a Corte já deu incidenter tantum por constitucional, no julgamento do<br />

RE 420.816.<br />

E o requisito do periculum in mora, também esse se faz presente. Como demonstrado<br />

pelo Autor, é já caracterizada a desavença jurisprudencial sobre a constitucionalidade da<br />

norma, e cuja incerteza implica riscos evidentes de gravame ao interesse público. Basta<br />

pensar que inúmeros embargos à execução, opostos sob confiança da validez dos textos<br />

legais, podem reputar-se intempestivos.<br />

E não se cingem ao poder público os perigos dessa instabilidade: a ninguém interessa<br />

a multiplicação de recursos sobre a validade constitucional do art. 1º-B da Medida Provisória<br />

2.180-35, os quais só agravarão o congestionamento da máquina judiciária e o<br />

conseqüente retardo no desfecho dos processos.<br />

3. Do exposto, defiro a liminar, para suspender os processos em que se discute a constitucionalidade<br />

do art. 1º-B da Medida Provisória 2.180-35 (art. 21, caput, da Lei 9.868/99).<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, acompanho o Relator quanto ao<br />

deferimento da medida cautelar, porém faço reserva absoluta quanto aos fundamentos<br />

constantes tanto da petição e referidos da tribuna, quanto à sindicalidade judicial dos<br />

requisitos previstos para a expedição de medida cautelar nos termos do art. 62 da Constituição.<br />

Acompanho, então, o Relator, para sanar quaisquer dúvidas ou questões judiciais<br />

pendentes. Como foi dito expressamente, estou apenas ressalvando.<br />

DEBATE<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Ministra Cármen Lúcia, mas não há<br />

divergência quanto ao voto do Relator, porque ele, também, admite.


466<br />

R.T.J. — 202<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Exatamente, apenas conforme dito expressamente,<br />

faço a ressalva.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Tenho dúvida sobre qual é o artigo da CLT.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Trata-se do que estatuía que o prazo para<br />

embargar e para contestação dos embargos era de cinco dias.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Esse é o comum. O art. 730, porém, refere-se<br />

apenas às execuções contra a Fazenda Pública.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): No entanto, é o mesmo prazo.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Minha indagação é sobre o precedente do<br />

<strong>Tribunal</strong> na <strong>ADI</strong> 1.753-MC, quanto à ampliação do prazo de rescisória apenas em favor<br />

das entidades estatais.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Já consta do Código de Processo Civil norma<br />

tradicionalíssima, que, aliás, advém do Código de 1939 e concede o prazo à Fazenda<br />

Pública.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ressalvei, no precedente, da objeção à criação<br />

de novos privilégios da Fazenda em juízo, aqueles casos que, dizia eu, têm, por si, a<br />

vetustez.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): No entanto, aquele precedente, na verdade,<br />

tem outros fundamentos.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Esses são coerentes na estrutura sistemática<br />

do Código de Processo Civil.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Trouxe, aqui, apenas no que diz respeito<br />

à Fazenda Pública federal, a indicação da PGFN de que existem quatro milhões, seiscentos<br />

e vinte e oito mil, novecentos e doze processos de execução para cerca de mil e duzentos<br />

Procuradores. Disso que estamos a falar.<br />

Basta esse dado para verificarmos que, neste caso, não se pode cogitar de lesão ao<br />

princípio da isonomia se estivermos a tratar de execução e de possíveis embargos à<br />

execução. Mesmo que se estime que haja, por exemplo, dez, vinte ou trinta por cento de<br />

embargos à execução, ainda será uma quantidade expressiva. Certamente – a Ministra<br />

Cármen Lúcia poderá também declinar a sua experiência na Procuradoria de Minas Gerais –<br />

situação semelhante ocorre nas demais Procuradorias estaduais.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, acompanho o Relator, mas adoto as<br />

ressalvas em relação à competência desta Corte para examinar os requisitos de urgência e<br />

relevância.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, acompanho o Relator com as ressalvas<br />

somadas do Ministro Eros Grau e da Ministra Cármen Lúcia.


R.T.J. — 202 467<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Reconheço, preliminarmente, que compete, ao Poder<br />

Judiciário, efetuar o controle jurisdicional dos requisitos condicionantes da válida edição,<br />

pelo chefe do Executivo, das medidas provisórias, em ordem a inibir abusos no desempenho<br />

dessa extraordinária competência normativa atribuída ao Presidente da República.<br />

Assim entendo, Senhor Presidente, porque esta Suprema Corte não pode ignorar<br />

que se registra, hoje, em nosso sistema institucional, um anômalo quadro de disfunção<br />

dos poderes governamentais, de que deriva, em desfavor do Congresso Nacional, o comprometimento<br />

do relevantíssimo poder de agenda, o que culmina por acarretar a perda da<br />

capacidade de o Parlamento condicionar e influir, mediante regular atividade legislativa,<br />

na definição e no estabelecimento de políticas públicas.<br />

Cabe advertir, por isso mesmo, que a utilização excessiva das medidas provisórias<br />

minimiza, perigosamente, a importância político-institucional do Poder Legislativo, pois<br />

suprime a possibilidade de prévia discussão parlamentar de matérias que, ordinariamente,<br />

estão sujeitas ao poder decisório do Congresso Nacional.<br />

Na realidade, a expansão do poder presidencial, em tema de desempenho da função<br />

normativa primária – além de viabilizar a possibilidade de uma preocupante ingerência<br />

do chefe do Poder Executivo da União no tratamento unilateral de questões, que, historicamente,<br />

sempre pertenceram à esfera de atuação institucional dos corpos legislativos –,<br />

introduz fator de desequilíbrio sistêmico que atinge, afeta e desconsidera a essência da<br />

ordem democrática, cujos fundamentos, apoiados em razões de garantia política e de<br />

segurança jurídica dos cidadãos, conferem justificação teórica ao princípio da reserva de<br />

Parlamento e ao postulado da separação de poderes.<br />

Cumpre não desconhecer, neste ponto, que é o Parlamento, no regime da separação<br />

de poderes, o único órgão estatal investido de legitimidade constitucional para elaborar,<br />

democraticamente, as leis do Estado.<br />

É por tal razão, e para evitar que o texto de nossa Lei Fundamental se exponha a<br />

manipulações exegéticas, e seja submetido, por razões de simples interesse político ou de<br />

mera conveniência administrativa, ao império dos fatos e das circunstâncias, degradando-se<br />

em sua autoridade normativa, que entendo possível o exame, por parte do Poder<br />

Judiciário, dos pressupostos da relevância e da urgência, os quais, referidos no art. 62 da<br />

Constituição da República, qualificam-se como requisitos legitimadores e essenciais ao<br />

exercício, pelo Presidente da República, da competência normativa que lhe foi extraordinariamente<br />

outorgada para editar medidas provisórias.<br />

Os pressupostos em questão – urgência da prestação legislativa e relevância da<br />

matéria a ser disciplinada – configuram elementos que compõem a própria estrutura constitucional<br />

da regra de competência que habilita o chefe do Executivo, excepcionalmente,<br />

a editar medidas provisórias.<br />

Tais pressupostos, precisamente porque são requisitos de índole constitucional,<br />

expõem-se, enquanto categorias de natureza jurídica, à possibilidade de controle jurisdicional.<br />

É que a carga de discricionariedade política, subjacente à formulação inicial, pelo<br />

Chefe do Executivo, do juízo concernente aos requisitos da urgência e da relevância, não<br />

pode legitimar o exercício abusivo da prerrogativa extraordinária de legislar.


468<br />

R.T.J. — 202<br />

Vê-se, pois, que a relevância e a urgência – que se revelam noções redutíveis à<br />

categoria de conceitos relativamente indeterminados – qualificam-se como pressupostos<br />

constitucionais legitimadores da edição das medidas provisórias. Constituem requisitos<br />

condicionantes do exercício desse poder extraordinário de legislar que a Carta Política<br />

outorgou ao Presidente da República.<br />

Tratando-se de requisitos de índole constitucional, cabe, ao <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em cada caso ocorrente, analisar a configuração desses pressupostos, cuja<br />

existência se revela essencial ao processo de legitimação do exercício, pelo Presidente<br />

da República, do seu poder de editar medidas provisórias.<br />

Essa percepção do tema – que identifica, na medida provisória, uma categoria<br />

normativa que traduz derrogação excepcional do princípio constitucional da separação<br />

de poderes e que admite, por isso mesmo, a possibilidade, ainda que extraordinária, do<br />

controle jurisdicional sobre os pressupostos da relevância e da urgência – encontra<br />

apoio no magistério da doutrina (CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA, “Medidas Provisórias<br />

e Princípio da Separação de Poderes”, p. 44/69, 62, “in” “Direito Contemporâneo<br />

- Estudos em Homenagem a Oscar Dias Corrêa”, coordenação de Ives Gandra<br />

Martins, 2001, Forense Universitária; CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, “Medidas Provisórias”,<br />

p. 143/147, 2. ed., 1999, Max Limonad; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito<br />

Constitucional Positivo”, p. 533/534, item n. 13.3, 19. ed., 2001, Malheiros; ALEXANDRE<br />

DE MORAES, “Direito Constitucional”, p. 539/541, item n. 4.3.8, 9. ed., 2001, Atlas; ZENO<br />

VELOSO, “Controle Jurisdicional de Constitucionalidade”, p. 168/171, itens ns. 181/182,<br />

1. ed., 1999, Cejup; PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, p. 288,<br />

vol. 3, 1992, Saraiva; U<strong>ADI</strong> LAMMÊGO BULOS, “Constituição <strong>Federal</strong> Anotada”, p. 769/<br />

770, item n. 10, 1. ed., 2000, Saraiva; LUÍS ROBERTO BARROSO, “Constituição da República<br />

Federativa do Brasil”, p. 207, 2. ed., 1999, Saraiva; HUMBERTO BERGMANN<br />

ÁVILA, “Medida Provisória na Constituição de 1988”, p. 84/86, 1997, Fabris Editor, v.g.),<br />

cabendo destacar, ante a precisa abordagem que faz da matéria em causa, a lição, sempre<br />

autorizada, de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (“Curso de Direito Administrativo”,<br />

p. 100/101, itens ns. 56/57, 13. ed., 2001, Malheiros):<br />

O Judiciário não sai de seu campo próprio nem invade discrição administrativa quando<br />

verifica se pressupostos normativamente estabelecidos para delimitar uma dada competência<br />

existem ou não existem. Uma vez que a Constituição só admite medidas provisórias em face de<br />

situação relevante e urgente, segue-se que ambos são, cumulativamente, requisitos indispensáveis<br />

para irrupção da aludida competência. É dizer: sem eles inexistirá poder para editá-las. Se<br />

a Carta Magna tolerasse edição de medidas de emergência fora destas hipóteses, não haveria<br />

condicionado sua expedição à pré-ocorrência destes supostos normativos. Segue-se que têm de<br />

ser judicialmente controlados, sob pena de ignorar-se o balizamento constitucional da competência<br />

para editar medidas provisórias. Com efeito, se “relevância e urgência” fossem noções só<br />

aferíveis concretamente pelo Presidente da República, em juízo discricionário incontrastável, o<br />

delineamento e a extensão da competência para produzir tais medidas não decorreriam da<br />

Constituição, mas da vontade do Presidente, pois teriam o âmbito que o Chefe do Executivo lhes<br />

quisesse dar. Assim, ao invés de estar limitado por um círculo de poderes estabelecido pelo<br />

Direito, ele é quem decidiria sua própria esfera competencial na matéria, idéia antinômica a<br />

tudo que resulta do Estado de Direito.<br />

A circunstância de relevância e urgência serem – como efetivamente o são – conceitos<br />

“vagos”, “fluidos”, “imprecisos”, não implica que lhes faleça densidade significativa. Se dela<br />

carecessem não seriam conceitos e as expressões com que são designados não passariam de<br />

ruídos ininteligíveis, sons ocos, vazios de qualquer conteúdo, faltando-lhes o caráter de palavras,<br />

isto é, de signos que se remetem a um significado.


R.T.J. — 202 469<br />

Do fato de “relevância” e “urgência” exprimirem noções vagas, de contornos indeterminados,<br />

resulta apenas que, efetivamente, muitas vezes pôr-se-ão situações duvidosas nas quais<br />

não se poderá dizer, com certeza, se retratam ou não hipóteses correspondentes à previsão<br />

abstrata do art. 62. De par com elas, entretanto, ocorrerão outras tantas em que será induvidoso<br />

inexistir relevância e urgência ou, pelo contrário, induvidoso que existem. Logo, o Judiciário<br />

sempre poderá se pronunciar conclusivamente ante os casos de “certeza negativa” ou “positiva”,<br />

tanto como reconhecer que o Presidente não excedeu os limites possíveis dos aludidos conceitos<br />

naquelas situações de irremissível dúvida, em que mais de uma intenção seria razoável, plausível.<br />

Assim, fulminará as medidas provisórias, por extravazamento dos pressupostos que as<br />

autorizariam, nos casos de “certeza negativa” e reconhecer-lhes-á condições de válida irrupção<br />

nos demais. (...).<br />

(Grifei.)<br />

Cumpre assinalar, neste ponto, que esse entendimento tem prevalecido no Plenário<br />

do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, quando provocado a examinar a ocorrência dos requisitos<br />

essenciais da urgência e da relevância (CF, art. 62, “caput”), como resulta claro de<br />

decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:<br />

POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL DOS PRESSUPOSTOS CONSTI-<br />

TUCIONAIS (URGÊNCIA E RELEVÂNCIA) QUE CONDICIONAM A EDIÇÃO DE MEDIDAS<br />

PROVISÓRIAS.<br />

- A edição de medidas provisórias, pelo Presidente da República, para legitimar-se<br />

juridicamente, depende, dentre outros requisitos, da estrita observância dos pressupostos constitucionais<br />

da urgência e da relevância (CF, art. 62, “caput”).<br />

- Os pressupostos da urgência e da relevância, embora conceitos jurídicos relativamente<br />

indeterminados e fluidos, mesmo expondo-se, inicialmente, à avaliação discricionária do Presidente<br />

da República, estão sujeitos, ainda que excepcionalmente, ao controle do Poder Judiciário,<br />

porque compõem a própria estrutura constitucional que disciplina as medidas provisórias,<br />

qualificando-se como requisitos legitimadores e juridicamente condicionantes do exercício,<br />

pelo Chefe do Poder Executivo, da competência normativa primária que lhe foi outorgada,<br />

extraordinariamente, pela Constituição da República. Doutrina. Precedentes.<br />

- A possibilidade de controle jurisdicional, mesmo sendo excepcional, apóia-se na necessidade<br />

de impedir que o Presidente da República, ao editar medidas provisórias, incida em<br />

excesso de poder ou em situação de manifesto abuso institucional, pois o sistema de limitação<br />

de poderes não permite que práticas governamentais abusivas venham a prevalecer sobre os<br />

postulados constitucionais que informam a concepção democrática de Poder e de Estado,<br />

especialmente naquelas hipóteses em que se registrar o exercício anômalo e arbitrário das<br />

funções estatais.<br />

UTILIZAÇÃO ABUSIVA DE MEDIDAS PROVISÓRIAS – INADMISSIBILIDADE –<br />

PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – COMPETÊNCIA EXTRAORDINÁRIA DO<br />

PRESIDENTE DA REPÚBLICA.<br />

- A crescente apropriação institucional do poder de legislar, por parte dos sucessivos<br />

Presidentes da República, tem despertado graves preocupações de ordem jurídica, em razão do<br />

fato de a utilização excessiva das medidas provisórias causar profundas distorções que se<br />

projetam no plano das relações políticas entre os Poderes Executivo e Legislativo.<br />

- Nada pode justificar a utilização abusiva de medidas provisórias, sob pena de o Executivo<br />

– quando ausentes razões constitucionais de urgência, necessidade e relevância material<br />

–, investir-se, ilegitimamente, na mais relevante função institucional que pertence ao Congresso<br />

Nacional, vindo a converter-se, no âmbito da comunidade estatal, em instância<br />

hegemônica de poder, afetando, desse modo, com grave prejuízo para o regime das liberdades<br />

públicas e sérios reflexos sobre o sistema de “checks and balances”, a relação de equilíbrio que<br />

necessariamente deve existir entre os Poderes da República.


470<br />

R.T.J. — 202<br />

- Cabe, ao Poder Judiciário, no desempenho das funções que lhe são inerentes, impedir<br />

que o exercício compulsivo da competência extraordinária de editar medida provisória culmine<br />

por introduzir, no processo institucional brasileiro, em matéria legislativa, verdadeiro cesarismo<br />

governamental, provocando, assim, graves distorções no modelo político e gerando sérias<br />

disfunções comprometedoras da integridade do princípio constitucional da separação de poderes.<br />

- Configuração, na espécie, dos pressupostos constitucionais legitimadores das medidas<br />

provisórias ora impugnadas. Conseqüente reconhecimento da constitucionalidade formal dos<br />

atos presidenciais em questão.<br />

(RTJ 190/139-143, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno.)<br />

As presentes observações são feitas, considerados os fundamentos deduzidos pelo<br />

Senhor Governador do Distrito <strong>Federal</strong>, e tendo em vista a sustentação que faz de tese –<br />

da qual frontalmente discordo – segundo a qual não se revela lícito, ao Judiciário, efetuar<br />

o controle dos requisitos constitucionais legitimadores da edição de medida provisória.<br />

Por entender possível, Senhor Presidente, o controle jurisdicional dos requisitos<br />

constitucionais da urgência e da relevância (CF, art. 62, “caput”), e por constatar, na<br />

espécie, em decorrência do exercício desse mesmo poder de controle, a cumulativa satisfação,<br />

no caso, de referidos pressupostos, tenho para mim – examinada a questão sob<br />

uma perspectiva estritamente formal – que o Senhor Presidente da República observou os<br />

pressupostos legitimadores da edição da MP 2.180/35, de 24-08-01, que introduziu, na<br />

Lei 9.494/97, o art. 1º-B, autorizador da ampliação do prazo de embargos à execução<br />

oponíveis pela Fazenda Pública.<br />

Sendo assim, com estas observações, e acompanhando os demais fundamentos do<br />

douto voto proferido pelo eminente Relator, defiro a medida cautelar.<br />

É o meu voto.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, começo por anotar que o<br />

invocado RE 420.816, de que fui Relator, não diz respeito ao art. 1º, b, desse “Leito de<br />

Procusto” dos novos privilégios processuais da Fazenda, em que se transformaram a Lei<br />

9.494 e seus sucessivos aditamentos.<br />

Reconheço, no entanto, presentes as condições da medida cautelar para, nos<br />

termos da Lei 9.868, não declarar, ainda que provisoriamente, a constitucionalidade do<br />

dispositivo, mas, sim, para suspender o curso dos processos em que suscitada a questão<br />

da sua validez.<br />

Acompanho o Relator, no ponto, a fim de evitar as incertezas a esse respeito.<br />

Continuo com profunda perplexidade para aceitar, em nome daquelas tradicionais, já existentes,<br />

a criação de mais um privilégio processual exclusivo da Fazenda Pública, o que não<br />

atinge o dispositivo do art. 884 da CLT, mas diz com o art. 730 do Código de Processo Civil,<br />

que é atinente apenas às execuções contra a Fazenda Pública.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

ADC 11-MC/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Requerente: Governador do<br />

Distrito <strong>Federal</strong> (Advogados: PG/DF – Tiago Pimentel Souza e outros).


R.T.J. — 202 471<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade, deferiu a cautelar, nos termos do voto do<br />

Relator. Votou o Presidente. Falou pelo Requerente a Dra. Maria Dolores Serra M. Martins.<br />

Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Marco Aurélio. Licenciada a<br />

Ministra Ellen Gracie (Presidente). Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar Mendes (Vice-<br />

Presidente).<br />

Presidência do Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Presentes à sessão os<br />

Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos<br />

Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-<br />

Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 28 de março de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


472<br />

R.T.J. — 202<br />

AÇÃO ORIGINÁRIA 1.046 — RR<br />

Relator: O Sr. Ministro Joaquim Barbosa<br />

Revisor: O Sr. Ministro Eros Grau<br />

Apelante: Luiz Gonzaga Batista Júnior — Apelado: Ministério Público do Estado<br />

de Roraima<br />

Homicídio qualificado. Decisão proferida pelo conselho de sentença<br />

do <strong>Tribunal</strong> do Júri. Competência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> para<br />

julgar apelação (art. 102, I, n, da Constituição <strong>Federal</strong>). Jurados convocados<br />

em número excedente. Nulidade relativa, a exigir demonstração do<br />

prejuízo. Assistente de acusação. Irregularidade na nomeação que não<br />

acarreta nulidade. Incomunicabilidade de jurados afirmada por certidão.<br />

Nulidade inexistente. Ausência de contrariedade da decisão do Júri à prova<br />

dos autos. Apelação provida parcialmente para reduzir a pena imposta.<br />

1. Competência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> para julgar recurso<br />

de apelação de decisão proferida pelo <strong>Tribunal</strong> do Júri, havendo impedimento<br />

declarado de mais da metade dos membros do <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

do Estado de Roraima.<br />

2. Convocação, mediante sorteio, de jurados em número superior ao<br />

previsto no art. 433 do Código de Processo Penal configura nulidade relativa,<br />

a exigir prova de haver influído na apuração da verdade substancial<br />

ou na decisão da causa. Alegação de nulidade rejeitada.<br />

3. Eventual irregularidade na nomeação do assistente da acusação<br />

não implica nulidade processual. Precedentes da Corte.<br />

4. Não se constitui em quebra da incomunicabilidade dos jurados o<br />

fato de que, logo após terem sido escolhidos para o conselho de sentença,<br />

eles puderam usar telefone celular, na presença de todos, para o fim de<br />

comunicar a terceiros que haviam sido sorteados, sem qualquer alusão a<br />

dados do processo que seria julgado. Certidão de incomunicabilidade de<br />

jurados firmada por oficial de justiça, que goza de presunção de veracidade.<br />

Precedentes. Nulidade inexistente.<br />

5. A absolvição dos Co-réus, acusados de terem contribuído para a<br />

consumação do crime, na condição de partícipes, não implica absolvição<br />

do Apelante, que foi denunciado como autor intelectual do crime.<br />

6. Não configurada contrariedade da decisão do <strong>Tribunal</strong> do Júri à<br />

prova dos autos. Condenação que encontra respaldo na prova dos autos.<br />

7. A argüição de suspeição do Juiz Presidente do <strong>Tribunal</strong> do Júri e<br />

a alegação de suposta existência de manobras no âmbito do Poder Judiciário<br />

com vistas à condenação do Apelante são meras conjecturas da defesa,<br />

já rechaçadas inúmeras vezes por esta Corte (AO 958, Rel. Min. Moreira<br />

Alves; AO 1.016, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; AO 1.017, Rel. Min. Ellen<br />

Gracie; AO 1.076, Rel. Min. Joaquim Barbosa).


R.T.J. — 202 473<br />

8. A existência de inquérito e de ações penais em andamento contra<br />

o Apelante não é suficiente, no caso concreto, para configurar os maus<br />

antecedentes, tendo em vista que sequer é possível saber por quais crimes<br />

ele está respondendo.<br />

9. Apelação parcialmente provida para reduzir a pena privativa de<br />

liberdade para 16 anos e 6 meses de reclusão, a ser cumprida em regime<br />

inicialmente fechado, excluída da pena-base a circunstância judicial relativa<br />

aos maus antecedentes.<br />

10. Fica, também, afastada a aplicabilidade dos dispositivos penais<br />

referentes aos crimes hediondos, tendo em vista que o delito de homicídio<br />

qualificado não constava da Lei 8.072/90 à época dos fatos.<br />

11. Mandado de prisão a ser expedido tão logo transite em julgado o<br />

presente acórdão.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade<br />

da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, afastar as<br />

preliminares, no que vencidos os Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Sepúlveda<br />

Pertence. No mérito, por unanimidade de votos, dar parcial provimento à apelação, nos<br />

termos do voto do Relator.<br />

Brasília, 23 de abril de 2007 — Joaquim Barbosa, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de recurso de apelação, convertido em<br />

ação originária por força do disposto no art. 102, I, n, da Constituição <strong>Federal</strong>, interposto<br />

por Luiz Gonzaga Batista Júnior de sentença em que o conselho de sentença popular do<br />

<strong>Tribunal</strong> do Júri do Estado de Roraima o condenou à pena de dezessete anos de reclusão,<br />

em regime integralmente fechado, com base no art. 121, § 2º, incisos I (mediante paga) e<br />

IV (mediante recurso que impossibilitou a defesa do ofendido), c/c o art. 62, I (promoção<br />

e organização da atividade criminosa), e o art. 29, todos do Código Penal (fls. 4905-<br />

4908).<br />

O órgão do Ministério Público interpôs embargos de declaração, a fim de afastar a<br />

incidência da Lei 8.072/90 ao caso, com o fundamento de que a Lei 8.930/94, que<br />

incluiu o crime de homicídio qualificado no rol dos hediondos, é posterior aos fatos<br />

pelos quais o Réu foi condenado (fl. 4920). O juiz de direito acolheu os embargos, para<br />

determinar o cumprimento da pena em regime inicial fechado (fl. 4922).<br />

O Apelante juntamente com o irmão, Luiz Antônio Batista, e outras nove pessoas<br />

foram denunciados pelo Ministério Público do Estado de Roraima pela prática dos<br />

crimes previstos no art. 121, § 2º, I e IV, e no art. 288, parágrafo único, na forma dos arts.<br />

69 e 29, com as agravantes do art. 61, II, g, e do art. 62, I, todos do Código Penal.


474<br />

R.T.J. — 202<br />

Narra a denúncia que, em 20 de fevereiro de 1993, o advogado Paulo Coelho<br />

Pereira, militante na comarca de Boa Vista/RR, foi morto em frente à sua residência, com<br />

quatro tiros à queima-roupa, por integrantes 1 de uma organização criminosa permanente,<br />

comandada pelo ora Apelante e por Luiz Antônio Batista, seu irmão.<br />

Aponta-se como motivo determinante do crime o fato de a vítima ter sido eleita, na<br />

véspera da ocorrência do delito, conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil<br />

pelo Estado de Roraima e ter reforçado no discurso de posse a continuação do combate<br />

à corrupção instalada no aparato estatal local.<br />

Entre as constantes críticas veiculadas pela vítima, eram comuns aquelas dirigidas<br />

à nomeação do genitor dos irmãos posteriormente indiciados pelo crime para o exercício<br />

do cargo de desembargador do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de Roraima, além de outras<br />

relativas à atuação profissional do ora Apelante na Delegacia-Geral de Crimes contra o<br />

Patrimônio, da qual fora delegado titular.<br />

O Apelante foi pronunciado apenas pelo crime previsto no art. 121, § 2º, I e IV, do<br />

Código Penal, por não ter ficado comprovada a existência da organização criminosa<br />

permanente, conforme assentado na sentença de pronúncia (fls. 2602-2619).<br />

Além de seu irmão, Luiz Antônio Batista, foram também pronunciados pela prática<br />

do crime: Antônio Cosme da Silva Filho, Bráz Gondin Lopes de Barros Júnior, Afonso<br />

Celso Pires Moreira, Ágapto Lauro de Almeida, André Augusto de Oliveira Cardoso e<br />

Sebastião Rodrigues Figueira. Os quatro primeiros já foram submetidos a julgamento<br />

pelo <strong>Tribunal</strong> do Júri e absolvidos (sentença de fls. 3889-3891); os dois últimos foram<br />

despronunciados pelo <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de Roraima, que proveu recurso em<br />

sentido estrito interposto pela defesa.<br />

O Apelante, depois de ter sido despronunciado pelo <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado<br />

de Roraima, teve a sentença de pronúncia restabelecida por acórdão do Superior <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 147.470, interposto pelo<br />

Ministério Público, conforme atesta o ofício à fl. 4164.<br />

Submetido a julgamento pelo <strong>Tribunal</strong> do Júri em 2-9-03, o Apelante foi condenado,<br />

nos termos acima expostos, mas da decisão interpôs o presente recurso de apelação (fls.<br />

4934-4961).<br />

Em decorrência da declaração de impedimento de mais da metade dos membros do<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça de Roraima, os autos foram remetidos a esta Corte, mediante a decisão<br />

de fls. 5054-5055.<br />

1 “As investigações dão conta que foi José Ricardo Cardoso, o ‘ouriçado’, que consumou o plano e na<br />

condição de pistoleiro de aluguel (...). José Ricardo Cardoso, o ‘Ouriçado’, a mando direto de Luiz<br />

Gonzaga Batista Júnior, ou ‘júnior’ como é conhecido e de Luiz Antônio, foi levado ao local da<br />

execução por uma caminhoneta Volkswagen Parati, verde-metálica, sem placas, pertencente ao <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça de Roraima, e de uso do Desembargador Luiz Gonzaga Batista Rodrigues, conduzida por<br />

Antônio Cosme da Silva Filho, o ‘Sitônio’, ocupada também por Agapto Lauro de Almeida e Braz<br />

Gondin Lopes de Barros Júnior. (...) José Ricardo Cardoso recebeu quinze milhões de cruzeiros como<br />

parte do pagamento pelo serviço, que foi pago por intermédio de André Augusto de Oliveira Cardoso,<br />

que é amigo e reside com Luiz Antônio Batista, conforme remessas feitas através do Banco do Brasil,<br />

em 18 e 26 de março do corrente ano (...)” (Trecho da denúncia de fls. 6-7.)


R.T.J. — 202 475<br />

Passo a resumir as razões fáticas e jurídicas apresentadas no presente recurso.<br />

Alega o Apelante que sua condenação é resultado de vingança privada comandada<br />

por desembargador integrante do <strong>Tribunal</strong> de Justiça estadual e pelo Juiz Presidente do<br />

<strong>Tribunal</strong> do Júri ao qual foi submetido.<br />

Além disso, atribui à vítima péssima conduta moral, política e profissional e sugere<br />

que poderia haver diversos inimigos interessados na morte dela.<br />

Sustenta, em sua defesa, que, assim como o irmão, nunca tivera interesse em ceifar<br />

a vida da vítima, pois não eram desafetos um do outro, e nem razão havia para isso.<br />

Afirma, para reiterar a inexistência de inimizade entre eles, que, ao contrário do que foi<br />

dito nos autos, a vítima não fora autora da ação promovida para desconstituir a nomeação<br />

do pai dos Réus para integrar a composição inicial do <strong>Tribunal</strong> de Justiça de<br />

Roraima.<br />

Destaca, ainda, o fato de que, de todos os denunciados, somente os irmãos Batista<br />

permanecem envolvidos na trama contra eles engendrada, o que sugere a existência de<br />

negociação entre pessoas que os perseguem no âmbito estadual e assessores de ministro<br />

do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, onde foi julgado o recurso especial interposto pelo<br />

Ministério Público que deu ensejo ao restabelecimento da pronúncia.<br />

Ademais, entende que a absolvição de quatro acusados, decorrente do acolhimento<br />

da tese de negativa de autoria, inevitavelmente absolve também a si e a seu irmão,<br />

apontados como os mandantes do crime.<br />

Afirma que a sessão de julgamento do Júri padece de nulidade, pois nela teria<br />

ocorrido violação do disposto no art. 427 do Código de Processo Penal, ante a presença<br />

de exagerado número de jurados e suplentes, a impossibilitar à defesa a investigação de<br />

cada uma das 56 pessoas convocadas; atuação de advogado da OAB, Secção de<br />

Roraima, como assistente de acusação, em desacordo com a exigência do art. 49 da Lei<br />

8.906/94 (Estatuto do Advogado), e quebra de incomunicabilidade dos jurados, que puderam<br />

usar o telefone celular mesmo depois de terem sido sorteados (CPP, art. 564, III, j).<br />

O Apelante impugna ainda a dosimetria da pena, alegando erro em sua aplicação.<br />

Alega também que a condenação é manifestamente contrária à prova dos autos,<br />

pois o que serviu para absolver os outros acusados foi utilizado para condená-lo e a seu<br />

irmão.<br />

Por fim, argúi a suspeição do Juiz Presidente do <strong>Tribunal</strong> do Júri, por suposto<br />

interesse na condenação.<br />

O Ministério Público estadual expõe nas contra-razões (fls. 5034-5037): (i) que o<br />

fato de quatro acusados terem sido absolvidos em nada interfere na condenação do<br />

Recorrente e de seu irmão, até porque o autor material do delito está foragido; (ii) que<br />

não há nulidade alguma quanto ao número a maior na convocação dos jurados, pois a lei<br />

estabelece uma quantidade mínima, de sorte que excedê-la em nada prejudica o Réu;<br />

(iii) que os jurados sorteados tiveram permissão para telefonar aos familiares antes do<br />

início do julgamento e tão-somente para lhes comunicar sua permanência na sessão e a<br />

ausência de novo contato até o encerramento desta, tendo as ligações sido feitas no<br />

próprio Plenário, na presença de todos, a fim de que nada fosse comentado sobre o feito.


476<br />

R.T.J. — 202<br />

O Parquet estadual também refuta os argumentos relativos à aplicação da pena,<br />

afirmando que não há irregularidade alguma nos critérios de sua fixação.<br />

Ressalta que o Apelante e seu irmão, ambos ex-delegados de polícia nomeados<br />

sem concurso público, utilizando-se do cargo de desembargador à época ocupado pelo<br />

pai, praticavam diversas arbitrariedades no Estado, como torturas, abuso de autoridade,<br />

apropriações, lesões corporais, entre outras, o que indica seu tipo de personalidade.<br />

Considera frágil o argumento de que o Apelante sofre perseguição de desembargador<br />

do <strong>Tribunal</strong> de Justiça, pois os irmãos Batista atacaram todas as autoridades que atuaram<br />

no processo, inclusive o Juiz Presidente do <strong>Tribunal</strong> do Júri, o promotor signatário das<br />

razões e o comandante-geral da Polícia Militar.<br />

A Procuradoria-Geral da República opina pelo não-provimento da apelação (fls.<br />

5061-5077).<br />

É o relatório, que encaminho, com os autos, ao eminente Ministro Revisor, distribuindo-se<br />

cópias, oportunamente, aos demais Senhores Ministros (arts. 613, I, do CPP e<br />

87, II, do RISTF).<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Inicialmente examino a questão preliminar<br />

relativa à competência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> para julgar a presente apelação.<br />

Ressalto que os autos foram remetidos a esta Corte por força do impedimento<br />

declarado de mais da metade dos membros do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de Roraima,<br />

fazendo incidir, como reconhecido na AO 958, Relator o Ministro Moreira Alves, o<br />

disposto no art. 102, I, n, da Constituição <strong>Federal</strong>, que atrai a competência ao <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> para processar e julgar o feito.<br />

Sobre a questão, acolho integralmente a manifestação da Procuradoria-Geral da<br />

República, que segue transcrita:<br />

4. Preliminarmente, cumpre reconhecer a competência dessa Excelsa Corte para processar<br />

e julgar o feito. Efetivamente, a hipótese enseja a aplicação da norma inserta no art. 102, inciso<br />

I, alínea n, da Constituição da República.<br />

5. Conforme a cediça jurisprudência desse Pretório Excelso, em se verificando impedimento<br />

ou suspeição de membros da Corte competente, cumprirá se verifique a possibilidade de<br />

o julgamento realizar-se, pelo órgão competente, com a substituição, na forma regimental, dos<br />

impedidos ou suspeitos, inclusive, se a tanto necessário, mediante convocação de Juiz de instância<br />

inferior. Vale colacionar os seguintes arestos sobre o tema:<br />

“Competência – Alínea n do inciso I do artigo 102 da Constituição <strong>Federal</strong> –<br />

Objeto – Impedimento ou suspeição – A incidência do disposto na alínea n do inciso I do<br />

artigo 102 da Constituição <strong>Federal</strong> não prescinde, no caso de impedimento ou suspeição,<br />

de apreciação do incidente na origem, pronunciando-se os integrantes do <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça sobre a pecha – Impedimento ou suspeição – Declaração – Alcance – O impedimento<br />

ou a suspeição reconhecidos em certo processo nele surtem efeitos, não alcançando<br />

automaticamente processo diverso.”<br />

(STF – RCLS 685 – RR – TP – Rel. Min. Marco Aurélio – DJU 12.04.2002 – p. 00055)<br />

“Competência – Constituição, art. 102, I, n – Ação cautelar de funcionários<br />

públicos federais pleiteando pagamento de diferenças de vencimentos, resultantes da<br />

aplicação da URP – Concedida a liminar, houve agravo de instrumento da União <strong>Federal</strong>.


R.T.J. — 202 477<br />

A Corte Regional <strong>Federal</strong> não conheceu do recurso, determinando a remessa dos autos ao<br />

STF, porque o relator e membros do mesmo <strong>Tribunal</strong> declararam suspeição, eis que<br />

vindicaram, em juízo, idêntico pagamento. Hipótese em que a vantagem não seria específica<br />

da magistratura, mas se estenderia aos servidores federais em geral. Firmou orientação<br />

o STF, quanto ao art. 102, I, n, da Constituição, em casos dessa natureza, no sentido de<br />

afastar sua competência originária, para que a causa tenha curso nas instâncias ordinárias<br />

competentes. Em se verificando impedimento ou suspeição de membros da Corte competente,<br />

para conhecer de recurso interposto na demanda, cumprira se verifique a possibilidade<br />

de o julgamento realizar-se, pelo órgão competente, com a substituição, na forma<br />

regimental, dos impedidos ou suspeitos, inclusive, se a tanto necessário, mediante convocação<br />

de juiz de instância inferior. Devolução dos autos ao <strong>Tribunal</strong> de origem, para que<br />

verifique a possibilidade de constituir o quorum necessário da turma julgadora competente.”<br />

(STF – AO 106 – MS – T.P. – Rel. Min. Néri da Silveira – DJU 18.03.1994)<br />

6. Todavia, diante das declarações de impedimento da maioria dos membros integrantes<br />

do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de Roraima, bem assim verificada a impossibilidade de substituição,<br />

exsurge a competência do Colendo <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> para processar e julgar o<br />

presente recurso. Nesse sentido, válido trazer à colação o seguinte aresto, verbis:<br />

“Reclamação. Alegada usurpação da competência do STF prevista na alínea n do<br />

inc. I do art. 102 da Constituição <strong>Federal</strong>. Impedimento da maioria dos membros do<br />

<strong>Tribunal</strong> de origem. Impossibilidade da convocação de juízes de direito. Não havendo<br />

maioria desimpedida dos membros do tribunal de origem para julgar o mandado de<br />

segurança, não é de se admitir a substituição dos suspeitos ou impedidos mediante<br />

convocação de juízes de direito de segunda entrância, mas sim de deslocar-se a competência<br />

para o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, na forma da alínea n do inc. I do art. 102 da<br />

Constituição <strong>Federal</strong>. Procedência da reclamação.” (RCL nº 1004/AM, Relator Ministro<br />

Ilmar Galvão, DJ de 04/02/2000) (grifo nosso).<br />

7. Diga-se, aliás, que tal situação já havia sido vislumbrada por Vossa Excelência nos autos<br />

das Ações Originárias nºs 1.034 e 1.035, ambas de Roraima, correspondentes a um habeas<br />

corpus e a uma correição parcial, respectivamente, onde o caso examinado é o mesmo.<br />

8. Conclui-se, portanto, que o órgão jurisdicional competente para processar e julgar a<br />

apelação interposta por Luiz Gonzaga Batista Júnior é esse colendo <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,<br />

por força da alínea n do inciso I do art. 102 da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

(Fls. 5062-5064.)<br />

Prossigo no exame de admissibilidade.<br />

Conheço do recurso de apelação interposto, porquanto tempestivo, tanto no que<br />

concerne à interposição (o recurso foi interposto ainda na sessão de julgamento, conforme<br />

consta da respectiva ata, de fls. 4910-4912), como no que diz respeito à apresentação das<br />

razões (o Apelante foi intimado para apresentá-las em despacho publicado em 27-9-03 e<br />

apresentou-as em 1º-10-03).<br />

No mérito, o Apelante alega: (i) nulidade posterior à pronúncia, nos termos do art.<br />

564, IV, do Código de Processo Penal, concernente ao número exagerado de jurados e<br />

suplentes (35 jurados e 21 suplentes); (ii) nulidade absoluta em virtude da participação,<br />

no processo, do advogado delegado da OAB, Secção de Roraima, na qualidade de procurador<br />

do assistente de acusação; (iii) nulidade do julgamento (art. 564, IV, do Código<br />

de Processo Penal) por quebra da incomunicabilidade dos jurados; (iv) nulidade do<br />

julgamento por ser a sentença contrária à lei expressa e dada a existência de erro e<br />

injustiça na aplicação da pena; (v) manifesta contrariedade entre a decisão e a prova dos<br />

autos; e (vi) suspeição do juiz do feito e existência de negociação no âmbito do Judiciário<br />

estadual e do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça para sua condenação, por motivos de<br />

ordem pessoal.


478<br />

R.T.J. — 202<br />

Essas causas de pedir são desdobramentos daquelas previstas nas alíneas a, b, c e d<br />

do inciso III do art. 593 do Código de Processo Penal. A fim de conferir mais clareza a<br />

este voto, tratarei em separado de cada uma delas.<br />

I - Da nulidade posterior à pronúncia, nos termos do art. 564, IV, do Código de<br />

Processo Penal, dado o número exagerado de jurados e suplentes.<br />

De início, o Apelante sustenta a nulidade da sessão de julgamento do Júri por<br />

violação do disposto no art. 427 do Código de Processo Penal, ante a presença de<br />

“exagerados” 35 jurados e 21 suplentes. Ressalta que o grande número de convocados<br />

impossibilitou a investigação de cada um deles pela defesa.<br />

A questão já foi analisada pela Primeira Turma, por ocasião do julgamento do HC<br />

72.652 (Rel. para o acórdão Min. Ilmar Galvão, j. 5-12-95). Conforme noticiado no<br />

Informativo 16, ficou decidido na ocasião que:<br />

(...) a convocação, mediante sorteio, de jurados em número superior ao previsto no art.<br />

433 do CPP (vinte e um para a composição do tribunal do júri), configura nulidade relativa, a<br />

exigir oportuna impugnação pela parte interessada, sob pena de preclusão.<br />

O acórdão do referido writ ainda não foi publicado, mas, por meio das notas<br />

taquigráficas do julgamento, pude conhecer das razões adotadas pelo eminente Ministro<br />

Celso de Mello, que, naquela oportunidade, votou vencido, pela concessão da ordem<br />

e reconhecimento da nulidade apontada.<br />

Naquele caso, nas palavras do Ministro Celso, “fez parte do órgão julgador membro<br />

desvestido de legitimidade para o exercício da função de jurado”. É dizer, ainda que<br />

o voto do Ministro tivesse prevalecido naquela ocasião, deve-se observar que o caso era<br />

inteiramente diverso, uma vez que funcionou no conselho de sentença pessoa que não<br />

estava investida na função de jurada. Salientou, ainda, o Ministro Celso de Mello:<br />

“foram sorteados 24 jurados, dos 29 convocados, sendo que integrou o conselho de<br />

sentença a jurada Crispina Bernardo Rodrigues, que fora sorteada em 23º lugar, excedendo,<br />

portanto, ao número legal de vinte e um jurados, determinado pelo art. 433 do<br />

CPP” (HC 72.652, Rel. para o acórdão Min. Ilmar Galvão).<br />

Destaco, apenas para esclarecer, que, no caso sob exame, somente compareceram<br />

à sessão de julgamento 23 jurados, conforme consta da ata de fl. 4910, e que os dois<br />

excedentes (Frederico Pacheco P. de Oliveira e Sérgio Guerino Tretin) não formaram o<br />

conselho de sentença. Portanto, não há de se presumir o prejuízo, já que, mesmo que a<br />

defesa quisesse, não foi necessário usar das recusas peremptórias contra esses jurados<br />

excedentes.<br />

De todo modo, concluiu-se, por ocasião do julgamento do HC 72.652, que, além<br />

de relativa a nulidade, que não fora tempestivamente argüida, não se havia apontado,<br />

no caso, prejuízo que a convocação de jurados, em número superior a 21, tivesse causado<br />

ao Paciente (voto condutor do Ministro Ilmar Galvão).<br />

Com efeito, o Apelante alega nulidade relativa, com base no art. 564, IV, do<br />

Código de Processo Penal.<br />

Segundo consta dos autos, foram convocados 35 jurados titulares sorteados e 21<br />

suplentes. Compareceram à sessão, como já dito, 23 jurados.


R.T.J. — 202 479<br />

A Procuradoria-Geral da República afirma que não há número máximo previsto<br />

para jurados titulares, apenas o mínimo.<br />

O Código de Processo Penal prevê o mínimo legal de 15 jurados para instalação da<br />

sessão. Caso não compareçam 21 jurados, prevê o Código a possibilidade de se proceder,<br />

na própria sessão, ao sorteio dos suplentes para a sessão seguinte (art. 445), que<br />

pode ser no dia seguinte, ou até no mesmo dia – daí a disposição do § 1º, de que o<br />

suplente resida na cidade onde vai servir como jurado, ou a menos de 20 quilômetros<br />

dali. Note-se, portanto, que a quantidade de jurados convocados (in casu, por sorteio)<br />

não guarda relação alguma com o tempo necessário para sua investigação pela<br />

defesa ou pela acusação.<br />

Ademais, no caso em questão, o Apelante teve trinta dias para realizar a investigação<br />

pretendida, o que afasta qualquer possibilidade de prejuízo nesse sentido. O<br />

Código de Processo Penal prevê, no art. 427, que o sorteio deve ser realizado com uma<br />

antecedência de apenas 10 dias do julgamento. Assim, concedeu-se o triplo do tempo<br />

legal para análise da lista pela defesa. E mais: como consta da ata da sessão de julgamento<br />

(fl. 4910), neste interstício – de 30 dias – não houve qualquer manifestação da parte<br />

em argüir a nulidade da convocação! Ora, se a defesa esperou passarem os trinta dias e<br />

chegar o momento da sessão de julgamento para alegar a irregularidade da instalação da<br />

sessão de julgamento, somente se pode concluir que a própria defesa pretendeu dar<br />

causa a uma nulidade.<br />

No ponto, transcrevo a manifestação da Procuradoria-Geral da República:<br />

11. Ademais, não procede o argumento do apelante de que foi prejudicado pela “dificuldade<br />

de investigar um universo de cinqüenta e seis (56) pessoas” (fls. 4950 – Vol. 25), pois o<br />

<strong>Tribunal</strong> do Júri é formado por gente do povo, não podendo e tampouco devendo o réu<br />

pretender escolher os seus julgadores para direcioná-los a determinar seu futuro. Além do<br />

mais, ainda que pretendesse investigar a vida dos jurados, poderia tê-lo feito, pois conforme<br />

consta consignado em ata, a convocação dos jurados para atuarem nesta Quinta Reunião do Júri<br />

foi publicada no Diário do Poder Judiciário número 2696, que circulou trinta dias antes da<br />

sessão de julgamento (fls. 4910 – Vol. 25).<br />

(Fl. 5065 – Grifo original.)<br />

Por outro lado, o Apelante não demonstra de que forma o alegado “excessivo”<br />

número de jurados afetou o julgamento, não alegando, contra qualquer um deles,<br />

circunstância que pudesse ter influenciado na condenação. Vale dizer, mesmo anos<br />

depois do julgamento, o Paciente não encontrou qualquer motivo que pudesse levar a<br />

defesa a rejeitar, justificadamente, um ou alguns dos jurados que integraram o conselho<br />

de sentença.<br />

Correta, portanto, a manifestação do Juiz Presidente do <strong>Tribunal</strong> do Júri na sessão<br />

de julgamento do ora Apelante, conforme consta da ata do julgamento (fl. 4910). Entendeu<br />

o magistrado que não cabe à parte alegar nulidade que não houver influído na<br />

apuração da verdade substancial ou na decisão da causa, nos termos do art. 566 do<br />

Código de Processo Penal.<br />

Assim, aplica-se a jurisprudência da Corte, no sentido de que, para a configuração<br />

de nulidade processual, ainda que absoluta, é necessário que se comprove prejuízo.<br />

Como ressaltou o Ministro Sepúlveda Pertence no HC 81.510, este é um “corolário da<br />

natureza instrumental do processo”. Consta da ementa daquele aresto, verbis:


480<br />

R.T.J. — 202<br />

O âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades – pás de nullité<br />

sans grief – compreende as nulidades absolutas (...)<br />

Assim, entendo que não ficou provado o prejuízo decorrente da convocação de<br />

excessivo número de jurados, razão por que se mostra aplicável o comando contido no<br />

art. 563 do Código de Processo Penal.<br />

II - Da nulidade absoluta em virtude da participação do advogado delegado da<br />

OAB/RR no processo, na qualidade de procurador do assistente de acusação.<br />

Na seqüência, o Apelante questiona a atuação de advogado representante da OAB/<br />

RR como assistente de acusação, em desacordo com a regra segundo a qual somente os<br />

presidentes dos conselhos e das subseções da OAB têm legitimidade para atuar como<br />

assistentes de acusação no caso, consoante dispõe o art. 49 da Lei 8.906/94 (Estatuto do<br />

Advogado).<br />

Necessário, em primeiro lugar, para esclarecer o ponto, ler trecho da ata da sessão<br />

de julgamento que trata da argüição em referência (fls. 4910/4911):<br />

Ouvido, o Ministério Público não vislumbrou óbice, vez que consta decisão nos autos,<br />

habilitando o advogado. (...) há decisão proferida por este Magistrado o habilitando como<br />

assistente, (...) tal decisão foi publicada no Diário do Poder Judiciário – Edição número 2487,<br />

que circulou em 21 de julho de 2002 (Anexo), não havendo, até a presente argüição, nenhuma<br />

manifestação das partes acerca desta constituição. Aliás, tendo o referido Assistente atuado<br />

durante todo o julgamento do acusado co-réu neste processo, Luiz Antônio Batista, em cujo<br />

julgamento também atuou na defesa o i. advogado Francisco Cláudio Rocha Victor, e nem<br />

por isso a defesa argüiu a ilegitimidade da Assistência de Acusação.<br />

O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> entende que, caso haja irregularidade na nomeação<br />

do assistente de acusação, ela não implica nulidade processual. Nesse sentido, o muito<br />

citado HC 73.390, indeferido à unanimidade – o Ministro Marco Aurélio ficou vencido<br />

apenas na preliminar de não-conhecimento do writ (Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de<br />

17-5-96):<br />

Ementa: Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Questão nova. Denúncia. Sentença:<br />

fundamentação. Exame de prova: impossibilidade. Assistente de acusação. Indicação de testemunhas.<br />

Nulidade relativa não argüida no momento processual oportuno. Sentença: omissão.<br />

CPP, art. 271. I - Por conter questão nova, que não foi posta ao exame do <strong>Tribunal</strong> de Justiça,<br />

o habeas corpus não pode ser conhecido, no ponto, sob pena de supressão de instância. II -<br />

Denúncia que descreve o crime de concussão e que atende aos requisitos do art. 41 do CPP. III -<br />

Sentença condenatória e acórdão fundamentados, que levaram em conta não só as declarações<br />

da vítima, mas também o conjunto probatório. IV - O exame do conjunto probatório não se<br />

compatibiliza com a natureza sumaríssima do habeas corpus. Precedentes do STF. V - Pode o<br />

assistente de acusação arrolar testemunhas, desde que obedecido o limite previsto no art. 381 do<br />

CPP. A nomeação do assistente, ainda que irregular, não acarreta a nulidade do processo. VI - A<br />

vítima, que se habilitou como assistente, foi inquirida pelo seu procurador: se irregular o<br />

fato, deveria ter sido alegado no momento processual oportuno, o que não ocorreu. VII -<br />

Não pode ser considerada omissa a sentença que rebate as questões postas pela parte, deixando<br />

de relacioná-las, uma a uma. Precedentes do STF. VIII - Habeas corpus conhecido em parte e,<br />

na parte conhecida, indeferido.<br />

Como destacado naquele acórdão, a jurisprudência da Corte é no sentido de que a<br />

irregularidade na nomeação do assistente não anula o processo (ainda: HC 53.529).


R.T.J. — 202 481<br />

Ademais, ainda que existisse tal nulidade, ela seria de índole relativa, de modo que<br />

deveria ter sido argüida no momento oportuno, como destacado no trecho da decisão<br />

proferida na sessão de julgamento, citado há pouco.<br />

Por fim, frise-se mais uma vez, é imprescindível a demonstração do prejuízo acarretado<br />

ao Apelante pela nomeação do assistente de acusação. Nesse sentido, cf. o HC<br />

72.864 (Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 18-8-00):<br />

Ementa: Habeas corpus. 2. Inquérito policial. Trabalho puramente investigatório. Não há<br />

ver nulidade no processo criminal, em virtude de o réu não ser assistido por defensor na fase do<br />

inquérito policial. É de observar, desde logo, que eventual irregularidade no inquérito policial<br />

não contamina a ação penal. 3. Impugnação quanto à admissão de assistente de acusação.<br />

Preclusão. Qualquer alegação nesse sentido poderia ter sido feita, se não antes, ao menos, ao<br />

ensejo do prazo do art. 500 do CPP e do art. 504 do CPPM. 4. É de ter presente, ademais, que a<br />

condenação do Paciente resultou de complexo exame de provas vindas aos autos e não da<br />

especial atuação da assistente. 5. Habeas corpus indeferido.<br />

Da análise dos autos, percebe-se que a condenação do Apelante foi fruto muito<br />

mais do conjunto probatório e da persecução penal promovida pelo Ministério Público<br />

do que da discreta atuação do assistente de acusação.<br />

Aqui, também, cabe a aplicação do princípio pas de nullité sans grief.<br />

III - Da nulidade do julgamento por quebra da incomunicabilidade dos jurados.<br />

Outro argumento pela nulidade do julgamento diz respeito à suposta quebra de<br />

incomunicabilidade dos jurados, que puderam usar telefone celular mesmo depois de<br />

terem sido sorteados (art. 564, III, j, do Código de Processo Penal).<br />

Segundo consta da ata da sessão de julgamento do <strong>Tribunal</strong> do Júri, o Juiz Presidente<br />

suspendeu a sessão durante cinco minutos para que os jurados comunicassem a<br />

terceiros que iriam participar do julgamento. As ligações foram efetuadas perante todos<br />

os presentes na sessão e limitaram-se à comunicação acerca da participação de cada<br />

jurado, sem nenhuma referência ao processo por julgar.<br />

Ademais, há nos autos certidão de incomunicabilidade de jurados, assinada pelos<br />

oficiais de justiça (fl. 4902), a qual goza de presunção de veracidade, consoante inclusive<br />

já reconhecido por esta Corte, por ocasião do julgamento do HC 69.179 (Rel. Min. Celso<br />

de Mello, DJ de 17-6-05) e do HC 68.171 (Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 8-3-91).<br />

Pela tese de que é desnecessária a incomunicabilidade absoluta dos jurados, precisa<br />

é a lição de Ada Pelegrini Grinover:<br />

A incomunicabilidade dos jurados representa garantia da independência do jurado na<br />

formação de seu convencimento e também do sigilo das votações (...)<br />

Cumpre ressaltar, todavia, que a incomunicabilidade, segundo se deduz das disposições<br />

dos arts. 458, § 1º, e 476 do CPP, diz respeito a assuntos relacionados ao processo, evitando-se<br />

influências externas ou de algum jurado sobre outro naquilo que diz respeito à decisão propriamente<br />

dita; não é razoável exigir-se, como postulava a doutrina precedente, o total isolamento<br />

dos integrantes do Conselho (...) 2<br />

2 GRINOVER. Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães.<br />

As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7. ed., 2001. p. 268.


482<br />

R.T.J. — 202<br />

Some-se a isso o fato de que a autorização judicial de comunicação entre os jurados<br />

e a família foi devidamente registrada em ata, consoante demonstra o seguinte trecho:<br />

Às oito horas e cinqüenta minutos, o MM Juiz Presidente suspendeu a sessão por cinco<br />

minutos para que os jurados sorteados pudessem comunicar a terceiros que iriam participar desta<br />

sessão de julgamento, quanto aos demais, agradeceu suas presenças, os dispensou e os convocou<br />

para estarem presentes na próxima sessão de julgamento que ocorrerá na próxima sexta-feira, dia<br />

cinco do corrente mês e ano. A defesa requereu que constasse em ata que o MM Juiz Presidente<br />

permitiu a comunicação dos jurados, trazendo prejuízo à incomunicabilidade dos mesmos. O<br />

MM Juiz Presidente mandou que constasse a reclamação da defesa, esclarecendo que os senhores<br />

Jurados ainda não prestaram compromisso legal e que, portanto, está na fase de comunicação a<br />

terceiras pessoas que irão participar da presente sessão de julgamento.<br />

(Fl. 4911.)<br />

Senhora Presidente, a incomunicabilidade dos jurados, na forma prevista no § 1º<br />

do art. 458 do Código de Processo Penal, a meu ver, não se reveste de caráter absoluto,<br />

pois, nos termos do próprio dispositivo legal, diz respeito a manifestações que guardem<br />

alguma pertinência com o processo.<br />

Com efeito, no caso em exame, a permissão para que os jurados sorteados para<br />

compor o conselho de sentença comunicassem a terceiros – leia-se: à família – a participação<br />

no julgamento em nada prejudicou ou viciou o convencimento daqueles, principalmente<br />

se levarmos em conta que referida comunicação foi feita na presença de todos,<br />

inclusive tendo sido lavrada certidão de incomunicabilidade de jurados, assinada pelos<br />

oficiais de justiça (fl. 4902).<br />

Sobre o tema, discorre com precisão Maurício Antônio Ribeiro Lopes:<br />

2.3 Relativização da incomunicabilidade.<br />

Como é curial, a incomunicabilidade não é absoluta e, desse modo, o rígido sistema de<br />

nulidades preconizado pelo Código de Processo Penal em termos de julgamentos afetos à competência<br />

do <strong>Tribunal</strong> do Júri, com maior razão, deverá ater-se ao primado de que não se decreta<br />

nulidade sem demonstração de prejuízo.<br />

Conseqüência dessa relativização é a possibilidade de o jurado comunicar-se, desde que<br />

preservado o dever de silencio quanto ao mérito ou a aspectos do caso que possam ser<br />

reveladores de sua tendência, quer para com isso evitar-se a contaminação do convencimento<br />

dos demais jurados, quer para a exteriorização de uma imparcialidade que é sempre requerida.<br />

Poderá, assim, observados esses aspectos, além das autorizações legais para intervenção dos<br />

jurados, quebrar o silêncio.<br />

Este parece ser um aspecto definitivo quanto à regra da incomunicabilidade. Esta não se<br />

confunde com o silêncio, vez que os jurados não fizeram juramentos trapistas ou monásticos.<br />

Vale dizer, os jurados podem falar, mas não podem comunicar opiniões, convicções ou dúvidas<br />

sobre o caso em debate.<br />

(...)<br />

Essa a incomunicabilidade que se estende, inclusive, dos jurados, em relação a terceiros.<br />

(...)<br />

Importa que a comunicação seja pública, na presença do juiz-presidente e demais membros<br />

e atuantes nas tribunas do júri, para que todos possam ouvi-la a fim de aquilatar o quão<br />

isenta de prejulgamentos se encontra. Nosso legislador, nessa matéria, manteve posição intermediária<br />

entre os sistemas inglês e francês.<br />

Quando se exige também a incomunicabilidade em relação ao meio externo há de se<br />

temperar o imperativo com a razoabilidade e circunscrevê-la a quem possa, por alguma maneira,<br />

exercer influência sobre o resultado ou voto.


R.T.J. — 202 483<br />

“Simples telefonema, por si só, não é vedado. Notadamente quando dado antes dos<br />

debates” (STJ, Rel Vicente Cernicchiaro, RSTJ 21/244). 3<br />

Afasto, portanto, a alegação de nulidade decorrente de quebra da incomunicabilidade<br />

dos jurados.<br />

IV - Da alegação de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à<br />

prova dos autos.<br />

Sustenta o Apelante que a absolvição de quatro acusados, pela negativa de autoria,<br />

inevitavelmente absolve também a si e a seu irmão, apontados como mandantes do<br />

crime.<br />

Também não lhe assiste razão nesse ponto.<br />

O Código Penal, no art. 29, ao tratar do concurso de pessoas, prevê as figuras do<br />

autor, co-autor e partícipe, de sorte que pode integrar legitimamente o pólo passivo da<br />

ação penal quem de qualquer modo concorra para o crime, ainda que não tenha praticado<br />

diretamente, no sentido naturalístico, a conduta prevista no núcleo do tipo penal.<br />

Nos termos de nosso Código Penal, autor é aquele que comete a ação típica, aí<br />

incluídos os casos de autoria mediata, influência da teoria do domínio do fato de<br />

Welzel 4 , segundo a qual autor é todo aquele que tem o “domínio final do fato, domina<br />

finalisticamente o decurso do crime e decide sobre sua prática” 5 .<br />

Prevê ainda o Código Penal brasileiro que os vários partícipes do crime devem ser<br />

punidos na medida de sua culpabilidade, em virtude do princípio da individualização<br />

da pena, consagrado constitucionalmente no art. 5º, XLVI.<br />

Consta dos autos que o executor material do crime, apontado na denúncia como<br />

autor dos disparos que causaram a morte da vítima, seria José Ricardo Cardoso, o<br />

“Ouriçado”, que permanece foragido.<br />

Os Co-réus absolvidos foram acusados como partícipes; e o Apelante e seu irmão,<br />

como autores intelectuais do delito. Dessa forma, não obsta o reconhecimento da prática<br />

criminosa do Apelante e de seu irmão, na qualidade de mandantes, o fato de os demais<br />

partícipes terem sido absolvidos, uma vez que o executor material do crime permanece<br />

foragido.<br />

Não há nenhuma incongruência em absolver um partícipe; e condenar outro, ou<br />

mesmo condenar o autor intelectual do crime, quando as provas dos autos o permitirem.<br />

Frise-se que, no concurso de pessoas, há, em geral, identidade quanto às circunstâncias<br />

objetivas do crime (meios e modo de realização da infração penal, tempo, local<br />

e ocasião). Há, entretanto, diferença no tocante às circunstâncias pessoais dos agentes<br />

(motivos determinantes, condições ou qualidades pessoais e relações com o ofendido),<br />

o que possibilita a diferente punição dos partícipes e/ou co-autores, sem maiores problemas.<br />

3<br />

LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. <strong>Tribunal</strong> do júri: Estudo sobre a mais democrática instituição<br />

jurídica brasileira. Coordenação de Rogério Lauria Tucci. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.<br />

Vários colaboradores. p. 265-267.<br />

4<br />

WELZEL. Derecho penal alemán. Tradução de Juan Bastos Ramírez e Sergio Yánêz Pérez. Santiago:<br />

Jurídica de Chile, 1970. p. 143/187.<br />

5<br />

JESUS, Damásio de. Direito Penal. Vol. 1, p. 409.


484<br />

R.T.J. — 202<br />

Não vislumbro, por conseguinte, óbice à condenação do Apelante, em face do que<br />

consta nos autos.<br />

Passo a analisar a alegação de que a condenação é manifestamente contrária à<br />

prova dos autos, na medida em que o que servira para absolver os outros acusados, teria<br />

sido usado para condenar o Apelante, juntamente com seu irmão.<br />

Em primeiro lugar, transcrevo trecho da sentença de pronúncia que considero<br />

elucidativo, por demonstrar o lastro probatório que sustentou a condenação do Apelante:<br />

2.21 Luiz Gonzaga Batista Júnior<br />

2.2.1.1. Diz, em síntese apertada, o Ministério Público ser o denunciado um dos autores<br />

intelectuais do homicídio doloso em exame e membro de um bando ou quadrilha, formada a<br />

partir de membros da Delegacia Geral de Crimes Contra o Patrimônio (DGCCP/RR), da qual o<br />

mesmo fora Delegado Titular.<br />

2.2.1.2. A defesa alega, em resumo, que o denunciado não tinha qualquer animosidade<br />

com a vítima e que, no momento do evento encontrava-se em casa, pois necessitava viajar a<br />

serviço na madrugada do dia 20.02.93.<br />

2.2.1.3. Está comprovado nos autos que este e os demais denunciados gravitavam ao<br />

derredor da Delegacia geral de Crimes Contra o Patrimônio (DGCCP/RR) e de um Gabinete de<br />

Desembargador do <strong>Tribunal</strong> de Justiça de Roraima, prestando serviços ao custo ou ao preço de<br />

cargos comissionados e relações de amizade e parentesco.<br />

2.2.1.4. É induvidoso que o denunciado, filho de um Desembargador do <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

deste Estado e Delegado de Polícia não concursado, era pessoa que tinha, ou pensava ter, poderes<br />

de mando e desmando sem limites. Demonstram isso as testemunhas Maria Consolata Silva Rocha<br />

e Lavoisier Arnoud da Silveira, ao descreverem o “caso Severino”. Naquele episódio funcionou<br />

como advogado da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RR a vítima Paulo Coelho. Alegam as<br />

testemunhas que “Severino” foi vítima de um flagrante preparado pelo Delegado Júnior e de<br />

torturas com choques elétricos praticados por agentes sob seu comando. O testemunho de Carlos<br />

Antonio Sales de Santana noticia animosidade existente entre o denunciado e a vítima.<br />

2.2.1.5. Despertam atenção nesses depoimentos os seguintes aspectos: a animosidade para<br />

com os advogados – dentre eles –Paulo Coelho– e Promotor de Justiça ali presente e o<br />

descumprimento de uma ordem judicial de transferência do preso; e, ainda, antes de travar<br />

conversações com as pessoas ali presentes, após discar um número e sem dizer palavra punha o<br />

telefone fora do gancho, para que outra pessoa ouvisse o que ali se passava; e, por fim, a<br />

afirmação de que o advogado Luiz Antonio Batista era quem mandava na DGCCP/RR e no “caso<br />

Severino”, aos gritos e batendo a cabeça contra a parede, ofendia o Delegado Júnior chamando-o<br />

de frouxo. A ascendência de outrem sobre os atos do delegado Júnior e a encenação exurgem<br />

evidentes nesses episódios.<br />

2.1.6. No dia 19.02.93, até por volta das 22:30min, o denunciado e outros encontravam-se,<br />

segundo testemunhas, no “Big Bar”, retirando-se para sua residência no fim de cumprir diligência<br />

na madrugada seguinte. Tal álibi não é contestado pelo Ministério Público, senão no tocante ao<br />

comprometimento das testemunhas, parentes ou amigas do denunciado, redargüindo, então, que<br />

sua participação seria intelectual, e não material. A autoridade policial federal, em seu relatório,<br />

noticia que o “Big Bar” situa-se na Avenida Benjamin Constant, uma das opções de trajeto a ser feita<br />

pela vítima. Persiste, neste tocante, a necessidade de maior aprofundamento da prova.<br />

2.2.1.7. Os testemunhos de Rosângela dos Santos Catão, Carlos Augusto Cardoso (vol II,<br />

fls. 324/326) e Marcos André Cavalcante vinculam o denunciado ao executor do homicídio e<br />

atribuem-lhe nervosismo exagerado quando o assunto tratado era autoria do mesmo. Ademais,<br />

o pai do denunciado, segundo testemunho de Rosângela dos Anjos Catão, após ameaçar a<br />

testemunha Eliana Almeida Guimarães, manuscreveu documento contendo teor do depoimento<br />

que exigia ver prestado perante a autoridade policial, manuscrito cuja autoria foi confirmada por<br />

Perícia Grafotécnica (vol. VI, fls. 1181/1182). Todos esses depoimentos e fatos atraem para o<br />

denunciado, senão a prova definitiva, mas pelo menos indícios suficientes de seu envolvimento<br />

no crime que vitimou Paulo Coelho.


R.T.J. — 202 485<br />

2.2.1.8. Embora a defesa tenha se esforçado, não conseguiu atribuir ao denunciado bons<br />

antecedentes, cujo espelho repousa na Folha de Antecedentes Criminais (vol. VIII, fls. 1515/<br />

1516 e 1528).<br />

A questão foi bem analisada no parecer da lavra do então Procurador-Geral da<br />

República, Dr. Cláudio Fonteles, que tratou do tema com acuidade (fls. 5061/5077):<br />

Quanto ao argumento de que a decisão é manifestamente contrária à prova dos autos, uma<br />

vez mais falece razão ao apelado. Inicialmente forçoso destacar que tal hipótese só ocorre<br />

quando a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, ou seja, quando<br />

não há suporte probatório para a decisão dos jurados. Se houve, a decisão não será manifestamente<br />

contrária, pois os jurados são soberanos em suas decisões, como preceitua a Constituição<br />

da República de 1988 em seu art. 5º, inciso XXXVIII, alínea c.<br />

Sobre o tema Tourinho Filho afirma “Exige-se, contudo, que a decisão dos jurados não<br />

encontre arrimo em alguma prova. Afinal de contas, os jurados têm inteira liberdade de julgar,<br />

e essa liberdade lhes confere o direito de optar por uma das versões. Se a sua decisão é estribada<br />

em alguma prova, não se pode dizer ser ela manifestamente contrária ao apurado no corpo de<br />

processo.” (Tourinho Filho, Fernando da Costa in Código de processo penal comentado – 5 ed.<br />

ver., aum. e atual. – São Paulo: Saraiva, 1999, p. 593).<br />

Ora Excelência, nos autos há fartura de indícios e provas! Diante do exposto, vale salientar<br />

que nas alegações finais consta que:<br />

“As investigações dão conta que foi José Ricardo Cardoso, o ‘Ouriçado’, que<br />

consumou o plano, e na condição de pistoleiro de aluguel, como era conhecido, com a<br />

arma de fogo que usou, atingiu a vítima de modo fatal com três (03) tiros no rosto (...).<br />

José Ricardo Cardoso, o ‘Ouriçado’, a mando direito de Luiz Gonzaga Batista Júnior,<br />

ou ‘Júnior’ como é conhecido e de Luiz Antonio, foi levado até a local da execução por<br />

uma caminhoneta Volkswagen Parati, verde-metálida, sem placas, pertencente ao <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça de Roraima, e de uso do Desembargador Luiz Gonzaga Batista Rodrigues (...).<br />

José Ricardo Cardoso recebeu quinze milhões de cruzeiros (Cr$ 15.000.000,00) como<br />

parte do pagamento pelo serviço, que foi pago por intermédio de André Augusto de<br />

Oliveira Cardoso, que é amigo e reside com Luiz Antonio Batista, conforme remessas<br />

feitas através do Banco do Brasil, em 18 e 26 de março do corrente ano, como comprovam<br />

os documentos” (fls. 2247/2248 – vol. 12)<br />

A fls. 1772v/1773 – Vol. 9 a testemunha Maria Consolata da Silva Rocha, funcionária<br />

pública lotada na Delegacia de Polícia de Caraçaraí afirma em seu depoimento que:<br />

“a defesa argüiu a contradita da testemunha em razão de e inimiga do Desembargador<br />

Luiz Batista e do acusado Luiz Antonio (...). Que ficou surpresa com a argüição da<br />

contradita feita pela defesa porque a inimizade só surgiu após a declarante se recusar a<br />

fazer o que eles queriam; (...) Que por ocasião do inquérito na Polícia Civil certa feita foi<br />

abordada por Júnior pedindo que fizesse o depoimento em quatro vias para entregar-lhe<br />

uma delas e ou então lhe informasse o que estava acontecendo; Que a depoente respondeu<br />

que não poderia fazer isto; (...) Que tramitação do inquérito a declarante e o Delegado<br />

Daniel foram bastante precionados (sic) (...) Que após o caso Severino a vítima nunca foi<br />

bem aceita pelo Dr. Junior; Que quando Paulo Coelho chegava na Delegacia Junior dizia<br />

virse (sic) esse bicho, deixa ele esperar ai; (...) Que o Delegado Junior era violento tanto<br />

que certo dia prenderam um cabloco (sic), um indivíduo com apelido cabloco que morava<br />

na Av. Capitão Julio Bezerra e o levaram para afogá-lo quando o caboclo tenta fugir<br />

recebeu um tiro na cocha do acusado Sebatião que varou de um lado pelo outro, tendo<br />

caído na hora”<br />

Como se depreende da análise da manifestação do Ministério Público a fls. 1246/1262 –<br />

Vol. 7, por mim assinada, uma série de fatos constitutivos da trama criminosa tiveram efeito com<br />

a vigilância de elementos rondando a casa da vítima, procurado conhecer seus hábito, conforme<br />

noticiam as testemunhas ouvidas.<br />

A vítima – o advogado Paulo Coelho Pereira – havia sido, em 19.02.1993, “eleito<br />

Conselheiro da OAB/RR e em seu discurso ratificou a intenção de continuar sua luta pela


486<br />

R.T.J. — 202<br />

moralidade e reformulação do <strong>Tribunal</strong> de Justiça de Roraima, que entendia ser irregular.” (fls.<br />

810 – Vol. 5, Relatório da Polícia <strong>Federal</strong>), vindo a falecer depois de poucas horas passadas desse fato.<br />

Consta do supramencionado Relatório Policial ainda que:<br />

“Os familiares apontavam a sua luta contra as arbitrariedades, torturas e atitudes dos<br />

ex-Delegados Luiz Gonzaga Batista Junior e Luis Antonio Batista, quando à frente da<br />

Delegacia Geral de Crimes contra o Patrimônio/SSP/RR – DGCCP. Paulo Coelho Pereira<br />

colecionava recortes de jornais, tudo o que noticiava os desmandos daquelas pessoas,<br />

propugnando por apuratórios policiais ou mesmo administrativos disciplinares, inclusive<br />

a viúva apresentou cópias de sindicâncias feitas contra o Delegado Luiz Gonzaga Batista<br />

Junior junto as fls. 35 e 38. Lutava contra a forma como eram investidos os Policiais da<br />

DGCCP/SSP/RR, através de cargos comissionados, sem o cuidado de seleção. Muitos deles<br />

com antecedentes criminais (...) Paulo Coelho Pereira também não acatava a forma como<br />

foi criado o <strong>Tribunal</strong> de Justiça de Roraima, contestando a investidura dos Desembargadores<br />

Luiz Gonzaga Batista Rodrigues e Elair de Morais. Afirma inclusive que essa seria<br />

a sua plataforma de atuação, pois eleito Conselheiro <strong>Federal</strong> da OAB/RR teria mais força<br />

para lutar contra aquelas irregularidades. Investigando o assassinato por conta do presente<br />

Inquérito Policial, pessoas telefonavam anonimamente, compareciam até a Divisão<br />

de Polícia <strong>Federal</strong>, na condição de informar sem assinar testemunho, autoridade das<br />

mais variadas esferas apontavam os responsáveis por aquele crime, todos confiantes<br />

na isenção do apuratório levado a efeito por este órgão, a necessidade e a sede de<br />

justiça, mas todos , sem exceção, temendo ante o poder dos suspeitos. Pelas pessoas<br />

contra quem Paulo Coelho Pereira lutava, e pelo fato dos assassinos terem feito uso de<br />

uma Parati verde, posteriormente reconhecida como sendo do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do<br />

Estado e que estava à disposição do Desembargador Luiz Gonzaga Batista Rodrigues,<br />

por todos eram apontadas a referida autoridade e as pessoas a ele ligadas. Realmente,<br />

fica difícil dissociar desse contexto o Desembargador Luiz Gonzaga Batista Rodrigues,<br />

seus filhos (...)” (fls. 812/813 – Vol. 5) (grifo nosso)<br />

O abuso de autoridade de Luiz Gonzaga Batista Júnior era uma tônica, como descreve o<br />

advogado Lavoisier Arnoud da Silviera em seu depoimento (fls. 1481/1487 – vol. 8).<br />

Prossegue o Relatório da Divisão da Polícia <strong>Federal</strong> em Roraima afirmando que o apelante –<br />

Luiz Gonzaba Batista Junior – e seu irmão – Luis Antonio Batista (apelante da Ação Originária<br />

nº 1047, Relator Ministro Joaquim Barbosa):<br />

“Sob o manto protetor do pai, os filhos se revesavam no comando da DGCCP/SSP/<br />

RR, local para onde convergiam e sumiam bens de terceiros, constituindo-se uma Secretaria<br />

paralela não alcançada pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de Roraima.”<br />

(fls. 812 – Vol. 5)<br />

“Foi na DGCCP/SSP/RR que consolidaram os desmandos, arbitrariedades,<br />

maus tratos, torturas e até sumiço de pessoas. O ‘Banho da Tieta’ e o ‘Sorriso do<br />

lagarto’, passaram a ser palco das práticas desses crimes, além da descoberta de cemitérios<br />

clandestinos de onde eram tirados, de covas rasas, corpos e mais corpos mutilados<br />

e quase sempre não identificados. Apesar desse macabros achados, nenhum apuratório<br />

instaurado pela SSP/RR apontou os verdadeiros culpados. Mas toda a população<br />

sabia que os responsáveis estavam naquela delegacia. Tal o caso ‘Caso Severino’ e<br />

agora o ‘Caso Paulo Coelho’ toda a sociedade, ainda que veladamente, apontava os<br />

responsáveis, mas a Autoridade apesar de ver, como a avestruz, enterrava a ‘cara’<br />

par não enxergar. (...) Bastava ver a quantidade de ‘guaxebas’ munidos de armamento<br />

pesado, como espingarda calibre 12 de cano serrado, metralhadora, revólveres e pistolas<br />

à vista, agredindo ao usuário do Serviço Público, necessitado da Justiça, amontoavam-se<br />

na entrada, nos corredores e no gabinete do Desembargador Luiz Gonzaga Batista Rodrigues,<br />

numa autêntica demonstração de força desrespeito ao cidadão comum e pacato.<br />

Iniciadas as investigações de imediato começaram a surgir as figuras referidas, participantes<br />

do homicídio do Advogado, já conhecidas e abominadas pela sociedade local<br />

dadas as suas condutas. Uns de participação diretas e outras indiretamente noc rime,<br />

mas todos com interesses definidos em ver Dr. Paulo Coelho Preira fora do caminho.”<br />

(fls. 815/816 – Vol. 5) (grifo nosso)


R.T.J. — 202 487<br />

Consta ainda no supramencionado Relatório Policial a fls. 819 – Vol. 5 que:<br />

“Após o assassinato, iniciadas as diligências, a primeira notícia de José Ricardo<br />

Cardoso, ‘Ouriçado’ foi através de um telefone feito pelo Pai de Santo Márcio de<br />

Castro, residente na Rua Terra Nova, 27 – São Jorge, Manaus/AM, amigo e cliente de<br />

Paulo Coelho, para Alvanete Pereira Torres e Silva, fls. 244 e Leidemar Silva, a<br />

‘Minéia’, fls. 246, dando conta de que havia sido procurador por um a mulher que<br />

contratou seus ‘trabalhos’ para uni-la a seu ex-marido que havia fugido de Boa Vista<br />

por ter cometido dois crimes, um dos quais contra o Advogado Paulo Coelho Pereira,<br />

a mando da Polícia, e que um Policial iria mandar um dinheiro referente ao restante<br />

pelo ‘serviço’ feito e que ele estaria em Santarém/PA. Por conta disso, foi designada<br />

uma equipe de Policiais do Serviço de Inteligência da Divisão de Polícia <strong>Federal</strong> em<br />

Roraima para Santarém/PA, e, após algumas diligências, localizou-se a identificou-se<br />

familiares de José Ricardo Cardoso naquela cidade.”<br />

“‘Ouriçado’ falou da remessa de dinheiro e diligenciando-se soube-se que o dinheiro<br />

foi remetido para Agência do Banco do Brasil em Santarém/PA, conta corrente<br />

13.344-2, pertencente a Ana Cristina da Silva Pantoja” (fls. 820)<br />

Tem-se nos autos ainda os comprovantes originais de remessa do dinheiro para Ana<br />

Cristina da Silva Pantoja feita pelo réu André Augusto (fls. 1702/1703 – Vol. 9), conforme<br />

atesta laudo de exame grafotécnico a fls. 1705/1707 – Vol. 9.<br />

Destarte, como se percebe, não há que se falar em decisão contrária a prova dos autos.<br />

Leio ainda, por oportuno, o depoimento da testemunha Maria Consolata da<br />

Silva Rocha – escrivã do inquérito que investiga o assassinato do advogado Paulo<br />

Coelho – perante a autoridade judicial. A depoente, que trabalhou com Luiz Gonzaga<br />

Batista Júnior quando ele chefiava a Delegacia de Patrimônio, relata ter sido constantemente<br />

ameaçada por ele; pelo irmão dele, Luiz Antônio; e pelo pai dos dois, o Desembargador<br />

Luiz Gonzaga Batista Rodrigues, no decorrer do inquérito. Confira-se:<br />

(...) que, por ocasião do inquérito na Polícia Civil, certa feita, foi abordada por Junior<br />

pedindo que fizesse o depoimento em quatro vias para entregar-lhe uma delas ou então lhe<br />

informasse o que estava acontecendo (...); que Junior indagou pelos meninos, referindo-se a Sales<br />

e André, querendo saber se estavam sofrendo muito, tendo a declarante respondido que, com o<br />

Delegado Daniel, não havia tratamento violento, e que Junior ainda dissera: “coitado, estão sofrendo<br />

sem dever” referindo-se a Sales e André; que a advogada Iracélia não gosta da declarante<br />

porque levou uma resma de papel para tirar cópias escondidas do inquérito, não sendo atendida,<br />

pois não tinha ordem para tanto; que no dia da tomada de declarações do acusado Sitonho, a<br />

declarante ouviu quando Luiz Antonio dissera para Sitonho “vê bem o que papai te falou”<br />

(...) que no dia 1 de maio, em Caracaraí, a declarante foi ameaçada por Luiz Antônio,<br />

que, colocando o dedo em rosto (sic), dissera: “Vai dizer ao Daniel, aquele delegado<br />

travestido, que nós estamos aqui e não temos medo dessa policinha dele não” (...) que, no<br />

mesmo dia, em Caracaraí, o desembargador lhe dissera: “sua vagabunda, safada, deveria estar do<br />

nosso lado” (...) que, certa vez, atendeu um telefonema no DPJI, indagando pelo delegado<br />

Daniel, tendo a depoente respondido que não se encontrava, tendo a voz, que reconheceu<br />

como sendo de Luiz Antônio, afirmado que a vida do Daniel estava bem curtinha.<br />

(Vol. 9, fls. 1772-1775.)<br />

Por fim, há o depoimento de Carlos Antonio Sales de Santana perante a autoridade<br />

judicial:<br />

(...) que o interrogado, na época em que era policial, ouviu, na Delegacia, Luiz Gonzaga<br />

Batista Junior se referir à vítima Paulo Coelho como “um bosta, um merda” (...); que o<br />

interrogado já ouviu de Luiz Antônio manifestações contrárias à vítima Paulo Coelho, entre elas<br />

Luiz Antônio qualificava a vítima “como um merda, um bosta” e que iria acertar as contas com<br />

ele. (Vol. 5, fls. 873 v.)


488<br />

R.T.J. — 202<br />

(...) que o interrogado informa que o teor da fita gravada, do diálogo que teve com o<br />

acusado Luiz Antônio, deve-se ao fato de que eles não sabiam de nada e não era para falar nada,<br />

porque eles estavam aguardando uma decisão de Brasília e que, se não fosse favorável, ele, Luiz<br />

Antônio, mandaria “os verdadeiros criminosos assumirem”; que, como na época só estavam<br />

presos o interrogado e Marcos, bem como Sitonio e Agapto, o interrogado entendeu que<br />

seriam estes que deveriam confessar; que o gravador estava com o interrogado e pôde gravar<br />

quando Luiz Antonio disse: “eles fizeram merda, porque estavam embriagados”.<br />

(Vol. 5, fl. 874v.)<br />

A degravação da fita mencionada no depoimento de Carlos Sales consta do vol.<br />

11, fls. 2113-2147.<br />

Como se sabe, as decisões do <strong>Tribunal</strong> do Júri baseiam-se na íntima convicção dos<br />

jurados perante o material fático-probatório a eles apresentado.<br />

Para Eugênio Pacelli de Oliveira, a apelação com base no art. 593, III, d, do Código<br />

de Processo Penal constitui exceção à regra da soberania dos veredictos, já que nela se<br />

questiona a própria decisão do Júri. Por essa razão, o recurso, quando baseado em tal<br />

dispositivo, tem análise extremamente restrita. No ponto, assim se manifesta o jurista:<br />

Se as primeiras hipóteses de apelação das decisões em procedimentos do <strong>Tribunal</strong> do Júri<br />

não se dirigiam diretamente à convicção do júri popular e sim à sentença do seu Juiz-Presidente,<br />

o mesmo não se dá com a causa apelável prevista na alínea d, do inciso III, do art. 593, do CPP.<br />

Ali o que estará sendo questionado é a própria decisão do júri, configurando verdadeira<br />

exceção à regra da soberania dos veredictos. Por mais compreensível e louvável seja a preocupação<br />

com o risco de erro ou desvio no convencimento judicial do júri popular, o fato é que o<br />

aludido dispositivo legal põe em cheque a rigidez da soberania das decisões do júri. Aliás, não<br />

será a única vez, porquanto será possível também a modificação da aludida decisão pela via da<br />

ação de revisão criminal (art. 621, CPP), a ser julgada diretamente nos tribunais.<br />

Na realidade, ao que parece, o aludido dispositivo deve ser interpretado como regra<br />

excepcionalíssima, cabível somente quando não houver, ao senso comum, material probatório<br />

suficiente a sustentar a decisão dos jurados. Nesse passo, é importante lembrar que na jurisdição<br />

popular do júri, exatamente em razão de se tratar de julgamento de crimes dolosos contra a vida,<br />

não serão raros os votos movidos pela mais eloqüente e convincente participação dos oradores.<br />

A passionalidade, de fato, ocupa espaço de destaque no aludido tribunal, dali emergindo velhos<br />

e novos preconceitos, rancores, frustrações, além das inevitáveis boas, más e melhores intenções,<br />

é claro. 6<br />

In casu, há nos autos indícios e provas suficientes para sustentar a condenação<br />

do Apelante e de seu irmão. Como exemplo, os depoimentos prestados por algumas<br />

testemunhas, que relatam tanto a inimizade entre o Apelante e a vítima como a personalidade<br />

agressiva dos irmãos e as constantes tentativas de influenciar no desenvolver do<br />

processo (vol. 9, fls. 1782-1784).<br />

Como assinala a denúncia, verbis:<br />

José Ricardo Cardoso, o “Ouriçado”, a mando direto de Luiz Gonzaga Batista Júnior,<br />

ou Júnior, como é conhecido, e de Luiz Antonio, foi levado até o local da execução por uma<br />

caminhoneta Volkswagen Parati, verde-metálica, sem placas, pertencente ao <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

de Roraima, e de uso do Desembargador Luiz Gonzaga Batista Rodrigues, conduzida<br />

6<br />

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p.<br />

659.


R.T.J. — 202 489<br />

por Antonio Cosme da Silva Filho, o “Sitônio”, ocupada também por Ágapto Lauro de<br />

Almeida e Braz Gondin Lopes de Barros Júnior, onde “Ouriçado” desce e fica de tocaia no<br />

escuro, enquanto “Sitônio” e os demais ocupantes (Agápto e Braz) aguardam um pouco mais à<br />

frente, após a esquina, com o motor do carro ligado.<br />

A vítima chega, sai do automóvel, abre o portão, e, quando retorna para entrar com o<br />

carro e colocá-lo na garagem, “Ouriçado” surge das sombras e dispara quatro (04) vezes contra<br />

o Advogado e Conselheiro, apanhando-o de surpresa, sem chance de esboçar qualquer reação de<br />

defesa.<br />

José Ricardo Cardoso recebeu quinze milhões de cruzeiros (Cr$ 15.000,00) como<br />

parte do pagamento pelo serviço, que foi pago por intermédio de André Augusto de Oliveira<br />

Cardoso, que é amigo e reside com Luiz Antônio Batista, conforme remessas feitas através do<br />

Banco do Brasil, em 18 e 26 de março do corrente ano, como comprovam dos documentos de<br />

fls.<br />

Afonso Celso Pires Moreira era subordinado a Luiz Gonzaga Batista Júnior, e auxiliou-o<br />

nas articulações que culminaram com a morte da vítima, tendo participado do encontro<br />

realizado do “Big Bar Restaurante”, juntamente com Braz Júnior, Luiz Gonzaga Batista<br />

Júnior e mais dois (02) outros elementos não identificados, quando acertaram os últimos detalhes<br />

do crime, poucas horas antes de sua consumação. Consta, ainda, que Afonso Celso ajudou<br />

a despistar as suspeitas que pudessem pesar sobre seu chefe, “Júnior”, afastando-se, com este,<br />

da cidade.<br />

Não procede, portanto, a alegação de que a condenação é manifestamente contrária<br />

à prova dos autos. Como dito, o Júri tem soberania para apreciar as provas e<br />

valorá-las de acordo com sua íntima convicção, sendo que, relativamente ao Apelante,<br />

bem como ao seu irmão, entendeu o <strong>Tribunal</strong> Popular haver motivos suficientes nos<br />

autos para a condenação. A absolvição dos Co-réus, portanto, não é por si só motivo<br />

para absolver os Apelantes. Mesmo porque, sendo as decisões do Júri desmotivadas,<br />

não se pode verificar as razões pelas quais os jurados consideraram que os Co-réus<br />

deveriam ser absolvidos.<br />

De todo modo, demonstrado está que a decisão do Júri tem, sim, respaldo nos<br />

autos, tendo acolhido as provas contrárias ao Apelante e a seu irmão.<br />

V - Da argüição de suspeição do juiz do feito e da existência de negociação no<br />

Judiciário estadual e no Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça para a condenação do Apelante.<br />

Por fim, alega o Apelante que sua condenação é resultado de vingança privada,<br />

comandada por desembargador integrante do <strong>Tribunal</strong> de Justiça estadual e pelo Juiz<br />

Presidente do <strong>Tribunal</strong> do Júri onde ocorreu seu julgamento, bem como fruto de suspeita<br />

negociação entre pessoas que o perseguem no âmbito estadual e assessores de ministro<br />

do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, levada a termo no curso do julgamento do recurso<br />

especial ali interposto pelo Ministério Público, que deu ensejo ao restabelecimento da<br />

pronúncia.<br />

O Apelante afirma ainda que a vítima tinha péssima conduta moral, política e<br />

profissional, o que indicaria possível existência de diversos inimigos interessados em<br />

sua morte. Argumenta que, assim como o irmão, nunca tivera interesse em assassinar<br />

Paulo Coelho Pereira, uma vez que não era seu desafeto e não existia razão alguma para<br />

isso.<br />

Essa alegação de suspeição já foi inúmeras vezes refutada pela Corte, em processos<br />

relacionados ao presente (AO 959, Rel. Min. Moreira Alves; AO 1.016, Rel. Min.


490<br />

R.T.J. — 202<br />

Sepúlveda Pertence; AO 1.017, Rel. Min. Ellen Gracie; AO 1.076, de minha relatoria).<br />

Para citar apenas um, ressaltado pelo Procurador-Geral da República, no parecer de fls.<br />

4993-5006, verbis:<br />

Já no que tange à alegação de que o Juiz Presidente do <strong>Tribunal</strong> do Júri era interessado na<br />

condenação do apelante, sendo, pois, suspeito, não assiste melhor sorte ao apelante. Com efeito,<br />

há que se salientar que essa Colenda Corte já analisou o fato ora analisado nos autos da AO nº 959<br />

QO – RR, Relator Ministro Moreira Alves, cujo acórdão restou assim ementado, verbis:<br />

“Exceção de suspeição de Juiz para cujo julgamento é competente esta Corte em<br />

virtude da ocorrência da hipótese prevista na letra n do inciso I do artigo 102 da Constituição.<br />

- Exceção de suspeição que é manifestamente improcedente, devendo, pois, ser<br />

rejeitada liminarmente, nos termos do artigo 100, § 2º, do Código de Processo Penal.<br />

Questão de ordem que se resolve no sentido de rejeitar liminarmente a presente exceção de<br />

suspeição.”<br />

(Grifo nosso.)<br />

Ademais, o Apelante não juntou aos autos provas concretas de suas afirmações,<br />

que não passam, pois, de meras conjecturas, sem importância para a resolução do caso<br />

em questão.<br />

Por fim, o Apelante não comprovou, ainda que minimamente, a forma como as<br />

referidas conspirações contra ele e o irmão teriam sido engendradas e como teriam influenciado<br />

na condenação, baseada somente na íntima convicção dos jurados em face das<br />

provas contidas nos autos.<br />

VI - Da existência de erro na aplicação da pena.<br />

No que tange à pena aplicada, entendo que assiste parcial razão ao Apelante Luiz<br />

Gonzaga Batista Júnior. Salienta o Apelante, verbis (fl. 4955):<br />

O apelante é primário. Não tem antecedentes criminais. Óbvio que não é reincidente,<br />

genérico ou específico. A pena mínima para o homicídio qualificado é de doze anos. O Juiz<br />

Presidente do <strong>Tribunal</strong> do Júri, sob o argumento de que o apelante é vocacionado para o crime,<br />

fixou a pena base da condenação em quinze anos. Três além da previsão legal mínima in abstrato<br />

para o delito de homicídio qualificado. Prova documental bastante existente nos autos dá conta<br />

de que o apelante não tem passado criminal.<br />

(...)<br />

A outro tanto, em flagrante bis in idem, questionou no 3º quesito a participação do<br />

apelante no crime, promovendo a sua organização, e, como circunstância agravante, repetiu o<br />

mesmo motivo, do que resultou o aumento da pena em mais dois anos.<br />

Luiz Gonzaga Batista Júnior foi condenado por homicídio qualificado, com base<br />

no art. 121, § 2º, incisos I (mediante paga) e IV (mediante recurso que impossibilitou<br />

a defesa do ofendido), c/c o art. 62, inciso I (promover e organizar atividade criminosa),<br />

c/c o art. 29, todos do Código Penal, à pena de 17 (dezessete) anos de reclusão.<br />

Analisando as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal Brasileiro, o<br />

magistrado a quo (fls. 4905-4908 do vol. 25, AP 1.046) avaliou negativamente: 1) os<br />

antecedentes dos Apelantes, 2) a conduta social, 3) os motivos, 4) as circunstâncias, 5)<br />

a culpabilidade e 6) a personalidade do agente. Nesse ponto, o Apelante impugna a<br />

consideração de que teria “péssimos antecedentes criminais”, nos termos da sentença.


R.T.J. — 202 491<br />

Cabe, a meu sentir, um pequeno reparo na pena-base fixada.<br />

Ao avaliar desfavoravelmente os antecedentes do Apelante, o magistrado baseou-se,<br />

como se lê à fl. 4.906, nas certidões de fls. 4355-4356 e no ofício de fl. 4888. Tais<br />

certidões revelam que o Apelante figurava como Réu em duas ações penais, ainda em<br />

andamento na época da sentença (2 de setembro de 2003) e em trâmite na 4ª Vara<br />

Criminal de Boa Vista/RR. Estava, ainda, indiciado em um inquérito policial.<br />

A possibilidade de considerar ações penais e inquéritos em andamento como maus<br />

antecedentes não é tema pacífico nesta Corte.<br />

Por ocasião do julgamento do HC 84.088, do qual fui Relator para o acórdão, a<br />

Segunda Turma assentou o entendimento expresso na ementa a seguir transcrita:<br />

Ementa: Habeas corpus. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de<br />

direitos. Não-fixação do regime semi-aberto. Violação do princípio da presunção de inocência.<br />

Não-ocorrência.<br />

O simples fato de existirem ações penais ou mesmo inquéritos policiais em curso contra o<br />

Paciente não induz, automaticamente, à conclusão de que este possui maus antecedentes. A<br />

análise do caso concreto pelo julgador determinará se a existência de diversos procedimentos<br />

criminais autoriza o reconhecimento de maus antecedentes. Precedentes da Segunda Turma.<br />

O fato de a autoridade sentenciante não ter levado em conta os maus antecedentes ao fixar<br />

a pena-base, na verdade, beneficiou o Paciente, de sorte que não há razão para inconformismo<br />

quanto a esse aspecto.<br />

Habeas corpus indeferido.<br />

De outro lado, no HC 83.493, Relator o Ministro Marco Aurélio, a Primeira Turma<br />

desta Corte assim se pronunciou:<br />

Ementa: Recurso ordinário em habeas corpus. Paciente condenado por crime contra a<br />

ordem tributária. Alegada nulidade na dosimetria da pena.<br />

Impossibilidade de considerar-se como maus antecedentes a existência de processos<br />

criminais pendentes de julgamento, com o conseqüente aumento da pena-base.<br />

Recurso parcialmente provido para, mantida a condenação, determinar que nova decisão<br />

seja proferida, com a observância dos parâmetros legais.<br />

Outros precedentes: RHC 85.737, de minha relatoria; RHC 86.785, Marco Aurélio;<br />

RHC 80.071, Marco Aurélio, em cujo julgamento se verificou empate entre as duas<br />

correntes; HC 81.759, Corrêa; HC 79.966, Relator para o acórdão Celso de Mello.<br />

Eu mantenho minha posição no sentido de que a consideração dos processos<br />

criminais em andamento como maus antecedentes deve se dar à luz do caso concreto,<br />

após o devido exame dos procedimentos penais constantes da folha de antecedentes do<br />

acusado.<br />

Fixado esse posicionamento, verifico que, in casu, a existência de inquérito policial<br />

e de duas ações penais em andamento, ainda sem trânsito em julgado, não podem<br />

contribuir para a caracterização de maus antecedentes, uma vez que, apesar de<br />

terem sido adequadamente solicitadas mais informações pelo Juiz Presidente do<br />

<strong>Tribunal</strong> do Júri, o ofício de fl. 4888, bem como a certidão de antecedentes de fls. 4355-<br />

4356, não foram suficientes ao esclarecimento dos fatos que ensejaram a instauração<br />

dos referidos feitos criminais contra o Apelante. Da leitura dos referidos documentos,<br />

sequer é possível saber por quais crimes o Apelante estava sendo processado.


492<br />

R.T.J. — 202<br />

Por tais razões, considero que essa circunstância judicial é neutra, devendo ser<br />

promovida uma redução na pena-base fixada.<br />

Quanto ao mais – culpabilidade, conduta social altamente reprovável, personalidade,<br />

circunstâncias e motivos –, sequer houve impugnação do Apelante, estando perfeita<br />

a dosimetria.<br />

Assim, como o magistrado a quo, considerando negativamente 6 circunstâncias<br />

judiciais, havia elevado em 3 anos a pena-base, diminuo-a em 6 meses, com a exclusão<br />

do aumento relativo aos antecedentes criminais. Assim, a pena-base deve ser restabelecida<br />

em 14 anos em 6 meses.<br />

Incide, ainda, a agravante reconhecida pelo <strong>Tribunal</strong> do Júri, como tal estabelecida<br />

no art. 62, inciso I, do Código Penal (promover e organizar a atividade criminosa).<br />

O Apelante alega que o Juiz Presidente do <strong>Tribunal</strong> do Júri questionou “no 3º<br />

quesito, a participação do apelante no crime, promovendo sua organização, e, como<br />

circunstância agravante, repetiu o mesmo motivo”.<br />

Entretanto, não está configurado o bis in idem apontado.<br />

Em verdade, como a acusação é de que Júnior foi o autor intelectual do crime, o<br />

terceiro quesito formulado foi justamente se ele havia “ajustado a prática do crime,<br />

concorrendo, dessa forma, para a sua consumação” (v. fl. 4905). Do contrário, estaria<br />

negada a sua autoria.<br />

Já no momento da quesitação da circunstância agravante, o Júri admitiu que o<br />

Apelante não só foi o autor intelectual do crime, como também promoveu e organizou<br />

toda a atividade criminosa.<br />

Como ressalta Cezar Roberto Bitencourt, as agravantes no caso de concurso de<br />

pessoas se identificam com o princípio de que cada um deve ser punido nos limites de<br />

sua culpabilidade. Assim, as agravantes se destinam a qualquer participante, seja autor,<br />

co-autor ou partícipe. No que se refere à agravante do art. 62, I, incidente no caso,<br />

comenta o citado penalista:<br />

Pune-se mais severamente aquele que exerce um papel de liderança entre os participantes,<br />

independentemente de ser ou não o autor intelectual7 .<br />

Desse modo, e considerando que a pena mínima do crime de homicídio qualificado<br />

é de 12 anos, sendo que restaram reconhecidas duas qualificadoras pelo Júri, mantenho<br />

o parâmetro fixado pelo magistrado a quo, atribuindo, por força do art. 62, I, do CP,<br />

mais dois anos à pena provisoriamente fixada, a qual torno definitiva em 16 (dezesseis)<br />

anos e 6 (seis) meses de reclusão, por não terem sido reconhecidas circunstâncias atenuantes<br />

ou causas de diminuição e aumento de pena.<br />

Por fim, tendo em vista que o crime de homicídio qualificado não era hediondo à<br />

época dos fatos, que ocorreram em 1993, deve ser afastada a aplicação da Lei 8.072/90,<br />

bem como dos demais dispositivos penais referentes ao caráter hediondo do crime (v.g.,<br />

livramento condicional).<br />

7 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal comentado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 229.


R.T.J. — 202 493<br />

Do exposto, conheço da apelação e, no mérito, dou-lhe parcial provimento, unicamente<br />

para fixar a pena definitiva em 16 (dezesseis) anos e 6 (seis) meses de reclusão,<br />

bem como para determinar o cumprimento da pena no regime inicialmente fechado.<br />

No mais, mantenho o teor da sentença de primeiro grau.<br />

Transitada em julgado a condenação, deve ser expedido o competente mandado<br />

de prisão.<br />

É como voto.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, a primeira questão relevante<br />

que surge, e não enquadro assim a problemática alusiva ao assistente, diz respeito ao<br />

sorteio, não de 21 jurados, mas de 23.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Comparecimento de 23 jurados. Convocados<br />

35, só compareceram 23.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sorteio de 35? Por que teria havido o sorteio de 35?<br />

O Código de Processo Penal é tão categórico sobre o sorteio daqueles selecionados no<br />

ano, no número previsto no art. 439, de 21 e não de 35.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Sim, mas o Código também é peremptório<br />

ao estabelecer um mínimo e silenciar-se quanto ao máximo.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não, quanto ao máximo não é silente.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Ele não estabelece.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não, ele estabelece o número de 21 em vários dispositivos.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não, art. 433. Ele não é silente. O <strong>Tribunal</strong> do<br />

Júri é composto pelo juiz e por 21 jurados.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Esse sorteio não se faz especificamente para o julgamento.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Para aquele caso, não.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Exato, é para a sessão do ano. Por isso excluo o<br />

problema de se cogitar da provocação da nulidade pela parte no que, imediatamente,<br />

não se teria insurgido quanto ao sorteio, não de 21, mas de 35 jurados.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Teve 30 dias para fazê-lo.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sei, mas aqueles defensores de acusados que devem<br />

ser julgados num certo ano não têm de estar presentes necessariamente a esse sorteio.<br />

Eles não são intimados para esse sorteio. Teria que haver, para cogitar-se da proclamação,<br />

a intimação de advogados dos processos diversos, passíveis de serem julgados no ano.<br />

Isso não acontece. Quer dizer, eles têm de estar, e devem estar, presentes na assentada em<br />

que ocorrerá o julgamento, isso para o sorteio dos integrantes do conselho de sentença.


494<br />

R.T.J. — 202<br />

Então, excluo a preclusão; não compreendo, até aqui, por que, sendo o Código de<br />

Processo Penal tão pedagógico, em vários dispositivos, na alusão ao sorteio de 21 jurados,<br />

parte-se para o sorteio de 35.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Talvez se explique pelo fato de que<br />

haveria outro julgamento. Tanto que ele os dispensa e os convoca para a sessão de dois<br />

dias depois.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Esses 21 jurados são sorteados exatamente<br />

para o que se chama – não sei se do Código, mas é do linguajar do Júri – de “sessão<br />

periódica”, seja ela mensal ou trimestral.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Isso.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Já aqui vejo uma irregularidade. Não posso nem<br />

justificar o abandono dos parâmetros – e a norma é cogente – do Código de Processo<br />

Penal. Não consigo perceber como, revelando-se o citado Código tão pedagógico, relativamente<br />

ao número de jurados que devem ser sorteados para a sessão, de pessoas<br />

habilitadas para serem jurados, abandone-se, por completo, esse número.<br />

Essa é uma questão. Mas a questão mais séria, para mim, diz respeito à incomunicabilidade,<br />

porque, se houve o sorteio inicial de 21 e se partiu com a convocação desses<br />

21, 23 ou 35 para a sessão de julgamento, e, antes dessa sessão, houve o sorteio daqueles<br />

que integrariam o conselho de sentença, a incomunicabilidade ali se fez estabelecida à<br />

luz do art. 458, § 1º, do Código de Processo Penal. E, evidentemente, se as pessoas saíram<br />

das residências para comparecer a um órgão do Judiciário com a possibilidade de serem<br />

sorteadas para um julgamento, não teriam que comunicar esse sorteio aos familiares. Não<br />

se presumiria, pela falta de retorno às residências, o seqüestro ou o atropelamento dessas<br />

pessoas.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Ministro Marco Aurélio, um julgamento<br />

como esse leva dias. Por que não comunicar à família que estará enclausurado?<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não, já estavam as famílias advertidas da possibilidade<br />

de eles ficarem retidos para esse julgamento.<br />

Veja, Ministro, a menos que mitiguemos o que se contém no mencionado § 1º do<br />

art. 458, que é categórico, não há como entender de forma diversa:<br />

Art. 458. Antes do sorteio do conselho de sentença, o juiz advertirá os jurados dos<br />

impedimentos constantes do art. 462, bem como das incompatibilidades legais por suspeição, em<br />

razão de parentesco com o juiz, com o promotor, com o advogado, com o réu ou com a vítima,<br />

na forma do disposto neste Código sobre os impedimentos ou a suspeição dos juízes togados.<br />

§ 1º Na mesma ocasião, o juiz advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão<br />

comunicar-se com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão<br />

do conselho e multa, de duzentos a quinhentos mil-réis.<br />

O juiz deu um bill de indenidade aos jurados durante cinco minutos.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não poderão comunicar-se sobre o<br />

processo. Eles telefonaram para dizer às famílias: estarei participando do julgamento.<br />

Foi essa a comunicação.


O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não, Excelência:<br />

R.T.J. — 202 495<br />

(...) o juiz advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se com<br />

outrem (...)<br />

Não há a especificidade quanto ao destinatário de um telefonema.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): O telefonema foi dado na presença de<br />

todos; na presença do juiz, do promotor e do acusado.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ou seja, durante cinco minutos permaneceram os<br />

jurados com os celulares e puderam se comunicar com terceiros.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Vejamos a hora. Posso ler, Ministro<br />

Marco Aurélio? Tenho aqui inclusive o horário.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Depois de sorteados para comporem – porque me<br />

refiro a jurados – o conselho de sentença daquele julgamento.<br />

Há, ou não, contrariedade ao § 1º do art. 458? A meu ver, há, a menos que fechemos<br />

o Código de Processo Penal.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Leio a ata:<br />

(...) Às oito horas e cinqüenta minutos, o MM Juiz Presidente suspendeu a sessão por cinco<br />

minutos para que os jurados sorteados pudessem comunicar a terceiros que iriam participar dessa<br />

sessão de julgamento, quanto aos demais, agradeceu suas presenças, os dispensou e os convocou<br />

para estarem presentes na próxima sessão de julgamento (...)<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, sorteados, eles já tinham de estar isolados.<br />

Não podiam mais utilizar o telefone celular para contato, mesmo que com a família.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhora Presidente, mantenho meu<br />

voto, inclusive porque não há indicação de qual teria sido o prejuízo.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas como, Ministro? O acusado está condenado a<br />

muitos anos de reclusão!<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Vossa Excelência deixou claro que essa comunicabilidade<br />

não é absoluta e citou Antonio Ribeiro Lopes, Maurício e Ada Pellegrini Grinover.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não é absoluta.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Para mim, o é. O preceito não é dispositivo, mas<br />

imperativo.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Está dito aí é que o jurado, por exemplo, pode<br />

pedir água ao oficial de justiça.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não se trata aqui dessa espécie de comunicação.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Exato.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Agora, pegar o telefone!<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ele não tem de ficar mudo. Em uma das citações<br />

doutrinárias está: não é um voto monástico de silêncio.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Certamente não houve interceptação da ligação<br />

telefônica para se certificar de que eles só falaram com as famílias.


496<br />

R.T.J. — 202<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas o telefonema foi dado na presença do juiz, das<br />

partes, foi tudo ostensivamente feito. Lavrou-se ata.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Foi na presença de todos, ostensivamente.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, vou pedir vênia ao Relator para, no caso,<br />

prover a apelação. Faço-o tendo em conta a extravagância do sorteio de jurados em<br />

número superior ao legalmente previsto, em vez dos 21 – não cogito aqui de comparecimento,<br />

é outra coisa –, e também quanto à incomunicabilidade – mais forte nesse tema –,<br />

prevista no art. 458, § 1º, do Código de Processo Penal.<br />

O preceito é categórico:<br />

§ 1º Na mesma ocasião, o juiz advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão<br />

comunicar-se com outrem [gênero], nem manifestar sua opinião (...)<br />

O que fez o juiz? Em vez de observar a norma, criou a norma de plantão e permitiu<br />

uma comunicação – por cinco minutos, sim, mas permitiu – mediante telefones celulares.<br />

E, evidentemente, não houve ligação, uma a uma, pelos integrantes do conselho de<br />

jurados, para se presenciar, em relação a cada qual, o que falado ao telefone celular.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O tempo comum de cinco minutos agrava o<br />

problema: não foi um minuto para cada jurado, na frente do juiz.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sim.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Que prejuízo sofreu a defesa com esse fato da comunicação?<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Estamos aqui diante de um decreto condenatório, da<br />

revisão desse decreto. Prejuízo maior não poderia haver!<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Vamos exigir prova do prejuízo da comunicação<br />

dos jurados?<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas, sem demonstração de prova, não se decreta o<br />

prejuízo.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, por favor!<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas o processo penal é todo regido pelo princípio.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não, Ministro, em termos!<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ele foi condenado a mais de quinze anos de reclusão<br />

em regime inicialmente fechado.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: É uma irregularidade? É.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não se trata de uma irregularidade. Isso é um<br />

princípio básico e multissecular do Júri: a incomunicabilidade dos jurados. Agora, se o<br />

jurado se comunicou com terceiro, é preciso fazer a prova do conteúdo dessa comunicação<br />

para saber se houve prejuízo ou não?<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas em que circunstâncias se deu essa quebra da<br />

comunicabilidade? Todos no mesmo ambiente, na mesma sala.


R.T.J. — 202 497<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, data venia, eu fico com a ata. A ata<br />

do Júri é sagrada.<br />

(...) Às oito horas e cinqüenta minutos, o MM Juiz-Presidente suspendeu a sessão por<br />

cinco minutos para que os jurados sorteados pudessem comunicar a terceiros que iriam participar<br />

desta sessão de julgamento (...)<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: A terceiros?<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A terceiros; e não há, na ata, nenhuma menção<br />

a que tivesse sido fiscalizada a comunicação de cada jurado com esses terceiros.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): O fato de que os telefonemas foram<br />

dados na presença de todos.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Muito embora isto não seja tão relevante para mim,<br />

o homicídio ocorreu em que data, Excelência?<br />

Por isso, Excelência, peço vênia, para, de duas, uma: ou observamos o art. 458, § 1º,<br />

do Código de Processo Penal, ou simplesmente dizemos que, variando de situação concreta<br />

para situação concreta, pode haver o abandono dessa formalidade essencial, considerada<br />

a valia do julgamento. O Apelante está condenado a cerca de quinze anos – creio<br />

que em regime integralmente fechado – pela sentença proferida pelo Juiz Presidente.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Ele não está preso.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ele não está preso. Creio que, até pelo tamanho da<br />

apenação e também pelos fatores de interrupção da prescrição, não há o risco alusivo à<br />

prescrição.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Ministro Marco Aurélio, os fatos ocorreram<br />

em 1993.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Quando houve a sentença de pronúncia, interrompendo<br />

a prescrição?<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não tenho esse dado da sentença de<br />

pronúncia, mas creio ser de 1999 ou 2000. E o julgamento, pelo <strong>Tribunal</strong> do Júri, em<br />

2003.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, provejo a apelação porque houve<br />

julgamento à margem do figurino instrumental, com transgressão, principalmente – já não<br />

cogito do número excessivo de pessoas sorteadas sem apego à lei –, do § 1º do art. 458.<br />

Houve um julgamento; o acusado foi condenado – para mim, esse fato demonstra<br />

o prejuízo – e não se observou o que já apontei no voto como formalidade essencial, que<br />

é a prevista no § 1º do art. 458 do Código de Processo Penal.<br />

Por isso, peço vênia para tornar insubsistente o Júri, determinando que outro se<br />

realize com respeito ao disposto no Código.<br />

VOTO<br />

(Sobre preliminar)<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhora Presidente, não teria dúvidas<br />

em acompanhar o eminente Ministro Marco Aurélio se houvesse alguma indicação, nos


498<br />

R.T.J. — 202<br />

autos, de que a comunicação feita pelos jurados teve algo a ver com o que seria decidido.<br />

Não é o caso. Foi uma comunicação apenas no sentido de que eles estariam ausentes de<br />

suas residências para compor o conselho de sentença. Nada pertinente aos autos. Além<br />

do mais não se provou nem se alegou, data venia, não vejo nenhuma indicação de<br />

prejuízo.<br />

Portanto, mantenho o meu voto.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Ministro, tudo conforme o art. 566 do Código de<br />

Processo Penal.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: A razão do dispositivo mostra-se única: a presunção<br />

de suspeição dos jurados no que, após o sorteio para o conselho de sentença, eles se<br />

comunicaram com terceiros, como está na ata. A ausência de comunicação é que teria de<br />

ser provada. Eles foram autorizados a se comunicar.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Ministro Joaquim Barbosa, Vossa Excelência leu o<br />

art. 566 e isso me impressionou muito:<br />

Art. 566. Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na<br />

apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): A comunicação foi feita antes de eles<br />

prestarem o compromisso!<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, mas presumo o prejuízo ante a condenação.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Esse sistema penal de nulidade relativa é – como certa<br />

feita disse o Ministro Sepúlveda Pertence – corolário da instrumentalidade do processo.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Esse cuidado visado pelo preceito nasce a partir do<br />

momento em que se tem a composição do conselho de sentença por leigos.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Ninguém está preso, não é, Ministro?<br />

VOTO<br />

(Sobre preliminar)<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Revisor): Senhora Presidente, quero só lembrar dois<br />

arestos: o RE 97.513, Relator o Ministro Alfredo Buzaid, e o HC 68.171, bem na linha do<br />

que diz o Relator.<br />

VOTO<br />

(Sobre preliminar)<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, em relação a esses aspectos,<br />

manifesto-me no sentido de ver como nulo o ato, também, tal como ressaltado pelo<br />

Ministro Marco Aurélio.<br />

Diante das ponderações feitas, não vejo como possamos relativizar essa exigência<br />

do texto constitucional, e aí não me parece sequer pertinente a invocação do argumento<br />

concernente à demonstração do prejuízo, tendo em vista, primeiro, a clareza, a determinação<br />

do texto legal e a tradição de que ele está eivado.


R.T.J. — 202 499<br />

Por outro lado, também, diante de uma condenação à pena de reclusão de quinze<br />

anos, ainda alegar a demonstração do prejuízo parece algo realmente excessivo. É um<br />

caso de extrema gravidade. Agora, há que se ver, também, que o Júri se pautou por um<br />

descuido completo das formas estabelecidas no texto processual penal.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Na minha velha experiência com o Júri – que<br />

vem, a rigor, desde a adolescência, quando era freqüentador assíduo do Júri que ficava a<br />

cem metros da minha casa –, nunca ouvi falar desse intervalo para que os jurados se<br />

comunicassem com terceiros.<br />

No caso, aliás, dada a repercussão do processo, Excelência, quem foi sorteado para<br />

esse Júri, seguramente, era sabido na cidade, no minuto seguinte.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Vossa Excelência foi Relator de processos,<br />

aqui, em que se questionou a idoneidade de toda a Justiça constituída nesse ex-<br />

Território <strong>Federal</strong>. Vossa Excelência sabe muito bem de qual realidade estamos falando.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sei muito bem das circunstâncias do caso.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, peço vênia ao eminente<br />

Relator para acompanhar o voto do Ministro Marco Aurélio.<br />

VOTO<br />

(Sobre preliminar)<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, há três preliminares.<br />

A primeira, um advogado ter representado a OAB como assistente de acusação,<br />

parte, efetivamente, de uma confusão primária entre a legitimação, que é do Presidente<br />

da Ordem, e a sua representação processual, que pode caber a qualquer advogado por ele<br />

constituído.<br />

A legitimação do Presidente da Ordem está expressa no art. 49, parágrafo único, do<br />

Estatuto da Advocacia, o que não implica que ele funcione como advogado quando<br />

intervenha, nos processos ali mencionados e, no caso específico, como assistente de<br />

acusação no homicídio praticado contra outro advogado. Do advogado que o represente<br />

só se exigirá a capacidade postulatória, o que não se discute.<br />

Transijo até, no caso – espantosamente curioso –, com esta convocação de trinta e<br />

cinco jurados, na medida em que, ao final, compareceram vinte e três. Chegou-se mesmo<br />

ao requinte de mostrar que nenhum dos dois últimos sorteados para a sessão foi sorteado<br />

para o conselho.<br />

Não o relego, porém, à absoluta irrelevância, isso não. Creio que as partes têm, sim,<br />

direito de saber quem são os jurados. Afinal de contas, trata-se de <strong>Tribunal</strong> em que cabe<br />

a recusa peremptória de jurados sorteados. Por isso, quem quer que tenha, com seriedade<br />

profissional, trabalhado no <strong>Tribunal</strong> do Júri, seja na acusação ou na defesa, reconhece<br />

ser preciso, sim, saber quem são os jurados.<br />

No caso, porém, dadas as circunstâncias, dada a publicação com o triplo do prazo<br />

legal, relego essa nulidade.<br />

Gostaria de não estar aqui. Privei da amizade com a vítima, embora não uma amizade<br />

que me levasse a declarar a suspeição. Não posso, francamente, superar a nulidade dessa<br />

estranha interrupção, dessa suspensão do julgamento do Júri para os jurados se comunicarem<br />

com terceiros.


500<br />

R.T.J. — 202<br />

Falou-se muito, aqui, que não se alegou prejuízo. Data venia, quando se faz essa<br />

peremptória advertência aos jurados, presume-se de modo absoluto que a comunicação<br />

compromete o Júri e leva à nulidade.<br />

Os textos doutrinários invocados – creio – hão de ter partido da realidade empírica<br />

do Júri. É claro que o jurado não fica mudo. O jurado se comunica com o oficial de<br />

justiça ou com o juiz; faz perguntas às testemunhas; pode pedir esclarecimentos ao<br />

promotor ou ao advogado. Isso é o que se quer dizer com a relativização da incomunicabilidade.<br />

Ela não é quebrada se o jurado pede água ao meirinho.<br />

Não é necessário que a comunicação seja a respeito do processo, tanto que há uma<br />

dupla advertência no art. 458: uma, de que não poderão se comunicar; outra, de que não<br />

poderão se manifestar. Aparentemente, esta segunda seria inútil por já ter havido a<br />

proibição de comunicar-se de qualquer modo. Não é inútil. O jurado, como disse, pode<br />

fazer perguntas, pode pedir esclarecimentos. Agora, se, ao fazê-lo, manifestar a sua opinião<br />

sobre a causa, aí, sim, tem-se uma outra razão de nulidade.<br />

Com essas breves considerações, acompanho o voto do Ministro Marco Aurélio.<br />

EXPLICAÇÃO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Revisor): Senhora Presidente, tenho um longo voto de<br />

vinte e nove páginas, mas ocorre que as minhas conclusões são idênticas às do Ministro<br />

Joaquim Barbosa. Seja no que diz respeito ao mérito, seja no que diz respeito, precisamente,<br />

à questão do cumprimento da pena em regime inicialmente fechado.<br />

O único ponto em que eu não o acompanhava – em rigor não posso dizer que não<br />

acompanhava, porque não posso acompanhar o que não conheço – é o que diz respeito<br />

à fixação da pena definitiva em dezesseis anos e seis meses. Não vou ler o voto. Será<br />

juntado aos autos para registro.<br />

Acompanho o voto do Relator.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, seis foram as circunstâncias<br />

judiciais, e a maioria exclui uma delas. Qual é a conseqüência? Chegar-se à presunção de<br />

que aquele que impôs a pena, que fixou a pena, teria dado idêntico peso às circunstâncias<br />

judiciais e proceder-se a nova conta aritmética? A resposta, para mim, é negativa.<br />

Concordo com o Relator. Processos ainda em curso não revelam maus antecedentes,<br />

todos nós estamos de acordo. Tal doutrina sempre foi sustentada na Casa pelo Ministro<br />

Celso de Mello. Creio, porém, que a erronia na fixação da pena-base deságua na<br />

insubsistência, não do Júri, do julgamento procedido, mas do ato do Juiz Presidente,<br />

para que ele, expungida essa circunstância judicial que não se amolda ao art. 59 do<br />

Código Penal, fixe a pena.<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Estamos em apelação, não estamos em<br />

habeas corpus.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sim. Surge a questão da devolutividade. Vossa<br />

Excelência, então, exerce juízo de valor quanto às circunstâncias remanescentes e afasta<br />

os seis meses?


R.T.J. — 202 501<br />

Diante do enfoque, acompanho o Relator no voto proferido. Também não vejo<br />

duplicidade, sobreposição, algo que é incompatível com o Direito Penal, no que o Júri<br />

concluiu pela agravante. E, no mais, creio que Sua Excelência atua a partir do disposto<br />

no mencionado art. 59 e fixa a pena final, afastando a aplicação da lei superveniente, que<br />

inseriu, entre os crimes hediondos, o homicídio qualificado, isso quanto ao regime de<br />

cumprimento da pena.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, o voto do eminente Relator<br />

é exauriente.<br />

No que toca à alegação de manifesta contrariedade à prova dos autos, o <strong>Tribunal</strong><br />

tem sido tão cioso no firmar o caráter excepcional dessa cassação do veredicto do Júri,<br />

que nem a tem considerado, em muitos casos, uma mera questão de fato, mas uma questão<br />

de direito, contentando-se com a existência de duas versões para não permitir a<br />

cassação do veredicto.<br />

No caso, a demonstração das provas, ainda que indiciárias, reunidas contra o Apelante,<br />

que aqui teceu o eminente Relator, seria bastante até se tivesse a apelação acaso<br />

sido julgada e cassado o veredicto por esse motivo para, num recurso extraordinário,<br />

como já ocorreu, cassar a decisão do <strong>Tribunal</strong> de Justiça, tão manifesta a existência de<br />

sólida base para a versão acusatória.<br />

Quanto à fixação da pena, estou também de acordo com Sua Excelência.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

AO 1.046/RR — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Revisor: Ministro Eros Grau.<br />

Apelante: Luiz Gonzaga Batista Júnior (Advogados: Luiz Gonzaga Batista Júnior e<br />

outros). Apelado: Ministério Público do Estado de Roraima.<br />

Decisão: Retirado de pauta por indicação do Relator. Ausente, justificadamente,<br />

nesta assentada, a Ministra Ellen Gracie (Presidente). Presidiu o julgamento o Ministro<br />

Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Plenário, 6-12-06.<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por maioria, afastou as preliminares, no que vencidos os<br />

Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Sepúlveda Pertence. No mérito, por unanimidade,<br />

deu parcial provimento à apelação, nos termos do voto do Relator. Ausente,<br />

justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Falaram, pelo Apelante, o Dr. Francisco<br />

Rocha Victor e, pelo Ministério Público <strong>Federal</strong>, o Dr. Antonio Fernando Barros e Silva<br />

de Souza, Procurador-Geral da República. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen<br />

Gracie.<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda<br />

Pertence, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa,<br />

Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr.<br />

Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 23 de abril de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


502<br />

R.T.J. — 202<br />

AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO CAUTELAR 1.469 — SP<br />

Relatora: A Sra. Ministra Cármen Lúcia<br />

Agravante: Banco Ficsa S.A. — Agravada: União<br />

Agravo regimental na ação cautelar contra decisão que indeferiu a<br />

medida liminar pleiteada. Pedido de efeito suspensivo ao RE 528.160.<br />

Agravo regimental não provido.<br />

1. A concessão de efeito suspensivo em recurso extraordinário<br />

reveste-se de excepcionalidade absoluta, razão pela qual as hipóteses<br />

em que a suspensão ocorre devem ser interpretadas restritivamente.<br />

2. Decisão agravada mantida pelos seus próprios fundamentos.<br />

3. Julgado do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça que deu provimento ao<br />

agravo interposto e determinou a subida do recurso especial. Remessa<br />

dos autos do RE 528.160 àquele <strong>Tribunal</strong>.<br />

4. Agravo regimental ao qual se nega provimento.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na<br />

conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar<br />

provimento ao agravo regimental na ação cautelar, nos termos do voto da Relatora.<br />

Brasília, 26 de junho de 2007 — Cármen Lúcia, Relatora.<br />

RELATÓRIO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: 1. Em 31 de janeiro de 2007, o Banco Ficsa S.A.<br />

interpôs agravo regimental na ação cautelar contra decisão pela qual indeferi a medida<br />

liminar pleiteada, pela ausência da fumaça do bom direito.<br />

Em seu pedido original, o Autor visa obter efeito suspensivo no RE 528.160, interposto<br />

nos autos da Apelação em Mandado de Segurança 96.0025246-7, impetrado para<br />

(...) afastar a exigência da [Contribuição Social sobre o Lucro Líquido] calculada à<br />

alíquota de 30% de forma retroativa, particularmente no que se refere ao período compreendido<br />

entre 1º de janeiro de 1996 a 7 de março de 1996, data em que foi publicada a Emenda<br />

Constitucional n. 10/96, durante o qual a Impetrante [ora Agravante] calculou e recolheu a<br />

CSLL calculada à alíquota de 18% com base na Lei 9.249/95 [e para] afastar a exigência da<br />

CSSL calculada à alíquota de 30% durante o período de 90 dias compreendido entre 7 de março<br />

de 1996 e 7 de junho de 1996, garantindo-se o respeito ao prazo de 90 dias previsto no parágrafo<br />

6º, do art. 195 da Constituição <strong>Federal</strong> (...)<br />

(Fl. 39.)<br />

2. O Agravante assevera que “(...) o fumus boni iuris se configura pelos inúmeros<br />

precedentes colacionados na peça vestibular, demonstrando que a questão relativa ao<br />

mérito da originária impetração ainda não foi definitivamente resolvida no âmbito dos


R.T.J. — 202 503<br />

Tribunais Regionais e, mais ainda, no dos Tribunais Superiores, sendo certo que há<br />

consideráveis chances de que a tese venha a ser acolhida pelo Poder Judiciário (...)” (fl.<br />

143).<br />

Argumenta que a Emenda Constitucional 20/98 “(...) reforça[ria], de forma indiscutível,<br />

a [sua] pretensão (...) no sentido de ter reconhecido o direito líquido e certo de<br />

não lhe recolher contribuição social em alíquotas majoradas (...)” (fl. 144).<br />

Pede, por isso, seja reconsiderada a decisão agravada, isto é, seja o presente agravo<br />

regimental julgado pela Primeira Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

3. Em 23 de fevereiro de 2007, vieram-me os autos conclusos.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): 1. Razão jurídica não assiste ao Agravante<br />

quando assevera que há inúmeros precedentes a configurar o fumus boni iuris argüido.<br />

Ao contrário: os precedentes citados na decisão pela qual indeferi a liminar são<br />

justamente no sentido oposto à pretensão deduzida por ele.<br />

O próprio Agravante ressalva que “(...) a questão relativa ao mérito da originária<br />

impetração ainda não foi definitivamente resolvida no âmbito dos Tribunais Regionais<br />

e, mais ainda, no dos Tribunais Superiores (...)” (fl. 143).<br />

2. É entendimento assente, neste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, a impossibilidade de<br />

deferimento de medida liminar, assim como a concessão de medida cautelar, em casos<br />

nos quais a parte interessada não apresenta os requisitos exigidos pelo ordenamento<br />

jurídico pátrio, a saber: a existência da fumaça do bom direito e o perigo da demora.<br />

3. Nesse sentido, alguns precedentes: AC 83-QO/CE, Rel. Min. Celso de Mello,<br />

Segunda Turma, DJ de 21-11-03; Pet 796-AgR/SP, Rel. Min. Francisco Rezek, Segunda<br />

Turma, DJ de 10-6-94; e Pet 1.859-AgR/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma,<br />

DJ de 28-4-00, esta com a ementa seguinte:<br />

(...) Recurso extraordinário – Outorga de efeito suspensivo – Excepcionalidade – Pressupostos<br />

legitimadores da medida cautelar – Inocorrência – Pedido indeferido – Agravo improvido.<br />

O recurso extraordinário somente dispõe de efeito devolutivo (CPC, art. 542, § 2º, na redação<br />

dada pela Lei 8.950/94). Por isso mesmo, a outorga de efeito suspensivo ao recurso extraordinário<br />

– embora processualmente viável em sede cautelar – reveste-se de excepcionalidade<br />

absoluta. A concessão de eficácia suspensiva ao apelo extremo, para legitimar-se, supõe a<br />

conjugação necessária dos seguintes requisitos: (a) que tenha sido instaurada a jurisdição cautelar<br />

do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (existência de juízo positivo de admissibilidade do recurso extraordinário,<br />

consubstanciado em decisão proferida pelo Presidente do <strong>Tribunal</strong> de origem); (b) que<br />

o recurso extraordinário interposto possua viabilidade processual, caracterizada, dentre outras,<br />

pelas notas da tempestividade, do prequestionamento explícito da matéria constitucional e da<br />

ocorrência de ofensa direta e imediata ao texto da Constituição; (c) que a postulação de direito<br />

material deduzida pela parte recorrente tenha plausibilidade jurídica; e (d) que se demonstre,<br />

objetivamente, a ocorrência de situação configuradora do periculum in mora. Precedentes.


504<br />

E ainda:<br />

R.T.J. — 202<br />

(...) Embora o recurso extraordinário verse questão susceptível de controvérsia, não há no<br />

caso, até em face de precedentes desta Corte, plausibilidade jurídica do pedido suficiente a<br />

justificar a concessão de medida excepcional como é a liminar para dar efeito suspensivo a<br />

recurso extraordinário. Questão de ordem que se resolve com o indeferimento da medida liminar<br />

requerida (...)<br />

(Pet 2.127-QO/RS, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ de 2-2-01.)<br />

4. Não há, então, como se considerar presente um dos requisitos para a concessão<br />

da medida cautelar, qual seja, a fumaça do bom direito, porque, enquanto não houver<br />

pronunciamento deste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> quanto à inconstitucionalidade do dispositivo<br />

questionado, a norma tem assegurada a sua constitucionalidade.<br />

5. Quanto ao perigo da demora, cabe aqui anotar o que decidiu o Ministro<br />

Sepúlveda Pertence na Pet 2.218/DF:<br />

Não se podem negar os percalços acarretados a uma empresa (...), na pendência de um<br />

recurso desprovido, por força de lei de efeito suspensivo, e que lhe discuta a legitimidade.<br />

Recordam-nos as Requerentes, no esforço de demonstrar a ocorrência do periculum in mora,<br />

pressuposto necessário da medida cautelar que pleiteiam. É necessário ponderar, entretanto, que<br />

se trata de inconvenientes comuns a todos quantos se vejam sujeitos às conseqüências do efeito<br />

meramente devolutivo dos recursos extraordinários, agravados, é certo, se se trata da discussão<br />

acerca de obrigações tributárias de contribuinte dedicado a atividades empresariais. Não bastam,<br />

portanto, tais riscos ordinários da falta de eficácia suspensiva do recurso para autorizar que,<br />

esvaziando a lei que o denega, se prodigalizem medidas cautelares que o outorguem. A ser assim,<br />

a concessão do efeito suspensivo haveria de ser universalmente concedida a quantas empresas<br />

interpusessem recurso extraordinário ou especial de decisões que lhes contrariem as pretensões<br />

em questões tributárias.<br />

(DJ de 13-2-01.)<br />

6. Exatamente porque a concessão de efeito suspensivo em recurso extraordinário<br />

reveste-se de excepcionalidade absoluta é que as hipóteses nas quais a suspensão ocorre<br />

devem ser interpretadas restritivamente.<br />

7. Ademais, o sítio deste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> informa o recebimento do<br />

Ofício 1458/2007/CD2T, do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, que comunicou “(...) decisão<br />

dando provimento ao recurso e [solicitou] devolução dos autos principais (...)”, e o sítio<br />

do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça noticia que, em 14 de fevereiro de 2007, o Ministro João<br />

Otávio de Noronha deu provimento ao recurso de agravo e determinou a subida dos<br />

autos do recurso especial.<br />

A prudência e a ordem processual recomendam aguardar-se a manifestação do<br />

Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

8. Pelo exposto, mantenho a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos<br />

e voto no sentido de negar provimento ao presente agravo regimental.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

AC 1.469-AgR/SP — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Agravante: Banco Ficsa<br />

S.A. (Advogados: Angela Paes de Barros di Franco e outros). Agravada: União (Advogado:<br />

PFN – Elyadir Ferreira Borges).


R.T.J. — 202 505<br />

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental na ação cautelar, nos<br />

termos do voto da Relatora. Unânime. Não participaram, justificadamente, deste julgamento<br />

os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto.<br />

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco<br />

Aurélio, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral da<br />

República, Dr. Rodrigo Janot.<br />

Brasília, 26 de junho de 2007 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


506<br />

R.T.J. — 202<br />

QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO CAUTELAR 1.689 — SC<br />

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello<br />

Requerente: Estado de Santa Catarina — Requerido: Município de Três Barras<br />

Fundo de Participação dos Municípios – Repartição constitucional das<br />

receitas tributárias – Participação dos Municípios no produto da arrecadação<br />

do ICMS (CF, art. 158, IV) – (PRODEC) Programa de Desenvolvimento da<br />

Empresa catarinense – Lei catarinense 11.345/00 – Concessão, pelo Estado,<br />

de incentivos fiscais e creditícios, com recursos oriundos da arrecadação do<br />

ICMS – Pretensão do Município ao repasse integral da parcela de 25%, sem<br />

as retenções pertinentes aos financiamentos do Prodec – Controvérsia em<br />

torno da definição da locução constitucional “produto da arrecadação” (CF,<br />

art. 158, IV) – Pretendida distinção, que faz o Estado de Santa Catarina, para<br />

efeito da repartição constitucional do ICMS, entre arrecadação (conceito<br />

contábil) e produto da arrecadação (conceito financeiro) – Pressupostos<br />

necessários à concessão do provimento cautelar (RTJ 174/437-438) – Cumulativa<br />

ocorrência, no caso, dos requisitos concernentes à plausibilidade jurídica<br />

e ao periculum in mora – Recurso extraordinário admitido – Outorga de<br />

eficácia suspensiva – Decisão referendada pela Turma.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas<br />

taquigráficas, por unanimidade de votos, resolvendo questão de ordem, referendar, integralmente,<br />

por seus próprios fundamentos, a decisão de fls. 85/88, nos termos do voto do<br />

Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros Cezar Peluso e Eros<br />

Grau.<br />

Brasília, 7 de agosto de 2007 — Celso de Mello, Presidente e Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Em sede de “medida cautelar” – e tendo em vista a<br />

cumulativa satisfação dos pressupostos referentes à plausibilidade jurídica e ao<br />

“periculum in mora” –, proferi decisão que possui o seguinte teor (fls. 85/88):<br />

Trata-se de “medida cautelar” que busca atribuir efeito suspensivo ao recurso extraordinário,<br />

que, interposto pela parte ora requerente, insurge-se contra decisão que o E. <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça local proferiu nos autos da Apelação Cível 2005.040851-7.<br />

Assinalo que o recurso extraordinário em questão sofreu juízo positivo de admissibilidade<br />

na origem, achando-se, presentemente, em fase de processamento perante o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong> (RE 530.009/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO).<br />

A decisão emanada do E. <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de Santa Catarina, contra a qual<br />

foi deduzido o apelo extremo em questão, acha-se consubstanciada em acórdão assim<br />

ementado:<br />

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA – FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS<br />

MUNICÍPIOS – PRODEC – INCENTIVOS FISCAIS – LEI ESTADUAL 11.345/00 –<br />

COMPROMETIMENTO DA PARCELA PERTENCENTE AO MUNICÍPIO – AUSÊNCIA<br />

DE AUTORIZAÇÃO DA FECAM.


R.T.J. — 202 507<br />

Sem prévia autorização da Federação Catarinense dos Municípios – FECAM ou<br />

da municipalidade diretamente interessada, não pode o Estado conceder incentivos<br />

fiscais em limite que comprometa a parcela da arrecadação do ICMS correspondente ao<br />

Fundo de Participação dos Municípios.”<br />

(Grifei.)<br />

Passo a apreciar o pedido formulado na presente sede processual.<br />

Como se sabe, a outorga de efeito suspensivo ao recurso extraordinário reveste-se de<br />

excepcionalidade absoluta, especialmente em face do que dispõe o art. 542, § 2º, do CPC, na<br />

redação que lhe deu a Lei 8.950/94.<br />

O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, bem por isso, e atento ao caráter excepcional da medida<br />

cautelar cujo deferimento importe em concessão de eficácia suspensiva ao apelo extremo (RTJ<br />

110/458 – RTJ 111/957 – RTJ 112/957, v.g.), somente tem admitido essa possibilidade processual,<br />

quando satisfeitas determinadas condições.<br />

Com efeito, a concessão de medida cautelar, pelo <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, quando<br />

requerida na perspectiva de recurso extraordinário interposto pela parte interessada, supõe,<br />

para legitimar-se, a conjugação necessária dos seguintes requisitos: (a) que tenha sido instaurada<br />

a jurisdição cautelar do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (existência de juízo positivo de<br />

admissibilidade do recurso extraordinário, consubstanciado em decisão proferida pelo Presidente<br />

do <strong>Tribunal</strong> de origem ou resultante do provimento do recurso de agravo); (b) que o<br />

recurso extraordinário interposto possua viabilidade processual, caracterizada, dentre outras,<br />

pelas notas da tempestividade, do prequestionamento explícito da matéria constitucional e da<br />

ocorrência de ofensa direta e imediata ao texto da Constituição; (c) que a postulação de direito<br />

material deduzida pela parte recorrente tenha plausibilidade jurídica; e (d) que se demonstre,<br />

objetivamente, a ocorrência de situação configuradora do “periculum in mora” (RTJ 174/437-<br />

438, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).<br />

Assentadas tais premissas, cabe verificar se a fundamentação jurídica em que se apóia a<br />

pretensão deduzida pela parte requerente atende, ou não, ao requisito da relevância.<br />

Sob tal perspectiva, cumpre ter presente, neste ponto, não obstante a contestação oferecida<br />

pelo Município ora requerido (fls. 65/81), a existência de decisões, que, emanadas de<br />

eminentes Ministros desta Suprema Corte, versando análise de questão idêntica à de que ora se<br />

cuida, tornam plausível, em juízo de estrita delibação, a pretensão cautelar deduzida pela parte<br />

ora requerente (AC 1.669/SC, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – AC 1.687/SC, Rel. Min.<br />

JOAQUIM BARBOSA – AC 1.690/SC, Rel. Min. EROS GRAU).<br />

A existência de tais decisões revela-se suficiente para conferir, em juízo de estrita<br />

delibação, plausibilidade jurídica à pretensão cautelar deduzida na presente sede processual.<br />

Registre-se, finalmente, que a parte ora requerente justificou, de maneira inteiramente<br />

adequada, as razões que caracterizam a concreta ocorrência, na espécie, de situação<br />

configuradora do “periculum in mora” (fls. 38/41).<br />

Desse modo – e considerando, ainda, que também concorrem, na espécie, os demais<br />

requisitos necessários à concessão do provimento cautelar requerido (RTJ 174/437-438, Rel.<br />

Min. CELSO DE MELLO) –, defiro, “ad referendum” da colenda Segunda Turma desta Corte<br />

(RISTF, art. 21, V), até final julgamento do apelo extremo em questão, o pedido deduzido pela<br />

parte ora requerente, para sustar a eficácia do acórdão do E. <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de<br />

Santa Catarina objeto do RE 530.009/SC.<br />

2. Deixo de ordenar a citação da parte ora requerida (que espontaneamente já contestou<br />

a presente ação), pelo fato de a outorga da medida cautelar em referência – por se exaurir em<br />

si mesma – não depender do ulterior ajuizamento de qualquer ação cautelar, consoante tem<br />

enfatizado, em sucessivas decisões, o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (RTJ 167/<br />

51, Rel. Min. MOREIRA ALVES – AC 175-QO/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – AC 1.109/SP,<br />

Rel. p/ o acórdão Min. CARLOS BRITTO – Pet 1.158-AgR/SP, Rel. Min. FRANCISCO REZEK –<br />

Pet 1.256/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – Pet 2.246-QO/SP, Rel. Min. MOREIRA<br />

ALVES – Pet 2.267/PR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – Pet 2.424/PR, Rel. Min. ILMAR<br />

GALVÃO – Pet 2.466-QO/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Pet. 2.514/PR, Rel. Min. CARLOS<br />

VELLOSO, v.g.):


508<br />

R.T.J. — 202<br />

“MEDIDA CAUTELAR INOMINADA E DESCABIMENTO DA CITAÇÃO.<br />

- A outorga ou recusa de eficácia suspensiva a recurso extraordinário, em sede de medida<br />

cautelar inominada, constitui provimento jurisdicional que se exaure em si mesmo, não dependendo,<br />

por tal motivo, da ulterior efetivação do ato citatório, posto que incabível, em tal<br />

hipótese, o oferecimento de contestação, eis que a providência cautelar em referência não<br />

guarda – enquanto mero incidente peculiar ao julgamento do apelo extremo – qualquer<br />

vinculação com o litígio subjacente à causa.<br />

O procedimento cautelar, instaurado com o objetivo de conferir efeito suspensivo<br />

ao apelo extremo, rege-se, no <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, por norma especial, de índole<br />

processual (RISTF, art. 21, V), que, por haver sido recebida, pela nova Constituição da<br />

República, com força e eficácia de lei (RTJ 167/51), afasta a incidência – considerado o<br />

princípio da especialidade – das regras gerais constantes do Código de Processo Civil<br />

(art. 796 e seguintes). Precedentes.”<br />

(RTJ 181/960, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)<br />

3. A presente decisão deverá ser transmitida à Presidência do E. <strong>Tribunal</strong> de Justiça do<br />

Estado de Santa Catarina (Apelação Cível 2005.040851-7) e ao MM. Juiz de Direito da 2ª Vara<br />

da Fazenda Pública da comarca de Florianópolis/SC (Processo 023.03.374016-2).<br />

4. Feito o lançamento desta decisão pela Secretaria, voltem-me os autos conclusos,<br />

para os fins a que se refere o art. 21, V, do RISTF, em 1º-8-07.<br />

(...)<br />

Ministro CELSO DE MELLO<br />

Relator<br />

Para os fins a que se refere o art. 21, V, do RISTF, submeto, em questão de ordem, ao<br />

referendo desta Colenda Turma, o ato decisório em causa.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Referendo, integralmente, por seus próprios<br />

fundamentos, a decisão que proferi a fls. 85/88.<br />

Vale registrar, neste ponto, por relevante, que a eminente Ministra ELLEN<br />

GRACIE, no período de férias forenses, deferiu provimento cautelar em contexto idêntico<br />

ao que se analisa na presente sede processual (AC 1.724-MC/SC, Rel. Min. MARCO<br />

AURÉLIO).<br />

A Secretaria do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, após publicado o acórdão consubstanciador<br />

deste julgamento, deverá promover, em momento oportuno, a juntada de cópia do<br />

referido julgado aos autos do RE 530.009/SC.<br />

Também os autos da presente ação cautelar deverão ser apensados, “opportuno<br />

tempore”, aos do RE 530.009/SC, cumprindo-se, desse modo, o que determina o art. 809<br />

do CPC.<br />

É o meu voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

AC 1.689-QO/SC — Relator: Ministro Celso de Mello. Requerente: Estado de Santa<br />

Catarina (Advogado: PGE/SC – Ricardo de Araújo Gama). Requerido: Município de Três<br />

Barras (Advogados: Paulo Ernani da Cunha Tatim e outros).


R.T.J. — 202 509<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, resolvendo questão de ordem, referendou,<br />

integralmente, por seus próprios fundamentos, a decisão de fls. 85/88, nos termos do voto<br />

do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros Cezar Peluso e<br />

Eros Grau.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Gilmar<br />

Mendes, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros<br />

Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos.<br />

Brasília, 7 de agosto de 2007 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


510<br />

R.T.J. — 202<br />

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.427 — PR<br />

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau<br />

Requerente: Partido Social Liberal – PSL — Requeridos: Governador do Estado<br />

do Paraná e Assembléia Legislativa do Estado do Paraná<br />

Ação direta de inconstitucionalidade. Leis 10.704/94 e 10.818/94 do<br />

Estado do Paraná. Criação de cargos comissionados de “suplentes de<br />

delegados”, posteriormente denominados “assistentes de segurança pública”.<br />

Atribuição das funções de delegado de polícia a assistentes de segurança<br />

pública. Violação do disposto no art. 144, § 4º, da Constituição do<br />

Brasil.<br />

1. A Lei 10.704/94, que cria cargos comissionados de suplentes de<br />

delegados, e a Lei 10.818/94, que apenas altera a denominação desses<br />

cargos, designando-os “assistentes de segurança pública”, atribuem as<br />

funções de delegado a pessoas estranhas à carreira de delegado de polícia.<br />

2. Este <strong>Tribunal</strong> reconheceu a inconstitucionalidade da designação<br />

de estranhos à carreira para o exercício da função de delegado de polícia,<br />

em razão de afronta ao disposto no art. 144, § 4º, da Constituição do<br />

Brasil. Precedentes.<br />

3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada totalmente procedente.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade<br />

da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, julgar procedente<br />

a ação direta de inconstitucionalidade, nos termos do voto do Relator.<br />

Brasília, 30 de agosto de 2006 — Eros Grau, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: O Partido Social Liberal (PSL) propõe ação direta, com<br />

pedido de medida cautelar, na qual questiona a constitucionalidade das Leis 10.704/94<br />

e 10.818/94 do Estado do Paraná.<br />

2. Os textos normativos atacados têm o seguinte teor:<br />

Lei n. 10.704, de 10/01/1994<br />

Art. 1º Ficam criados na Secretaria de Estado da Segurança Pública, com lotação no<br />

Departamento de Polícia Civil, 150 (cento e cinqüenta) cargos em comissão, com a denominação<br />

de Suplente de Delegados e simbologia 9-C, os quais serão providos na forma do disposto no<br />

parágrafo único, do art. 1º da Lei 7.880, de 20 de junho de 1984.<br />

Art. 2º As despesas decorrentes da execução da presente Lei correrão à conta de dotações<br />

próprias do Orçamento Geral do Estado.<br />

Art. 3º Aos futuros exercentes dos cargos ora criados será ministrado curso básico pela<br />

Escola de Polícia Civil do Estado do Paraná.


R.T.J. — 202 511<br />

Art. 4º São requisitos necessários para ingresso no cargo de Assistente de Segurança:<br />

a) Comprovação de escolaridade mínima de 2º grau completo ou equivalente;<br />

b) Submeter-se a testes psicotécnicos.<br />

Art. 5º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em<br />

contrário.<br />

Lei n. 10.818, de 25/05/1994<br />

Art. 1º Os cargos de provimento em comissão criados pelo artigo 1º da Lei nº 10.704, de<br />

10 de janeiro de 1994, passam, sob a mesma simbologia, a ter a denominação de Assistente de<br />

Segurança Pública.<br />

Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em<br />

contrário.<br />

3. O Requerente sustenta que as leis hostilizadas colidem com o disposto nos arts.<br />

25 1 , 37, inciso II 2 , e 144, § 4º 3 , da Constituição do Brasil, pois atribuem a servidores não<br />

concursados as funções de delegado de polícia de carreira. Isso porque os assistentes de<br />

segurança pública têm, na falta de delegados de carreira, “deveres, atribuições e responsabilidades<br />

destes nas unidades de 5ª Classe”, especificados no parágrafo único do art.<br />

1º da Lei estadual 7.880/84 4 c/c o § 3º do art. 97 do Decreto 4.884/78 5 .<br />

4. A Assembléia Legislativa afirma que os textos normativos impugnados estão<br />

compatibilizados ao disposto no art. 37, inciso II, da Constituição de 1988 (fls. 97/99).<br />

1 “Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os<br />

princípios desta Constituição.”<br />

2 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do<br />

Distrito <strong>Federal</strong> e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,<br />

publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:<br />

(...)<br />

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de<br />

provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na<br />

forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre<br />

nomeação e exoneração;”<br />

3 “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para<br />

a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes<br />

órgãos:<br />

(...)<br />

§ 4º às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência<br />

da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.”<br />

4 “Art. 1º Ficam criados no Departamento de Polícia Civil, 178 (cento e setenta e oito) cargos de<br />

provimento em comissão, símbolo 9-C, de Assistente de Segurança Pública.<br />

Parágrafo único. Os cargos de que trata este artigo serão providos exclusivamente para o exercício da<br />

função prevista no § 3º, do artigo 97, do Decreto 4.884, de 24 de abril de 1978, em unidades policiais<br />

civis de 5ª classe, com sede em Municípios que são Distritos Judiciários.”<br />

5 “Art. 97. As unidades policiais constantes dos itens I a IV do artigo 95, são obrigatoriamente chefiadas<br />

por integrantes da carreira de Delegado de Polícia da mesma classe, à exceção dos institutos Médico<br />

Legal e de Criminalística, respectivamente dirigidas por integrante da carreira policial superior, Médico<br />

Legista e Perito Criminal, todos de 1ª Classe.<br />

(...)<br />

§ 3º Na falta de Delegados de Polícia de carreira as unidades de 5ª Classe poderão ser exercidas por<br />

servidores policiais, inativos, da reserva, ou cidadãos brasileiros de reconhecida idoneidade moral,<br />

sendo destes exigido:<br />

I - ter mais de 21 (vinte e um) anos de idade;<br />

II - estar no gozo dos direitos políticos;<br />

III - apresentar fotocópia da carteira de identidade;


512<br />

R.T.J. — 202<br />

5. O Governador do Estado do Paraná aduz que o art. 37, inciso II, da CB/88 prevê<br />

a existência de cargos em comissão – não providos por concurso público – e que aos<br />

ocupantes dos cargos criados não foi cometida atribuição exclusiva dos delegados de<br />

carreira; e os assistentes de segurança pública “não são senão aqueles subordinados dos<br />

delegados de carreira” (fls. 122/134).<br />

6. A medida cautelar foi deferida em 20 de junho de 2001 (fls. 160/177).<br />

7. O Advogado-Geral da União manifesta-se pelo não-conhecimento da ação em<br />

decorrência da perda superveniente da representação partidária do Requerente no Congresso<br />

Nacional (fls. 149/151).<br />

8. O Procurador-Geral da República, invocando precedentes, opina pela procedência<br />

do pleito (fls. 153/158).<br />

É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Senhores Ministros<br />

(RISTF, art. 172).<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Nesta ação direta é objetivada a declaração de<br />

inconstitucionalidade das Leis paranaenses 10.704/94 – que cria, no âmbito da Secretaria<br />

Estadual de Segurança Pública, cargos comissionados de suplentes de delegados – e<br />

10.818/94 – que altera a denominação desses cargos, então designados “assistente de<br />

segurança pública”.<br />

2. Rejeito a preliminar argüida pelo Advogado-Geral da União. Esta Corte decidiu,<br />

no julgamento da <strong>ADI</strong> 2.159-AgR 6 , que a aferição da legitimidade ad causam pertinente<br />

à ação direta de inconstitucionalidade deve ser apurada no momento da propositura da<br />

ação, a perda superveniente de representação do partido político no Congresso Nacional<br />

não ensejando a sua ilegitimidade.<br />

3. No mérito, o pedido merece acolhimento.<br />

4. O Governador do Estado do Paraná afirma, em suas informações, que aos assistentes<br />

de segurança pública – nova designação conferida aos suplentes de delegados –<br />

não são conferidas atribuições exclusivas de delegados de carreira.<br />

5. A consideração do regime jurídico pertinente a esses cargos nos levará, no<br />

entanto, a diversa conclusão.<br />

6. O art. 1º da Lei 10.704/94 estabelece, ao criar 150 (cento e cinqüenta) cargos de<br />

suplente de delegado, que serão eles providos na forma do disposto no parágrafo único<br />

do art. 1º da Lei estadual 7.880/84, cuja redação é a seguinte:<br />

Art. 1º Ficam criados no Departamento de Polícia Civil, 178 (cento e setenta e oito) cargos<br />

de provimento em comissão, símbolo 9-C, de Assistente de Segurança Pública.<br />

Parágrafo único. Os cargos de que trata este artigo serão providos exclusivamente para o<br />

exercício da função prevista no § 3º, do artigo 97, do Decreto 4.884, de 24 de abril de 1978, em<br />

unidades policiais civis de 5ª classe, com sede em Municípios que são Distritos Judiciários.<br />

IV - residir na sede da respectiva jurisdição;<br />

V - atestado de idoneidade moral firmado por duas autoridades públicas.”<br />

6 <strong>ADI</strong> 2.159-AgR, Relator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes, julgado em 13-8-04.


R.T.J. — 202 513<br />

7. Dispõe, de outra banda, o § 3º do art. 97 do Decreto 4.884/78:<br />

Art. 97. As unidades policiais constantes dos itens I a IV do artigo 95, são obrigatoriamente<br />

chefiadas por integrantes da carreira de Delegado de Polícia da mesma classe, à exceção dos<br />

Institutos Médico Legal e de Criminalística, respectivamente dirigidas por integrante da carreira<br />

policial superior, Médico Legista e Perito Criminal, todos de 1ª Classe.<br />

(...)<br />

§ 3º Na falta de Delegados de Polícia de carreira as unidades de 5ª Classe poderão ser<br />

exercidas por servidores policiais, inativos, da reserva, ou cidadãos brasileiros de reconhecida<br />

idoneidade moral, sendo destes exigido:<br />

I - ter mais de 21 (vinte e um) anos de idade;<br />

II - estar no gozo dos direitos políticos;<br />

III - apresentar fotocópia da carteira de identidade;<br />

IV - residir na sede da respectiva jurisdição;<br />

V - atestado de idoneidade moral firmado por duas autoridades públicas.<br />

8. E a Lei 10.818/94 altera a denominação do cargo, sem nada, contudo, dispor no<br />

que concerne às atividades que lhe correspondem.<br />

9. Da análise desse complexo normativo resulta irrefutável a verificação de que os<br />

assistentes de segurança pública cumprem, nas unidades de 5ª Classe, o papel de delegado<br />

de carreira, em afronta ao disposto no § 4º do art. 144 da Constituição do Brasil.<br />

10. Lembro, neste passo, observação do Ministro Nelson Jobim no julgamento da<br />

medida cautelar (fl. 168):<br />

(...)<br />

O cargo de delegado de polícia é exercido por cidadão com curso superior em direito,<br />

após aprovação em concurso público.<br />

Exerce atividades em que lhe são exigidos conhecimentos técnicos específicos.<br />

Como tal, o delegado de carreira somente pode ser substituído por outro servidor também<br />

delegado de carreira.<br />

(...)<br />

11. Em situação semelhante, esta Corte definiu que é inconstitucional a designação<br />

de estranhos à carreira para o exercício da função de delegado de polícia (<strong>ADI</strong> 1.854,<br />

Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 4-5-01) 7 .<br />

7 “I - Delegado de Polícia: designação para o exercício da função de estranhos à carreira: inconstitucionalidade<br />

(CF, art. 144, § 4º).<br />

II - Concurso público: não mais restrita a sua exigência ao primeiro provimento de cargo público,<br />

reputa-se ofensiva ao art. 37, II, da CF toda modalidade de ascensão de cargo de uma carreira ao de<br />

outra, a exemplo da ‘promoção por progressão vertical’ impugnada.<br />

III - Ação direta de inconstitucionalidade: alteração superveniente do art. 37, II, no qual fundada a<br />

argüição, pela EC 19/98: ação direta não prejudicada, pois, segundo o novo art. 37, II, resultante da EC<br />

19/98, o que ficou explicitamente submetido à ‘natureza e a complexidade do cargo ou emprego’ não<br />

foi exigência do concurso público – parâmetro da presente argüição –, mas a disciplina do mesmo<br />

concurso.<br />

IV - Polícia Civil: o art. 144, § 4º, da Constituição da República, ao impor sejam elas dirigidas por<br />

Delegado de Polícia de carreira, não ilide a integração da instituição policial – que integra a administração<br />

direta estadual – à estrutura da Secretaria competente, conforme o direito local, nem retira do<br />

Secretário de Estado respectivo o poder normativo secundário que lhe advém do disposto no art. 87, II,<br />

da Lei Fundamental, com relação aos Ministros de Estado.”


514<br />

R.T.J. — 202<br />

12. No mesmo sentido, a <strong>ADI</strong> 1.233, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de<br />

10-8-01.<br />

Ante o exposto, julgo procedente o pedido e declaro inconstitucionais as Leis<br />

10.704/94 e 10.818/94 do Estado do Paraná.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, acompanho o Relator.<br />

Alega-se nos autos que seria o cargo de provimento comissionado, mas lembro que<br />

o provimento comissionado previsto na Constituição é uma chave para melhorar a administração,<br />

não uma gazua que pode abrir qualquer porta, de jeito nenhum.<br />

Estou inteiramente com o Relator.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, só queria lembrar que, desde a<br />

redação originária da Constituição, no art. 144, § 4º, ficou assentado o seguinte:<br />

Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a<br />

competência da União, as funções de polícia judiciária (...)<br />

Esses delegados de polícia de carreira são desenganadamente portadores do título<br />

de bacharel em Direito, ou seja, eles têm formação jurídica, formação escolar superior,<br />

porque a própria Constituição, no art. 241, no título das Disposições Gerais, esclareceu que:<br />

Aos delegados de polícia de carreira aplica-se o princípio do art. 39, § 1º [o princípio da<br />

isonomia], correspondente às carreiras disciplinadas no art. 135 desta Constituição.<br />

Que carreiras foram essas? Privativas de bacharel em Direito: Ministério Público,<br />

Defensoria Pública, Advocacia Pública.<br />

O fato é que a lei impugnada, no art. 4º, contenta-se com comprovação de escolaridade<br />

mínima de segundo grau, completo ou equivalente, para os ocupantes desses<br />

cargos em comissão, criados por ela, pela lei posta em xeque.<br />

Com essas razões e mais as que foram judiciosamente expendidas pelo Ministro<br />

Relator, acompanho Sua Excelência.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, noto apenas que a <strong>ADI</strong><br />

2.067/PR, Relator o Ministro Moreira Alves, não foi conhecida porque se dirigia à<br />

Lei 10.704, e não à Lei 10.818, que a alterara. Só por isso não foi conhecida. Agora,<br />

são impugnadas ambas as leis.<br />

Na linha dos precedentes, acompanho o voto do eminente Relator.


R.T.J. — 202 515<br />

EXTRATO DA ATA<br />

<strong>ADI</strong> 2.427/PR — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Partido Social Liberal –<br />

PSL (Advogado: Wladimir Sérgio Reale). Requeridos: Governador do Estado do Paraná<br />

(Advogados: Márcia Dieguez Leuzinger – PGE/PR e outro) e Assembléia Legislativa do<br />

Estado do Paraná.<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade, julgou procedente a ação direta, nos termos<br />

do voto do Relator. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente,<br />

neste julgamento, o Ministro Marco Aurélio. Falou pelo Requerente o Dr. Wladimir<br />

Sérgio Reale.<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda<br />

Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,<br />

Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral<br />

da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 30 de agosto de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


516<br />

R.T.J. — 202<br />

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA<br />

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.728 — AM<br />

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio<br />

Embargante: Governador do Estado do Amazonas — Embargados: Partido Liberal –<br />

PL e outro, Partido dos Trabalhadores – PT e outros e Assembléia Legislativa do Estado<br />

do Amazonas<br />

Representação processual – Processo objetivo – Governador do<br />

Estado. A representação processual do Governador do Estado no processo<br />

objetivo se faz por meio de credenciamento de advogado, descabendo<br />

colar a pessoalidade considerada àquele que, à época, era o chefe do Poder<br />

Executivo.<br />

Representação processual – Processo objetivo – Governador do<br />

Estado. Atua o legitimado para ação direta de inconstitucionalidade quer<br />

mediante advogado especialmente credenciado, quer via Procurador do<br />

Estado, sendo dispensável, neste último caso, a juntada de instrumento de<br />

mandato.<br />

Controle concentrado de constitucionalidade – Procedência da<br />

pecha de inconstitucional – Efeito – Termo inicial – Regra X exceção. A<br />

ordem natural das coisas direciona no sentido de ter-se como regra a<br />

retroação da eficácia do acórdão declaratório constitutivo negativo à<br />

data da integração da lei proclamada inconstitucional, no arcabouço<br />

normativo, correndo à conta da exceção a fixação de termo inicial distinto.<br />

Embargos declaratórios – Omissão – Fixação do termo inicial dos<br />

efeitos da declaração de inconstitucionalidade – Retroatividade total.<br />

Inexistindo pleito de fixação de termo inicial diverso, não se pode alegar<br />

omissão relativamente ao acórdão por meio do qual se concluiu pelo<br />

conflito do ato normativo autônomo abstrato com a Carta da República,<br />

fulminando-o desde a vigência.<br />

Municípios – Participação na arrecadação do Imposto sobre Circulação<br />

de Mercadorias e Serviços – Inconstitucionalidade de lei estadual –<br />

Alcance da declaração. A ofensa frontal da lei do Estado à Constituição<br />

<strong>Federal</strong> implicou, no julgamento ocorrido, o afastamento retroativo à<br />

data do surgimento de eficácia do ato impugnado.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade<br />

da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, rejeitar os embargos de<br />

declaração, vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Carlos Britto e Ellen Gracie, Presidente.<br />

Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello.<br />

Brasília, 19 de outubro de 2006 — Marco Aurélio, Relator.


R.T.J. — 202 517<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Plenário julgou parcialmente procedente pedido<br />

formulado em ação direta de inconstitucionalidade, ante fundamentos assim sintetizados<br />

pelo Relator, Ministro Maurício Corrêa (fl. 216):<br />

Ação direta de inconstitucionalidade. Preliminares. Lei estadual. ICMS. Parcela pertencente<br />

aos Municípios. Cálculo. Valor adicionado. Matéria reservada a lei complementar. Vício<br />

formal insanável.<br />

1. Atende as exigências legais procuração que outorga poderes específicos ao advogado<br />

para impugnar, pela via do controle concentrado, determinado ato normativo, sendo desnecessária<br />

a individualização dos dispositivos.<br />

2. Não ocorre a prejudicialidade da ação quando a lei superveniente mantém em vigor as<br />

regras da norma anterior impugnada, e sua revogação somente se dará pelo implemento de<br />

condição futura e incerta.<br />

3. ICMS. Distribuição da parcela de arrecadação que pertence aos Municípios. Lei estadual<br />

que disciplina a forma de cálculo do valor adicionado para apuração do montante fixado no<br />

inciso I do parágrafo único do art. 158 da Constituição <strong>Federal</strong>. Matéria expressamente reservada<br />

a lei complementar (CF, art. 161, I). Vício formal insanável que precede a análise de eventual<br />

ilegalidade em face da Lei Complementar federal 63/90. Violação direta e imediata ao Texto<br />

Constitucional.<br />

4. Cuidando-se de defeito de forma que, pelas mesmas razões, atinge outros dispositivos não<br />

impugnados na inicial, impõe-se a aplicação da teoria da inconstitucionalidade conseqüencial.<br />

5. Parcela relativa a um quarto da participação dos Municípios no produto da arrecadação<br />

do ICMS (CF, art. 158, parágrafo único, inciso II). Matéria reservada a lei estadual. Afronta<br />

formal não configurada. Inexistência de desrespeito ao princípio da isonomia.<br />

Ação procedente em parte.<br />

O Governador do Estado do Amazonas interpôs os embargos de declaração de fls.<br />

220 a 227, sustentando não se ter levado em conta “aspecto relevante, a ser necessariamente<br />

considerado na determinação dos efeitos da mencionada decisão, qual seja, a<br />

impossibilidade material de fazê-la retroagir ao período anterior a sua prolação” (fl.<br />

221). É que o aumento da parcela de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços<br />

do Município de Manaus, de 57,98443% para 65,00030%, acarretara a diminuição<br />

do que era devido a cinqüenta e seis outros Municípios, que, no período compreendido<br />

entre o início da vigência da Lei 2.749 – 16 de setembro de 2002 – e a data do julgamento<br />

desta ação – 28 de maio de 2003 –, receberam parcela maior do que aquela a que<br />

efetivamente faziam jus. Tais Municípios, prossegue o Embargante, já se manifestaram,<br />

apontando a inviabilidade material de restituir ou compensar os valores repassados a<br />

maior. O Governador afirma tratar-se de Municípios do interior, pobres e carentes, cujas<br />

estruturas administrativas dependem, para funcionamento, exclusivamente da transferência<br />

dos recursos federais e estaduais, pois não contam com receita própria. Assim, a<br />

devolução ou compensação do que receberam em excesso “significará não só o agravamento<br />

da já combalida situação financeira desses Municípios, mas o comprometimento<br />

da continuidade na prestação de serviços públicos essenciais às populações locais, que<br />

dependem basicamente das atividades do poder público, mormente no que se refere à<br />

saúde e educação” (fl. 223). Entende o Embargante, dessa forma, estarem presentes os<br />

requisitos autorizadores da atribuição de efeitos ex nunc à decisão. Evoca precedentes<br />

jurisprudenciais e a norma do art. 27 da Lei 9.868/99.


518<br />

R.T.J. — 202<br />

Os Embargados apresentaram a impugnação de fls. 243 a 248. Em primeiro lugar,<br />

dizem da ilegitimidade do Governador e da irregularidade da representação processual.<br />

Alegam que a procuração constante dos autos fora outorgada pelo então Governador<br />

Amazonino Mendes e, na época da protocolação dos embargos, o Governador do Estado<br />

era o Sr. Eduardo Braga. Aduzem que, na forma da Lei 9.868/99, a parte é a pessoa física<br />

do Governador do Estado, e não o governo. Assim, extinto o mandato, perderia ele a<br />

legitimidade para oferecer recursos contra a decisão proferida em ação direta de<br />

inconstitucionalidade. Asseveram não vingar a pretensão do Embargante de modificar a<br />

decisão em razão de fato posterior ao julgamento, até porque nunca postulado o efeito ex<br />

nunc, não havendo falar-se em omissão. Aludem ao precedente revelado com o julgamento<br />

da <strong>ADI</strong> 1.498-6-ED/RS e ressaltam ainda haver dúvida quanto à harmonia, com a<br />

Carta, do art. 27 da Lei 9.868/99, estando pendente de julgamento nesta Corte a <strong>ADI</strong><br />

2.258-0/DF. Por último, salientam que as supostas dificuldades dos Municípios não<br />

foram provadas, tampouco a presença de interesse social a autorizar o acolhimento do<br />

pleito.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A preliminar apontada na impugnação<br />

aos embargos improcede. Vige, no âmbito da administração pública, o princípio da<br />

impessoalidade. Não fora isso, instrumento de mandato outorgado sem prazo de validade<br />

surte efeitos de forma projetada no tempo, descabendo cogitar de alteração, quer<br />

considerada a direção de pessoa jurídica de direito privado, quer de pessoa jurídica de<br />

direito público. Daí a impropriedade de se evocar a circunstância de o credenciamento<br />

anterior daquele que veio a atuar representando o Estado do Amazonas haver sido<br />

formalizado pelo Governador da época, e não pelo atual. A representação se faz regular<br />

até mesmo pelo fato de os embargos declaratórios haverem sido subscritos também<br />

pela Procuradora-Chefe do Estado do Amazonas no Distrito <strong>Federal</strong>, que atua independentemente<br />

de mandato a ser formalizado caso a caso.<br />

Sob o ângulo da oportunidade dos embargos, o acórdão embargado foi publicado<br />

no Diário da Justiça de 20 de fevereiro de 2004, sexta-feira (fl. 218), ocorrendo a manifestação<br />

do inconformismo em 1º de março imediato, segunda-feira (fl. 220). Deles conheço.<br />

No mérito, inexiste omissão a ser suprida. Os embargos visam, isso, sim, a dirimir<br />

casos concretos, relacionados com a conjuntura de Municípios do Estado do Amazonas.<br />

A situação é semelhante à notada na <strong>ADI</strong> 1.498-6/RS, cujo acórdão relativo aos embargos<br />

declaratórios foi por mim redigido, tendo sido publicado no Diário da Justiça de 5<br />

de dezembro de 2003. Assim sintetizei o entendimento do Plenário:<br />

Controle concentrado de constitucionalidade – Procedência da pecha de inconstitucional –<br />

Efeito – Termo inicial – Regra X exceção. A ordem natural das coisas direciona no sentido de terse<br />

como regra a retroação da eficácia do acórdão declaratório constitutivo negativo à data da<br />

integração da lei fulminada por inconstitucional, no arcabouço normativo, correndo à conta da<br />

exceção a fixação de termo inicial diverso.


R.T.J. — 202 519<br />

Embargos declaratórios – Omissão – Fixação do termo inicial dos efeitos da declaração<br />

de inconstitucionalidade – Retroatividade total. A inexistência de pleito de fixação de termo<br />

inicial diverso afasta a alegação de omissão relativamente ao acórdão, por meio do qual se<br />

concluiu pelo conflito do ato normativo autônomo abstrato com a Constituição <strong>Federal</strong>, fulminando-o<br />

desde a vigência.<br />

(...)<br />

Ante esse quadro, desprovejo os declaratórios.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, tenho suscitado, pelo menos<br />

do ponto de vista acadêmico, a possibilidade que aqui se coloca de haver uma omissão<br />

na declaração de inconstitucionalidade. Simplesmente afirmarmos a declaração de<br />

inconstitucionalidade. E sabemos que domina entre nós a doutrina do princípio da<br />

nulidade. Logo, não é preciso explicitar.<br />

Todavia, pode haver uma omissão. E por quê? Qual é a justificativa – e isso tem<br />

sido objeto de discussão no Plenário – do art. 27? É o confronto entre a idéia constitucional<br />

do princípio da nulidade e outra idéia, a do princípio de segurança jurídica. Logo,<br />

pode haver, sim, omissão. Daí me parecer relevante o fundamento expendido no caso<br />

específico.<br />

Tema que vem sendo objeto de debate diz respeito ao cabimento de embargos de<br />

declaração para explicitar que, em dada hipótese, a decisão haveria de ter efeitos limitados<br />

ou restritos, e não eficácia retroativa ex tunc.<br />

Na <strong>ADI</strong> 1.498, discutiu-se a admissibilidade dos embargos de declaração para fixar<br />

que a declaração de inconstitucionalidade de lei estadual do Rio Grande do Sul, que<br />

dispunha sobre o regime de cartórios, teria eficácia a partir da decisão concessiva da<br />

cautelar. Por seis votos a cinco, o <strong>Tribunal</strong> não conheceu dos embargos, vencidos Ilmar<br />

Galvão, Maurício Corrêa, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes, que os acolhiam. 1<br />

Se se entender que o fundamento para a limitação dos efeitos é de índole constitucional<br />

e que, presentes os requisitos para a declaração de inconstitucionalidade com<br />

efeitos restritos, não poderá o <strong>Tribunal</strong> fazê-lo com eficácia ex tunc, afigura-se inevitável<br />

o acolhimento dos embargos de declaração nas hipóteses em que de fato se configura<br />

uma omissão do <strong>Tribunal</strong> na apreciação dessas circunstâncias.<br />

A propósito, assinala Rui Medeiros, tendo em vista a experiência portuguesa:<br />

A solução neste tipo de situações decorre, quanto a nós, dos próprios limites da força<br />

obrigatória geral da declaração de inconstitucionalidade. O puro silêncio do <strong>Tribunal</strong> Constitucional<br />

não contém um julgamento implícito sobre a admissibilidade ou não da limitação dos<br />

efeitos da declaração. Como escreve Miguel Galvão Teles, quando os juízes constitucionais não<br />

limitam os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, não estão de forma alguma a fixar<br />

implicitamente os efeitos da inconstitucionalidade. Tais efeitos resultam tão só e unicamente da<br />

Constituição. Ora, em nossa opinião, a declaração de inconstitucionalidade com eficácia erga<br />

omnes vale nos precisos limites e termos em que julga.<br />

1 Cf. <strong>ADI</strong> 1.498, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 5-12-03.


520<br />

R.T.J. — 202<br />

É certo que, se a questão fosse equacionada nos estritos quadros da teoria processual civil<br />

sobre o caso julgado, o chamado efeito preclusivo da sentença e, mais concretamente, a regra de<br />

que o caso julgado civil cobre o deduzido e o dedutível poderiam eventualmente pôr em causa<br />

uma tal conclusão.<br />

Mas, em face da singularidade do processo de fiscalização abstracta da constitucionalidade,<br />

o que importa é sublinhar que não se vislumbram quaisquer razões jurídico-constitucionais<br />

imperiosas que imponham a rejeição da possibilidade de, em momento ulterior à declaração de<br />

inconstitucionalidade, se reconhecer a existência de fundamento para uma limitação do alcance<br />

da declaração de inconstitucionalidade. Pelo contrário, perante a verificação a posteriori de que<br />

uma declaração de inconstitucionalidade com eficácia retroactiva e repristinatória envolveria um<br />

sacrifício intolerável de outros interesses constitucionalmente protegidos, manda o princípio da<br />

proporcionalidade que se admita a superveniente limitação de efeitos. 2<br />

Assim, se se entende que a declaração de inconstitucionalidade com efeitos limitados<br />

ou restritos é uma imposição da própria Constituição, não se há de atribuir valor<br />

definitivo a uma eventual omissão por parte do <strong>Tribunal</strong>. Daí a possibilidade de que se<br />

reconheça a omissão no âmbito dos embargos de declaração para os fins de explicitar a<br />

necessária limitação de efeitos da decisão de inconstitucionalidade.<br />

No caso específico me impressiona o argumento, exatamente por nos lembrarmos,<br />

inclusive, daquela sessão em que se discutiu o tema envolvendo o Município de<br />

Manaus, os critérios do ICMS, o critério de divisão projetado pelo Estado-membro, o<br />

Estado do Amazonas, que, portanto, teria operado em favor dos Municípios do interior<br />

e em desfavor do Município de Manaus. Evidentemente, mantida a idéia da eficácia ex<br />

tunc, temos sérios problemas de recomposição desses valores.<br />

Parece-me, portanto, que estamos aqui diante de um caso no qual o conflito entre<br />

a idéia da nulidade da lei inconstitucional e a de segurança jurídica – que dá armadura<br />

constitucional, contextura constitucional a este debate, que legitima o art. 27 – arma-se<br />

em toda a plenitude.<br />

Peço vênia ao eminente Relator para dar provimento aos embargos.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

<strong>ADI</strong> 2.728-ED/AM — Relator: Ministro Marco Aurélio. Embargante: Governador<br />

do Estado do Amazonas (Advogado: Ives Gandra da Silva Martins). Embargados: Partido<br />

Liberal – PL e outro (Advogados: Henrique Neves da Silva e outro), Partido dos Trabalhadores<br />

– PT e outros (Advogados: Marcio Luiz Silva e outros) e Assembléia Legislativa<br />

do Estado do Amazonas.<br />

Decisão: Após o voto do Ministro Marco Aurélio (Relator), rejeitando a preliminar<br />

e os embargos de declaração, e do voto do Ministro Gilmar Mendes, acolhendo os<br />

embargos, pediu vista dos autos a Ministra Cármen Lúcia. Ausente, justificadamente, o<br />

Ministro Celso de Mello. Presidência da Ministra Ellen Gracie.<br />

2<br />

Cf. MEDEIROS, Rui. A Decisão de Inconstitucionalidade. Lisboa: Universidade Católica, 1999, p.<br />

738-739.


R.T.J. — 202 521<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda<br />

Pertence, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa,<br />

Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr.<br />

Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 3 de agosto de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.<br />

VOTO<br />

(Vista)<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Nos embargos de declaração interpostos pelo Governador<br />

do Estado do Amazonas, quanto ao julgado na <strong>ADI</strong> 2.728, busca-se a determinação<br />

de efeitos ex nunc da inconstitucionalidade declarada por este <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>,<br />

em 28 de maio de 2003.<br />

A Lei 2.749, de 16 de setembro de 2002, do Estado do Amazonas, que dispunha<br />

sobre os critérios para o crédito das parcelas do produto da arrecadação dos impostos do<br />

Estado pertencentes aos Municípios, teve o seu inciso I e alíneas do art. 1º e parágrafo<br />

único deste artigo declarados inconstitucionais por este <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

Em face dessa decisão, houve diminuição dos recursos recebidos pelos Municípios,<br />

menos relativamente a Manaus, que passou a receber mais.<br />

Dá-se que, no prazo em que prevaleceram os dispositivos normativos tidos, naquela<br />

assentada, por inconstitucionais, o recebimento a maior dos Municípios tinha ocorrido<br />

(o que prevaleceu de 16 de setembro de 2002 até a data do julgamento, 28 de maio de<br />

2003).<br />

Na regra que se aplica à inconstitucionalidade afirmada por este <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>,<br />

a declaração opera efeitos ex tunc. Nula a norma, os Municípios teriam de devolver o<br />

quantum recebido a maior durante o prazo de vigência da norma depois tida como<br />

inválida constitucionalmente.<br />

O que se pede nos embargos de declaração é que se esclareçam, na espécie, os<br />

efeitos, pedindo sejam eles tidos como ex nunc, em face da impossibilidade, até mesmo<br />

material e financeira, de os Municípios devolverem os valores antes recebidos (na forma<br />

e segundo a lei declarada inconstitucional).<br />

O eminente Relator, Ministro Marco Aurélio, entendeu que “inexiste omissão a ser<br />

suprida. Os embargos visam, isso, sim, a dirimir casos concretos, relacionados com a<br />

conjuntura de Municípios do Estado do Amazonas. (...) ante esse quadro, desprojevo os<br />

declaratórios.”<br />

Divergindo do nobre Relator, o Ministro Gilmar Mendes entendeu e votou no<br />

sentido de que, “se se entende que a declaração de inconstitucionalidade com efeitos<br />

limitados ou restritos é uma imposição da própria Constituição, não se há de atribuir<br />

valor definitivo a uma eventual omissão por parte do <strong>Tribunal</strong>. Daí a possibilidade de<br />

que se reconheça a omissão no âmbito dos embargos de declaração para os fins de<br />

explicitar a necessária limitação de efeitos da decisão de inconstitucionalidade. (...)<br />

peço vênia ao eminente Relator para dar provimento aos embargos.”


522<br />

R.T.J. — 202<br />

Pedi vista para melhor exame da matéria.<br />

A questão que se põe nesse momento processual é se caberiam os embargos para<br />

explicitar efeitos da decisão declaratória de inconstitucionalidade da lei do Amazonas e<br />

se seriam de ser providos os embargos oferecidos.<br />

Não houve pedido explícito anteriormente, pelo que, na linha do quanto votado<br />

pelo nobre Relator, não haveria omissão a ser sanada com os embargos apresentados.<br />

Dá-se, contudo, que a pretensão do Estado embargante remete-se a situação que, se<br />

não for confrontada – e não haveria outro que não o instrumento do pedido de<br />

aclaramento dos efeitos da decisão por meio dos embargos –, produzirá os efeitos difíceis<br />

de se operarem em razão das condições dos Municípios e até mesmo da forma de<br />

devolução em detrimento da segurança que se busca para os cidadãos que neles hauriram<br />

algum serviço prestado exatamente com os recursos entregues na forma das normas<br />

declaradas inválidas constitucionalmente.<br />

Em que pese o art. 27 da Lei 9.868 ser singular, exigindo o comedimento em sua<br />

aplicação, não há dúvida de que, comprovada ocorrência do excepcional interesse social,<br />

pode – e deve – o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> “restringir os efeitos daquela declaração ou decidir<br />

que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que<br />

venha a ser fixado.”<br />

A circunstância de a tanto não se ter aludido, tempestivamente, Autor ou Requerido,<br />

menos ainda comprovada aquela circunstância quando pendente o julgamento da ação,<br />

não faz com que ela não ocorra de fato. Para tanto, contudo, há que indagar se se dão a<br />

préstimo os embargos declaratórios.<br />

Não tenho como ocorrida na espécie a omissão formal, simplesmente porque a<br />

circunstância de “relevante interesse social” e impossibilidade material de os Municípios<br />

cumprirem as exigências de devolução do indevido que lhes foi repassado não foi<br />

alegada. E, aliás, parece que sequer dela conhecia o ora Embargante, pois se relata na<br />

peça de embargos, que, “dando cumprimento à decisão deste Eg. <strong>Tribunal</strong>, o Estado do<br />

Amazonas editou o Decreto 23.442, de 2-6-03, e, face à decisão consensual do Estado e<br />

dos municípios de se adotarem os parâmetros de apuração de valor adicionado relativos<br />

aos anos de 2000 e 2001, respeitado o que decidido por essa Suprema Corte, foi editado<br />

o Decreto 23.476, de 16-6-03, recompondo e alterando os índices de distribuição da<br />

parcela do ICMS pertencente aos Municípios, relativos ao período em que vigorou a lei<br />

considerada inconstitucional”. Afirma-se, ainda, nos embargos declaratórios, que:<br />

“constatou-se, então, que, antes do julgamento deste feito, com base na mencionada lei<br />

(...) acarretando, conseqüentemente, redução dos índices de participação de 56 Municípios.<br />

Em relação a estes, houve, portanto (...) um recebimento a maior (...) Diante dessa<br />

situação advinda do que restou decidido neste feito foi o Estado notificado pelos 56<br />

Municípios que receberam recursos a maior com base na lei inconstitucional, de que se<br />

encontram diante de impossibilidade material de restituir ou compensar os valores recebidos<br />

em excesso (...)”.<br />

De se notar, pois, que não houve omissão formal na decisão proferida por este<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>, porque não foi aventado ou trazido a esta Casa qualquer dado que<br />

lhe impusesse o dever jurisdicional de manifestar-se quanto aos efeitos, eventualmente<br />

peculiares e excepcionais, da declaração de inconstitucionalidade.


R.T.J. — 202 523<br />

Portanto, formalmente, não há o atendimento das condições jurídico-processuais a<br />

permitirem o provimento dos embargos.<br />

Não vejo, pois, como viabilizar o provimento de recurso que se apresenta sem o<br />

atendimento das condições para ele previstas na legislação vigente (art. 535 do Código<br />

de Processo Civil).<br />

Medida que tenha de ser adotada, se for o caso, não será, seguramente, a que se<br />

aviou nos presentes embargos, que rejeito por carência de seus requisitos legais.<br />

Nesse sentido, pedindo vênia ao douto Ministro Gilmar Mendes, cujas ponderações<br />

de fundo me são extremamente caras, acompanho o Ministro Relator.<br />

EXPLICAÇÃO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, na verdade trata-se de um caso<br />

singular. Quando discutimos, à época, havia até uma preliminar inicial de não-cabimento<br />

da ação, na questão da impugnação – estou relendo, agora, o parecer da Procuradoria-<br />

Geral –, e se entendeu que não se deveria conhecer da ação. A Procuradoria sustentou<br />

essa tese por entender que a impugnação fora incompleta. Mas o <strong>Tribunal</strong> superou essa<br />

orientação e julgou o mérito. Na verdade, é um briga que se coloca e repercute sobre os<br />

critérios de ICMS – aquela parte que pode dispor o Estado, a lei estadual – e que, no<br />

critério utilizado pelo Estado da Amazonas, favoreceu os pequenos Municípios, aparentemente,<br />

em detrimento do Município de Manaus. Se não houver nenhuma ressalva, em<br />

se tratando de recurso já distribuído, muito provavelmente o Estado não terá como<br />

compensar o Município de Manaus, e esses pequenos Municípios também não terão<br />

como fazer esse ressarcimento. Esse é o dado fático que se coloca, e o <strong>Tribunal</strong> tem de<br />

levar em conta, tendo em vista a repercussão da decisão, uma vez que a lei é de 2002 e,<br />

em todos os anos, houve esse repasse, que é uma prática comum.<br />

Por isso sustentei, e o faço até em inscritos doutrinários, que, se o <strong>Tribunal</strong> eventualmente<br />

deixa de se pronunciar sobre os efeitos – a lei é clara nesse sentido –, a decisão<br />

opera-se com eficácia ex tunc, na linha do princípio da nulidade aqui aceito. Todavia, o<br />

tema pode ser, sim, agitado em embargos de declaração. Tenho a impressão de que<br />

estamos diante de um caso com singularidades evidentes, e de que estamos, talvez, não<br />

definindo, projetando a questão para o futuro. É um tema sensível nessa perspectiva.<br />

Entendo as ponderações trazidas pela Ministra Cármen Lúcia e sei que o caso é<br />

delicado, mas o caso é realmente de uma delicadeza extrema, muito provavelmente, se<br />

não houver uma decisão do <strong>Tribunal</strong>, vamos estar a eternizar essa demanda, porque, no<br />

fundo, não há como expandir a receita nem do Estado, no caso específico, nem dos<br />

Municípios para o fim de solver esse impasse que se colocou.<br />

Por isso adotei a proposta, acolhendo os embargos de declaração, de atribuir eficácia<br />

ex nunc, a partir da nossa decisão, à declaração de inconstitucionalidade.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, entendo, também, que,<br />

do ponto de vista estritamente técnico, não estão presentes os pressupostos para acolher


524<br />

R.T.J. — 202<br />

os embargos. Porém, preocupa-me o seguinte: se não acolhermos os embargos, fechamos<br />

definitivamente as portas para, por meio de embargos declaratórios, abrirmos essa discussão<br />

com relação aos efeitos da ação de inconstitucionalidade. Essa é uma questão importante,<br />

quer dizer, hoje vamos definir, salvo melhor juízo, um precedente importante. Se<br />

a matéria não foi suscitada, porque a expectativa da parte não pode ser antecipada com<br />

relação ao julgamento, então fechamos as portas em definitivo.<br />

Mas, do ponto de vista estritamente técnico, acompanho o voto do Relator para<br />

rejeitar os embargos, com essa preocupação.<br />

ESCLARECIMENTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, se me permite, queria prestar<br />

um esclarecimento em face das alegações do Ministro Gilmar Mendes, por cuja tese<br />

tenho a maior simpatia. É que, neste caso, tal como disse o Ministro Relator, passou-se<br />

um tempo enorme até que o próprio Estado se desse conta. Entendo – fui advogada<br />

durante trinta anos – que, como advogada, quando propomos alguma ação, temos a<br />

obrigação profissional de averiguar, levantar para um juiz todas as conseqüências que<br />

são, neste caso, não impensáveis, incogitáveis e imponderáveis. Quer dizer, se a lei fosse<br />

declarada inconstitucional da data de 16 de setembro de 2003 a 22 de maio, pagou-se a<br />

mais, evidente que se precisa pedir, como várias vezes, em várias ações diretas: se vier a<br />

ser declarada inconstitucional, que se admita apenas para argumentar – é até um jargão –,<br />

seja declarada com efeitos ex nunc. O próprio Estado confessa, nos embargos, que fez<br />

uma reunião para chegar a um consenso sobre como repassar ou refazer esses dados, uma<br />

vez que o Município de Manaus tinha recebido 52% e passaria a receber quase 60%, e os<br />

56% receberam a menor. Quer dizer, tentou-se pedir de volta e, como não se chegou a um<br />

consenso, entrou-se com embargos de declaração.<br />

O Ministro Relator, no dia, foi extremamente operoso quanto a isso, porque a<br />

omissão contra a qual se quer uma declaração, não atende a nenhum requisito legal e,<br />

neste caso, não foi a matéria, sequer aventada em hora alguma, porque nem o Embargante<br />

sabia dos efeitos da decisão ou a eles não atentou.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ministra Cármen Lúcia, Vossa Excelência<br />

me permite? A lei é de 2002, o ajuizamento foi no próprio ano e a decisão do <strong>Tribunal</strong> é<br />

de 2003. Preocupa-me muito, quanto a empréstimo de eficácia desde o momento da<br />

decisão que vier a ser proclamada pelo <strong>Tribunal</strong>, que não se iniba a aprovação de leis<br />

inconstitucionais; que passe a valer a pena, ante a morosidade do próprio Judiciário,<br />

lançar, no mundo jurídico, leis inconstitucionais. Agora, esse problema de distribuição<br />

do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços deve ser equacionado no âmbito<br />

administrativo, considerada a atuação do próprio Governador e também dos prefeitos<br />

envolvidos.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Lembro a Vossa Excelência que isso, de haver<br />

normas inconstitucionais, está em Rui Barbosa, que, contra leis mineiras, cansou de<br />

procurar os Tribunais dizendo: lança-se no mundo jurídico, apostando que uma parte<br />

não vai ser cumprida. Lembro-me bem das caudas orçamentárias, que eram um problema<br />

imenso.


R.T.J. — 202 525<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): E Vossa Excelência me permite até contar<br />

um episódio que ocorreu – creio que isso está no âmbito do folclore. Certa vez,<br />

adentrando um assessor o gabinete de um Ministro, indagou o Ministro qual seria a<br />

percentagem de inconstitucionalidade de certo anteprojeto elaborado. O assessor respondeu<br />

que seria na base de 30% a 40%. Premissa dessa conclusão: que apenas 30% a<br />

40% ingressam em juízo para questionar alguma coisa.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Isso se atribuiu ao Ministro Dornelles e foi ainda no<br />

regime militar. Vi isso publicado nos jornais. Mas esse quadro mudou por completo<br />

depois da Constituição de 1988.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sou personagem de um episódio similar, na<br />

época com assessores do saudoso Ministro Dílson Funaro. Eu, então Procurador-Geral,<br />

recebi membros da sua assessoria, coisa não costumeira. Mas me pediu o Ministro que<br />

recebesse assessores que estavam às voltas com a minuta de um decreto-lei. Eu lhes<br />

ponderei: isso não passa pelo primeiro juiz de plantão na esquina. Foi-me respondido:<br />

doutor Procurador, nós até já desconfiávamos dessa inconstitucionalidade. Mas veja:<br />

Vossa Excelência conhece um caso em que a União tenha ganho, a respeito da tributação<br />

pelo IOF de uma operação, que se quis aplicar num mesmo exercício, um caso em que a<br />

União tenha em juízo? Eu falei: não, se vocês têm algum, devem colocar numa vitrine<br />

excepcional. O que vejo todos os dias são os ementários do então TFR com dezenas de<br />

páginas declarando inconstitucional a pretensão da Fazenda. Pois bem, responderam-me,<br />

sabe Vossa Excelência qual foi a arrecadação? Oitenta e nove por cento da prevista.<br />

Vale dizer, 89% dos atingidos não foram a juízo. Tenho muitas dúvidas – que ainda<br />

vou expor ao <strong>Tribunal</strong>, embora já desconfiando de que serei vencido – quanto à<br />

constitucionalidade do art. 27 da lei da ação direta de inconstitucionalidade, particularmente<br />

quanto a sua constitucionalidade formal.<br />

Mas, de qualquer sorte, o que temo muito para o futuro deste <strong>Tribunal</strong> é o barateamento<br />

da modulação ou manipulação da eficácia temporal das declarações de inconstitucionalidade.<br />

E, agora, criando, na pauta do <strong>Tribunal</strong>, mais um processo, que serão os<br />

embargos de declaração. Não haverá declaração de inconstitucionalidade, salvo inépcia<br />

manifesta do advogado, na qual, depois do julgamento, não se venha alegar efeitos<br />

sociais e econômicos relevantes para que o <strong>Tribunal</strong> aponha à sua decisão uma modulação<br />

temporal dos seus efeitos.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ministro, e esses embargos não cumprem nada do<br />

que são os requisitos para interpô-los. Serão embargos específicos. Neste caso, não houve<br />

omissão.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Até reconheço que tanto o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong> quanto o <strong>Tribunal</strong> Superior Eleitoral, reconhecendo a virtual irrecorribilidade<br />

de suas decisões, têm sido flexíveis, algumas vezes, quanto aos pressupostos dos embargos<br />

de declaração.<br />

Mas, vindo a consolidar-se a constitucionalidade do art. 27, não tenhamos dúvida.<br />

Em toda ação direta, declarada a inconstitucionalidade da norma questionada, sem ressalva,<br />

virão embargos de declaração, a suscitar que os efeitos desastrosos da declaração<br />

geram a necessidade de dar-lhe temperamentos no tempo.


526<br />

R.T.J. — 202<br />

VOTO<br />

(Confirmação)<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, sei que os argumentos ad<br />

terrorem impressionam, especialmente diante do estado em que se encontra o <strong>Tribunal</strong>,<br />

com o número de processos e tudo mais.<br />

Há um dado que o Ministro Sepúlveda Pertence não destacou quanto a essa informação<br />

da Fazenda, que é uma situação pré-1988. Se olharmos o próprio modelo<br />

incidental, descobriremos isso em todos os processos. Mesmo com a abertura que hoje se<br />

tem para a propositura das ações – e as empresas são muito ativas nessas proposituras–,<br />

veremos que é um percentual mínimo diante da cobrança sistemática de tributos.<br />

Só para dar uma idéia, o caso do FGTS, já aqui referido algumas vezes, deu ensejo<br />

a algo em torno de seiscentas e cinqüenta mil ações. Se supusermos que dez pessoas<br />

estavam representadas em cada processo, teremos algo em torno de seis milhões e quinhentas<br />

mil pessoas. Os titulares de direito eram sessenta milhões. Portanto, só dez por<br />

cento vieram a juízo e depois se fez o acordo.<br />

Esse é o quadro desse modelo de prestação incidental. Portanto, não surpreende<br />

isso em relação ao IOF ou qualquer outro tributo. Não é disso que se cuida. Agora, o<br />

modelo mudou radicalmente, pós-1988, com a criação da ação direta.<br />

Há pouco estávamos a brincar com este caso do Rio de Janeiro e a generosidade do<br />

sistema, que permite impugnações, às vezes, até lá não muito ortodoxas. E vimos, no<br />

julgamento anterior, a liberdade que se ofereceu aos partidos, associações, confederações,<br />

para trazer esse tipo de questão. Então, o quadro mudou, impondo, necessariamente,<br />

por conta da repercussão da decisão, um tipo de filtro, modulação ou calibragem na<br />

decisão que venha a ser tomada.<br />

De resto, não é algo só do Brasil. No mundo todo, hoje, se olharmos, as Cortes<br />

acabam limitando – e não é surpresa também – em mais ou menos cinqüenta por cento de<br />

decisões com efeitos gerais e cinqüenta por cento de decisões com efeitos restritos ou<br />

limitados. É mais ou menos esse o índice da Corte Constitucional alemã, da Corte<br />

Constitucional italiana, da Corte Constitucional espanhola.<br />

O próprio Garcia de Enterria, num célebre artigo, falando sobre essa questão,<br />

publicada na revista de direito público, chamava a atenção, porque, no sistema espanhol,<br />

não se previu inicialmente um modelo de limitação de efeitos, e num caso tributário,<br />

dizia ele, e para a salvação da fazenda pública espanhola, porque era uma questão que<br />

envolvia o imposto de renda, tributo central. Aqui, nem estamos discutindo isso, mas<br />

apenas um critério de distribuição entre Municípios e Estados, o que pode onerar até os<br />

Municípios que receberam a maior e terão, portanto, de devolver, pois aqui incidirá<br />

repetição indébita. Então é essa a singularidade do caso, mas nos sistemas hoje, dotados<br />

de responsabilidade fiscal é muito comum a aplicação. Os tributaristas bateram-se contra o<br />

art. 27, há uma reação muito grande em relação a isso, porque, na estrutura de responsabilidade<br />

fiscal, é muito comum a declaração de inconstitucionalidade com eficácia ex<br />

nunc em matéria tributária, exatamente porque os recursos já foram gastos. Os recursos,<br />

orçamentariamente previstos, já foram incorporados e gastos. Como se faz para garantir<br />

a repetição de indébito? Lançando novos tributos, não há outra forma. Vejam, são questões<br />

que devemos colocar.


R.T.J. — 202 527<br />

Agora, em relação à questão técnica dos embargos de declaração, gostaria de fazer<br />

uma outra ponderação. Claro que devemos repelir os embargos de declaração abusivos<br />

em qualquer situação, mas o caso me parece que tem essa singularidade já demonstrada.<br />

De mais a mais, há um outro dado, se nós trabalharmos com a idéia da constitucionalidade<br />

da limitação de efeitos declarada no art. 27 – parece-me que isso não está em<br />

questão –, teremos, na verdade, princípios, aqui, que precisam ser ajustados numa idéia<br />

de concordância prática, de compatibilização: idéia da nulidade e idéia de segurança<br />

jurídica. Se o <strong>Tribunal</strong> deveria ter aplicado uma limitação e não o fez neste caso – até me<br />

socorro das lições do Rui Medeiros, naquele célebre trabalho sobre a decisão de inconstitucionalidade<br />

–, ele foi omisso. Os embargos de declaração são só instrumentos de<br />

provocação, por isso me parece não haver nenhuma heterodoxia no tipo de colocação.<br />

No caso específico, nós estamos apenas adiando o impasse, porque, de fato, nós estamos<br />

a ter, aqui, uma disputa entre Municípios: no caso, Município central, Município da<br />

capital do Estado e os pequenos Municípios que se beneficiaram com a regra que depois<br />

reputamos inconstitucional.<br />

Por essas razões, considero presentes os pressupostos. Entendo que houve a omissão<br />

e encaminho no sentido de dar provimento aos embargos.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, não quero me comprometer com a<br />

corrente.<br />

Em tese, entendo ponderáveis os argumentos do Ministro Gilmar, mas, neste caso<br />

específico, vou acompanhar o voto do Relator.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Também peço vênia ao Ministro Gilmar.<br />

Entendo como ponderáveis os argumentos trazidos, mas acompanho o voto do<br />

Relator.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, neste caso os protagonistas centrais<br />

são pessoas jurídicas de direito público exclusivamente, e a postulação do Estado termina<br />

por beneficiar um número maior de Municípios. Se algum Município saiu prejudicado,<br />

foi, ao que penso, exclusivamente a capital do Estado do Amazonas.<br />

Eu deito um olhar mesmo, nesse caso, para o mundo circundante, para adotar uma<br />

postura um pouco mais substancialista. Entendo que o caso é singular, discordando do<br />

Ministro Gilmar, quanto à heterodoxia. Penso que, por ser extremamente singular, a<br />

nossa decisão deve ser heterodoxa.<br />

Acompanho o voto do Ministro Gilmar Mendes, com a devida vênia dos que<br />

pensam em contrário.


528<br />

R.T.J. — 202<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, em relação à admissibilidade dos<br />

embargos, tenderia a superar as objeções de heterodoxia, porque realmente é perfeitamente<br />

sustentável que o <strong>Tribunal</strong> devesse, dadas as repercussões possíveis do resultado<br />

do julgamento, ponderar a questão da limitação da eficácia da decisão. Então, eu superaria<br />

esse problema do conhecimento dos embargos de declaração.<br />

Agora, em relação ao princípio geral que se deva aplicar, estou de acordo em que o<br />

<strong>Tribunal</strong> reafirme o princípio da nulidade original das inconstitucionalidades, sobretudo<br />

porque as suas decisões não têm apenas eficácia ampla, mas têm, também, sentido pedagógico,<br />

que é extremamente relevante num país cuja cultura é de que as inconstitucionalidades<br />

não são argüidas e, portanto, sobretudo o Estado pode aproveitar-se da previsível<br />

inação dos particulares para resguardar-se dos efeitos dessas inconstitucionalidades.<br />

Esse episódio histórico a que se referiu o eminente Ministro Sepúlveda Pertence<br />

não é único, e duvido que não esteja, por exemplo, à base da lei do Estado do Rio de<br />

Janeiro tanto quanto ao IPTU, isto é, o Estado, de algum modo, conscientemente – se se<br />

pode dar uma concepção antropomórfica ao Estado –, adota leis inconstitucionais na<br />

expectativa de que uma eventual inconstitucionalidade...<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Vossa Excelência está falando de uma lei do Rio de<br />

Janeiro, mas, neste caso, é do Amazonas.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Do IPTU.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Vossa Excelência me permite uma breve interrupção?<br />

Com a defesa que fizemos – com contra-ataques fulminantes, entre eles a da<br />

Ministra Cármen Lúcia – do efeito vinculante, que é exatamente o seu caráter isonômico<br />

em relação também à maioria silenciosa que não veio a juízo.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Isso me preocupa, porque, na medida em que o <strong>Tribunal</strong><br />

prodigalize restrição da eficácia natural das declarações de inconstitucionalidade, concorre<br />

para essa cultura, que é altamente perniciosa à segurança jurídica, e, portanto...<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mas isso não está em questão.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Está. Mostrarei por que está em questão.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não está em questão porque o caso é singular.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não vejo singularidade nenhuma neste caso. O <strong>Tribunal</strong><br />

tem que se reservar, considerando o caso excepcional em que a conseqüência prática<br />

seja tão desproporcional que torne ao <strong>Tribunal</strong> repugnante sustentar uma eficácia ex<br />

tunc.<br />

Neste caso, com o devido respeito ao eminente Ministro Gilmar Mendes, não vejo<br />

singularidade por dois motivos. O primeiro, porque o tempo de vigência da lei, até<br />

decisão do <strong>Tribunal</strong>, foi extremamente curto. A lei é de setembro, e o <strong>Tribunal</strong> se pronunciou<br />

em maio. Portanto, vamos dizer que, praticamente, desde o início de vigência,<br />

aplicação prática, medidas concretas de distribuição etc., essa lei deve ter operado entre<br />

dois, três ou quatro meses no máximo. Em segundo lugar, tampouco vejo singularidade<br />

na recomposição desses prejuízos. Basta que o Estado acerte a forma de compensação,


R.T.J. — 202 529<br />

sem exigir que os Municípios devolvam e, em relação ao Município de Manaus, que foi<br />

prejudicado, o Estado saberá como agir dentro das forças do seu orçamento. Noutras<br />

palavras: neste caso, não vejo singularidade que justifique fugir ao princípio geral.<br />

Peço vênia ao eminente Ministro Gilmar Mendes, cujas ponderações são respeitabilíssimas<br />

e com as quais, em tese, concordo, para, neste caso concreto, acompanhar o<br />

voto do eminente Relator e os demais votos.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, como já adiantado na<br />

discussão, peço todas as vênias ao Ministro Gilmar e à sua visão sempre preocupada com<br />

a governança, para rejeitar os embargos.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

<strong>ADI</strong> 2.728-ED/AM — Relator: Ministro Marco Aurélio. Embargante: Governador<br />

do Estado do Amazonas (Advogado: Ives Gandra da Silva Martins). Embargados: Partido<br />

Liberal – PL e outro (Advogados: Henrique Neves da Silva e outro), Partido dos<br />

Trabalhadores – PT e outros (Advogados: Marcio Luiz Silva e outros) e Assembléia<br />

Legislativa do Estado do Amazonas.<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por maioria, rejeitou os embargos de declaração, vencidos os<br />

Ministros Gilmar Mendes, Carlos Britto e a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausente,<br />

justificadamente, o Ministro Celso de Mello.<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda<br />

Pertence, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa,<br />

Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr.<br />

Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 19 de outubro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


530<br />

R.T.J. — 202<br />

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.140 — CE<br />

Relatora: A Sra. Ministra Cármen Lúcia<br />

Requerente: Procurador-Geral da República — Requerida: Assembléia Legislativa<br />

do Estado do Ceará<br />

Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 108, inciso VII, alínea b,<br />

in fine, da Constituição do Estado do Ceará. Afronta ao art. 125, § 1º, da<br />

Constituição da República.<br />

1. Compete à Constituição do Estado definir as atribuições do <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça, nos termos do art. 125, § 1º, da Constituição da República.<br />

Essa competência não pode ser transferida ao legislador infraconstitucional.<br />

2. Ação julgada procedente para excluir da norma do art. 108,<br />

inciso VII, alínea b, da Constituição do Ceará a expressão “e de quaisquer<br />

outras autoridades a estas equiparadas na forma da lei”.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade<br />

da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, julgar procedente a<br />

ação direta, nos termos do voto da Relatora.<br />

Brasília, 10 de maio de 2007 — Cármen Lúcia, Relatora.<br />

RELATÓRIO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: 1. O Procurador-Geral da República ajuíza a presente<br />

ação direta de inconstitucionalidade, “com pedido de suspensão ad cautelam”, “em face<br />

da expressão ‘e de quaisquer outras autoridades a estas equiparadas, na forma da lei,’<br />

contida no art. 108, inciso VII, alínea b, da Constituição do Estado do Ceará. Porquanto<br />

contrária ao disposto no art. 125, § 1º, da Constituição da República”.<br />

2. Afirma o digno Procurador-Geral da República que a regra cearense questionada<br />

exorbitaria a norma constitucional que outorga competência ao constituinte estadual<br />

para dispor sobre as atribuições dos Tribunais de Justiça (art. 125, § 1º, da Constituição<br />

da República).<br />

Reza o art. 108, inciso VII, alínea b, da Constituição do Estado do Ceará:<br />

Art. 108. Compete ao <strong>Tribunal</strong> de Justiça:<br />

(...)<br />

VII - processar e julgar, originariamente:<br />

(...)<br />

b) os mandados de segurança e os habeas data contra atos do Governador do Estado, da<br />

Mesa e Presidência da Assembléia Legislativa do próprio <strong>Tribunal</strong> ou de algum de seus órgãos,<br />

dos Secretários de Estado, do <strong>Tribunal</strong> de Contas do Estado ou de algum de seus órgãos, do<br />

Procurador Geral de Justiça, do Procurador Geral do Estado, do Chefe da Casa Militar, do Chefe<br />

do Gabinete do Governador, do Ouvidor Geral do Estado, do Defensor Público Geral do Estado,<br />

e de quaisquer outras autoridades a estas equiparadas na forma da lei.


R.T.J. — 202 531<br />

3. A norma assim constante da Constituição cearense introduziu-se no sistema<br />

estadual por força de emenda constitucional (Emenda 33/97), mas a parte questionada,<br />

em sua validade constitucional, é idêntica ao quanto se continha na formulação normativa<br />

originária.<br />

O Procurador-Geral da República afirma que o vício da inconstitucionalidade<br />

macularia a norma transcrita por contrastar com o quanto posto no art. 125, § 1º, da<br />

Constituição da República, segundo o qual “a competência dos Tribunais será definida<br />

na Constituição do Estado, ou seja, caberá tão somente à Constituição Estadual dispor<br />

sobre tal matéria”. Ainda segundo o entendimento firmado pelo digno órgão autor, “a<br />

Constituição Cearense, em seu art. 108, VII, alínea b, parte final, abriu a possibilidade de<br />

uma lei ordinária regular matéria de competência constitucional, ferindo o que dispõe a<br />

Carta Magna”.<br />

O Autor invoca precedente deste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> firmado na <strong>ADI</strong> 541, de<br />

Relatoria do eminente Ministro Marco Aurélio, no qual se tem que: “se de um lado<br />

compete à União legislar sobre direito processual – artigo 22, inciso I –, de outro cabe às<br />

Constituições dos Estados a fixação das competências dos respectivos Tribunais – art.<br />

125, § 1º (...) ambos da Constituição <strong>Federal</strong> (...)”.<br />

Em face de razões assim concatenadas e expressas, estaria “demonstrada a<br />

inconstitucionalidade material da expressão ‘e de quaisquer outras autoridades a estas<br />

equiparadas, na forma da lei’, contida no artigo 108, VII, alínea b, da Constituição do<br />

Ceará (...)”.<br />

4. A nobre Ministra Ellen Gracie, Relatora a quem tive a honra de suceder na<br />

espécie examinada, houve por bem determinar a adoção do rito previsto no art. 12 da Lei<br />

9.868/99 (fl. 40), determinando, imediatamente, a solicitação de informações à Assembléia<br />

Legislativa do Estado do Ceará e, na seqüência, vista sucessiva ao Advogado-<br />

Geral da União e ao Procurador-Geral da República, o que foi cumprido.<br />

5. Em suas informações, a Assembléia Legislativa do Ceará alega inexistir a nódoa<br />

de inconstitucionalidade aventada, ao argumento de que teria ela laborado no veio<br />

aberto por este <strong>Tribunal</strong>, quando deu como válida a possibilidade de ampliar o rol das<br />

autoridades a serem submetidas a julgamento em instância suprema o Advogado-Geral<br />

da União por meio de medida provisória (Inq 1.660-8/DF).<br />

6. O Advogado-Geral da União, de forma tímida e indireta, aduz inocorrer, no caso,<br />

a inconstitucionalidade alegada, pois a “Constituição do Estado do Ceará realizou o<br />

comando descrito no mencionado dispositivo (art. 125, § 1º, da Constituição da República),<br />

porquanto fixou a competência do órgão de cúpula do Poder Judiciário local (...)<br />

diante da impossibilidade de se discriminar todos os cargos que, diante de sua relevância,<br />

merecem julgamento pelo <strong>Tribunal</strong> de Justiça (...) possibilitou que lei ordinária<br />

equiparasse certas autoridades àquelas que têm seus atos submetidos de forma explícita<br />

a julgamento pelo citado órgão colegiado.” Ainda segundo o Advogado-Geral da<br />

União, “não se pode negar ao constituinte estadual a discricionariedade de atribuir à lei<br />

ordinária a equiparação de autoridades para julgamento pelo <strong>Tribunal</strong> de Justiça, uma<br />

vez que este procedimento seria constitucional se houvesse sido realizado na seara<br />

federal.”


532<br />

R.T.J. — 202<br />

7. O Procurador-Geral da República reiterou a sua manifestação, já esclarecida na<br />

petição inicial da ação, no sentido de ser pela procedência do pedido formulado, quer<br />

dizer, para que se declare inconstitucional a expressão contida na norma estadual em<br />

foco, repetindo os argumentos apresentados na peça inicial. Firma-se ele, para tanto, em<br />

precedente do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>, colhido no julgamento do HC 70.474, de relatoria do<br />

Ministro Sepúlveda Pertence, no qual se acentuou que “a Constituição, ao outorgar sem<br />

reserva ao Estado-membro o poder de definir a competência dos seus Tribunais (art. 125,<br />

§ 1º), situou positivamente, no âmbito da organização judiciária estadual, a outorga do<br />

foro especial por prerrogativa de função, com as únicas limitações que decorram explícita<br />

ou implicitamente da própria Constituição <strong>Federal</strong>. (...)”<br />

É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para encaminhamento aos<br />

Ministros deste <strong>Tribunal</strong> (art. 87, inciso I, do Regimento Interno do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>).<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): 1. A Constituição do Estado do Ceará<br />

dispõe, em seu art. 108, inciso VII, alínea b:<br />

Art. 108. Compete ao <strong>Tribunal</strong> de Justiça:<br />

(...)<br />

VII - processar e julgar, originariamente:<br />

(...)<br />

b) os mandados de segurança e os habeas data contra atos do Governador do Estado, da<br />

Mesa e Presidência da Assembléia Legislativa do próprio <strong>Tribunal</strong> ou de algum de seus órgãos,<br />

dos Secretários de Estado, do <strong>Tribunal</strong> de Contas do Estado ou de algum de seus órgãos, do<br />

Procurador Geral de Justiça, do Procurador Geral do Estado, do Chefe da Casa Militar, do Chefe<br />

do Gabinete do Governador, do Ouvidor Geral do Estado, do Defensor Público Geral do Estado,<br />

e de quaisquer outras autoridades a estas equiparadas na forma da lei.”<br />

2. O que se põe em pauta para exame de sua validade constitucional na presente<br />

ação é, rigorosamente, a parte final do dispositivo, a dizer, aquela que remete à lei, norma<br />

de categoria infraconstitucional, a ampliação do rol de indicados a se incluírem no<br />

âmbito de competência originária do <strong>Tribunal</strong> de Justiça para processamento e julgamento<br />

nos casos de mandado de segurança e de habeas data.<br />

Segundo o Autor da ação direta, estar-se-ia diante de disposição tisnada por<br />

inconstitucionalidade material, por desobedecer a regra constitucional nacional relativa à<br />

competência constituinte estadual para a definição de quem se põe sob o pálio da jurisdição<br />

originária do <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

3. Estabelece o art. 125, § 1º, da Constituição da República:<br />

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta<br />

Constituição.<br />

§ 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de<br />

organização judiciária de iniciativa do <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

4. A norma posta na primeira parte do § 1º do art. 125, retro transcrita, é taxativa: “a<br />

competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado”.


R.T.J. — 202 533<br />

A norma posta na parte final da Constituição do Estado do Ceará, em seu art. 108,<br />

inciso VII, alínea b, parte final, também não deixa margem a dúvida quanto ao seu<br />

objeto: “compete ao <strong>Tribunal</strong> de Justiça (...) processar e julgar, originariamente (...) os<br />

mandados de segurança e os habeas data contra atos (...) de quaisquer outras autoridades<br />

a estas equiparadas na forma da lei.”<br />

5. A norma contida no dispositivo da Constituição da República tem duplo objeto:<br />

de uma parte, estabelece o que pode o <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado vir a conhecer e<br />

julgar originariamente, afirmando que tanto será definido, demarcado pelo constituinte<br />

estadual: “a competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado (...)”.<br />

De outra parte, estabelece a condição de autoridade estadual para fins de subsunção<br />

à jurisdição especial decorrente de foro definido em virtude de sua função.<br />

Com isso se tem que a Constituição estadual haverá de definir, de um lado, o que<br />

pode o <strong>Tribunal</strong> de Justiça julgar; de outro, quem será julgado pelo <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

São incidências diversas de uma mesma norma: para o <strong>Tribunal</strong>, fixa o âmbito de sua<br />

atuação; para o jurisdicionado, expressa quem se submete à jurisdição daquele, e não a<br />

outro órgão jurisdicional. Nem o <strong>Tribunal</strong> pode julgar quem ele quer, por não ser juízo<br />

natural segundo a sua vontade, mas segundo o que a Constituição estadual define em<br />

atendimento aos princípios e regras determinados pela Constituição da República; nem<br />

pode o jurisdicionado escolher perante quem será julgado, pois tanto romperia com<br />

todos os princípios democráticos do processo e da convivência isonômica dos cidadãos.<br />

6. Como norma de competência, a regra da Constituição da República é exaustiva<br />

e clara. Afinal, na tantas vezes celebrada lição de Caio Tácito, não tem competência<br />

quem quer, mas quem pode nos termos que a Constituição ou a lei estabelece.<br />

A norma posta pelo constituinte estadual não se restringe, obviamente, a manter<br />

nos termos da definição constitucional estadual expressa a competência do <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça, pois ela faz remissão clara ao legislador infraconstitucional.<br />

Segundo o que nela se dispõe, mesmo quem não for autoridade constitucionalmente<br />

identificada para os fins de julgamento nas ações de mandado de segurança e de<br />

habeas data, mas a ela for equiparada pelo legislador poderá estar no rol dos que se<br />

submetem à jurisdição originária do <strong>Tribunal</strong> de Justiça naquelas ações.<br />

O legislador não transformará, assim, qualquer agente público em autoridade<br />

quem não o é para os fins de definição da jurisdição originária. Se estivesse a definir<br />

quem é autoridade pública, não se cuidaria de caso de equiparação. Mas a norma em<br />

causa permite que o legislador estadual possa, então, conduzir-se no sentido de ampliar<br />

o leque daqueles que, mesmo não sendo autoridade para os fins descritos, a ela poderiam<br />

vir a se equiparar para o objetivo de ter o processamento e julgamento de mandado de<br />

segurança e de habeas data contra os seus atos pelo <strong>Tribunal</strong> de Justiça estadual.<br />

7. A norma-paradigma da Constituição da República (art. 125, § 1º) firma o âmbito<br />

de atuação do constituinte estadual na matéria especificada, a saber, a ele cabe definir a<br />

competência do <strong>Tribunal</strong> de Justiça, enquanto a norma constitucional cearense questionada<br />

estaria a exorbitar do quanto lhe fora constitucionalmente outorgado ao cuidar da<br />

matéria transferindo a legitimidade do cuidado a ele entregue para o legislador ordinário.<br />

Ademais, teria havido ofensa também à garantia do <strong>Tribunal</strong> de Justiça de ter o seu<br />

âmbito de atuação explicitado pela Constituição do Estado e somente por ela.


534<br />

R.T.J. — 202<br />

8. O núcleo da argüição formulada está na questão relativa à competência do<br />

constituinte estadual, a fim de concluir se o que há de ser exigido dele é o exaurimento<br />

do cuidado da matéria, ou não, em face da norma constitucional republicana.<br />

9. Competência é a medida de capacidade de ação que se confere a um agente, órgão ou<br />

poder para definir o que e como atuar legitimamente. Ensina Renato Alessi, “la competenza<br />

(...) si presenta come uma misura di quantità: il che è già stato riconnosciuto nel campo del<br />

diritto processuale, dove si concepisce la competenza siccome la misura quantitativa della<br />

giurisdizione attribuita ad um determinato ufficio giurisdizionale” (ALESSI, Renato.<br />

Principi di diritto amministrativo. Milano: Giuffrè Edittore, 1978, t. I, p. 107).<br />

A importância da demarcação da competência de cada ente político, nos Estados<br />

Federais e naqueles nos quais se adota o princípio da separação de poderes, está em que<br />

é por ela que se fixa a autonomia de cada qual ente, órgão ou agente estatal. Por isso<br />

mesmo é que ela não comporta inobservância de qualquer espécie ou extensão. É de<br />

Raul Machado Horta a observação de que “a plenitude no exercício da autonomia<br />

encerra um convite às demasias e às exorbitâncias, que encontrou repercussão na atividade<br />

do constituinte estadual, nem sempre devidamente informado sobre a natureza de<br />

sua competência” (HORTA, Raul Machado. A autonomia do Estado-membro no direito<br />

constitucional brasileiro. Belo Horizonte, 1964, p. 49).<br />

O que foi comum em termos de excessos dos constituintes estaduais no início da<br />

República – e que foi objeto de críticas acirradas, entre outros, de Ruy Barbosa (Obras<br />

Completas, t. III, Ministério da Justiça, 1947, p. 6) – voltou a ocorrer em diversas passagens<br />

históricas, especialmente nas formulações constitucionais estaduais.<br />

O quadro apresentado na ação agora examinada parece-me exemplo disso. A<br />

Constituição da República convoca o constituinte estadual para definir, significa<br />

dizer, determinar, demarcar, explicitar a competência do <strong>Tribunal</strong> de Justiça. Não se tem<br />

por definido o que é deixado a ser fixado, acabado em seus termos e contornos, a outrem.<br />

Ao estabelecer que o <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Ceará teria competência para processar<br />

e julgar os mandados de segurança e os habeas data de autoridades declinadas no texto<br />

da norma e, ainda, “de quaisquer outras” (...) a estas equiparadas na forma da lei”, o<br />

constituinte estadual a) deixou de definir a competência daquele órgão, como era seu<br />

dever; b) transferiu competência ao legislador o que era de sua atribuição exclusiva, nos<br />

termos constitucionalmente estabelecidos; c) possibilitou que a competência do <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça ficasse sem definição, sem precisão, atuando ele sem saber, exatamente,<br />

com a força que lhe é garantida pela estatuição de norma constitucional, a extensão<br />

subjetiva de sua competência para o processamento e o julgamento originário das ações<br />

de mandado de segurança e de habeas data.<br />

De se enfatizar que o princípio da hierarquia das normas no âmbito estadual obedece<br />

ao quanto posto no sistema constitucional nacional. Portanto, não se poderia imaginar<br />

ter vigor normativo igual a norma constitucional e a infraconstitucional, nem no sistema<br />

nacional, nem no estadual. O constituinte originário nacional outorgou ao constituinte<br />

estadual a tarefa de definir a competência do <strong>Tribunal</strong> de Justiça, o qual não poderia<br />

deixar de honrar a atribuição que lhe foi assim fixada, nem dela desbordar, conferindo,<br />

como se fez na espécie, ao legislador estadual infraconstitucional a tarefa de tornar<br />

possível novos conteúdos não definidos na Constituição do Estado.


R.T.J. — 202 535<br />

A opção do constituinte nacional, ao definir a competência para curar o tema, não<br />

haveria de ser desconhecida ou descumprida pelo constituinte estadual, o que se deu na<br />

espécie agora julgada.<br />

10. Não parece ter aplicação, também, o exemplo que se invoca, no sentido de que,<br />

se a extensão do rol das autoridades pode ser considerada válida, para fins de definição<br />

de foro do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, pela via de medida provisória, também o poderia<br />

ser pelo legislador estadual infraconstitucional, como descrito na norma da Constituição<br />

cearense (art. 108, inciso VII, alínea b).<br />

Em primeiro lugar, porque, se considerada válida por este <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> a<br />

regra possibilitadora de novas autoridades a serem processadas e julgadas, originariamente,<br />

por força de comando normativo infraconstitucional, pelo menos se poderia<br />

afirmar não se ter ali um comando constitucional claro e definidor da matéria, como se<br />

tem no art. 125, § 1º, quanto ao tema para o constituinte estadual.<br />

O primeiro poderia suportar (e suportou) debates e interpretação; não assim o<br />

quadro posto a julgamento na presente ação. A competência atribuída ao constituinte<br />

estadual era para definir a matéria de competência do <strong>Tribunal</strong> de Justiça, não para<br />

deixar que pudesse vir ela a ser definida, em parte, pelo legislador, tal como se deu.<br />

Consta, expressamente, na ementa da <strong>ADI</strong> 2.797, de relatoria do Ministro Sepúlveda<br />

Pertence, que :<br />

1. No plano federal, as hipóteses de competência cível ou criminal dos tribunais da União<br />

são as previstas na Constituição da República ou dela implicitamente decorrentes, salvo quando<br />

esta mesma remeta à lei a sua fixação. 2. Essa exclusividade constitucional da fonte das competências<br />

dos tribunais federais resulta, de logo, de ser a Justiça da União especial em relação às dos<br />

Estados, detentores de toda a jurisdição residual. 3. Acresce que a competência originária dos<br />

Tribunais é, por definição, derrogação da competência ordinária dos juízos de primeiro grau,<br />

do que decorre que, demarcada a última pela Constituição, só a própria Constituição a pode<br />

excetuar.<br />

(Grifos nossos.)<br />

De alguma forma, esta orientação continha-se, também, na jurisprudência deste<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>, quando, no julgamento da Pet 693, se concluiu que:<br />

Ementa: Competência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>. Ação civil pública contra Presidente<br />

da República. Lei. 7.347/85. A competência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> é de direito estrito e<br />

decorre da Constituição, que a restringe aos casos enumerados no art. 102 e incisos.<br />

Tenho, portanto, ser juridicamente correta a postulação e a fundamentação apresentadas<br />

pelo digno Procurador-Geral da República. Compete à Constituição do Estado<br />

definir as atribuições do <strong>Tribunal</strong> de Justiça, não podendo este desempenho ser transferido<br />

– menos ainda por competência aberta – ao legislador infraconstitucional.<br />

Pelo exposto, voto no sentido da procedência da presente ação, para os fins de se<br />

excluir da norma do art. 108, inciso VII, alínea b, da Constituição do Ceará, a expressão<br />

“e de quaisquer outras autoridades a estas equiparadas na forma da lei.”<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, acompanho a eminente Relatora,<br />

louvando o voto judicioso de Sua Excelência.


536<br />

R.T.J. — 202<br />

Também penso que essa parte final da Constituição do Ceará consagra um roldão,<br />

uma cambulhada, que em nada se compatibiliza com o § 1º do art. 125 da Constituição<br />

<strong>Federal</strong>.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, o voto da eminente<br />

Relatora dispensa achegas. Temo apenas que o constituinte cearense tenha pecado por<br />

excesso, nessa cláusula aberta, mas também por escassez. Vê-se que não está incluído o<br />

juiz de direito entre as autoridades que terão os seus atos, em mandado de segurança,<br />

apreciados pelo <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Talvez esteja na Lei de Organização Judiciária, mas<br />

deveria estar aqui.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Não pode. A definição constitucional é<br />

exclusiva.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: A definição reclama sede constitucional, no caso.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não pode.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Tem razão o Ministro Sepúlveda Pertence. Passa-se<br />

para a Lei de Organização Judiciária, incide no mesmo vício.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

<strong>ADI</strong> 3.140/CE — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Requerente: Procurador-Geral<br />

da República. Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Ceará.<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, à unanimidade e nos termos do voto da Relatora, julgou<br />

procedente a ação direta. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausentes, justificadamente,<br />

neste julgamento, os Ministros Marco Aurélio e Eros Grau.<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda<br />

Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,<br />

Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral<br />

da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 10 de maio de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


R.T.J. — 202 537<br />

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.147 — PI<br />

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto<br />

Requerente: Procurador-Geral da República — Requerido: Governador do Estado<br />

do Piauí<br />

Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Decretos<br />

11.106/03 e 11.435/04, do Estado do Piauí. Usurpação da competência<br />

privativa da União para legislar sobre sistema de consórcios e sorteios<br />

(inciso XX do art. 22).<br />

Ação procedente.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma<br />

do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes (Vice-<br />

Presidente), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria<br />

de votos, julgar procedente a ação direta, nos termos do voto do Relator, vencido o<br />

Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente.<br />

Brasília, 10 de agosto de 2006 — Carlos Ayres Britto, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Os contornos da presente ação direta são os que<br />

ressaem das seguintes passagens da manifestação do ínclito Advogado-Geral da União:<br />

O requerente sustenta, em síntese, que o ato normativo impugnado ofende os incisos I e<br />

XX do art. 22 da Constituição <strong>Federal</strong>, porquanto invade a competência privativa da União para<br />

legislar sobre Direito Penal e sistema de consórcios e sorteios.<br />

Transcreve, o requerente, trechos dos votos dos Ministros Carlos Velloso e Ilmar Galvão,<br />

proferidos na <strong>ADI</strong> 1.169/DF, na qual se questionava a constitucionalidade do art. 57, § 1º, da Lei<br />

8.672, de 1993 (Lei Zico), que conferia poderes aos Estados e ao Distrito <strong>Federal</strong> para<br />

normatizar e fiscalizar a atividade de loteria de bingo. Mencionado diploma legal foi revogado<br />

pela Lei 9.615, de 24.03.1998 (Lei Pelé), e, em conseqüência, a ação julgada prejudicada.<br />

O Governador do Estado do Piauí prestou as informações de fls. 26/33, tendo se manifestado<br />

pelo indeferimento da medida cautelar, sob a alegação de que o Decreto apenas regulamenta<br />

as Leis 1.825, de 14 de julho de 1959; 3.368, de 10 de setembro de 1975; 4.183, de 30 de<br />

dezembro de 1987, e a Lei Delegada 161, de 26 de julho de 1982.<br />

O Relator da presente ação direta, reconhecendo a natureza regulamentar do decreto<br />

questionado, negou seguimento ao pedido do requerente, julgando, com base no art. 21, § 1º, do<br />

RI/STF, prejudicada a análise da medida cautelar. Dessa decisão o Procurador-Geral da República<br />

interpôs agravo regimental (fls. 58/64), com pedido de reconsideração ou submissão do recurso<br />

do Plenário do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

Diante do recurso apresentado, o Relator reconsiderou a sua decisão e determinou o<br />

regular processamento da ação direta.<br />

2. Pois bem, no dia 30-7-04, o Governador do Estado do Piauí protocolou a petição<br />

81.221, na qual noticiou que o ato normativo ora adversado fora revogado pelo Decreto<br />

11.435, de 15 de julho de 2004, razão pela qual pugnou pela perda de objeto da presente<br />

ação.


538<br />

R.T.J. — 202<br />

3. Prossigo no resumo da quaestio juris para registrar que, à fl. 96, dei vista dos<br />

autos ao Requerente, a fim de que se manifestasse quanto ao pleito deduzido na actio<br />

sub judice. Já o Procurador-Geral da República, este sustentou que “o Poder Executivo<br />

do Piauí, com o intuito de subtrair o Decreto 11.106/2003 do controle de constitucionalidade<br />

a ser exercido por esta Corte Suprema, e utilizando como subterfúgio a jurisprudência<br />

que considera prejudicada a ação de inconstitucionalidade quando não mais em<br />

vigor a norma que lhe serve de objeto, editou outro decreto, composto pelas mesmas<br />

normas do Decreto 11.106/2003”. Daí requerer o Autor o aditamento da peça de ingresso,<br />

a fim de incluir no objeto da presente ação o Decreto 11.435, de 15 de julho de 2004, do<br />

Estado do Piauí, pedido esse que foi por mim deferido em 21-9-04.<br />

4. À fl. 104, solicitei novas informações ao Requerido, para posterior remessa dos<br />

autos ao ínclito Advogado-Geral da União e ao douto Procurador-Geral da República,<br />

nessa ordem.<br />

5. Deu-se que, nas informações prestadas às fls. 108/110, o Governador do Estado<br />

do Piauí reiterou a tese da perda do objeto da presente ação direta de inconstitucionalidade,<br />

ante a edição do Decreto 11.435/04. Aduziu que a decisão concessiva do aditamento<br />

da petição inicial é de ser revista, uma vez que o Decreto 11.435/04 não está a criar<br />

nenhum sistema de consórcio e sorteio, mas tão-somente dispondo sobre a organização<br />

administrativa da Loteria do Estado do Piauí (LOTEPI).<br />

6. De sua parte, o douto Advogado-Geral da União, Dr. Álvaro Ribeiro da Costa, e<br />

o digno Procurador-Geral da República manifestaram-se pela procedência dos pedidos<br />

que se contêm na presente ação.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator):Antes mesmo de partir para o enfrentamento<br />

do mérito da presente ação direta, é do meu pensar que não procede a tese segundo<br />

a qual o decisório que deferiu o aditamento da peça de ingresso é de ser revisto. Assim<br />

me posiciono porque a pretensão deduzida pelo Autor, no sentido de que fosse incluído<br />

no objeto desta ação o Decreto 11.435/04, apenas foi acolhida porque (fls. 102/104):<br />

(...) a jurisdição constitucional abstrata é assim denominada por se traduzir numa operação<br />

subsuntiva diferenciada, que é a subsunção norma-a-norma; ou seja, por implicar não a<br />

submissão de um fato empírico às coordenadas de uma norma que o descreva, hipoteticamente<br />

(com a respectiva conseqüência), mas a submissão de um dado enunciado normativo a outro que<br />

lhe seja hierarquicamente superior, até porque necessariamente constitucional.<br />

Essa jurisdição especial tem uma principal razão de ser: a premente necessidade de acudir<br />

à integridade das normas constitucionais. Vale dizer, a conclusão que melhor se coaduna com a<br />

própria essência do controle abstrato de constitucionalidade é de propiciar uma mais célere e<br />

eficaz defesa da Constituição.<br />

9. Por outro giro, do cotejo dos próprios atos normativos em xeque, infere-se que<br />

o Decreto 11.435/04 possui o mesmo objeto do de número 11.106/03, fato esse que me<br />

parece robustecer o fundamento esgrimido pelo autor para postular o aditamento da<br />

petição inicial. Disse, naquela ocasião, o ilustrado Procurador-Geral da República (fls.<br />

98/100):


R.T.J. — 202 539<br />

4. Como se pode constatar, o Poder Executivo do Estado do Piauí, com intuito de subtrair<br />

o Decreto 11.106/2003 do controle de constitucionalidade a ser exercido por esta Corte Suprema,<br />

e utilizando como subterfúgio a jurisprudência que considera prejudicada a ação de inconstitucionalidade<br />

quando não mais em vigor a norma que lhe serve de objeto, editou outro decreto,<br />

composto pelas mesmas normas do Decreto 11.106/2003.<br />

10. Pois bem, já me encaminhando para o exame da questão de fundo, relembro<br />

que o acionante impugna os Decretos 11.106/03 e 11.435/04, ambos do Estado do Piauí.<br />

Ao fazê-lo, o Procurador-Geral da República sustenta que os textos normativos usurpam,<br />

a um só tempo, a competência privativa da União para legislar sobre direito penal e<br />

sistema de consórcios e sorteios (art. 22, incisos I e XX).<br />

11. Em boa verdade, não merece acolhida aquela primeira alegação autoral de<br />

apropriação indébita de competência legislativo-penal. Isso porque não consigo<br />

enxergar matéria penal em nenhum dispositivo dos atos normativos ora impugnados.<br />

Em nenhum. Bem ao contrário, cuidando-se mesmo de atos que autorizam a instituição<br />

e o gerenciamento de certas loterias ou modalidades de sorteio, natural seria que o<br />

“núcleo duro” de todas elas se traduzisse – como penso que se traduziu – em duas<br />

vertentes: uma, arrecadar dinheiro para o financiamento de políticas públicas do Estado<br />

do Piauí; outra, acenar com recompensa monetária para os eventuais apostadores dos<br />

sorteios a instituir, de maneira a configurar um tipo de modal deôntico a que doutrinariamente<br />

assenta o nome de “sanção premial” (que é uma sanção da espécie positiva,<br />

segundo o magistério sempre fecundo e original de Norberto Bobbio).<br />

12. Em outro modo de repetir a idéia, os textos normativos acoimados de inconstitucionais<br />

não imprimem a tarja da delitividade sobre nenhuma conduta, assim como<br />

não dispõem a respeito de qualquer tipo de reprimenda. Sua razão factual de ser, em<br />

última análise, está na instituição e no gerenciamento de determinadas loterias, com aqueles<br />

dois mencionados direcionamentos. Tudo o mais é auxiliar desse dúplice desiderato,<br />

embora essa parte ancilar ostente compleição normativa, como adiante se verá.<br />

13. Ora bem, como na Constituição brasileira não há: 1º) norma que tenha por<br />

conteúdo a instituição em si de atividade lotérica ou sorteio; 2º) norma caracterizadora<br />

da exploração de sorteio como espécie de serviço público; 3º) norma excludente dos<br />

sorteios como atividade passível de protagonização econômica privada – como não<br />

existe nada disso, repito –, a conclusão a que chego é mesmo esta: impossível a configuração<br />

de antinomia frontal entre as duas tipologias de comando, a infraconstitucional<br />

e a constitucional. É como falar: se alguma ofensa ao inciso I do art. 22 da Lei Maior<br />

do País é de ser detectada na materialidade dos atos normativos que se fizeram alvo da<br />

ação direta de inconstitucionalidade sub judice, isso somente poderá ocorrer por<br />

comparação entre esses atos e a legislação federal que faz da prática de jogos de azar uma<br />

contravenção. Que já é uma forma indireta ou reflexa de agressão ao Texto Magno.<br />

Equivale a dizer: o desrespeito à Constituição dar-se-á por negação de vigência a diploma<br />

federal, é certo, mas diploma de índole simplesmente infraconstitucional.<br />

14. Convém insistir nesta minha mais que tudo respeitosa discordância quanto à<br />

primeira alegação de que se valeu o Autor para deduzir a sua pretensão, pois é fato que<br />

ele próprio, acionante, funda o seu juízo de inconstitucionalidade no raciocínio de que<br />

instituir loteria é forma excepcional de derrogação de normas de direito penal. Mas


540<br />

R.T.J. — 202<br />

de que normas de cunho penal? Seguramente as veiculadas pelo Decreto-Lei federal<br />

204, de 27 de fevereiro de 1967, cujos arts. 50 e 51 fazem da prática de “jogos de azar”<br />

uma contravenção 1 . Daí a conclusão ora contrabatida: o Estado do Piauí excepcionou<br />

regra tipificadora de conduta contravencional, cujo caráter penal somente comporta<br />

legiferação de matriz subjetiva congressual, jamais estadual, sob pena de inconstitucionalidade<br />

por usurpação competencial da União. Que é vício formal insanável.<br />

15. Suponho que tudo fica de mais fácil entendimento se o raciocínio partir da<br />

consideração de que, fora das hipóteses em que a própria Constituição criminaliza dado<br />

comportamento, a simples outorga de competência à União para legislar sobre direito<br />

penal opera como induvidosa cláusula aberta. Isso no sentido de que somente depois<br />

que a União faz o efetivo uso dessa aptidão normante é que se tem uma específica regra<br />

de direito penal. E, enquanto essa regra não se positiva, a conduta humana resta amparada<br />

pela fórmula altissonante de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer<br />

alguma coisa senão em virtude de lei” (inciso II do art. 5º do Código <strong>Supremo</strong>). Que<br />

termina sendo, curiosamente, o direito de não ter dever...<br />

1<br />

Eis a redação dos dois dispositivos:<br />

- Jogo de azar<br />

“Art. 50. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o<br />

pagamento de entrada ou sem ele:<br />

Pena – prisão simples, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa, estendendo-se os efeitos da condenação<br />

à perda dos móveis e objetos de decoração do local.<br />

§ 1º A pena é aumentada de um terço, se existe entre os empregados ou participa do jogo pessoa menor<br />

de 18 (dezoito) anos.<br />

§ 2º Incorre na pena de multa, quem é encontrado a participar do jogo, como ponteiro ou apostador.<br />

§ 3º Consideram-se jogos de azar:<br />

a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte;<br />

b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas;<br />

c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.<br />

§ 4º Equiparam-se, para os efeitos penais, a lugar acessível ao público:<br />

a) a casa particular em que se realizam jogos de azar, quando deles habitualmente participam pessoas<br />

que não sejam da família de quem a ocupa;<br />

b) o hotel ou casa de habitação coletiva, a cujos hóspedes e moradores se proporciona jogo de azar;<br />

c) a sede ou dependência de sociedade ou associação, em que se realiza jogo de azar;<br />

d) o estabelecimento destinado à exploração de jogo de azar, ainda que se dissimule esse destino.”<br />

- Loteria não autorizada<br />

“Art. 51. Promover ou fazer extrair loteria, sem autorização legal:<br />

Pena – prisão simples, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, estendendo-se os efeitos da condenação<br />

à perda dos móveis existentes no local.<br />

§ 1º Incorre na mesma pena quem guarda, vende ou expõe à venda, tem sob sua guarda, para o fim<br />

de venda, introduz ou tenta introduzir na circulação bilhete de loteria não autorizada.<br />

§ 2º Considera-se loteria toda ocupação que, mediante a distribuição de bilhete, listas, cupões, vales,<br />

sinais, símbolos ou meios análogos, faz depender de sorteio a obtenção de prêmio em dinheiro ou bens<br />

de outra natureza.<br />

§ 3º Não se compreendem na definição do parágrafo anterior os sorteios autorizados na legislação<br />

especial.”


R.T.J. — 202 541<br />

16. Permito-me ponderar que o próprio nomen juris da ação que estamos a decidir<br />

já parece conter um elemento não-desprezível de contraposição à tese perfilhada pelo<br />

Autor. É que esse nome jurídico de “ação direta” já exprime a natureza do instrumento<br />

processual que a Lei Maior aprestou para os casos em que, do confronto de um diploma<br />

normativo menor com o diploma normativo de hierarquia máxima – que é a Constituição<br />

<strong>Federal</strong> –, resulta uma “chapada” violação (o adjetivo “chapada” é de uso corrente do<br />

mestre Sepúlveda Pertence, Ministro da Casa); isto é, uma violação frontal, imediata,<br />

direta ao Código <strong>Supremo</strong>, e não por atalho, por volteio, por mediação, enfim, de norma<br />

de escalão mais baixo.<br />

17. Por esse ângulo conceptual, a ação é chamada de direta, não porque submetida<br />

ao direto conhecimento e decisão da Suprema Instância Judicante do Brasil (outros<br />

meios ou instrumentos processuais de explícita designação constitucional também se<br />

inscrevem na originária competência judicante do STF e nem por isso foram etiquetados<br />

como ações diretas 2 ). A ação é chamada de direta pela citada consideração de se cuidar<br />

de remédio jurídico-processual concebido, justamente, para situações em que uma<br />

determinada norma da própria Constituição <strong>Federal</strong> parece abalroada de frente (permitome<br />

o prosaísmo da expressão) por lei ou ato normativo da União, ou, então, dos Estadosmembros.<br />

Pelo que poderia até mesmo receber a alcunha de “ação de inconstitucionalidade<br />

direta”, mais até do que “ação direta de inconstitucionalidade”. Visto, remarque-se,<br />

que direta não é a ação em si ou o trâmite a que ela se assujeita, mas a agressão que se<br />

supõe padecida pela Constituição.<br />

18. Deveras, o que se tem, nos autos, é um questionamento que jaz confinado no<br />

imediato círculo do cotejo entre normas subconstitucionais. Que, por se constituir em<br />

confronto que só é direto no plano infraconstitucional mesmo, insuscetível se torna para<br />

autorizar o manejo de um tipo de ação de controle de constitucionalidade que não<br />

admite intercalação normativa entre o diploma impugnado e a Constituição da República.<br />

Diferente do que sucederia, por hipótese, se uma lei viesse a descriminalizar o racismo.<br />

Ou a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o<br />

regime democrático; porquanto, aí, sim, ter-se-ia um comando normativo cuja base significativa<br />

ou núcleo semântico estaria a se chocar, de testa, com o dimanado dos próprios<br />

dispositivos constitucionais. É dizer, a materialidade de que se rechearia a lei de menor<br />

força impositiva seria exatamente a mesma de que se nutre o nosso Código <strong>Supremo</strong><br />

(incisos XLII e XLIV do art. 5º, respectivamente), porém com antinomia entre os respectivos<br />

modais deônticos.<br />

19. Nesse tipo de conjectura, o abalroamento da Constituição por uma lei simplesmente<br />

infraconstitucional se configuraria por dispensa de qualquer mediação normativa.<br />

Ocorreria por forma direta, e a Magna Carta do País, somente ela, é que permaneceria<br />

como parâmetro do controle de constitucionalidade do diploma jurídico de menor hierarquia.<br />

Sem que o vôo do raciocínio hermenêutico tivesse que fazer escala em outro<br />

2 Ad exemplum, argüição de descumprimento de preceito fundamental, sentença estrangeira contestada,<br />

ação declaratória de constitucionalidade.


542<br />

R.T.J. — 202<br />

campo de pouso que não fosse a Constituição Nacional. E sem que a própria Ordem<br />

Jurídica experimentasse o estonteante vaivém que resultaria, ainda por hipótese, de uma<br />

revogação pura e simples da legislação federal que faz da prática dos jogos de azar uma<br />

contravenção. Pois a conseqüência de tal ab-rogação não seria outra senão a instantânea<br />

revalidação, a automática repristinação de todas as questionadas leis do Distrito <strong>Federal</strong><br />

(com o que todos os processos de controle de constitucionalidade que se sucedessem no<br />

tempo operariam do lado de dentro de leis da União, mas sempre do lado de fora da<br />

Constituição).<br />

20. À guisa de prestígio para esta forma de condução do debate, corro a buscar<br />

suporte em reflexões já elaboradas no seio deste Excelso Pretório, de que servem de<br />

amostra os seguintes arestos:<br />

Ação direta de inconstitucionalidade – Lei 8.541/92 (art. 56 e parágrafos) – Alegada<br />

ofensa ao princípio constitucional do concurso público e à regra de validade temporal das<br />

provas seletivas (CF, art. 37, II e III) – Ato de efeitos concretos – Inidoneidade objetiva dessa<br />

espécie jurídica para fins de controle normativo abstrato – Juízo de constitucionalidade dependente<br />

da prévia análise de atos estatais infraconstitucionais – Inviabilidade da ação direta –<br />

Não-conhecimento.<br />

- Atos estatais de efeitos concretos, ainda que veiculados em texto de lei formal, não se<br />

expõem, em sede de ação direta, à jurisdição constitucional abstrata do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>. A ausência de densidade normativa no conteúdo do preceito legal impugnado<br />

desqualifica-o – enquanto objeto juridicamente inidôneo – para o controle normativo abstrato.<br />

- A ação direta de inconstitucionalidade não constitui sucedâneo da ação popular constitucional,<br />

destinada, esta, sim, a preservar, em função de seu amplo espectro de atuação jurídicoprocessual,<br />

a intangibilidade do patrimônio público e a integridade do princípio da moralidade<br />

administrativa (CF, art. 5º, LXXIII).<br />

Não se legitima a instauração do controle normativo abstrato quando o juízo de<br />

constitucionalidade depende, para efeito de sua prolação, do prévio cotejo entre o ato estatal<br />

impugnado e o conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais editadas pelo poder<br />

público.<br />

A ação direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de instrumento básico de<br />

defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização<br />

desse meio processual exige que o exame in abstracto do ato estatal impugnado seja realizado<br />

exclusivamente à luz do texto constitucional.<br />

Desse modo, a inconstitucionalidade deve transparecer diretamente do texto do ato estatal<br />

impugnado. A prolação desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de<br />

controle normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas infraconstitucionais,<br />

para, somente a partir desse exame e num desdobramento exegético ulterior, efetivar-se o<br />

reconhecimento da ilegitimidade constitucional do ato questionado.<br />

(<strong>ADI</strong> 842, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 14-5-93.)<br />

Ação direta de inconstitucionalidade – Instrução normativa – Portarias 24/94 e 25/94 do<br />

Secretário de Segurança e Saúde no Trabalho – Prevenção contra situações de dano no<br />

ambiente de trabalho – Controle médico de saúde ocupacional – Ato desvestido de normatividade<br />

qualificada para efeito de impugnação em sede de controle concentrado de constitucionalidade –<br />

Ação não conhecida.<br />

Parametricidade e controle normativo abstrato.<br />

- A Constituição da República, em tema de ação direta, qualifica-se como o único instrumento<br />

normativo revestido de parametricidade, para efeito de fiscalização abstrata de<br />

constitucionalidade perante o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.


R.T.J. — 202 543<br />

Ação direta e ofensa frontal à Constituição.<br />

- O controle normativo abstrato, para efeito de sua válida instauração, supõe a ocorrência<br />

de situação de litigiosidade constitucional que reclama a existência de uma necessária relação de<br />

confronto imediato entre o ato estatal de menor positividade jurídica e o texto da Constituição<br />

<strong>Federal</strong>.<br />

- Revelar-se-á processualmente inviável a utilização da ação direta, quando a situação de<br />

inconstitucionalidade – que sempre deve transparecer imediatamente do conteúdo material do<br />

ato normativo impugnado – depender, para efeito de seu reconhecimento, do prévio exame<br />

comparativo entre a regra estatal questionada e qualquer outra espécie jurídica de natureza<br />

infraconstitucional, como os atos internacionais – inclusive aqueles celebrados no âmbito da<br />

Organização Internacional do trabalho (OIT) – que já se acham incorporados ao direito positivo<br />

interno do Brasil, pois os Tratados concluídos pelo Estado <strong>Federal</strong> possuem, em nosso sistema<br />

normativo, o mesmo grau de autoridade e de eficácia das leis nacionais.<br />

Interpretação administrativa da lei e controle normativo abstrato.<br />

- Se a instrução normativa, em decorrência da má interpretação das leis e de outras<br />

espécies de caráter equivalente, vem a positivar uma exegese apta a romper a hierarquia<br />

normativa que deve observar em face desses atos estatais primários, aos quais se acha vinculada<br />

por um claro nexo de acessoriedade, viciar-se-á de ilegalidade – e não de inconstitucionalidade –,<br />

impedindo, em conseqüência, a utilização do mecanismo processual da fiscalização normativa<br />

abstrata. Precedentes: RTJ 133/69 – RTJ 134/559.<br />

- O eventual extravasamento, pelo ato regulamentar, dos limites a que se acha materialmente<br />

vinculado poderá configurar insubordinação administrativa aos comandos da lei. Mesmo<br />

que desse vício jurídico resulte, num desdobramento ulterior, uma potencial violação da Carta<br />

Magna, ainda assim estar-se-á em face de uma situação de inconstitucionalidade meramente<br />

reflexa ou oblíqua, cuja apreciação não se revela possível em sede jurisdicional concentrada.<br />

(<strong>ADI</strong> 1.347-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 1º-12-95.)<br />

21. Passo, agora, a examinar a segunda causa de pedir. E já antecipo que ela me<br />

convence. Convence-me, sim, esse segundo fundamento jurídico de que se valeu o<br />

Autor para deduzir a sua pretensão. E, para demonstrar o acerto da tese suscitada pelo<br />

Procurador-Geral da República, valho-me do voto que proferi no julgamento da <strong>ADI</strong><br />

2.847:<br />

18. Esta, a denunciada invasão que subsiste. Invasão do espaço legiferante que é da União,<br />

originariamente. E que se patenteia pelo só e imediato cotejo entre os quatro atos legislativos do<br />

Distrito <strong>Federal</strong> e a Constituição-cidadã. Sem a menor necessidade, portanto, de confrontar as<br />

quatro multicitadas leis distritais com este ou aquele ato legislativo do governo federal para, e só<br />

então, concluir-se que de regramento sobre sorteios é que o legislador federativamente periférico<br />

fez o transbordante uso.<br />

19. Não é só. Cumpre-me ainda esclarecer que, se aponho o meu aval a esta segunda causa<br />

de decidir, é por entender que a vontade objetiva da Constituição reside:<br />

I - na precisa diferenciação entre o instituto dos consórcios privados e a figura dos<br />

sorteios. Não sorteios em consórcios ou a propósito deles, mas enquanto instituto jurídico<br />

substante em si mesmo. Até porque a palavra “consórcio” já contém um tipo menor de sorteio.<br />

Um tipo menor que se põe como elemento conceitual de todo consórcio privado, sabido que os<br />

consórcios privados são institutos que se traduzem no emprego de poupança popular para<br />

aquisição de um bem cuja posse e uso dependem de sorteio (“ato de eleger pela sorte”), mas em<br />

data que pode ocorrer antes mesmo do pagamento integral desse bem (e, destarte, da respectiva<br />

alienação, pois o que se sorteia não é propriamente o bem, mas a data de sua entrega);<br />

II - essa mesma vontade objetiva da Lei das Leis está em fazer do vocábulo “sorteios” um<br />

gênero de toda e qualquer competição para obtenção de prêmio, seja em dinheiro, seja em bens<br />

de outra natureza, com desembolso de recursos por parte do competidor ou, então, pela sua<br />

adesão a regras de propaganda comercial, contanto que o resultado pró ou contra dependa do<br />

acaso; isto é, fique à mercê do fado ou destino, ora exclusiva, ora preponderantemente. E é por


544<br />

R.T.J. — 202<br />

este modo mais crescentemente contemporâneo de lidar com essa matéria-prima sempre moral<br />

e psicanaliticamente delicada (pela natureza potencialmente viciosa de que se reveste); sempre<br />

politicamente divisora de opiniões enquanto fonte de recursos públicos não-tributários ou mesmo<br />

enquanto base de cálculo para imposição fiscal; sempre universalmente debatida como pretensa<br />

alavanca do turismo (os cassinos à frente) e matriz de novos postos de trabalho, ou, ao contrário,<br />

como expediente fácil de lavagem de dinheiro criminosamente acumulado por efeito de<br />

improbidade administrativa, contrabando e tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins; sempre<br />

encarada como sugestivamente deflagradora de um segundo e igualmente deletério tráfico, já<br />

agora de natureza político-administrativa (difícil é dizer qual o fato mais socialmente danoso, se<br />

a influência do tráfico ou o tráfico de influência); sempre tentadoramente recorrível como<br />

propaganda ou marketing de promoções mercantis por parte daquelas empresas de porte econômico<br />

mais avantajado e, por isso mesmo, de mais facilitado acesso aos veículos de comunicação<br />

de massa, especialmente a mídia eletrônica; – é por este modo crescentemente contemporâneo de<br />

lidar com essa perigosa e nuançada matéria-prima dos sorteios, dizíamos, que a Lei Mais Alta da<br />

República brasileira habilita a União a legislativamente arar no campo da profilaxia dos costumes<br />

e concomitantemente no espaço geral do incremento da economia do País e na específica esfera<br />

da coleta de recursos para o erário. Donde poder o Governo Central tanto proibir a prática de<br />

certos jogos quanto liberá-la sob condições inibidoras de abusos econômicos e associações para<br />

o crime. De todo modo, matéria de relevo social o bastante para merecer tratamento constitucional<br />

em apartado daquele fenômeno mercantil-financeiro dos consórcios, figura de direito<br />

comparativamente acanhada e de cujo kit (outra vez incidimos na coloquialidade) já faz parte<br />

elementar o mencionado sorteio de datas. Apenas de datas, insista-se na proposição, pois sozinho<br />

esse tipo menor de sorteio não teria valiosidade intrínseca para merecer da Constituição do País<br />

qualquer referência3.<br />

20. Sem o menor resquício de dúvida, não se pode comparar o relevo socioeconômico e<br />

moral dos consórcios com a presença impactante dos sorteios no cotidiano das pessoas e respectivas<br />

famílias, assim como no funcionamento usual do aparelho produtivo do Brasil e da própria<br />

máquina estatal-federada. Ali, o que se tem é um fenômeno ainda restrito a pessoas que de<br />

alguma forma podem poupar recursos financeiros para aquisição de bens de consumo durável<br />

ou até mesmo de raiz. Aqui, não. O fenômeno é mesmo de grande proporção coletiva e alcança<br />

os ricos, os remediados e os pobres, porém com muito mais ênfase para estes últimos (segmento<br />

social que Gilberto Freyre chamava de “massa anônima”, e que, nada podendo poupar, faz do<br />

jogo diário ou pelo menos semanal uma dramática tentativa de sair abruptamente de uma vida de<br />

extrema carência material para entrar no tão sonhado clube dos patrimonializados).<br />

21. De se rejeitar, por conseguinte, a exegese que propugna pela indissociação temática<br />

entre consórcios e sorteios, na legenda do inciso XIX do art. 22 da Lei Republicana. Até porque<br />

precedido, esse dispositivo magno, de outros signos lingüísticos que no próprio art. 22 também<br />

falam de “sistemas” e nem por isso deixam de autonomizar as matérias sobre que versam.<br />

Reporto-me, inicialmente, ao “sistema monetário e de medidas, títulos e garantias de metais”<br />

(inciso VI), dado que moeda, medidas e metais são realidades factuais e figuras de direito que<br />

desfrutam de elementar independência entitativa. Cada qual delas com sua materialidade e<br />

regime jurídico próprio. Tal como se dá – este é o segundo dispositivo que tomo como<br />

3 Os dias que fluem são particularmente pródigos em reportagens e artigos midiáticos sobre a realidade<br />

dos jogos de azar como uma espécie de aporia ou questão permanentemente aberta a todo tipo de<br />

opinião, e dessas manifestações de experts e de cidadãos comuns é que fui buscar uma referência a<br />

“corajosa crônica” do falecido arcebispo brasileiro dom Lucas Moreira Neto, que se intitulava “Senhores,<br />

não façam seus jogos” e que principiava pelo resgate da indignação que em Ruy Barbosa provocava a<br />

natureza viciante de tais jogos, a ponto de verberar (ele, Ruy): “De todas as desgraças que penetram no<br />

homem pela algibeira e arruínam o caráter pela fortuna, a mais grave é, sem dúvida, esta: o jogo (...) Ele<br />

zomba da decência, das leis e da polícia” (jornal Folha de São Paulo, Painel do Leitor, Caderno A-3,<br />

4 de março de 2003).


R.T.J. — 202 545<br />

paradigma – com o inciso XVIII do mesmíssimo art. 22. Ele fala de “sistema estatístico, sistema<br />

cartográfico e de geologia nacionais”, e também salta à inteligência que o levantamento de dados<br />

estatísticos não se faz irmão siamês nem da cartografia nem da geologia nacionais. Cada um<br />

desses fatos jurígenos, então, pelo seu natural desentrelace ontológico, bem que poderia figurar<br />

em um só texto normativo da Constituição. Um só dispositivo constitucional para cada qual<br />

deles, e isto mesmo é de se dizer para os sorteios e os consórcios. Simples questão de tecnologia<br />

legislativa.<br />

22. Também não atenua e muito menos elimina a gravidade da usurpação legislativa<br />

perpetrada contra a União o argumento de que o extenso rol de aptidões normativas do art. 22<br />

da Norma Normarum de 1988 é passível de compartilhamento com os Estados-membros da<br />

Federação brasileira, em pontos específicos das respectivas matérias. Isto, em face do parágrafo<br />

único do mesmíssimo artigo constitucional de nº 22 (“Lei Complementar poderá autorizar os<br />

Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”) 4 . Mas assim<br />

não se argumente, porque a primeira condição para se viabilizar tal compartilhamento não se<br />

acha presente: a autorização por via de lei complementar. Reitero, pela importância da asserção:<br />

não existe lei complementar da União que delegue ao Distrito <strong>Federal</strong> competência para normar<br />

sobre “questões específicas” que a matéria “sorteio” abstratamente comporta.<br />

23. Há mais o que dizer. A normatização estadual ou distrital de caráter específico pressupõe<br />

uma simultânea ou, quando menos, uma anterior legiferação de caráter inespecífico. E de<br />

autoria, sobremais, da própria esfera de Poder autorizante: a União <strong>Federal</strong>. “Noutros termos,<br />

para que o Distrito <strong>Federal</strong> e os Estados-membros possam legislar sobre aspectos específicos de<br />

um dado sorteio”, é preciso que haja uma lei federal complementar que trace o regime jurídico<br />

central desse mesmo tipo de jogo ou loteria. Que o denomine e diga em que ele consiste. Quem<br />

responde pela sua empírica instituição. Qual o modo de operacionalizá-lo. Que faculdades,<br />

direitos, vedações, obrigações, ônus e bônus assistem aos apostadores ou concorrentes. Forma de<br />

pagamento do jogo e recebimento de prêmio, ou outra condição para recebê-lo. Procedimento<br />

recursal. A possibilidade de se explorar a atividade por forma exclusivamente pública ou privada,<br />

ou mistamente pública ou privada. E antecedendo a tudo, o processo mesmo de apostar ou<br />

competir. Aí, por certo, já atribuída uma identidade a cada qual dos jogos ou competições, o que<br />

sobejar é que pode ser objeto de autorização dita específica, para adaptar a concreta exploração<br />

de um determinado sorteio a decisões e estruturação administrativas de cada Estado-membro (e<br />

aqui é de se lembrar a concreta formação de Conselhos de Administração e Fiscalização, assim<br />

como o direcionamento de receitas para custeios desse ou daquele programa governamental).<br />

24. Essa precedência de uma legislação federal complementar que tipifique ou personalize<br />

cada qual dos sorteios é tanto mais necessária quanto se considere que as pessoas estatais<br />

federadas não podem criar “preferências entre si”, pois a tanto se opõe a regra do inciso III do art.<br />

19 da Lei Republicana, assim legendado:<br />

“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito <strong>Federal</strong> e aos Municípios:<br />

I - (...);<br />

III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”<br />

25. Aplicado à figura dos sorteios, dessarte, o dispositivo constitucional transcrito só<br />

comporta exegese federativamente isonômica ou uniforme em suas linhas gerais (por isso que<br />

inespecíficas, dissemos). Sem favorecimentos assumidos, ou enrustidos, até porque uma parte,<br />

quando não a totalidade, das receitas provenientes das apostas ou participações populares é,<br />

afinal, receita que se agrega ao Tesouro para financiamento de políticas públicas. Sendo que uma<br />

determinada aposta já se encontra constitucionalmente prevista como base de cálculo de contribuição<br />

social. Refiro-me aos sorteios que levam o nome de “concursos de prognósticos”, assim<br />

4 E, quando se fala de competência normante a partilhar com os Estados-membros, é evidente que se<br />

está a inserir no raio de tal competência o Distrito <strong>Federal</strong>, por efeito da regra constitucional do § 1º do<br />

art. 32, a saber: “Ao Distrito <strong>Federal</strong> são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados<br />

e Municípios”.


546<br />

R.T.J. — 202<br />

denominados por reclamarem do apostador uma postura subjetiva de indicação dos números, ou<br />

símbolos, ou imagens, ou nomes com que pretendem competir com os demais jogadores 5 (caso<br />

típico dos sorteios designados por “loteria esportiva”, “quina”, “mega-sena”, “dupla sena”, etc.).<br />

Mas sem que essa prognose, comportando, como toda prognose, o manejo de alguns dados<br />

objetivos, descaracterize o concurso como espécie do gênero “sorteio”.<br />

26. Toda essa construção dogmática fica mais facilmente compreendida quando se pontua<br />

que a Lex Maxima brasileira houve por bem disciplinar o tema dos sorteios como “sistema”.<br />

“Sistema de consórcios e sorteios”, disse ela, Constituição, no citado inciso XX do art. 22.<br />

Imediatamente, após falar de outras atividades também obrigatoriamente organizadas sob a<br />

forma de sistema, como efetivamente são os sistemas “estatístico, cartográfico e de geologia”<br />

(inciso XIX) e mais os “sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular” (inciso<br />

XVIII).<br />

27. Ora bem, quando a Lei das Leis do País fala de sistema é para cuidar de assuntos cuja<br />

concepção pressupõe o próprio desenho do Estado brasileiro como Federação. Logo, assuntos<br />

que se põem num estratégico espaço de confluência ou interseção federativa, e, portanto,<br />

exigentes de aplicabilidade federativamente igual, em suas linhas gerais. Temas basicamente<br />

vocacionados para uma atuação necessariamente conjunta ou, no mínimo, em regime de colaboração<br />

por parte dos entes estatais de existência obrigatória, mormente a União e os Estadosmembros.<br />

Como se dá, verbi gratia, com o “sistema nacional de gerenciamento de recursos<br />

hídricos” (inciso XIX do art. 21), “sistema nacional de viação” (inciso XXI do mesmo art. 21),<br />

(“sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões” (inciso XVI também<br />

do art. 22), “sistema eleitoral” (§ 1º do art. 27), “sistema tributário” (inciso I do art. 48,<br />

combinadamente com o Capítulo I do Título VI), “sistemas de previdência e assistência social”<br />

(§ 1º do art. 149), “sistema financeiro nacional” (art. 192, caput) e “sistema único de saúde” (§ 1º<br />

do art. 198). Aliás, é a Constituição mesma que se auto-elucida quanto à intelecção do vocábulo<br />

sistema, ao categorizar o sistema da seguridade social como compreensivo de “um conjunto<br />

integrado de ações dos poderes públicos e da sociedade”, consoante expressa dicção do art. 194,<br />

cabeça. Logo, área de atuação concertada, ou de alguma forma interligada, para a obtenção de<br />

resultados de interesse estatalmente comum.<br />

28. Coincidem, no particular, a voz do Direito e os verbetes de todos os dicionários da<br />

língua portuguesa, no tema. É que o substantivo “sistema” é invariavelmente dicionarizado<br />

como grupo de elementos inter-relacionados ou interdependentes, formando um todo unitário 6 .<br />

Como diria Hans Kelsen, conjunto ordenado de elementos, segundo uma perspectiva unitária.<br />

Ou como se extrai do refinado pensamento de Hegel, assim comentado às fls 2704 do festejado<br />

“Dicionário de Filosofia”, de J. Ferrater Mora, Edições Loyola, tomo IV, ano de 2001: “(...) já<br />

que somente o total é verdadeiro, e uma vez que o parcial é não-verdadeiro ou, melhor dizendo,<br />

momento ‘falso’ da verdade, esta última será essencialmente sistemática, e a realidade e a<br />

verdade de cada parte somente terão sentido em virtude de sua referência e inserção no todo. (...)<br />

A verdade seria, pois, de acordo com isso, somente a articulação de cada coisa com o todo, e o<br />

todo mesmo que expressa o sistema desta articulação”.<br />

29. Pois bem, é isso que explica a dissociação entre legislar com privatividade e atuar com<br />

privatividade, quando se trata de matéria que tenha a estatura jurídica de sistema. O Texto<br />

Fundamental de 1988 bem separou as coisas e daí não haver inserido nas competências materiais<br />

da União (art. 21) o monopólio de todo o circuito de atuação das atividades etiquetadas como de<br />

índole sistêmica. O que fez a Lei das Leis desta nossa Terra de Santa Cruz foi conferir à União<br />

5 É como está no art. 195, inciso III, litteris: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a<br />

sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos<br />

da União, dos Estados, do Distrito <strong>Federal</strong> e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: III -<br />

sobre a receita de concursos de prognósticos”.<br />

6 Por amostragem, Grande Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa, editora Nova Cultural<br />

Ltda., ano de 1999, p. 832, no qual se lê: “(...) Conjunto de elementos considerados em suas relações<br />

no interior de um todo que funciona de modo unitário”.


R.T.J. — 202 547<br />

uma primazia de atuação, como, por exemplo, estabelecer princípios e diretrizes, definir certos<br />

critérios de outorga de direitos, fiscalizar determinadas ações, organizar e manter serviços públicos<br />

de âmbito nacional (incisos VIII, XV, XIX e XXI do art. 21). Logo, sem regime de total<br />

insulamento operacional ou ortodoxa protagonização excludente das demais pessoas federadas.<br />

30. É debaixo dessar coordenadas mentais que o tema dos sorteios só comporta mesmo<br />

exame de subsunção que leve em conta a realidade da União em conexão operacional com os<br />

Estados e o Distrito <strong>Federal</strong>. Daí a tessitura do seguinte raciocínio: se é correto ajuizar que apenas<br />

a União pode originariamente legislar sobre essa ou aquela espécie de sorteio (e assim excluí-lo<br />

de ilicitude contravencional), não parece verdadeiro, contudo, afirmar que somente ela pode<br />

explorá-lo.<br />

31. Explico-me. A competência para legislar inovadoramente é sempre da União. Ela é<br />

que foi aquinhoada com a força de normar sobre o assunto, privativamente. Seja no plano das<br />

normas gerais de um dado sorteio, seja no plano da autorização para que os Estados-membros e<br />

o Distrito <strong>Federal</strong> passem a legislar em caráter específico (hipótese em que a lei federal terá que<br />

ser de índole complementar). Contudo, instituído ou autorizado que seja um determinado jogo<br />

pela pessoa jurídica central da Federação (ainda que por lei ordinária, tão-somente), qualquer<br />

das duas unidades estatais periféricas (Estado-membro ou Distrito <strong>Federal</strong>), pode concorrer com<br />

ela, União <strong>Federal</strong>. Pode, no território de cada qual delas, competir com o Governo Central pela<br />

preferência dos apostadores. Desde que se utilize das mesmíssimas normas federais de regência<br />

do tema, com adaptações apenas de ordem mecânica ou linear, isto é, adaptações ditadas pelas<br />

naturais diferenças de organização administrativa de cada uma dessas pessoas federadas periféricas.<br />

32. Valendo-me de outras palavras para expressar o mesmo pensamento, anoto que a<br />

decisão legal-federal que instaura certo jogo de resultado aleatório, ou autoriza essa instauração,<br />

é ato decisório que não imuniza apenas a União quanto à incidência em conduta contravencional.<br />

Aproveita os Estados-membros e o Distrito <strong>Federal</strong>; contanto que estes atuem de conformidade<br />

com os lineamentos centrais daquele jogo (sem inovação de conteúdo, portanto). E sob a<br />

aprovação do Poder Legislativo regional, claro, em obediência ao princípio constitucional da<br />

legalidade (cabeça do art. 37 da Lei Maior <strong>Federal</strong>), regente da concreta atuação de todo o<br />

aparelho administrativo do Estado.<br />

33. De recordar, por essencial, que a instauração em si e mais a gerência de sorteios não<br />

fazem parte das competências materiais que a Lei Maior adjudicou à União. Não são atividades<br />

de pronto rotuladas como próprias de nenhuma das quatro pessoas de natureza político-administrativa,<br />

nem mesmo enquanto serviço público (até porque de serviço público penso que elas<br />

nada têm, constitucionalmente falando). Logo, em princípio, seriam atividades econômicas.<br />

Setor franqueado à iniciativa privada, por força do parágrafo único do art. 170 da Constituição,<br />

assim vocalizado: “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,<br />

independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”. Não<br />

obstante, atividade: a) susceptível de interdição aos agentes econômicos privados, se prevista<br />

enquanto tipo penal; b) sujeita a preenchimento de requisitos para a respectiva liberação. E tudo<br />

por efeito dos incisos I e XX do art. 22, combinadamente com a parte final do parágrafo único<br />

do art. 170, todos da Carta-cidadã.<br />

34. No uso, porém, de sua competência legislativa na matéria, a União <strong>Federal</strong> não foi<br />

autorizada a reservar para si a exclusividade da exploração de sorteios, de modo a excluir a coparticipação<br />

dos Estados e do Distrito <strong>Federal</strong>. E porque não se acha habilitada a monopolizar o<br />

setor (todo monopólio é matéria de reserva normativa de tomo constitucional), proibida está de<br />

impedir que essas duas tipologias de pessoa governamental façam uso da competência residual<br />

que se extrai da leitura do art. 25 da Carta de Outubro, litteris: “São reservadas aos Estados as<br />

competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”.<br />

35. Essa a interpretação que também homenageia o disposto no inciso III do artigo magno<br />

de número 195, pois nem mesmo ali a Constituição apetrecha a União para explorar, sozinha,<br />

“concursos de prognósticos”. O que se diz no preceptivo em causa é que a receita desses<br />

concursos se presta como base de cálculo de contribuição social. Nada mais que isso.<br />

36. Fale-se o mesmo quanto ao préstimo da presente exegese ante o relato do artigo<br />

constitucional de número 173, caput, que possibilita o quê? Possibilita à lei de todas as unidades<br />

federadas qualificar, no âmbito da respectiva ordem jurídica, uma determinada atividade como


548<br />

R.T.J. — 202<br />

excepcionalmente serviente de relevante interesse coletivo (“Ressalvados os casos previstos nesta<br />

Constituição, a exploração de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária<br />

aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definido<br />

em lei”).<br />

37. Já me encaminhando para o fechamento deste voto vista, pontuo que a pecha de<br />

inconstitucionalidade que recai sobre as quatro multirreferidas leis do Distrito <strong>Federal</strong> é de ser<br />

reconhecida, não pela decisão de o Governo distrital instituir e gerenciar atividades lotéricas. A<br />

mácula da inconstitucionalidade é de ser confirmada pelo fato de que essa decisão legislativodistrital<br />

foi tomada originariamente. À margem de qualquer lei da União, seja de cariz ordinário,<br />

seja de feição complementar. Vale dizer, desapegada do regime jurídico central de sorteio já<br />

vigorante no âmbito da União. Enfim, como se o parágrafo único e o inciso XX do art. 22 da<br />

Constituição Republicana apenas dissessem o que certa feita enunciou Nietzsche: “quem quiser<br />

me seguir, não me siga”.<br />

22. Nessa ampla moldura, voto pela procedência integral dos pedidos deduzidos<br />

nesta ação, declarando a inconstitucionalidade dos Decretos 11.106/03 e 11.435/04,<br />

ambos do Estado do Piauí.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, quando a matéria veio pela<br />

primeira vez ao Plenário, em discussão sobre lei do Distrito <strong>Federal</strong>, sustentei que não se<br />

tem, na espécie, o monopólio do Estado quanto ao jogo – ou, como queiram, jogatina –<br />

no Brasil, o monopólio centralizado na atuação da Caixa Econômica.<br />

Não vou cansar os Colegas com aquela catilinária. Apenas me reporto ao voto<br />

proferido porque continuo convencido de que, na expressão alusiva à disciplina de<br />

sorteios e de consórcios, contida na Constituição <strong>Federal</strong>, não se incluem os jogos em<br />

geral, os quais geram, até mesmo, recursos para o setor público. Daí os doutrinadores<br />

apontarem-nos como verdadeiro serviço público e não vou cogitar dos desvirtuamentos,<br />

porquanto não posso raciocinar a partir do excepcional, do extravagante, do teratológico.<br />

Peço vênia ao Relator e àqueles que o acompanham, reiterando, é certo, a jurisprudência<br />

da Corte, o pronunciamento anterior, para julgar improcedente o pedido formulado<br />

na inicial. Eis os motivos por que assim procedo, os quais externei quando da<br />

apreciação da <strong>ADI</strong> 2.847-2/DF, relatada pelo Ministro Carlos Velloso e cujo acórdão<br />

restou publicado no Diário da Justiça de 26 de novembro de 2004:<br />

(...) O que cumpre examinar é a competência para legislar sobre loterias, visando ao<br />

funcionamento destas, presente o disposto no inciso XX do art. 22 da Constituição <strong>Federal</strong>:<br />

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:<br />

(...)<br />

XX - sistemas de consórcios e sorteios;<br />

(...)<br />

Em síntese, ter-se-ia como adentrado o campo do Direito Penal caso dispusesse qualquer<br />

das leis atacadas nesta ação direta de inconstitucionalidade sobre contravenção penal, excluindoa,<br />

na linha direta, do cenário jurídico. No caso, o preceito do Decreto-Lei 6.259, de 10 de<br />

fevereiro de 1944, limita-se a glosar a prática lotérica sem a existência de concessão e, na espécie,<br />

discute-se a competência para regular tal prática, o que se circunscreve a campo estranho ao<br />

penal. No mais, os autores não divergem sobre a definição do serviço de loteria como público,<br />

definição que decorre da lei, segundo Miguel Reale, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Celso<br />

Antônio Bandeira de Mello e Luís Roberto Barroso. O legislador, como ressaltado por Celso


R.T.J. — 202 549<br />

Antônio Bandeira de Mello em Curso de Direito Administrativo, “erige, ou não, em serviço<br />

público tal ou qual atividade, desde que respeitados os limites constitucionais”. Em artigo<br />

publicado em Temas de Direito Constitucional, Luís Roberto Barroso aduz que a atividade de<br />

exploração de loterias é considerada como serviço público por definição legislativa desde 1932,<br />

aludindo ao Decreto, desse ano, de número 21.143, e aos Decretos-Leis sucessivos 2.980/41,<br />

6.259/44 e 204/67, sendo que, no último, dispôs-se:<br />

Art. 1º A exploração de loteria, como derrogação excepcional das normas do<br />

Direito Penal, constitui serviço público exclusivo da União, não suscetível de concessão e<br />

só será permitida nos termos do presente Decreto-Lei.<br />

Inegavelmente, com esse preceito criou-se o monopólio da União para a exploração das<br />

loterias (gênero).<br />

Ainda sob a égide da Constituição anterior, Caio Tácito produziu artigo sob o título<br />

“Loterias Estaduais (criação e regime jurídico)” publicado na Revista de Direito Público 77, de<br />

1986, às páginas 78/79. Apontou o autor o conflito da norma do Decreto-Lei 204/67 com o<br />

princípio da autonomia estadual. Remeteu à regra segundo a qual aos Estados são conferidos<br />

todos os poderes que explícita ou implicitamente não lhes sejam vedados – presente o art. 13, §<br />

1º, da Carta à época em vigor e, hoje, a cláusula do § 1º do art. 25 da Lei Máxima de 1988, a<br />

revelar que são reservadas aos Estados as competências que não lhe sejam vedadas na própria<br />

Constituição. Evocando a convivência, constitucionalmente ordenada, entre o poder central e os<br />

poderes locais, ressaltou o jurista caber aos Estados-membros a administração dos próprios<br />

serviços e, a fortiori, a competência de criá-los conforme opção política. No mesmo sentido,<br />

emitiu parecer o Ministro desta Corte Oswaldo Trigueiro, em 1985, assentando que “a Constituição<br />

não impede o funcionamento da loteria estadual. Primeiro, porque não atribui esse serviço à<br />

União, com exclusividade. Segundo, porque não proíbe de forma expressa, ou simplesmente<br />

implícita, a existência das loterias estaduais. (...) Se a União pudesse, por lei ordinária, tornar<br />

exclusivo um serviço público que a Constituição não proíbe aos Estados, a autonomia destes<br />

estaria reduzida a letra morta; a legislação comum poderia aumentar desmedidamente a área de<br />

competência federal, estabelecendo a exclusividade da maioria dos serviços públicos concorrentes<br />

ou de exclusividade estadual”. O parecer foi publicado na Revista de Direito Público 76, de<br />

1985, às páginas 38 e 39.<br />

Nessa mesma linha, pronunciou-se o saudoso Geraldo Ataliba, salientando que “só são<br />

exclusivas da União as competências arroladas no art. 8º da Constituição <strong>Federal</strong>. Estas o Estado<br />

Federado não pode desempenhar, sem acordo com a União. As demais possíveis atividades públicas<br />

– ex vi do preceito do § 1º do art. 13 – podem ser exercidas pelos Estados concorrentemente,<br />

ou não, com a União”. Em passo seguinte, adentrando a exploração de loterias e similares,<br />

concluiu o publicista tratar-se de “atividade subsumível no conceito lato de serviço público”.<br />

Quanto à competência da União para legislar sobre Direito Penal, disse da impossibilidade de<br />

dar-se a esse enfoque alcance superlativo, a ponto de chegar-se à proibição, aos Estados, do<br />

exercício de uma atividade que é qualificada como serviço público e que, segundo lições<br />

expendidas, rege-se pelas leis que o ente federado vier a adotar. Confira-se com artigo constante<br />

da Revista de Direito Público 91, p. 96, de Carlos Ari Sundfeld, sob o título “Loterias Estaduais<br />

na Constituição de 1988”.<br />

Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em 1987, consignou que “o congelamento do status<br />

quo fático das loterias estaduais decidido por uma lei da União fere esta basilar isonomia”,<br />

referindo-se ao art. 9º, inciso I, da Carta em vigor, no que preceituava ser vedado à União, aos<br />

Estados, ao Distrito <strong>Federal</strong>, aos Territórios e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou<br />

preferências em favor de uma dessas pessoas de direito público interno contra outra.<br />

É sabença geral constituir premissa básica do federalismo que somente à Constituição<br />

<strong>Federal</strong> cabe restringir a autonomia dos Estados-membros. Resta saber: tem-se na previsão do<br />

inciso XX do art. 22 da Carta da República abrangência a ponto de alcançar as loterias estaduais<br />

nas diversas espécies? A competência privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios<br />

e sorteios apanha as loterias estaduais? Eis a questão constitucional da maior relevância com<br />

a qual se defronta a Corte, não havendo espaço para óptica que, escapando da seara jurídicoconstitucional,<br />

situe-se em outras mais amplas, mesmo porque a União explora, com largueza<br />

maior, a atividade lotérica.


550<br />

R.T.J. — 202<br />

Sob o ângulo do monopólio, bem ressaltou Fábio Konder Comparato em “Monopólio<br />

Público e Domínio Público – exploração indireta da atividade monopolizada”, publicado em<br />

Direito Público: Estudos e Pareceres, 1996, p. 149, que a Carta atual, ao contrário das Constituições<br />

de 1946 e 1967-69, mostra-se taxativa quanto aos setores ou atividades em que se tem o<br />

monopólio estatal, agora deferido exclusivamente à União. Então, o consagrado mestre proclamou<br />

que a lei já não pode criar outros monopólios não estabelecidos expressamente no texto<br />

constitucional. No mesmo sentido é a lição de Pinto Ferreira, também mencionada no parecer<br />

“Natureza Jurídica das Loterias e Bingos – Competência dos Estados-membros na Matéria”, de<br />

Luís Roberto Barroso: “Só existem monopólios criados pela Constituição”. A Lei Máxima não<br />

reserva o serviço público de loterias expressamente à União, ficando afastada, assim, a possibilidade<br />

de cogitar-se de monopólio.<br />

Daí a perplexidade gerada com a inserção, na Medida Provisória 2.216-31, de 31 de<br />

agosto de 2001, do art. 17 emprestando nova redação ao art. 59 da Lei 9.615, de 24 de março<br />

de 1968, que, revogada pela Medida Provisória 168, de 20 de janeiro de 2004, voltou a vigorar,<br />

no que o Senado retirou do cenário jurídico o último diploma, ou seja, a medida provisória<br />

proibitiva dos bingos.<br />

Art. 17. O art. 59 da Lei 9.615, de 24 de março de 1988, passa a vigorar com a<br />

seguinte redação:<br />

Art. 59. A exploração de jogos de bingo, serviço público de competência da<br />

União, será executada, direta ou indiretamente, pela Caixa Econômica <strong>Federal</strong> em<br />

todo o território nacional, nos termos desta Lei e do respectivo regulamento.<br />

Eis mais uma serventia encontrada para esse instrumento excepcional de normatização<br />

que é a medida provisória – criar o monopólio ligado à área da loteria!<br />

A visão primeira do inciso XX do art. 22 da Carta <strong>Federal</strong>, a versar sobre sistemas de<br />

consórcios e sorteios, reservando-os à disciplina pela União, conduz à conclusão sobre a<br />

abrangência a ponto de alcançar loterias. Afinal, estas se submetem a sistema de sorteio. Todavia,<br />

os dois vocábulos – consórcio e sorteio –, conforme ressaltado por Luís Roberto Barroso, jamais<br />

englobaram o serviço lotérico. Cita o autor a Lei 5.768/71, no que tratou do sorteio de consórcio,<br />

da distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda e das operações voltadas à aquisição<br />

de bens de qualquer natureza, sendo que nesse diploma a única referência a loteria fez-se,<br />

considerada a seriedade, mediante remissão para definir os participantes contemplados. A Lei<br />

5.864/72 cuidou dos sorteios organizados por instituições declaradas de utilidade pública para<br />

custeio de obras sociais, nenhuma ligação havendo com a exploração de loterias pelo poder<br />

público.<br />

Cretella Júnior, em Comentários à Constituição de 1988, volume III, p. 1579, registrou<br />

que, pela primeira vez, a Carta da República conferiu à União competência privativa para legislar<br />

sobre consórcios e sorteios. Então, o autor traçou um paralelo entre a inflação e a competência<br />

constante do inciso anterior, ou seja, do inciso XIX, para legislar sobre sistemas de poupança,<br />

captação e garantia – dada a perda do poder aquisitivo da moeda – da poupança popular. Ora,<br />

ante as interpretações possíveis, deve-se buscar a que mantenha íntegro o sistema, preserve a<br />

própria Federação. A Constituição <strong>Federal</strong>, conforme destacado por Carlos Ari Sundfeld no<br />

artigo mencionado, não prevê a competência da União para legislar sobre loterias. A junção, no<br />

inciso XX, dos vocábulos “consórcios” e “sorteios” é conducente a chegar-se à identidade entre<br />

eles. Tem-se, então, o texto a apanhar os sorteios que se façam ligados a atividade financeira<br />

assemelhada aos consórcios. Colho, ainda, do parecer de Luís Roberto Barroso, que a Constituição,<br />

quando se refere à modalidade lotérica, utiliza a expressão “concurso de prognósticos” –<br />

inciso III do art. 195 –, o mesmo se constatando em diploma legal de índole ordinária – a Lei<br />

6.717, de 12 de novembro de 1979, no que autorizou a Caixa Econômica a realizar, como<br />

modalidade da Loteria <strong>Federal</strong> regida pelo Decreto-Lei 204, de 27 de janeiro de 1967, presente<br />

o gênero “serviço público”, concurso de prognóstico sobre os resultados de sorteios de números,<br />

promovido em datas fixadas, com distribuição de prêmios mediante rateio. Aqui, sim, atuou a<br />

União e fê-lo porquanto envolvido um serviço público de índole federal, aludindo-se, expressamente,<br />

à modalidade “loteria federal”, contrapondo-se a esta a loteria estadual.


R.T.J. — 202 551<br />

O que se nota, a esta altura, é que, ante possíveis desvirtuamentos de objetivo verificados<br />

em uma espécie de loteria, a dos bingos, já que estes também dependem de sorteio para obter-se<br />

prêmio, confundem-se conceitos e, com isso, é colocado em jogo todo o sistema de loteria<br />

estadual existente no País, emprestando-se, para tanto, ao inciso XX do art. 22 da Constituição<br />

<strong>Federal</strong>, alcance incompatível com o fato de viver-se em uma Federação, o que pressupõe,<br />

necessariamente, a reserva e a manutenção, relativamente aos entes federados, da disciplina<br />

normativa dos serviços públicos que resolvam prestar. O remédio para os desvios de conduta<br />

porventura existentes não é esse, sob pena de inconcebível retrocesso constitucional. As leis<br />

atacadas nesta ação direta de inconstitucionalidade disciplinam a loteria – gênero, como se tem<br />

em quase todos os Estados brasileiros, pouco importando que abranja a nova modalidade – a que<br />

se faz sob a nomenclatura “bingo”, geradora de toda essa celeuma no campo administrativo e<br />

político-legislativo.<br />

Perceba-se o alcance do estrago que uma concepção centralizadora ocasionará. A loteria<br />

estadual, sempre revelada como serviço público e voltada ao amparo social especialmente dos<br />

menos afortunados, está em todos os Estados, sendo exceção única o do Amapá, no que o Chefe<br />

do Poder Executivo nos dois mandatos que antecederam ao atual, Governador João Capiberibe,<br />

vetou projetos que visavam a regulá-la. Também não cabe, diante da modalidade “bingo”,<br />

distinguir essa espécie, considerando-a, quanto à normatividade e até mesmo à exploração,<br />

primazia da infalível atuação federal. A sorte lançada, para usar vocábulo pertinente à matéria,<br />

é ampla. Ou bem se conclui que a previsão do inciso XX do art. 22 da Constituição <strong>Federal</strong> diz<br />

respeito a consórcios e sorteios, sem a abrangência a ponto de solapar o princípio – até hoje não<br />

colocado em dúvida – consoante o qual ao Estado-membro cumpre legislar sobre os próprios<br />

serviços públicos, ou, mitigando-se o federalismo, em concentração ímpar, não notada sequer<br />

no regime de exceção que precedeu os novos ares democráticos, a Carta de 1988, assenta-se a<br />

insubsistência, a ilicitude de toda a legislação estadual que até aqui foi observada, atribuindo-se<br />

à União legitimidade constitucional para legislar sobre a loteria estadual, essa espécie de serviço<br />

público. Este julgamento ganha, portanto, sentido maior, presentes quer as inúmeras ações em<br />

andamento contra leis de outros Estados, quer a sinalização ao Congresso Nacional, aos deputados<br />

e senadores, sobre o fidedigno alcance da Carta da República.<br />

É certo que a chamada Lei Zico – Lei 8.672, de 6 de julho de 1993 – veio a disciplinar o<br />

bingo, buscando-se, com isso, recursos para o setor de desportos. A seguir, a Lei Pelé – Lei<br />

9.615, de 24 de março de 1998 –, revogando inteiramente o diploma primitivo, manteve os<br />

bingos como fonte de recursos para tal setor. Todavia, isso se fez no campo federal, sem prejuízo<br />

da atividade dos Estados, mesmo porque, no Estado do Rio de Janeiro, legislação anterior às duas<br />

federais referidas, a Lei 2.055, de 25 de janeiro de 1993, já autorizava a Loterj a promover o<br />

sorteio em tal modalidade.<br />

Por entender que não se tem, no inciso XX do art. 22 da Constituição <strong>Federal</strong>, a competência<br />

exclusiva da União para legislar sobre loterias, o que acabaria por colocar as diversas<br />

loterias estaduais na clandestinidade, peço vênia ao Relator para julgar improcedente o pedido<br />

formulado, ressaltando, mais uma vez, que se está a tratar não apenas da espécie “bingo”, mas do<br />

gênero loteria. É como voto na espécie.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

<strong>ADI</strong> 3.147/PI — Relator: Ministro Carlos Britto. Requerente: Procurador-Geral da<br />

República. Requerido: Governador do Estado do Piauí.<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por maioria, julgou procedente a ação direta, nos termos do<br />

voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente, Ministro Gilmar<br />

Mendes (Vice-Presidente no exercício da Presidência). Ausente, justificadamente, a<br />

Ministra Ellen Gracie (Presidente).


552<br />

R.T.J. — 202<br />

Presidência do Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Presentes à sessão os<br />

Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos<br />

Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Vice-Procurador-Geral<br />

da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.<br />

Brasília, 10 de agosto de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


R.T.J. — 202 553<br />

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.233 — PB<br />

Relator: O Sr. Ministro Joaquim Barbosa<br />

Requerente: Procurador-Geral da República — Requeridos: Governador do Estado<br />

da Paraíba e Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba<br />

Ação direta de inconstitucionalidade. Leis 6.600/98 (art. 1º, caput e<br />

incisos I e II), 7.679/04 e 7.696/04 e Lei Complementar 57/03 (art. 5º), do<br />

Estado da Paraíba. Criação de cargos em comissão.<br />

I - Admissibilidade de aditamento do pedido na ação direta de<br />

inconstitucionalidade para declarar inconstitucional norma editada<br />

durante o curso da ação. Circunstância em que se constata a alteração da<br />

norma impugnada por outra apenas para alterar a denominação de cargos<br />

na administração judicial estadual; alteração legislativa que não torna<br />

prejudicado o pedido na ação direta.<br />

II - Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição <strong>Federal</strong> norma<br />

que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o<br />

princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em<br />

comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual,<br />

da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção<br />

à regra do concurso público para a investidura em cargo público. Precedentes.<br />

Ação julgada procedente.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade<br />

da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, julgar<br />

procedente a ação direta de inconstitucionalidade, nos termos do voto do Relator.<br />

Brasília, 10 de maio de 2007 — Joaquim Barbosa, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: O Procurador-Geral da República, atendendo<br />

representação oferecida pela Procuradoria da República no Estado da Paraíba, ajuizou<br />

ação direta de inconstitucionalidade em que questiona o caput e os incisos I e II do art.<br />

1º da Lei estadual 6.600, de 10-2-98, e o art. 5º da Lei Complementar estadual 57, de 24-<br />

12-03.<br />

É este o teor dos dispositivos impugnados:<br />

Lei estadual 6.600, de 10-2-98.<br />

Art. 1º Fica criada, no Quadro de que trata a Lei nº 5.634, de 15 de agosto de 1992, a<br />

função de confiança de Agente Judiciário de Vigilância, de provimento em comissão, assim<br />

distribuída:


554<br />

R.T.J. — 202<br />

I - Agente Judiciário de Vigilância I, Símbolo FC-AJV-707, em número de setenta e cinco<br />

(75), a quem incumbe prestar serviço de vigilância e segurança aos órgãos do Poder Judiciário;<br />

II - Agente de Vigilância II, Símbolo FC-AJV-708, em número de quarenta e cinco (45),<br />

a quem incumbe prestar serviços de vigilância e segurança aos membros do Poder Judiciário.<br />

Lei Complementar estadual 57, de 24-12-03.<br />

Art. 5º Para proverem a segurança e vigilância dos diversos fóruns do Estado, ao quantitativo<br />

de que trata o inciso I do art. 1º da Lei nº 6.600, de 10 de fevereiro de 1998, ficam<br />

acrescidos setenta e dois cargos de Agente Judiciário de Vigilância I, Símbolo TJ-AJV-707.<br />

Sustenta o Requerente que as normas estaduais impugnadas violam o caput e o<br />

inciso II do art. 37 da Constituição <strong>Federal</strong>, pois criam funções de provimento em comissão<br />

que não compreendem atribuições de direção, chefia e assessoramento. Afirma que as<br />

normas atacadas têm por objetivo burlar a exigência constitucional de concurso público.<br />

Adotado o rito do art. 12 da Lei 9.868, foram solicitadas informações ao Presidente<br />

da Assembléia Legislativa e ao Governador do Estado da Paraíba.<br />

A Advocacia-Geral da União manifestou-se pela declaração de inconstitucionalidade<br />

dos dispositivos (fls. 26-32), trazendo à colação diversos precedentes desta Corte<br />

no sentido de que “cargos de provimento comissionado devem estar necessariamente<br />

relacionados a atribuições que requeiram um vínculo de fidúcia entre o seu titular e a<br />

autoridade nomeante, sob pena de se violar o princípio constitucional do concurso público”<br />

(fl. 28).<br />

O Ministério Público <strong>Federal</strong> opinou pela procedência da ação (fls. 34-37).<br />

Em 22-11-04, o Procurador-Geral da República requereu o aditamento da petição<br />

inicial (fls. 40-42) da ação com o fundamento de que os dispositivos estaduais inicialmente<br />

impugnados foram alterados, “com o nítido intuito de tornar prejudicada a presente<br />

ação”. A alteração se deu pela Lei estadual 7.679, de 26-10-04. Pediu que também fosse<br />

declarada a inconstitucionalidade dessa lei, visto que ela apenas alterou a “nomenclatura<br />

dos cargos (...), permanecendo idênticas a natureza e as atribuições”.<br />

É este o teor da referida norma:<br />

Lei estadual 7.679, de 26-10-04:<br />

Art. 1º Ficam transformados, na estrutura administrativa da Secretaria do <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça, os seguintes cargos em comissão:<br />

I - de Agente Judiciário de Vigilância, símbolo TJ-AJV-II, em Assessor de Segurança I,<br />

símbolo TJ-CTJ-146 e;<br />

II - de Agente Judiciário de Vigilância, símbolo TJ-AJV-I, em Assessor de Segurança I,<br />

símbolo TJ-CTJ-147.<br />

Art. 2º A presente Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições<br />

em contrário.<br />

Sobreveio novo pedido de aditamento da petição inicial a fls. 55-56, desta vez<br />

para incluir, como objeto da ação, a Lei estadual 7.696, de 22-12-04. Nos dizeres do<br />

Procurador-Geral da República, a nova norma apenas “alterou os incisos I e II, do artigo<br />

1º, da retrocitada Lei 7.679/2004, modificando, tão-somente, a sigla de identificação dos<br />

cargos criados” (fl. 55). Transcrevo o teor do dispositivo contestado:<br />

Lei estadual 7.696, de 22-12-04:<br />

Art. 1º (...)<br />

I - de Agente Judiciário de Vigilância I, símbolo TJ-AJV-I, em Assessor de Segurança I,<br />

símbolo TJ-CTJ-144; e<br />

II - de Agente Judiciário de Vigilância II, símbolo TJ-AJV-II, em Assessor de Segurança<br />

II, símbolo, TJ-CTJ-145.


R.T.J. — 202 555<br />

Em 13-5-05, determinei o desentranhamento de petição assinada por advogados<br />

que, sem procuração nos autos, pediam a declaração da perda de objeto da ação em nome<br />

do Governador do Estado da Paraíba.<br />

A fls. 74-76/78, o Governador da Paraíba solicitou a extinção da ação por perda de<br />

objeto, em face da superveniência da Lei estadual 7.679, de 26-10-04.<br />

A Advocacia-Geral da União (fls. 112-116) e a Procuradoria-Geral da República<br />

(fls. 122-125) opinaram pela procedência da ação, “incluindo-se no respectivo objeto os<br />

aditamentos realizados, tendo em vista a jurisprudência desse Egrégio <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong> sobre a matéria” (fl. 115).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhora Presidente, examino preliminarmente,<br />

em relação ao pedido de declaração de inconstitucionalidade das normas<br />

atacadas, a possibilidade de aditamento do pedido inicial, tal como apresentado pelo<br />

eminente Procurador-Geral da República.<br />

O aditamento do pedido na ação direta de inconstitucionalidade foi mais freqüente<br />

na prática desta Casa quando ainda vigentes as normas constitucionais do texto original<br />

de 1988 sobre as medidas provisórias. Tratava-se, acredito, de solução natural que a<br />

Corte adotou para tornar compatíveis as características do controle concentrado tal<br />

como definidas na jurisprudência e a prática institucional das sucessivas reedições de<br />

medidas provisórias nas quais formalmente se altera a norma, mas se protrai seu conteúdo<br />

normativo no tempo por meio de outro ato de mesma hierarquia.<br />

Nesses casos, constatou-se com facilidade que o controle de constitucionalidade<br />

não poderia ser burlado por meras alterações formais do ato atacado. Aliás, nesse sentido,<br />

não sem razão, o Ministro Gilmar Mendes sustentou que não seria adequada a perda de<br />

objeto por falta de aditamento, o que se traduziria, na realidade, em efetiva desistência<br />

da ação direta.<br />

A questão seria assim resolvida quando não se tratasse de pura revogação de uma<br />

norma por outra, o que, de regra, tem acarretado a perda do objeto da ação direta em que<br />

se impugna a norma revogada, salvo nos casos de revogação por medida provisória<br />

pendente de apreciação pelo Congresso Nacional (cf. <strong>ADI</strong> 1.665-MC, Rel. Min. Moreira<br />

Alves, Pleno, DJ de 8-5-98).<br />

Mas não é esse o caso dos autos. A norma não foi revogada. Na verdade, ela foi<br />

alterada, mas com manutenção dos cargos criados e simples alteração da respectiva<br />

denominação, tendo sido mantida a descrição das funções nos termos da norma inicial.<br />

Nesse sentido, é de se entender cabível o pedido de aditamento, tal como já fez a<br />

Corte noutra oportunidade, ao examinar caso semelhante ao presente (cf. <strong>ADI</strong> 1.345,<br />

Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJ de 25-4-03).<br />

Assim, acolho os pedidos de aditamento feitos pelo Procurador-Geral da República.<br />

Sobre o mérito, sem maiores reservas, entendo que assiste razão à Advocacia-Geral<br />

da União e à Procuradoria-Geral da República.


556<br />

R.T.J. — 202<br />

O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> tem interpretado essa norma como exigência de que a<br />

exceção à regra do provimento de cargos por concurso público só se justifica concretamente<br />

com a demonstração – e a devida regulamentação por lei – de que as atribuições<br />

de determinado cargo sejam bem atendidas por meio do provimento em comissão, no<br />

qual se exige relação de confiança entre a autoridade competente para efetuar a nomeação<br />

e o servidor nomeado (<strong>ADI</strong> 1.141, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJ de 29-8-03; <strong>ADI</strong><br />

2.427-MC, Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, DJ de 8-8-03). Esse entendimento já se<br />

consolidara sob a vigência da Constituição anterior (Rp 1.368, Rel. Min. Moreira Alves,<br />

Pleno, julgada em 21-5-87; Rp 1.282, Rel. Min. Octavio Gallotti, Pleno, julgada em 12-<br />

12-85).<br />

Sem maior dificuldade, percebe-se que as posteriores alterações da denominação<br />

dos cargos (Lei 7.679/04 – fl. 46; Lei 7.696/04 – fl. 60) não modificaram a descrição das<br />

respectivas atribuições inicialmente contida na Lei 6.600 (fl. 6), qual seja, de “prestar<br />

serviços de vigilância aos órgãos do Poder Judiciário”. Trata-se de atividades que, como<br />

bem demonstra a Advocacia-Geral da União, “não apresentam caracteres do poder de<br />

comando inerente aos cargos de direção, nem tampouco figuram como uma assessoria<br />

técnica a auxiliar os membros do Poder nomeante a exercerem suas funções” (fl. 31); ou,<br />

como lembra a Procuradoria-Geral da República, não se cuida de atividades que “exigem<br />

habilidade profissional específica” (fl. 36).<br />

Por último, vale ainda observar que, curiosamente, a Lei 6.600 em questão tinha<br />

por manifesta finalidade a extinção de contratos administrativos, com a transformação<br />

deles em funções na estrutura da Secretaria do <strong>Tribunal</strong> de Justiça. Parece, assim, clara a<br />

tentativa de contornar o disposto no art. 37, II, da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

Do exposto, voto pela procedência do pedido e de seus aditamentos, para declarar<br />

a inconstitucionalidade das seguintes normas do Estado da Paraíba:<br />

(i) art. 1º, caput e incisos I e II, da Lei 6.600, de 10-2-98;<br />

(ii) art. 5º da Lei Complementar 57, de 24-12-03;<br />

(iii) Lei 7.679, de 26-10-04;<br />

(iv) Lei 7.696, de 22-12-04.<br />

É como voto.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, só gostaria de aproveitar a oportunidade<br />

para falar de um baralhamento terminológico que se torna, infelizmente, cada<br />

vez mais comum.<br />

A lei dispõe que fica criada, no quadro de que trata a lei número “tal”, a função de<br />

confiança, de provimento em comissão.<br />

Ora, a Constituição, desde sua redação originária, fez a distinção, claríssima, entre<br />

função de confiança e cargo em comissão. Se a cada cargo público corresponde uma<br />

função, a recíproca não é verdadeira. Há função sem cargo. É o tipo da função de confiança,<br />

daí por que a Constituição exige que ela seja ocupada por titular de cargo efetivo de<br />

carreira. Só os titulares de cargos efetivos de carreira é que poderão desempenhar função<br />

de confiança.


R.T.J. — 202 557<br />

Então, vejo esse baralhamento terminológico reproduzido não só em leis municipais,<br />

mas também em estaduais e até em leis federais. Impressionante. Como se a Constituição<br />

não houvesse demarcado os campos terminológicos com tanta precisão.<br />

Acompanho o eminente Relator.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

<strong>ADI</strong> 3.233/PB — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Requerente: Procurador-<br />

Geral da República. Requeridos: Governador do Estado da Paraíba (Advogados:<br />

Irapuan Sobral Filho e outros) e Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba.<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, deu pela<br />

procedência da ação direta. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausente,<br />

justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda<br />

Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,<br />

Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral<br />

da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 10 de maio de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


558<br />

R.T.J. — 202<br />

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.246 — PA<br />

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto<br />

Requerente: Procurador-Geral da República — Requeridos: Governador do Estado<br />

do Pará e Assembléia Legislativa do Estado do Pará<br />

Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Impugnação<br />

do inciso I do art. 5º da Lei 6.489/02, do Estado do Pará.<br />

O dispositivo impugnado previu a possibilidade de concessão de<br />

incentivos fiscais aos empreendimentos arrolados no art. 3º do diploma<br />

legislativo em causa. Ao fazê-lo, contudo, olvidou o disposto na letra g do<br />

inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição <strong>Federal</strong> de 1988, o qual exige<br />

a prévia celebração, nos termos da Lei Complementar 24/75, de convênio<br />

entre os Estados-membros e o Distrito <strong>Federal</strong>.<br />

As regras constitucionais que impõem um tratamento federativamente<br />

uniforme em matéria de ICMS não representam desrespeito à autonomia<br />

dos Estados-membros e do Distrito <strong>Federal</strong>. Isso porque o próprio<br />

artigo constitucional de número 18, que veicula o princípio da autonomia<br />

dos entes da Federação, de logo aclara que esse princípio da autonomia já<br />

nasce balizado por ela própria, Constituição.<br />

Ação direta de inconstitucionalidade que se julga procedente para<br />

emprestar interpretação conforme ao inciso I do art. 5º da Lei 6.489/02,<br />

do Estado do Pará, de modo que se excluam da sua aplicação os créditos<br />

relativos ao ICMS que não tenham sido objeto de anterior convênio entre<br />

os Estados-membros e o Distrito <strong>Federal</strong>.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, por seu <strong>Tribunal</strong> Pleno, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade<br />

da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, julgar<br />

procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade do inciso I do art. 5º da Lei<br />

6.489, de 27 de setembro de 2002, do Estado do Pará, para aplicar-lhe interpretação<br />

conforme à Constituição <strong>Federal</strong>, no sentido de que sejam excluídos do âmbito da sua<br />

aplicação os créditos relativos ao ICMS que não tenham sido objeto de convênio entre<br />

os Estados da Federação, tudo nos termos do voto do Relator.<br />

Brasília, 19 de abril de 2006 — Carlos Ayres Britto, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: O então Procurador-Geral da República, Prof.<br />

Cláudio Lemos Fonteles, ajuizou a presente ação direta de inconstitucionalidade, em<br />

face do inciso I do art. 5º da Lei 6.489/02, do Estado do Pará.


2. É do teor seguinte o dispositivo impugnado:<br />

R.T.J. — 202 559<br />

Art. 5º São instrumentos de aplicação desta Lei:<br />

I - incentivos fiscais, a serem concedidos aos empreendimentos previstos no art. 3º 1 , nas<br />

seguintes modalidades:<br />

a) isenção;<br />

b) redução da base de cálculo;<br />

c) diferimento;<br />

d) crédito presumido;<br />

e) suspensão.<br />

3. O Requerente sustentou que o texto normativo sob censura não fez nenhuma<br />

ressalva expressa quanto à concessão de benefícios fiscais em relação aos créditos de<br />

ICMS, para a qual se exige, nos termos do art. 155, § 2º, inciso XII, letra g, da Cartacidadã,<br />

celebração de convênio entre os Estados-membros. Aduz que, nos termos do<br />

preceito constitucional que entende violado, a celebração de convênio interestadual,<br />

como instrumento de formalização de prévio consenso entre as unidades federadas<br />

investidas de competência tributária em matéria de ICMS, é pressuposto de validade da<br />

concessão de incentivos fiscais quanto ao referido tributo. Por outro lado, averba que a<br />

finalidade da exigência constitucional é impedir a denominada “guerra fiscal” entre os<br />

Estados-membros.<br />

4. Pois bem, depois de declinar os fundamentos jurídicos que dão suporte ao manejo<br />

da presente ação direta, o suplicante deduziu a sua pretensão. E o fez para requerer seja<br />

conferida ao inciso I do art. 5º da Lei paraense 6.489/02 interpretação conforme a Constituição,<br />

de modo que se excluam de sua aplicação os créditos relativos ao ICMS que<br />

não tenham sido objeto de convênio anteriormente celebrado pelos Estados-membros.<br />

5. Prossigo no relatório para consignar que as informações foram tempestivamente<br />

prestadas pelos Requeridos. O primeiro deles, Assembléia Legislativa do Estado do<br />

Pará, afirma que a elaboração do texto normativo ora adversado obedeceu ao processo<br />

legislativo constitucional pertinente. Diz, ainda, que, na elaboração do projeto de que<br />

resultou a Lei 6.489/02, o Poder Legiferante paraense exerceu o controle preventivo de<br />

constitucionalidade, contribuindo, destarte, para aperfeiçoar a mencionada proposta<br />

legislativa.<br />

6. A seu turno, o Chefe do Poder Executivo paraense sustenta, de início, que o<br />

Estado do Pará, diferentemente de outros membros da Federação, tem sérias dificuldades<br />

de atrair a iniciativa privada para investir na atividade produtiva. Alega, de outra parte,<br />

que a exigência constitucional de lei complementar e convênio interestadual para validar<br />

a concessão de incentivos fiscais viola a autonomia dos Estados-membros. Por esse<br />

motivo, o segundo Requerido entende que a solução da presente causa passa pela<br />

compatibilização desses princípios constitucionais aparentemente conflitantes. Pugna,<br />

enfim, pela improcedência dos pedidos que se contêm no bojo da presente ação.<br />

1 “Art. 3º Os incentivos de que trata esta Lei serão destinados aos empreendimentos:<br />

I - agropecuários, de pesca e aqüicultura, madeireiros florestais e reflorestamentos, minerários,<br />

agroindustriais e tecnológicos integrados ao processo de verticalização da produção no Estado;<br />

II - dos setores comércio, transporte, energia, comunicação e turismo;<br />

III - que promovam inovação tecnológica;<br />

IV - outros de interesse do desenvolvimento estratégico do Estado.”


560<br />

R.T.J. — 202<br />

7. À fl. 193, adotei o rito previsto no art. 12 da Lei 9.868/99, razão pela qual abri<br />

vista, sucessivamente, ao digno Advogado-Geral da União e à douta Procuradoria-Geral<br />

da República, os quais se manifestaram pela procedência da pretensão.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Feito o relatório, passo ao voto.<br />

Fazendo-o, anoto que, em se tratando de ICMS, a Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 exige<br />

que a concessão e a revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais sejam precedidas<br />

da celebração de convênio entre os Estados-membros e o Distrito <strong>Federal</strong>, nos termos<br />

de lei complementar 2 . Isso para evitar que a concessão unilateral de favores fiscais<br />

desemboque em predatória competição entre os Estados-membros e o Distrito <strong>Federal</strong>.<br />

10. Nesse diapasão, também anoto que a jurisprudência deste egrégio <strong>Tribunal</strong> é<br />

firme na repressão à “guerra fiscal” entre as unidades federadas. Confira-se:<br />

I - A concessão unilateral, por Estado-membro ou pelo Distrito <strong>Federal</strong>, de isenções,<br />

incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS, sem a prévia celebração de convênio<br />

intergovernamental, nos termos do que dispõe a LC 24/75, afronta o art. 155, § 2º, XII, g, da<br />

Constituição <strong>Federal</strong>. Precedentes.<br />

(<strong>ADI</strong> 1.308, Rel. Min. Ellen Gracie.)<br />

11. Nesse mesmo sentido, vejam-se as <strong>ADI</strong> 930-MC, Rel. Min. Celso de Mello;<br />

286, Rel. Min. Maurício Corrêa; 1.276, Rel. Min. Ellen Gracie; 2.823-MC, Rel. Min.<br />

Ilmar Galvão; 128-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; 902-MC, Rel. Min. Marco Aurélio,<br />

entre outras.<br />

12. Aqui, no âmbito de incidência da presente ação direta de inconstitucionalidade,<br />

dúvida não há quanto ao fato de que o texto normativo ora impugnado dispôs sobre a<br />

concessão de incentivos fiscais aos empreendimentos arrolados no art. 3º da Lei 6.489/02 3 .<br />

Ao fazê-lo, contudo, olvidou o disposto no art. 155, § 2º, XII, g, da Constituição Republicana,<br />

exigente de prévia celebração (nos termos da Lei Complementar 24/75) de<br />

convênio entre os Estados-membros e o Distrito <strong>Federal</strong>. Exigência constitucional que<br />

2 A Lei Complementar 24, de 7 de janeiro de 1975 dispõe sobre os convênios para a concessão de<br />

isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias. Registre-se, por oportuno,<br />

que o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> já firmou o entendimento de que esse instrumento normativo foi<br />

recebido pela atual Carta da República. A esse respeito, veja-se o decidido na <strong>ADI</strong> 1.179, Rel. Min.<br />

Carlos Velloso.<br />

3 “Art. 3º Os incentivos de que trata esta Lei serão destinados aos empreendimentos:<br />

I - agropecuários, de pesca e aqüicultura, madeireiros florestais e reflorestamentos, minerários,<br />

agroindustriais e tecnológicos integrados ao processo de verticalização da produção no Estado;<br />

II - dos setores comércio, transporte, energia, comunicação e turismo;<br />

III - que promovam inovação tecnológica;<br />

IV - outros de interesse do desenvolvimento estratégico do Estado.”


R.T.J. — 202 561<br />

termina por evitar que a renúncia estadual de receita quanto ao imposto que seria devido<br />

numa dada operação venha a sobreonerar o sujeito passivo já situado no Estado de<br />

eventual destinação da mercadoria. Sim, porque, uma vez operada a renúncia unilateral<br />

de receita do ICMS, ofendido fica o direito de tal sujeito passivo vir a compensar, na<br />

operação imediatamente posterior, o valor do imposto que seria devido no âmbito do<br />

Estado renunciante. Tudo a contrariar, já se vê, o princípio da não-cumulatividade em<br />

tema de ICMS.<br />

13. Não é tudo, porque ainda me resta fazer uma breve observação. É que, bem ao<br />

contrário do que sustenta o Governador do Estado do Pará, as regras constitucionais que<br />

impõem um tratamento federativamente uniforme em matéria de ICMS não representam<br />

um desrespeito à autonomia dos Estados. É que o próprio artigo constitucional de número<br />

18, que veicula o princípio da autonomia dos entes da Federação, de logo aclara que esse<br />

princípio da autonomia já nasce balizado por ela própria, Constituição, a teor do seguinte<br />

relato:<br />

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende<br />

a União, os Estados, o Distrito <strong>Federal</strong> e os Municípios, todos autônomos, nos termos<br />

desta Constituição.<br />

(Original sem negritos.)<br />

14. Nessa ampla moldura, o meu voto é pela procedência do pedido que se contém<br />

na presente ação direta de inconstitucionalidade, para emprestar interpretação<br />

conforme ao inciso I do art. 5º da Lei 6.489/02, do Estado do Pará, de modo a excluir da<br />

sua aplicação os créditos relativos ao ICMS que não tenham sido objeto de anterior<br />

convênio entre os Estados-membros e o Distrito <strong>Federal</strong>.<br />

15. É como voto.<br />

DEBATE<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O curioso, no caso, é que o Estado pretende se<br />

dê efeito prospectivo à declaração de inconstitucionalidade, para não cobrar imposto.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Para não cobrar das empresas lá instaladas.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Aí é por causa da segurança jurídica, já que houve<br />

o benefício fiscal.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Eu sei, compreendo as razões econômicas<br />

subjacentes.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas é um assunto tão induvidoso, tão pacífico.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É tão pacífica a jurisprudência do <strong>Tribunal</strong>.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: E isso pode até se tornar um modelo de política<br />

extralegal.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Dada a decalagem entre a feitura da lei e a sua<br />

eventual contestação.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A jurisprudência começa no início de 1989,<br />

com a questão do leite de Minas Gerais.


562<br />

R.T.J. — 202<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro Relator, o que Vossa Excelência diz no<br />

tocante à primeira parte, quanto ao Distrito <strong>Federal</strong>?<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Apenas que o convênio, segundo a Constituição,<br />

há de ser celebrado entre os Estados, mas aí incluído o Distrito <strong>Federal</strong> como<br />

unidade federativa. Os convênios hão de ser celebrados entre os Estados consigo mesmos,<br />

e com o Distrito <strong>Federal</strong>. É uma regra de extensão. Nós sabemos que o Distrito<br />

<strong>Federal</strong> é uma unidade federativa, mas em rigor nem é Estado nem é Município, é Distrito<br />

<strong>Federal</strong>, a categoria é essa. É como o inquérito policial; ele não é processo judicial<br />

nem administrativo, é inquérito policial mesmo.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, penso que o dispositivo<br />

constitucional em questão é muito claro: exige prévio acordo entre os Estados e o<br />

Distrito <strong>Federal</strong>. Louvo o esforço do eminente Procurador-Geral do Estado, mas entendo<br />

que as questões de conveniência, oportunidade econômica, política ou administrativa,<br />

não podem ser consideradas por esta Corte.<br />

Em relação ao efeito prospectivo, trata-se de renúncia de receitas públicas de forma<br />

inconstitucional. Isso não pode ser referendado por esta Corte, porque, conforme já foi<br />

dito, abriria um precedente muito perigoso.<br />

Portanto, acompanho in totum o voto do Ministro Relator.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, conforme havia observado no<br />

curso dos debates, não me causa estranheza o pedido do Estado do Pará quanto à eventual<br />

atribuição de eficácia limitada à declaração de inconstitucionalidade tendo em vista a<br />

eventual repercussão que a decisão possa ter sobre os empreendimentos em curso, aqueles<br />

que eventualmente obtiveram o tal benefício. E, pelo fato de haver ou não inconstitucionalidade,<br />

o art. 27 presume o quadro de inconstitucionalidade. Logo, a argüição de<br />

inconstitucionalidade não é efeito inibitório para o fim de aplicação deste artigo, pelo<br />

contrário, o supõe. Só nos casos de inconstitucionalidade é que vamos cogitar do art. 27.<br />

Todavia – aqui temos aqueles casos chamados pelo Ministro Sepúlveda Pertence de<br />

“chapada a inconstitucionalidade”; nós não lemos mais relatório e voto –, todos os<br />

Estados estão absolutamente avisados de se tratar de inconstitucionalidade evidente à<br />

luz da jurisprudência tradicional do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, desde 1989, conforme<br />

explicitado pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence.<br />

De modo que, nesse sentido, parece-me não ter razão, não se pode dar guarida ao<br />

pedido de aplicação do art. 27, até porque – é fundamental que desenvolvamos uma<br />

doutrina em torno da aplicação do art. 27 –, em geral, ter-se-á de invocar algum princípio<br />

constitucional a justificar o afastamento do princípio da nulidade da lei inconstitucional,<br />

o qual nós supomos ser de índole constitucional. Num caso tributário discutido no<br />

ano passado, lembro-me que se configurou uma situação, depois houve embargos de<br />

declaração do professor Ives, o qual de fato poderia justificar a aplicação da eficácia ex<br />

nunc, porque se tratava do critério de distribuição do ICMS para os Municípios. É que,


R.T.J. — 202 563<br />

depois de anos de realização daquele modelo, o Estado teria dificuldade de resgatar o<br />

que pagara indevidamente aos Municípios – trata-se da disputa entre os municípios do<br />

Estado do Amazonas, salvo engano. Por outro lado, ele não teria recursos para destinar<br />

àqueles Municípios que seriam mais bem aquinhoados. Portanto, as situações podem se<br />

configurar de maneira muito diferenciada. Temos visto os casos que envolvem segurança<br />

jurídica, mudança do entendimento do <strong>Tribunal</strong>, conforme ocorrido no caso da progressão<br />

de regime ou no caso de crime hediondo. Assim podemos ter, de fato, situações as<br />

mais diversas. Entretanto, no caso específico, não consigo vislumbrar qualquer fundamento<br />

constitucional que pudesse justificar a não-aplicação do princípio da nulidade.<br />

Por isso, acompanho o voto do Relator, mas com esses fundamentos.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

<strong>ADI</strong> 3.246/PA — Relator: Ministro Carlos Britto. Requerente: Procurador-Geral<br />

da República. Requeridos: Governador do Estado do Pará e Assembléia Legislativa do<br />

Estado do Pará.<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a<br />

inconstitucionalidade do inciso I do art. 5º da Lei 6.489, de 27 de setembro de 2002, do<br />

Estado do Pará, para aplicar-lhe interpretação conforme à Constituição <strong>Federal</strong>, no<br />

sentido de que sejam excluídos do âmbito da sua aplicação os créditos relativos ao<br />

ICMS que não tenham sido objeto de convênio entre os Estados da Federação, tudo nos<br />

termos do voto do Relator. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente<br />

no exercício da Presidência. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello.<br />

Falou pelo Requerido, Governador do Estado do Pará, o Dr. José Aloysio Campos, Procurador-Geral<br />

do Estado.<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente no exercício da Presidência.<br />

Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Gilmar Mendes,<br />

Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski.<br />

Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 19 de abril de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


564<br />

R.T.J. — 202<br />

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.438 — PA<br />

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso<br />

Requerente: Governador do Estado do Pará — Requerida: Assembléia Legislativa<br />

do Estado do Pará<br />

Constitucional. Normas de direito civil: posse. Aquisição de propriedade.<br />

Títulos legitimadores de propriedade. Constituição do Estado do<br />

Pará, art. 316, § 1º e § 2º, e art. 44 do seu ADCT: inconstitucionalidade.<br />

I - Normas que cuidam dos institutos da posse, da aquisição de propriedade<br />

por decurso do tempo (prescrição aquisitiva) e de títulos legitimadores<br />

de propriedade são de direito civil, da competência legislativa<br />

da União. CF, art. 22, I.<br />

II - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade<br />

da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, julgar procedente a<br />

ação para declarar a inconstitucionalidade do art. 316, caput, e seus parágrafos 1º e 2º, da<br />

Constituição do Estado do Pará, bem assim do art. 44 do Ato das Disposições Constitucionais<br />

Transitórias da mesma Carta, nos termos do voto do Relator. Ausentes,<br />

justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Eros Grau.<br />

Brasília, 19 de dezembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Carlos Velloso: O Governador do Estado do Pará, com fundamento<br />

no art. 103, V, da Constituição <strong>Federal</strong>, c/c os arts. 2º, V, e 10 da Lei 9.868/99, propõe<br />

ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de suspensão cautelar, do disposto no<br />

art. 316, caput, § 1º e § 2º, da Constituição do Estado do Pará e do art. 44 do Ato das<br />

Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição estadual, por inconstitucionalidade,<br />

em face dos arts. 22, I, e 191, parágrafo único, da Constituição <strong>Federal</strong>, porquanto<br />

não compete ao Estado do Pará legislar sobre direito civil e agrário.<br />

As normas impugnadas têm o seguinte teor:<br />

Constituição do Estado do Pará:<br />

Art. 316. Todo aquele que possuir terras estaduais, no domínio público ou privado, por<br />

mais de quarenta anos ininterruptos, contados anteriormente a 1º de janeiro de 1917, sem<br />

contestação, adquirirá automaticamente o seu domínio, devendo para este fim tão somente<br />

apresentar no órgão fundiário competente a documentação que comprove essa posse, através de<br />

títulos legítimos, com os respectivos impostos pagos ao Estado.<br />

§ 1º Consideram-se títulos legítimos todos aqueles que, segundo o direito são aptos a<br />

transferir o domínio, como os que derivam de contratos, de atos de última vontade, de decisões<br />

judiciais e da lei.


R.T.J. — 202 565<br />

§ 2º O disposto neste artigo não prejudica outras vantagens ou direitos de que o possuidor<br />

seja titular.<br />

(Fl. 3.)<br />

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado do<br />

Pará:<br />

Art. 44. As áreas de terras sobre as quais existam decisões judiciais de partilha ou de<br />

adjudicação e as respectivas cadeias dominiais comprovem a existência de título legítimo são<br />

consideradas propriedades, devendo a sua regularização no órgão fundiário do Estado, ocorrer<br />

sem nenhum pagamento por parte do interessado.<br />

(Fl. 3.)<br />

Sustenta o Autor, em síntese, o seguinte:<br />

a) violação do art. 22, I, da Constituição <strong>Federal</strong>, dado que compete privativamente<br />

à União legislar sobre direito civil e agrário. Nesse contexto, ressalta que a matéria só<br />

seria passível de legislação estadual se a União, mediante lei complementar, delegasse<br />

aos Estados-membros a prerrogativa de dispor sobre questões específicas, o que não<br />

ocorreu no caso;<br />

b) os artigos impugnados (art. 316 da CE/PA e art. 44 do ADCT-CE/PA) padecem<br />

de inconstitucionalidade, porquanto introduziram no ordenamento jurídico estadual<br />

“uma espécie de usucapião”, criando “uma verdadeira forma especial de aquisição do<br />

domínio pelo particular de terras públicas do Estado do Pará” (fl. 7), que não está prevista<br />

na Constituição <strong>Federal</strong>, tampouco em lei complementar federal anterior;<br />

c) impossibilidade de usucapião de bens públicos, dado que o art. 191, parágrafo<br />

único, da Constituição <strong>Federal</strong> “vedou o acesso à propriedade de terras públicas através<br />

da posse longi temporis praescriptio, a ser declarada por decisão judicial, qualquer que<br />

seja o período de ocupação” (fl. 9);<br />

d) legitimação do domínio de particulares, de maneira fraudulenta, sobre extensas<br />

áreas do patrimônio imobiliário do Estado, visto que, por meio da grilagem, títulos de<br />

terras dadas em sesmarias, posses não confirmadas, partilhas de inventários forjados,<br />

entre outras formas, são registrados nos Cartórios de Registro de Imóveis do Estado do<br />

Pará como títulos legítimos de constituição de domínio (fl. 10); desse modo, a Constituição<br />

estadual privilegiou a posse civil (sem definição de prazos e de forma gratuita), em<br />

desfavor da posse agrária (fls. 10 e 13);<br />

e) configuração do fumus boni juris e do periculum in mora, consubstanciados na<br />

vedação à usucapião de terras públicas e na competência exclusiva da União de legislar<br />

sobre direito civil e agrário, bem como no fato de que os dispositivos impugnados estão<br />

sendo utilizados para fundamentar inúmeras ações judiciais de reconhecimento da<br />

usucapião nos imóveis públicos estaduais (fl. 16).<br />

Ao final, requer o Autor, liminarmente, a suspensão das normas impugnadas e, no<br />

mérito, a procedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.<br />

Solicitadas informações (fls. 30 e 32), na forma do art. 12 da Lei 9.868/99, a Assembléia<br />

Legislativa do Estado do Pará as prestou (fls. 35-48), sustentando, em síntese, o<br />

seguinte:


566<br />

R.T.J. — 202<br />

a) ausência de violação do art. 22, I, da Constituição <strong>Federal</strong>, mormente porque o<br />

constituinte originário estadual, consoante permissivo contido no art. 26, IV, da CF,<br />

dispôs sobre as terras devolutas não compreendidas entre as da União, sendo certa a<br />

inexistência de introdução de espécie nova de usucapião não prevista constitucionalmente;<br />

b) se os Estados só pudessem legislar sobre os seus bens mediante lei “autorizativa”<br />

da União, “estaria ferida de morte” a organização político-administrativa da República<br />

(art. 18 da CF), bem como a autonomia dos entes federados (fls. 40 e 41);<br />

c) existência de leis específicas que regem a matéria: Lei 4.504/64 (Estatuto da<br />

Terra) e Lei 6.969/81, que dispõem sobre a usucapião especial de imóveis rurais;<br />

d) o art. 316 da Constituição estadual “traça apenas o modus faciendi do possuidor<br />

de terras devolutas (...), fazendo a distinção entre legitimação e o usucapião” (fl. 42), e o<br />

art. 44 do ADCT é norma transitória que se exaure no tempo, dado que “regulou situações<br />

criadas anteriormente à promulgação” da Constituição estadual (fl. 43), a fim de<br />

disciplinar para o futuro a forma como se dará a atuação do Instituto de Terras do Pará,<br />

que executará os atos administrativos para “reconhecer ao particular a sua condição de<br />

legítimo possuidor, outorgando-lhe ao final o formal domínio pleno” (fl. 46);<br />

e) impossibilidade da concessão de liminar em razão da não-configuração do<br />

fumus boni juris e do periculum in mora. Ademais, se concedida a liminar, inúmeras<br />

ações julgadas procedentes pelo Poder Judiciário do Estado, com base nos dispositivos<br />

impugnados, serão passíveis de nulidade, o que acarretará prejuízos irreparáveis (fl. 45).<br />

O ilustre Advogado-Geral da União, Dr. Álvaro Augusto Ribeiro Costa, considerando<br />

que existe afronta à competência legislativa privativa da União, porque os dispositivos<br />

impugnados cuidam da aquisição da propriedade, manifesta-se pela procedência<br />

da ação direta de inconstitucionalidade (fls. 50-53).<br />

A Procuradoria-Geral da República, em parecer lavrado pelo então Procurador-<br />

Geral da República, Prof. Cláudio Fonteles, opina pela procedência da presente ação<br />

direta de inconstitucionalidade (fls. 55-58).<br />

É o relatório, do qual serão expedidas cópias aos Exmos. Srs. Ministros.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade<br />

proposta pelo Governador do Estado do Pará, objetivando a declaração de inconstitucionalidade<br />

do art. 316, caput, § 1º e § 2º, da Constituição do Estado e do art. 44<br />

do seu ADCT.<br />

Oficiando nos autos, assim se manifestou o então Procurador-Geral da República,<br />

Prof. Cláudio Fonteles:<br />

6. Depreende-se da análise dos autos, que o Estado do Pará ao dispor sobre a propriedade,<br />

ou seja, sobre direito civil, violou, inadvertidamente, o artigo 22, inciso I, da Constituição<br />

<strong>Federal</strong>. À mingua da necessária competência legislativa, não poderia o Estado do Pará por meio<br />

de sua Assembléia Legislativa, através de sua Constituição Estadual, dispor de matéria de direito<br />

civil. Em virtude de esse assunto estar constitucionalmente previsto no campo de competência<br />

privativa da União, somente lei federal poderia legislar sobre a matéria de direito civil. Ao fazêlo<br />

incorreu em manifesta inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa.


R.T.J. — 202 567<br />

7. Ademais, não há autorização por meio de legislação federal complementar autorizando<br />

o Estado do Pará a legislar sobre a matéria específica relativa a domínio de particulares sobre<br />

bens públicos.<br />

8. Manifesta-se a jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> no sentido da competência<br />

privativa da União de legislar sobre as matérias relacionadas à propriedade, por ser tema de<br />

direito civil:<br />

“Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 1º da Lei 1.094/96, do Distrito <strong>Federal</strong>.<br />

Alegada violação aos arts. 5º, XXII, e 22, I da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

Norma que, dispondo sobre o direito de propriedade, regula matéria de direito<br />

civil, caracterizando evidente invasão de competência legislativa da União. Precedente.<br />

Ação julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade da expressão “privadas ou<br />

contidas no art. 1º da lei distrital sob enfoque” (<strong>ADI</strong> 1472. Rel Min. Ilmar Galvão. DJ de<br />

25.10.2002)<br />

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei estadual. Proibição de plantio de<br />

eucalipto para fins de produção de celulose. Discriminação. Impossibilidade. Afronta aos<br />

postulados da isonomia e da razoabilidade direito de propriedade tema de direito civil.<br />

Competência privativa da União.<br />

1. Vedação de plantio de eucalipto no Estado do Espírito Santo, exclusivamente<br />

quando destinado à produção de celulose. Ausência de intenção de controle ambiental.<br />

Discriminação entre os produtores rurais apenas em face da destinação final do produto da<br />

cultura, sem qualquer razão de ordem lógica para tanto. Afronta ao princípio da isonomia.<br />

2. Direito de propriedade. Garantia constitucional. Restrição sem justo motivo. Desvirtuamento<br />

dos reais objetivos da função legislativa. Caracteriza a violação ao postulado da<br />

proporcionalidade. 3. Norma que regula direito de propriedade. Direito Civil. Competência<br />

privativa da União para legislar sobre o tema (CF art. 22, I). Precedentes, Presença dos<br />

requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. Pedido cautelar deferido” (<strong>ADI</strong><br />

2.623 MC/ES, Rel. Min. Maurício Côrrea, DJ de 14.11.2003)<br />

9. Sendo assim, os atos normativos estaduais impugnados por tratarem de matéria típica de<br />

direito civil, quais sejam posse e aquisição da propriedade por decurso de tempo e seus títulos<br />

legitimadores, incorreram em manifesta inconstitucionalidade formal.<br />

(Fls. 56-58.)<br />

Está correto o parecer.<br />

As disposições da Constituição do Estado do Pará, objeto da causa, art. 316, caput<br />

e seus parágrafos 1º e 2º, e bem assim o art. 44 do ADCT da mesma Carta, são de direito<br />

civil, porque cuidam dos institutos da posse, da aquisição de propriedade por decurso do<br />

tempo (prescrição aquisitiva) e dos títulos legitimadores de propriedade. São, portanto,<br />

inconstitucionais, presente a norma do art. 22, I, da Constituição <strong>Federal</strong>, que estabelece<br />

a competência privativa da União para legislar sobre direito civil.<br />

Do exposto, julgo procedente a ação e declaro a inconstitucionalidade do art. 316,<br />

caput e seus parágrafos 1º e 2º, da Constituição do Estado do Pará e, bem assim, do art. 44<br />

do seu ADCT.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

<strong>ADI</strong> 3.438/PA — Relator: Ministro Carlos Velloso. Requerente: Governador do<br />

Estado do Pará. Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Pará.<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a<br />

inconstitucionalidade do art. 316, caput e seus parágrafos 1º e 2º, da Constituição do<br />

Estado do Pará, bem assim do art. 44 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias<br />

da mesma Carta, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro Nelson<br />

Jobim. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Eros Grau.


568<br />

R.T.J. — 202<br />

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda<br />

Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,<br />

Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando<br />

Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 19 de dezembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


R.T.J. — 202 569<br />

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.599 — DF<br />

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes<br />

Requerente: Presidente da República — Requerido: Congresso Nacional — Interessado:<br />

Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo e do <strong>Tribunal</strong> de Contas da União –<br />

SINDILEGIS<br />

Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Leis federais 11.169/05 e<br />

11.170/05, que alteram a remuneração dos servidores públicos integrantes<br />

dos Quadros de Pessoal da Câmara dos Deputados e do Senado <strong>Federal</strong>. 3.<br />

Alegações de vício de iniciativa legislativa (arts. 2º; 37, X; e 61, § 1º, II, a,<br />

da Constituição <strong>Federal</strong>); desrespeito ao princípio da isonomia (art. 5º,<br />

caput, da Carta Magna); e inobservância da exigência de prévia dotação<br />

orçamentária (art. 169, § 1º, da CF). 4. Não configurada a alegada<br />

usurpação de iniciativa privativa do Presidente da República, tendo em<br />

vista que as normas impugnadas não pretenderam a revisão geral anual<br />

de remuneração dos servidores públicos. 5. Distinção entre reajuste<br />

setorial de servidores públicos e revisão geral anual da remuneração dos<br />

servidores públicos: necessidade de lei específica para ambas as situações.<br />

6. Ausência de violação ao princípio da isonomia, porquanto normas que<br />

concedem aumentos para determinados grupos, desde que tais reajustes<br />

sejam devidamente compensados, se for o caso, não afrontam o princípio<br />

da isonomia. 7. A ausência de dotação orçamentária prévia em legislação<br />

específica não autoriza a declaração de inconstitucionalidade da lei,<br />

impedindo tão-somente a sua aplicação naquele exercício financeiro. 8.<br />

Ação direta não conhecida pelo argumento da violação do art. 169, § 1º,<br />

da Carta Magna. Precedentes: <strong>ADI</strong> 1.585/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,<br />

unânime, DJ de 3-4-98; <strong>ADI</strong> 2.339/SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, unânime,<br />

DJ de 1º-6-01; <strong>ADI</strong> 2.343/SC, Rel. Min. Nelson Jobim, maioria, DJ de 13-<br />

6-03. 9. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente conhecida e,<br />

na parte conhecida, julgada improcedente.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade<br />

da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, conhecer em<br />

parte da ação e, na parte conhecida, julgá-la improcedente, nos termos do voto do<br />

Relator.<br />

Brasília, 21 de maio de 2007 — Ministro Gilmar Mendes, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se da primeira ação direta de inconstitucionalidade,<br />

proposta pelo Presidente da República. A ação foi ajuizada, com pedido de


570<br />

R.T.J. — 202<br />

medida liminar, em face das Leis 11.169/05 e 11.170/05, que alteram a remuneração dos<br />

servidores públicos integrantes dos Quadros de Pessoal da Câmara dos Deputados e do<br />

Senado <strong>Federal</strong>.<br />

As referidas leis possuem o seguinte teor:<br />

Lei nº 11.169, de 2 de setembro de 2005.<br />

Faço saber que o Congresso Nacional rejeitou o veto total aposto ao Projeto de Lei da<br />

Câmara nº 1, de 2005 (PL nº 4.712, de 2005, na Câmara dos Deputados), e eu, Renan Calheiros,<br />

Presidente do Senado <strong>Federal</strong>, nos termos do § 7º do art. 66 da Constituição <strong>Federal</strong>, promulgo<br />

a seguinte Lei:<br />

Art. 1º Fica alterada em 15% (quinze por cento), a partir de 1º de novembro de 2004, a<br />

remuneração dos servidores públicos da Câmara dos Deputados.<br />

Parágrafo único. Ficam revogados, no âmbito da Câmara dos Deputados, os efeitos do<br />

Ato Conjunto nº 1, de 2004, das Mesas Diretoras do Senado <strong>Federal</strong> e da Câmara dos Deputados.<br />

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.<br />

Lei nº 11.170, de 2 de setembro de 2005<br />

Altera a remuneração dos servidores públicos integrantes dos Quadros de Pessoal do<br />

Senado <strong>Federal</strong>.<br />

Faço saber que o Congresso Nacional rejeitou o veto total aposto ao Projeto de Lei do<br />

Senado nº 371, de 2004 (PL nº 4.845, de 2005, na Câmara dos Deputados), e eu, Renan<br />

Calheiros, Presidente do Senado <strong>Federal</strong>, nos termos do § 7º do art. 66 da Constituição <strong>Federal</strong>,<br />

promulgo a seguinte Lei:<br />

Art. 1º É alterada em 15% (quinze por cento), a partir de 1º de novembro de 2004, a<br />

remuneração dos servidores públicos do Senado <strong>Federal</strong> e dos seus Órgãos Supervisionados.<br />

Parágrafo único. São declarados insubsistentes, no âmbito do Senado <strong>Federal</strong> e dos seus<br />

Órgãos Supervisionados, os efeitos do Ato Conjunto nº 1, de 2004, das Mesas da Câmara dos<br />

Deputados e do Senado <strong>Federal</strong>.<br />

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.<br />

O Presidente da República sustenta que as leis são inconstitucionais por vício de<br />

iniciativa (arts. 2º; 37, X; e 61, § 1º, II, a, da CF/88), por terem desrespeitado o princípio<br />

da isonomia (art. 5º, caput, da CF/88) e por não terem observado a obrigação de prévia<br />

dotação orçamentária (art. 169, §1º, da CF/88).<br />

As informações solicitadas, nos termos do art. 10 da Lei 9.868/99, foram prestadas.<br />

Nas informações da Advocacia do Senado <strong>Federal</strong>, juntadas aos presentes autos<br />

pelo Presidente do Congresso Nacional, argumenta-se que:<br />

a) ao contrário do alegado na petição inicial, as leis impugnadas não cuidam de<br />

revisão geral anual prevista na parte final do inciso X do art. 37 da Constituição <strong>Federal</strong>,<br />

uma vez que elas somente alteram os vencimentos de servidores do Congresso Nacional,<br />

com fundamento na parte inicial no mesmo inciso X do art. 37 da Constituição;<br />

b) não foi desrespeitado o princípio da separação de poderes nem o princípio da<br />

isonomia, pois o exercício de competência constitucionalmente estabelecida não afronta<br />

a divisão funcional de poder, principalmente em virtude da autonomia administrativa<br />

que existe entre eles;<br />

c) no que tange à suposta ausência de previsão orçamentária, argumenta-se, com<br />

apoio em precedentes do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, que lei que concede aumento subordinado<br />

à existência de dotação orçamentária suficiente e de autorização específica na lei<br />

de diretrizes orçamentárias não está sujeita à aferição de constitucionalidade por meio<br />

de controle abstrato. Mesmo que estivesse sujeita ao crivo do controle abstrato, a


R.T.J. — 202 571<br />

inobservância das restrições constitucionais relativas à autorização orçamentária não<br />

induziria à inconstitucionalidade da lei, impedindo apenas a sua execução no exercício<br />

financeiro respectivo (fls. 34-47).<br />

Da mesma forma, nas informações encaminhadas pelo Presidente da Câmara dos<br />

Deputados, afirma-se que:<br />

a) não é possível manejar a ação direta de inconstitucionalidade para impugnar lei<br />

de efeitos concretos cuja análise de constitucionalidade depende de cotejo com outras<br />

normas infraconstitucionais;<br />

b) não há vício de iniciativa, nem ofensa à separação de poderes, pois as normas<br />

impugnadas foram editadas no exercício das competências das respectivas Casas<br />

Legislativas (arts. 51, IV, e 52, XIII, da CF/88), com a finalidade de reajustar a remuneração<br />

dos servidores desses órgãos. Também não há qualquer afronta ao princípio da<br />

isonomia, pois não se tratava de revisão geral de remuneração;<br />

c) não se caracteriza afronta ao art. 169, § 1º, da CF/88, porquanto, no ano em que<br />

foi prevista pela primeira vez a despesa (2004), foram atendidas as exigências do referido<br />

dispositivo constitucional, de forma que eventuais insuficiências de dotação orçamentária<br />

para os exercícios subseqüentes podem ser resolvidas na forma dos arts. 166<br />

(projetos de crédito adicional) e 165, § 8º (abertura de créditos suplementares), da Constituição<br />

de 1988 (fls. 49-64).<br />

O Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo e do <strong>Tribunal</strong> de Contas da União<br />

requereu seu ingresso no feito na qualidade de amicus curiae (fls. 211-229), o que foi<br />

deferido (fls. 259-263).<br />

Considerando a relevância da matéria, adotei o rito do art. 12 da Lei 9.868/99, com<br />

a finalidade de submetê-la de imediato ao Plenário desta Corte para julgamento (fl. 266).<br />

A Advocacia-Geral da União manifestou-se pela inconstitucionalidade das Leis<br />

11.169 e 11.170, sustentando violação da iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo<br />

para desencadear o processo de revisão geral anual de remuneração dos servidores<br />

públicos (arts. 37, X; e 61, § 1º, II, a, da Lei Fundamental), violação dos princípios da<br />

separação de poderes e da isonomia (arts. 3º e 5º, caput, da Carta de 1988) e violação do<br />

§ 1º do art. 169 da Constituição da República (fls. 279-293).<br />

O Ministério Público, em parecer do Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza,<br />

opinou pela procedência da ação direta, por entender que “(...) as leis impugnadas, ao<br />

disporem sobre revisão geral e anual da remuneração dos servidores da Câmara <strong>Federal</strong><br />

e do Senado, malferem o princípio da isonomia, consagrado no art. 5º, e as normas<br />

inscritas nos artigos 37, X e 61, § 1º, II, a, da Constituição <strong>Federal</strong>” (fls. 295-298).<br />

É o relatório, do qual a Secretaria distribuirá cópia aos demais Ministros.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator):<br />

1. Objeto e razões da ação direta de inconstitucionalidade<br />

A discussão dos autos sobre a constitucionalidade das Leis 11.169/05 e 11.170/05,<br />

que alteraram, elevando em 15% (quinze por cento), a remuneração dos servidores da<br />

Câmara dos Deputados e do Senado <strong>Federal</strong>, gira em torno de três argumentos principais:


572<br />

R.T.J. — 202<br />

a) usurpação de iniciativa do Presidente da República para apresentar projeto de lei<br />

de revisão geral da remuneração de servidores públicos e, conseqüentemente, afronta ao<br />

princípio da separação de poderes (afronta aos arts. 2º; 37, X; e 61, § 1º, II, a, da CF/88);<br />

b) ofensa ao princípio da isonomia (art. 5º, caput, da CF/88), ao conceder a parcela<br />

do funcionalismo público (servidores das Casas Legislativas) reajuste remuneratório de<br />

15% (quinze por cento), o qual não fora concedido aos demais servidores públicos<br />

federais;<br />

c) desrespeito à regra constitucional que obriga a existência de prévia dotação orçamentária<br />

para leis que instituam novas despesas (violação do art. 169, § 1º, da CF/88).<br />

2. Vício de iniciativa – projeto de lei que altera remuneração – violação do art. 61,<br />

§ 1º, II, a, da CF/88<br />

As normas que são objeto da presente ação direta alteram remuneração dos servidores<br />

das duas Casas Legislativas, majorando-a em 15% (quinze por cento). Não há<br />

dúvida, portanto, de que não se trata de norma que pretendeu revisão geral anual de<br />

remuneração dos servidores públicos, mas de norma específica, das respectivas Casas<br />

Legislativas, concedendo majoração de remuneração a seus servidores.<br />

A Constituição <strong>Federal</strong>, em seu art. 37, X, na redação que lhe foi dada pela Emenda<br />

Constitucional 19/98, estabeleceu expressamente que a remuneração dos servidores<br />

públicos somente poderá ser fixada ou alterada por lei específica, observada a iniciativa<br />

privativa em cada caso. Essa situação distingue-se daquela que, já prevista na redação<br />

original da Constituição, estabelecia revisão geral anual, sempre na mesma data, e sem<br />

distinção de índices, para todos os servidores públicos.<br />

Note-se que, na fórmula constitucional anterior à Emenda 19/98, o texto constitucional<br />

afirmava que “a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção<br />

de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á na mesma data” (art.<br />

37, X, CF/88). Não havia qualquer referência à necessidade de lei específica, nem menção<br />

à iniciativa privativa em cada caso para alteração remuneratória.<br />

Assim, não há ofensa ao referido dispositivo, nem mácula ao art. 61, § 1º, II, a, da<br />

Constituição pelo fato de as normas impugnadas serem de iniciativa das respectivas<br />

Casas Legislativas. É a própria Constituição, também após as alterações mencionadas,<br />

advindas da Emenda Constitucional 19/98, que lhes dá tal prerrogativa:<br />

Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:<br />

(...)<br />

IV - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou<br />

extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da<br />

respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias;<br />

Art. 52. Compete privativamente ao Senado <strong>Federal</strong>:<br />

(...)<br />

XIII - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou<br />

extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da<br />

respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias;


R.T.J. — 202 573<br />

Por fim, também não há que falar em ofensa ao princípio da separação de poderes,<br />

pois, conforme demonstrado, é a própria Constituição que estabelece as competências<br />

nesse âmbito.<br />

O pedido da ação direta, por esses fundamentos, não merece ser acolhido.<br />

3. Princípio da isonomia – ofensa ao art. 5º, caput, da CF/88<br />

A concessão de aumento de remuneração a um grupo restrito de funcionários<br />

públicos, sem que seja concedido a outro(s) grupo(s), sempre suscita debates e ampla<br />

discussão. O tema não é novo na jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

No caso dos autos, a alegação do Autor de que outros segmentos do funcionalismo<br />

público irão pleitear, ao fundamento de isonomia, alteração remuneratória equivalente<br />

à que foi concedida aos servidores da Câmara dos Deputados e do Senado <strong>Federal</strong> não se<br />

revela suficientemente consistente para sustentar a tese da inconstitucionalidade dos<br />

referidos diplomas normativos. Na verdade, se o texto constitucional previu (arts. 51, IV,<br />

e 52, XIII) a competência privativa das Casas Legislativas para a iniciativa de lei que<br />

fixe a remuneração de seus servidores, é porque estava privilegiando a autonomia administrativo-financeira<br />

desses órgãos.<br />

Afirmar a inconstitucionalidade das normas ora impugnadas – editadas com<br />

amparo na referida competência constitucional –, em nome do princípio da isonomia,<br />

seria esvaziar o comando constitucional e olvidar a vontade do legislador constituinte<br />

derivado. É pressuposto da interpretação constitucional que se busque interpretação harmonizadora<br />

dos dispositivos constitucionais, a fim de que não se anule completamente<br />

uma das normas envolvidas a pretexto de concretizar a outra.<br />

No caso, do confronto que se estabelece entre a possibilidade de concessão de<br />

aumentos diferenciados e o princípio da isonomia, deve-se privilegiar o entendimento<br />

que, harmonizando os conceitos de majorações remuneratórias específicas para determinados<br />

segmentos e carreiras (desde que respeitados os limites das respectivas autonomias<br />

administrativo-financeiras) com a revisão geral anual do funcionalismo público, revela-se<br />

constitucional a norma que concede aumentos para determinados grupos, desde que tais<br />

reajustes sejam devidamente compensados, em caso de eventual revisão geral anual<br />

(nesse sentido: <strong>ADI</strong> 2.726, Rel. Maurício Corrêa, DJ de 29-8-03).<br />

O pedido da ação direta também não prospera nesse particular.<br />

4. Exigência de prévia dotação orçamentária – afronta ao art. 169, § 1º, da CF/88<br />

O tema é conhecido do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> há bastante tempo. Na <strong>ADI</strong><br />

1.292/MT, Rel. Ilmar Galvão, unânime, DJ de 15-9-95, sagrou-se o entendimento de que<br />

não se viabiliza controle abstrato de constitucionalidade quando se pretende confrontar<br />

norma que impõe despesa alusiva à vantagem funcional e ao art. 169 da Constituição,<br />

pois a ausência de dotação orçamentária prévia em legislação específica não autoriza a<br />

declaração de inconstitucionalidade da lei, impedindo tão-somente a sua aplicação<br />

naquele exercício financeiro.<br />

Outros precedentes seguiram-se, todos no sentido do não-conhecimento da ação<br />

direta quando fundada no argumento da ausência de prévia dotação orçamentária para a<br />

realização de despesas (<strong>ADI</strong> 1.585/DF, Rel. Sepúlveda Pertence, unânime, DJ de 3-4-98;<br />

<strong>ADI</strong> 2.339/SC, Rel. Ilmar Galvão, unânime, DJ de 1º-6-01; <strong>ADI</strong> 2.343/SC, Rel. Nelson<br />

Jobim, maioria, DJ de 13-6-03).


574<br />

R.T.J. — 202<br />

Outrossim, no caso dos autos, a argumentação do Autor no sentido de que “(...) nos<br />

termos da Nota Técnica 123/SECAD/SOF/MP (em anexo), não foram incluídos na Lei nº<br />

11.100, de 25 de janeiro de 2005, Lei Orçamentária de 2005 – LOA–2005, recursos para<br />

atender a esses acréscimos de despesas. Também não existe previsão de limites financeiros<br />

e autorizações específicas correspondentes, necessários ao atendimento das referidas<br />

despesas, no Anexo V da LOA-2005, que trata das autorizações constantes do art. 169, §<br />

1º, inciso II, da Constituição, relativas a despesas de Pessoal e Encargos Sociais” (fls. 10-<br />

11) depende de análise dos documentos referenciados, principalmente em face das informações<br />

prestadas pelo Presidente do Congresso Nacional, segundo as quais: “(...) razão<br />

não assiste ao Autor, pois dotação orçamentária dispunha o Congresso Nacional, em<br />

2004, tanto que as despesas foram liquidadas no mesmo ano de 2004. Nos termos do<br />

inciso I, do § 1º, do art. 169, da CF, a suficiência orçamentária deve existir previamente<br />

à criação da despesa. E orçamento havia em 2004, assim como autorização expressa na<br />

LDO/2004 (Lei nº 10.707, de 30 de julho de 2003)” (fl. 42).<br />

Esse cotejo não é admissível em sede de controle abstrato, pois exige análise<br />

casuística e documental-orçamentária incompatível com o juízo que se faz nesse tipo de<br />

controle.<br />

Dessa forma, na linha dos precedentes desta Corte, não conheço da presente ação<br />

direta quanto ao terceiro fundamento.<br />

5. Conclusão<br />

Pelo exposto, não conheço da ação direta quanto à alegada violação do art. 169, § 1º,<br />

da CF/88 e julgo improcedente o pedido pelos demais fundamentos, nos termos do voto.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, acompanho o voto do Ministro<br />

Relator, com brevíssimas considerações: a primeira, parece continuar havendo enorme<br />

confusão, no Brasil, entre os que trabalham na área jurídica, sobre aumento, revisão e<br />

reajuste de servidores públicos. E foi introduzido, aqui, na Tribuna, um outro tema,<br />

sempre tomado de empréstimo e trazido à colação, que é a questão de reestruturação de<br />

carreiras. Pode-se reestruturar uma carreira sem ter aumento algum. Carreiras são feitas,<br />

estruturadas, organizadas para o aperfeiçoamento das estruturas e do pessoal que compõe<br />

os quadros, sem que haja qualquer referência ou decorrência imediata e necessária<br />

com a questão remuneratória. Então, regime remuneratório não tem a ver com a questão<br />

da estruturação, a não ser naqueles casos em que, havendo a reestruturação, isso leve<br />

necessariamente a uma criação de cargos ou a uma mudança de patamares, inclusive de<br />

vencimentos, de graus, de definição dos próprios cargos.<br />

Estamos, aqui, diante de uma questão que se põe relativamente à constitucionalidade<br />

ou não das duas normas, 11.169 e 11.170, e, especificamente, ao aumento de<br />

remuneração. Quando se fala em alteração – no Brasil, não pode haver redução de vencimentos<br />

–, logo estamos falando de aumento. O aumento pode ser setorial, a Constituição<br />

não proíbe. Pelo contrário. Até porque nunca um professor poderia ganhar um patamar<br />

diferenciado do que ganham outras carreiras na hora em que políticas públicas resolvessem<br />

enfatizar determinadas carreiras. Os reajustes setoriais são perfeitamente adequados


R.T.J. — 202 575<br />

e compatíveis com o que a Constituição prevê. A revisão, sim, é geral e diz respeito à<br />

reposição do valor da moeda que se tenha comprovado num determinado período.<br />

Razão pela qual, necessariamente, haverá de ser, nos mesmos períodos e nos mesmos<br />

índices, porque aqui não se trata de aumento, trata-se tão-somente de manter aquilo que,<br />

inicialmente, com outros padrões monetários, com outros valores é fixado. Cuida-se,<br />

aqui – parece –, basicamente de alteração para aumento concedido por um dos Poderes<br />

da República, que tem autonomia para cuidar do tema relativo a seus servidores dentro<br />

do que foi posto por ele como sendo os 15% para categoria dos que compõem os órgãos<br />

do Poder Legislativo.<br />

Não vejo, portanto, quanto à questão do princípio da separação de poderes – como<br />

disse muito bem o Ministro Relator –, nada que pudesse ser questionado.<br />

No que respeita à isonomia – temos insistido que a jurisprudência do <strong>Supremo</strong> é<br />

doutrina secular –, trata mesmo diferentemente, e inclusive, do regime remuneratório.<br />

Aliás, o que a Constituição quer, a partir da Emenda Constitucional 19, é o estabelecimento<br />

da verdade remuneratória. Para se estabelecer a verdade remuneratória, é preciso<br />

mesmo que se fixe, para as diversas categorias dos órgãos e dos poderes públicos, aquilo<br />

que seja adequado, coerente com cada categoria. Logo, não haveria quebra de princípio<br />

de isonomia alguma, ainda que fosse desigualado com critérios objetivos e legítimos.<br />

Quanto ao art. 169, § 1º, como disse o Ministro Gilmar Mendes, realmente é o<br />

ponto que poderia suscitar algum tipo de dúvida mais consistente, parece-me que também<br />

aqui – conduzo-me no sentido do que foi posto por ele – não é a hipótese de se<br />

cogitar de conhecer da ação, pois, primeiro, pelas informações que foram trazidas, haveria,<br />

sim, a dotação e, segundo, porque haveria de se perquirir tema que não é diretamente<br />

relacionado à Constituição.<br />

Razão pela qual, Senhora Presidente, acompanho integralmente o voto do Ministro<br />

Relator.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, também acompanho o<br />

brilhante voto do eminente Relator, agora reforçado pelos argumentos explicitados pela<br />

Ministra Cármen Lúcia.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, esta ação direta de inconstitucionalidade<br />

é providencial, porque é uma oportunidade que temos – usarei de uma metáfora – de<br />

colocar em “pratos limpos” esse tormentoso tema da remuneração dos servidores por<br />

efeito, sobretudo, de emendas sucessivas da Constituição, levando-nos, por vezes, a<br />

perplexidades, até a aparentes paradoxos na Constituição. O eminente Relator afastou<br />

esses paradoxos muito bem-secundados pela Ministra Cármen Lúcia.<br />

Entendo que, em matéria de remuneração, há apenas duas categorias ou dois institutos.<br />

Ou o instituto é da revisão, a implicar mera reposição do poder aquisitivo da


576<br />

R.T.J. — 202<br />

moeda – por isso que a Constituição, no inciso X do art. 37, fala de índices e datas<br />

absolutamente uniformes, iguais –; ou, não sendo revisão, será reajuste – que eu tenho<br />

como sinônimo de aumento. Então, de um lado, temos ou revisão, que não é aumento, é<br />

mera recomposição do poder aquisitivo da moeda, ou, então, aumento. Mesmo que a lei<br />

chame de reajuste, entendo que é um aumento. Aí, sim, há uma elevação na expressão<br />

monetária do vencimento mais do que nominal e, sim, real. Aumento tem a ver com<br />

densificação no plano real, no plano material do padrão remuneratório do servidor;<br />

revisão, não. Com ela se dá uma alteração meramente nominal no padrão remuneratório<br />

do servidor, mas sem um ganho real.<br />

Quanto à iniciativa das leis que tratam de remuneração, entendo que o Ministro<br />

Relator também foi feliz. Mesmo no inciso X do art. 37, ao falar de revisão geral anual,<br />

a Constituição teve o cuidado de prever, “(...) observada a iniciativa privativa em cada<br />

caso, (...)”. Ora, significa, “(...) observada a iniciativa privativa em cada caso (...)”, que o<br />

Poder Executivo cuida dessa iniciativa de lei, em se tratando de revisão remuneratória<br />

no âmbito da administração direta e indireta sob a autoridade máxima do Presidente da<br />

República – estou falando no plano federal –, e, no âmbito dos demais Poderes, a iniciativa<br />

é de cada um deles. É do Poder Judiciário quando se tratar de revisar a remuneração<br />

dos cargos próprios do Poder Judiciário, e, no âmbito do Congresso Nacional, há uma<br />

bipartição: a iniciativa tanto é da Câmara dos Deputados quanto é do Senado <strong>Federal</strong>.<br />

Tudo a Constituição deixa, para mim, explicitado, com todas as letras, em alto e bom<br />

som. Se a iniciativa, porém, parte, por primeiro, de qualquer dos Poderes, em matéria de<br />

pura revisão, parece-me, por lógica, que aprovado que seja o projeto de lei em matéria de<br />

revisão, o Congresso Nacional fica – volto a dizer – logicamente vinculado àquela data<br />

de início da alteração remuneratória, ao percentual e ao índice, como diz a Constituição.<br />

Em antiqüíssimo estudo de uns treze anos sobre o instituto da correção monetária,<br />

à luz da Constituição, cheguei a afirmar o que recentemente vi num belíssimo texto do<br />

professor José Sérgio Monte Alegre, administrativista do Estado de Sergipe. Que, ao se<br />

referir a índice, a Constituição não se referiu exatamente a percentual; ela disse que só é<br />

dado fixar um índice desses oficiais. Qualquer dos índices oficiais de medição da inflação<br />

é que deve ser adotado pelo Poder que tomar a iniciativa de alterar a remuneração<br />

dos servidores a título de mera recomposição do poder aquisitivo, a título de revisão.<br />

Vale dizer, índice não significa percentual arbitrário. Não cabe a nenhum dos Poderes,<br />

arbitrariamente, fixar o percentual de revisão; tem que escolher um índice oficial, medidor;<br />

portanto, que sirva como termômetro para a inflação anual.<br />

Sigo um pouco avante para dizer que, em se tratando de revisão, mera recomposição<br />

do poder aquisitivo da moeda, mera recomposição do poder de compra do servidor, não<br />

há a menor necessidade de previsão orçamentária, nem na Lei de Diretrizes Orçamentárias,<br />

nem na Lei Orçamentária anual, que é a Lei Ânua propriamente dita.<br />

A Constituição apenas exigiu lei específica, “(...) observada a iniciativa privativa<br />

em cada caso (...)”, com os mesmos índices e as mesmas datas. Não falou nem na Lei de<br />

Diretrizes Orçamentárias nem na Lei Orçamentária Anual, porque não há necessidade. É<br />

uma mera recomposição, no caso, de pura revisão.


R.T.J. — 202 577<br />

A Constituição exigiu lei específica, num cuidado elogiável, por efeito de uma das<br />

emendas – não sei se foi a Emenda 19. Porque a lei específica é monotemática, é uma lei<br />

que não pode ser tematicamente promíscua e significa uma lei exigente do máximo de<br />

concentração material, por parte do Congresso Nacional, e mais facilitado acompanhamento<br />

por toda a sociedade brasileira.<br />

Sigo um pouquinho – o tema, para mim, é muito sedutor – para dizer que, de fato,<br />

os fundamentos da inicial, segundo os quais resultaria violado o Princípio da Separação<br />

dos Poderes; o outro, vulneração da isonomia, e um terceiro, conspurcação ou vício de<br />

iniciativa. Estou plenamente com o Relator e com a Ministra Cármen Lúcia.<br />

Restaria, para meu equacionamento um pouco mais dificultoso, o § 1º do art. 169<br />

da Constituição. Este, sim, exigente de prévia dotação orçamentária e de autorização<br />

específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Porém, ainda assim, a Constituição prevê<br />

aumento de remuneração, não de revisão.<br />

No caso desta ação direta de inconstitucionalidade, o Relator deixou bem claro<br />

tratar-se de aumento de vencimentos. Trata-se de um reajuste, um reajuste não explicado.<br />

A que título se deu, ou qual a sua motivação empírica? Porque a lei é lacônica, simplesmente<br />

dá o aumento. Eu teria que ver, para julgar melhor, a respectiva exposição de<br />

motivos. Mas já se sabe que reajuste, correspondendo a aumento, só se dá ou para<br />

reestruturar a carreira, ou para valorizar a carreira, ou para corrigir uma injustiça acumulada<br />

ao longo do tempo.<br />

Por qualquer desses motivos, também me convenço e afasto todos os meus receios<br />

de estar proferindo, aqui, uma decisão pouco rimada com a Constituição brasileira.<br />

Acato a conclusão do voto do eminente Relator, não conhecendo da ação direta de<br />

inconstitucionalidade, embora me permitindo o Ministro Gilmar Mendes seguir meditando<br />

sobre os dois fundamentos que Vossa Excelência lançou para isso: primeiro, já há<br />

uma previsão da própria Lei do Orçamento; segundo, Vossa Excelência falou da diferença<br />

entre validade e eficácia, com base na nossa jurisprudência, que me parece apropriada<br />

também, mas me permito dizer que não adiro incondicionalmente. Seguirei meditando<br />

e, por enquanto, aceito a distinção entre validade e eficácia.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Foi o que a jurisprudência consagrou a<br />

partir da <strong>ADI</strong> 1.292, entendendo que, se, eventualmente, uma vantagem fosse contemplada<br />

no mesmo ano e não houvesse dotação orçamentária, a lei não resultaria inválida.<br />

Todavia, não se aplicava, quando restava ineficaz, pelo menos naquele ano ou naquele<br />

exercício financeiro.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Na tentativa de fazer com que a norma se resguarde<br />

na sua constitucionalidade. Porque a Constituição é taxativa. Ela prevê: “Não se pode<br />

conceder sem prévia”. E a concessão é pela lei.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Neste caso, poderíamos até ter feito um<br />

tipo de esclarecimento, porque, hoje, mudou completamente o próprio modelo da ação<br />

direta de inconstitucionalidade. Mas, aqui, há controvérsias até sobre a existência, ou<br />

não, da dotação orçamentária.


578<br />

R.T.J. — 202<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, também não conheço por este<br />

último fundamento e julgo improcedente, em tudo o mais, a ação direta de inconstitucionalidade,<br />

porque não aceito nenhum dos três fundamentos restantes aqui lançados.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, com o devido respeito, gostaria<br />

de propor à consideração do <strong>Tribunal</strong> outra interpretação desse art. 37, inciso X.<br />

A meu ver, esse inciso, à luz das outras normas que atribuem a cada Poder competência<br />

reservada de iniciativa para estabelecer a remuneração dos seus servidores (arts.<br />

51, IV; 52, XIII; 96, II, b), limita-se a prever não a necessidade de lei que, de certo modo,<br />

já está pressuposta nas outras normas, mas um requisito adicional e particular: a necessidade<br />

de lei específica. E, de modo algum, supõe diferença ou distinção entre formas de<br />

aumento da remuneração. Não importa a que título seja concedido o aumento; não<br />

importa que o seja a título de revisão geral, não importa que o seja a título de<br />

reestruturação de carreira, não importa a que título seja. Trata-se, pura e simplesmente,<br />

de exigir, para qualquer tipo de aumento, ainda para aquele puramente nominal, uma lei<br />

específica. E, em seguida, alcançando o âmbito de cada Poder, prescreve uma garantia<br />

aos quadros de servidores, o que é outra coisa.<br />

Na verdade, a norma dirige-se a cada Poder. Impõe a cada Poder a necessidade de,<br />

pela iniciativa exclusiva já prevista em outras normas, fazer aprovar uma lei específica.<br />

Nesse sentido, é norma cujos destinatários são os Três Poderes. E, depois, estabelece, em<br />

favor dos funcionários, uma garantia, que é a de obterem, pelo menos, em cada ano, na<br />

mesma data, sem distinção de índice, a reposição do resíduo inflacionário que implicou<br />

perda do poder aquisitivo daquela quantidade de moeda representada pelos seus vencimentos.<br />

Tal norma não distinguiu entre aumento a título de reestruturação – ou seja lá o<br />

que for – e a chamada revisão geral, a não ser para assegurar a todos os funcionários dos<br />

Três Poderes essa revisão anual.<br />

Por isso, a Corte enviou e tem enviado projetos de sua iniciativa para fixar a<br />

revisão geral e anual dos vencimentos de seus funcionários.<br />

De modo que, a mim não me impressiona, nem para argumentar, que as duas leis<br />

aqui impugnadas veiculassem, na verdade, a dita revisão geral. Isso, para mim, não faria<br />

nenhuma diferença, porque teria sido aprovada, ainda que em termos de argumentação,<br />

por uma lei específica para cada Poder e, portanto, para cada Mesa, como dispõem os<br />

arts. 51 e 52.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, se o Ministro Cezar Peluso me<br />

permite, adiro inteiramente a essa distinção, muito didática, de que, efetivamente, a exigência<br />

de lei específica é para toda e qualquer alteração estipendiária; para toda e qualquer<br />

alteração remuneratória que se fizer, no âmbito do serviço público, independentemente<br />

dessa dualidade, dessa bipartição: aumento de um lado e simples revisão do outro.<br />

O Ministro Cezar Peluso coloca muito bem, em termos didáticos, que a parte final<br />

do dispositivo é uma garantia para o servidor de que ele terá, anualmente, essa revisão<br />

estipendiária a significar mera recomposição do poder aquisitivo da moeda.


R.T.J. — 202 579<br />

O Ministro Gilmar Mendes até lembrou-me agora, in off, que essa norma da revisão<br />

geral, infelizmente, tem sido ineficaz na prática. Resulta, ao longo do tempo, numa<br />

frustração; é um comando que não tem sido obedecido pelos poderes públicos, em<br />

descompasso com a vontade objetiva da Constituição <strong>Federal</strong>. Mas a distinção que Sua<br />

Excelência faz entre os dois núcleos significativos do art. 37 parece-me extremamente<br />

didática.<br />

Antecipo a minha integral adesão.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: E digo mais: a racionalidade dessa norma está em<br />

evitar aquela conhecida promiscuidade legislativa, pela qual, no corpo de uma lei que<br />

trata de outro assunto, se embute regra que concede aumento!<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: É o que tenho chamado de monotemática.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: É exatamente isso que tal inciso tende a evitar. Ele<br />

não modifica competências de iniciativa para os aumentos; se pretendesse modificá-las,<br />

teria dito de forma textual. Na verdade, quis-se evitar, com a exigência de lei específica,<br />

exatamente essa promiscuidade legislativa, na qual passa despercebido da opinião<br />

pública o aumento concedido. É preciso ficar claro para o País que a lei está sendo<br />

votada com a finalidade exclusiva de conceder aumento, reestruturação geral ou seja lá<br />

o que for!<br />

Então, a mim, parece-me que a norma preserva isso. Portanto, não veria aqui, nem<br />

remotamente, nenhuma lesão à Constituição. Penso que os brilhantes votos, inclusive o<br />

do eminente Relator, foram exaustivos nas questões referentes tanto à separação de<br />

poderes quanto ao princípio da isonomia. E a única coisa que me deixa em dúvida,<br />

talvez tanto quanto o eminente Relator, é a interpretação do art. 169, nos termos do<br />

precedente da <strong>ADI</strong> 1.292.<br />

É claro que não se pode, aqui, predicar para a expressão “aumento de remuneração”<br />

aquela distinção quanto a eventual remuneração geral, porque o que importa para<br />

o art. 169 não é tampouco o título do aumento, mas o acréscimo de despesa orçamentária,<br />

ou melhor, o acréscimo de despesa sem previsão orçamentária. Então, se o aumento<br />

de despesa também for a título de revisão, cairá na mesma exigência constitucional, pois<br />

não é irrelevante saber se esse é um aumento stricto sensu ou se é mera reposição do<br />

poder aquisitivo da moeda.<br />

O problema é que, com essa interpretação, reconhecemos uma espécie de inconstitucionalidade<br />

condicionada; reconhecemos que essa norma não tem eficácia, apenas<br />

enquanto não sobrevenha uma lei orçamentária e uma lei de dotação orçamentária que<br />

preveja os recursos suficientes para a eficácia da norma votada sem essas duas exigências.<br />

Isso, em relação ao aumento de remuneração, não é tão problemático, porque, até que<br />

sobrevenha lei orçamentária e lei de diretrizes orçamentárias que prevejam recursos<br />

suficientes para atender à criação das leis, pode ser que nem no exercício seguinte haja<br />

previsão suficiente, mas isso adia a eficácia para outros exercícios. De modo que se teria<br />

norma vigente, mas temporariamente e condicionalmente ineficaz até que sobrevenham<br />

leis que atendam aos dois requisitos dos incisos I e II.


580<br />

R.T.J. — 202<br />

Mas o problema grave, a meu ver, em termos práticos, diz com as outras hipóteses<br />

previstas no art. 169, caput. Porque aí não se trata só de aumento. Trata-se de reestruturação,<br />

de criação de cargos e funções, mudanças de carreira, contratação de pessoal, etc.<br />

Corre-se o risco de criar precedente que torne, quando menos, confusa a situação<br />

jurídica de certos órgãos, de certos serviços etc. Talvez isso merecesse da Corte, conforme<br />

sugere o Ministro Gilmar Mendes, meditação um pouco mais aprofundada.<br />

A mim, interessa-me a afirmação de Sua Excelência de que há previsão orçamentária,<br />

que não foi objeto de contestação.<br />

Com essa ressalva, acompanho inteiramente o voto de Sua Excelência e julgo improcedente<br />

a ação.<br />

DEBATE<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ministro Cezar Peluso, gostaria de enfatizar algo<br />

que Vossa Excelência acaba de dizer. Há uma conjugação entre o art. 37, inciso X, da<br />

Constituição da República e o art. 169. Exatamente como Vossa Excelência deixou<br />

claro, houve uma tentativa, pela Emenda Constitucional 19, de moralização da legislação<br />

referente ao servidor, e, nisso, que chamamos de “verdade remuneratória”, quer dizer,<br />

conforme Vossa Excelência bem asseverou, havia uma lei tratando de outro assunto e, lá<br />

no último artigo, introduzia-se algo...<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Parece-me que, hoje, a Lei Complementar 95/98 o<br />

proíbe.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Sim. Ela já proíbe. Neste caso é porque a chamada<br />

“Lei Frankenstein”, adotada hoje, trata de tudo. Há lá algo que não permite ao cidadão<br />

saber qual é a verdade de uma remuneração referente a alguém, até porque, por exemplo,<br />

dá-se uma gratificação que, às vezes, é maior que o vencimento. No final, a remuneração<br />

não é a que ele conta. Quis-se estampar exatamente isso.<br />

No art. 169, no período em que se introduziu a Lei de Responsabilidade Fiscal –<br />

Vossa Excelência chamou a atenção para o ponto, e eu vou acrescentar mais um –,<br />

buscou-se considerar válida a norma, do ponto de vista constitucional, para que a sua<br />

produção de efeitos fosse nos termos de prévia, não digo previsão, mas provisão orçamentária,<br />

porque não é só uma questão de verbo, mas de verba.<br />

E pode ocorrer outro dado: esse aumento pode superar o próprio art. 169, que<br />

remete à lei que fixa o percentual máximo de servidores com cada questão.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Vossa Excelência tem razão. Pode, na prática, gerar<br />

até essa contradição.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Então, não é só um problema de vir a próxima lei<br />

orçamentária; é saber quando se consegue chegar a esse patamar, insuperável por definição<br />

da Constituição, lançado como referência. Enfim, isso tudo veio para moralizar a<br />

legislação que trata de aumento de pessoal, porque o cidadão brasileiro não agüentava<br />

mais não saber quem recebe quanto e a qual título.<br />

Faço essas ponderações só para dar uma achega de esclarecimento.


R.T.J. — 202 581<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Esse art. 169 é também angustiante porque não se<br />

limita a exigir prévia dotação orçamentária suficiente na Lei Ânua. No seu inciso II,<br />

ainda menciona a autorização específica da lei de diretrizes orçamentárias.<br />

Por isso, preferi aderir ao fundamento utilizado pelo eminente Relator para não<br />

conhecer da ação no ponto.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente por isso não me fixo nesse argumento,<br />

mas, sim, no de que havia previsão orçamentária suficiente.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Também teríamos que criar, aqui, um<br />

regime de absoluta transparência nos três planos – da União, dos Estados e dos Municípios<br />

–, porque poderíamos ter a administração, que neste caso é o Poder Executivo,<br />

como um tipo de intérprete autêntico da possibilidade, ou não, de revisão, uma vez que<br />

estamos percebendo a dificuldade dessas questões.<br />

Atualmente, inclusive, essa matéria do direito financeiro quase já não tem especialistas<br />

– há alguns importantes, mas são poucos. Tanto que se usa um jargão em referência<br />

aos orçamenteiros, as pessoas que dominam a matéria. Sabemos a dificuldade de discutir<br />

esses temas com os chamados orçamenteiros, porque se trata de uma ciência toda própria.<br />

Se trouxermos a questão para o campo da legitimidade, muitas vezes as fórmulas<br />

propostas estarão inviabilizadas porque sempre se afirmará que não há dotação orçamentária.<br />

Ficamos aqui, então, num discurso sem solução.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Talvez até por isso, nessas ações, se deva exigir que o<br />

impugnante faça a prova de não haver previsão orçamentária suficiente.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: É uma saída.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Sim, mas, é claro, temos de assegurar a<br />

força normativa do art. 169.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sem dúvida nenhuma. Não podemos enfraquecer o<br />

alcance dessa norma, assim como dos seus requisitos e exigências.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, entendo que o inciso X do art.<br />

37 da Constituição <strong>Federal</strong> trata de institutos diversos.<br />

O primeiro alusivo à fixação da remuneração dos servidores e do subsídio, englobados,<br />

logicamente, o aumento da remuneração e o do subsídio. Quanto a essas matérias,<br />

exige-se realmente lei específica.<br />

Na parte final do preceito, há algo diverso que, conforme consagrado no âmbito da<br />

administração pública e, também, no da iniciativa privada, é a simples revisão dos<br />

vencimentos, simples revisão do subsídio, simples revisão dos salários para manter o<br />

que evidencia a relação jurídica, o caráter sinalagmático, o caráter comutativo da relação<br />

jurídica. Isso obstaculiza, portanto, o enriquecimento sem causa, que o valor dos<br />

vencimentos, do salário, já não remunere, nem satisfaça mais os serviços prestados.<br />

Relativamente a essa segunda parte, já sustentei no Plenário – e não sei se o processo<br />

ainda está pendente de conclusão do julgamento – que, até mesmo para evitar o que veio<br />

a ocorrer – a existência de uma norma constitucional inócua –, não se tem sequer a


582<br />

R.T.J. — 202<br />

exigibilidade de diploma prevendo a reposição do poder aquisitivo da moeda. O preceito<br />

é observável de imediato no tocante à revisão geral anual, sempre na mesma data e sem<br />

distinção de índices – o que coloca em segundo plano a necessidade de uma lei específica<br />

– e independe até mesmo de lei. A cláusula “na forma da lei” diz respeito à fixação<br />

da remuneração e à do subsídio, ao aumento da remuneração e ao do subsídio, e não à<br />

revisão geral.<br />

Nos últimos anos, ocorreu verdadeiro deboche quanto a essa previsão constitucional.<br />

Diante de proclamação, na visão prevalecente, da inércia do Executivo no encaminhamento<br />

de lei para haver a reposição do poder aquisitivo da moeda, enviou-se diploma<br />

com índice irrisório que não correspondia, de forma escancarada, à inflação do período.<br />

Do que se trata na espécie? Da revisão? Não. Até mesmo o percentual, considerada<br />

a inflação do período, está a indicar que não aconteceu uma simples revisão, mas um<br />

plus. Os vencimentos foram alterados em 15%. E a iniciativa, então, conforme previsto<br />

na Constituição <strong>Federal</strong>, é de cada Casa do Congresso Nacional. Não se pode cogitar de<br />

iniciativa do Presidente da República.<br />

Há mais: penso que, no caso, é mostrada a evolução, consideradas as circunstâncias<br />

reinantes. Acabou-se por aprovar o mesmo percentual no tocante aos servidores do<br />

<strong>Tribunal</strong> de Contas da União. Creio não ter havido sequer o veto quanto ao projeto de<br />

lei, muito menos o ajuizamento de ação visando ao reconhecimento da iniciativa do<br />

chefe do Poder Executivo.<br />

Subscrevo também o voto do Relator relativamente à isonomia, que não pode ser<br />

levada às últimas conseqüências, a distinguir-se, tendo em conta o segmento de servidores<br />

e a problemática do orçamento.<br />

Julgo, portanto, improcedente o pedido formulado na inicial.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

<strong>ADI</strong> 3.599/DF — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Requerente: Presidente da<br />

República (Advogado: Advogado-Geral da União). Requerido: Congresso Nacional.<br />

Interessado: Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo e do <strong>Tribunal</strong> de Contas da<br />

União – SINDILEGIS (Advogados: Marcos Vinicius Witczak e outros).<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, conheceu<br />

em parte da ação e, na parte conhecida, julgou-a improcedente. Votou a Presidente,<br />

Ministra Ellen Gracie. Ausentes, justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence e<br />

Eros Grau. Falaram, pela Advocacia-Geral da União, o Ministro José Antônio Dias<br />

Toffoli e, pelo amicus curiae, o Dr. Marcos Vinicius Witczak.<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso de<br />

Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa,<br />

Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Vice-Procurador-Geral da República, Dr.<br />

Roberto Monteiro Gurgel Santos.<br />

Brasília, 21 de maio de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


R.T.J. — 202 583<br />

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.682 — MT<br />

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes<br />

Requerente: Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso — Requeridos:<br />

Presidente da República e Congresso Nacional<br />

Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Inatividade do<br />

legislador quanto ao dever de elaborar a lei complementar a que se refere<br />

o § 4ª do art. 18 da Constituição <strong>Federal</strong>, na redação dada pela Emenda<br />

Constitucional 15/96. Ação julgada procedente.<br />

1. A Emenda Constitucional 15, que alterou a redação do § 4º do art.<br />

18 da Constituição, foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados<br />

mais de 10 (dez) anos, não foi editada a lei complementar federal definidora<br />

do período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes a<br />

criação, incorporação, desmembramento e fusão de Municípios. Existência<br />

de notório lapso temporal a demonstrar a inatividade do legislador<br />

em relação ao cumprimento de inequívoco dever constitucional de legislar,<br />

decorrente do comando do art. 18, § 4º, da Constituição.<br />

2. Apesar de existirem, no Congresso Nacional, diversos projetos de<br />

lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição,<br />

é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação<br />

e aprovação da lei complementar em referência. As peculiaridades<br />

da atividade parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo,<br />

não justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa<br />

das Casas Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a própria<br />

ordem constitucional. A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode<br />

ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.<br />

3. A omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18,<br />

§ 4º, da Constituição acabou dando ensejo à conformação e à consolidação<br />

de estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados<br />

pelo legislador na elaboração da lei complementar federal.<br />

4. Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que<br />

se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18<br />

(dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias<br />

ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da<br />

Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes<br />

do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão. Não se<br />

trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional,<br />

mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo<br />

em vista o prazo de 24 meses determinado pelo <strong>Tribunal</strong> nas <strong>ADI</strong> 2.240,<br />

3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou<br />

alteram seus limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar<br />

federal seja promulgada contemplando as realidades desses<br />

municípios.


584<br />

R.T.J. — 202<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade<br />

da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, rejeitar a preliminar<br />

de ilegitimidade ativa do Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Mato<br />

Grosso e, por unanimidade de votos, julgar procedente a ação para reconhecer a mora do<br />

Congresso Nacional e, por maioria, estabelecer o prazo de 18 (dezoito) meses para que<br />

este adote todas as providências legislativas ao cumprimento da norma constitucional<br />

imposta pelo art. 18, § 4º, da Constituição <strong>Federal</strong>, nos termos do voto do Relator.<br />

Brasília, 9 de maio de 2007 — Gilmar Mendes, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade<br />

por omissão, ajuizada pela Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso, em face<br />

do Presidente da República e do Congresso Nacional, em virtude da não-elaboração da<br />

lei complementar a que se refere o § 4º do art. 18 da Constituição <strong>Federal</strong>, na redação<br />

dada pela Emenda Constitucional 15/96.<br />

O referido dispositivo constitucional assim dispõe, verbis:<br />

Art. 18. (...)<br />

§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por<br />

lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar <strong>Federal</strong>, e dependerão de<br />

consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação<br />

dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.<br />

Sustenta-se, em síntese, que vários Estados estariam sofrendo prejuízos decorrentes<br />

da falta da citada norma, uma vez que muitas de suas comunidades locais estariam<br />

impossibilitadas de se emancipar e constituir novos municípios. Apenas no Estado de<br />

Mato Grosso, haveria mais de 40 comunidades nessa situação. Ressalta-se, ainda, que já<br />

se passaram 10 anos desde a edição da EC 15/96 e a lei complementar federal ainda não<br />

foi elaborada.<br />

Pede-se, ao final, a procedência do pedido para se declarar a inconstitucionalidade<br />

por omissão relativamente à edição da lei complementar prevista no § 4º do art. 18 da<br />

Constituição, cientificando-se as autoridades requeridas para que supram a omissão<br />

declarada.<br />

O Presidente da República prestou informações (fls. 81-89), aduzindo as seguintes<br />

preliminares: a) ilegitimidade ativa da Requerente, pois apenas as Mesas das Assembléias<br />

Legislativas, e não propriamente as Assembléias Legislativas, estariam legitimadas para<br />

ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade perante o STF; b) ilegitimidade passiva<br />

do Presidente da República, que não teria iniciativa legislativa para a matéria em questão;<br />

e c) que o Presidente da Assembléia Legislativa precisaria de autorização da Mesa<br />

para propor ação direta de inconstitucionalidade. No mérito, limitou-se a alegar que a<br />

Constituição não teria fixado nenhum prazo dentro do qual deva o Presidente apresentar<br />

projeto de lei.


R.T.J. — 202 585<br />

O Congresso Nacional, também Requerido, apresentou informações (fls. 91-112),<br />

suscitando a preliminar, já levantada pelo Presidente da República, de que o Presidente<br />

da Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso não apresentou autorização da<br />

Mesa desse órgão para propor a presente ação direta de inconstitucionalidade. No mérito,<br />

sustenta a improcedência do pedido.<br />

O Congresso Nacional também alega que o ofício recebido deste <strong>Tribunal</strong> para que<br />

prestasse informações não veio acompanhado da página 11 (onze) da petição inicial, o<br />

que teria prejudicado o direito de manifestação, tendo em vista que não se poderia ter<br />

noção do que ali estaria escrito.<br />

Tomando conhecimento da manifestação do Congresso Nacional, neste ponto,<br />

analisei os autos e verifiquei que a página 11 (onze) da peça inicial, contudo, contém<br />

apenas a continuação da transcrição da extensa ementa do acórdão da <strong>ADI</strong> 2.381/RS,<br />

Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14-12-01, o que poderia ser facilmente percebido<br />

pelo órgão legislativo e, dessa forma, não justificaria abertura de novo prazo para a sua<br />

manifestação.<br />

A Advocacia-Geral da União apresentou parecer, mas deixou de opinar sobre o<br />

mérito da causa, com base na jurisprudência da Corte, segundo a qual, nas ações diretas<br />

de inconstitucionalidade por omissão, o pronunciamento da AGU seria prescindível (fls.<br />

114-116).<br />

Por fim, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela procedência do<br />

pedido (fls. 118-126).<br />

É o relatório, do qual a Secretaria distribuirá cópia aos demais Ministros desta<br />

Corte.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator):<br />

1. Legitimidade ativa para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade<br />

por omissão<br />

A presente ação direta de inconstitucionalidade por omissão foi proposta pela<br />

Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso, em face da suposta inatividade do<br />

legislador quanto ao dever de elaborar a lei complementar federal a que alude o art. 18,<br />

§ 4º da Constituição da República.<br />

A primeira questão que deve ser analisada diz respeito à legitimidade ativa da<br />

Requerente para a propositura da ação, a qual foi contestada pelas informações prestadas<br />

pelo Presidente da República e pelo Congresso Nacional (fls. 81-89/91-112).<br />

Todos hão de concordar que, no tocante à ação direta de inconstitucionalidade por<br />

omissão, a fórmula escolhida pelo constituinte, já do ponto de vista estritamente formal,<br />

não se afigura isenta de críticas. O art. 102 da Constituição, que contém o elenco das<br />

competências do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, não contempla a ação direta por omissão,<br />

limitando-se a mencionar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo<br />

federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo<br />

federal (art. 102, I, a, com redação da Emenda Constitucional 3/93).


586<br />

R.T.J. — 202<br />

No art. 103, caput, fixam-se os entes ou órgãos legitimados a propor a ação direta<br />

de inconstitucionalidade. Parece evidente que essa disposição refere-se à ação direta de<br />

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou federal, prevista no art. 102,<br />

I, a, já mencionado.<br />

Se tivermos o cuidado de investigar o direito comparado, haveremos de perceber<br />

que o constituinte português de 1976 tratou de forma diversa os processos de controle<br />

abstrato da ação e da omissão, também no que concerne ao direito de propositura.<br />

Enquanto o processo de controle abstrato de normas pode ser instaurado mediante requerimento<br />

do Presidente da República, do Presidente da Assembléia, do Primeiro-Ministro,<br />

do Provedor da República, de um décimo dos Deputados à Assembléia da República<br />

(art. 201, I, a), o processo de controle abstrato de omissão, propriamente dito, somente<br />

pode ser instaurado a requerimento do Presidente da República e do Provedor de Justiça<br />

(art. 283).<br />

Ressalte-se que a afirmação segundo a qual os órgãos e entes legitimados para<br />

propor a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, nos termos do art.<br />

103, caput, estariam igualmente legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade<br />

por omissão prepara algumas dificuldades. Deve-se notar que, naquele elenco,<br />

dispõem de direito de iniciativa legislativa, no plano federal, tanto o Presidente da<br />

República como os integrantes da Mesa do Senado <strong>Federal</strong> e da Mesa da Câmara dos<br />

Deputados (CF, art. 61).<br />

Assim, salvo nos casos de iniciativa privativa de órgãos de outros poderes, como é<br />

o caso do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> em relação ao Estatuto da Magistratura (art. 93,<br />

caput, CF/88), esses órgãos constitucionais não poderiam propor ação de inconstitucionalidade,<br />

porque, como responsáveis ou co-responsáveis pelo eventual estado de inconstitucionalidade,<br />

seriam eles os destinatários primeiros da ordem judicial de fazer, em<br />

caso de procedência da ação.<br />

Todavia, diante da indefinição existente, será inevitável, com base mesmo no<br />

princípio de hermenêutica que recomenda a adoção da interpretação que assegure maior<br />

eficácia possível à norma constitucional, que os entes ou órgãos legitimados a propor a<br />

ação direta contra ato normativo – desde que sejam contempladas as peculiaridades e<br />

restrições mencionadas – possam instaurar o controle abstrato da omissão.<br />

Não há como deixar de reconhecer, portanto, a legitimidade ativa da Assembléia<br />

Legislativa do Estado de Mato Grosso para propor a presente ação direta de inconstitucionalidade<br />

por omissão.<br />

Quanto às supostas irregularidades formais da representação da Assembléia apontadas<br />

pelas informações prestadas pelo Presidente da República e pelo Congresso Nacional,<br />

ressalto trecho do cuidadoso parecer elaborado pelo Procurador-Geral da República,<br />

Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza (fl. 119):<br />

A alegada ilegitimidade ativa do Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Mato<br />

Grosso, decorrente de não haver nos autos deliberação da Mesa daquele colegiado dando-lhe<br />

poder para ajuizar a presente ação direta, bate-se com a presunção de legitimidade que acompanha<br />

a iniciativa. Entre forma e substância, havemos de a esta preferir sempre que, na dúvida entre<br />

ambas, seja o meio adequado para atingir a finalidade do instituto jurídico. O princípio da<br />

supremacia da Constituição é o objetivo das ações de fiscalização abstrata de constitucionalidade,<br />

havendo de nortear a exegese.


R.T.J. — 202 587<br />

De toda forma, a petição inicial está devidamente instruída com cópia do art. 24 da<br />

Constituição estadual, que, em seu § 1º, dispõe que “o Presidente representará a Assembléia<br />

Legislativa em Juízo e fora dele e presidirá as sessões plenárias e as reuniões da<br />

Mesa do Colégio de Líderes”.<br />

Assim, não há óbices de ordem formal ao pleno conhecimento da presente ação<br />

direta de inconstitucionalidade por omissão.<br />

2. O controle de constitucionalidade da omissão legislativa no direito brasileiro<br />

O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> se depara neste julgamento com mais um interessante<br />

caso de inatividade do legislador quanto à regulamentação de norma constitucional, na<br />

espécie, do § 4º do art. 18 da Constituição de 1988, com a redação que lhe foi atribuída<br />

pela Emenda Constitucional 15/96.<br />

É possível que a problemática atinente à inconstitucionalidade por omissão constitua<br />

um dos mais tormentosos e, ao mesmo tempo, um dos mais fascinantes temas do<br />

Direito Constitucional moderno. Ela envolve não só o problema concernente à concretização<br />

da Constituição pelo legislador e todas as questões atinentes à eficácia das normas<br />

constitucionais. Ela desafia também a argúcia do jurista na solução do problema sob<br />

uma perspectiva estrita do processo constitucional. Quando se pode afirmar a caracterização<br />

de uma lacuna inconstitucional? Quais as possibilidades de colmatação dessa<br />

lacuna? Qual a eficácia do pronunciamento da Corte Constitucional que afirma a inconstitucionalidade<br />

por omissão do legislador? Quais as conseqüências jurídicas da<br />

sentença que afirma a inconstitucionalidade por omissão? Essas e outras indagações<br />

desafiam a dogmática jurídica aqui e alhures.<br />

O constituinte de 1988 emprestou significado ímpar ao controle de constitucionalidade<br />

da omissão com a instituição dos processos de mandado de injunção e da ação<br />

direta da inconstitucionalidade da omissão. Como essas inovações não foram precedidas<br />

de estudos criteriosos e de reflexões mais aprofundadas, afigura-se compreensível o<br />

clima de insegurança e perplexidade que elas acabaram por suscitar nos primeiros tempos.<br />

É, todavia, salutar o esforço que se vem desenvolvendo, no Brasil, para descobrir o<br />

significado, o conteúdo e a natureza desses institutos. Todos os que, tópica ou sistematicamente,<br />

já se depararam com uma ou outra questão atinente à omissão inconstitucional,<br />

hão de ter percebido que a problemática é de transcendental importância não apenas<br />

para a realização de diferenciadas e legítimas pretensões individuais. Ela é fundamental,<br />

sobretudo, para a concretização da Constituição como um todo, isto é, para a realização<br />

do próprio Estado de Direito Democrático, fundado na soberania, na cidadania, na dignidade<br />

da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho, da iniciativa privada, e no<br />

pluralismo político, tal como estabelecido no art. 1º da Carta Magna. Assinale-se,<br />

outrossim, que o estudo da omissão inconstitucional é indissociável do estudo sobre a<br />

força normativa da Constituição.<br />

Não obstante o esforço da doutrina e da jurisprudência, muitas questões sobre a<br />

omissão inconstitucional continuam em aberto, ou parecem não ter encontrado, ainda,<br />

uma resposta adequada. Sem querer arriscar uma profecia, pode-se afirmar, com certa<br />

margem de segurança, que elas hão de continuar sem uma resposta satisfatória ainda por<br />

algum tempo!


588<br />

R.T.J. — 202<br />

Esse estado de incerteza decorre, em parte, do desenvolvimento relativamente<br />

recente de uma “Teoria da omissão inconstitucional”. Aqueles que quiserem se<br />

aprofundar no exame do tema perceberão que o seu estudo sistemático constituía, até<br />

muito pouco tempo, monopólio da dogmática constitucional alemã. Esse aspecto<br />

contribuiu, sem dúvida, para que a questão fosse tratada, inicialmente, como quase uma<br />

excentricidade do modelo constitucional desenvolvido a partir da promulgação da Lei<br />

Fundamental de Bonn.<br />

Observe-se, contudo, que o reconhecimento da inconstitucionalidade por omissão<br />

configura fenômeno relativamente recente, também na dogmática jurídica alemã.<br />

Em 1911, ressaltava Kelsen que a configuração de um dever do Estado de editar<br />

determinada lei afigurava-se inadmissível1 . Anteriormente, reconhecera Georg Jellinek<br />

que a impossibilidade de formular pretensão em face do legislador constituía communis<br />

opinio2 . Sob o império da Constituição de Weimar (1919) negava-se, igualmente, a<br />

possibilidade de se formular qualquer pretensão contra o legislador. Esse entendimento<br />

assentava-se, de um lado, na idéia de uma irrestrita liberdade legislativa e, de outro, na<br />

convicção de que o legislador somente atuava no interesse da coletividade3 .<br />

Essa concepção sofreu significativa mudança com o advento da Lei Fundamental<br />

de 1949. A expressa vinculação do legislador aos direitos fundamentais (art. 1º, § 3º) e à<br />

Constituição como um todo (art. 20, III) estava a exigir o desenvolvimento de uma nova<br />

concepção. Já em 1951 passa a doutrina a admitir, pela voz eloqüente de Bachof, a<br />

possibilidade de responsabilização do Estado em virtude de ato de índole normativa4 ,<br />

caracterizando uma ruptura com o entendimento até então vigente, baseado na própria<br />

jurisprudência do Reichsgericht5 . Bachof rejeitava, porém, uma pretensão à edição de<br />

uma lei por entender que isso seria incompatível com o princípio da divisão de poderes6 .<br />

A Corte Constitucional alemã viu-se compelida a arrostar questão atinente à omissão<br />

do legislador logo no seu primeiro ano de atividade.<br />

Na decisão de 19-12-51, o <strong>Tribunal</strong> negou a admissibilidade de recurso constitucional<br />

contra a omissão do legislador, que, segundo alegado, fixara a pensão previdenciária<br />

em valor insuficiente para a satisfação das necessidades básicas de uma família.<br />

Segundo o entendimento então esposado pelo <strong>Tribunal</strong>, os postulados contidos na Lei<br />

Fundamental não asseguravam ao cidadão, em princípio, qualquer pretensão a uma<br />

atividade legislativa suscetível de ser perseguida mediante recurso constitucional7 .<br />

1 KELSEN, Hans. Hauptprobleme de Staatsrechtslehre. Tübingen: JCB Mohr, 1911, p. 410.<br />

2 JELLINEK, Georg. System der subjektiven öffentlichen Rechte. 2. Aufl. Tübingen, 1905, p. 80, nota 1.<br />

3 ANSCHÜTZ, Gerhard; THOMA, Richard (Hrsg.). Handbuch des Deutschen Staatsrechts. Tübingen:<br />

Mohr, 1932, t. II, p. 608; GENZMER, Felix. Die Verwaltungsgerichtsbarkeit, Handbuch des<br />

Deutschen Staatsrechts. 1932, t. II, p. 506 et seq.<br />

4 BACHOF, Otto. Die verwaltungsgerichtliche Klage auf Vornahme einer Amtshandlung. 2. Aufl.<br />

Tübingen: Mohr, 1968, p. 18.<br />

5 Cf. acórdão do Reichsgericht in: RGZ 125, 282, no qual se assentou, expressamente, a impossibilidade<br />

de responsabilização do Estado por ato legislativo.<br />

6 BACHOF, Otto. Op cit. p. 18.<br />

7 BVerfGE 1, 97 (100).


R.T.J. — 202 589<br />

As decisões proferidas em 20-2-57 e em 11-6-58 estavam a sinalizar a evolução<br />

jurisprudencial que haveria de ocorrer. Na primeira decisão, proferida em processo de<br />

recurso constitucional, a Corte Constitucional alemã admitiu, expressamente, o cabimento<br />

de medida judicial contra omissão parcial do legislador, reconhecendo que, ao contemplar<br />

determinado grupo ou segmento no âmbito de aplicação de uma norma, o legislador<br />

poderia atentar contra o princípio da isonomia, cumprindo, de forma defeituosa, dever<br />

constitucional de legislar8 . Na decisão de 11-6-58, também proferida em recurso constitucional<br />

(Verfassungsbeschwerde) 9 impetrado contra lei federal, que fixava a remuneração<br />

de funcionários públicos, a Corte declarou que, embora não estivesse legitimada a fixar os<br />

vencimentos de funcionários públicos, dispunha ela de elementos suficientes para constatar<br />

que, em virtude da alteração do custo de vida, os valores estabelecidos na referida lei<br />

não mais correspondiam aos parâmetros mínimos exigidos pelo art. 33 (5) da Lei Fundamental10<br />

. Não se declarou aqui a nulidade do ato normativo, até porque uma cassação<br />

agravaria ainda mais o estado de inconstitucionalidade. O <strong>Tribunal</strong> limitou-se a constatar<br />

a ofensa a direito constitucional dos Impetrantes em virtude da omissão legislativa.<br />

Portanto, a jurisprudência da Corte Constitucional alemã identificou, muito cedo,<br />

que configura a omissão inconstitucional não só o inadimplemento absoluto de um<br />

dever de legislar (omissão total), mas também a execução falha, defeituosa ou incompleta<br />

desse mesmo dever (omissão parcial) (Teilunterlassung). Assentou-se, igualmente, que<br />

a lacuna inconstitucional poderia decorrer de uma mudança nas relações fáticas, configurando<br />

para o legislador imediato dever de adequação.<br />

A identificação da omissão inconstitucional do legislador, no juízo de constitucionalidade,<br />

tornava imperioso o desenvolvimento de novas técnicas de decisão, que se<br />

afigurassem adequadas a eliminar do ordenamento jurídico essa peculiar forma de afronta<br />

à Constituição, sem violentar a própria sistemática constitucional consagrada na Lei Fundamental.<br />

A Corte Constitucional recusou, de plano, a possibilidade de substituir-se ao<br />

8 BVerfGE 6, 257.<br />

9 Acentue-se que o ordenamento alemão não dispõe de instrumentos especiais para o controle<br />

judicial da omissão. O recurso constitucional – Verfassungsbeschwerde – constitui, na esfera do<br />

Bundesverfassungsgericht, o único instrumento processual autônomo de que o cidadão dispõe para<br />

atacar diretamente a omissão do legislador, desde que logre demonstrar eventual ofensa a um dos<br />

direitos fundamentais. Na maioria dos casos, cuida-se de Verfassungsbeschwerde dirigida contra ato<br />

normativo, nos casos em que se admite que o legislador satisfez, de forma incompleta, o dever de<br />

proteção (Schutzpflicht) dimanado de um ou de outro direito fundamental. A maioria dos casos referese,<br />

porém, não às Verfassungsbeschwerde propostas diretamente contra a omissão legislativa, sejam elas<br />

parciais ou totais, mas àquelas dirigidas contra decisão da última instância da jurisdição ordinária<br />

(chamadas Urteils-Verfassungsbeschwerde). A Urteil-Verfassungsbeschwerde cumpre, em determinada<br />

medida, função semelhante à do nosso recurso extraordinário pertinente à ofensa constitucional,<br />

podendo ser interposta nos casos de lesão aos direitos fundamentais mediante erro do Juiz ou <strong>Tribunal</strong><br />

na interpretação e aplicação do direito.<br />

10 BVerfGE 8, 1 (28).


590<br />

R.T.J. — 202<br />

legislador na colmatação das lacunas eventualmente identificadas, entendendo que a tarefa<br />

de concretização da Constituição foi confiada, primordialmente, ao legislador. Assim,<br />

tanto o princípio da divisão de poderes quanto o postulado da democracia obstavam a que<br />

os Tribunais se arrogassem ao direito de suprir lacunas eventualmente identificadas.<br />

Essa orientação fez com que o <strong>Tribunal</strong> desenvolvesse, como técnica de decisão<br />

aplicável aos casos de lacuna inconstitucional, a declaração de inconstitucionalidade<br />

sem a pronúncia da nulidade (Unvereinbarerklärung). Trata-se de decisão de caráter<br />

mandamental, que obriga o legislador a suprimir, com a possível presteza, o estado de<br />

inconstitucionalidade decorrente da omissão11 . Essa forma de decisão, construída pela<br />

jurisprudência, foi incorporada à lei que disciplina o processo perante a Corte Constitucional.<br />

Outra técnica de decisão, desenvolvida, sobretudo, para os casos de omissão<br />

inconstitucional, é o apelo ao legislador (Appellentscheidung), decisão na qual se afirma<br />

que a situação jurídica em apreço ainda se afigura constitucional, devendo o legislador<br />

empreender as medidas requeridas para evitar a consolidação de um estado de<br />

inconstitucionalidade. Essa técnica de decisão assumiu relevância ímpar nos casos da<br />

legislação pré-constitucional incompatível com a Lei Fundamental. A cassação dessas<br />

leis pré-constitucionais poderia levar, em muitos casos, a uma situação de autêntico caos<br />

jurídico. Daí ter a Corte Constitucional reconhecido que o legislador haveria de dispor<br />

de um prazo razoável para adaptar o direito ordinário à nova ordem constitucional,<br />

reconhecendo como “ainda constitucional” o direito anterior, que deveria ser aplicado<br />

nessa fase de transição. A doutrina constitucional mais moderna considera que o apelo<br />

ao legislador (Appellentscheidung) configura apenas uma decisão de rejeição de<br />

inconstitucionalidade, caracterizando-se essa recomendação dirigida ao legislador<br />

como simples obiter dictum12 . Essa qualificação não retira a eficácia desse pronunciamento,<br />

não havendo, até agora, registro de qualquer caso de recalcitrância ou de recusa<br />

do legislador no cumprimento de dever constitucional de legislar.<br />

No Brasil, a ação direta por omissão teve até agora uma aplicação restrita. Menos<br />

de uma centena de ações diretas de inconstitucionalidade por omissão foram propostas<br />

perante o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>13 , como se pode verificar no quadro adiante:<br />

11 IPSEN, Jörn. Rechtsfolgen der Verfassungswidrigkeit von Norm und Einzelakt. Baden-Baden: 1980,<br />

p. 268-269.<br />

12 Cf. a propósito, BRYDE, Brun-Otto. Verfassungsentwicklung, Stabilität und Dynamik im Verfassungsrecht<br />

der Bundesrepublik Deutschland. Baden-Baden: 1982, p. 397 et seq.; IPSEN, Jörn. Rechtsfolgen<br />

der Verfassungswidrigkeit von Norm und Einzelakt, cit. p. 125. Sobre a diferenciação entre ratio<br />

decidendi e obter dictum “coisa dita de passagem” (acessoriamente, v. RÓNAI, Paulo. Não perca o seu<br />

latim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), isto é entre os fundamentos essenciais à prolação do<br />

julgado e aquelas considerações que integram os fundamentos da decisão, mas que são perfeitamente<br />

dispensáveis, v. SCHLÜTER, Wilfried. Das Obiter Dictum. Munique: 1973, p. 77 et seq.<br />

13 Seção de Matéria Constitucional/Secretaria Judiciária/STF.


R.T.J. — 202 591<br />

Ações diretas de inconstitucionalidade por omissão<br />

<strong>ADI</strong><br />

Objeto Parâmetro de controle<br />

1 19/AL Aplicação de teto de remuneração para servidor CF, arts. 37, XI e XII; 39, § 1º.<br />

estadual.<br />

2 22/DF Lei 4.215/63 (Estatuto da OAB).<br />

3 23/SP Isonomia de vencimentos dos Delegados de<br />

Polícia de carreira com outras carreiras jurídicas.<br />

CF, art. 241.<br />

4 31/DF Convênio ICM 66/88. ADCT, art. 40.<br />

5 33/DF Convênio ICM 66/88, art. 3º, § 1º, § 2º e § 3º. CF, art. 155, X, a.<br />

ADCT, art. 34, § 8º.<br />

6 130/DF Organização e funcionamento da Advocacia-<br />

Geral da União.<br />

ADCT, art. 29, § 1º.<br />

7 206/DF Organização da seguridade social e dos planos de<br />

custeio e benefício.<br />

8 267/DF Elevação da representação do Estado de São<br />

Paulo para 70 deputados.<br />

ADCT, art. 59.<br />

CF, art. 45, § 1º.<br />

9 296/DF Instituição do sistema de carreira do serviço civil<br />

da União.<br />

CF, art. 39 e parágrafos.<br />

10 297/DF Revisão do cálculo de aposentadorias e pensões<br />

de servidores públicos.<br />

ADCT, art. 20.<br />

11 336/SE Vários dispositivos da Constituição do Estado de CF, arts. 37, I, II, X e XIII;<br />

Sergipe. Intervenção do Estado nos municípios; 39, § 1º; 41; 48, X; 61, II, a; e<br />

remunerações de servidores e magistrados. 167, IV.<br />

12 343/DF Erradicação do analfabetismo e incentivo ao ensino<br />

fundamental obrigatório e gratuito – Lei 7.999/90.<br />

ADCT, art. 60.<br />

13 361/DF Regulamentação da Lei 7.990/89. CF, art. 20, § 1º.<br />

14 443/MG Equiparação de índices de reajuste entre funcio- CF, art. 37, X.<br />

nários públicos civis e militares – Lei 10.364/90/<br />

MG.<br />

15 477/DF Fixação do salário mínimo – Lei 8.178/91. CF, art. 7º, IV.<br />

16 480/DF Vinculação dos benefícios da Previdência Social<br />

ao salário mínimo.<br />

ADCT, art. 59.<br />

17 529/DF Remuneração dos servidores públicos civis e militares<br />

da União – Medida Provisória 296, arts.<br />

1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º.<br />

CF, arts. 37, X; e 39, § 1º.


592<br />

18 535/DF<br />

R.T.J. — 202<br />

Erradicação do analfabetismo e incentivo ao ensino<br />

fundamental obrigatório e gratuito – Lei 8.175/91.<br />

19 607/DF Organização da Seguridade Social e instituição<br />

do Plano de Custeio e de Benefícios da Previdência<br />

Social – Leis 8.212/91 e 8.213/91.<br />

20 635/RS Isonomia de vencimentos entre os Auditores de<br />

Finanças Públicas e os Fiscais de Tributos Estaduais.<br />

Constituição/RS, art. 31.<br />

21 652/MA Diversos dispositivos da Lei Complementar<br />

10/91/MA.<br />

22 713/RJ Omissão na sanção e intempestividade de veto<br />

aposto por Governador de Estado na Lei 1.057/<br />

86/RJ.<br />

23 720/RJ Omissão na sanção e intempestiva de veto aposto<br />

por Governador de Estado na Lei 1.057/86/RJ.<br />

ADCT, art. 60.<br />

ADCT, art. 59.<br />

CF, art. 39, § 1º.<br />

CF, art. 18, § 4º.<br />

CF, arts. 34, VI, VII; 36, I,<br />

§ 3º; e 66, § 1º e § 3º.<br />

CF, arts. 34, VI e VII; 36, I,<br />

§ 3º; e 66, § 1º e § 3º.<br />

24 799/DF Lei 7.719/89. CF, art. 39, § 1º.<br />

25 823/DF Demarcação de terras indígenas pela Funai, cujo<br />

orçamento depende de lei orçamentária anual e<br />

créditos suplementares ou especiais.<br />

26 877/DF Implantação da seguridade social e respectivos<br />

planos de custeio.<br />

CF, art. 231, caput, parte final.<br />

ADCT, art. 67.<br />

CF, arts. 203, V, e 204.<br />

ADCT, art. 59.<br />

27 889/DF Aproveitamento dos censores federais. CF, art. 61, § 1º, II, a, c e e.<br />

ADCT, art. 23, parágrafo<br />

único.<br />

28 986/DF Portaria 699/93 do Ministério da Fazenda. CF, art. 150, VI, d.<br />

29 989/MT Constituição/MT, art. 147, § 2º, § 3º e § 4º. CF, arts. 5º, caput, e 37,<br />

caput, XV.<br />

30 1.177/DF Normas regulamentadoras do processamento de<br />

dados lotéricos.<br />

CF, art. 21, XI.<br />

31 1.338/DF Estruturação da Polícia Rodoviária <strong>Federal</strong>. CF, art. 144, § 2º.<br />

32 1.387/DF Medida Provisória 1.184/95, art. 1º.<br />

Medida Provisória reeditada sob os números<br />

1.547-30/97 e 1.547-31/97.<br />

33 1.458/DF Medida Provisória 1.415/96, art. 1º.<br />

Medida Provisória reeditada sob o número 1.463 e<br />

reeditada sob os números 1.463-2, 1.463-3 e<br />

1.463-4, todas de 1996.<br />

CF, art. 39, § 1º.<br />

CF, art. 7º, IV.


34 1.466/DF Revisão geral de vencimentos, soldos e proventos<br />

de servidores públicos civis e militares e seus<br />

inativos e pensionistas.<br />

35 1.468/DF Medida Provisória 1.463/96, arts. 1º, 2º, 3º, 4º,<br />

5º e 10.<br />

Medida Provisória 1.440/96, art. 8º, § 1º, § 2º e<br />

§ 3º.<br />

Medidas Provisórias reeditadas sob os números<br />

1.463-2/96, 1.488/96 e 1.488-13/96.<br />

Medidas Provisórias reeditadas sob os números<br />

1.463-3/96 e 1.488-14/96.<br />

36 1.484/DF<br />

37 1.495/DF<br />

Resolução 2.303/96.<br />

Lei 9.295/96.<br />

38 1.638/DF Lacração de estação de serviço de radiodifusão<br />

sonora FM pela Delegacia Regional do Ministério<br />

das Comunicações do Rio de Janeiro.<br />

39 1.698/DF Erradicação do analfabetismo e incentivo ao ensino<br />

fundamental obrigatório e gratuito.<br />

40 1.810/DF Norma regulamentadora para o transporte alternativo<br />

complementar por vans e congêneres.<br />

41 1.820/DF Medida Provisória 1.652-42/98, art. 1º, parágrafo<br />

único.<br />

Medida Provisória reeditada sob o número 1.652-<br />

43/98.<br />

Lei 9.641/98, conversão em lei da MP 1.652-43.<br />

42 1.830/DF<br />

Medida Provisória 1.656/98, art. 1º, parágrafo<br />

único.<br />

43 1.836/SP Isonomia de vencimentos entre as carreiras de<br />

Advogado do Estado, Defensores Públicos e<br />

Delegados de Polícia.<br />

44 1.877/DF Medida Provisória 1.663-12/98, arts. 7º, 8º, 9º,<br />

10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 28.<br />

45 1.987/DF Normas sobre o critério de rateio do Fundo de<br />

Participação dos Estados.<br />

46 1.996/DF Medida Provisória 1.824/99, arts. 1º, parágrafo<br />

único, 2º, 3º e 4º.<br />

Medidas Provisórias reeditadas sob os números<br />

1.824-01, 1.824-02, 1.824-03, 1.824-05, todas<br />

de 1999.<br />

R.T.J. — 202 593<br />

CF, arts. 7º, VI; 37, X, XII e<br />

XV; 39, § 2º; e 194, IV.<br />

CF, arts. 5º, XXXVI; 7º, IV;<br />

194, parágrafo único, IV;<br />

195, § 6º; 201, § 2º; e 202.<br />

CF, art. 21, XI; 173, § 4º; e<br />

220, § 5º.<br />

CF, arts. 5º, XXXII; 170, V;<br />

e 174.<br />

CF, art. 215, § 1º e § 2º.<br />

CF, arts. 6º; 23, V; 208, I; e<br />

214.<br />

CF, art. 193.<br />

CF, art. 39, § 1º.<br />

CF, arts. 7º, IV, e 201, § 2º.<br />

CF, art. 241.<br />

CF, arts. 7º, IV; 194, IV;<br />

201, § 2º; e 202.<br />

CF, art. 161, II.<br />

CF, arts. 7º, IV; 14 (EC 20);<br />

68, § 1º; 201, § 2º, § 3º, § 4º.


594<br />

R.T.J. — 202<br />

47 2.017/DF Competência do Poder Executivo para apresentar<br />

projeto de lei complementar ao Congresso<br />

Nacional (Finanças Públicas).<br />

48 2.061/DF Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores da União.<br />

CF, art. 163.<br />

EC 19, art. 30.<br />

CF, art. 37, X (EC 19).<br />

49 2.076/AC Preâmbulo da Constituição/AC. ADCT, art. 11.<br />

50 2.140/RO Lei Complementar 96/99. CF, arts. 37; 39; 48, X; 61, §<br />

1º, II, a; 84, XXV; 169, § 3º,<br />

I e II, e § 6º.<br />

51 2.154/DF Lei 9.688/99, arts. 26, parte final, e 27. CF, arts. 5º, I, II e XXXV; e<br />

102, j.<br />

52 2.162/DF Medida Provisória 1.933-10/00, arts. 1º ao 5º. CF, arts. 5º, XXXVI; 6º; 7º,<br />

IV; 194, IV; 195, § 6º; 201,<br />

§ 2º; e 202.<br />

53 2.205/SP Projeto de lei para a revisão anual da remuneração<br />

de servidores públicos estaduais.<br />

CF, art. 37, X (EC 19).<br />

54 2.318/SE Projeto de lei relativo a reajuste de vencimentos<br />

de servidores estaduais.<br />

55 2.368/DF Projeto de lei relativo à revisão anual da remuneração<br />

dos servidores da Justiça trabalhista.<br />

56 2.445/DF Projeto de lei para revisão da remuneração dos<br />

servidores da União.<br />

57 2.481/RS Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

58 2.486/RJ Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

59 2.490/PE Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

60 2.491/GO Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

61 2.492/SP Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

62 2.493/PR Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

63 2.495/SC Projeto de lei sobre a revisão geral anual da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

CF, art. 37, X, c/c art. 96,<br />

II, b.<br />

CF, art. 37, caput, X.<br />

CF, art. 37, X (EC 19).<br />

CF, art. 37, X.<br />

CF, arts. 22, parágrafo único,<br />

I; 25; 37, X; e 169, § 1º.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.


64 2.496/MS Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

65 2.497/RN Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

66 2.498/ES Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

67 2.503/MA Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

68 2.504/MG Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

69 2.505/BA Projeto de lei para a revisão da remuneração dos<br />

servidores estaduais.<br />

70 2.506/CE Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

71 2.507/AL Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

72 2.508/PA Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

73 2.509/AM Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

74 2.510/AP Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

75 2.511/PB Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

76 2.512/MT Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

77 2.516/AC Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

78 2.517/SE Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

79 2.518/RO Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

80 2.519/RR Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

R.T.J. — 202 595<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.


596<br />

R.T.J. — 202<br />

81 2.520/PI Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

82 2.523/BA Lei 6.677/94, art. 258. CF, arts. 25 e 37, X.<br />

83 2.524/TO Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

84 2.525/DF Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores distritais.<br />

85 2.537/SE Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração<br />

dos servidores estaduais.<br />

86 2.557/MS Projeto de lei de revisão geral anual da remuneração<br />

de servidores do Judiciário estadual.<br />

87 2.563/DF Fixação de subsídio de Ministro do STF e implantação<br />

de teto remuneratório estadual.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, arts. 25 e 37, X.<br />

CF, art. 37, X.<br />

CF, art. 37, XI (EC 19).<br />

88 2.634/DF Medida Provisória 1.911/99. CF, art. 194, VII (EC 20).<br />

89 2.740/AM Constituição/AM, art. 109, VIII. CF, art. 37, X.<br />

90 2.778/MG Constituição/MG, art. 141 c/c arts. 136, I, e 139. CF, art. 144, § 4º e § 6º.<br />

91 3.276/CE Constituição/CE, arts. 71, § 2º, I e II; e 79, § 2º,<br />

II, c (EC 54).<br />

92 3.302/MS Revisão geral anual da remuneração dos servidores<br />

públicos.<br />

CF, arts. 73, § 2º, I, e 75.<br />

CF, art. 37, X (EC 19).<br />

93 3.303/DF Lei 10.331/01, art. 1º. CF, arts. 37, X, e 61, § 1º, II, a.<br />

94 3.364/RJ Lei 3.893/02, art. 5º, § 1º, I e II. CF, art. 39, § 1º.<br />

95 3.575/DF Remuneração dos advogados federais, integrantes<br />

da Advocacia-Geral da União.<br />

CF, art. 135.<br />

96 3.622/DF Implantação da Defensoria Pública da União. CF, arts. 5º, LXXXVI, e 134.<br />

97 3.682/MT Criação de Município. CF, art. 18, § 4º (EC 15).<br />

Dados obtidos nas bases do STF. Atualizado em janeiro de 2007.<br />

Tal como a ação direta de inconstitucionalidade (<strong>ADI</strong>), o processo de controle<br />

abstrato da omissão (<strong>ADI</strong>O) não tem outro escopo senão o da defesa da ordem fundamental<br />

contra condutas com ela incompatíveis. Não se destina, pela própria índole, à<br />

proteção de situações individuais ou de relações subjetivadas, mas visa, precipuamente,<br />

à defesa da ordem jurídica. Não se pressupõe, portanto, a configuração de um interesse<br />

jurídico específico ou de um interesse de agir. Os órgãos ou entes incumbidos de instaurar<br />

esse processo de defesa da ordem jurídica agem não como autores, no sentido estritamente<br />

processual, mas como advogados do interesse público ou, para usar a expressão


R.T.J. — 202 597<br />

de Kelsen, como advogados da Constituição14 . O direito de instaurar o processo de<br />

controle não lhes foi outorgado tendo em vista a defesa de posições subjetivas. Afigurase<br />

suficiente, portanto, a configuração de um interesse público de controle. Tem-se aqui,<br />

pois, para usarmos a denominação usada por Triepel15 e adotada pela Corte Constitucional<br />

alemã, típico processo objetivo16 .<br />

Ressalte-se que, a despeito do entendimento quanto à natureza diversa da ação<br />

direta de inconstitucionalidade e da ação direta por omissão, pelo menos quanto ao<br />

resultado, o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> não distingue os institutos no que concerne à sua<br />

autonomia processual, contemplando a ação direta por omissão na mesma lista numérica<br />

das ações diretas em geral (cf. art. 102, I, a, da CF/88 e Resolução 230/02 do STF). Daí a<br />

dificuldade para o estudioso de identificar até mesmo o número de ações diretas por<br />

omissão já propostas. Ocorre aqui fenômeno assemelhado ao verificado com a representação<br />

interventiva e a representação por inconstitucionalidade (controle abstrato) sob a<br />

Constituição de 1967/1969, que acabou por não distinguir a representação de inconstitucionalidade<br />

da representação interventiva.<br />

3. A omissão legislativa inconstitucional quanto à elaboração da lei complementar<br />

federal prevista no § 4º do art. 18 da Constituição<br />

O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> assentou entendimento segundo o qual o art. 18, § 4o, da Constituição da República, com a redação determinada pela EC 15/96, é norma de<br />

eficácia limitada17 , dependente, portanto, da atuação legislativa no sentido da feitura<br />

da lei complementar nele referida para produzir plenos efeitos. Ainda que despida de<br />

eficácia plena, consignou-se que tal norma constitucional teria o condão de inviabilizar<br />

a instauração de processos tendentes à criação de novas municipalidades até o advento<br />

da referida lei complementar federal. Assim, com base nessas premissas, o <strong>Tribunal</strong>, em<br />

diversos julgados, declarou a inconstitucionalidade de leis estaduais, posteriores à EC<br />

15/96, instituidoras de novos municípios, por ausência da lei complementar federal<br />

prevista pelo art. 18, § 4º, da Constituição (<strong>ADI</strong> 2.381-MC/RS, Rel. Min. Sepúlveda<br />

Pertence, DJ de 14-12-01; <strong>ADI</strong> 3.149/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 1º-4-05;<br />

<strong>ADI</strong> 2.702/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 6-2-04; <strong>ADI</strong> 2.967/BA, Rel. Min.<br />

Sepúlveda Pertence, DJ de 19-3-04; <strong>ADI</strong> 2.632/BA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de<br />

12-3-04).<br />

A Emenda Constitucional 15, de 1996, como todos sabem, foi elaborada com o<br />

conhecido intuito de colocar um ponto final na crescente proliferação de municípios<br />

observada no período pós-88. A redação original do art. 18, § 4º, da Constituição criava<br />

14 Nesse sentido, verificar: KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes,<br />

2003, p. 175-176.<br />

15 O art. 13, § 2º, da Constituição de Weimar previa, expressamente, a aferição abstrata da validade de<br />

uma norma na relação entre o direito federal (Reichsrecht) e o direito estadual (Landesrecht).<br />

16 Cf. também MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade, aspectos jurídicos e políticos.<br />

São Paulo: Saraiva, 1990, p. 249 et seq.<br />

17 Cf. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros,<br />

2003.


598<br />

R.T.J. — 202<br />

condições muito propícias para que os Estados desencadeassem o processo de criação,<br />

fusão, incorporação e desmembramento de municípios, por leis próprias, respeitados<br />

parâmetros mínimos definidos em lei complementar, também estadual.<br />

A justificação apresentada na Proposta de Emenda à Constituição 22, de 1996, no<br />

Senado <strong>Federal</strong>, esclarece os motivos da mudança constitucional (fl. 55):<br />

O aparecimento de um número elevado de municípios novos, no País, tem chamado<br />

atenção para o caráter essencialmente eleitoreiro que envolve suas criações, fato este lamentável.<br />

Ao determinar a responsabilidade da criação de municípios aos Estados, a Constituição <strong>Federal</strong><br />

considerou corretamente as particularidades regionais a que devem obedecer os requisitos para<br />

a criação de municípios.<br />

Contudo, o texto do § 4º do art. 18 não apresentou as restrições necessárias ao consentimento<br />

dos abusos, hoje observado, e que não levam em conta os aspectos mais relevantes para<br />

a criação ou não de novos municípios.<br />

A determinação, no mesmo parágrafo, de que ficarão preservadas a continuidade e a<br />

unidade histórico-cultural do ambiente urbano deixa muito a desejar, por constituir uma condição<br />

nem precisa, nem objetiva.<br />

Aceitamos que, para dispor mais objetivamente sobre a questão, a Constituição <strong>Federal</strong><br />

deveria ser mais incisiva na determinação de condições capazes de evitar, ao máximo, distorções<br />

que ameacem a transparência e o amadurecimento da decisão técnica e política.<br />

Assim, nesta proposta de emenda à Constituição, estamos incluindo dois elementos, a<br />

nosso ver, muito importantes. Primeiro, o período em que poderão ser criados os municípios,<br />

que deverá ser limitado com relação à época das eleições municipais. Este período será determinado<br />

por lei complementar federal.<br />

Segundo, a apresentação e publicação, na forma da lei, dos Estudos de Viabilidade<br />

Municipal, os quais deverão dar o necessário embasamento, sob diferentes perspectivas, à decisão<br />

da população, manifesta em plebiscito.<br />

A emenda constitucional foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados<br />

mais de 10 (dez) anos, não foi editada a lei complementar federal definidora do período<br />

dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação, incorporação,<br />

desmembramento e fusão de municípios.<br />

Não se pode negar, portanto, a existência de notório lapso temporal a demonstrar, à<br />

primeira vista, a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco<br />

dever constitucional de legislar, decorrente do comando do art. 18, § 4º, da Constituição.<br />

Em parecer rigoroso e analítico, o Procurador-Geral da República, Dr. Antonio<br />

Fernando Barros e Silva de Souza, após estudar as condições em que a inatividade do<br />

legislador configura a omissão inconstitucional, assim analisa o presente caso:<br />

23. No caso presente, o artigo 18, § 4º, com a redação dada pela Emenda Constituição n.<br />

15/1996, está a exigir a edição da Lei Complementar <strong>Federal</strong>, que fixe o período determinado<br />

para a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios. A inviabilidade de<br />

concretização do preceito diante da ausência do ato normativo, por longos dez anos, tempo mais<br />

do que suficiente para que o Congresso Nacional o aprovasse, fere a Constituição, em sua<br />

literalidade e espírito.<br />

24. Observemos ainda que o silêncio do legislador federal termina por comprometer a<br />

autonomia das entidades federativas estaduais e municipais, incapacitadas que ficam de organizar<br />

adequada e convenientemente a distribuição do poder político-administrativo nos respectivos<br />

territórios.<br />

25. O federalismo se diferencia das outras formas de estado exatamente por garantir, por<br />

meio da Constituição, esferas de autoconformação, inclusive territorial, aos entes federados. O


R.T.J. — 202 599<br />

Brasil, como sabemos, é um federalismo tripartite ou de três níveis, assim como a Bélgica,<br />

embora, evidentemente, sob outras razões, por ter destacado os municípios como partes<br />

disjuntivas da federação.<br />

26. Pois bem, a lei complementar federal ainda por fazer-se é imprescindível para que se<br />

adotem todas as providências necessárias à criação de municipalidades que demonstrem viabilidade<br />

econômico-financeira e o desejo da população em emancipar-se.<br />

27. A inicial, aliás, relata a paralisia dos Estados, por ausência da mencionada lei, para dar<br />

continuidade a processos de emancipação de diversos municípios, atendendo a anseios de seus<br />

moradores. É certo que o período pós 1988 foi pródigo em desmembramentos de unidades<br />

municipais incapazes do auto-sustento. Sem embargo, não se pode corrigir esse vício passado<br />

com outro vício, agora, de inanição constitucional. Até por que a EC n. 15/1996 criou garantias<br />

contra a inflação municipalizante, neutralizando surtos emancipacionistas como o vivido.<br />

28. Em situações assim é mais do que recomendável a intervenção judiciária, como forma<br />

de chamar a atenção dos representantes do povo para o problema. São eles, os representantes do<br />

povo, que, no dizer de José Adércio L. Sampaio, têm primazia na “função político-constitucional<br />

de densificação em normas do significado” do federalismo, por obterem legitimidade nas<br />

umas: “são eles que detêm o poder, conferido, é verdade, sob reservas, de fazer a maquinaria<br />

constitucional funcionar. E é exatamente essa reserva que permite a atuação do Judiciário nos<br />

excessos ou nas omissões, nos desvarios da política.”<br />

29. Adicionalmente, devemos lembrar que a inércia legislativa está a impedir que a<br />

soberania popular, base de todo poder (art. 1º, § único, CF), se expresse pelos canais plebiscitários<br />

num sentido ou noutro da reorganização municipal.<br />

30. Soma-se, portanto, a ausência de lei constitucionalmente exigida para desenvolvimento<br />

jusnormativo por tempo mais do razoável para o adimplemento, com a desconsideração do<br />

princípio federativo e da soberania popular para definir a gravidade do quadro de inconstitucionalidade<br />

retratado nos autos.<br />

Ante o exposto, o parecer é pela procedência do pedido formulado na inicial para que seja<br />

declarada a inconstitucionalidade por omissão.<br />

Não obstante, ressalto que os dados fáticos da inexistência do ato normativo em<br />

referência e do extenso lapso temporal podem não ser suficientes para a configuração da<br />

omissão legislativa inconstitucional.<br />

Desde a promulgação da EC 15/96, não se pode falar exatamente em uma total<br />

inércia legislativa, visto que vários projetos de lei complementar foram apresentados e<br />

discutidos no âmbito das casas legislativas. O primeiro deles, o Projeto de Lei Complementar<br />

130, foi apresentado em 21 de novembro de 1996, portanto, apenas dois meses<br />

após a publicação da EC 15/96, em 13 de setembro de 1996. Posteriormente, foram<br />

apresentados os seguintes projetos de lei complementar visando à regulamentação do<br />

art. 18, § 4º, da Constituição: PLP 138/96, PLP 151/97, PLP 39/99, PLP 87/99, PLP 170/00,<br />

PLP 227/01, PLP 273/01, PLP 6/03, PLP 78/03, PLP 90/03, PLP 286/0518 .<br />

O Projeto de Lei Complementar 41, de 2003, do Senado <strong>Federal</strong>, chegou a ser<br />

aprovado, porém foi posteriormente vetado pelo Presidente da República, por meio da<br />

Mensagem 289, de 30 de junho de 2003.<br />

Desde então, o Congresso Nacional não voltou a apreciar o tema. Em setembro de<br />

2006, completaram-se dez anos de vigência da EC 15/96, sem que a lei complementar<br />

federal nela referida tenha sido editada.<br />

18 Todos esses projetos encontram-se atualmente apensados ao PLP 130/96, com exceção do PLP 170/00,<br />

já arquivado.


600<br />

R.T.J. — 202<br />

Assim, questão que ainda está a merecer melhor exame diz respeito à inertia<br />

deliberandi (discussão e votação) no âmbito das Casas Legislativas 19 . Enquanto a sanção<br />

e o veto estão disciplinados, de forma relativamente precisa, no texto constitucional,<br />

inclusive no que concerne a prazos (art. 66), a deliberação não mereceu do constituinte,<br />

no tocante a esse aspecto, uma disciplina mais minuciosa. Ressalvada a hipótese de<br />

utilização do procedimento abreviado previsto no art. 64, § 1º e § 2º, da Constituição,<br />

não se estabeleceram prazos para a apreciação dos projetos de lei. Observe-se que, mesmo<br />

nos casos desse procedimento abreviado, não há garantia quanto à aprovação dentro de<br />

determinado prazo, uma vez que o modelo de processo legislativo estabelecido pela<br />

Constituição não contempla a aprovação por decurso de prazo.<br />

Quid juris, então, se os órgãos legislativos não deliberarem dentro de um prazo<br />

razoável sobre projeto de lei em tramitação? Ter-se-ia aqui uma omissão passível de vir<br />

a ser considerada morosa no processo de controle abstrato da omissão?<br />

O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> tem considerado que, desencadeado o processo<br />

legislativo, não há que cogitar de omissão inconstitucional do legislador 20 .<br />

Essa orientação há de ser adotada com temperamento.<br />

A complexidade de algumas obras legislativas não permite que elas sejam concluídas<br />

em prazo exíguo. O próprio constituinte houve por bem excluir do procedimento<br />

abreviado os projetos de código (CF, art. 64, § 4º), reconhecendo expressamente que<br />

obra dessa envergadura não poderia ser realizada de afogadilho. Haverá trabalhos<br />

legislativos de igual ou maior complexidade. Não se deve olvidar, outrossim, que as<br />

atividades parlamentares são caracterizadas por veementes discussões e difíceis negociações,<br />

que decorrem mesmo do processo democrático e do pluralismo político reconhecido<br />

e consagrado pela ordem constitucional (art. 1º, caput, e inciso I). Orlando Bitar,<br />

distinguindo os Poderes, dizia que o Legislativo é intermitente, o Executivo, permanente<br />

e o Judiciário só age provocado. Ou seja, o Legislativo pode parar por algum tempo, isto<br />

é, entrar em recesso.<br />

Essas peculiaridades da atividade parlamentar, que afetam, inexoravelmente,<br />

o processo legislativo, não justificam, todavia, uma conduta manifestamente negligente<br />

ou desidiosa das Casas Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a<br />

própria ordem constitucional.<br />

Não tenho dúvida, portanto, em admitir que também a inertia deliberandi das<br />

Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.<br />

Dessa forma, pode o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> reconhecer a mora do legislador<br />

em deliberar sobre a questão, declarando, assim, a inconstitucionalidade da<br />

omissão.<br />

No caso em questão, apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos<br />

de lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, é possível,<br />

sim, constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação<br />

da lei complementar federal em referência.<br />

19 A referência aqui diz respeito às fases de discussão e deliberação do processo legislativo.<br />

20 Cf., nesse sentido: <strong>ADI</strong> 2.495, Ilmar Galvão, julgada em 2-5-02, DJ de 2-8-02.


R.T.J. — 202 601<br />

A omissão inconstitucional torna-se bastante clara se voltarmos os olhos para a<br />

pletora de municípios criados mesmo após o advento da EC 15/96 com base em requisitos<br />

definidos em antigas legislações estaduais, alguns declarados inconstitucionais por<br />

esta Corte (<strong>ADI</strong> 2.381-MC/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14-12-01; <strong>ADI</strong><br />

3.149/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 1º-4-05; <strong>ADI</strong> 2.702/PR, Rel. Min. Maurício<br />

Corrêa, DJ de 6-2-04; <strong>ADI</strong> 2.967/BA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 19-3-04; <strong>ADI</strong><br />

2.632/BA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 12-3-04); uma realidade quase que<br />

imposta por um modelo que, adotado pela EC 15/96, ainda não foi implementado em<br />

toda sua plenitude, em razão da inexistência da lei complementar federal a que alude o<br />

referido preceito constitucional.<br />

A deficiência do modelo em razão da omissão inconstitucional do legislador foi<br />

bem demonstrada pelo Ministro Eros Grau em voto proferido na <strong>ADI</strong> 2.240/BA, do qual<br />

extraio os seguintes trechos:<br />

Aqui – repito – estamos diante de uma situação excepcional. A exceção manifesta-se<br />

inicialmente em razão de omissão do Poder Legislativo, omissão que impede, desde a promulgação<br />

da Emenda Constitucional 15, em 12 de setembro de 1996, a criação, incorporação, fusão e<br />

desmembramento de Municípios. Essa omissão consubstancia uma moléstia do sistema, um<br />

desvio do seu estado normal, como passo a demonstrar.<br />

A República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios<br />

e do Distrito <strong>Federal</strong> (art. 1o da Constituição do Brasil). Assim, observado o disposto no § 4º<br />

do art. 18 da Constituição do Brasil e a lei complementar nele mencionada, a decisão política que<br />

envolva a criação de um Município poderia, se existente a lei complementar, ser tomada. A<br />

omissão do Congresso Nacional impede, no entanto, que essa decisão, de caráter político, seja<br />

afirmada.<br />

Essa omissão opera no sentido de como que transferir parcela de função constituinte ao<br />

Poder Legislativo – o que é inadmissível – eis que inviabiliza o que a Constituição autoriza, a<br />

criação de um novo Município. A não-edição da lei complementar dentro de um prazo razoável<br />

consubstancia autêntica violação da ordem constitucional.<br />

Assim, não vejo como não reconhecer a omissão inconstitucional do legislador<br />

diante do dever de legislar imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição da República, com<br />

a redação conferida pela EC 15/96.<br />

4. Decisão<br />

O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> deixou assente, na decisão proferida no MI 107, da<br />

relatoria do Ministro Moreira Alves, que a Corte deve limitar-se, nesses processos, a declarar<br />

a configuração da omissão inconstitucional, determinando, assim, que o legislador<br />

empreenda a colmatação da lacuna. Tal como a decisão proferida na ação direta por omissão,<br />

a decisão tem, para o legislador, caráter obrigatório. Ambos os instrumentos buscam a<br />

expedição de uma ordem judicial ao legislador, configurando o chamado “Anordnungsklagerecht”<br />

(“ação mandamental”) 21 de que falava Goldschmidt22 . Assim, abstraídos os<br />

21 MI 107, Relator Moreira Alves, DJ de 28-11-89.<br />

22 GOLDSCHMIDT, James. Zivilprozessrecht. 2. ed. Berlim, 1932, § 15a, p. 61.


602<br />

R.T.J. — 202<br />

casos de construção jurisprudencial admissível23 e de pronúncia de nulidade parcial que<br />

amplie o âmbito de aplicação da norma 24 , deveria o <strong>Tribunal</strong> limitar-se, por razões de<br />

ordem jurídico-funcional, a constatar a declaração de inconstitucionalidade da omissão<br />

do legislador25 .<br />

No mesmo sentido, afirmou a Corte Constitucional alemã, já no começo de sua<br />

judicatura, que não estava autorizada a proferir, fora do âmbito da regra geral, uma<br />

decisão para o caso concreto, ou determinar qual norma geral haveria de ser editada pelo<br />

legislador 26 . Também o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> deixou assente, na decisão proferida<br />

no MI 107, que a Corte não está autorizada a expedir uma norma para o caso concreto ou<br />

a editar norma geral e abstrata, uma vez que tal conduta não se compatibiliza com os<br />

princípios constitucionais da democracia e da divisão de poderes27 .<br />

Como ressaltado, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão – assim como<br />

o mandado de injunção – pode ter como objeto tanto a omissão total, absoluta, do<br />

legislador, quanto a omissão parcial, ou o cumprimento incompleto ou defeituoso de<br />

dever constitucional de legislar. Caso reconheça a existência de omissão morosa do<br />

legislador, o <strong>Tribunal</strong> haverá de declarar a inconstitucionalidade da omissão, devendo,<br />

nos termos da Constituição (art. 103, § 2º), dar ciência da decisão ao órgão ou aos órgãos<br />

cujo comportamento moroso se censura para que empreendam as medidas necessárias.<br />

Nos casos de omissão dos órgãos administrativos que interfira na efetividade de<br />

norma constitucional, determinar-se-á que a administração empreenda as medidas necessárias<br />

ao cumprimento da vontade constitucional, devendo verificar-se a execução da<br />

ordem judicial no prazo de 30 dias.<br />

As formas expressas de decisão, seja no caso de omissão legislativa ou de omissão<br />

administrativa prevista no art. 103, § 2º, da Constituição, parecem insuficientes para<br />

abarcar o complexo fenômeno da omissão inconstitucional.<br />

No que concerne à omissão administrativa, deverá o órgão administrativo ser<br />

cientificado para atuar em 30 dias. Considerando o quadro diferenciado que envolve a<br />

omissão de ato administrativo, afigura-se algo ilusório o prazo fixado.<br />

Se se tratar de edição de ato administrativo de caráter regulamentar, muito provavelmente<br />

esse prazo há de revelar-se extremamente exíguo. Em outros casos, que demandem<br />

realização de medidas administrativas concretas (construção de escolas, hospitais,<br />

presídios, adoção de determinadas políticas complexas, etc.), esse prazo mostra-se ainda<br />

mais inadequado.<br />

23 Cf., a propósito, JÜLICHER, Friedrich. Die Verfassungsbeschwerde gegen Urteile bei<br />

gesetzgeberischem Unterlassen. Berlim, 1972, p. 22; SCHENKE, Wolf-Rüdiger. Rechtsschutz bei<br />

normativem Unrecht. Berlim, 1979, p. 178; PESTALOZZA, Christian. “Noch verfassungsmässige”<br />

und “bloss verfassungswidrige” Rechtslagen. In: Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz.<br />

Tubingen, 1976, Vol. I, p. 519 (526).<br />

24 BVerfGE 8, 1 (36); 22, 349 (360); 22, 156 (174).<br />

25 Cf., a propósito, MI 107, Moreira Alves, DJ de 28-11-89.<br />

26 BVerfGE 6, 257 (264); 8, 1 (19); Dazu p. auch Herzog, in: Maunz-Dürig-Herzog-Scholz, art. 20 III,<br />

RdNr. 13.<br />

27 MI 107, Relator Moreira Alves, DJ de 28-11-89.


R.T.J. — 202 603<br />

Um dos problemas relevantes da dogmática constitucional refere-se aos efeitos de<br />

eventual declaração de inconstitucionalidade da omissão.<br />

Não se pode afirmar, simplesmente, que a decisão que constata a existência da<br />

omissão inconstitucional e determina ao legislador que empreenda as medidas necessárias<br />

à colmatação da lacuna inconstitucional não produz maiores alterações na ordem<br />

jurídica. Em verdade, tem-se aqui sentença de caráter nitidamente mandamental, que<br />

impõe ao legislador em mora o dever, dentro de um prazo razoável, de proceder à eliminação<br />

do estado de inconstitucionalidade.<br />

O dever dos Poderes Constitucionais ou dos órgãos administrativos de proceder à<br />

imediata eliminação do estado de inconstitucionalidade parece ser uma das conseqüências<br />

menos controvertidas da decisão que porventura venha a declarar a inconstitucionalidade<br />

de uma omissão que afete a efetividade de norma constitucional28 .<br />

O princípio do Estado de Direito (art. 1º), a cláusula que assegura a imediata aplicação<br />

dos direitos fundamentais (art. 5º, § 1º) e o disposto no art. 5º, LXXI, que, ao<br />

conceder o mandado de injunção para garantir os direitos e liberdades constitucionais,<br />

impõe ao legislador o dever de agir para a concretização desses direitos, exigem ação<br />

imediata para eliminar o estado de inconstitucionalidade.<br />

Considerando que o estado de inconstitucionalidade decorrente da omissão pode<br />

ter produzido efeitos no passado – sobretudo se se tratar de omissão legislativa –, faz-se<br />

mister, muitas vezes, que o ato destinado a corrigir a omissão inconstitucional tenha<br />

caráter retroativo.<br />

Evidentemente, a amplitude dessa eventual retroatividade somente poderá ser<br />

aferida em cada caso. Parece certo, todavia, que, em regra, deve a lei retroagir, pelo<br />

menos até à data da decisão judicial em que restou caracterizada a omissão indevida do<br />

legislador.<br />

No caso em questão, a omissão legislativa inconstitucional produziu evidentes<br />

efeitos durante esse longo período transcorrido desde o advento da EC 15/96. Diante da<br />

inexistência da lei complementar federal, vários Estados da federação legislaram sobre o<br />

tema e diversos municípios foram efetivamente criados ao longo de todo o País.<br />

28 Cf. BVerfGE 6, 257 (265 et seq.) BVerfGE 37, 217 (262); 51, 1 (28); BVerfGE 57, 361 (388); cf.,<br />

também, IPSEN, Jörn. Rechtsfolgen der Verfassungswidrigkeit von Norm und Einzelakt, cit., p. 211-<br />

213; SCHLAICH, Klaus. Das Bundesverfassungsgericht, Stellung, Verfahren, Entscheidungen. Munique,<br />

1985, p. 172; GUSY, Christoph. Parlamentarischer Gesetzgeber und Bundesverfassungsgericht,<br />

Berlim, 1985, p. 191; HEIN, Peter. Die Unvereinbarerklärung verfassungswidriger Gesetze durch das<br />

Bundesverfassungsgericht. Baden-Baden, 1988, p. 168 et seq.; HEYDE. Gesetzgeberische Konsequenzen<br />

aus der Verfassungswidrig-Erklärung von Normen. FS Faller, 1984, p. 53 (54 et seq.); GERONTAS,<br />

Apostolo. Die Appellentscheidungen, Sondervotumsappelle und die bloBe unvereinbarkeitsfeststellung<br />

als Ausdruck der funktionellen Grenzen der Verfassungsgerichtsbarkeit. DVBl. 1982, p. 486 (488);<br />

HEUßNER, Hermann. Folgen der Verfassungswidrigkeit eines Gesetzes ohne Nichtigerklärung. NJW<br />

1982, p. 257; MAURER, Hartmut. Zur Verfassungswidrigerklärung von Gesetzen. In: FS W. Weber.<br />

Berlim, 1974, p. 362; SCHNEIDER, Bernd Jürgen. Die Funktion der Normenkontrolle und des richterlichen<br />

Prüfungsrechts im Rahmen der Rechtsfolgenbestimmung verfassungsswidriger Gesetze. Frankfurt<br />

am Main, 1988, p. 162.


604<br />

R.T.J. — 202<br />

Municípios criados, eleições realizadas, poderes municipais devidamente estruturados,<br />

tributos municipais recolhidos, domicílios fixados para todos os efeitos da lei,<br />

etc.; enfim, toda uma realidade fática e jurídica criada sem qualquer base legal ou constitucional.<br />

É evidente que a omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18,<br />

§ 4º, da Constituição acabou dando ensejo à conformação e à consolidação de estados<br />

de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na elaboração da<br />

lei complementar federal.<br />

Assim sendo, voto no sentido de declarar o estado de mora em que se encontra<br />

o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote<br />

ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional<br />

imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações<br />

imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão.<br />

Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional,<br />

mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o<br />

prazo de 24 meses determinado pelo <strong>Tribunal</strong> nas <strong>ADI</strong> 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689<br />

para que as leis estaduais que criam Municípios ou alteram seus limites territoriais<br />

continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando<br />

as realidades desses Municípios.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, acompanho, apenas ressaltando<br />

que esse tipo de inapetência legislativa é sobremodo grave porque breca, trava a própria<br />

dinâmica da federação, que fica com seu quadro numérico estratificado.<br />

Nem é preciso também lembrar que este § 4º do art. 18 trata de matéria federativamente<br />

sensível, por definição. A Emenda Constitucional 15 é de setembro de 1996. Já se<br />

passaram quase onze anos.<br />

Então, voto com o Relator no sentido de declarar a mora legislativa.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, peço vênia ao Relator para divergir<br />

quanto à legitimidade, e o faço acolhendo as razões constantes do memorial que me foi<br />

distribuído pela Advocacia-Geral da União, subscrito pelo Dr. José Antônio Dias<br />

Toffoli, e pela Secretária-Geral de Contencioso, Dra. Grace Maria Fernandes Mendonça.<br />

É sabença geral que não existem, em qualquer preceito, palavras inúteis. Também<br />

é sabença geral que se mostra exaustivo o rol dos legitimados para propor a ação direta<br />

de inconstitucionalidade e a declaratória de constitucionalidade.<br />

Consoante o art. 103 da Carta <strong>Federal</strong>, são legitimadas não as assembléias, não as<br />

casas legislativas em si – quando então bastaria ter, como na espécie, a subscrição da<br />

peça inicial da ação direta de inconstitucionalidade pelo Presidente da Casa, sem manifestação<br />

de Colegiado –, mas as respectivas mesas.<br />

Conforme o inciso II do mencionado artigo, possui tal legitimidade a Mesa do<br />

Senado <strong>Federal</strong>, pressupondo-se deliberação do Colegiado, e não daquele que, na área<br />

administrativa, personifica o Senado <strong>Federal</strong> para a prática de atos em geral. O mesmo<br />

acontece, repetindo-se mais uma vez o vocábulo Mesa, com significado técnico próprio,<br />

quanto à Câmara dos Deputados.


R.T.J. — 202 605<br />

O inciso IV do citado artigo – que diz respeito à ação direta de inconstitucionalidade<br />

ora apreciada – prevê como legitimada “a Mesa de Assembléia Legislativa”, ou a<br />

Mesa – subentenda-se – da Câmara Legislativa do Distrito <strong>Federal</strong>. Mas sempre, repito,<br />

presente um colegiado.<br />

Não posso, por mais que seja tentado pelos parâmetros reinantes de perda de noções<br />

– e não estou aqui a partir para a interpretação verbal, gramatical, que realmente<br />

seduz, estou perquirindo o alcance do dispositivo legal –, substituir a referência à mesa<br />

da casa legislativa pela figura individual do presidente dessa mesma casa legislativa.<br />

Entendo que procede a preliminar de ilegitimidade. Não há, na petição inicial, a<br />

menção ao fato de a ação direta de inconstitucionalidade ter sido ajuizada após deliberação<br />

da Mesa. Se houvesse, admitiria, presumindo o que normalmente ocorre, a boa<br />

procedência do que consignado, a legitimidade da Assembléia, vislumbrando a menção<br />

à Assembléia como a englobar o pronunciamento, no sentido do ajuizamento da ação<br />

direta de inconstitucionalidade, da própria Mesa.<br />

No mais, a mora salta aos olhos. Passados onze anos, por isso ou por aquilo, por<br />

falta de vontade política, certamente, por falta de consenso, não houve a edição da lei<br />

complementar exigida pelo § 4º do art. 18 da Carta <strong>Federal</strong>, na redação decorrente da<br />

Emenda Constitucional 15/96, para chegar-se à criação, à incorporação, à fusão e ao<br />

desmembramento de municípios, não podendo, conforme dicção da ilustrada maioria, a<br />

regência da matéria decorrer de lei complementar estadual.<br />

Simplesmente proclamo, embora o Congresso esteja cansado de saber disso, a<br />

mora do Congresso Nacional a respeito.<br />

EXPLICAÇÃO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Senhora Presidente, gostaria de fazer uma<br />

observação.<br />

Nós, na verdade, já fizemos uma construção nesta matéria, porque embora isso seja<br />

até não considerado nas reflexões todas que se desenvolvem, em relação à legitimidade<br />

na ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Só por construção, nós chegamos<br />

a isso, porque o texto constitucional não fala de fato da legitimação. Nós fizemos isso<br />

por interpretação jurisprudencial.<br />

Não há, no texto constitucional, uma palavra sobre a legitimidade para propor<br />

ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Nós demos isso de barato, mas, na<br />

verdade, é uma construção jurisprudencial.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, por uma questão de coerência,<br />

acompanho o voto do Ministro Marco Aurélio no que toca à falta de legitimação<br />

ativa ou, pelo menos, à falta de prova dessa legitimação.<br />

Com todas as vênias do eminente Ministro Gilmar Mendes, o rol dos legitimados<br />

para a ação direta, seja ela de inconstitucionalidade positiva ou de inconstitucionalidade


606<br />

R.T.J. — 202<br />

por omissão, está, sim, expresso no art. 103; basta notar que a única alusão constitucional<br />

ao julgamento da ação direta por omissão é um parágrafo do art. 103, que arrola os<br />

legitimados.<br />

E disse coerência porque, por decisão individual, na <strong>ADI</strong> 999, determinei à Ordem<br />

dos Advogados do Brasil que comprovasse a existência de decisão prévia do Conselho<br />

<strong>Federal</strong>, que é o órgão legitimado pela Constituição.<br />

E também dou pela ilegitimidade, no caso, do Presidente da República, porque,<br />

como bem notou o Ministro Gilmar Mendes, Relator, a mora que estamos a considerar e<br />

a declarar não resulta de inexistência de projeto a respeito, mas da inexistência de<br />

deliberação do Congresso Nacional a propósito da série de projetos em curso no Congresso<br />

Nacional. Desse modo que a omissão do Presidente da República em exercer uma<br />

iniciativa que não lhe é privativa, no caso, é absolutamente indiferente.<br />

No mérito, embora sem divisar que conseqüências jurídicas poderão advir do<br />

descumprimento do prazo que estamos a fixar, eu acompanho o eminente Relator na<br />

declaração de inconstitucionalidade.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, penso que a Constituição contempla<br />

dualidade. Em se tratando de omissão de autoridade administrativa, é possível fixar-se o<br />

prazo de trinta dias para a prática do ato, não ocorrendo o mesmo em relação ao Poder<br />

Legislativo.<br />

Por isso, na esteira de pronunciamentos da Corte, limito-me – imaginando que,<br />

realmente, depois da decisão do <strong>Supremo</strong>, virá a lei complementar cogitada no preceito<br />

constitucional – a declarar a mora, com a cientificação do Congresso Nacional.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, o Ministro Gilmar Mendes<br />

põe o prazo no dispositivo?<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): O prazo de dezoito meses.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Eu coloquei no dispositivo, porque realmente<br />

associei o julgamento das duas ações. Na medida em que proponho a aplicação da<br />

declaração de inconstitucionalidade e reconheço a possibilidade de as leis continuarem<br />

a viger pelo prazo de 24 meses, entendo que, no caso da ação direta por omissão, deveríamos<br />

fixar um prazo mais exíguo para que o Congresso delibere. O Ministro Ricardo<br />

Lewandowski, até há pouco, ponderava da necessidade de se fazerem essas compatibilizações,<br />

uma vez que se trata de um procedimento com múltiplos atos, sucessivos atos.<br />

Mas é uma tentativa de, no quadro de heterodoxia em que estamos inseridos, produzir<br />

uma decisão que, ao mesmo tempo, sinaliza para o Congresso Nacional a necessidade de<br />

deliberar dentro de prazo.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Imagino que esse prazo seja cogente, não simplesmente<br />

dilatório. Fico a pensar o que faremos se, no caso de descumprimento, houver a<br />

formalização, pela Requerente da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, de<br />

uma reclamação? O que decidiremos a respeito?


R.T.J. — 202 607<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Ou, eventualmente, da prorrogação do<br />

prazo.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Eu prefiro não me comprometer com o prazo,<br />

quer dizer, considero apenas um apelo à razoabilidade temporal.<br />

VOTO<br />

(Aditamento)<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, Sua Excelência declarou não só<br />

em mora, como fixou um prazo. Já escrevi sobre esse assunto e fiquei muito à vontade<br />

para perfilhar o entendimento do Ministro Relator.<br />

Diferentemente da Constituição portuguesa, a nossa não se limitou a cuidar da ação<br />

direta de inconstitucionalidade por omissão de medida legislativa, foi além. Quando a<br />

nossa Constituição falou em dar ciência ao poder competente, claro que mais de um poder,<br />

não só ao Poder Legislativo, apenas a Constituição avançou o comando de que, em se<br />

tratando de órgão administrativo, esse prazo seria de trinta dias, mas sem com isso excluir<br />

a possibilidade de se fixar um prazo, logicamente, maior para o Poder Legislativo.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Também acompanho o eminente Relator<br />

quando rejeita a preliminar de ilegitimidade da Assembléia Legislativa do Estado de<br />

Mato Grosso e propõe a solução para o problema – que hoje já se estende por diversos<br />

municípios do País – estabelecendo um prazo absolutamente razoável para que o Congresso<br />

Nacional fixe os parâmetros que a ele compete e, também, a forma de possibilitar<br />

a solução dos problemas criados nos municípios, que foram desmembrados durante o<br />

interregno em que se deu a omissão legislativa.<br />

EXPLICAÇÃO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, como estamos a navegar a<br />

bordo da heterodoxia, acabei me confundindo.<br />

A observação quanto ao Presidente não seria de ilegitimidade. Em tese é possível<br />

propor-se a ação direta por omissão contra o Congresso Nacional e contra o Presidente<br />

da República, se ambos tiverem iniciativa na matéria. Apenas não a julgo procedente<br />

contra o Presidente da República, o que parece também ser a linha do Ministro Gilmar<br />

Mendes, que mostra não ser por falta de projetos que o Congresso Nacional está omisso.<br />

DEBATE<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): O Ministro Gilmar Mendes julga improcedente<br />

quanto ao Presidente da República? Afasta o Presidente da República?<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Eu não discuti essa questão, porque considerei<br />

que os projetos estavam em tramitação.


608<br />

R.T.J. — 202<br />

Há um caso da relatoria do Ministro Celso de Mello, no passado, em que dizia que,<br />

quando se imputa a inércia deliberandi, já não se poderia cogitar do tema em sede de<br />

ação direta por omissão. Mas eu quis mostrar que, neste caso, era necessário um<br />

distinguishing, porque temos vários projetos em tramitação.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas aí a inércia há de ser atribuída exclusivamente<br />

ao Congresso Nacional.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Sim, é o Congresso que não deliberou.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): O Presidente não pode promulgar se não<br />

for aprovada.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Nem editar medida provisória sobre o<br />

tema porque se trata de lei complementar.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

<strong>ADI</strong> 3.682/MT — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Requerente: Assembléia<br />

Legislativa do Estado de Mato Grosso (Advogado: Anderson Flávio de Godoi). Requeridos:<br />

Presidente da República (Advogado: Advogado-Geral da União) e Congresso Nacional.<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por maioria, rejeitou a preliminar de ilegitimidade ativa do<br />

Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso, vencidos os Ministros<br />

Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence. Por unanimidade, o <strong>Tribunal</strong> julgou procedente<br />

ação para reconhecer a mora do Congresso Nacional, e, por maioria, estabeleceu o prazo<br />

de 18 (dezoito) meses para que este adote todas as providências legislativas ao cumprimento<br />

da norma constitucional imposta pelo art. 18, § 4º, da Constituição <strong>Federal</strong>, nos<br />

termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence,<br />

que não fixavam prazo. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente,<br />

o Ministro Joaquim Barbosa.<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda<br />

Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,<br />

Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Vice-Procurador-Geral da República,<br />

Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.<br />

Brasília, 9 de maio de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


R.T.J. — 202 609<br />

MEDIDA CAUTELAR NA<br />

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.684 — DF<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Requerente: Procurador-Geral da República — Requerido: Congresso Nacional<br />

Competência criminal. Justiça do Trabalho. Ações penais. Processo<br />

e julgamento. Jurisdição penal genérica. Inexistência. Interpretação<br />

conforme dada ao art. 114, incisos I, IV e IX, da CF, acrescidos pela<br />

Emenda Constitucional 45/04. Ação direta de inconstitucionalidade.<br />

Liminar deferida com efeito ex tunc. O disposto no art. 114, incisos I, IV e<br />

IX, da Constituição da República, acrescidos pela Emenda Constitucional<br />

45, não atribui à Justiça do Trabalho competência para processar e julgar<br />

ações penais.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade<br />

da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, deferir a medida<br />

cautelar, com eficácia ex tunc, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente, Ministra<br />

Ellen Gracie. Falaram, pelo Ministério Público <strong>Federal</strong>, o Dr. Antonio Fernando Barros<br />

e Silva de Souza, Procurador-Geral da República, e, pelos amici curiae, Associação dos<br />

Magistrados do Trabalho (ANAMATRA) e Associação Nacional dos Procuradores do<br />

Trabalho (ANPT), o Dr. Alberto Pavie Ribeiro.<br />

Brasília, 1º de fevereiro de 2007 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade,<br />

com pedido de liminar, movida pelo Procurador-Geral da República, que impugna as<br />

normas constantes do art. 114, incisos I, IV e IX, da Constituição da República, introduzidas<br />

pelo art. 1º da Emenda Constitucional 45/04 (fls. 2/16).<br />

Em primeiro lugar, sustenta o Autor que padeceria o disposto no art. 114, inciso I,<br />

de inconstitucionalidade formal. A proposta de emenda, aprovada em dois turnos pela<br />

Câmara dos Deputados (96/92), conferiu a seguinte redação à norma atacada:<br />

Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:<br />

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo<br />

e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito <strong>Federal</strong> e dos<br />

Municípios.<br />

O Senado <strong>Federal</strong> aprovou o texto, também em dois turnos, mas com o seguinte<br />

acréscimo: “exceto os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento<br />

efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes<br />

da federação” (PEC 29/00).


610<br />

R.T.J. — 202<br />

À norma promulgada, no entanto, suprimiu-se o trecho acrescido pelo Senado, de<br />

modo que se teria descumprido o disposto no art. 60, § 2º, da Constituição <strong>Federal</strong>, uma<br />

vez que o texto final não teria sido aprovado pelas duas Casas legislativas (fls. 5/7).<br />

Em caráter subsidiário, alega a necessidade de se conferir ao art. 114, incisos I, IV<br />

e IX, interpretação conforme a mesma Constituição, para que se impossibilite recebam<br />

essas normas “qualquer exegese no sentido de admitir o exercício de jurisdição penal<br />

por órgãos da Justiça do Trabalho” (fl. 12).<br />

É que, a entender-se que a EC 45/04 teria cometido à Justiça do Trabalho, por força<br />

da redação dada ao art. 114, incisos. I, IV e IX, competência para o processo e julgamento<br />

de infrações penais, estaria violada a garantia constitucional do juiz natural (art. 5º,<br />

inciso LIII), inscrita em cláusula pétrea (art. 60, § 4º, inciso IV), pois “a exegese que vê no<br />

texto a fixação de competência criminal para a Justiça do Trabalho conduz a um frontal<br />

desrespeito ao juízo natural para o processo e julgamento de infrações penais: a Justiça<br />

Comum <strong>Federal</strong>, nos crimes em detrimento de bens, serviços e interesses da União, suas<br />

autarquias e empresas públicas, e nos crimes contra a organização do trabalho, nos<br />

termos do art. 109, incisos IV e VI, da Constituição. As demais infrações penais não<br />

encartadas na competência especial da Justiça Eleitoral e da Justiça Militar são processadas<br />

e julgadas pela Justiça Comum Estadual – juízo natural das infrações penais que<br />

não são da competência da Justiça <strong>Federal</strong>, nem da Justiça Militar ou Eleitoral” (fl. 12).<br />

Nesses termos, pede seja julgada procedente a demanda, a fim de “ser declararada<br />

a inconstitucionalidade formal do art. 114, I, da Constituição <strong>Federal</strong> com a redação que<br />

recebeu da EC 45/04; ou b) em caso de assim não entender possível, declarar-se a sua<br />

inconstitucionalidade sem redução de texto, conferindo interpretação conforme à Constituição<br />

que afaste da Justiça do Trabalho a competência criminal; e c) seja dada a<br />

mesma interpretação conforme postulada na alínea anterior para os incisos IV e IX do<br />

mesmo artigo 114; em qualquer caso com eficácia erga omnes, ex tunc e efeito<br />

vinculante” (fl. 16).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. São os seguintes os dispositivos impugnados<br />

na ação direta:<br />

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:<br />

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público<br />

externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito<br />

<strong>Federal</strong> e dos Municípios;<br />

(...)<br />

IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado<br />

envolver matéria sujeita à sua jurisdição;<br />

(...)<br />

IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.<br />

No extremo limite de suas possibilidades hermenêuticas, as normas impugnadas,<br />

vistas em conjunto, podem dar margem a que se entenda ter sido atribuída à Justiça do


R.T.J. — 202 611<br />

Trabalho competência ampla para julgamento de matéria criminal, como, segundo afirma<br />

o Autor, já o vêm sustentando alguns órgãos jurisdicionais (fls. 30-31, 222-223).<br />

Mas não há como admiti-lo.<br />

Durante o trâmite da PEC 29/00 no Senado <strong>Federal</strong>, foi sugerida a inserção, no art.<br />

114 da Constituição da República, de regra tendente a cometer à Justiça do Trabalho<br />

competência para o julgamento de “infrações penais praticadas contra a organização do<br />

trabalho ou contra a administração da própria Justiça do Trabalho”. Rejeitada pelo<br />

constituinte derivado, a proposta não se converteu em norma. E tal elemento histórico,<br />

conquanto de valor exegético relativo, já pesa contra a interpretação impugnada.<br />

São outras, porém, as razões fundamentais que conduzem ao deferimento da tutela<br />

provisória.<br />

Ao disciplinar a distribuição e a limitação da jurisdição penal entre as chamadas<br />

Justiças especializadas, a Constituição da República adota, na redação dos textos correspondentes,<br />

via de regra, padrão lingüístico de enunciação direta e específica, enquanto<br />

fórmula apta a delimitar, com precisão e clareza, o âmbito material de aplicabilidade das<br />

normas dessa competência.<br />

Assim o faz, quando confere ao <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> o poder de processar e<br />

julgar “infrações penais comuns” e “crimes de responsabilidade” imputados a certas<br />

pessoas (art. 102, inciso I, b e c), e, em recurso ordinário, “crimes políticos” (art. 102,<br />

inciso II, b); ao Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, “crimes comuns” e “de responsabilidade”<br />

atribuída a outras pessoas (art. 105, inciso I, a); à Justiça Militar, “crimes militares” (art.<br />

124); à Justiça Comum <strong>Federal</strong>, alguns “crimes políticos”, “infrações penais”, “crimes<br />

previstos em tratado ou convenção internacional”, “crimes contra a organização do<br />

trabalho”, “crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves” e “crimes de ingresso ou<br />

permanência irregular de estrangeiro” (art. 109, incisos IV, V, VI, IX e X).<br />

Do confronto desses textos, cujos discursos preocupam-se em acentuar e circunscrever<br />

o objeto inequívoco da competência penal genérica, mediante uso dos vocábulos<br />

“infrações penais” e “crimes”, para traduzir, em redação sintética, o poder de processar e<br />

julgar todas as ações ou causas respeitantes a tais categorias de ilícitos aparece intuitivo<br />

que, ao prever a competência da Justiça do Trabalho para o processo e julgamento de<br />

“ações oriundas da relação de trabalho”, o disposto no art. 114, inciso I, da Constituição<br />

da República, introduzido pela EC 45/04, não compreende outorga de jurisdição sobre<br />

matéria penal, até porque, quando os enunciados da legislação constitucional e subalterna<br />

aludem, na distribuição de competências, as “ações”, sem o qualificativo de<br />

“penais” ou “criminais”, a interpretação sempre excluiu de seu alcance teórico as ações<br />

que tenham caráter penal ou criminal. Perante essa técnica de redação, a qual não constitui<br />

mera tradição estilística, mas metódica calculada que responde a uma rigorosa<br />

racionalidade jurídica, o sentido normativo emergente é de que, no âmbito da respectiva<br />

competência, entram apenas as ações destituídas de natureza penal.<br />

Não o infirma, no caso, a menção ao habeas corpus, contida no texto do inciso IV,<br />

pois esse remédio processual constitucional pode, como o sabe toda a gente, voltar-se<br />

contra atos ou omissões praticados no curso de processos e até procedimentos de qualquer<br />

natureza, e não apenas no bojo de investigações, inquéritos e ações penais. É que a<br />

sua vocação constitucional está em prevenir ou remediar toda violência que, gravando


612<br />

R.T.J. — 202<br />

a liberdade de locomoção, provenha de ato ilegal ou abusivo, cometido por qualquer<br />

autoridade e, até, em certas circunstâncias, por particular (art. 5º, inciso LXVIII). Mais do<br />

que natural, portanto, era de boa lógica jurídico-normativa fosse explicitada ou reconhecida<br />

à Justiça do Trabalho competência acessória para conhecer e julgar habeas<br />

corpus impetrado contra ato praticado por seus próprios órgãos, no exercício das competências<br />

não penais que lhe reservou a Constituição, ou a pretexto de exercê-las, segundo<br />

vem, aliás, da literalidade da cláusula final do mesmo inciso IV do art. 114 (“quando o<br />

ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição”).<br />

Longe de infirmar a conclusão esboçada, aquela expressa menção do texto constitucional<br />

das competências ao instituto do habeas corpus constitui a prova decisiva e<br />

cabal de que a Constituição da República não dá à Justiça do Trabalho competência<br />

para o processo e julgamento de outras ações penais. Deveras, se, em preceito específico,<br />

lhe atribuiu para julgar habeas corpus, é óbvio que lha negou para o julgamento de<br />

todos os outros remédios e ações penais, pela razão manifestíssima de que, se a Constituição<br />

houvera outorgado à Justiça do Trabalho competência criminal ampla e inespecífica,<br />

de todo em todo fora ocioso e escusado que, em cláusula textual, lhe previsse competência<br />

para apreciar habeas corpus. Todo órgão jurisdicional que detém competência para,<br />

segundo a mesma técnica de redação, julgar crimes ou infrações penais desta ou daquela<br />

natureza, tem-na ipso iure para conhecer de habeas corpus no campo de sua competência<br />

primária! Não se pode imputar ao texto constitucional tão rematada inutilidade.<br />

E, para confirmar o raciocínio, vou agora à metódica e à racionalidade jurídica que<br />

inspiram aquela técnica de redação de que se valem a Constituição da República e<br />

outras leis para, aludindo de regra a “crimes” e “infrações penais”, distribuir, sem laivos<br />

de dúvida, competência em matéria criminal.<br />

Impõem-no os princípios constitucionais da legalidade (art. 5º, incisos II e XXXIX)<br />

e do juiz natural (art. 5º, incisos XXXVII e LIII), que, a título de garantia individual de<br />

segurança jurídica e da imparcialidade jurisdicional, exigem que sejam, tanto quanto<br />

possível, claros e inequívocos, enquanto expressão lingüística da opção políticolegislativa,<br />

os textos das normas que definem a autoridade competente para o julgamento<br />

dos delitos criminais, para efeito da imediata identificação, em cada hipótese, do juiz<br />

natural da causa. Como diz Ferrajoli, ao discorrer sobre os critérios de definição de<br />

competência, “il principio del giudice naturale impone ao contrario che sia la legge a<br />

pre-costituire siffatti criteri in forma rigida e vincolante (...) e che il solo modo di<br />

soddisfare pienamente il principio è quello di pre-costituire per legge criteri oggettivi<br />

di determinazione della competenza di ciscun singolo magistrato, e non solo degli<br />

uffici cui essi appartengono” 1 .<br />

A exegese das regras constitucionais de competência deve guiar-se sempre à luz da<br />

garantia do juiz natural e dos seus desdobramentos normativos. É o que havia muito<br />

advertia Frederico Marques:<br />

A interpretação das normas constitucionais sôbre a delimitação dos podêres jurisdicionais<br />

devem ser examinadas (sic), por isso, em todos os casos, em confronto com o princípio, e<br />

respectivos corolários, do juiz natural. 2<br />

1 FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione: Teoria del garantismo penale. Roma: Laterza, 1997. p. 606.<br />

2 Instituições de direito processual civil. 4. ed. v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1971, p. 288, § 170.


E, também, o que de certo modo já assentou esta Corte:<br />

R.T.J. — 202 613<br />

Princípio do juiz natural e processo penal democrático – A consagração constitucional do<br />

princípio do juiz natural (CF, art. 5º, LIII) tem o condão de reafirmar o compromisso do Estado<br />

brasileiro com a construção das bases jurídicas necessárias à formulação do processo penal<br />

democrático. O princípio da naturalidade do juízo representa uma das matrizes político-ideológicas<br />

que conformam a própria atividade legislativa do Estado, condicionando, ainda, o desempenho,<br />

em juízo, das funções estatais de caráter penal-persecutório. A lei não pode frustrar a<br />

garantia derivada do postulado do juiz natural. Assiste, a qualquer pessoa, quando eventualmente<br />

submetida a juízo penal, o direito de ser processada perante magistrado imparcial e<br />

independente, cuja competência é predeterminada, em abstrato, pelo próprio ordenamento<br />

constitucional.<br />

(HC 73.801, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 27-6-97.) 3<br />

Nem se deve esquecer que o princípio do juiz natural é imanente ao sistema da<br />

legalidade, porque, notava Calamandrei, relacionando-o com a regra da irretroatividade<br />

da lei, tal garantia “è inseparabile dal sistema della legalità: il principio<br />

dell’astrattezza delle leggi, che assicura ai citadini la certezza del diritto e la possibilità<br />

di conoscere in ogni momento i limiti della propria libertà” 4 .<br />

Daí ver-se, logo, que repugnaria às garantias constitucionais da legalidade e do<br />

juiz natural inferir-se, mediante interpretação fortemente arbitrária e expansiva, competência<br />

criminal genérica da Justiça do Trabalho, aos termos do art. 114, incisos I, IV e IX<br />

da Constituição da República, que, à míngua de referência textual a “infrações penais”<br />

ou “crimes”, cuja pressuposta vinculação etiológica com relações do trabalho não poderia<br />

conceber-se mais indefinida e obscura sem especificação de classe ou modalidade de<br />

delitos, são, a respeito desse alcance hipotético, deficientes e, como tais, incompatíveis<br />

com as exigências de certezas reclamadas pela delicadeza da matéria. Tão descontrolada<br />

inferência constituiria fonte permanente de dúvidas objetivas e conflitos graves, danosos<br />

todos à liberdade individual.<br />

Daí, coexistindo os requisitos da tutela antecipada, a urgente necessidade de emprestar<br />

interpretação conforme ao art. 114, incisos I, IV e IX, acrescidos pela EC 45/04,<br />

para lhes excluir, sem redução de texto, o sentido de que compreenderiam outorga de<br />

competência em matéria penal.<br />

2. No tocante à alegada inconstitucionalidade formal do art. 114, inciso I, a Corte<br />

recentemente decidiu que a supressão do texto acrescido pelo Senado em nada alterou o<br />

âmbito semântico do texto definitivo, à vista da interpretação conforme que lhe deu<br />

(<strong>ADI</strong> 3.395, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 19-4-06). E, se a proposição normativa do<br />

Senado não possuía âmbito de incidência diverso da norma aprovada pela Câmara e<br />

promulgada, não há excogitar violação ao art. 60, § 2º, da Constituição da República<br />

(<strong>ADI</strong> 2.666, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 6-12-02; ADC 3, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ<br />

de 9-5-03; <strong>ADI</strong> 2.031, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 17-10-03; <strong>ADI</strong> 3.395, Rel. Min.<br />

Cezar Peluso, DJ de 19-4-06).<br />

3 Grifos nossos.<br />

4 Istituzioni di diritto processuale civile. In: Opere giuridiche. v. IV, Napoli: Morano, 1970, p. 258-259,<br />

§ 69. Cf. também FREDERICO MARQUES, José. Ob. cit., p. 155, e LAURIA TUCCI, Rogério.<br />

Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,<br />

2004, p. 110.


614<br />

R.T.J. — 202<br />

3. Do exposto, defiro a liminar, para, com efeito ex tunc, atribuir interpretação<br />

conforme à Constituição da República a seu art. 114, incisos I, IV e IX, declarando, nos<br />

termos já enunciados, que, no âmbito de jurisdição da Justiça do Trabalho, não entra<br />

competência para processar e julgar ações penais (RISTF, arts. 21, inciso IV; e 170, § 1º,<br />

Lei 9.868/99, art. 10, § 3º).<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, primeiro verifico que<br />

jamais se deu competência, do ponto de vista histórico, em matéria criminal, à Justiça do<br />

Trabalho.<br />

Em segundo lugar, como bem relatado por aqueles que me precederam no uso da<br />

palavra, durante os trabalhos e discussões congressuais em que se elaborou a Emenda<br />

Constitucional 45, também nunca se cogitou de conferir a essa Justiça especializada a<br />

competência criminal.<br />

Não deve impressionar o art. 114, XIV, quando se empresta à Justiça do Trabalho a<br />

competência para processar e julgar habeas corpus, pois nós sabemos que, tradicionalmente,<br />

a Justiça do Trabalho era competente para decretar a prisão civil no caso dos<br />

depositários infiéis.<br />

Portanto, em resumo, por esses motivos, acompanho integralmente o voto do<br />

excelentíssimo Senhor Relator.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, ouvi atentamente o voto do<br />

eminente Relator, proferido, como de hábito, por mão de mestre, mas não fiquei de todo<br />

pacificado quanto à necessidade da minha adesão a Sua Excelência. Porém, como<br />

estamos a decidir em sede liminar, com essa ressalva, acompanho-o.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, os trabalhos alusivos à Emenda<br />

Constitucional 45/04, a meu ver, reforçam a conclusão de que a Carta de 1988 não veda<br />

à Justiça do Trabalho a competência criminal.<br />

Explico melhor: o que se pretendeu, mediante propostas, foi justamente deslocar<br />

para o grande âmbito da competência da Justiça do Trabalho o que estabelecido quanto<br />

à Justiça <strong>Federal</strong> stricto sensu, sob o ângulo dos serviços prestados – os processos envolvendo<br />

crimes perpetrados contra serviços prestados pela Justiça do Trabalho e crimes<br />

contra a organização do trabalho.<br />

Essa previsão do texto primitivo da Constituição de 1988 continua em vigor.<br />

Por outro lado, não podemos ver no inciso I do art. 114 da Carta, considerada a<br />

Emenda 45/04, abrangência a ponto de alcançar a jurisdição criminal. Não, o inciso I<br />

remete as reclamações trabalhistas, as ações trabalhistas propriamente ditas.<br />

Veio realmente à balha a disposição quanto à competência da Justiça do Trabalho<br />

para julgar o habeas corpus. E aí, evidentemente, não há, no inciso IV, distinção quanto à<br />

matéria de fundo a ser versada no habeas corpus. Poderá ser, conforme já ressaltado pelo


R.T.J. — 202 615<br />

Ministro Ricardo Lewandowski e também pelo Relator, questão a envolver o depositário<br />

infiel, o poder de polícia, as conseqüências do poder de polícia exercido pelo magistrado.<br />

Como no preceito não se distingue, poderemos ter outras situações concretas.<br />

Vejo esta ação, com os votos até aqui proferidos, como uma sinalização ao legislador<br />

comum, no que a Carta repetiu uma cláusula, quase em branco, relativa à previsão de<br />

outras competências da Justiça do Trabalho.<br />

Poderemos ter disposição a respeito considerada a regra constitucional, segundo a<br />

qual compete à Justiça do Trabalho – o legislador ordinário definirá –, julgar outras<br />

controvérsias decorrentes da relação de trabalho, muito embora adentrem o campo<br />

penal, na forma da lei. E até aqui não veio essa lei a disciplinar a competência da Justiça<br />

do Trabalho, a ligada à jurisdição criminal.<br />

Peço vênia, diante desse contexto, para assentar que não há risco em se manter o<br />

quadro constitucional delineado, não existe lugar, considerada uma sadia política judiciária,<br />

para emprestar-se, desde logo, interpretação conforme a Carta ao disposto nos<br />

incisos I, IV e IX do art. 114 e já sinalizar ao legislador ordinário que não poderá vir a<br />

lume uma lei prevendo a competência criminal da Justiça do Trabalho.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas a objeção de Vossa Excelência não se<br />

reduziria à interpretação conforme do inciso IX?<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não, já adianto o ponto de vista. Não estou a ferir a<br />

questão de uma lei dispondo sobre a competência criminal da Justiça do Trabalho,<br />

porque não existe ainda essa lei.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Exatamente, esse é o problema. O meu voto<br />

também não exclui resposta a essa questão.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas não avanço, como disse, para sinalizar ao<br />

legislador que uma lei que venha a ser aprovada em tal sentido será conflitante com o<br />

inciso IX.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Mas meu voto tampouco avança ou assinala.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Pois é isso que digo, é o inciso IX, não é nem o<br />

I nem o IV.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: E não é por ser egresso da Justiça do Trabalho que<br />

não veria, de forma tão severa e até mesmo restritiva, a óptica segundo a qual passaria a<br />

haver, mediante ato normativo próprio, como previsto no inciso IX, a competência<br />

criminal da Justiça do Trabalho, desde que o crime se mostre – isso, já numa visão<br />

prognóstica quanto a lei futura – decorrente ou, diria melhor, mantenha elo com a própria<br />

relação de trabalho. Essa cláusula é quase em branco, porque, de qualquer forma, deve<br />

haver o elo com a relação de trabalho, e pode ensejar – já adianto o ponto de vista,<br />

julgando processo inexistente, contra uma lei prevendo essa competência criminal da<br />

Justiça do Trabalho – deliberação dos representantes do povo e dos representantes dos<br />

Estados, com a sanção do Senhor Presidente da República, no sentido de autorizar a<br />

Justiça do Trabalho, que é uma Justiça <strong>Federal</strong> especializada, a apreciar processo criminal.<br />

Peço vênia para indeferir a medida acauteladora.


616<br />

R.T.J. — 202<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Senhora Presidente, evidentemente o meu<br />

voto não avança sobre a extensão do inciso IX do art. 114, com a redação da emenda, a<br />

respeito de coisa inexistente.<br />

O meu voto, com tantos assuntos aqui por resolver, não se perderia em discutir<br />

alguma coisa que não existe e pode nem existir. De modo que está restrito ao quadro<br />

atual, o de que a Emenda Constitucional, tal como está redigida – e este é o sentido do<br />

meu voto –, não comporta a interpretação que vem sendo ensaiada por alguns órgãos da<br />

Justiça do Trabalho, no sentido de que teria recebido da emenda, competência criminal<br />

de caráter absoluto para julgar aquilo que cada órgão jurisdicional entenda ser crime,<br />

enquanto controvérsia decorrente da relação de trabalho.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O voto de Vossa Excelência é no sentido de<br />

que os incisos do art. 114 não conferiram competência imediata à Justiça do Trabalho.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Em outras palavras, aquilo que vem sendo<br />

entendido pelos órgãos jurisdicionais trabalhistas não pode ser convalidado perante o<br />

texto constitucional, que, por si, não lhes dá competência em matéria criminal.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro Cezar Peluso, Vossa Excelência me permite<br />

apenas ressaltar dois aspectos?<br />

Os exemplos são péssimos e revelam o distanciamento do que se contém no art.<br />

109 da Constituição <strong>Federal</strong>, já que Vossa Excelência mesmo salientou não terem frutificado<br />

aquelas propostas que visavam a transportar para o campo de atuação da Justiça<br />

do Trabalho o que previsto relativamente à competência da Justiça <strong>Federal</strong>. Quanto a<br />

isso, não há a menor dúvida. Claudicaram os colegas que admitiram a competência da<br />

Justiça do Trabalho para julgar crime contra serviço dessa mesma Justiça – que é serviço<br />

da União, lato sensu – e contra, também, a organização do trabalho, porque não houve<br />

essa transferência. O que me preocupa muito é assumirmos a posição do legislador<br />

comum, de examinar um projeto que verse a competência da Justiça do Trabalho em<br />

matéria criminal, desde que o ato a ser glosado tenha ligação, como previsto no inciso IX<br />

do art. 114, com a relação do trabalho.<br />

Não quero me antecipar, muito menos no campo cautelar. Comecei o voto dizendo<br />

que não via a previsão da competência criminal da Justiça do Trabalho nem no inciso I<br />

nem no IV do art. 109. Neste último, talvez, haja lançado gancho, já que o legislador não<br />

distinguiu quanto ao objeto.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Seria puramente expletivo e contra a sistemática<br />

geral, conforme demonstrou o Relator.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: No tocante a um dispositivo que não é novo – o<br />

inciso IX estava, na redação primitiva, na cabeça do art. 114 –, descabe proclamar que se<br />

mostrará inconstitucional uma futura lei – inexistente hoje – que verse a competência<br />

criminal da Justiça do Trabalho. Para mim, é um passo demasiadamente largo e que me<br />

permito não dar.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): O voto de Vossa Excelência coincide inteiramente<br />

com o meu, se se abstrair a existência de eventual lei futura.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O limite formal da decisão poderia reduzir-se<br />

aos incisos I e IV, porque o inciso IX obviamente é uma norma constitucional de eficácia<br />

limitada.


R.T.J. — 202 617<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Se Vossa Excelência me permite, o grande<br />

problema é que, com base no inciso IX, os órgãos da Justiça do Trabalho já estão reconhecendo<br />

competência que dele não advém!<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas aí o próprio inciso remete a lei. Onde há lei?<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Mas, se eles não estivessem reconhecendo a<br />

competência sem lei, o eminente Procurador-Geral não teria entrado com a ação cautelar.<br />

Esse é o problema.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: A questão não se resolve no campo do controle<br />

concentrado. O problema é outro. Revela erro de julgamento a ser corrigido na via<br />

própria do recurso.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): A Justiça do Trabalho está, hoje, legislando!<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Foi o que disse. Os dois exemplos citados pelo<br />

Procurador-Geral da República não se prestam a embasar uma decisão do Plenário.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Parece que a divergência entre os dois votos, e<br />

eu estou de acordo com ambos, é o seguinte: o texto da Constituição, art. 114 e seus<br />

diversos incisos, especificamente os três que são objeto da ação direta, não dão competência<br />

criminal à Justiça do Trabalho. Se a lei poderá ou não vir a dar, não é o momento<br />

realmente de anteciparmos em uma interpretação conforme.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Até porque os exemplos dados, um eventual crime<br />

contra a organização da Justiça, já estão expressamente contemplados no art. 109, por<br />

pura exclusão.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não houve a transferência. Deixaram de frutificar as<br />

propostas de transferir essa competência para a Justiça do Trabalho.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Nós acabamos de julgar. Vossa Excelência<br />

foi voto decisivo naquele caso criminal da organização do trabalho. A Justiça do Trabalho<br />

não está apenas tirando da Constituição o sentido de lei que não existe, como está<br />

invadindo competência que a Constituição não lhe atribui. Não é possível que se remeta<br />

a questão aos remédios extremos, como habeas corpus, permitindo grave incerteza em<br />

matéria de liberdade. É por isso que fiz referência expressa ao formalismo do Direito<br />

Penal. Liberdade não pode estar em risco. Esse é o meu ponto de vista.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Por isso, a minha sugestão, para me manter de<br />

acordo com os dois votos, é realmente que o dispositivo especifique que dá interpretação<br />

conforme aos incisos I, IV e IX no sentido de que, neles, a Constituição não atribuiu, por<br />

si só, competência criminal à Justiça do Trabalho, sem se pronunciar quanto à eventual<br />

lei que acaso venha a conferi-la.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não envolvo no exame a ser procedido, o inciso IX.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A preocupação do Ministro Marco Aurélio,<br />

que, em princípio, parece-me procedente, pelo menos no sentido de não justificar uma<br />

interpretação conforme, é não fechar a cláusula de abertura ao legislador ordinário da<br />

parte final do inciso IX para uma lei que, vinda, examinaremos oportunamente.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Quer dizer, teremos de examinar, a seu<br />

tempo, caso a caso, porque, se sobrevier lei que repita o disposto no 109, esta será


618<br />

R.T.J. — 202<br />

manifestamente inconstitucional, e de nada valerá a referência ao inciso IX. Noutras<br />

palavras, é preciso que examinemos caso concreto de eventual e futura lei específica,<br />

para sabermos se ela, perante o inciso IX, será compatível, ou não, com a Constituição, o<br />

que é mera especulação que não está em jogo aqui.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Até o IX. Se há decisões que tentam extraí-la do<br />

inciso IX foi porque a Constituição não conferiu, de imediato, competência criminal à<br />

Justiça do Trabalho.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Concordo plenamente com essa colocação.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sem pronunciamento a respeito de eventual lei<br />

ordinária que o faça.<br />

Nós julgamos questão similar, em face do texto inicial da Constituição, mas que é<br />

reproduzido neste pelo atual inciso IX. Cuidava-se de demandas entre sindicatos e<br />

empregadores, a propósito de desconto de contribuições e coisas que tais. De início,<br />

declaramos que a Constituição não conferia a competência à Justiça do Trabalho. Veio<br />

a lei e a declaramos constitucional. Se vier uma lei conferindo competência criminal,<br />

vamos examiná-la.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, acompanho o Relator, desde<br />

que a interpretação conforme se limite a esses parâmetros: que não se encerra, nos incisos<br />

I e IV, a competência criminal da Justiça do Trabalho e que o inciso IX não é autoaplicável,<br />

porque há remessa expressa a lei. Por si só, não confere competência criminal,<br />

e também outras, à Justiça do Trabalho.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Pode ser até que nunca venha a ser editada<br />

nenhuma lei que atribua competência criminal.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É preciso observar que nós estamos já num campo<br />

de definições de competências que são da Justiça <strong>Federal</strong> – a Constituição o diz claramente<br />

–, inclusive da Justiça estadual, pois temos este campo de tensão dialética...<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: “Ça va sans dire”. Por exemplo, jamais se<br />

cogitou que a competência da Justiça Militar não se estende a um peculato ainda que<br />

cometido por militar, na Administração da Justiça Militar, porque isso está no art. 109,<br />

IV, por atingir o patrimônio da União.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não há nenhuma dúvida e está ressalvada, assim<br />

como a competência criminal da Justiça Eleitoral.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Organização do trabalho nos limites da nossa<br />

jurisprudência, não todas.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Então é preciso que nós atentemos para a delicadeza<br />

desse tipo de discussão.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não houve a transferência. Essas competências<br />

continuam na Justiça <strong>Federal</strong> stricto sensu.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ou eventualmente na Justiça Estadual.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: E, ainda que venha uma lei ordinária, evidentemente,<br />

ante a supremacia da Carta, ela será inconstitucional.


R.T.J. — 202 619<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O único problema sério da administração é o<br />

mandado de segurança, que continua conferido aos tribunais em geral, ainda que manifesto<br />

o interesse da União. O TST e os Tribunais do Trabalho julgam o mandado de<br />

segurança, assim como os eleitorais e os militares, que em princípio não têm competência<br />

cível, julgam, por força da Loman, mandados de segurança em que, sob a minha perspectiva,<br />

a verdadeira parte passiva é a União. Mas, de qualquer maneira, que dizem com<br />

interesse da União, porque é quem vai pagar a conta. Mas isso é outro problema.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, acompanho o Relator nos<br />

termos do que antecipadamente enunciei.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

<strong>ADI</strong> 3.684-MC/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Requerente: Procurador-<br />

Geral da República. Requerido: Congresso Nacional.<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade, deferiu a medida cautelar, com eficácia ex<br />

tunc, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Falaram,<br />

pelo Ministério Público <strong>Federal</strong>, o Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, Procurador-Geral<br />

da República, e, pelos amici curiae, Associação dos Magistrados do Trabalho<br />

(ANAMATRA) e Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), o Dr.<br />

Alberto Pavie Ribeiro.<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda<br />

Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,<br />

Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral<br />

da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 1º de fevereiro de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


620<br />

R.T.J. — 202<br />

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.776 — RN<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Requerente: Procurador-Geral da República — Requerida: Assembléia Legislativa<br />

do Estado do Rio Grande do Norte<br />

Inconstitucionalidade. Ação direta. Lei 7.380/98, do Estado do Rio<br />

Grande do Norte. Atividades esportivas com aves das raças combatentes.<br />

“Rinhas” ou “Brigas de galo”. Regulamentação. Inadmissibilidade. Meio<br />

Ambiente. Animais. Submissão a tratamento cruel. Ofensa ao art. 225, § 1º,<br />

VII, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. É inconstitucional a lei<br />

estadual que autorize e regulamente, sob título de práticas ou atividades<br />

esportivas com aves de raças ditas combatentes, as chamadas “rinhas”<br />

ou “brigas de galo”.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade<br />

da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, julgar<br />

procedente a ação direta, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente. Ausentes,<br />

justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa e a Ministra Cármen Lúcia, e, neste julgamento,<br />

a Ministra Ellen Gracie (Presidente). Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar<br />

Mendes (Vice-Presidente).<br />

Brasília, 14 de junho de 2007 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade<br />

movida pelo Procurador-Geral da República, contra a Lei 7.380, de 14 de dezembro de<br />

1998, do Estado do Rio Grande do Norte.<br />

A lei estadual impugnada possui a seguinte redação:<br />

Art. 1º Ficam autorizadas a criação, a realização de exposições e as competições, em todo<br />

o território do Estado do Rio Grande do Norte, cuja regulamentação fica restrita na forma da<br />

presente Lei.<br />

Art. 2º As atividades esportivas inerentes à preservação de aves das Raças Combatentes<br />

serão realizadas em recintos próprios, nas sedes das Associações, Clubes ou Centros Esportivos,<br />

denominados “rinhadeiros”.<br />

Art. 3º As Associações, os Clubes e Centros Esportivos seguirão as normas da presente Lei<br />

e, supletivamente, toda a legislação pertinente, originária de regulamentos das entidades envolvidas,<br />

visando a preservação dessa espécie em competições.<br />

Art. 4º A devida autorização para realização de eventos (exposições e competições) será<br />

obtida por requerimento à autoridade competente da Secretaria de Agricultura, sob forma de<br />

Alvará (certificado de Registro), após ter sido efetuado o pagamento de taxas correspondentes.<br />

Art. 5º Os locais onde se realizarão os eventos deverão ser vistoriados anualmente pelos<br />

técnicos da Secretaria de Agricultura, antes de expedir o alvará, como medida preventiva de<br />

proteção e segurança, tanto para as aves quanto para os seus freqüentadores.


R.T.J. — 202 621<br />

Art. 6º Um médico veterinário ou um assistente credenciado pelo Poder Público atestará,<br />

antes das competições, o estado de saúde das aves que participarão do evento.<br />

Art. 7º Em se tratando de competições internacionais com aves vindas do exterior, haverá<br />

um período mínimo de 72 (setenta e duas) horas, para observação médica, mesmo que as aves<br />

venham acompanhadas de atestado de saúde.<br />

Art. 8º Os locais das competições – os rinhadeiros – não poderão ser estabelecidos próximos<br />

a Igrejas, Escolas e Hospitais, obrigando-se os seus freqüentadores à observância da ordem,<br />

do sossego e do silêncio após o horário previsto em lei específica.<br />

Art. 9º Nos locais onde se realizam as competições é proibida a permanência de menores<br />

de 18 (dezoito) anos, a não ser que estejam acompanhados dos pais ou responsáveis diretos.<br />

Art. 10. A Federação Norte-Rio-Grandense de Criadores de Galos Combatentes normatizará<br />

dentro de 60 (sessenta) dias, contados da vigência desta Lei, o ingresso e autorização para<br />

funcionamento de Associações, Clubes e Centros Esportivos.<br />

Art. 11. A presente Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições<br />

em contrário.<br />

Sustenta o autor que<br />

o legislador potiguar, por meio da lei questionada, teve apenas um objetivo, ao qual se<br />

chega passando pela criação e exposição de aves combatentes: possibilitar a realização das<br />

chamadas rinhas, também conhecidas como brigas de galos.<br />

(Fl. 4.)<br />

Aduz, ainda, que, “ao contrário de proteger a fauna, com a finalidade de assegurar<br />

a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o legislador<br />

potiguar dispôs sobre a prática de competição entre aves incompatível com a vedação<br />

constitucional expressa de submissão de animais à crueldade” (fl. 4), objeto do art. 225,<br />

§ 1º, VII, da CF/88, verbis:<br />

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso<br />

comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à<br />

coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.<br />

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:<br />

(...)<br />

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em<br />

risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a<br />

crueldade.<br />

Daí pede seja julgada procedente a demanda, a fim de se declarar a inconstitucionalidade<br />

da Lei estadual 7.380, de 14 de dezembro de 1998, do Estado do Rio Grande do<br />

Norte.<br />

Informações prestadas às fls. 23-25.<br />

A Advocacia-Geral da União (fls. 27/65) bem como a Procuradoria-Geral da República<br />

(fls. 39/43) opinaram pela procedência desta declaratória (fls. 27-35).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Examinado questão idêntica, relacionada<br />

com a Lei 11.366/00, do Estado de Santa Catarina, que também autorizava e regulamentava<br />

as chamadas “brigas de galo”, assentou, por unanimidade, o Plenário, a 29 de junho<br />

de 2005, no julgamento da <strong>ADI</strong> 2.514 (Rel. Min. Eros Grau, DJ de 9-12-05):


622<br />

R.T.J. — 202<br />

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 11.366/00 do Estado de Santa Catarina. Ato<br />

normativo que autoriza e regulamenta a criação e a exposição de aves de raça e a realização de<br />

“brigas de galo”. A sujeição da vida animal a experiências de crueldade não é compatível<br />

com a Constituição do Brasil. Precedentes da Corte. Pedido de declaração de inconstitucionalidade<br />

julgado procedente.<br />

(Grifos nossos.)<br />

2. Em 3 de setembro de 1998, o Plenário também já havia deferido, por unanimidade,<br />

medida cautelar na <strong>ADI</strong> 1.856, da qual foi Relator o Ministro Carlos Velloso, nos<br />

seguintes termos:<br />

Constitucional. Meio ambiente. Animais: proteção: crueldade. “Briga de galos”. I - A Lei<br />

2.895, de 20-3-98, do Estado do Rio de Janeiro, ao autorizar e disciplinar a realização de<br />

competições entre “galos combatentes”, autoriza e disciplina a submissão desses animais a<br />

tratamento cruel, o que a Constituição <strong>Federal</strong> não permite: CF, art. 225, § 1º, VII. II -<br />

Cautelar deferida, suspendendo-se a eficácia da Lei 2.895, de 20-3-98, do Estado do Rio de<br />

Janeiro.<br />

(Grifos nossos.)<br />

3. Antes, em hipótese idêntica, a Segunda Turma, por maioria, deu provimento, em<br />

3 de junho de 1997, ao RE 153.531, contra o voto do Ministro Maurício Corrêa<br />

(Relator para o acórdão o Ministro Marco Aurélio), nestes termos:<br />

Costume – Manifestação cultural – Estímulo – Razoabilidade – Preservação da fauna e<br />

da flora – Animais – Crueldade. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício<br />

de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde<br />

da observância da norma do inciso VII do art. 225 da Constituição <strong>Federal</strong>, no que veda<br />

prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma<br />

constitucional denominado “farra do boi”.<br />

(Grifos nossos.)<br />

4. Como se vê, é postura aturada da Corte repudiar autorização ou regulamentação<br />

de qualquer entretenimento que, sob justificativa de preservar manifestação cultural ou<br />

patrimônio genético de raças ditas combatentes, submeta animais a práticas violentas,<br />

cruéis ou atrozes, porque contrárias ao teor do art. 225, § 1º, VII, da Constituição da<br />

República.<br />

5. Diante do exposto, julgo, com efeito ex tunc, procedente a ação direta de<br />

inconstitucionalidade, para declarar a inconstitucionalidade da Lei 7.380, de 14 de<br />

dezembro de 1998, do Estado do Rio Grande do Norte.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

<strong>ADI</strong> 3.776/RN — Relator: Ministro Cezar Peluso. Requerente: Procurador-Geral<br />

da República. Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte.<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade, julgou procedente a ação direta, nos termos<br />

do voto do Relator. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, o Ministro<br />

Joaquim Barbosa e a Ministra Cármen Lúcia, e, neste julgamento, a Ministra Ellen<br />

Gracie (Presidente). Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente).


R.T.J. — 202 623<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda<br />

Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,<br />

Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto<br />

Monteiro Gurgel Santos.<br />

Brasília, 14 de junho de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


624<br />

R.T.J. — 202<br />

MEDIDA CAUTELAR NA<br />

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.825 — RR<br />

Relatora: A Sra. Ministra Cármen Lúcia<br />

Requerente: Partido da Frente Liberal – PFL — Requerida: Assembléia Legislativa<br />

do Estado de Roraima<br />

Ação direta de inconstitucionalidade. Emenda Constitucional 16, de<br />

19 de outubro de 2005. Alteração do § 4º do art. 30 da Constituição do<br />

Estado de Roraima. Modificação da data da posse dos deputados eleitos,<br />

de 1º de janeiro para 15 de fevereiro do ano subseqüente às eleições.<br />

Afronta ao art. 27, § 1º, da Constituição da República.<br />

1. Segundo a nova norma do art. 30, § 4º, da Constituição de<br />

Roraima, introduzida pela Emenda Constitucional 16/05, os Deputados<br />

estaduais de Roraima eleitos em 1º de outubro de 2006 tomariam posse<br />

em 15 de fevereiro de 2007. Entre 1º de janeiro de 2007 e 15 de fevereiro<br />

de 2007, permaneceriam no cargo os Deputados estaduais que foram eleitos<br />

em 6 de outubro de 2002 e empossados na Assembléia Legislativa<br />

estadual em 1º de janeiro de 2003.<br />

2. A Constituição da República define o período de duração do mandato<br />

de Deputado, embora não fixe a data de seu início.<br />

3. O § 1º do art. 27 da Constituição do Brasil é regra de cumprimento<br />

identicamente obrigatória para os Estados-membros, razão pela qual<br />

não pode o constituinte ou o legislador estadual encurtar ou ampliar a<br />

duração do mandato de quatro anos definido.<br />

4. Precedentes.<br />

5. Medida cautelar de natureza satisfativa.<br />

6. Suspensão, a partir de agora, dos efeitos da expressão “e, em 15<br />

(quinze) de fevereiro para a posse”, constante do § 4º do art. 30 da Constituição<br />

do Estado de Roraima, prevalecendo, até o julgamento final da<br />

presente ação, o texto normativo sem aquela frase.<br />

7. Medida cautelar deferida.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade<br />

da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, deferir a medida<br />

cautelar, nos termos do voto da Relatora. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie.<br />

Brasília, 13 de dezembro de 2006 — Cármen Lúcia, Relatora.


R.T.J. — 202 625<br />

RELATÓRIO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: 1. O Partido da Frente Liberal (PFL) ajuíza a presente<br />

ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar inaudita altera<br />

pars, “da expressão ‘e, em 15 (quinze) de fevereiro para a posse’, constante do § 4º do art.<br />

30 da Constituição do Estado de Roraima, com a redação que lhe foi conferida pela<br />

Emenda Constitucional n. 16, de 19 de outubro de 2005, publicada no Diário Oficial do<br />

Estado de Roraima n. 204, de 1º-11-05 (...)” (fl. 2).<br />

A norma, na qual se contém a expressão questionada, dispõe:<br />

Art. 30. (...)<br />

§ 4º No 1º (primeiro) ano da Legislatura, a Assembléia Legislativa se reunirá em sessões<br />

preparatórias no dia 1º (primeiro) de janeiro para a posse do Governador e do Vice-Governador,<br />

e em 15 (quinze) de fevereiro para posse de seus membros e eleição da Mesa Diretora, com<br />

mandato de 02 (dois) anos, permitida sua recondução.<br />

2. Afirma o Partido-Autor que esta alteração “gerou, por evidente, o alongamento<br />

dos mandatos dos Deputados Estaduais desta legislatura (2003-2006) (...) empossados<br />

em 1º de janeiro de 2003 – segundo o regime originário da Constituição de Roraima<br />

(...)”, pois os períodos “se encerrarão em 15 de fevereiro de 2007. Ou seja, completarão 4<br />

(quatro) anos e 46 dias de exercício do cargo.” (Fl. 5)<br />

3. Sustenta o Partido-Autor que as normas questionadas afrontam o art. 27, § 1º, da<br />

Constituição da República, no qual está definido que “será de quatro anos o mandato<br />

dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema<br />

eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos<br />

e incorporação às Forças Armadas”. Para ele “não restam (...) dúvidas que o<br />

mandato dos Deputados Estaduais da legislatura 2003-2006 tiveram – por sua própria<br />

deliberação – seus mandatos estendidos por mais de quatro anos.” (Fl. 5)<br />

Requer seja deferida “medida cautelar inaudita altera pars, em vista da excepcional<br />

urgência e risco de dano à segurança jurídica, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei 9.868, de<br />

10 de novembro de 1999” (fl. 10), para suspender os efeitos daquela expressão contida<br />

no § 4º do art. 30 da Constituição do Estado de Roraima, em razão “da proximidade da<br />

data de 1º de janeiro de 2007, dia em que os Deputados Estaduais da legislatura 2003-<br />

2006 completarão quatro anos de mandato. A não-concessão de medida cautelar, in<br />

casu, implicará efeitos irreversíveis, visto que o mandato parlamentar acabará sendo<br />

exercido, na prática, indevidamente, podendo, inclusive, gerar prejuízos quanto aos<br />

atos praticados pela Assembléia nesse período. Um desses atos é justamente a tomada do<br />

compromisso de posse do Governador eleito. Nem se fale quanto ao pagamento de<br />

subsídios e outros benefícios a parlamentares que já esgotaram o período do seu mandato.<br />

Ademais, estar-se-á, de modo definitivo, menosprezando a vontade popular manifestada<br />

nas urnas em 2006, na medida em que os Deputados eleitos terão representatividade<br />

reduzida” (fl. 9).<br />

No mérito, pede seja julgada procedente a presente ação para se declarar a<br />

inconstitucionalidade da expressão acima mencionada.


626<br />

R.T.J. — 202<br />

Nos termos do § 3º do art. 10 da Lei 9.868/99, considerando-se a urgência que o<br />

caso impõe, por se ter, na espécie, situação que importa em providências a serem<br />

adotadas nos próximos dias, e, ainda, considerando-se que a posse de novos Deputados<br />

e os atos a serem praticados pela Assembléia Legislativa, a partir de 1º de janeiro, são de<br />

inegável relevo, conforme exposto na petição inicial da ação, adotei a providência de<br />

deixar de determinar a audiência prévia das autoridades das quais emanaram os atos aqui<br />

impugnados em razão da premência comprovada.<br />

É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para encaminhamento aos eminentes<br />

Senhores Ministros deste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> (art. 87, inciso I, do RISTF).<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): 1. Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade,<br />

com pedido de medida cautelar inaudita altera pars, “da expressão ‘e, em<br />

15 (quinze) de fevereiro para a posse’, constante do § 4º do artigo 30 da Constituição do<br />

Estado de Roraima, com a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional n.<br />

16, de 19 de outubro de 2005, publicada no Diário Oficial do Estado de Roraima n. 204,<br />

de 1-11-05 (...)” (fl. 2).<br />

A norma posta em questão dispõe:<br />

Art. 30. (...)<br />

§ 4º No 1º (primeiro) ano da Legislatura, a Assembléia Legislativa se reunirá em sessões<br />

preparatórias no dia 1º (primeiro) de janeiro para a posse do Governador e do Vice-Governador,<br />

e em 15 (quinze) de fevereiro para a posse de seus membros e eleição da Mesa Diretora, com<br />

mandato de 02 (dois) anos, permitida sua recondução.<br />

2. Pela regra assim fixada, os Deputados estaduais de Roraima eleitos em 1º de<br />

outubro de 2006 tomariam posse em 15 de fevereiro de 2007.<br />

Os que detêm o mandato em curso, por sua vez, eleitos como foram em 6 de outubro<br />

de 2002, e empossados na Assembléia Legislativa estadual em 1º de janeiro de 2003,<br />

permaneceriam até 15 de fevereiro de 2007.<br />

3. Alega o Partido da Frente Liberal (PFL), Autor da presente ação, que a expressão<br />

“e em 15 (quinze) de fevereiro para posse” afrontaria o art. 27, § 1º, da Constituição da<br />

República, segundo o qual:<br />

Art. 27 (...)<br />

§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras<br />

desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de<br />

mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.<br />

Quatro anos, explica o Partido-Autor, completam-se no dia 31 de dezembro de<br />

2006, pelo que:<br />

a) no dia 1º de janeiro de 2007 já se superou o período constitucionalmente<br />

definido para o mandato legítimo dos atuais Deputados estaduais;<br />

b) a superação do período de quatro anos, nos termos do § 4º do art. 30 da<br />

Constituição estadual, com a norma modificada pela Emenda Constitucional 16/05,<br />

não tem embasamento válido, porque contraria o paradigma fundamental da República<br />

a ser, rigorosa e estritamente, seguido, e não o foi;


R.T.J. — 202 627<br />

c) a manutenção daquela regra faz com que os Deputados estaduais eleitos<br />

para a legislatura 2007-2010 não sejam empossados na data previamente definida,<br />

não sendo eles que praticariam os atos que são de sua atribuição e responsabilidade,<br />

tal como a posse do Governador e do Vice-Governador do Estado;<br />

d) é inconcebível, juridicamente, manter-se o mandato dos Deputados<br />

eleitos em 2002 e empossados em 1º de janeiro de 2003, por desatendimento<br />

inegável à regra do § 1º do art. 27 da Constituição da República, tanto quanto o é<br />

permanecer o Estado sem novos Deputados estaduais empossados até a data de 15<br />

de fevereiro de 2007, porque então se teria um Poder estadual sem os órgãos que o<br />

tornam ativo.<br />

4. A Constituição da República define o período de duração do mandato, sendo<br />

certo que não fixa a data de início, em função da qual fica estabelecido o termo do<br />

mandato.<br />

Todavia, como se preceituou, no § 1º do art. 27 da Constituição do Brasil, ser regra<br />

de cumprimento identicamente obrigatória para os Estados-membros a duração do mandato<br />

– quatro anos –, há de ser entendido que não se deixou ao constituinte ou ao<br />

legislador estadual a estatuição de outro período para os mandatos. Não podem eles ser,<br />

então, encurtados nem ampliados.<br />

5. A Constituição do Estado de Roraima fixou, em 31 de dezembro de 1991, data de<br />

sua promulgação, que “a posse do Governador do Estado e dos membros da Assembléia<br />

Legislativa dar-se-ia em 1º de janeiro de cada ano” (art. 30, § 1º, do Ato das Disposições<br />

Constituições Transitórias) com a redação anterior à Emenda Constitucional 16/05.<br />

Ao definir a data da primeira legislatura, a Constituição de Roraima estabeleceu a<br />

data de início e fim de cada legislatura, pois os mandatos não poderiam – não podem –<br />

ser apequenados ou dilatados, porque se teria, então, a desobediência da regra do § 1º do<br />

art. 27 da Constituição da República.<br />

6. Este <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> decidiu, em caso análogo ao que agora se põe em causa,<br />

que:<br />

Ação direta de inconstitucionalidade 1.162-6 – São Paulo – DJ de 15-9-95<br />

Relator: Ministro Sydney Sanches<br />

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Arts. 27, § 1º, 28 e 25 da parte permanente<br />

da Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 e art. 11 do ADCT.<br />

Posse de Deputados estaduais de São Paulo, eleitos em 15 de novembro de 1993.<br />

Parágrafo 2º do art. 9º da parte permanente da Constituição do Estado de São Paulo e<br />

parágrafo único do art. 1º de seu ADCT.<br />

Art. 2º, caput da VII Consolidação do Regimento da Assembléia Legislativa do Estado.<br />

Medida cautelar.<br />

1. Nos expressos termos do § 1º do art. 27 da CF/88, “será de quatro anos o mandato dos<br />

Deputados Estaduais”.<br />

2. A Constituição <strong>Federal</strong>, no art. 27, fixou em 1º de janeiro a data da posse do Governador<br />

e do Vice-Governador eleitos noventa dias antes do término de seus mandatos.<br />

3. Não marcou data para o início das legislaturas estaduais, mas, no art. 25, atribuiu aos<br />

Estados o poder de se organizarem e se regerem pelas Constituições e leis que adotarem, observados,<br />

porém, os seus próprios princípios (da CF).<br />

4. E o art. 11 do ADCT da CF/88 também estabeleceu: “cada Assembléia Legislativa, com<br />

poderes constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da<br />

promulgação da Constituição <strong>Federal</strong>, obedecidos os princípios desta”.


628<br />

R.T.J. — 202<br />

5. Um desses princípios é o que fixa em quatro anos a duração do mandato dos Deputados<br />

estaduais (§ 1º do art. 27 da CF), que, conseqüentemente, não pode ser desobedecido por normas<br />

estaduais, como a Constituição do Estado e o Regimento Interno de sua Assembléia Legislativa.<br />

6. Não podem tais normas ampliar nem reduzir o prazo de duração dos mandatos de<br />

Deputados estaduais.<br />

7. Havendo a Constituição do Estado de São Paulo, no § 2º do art. 9º de sua parte permanente,<br />

e no parágrafo único do art. 1º de seu ADCT, fixado a data de 1º de janeiro de 1995 para a posse<br />

dos Deputados estaduais eleitos a 15 de novembro de 1994, acabou reduzindo o prazo de duração<br />

do mandato dos Deputados que, empossados a 15 de março de 1991, somente o terão concluído a<br />

15 de março de 1995.<br />

8. Estando preenchidos os requisitos da plausibilidade jurídica da ação (fumus boni iuris)<br />

e do risco da demora no processo e no julgamento final, com graves riscos para a ordem jurídica,<br />

política e institucional na unidade da Federação (periculum in mora), é de se deferir a medida<br />

cautelar pleiteada, ficando suspensa, a partir desta data (1º-12-94), até o julgamento final, a<br />

eficácia das expressões “a partir de 1º de janeiro, constantes do § 2º do art. 9º da parte permanente<br />

da Constituição do Estado de São Paulo, bem como de todo o texto do parágrafo único do art.<br />

1º do respectivo ADCT; assim, também, do caput do art. 2º da VII Consolidação do Regimento<br />

Interno da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.<br />

Maioria de votos.<br />

7. O pedido de medida cautelar inaudita altera pars fundamenta-se, de um lado, na<br />

plausibilidade jurídica que desponta, em exame inicial, do cotejo mesmo da norma da<br />

Constituição estadual em face do paradigma fundamental, que se contém na regra do § 1º<br />

do art. 27 da Constituição do Brasil. De outra parte, o perigo de haver demora lesiva a<br />

direitos pelo processamento regular da presente ação pode ser comprovada pela data<br />

mesma fixada para a posse dos novos Deputados (15 de fevereiro de 2007) e na aferição<br />

da data em que os atuais Deputados de Roraima tomaram posse (1º de janeiro de 2003),<br />

o que faz com que esses tenham tido o alargamento de seus mandatos, ultrapassando-se<br />

o período de quatro anos constitucionalmente previstos, por Emenda à Constituição de<br />

Roraima de autoria deles mesmos.<br />

8. Note-se que a marca de quatro anos de mandato faz com que o voto dos cidadãos<br />

nos eleitos se exaura exatamente no dia subseqüente ao completamento daquele período.<br />

O Deputado que não tenha recebido novo mandato do povo, após o dia em que se completaram<br />

os quatro anos, não tem mais procuração popular para atuar em nome dos cidadãos.<br />

Volta ele mesmo a ser um representado, não podendo mais agir como representante do povo.<br />

Pensar diferente seria admitir que alguém poderia, no Brasil, exercer o cargo de<br />

Deputado sem o voto popular. Ora, é o voto instrumento com prazo definido de validade,<br />

extinguindo-se à meia noite do último dia do mandato previsto no momento da eleição.<br />

É no momento da eleição que se dá a periodicidade do mandato do eleito, princípio que<br />

nem mesmo por Emenda à Constituição da República pode ser abolido (art. 60, § 4º).<br />

Daí a objetividade dos fundamentos lançados pelo eminente Ministro Sydney<br />

Sanches quando de seu voto na <strong>ADI</strong> 1.162, ao acentuar que:<br />

(...) não pode a Constituição estadual estabelecer norma que restrinja ou aumente a<br />

duração dos mandatos dos Deputados estaduais.<br />

7. Aliás, também o art. 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição<br />

<strong>Federal</strong> de 1988 foi bem explícito ao dizer: “cada Assembléia Legislativa, com poderes<br />

constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação<br />

da Constituição <strong>Federal</strong>, obedecidos os princípios desta.”


R.T.J. — 202 629<br />

Inclusive, portanto, o princípio relativo à duração do mandato do Deputado estadual, da<br />

qual a Constituição federal cuidara expressamente no já referido § 1º do art. 27.<br />

8. É verdade que, não dispondo a Constituição <strong>Federal</strong> sobre a data de início da legislatura<br />

no plano dos Estados, podiam estes escolher a data que lhes parecesse adequada, mas sempre sem<br />

reduzir ou aumentar o tempo de duração dos mandatos dos Deputados estaduais, em face da<br />

norma expressa da CF sobre essa duração (art. 27, § 1º).<br />

(...)<br />

11. No caso de São Paulo, houve encurtamento do período de mandato, mas poderia<br />

também ter ocorrido prorrogação. E ambas as hipóteses são coibidas pela Constituição <strong>Federal</strong><br />

em face dos dispositivos examinados.<br />

9. Devo realçar, Senhores Ministros, como dever de lealdade ao <strong>Tribunal</strong> e de<br />

honestidade intelectual em relação a Vv. Exas. e aos jurisdicionados, que a presente<br />

medida cautelar, se vier a ser deferida, para sustar os efeitos da regra havida no § 4º do art.<br />

30 da Constituição do Estado de Roraima, tem natureza satisfativa, como ressalta nítido<br />

da análise da espécie.<br />

Em primeiro lugar, porque os Deputados que estão no exercício do mandato e que<br />

continuariam a exercer as suas atribuições, recebendo os subsídios correspondentes por<br />

mais quarenta e seis dias além do prazo de quatro anos, não mais poderão retornar a eles,<br />

porque, seguramente, até que se instrua o presente processo, terá sido superada a data de<br />

15 de fevereiro de 2007.<br />

Em segundo lugar, porque os novos Deputados, eleitos em 1º de outubro de 2006,<br />

terão assumido os cargos no dia 1º de janeiro de 2007, uma vez que não pode haver<br />

continuidade na atuação da Assembléia Legislativa estadual.<br />

Logo, os efeitos desta decisão não poderão ser revertidos, em que pese se cuidar,<br />

aqui, de situação de excepcional urgência e gravidade, pois a regra impugnada estende,<br />

óbvia e matematicamente, o período do mandato dos Deputados estaduais de Roraima<br />

eleitos em 2002 e empossados em 1º de janeiro de 2003.<br />

Mas não se há descurar a que o destempo na prestação da jurisdição cautelar, na<br />

forma pedida, importa em permitir que mandatos sejam exercidos sem fundamento na<br />

Constituição do Brasil e em perfeita frustração do voto popular que há de estar em sua<br />

base de legitimação.<br />

10. Por tudo quanto exposto, de maneira extremamente singela e atenta à seriedade<br />

da decisão que se proferirá aqui, voto no sentido de se deferir a medida cautelar<br />

pleiteada pelo Partido-Autor, para que sejam suspensos, a partir de agora, os efeitos<br />

da expressão “e, em 15 (quinze) de fevereiro para a posse” constante do § 4º do art. 30<br />

da Constituição do Estado de Roraima, prevalecendo, até o julgamento final da<br />

presente ação, o texto normativo sem aquela frase.<br />

11. Oportunamente, serão colhidas informações da Assembléia Legislativa do Estado<br />

de Roraima (art. 170 do RISTF), bem como manifestações do Advogado-Geral da<br />

União e da Procuradoria-Geral da República (art. 103, § 1º e § 3º, da Constituição do<br />

Brasil).


630<br />

R.T.J. — 202<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, estou de acordo com a<br />

eminente Relatora.<br />

Apenas noto que, em dois precedentes – na <strong>ADI</strong> 1.059, de que fui Relator, acompanhado<br />

pelo <strong>Tribunal</strong>; e, depois, na <strong>ADI</strong> 1.162, em que fiquei vencido –, cuidava-se de<br />

normas de transição do próprio regime constitucional. Então me pareceu adequado que<br />

se previsse, numa – salvo engano – diminuição do tempo da legislatura então em curso,<br />

na <strong>ADI</strong> 1.059, e coisa similar na <strong>ADI</strong> 1.162, em que – repito – fiquei vencido; mas<br />

cuidava-se, realmente, de resolver um problema de transição entre o regime constitucional<br />

anterior e o que vinha a instalar-se.<br />

Aqui não existe essa circunstância; o que se tem é realmente uma ampliação do<br />

mandato dos atuais Deputados estaduais, o que viola não só a norma explícita do art. 27,<br />

§ 1º, da Constituição <strong>Federal</strong>, mas também o princípio fundamental da República.<br />

Acompanho a eminente Relatora e defiro a liminar.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

<strong>ADI</strong> 3.825-MC/RR — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Requerente: Partido da<br />

Frente Liberal – PFL (Advogados: Admar Gonzaga e outros). Requerida: Assembléia<br />

Legislativa do Estado de Roraima.<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade, deferiu a medida cautelar, nos termos do<br />

voto da Relatora. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Falou pelo Requerente,<br />

Partido da Frente Liberal (PFL), o Dr. Admar Gonzaga Neto.<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda<br />

Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,<br />

Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral<br />

da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 13 de dezembro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


R.T.J. — 202 631<br />

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA 22.252 — DF<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Recorrente: Aprígio Dantas de Oliveira Filho — Recorrida: União <strong>Federal</strong><br />

Servidor público. Militar. Transferência para reserva remunerada.<br />

Quota compulsória. Ato praticado no curso de gozo de licença especial.<br />

Licitude. Interrupção necessária. Inexistência de ofensa a direito líquido<br />

e certo. Mandado de segurança denegado. Recurso improvido. Inteligência<br />

do art. 70 da Lei 6.880/80 – Estatuto dos Militares. É lícita a transferência<br />

para reserva remunerada, em quota compulsória, de militar que se encontre<br />

em gozo de licença especial.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma<br />

do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade<br />

da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar<br />

provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente,<br />

neste julgamento, os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa.<br />

Brasília, 4 de setembro de 2007 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de recurso ordinário (fls.107/109) interposto<br />

por Aprígio Dantas de Oliveira Filho, militar da reserva remunerada da Aeronáutica,<br />

contra acórdão da Terceira Seção do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça (fls. 93/105) que lhe<br />

denegou pedido de mandado de segurança, nos termos desta ementa:<br />

Administrativo. Militar. Quota compulsória. Licença especial. Possibilidade de interrupção.<br />

Exegese do art. 70 do Estatuto dos Militares (Lei 6.880/80). Writ denegado<br />

1 - O impetrante, tenente-coronel da Aeronáutica, estava em pleno gozo de sua licença<br />

especial, quando foi avisado de que havia figurado na quota compulsória para passar para a<br />

reserva remunerada. Após o seu “ciente”, ressalvou que se achava de licença e só entraria com<br />

recurso administrativo após terminar sua licença. Nesse ínterim, foi transferido para a reserva.<br />

Interpôs recurso administrativo, alegando que nos termos dos arts. 68 e 70 do Estatuto não<br />

poderia ter sua licença interrompida. Em decorrência, não poderia figurar na quota compulsória,<br />

e muito menos ser inativado.<br />

2 - O art. 70 do Estatuto, que prevê os casos de interrupção de licença, não é um numerus<br />

clausus. Assim, se o militar, como o impetrante, foi preterido por três vezes sucessivas para a<br />

promoção por merecimento, não se tinha que aguardar sua volta para, então, incluí-lo na quota<br />

compulsória e, consequentemente, passá-lo para a reserva.<br />

3 - Writ denegado.<br />

2. Alega o Recorrente, em síntese, que a licença especial, em cujo gozo se encontrava,<br />

só pode ser interrompida numa das hipóteses enumeradas no § 1º do art. 70 da Lei<br />

<strong>Federal</strong> 6.880/80, de 9-12-80 (Estatuto dos Militares), nenhuma das quais teria ocorrido<br />

na espécie, pois delas não consta a inclusão na quota compulsória.


632<br />

R.T.J. — 202<br />

Sustenta que à administração competia esperar-lhe o retorno e a interposição de<br />

recurso, para, na hipótese de provimento, promovê-lo, ou, na de improvimento, inativá-lo.<br />

E, por fim, embora esclareça que a promoção não é o aspecto mais relevante do pedido,<br />

pretende-a a título de ressarcimento pela impossibilidade de recorrer, no prazo, contra a<br />

inclusão na quota compulsória (o recurso, apresentado após o retorno da licença, foi<br />

julgado intempestivo), como pretende reinclusão na ativa, para completar a fruição do<br />

benefício interrompido.<br />

A Procuradoria-Geral da República (fls. 127/130) é pelo improvimento do recurso.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Inconsistente o recurso.<br />

Como já advertira o acórdão impugnado (fl.100) e o relevou a Procuradoria-Geral<br />

da República, os pedidos do Recorrente apóiam-se em premissa equivocada.<br />

O caso não postula interpretação e incidência do art. 70 do chamado Estatuto dos<br />

Militares, pois não corresponde à hipótese de interrupção de licença especial, mas, sim,<br />

à de exaurimento do serviço mesmo. Essa norma cuida apenas das condições excepcionais<br />

que autorizam a administração a determinar o retorno de servidor licenciado ao<br />

serviço. Sua ratio iuris está em evitar interrupções imotivadas ou arbitrárias do gozo de<br />

licença.<br />

Ora, a reforma ou transferência para a reserva remunerada em nada se entende com<br />

essas hipóteses, pela razão óbvia de que perpetua o afastamento do servidor. Daí cumprir<br />

à autoridade competente tão-só observar as disposições legais que lhe imponham<br />

incluir, de ofício, o servidor na quota compulsória (QC), como sucedeu aqui.<br />

Das informações consta que a indicação do ora Recorrente para integrar a quota<br />

compulsória teve por fundamento o disposto no art. 101, II, e, 2ª prioridade, do Estatuto,<br />

que não foi por ele impugnada, como se extrai das razões do seu recurso administrativo<br />

(fls. 73-74, c/c fl. 18v.): “a cogitação do nome (...) para integrar a quota compulsória do<br />

ano não fere nenhum dispositivo regulamentar ou legal”.<br />

De modo que, figurando legítima a transferência para a reserva remunerada e<br />

inexistente previsão legal de circunstância suspensiva da eficácia desse ato, forçoso<br />

concluir que a interposição do recurso administrativo a destempo, uma vez protocolado<br />

após o termo da licença, descaracteriza cerceamento de defesa e não justifica reinclusão<br />

no rol dos ativos, nem promoção a título de ressarcimento de dano jurídico que não<br />

houve.<br />

2. Do exposto, nego provimento ao recurso.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

RMS 22.252/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Recorrente: Aprígio Dantas de<br />

Oliveira Filho (Advogado: Monclar da Rocha Bastos). Recorrida: União <strong>Federal</strong> (Advogado:<br />

Advogado-Geral da União).


R.T.J. — 202 633<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso ordinário,<br />

nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros<br />

Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Cezar<br />

Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar<br />

Mendes. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.<br />

Brasília, 4 de setembro de 2007 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


634<br />

R.T.J. — 202<br />

MANDADO DE SEGURANÇA 25.185 — DF<br />

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso<br />

Impetrante: João Alfredo Soares de Avellar — Impetrado: Presidente da República<br />

Constitucional. Agrário. Reforma agrária: desapropriação. Vistoria:<br />

notificação prévia mediante edital. Lei 6.829/93, art. 2º, § 3º. Entidades<br />

de classe: comunicação da vistoria.<br />

I - Notificação prévia mediante edital: regularidade. Lei 6.829/93,<br />

art. 2º, § 3º.<br />

II - A comunicação da vistoria à entidade de classe (Decreto 2.250/<br />

97, art. 2º) somente ocorrerá no caso em que ela indica a área a ser desapropriada.<br />

Precedentes do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

III - Laudo que teria sido firmado por engenheiro em débito com o<br />

seu conselho profissional: irrelevância.<br />

IV - A questão de saber se o imóvel rural é produtivo ou não constitui<br />

questão de fato, que não pode ser examinada em mandado de segurança,<br />

porque exige dilação probatória, e os fatos que autorizam a impetração<br />

devem ser incontroversos.<br />

V - Mandado de segurança indeferido.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na<br />

conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, indeferir<br />

a segurança, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros<br />

Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Gilmar Mendes e, neste julgamento, Joaquim Barbosa.<br />

Brasília, 24 de novembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de<br />

liminar, fundado no art. 5º, LXIX, da Constituição e na Lei 4.348/64, impetrado por João<br />

Alfredo Soares de Avellar, contra ato do Presidente da República, consubstanciado no<br />

Decreto de 8 de dezembro de 2004 (fl. 25), que declarou de interesse social, para fins de<br />

reforma agrária, imóvel rural de propriedade do Impetrante, denominado “Fazenda<br />

Pedra Branca”, situado no Município de Campestre/AL.<br />

Sustenta o Impetrante, em síntese, o seguinte:<br />

a) ausência de prévia e válida notificação da realização da vistoria no imóvel<br />

discutido, porquanto os editais com a indicação de propriedades a serem vistoriadas,<br />

publicados no jornal Gazeta de Alagoas nos dias 6, 7 e 8 de abril de 2004 (fls. 149-155),<br />

informaram incorretamente o endereço da Fazenda Pedra Branca, visto que a mesma se


R.T.J. — 202 635<br />

situa no Município de Campestre/AL e não no Município de Jundiá/AL, bem como<br />

consideraram, equivocadamente, a referida fazenda com área de 446,4 hectares, quando,<br />

consoante escritura de compra e venda (fl. 38v), o imóvel possui 390 hectares. Ademais, o<br />

órgão de classe do Impetrante, Associação dos Fornecedores de Cana de Alagoas e Federação<br />

da Agricultura, não foi informado acerca da data de início da vistoria, o que impossibilitou<br />

o acompanhamento dos trabalhos por agrônomos da referida associação. Sobre o<br />

tema, esta Corte manifestou-se nos MS 22.319/SP, MS 22.164/SP e MS 22.613/PE;<br />

b) nulidade do laudo de vistoria preliminar, nos termos dos arts 13, 15 e 68 da Lei<br />

5.194/66, dado que assinado por engenheiro agrônomo em débito com o Conselho<br />

Regional de Engenharia e Arquitetura de Alagoas, quando deveria estar assinado por, no<br />

mínimo, dois engenheiros agrônomos;<br />

c) manipulação dos dados constantes no Laudo Agronômico de Fiscalização que<br />

considerou a Fazenda Pedra Branca como grande propriedade improdutiva, importando<br />

destacar que o Impetrante ajuizou, em 10-12-04, ação cautelar de produção antecipada<br />

de prova (Processo 2004.80.00.010010-8), com requerimento de perícia judicial, para<br />

demonstrar a manipulação de dados técnicos e a existência de falsos fundamentos que<br />

forjaram a improdutividade do imóvel referido;<br />

d) configuração do fumus boni iuris e do periculum in mora, visto que a área rural<br />

em questão é produtiva e, portanto, não suscetível de desapropriação. Além disso, ressalta<br />

que o ato impugnado decorre de procedimento administrativo irregular, eivado de vícios<br />

e nulidades.<br />

Ao final, requer o Impetrante seja concedida medida liminar, “a fim de ser sustada<br />

a execução do Decreto expropriatório, até a decisão do presente writ” (fl. 20). No<br />

mérito, requer a concessão da segurança para que seja anulado o ato impugnado.<br />

Requisitadas informações (fl. 235), o Presidente da República as prestou (fls. 242-<br />

397), sustentando, preliminarmente, a ausência de direito líquido e certo do Impetrante,<br />

dado que esse ajuizou ação cautelar de produção antecipada de provas, autuada sob o<br />

número 2004.80.00.010010-8, perante a Justiça <strong>Federal</strong> do Estado de Alagoas, para<br />

demonstrar a produtividade do imóvel discutido. Ademais, evidenciam-se contradições<br />

entre as afirmações do Impetrante e os documentos constantes dos autos quanto à área do<br />

imóvel expropriado, à falta de notificação e à produtividade, o que demandaria para o<br />

seu esclarecimento dilação probatória, inviável em mandado de segurança, consoante<br />

entendimento desta Corte (MS 23.054/PB, MS 22.164/SP e MS 24.036/DF).<br />

No mérito, aduz, em síntese, o seguinte:<br />

a) legalidade do procedimento realizado pelo Incra, uma vez que, nos termos do<br />

art. 2º, § 2º, da Lei 8.629/93, redação dada pela Medida Provisória 2.183-56/01, ante a<br />

ausência do proprietário, preposto ou representante, foi realizada a notificação via edital;<br />

b) improcedência das alegações de incorreção nos editais quanto ao endereço do<br />

imóvel expropriado, porquanto nenhuma alteração referente à localização da Fazenda<br />

Pedra Branca foi realizada no cartório de registro de imóveis ou nos cadastros do Incra,<br />

valendo salientar que o Impetrante, quando da declaração para cadastro de imóvel rural<br />

(fl. 326), informou que o imóvel discutido situava-se no município de Jundiá/AL, o que


636<br />

R.T.J. — 202<br />

também consta na escritura pública definitiva de compra e venda da Fazenda Pedra<br />

Branca, “cujas cópias (incompletas) foram trazidas pelo Impetrante para estes autos” (fl.<br />

261). Ademais, os editais atenderam às suas finalidades, visto que chegou ao conhecimento<br />

do Impetrante que seu imóvel estava sendo objeto de aferição de produtividade,<br />

tanto que à data da realização da vistoria, o Impetrante estava presente e acompanhou<br />

todos os trabalhos, sendo certo, assim, que não há falar em nulidade dos editais, visto<br />

que o proprietário não sofreu prejuízo;<br />

c) o Impetrante, juntamente com o administrador do imóvel, consoante consta no<br />

laudo agronômico de fiscalização, concordou e acompanhou a vistoria em todo o<br />

período de sua realização.<br />

Em 4-2-05, indeferi a medida liminar (fls. 401-403).<br />

Às fls. 405-408, o Impetrante pede a revisão da decisão indeferitória da liminar<br />

pleiteada, uma vez que presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora.<br />

A Procuradoria-Geral da República, em parecer lavrado pelo então Procurador-<br />

Geral da República, Professor Claudio Fonteles, opina pela denegação da ordem (fls.<br />

409-412).<br />

Em 25-2-05, o Impetrante informou que “o fundo agrícola denominado Fazenda<br />

Pedra Branca, localizado na zona rural do Município de Campestre – Alagoas, teve a<br />

posse esbulhada pelo Movimento Liberdade e Trabalho” (fl. 414), tendo sido, diante da<br />

referida situação, proposta ação de reintegração de posse (Processo 7.657/05), na qual<br />

foi deferida medida liminar (fl. 416).<br />

Nesse contexto, ressalta o Impetrante que, nos termos do art. 4º, § 6º, da Medida<br />

Provisória 2.183-56, de 24-8-01, não pode ser o referido imóvel objeto de desapropriação,<br />

motivo pelo qual requer a sustação imediata da execução do ato ora impugnado.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): A impetração apóia-se, basicamente, em<br />

três fundamentos, registra o Ministério Público <strong>Federal</strong>:<br />

2. O Impetrante sustenta a nulidade do ato em vista, basicamente, de três argumentos. São<br />

eles: (i) nulidade da notificação prévia à vistoria em razão dos editais publicados mencionarem<br />

que a localização do imóvel seria no Município de Jundiá, quando, na verdade, após a criação do<br />

Município de Campestre, neste estaria sediado o imóvel; (ii) também no que toca à notificação,<br />

deveriam, sob pena de nulidade, ter sido cientificadas as entidades de classe a que o proprietário<br />

integra, no caso, a Associação dos Fornecedores de Cana de Alagoas e a Federação da Agricultura<br />

respectiva; e, finalmente, (iii) nulidade do laudo por ter sido elaborado pela pena de<br />

engenheiro agrônomo em débito com o Conselho profissional que lhe rege a atividade, na<br />

hipótese, o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura.<br />

(Fl. 410.)<br />

Oficia, em seguida, o Ministério Público, pelo seu chefe, o então Procurador-Geral<br />

da República, Professor Claudio Fonteles:


R.T.J. — 202 637<br />

7. A regularidade da notificação por edital é evidenciada pela estrita observância da<br />

legislação no caso. A ordem legal admite, de maneira subsidiária, que o proprietário das terras a<br />

serem examinadas seja cientificado da vistoria que irá ser processada por meio de comunicação<br />

ficta, mediada por edital. É instrumento a ser utilizado na hipótese de não ser encontrado o<br />

proprietário ou qualquer de seus representantes. O regime é admitido pelo art. 2º, § 3º, da Lei<br />

8.629/93. 1<br />

8. Dessa compreensão não divergiu o comportamento do Incra. Regularmente processou<br />

a notificação por edital, pois na hipótese, em vista da ausência de qualquer informação sobre o<br />

domicílio do proprietário, ainda que consultados a Secretaria da Receita <strong>Federal</strong>, o cartório da<br />

comarca do Porto Calvo e os moradores do imóvel, restava plenamente caracterizada a mais<br />

completa impossibilidade de se identificar o paradeiro do proprietário – fl. 321.<br />

9. Pois é nesse compasso que parece imprestável, data venia, a alegação de equívoco na<br />

identificação do imóvel, no que se mostra válida a notificação realizada.<br />

10. Argumentar que a menção nos editais ao Município de Jundiá, quando o correto seria<br />

indicar o Município de Campestre, gera a nulidade do ato de comunicação é negligenciar, ao<br />

mesmo tempo, a idéia de que fora o próprio impetrante quem forneceu os dados cadastrais do<br />

imóvel ao Incra.<br />

11. Em suma, alega o impetrante a própria torpeza.<br />

12. Ademais, os editais reproduziram o que consta do registro do imóvel, que menciona<br />

Jundiá como sede do bem – fl. 319.<br />

13. É bom notar que a alteração administrativa perpetrada não torna inviável a ciência do<br />

ato pelo impetrante, o qual tinha pleno conhecimento de que seu imóvel, antes da criação do<br />

Município de Campestre, estava localizado em Jundiá. Povoado desta localidade, Campestre se<br />

confunde, em suas origens, com o município do qual foi desmembrado.<br />

14. É seguro dizer que a individualização do bem não foi prejudicada. Tal pensamento é<br />

até mesmo comprovado pelo fato dos trabalhos terem sido acompanhados pelo proprietário e<br />

por administrador do imóvel – fl. 46. Atingiu-se a finalidade do ato, o que, de pronto, afastaria<br />

qualquer vício na espécie.<br />

15. No que trata sobre a regularidade do servidor que elaborou o laudo em referência ao<br />

seu órgão de classe, é de se notar que é essa uma relação completamente divorciada do ato<br />

administrativo, editado por agente regularmente investido em cargo público. A composição e<br />

validade do ato administrativo não tem pertinência com o status do servidor perante o órgão<br />

profissional do qual é afeto.<br />

16. Tal consideração, diga-se, é mesmo despicienda. Não há demonstração alguma da<br />

alegada irregularidade. Considerando a via estrita em que estamos caminhando, resta afastado<br />

qualquer exame sobre a liquidez e certeza do direito no tópico ante a deficiência do conjunto<br />

probatório.<br />

17. Finalmente, acerca da alegada nulidade por ausência de notificação às entidades de<br />

classe relacionadas ao impetrante, é calma a jurisprudência da Suprema Corte que acena na<br />

direção de ser necessária tal diligência apenas nos casos em que o bem a ser estudado é indicado<br />

formalmente pela dita organização. É o pensamento promovido pelo Eminente Ministro<br />

Moreira Alves no exame do MS 23.889. Leia-se breve trecho: “(...) Esta Corte, ao julgar o MS<br />

23.312, firmou o entendimento de que só se exige comunicação da vistoria à entidade de classe<br />

nos casos em que ela indica a área a ser desapropriada (...)” (DJ de 22-11-02, p. 56).<br />

(Fls. 410-412.)<br />

Correto o parecer.<br />

1 “Art. 2º (...)<br />

§ 3º Na ausência do proprietário, do preposto ou do representante, a comunicação será feita mediante<br />

edital, a ser publicado, por três vezes consecutivas, em jornal de grande circulação na capital do Estado<br />

de localização do imóvel.”


638<br />

R.T.J. — 202<br />

A notificação por edital encontra amparo na lei, art. 2º, § 3º, da Lei 8.629, de 1993.<br />

Justifica-se a utilização do edital, porque o proprietário do imóvel não fora localizado.<br />

É o que está registrado à fl. 321.<br />

Também não tem procedência a alegação no sentido de que há menção, nos<br />

editais, ao Município de Jundiá quando o correto seria indicar o Município de Campestre.<br />

Esclarece a autoridade impetrada, no ponto:<br />

Para a realização do ato, tomou-se por base os elementos concernentes ao imóvel constantes<br />

da matrícula registrada no Cartório de Notas e Registros, bem como, os dados cadastrais do<br />

Incra fornecidos pelo próprio proprietário (documentos em anexo).<br />

Consigna a certidão expedida pelo Cartório de Notas e Registros, onde se acha<br />

matriculado o imóvel rural em questão, que “consta em 18 de março de 1980, a Matrícula 852,<br />

do imóvel denominado Pedra Branca, situado no Município de Jundiá/AL, desta comarca, com<br />

área de 446 ha, 43 a, desmembrado do imóvel Aquidaban, cadastrada no Incra sob o nº<br />

150.201.950.020 (...). Proprietário: João Alfredo Soares de Avellar, CPF 143.188.224-00 (...).”<br />

Não socorre o Impetrante, portanto, o argumento no sentido de que “os editais de notificação<br />

publicados no Jornal de grande circulação no Estado de Alagoas-AL, precisamente<br />

Gazeta de Alagoas nos dias 6, 7 e 8 de abril de 2004, estão eivados de vícios de nulidade, em<br />

face da notificação efetuada pela Autarquia <strong>Federal</strong> Impetrada, ter indicado a Fazenda Pedra<br />

Branca, localizada no Município de Jundiá/AL, a ser vistoriada e, ter realizado a vistoria na<br />

propriedade Fazenda Pedra Branca, localizada no Município de Campestre/AL,” conforme<br />

demonstrará.<br />

Tal como o próprio Impetrante afirma, com o advento da Lei nº 5.641, em 24 de novembro<br />

de 1994, com a criação do Município de Campestre, alterou-se a situação do imóvel, sem, contudo,<br />

que se realizasse qualquer alteração no Cartório de Registro de Imóveis respectivo ou nos cadastros<br />

do Incra, a despeito da imperativa disposição do § 7º, do art. 22 da Lei nº 10.267/01 2 .<br />

Aliás, como dito, por ocasião do fornecimento pelo proprietário, ora Impetrante, das<br />

declarações para cadastro de imóvel rural – DP, consignou o declarante (próprio Impetrante)<br />

que o imóvel se localizava no Município de Jundiá (cópia em anexo).<br />

(Fl. 260.)<br />

Melhor sorte não socorre o Impetrante no que toca à alegação de que deveriam ter<br />

sido notificadas as entidades de classe às quais está o proprietário do imóvel filiado, a<br />

Associação dos Fornecedores de Cana de Alagoas e a Federação da Agricultura.<br />

É que a comunicação da vistoria à entidade de classe (Decreto 2.250/97, art. 2º)<br />

somente ocorrerá no caso em que ela indica a área a ser desapropriada, o que não ocorreu<br />

aqui.<br />

A jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, no ponto, é pacífica: MS 23.645/<br />

MS e MS 23.271/ES, por mim relatados, DJ de 15-3-02 e 19-12-02; MS 23.889/MS,<br />

Ministro Moreira Alves, DJ de 22-11-02.<br />

2 “Art. 22. (...)<br />

§ 7º Os serviços de registro de imóveis ficam obrigados a encaminhar ao Incra, mensalmente, as<br />

modificações ocorridas nas matrículas imobiliárias decorrentes de mudanças de titularidade,<br />

parcelamento, desmembramento, loteamento, remembramento, retificação de área, reserva legal e<br />

particular do patrimônio natural e outras limitações e restrições de caráter ambiental, envolvendo os<br />

imóveis rurais, inclusive os destacados do patrimônio público.”


R.T.J. — 202 639<br />

Também não tem procedência a alegação no sentido de que o laudo teria sido<br />

firmado por engenheiro agrônomo em débito com o seu Conselho Profissional, o Conselho<br />

Regional de Engenharia e Arquitetura. A uma, porque não está demonstrado, nos<br />

autos, o alegado; a duas, porque, se procedente o alegado, ter-se-ia mera questão formal.<br />

Finalmente, a questão de se saber se o imóvel rural é produtivo ou não constitui<br />

questão de fato, que não pode ser examinada em sede de mandado de segurança, porque<br />

exige dilação probatória e os fatos que autorizam a impetração devem ser incontroversos:<br />

MS 24.420/DF, Ministro Carlos Velloso, DJ de 6-6-03.<br />

Não merece consideração, ao cabo, a alegação trazida aos autos a desoras, após o<br />

parecer da Procuradoria-Geral da República, no sentido de que o imóvel teve a posse<br />

esbulhada. A uma, porque trata-se, conforme já foi dito, de argumento apresentado a<br />

desoras; a duas, porque a invasão teria ocorrido, segundo informa o próprio Impetrante<br />

após a realização da vistoria. A invasão teria ocorrido, ao que parece, em 2005. A vistoria<br />

é de julho de 2004.<br />

Do exposto, indefiro o mandado de segurança.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

MS 25.185/DF — Relator: Ministro Carlos Velloso. Impetrante: João Alfredo<br />

Soares de Avellar (Advogados: Cairo Roberto Silva Júnior e outros). Impetrado: Presidente<br />

da República (Advogado: Advogado-Geral da União).<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade, indeferiu a segurança, nos termos do voto<br />

do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de<br />

Mello, Gilmar Mendes e, neste julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu o<br />

julgamento o Ministro Nelson Jobim.<br />

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Carlos<br />

Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e<br />

Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.<br />

Brasília, 24 de novembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


640<br />

R.T.J. — 202<br />

QUESTÃO DE ORDEM NO MANDADO DE SEGURANÇA 25.846 — DF<br />

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio<br />

Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence<br />

Impetrante: Distrito <strong>Federal</strong> — Impetrados: Ministro de Estado da Fazenda, Secretário<br />

do Tesouro Nacional e Coordenador-Geral da Coordenação-Geral de Responsabilidades<br />

Financeiras e Haveres Mobiliários – COREF — Litisconsorte passiva: União<br />

Mandado de segurança contra ato de Ministro do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>:<br />

singularidade do caso concreto, que leva à afirmação de competência, por prevenção,<br />

do Relator dos MS 25.846 e 25.853.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade<br />

da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, decidir afetar ao<br />

Ministro Celso de Mello, por prevenção, os MS 25.846-2/DF e 25.853-5/DF.<br />

Brasília, 8 de março de 2006 — Sepúlveda Pertence, Relator para o acórdão.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, passados quinze anos de atuação<br />

nesta Corte, não esperava relatar questão de ordem com o conteúdo revelado neste<br />

processo, e devo registrar que o faço com certo constrangimento.<br />

Foi-me atribuído, por livre distribuição – por ato, portanto, de Vossa Excelência –, este<br />

mandado de segurança, impetrado pelo Distrito <strong>Federal</strong> e tendo como autoridades<br />

coatoras o Ministro de Estado da Fazenda, o Secretário do Tesouro Nacional e o Coordenador-Geral<br />

da Coordenação-Geral de Responsabilidades Financeiras e Haveres Mobiliários<br />

(COREF). Nele prolatei a decisão liminar, na qual, à guisa de relatório, assentei:<br />

1. O Distrito <strong>Federal</strong> informa haver obtido, junto ao Banco Internacional para Reconstrução<br />

e Desenvolvimento (BIRD), contrato de empréstimo com o Banco Mundial, a ser formalizado<br />

em 23 do corrente mês, estando programada a viagem do chefe do Poder Executivo para o dia de<br />

hoje. Tal empréstimo, visando ao implemento de obras públicas voltadas ao bem-estar da população<br />

e alcançando saneamento básico e urbanização – portanto, serviços na área de saúde –, fora<br />

autorizado pelo Senado <strong>Federal</strong> mediante a Resolução 4/06. Entrementes, notícia de pendências<br />

com a União teria obstaculizado a concessão de garantia por parte desta última.<br />

Articula o Impetrante com a inobservância do contraditório e, discorrendo sobre a competência<br />

do <strong>Supremo</strong>, ante o Pacto Federativo e a violência ao direito ao devido processo legal,<br />

transcreve decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello na AC 1.033-1/DF. Após citar outros<br />

precedentes, requer a concessão de medida acauteladora para, sem ouvir-se a União bem como as<br />

autoridades tidas como coatoras, determinar-se que, até o julgamento final da impetração, sejam<br />

desconsiderados registros e informações em desfavor do Distrito <strong>Federal</strong> constantes dos cadastros<br />

Cauc, Conconv/Siafi e de qualquer outro sistema, tendo em vista as operações de crédito a<br />

envolver o Distrito <strong>Federal</strong>, incluindo transferências voluntárias e a concessão de garantia em<br />

operações de crédito externo, especialmente o contrato a ser assinado com o Banco Mundial<br />

(BIRD) no próximo dia 23, vindo-se, alfim, a deferir em definitivo a segurança. Pleiteia o


R.T.J. — 202 641<br />

Impetrante, sucessivamente, seja determinada aos Impetrados a concessão da garantia em razão<br />

do caráter social de que se reveste a captação de crédito externo a ser efetivada. Acompanharam<br />

a inicial os documentos de fls. 22 a 231. O processo deu entrada no Gabinete às 8h30 de hoje.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ao deferir a liminar, lancei os seguintes<br />

fundamentos:<br />

2. Sob o ângulo da competência para o exame do pedido de concessão de medida<br />

acauteladora, assento-a na alínea f do inciso I do art. 102 da Constituição <strong>Federal</strong>. Trata-se de<br />

conflito entre o Distrito <strong>Federal</strong> e a União.<br />

Relativamente à matéria de fundo, em jogo faz-se a assinatura de contrato no próximo dia<br />

23, havendo, conforme noticiado na inicial, a autorização do Senado <strong>Federal</strong>. O ofício de fl. 22,<br />

subscrito pelo Coordenador-Geral da Coref/STN, do Ministério da Fazenda, revela a impossibilidade<br />

de ser dada a garantia ante a circunstância de existirem débitos na prestação de contas de recursos<br />

recebidos da União concernentes aos seguintes convênios: 00.394.601/0001-26/Governo do Distrito<br />

<strong>Federal</strong>; 00.394.700/0001-08/Secretaria de Saúde; 00.394.718/0002-90/Secretaria de Estado<br />

de Segurança Pública e Defesa Social e 00.507.855/0001-03/Instituto de Saúde do Distrito <strong>Federal</strong>.<br />

À luz do disposto no art. 40, § 2º, da Lei de Responsabilidade Fiscal, afirmou-se que a concessão de<br />

garantia da União estaria subordinada à regularização das pendências mencionadas.<br />

Cumpre sopesar os valores em questão, em face da designação de data para a assinatura de<br />

empréstimo autorizado pelo Senado <strong>Federal</strong>, do perfil do Estado brasileiro na óptica da comunidade<br />

internacional e do óbice assinalado quanto à concessão da indispensável garantia da União.<br />

O ofício referido consigna tendências atinentes à prestação de contas, sem proclamar o inadimplemento<br />

do Distrito <strong>Federal</strong>. Da leitura da legislação de regência deflui que a União prestará<br />

garantia à unidade da Federação quando verificada operação de crédito junto a organismo financeiro<br />

internacional, atendidas as normas do § 1º do art. 40 da Lei Complementar 101/00 e demais<br />

exigências legais. De acordo com o citado parágrafo, a garantia fica condicionada ao oferecimento<br />

de contragarantia, não contendo o dispositivo alusão à pendência de prestação de contas. Esse<br />

dado por si só respalda o deferimento da liminar requerida, projetando-se para o julgamento final<br />

da impetração a problemática do contraditório. Razões até mesmo de Estado, no significado<br />

maior, levam, como assentado, em termos de respeitabilidade nacional, a caminhar para o<br />

afastamento do óbice à formalização do empréstimo.<br />

3. Concedo a liminar pleiteada para afastar o obstáculo à concessão pretendia, versado no<br />

ofício de fl. 22.<br />

(...)<br />

Houve um pedido de reconsideração formalizado pela União. Procedi ao relato desse<br />

pedido de reconsideração, e consignei:<br />

Na decisão que se quer ver alterada, consta referência aos valores em jogo, presente a<br />

designação de data para assinatura de empréstimo autorizado pelo Senado <strong>Federal</strong>, o perfil do<br />

Estado brasileiro na óptica da comunidade internacional e a natureza do óbice atinente à recusa da<br />

União, ou seja, a pendência de prestação de contas e não de inadimplemento, em si, de amortização<br />

da dívida do Distrito <strong>Federal</strong>. É certo que o § 2º do mencionado art. 25 consigna, para<br />

alcançar-se a garantia pretendida, a observância da norma inserta no § 1º e das exigências legais<br />

para o recebimento de transferências voluntárias, estando contemplada no mesmo artigo, § 1º,<br />

inciso IV, alínea a, a regular prestação de contas de recursos anteriormente recebidos. Todavia, a<br />

cláusula há de ser considerada no contexto da situação concreta, levando-se em conta a aprovação<br />

do empréstimo e da garantia pelo Senado <strong>Federal</strong> e a data designada para assinatura do<br />

contrato, sobressaindo, ainda, a contragarantia prevista no inciso II do § 1º do citado art. 40. Daí<br />

haver salientado, na decisão impugnada, tratar-se de valores a serem sopesados à luz dos princípios<br />

da razoabilidade e da proporcionalidade.<br />

Indeferi, portanto, o pedido de reconsideração.


642<br />

R.T.J. — 202<br />

A União impetrou novo mandado de segurança – não sei se poderia dizer “contramandado<br />

de segurança” –, que foi distribuído ao Ministro Cezar Peluso. Então, Sua<br />

Excelência prolatou a seguinte decisão:<br />

1. Trata-se de mandado de segurança, impetrado pela União <strong>Federal</strong>, contra ato praticado<br />

pelo Exmo. Ministro Marco Aurélio, nos autos do MS 25.846, que se volta, por sua vez, contra<br />

decisão proferida pelo Exmo. Ministro Celso de Mello, na ACO 840. O ato ora atacado<br />

substancia-se em decisão concessiva de liminar, para que a Impetrante seja obrigada a prestar<br />

garantia ao Distrito <strong>Federal</strong> em empréstimo obtido por este junto ao Banco Internacional de<br />

Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), no dia 23 de fevereiro pp. (fls. 2/21).<br />

Segundo alega a Impetrante, a sua recusa em conceder a garantia deve-se ao fato de que o<br />

Distrito <strong>Federal</strong> se encontra em situação irregular perante os cadastros de controle financeiro<br />

mantidos pelos órgãos federais, por ter deixado de prestar contas relativas a convênios anteriores<br />

no modo e no tempo devidos. E, nos termos do art. 40, § 1º e § 2º, c/c o art. 25, § 1º, inciso IV,<br />

a, da Lei de Responsabilidade Fiscal, essa prestação seria um dos requisitos sine qua non para a<br />

realização de transferências voluntárias e, conseqüentemente, para a prestação da garantia<br />

contratual na operação de crédito. Argúi, ainda, a incompetência da autoridade coatora para a<br />

prática do ato impugnado, por entender que o MS 25.846 deveria ter sido distribuído por prevenção<br />

ao Relator da ACO 840.<br />

Pede, por fim, deferimento de liminar, para “que sejam suspensos os efeitos da decisão<br />

proferida, em 21 de fevereiro de 2006, pela autoridade apontada como coatora, nos autos do MS<br />

25.846/DF, conforme as razões articuladas na petição inicial” (fl. 20).<br />

2. É caso de liminar.<br />

Neste juízo prévio e sumário, tenho por presentes os requisitos do fumus boni iuris e do<br />

periculum in mora, necessários à edição da medida urgente (art. 7º, inciso II, da Lei 1.533, de<br />

31-12-51).<br />

Com efeito, é dotada de razoabilidade jurídica a alegação de que a legalidade de concessão de<br />

garantia, por parte da União, à operação de crédito pactuada pelo Distrito <strong>Federal</strong> com o Banco<br />

Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), estava condicionada à regular prestação<br />

de contas relativas a convênios anteriormente firmados por ambos os entes federativos. O<br />

art. 40, § 1º e § 2º, da Lei de Responsabilidade Fiscal, subordina a concessão dessa garantia, dentre<br />

outros requisitos, ao atendimento das “exigências legais para o recebimento de transferências<br />

voluntárias”. E o art. 25 exige, “para a realização de transferência voluntária”, “a comprovação,<br />

por parte do beneficiário, de: a) que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos<br />

ou financiamentos devidos ao ente transferidor, bem como quanto à prestação de contas de<br />

recursos anteriormente dele recebidos” (grifo nosso).<br />

Acostado aos autos, encontra-se documento que, obtido doutro sistema de controle que<br />

não o Cadastro Único de Exigência para Transferências Voluntárias (CAUC), noticia, sob presunção<br />

relativa de veracidade, própria dos atos administrativos, que, além de outros órgãos, o<br />

Governo do Distrito <strong>Federal</strong> se acha em débito na prestação de contas de recursos recebidos da<br />

União (fl. 25).<br />

Compulsando os autos da ACO 840, verifico ainda que, sob a mesma presunção iuris<br />

tantum de veracidade, informa a União que, obedecendo aos termos da liminar aí deferida, não se<br />

valeu dos dados do Cauc, nem se amparou na IN STN 01/05, para registrar a situação irregular do<br />

Governo do Distrito <strong>Federal</strong>, senão de consulta ao Cadastro de Convênios do Sistema Integrado de<br />

Administração Financeira do Governo <strong>Federal</strong> (CONCOV/SIAFI), que existe desde 1995 e cuja<br />

obrigação legal de registro está prevista no art. 47 da Lei 11.178, de 2005 (fl. 384 dos autos da<br />

ACO 840. Idem, fls. 386-387 dos mesmos autos).<br />

E dos mesmos autos verifico ainda que o Ministro Celso de Mello indeferiu pedido de<br />

autorização para prestação de garantia ao empréstimo de que se cuida, reconhecendo à União o<br />

poder jurídico de “valer-se, para além do Cauc, de outros sistemas operacionais que viabilizem o<br />

controle de convênios e a aferição do adimplemento das prestações obrigacionais assumidas por<br />

entidades integrantes da Federação” (fls. 375-378).<br />

Está aí, em suma, o substrato fático (fattispecie concreta) para a incidência das normas suso<br />

referidas, sem que se possa opor alegação da chamada intranscendência das obrigações, nem<br />

descumprimento da liminar que obstava à União recorrer aos registros do Cauc.


R.T.J. — 202 643<br />

As circunstâncias terão escapado ao ato coator, quando afirmou:<br />

“Da leitura da norma de regência deflui que a União prestará garantia à unidade da<br />

Federação quando verificada operação de crédito junto a organismo financeiro internacional,<br />

atendidas as normas do § 1º do art. 40 da Lei Complementar 101/00 e demais exigências<br />

legais. De acordo com o citado parágrafo, a garantia fica condicionada ao oferecimento de<br />

contragarantia, não contendo o dispositivo alusão à pendência de prestação de contas. Esse<br />

dado por si só respalda o deferimento da liminar requerida, projetando-se para o julgamento<br />

final da impetração a problemática do contraditório.”<br />

(Fl. 23.)<br />

A regularidade das prestações de contas do ente beneficiário constitui, sim, como visto,<br />

condição legal indispensável para a prestação da garantia. E é o que bastaria, aqui, para deferimento<br />

da liminar.<br />

Mas força é reconhecer também que o disposto no art. 5º, inciso II, da Lei 1.533, de 31-12-<br />

51; no art. 201, inciso II, do RISTF; e no enunciado da Súmula 267, se oporia à cognição do MS<br />

25.846. Afinal, a decisão prolatada pelo Ministr Celso de Mello, na ACO 840, comportava<br />

impugnação por via de agravo regimental (art. 317 do RISTF). E, conforme velha e aturada<br />

jurisprudência da Corte, é, em princípio, inadmissível mandado de segurança contra pronunciamento<br />

de natureza jurisdicional oriundo de órgão da Corte, seja ele o Pleno, uma de suas Turmas,<br />

ou um de seus Ministros, à medida que tais atos decisórios podem ser reformados por meio dos<br />

recursos previstos, ou, em se tratando de julgamento de mérito, com trânsito em julgado, por<br />

meio de ação rescisória (MS 24.399, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 9-4-03; MS 24.885, Rel.<br />

Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 18-5-04; MS 23.715-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de<br />

26-6-00; MS 22.515-AgR, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 4-4-97; MS 21.734, Rel. Min.<br />

Ilmar Galvão, DJ de 15-10-93; MS 24.056, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 12-9-01; MS<br />

24.483, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 2-4-03; MS 25.008, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de<br />

9-8-04). Nesse sentido venho decidindo (MS 25.380, DJ de 6-6-05; MS 25.070, DJ de 28-3-05;<br />

MS 25.026, DJ de 8-9-04; MS 25.452, DJ de 10-11-05).<br />

Não há outra via expedita para remediar a situação, que envolve risco manifesto de dano<br />

jurídico à Impetrante, senão o uso excepcional do mesmo mandado de segurança.<br />

E não custa ponderar, em reforço, que a liminar ora impugnada guarda evidente caráter<br />

satisfativo, pois exaure as questões postas no mandado de segurança.<br />

3. Do exposto, defiro a liminar, para o fim de suspender os efeitos da decisão liminar<br />

proferida no MS 25.846, restabelecendo o teor do decisum exarado pelo Ministro Celso de<br />

Mello, na ACO 840. Notifique-se a autoridade coatora, para que preste informações no prazo de<br />

10 (dez) dias (arts. 7º, inciso I, da Lei 1.533, de 31-12-51, e 203 do RISTF).<br />

Determino à Secretaria que extraia cópias de fls. 375-378 (decisão do Ministro Celso de<br />

Mello) e de fls. 380-388 (Informação do Ministério da Fazenda) dos autos da ACO 840,<br />

juntando-as a estes autos.<br />

Após, dê-se vista à Procuradoria-Geral da República (arts. 103, § 1º, da CF e 52, inciso IX,<br />

do RISTF).<br />

Presidente, ante o pedido de informações, encaminhei ao Relator, Ministro Cezar<br />

Peluso, o seguinte ofício:<br />

Em atendimento ao Ofício 577/R, de 1º do mês corrente, passo a prestar as informações<br />

relativas ao MS 25.846-2/DF.<br />

De início, é de constatar a sobreposição de medidas. Vale dizer, ante a circunstância de a<br />

Súmula do <strong>Supremo</strong> refutar o cabimento de agravo contra decisão que implica deferimento ou<br />

indeferimento de liminar em mandado de segurança – Verbete 622 – [vale dizer, nem o Pleno<br />

examina o merecimento do ato do Relator, deferindo ou indeferido liminar em mandado de<br />

segurança], a União acionou a via excepcional, pressupondo a existência de direito líquido e certo,<br />

do mandado de segurança para buscar, em órgão situado no mesmo patamar, a cassação de liminar<br />

proferida em mandado de segurança. Logrou êxito, vindo o Relator da nova impetração – de<br />

número 25.853-5/DF –, embora membro da mesma Corte a qual integra o Relator a quem coube,<br />

por distribuição, o MS 25.846-2/DF, a afastar do mundo jurídico a medida acauteladora implementada.<br />

Surge, e isso é incontestável, a perplexidade, sem falar na insegurança jurídica. Imaginese<br />

uma terceira impetração, e assim sucessivamente, para retirar do mundo jurídico o pronunciamento<br />

formalizado na anterior. Bem o disse Vossa Excelência:


644<br />

R.T.J. — 202<br />

“(...) E, conforme velha e aturada jurisprudência da Corte, é, em princípio, inadmissível<br />

mandado de segurança contra pronunciamento de natureza jurisdicional oriundo de<br />

órgão da Corte, seja ele o Pleno, uma de suas Turmas ou um de seus Ministros, na medida<br />

em que tais atos decisórios podem ser reformados por meio dos recursos previstos, ou, em<br />

se tratando de julgamento de mérito, com trânsito em julgado, por meio de ação rescisória<br />

(...)”<br />

Mais pedagógico foi o extinto <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> de Recursos ao editar verbete que passou a<br />

integrar a respectiva Súmula de jurisprudência predominante sob o n. 121:<br />

“Não cabe mandado de segurança contra ato ou decisão, de natureza jurisdicional,<br />

emanado de relator ou presidente de turma.”<br />

Continuo convencido, em que pese ao teor do citado Verbete 622, que a decisão<br />

interlocutória por meio da qual deferida ou não a medida liminar desafia o agravo para o<br />

Colegiado, no que o Relator atua como porta-voz deste [mas o colegiado não admite examinar o<br />

acerto ou o desacerto da decisão prolatada pelo Relator].<br />

O abandono da organicidade do Direito, não obstante, já ocorreu, quer considerado o<br />

mandado de segurança impetrado pela União, quer o acatamento do pedido de liminar efetuado,<br />

afastando-se do cenário jurídico o pronunciamento havido. No mais, cumpre ressaltar que o<br />

Regimento Interno não prevê a prevenção aventada no ato mediante o qual deferida a liminar, ou<br />

seja, por conexão. Também não procede a assertiva de que a liminar concedida no MS 25.846-2/DF<br />

teria implicado a reforma do que decidido pelo Ministro Celso de Mello [perdoe-me o elogio de<br />

corpo presente], proficiente integrante da Corte e a quem não canso de render homenagens, na<br />

ACO 840-7/DF. Para assim se concluir, basta levar em conta o que consignou Sua Excelência<br />

quando o Distrito <strong>Federal</strong> pretendeu lograr [naquela ação plúrima, envolvendo outros Estados], nos<br />

próprios autos da ação cível originária, a providência que acabou por alcançar no MS 25.846-2/DF.<br />

Sua Excelência fez ver:<br />

A postulação deduzida em tais sedes processuais, notadamente na presente<br />

causa, possui uma clara delimitação material, pois objetiva, dentre outros pedidos,<br />

determinar, à União <strong>Federal</strong>, ‘que se abstenha (...) de obstaculizar quaisquer operações de<br />

crédito com fundamento nas multicitadas Instruções Normativas STN 1/01, 1/05 e 2/05<br />

ou qualquer outro ato normativo que lhes forem subseqüentes (...)’ (fl. 19), deixando,<br />

ainda, ‘de proceder a novas inscrições dos Autores com fundamento em qualquer outro ato<br />

normativo que eleja o Cauc como óbice (...) às realizações de operações de créditos (...)’<br />

(fl. 19.)”<br />

Então, Sua Excelência elucidou a configuração de pleito estranho ao pedido inicial, refutando-o:<br />

“O acolhimento do pleito ora formulado, considerado o novo alcance que se lhe<br />

deu (fl. 373), importaria em ampliar a res in judicio deducta, o que traduziria prolação,<br />

na espécie, de um julgamento ultra petita, pois o Distrito <strong>Federal</strong>, para além do que<br />

se requereu quando do ajuizamento da presente ação cível originária (fl. 19), pretende,<br />

agora, que a União <strong>Federal</strong> seja também impedida de utilizar outros sistemas operacionais<br />

ou registros cadastrais que não aquele fundado no Cadastro Único de Convênio<br />

(CAUC), que constitui, sob tal perspectiva, o único cadastro objeto do pedido formulado<br />

pelo Distrito <strong>Federal</strong> e demais litisconsortes ativos”.<br />

Foram essas as premissas básicas que levaram ao indeferimento do pleito no sentido de ser<br />

compelida a União a conceder a garantia ao empréstimo a ser celebrado com o Bird em 23 de<br />

fevereiro de 2006. A decisão que segue em anexo está datada de 20 de fevereiro de 2006.<br />

Forçoso é concluir que não examinou Sua Excelência o pleito, por extravasar os limites<br />

objetivos dos processos revelados na AC 1.033-1/DF e na ACO 840-7/DF.<br />

Muito embora a mencionada decisão não estivesse no processo revelador do MS 25.846-<br />

2/DF, vê-se que não ocorreu o que verificado, já agora, no mandado de segurança em que prestadas<br />

essas informações, isto é, a retirada do mundo jurídico de decisão por um igual.<br />

(...)


R.T.J. — 202 645<br />

É esse o quadro, Presidente: deferida a liminar neste mandado de segurança, contra<br />

a qual o Verbete 622 revela não caber impugnação, não caber recurso, a União adentrou a<br />

via estreita do que rotulei como “contramandado de segurança”, ou seja, do mandado de<br />

segurança; e, aí, um igual, um par, num empate, numa coluna do meio, como que, se não<br />

considerarmos como fator cronológico, veio a retirar do mundo jurídico a liminar por mim<br />

deferida.<br />

Trago o processo em questão de ordem para saber do alcance e da intangibilidade<br />

da liminar formalizada neste mandado de segurança – de número 25.846-2/DF – e<br />

propugno no sentido da solução, visando a tornar prevalecente essa mesma liminar a<br />

partir da premissa de que, contra liminar deferida por Ministro do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em mandado de segurança, não cabe, a teor do Verbete 622, recurso para o<br />

Plenário. E, com maior razão, não cabe mandado de segurança a ser relatado por par, ou<br />

seja, a ser relatado por órgão que está em idêntico patamar, sob pena de admitirmos<br />

sucessivas impetrações, restabelecendo-se, considerado o fator cronológico e conforme<br />

o convencimento do Relator, a liminar imediatamente deferida.<br />

É como voto.<br />

EXPLICAÇÃO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, apenas duas palavras.<br />

Não estamos julgando o mérito da impetração, mas, apenas, apreciando a questão<br />

instrumental, ou seja, analisando se é possível atacar uma decisão de integrante da Corte,<br />

formalizada via mandado de segurança, mediante idêntica medida a ser examinada por outro<br />

integrante do <strong>Tribunal</strong>. É algo inédito nesses quinze anos em que aqui estou.<br />

Agora, quanto à problemática do risco irreparável, não me consta que seja o Distrito<br />

<strong>Federal</strong> caloteiro e, muito menos, se possa presumir que, mesmo a legislação prevendo a<br />

contragarantia, ele não venha a satisfazer o empréstimo.<br />

Por que se exige a garantia da União? Porque só a União goza de soberania.<br />

ESCLARECIMENTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, relatou-me, certa feita, o eminente<br />

Ministro Celso de Mello, que esta Corte já teria assistido, em passado não muito remoto,<br />

à expedição de liminar em habeas corpus contra acórdão de Turma em outro habeas<br />

corpus.<br />

Não creio, Senhor Presidente, nas explicações que devo a este Plenário, que a minha<br />

decisão terá chegado a esse extremo e, para justificá-la, trarei os seguintes esclarecimentos<br />

a esta Corte, para que Vossas Excelências aquilatem sua consistência e eventual<br />

proposta sobre a eficácia das decisões e de remédios jurídicos autônomos.<br />

O Distrito <strong>Federal</strong> e outras entidades promoveram a ACO 840, distribuída ao eminente<br />

Ministro Celso de Mello, a qual tinha por objetivo básico abolir os efeitos das<br />

inscrições dos autores no Cadastro Único de Convênio (CAUC), para fim de transferência<br />

de recursos voluntários e – grifado – “obtenção de crédito externo”. Esse é o objeto dessa<br />

ação.


646<br />

R.T.J. — 202<br />

O Ministro Celso de Mello concedeu – e S. Exa. fará os reparos necessários ao meu<br />

relato – a liminar exatamente para esse fim. E achei muito oportuno que o Distrito <strong>Federal</strong><br />

tivesse agora distribuído cópia do pedido de reconsideração, onde, na fl. 2 (dois), transcreve<br />

exatamente o primeiro desses pedidos, que diz:<br />

(i) suspender os efeitos da inscrição dos autores no CAUC e assegurar as transferências de<br />

recursos federais, bem como às decorrentes de operações de crédito, especialmente oriundas de<br />

processo de autorização de empréstimo externo (...)<br />

Esse era o pedido textual do Distrito <strong>Federal</strong>. Para esse fim foi concedida a medida<br />

liminar.<br />

O Distrito <strong>Federal</strong>, não se conformando com a extensão dessa liminar, alegou que a<br />

União a estaria descumprindo. O eminente Relator examinou a alegação de descumprimento<br />

dessa liminar. Diz o despacho de S. Exa., apreciando esse pedido:<br />

Cabe assinalar, neste ponto que o Distrito <strong>Federal</strong>, na petição de fls. 345/348, registra<br />

grave afirmação quanto ao comportamento do ora denunciado da Secretaria do Tesouro<br />

Nacional (fls. 347/348):<br />

“Destarte, resta, inequivocamente, caracterizado o total descumprimento da<br />

decisão proferida por Vossa Excelência nos presentes autos, eis que a União <strong>Federal</strong>,<br />

[observem, Vossas Excelências, que a União <strong>Federal</strong> já havia praticado o ato contra o qual<br />

se rebelou depois, por via de mandado de segurança, o Distrito <strong>Federal</strong>], inexplicavelmente,<br />

recusa-se a atender ao disposto no referido ato decisório, que, como visto,<br />

determinou a suspensão dos efeitos das inscrições dos autores no CAUC/SIAFI,<br />

para fins de transferência de recursos federais e obtenção de credito externo.”<br />

A ilegítima conduta perpetrada pela requerida, além de constituir indevido desrespeito<br />

ao ato decisório proferido nestes autos, representa grave ameaça de prejuízos a este<br />

ente federativo, tendo em vista a iminente celebração de contrato de empréstimo e garantia<br />

com o Bird, nos Estados Unidos da América, no próximo dia 23-2-06, no valor de aproximadamente<br />

US$ 57 milhões, destinados à implementação etc.<br />

O eminente Ministro Celso de Mello determinou que se oficiasse à União para que<br />

ela cessasse o alegado desrespeito à eficácia de sua liminar. Quatro dias depois, o Distrito<br />

<strong>Federal</strong> pede desconsideração dos registros em outros sistemas, que não o Cauc, para<br />

permitir-lhe o empréstimo. É textual o pedido do Distrito <strong>Federal</strong>. Ele queria que fossem<br />

desconsiderados os demais registros em outros sistemas para que fosse prestada, pela<br />

União, a caução no contrato de empréstimo externo.<br />

E disse, então, a esse respeito, o eminente Ministro Celso de Mello em outra decisão:<br />

(...) desconsiderando-se, em conseqüência, as informações referentes a esta pessoa<br />

jurídica de direito público constantes do Cauc que simultaneamente sejam verificadas em outros<br />

registros os sistemas (Ciafi, entre outros), caso não assegurado o contraditório e ampla defesa,<br />

permitindo-se assim, ao final, a concessão de garantia ao empréstimo a ser celebrado<br />

com o Bird no próximo dia 23-2-06.<br />

(Fl. 373 – Grifei.)<br />

E S. Exa. continua. Agora é a decisão:<br />

O acolhimento do pleito ora formulado, considerado o novo alcance que se lhe deu (fl.<br />

373), importaria em ampliar a res in judicio deducta, o que traduziria prolação, na espécie,<br />

de um julgamento ultra petita, pois o Distrito <strong>Federal</strong>, para além do que se requereu quando do


R.T.J. — 202 647<br />

ajuizamento da presente ação cível originária (fl. 19), pretende, agora, que a União <strong>Federal</strong><br />

seja também impedida de utilizar outros sistemas operacionais ou registros cadastrais que não<br />

aquele fundado no Cadastro Único de Convênio (CAUC), que constitui, sob tal perspectiva, o<br />

único cadastro objeto do pedido pelo Distrito <strong>Federal</strong> e demais litisconsortes ativos.<br />

Cabe registrar, neste ponto, o que lealmente reconheceu o próprio Distrito <strong>Federal</strong><br />

em sua petição às fls. 369/370:<br />

E transcreve a petição do Distrito <strong>Federal</strong>:<br />

É preciso que se ressalte, neste ponto, por necessário, e em homenagem ao postulado<br />

de boa-fé processual, que, segundo informações oficiosas, prestadas no âmbito do Ministério<br />

da Fazenda, a União <strong>Federal</strong> invoca, como fundamento para não concessão do mencionado<br />

aval, (...)<br />

É a questão sempre do empréstimo. É esse o objeto recorrente de todas as manifestações<br />

no Distrito <strong>Federal</strong>. E diz mais:<br />

Sustenta-se, (...) encontrar-se-ia em situação irregular, razão pela qual não se poderia<br />

conceder a garantia ao empréstimo perante o Bird.<br />

(Grifei.)<br />

E diz o Ministro Celso de Mello:<br />

É relevante observar, a propósito da questão ora em análise [e, aqui, começa a surgir um<br />

outro aspecto desse problema: o dos impedimentos legais à concessão desse empréstimo], que a<br />

União <strong>Federal</strong> dispõe de outros sistemas operacionais – como o Siafi e o Conconv – que lhe<br />

permitem efetuar o controle de convênios e de aferição do adimplemento das obrigações<br />

assumidas pelos demais entes da Federação, especialmente para efeito de concretização do<br />

que dispõe o art. 40, § 2º, da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/00), que<br />

tem o seguinte conteúdo:<br />

E Sua Excelência transcreve especialmente o § 2º, que diz o seguinte:<br />

Art. 40. (...)<br />

§ 2º No caso de operação de crédito junto a organismo financeiro internacional, ou a<br />

instituição federal de crédito e fomento para o repasse de recursos externos, a União só prestará<br />

garantia a ente que atenda, além do disposto no § 1º, as exigências legais para o recebimento de<br />

transferências voluntárias.<br />

E Sua Excelência conclui, indeferindo o pedido nos seguintes termos:<br />

O exame dos aspectos que venho de referir, de um lado, e a circunstância de que o<br />

sistema normativo contempla a possibilidade de a União <strong>Federal</strong> valer-se, para além do Cauc,<br />

de outros sistemas operacionais que viabilizem o controle de convênios e a aferição do<br />

adimplemento das prestações obrigacionais assumidas por entidades integrantes da Federação<br />

levam-me a indeferir o novo pedido formulado às fls. 368 a 373 [que incluía a autorização<br />

para a prestação do aval].<br />

Foi o pedido, pois, textualmente indeferido pelo Ministro Celso de Mello.<br />

Pouco se dá que o fundamento em que se estribou essa decisão tenha sido o<br />

reconhecimento de que tal postulação seria extra petita. Isto é fundamento. A decisão foi<br />

textual em indeferir o pedido, que autorizaria a União a prestar o aval no empréstimo do<br />

Bird. Sua Excelência podia ter outros fundamentos para indeferir, o que não alteraria o fato<br />

de que este pedido do Distrito <strong>Federal</strong> foi indeferido pelo Ministro Celso de Mello.


648<br />

R.T.J. — 202<br />

Portanto, a eficácia da decisão do Ministro Celso de Mello, em substância – porque<br />

é essa que interessa, não as formalidades e, muito menos, as verbalidades –, é de que S.<br />

Exa. indeferiu o pedido do Distrito <strong>Federal</strong> para que a União, desconsiderando os efeitos<br />

das demais inscrições dos outros sistemas, lhe concedesse a garantia no contrato. Isso<br />

foi deferido. Conseqüência: o empréstimo do Bird era, de modo substancial, objeto da<br />

decisão do Ministro Celso de Mello.<br />

Daí, pouco importa, a meu ver, que o Regimento Interno do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong> – e até por isso ele é omisso – omita-se a respeito do que seja conexão e de quais<br />

são os efeitos jurídicos da conexão, até porque isso já consta do Código de Processo<br />

Civil, nos arts. 103 e seguintes. Havia, evidentemente, nesses termos, em relação a qualquer<br />

pedido que fosse formulado sobre esse empréstimo do Bird e sobre desconsideração<br />

dos efeitos dos registros nos demais sistemas de controle da União, evidentíssima conexão<br />

pela comunidade de causa de pedir. A causa de pedir é a mesma. Sendo a mesma a<br />

causa de pedir e, como tal, caracterizada a conexão, a conseqüência era a prevenção nos<br />

termos do Código de Processo Civil. A distribuição tinha de ser feita por prevenção. E teria<br />

sido menos imperfeito o Distrito <strong>Federal</strong>, se tivesse mencionado expressamente o fato e<br />

pedido distribuição por prevenção. Mas o que fez ele? Embora a União já tivesse praticado<br />

o ato que implicava negação à prestação da garantia, propõe, agora, um mandado de<br />

segurança, distribuído ao eminente Relator, sob o pretexto de que o ato atacado é o da<br />

União, que já tinha sido praticado antes e fora objeto da consideração da decisão do<br />

Ministro Celso de Mello, portanto, da reclamação do próprio Distrito <strong>Federal</strong>, sem mencionar<br />

a questão da prevenção. Para que fim? Para obter a prestação da garantia – é evidente.<br />

Conseqüência: o novo mandado de segurança atacou substancialmente a decisão<br />

do Ministro Celso de Mello.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Foi o primeiro mandado de segurança; não<br />

foi o outro, o novo.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O mandado de segurança distribuído a V. Exa. atacou<br />

substancialmente a decisão do Ministro Celso de Mello, porque estava pretendendo<br />

exatamente autorização para que a União prestasse a garantia, cujo pedido S. Exa. já tinha<br />

indeferido, sob fundamento de ser extra petita, ou sob qualquer outro fundamento – a<br />

eficácia da decisão era essa.<br />

Segunda conseqüência: era caso de distribuição por prevenção.<br />

Terceira: era caso de inadmissibilidade de mandado de segurança, nos termos do art.<br />

317 do Regimento Interno, e foi o que a minha decisão invocou, como Sua Excelência<br />

acabou de ler.<br />

Havia recurso; não se tratava de liminar em mandado de segurança, mas de liminar<br />

numa ação cível originária. Portanto, era suscetível de impugnação por via de agravo<br />

regimental. Não era caso, pois, de ser atacado por via de outro mandado de segurança que<br />

tentava contornar o obstáculo legal.<br />

O eminente Relator deu-se por competente – não quero discutir isso diante das<br />

razões de S. Exa. – e concedeu a liminar.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Até mesmo porque, diante dessa avalanche de<br />

processos, não fazemos investigação sobre a existência de outros em tramitação na Corte.


R.T.J. — 202 649<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: E V. Exa. vai ver que é essa avalanche de processos que<br />

leva a certas situações dentro das quais um Ministro do <strong>Supremo</strong> não tem alternativa.<br />

Assim, nós tínhamos, basicamente, uma situação excepcional.<br />

Eu preciso advertir os eminentes Colegas de que esse segundo mandado de segurança,<br />

que me foi distribuído, data do dia 23 de fevereiro, exatamente o dia em que se<br />

celebraria o contrato com o Bird. Havia, portanto, objetivamente, abstraída qualquer consideração<br />

de ordem subjetiva, no caso, uma situação excepcional com riscos de danos<br />

irreversíveis para a União, porque, uma vez aperfeiçoado o contrato com a prestação da<br />

garantia, só uma desconstituição desse contrato por outra via seria possível. Era grave a<br />

situação? Gravíssima.<br />

Segundo: a liminar concedida por S. Exa. foi satisfativa, pois autorizou a conclusão<br />

do contrato, exaurindo a pretensão do mandado de segurança; já não há o que discutir no<br />

mandado de segurança, se o contrato foi assinado.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Excelência, mas seria assinado a partir de um<br />

pronunciamento precário e efêmero. Mesmo assim, a legislação prevê a contragarantia, a<br />

envolver uma unidade da Federação – não é uma pessoa natural ou jurídica qualquer.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Considero relevante o que V. Exa. pondera; mas V. Exa.<br />

há também de convir comigo que, com a liminar e o aperfeiçoamento do contrato, nós<br />

tínhamos a exaustão da pretensão, porque já não há nada por discutir. O contrato foi<br />

assinado.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): O que está em jogo, para mim, é saber se é<br />

possível impetrar mandado de segurança contra ato de integrante do <strong>Tribunal</strong> que haja<br />

deferido ou indeferido liminar em idêntica medida.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Estou tentando justificar. Eu ouvi até agora silenciosa<br />

e respeitosamente V. Exa.; estou encadeando o meu raciocínio para mostrar a V. Exa. que é<br />

caso de mandado de segurança.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): E estou aparteando respeitosamente, também,<br />

Vossa Excelência. Perdão, não sabia que Vossa Excelência se embaralhava em face de<br />

aparte.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não me embaralho. Se V. Exa. gosta tanto de paridade, este<br />

é um caso em que V. Exa. deveria observá-la também.<br />

Havia, portanto, uma situação de dano à União: cinqüenta e sete milhões de dólares<br />

garantidos pela União. Havia mais uma razão: caso de incompetência por não-observância<br />

da prevenção.<br />

Segundo, havia, ainda – e não quero descer aqui a nenhum julgamento profundo<br />

dessa questão, porque a cognição é sumária na liminar, e isto basta –, a aparência de<br />

ofensa a texto legal expresso, que foi aquele que já li, transcrito pelo eminente Ministro<br />

Celso de Mello, que condicionava a prestação de garantia da União em empréstimo externo<br />

ao adimplemento do ente federado nos repasses de recursos voluntários – é o § 2º. Então,<br />

havia, também, como conjunto de circunstâncias, essa aparência de ofensa à lei.<br />

Havia uma quarta circunstância: é que o mandado de segurança atacava, substancialmente,<br />

o indeferimento liminar na ação cível originária, e, portanto, tratava-se, no fundo,


650<br />

R.T.J. — 202<br />

de um mandado de segurança contra decisão de outro Ministro. Superadas as formalidades<br />

e abstraídos os aspectos secundários, o que se tinha em substância, no fundo, na raiz, era<br />

um mandado de segurança contra a eficácia de decisão de outro Ministro. E não havia<br />

outro remédio qualquer, porque se tratava de uma liminar de mandado de segurança, que,<br />

nos próprios termos da Súmula 622, não admitiria nenhum outro recurso, conforme jurisprudência<br />

da Corte – bem relembrada por S. Exa. nas informações agora lidas –, que se<br />

remete a esta impossibilidade do uso de mandado de segurança, porque os atos oriundos<br />

dos órgãos do <strong>Tribunal</strong> são suscetíveis de ataque por via de recurso e de ação rescisória –<br />

só que, neste caso, não havia outro remédio qualquer.<br />

Qual era o remédio possível para evitar a assinatura do contrato? Nenhum outro, senão<br />

o mandado de segurança com a circunstância de se tratar do dia da assinatura do contrato.<br />

Que faz a União? Impetra um mandado de segurança contra a liminar, porque era o<br />

único caminho que lhe restava, invocando a prevenção, o fato de que não descumpriu a<br />

primeira liminar do Ministro Celso de Mello, que dizia respeito à inscrição no Cauc, mas<br />

não impedia o recurso às informações de outros sistemas de controle, e, finalmente, o<br />

evidentíssimo risco de dano grave a que estava exposta.<br />

Ora, isso foi numa sexta-feira, véspera de Carnaval, quase às seis horas da tarde.<br />

Com esses dados objetivos, a minha consciência e o meu dever de juiz, de nenhum dos<br />

quais deserto em circunstância alguma, não me deram alternativa.<br />

Que alternativa tinha: deixar consumar-se um dano irreversível à União? Ou proferir<br />

decisão que não acarretava dano a ninguém, porque esse contrato poderia ser assinado a<br />

qualquer tempo? Não vi alternativa senão conceder a liminar, porque eu mesmo, como<br />

consta da minha decisão, e S. Exa. leu textualmente todos os acórdãos que invoquei,<br />

entendia que não cabia o mandado de segurança no caso. Mas não havia outra solução.<br />

Diante, portanto, dessa singularidade do caso, não vi alternativa, sem ofensa a qualquer<br />

pessoa, sem ofensa à autoridade, sem ofensa à paridade, sem ofensa à estrutura do<br />

<strong>Tribunal</strong>; era simplesmente de evitar um dano irreversível à União, permitindo que esta<br />

matéria fosse examinada, tranqüila e exaustivamente, nos remédios jurídicos que estão<br />

distribuídos.<br />

Essas são as razões, Senhor Presidente, pelas quais a mim me parece que não podia<br />

indeferir, até porque, em todas as decisões, salvo esta, sobre mandados de segurança<br />

contra atos de outros Ministros, sistematicamente os tenho indeferido. Tenho negado<br />

seguimento a pedido de mandado de segurança, sistematicamente, exceto neste caso,<br />

porque, a meu ver, se revestia de excepcionalidade tal, que não pude deixar, como Ministro<br />

do <strong>Supremo</strong> e com a responsabilidade que tenho de cumprir o dever de fazer respeitar a<br />

Constituição e as leis, de deferir esta liminar de mandado de segurança, que não cria<br />

nenhuma situação irremissível e não causa dano a quem quer que seja, sequer à jurisprudência<br />

da Corte, até porque se trata de um caso absolutamente excepcional.<br />

Recorda-me que – S. Exa. o Ministro Sepúlveda Pertence é testemunha –, na última<br />

sessão da Primeira Turma, demos provimento a um recurso para que fosse conhecido<br />

mandado de segurança contra acórdão de embargos de declaração do Superior <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça, num caso absolutamente singular, quando nenhum de nós deixa de reconhecer<br />

que não se concederia, como regra, mandado de segurança nesse caso. Em outras palavras,<br />

há casos e situações diante das quais não há outra alternativa senão abrir exceções.


R.T.J. — 202 651<br />

O Direito não é mortalha capaz de sepultar as pessoas. Faz tempo que se dizia que<br />

fiat justitia, pereat mundus. Senhor Presidente, não gostaria que pereça o mundo sob<br />

pretexto de fazer justiça.<br />

Foram essas, Senhor Presidente, as razões pelas quais, embora aparentemente desafiando<br />

a jurisprudência da Corte, concedi a liminar neste mandado de segurança.<br />

ESCLARECIMENTO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Desejo registrar algumas observações a propósito<br />

da questão de ordem suscitada pelo eminente Ministro MARCO AURÉLIO.<br />

Ao examinar pedido de medida cautelar deduzido, em litisconsórcio ativo, pelo<br />

Distrito <strong>Federal</strong> e por inúmeros Estados-membros da Federação (AC 1.033-MC/DF), vim a<br />

deferir o provimento liminar então postulado, por entender cumulativamente ocorrentes os<br />

requisitos pertinentes à plausibilidade jurídica e ao periculum in mora.<br />

Ao proferir tal decisão, considerei – presentes os fundamentos do pleito cautelar<br />

formulado por essas unidades federadas – que o princípio da intranscendência impede<br />

que sanções e restrições de ordem jurídica superem a dimensão estritamente pessoal do<br />

infrator. Em virtude desse princípio, as limitações jurídicas que derivam da inscrição, no<br />

Cauc, das autarquias, das empresas governamentais ou das entidades paraestatais não<br />

podem atingir os Estados-membros ou o Distrito <strong>Federal</strong>, projetando, sobre estes, conseqüências<br />

jurídicas desfavoráveis e gravosas, pois o inadimplemento obrigacional – por<br />

revelar-se unicamente imputável aos entes menores integrantes da administração descentralizada<br />

– só a estes pode afetar.<br />

Acentuei, então, que os Estados-membros e o Distrito <strong>Federal</strong> não podem sofrer<br />

limitações em sua esfera jurídica motivadas pelo só fato de se acharem administrativamente<br />

vinculadas, a eles, as autarquias, as entidades paraestatais, as sociedades sujeitas<br />

a seu poder de controle e as empresas governamentais alegadamente inadimplentes e<br />

que, por tal motivo, hajam sido incluídas em cadastros federais (Cauc, Siafi, Cadin, v.g.).<br />

Essa percepção do tema, estimulada pelas razões invocadas por referidos litisconsortes<br />

ativos, encontra apoio no magistério jurisprudencial desta Suprema Corte.<br />

É que, como se sabe, a imposição estatal de restrições de ordem jurídica, quer se<br />

concretize na esfera judicial, quer se realize no âmbito estritamente administrativo (como<br />

sucede com a inclusão de supostos devedores em cadastros públicos de inadimplentes),<br />

supõe, para legitimar-se constitucionalmente, o efetivo respeito, pelo Poder Público, da<br />

garantia indisponível do “due process of law”, assegurada, pela Constituição da República<br />

(art. 5º, LIV), à generalidade das pessoas, inclusive às próprias pessoas jurídicas de<br />

direito público, eis que o Estado, em tema de limitação ou supressão de direitos, não pode<br />

exercer a sua autoridade de maneira abusiva e arbitrária.<br />

Destaquei, ainda, na decisão que então proferi – e sempre na perspectiva da fundamentação<br />

subjacente à pretensão cautelar deduzida pelo Distrito <strong>Federal</strong> e por inúmeros<br />

Estados-membros – que o princípio da reserva de lei atua como expressiva limitação constitucional<br />

ao poder do Estado, cuja competência regulamentar, por tal razão, não se reveste<br />

de suficiente idoneidade jurídica que lhe permita restringir direitos ou criar obrigações.


652<br />

R.T.J. — 202<br />

Nenhum ato regulamentar, por isso mesmo, pode criar obrigações ou restringir<br />

direitos, sob pena de incidir em domínio constitucionalmente reservado ao âmbito de<br />

atuação material da lei em sentido formal.<br />

É por isso que o abuso de poder regulamentar, especialmente nos casos em que o<br />

Estado atua “contra legem” ou “praeter legem”, não só expõe o ato transgressor ao<br />

controle jurisdicional, mas viabiliza, até mesmo, tal a gravidade desse comportamento<br />

governamental, o exercício, pelo Congresso Nacional, da competência extraordinária<br />

que lhe confere o art. 49, inciso V, da Constituição da República e que lhe permite “sustar<br />

os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar (...)”,<br />

consoante esta Suprema Corte tem reiteradamente proclamado e advertido (RE 318.873-<br />

AgR/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).<br />

Com apoio em tais considerações, deferi, “ad referendum” deste Egrégio Plenário, a<br />

postulação liminar, nos exatos termos em que deduzida pelos litisconsortes ativos.<br />

Registro que, posteriormente a essa decisão, sobreveio a alegação de que a União<br />

<strong>Federal</strong> não estaria cumprindo a determinação que lhe foi dirigida.<br />

Tal, porém, não ocorreu, consideradas as razões expostas por representantes da<br />

Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da própria Secretaria do Tesouro Nacional. É<br />

que a União <strong>Federal</strong>, autorizada pela própria Lei de Responsabilidade Fiscal, pode consultar<br />

outros sistemas operacionais, que não o Cauc (Siafi, v.g.), para verificar a regularidade<br />

cadastral de cada ente da Federação, bem assim para aferir o adimplemento das prestações<br />

obrigacionais assumidas pelas unidades federadas (Lei Complementar 101/00, art.<br />

40, § 2º).<br />

Esses são os fundamentos, Senhor Presidente, que me levaram a entender que a<br />

União <strong>Federal</strong>, agindo por intermédio da Secretaria do Tesouro Nacional, não estava<br />

descumprindo – como efetivamente não descumpriu – o provimento liminar por mim<br />

concedido, ao Distrito <strong>Federal</strong> e aos diversos litisconsortes ativos, nos autos da AC 1.033-<br />

AC/DF, de que sou Relator.<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não conheço esses registros. É possível<br />

nesses registros duplicar a mesma informação, ou seja, algo que está registrado no Cauc<br />

poderá ser registrado em outro sistema?<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Sim, pois os dados dele constantes poderão achar-se<br />

consignados em outros registros cadastrais.<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O mesmo fato consta em vários?<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Pode constar, em face da abrangência dos diversos<br />

sistemas operacionais.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Presidente, só um esclarecimento a V. Exa., e fiz referência<br />

a isso na minha decisão: no mandado de segurança da União consta informação de<br />

outro sistema em que há registro de inadimplemento do Distrito <strong>Federal</strong>, não de órgão do<br />

Distrito Fedral.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Parece-me que, aqui, não se coloca a questão da<br />

intranscendência.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, não está em jogo a questão da intranscendência.


R.T.J. — 202 653<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A ação cautelar teria sido, então, por um ato<br />

comissivo: lançamento no Cadastro Único de Convênio?<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: A ação cautelar foi motivada pela impugnação à<br />

validade constitucional da Instrução Normativa STN 01/05.<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Exelência não admitiu a extensão<br />

do pedido em relação aos outros mecanismos?<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Não, mesmo porque o pleito cautelar se mostrava<br />

materialmente delimitado.<br />

O Distrito <strong>Federal</strong>, na realidade, ao inovar em sua postulação, como resulta claro,<br />

não só do pedido deduzido na AC 1.033-MC/DF, mas, também, do pleito formulado na<br />

ACO 840/DF, pretendeu que a União <strong>Federal</strong> fosse impedida de utilizar outros sistemas<br />

operacionais ou registros cadastrais, que não os assentamentos fundados no Cauc, que<br />

constitui – é importante ressaltar – o único objeto de impugnação em referidos processos.<br />

De qualquer maneira, no entanto, penso que o Ministro CEZAR PELUSO tem razão<br />

quando afirma a irrecorribilidade da decisão que defere (ou indefere) medida liminar em<br />

sede mandamental. Orienta-se, nesse sentido, a nossa própria jurisprudência.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): O Verbete 622 da Súmula.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Exatamente, o enunciado constante da Súmula 622<br />

desta Suprema Corte.<br />

Parece-me, no entanto, que, em uma situação extremamente singular como esta,<br />

torna-se lícito admitir a possibilidade de impetração de mandado de segurança.<br />

Consideradas tais razões, Senhor Presidente, e tendo em vista a singularidade da<br />

situação excepcional ora registrada, reconheço admissível, na espécie, a impetração deste<br />

mandado de segurança.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ministro, quer dizer que o Relator do primeiro<br />

mandado de segurança não personifica o <strong>Tribunal</strong>, apenas o segundo? Porque um par, via<br />

idêntica medida, pode cassar liminar deferida, enquanto o próprio Plenário não pode<br />

apreciar o acerto ou o desacerto dessa liminar.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: A Constituição da República, quando define a competência<br />

originária desta Corte para processar e julgar mandados de segurança, permite<br />

sejam eles impetrados contra o próprio <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Admito o mandado de segurança quando o<br />

<strong>Supremo</strong> atua como órgão administrativo, não no campo jurisdicional, apreciando<br />

impetração. Aí é que está o problema: a sobreposição. Por que não um terceiro – como<br />

disse –, um quarto, um quinto, um sexto, um sétimo ou um oitavo mandado de segurança<br />

no âmbito do próprio <strong>Tribunal</strong>?<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: A jurisprudência desta Corte Suprema, embora não<br />

admita, em regra, mandado de segurança contra atos de conteúdo jurisdicional emanados<br />

deste próprio <strong>Tribunal</strong> (e de seus Ministros), permite, no entanto, como nos revelam os<br />

precedentes, a utilização do writ mandamental em situação de absoluta excepcionalidade.


654<br />

R.T.J. — 202<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro, só para tentar montar a equação,<br />

peço que os três Ministros acompanhem essa tentativa de resumo.<br />

O Ministro Celso de Mello havia concedido nova liminar que dizia respeito ao Cauc.<br />

Ao mesmo tempo, subseqüentemente, foi solicitada ao Ministro Celso uma extensão<br />

dessa liminar ou a concessão de uma nova liminar relativa a outros mecanismos de<br />

fiscalment. O Ministro Celso, examinando o pedido em relação a esses outros mecanismos,<br />

diz que estava fora do pedido inicial, que era restrito ao Cauc, e indeferiu o<br />

pedido. Foi, então, impetrado o mandado de segurança perante o Ministro Marco Aurélio,<br />

em relação ao assunto que não estaria abrangido pela ação objeto de análise da relatoria<br />

do Ministro Celso de Mello, que dizia respeito aos outros mecanismos de fiscalização. O<br />

Ministro Marco Aurélio concede a liminar no mandado de segurança, sendo o pedido<br />

autônomo. Ao que tudo indica, e pergunto ao Ministro Marco Aurélio, a petição inicial do<br />

mandado de segurança mencionava ou não a existência dessas ações? Não me lembro de<br />

V. Exa. ter-se referido a isso. A inicial da segurança dava notícia das demandas sobre a<br />

regência do Ministro Celso?<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Há referência, Senhor Presidente, a dois<br />

processos “justamente em razão dessa arbitrariedade (...) que regulam o Cauc. Instruções<br />

normativas, confiram-se os pedidos atendidos pelo Ministro Relator (...)”<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Do Cauc?<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Só quanto ao Cauc. Daí a impetração deste<br />

mandado de segurança, formalizado com expresso pedido de liminar, ante a máxima urgência,<br />

a fim de que a abstenção de consulta incida não apenas sobre o Cauc – porque já se<br />

tinha a liminar do Ministro Celso de Mello –, como já garantido pelo <strong>Supremo</strong>, mas também<br />

sobre todo e qualquer sistema cadastral utilizado.<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Então, observem que, prosseguindo na<br />

tentativa de fixação dos parâmetros na divergência, o pedido formulado ao Ministro<br />

Marco Aurélio dizia respeito, noticiando inclusive a existência de um deferimento liminar<br />

na ação originária pelo Ministro Celso sobre o Cauc, passou a pedir sobre os outros<br />

mecanismos de fiscalização, e o Ministro Marco Aurélio concedeu a liminar. Foi interposto,<br />

perante o Ministro Cezar Peluso um mandado de segurança contra decisão do Ministro<br />

Marco Aurélio; e, agora, pergunto ao Ministro Peluso: o fundamento do mandado de<br />

segurança, ou seja, no discurso todo desse mandado de segurança estava a decisão do<br />

Ministro Celso?<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim; primeiro, a competência do Ministro Celso invocava<br />

textualmente a prevenção, porque era um caso típico de conexão e, portanto, esse mandado<br />

de segurança deveria ter sido distribuído. Na verdade, não o pedido originário da ação,<br />

mas os dois últimos pedidos se prendiam ao fato que é objeto da referência das decisões<br />

do Ministro, segundo o qual o Governo do Distrito <strong>Federal</strong> queria a autorização para que<br />

a União prestasse o aval no contrato – basicamente era isso.<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas veja, Ministro, vamos separar um<br />

pouco. Em relação à prestação do aval dos registros feitos no Cauc, estava sob a regência<br />

da liminar concedida pelo Ministro Celso. Em relação aos registros lançados nos outros<br />

mecanismos – que não sei quais são...


R.T.J. — 202 655<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Esse pedido foi indeferido.<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Foi indeferido porque não era objeto de<br />

pedido, logo, o indeferimento do pedido feito pelo Ministro Celso não era o de natureza<br />

material, era de natureza processual, dizendo que não poderia ser objeto, nesta demanda<br />

da ação originária, esta outra situação. Com isso, dirige-se o Distrito <strong>Federal</strong> ao Ministro<br />

Marco Aurélio. O Ministro Marco Aurélio concede a liminar com notícias, inclusive, da<br />

existência da demanda.<br />

Depois, o Distrito <strong>Federal</strong> entra, junto a V. Exa., com o mandado de segurança; e,<br />

nesse mandado de segurança, alega-se, em primeiro lugar, que deveria haver conexão,<br />

porque a ação era conexa e o Ministro Celso teria indeferido – esse é o quadro. E V. Exa.<br />

concedeu a liminar, levando em conta o fato de uma ligação entre as duas demandas.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Pelo fato de ele ter indeferido.<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O Ministro Celso informa, então, neste<br />

caso específico, que, devido ao indeferimento de V. Exa., era impossível conhecer daquele<br />

pedido nos autos da ação originária que tinha âmbito de abrangência distinto.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Na verdade, a ação de mandado de segurança, distribuída<br />

ao eminente Ministro MARCO AURÉLIO, tinha causa de pedir e objeto distintos<br />

daqueles que individualizam a ação cível originária que me foi distribuída. Por isso, entendo<br />

inexistir vínculo de conexidade entre ambas as ações, considerados os elementos que<br />

as individualizam.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O vínculo de conexidade está no fato de que o ato<br />

contra o qual se rebelara o Distrito <strong>Federal</strong>, no mandado de segurança, já tinha sido<br />

denunciado pelo Distrito <strong>Federal</strong> na ação que V. Exa. reconheceu.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Mas que não pude apreciar, pelo fato de a matéria<br />

exceder os limites do pedido.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas, Ministro, se estivesse dentro dos limites do<br />

pedido, não era caso de conexão, era caso de litispendência. Reconheci a conexão por não<br />

haver litispendência.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando<br />

lhes for comum o objeto ou a causa de pedir. Aqui, porém, os fatos e os fundamentos<br />

jurídicos, que configuram o elemento causal da presente ação, mostram-se diversos.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não; a causa de pedir é a mesma; é, na verdade, um<br />

problema de registro.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Registro diverso, contudo.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não interessa, é a mesma coisa. Na verdade, o Distrito<br />

<strong>Federal</strong> queria, tanto no primeiro quanto no segundo pedido, a obtenção da garantia do<br />

empréstimo.


656<br />

R.T.J. — 202<br />

PROPOSTA<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Primeiro, uma indagação ao Ministro Cezar<br />

Peluso: contra decisão de V. Exa. se interpôs agravo regimental?<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Nada; só o pedido de reconsideração.<br />

Na verdade, está-se criando um recurso ex officio contra a minha decisão.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Porque, veja bem, o que se está questionando,<br />

em relação à decisão do Ministro Peluso, é a admissibilidade do mandado de segurança;<br />

e, contra isso, entendemos que o agravo regimental é admissível.<br />

Recordo caso muito conhecido, dos mais antigos, da revisão constitucional de<br />

1993: tratava-se de um problema de verificação de quorum, em que o eminente Ministro<br />

Marco Aurélio deferiu uma liminar em mandado de segurança, suspendendo a abertura<br />

dos trabalhos da revisão constitucional. O Plenário conheceu do agravo regimental não<br />

para discutir o mérito do juízo de delibação do próprio mandado de segurança, mas o<br />

cabimento do mandado de segurança. Refiro-me ao MS 21.754-AgR, Relator o eminente<br />

Ministro Francisco Rezek, que assim resumiu a decisão:<br />

1. O tema da cognoscibilidade do pedido precede o da apreciação do agravo regimental<br />

contra despacho concessivo de liminar, e de seu cabimento à vista da jurisprudência do <strong>Supremo</strong>.<br />

E naquele caso, efetivamente – não porque a liminar estivesse certa ou errada, na<br />

questão regimental em que se fundava o mandado de segurança –, concluiu-se que o<br />

mandado de segurança revolvia matéria interna corporis do Congresso Nacional e não<br />

poderia ser admitido.<br />

Essa é a dificuldade em admitir que, em questão de ordem, viéssemos a desconstituir<br />

essa liminar do Ministro Cezar Peluso, que, a meu ver, era recorrível.<br />

Deixo consignado que, quanto ao núcleo da sua posição, eu me inclinaria pela do<br />

Ministro Marco Aurélio, em homenagem à jurisprudência do <strong>Tribunal</strong>. Primeiro, com base<br />

na própria Súmula 622: se não se admite o agravo regimental para discutir o mérito de uma<br />

liminar, creio que, com muito mais razão, não se pode admitir o mandado de segurança e,<br />

menos ainda, nele, a concessão de uma liminar. Desse desvio há um problema seriíssimo:<br />

a alienação do Relator primitivo, que seria o Relator do agravo regimental, para outro<br />

membro do <strong>Tribunal</strong>.<br />

Por outro lado, há questão específica, também – pelo menos três precedentes eu<br />

pude colher aqui, às pressas –, do descabimento do mandado de segurança contra decisão<br />

jurisdicional, seja ela colegiada ou do Relator. Quanto às decisões colegiadas, lembro<br />

o MS 21.734-AgR, da lavra do Ministro Ilmar Galvão, e o MS 23.715, da lavra do Ministro<br />

Celso de Mello. Com relação à decisão do Relator no processo – não me ocorre de qual<br />

processo exatamente se tratava –, o MS 22.626-AgR, também relatado pelo eminente<br />

Ministro Celso de Mello (RTJ 168/174).<br />

Agora, acho que a grande solução para esse furdunço seria reconhecermos a prevenção<br />

do Ministro Celso de Mello e lhe enviarmos os três processos. Não vejo como,<br />

nesta questão de ordem, desfazer uma decisão do Ministro Peluso, que, em relação à<br />

admissibilidade do mandado de segurança, era recorrível.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Aliás, V. Exa. bem percebeu que citei, na minha decisão,<br />

exatamente orientação de acordo com a do <strong>Tribunal</strong>.


R.T.J. — 202 657<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Gostaria de lembrar que o <strong>Tribunal</strong> – isso escapou do<br />

levantamento do Ministro Sepúlveda Pertence –, no MS 24.159, questão de ordem suscitada<br />

pela Ministra Ellen Gracie, concedeu, sim, segurança contra ato do Presidente do<br />

<strong>Tribunal</strong>, que indeferia uma suspensão de segurança – acórdão de 31-10-03, reconhecendo,<br />

exatamente, a não-existência de outro meio adequado. Depois, evoluímos para reconhecer o<br />

cabimento do agravo, portanto, fizemos a construção e superamos, então, à época, a Súmula<br />

506, do <strong>Tribunal</strong>, que dizia não caber agravo quando houvesse o indeferimento.<br />

Por isso, já naquele caso anterior envolvendo o Deputado José Dirceu, MS 25.647,<br />

eu tinha trazido uma questão de ordem propondo a rediscussão da Súmula 622, na linha de<br />

precedentes antigos do <strong>Tribunal</strong>. E volto a insistir – usando expressão do Ministro<br />

Pertence: furdúncio –, sugerindo que temos de arrostar essa questão da Súmula 622, ou<br />

seja, temos que, de fato, aceitar o agravo contra decisão que defere ou indefere a liminar.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Proponente da Súmula, sempre me insurgi contra<br />

ela. Houve uma época, até curiosa, em que a maioria absoluta do <strong>Tribunal</strong> aplicava a<br />

jurisprudência com ressalva dos entendimentos pessoais em contrário.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Registro aqui, no MS 20.955, que V. Exa. propôs o<br />

cabimento.<br />

VOTO<br />

(Sobre proposta)<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, acompanho o Ministro Pertence,<br />

mas gostaria de, enfaticamente, registrar a necessidade de revisão desta Súmula, porque<br />

me parece que ela é geradora de fatos desse tipo.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, mas, neste momento, creio que nem estava<br />

em causa discutir, nem no primeiro mandado de segurança – se é verdade que nele se<br />

impugnava, substancialmente, uma decisão do Ministro Celso de Mello –, nem no segundo<br />

mandado de segurança, em que também se impugnava uma decisão do Ministro Marco<br />

Aurélio.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não; é que só se chegou a esse caso, especialmente<br />

no mandado de segurança do Ministro Cezar Peluso...<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ambos, a meu ver, seriam susceptíveis de agravo<br />

regimental, sem afronta à Súmula 622.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Só se chegou a esse caso – e o Ministro Peluso foi<br />

explícito em relação a isso – porque não havia agravo regimental.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É verdade que há, aí, um jogo estratégico, porque,<br />

da decisão do Ministro Celso, caberia, sim, o agravo regimental.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Isso foi dito expressamente.<br />

Acompanho no sentido de reconhecer a competência.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Presidente, terei que me apegar a princípios, e<br />

não reconheço, na espécie, o instituto da conexão. Sabemos que a disciplina da prevenção,


658<br />

R.T.J. — 202<br />

considerada a distribuição de processos no <strong>Supremo</strong>, é heterodoxa e está no Regimento<br />

Interno. Vem de uma época em que a Corte podia legislar, em matéria processual, sobre os<br />

processos da respectiva competência. Em mandado de segurança, jamais observamos<br />

conexão partindo de um elo, que entendo mínimo no caso, entre as matérias.<br />

Por isso, peço vênia para entender que o ato de V. Exa. merece endosso; V. Exa. bem<br />

distribuiu este mandado de segurança.<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): V. Exa. lembra das distribuições. Ontem, eu<br />

distribuí 1.200 processos, então, há de convir que não lesse nenhum deles.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): V. Exa., como nós também, examina um a um<br />

para saber se, realmente, a distribuição é afinada com o direito posto?<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, estamos diante de uma situação singular,<br />

uma situação de exceção.<br />

Aprendi com Carl Schmitt que as normas só valem para as situações normais. A<br />

normalidade da situação que elas pressupõem é um elemento básico do seu valer.<br />

A propósito, Maurice Hauriou lembra que as leis não são feitas senão para um<br />

estado normal da sociedade e, quando esse estado normal sofre alteração, é necessário<br />

que elas sejam suspensas. Aliás, Maurice Hauriou chama nossa atenção para o fato de<br />

que as leis são muito bonitas, mas é preciso não morrermos antes que elas sejam<br />

atualizadas.<br />

O estado de exceção é uma zona de indiferença entre o caos e o estado da normalidade,<br />

uma zona de indiferença capturada pela norma. Não é a exceção que se subtrai à<br />

norma, mas ela, a norma, é que, se suspendendo, dá lugar à exceção. Apenas desse modo<br />

ela se constitui como regra, mantendo relação com a exceção.<br />

No caso, eu diria que a esta Corte – e assim procedeu o Ministro Peluso –, sempre<br />

que necessário, incumbe decidir regulando as situações de exceção. Ao fazê-lo ela não se<br />

afasta do ordenamento, eis que aplica a norma à exceção desaplicando-a, retirando-a da<br />

exceção.<br />

Por isso, resolvo a questão de ordem admitindo, no caso, a impetração. Não havia<br />

outra alternativa, diante da exceção, senão proceder como o Ministro Peluso procedeu.<br />

Acompanho, nesse sentido, a proposta de serem os mandados de segurança remetidos<br />

ao Ministro Celso de Mello.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, é de conhecimento de todos<br />

que, em princípio, não cabe mandado de segurança contra decisões jurisdicionais. Friso<br />

bem: em princípio.<br />

Diante de circunstâncias excepcionais, essa regra deve ser afastada. É o caso dos<br />

autos. O Ministro Gilmar Mendes citou aqui o precedente do MS 24.159, em que essa<br />

regra foi afastada.


R.T.J. — 202 659<br />

No caso, entendo que está caracterizada a prevenção do Ministro Celso de Mello e<br />

resolvo a questão de ordem firmando a competência de Sua Excelência, em consonância<br />

com o Ministro Cezar Peluzo.<br />

Confirmo o voto do Ministro Celso de Mello, pedindo vênia ao ministro Marco<br />

Aurélio.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, também sigo a linha inaugurada<br />

pelo decano, com a sua sabedoria.<br />

É um caso realmente excepcional em que todas as posições aparentemente contrapostas<br />

encontram justificativas.<br />

A prudência aconselha que tudo se reúna sob a relatoria do Ministro Celso de<br />

Mello.<br />

Por isso, voto nesse sentido.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não que eu pretenda chegar à erudição do<br />

Ministro Eros Grau, mas aí está um contracaso, aquilo que chamariam de condicionais<br />

contrafáticos, do Gooldman. Isso mostra que, em determinadas situações limites, certas<br />

regras acabam-se esgotando.<br />

Então, acompanho essa fórmula sugerida pelo Ministro Sepúlveda Pertence.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

MS 25.846-QO/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro<br />

Sepúlveda Pertence. Impetrante: Distrito <strong>Federal</strong> (Advogados: PGDF – Evaldo de<br />

Souza da Silva e outros). Impetrados: Ministro de Estado da Fazenda, Secretário do Tesouro<br />

Nacional e Coordenador-Geral da Coordenação-Geral de Responsabilidades Financeiras<br />

e Haveres Mobiliários – COREF. Litisconsorte passiva: União (Advogado:<br />

Advogado-Geral da União).<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por maioria, decidiu afetar ao Ministro Celso de Mello, por<br />

prevenção, os MS 25.846-2/DF e 25.853-5/DF, vencidos o próprio Ministro Celso de Mello<br />

e o Ministro Marco Aurélio (Relator). Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Relator<br />

para o acórdão o Ministro Sepúlveda Pertence. Ausente, justificadamente, neste julgamento,<br />

o Ministro Carlos Britto.<br />

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda<br />

Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,<br />

Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio<br />

Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 8 de março de 2006 — Luiz Tomimatsu. Secretário.


660<br />

R.T.J. — 202<br />

HABEAS CORPUS 69.859 — SP<br />

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello<br />

Paciente: Essio Zechin Maiolino — Impetrante: José Eduardo Ferreira Pimont —<br />

Coator: <strong>Tribunal</strong> de Alçada Criminal do Estado de São Paulo<br />

Habeas corpus – Réu menor de 21 anos de idade – Redução do lapso<br />

prescricional – Oferecimento da denúncia – Causa que não interrompe a<br />

prescrição penal – Pedido indeferido.<br />

- Somente o recebimento judicial válido da denúncia – e não o seu<br />

mero oferecimento pelo Ministério Público – dispõe, juridicamente, de<br />

eficácia interruptiva da prescrição penal. Precedentes.<br />

- As causas interruptivas da prescrição penal – definidas, taxativamente,<br />

em numerus clausus, no art. 117 do Código Penal – estão sujeitas a<br />

regime de direito estrito, não comportando, em conseqüência, ampliação<br />

nem extensão analógica. Inadmissibilidade da analogia in malam partem<br />

em matéria de prescrição penal. Precedentes. Doutrina.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Moreira Alves, na conformidade<br />

da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir<br />

o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.<br />

Brasília, 1º de dezembro de 1992 — Celso de Mello, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: O Ministério Público <strong>Federal</strong>, em parecer da lavra<br />

do Dr. CLÁUDIO LEMOS FONTELES, ilustre Subprocurador-Geral da República,<br />

assim resumiu e apreciou a presente impetração (fls. 71/74):<br />

1. A prescrição retroativa da pretensão punitiva pode ocorrer entre a data do fato<br />

e o recebimento da denúncia e nunca entre a data do fato e o oferecimento da peça<br />

acusatória.<br />

2. Pelo indeferimento.<br />

1. Cuida-se de habeas corpus impetrado por José Eduardo Ferreira Pimont, em favor de<br />

Essio Zechin Maiolino, perante o E. Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, objetivando o reconhecimento<br />

da prescrição da pretensão punitiva.<br />

2. Tendo em vista o disposto no art. 102, I, letra i da Constituição <strong>Federal</strong> de 1988, o em.<br />

Relator, Min. José Cândido, remeteu a presente ordem de habeas corpus ao C. <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, colegiado competente para apreciá-la (v: fls. 08).<br />

3. Vejamos.<br />

4. Assim está em trecho das informações do E. <strong>Tribunal</strong> de Alçada Criminal de São Paulo,<br />

verbis:<br />

“Por fatos ocorridos em 3 de setembro de 1989, foi o paciente denunciado, em 26<br />

de abril de 1990, perante o Juízo da Primeira Vara da Comarca de Bragança Paulista,<br />

como incurso no art. 129, caput do Código Penal (fls. 3/4, doc. nº 1).


R.T.J. — 202 661<br />

Redistribuída a ação penal e recebida a denúncia, em 18 de julho de 1990 (fls.<br />

38/39, doc. nº 2), foi o réu citado e interrogado (fls. 51/v. e 53/v., doc. nº 3), realizando-se,<br />

a seguir, a regular instrução (fls. 59/60 e 64/69, doc. nº 4).<br />

Oferecidas as alegações finais (fls. 71/73 e 77/78, doc. nº 5), sobreveio sentença<br />

condenatória, em 31 de maio de 1991, que apenou o acusado a 10 dias-multa, por<br />

infringência ao art. 129, caput, c.c. o art. 29, caput, aplicado o art. 60, § 2º, c.o art. 44,<br />

II e III, todos do Código Penal (fls. 82/85, doc. nº 6). A decisão foi publicada em 4 de<br />

junho de 1991 (fls. 86, doc. nº 7).<br />

Inconformada, apelou a defesa (fls. 88, 89v./92, 96 e 100/104, doc. nº 8), tendo a<br />

E. Primeira Câmara deste <strong>Tribunal</strong>, por votação unânime, rejeitado as preliminares e<br />

negado provimento ao apelo (fls. 114/118, doc. nº 9).<br />

Opostos embargos de declaração, a E. Turma julgadora, sem discrepância de<br />

votos, não os conheceu, encontrando-se os autos, atualmente, em fase de publicação do<br />

ven. acórdão (fls. 120/124 e 138/140, doc. nº 10).” (v: fls. 19/20 – grifamos)<br />

5. A sentença de 1º grau (v: fls. 40/43) condenou o ora paciente no pagamento de 10<br />

dias-multa.<br />

6. O prazo prescricional, portanto, seria de 2 anos – art. 114 do CP.<br />

7. Ocorre, no entanto, que, à época dos fatos, o paciente era menor de 21 anos (v: fls.<br />

17). Assim, o prazo prescricional é reduzido para um ano conforme o disposto no art. 115 do CP.<br />

8. Como se vê, a aludida prescrição não ocorreu!<br />

9. A afirmação do impetrante, no sentido de que o § 2º do art. 110 do CP permite que o<br />

termo inicial da prescrição seja a data do oferecimento da denúncia e não mais a data do seu<br />

recebimento, é de todo improcedente.<br />

10. Quando o dispositivo penal menciona a possibilidade da prescrição “ter por termo<br />

inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou queixa”, não significa que o termo inicial<br />

será o oferecimento da denúncia.<br />

11. O legislador criou a possibilidade de ocorrer a prescrição entre a data do fato e o<br />

recebimento da denúncia, sendo este último marco para a interrupção do prazo prescricional.<br />

12. O doutrinador Celso Delmanto, em seus comentários ao Código Penal, menciona,<br />

verbis:<br />

“Prescrição Retroativa (art. 110, §§ 1º e 2º).<br />

Limites Temporais: 1. Em caso de processo comum, com sentença condenatória de<br />

primeira instância, conta-se: a. da sentença ao recebimento da denúncia ou queixa; b. ou<br />

do recebimento da denúncia ou queixa à data de consumação do fato”.<br />

(Código Penal Comentado, Celso Delmanto, 3ª Edição, Ed. Renovar, 1991, pág. 182)<br />

13. Magalhães Noronha também aponta o recebimento da denúncia como causa<br />

interruptiva da prescrição, verbis:<br />

“Também vimos que a prescrição começa a correr do dia em que o delito se<br />

consumou, porém interrompe-se com o recebimento da denúncia ou da queixa – diz o inc.<br />

I do artigo. A lei fala em recebimento (e não oferecimento), ou seja, do despacho<br />

interlocutório simples do juiz que as recebe.”<br />

(Direito Penal, E. Magalhães Noronha, vol. 1, Ed. Saraiva, 25ª Edição, 1987, pág. 352)<br />

14. Entre o fato delituoso e o recebimento da denúncia, ou entre este e a sentença, não<br />

decorreu o prazo prescricional de um ano.<br />

15. Do exposto, somos pelo indeferimento do pedido.<br />

(Grifei.)<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): O ora Paciente, que possuía menos de 21<br />

anos de idade à época do fato delituoso que lhe foi imputado (fl. 17), veio a ser condenado,<br />

pela prática do crime de lesões corporais leves, à pena de 10 dias-multa.


662<br />

R.T.J. — 202<br />

O lapso prescricional, no caso, tendo presente a menoridade do Paciente, é de<br />

apenas 1 (um) ano. Essa redução decorre da norma inscrita no art. 115 do Código<br />

Penal.<br />

A análise deste processo evidencia que não se operou, na espécie, a consumação da<br />

prescrição penal, como enfatizado, corretamente, pelo E. <strong>Tribunal</strong> ora apontado como<br />

coator (fl. 57) e ressaltado pela douta Procuradoria-Geral da República (fls. 71/74).<br />

O fato delituoso ocorreu em 3-9-89 (fl. 21). O recebimento da denúncia registrou-se<br />

em 18-7-90 (fl. 24). A sentença penal condenatória, por sua vez, foi publicada em 4-6-91<br />

(fl. 44). O julgamento, em segunda instância, do recurso interposto pelo ora Paciente – que<br />

confirmou a condenação penal – realizou-se em 28-5-92 (fl. 60).<br />

Vê-se, dessa seqüência cronológica, que o prazo prescricional de 1 (um) ano não<br />

se esgotou, quer se considere o período situado entre a data do fato delituoso (3-9-89) e<br />

aquela em que recebida a denúncia (18-7-90), quer se leve em conta o lapso que fluiu<br />

entre a publicação da sentença condenatória recorrível (4-6-91) e o dia em que efetuado<br />

o julgamento da apelação criminal (28-5-92).<br />

Impõe-se assinalar, finalmente, que, ao contrário do que sustenta o Impetrante, o<br />

mero oferecimento da denúncia não se reveste, em nosso sistema jurídico, de eficácia<br />

interruptiva da prescrição penal. Todos sabemos que, dentre as várias causas que interrompem<br />

o curso da prescrição, está o recebimento da denúncia ou da queixa (CP, art.<br />

117, I).<br />

Somente o recebimento judicial válido da denúncia – e não o seu mero oferecimento<br />

pelo Ministério Público – dispõe, juridicamente, de eficácia interruptiva da<br />

prescrição penal.<br />

O Impetrante, ao pretender que o simples oferecimento da denúncia tenha força<br />

interruptiva da prescrição penal, amplia, de modo incompatível com a taxatividade do<br />

rol contido no art. 117 do Código Penal, as hipóteses de interrupção do lapso prescricional.<br />

A enumeração das causas interruptivas encerra “numerus clausus”, não admitindo,<br />

em conseqüência, qualquer ampliação, ainda que mediante extensão analógica, tal<br />

como adverte a jurisprudência desta Corte (RTJ 107/157-158), e acentua o magistério<br />

da doutrina (CELSO DELMANTO, “Código Penal Comentado”, p. 192, 3. ed., 1991,<br />

Renovar, v.g.).<br />

Inviável, desse modo, o reconhecimento – pretendido pelo ora Impetrante – de<br />

que se consumou, na espécie, a prescrição retroativa concernente à pretensão punitiva<br />

do Estado, cabendo referir, ante a extrema pertinência que assume no contexto desta<br />

causa, o magistério jurisprudencial dos Tribunais, inclusive o desta Suprema Corte<br />

(RTJ 116/774 – RT 595/360 – RT 598/441).<br />

Sendo assim, e acolhendo, ainda, como razão de decidir, os fundamentos expostos<br />

no parecer da douta Procuradoria-Geral da República, indefiro o pedido.<br />

É o meu voto.


R.T.J. — 202 663<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 69.859/SP — Relator: Ministro Celso de Mello. Paciente: Essio Zechin<br />

Maiolino. Impetrante: José Eduardo Ferreira Pimont. Coator: <strong>Tribunal</strong> de Alçada Criminal<br />

do Estado de São Paulo.<br />

Decisão: A Turma indeferiu pedido de habeas corpus, nos termos do voto do<br />

Relator. Unânime.<br />

Presidência do Ministro Moreira Alves. Presentes à sessão os Ministros Octavio<br />

Gallotti, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Ilmar Galvão. Subprocurador-Geral da<br />

República, Dr. Miguel Frauzino Pereira.<br />

Brasília, 1º de dezembro de 1992 — Ricardo Dias Duarte, Secretário.


664<br />

R.T.J. — 202<br />

HABEAS CORPUS 69.987 — SP<br />

Relator : O Sr. Ministro Celso de Mello<br />

Paciente: Wilder Pinto de Souza — Impetrantes: Munir Jorge e outro — Coator:<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de São Paulo<br />

Habeas corpus – Alegada ausência de motivação da decisão penal<br />

condenatória – Inocorrência – Acórdão que se reporta aos fundamentos<br />

da sentença de primeira instância – Motivação per relationem – Fundamentação<br />

válida – Suposta inobservância do princípio da individualização<br />

da pena – Sanção penal fixada no mínimo previsto em lei – Inexistência de<br />

qualquer prejuízo ao réu – Pedido indeferido.<br />

- A sanção penal fixada no mínimo legal, ainda que imposta por ato<br />

decisório sucintamente fundamentado, não enseja qualquer prejuízo ao<br />

réu, revestindo-se, por isso mesmo, de plena legitimidade jurídica. Precedentes.<br />

- O acórdão, ao fazer remissão aos fundamentos de ordem fáticojurídica<br />

mencionados na sentença de primeira instância, atende a exigência<br />

constitucional que impõe, ao Poder Judiciário, o dever de motivar os atos<br />

decisórios que profere.<br />

- A motivação per relationem, nesse contexto, revela-se compatível<br />

com a norma inscrita no inciso IX do art. 93 da Constituição da República.<br />

Precedentes. Doutrina.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Octavio Gallotti (RISTF, art.<br />

37, I), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade<br />

de votos, indeferir o pedido de habeas corpus. Ausentes, ocasionalmente, os Ministros<br />

Sydney Sanches, Presidente; Moreira Alves; Paulo Brossard; e Carlos Velloso.<br />

Brasília, 18 de dezembro de 1992 — Celso de Mello, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: O Ministério Público <strong>Federal</strong>, em parecer da lavra<br />

do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. CLÁUDIO LEMOS FONTELES, ao<br />

opinar pelo indeferimento deste pedido, assim resumiu a presente impetração (fl. 59):<br />

Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de Wilder Pinto de Souza, condenado no<br />

grau mínimo pelo crime do art. 12 da lei de tóxicos.<br />

No “writ” os impetrantes protestam pela nulidade do “decisum” singular porque este<br />

não estaria devidamente fundamentado, minguando, ainda, a respectiva individualização da<br />

reprimenda pois que não examinada a personalidade do paciente (vide petição de fls. 02/08).<br />

(Grifei.)<br />

É o relatório.


R.T.J. — 202 665<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): A sentença condenatória de primeira<br />

instância, que foi parcialmente modificada em sede recursal – e reformada em favor do<br />

ora paciente, para fixar o cumprimento de sua pena, desde o início, em regime aberto –<br />

revestiu-se de suficiente fundamentação, havendo discorrido sobre a matéria probatória<br />

de forma minuciosa e motivada.<br />

Nesse sentido, manifestou-se a douta Procuradoria-Geral da República, bem repelindo<br />

a pretendida anulação do ato decisório questionado (fl. 60):<br />

É que do exame atento aos termos do decisum de 1º grau, percebe-se que o MM.<br />

sentenciante limitou-se a apenar o paciente no mínimo legal, cominado ao ilícito da traficância,<br />

não se constatando, já por aí, o alegado prejuízo do paciente.<br />

Ademais, a sentença guerreada, e examinada pela instância recursal paulista, foi bastante<br />

clara no especificar que:<br />

“Não existem circunstâncias agravantes ou causas de aumento de pena e o contido<br />

no artigo 59 do Código Penal é favorável aos réus, que nenhum outro incidente policial<br />

possuem (fls. 43 e 45).<br />

Isto posto e considerando tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a<br />

ação penal que a Justiça Pública move contra REINALDO RODRIGUES DOS SANTOS,<br />

RG nº 21.055.148, e WILDER PINTO DE SOUZA, RG nº 21.054.712, os quais, como<br />

incursos, respectivamente, nos artigos 16 e 12 da Lei nº 6.368/76, condeno, a cumprir, as<br />

penas de seis meses de detenção e três anos de reclusão e a pagar, sempre respectivamente,<br />

vinte e cinqüenta dias-multa, cujo valor do dia também fixo no mínimo legal.” (Vide fls.<br />

28.)<br />

Por sua vez, o acórdão que emanou do E. <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de São<br />

Paulo (fls. 30/32), ao fazer remissão aos fundamentos de ordem fático-jurídica mencionados<br />

na sentença de primeira instância, também revelou-se fiel à exigência constitucional<br />

de motivação que se impõe, ao Poder Judiciário, na formulação de seus atos decisórios.<br />

Improcede, desse modo, a alegação dos Impetrantes, eis que os atos decisórios ora<br />

questionados foram devidamente motivados.<br />

Finalmente, e quanto ao outro aspecto da impetração – a suposta inobservância<br />

do princípio da individualização da pena –, também não assiste razão aos ora Impetrantes.<br />

O magistrado sentenciante, após reconhecer que “não existem circunstâncias<br />

agravantes ou causas de aumento de pena e o contido no artigo 59 do Código Penal é<br />

favorável aos réus, que nenhum outro incidente policial possuem (fls. 43 e 45)”, fixou-lhe<br />

a pena no mínimo legal.<br />

Inexistente, portanto, qualquer prejuízo ao ora paciente, tal como tem sido ressaltado<br />

pela jurisprudência deste <strong>Tribunal</strong>:<br />

A parte da sentença que diz respeito à fixação da pena deve ser fundamentada; entretanto,<br />

se a pena foi fixada na quantidade mínima, sem prejudicar o réu, não se anula a decisão.<br />

(RTJ 68/348, Rel. Min. ANTONIO NEDER – Grifei.)


666<br />

R.T.J. — 202<br />

Fixação da pena, no mínimo. Desnecessidade de fundamentação maior, claramente<br />

estabelecidas as razões determinantes dessa fixação, nos termos da lei penal. Divergências não<br />

configurada.<br />

Recurso extraordinário não conhecido.<br />

(RTJ 70/502, Rel. Min. RODRIGUES ALCKMIN – Grifei.)<br />

Sendo assim, e pelas razões expostas, indefiro o pedido.<br />

É o meu voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 69.987/SP — Relator: Ministro Celso de Mello. Paciente: Wilder Pinto de<br />

Souza. Impetrantes: Munir Jorge e outro. Coator: <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de São<br />

Paulo.<br />

Decisão: Por votação unânime, o <strong>Tribunal</strong> indeferiu o pedido de habeas corpus.<br />

Ausentes, ocasionalmente, os Ministros Sydney Sanches, Presidente; Moreira Alves;<br />

Paulo Brossard; e Carlos Velloso. Presidiu o julgamento o Ministro Octavio Gallotti,<br />

Vice-Presidente. Procurador-Geral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva,<br />

na ausência ocasional do Dr. Aristides Junqueira Alvarenga.<br />

Presidência do Ministro Sydney Sanches. Presentes à sessão os Ministros Moreira<br />

Alves, Néri da Silveira, Octavio Gallotti, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso de<br />

Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ilmar Galvão e Francisco Rezek. Procurador-<br />

Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga.<br />

Brasília, 18 de dezembro de 1992 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


R.T.J. — 202 667<br />

HABEAS CORPUS 69.993 — RJ<br />

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello<br />

Paciente: Sidney Roberto Lopes — Impetrante: Wellington Rodrigues de<br />

Mello — Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Habeas corpus – Alegada nulidade processual na distribuição<br />

do procedimento penal-persecutório – Princípio do juiz natural – Presunção<br />

juris tantum de veracidade das informações prestadas pelo<br />

magistrado – Pretendida discussão de matéria probatória – Inviabilidade<br />

na via sumaríssima do habeas corpus – Pedido indeferido.<br />

- A distribuição dos procedimentos penais, fundada em critérios<br />

abstratos, gerais e impessoais, aprioristicamente definidos em texto<br />

legal, atua como expressivo instrumento de concretização do postulado<br />

constitucional do juiz natural. Doutrina.<br />

- A jurisprudência dos Tribunais tem prestigiado o valor probante<br />

das informações prestadas pela autoridade coatora, especialmente<br />

quando se cuida de magistrado, cujos esclarecimentos devem ser<br />

aceitos até prova idônea em sentido contrário. Presunção juris tantum<br />

de veracidade que milita em favor das informações oficiais prestadas<br />

pela autoridade apontada como coatora. Precedentes. Doutrina.<br />

- A análise de matéria probatória e a discussão em torno de questões<br />

de fato não são suscetíveis de apreciação na via sumaríssima do<br />

processo de habeas corpus. Precedentes.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Moreira Alves,<br />

na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade<br />

de votos, indeferir o pedido de habeas corpus e determinar a restituição dos autos<br />

da ação penal à origem, nos termos do voto do Relator.<br />

Brasília, 14 de setembro de 1993 — Celso de Mello, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: O Ministério Público <strong>Federal</strong>, em parecer da<br />

lavra do ilustre Subprocurador-Geral, Dr. MARDEM COSTA PINTO, assim resumiu<br />

a presente impetração (fls. 57/58):<br />

Sidney Roberto Lopes foi preso e autuado em flagrante e condenado a oito anos<br />

de reclusão como incurso nas sanções do artigo 12, da Lei 6.368/76, porque, em seu<br />

poder, foram encontrados quarenta e três tabletes de cocaína, uma balança ZANOT,<br />

própria para a pesagem de drogas e um envelope com inúmeros sacos plásticos normalmente<br />

usados para a embalagem de substâncias entorpecentes.


668<br />

R.T.J. — 202<br />

O paciente rebela-se contra a prisão, o processo e a condenação, dizendo que<br />

tudo foi conduzido pelo delegado que o prendeu, solicitando do Juiz, por ele escolhido,<br />

o mandado de busca e apreensão e ao mesmo remetido o inquérito. O Juiz, “que seria<br />

concunhado do Delegado <strong>Federal</strong>, e poderia estar sendo usado para dar legalidade ao<br />

flagrante que fora forjado contra o impetrante (SIC, fl. 37)”.<br />

Impetrou Habeas corpus ao <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Rio de Janeiro, que denegou<br />

a ordem, baseado em informações erradas do Juiz, que disse que o processo fora<br />

distribuído por sorteio, porque na etiqueta constava a palavra SORT.<br />

Na realidade, a referida palavra “sort” é usada na linguagem de informática<br />

como um programa que serve para ordenar e remanejar e não poderia ser confundida<br />

com a palavra portuguesa “sorteio”.<br />

Recorreu o paciente para o egrégio Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça onde, desta<br />

feita, o engano foi do Procurador da República, em cujo parecer disse que o paciente<br />

pleiteava, erroneamente, em Habeas corpus, a incompetência do Juiz, quando a devia<br />

ter buscado através da exceção prevista nos artigos 98 e 108 do Código de Processo<br />

Penal. O Colendo Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, nesta esteira de raciocínio, negou a<br />

ordem.<br />

Impetra o presente Habeas corpus, argumentando que estava enganado o Procurador,<br />

pois o que de fato pleiteou foi a nulidade prevista no artigo 564, inciso IV do<br />

Código de Processo Penal, consistente na falta de sorteio do Juiz, o qual não estava<br />

prevento e não poderia receber o inquérito por dependência.<br />

Apesar de reconhecer tratar-se de uma nulidade relativa, ou simples irregularidade<br />

(penúltimo parágrafo da folha 04), esta persiste, diz o impetrante, porque foi<br />

argüida no prazo do artigo 500, do CPP.<br />

(Grifei.)<br />

O Paciente – que postula o reconhecimento de seu direito de ser processado<br />

e julgado por juiz competente, a quem o processo seja distribuído por sorteio –<br />

sustenta que, no caso, e em função dos “grandes laços de amizade e intimidade<br />

entre o Juiz e a autoridade policial (...)” (fl. 3), menosprezou-se a regra legal que<br />

impõe a prévia e necessária distribuição do procedimento persecutório.<br />

Ao insurgir-se contra esse “ato direcionado” (fl. 3), e após censurar a<br />

decisão denegatória do “habeas corpus”, por haver, equivocadamente, confundido<br />

a expressão (SORT), própria da linguagem da informática, com a palavra SORTEIO,<br />

a impetração aduz (fls. 5/7):<br />

O paciente está certo que o endereçamento da comunicação ao MM. Juiz da 11ª<br />

Vara Criminal foi maquinado pelo delegado que presidiu a lavratura do flagrante,<br />

visando dar cunho de transparência legal ao seu ato.<br />

Ao requerer a busca e apreensão, deveria aquela autoridade policial, ter tido o<br />

cuidado de remeter o requerimento como é de costume, “ao Juízo da Vara Criminal”<br />

e, não como o fez, diretamente a um Juiz de sua livre escolha, como se vê abaixo:<br />

“Ao Exmo.<br />

Dr. LEOMIL ANTUNES PINHEIRO<br />

MM JUIZ DA 11ª VARA CRIMINAL DO RIO DE JANEIRO”<br />

conforme faz saltar aos olhos claramente pelo doc. fls. 5.<br />

Em seguida, endereçou também a comunicação de prisão em flagrante ao mesmo<br />

juiz:<br />

Of. nº 859/92/DPF/NIT/RJ/CART. Em 24.07.92 do: Delegado de Polícia<br />

<strong>Federal</strong> – Ramon Alonso Neto rua São Pedro, nº 24-3º andar/centro/Niterói/RJ<br />

Ao: Exmoº Juiz de Direito da 11ª VC. no Rio de Janeiro<br />

LEOMIL ANTUNES PINHEIRO<br />

Assunto: Comunicação em flagrante (faz)<br />

No fórum da Capital existem cerca de 80 juízes criminais. Cabe-nos indagar<br />

porque somente o juiz escolhido pelo delegado que presidiu o inquérito era o único<br />

competente para expedir o mandado de busca e receber a comunicação de prisão em<br />

flagrante?


R.T.J. — 202 669<br />

O CERTO É QUE A SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE JAMAIS EXISTIU OU FOI<br />

APREENDIDA NO ESTABELECIMENTO COMERCIAL DO PACIENTE.<br />

Por outro lado, não poderia imaginar o paciente que a palavra (SORT.) usada<br />

na linguagem de informática como um programa que serve para ORDENAR E<br />

REMANEJAR viesse a ser confundida com a palavra da língua portuguesa SORTEIO,<br />

conforme se infere das informações prestadas pelo Juiz ao <strong>Tribunal</strong> de origem.<br />

Visando aclarar as possíveis dúvidas com relação ao significado da palavra<br />

(SORT), o paciente junta pareceres elaborados por técnicos, com cursos de PÓS-GRA-<br />

DUAÇÃO na PUC-RIO, dos quais transcreve parte do texto, que diz:<br />

O SORT NUNCA PODE SER CONFUNDIDO COMO UM SORTEIO, (...)<br />

(...) SORT, SERVE SOMENTE PARA REMANEJAR UM ARQUIVO CON-<br />

TENDO OS MESMOS CAMPOS DE DADOS DO PRIMEIRO, PORÉM COM UM<br />

CAMPO DE ORDENAÇÃO JÁ PREVIAMENTE DETERMINADO.<br />

mais adiante se lê:<br />

Assim para que um determinado documento com endereço conhecido seja<br />

enviado ao destinatário pelo programa utilitário (SORT), basta que no momento<br />

da digitação o DIGITADOR, tenha nominado o local pré-determinado, para<br />

onde está endereçado ou a quem deve recebê-lo, sendo o suficiente para que o<br />

comando (SORT), encaminhe, REMANEJE, conforme se faça necessário, sem a<br />

menor possibilidade de erro.<br />

Consubstanciando ainda suas alegações esclarecedoras, o paciente faz juntar relatório<br />

exemplificando detalhadamente as funções do comando (SORT) e sua utilidade,<br />

documento esse assinado por ANALISTA DE SISTEMAS, com curso de Pós-Graduação<br />

pela PUC-RIO.<br />

Faz juntar ainda por cópia-xerox, dados técnicos extraídos do Guia Prático e<br />

Interativo (INICIANDO EM MS-DOS), PÁGS. 194 à 197 e 299/300; e, MICROSOFT<br />

PRESS – (Remond, Washington ed. 1988, págs. 935/7).<br />

Isto posto, suplica o paciente à V. Exa. lhe seja concedida a presente ORDEM,<br />

para que nos termos do artigo 564 item IV do CPP vigente, declare essa AUGUSTA<br />

CORTE DE JUSTIÇA, a nulidade do processo a partir do envio irregular da comunicação<br />

de prisão em flagrante ao judiciário, determinando, após efetuada a distribuição<br />

regular como de direito, seja o processo renovado, conforme dispõe o vigente Código de<br />

Processo Penal.<br />

(Grifei.)<br />

Prestadas as informações pelo órgão judiciário apontado como coator (fls.<br />

43/47), opinou a douta Procuradoria-Geral pela denegação da ordem (fls. 57/60).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): A Constituição da República, ao<br />

conferir dimensão jurídica ao postulado do juiz natural, proclama que “Ninguém<br />

será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (art. 5º,<br />

inciso LIII).<br />

A importância político-jurídica desse princípio – que traduz uma das projeções<br />

concretizadoras da cláusula do “due process of law” – tem sido reiteradamente<br />

acentuada pelo magistério doutrinário (GIUSEPPE SABATINI, “La competenza<br />

surrogatoria ed il principio del giudice naturale nel processo penale”, “in”<br />

Rev. It. Dir. Proc. Pen. p. 951, 1962; TAORMINA, “Giudice naturale e processo<br />

penale”, p. 16, 1972, Roma).


670<br />

R.T.J. — 202<br />

Esse postulado fundamental de nosso ordenamento normativo atua como<br />

verdadeiro pressuposto do exercício imparcial e independente da atividade outorgada<br />

ao Poder Judiciário. “Mais do que direito subjetivo da parte e para além do<br />

conteúdo individualista dos direitos processuais” – adverte ADA PELLEGRINI<br />

GRINOVER (“O processo em sua unidade – II”, p. 3/4, 1984, Forense) –, “o princípio<br />

do juiz natural é garantia da própria jurisdição, seu elemento essencial, sua qualificação<br />

substancial. Sem o juiz natural, não há função jurisdicional possível”.<br />

A essencialidade desse postulado fundamental de nosso sistema jurídico é<br />

claramente acentuada pelos limites inultrapassáveis, cuja observância se impõe<br />

ao poder estatal.<br />

Dentro dessa perspectiva, o postulado do juiz natural – que existe em função<br />

de dois grandes princípios (o da legalidade e o da igualdade) – revela-se incompatível<br />

com qualquer ingerência, interna ou externa, que vise a influenciar o resultado<br />

definitivo do pronunciamento jurisdicional, seja mediante manipulação arbitrária<br />

dos critérios que regem o mecanismo da distribuição, seja, ainda, pela ilícita utilização<br />

de meios destinados a propiciar a inadmissível “seleção” de um juiz “ad hoc”.<br />

Nesse contexto – em que o direito à fiel observância do princípio do juiz<br />

natural constitui diretriz jurídica fundamental da ordem normativa consagrada em<br />

nossa Carta Política –, a distribuição dos procedimentos penais, fundada em critérios<br />

abstratos, gerais e impessoais, aprioristicamente definidos em texto legal, atua<br />

como expressivo instrumento de concretização do postulado constitucional do<br />

juiz natural.<br />

A distribuição – que atua como causa de determinação da competência penal<br />

do juízo (CPP, art. 69, IV, c/c o art. 75) – desempenha tríplice função, consoante<br />

assinala, em autorizado magistério, o eminente e saudoso JOSÉ FREDERICO<br />

MARQUES (“Tratado de Direito Processual Penal”, vol. I/353, item n. 256, 1980,<br />

Saraiva):<br />

Tríplice objetivo tem a distribuição: a) determinar a vara a que o processo há de<br />

ser afeto; b) designar a câmara ou seção dos Tribunais Superiores, em que o processo há<br />

de correr; c) fixar o juiz que há de exercer as funções de relator.<br />

(Grifei.)<br />

O exame dos autos, considerados os estritos limites de análise propiciados<br />

pela via sumaríssima do “habeas corpus”, desautoriza os fundamentos expostos<br />

pelo ora Paciente, especialmente ante o que consta do acórdão emanado da 4ª<br />

Câmara Criminal do E. <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Rio de Janeiro.<br />

Nesse pronunciamento jurisdicional, ficou claramente acentuado que, na<br />

espécie, ocorreu efetiva distribuição, por sorteio, ao Juízo de Direito da 11ª Vara<br />

Criminal (Comarca do Rio de Janeiro), do procedimento penal-persecutório instaurado<br />

contra Sidney Roberto Lopes.<br />

O acórdão em questão, mantido em sede recursal ordinária por decisão do<br />

E. Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça (fls. 44/47), está assim ementado e redigido (fls.<br />

10/12):


R.T.J. — 202 671<br />

HABEAS CORPUS. BUSCA E APREENSÃO. COMPETÊNCIA. O mandado de<br />

busca e apreensão, medida de urgência, pode ser solicitado pela autoridade policial a<br />

qualquer juiz criminal da jurisdição, independentemente de prévia distribuição, não<br />

havendo irregularidade no fato de, posteriormente, ser a comunicação da prisão em<br />

flagrante distribuída ao mesmo juízo se o foi por sorteio e não por dependência. Ordem<br />

de habeas corpus denegada.<br />

A C Ó R D Ã O<br />

Vistos, expostos e debatidos estes autos de Habeas corpus nº 673/92, da Capital,<br />

em que é impetrante WELLINGTON RODRIGUES DE MELO (ADVº) e paciente SIDNEY<br />

ROBERTO LOPES,<br />

ACORDA a 4ª Câmara Criminal do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado do Rio de<br />

Janeiro, sem divergência, em denegar a ordem.<br />

Trata-se de medida impetrada em favor do paciente, preso em flagrante como<br />

incurso nas sanções do art. 12, da Lei nº 6368/76 sustentando-se sofrer ele constrangimento<br />

ilegal porque irregular o deferimento de mandado de busca e apreensão pelo Dr.<br />

Juiz sem prévia distribuição como irregular se mostra a distribuição da comunicação<br />

do flagrante ao mesmo juízo como se por dependência, acrescentando-se haver o<br />

magistrado, na audiência, demonstrado tratamento íntimo com a autoridade policial,<br />

o que se mostra altamente suspeito sobretudo diante do fato de se tratar de Delegado<br />

<strong>Federal</strong> de Niterói quando a prisão ocorreu no Rio de Janeiro. Daí pretender-se seja<br />

reconhecida a incompetência do juízo com distribuição do feito a outra Vara da Justiça<br />

estadual ou mesmo a uma das Varas Federais aqui sediadas.<br />

O Dr. Juiz informou às fls. 9/11 que o mandado de busca e apreensão foi deferido<br />

por se tratar de medida urgente, que a distribuição ocorreu por sorteio segundo consta<br />

de etiqueta, depois de ter sido feita a comunicação do flagrante ao juízo de plantão, que<br />

dispensou a todas as testemunhas o mesmo tratamento e que o feito já foi julgado e<br />

condenado o paciente.<br />

O parecer da douta Procuradoria de Justiça se direciona no sentido da denegação<br />

da ordem.<br />

E efetivamente o pedido não prospera.<br />

O mandado de busca e apreensão, por ser medida que carece de urgência e<br />

pronto atendimento, não pode depender de prévia distribuição, devendo ser solicitado<br />

a qualquer juízo criminal da jurisdição, ainda quando tanto não importe em prevenção.<br />

E no caso da ação penal verifica-se, da informação do magistrado, que, não<br />

obstante ter sido distribuída ao mesmo juízo, o foi não por dependência, como se alega,<br />

mas por regular sorteio como consta da respectiva etiqueta de distribuição.<br />

Conseqüentemente não há como falar-se em incompetência da autoridade impetrada,<br />

como competente não é a Justiça <strong>Federal</strong> por não cuidar a hipótese de crime<br />

catalogado em sua atribuição. A pretendida suspeição do juízo está espancada pelos<br />

informes do magistrado e o fato de ser o Delegado lotado em Niterói por si só a nada conduz<br />

na medida em que a jurisdição da Polícia <strong>Federal</strong> se desenvolve em todo o Estado.<br />

Não há, pois, constrangimento ilegal a reparar-se por via do remédio heróico.<br />

(Grifei.)<br />

Convém ressaltar, neste ponto, que o magistrado sentenciante de primeira<br />

instância – que condenou o ora Paciente à pena de 8 anos de reclusão, em regime<br />

fechado, e multa, pela prática do delito de tráfico de entorpecentes e drogas afins –,<br />

bem repeliu as alegações ora renovadas em favor do Paciente, acentuando que a<br />

“persecutio criminis in judicio” foi efetivamente precedida da necessária distribuição<br />

imposta pelo ordenamento legal (fls. 206/208 dos autos em apenso):<br />

1. O paciente foi preso em flagrante pela Polícia <strong>Federal</strong>, no dia 24 de julho de<br />

1992, cerca de 18 horas, na sede de sua empresa COMERCIAL DELTA IMPORTAÇÃO<br />

LTDA., localizada na Rua Santo Cristo nº 143-A, Santo Cristo, nesta cidade, porque tinha<br />

em depósito, sem autorização legal, 43 (quarenta e três) tabletes de CLORIDRATO DE


672<br />

R.T.J. — 202<br />

COCAÍNA, substância considerada entorpecente pela legislação em vigor arrecadando-se,<br />

no mesmo local, uma balança de precisão da marca Zanot, própria para a<br />

pesagem de drogas e um envelope contendo inúmeros saquinhos de plástico, comumente<br />

usados para a embalagem da cocaína.<br />

2. Na verdade, o Delegado da Divisão de Polícia <strong>Federal</strong> em Niterói-RJ, através<br />

do ofício nº 853/92, de 23.07.92, solicitou a este Juízo a expedição de mandado de<br />

busca, a ser cumprido no endereço da empresa do paciente (Rua Santo Cristo 143-A,<br />

nesta cidade), aduzindo que, com base em investigações desenvolvidas em Niterói e<br />

nesta Capital, o referido paciente mantinha em depósito significativa quantidade de<br />

cocaína.<br />

Tratando-se de medida de caráter urgente e necessária, foi concedido o mandado.<br />

3. Quanto à comunicação do flagrante, foi ela endereçada ao Juízo de plantão<br />

nesta Capital, sendo recebida no dia 25.07.92 (sábado), recebendo o seguinte despacho:<br />

‘À L.D. 25.07.92’.<br />

4. A distribuição ocorreu no dia 27 (2ª feira) para esta Vara e, conforme se vê da<br />

sua etiqueta, por sorteio.<br />

5. Denunciado pelo representante do Ministério Público (03.08.92) como incurso<br />

no art. 12 da Lei 6368/76, foi o paciente interrogado, dizendo que confessara os fatos<br />

em sede policial temeroso de ser espancado pelos policiais tão logo o advogado, que o<br />

assistiu durante a lavratura do flagrante, se afastasse da Delegacia.<br />

Essa declaração nos causou surpresa e perplexidade no M.P., pois, por se tratar<br />

de pessoa que se disse empresário e advogado, conhecedor, portanto, das leis e dos<br />

procedimentos processuais e extra-processuais, poderia usar da faculdade de prestar<br />

declarações em Juízo, ou até mesmo, prestar outro tipo de declaração, escolhendo,<br />

exatamente, aquela que mais lhe incriminaria.<br />

6. Os fatos alegados pelo paciente em seu interrogatório não restaram comprovados<br />

durante a instrução.<br />

7. Quanto ao tratamento dado ao Delegado <strong>Federal</strong>, o mesmo se fez com relação<br />

às demais testemunhas, inclusive as da defesa, todos em igualdade de condições e com<br />

o mesmo respeito.<br />

8. Finalmente, após as alegações das partes, feitas através de memoriais, conforme<br />

pediram, foi proferida a sentença (02.09.92), condenando-se o paciente à pena de 08<br />

(oito) anos de reclusão, em regime fechado, e pagamento de 100 (cem) dias-multa,<br />

à base de Cr$ 100,00 o dia-multa.<br />

Para a dosagem das penas, foram atendidas as diretrizes dos artigos 59 e seguintes<br />

do Código Penal, além de se levar em conta o nível cultural do paciente – empresário<br />

e advogado – a sua boa idade (47 anos), o seu agir com dolo de premeditação e intuito<br />

de lucro na comercialização da cocaína, os seus antecedentes que não bons, e sua<br />

situação financeira.<br />

(Grifei.)<br />

É inquestionável o valor jurídico das informações prestadas pelo magistrado<br />

em sede de “habeas corpus”. Essas informações – porque emanam de órgão estatal<br />

– gozam da presunção “juris tantum” de veracidade. Devem ser recebidas,<br />

enquanto não elidida a presunção legal que milita em seu favor, como a expressão<br />

solene da realidade processual existente, especialmente quando o tema discutido,<br />

por envolver a análise prévia de questões eivadas de iliquidez (a de que não teria<br />

havido o ato de distribuição e a de que a expressão SORT. – peculiar à linguagem da<br />

informática – não equivaleria a Sorteio), refoge ao âmbito estrito da via sumaríssima<br />

do “habeas corpus”.<br />

Se o próprio Juiz esclarece que a alegada ausência de distribuição não tem<br />

fundamento, considerada a realidade emergente do processo penal de conhecimento,<br />

e informa que o procedimento persecutório instaurado contra o Paciente<br />

constituiu objeto de prévia e regular distribuição forense, torna-se decisiva, no<br />

julgamento deste “habeas corpus”, a palavra do magistrado, cuja opinião deve ser<br />

acolhida.


R.T.J. — 202 673<br />

A jurisprudência dos Tribunais tem prestigiado o valor probante das informações<br />

prestadas pela autoridade coatora, especialmente quando se cuida de<br />

magistrado, cujos esclarecimentos devem ser aceitos em juízo, até prova idônea<br />

em sentido contrário – não produzida, no caso –, a cargo do Impetrante:<br />

Salvo prova em contrário, deve-se aceitar como procedente o que em habeas<br />

corpus informa o Magistrado havido por coator.<br />

(RT 531/329.)<br />

Em sede de habeas corpus, salvo prova em contrário extreme de dúvidas, não há<br />

repelir informações do Juiz apontado como coator.<br />

(JUTACrim 27/192.)<br />

Em sede de habeas corpus, as informações da autoridade coatora merecem<br />

crédito, salvo prova em contrário, extreme de dúvida.<br />

(RT 426/322.)<br />

Impõe-se registrar, neste ponto, a advertência de HELENO CLAUDIO<br />

FRAGOSO (“Jurisprudência Criminal”, vol. II/432, item n. 431, 1979), para quem<br />

“não se pode admitir em habeas corpus matéria de prova duvidosa ou controvertida”,<br />

cabendo assinalar, por isso mesmo, que, no âmbito restrito do “writ” constitucional,<br />

“a única limitação quanto à prova (...) é a de que seja absolutamente<br />

extreme de dúvidas e inteiramente inequívoca”.<br />

O Impetrante, no entanto, e pelas razões já expostas, não conseguiu destruir<br />

a presunção “juris tantum” de veracidade que milita em favor dos atos do<br />

poder público, motivo pelo qual não tenho como admitir a procedência de suas<br />

objeções.<br />

Finalmente, também não há como acolher a alegação do Impetrante de que a<br />

substância entorpecente “jamais existiu” ou de que “foi apreendida no estabelecimento<br />

comercial do Paciente” (fl. 6).<br />

Tais alegações, por envolverem questões de fato, não se revelam suscetíveis<br />

de apreciação na sede processual do “habeas corpus” (RTJ 110/555 – RTJ 129/<br />

1199).<br />

Sendo assim, e por não vislumbrar situação de injusto constrangimento,<br />

indefiro o pedido, restituindo-se os autos em apenso à origem.<br />

É o meu voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 69.993/RJ — Relator: Ministro Celso de Mello. Paciente: Sidney Roberto<br />

Lopes. Impetrante: Wellington Rodrigues de Mello. Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça.<br />

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus e determinou a restituição<br />

dos autos da ação penal à origem, nos termos do voto do Relator. Unânime.


674<br />

R.T.J. — 202<br />

Presidência do Ministro Moreira Alves. Presentes à sessão os Ministros<br />

Sydney Sanches, Celso de Mello e Ilmar Galvão. Ausente, justificadamente, o Ministro<br />

Sepúlveda Pertence. Subprocurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando<br />

Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 14 de setembro de 1993 — Ricardo Dias Duarte, Secretário.


R.T.J. — 202 675<br />

HABEAS CORPUS 82.713 — MS<br />

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello<br />

Paciente: Jonas Alves de Souza — Impetrante: DPE/MS – Denise da Silva<br />

Viégas — Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Habeas corpus – Exacerbação da pena-base e aplicação de causa<br />

de redução de pena – Ausência de fundamentação adequada – Ilegitimidade<br />

da operação de dosimetria penal – Configuração, no caso, de<br />

hipótese de injusto constrangimento – Pretendida fixação da pena em<br />

sede de habeas corpus – Necessidade de reexame dos elementos de<br />

fato – Inviabilidade – Pedido deferido, em parte.<br />

- A aplicação da pena, no ordenamento normativo brasileiro, não<br />

pode converter-se em instrumento de opressão judicial, nem traduzir<br />

exercício arbitrário de poder, eis que o magistrado sentenciante está<br />

necessariamente vinculado aos fatores e aos critérios, que, em matéria<br />

de dosimetria penal, limitam-lhe a prerrogativa de definir a pena<br />

aplicável ao condenado. Precedentes.<br />

- Não se revela legítima, por isso mesmo, a operação judicial de<br />

dosimetria penal, quando o magistrado, na sentença, sem nela revelar<br />

a necessária base empírica eventualmente justificadora de suas conclusões,<br />

vem a definir, mediante fixação puramente arbitrária, a penabase,<br />

exasperando-a de modo evidentemente excessivo (aumento de 1/3),<br />

sem quaisquer outras considerações, apoiando-se, unicamente, para<br />

esse efeito, na mera existência de circunstância agravante genérica,<br />

resultante da simples reincidência do condenado.<br />

Também incide em desrespeito às regras legais de fixação penal,<br />

o magistrado sentenciante, que, não obstante a semi-imputabilidade<br />

do Réu, deixa de fundamentar, sem qualquer avaliação do grau de<br />

intensidade da perturbação da saúde mental do agente, a aplicação<br />

dessa causa especial de diminuição da pena (CP, art. 26, parágrafo<br />

único; Lei 6.368/76, art. 19, parágrafo único), reduzindo-a em 2/5,<br />

sem, no entanto, referir, para tal efeito, a existência de dado substancial<br />

que justifique, com suporte em elementos factuais, tal opção.<br />

- Em tema de dosimetria penal, reputa-se destituída de fundamentação<br />

a sentença condenatória que se abstém de descrever, de<br />

maneira racionalmente adequada, o itinerário lógico percorrido pelo<br />

juiz na definição da sanctio juris, pois cumpre, ao magistrado, indicar,<br />

no ato de imposição da pena, as razões, que, fundadas em dados da<br />

realidade constantes do processo de conhecimento, conferem expressão<br />

concreta aos elementos normativos abstratamente previstos nos<br />

arts. 59 e 68 do Código Penal. Precedentes.


676<br />

R.T.J. — 202<br />

- A via estreita do processo de habeas corpus não permite que nele<br />

se proceda à ponderação das circunstâncias referidas nos arts. 59 e 68<br />

do Código Penal. Não cabe reexaminar, no âmbito do remédio heróico,<br />

os elementos de convicção essenciais à definição da sanção penal,<br />

porque necessária, para tal fim, a concreta avaliação das circunstâncias<br />

de fato subjacentes aos critérios legais que regem a operação de<br />

dosimetria da pena. Precedentes.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das<br />

notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir, em parte, o pedido de habeas<br />

corpus, para, mantidas a condenação e a prisão do Paciente, determinar ao juízo<br />

sentenciante, nos termos do voto do Relator, a correção do vício na individualização<br />

da pena.<br />

Brasília, 19 de agosto de 2003 — Celso de Mello, Presidente e Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: O Ministério Público <strong>Federal</strong>, em parecer da<br />

lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. EDSON OLIVEIRA DE<br />

ALMEIDA, assim resumiu e apreciou a presente impetração (fls. 68/69):<br />

O paciente foi condenado como incurso no art. 12 da Lei 6.368/76. A pena-base<br />

foi estabelecida em seis (6) anos de reclusão, elevada para oito (8) anos pela da<br />

agravante da reincidência. Em razão da semi-imputabilidade foi aplicada a redução de<br />

dois quintos (2/5), chegando ao resultado final de quatro (4) anos, nove (9) meses e<br />

dezoito (18) dias de reclusão.<br />

A impetração, sem discutir o quantum da pena-base pretende: a) que a agravação<br />

pela reincidência seja de no máximo um ano; b) redução de dois terços pela semiimputabilidade.<br />

Tem razão o requerente ao apontar o equívoco na individualização da pena<br />

privativa da liberdade. É inaceitável que a simples referência à reincidência possa<br />

justificar um acréscimo de um terço sobre a pena-base, sem que o juiz, pelo menos,<br />

aluda ao número de condenações que geraram a reincidência, ao tempo decorrido<br />

desde o fato e a condenação anteriores, ao enquadramento da condenação anterior e,<br />

mais que tudo, sem “auscultar a hipótese sub judice, considerá-la com a anterior e<br />

extrair, então, os termos de culpabilidade” (Luiz Vicente Cernicchiaro. “Reincidência”.<br />

In: –, Questões Penais. Belo Horizonte, Del Rey, 1998, p. 221). Por outro lado,<br />

sendo o réu considerado semi-imputável, a aplicação do fator de redução, que vai de<br />

um a dois terços, deve ser motivada a partir da avaliação da intensidade da perturbação<br />

da saúde mental. Donde não se sustentar a escolha arbitrária da redução de dois<br />

quintos.<br />

Isso posto, opino pelo deferimento parcial da ordem, para, sem prejuízo da condenação,<br />

determinar a correção do vício na individualização da pena.<br />

(Grifei.)<br />

É o relatório.


R.T.J. — 202 677<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): A sentença penal condenatória, proferida<br />

pelo magistrado de primeiro grau, impôs, ao ora Paciente, a pena de quatro<br />

(4) anos, nove (9) meses e dezoito (18) dias de reclusão, e multa, pela prática do<br />

delito de tráfico de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 12).<br />

Esse ato sentencial foi assim motivado (fl. 58):<br />

(...). Ante o exposto e pelo mais que nos autos consta, JULGA-SE PROCEDENTE<br />

a denúncia de f. 2-3, ficando CONDENADO o réu JONAS ALVES DE SOUZA, como<br />

incurso no art. 12, da lei nº 6.368/76, cuja pena varia de 3 a 15 anos de reclusão e<br />

multa, c. c. o art. 2º, § 1º, da lei nº 8.072/90.<br />

Tendo em vista os maus antecedentes do réu e a grande quantidade da droga<br />

apreendida, fixa-se a pena-base em seis (6) anos de reclusão e em sessenta (60) diasmulta,<br />

ficando elevada para oito (8) anos de reclusão e noventa (90) dias-multa, ante<br />

a agravante prevista no art. 61, I, do código penal, tendo em vista a reincidência do réu.<br />

Com base no art. 26, parágrafo único, do mesmo código, a pena fica reduzida em dois<br />

quintos (2/5), ou seja, em três (3) anos, dois (2) meses e doze (12) dias de reclusão e em<br />

trinta e seis (36) dias-multa, ficando o réu definitivamente condenado a QUATRO (4)<br />

ANOS, NOVE (9) MESES E DEZOITO (18) DIAS DE RECLUSÃO e a CINQÜENTA E<br />

QUATRO (54) DIAS-MULTA, à base de um trigésimo (1/30) do salário mínimo da<br />

época dos fatos o dia-multa, totalizando o valor de R$ 244,00 (duzentos e quarenta e<br />

quatro reais).<br />

Deverá a pena de reclusão ser cumprida integralmente em regime fechado (art.<br />

2º, § 1º, da lei nº 8.072/90), na Penitenciária de Dourados.<br />

(Grifei.)<br />

A parte ora impetrante – sem questionar “(...) os parâmetros levados em<br />

consideração pelo julgador de primeiro grau para fixar a pena-base em 6 anos<br />

de reclusão e 60 dias-multa” (fl. 10) – sustenta a ocorrência de vícios na fixação da<br />

pena, eis que houve, segundo alega, “duas flagrantes ilegalidades sofridas pelo<br />

Paciente no tocante à dosimetria da pena: 1ª) o aumento de 1/3 sobre a penabase<br />

em decorrência do reconhecimento de uma única agravante – a da reincidência<br />

–, quando tal patamar é reservado às causas de aumento e não às circunstâncias<br />

legais genéricas; 2ª) incidência da causa genérica de diminuição<br />

da pena atinente à semi-imputabilidade (CP, art. 26, parágrafo único) abaixo<br />

do máximo legal permitido (que é de 2/3, tendo sido aplicado em 2/5), sem<br />

qualquer fundamentação” (fl. 3/4).<br />

A douta Procuradoria-Geral da República, ao examinar a presente impetração,<br />

analisou-a de maneira inteiramente correta, assistindo-lhe, por isso mesmo,<br />

razão na proposta de deferimento parcial deste pedido de “habeas corpus”.<br />

Cumpre acentuar que a exacerbação da “sanctio juris”, a partir da penabase<br />

previamente fixada, deve constituir objeto de explícita motivação judicial. O<br />

magistrado sentenciante, ao fazer simples menção à reincidência do ora Paciente,<br />

limitou-se a acrescer em 1/3 a pena-base, sem, contudo, referir-se às circunstâncias<br />

de fato que justificariam, de modo adequado, semelhante exasperação penal.<br />

De outro lado, o magistrado de primeira instância, ao aplicar a causa de redução<br />

penal prevista no parágrafo único do art. 26 do Código Penal (e, também, no<br />

parágrafo único do art. 19 da Lei 6.368/76), não explicitou as razões pelas quais<br />

diminuiu a pena em 2/5, fazendo-o com evidente prejuízo ao ora paciente, eis que<br />

poderia tê-la reduzido em até 2/3, como prevê (e autoriza) referido dispositivo legal.


678<br />

R.T.J. — 202<br />

A condenação penal há de refletir a absoluta coerência lógico-jurídica que<br />

deve existir entre a motivação e a parte dispositiva da decisão, eis que a análise<br />

desses elementos – que necessariamente compõem a estrutura formal do ato decisório<br />

– permitirá concluir, em cada caso ocorrente, se a sua fundamentação ajusta-se,<br />

ou não, de maneira harmoniosa, à base empírica que lhe deu suporte.<br />

O exame do ato judicial em questão não permite, contudo, que, nele, se<br />

reconheça presente essa harmoniosa (e necessária) adequação dos fundamentos<br />

expostos na sentença à realidade dos fatos e das circunstâncias judiciais a que<br />

alude o art. 68 do Código Penal.<br />

Impende observar, neste ponto, que a jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong> orienta-se no sentido de invalidar aquelas decisões, que, destituídas de<br />

explicitação concernente às circunstâncias justificadoras da exasperação penal,<br />

fixam a “sanctio juris” acima do mínimo legal, sem veicularem, no entanto, em seu<br />

texto, a necessária fundamentação provida de conteúdo lógico-jurídico ou sem<br />

guardarem o indispensável vínculo de pertinência com os dados da realidade que<br />

confiram expressão concreta aos elementos normativos abstratamente previstos<br />

nos arts. 59 e 68 do Código Penal.<br />

Vê-se, portanto, que, mais do que motivar a exacerbação da pena, a partir da<br />

observância de padrões de racionalidade atributivos de coerência lógica à decisão<br />

condenatória, impõe-se que o ato decisório também revele fatores concretos cuja<br />

realidade objetiva – materializando as referências meramente abstratas da lei –<br />

permita justificar a especial exasperação do “quantum” penal.<br />

É por esse motivo que esta Suprema Corte, pronunciando-se sobre esse<br />

específico aspecto da questão, já advertiu que “A exigência de motivação da<br />

individualização da pena – hoje, garantia constitucional do condenado (CF,<br />

arts. 5º, XLVI, e 93, IX)–, não se satisfaz com a existência na sentença de frases ou<br />

palavras quaisquer, a pretexto de cumpri-la: a fundamentação há de explicitar<br />

a sua base empírica e essa, de sua vez, há de guardar relação de pertinência,<br />

legalmente adequada, com a exasperação da sanção penal, que visou a justificar”<br />

(RTJ 143/600, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – Grifei).<br />

No caso, e como precedentemente já enfatizado, não identifico a necessária<br />

motivação no ato decisório em causa, eis que o magistrado sentenciante não descreveu,<br />

de maneira racionalmente adequada – e de modo plenamente ajustado à<br />

realidade objetiva dos fatos constantes do processo penal de conhecimento – o<br />

“itinerário lógico que conduziu o juiz às conclusões inseridas na parte dispositiva<br />

de sua manifestação sentencial” (RTJ 143/600, 604, Rel. Min. SEPÚLVEDA<br />

PERTENCE – Grifei).<br />

É por esse motivo que entendo assistir razão à douta Procuradoria-Geral da<br />

República, pois a fixação da pena – que resultou, em sua operação final, da aplicação<br />

da agravante da reincidência e da redução autorizada pelo art. 19, parágrafo<br />

único, da Lei 6.368/76 (e do art. 26, parágrafo único, do CP) – não foi devidamente<br />

motivada pelo magistrado sentenciante, que não assinalou, como lhe incumbia, as<br />

razões justificadoras da exasperação (gravosa) da “sanctio juris” imposta ao ora<br />

Paciente.


R.T.J. — 202 679<br />

Eis, no ponto, as razões constantes da correta manifestação da douta Procuradoria-Geral<br />

da República (fls. 68/69):<br />

O paciente foi condenado como incurso no art. 12 da Lei 6.368/76. A pena-base<br />

foi estabelecida em seis (6) anos de reclusão, elevada para oito (8) anos pela da<br />

agravante da reincidência. Em razão da semi-imputabilidade foi aplicada a redução de<br />

dois quintos (2/5), chegando ao resultado final de quatro (4) anos, nove (9) meses e<br />

dezoito (18) dias de reclusão.<br />

A impetração, sem discutir o quantum da pena-base pretende: a) que a agravação<br />

pela reincidência seja de no máximo um ano; b) redução de dois terços pela semiimputabilidade.<br />

Tem razão o requerente ao apontar o equívoco na individualização da pena<br />

privativa da liberdade. É inaceitável que a simples referência à reincidência possa<br />

justificar um acréscimo de um terço sobre a pena-base, sem que o juiz, pelo menos,<br />

aluda ao número de condenações que geraram a reincidência, ao tempo decorrido<br />

desde o fato e a condenação anteriores, ao enquadramento da condenação anterior e,<br />

mais que tudo, sem “auscultar a hipótese sub judice, considerá-la com a anterior e<br />

extrair, então, os termos de culpabilidade” (Luiz Vicente Cernicchiaro. “Reincidência”.<br />

In: –, Questões Penais. Belo Horizonte, Del Rey, 1998, p. 221). Por outro lado, sendo o<br />

réu considerado semi-imputável, a aplicação do fator de redução, que vai de um a dois<br />

terços, deve ser motivada a partir da avaliação da intensidade da perturbação da saúde<br />

mental. Donde não se sustentar a escolha arbitrária da redução de dois quintos.<br />

Isso posto, opino pelo deferimento parcial da ordem, para, sem prejuízo da<br />

condenação, determinar a correção do vício na individualização da pena.<br />

(Grifei.)<br />

A aplicação da pena em bases objetivamente mais graves reveste-se de legitimidade<br />

jurídica, sempre que, no momento de sua imposição, indiquem-se os<br />

motivos, as circunstâncias e os elementos que levaram o juiz a definir, com maior<br />

rigor, o “status poenalis” do sentenciado.<br />

Nesse contexto, assume indiscutível relevo a exigência de motivação do ato<br />

sentencial, em ordem a impor, ao magistrado que o pronuncia, o dever jurídico de<br />

justificar a operação que materializa o processo de dosimetria penal.<br />

Cabe insistir, neste ponto, consideradas as razões precedentemente expostas,<br />

que a aplicação da pena, em face do sistema normativo brasileiro, não pode<br />

converter-se em instrumento de opressão judicial, nem traduzir exercício arbitrário<br />

de poder, eis que o magistrado sentenciante, em seu processo decisório, está<br />

necessariamente vinculado aos fatores e aos critérios, que, em matéria de dosimetria<br />

penal, limitam-lhe a prerrogativa de definir a pena aplicável ao condenado.<br />

Não se revela legítima, por isso mesmo, a operação judicial de dosimetria<br />

penal, quando o magistrado, na sentença, sem nela revelar a necessária base empírica<br />

eventualmente justificadora de suas conclusões, vem a definir, mediante fixação<br />

puramente arbitrária, a pena-base, exasperando-a de modo evidentemente excessivo<br />

(aumento de 1/3), sem quaisquer outras considerações, apoiando-se, unicamente,<br />

para esse efeito, na mera existência de circunstância agravante genérica,<br />

resultante da simples reincidência do condenado.<br />

Como já enfatizado, também incide em desrespeito às regras legais de<br />

fixação penal, o magistrado sentenciante, que, não obstante a semi-imputabilidade<br />

do réu, deixa de fundamentar, sem qualquer avaliação do grau de intensidade da


680<br />

R.T.J. — 202<br />

perturbação da saúde mental do agente, a aplicação dessa causa especial de diminuição<br />

da pena (CP, art. 26, parágrafo único; Lei 6.368/76, art. 19, parágrafo<br />

único), reduzindo-a em 2/5, sem, no entanto, referir, para tal efeito, a existência de<br />

dado substancial que justifique, com suporte em elementos factuais, tal opção.<br />

Não se pode perder de perspectiva, em suma, que, em tema de dosimetria<br />

penal, reputa-se destituída de fundamentação a sentença condenatória que se<br />

abstém de descrever, de maneira racionalmente adequada, o itinerário lógico percorrido<br />

pelo juiz na definição da “sanctio juris”, pois cumpre, ao magistrado,<br />

indicar, no ato de imposição da pena, as razões, que, fundadas em dados da<br />

realidade constantes do processo de conhecimento, conferem expressão concreta<br />

aos elementos normativos abstratamente previstos nos arts. 59 e 68 do Código<br />

Penal.<br />

Devo salientar, de outro lado, que a postulação deduzida pelo ora Impetrante –<br />

objetivando a pura e simples redução da pena que lhe foi imposta – não se revela<br />

passível de apreciação na via sumaríssima do “habeas corpus”, em cujo estreito<br />

âmbito não se podem reexaminar, uma vez observados os demais critérios fixados<br />

pela lei, os elementos de convicção que levaram o magistrado a definir a fixação da<br />

pena. A ponderação dos fatores circunstanciais que culminaram por determinar a<br />

sanção penal aplicável refoge ao domínio temático do “writ” constitucional, por<br />

implicar inadmissível substituição de um juízo que, apoiado no conjunto probatório<br />

existente no processo penal de conhecimento, constitui a razão mesma da<br />

própria operação intelectual com que a autoridade judiciária sentenciante concretizou<br />

a imposição da pena. Nesse sentido – impõe-se registrar – orienta-se a<br />

jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (RTJ 138/793, Rel. Min. SYDNEY<br />

SANCHES – RTJ 142/865, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 61.178/SP, Rel.<br />

Min. RAFAEL MAYER):<br />

O caráter sumaríssimo do habeas corpus não permite que, nele, se proceda à<br />

ponderação dos fatores referidos no art. 59 do Código Penal. O <strong>Tribunal</strong> que julga esse<br />

writ constitucional não pode substituir-se ao juízo sentenciante na análise concreta das<br />

circunstâncias judiciais. O exame aprofundado dos elementos probatórios constitui<br />

matéria pré-excluída do âmbito do remédio jurídico-processual do habeas corpus.<br />

(RTJ 142/582-583, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)<br />

Cumpre registrar, finalmente, que esse pleito, tal como ora formulado, revela-se<br />

inacolhível em sede de “habeas corpus”, consoante reiteradamente proclamado<br />

por esta Suprema Corte:<br />

Pena. Fixação. Fundamentação. Pena-base. Critério trifásico.<br />

Se a sentença de 1º grau e o acórdão, que a confirma fixam a pena-base,<br />

fundamentalmente, ou seja, com observância do art. 59 do Código Penal, sem quaisquer<br />

acréscimos, à falta de circunstâncias agravantes ou atenuantes e de causas de<br />

aumento ou diminuição da pena, não se torna necessária adoção do critério trifásico.<br />

Não se pode, no âmbito estreito do habeas corpus, reexaminar os elementos de<br />

convicção levados em conta sobre as circunstâncias judiciais previstas no referido art.<br />

59, para fixação da pena-base.<br />

Habeas corpus indeferido.<br />

(RTJ 138/793, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – Grifei.)<br />

PENA-BASE. FIXAÇÃO. ART. 42 DO CP. MOTIVAÇÃO. PONDERAÇÃO DOS<br />

FATORES. REEXAME INCABÍVEL EM HABEAS CORPUS.


R.T.J. — 202 681<br />

Atende à regra da fixação da pena-base, estatuída no art. 42 do CP, a motivação<br />

que, embora de modo sucinto, considere e explicite os fatores ali elencados, não cabendo<br />

ao julgador do habeas corpus substituir o juiz sentenciante na operação intelectual<br />

pertinente à ponderação das circunstâncias mais ou menos influentes, posto que implica<br />

exame aprofundado das provas.<br />

(HC 61.178/SP, Rel. Min. RAFAEL MAYER – Grifei.)<br />

O caráter sumaríssimo do habeas corpus não permite que, nele, se proceda à<br />

ponderação dos fatores referidos no art. 59 do Código Penal. O <strong>Tribunal</strong> que julga esse<br />

writ constitucional não pode substituir-se ao juízo sentenciante na análise concreta das<br />

circunstâncias judiciais. O exame aprofundado dos elementos probatórios constitui<br />

matéria pré-excluída do âmbito do remédio jurídico-processual do habeas corpus.<br />

(RTJ 142/582-583, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)<br />

A exacerbação da resposta penal do Estado pode justificar, em caráter excepcional,<br />

a imposição, ao sentenciado primário, de limites juridicamente mais gravosos, desde<br />

que o ato decisório se apresente suficientemente fundamentado e encontre suporte em<br />

dados da realidade que dêem concreção às circunstâncias judiciais abstratamente definidas<br />

no art. 59 do Código Penal.<br />

Traduz situação de injusto constrangimento o comportamento processual do Magistrado<br />

ou do <strong>Tribunal</strong> que, ao fixar a pena-base do sentenciado, adstringe-se a meras<br />

referências genéricas pertinentes às circunstâncias abstratamente elencadas no art. 59 do<br />

Código Penal. O juízo sentenciante, ao estipular a pena-base e ao impor a condenação<br />

final, deve referir-se, de modo específico, aos elementos concretizadores das circunstâncias<br />

judiciais fixadas naquele preceito normativo. Decisão que, no caso, atendeu, plenamente,<br />

às exigências da lei e da jurisprudência dos Tribunais.<br />

Os elementos de convicção que motivaram o juízo sentenciante na fixação da<br />

pena-base, a partir da análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código<br />

Penal, não se revelam suscetíveis de reexame em sede processual de habeas corpus.<br />

(RTJ 142/865, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)<br />

Sendo assim, pelas razões expostas, e acolhendo, ainda, o parecer do Ministério<br />

Público <strong>Federal</strong> (fls. 68/69), defiro, parcialmente, o “writ”, em ordem a determinar,<br />

ao juízo sentenciante, mantidas a condenação e a prisão do ora Paciente, “a<br />

correção do vício na individualização da pena”, nos precisos termos preconizados<br />

pela douta Procuradoria-Geral da República (fl. 69).<br />

É o meu voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 82.713/MS — Relator: Ministro Celso de Mello. Paciente: Jonas Alves de<br />

Souza. Impetrante: DPE/MS – Denise da Silva Viégas. Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça.<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu, em parte, o pedido de habeas<br />

corpus, para, mantidas a condenação e a prisão do Paciente, determinar ao juízo<br />

sentenciante, nos termos do voto do Relator, a correção do vício na individualização<br />

da pena.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Carlos Velloso, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Subprocurador-Geral<br />

da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.<br />

Brasília, 19 de agosto de 2003 — Antonio Neto Brasil, Coordenador.


682<br />

R.T.J. — 202<br />

HABEAS CORPUS 84.687 — MS<br />

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello<br />

Paciente: César da Silva — Impetrante: Defensoria Pública do Estado de<br />

Mato Grosso do Sul — Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Princípio da insignificância – Identificação dos vetores cuja<br />

presença legitima o reconhecimento desse postulado de política criminal<br />

– Conseqüente descaracterização da tipicidade penal em seu<br />

aspecto material – Delito de furto – Res furtiva (um simples boné) no<br />

valor de R$ 10,00 – Doutrina – Considerações em torno da jurisprudência<br />

do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> – Mera existência de inquéritos<br />

ou de processos penais ainda em curso – Ausência de condenação<br />

penal irrecorrível – Princípio constitucional da não-culpabilidade<br />

(CF, art. 5º, LVII) – Pedido deferido.<br />

O princípio da insignificância qualifica-se como fator de descaracterização<br />

material da tipicidade penal.<br />

- O princípio da insignificância – que deve ser analisado em<br />

conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima<br />

do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de<br />

afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu<br />

caráter material. Doutrina.<br />

Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo<br />

material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como<br />

(a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade<br />

social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do<br />

comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada –<br />

apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento<br />

de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em<br />

função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do<br />

poder público.<br />

O postulado da insignificância e a função do direito penal: de<br />

minimis, non curat praetor.<br />

- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância<br />

de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo<br />

somente se justificam quando estritamente necessárias à própria<br />

proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que<br />

lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores<br />

penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado<br />

de significativa lesividade.<br />

O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam<br />

resultado cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a<br />

bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo<br />

importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade<br />

da própria ordem social.


R.T.J. — 202 683<br />

A mera existência de investigações policiais (ou de processos<br />

penais em andamento) não basta, só por si, para justificar o reconhecimento<br />

de que o Réu não possui bons antecedentes.<br />

- A só existência de inquéritos policiais ou de processos penais,<br />

quer em andamento, quer arquivados, desde que ausente condenação<br />

penal irrecorrível – além de não permitir que, com base neles, se<br />

formule qualquer juízo de maus antecedentes –, também não pode<br />

autorizar, na dosimetria da pena, o agravamento do status poenalis do<br />

réu, nem dar suporte legitimador à privação cautelar da liberdade do<br />

indiciado ou do acusado, sob pena de transgressão ao postulado constitucional<br />

da não-culpabilidade, inscrito no art. 5º, inciso LVII, da Lei<br />

Fundamental da República.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das<br />

notas taquigráficas, por unanimidade de votos, aplicando o princípio da insignificância,<br />

deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.<br />

Brasília, 26 de outubro de 2004 — Celso de Mello, Presidente e Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de “habeas corpus” impetrado contra<br />

acórdão emanado do E. Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, que, em sede de idêntico<br />

processo, denegou o “writ” ao ora Paciente, em decisão assim ementada (fl. 50):<br />

HABEAS CORPUS – PENAL E PROCESSO PENAL – FURTO QUALIFICADO –<br />

RES FURTIVA DE PEQUENO VALOR – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNI-<br />

FICÂNCIA – IMPOSSIBILIDADE – ORDEM DENEGADA.<br />

- O pequeno valor monetário do bem tutelado não se traduz, automaticamente,<br />

na incidência do princípio da insignificância. Há que se conjugar o desvalor do resultado<br />

e o desvalor da ação.<br />

- Conquanto o pequeno valor da res furtiva, houve no caso alto desvalor da<br />

ação, não sendo possível, pois, a mera aplicação automática do princípio da insignificância<br />

senão pela análise da tipicidade conglobante.<br />

- No caso, ainda, o Paciente ostenta maus antecedentes, o que impede a pretensão<br />

ora deduzida.<br />

- Ordem denegada.<br />

(Grifei.)<br />

Os presentes autos registram que o ora Paciente, que tinha 19 (dezenove)<br />

anos de idade à época do fato, subtraiu, para si, um boné – no valor de R$ 10,00<br />

(dez reais) – que foi posteriormente recuperado pelo pai da vítima (fl. 22).<br />

Eis, em síntese, o teor da presente impetração (fls. 6/17):<br />

Em nenhum momento nega o réu que retirou o boné da cabeça da vítima.<br />

Entretanto jamais imaginou ele a prática de um ilícito. Além disso, o boné foi prontamente<br />

recuperado pelo pai da vítima, que é policial militar naquela pequena cidade do<br />

interior sul-matogrossense e, como sói acontecer, imediatamente mobilizou “aparato<br />

suficiente” para a pronta prisão do paciente.


684<br />

R.T.J. — 202<br />

Lamentável que fatos de tão pequena monta figurem nas páginas de processos<br />

que não raras vezes prolongam-se em intermináveis recursos onerando o erário público<br />

e ocupando o tempo de homens que deveriam estar se empenhando em tarefas mais<br />

nobres.<br />

Senhores julgadores (...) um boné?!?!?! (...) e uma pena de dois anos?!?!?!?!<br />

Indubitavelmente estamos diante do que os modernos processualistas chamam de<br />

“crime de bagatela”, ante o ínfimo valor do bem subtraído conjugado com a ausência<br />

total de prejuízo, seja de ordem material psicológica ou moral ou perigo a qualquer bem<br />

jurídico.<br />

(...)<br />

Assim, sendo o fato praticado pelo Paciente, penalmente irrelevante, verdadeira<br />

bagatela, para que o princípio da insignificância seja aplicado, independe de ser o<br />

crime qualificado e não impede o reconhecimento da atipicidade do fato praticado.<br />

Igualmente há que se considerar quanto aos antecedentes. Este fato é atípico<br />

nada tem a ver com a vida pregressa do Paciente. Trata-se de atipicidade da conduta<br />

e não inculpabilidade.<br />

Formalmente, o recorrente violou a norma incriminadora penal, estatuída no<br />

art. 155, parágrafo 4º, inciso IV, do Código Penal. Todavia, esta conduta não lesionou<br />

nem ameaçou o bem jurídico protegido pela lei, de forma que justificasse a<br />

imperiosidade de se invocar a proteção penal, situação que pode e deve determinar o<br />

reconhecimento da improcedência da denúncia, nos termos da regra do art. 386, III,<br />

do Código de Processo Penal, caracterizando-se a atipicidade do comportamento em<br />

análise.<br />

(Grifei.)<br />

Formulou-se, na presente sede processual, pedido de medida liminar, que foi<br />

por mim deferido (fls. 60/63).<br />

O Ministério Público <strong>Federal</strong>, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-<br />

Geral da República, Dr. EDSON OLIVEIRA DE ALMEIDA, opinou pela concessão<br />

parcial da ordem de “habeas corpus” (fls. 101/107).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): O princípio da insignificância –<br />

como fator de descaracterização material da própria tipicidade penal – tem sido<br />

acolhido pelo magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, como resulta claro<br />

de decisão que restou consubstanciada em acórdão assim ementado:<br />

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA<br />

PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA<br />

CRIMINAL – CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM<br />

SEU ASPECTO MATERIAL – DELITO DE FURTO – CONDENAÇÃO IMPOSTA A<br />

JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE – “RES FURTIVA”<br />

NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUAL-<br />

MENTE EM VIGOR) – DOUTRINA – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRU-<br />

DÊNCIA DO STF – PEDIDO DEFERIDO.<br />

- O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os<br />

postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal –<br />

tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na<br />

perspectiva de seu caráter material. Doutrina.<br />

- Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da<br />

tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da<br />

conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo<br />

grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica


R.T.J. — 202 685<br />

provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de<br />

que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios<br />

objetivos por ele visados, a intervenção mínima do poder público em matéria penal.<br />

Isso significa, pois, que o sistema jurídico há de considerar a relevantíssima<br />

circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo<br />

somente se justificarão quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas,<br />

da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente<br />

naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou<br />

potencial, impregnado de significativa lesividade.<br />

- O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo<br />

desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevante – não<br />

represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado,<br />

seja à integridade da própria ordem social.<br />

(HC 84.412/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)<br />

A aplicação do princípio da insignificância, também na presente causa, assume<br />

indiscutível relevo de caráter jurídico, pelo fato de a “res furtiva” corresponder<br />

a um boné no valor de R$ 10,00 (dez reais!!!), importância esta que equivale a<br />

3,84% do salário mínimo em vigor em nosso País...<br />

Como se sabe, o princípio da insignificância – que deve ser analisado em<br />

conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado<br />

em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade<br />

penal, examinada na perspectiva de seu caráter material, consoante assinala expressivo<br />

magistério doutrinário expendido na análise do tema em referência<br />

(FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, “Princípios Básicos de Direito Penal”, p. 133/<br />

134, item n. 131, 5. ed., 2002, Saraiva; CEZAR ROBERTO BITENCOURT, “Código<br />

Penal Comentado”, p. 6, item n. 9, 2002, Saraiva; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Direito<br />

Penal – Parte Geral”, vol. 1/10, item n. 11, “h”, 26. ed., 2003, Saraiva; MAURÍCIO<br />

ANTONIO RIBEIRO LOPES, “Princípio da Insignificância no Direito Penal”, p.<br />

113/118, item n. 8.2, 2. ed., 2000, RT, v.g.).<br />

O princípio da insignificância – que considera necessária, na aferição do<br />

relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a<br />

mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social<br />

da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a<br />

inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de<br />

formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema<br />

penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção<br />

mínima do poder público em matéria penal.<br />

Isso significa, pois, que o sistema jurídico há de considerar a relevantíssima<br />

circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo<br />

somente se justificarão quando estritamente necessárias à própria proteção das<br />

pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente<br />

naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a<br />

dano – efetivo ou potencial – impregnado de significativa lesividade.<br />

Revela-se expressivo, a propósito do tema, o magistério de EDILSON<br />

MOUGENOT BONFIM e de FERNANDO CAPEZ (“Direito Penal – Parte Geral”,<br />

p. 121/122, item n. 2.1, 2004, Saraiva):


686<br />

R.T.J. — 202<br />

Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância (...) não tem previsão<br />

legal no direito brasileiro (...), sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de determinação<br />

da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil<br />

minimis non curat praetor e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do<br />

tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se<br />

imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta<br />

falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado.<br />

É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o<br />

interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser<br />

considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade<br />

exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse<br />

juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade<br />

penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico.<br />

(Grifei.)<br />

Na realidade, e considerados, de um lado, o princípio da intervenção penal<br />

mínima do Estado (que tem por destinatário o próprio legislador) e, de outro, o<br />

postulado da insignificância (que se dirige ao magistrado, enquanto aplicador da<br />

lei penal ao caso concreto), na precisa lição do eminente Professor RENÉ ARIEL<br />

DOTTI (“Curso de Direito Penal – Parte Geral”, p. 68, item n. 51, 2. ed., 2004,<br />

Forense), cumpre reconhecer que o direito penal não se deve ocupar de condutas<br />

que produzam resultado cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a<br />

bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante,<br />

seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.<br />

A questão pertinente à aplicabilidade do princípio da insignificância – quando<br />

se evidencia que o bem jurídico tutelado sofreu “ínfima afetação” (RENÉ ARIEL<br />

DOTTI, “Curso de Direito Penal – Parte Geral”, p. 68, item n. 51, 2. ed., 2004,<br />

Forense) – assim tem sido apreciada pela jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>:<br />

ACIDENTE DE TRÂNSITO. LESÃO CORPORAL. INEXPRESSIVIDADE DA<br />

LESÃO. PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME NÃO CONFIGURADO.<br />

Se a lesão corporal (pequena equimose) decorrente de acidente de trânsito é de<br />

absoluta insignificância, como resulta dos elementos dos autos – e outra prova não<br />

seria possível fazer-se tempos depois –, há de impedir-se que se instaure ação penal (...).<br />

(RTJ 129/187, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO – Grifei.)<br />

Uma vez verificada a insignificância jurídica do ato apontado como delituoso,<br />

impõe-se o trancamento da ação penal, por falta de justa causa.<br />

(RTJ 178/310, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – Grifei.)<br />

HABEAS CORPUS. PENAL. MOEDA FALSA. FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA.<br />

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CONDUTA ATÍPICA. ORDEM CONCEDIDA.<br />

(...)<br />

3. A apreensão de nota falsa com valor de cinco reais, em meio a outras notas<br />

verdadeiras, nas circunstâncias fáticas da presente impetração, não cria lesão considerável<br />

ao bem jurídico tutelado, de maneira que a conduta do paciente é atípica.<br />

4. Habeas corpus deferido, para trancar a ação penal em que o Paciente figura<br />

como Réu.<br />

(HC 83.526/CE, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – Grifei.)<br />

O caso ora em exame refere-se a simples delito de furto de um bem cujo valor<br />

é de apenas R$ 10,00 (dez reais)...


R.T.J. — 202 687<br />

Extremamente pertinentes e oportunas as observações consignadas em<br />

recentíssima decisão unânime proferida pelo E. Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça,<br />

quando do julgamento do HC 23.904/SP, Rel. Min. PAULO MEDINA, ocasião em<br />

que essa Alta Corte judiciária, ao deferir o “writ” constitucional, assim se pronunciou<br />

sobre a aplicabilidade do princípio da insignificância:<br />

É notório que o Direito Penal foi concebido para a tutela dos valores ou interesses<br />

mais importantes para o bom convívio e desenvolvimento sociais que, quando<br />

identificados e estabelecidas legalmente as condutas que os lesam ou expõem à perigo<br />

concreto de lesão, passam a ter status de bem ou objeto jurídico.<br />

Cabe salientar que o Código Penal, indica, através das rubricas que identificam<br />

seus Títulos, Capítulos e Seções, qual ou quais são os bens jurídicos penalmente protegidos<br />

pela norma que inspirou a constituição das figuras típicas neles contidas.<br />

O art. 155 está inserido no Título II do Código Penal, ao qual corresponde a<br />

rubrica DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO.<br />

À evidência, o patrimônio é o que se tutela com a descrição abstrata da conduta<br />

constante do art. 155, CP. Nenhum outro bem jurídico é protegido, sequer de forma<br />

secundária, como acontece, por exemplo, com o delito de roubo (art. 157, CP), com o<br />

qual se busca resguardar, ainda, a integridade física, a liberdade pessoal e a vida<br />

humana.<br />

Por outro lado, para que se conclua pela existência do delito, é necessário<br />

analisar os três elementos que compõem o conceito analítico de crime, quais sejam, o<br />

fato típico, a antijuridicidade e a culpabilidade, necessariamente nesta ordem, de<br />

forma que, inexistente o fato típico, prescinde-se da investigação da ilicitude e assim<br />

por diante.<br />

O fato típico, por sua vez, é formado por quatro requisitos: conduta, resultado,<br />

nexo causal e tipicidade.<br />

O fato sub judice apresenta, indubitavelmente, os três primeiros requisitos, mas a<br />

tipicidade merece análise mais acurada.<br />

A tipicidade, classicamente, é vista apenas sob o prisma formal ou, em outras<br />

palavras, importa, tão-só, saber se há perfeita adequação da conduta ao tipo penal<br />

para concluir sua existência.<br />

Contudo, pela função precípua do Direito Penal em proteger interesses e valores<br />

relevantes para a sociedade e evitar a sua utilização descomedidamente, posicionamentos<br />

doutrinários surgiram para demonstrar a prescindibilidade desse ramo jurídico<br />

na regência de certos casos concretos.<br />

Para isso, cindiu-se a tipicidade em formal e material. Enquanto aquela representa<br />

o conceito clássico de tipicidade, esta é definida como a conduta formalmente<br />

típica que causa um ataque intolerável ao objeto jurídico penalmente tutelado.<br />

Ora, por óbvio, o furto de R$0,15 não gera considerável ofensa ao bem jurídico<br />

patrimônio. Conduta sem dúvida reprovável, imoral, mas distante da incidência do<br />

Direito Penal.<br />

Não há, por outro lado, se falar em prejuízo da vítima para fazer o Direito Penal<br />

recair sobre o indigitado agente, porquanto não se considera outra coisa a não ser o<br />

valor do objeto subtraído.<br />

Se prejuízo houve, que seja reparado no âmbito cível, pois não parece correto<br />

utilizar a esfera criminal para reparação de danos, sob pena de submeter o locatário de<br />

imóvel, v.g., devedor e solvente, a processo-crime por estelionato. Sim, mesmo porque<br />

causa prejuízo bem maior ao locador.<br />

Aliás, esse é o entendimento esposado por esta Turma:<br />

“RECURSO ESPECIAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.<br />

APLICABILIDADE, EM SENDO IRRISÓRIO O VALOR SUBTRAÍDO. RE-<br />

CURSO IMPROVIDO.<br />

1. O Direito Penal, como na lição de Francisco de Assis Toledo, ‘(...) por<br />

sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do<br />

bem jurídico. Não se deve ocupar de bagatelas.’ (in Princípios Básicos de Direito<br />

Penal, Ed. Saraiva, pág. 133).


688<br />

R.T.J. — 202<br />

2. Cumpre, pois, para que se possa falar em fato penalmente típico, perquirir-se,<br />

para além da tipicidade legal, se da conduta do agente resultou dano ou<br />

perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou fazer periclitar o bem na intensidade<br />

reclamada pelo princípio da ofensividade, acolhido na vigente Constituição<br />

da República (artigo 98, inciso I).<br />

3. O correto entendimento da incompossibilidade das formas privilegiada e<br />

qualificada do furto, por óbvio, não inibe a afirmação da atipicidade penal da<br />

conduta que se ajusta ao tipo legal do artigo 155, parágrafo 4º, inciso IV, por força<br />

do princípio da insignificância.<br />

4. Em sendo ínfimo o valor da res furtiva, com irrisória lesão ao bem<br />

jurídico tutelado, mostra-se, a conduta do agente, penalmente irrelevante, não<br />

extrapolando a órbita civil.’ (HC 21.750/SP, da minha Relatoria, in DJ 4/8/2003).<br />

5. Recurso especial improvido. (RESP 556046/MG; Fonte DJ DATA:09-<br />

02-2004 PG:00219. Relator Min. HAMILTON CARVALHIDO).”<br />

(Grifei.)<br />

Cabe advertir, ainda, para além do exame da questão pertinente ao princípio<br />

da insignificância, que a só existência de inquéritos policiais ou de processos<br />

penais, quer em andamento, quer arquivados, desde que ausente condenação<br />

penal irrecorrível – além de não permitir que, com base neles, se formule qualquer<br />

juízo de maus antecedentes –, também não pode autorizar, na dosimetria da pena,<br />

o agravamento do “status poenalis” do Réu, nem dar suporte legitimador à privação<br />

cautelar da liberdade do indiciado ou do acusado, sob pena de transgressão ao<br />

postulado constitucional da não-culpabilidade, inscrito no art. 5º, inciso LVII, da<br />

Lei Fundamental da República.<br />

Com efeito, tenho para mim, na linha de diversas decisões que já proferi<br />

nesta Suprema Corte (RTJ 136/627 – RTJ 139/885, v.g.), que a mera sujeição de<br />

alguém a simples investigações policiais, ou a persecuções criminais ainda em<br />

curso, não basta, só por si – ante a inexistência de condenação penal transitada em<br />

julgado – para justificar o reconhecimento de que o Réu não possui bons antecedentes.<br />

Na realidade, a simples existência de situações processuais ainda não definidas<br />

revela-se insuficiente para legitimar a adoção de medidas constritivas da<br />

liberdade individual do Réu sentenciado. Impede-o, considerada a ausência de<br />

condenação penal irrecorrível, o postulado constitucional que consagra, entre<br />

nós, a presunção “juris tantum” de não-culpabilidade (CF, art. 5º, LVII):<br />

- A submissão de uma pessoa a meros inquéritos policiais, ou a persecuções<br />

criminais de que não haja ainda derivado qualquer título penal condenatório, não se<br />

reveste de suficiente idoneidade jurídica para justificar ou legitimar a especial exacerbação<br />

da pena. Tolerar-se o contrário implicaria admitir grave lesão ao princípio<br />

constitucional consagrador da presunção de não-culpabilidade dos réus ou dos<br />

indiciados (CF, art. 5º, LVII).<br />

É inquestionável que somente a condenação penal transitada em julgado pode<br />

justificar a exacerbação da pena, pois, com ela, descaracteriza-se a presunção “juris<br />

tantum” de não-culpabilidade do Réu, que passa, então – e a partir desse momento –, a<br />

ostentar o “status” jurídico-penal de condenado, com todas as conseqüências legais<br />

daí decorrentes.<br />

Não podem repercutir, contra o réu, situações jurídico-processuais ainda não<br />

definidas por decisão irrecorrível do Poder Judiciário, especialmente naquelas hipóteses<br />

de inexistência de título penal condenatório definitivamente constituído. (...).<br />

(RTJ 139/885, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)


R.T.J. — 202 689<br />

Entendo que se impõe o acolhimento integral da pretensão deduzida pela<br />

ilustre Impetrante, seja porque o Paciente é tecnicamente primário (não se<br />

desqualificando tal condição, como acima referido, pela só existência, contra ele,<br />

de investigações penais em curso ou de processos criminais em andamento, o que<br />

não basta para atribuir, ao indiciado/réu, maus antecedentes), seja, notadamente,<br />

porque as circunstâncias do caso – “res furtiva” no valor de R$ 10,00 (fl. 26),<br />

equivalente, na época do fato (31-7-02), a 5% do salário mínimo então vigente e<br />

correspondente, hoje, a 3,84% do atual salário mínimo – autorizam a aplicação,<br />

na espécie, do princípio da insignificância, tal como consagrado pela jurisprudência<br />

desta Suprema Corte.<br />

Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, defiro o pedido de<br />

“habeas corpus”, para determinar a invalidação da condenação penal proferida<br />

contra César da Silva (Processo-crime 239/2002 – Vara Criminal da Comarca de<br />

Nova Andradina/MS), por ausência de tipicidade material do fato que lhe foi<br />

atribuído, considerado, para esse efeito, o princípio da insignificância.<br />

É o meu voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 84.687/MS — Relator: Ministro Celso de Mello. Paciente: César da Silva.<br />

Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul. Coator: Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, aplicando o princípio da insignificância,<br />

deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Carlos Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-<br />

Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos.<br />

Brasília, 26 de outubro de 2004 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


690<br />

R.T.J. — 202<br />

HABEAS CORPUS 84.765 — SP<br />

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello<br />

Paciente e Impetrante: Laerte José Moreira de Oliveira — Coator: Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Habeas corpus – Atentado violento ao pudor praticado contra<br />

menores impúberes – Colidência entre os interesses das menores<br />

ofendidas e os de seus representantes legais – Nomeação de curador<br />

especial para o oferecimento da representação (delatio criminis postulatória)<br />

– Legitimidade dessa providência adotada pelo magistrado –<br />

Representação oferecida pelo curador especial – Rigor formal –<br />

Desnecessidade – Precedentes – Medida que legitima a atuação processual<br />

do Ministério Público – Pedido indeferido.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e<br />

das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas<br />

corpus, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, a Ministra<br />

Ellen Gracie e o Ministro Joaquim Barbosa.<br />

Brasília, 30 de novembro de 2004 — Celso de Mello, Presidente e Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: O Ministério Público <strong>Federal</strong>, em parecer da<br />

lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. EDSON OLIVEIRA DE<br />

ALMEIDA, assim resumiu e apreciou a presente impetração (fls. 19/22):<br />

É este o teor do acórdão do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça (HC 25.690-SP):<br />

EMENTA<br />

HC – ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR – TRANCAMENTO DA<br />

AÇÃO PENAL – IMPOSSIBILIDADE – REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO –<br />

RIGOR FORMAL – DESNECESSIDADE.<br />

- Se o ofendido for menor de 18 anos, ou mentalmente enfermo, ou<br />

retardado mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste<br />

com os daquele, o direito de queixa poderá ser exercido por curador especial,<br />

nomeado de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente<br />

para o processo penal.<br />

- Esta Corte, em inúmeros julgados, tem entendido que a representação do<br />

ofendido, como condição de procedibilidade, prescinde de rigor formal. Basta<br />

que haja a demonstração inequívoca de sua intenção em ver os autores<br />

responsabilizados criminalmente.<br />

- Ordem denegada.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da<br />

Quinta Turma do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, na conformidade dos votos e das


R.T.J. — 202 691<br />

notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em denegar a ordem. Votaram<br />

com o Sr. Ministro Relator os Srs. Ministros LAURITA VAZ, JOSÉ ARNALDO DA<br />

FONSECA, FELIX FISCHER e GILSON DIPP.<br />

Brasília, DF, 18 de março de 2004 (data do julgamento).<br />

MINISTRO JORGE SCARTEZZINI, Relator<br />

RELATÓRIO<br />

O Exmo. Sr. Ministro JORGE SCARTEZZINI (Relator): Trata-se de<br />

habeas corpus impetrado em benefício de LAERTE JOSÉ MOREIRA DE OLI-<br />

VEIRA, contra o v. acórdão proferido pelo e. <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de<br />

São Paulo, que denegou a ordem ali impetrada.<br />

Consta dos autos que, na fase inquisitorial, durante a investigação pela<br />

prática de atentado violento ao pudor cometido contra menores impúberes, as<br />

representantes legais das vítimas haviam ofertado representação contra o paciente,<br />

na Delegacia, mas, posteriormente, resolveram se retratar, antes da denúncia.<br />

Em razão do conflito de interesses entre as vítimas e seus representantes,<br />

bem como em face de indícios de que o paciente convenceu estas, através de<br />

favores financeiros, a oferecerem retratação, a Juíza local nomeou, para agir em<br />

nome das menores, curadora especial, que ofereceu a representação.<br />

O paciente, então, foi denunciado pela prática do delito previsto no art.<br />

214 c/c art. 224, “a”, art. 226, III, na forma do art. 71 e, ainda, art.214 (por três<br />

vezes) c/c art. 224, letra “a”, art. 226, III, na forma do art. 69, todos do Código<br />

Penal.<br />

Impetrou-se, então, habeas corpus perante o e. <strong>Tribunal</strong> a quo, pleiteando<br />

o trancamento da ação penal, alegando-se, em suma, ilegitimidade ativa do<br />

Ministério Público, porquanto a sobredita representação encontrava-se formalmente<br />

nula, além de haver ultrapassado o prazo decadencial. A ordem restou<br />

denegada.<br />

Daí, o presente writ, onde o impetrante alega repisa os argumentos deduzidos<br />

na instância a quo.<br />

Liminar indeferida às fls. 26.<br />

A douta Subprocuradoria-Geral da República, em seu parecer, às fls. 115/<br />

120, opina pela denegação da ordem.<br />

Após, vieram-me os autos redistribuídos.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Exmo. Sr. Ministro JORGE SCARTEZZINI (Relator): Sr. Presidente,<br />

como relatado, o paciente está sendo acusado pela prática do delito de atentado<br />

violento ao pudor, perpetrado contra 04 vítimas, todas menores impúberas.<br />

Depreende-se dos autos que as genitoras das vítimas ofereceram representação.<br />

Após, por motivo ainda controvertido (teriam recebido quantias em dinheiro),<br />

resolveram se retratar, razão pela qual foi nomeado curador especial<br />

pela magistrada local, com base no art. 33 do CPP (“Se o ofendido for menor de<br />

18 (dezoito) anos, ou mentalmente enfermo, ou retardado mental, e não tiver<br />

representante legal, ou colidirem os interesses deste com os daquele, o direito de<br />

queixa poderá ser exercido por curador especial, nomeado, de ofício ou a requerimento<br />

do Ministério Público, pelo juiz competente para o processo penal”).<br />

Ao meu sentir, na esteira do douto parecer ministerial, de fls. 118, “A<br />

manifestação da Curadoria não fez mais do que impedir a prevalência da retratação<br />

sobre o interesse das vítimas, visando a apuração da verdade real e a<br />

punição do culpado.”<br />

De outro lado, a representação, consoante iterativa jurisprudência desta<br />

Corte, prescinde de rigores formais. Nesse sentido, já decidi:<br />

“PROCESSO PENAL – ESTUPRO – SENTENÇA CONDENA-<br />

TÓRIA – RÉU QUE PERMANECEU PRESO DURANTE TODA A INS-<br />

TRUÇÃO – TENTATIVA DE FUGA – DIREITO DE APELAR EM LI-<br />

BERDADE – IMPOSSIBILIDADE – REPRESENTAÇÃO – DESNECESSI-<br />

DADE DE RIGOR FORMAL – PROGRESSÃO – INVIABILIDADE.


692<br />

R.T.J. — 202<br />

- Réu condenado pela prática de estupro que tentou evadir-se do<br />

distrito da culpa e permaneceu preso durante toda a instrução criminal,<br />

não tem direito de apelar em liberdade.<br />

- Esta Corte, em inúmeros julgados, tem entendido que a representação<br />

do ofendido, como condição de procedibilidade, prescinde de rigor<br />

formal. Basta que haja a demonstração inequívoca de sua intenção em<br />

ver os autores responsabilizados criminalmente.<br />

- De outro lado, é inviável a progressão de regime prisional nos<br />

crimes hediondos.<br />

- Recurso desprovido.” (RHC 14.700/CE, DJU 01/12/2003)<br />

No que tange à alegação de ocorrência de decadência, vislumbro que a<br />

genitora das vítimas ofereceu a representação no prazo legal. A sua retratação,<br />

entretanto, foi cercada de fato controvertido – recebimento de dinheiro – o que,<br />

evidentemente, ensejou a nomeação de curador especial. Assim sendo, conquanto<br />

a nova representação ofertada por esta, tenha sido em prazo que, possivelmente,<br />

seja posterior aos seis meses, o fato é que o desejo das vítimas havia sido<br />

manifestado por ocasião da primeira representação, que, de maneira escusa foi<br />

retratada. Ao meu sentir, a nova representação apenas afastou o vício ocorrido<br />

na primeira.<br />

Por tais fundamentos, denego a ordem.<br />

É como voto.<br />

O julgado acima transcrito afastou com propriedade as alegações de ilegitimidade<br />

do Ministério Público e de inobservância do prazo de decadência. Assim, sem<br />

nada de útil a acrescentar, opino pelo indeferimento da ordem.<br />

(Grifei.)<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Entendo – como bem ressaltou a<br />

douta Procuradoria-Geral da República em seu parecer (fls. 19/22) – que o E. Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça, ao proferir a decisão ora impugnada nesta sede processual,<br />

o fez com absoluta correção.<br />

É que “A representação, como condição de processabilidade, não exige<br />

rigorismo formal” (RHC 31.727/ES, Rel. Min. NELSON HUNGRIA – Grifei),<br />

bastando, para tanto, simples manifestação de vontade, seja do próprio ofendido,<br />

seja do seu representante legal, em ordem a permitir a atuação do Ministério<br />

Público, quer na fase pré-processual, com a instauração do respectivo inquérito,<br />

quer, ainda, em juízo, com o oferecimento da denúncia.<br />

Verifico, no caso em exame, que “as genitoras das vítimas ofereceram representação”<br />

(fl. 21), vindo a retratar-se, em momento posterior, em face de alegado<br />

recebimento de certa soma de dinheiro supostamente oferecida pelo autor dos<br />

delitos. A magistrada de primeiro grau determinou, em face de tais circunstâncias,<br />

a nomeação de curador especial que ofereceu nova representação, confirmandose,<br />

por meio desta, a manifestação de vontade já anteriormente externada pelas<br />

representantes legais das pequenas vítimas, todas menores impúberes.<br />

A situação exposta nos presentes autos, de outro lado, ajusta-se, integralmente,<br />

à orientação jurisprudencial firmada por esta Suprema Corte:


R.T.J. — 202 693<br />

Defesa. Réu menor. Curador (ausência). Defensor dativo.<br />

- A ausência de curador de réu menor não nulifica o processo, se assistido por<br />

defensor constituído ou dativo. Ação penal pública. Representação da ofendida. Formalidades<br />

(inexigibilidade). - Em matéria de representação, desde que manifesta a<br />

vontade do ofendido, ou seu representante legal, não é de exigir-se a observância de<br />

formalidades processuais.<br />

- Habeas corpus indeferido.<br />

(RTJ 109/936, Rel. Min. RAFAEL MAYER – Grifei.)<br />

HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. REPRESENTAÇÃO.<br />

DEMONSTRAÇÃO DE INTERESSE DO OFENDIDO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGI-<br />

MENTO ILEGAL. A representação prescinde de rigor formal. É suficiente a demonstração<br />

inequívoca do interesse do ofendido, ou de seu representante legal, para que tenha<br />

início a ação penal. Ausência de constrangimento ilegal. Habeas corpus indeferido.<br />

(RTJ 159/603, Rel. Min. FRANCISCO REZEK – Grifei.)<br />

PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA OS COSTUMES. ESTUPRO.<br />

MENOR ABANDONADA. REPRESENTAÇÃO. Código Penal, art. 225, e § 1º, I, e § 2º.<br />

I - A finalidade da representação, nos crimes contra os costumes, não é acautelar<br />

os interesses do réu, mas os da ofendida e de sua família, que podem preferir o silêncio<br />

ao estrepitus judicii.<br />

II - Para que o Ministério Público se torne parte legítima para intentar a ação<br />

penal, é suficiente que se manifeste pessoa de qualquer forma responsável pelo menor,<br />

ainda que o menor não resida em sua companhia.<br />

III - No caso, a menor, menor abandonada, mantida em cárcere privado, conseguiu<br />

se comunicar com uma senhora vizinha, em cuja residência pediu socorro e que fez<br />

a representação. Regular a representação, que não exige formalidades maiores. Na<br />

hipótese, ademais, por se tratar de menor abandonada, a miserabilidade é presumida.<br />

IV - Habeas corpus indeferido.<br />

(RTJ 160/256-257, Rel. p/ o acórdão Min. CARLOS VELLOSO – Grifei.)<br />

A representação, como condição de processabilidade, não exige rigorismo formal:<br />

desde que compareça perante a autoridade policial o representante legal da<br />

menor ofendida, para comunicar o crime, prestando declarações tomadas por termo e<br />

deixando fora de dúvida ou tacitamente dado o seu assentimento à ação penal contra<br />

o acusado, deve entender-se que existe a representação. É irrelevante, quanto à validade<br />

do processo penal, a falta de nomeação de curador no inquérito policial. Na fase<br />

judicial, desde que o réu, revel, teve defensor dativo e não foram preteridos os prazos<br />

para a defesa, não há nulidade a ser reconhecida.<br />

(RHC 31.727/ES, Rel. Min. NELSON HUNGRIA – Grifei.)<br />

Processo-crime. Representação. Não se exige exagerado formalismo na representação<br />

da menor. Ausência de nulidades. Indeferimento do habeas corpus.<br />

(RHC 31.858/GO, Rel. Min. LAFAYETTE DE ANDRADA – Grifei.)<br />

Habeas corpus. Ação penal. Crimes contra os costumes. Representação. Nesses<br />

crimes, a representação é válida, desde que dela exsurge a intenção de movimentar o<br />

inquérito policial ou o processo judicial. Não se exige a observância de formalidades<br />

sacramentais, importando, apenas, que se caracterize a manifestação de vontade do<br />

ofendido ou de seu representante para o procedimento criminal contra o autor do<br />

delito. Quando se trate de vítima menor, admite-se que sua representação seja feita por<br />

pessoas outras, ainda que não sejam os seus representantes legais, desde que não haja<br />

vontade em contrário destes. É válida, assim, a representação feita por irmão do<br />

ofendido, por qualquer de seus familiares ou pessoa que o tenha sob sua guarda ou<br />

responsabilidade. Alegação de decadência recusada. Habeas corpus denegado. Recurso<br />

desprovido.<br />

(RHC 66.523/RO, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – Grifei.)


694<br />

R.T.J. — 202<br />

Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, indefiro o pedido<br />

de “habeas corpus”, eis que inexistente qualquer situação de injusto constrangimento.<br />

É o meu voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 84.765/SP — Relator: Ministro Celso de Mello. Paciente e Impetrante:<br />

Laerte José Moreira de Oliveira. Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas<br />

corpus, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, a Ministra<br />

Ellen Gracie e o Ministro Joaquim Barbosa.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Carlos Velloso e Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen<br />

Gracie e o Ministro Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral da República, Dra.<br />

Sandra Verônica Cureau.<br />

Brasília, 30 de novembro de 2004 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


R.T.J. — 202 695<br />

HABEAS CORPUS 85.946 — MG<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Paciente: Alexsandro de Souza Ribeiro — Impetrante: Defensoria Pública<br />

da União — Coator: Relator do Agravo de Instrumento 624.338 do Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Ação penal. Defensor público. Defensoria pública do Estado.<br />

Assistência judiciária. Sentença condenatória confirmada em<br />

grau de apelação. Recurso especial não admitido. Intimação pessoal<br />

do procurador. Não-realização. Intimação recebida por pessoa<br />

contratada para prestar serviços à Defensoria. Agravo de instrumento<br />

não conhecido. Prazo recursal que, todavia, não se iniciou.<br />

Nulidade processual reconhecida. Habeas corpus concedido.<br />

Ofensa ao art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/50; art. 128, I, da Lei Complementar<br />

80/94; e art. 370, § 4º, do Código de Processo Penal. Precedentes.<br />

É nulo o processo penal desde a intimação do réu que não se<br />

fez na pessoa do defensor público que o assiste na causa.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes,<br />

na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade<br />

de votos, deferir a ordem. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o<br />

Ministro Celso de Mello.<br />

Brasília, 7 de novembro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de habeas corpus, impetrado pela<br />

Defensoria Pública de Minas Gerais, em favor de Alexsandro de Souza Ribeiro,<br />

contra ato do Ministro Presidente do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, nos autos do<br />

Processo 0024.01.091.130-0.<br />

Narra a Impetrante que o Paciente foi condenado pela prática do delito<br />

tipificado no art. 157, § 3º, do Código Penal, à pena de 20 (vinte) anos de reclusão<br />

e de 10 (dez) dias-multa, em regime integralmente fechado (Lei 8.072/90).<br />

Negado provimento à apelação, foram interpostos embargos infringentes,<br />

também sem bom sucesso. Daí a interposição de recurso especial pela Defensora<br />

Dra. Ana Carolina Vieira Gonçalves da Silva. Não admitido, foi interposto<br />

agravo de instrumento, então por parte da Dra. Francis de Oliveira Rabelo<br />

Coutinho.


696<br />

R.T.J. — 202<br />

O agravo não foi conhecido (AI 624.338, fls. 96-98), e a decisão foi<br />

publicada em 10 de dezembro de 2004. A Defensoria Pública, ao que tudo então<br />

indicava, foi intimada da decisão por carta registrada, e, sem recurso, o acórdão<br />

transitou em julgado, tendo os autos baixado ao extinto <strong>Tribunal</strong> de Alçada do<br />

Estado de Minas Gerais (fl. 99).<br />

Nesta sede, a Impetrante argúi nulidade da intimação e de todos os atos<br />

posteriores, porque recebida aquela, em 13 de dezembro de 2004, por Sara Raquel<br />

Lopes (fl. 68), a qual não é defensora pública, nem pessoa ligada à defesa do<br />

Paciente. Argumenta a Impetrante que a intimação deveria ter sido feita na pessoa<br />

da Dra. Francis de Oliveira Rabelo Coutinho, e os autos baixados à instância<br />

inferior. Invoca precedentes do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça e desta Casa.<br />

Concedi liminar, para determinar o recolhimento do mandado de prisão do<br />

Paciente, nos autos da Ação Penal 1.091.730-0 da 9 ª Vara Criminal de Belo<br />

Horizonte, assim como dos ofícios expedidos ao Instituto de Identificação e ao<br />

<strong>Tribunal</strong> Regional <strong>Federal</strong> e, ainda, da Guia de Execução da Pena, tudo até o<br />

julgamento final deste pedido de writ.<br />

Requisitei informações ao Chefe-Geral da Defensoria Pública do Estado de<br />

Minas Gerais, sobre as atividades profissionais da signatária do Aviso de Recebimento<br />

de fl. 68. Esse informou que Sara Raquel Lopes exerce função de trabalhadora<br />

mirim na Defensoria (fl. 134).<br />

A Procuradoria-Geral da República opinou pela concessão parcial da ordem<br />

(fls. 129-132), verbis:<br />

9. A teor do disposto no art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/50, com a redação dada pela lei<br />

7.871/89, o defensor público deve ser intimado pessoalmente para todos os atos processuais,<br />

sob pena de nulidade.<br />

10. No caso dos autos, foi determinada a intimação pessoal da Defensora Francis<br />

de Oliveira Rabelo Coutinho, ou, na sua ausência, do Chefe Geral da Defensoria Pública,<br />

todavia, o Aviso de Recebimento foi assinado pela Sra. Lara Raquel Lopes, não havendo<br />

informação sobre a sua relação com o referido órgão de defesa (fls. 67/68).<br />

11. Dessa forma, entendo que referida intimação violou o disposto no § 5º, do art.<br />

5º, da Lei nº 1.060/50, ocorrendo a nulidade prevista no art. 564, III, “o”, do CPP,<br />

devendo a ordem ser concedida para o fim de anular a intimação e a certidão do trânsito<br />

em julgado e determinar que nova intimação seja feita na pessoa da Defensora Pública<br />

Francis de Oliveira Rabelo Coutinho (ou o Chefe Feral da Defensoria Pública), abrindose<br />

novamente prazo para recurso. Igualmente, devem ser recolhidos os ofícios expedidos<br />

ao Instituto de Identificação e a Guia de execução da pena.<br />

12. Quanto ao pedido para a expedição de alvará de soltura, entendo que o<br />

mesmo não deve ser concedido, uma vez que o paciente já havia sido preso preventivamente,<br />

conforme consta na Sentença à folha 20, tendo sido negado o direito de recorrer<br />

em liberdade (fl. 22). O extinto <strong>Tribunal</strong> de Alçada de Minas Gerais manteve a Sentença<br />

in totum (fls. 23/40). Assim, o seu recolhimento à prisão não decorreu do trânsito em<br />

julgado da ação que se visa anular (ocorrido em 4/3/05), mas em momento anterior a<br />

esse fato e por motivo diverso.<br />

13. Pelo exposto, opino pela concessão parcial da ordem para o fim de anular a<br />

intimação e a certidão do trânsito em julgado e determinar que nova intimação seja feita<br />

na pessoa da Defensora Pública Francis de Oliveira Rabelo Coutinho (ou o Chefe Geral<br />

da Defensoria Pública), abrindo-se novamente prazo para recurso.<br />

(Fls. 131-132.)<br />

É o relatório.


R.T.J. — 202 697<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Assiste razão à Impetrante.<br />

Observo no Aviso de Recebimento cujos destinatários da intimação eram a<br />

“Dra. Francis de Oliveira Rabelo Coutinho (ou, na sua ausência, o Chefe Geral<br />

da Defensoria)” (fl. 68, grifos originais).<br />

Recebeu-a, porém, Sara Raquel Lopes, trabalhadora mirim contratada pela<br />

Assprom, que presta serviços à Defensoria. Teria sido essa a razão do trânsito em<br />

julgado da sentença condenatória, sem recurso, com a conseqüente expedição do<br />

mandado de prisão.<br />

Ora, o art. 128, inciso I, da Lei Complementar 80/94 estatui que “são prerrogativas<br />

dos membros da Defensoria Pública do Estado, dentre outras que a lei<br />

local estabelecer: I - receber intimação pessoal em qualquer processo ou grau de<br />

jurisdição, contando-se-lhe em dobro todos os prazos”. Igual regra já estava no<br />

art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/50 e, ainda, no art. 370, § 4º, do Código de Processo<br />

Penal.<br />

A Corte tem sempre, por razões intuitivas, relacionadas à necessidade da<br />

perfeição do ato de intimação e resguardo dos direitos da defesa, dado por nulidade<br />

do processo, quando o defensor público não tenha sido intimado pessoalmente<br />

dos atos processuais:<br />

Defensoria Pública: intimação pessoal: garantia que se estende à intimação em<br />

qualquer instância, incluídas, as de decisões do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

(HC 81.668, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 26-4-02.)<br />

Habeas corpus. Processo penal. Exigência de intimação pessoal de defensor<br />

público. Acórdão anulado para que outro seja prolatado. Ordem parcialmente concedida.<br />

1. Por força do art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/50, a ausência de intimação pessoal do<br />

defensor público acarreta nulidade do acórdão prolatado. 2. Ordem parcialmente concedida,<br />

para que, após a regular intimação do defensor público, proceda-se a novo<br />

julgamento.<br />

(HC 83.847, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 20-8-04.)<br />

Habeas corpus. Ação penal. Réu defendido por Procurador do Estado no exercício<br />

da Assistência Judiciária. Ausência de intimação pessoal do defensor público da<br />

sessão de julgamento do recurso em sentido estrito, bem como da respectiva decisão do<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça. Ofensa ao disposto no art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/50. Precedentes.<br />

Habeas corpus deferido.<br />

(HC 82.315, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 14-11-02.)<br />

Habeas corpus. Penal. Processual penal. Inclusão de recurso em pauta de julgamento.<br />

Publicação de acórdão. Defensor público. Procurador do Estado. Intimação<br />

pessoal. O Procurador do Estado, no exercício do múnus de defensor público, deve ser<br />

intimado pessoalmente de todos os atos do processo (Lei 1.060/50, art. 5º, § 5º). Não é<br />

suficiente a intimação feita por publicação na imprensa oficial. No caso, não houve a<br />

intimação pessoal do Procurador do Estado da inclusão em pauta de julgamento do<br />

recurso especial por ele interposto. A falta de intimação pessoal de algum ato do processo<br />

acarreta nulidade. É nulo o próprio julgamento do recurso especial e os atos dele<br />

decorrentes. Inclusive o trânsito em julgado. Habeas deferido.<br />

(HC 81.342, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 31-5-02.)<br />

E a signatária da correspondência, como se viu, não é defensora pública,<br />

nem de qualquer outro modo ligada à defesa do Paciente.


698<br />

R.T.J. — 202<br />

2. Isso posto, defiro a ordem, para declarar nulos a intimação da decisão<br />

que não conheceu do agravo de instrumento e todos os atos processuais posteriores,<br />

reabrindo-se o prazo recursal, após regular intimação.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 85.946/MG — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Alexsandro<br />

de Souza Ribeiro. Impetrante: Defensoria Pública da União. Coator: Relator do<br />

Agravo de Instrumento 624.338 do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: Deferida a ordem, decisão unânime. Ausente, justificadamente,<br />

neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu este julgamento o Ministro<br />

Gilmar Mendes.<br />

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros<br />

Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro<br />

Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Mário José Gisi.<br />

Brasília, 7 de novembro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


R.T.J. — 202 699<br />

HABEAS CORPUS 86.175 — SP<br />

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau<br />

Paciente e Impetrante: João Carlos da Rocha Mattos — Coator: Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Habeas corpus. Processual Penal. Prisão preventiva. Garantia<br />

da ordem pública e conveniência da instrução criminal. Necessidade.<br />

1. Prisão preventiva para garantia da ordem pública. O <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> vem decidindo no sentido de que esse<br />

fundamento é inidôneo quando vinculado à invocação da credibilidade<br />

da justiça e da gravidade do crime. Remanesce, sob tal fundamento,<br />

a necessidade da medida excepcional da constrição cautelar<br />

da liberdade em face da demonstração da possibilidade de reiteração<br />

criminosa.<br />

2. Prisão cautelar por conveniência da instrução criminal. A<br />

retirada de documentos do Juízo pelo Paciente e a destruição deles<br />

na residência de sua ex-esposa, sem a oitiva do Ministério Público,<br />

autorizam a conclusão de que sua liberdade traduz ameaça ao<br />

andamento regular da ação penal. Merece relevo ainda a assertiva<br />

do Procurador-Geral da República de que, “dentre outros fundamentos,<br />

foi considerado o fato relevantíssimo de o Paciente ser um<br />

dos mentores da organização criminosa, dispor de vários colaboradores,<br />

com fácil trânsito nos mais diversos meios, o que poderia<br />

facilitar a corrupção de agentes, funcionários, testemunhas, tudo<br />

com o objetivo de prejudicar o regular andamento do processo<br />

criminal”.<br />

Ordem denegada.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Celso de<br />

Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto<br />

do Relator.<br />

Brasília, 19 de setembro de 2006 — Eros Grau, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Adoto como o relatório o teor da decisão pela<br />

qual indeferi a liminar:<br />

Este habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado contra ato do Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça, foi distribuído ao Ministro Joaquim Barbosa, por prevenção.


700<br />

R.T.J. — 202<br />

2. O Relator negou o pedido de liminar, sobrevindo agravo regimental em que se<br />

sustenta a ausência de prevenção, por tratar-se de habeas corpus relativo à ação penal<br />

diversa da que originou o writ tido como parâmetro para a prevenção.<br />

3. O pedido de livre distribuição do feito foi acatado pelo Presidente da Corte.<br />

Resta o reexame do pedido de liminar que visa à liberdade provisória ao Paciente, por<br />

insubsistência dos fundamentos de sua prisão preventiva.<br />

4. A prisão cautelar, decretada pelo Órgão Especial do <strong>Tribunal</strong> Regional da 3ª<br />

Região, encontra-se assim fundamentada:<br />

“Dispõem os artigos 311 e 312, ambos do Código de Processo Penal, que<br />

a prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase do inquérito policial,<br />

‘como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da<br />

instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver<br />

prova da existência do crime e indício suficiente de autoria’.<br />

Pois bem, a determinação para destruição incontinenti de provas, sem a<br />

observância dos preceitos legais e o posterior desvio das mesmas, com contundentes<br />

indícios de que o intento era mesmo tirar proveito e beneficiar terceiros,<br />

demonstram cabalmente que há ‘prova da existência do crime e indício suficiente<br />

de autoria’, pressuposto precípuo para a decretação da prisão preventiva.<br />

Ainda sobre a prisão preventiva do denunciado, transcrevo trechos extraídos<br />

do v. acórdão, proferido nos autos do Processo 2003.03.0.065343-2, de<br />

Relatoria da E. Desembargadora <strong>Federal</strong> Therezinha Cazerta, pelo qual, o E.<br />

Órgão Especial desta Corte, por unanimidade, deliberou pela convolação das<br />

prisões temporárias em preventivas e decretou a prisão preventiva do ora denunciado<br />

naquele feito, os quais encaixam-se, como luvas, ao caso vertente, verbis:<br />

‘(...)<br />

Garantir a ordem pública e impedir que o autor da infração continue<br />

praticando atos criminosos, o que causaria perturbação no meio social. Dar<br />

crédito à Justiça. Não se pode deixar de levar em conta, a operação<br />

Anaconda ganha proporção a cada dia. Novos fatos, novas pessoas, novas<br />

acusações.<br />

Prevenir não apenas a reiteração de crimes, mas também acautelar o<br />

meio social e a credibilidade dos poderes públicos em geral, e, em especial,<br />

a da Justiça, em face da gravidade dos delitos e da sua repercussão.<br />

Crimes como os que aqui se investigam abalam sobremaneira a<br />

estrutura do Estado, revelando menoscabo ao Direito, justamente por<br />

aqueles que têm o dever legal de por ele zelar, gerando intranqüilidade e<br />

comoção pública, em virtude da extrema periculosidade e audácia dos<br />

agentes.<br />

As denúncias foram oferecidas, existem elementos suficientes que<br />

colidem com o princípio constitucional da presunção de inocência. Não se<br />

trata de mera suspeita, sabe-se do modus operandi da quadrilha, existem<br />

relatórios minudentes da atuação de seus membros, ‘diagramas de relacionamento’,<br />

os contatos são constantes entre os acusados.<br />

Concluo com Carrara: ‘a prisão preventiva corresponde a três necessidades:<br />

de justiça, para impedir a fuga do acusado; de verdade, para<br />

impedir que atrapalhe as investigações da autoridade, que destrua a prova<br />

do delito e intimide as testemunhas; de defesa pública, para impedir a<br />

certos facínoras que durante o processo continuem os ataques ao direito<br />

alheio’.<br />

(...)’<br />

No arremate, assevero que as atitudes do denunciado, consistentes na determinação<br />

da imediata destruição de provas relativas a processo em curso, sem a<br />

presença do Ministério Público, conforme determina o caput do art. 9º da Lei<br />

9.296/96 e, ainda, no recebimento posterior de cópia das mesmas fitas, guardando-as<br />

no cofre da Vara sem comunicar o fato ao Ministério Público <strong>Federal</strong> e à E.<br />

Desembargadora <strong>Federal</strong> Therezinha Cazerta, que concedeu medida liminar para<br />

que o material original não fosse destruído, culminando, por fim, na retirada do<br />

material do cofre, local seguro, para que fosse guardado na casa de sua exmulher,<br />

merecem maiores esclarecimentos e, por isso, justifica o recebimento da<br />

denúncia e a persecução penal para a completa apuração dos fatos.


R.T.J. — 202 701<br />

Estão presentes fortes indícios da existência, em tese, dos delitos, impondo-se<br />

o recebimento da denúncia para completa elucidação dos fatos, segundo a<br />

máxima vigorante nesta fase – in dubio pro societate.<br />

(...)<br />

Pelos argumentos já despendidos, considero imperativa a decretação da<br />

prisão preventiva do juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, observando-se as<br />

prerrogativas do magistrado.”<br />

5. A Impetrante sustenta a ilegalidade da prisão preventiva, argumentando com a<br />

ausência de comprovação da materialidade dos crimes imputados ao Paciente. Alega,<br />

ademais, insubsistência dos fundamentos invocados no acórdão do TRF da 4ª Região,<br />

uma vez que não encontram respaldo em situações concretas a justificarem a medida<br />

excepcional de constrição cautelar da liberdade do Paciente.<br />

6. Sem prejuízo de melhor análise das razões ora expostas, não vejo demonstrados,<br />

de plano, os requisitos da cautelar. Cumpre observar que o exame percuciente dos<br />

argumentos deduzidos na inicial, além de indevido nessa fase de cognição restrita,<br />

poderia implicar prejulgamento do mérito do habeas corpus, cuja competência é reservada<br />

à Turma, com o risco de antecipação de juízo eventualmente desfavorável ao<br />

Impetrante.<br />

7. De outra parte, a liminar, tal como requerida, é satisfativa.<br />

Indefiro o pleito cautelar.<br />

Os autos contém elementos suficientes para o deslinde da questão, dispenso a<br />

requisição de informações.<br />

Dê-se vista ao Ministério Público <strong>Federal</strong>.<br />

2. Dessa decisão foi interposto agravo regimental, ao qual neguei provimento.<br />

3. Acrescente-se ainda a alegação de nulidade em virtude da conclusão do<br />

habeas corpus ao Ministro José Arnaldo. O Impetrante sustenta que o correto<br />

seria a livre distribuição, já que o processo tido como paradigma para a prevenção<br />

referia-se à chamada “Operação Anaconda”, ao passo que a impetração estava<br />

vinculada a processo diverso.<br />

4. Requer seja declarada a nulidade da distribuição no Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça e o relaxamento da prisão preventiva, por falta de fundamentação.<br />

5. A Procuradoria-Geral da República é pela denegação da ordem.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A alegação de nulidade, no que tange à<br />

prevenção do habeas corpus ao Ministro José Arnaldo da Fonseca, não prospera.<br />

Lê-se no voto condutor no STJ:<br />

Antes de tudo, equivoca-se o impetrante quando supõe a distribuição por prevenção,<br />

já que a certidão de fl. 69 dá conta da distribuição aleatória do processo, fato<br />

constatado pela inexistência de autuações com os números de origem 200403000159168<br />

e 200261810037875. A existência de 57 autuações, neste <strong>Tribunal</strong>, em nome do Paciente,<br />

dentre as quais a referida para efeito de indicação deste relator, em nada mudou o<br />

procedimento anormal da distribuição.<br />

(Fl. 652.)<br />

2. A prisão cautelar foi decretada pelo Órgão Especial do TRF da 3ª Região,<br />

nos seguintes termos:


702<br />

R.T.J. — 202<br />

Dispõem os artigos 311 e 312, ambos do Código de Processo Penal, que a prisão<br />

preventiva pode ser decretada em qualquer fase do inquérito policial, “como garantia da<br />

ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para<br />

assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício<br />

suficiente de autoria”.<br />

Pois bem, a determinação para destruição incontinenti de provas, sem a observância<br />

dos preceitos legais e o posterior desvio das mesmas, com contundentes indícios de<br />

que o intento era mesmo tirar proveito e beneficiar terceiros, demonstram cabalmente<br />

que há “prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”, pressuposto<br />

precípuo para a decretação da prisão preventiva.<br />

Ainda sobre a prisão preventiva do denunciado, transcrevo trechos extraídos do<br />

v. acórdão, proferido nos autos do Processo 2003.03.0.065343-2, de Relatoria da E.<br />

Desembargadora <strong>Federal</strong> Therezinha Cazerta, pelo qual, o E. Órgão Especial desta<br />

Corte, por unanimidade, deliberou pela convolação das prisões temporárias em preventivas<br />

e decretou a prisão preventiva do ora denunciado naquele feito, os quais encaixam-se,<br />

como luvas, ao caso vertente, verbis:<br />

“(...)<br />

Garantir a ordem pública e impedir que o autor da infração continue praticando<br />

atos criminosos, o que causaria perturbação no meio social. Dar crédito à<br />

Justiça. Não se pode deixar de levar em conta, a operação Anaconda ganha<br />

proporção a cada dia. Novos fatos, novas pessoas, novas acusações.<br />

Prevenir não apenas a reiteração de crimes, mas também acautelar o meio<br />

social e a credibilidade dos poderes públicos em geral, e, em especial, a da Justiça,<br />

em face da gravidade dos delitos e da sua repercussão.<br />

Crimes como os que aqui se investigam abalam sobremaneira a estrutura<br />

do Estado, revelando menoscabo ao Direito, justamente por aqueles que têm o<br />

dever legal de por ele zelar, gerando intranqüilidade e comoção pública, em<br />

virtude da extrema periculosidade e audácia dos agentes.<br />

As denúncias foram oferecidas, existem elementos suficientes que colidem<br />

com o princípio constitucional da presunção de inocência. Não se trata de mera<br />

suspeita, sabe-se do modus operandi da quadrilha, existem relatórios minudentes<br />

da atuação de seus membros, ‘diagramas de relacionamento’, os contatos são<br />

constantes entre os acusados.<br />

Concluo com Carrara: ‘a prisão preventiva corresponde a três necessidades:<br />

de justiça, para impedir a fuga do acusado; de verdade, para impedir que<br />

atrapalhe as investigações da autoridade, que destrua a prova do delito e intimide<br />

as testemunhas; de defesa pública, para impedir a certos facínoras que durante o<br />

processo continuem os ataques ao direito alheio’”.<br />

No arremate, assevero que as atitudes do denunciado, consistentes na determinação<br />

da imediata destruição de provas relativas a processo em curso, sem a presença do<br />

Ministério Público, conforme determina o caput do artigo 9º da Lei 9296/96 e, ainda, no<br />

recebimento posterior de cópia das mesmas fitas, guardando-as no cofre da Vara sem<br />

comunicar o fato ao Ministério Público <strong>Federal</strong> e à E. Desembargadora <strong>Federal</strong><br />

Therezinha Cazerta, que concedeu medida liminar para que o material original não fosse<br />

destruído, culminando, por fim, na retirada do material do cofre, local seguro, para que<br />

fosse guardado na casa de sua ex-mulher, merecem maiores esclarecimentos e, por isso,<br />

justifica o recebimento da denúncia e a persecução penal para a completa apuração dos<br />

fatos.<br />

Estão presentes fortes indícios da existência, em tese, dos delitos, impondo-se o<br />

recebimento da denúncia para completa elucidação dos fatos, segundo a máxima vigorante<br />

nesta fase – in dubio pro societate.<br />

(...)<br />

Pelos argumentos já despendidos, considero imperativa a decretação da prisão<br />

preventiva do juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, observando-se as prerrogativas<br />

do magistrado.


R.T.J. — 202 703<br />

3. O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> vem decidindo no sentido de que a invocação<br />

da credibilidade da justiça e da gravidade do crime não justifica a prisão<br />

cautelar para garantia da ordem pública.<br />

Remanesce, no entanto, a necessidade da medida excepcional da constrição<br />

ante tempus da liberdade do Paciente para resguardar a sociedade da reiteração<br />

delituosa. O decreto de prisão foi explícito nesse sentido ao consignar: “Não<br />

se trata de mera suspeita, sabe-se do modus operandi da quadrilha, existem relatórios<br />

minudentes da atuação de seus membros, ‘diagramas de relacionamento’,<br />

os contatos são constantes entre os acusados”.<br />

4. A prisão cautelar também se justifica por conveniência da instrução penal.<br />

É incontroverso que o Paciente levou para a casa de sua ex-esposa documentos<br />

relativos a processo judicial, destruindo-os, em seguida, sem a oitiva do Ministério<br />

Público, o que por si só já autoriza a conclusão de que sua liberdade<br />

traduz ameaça ao andamento regular da ação penal a que responde.<br />

5. Merece relevo ainda a seguinte assertiva do Procurador-Geral da República:<br />

“Com efeito, dentre outros fundamentos, foi considerado o fato relevantíssimo<br />

de o Paciente ser um dos mentores da organização criminosa, dispor de<br />

vários colaboradores, com fácil trânsito nos mais diversos meios, o que poderia<br />

facilitar a corrupção de agentes, funcionários, testemunhas, tudo com o objetivo<br />

de prejudicar o regular andamento do processo criminal” (fl. 693).<br />

Denego a ordem.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, como já teria sido encerrada<br />

a instrução e proferida a sentença condenatória, penso que o fundamento de<br />

risco à instrução criminal está superado. Mas um dos casos em que, na interpretação<br />

do art. 312 do Código de Processo Penal, tenho excepcionalmente considerado<br />

como relevante o fundamento do decreto de prisão preventiva é o de formação<br />

de quadrilha. Esse me parece um dos poucos que justificam apelo para essa<br />

expressão vaga e indeterminada de necessidade de garantia da ordem pública. No<br />

caso, há afirmação textual de que o Paciente seria, aliás, o mentor de uma quadrilha<br />

com ramificações e com potencialidade lesiva extraordinária, acima da média.<br />

De modo que, por esse fundamento, acompanho o eminente Ministro Relator.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 86.175/SP — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente e Impetrante: João<br />

Carlos da Rocha Mattos (Advogada: Daniela Regina Pellin). Coator: Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas<br />

corpus, nos termos do voto do Relator. Falaram, pelo Paciente, a Dra. Daniela<br />

Regina Pellin e, pelo Ministério Público <strong>Federal</strong>, o Dr. Francisco Adalberto<br />

Nóbrega. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes.


704<br />

R.T.J. — 202<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-<br />

Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.<br />

Brasília, 19 de setembro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


R.T.J. — 202 705<br />

HABEAS CORPUS 86.916 — PR<br />

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence<br />

Paciente: Dany Lederman — Impetrantes: Adriano Salles Vanni e outros —<br />

Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

I - Habeas corpus: conhecimento.<br />

O ponto, suscitado na impetração ao STJ, não obstante o silêncio<br />

do acórdão a respeito, pode ser conhecido pelo <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong>: a omissão, em si mesma, substantiva coação, que ao <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> é dado remediar em recurso ordinário ou impetração<br />

substitutiva, que não se submete ao requisito do prequestionamento.<br />

II - Habeas corpus: descabimento.<br />

Não é o habeas corpus a via adequada para, à vista da revogação<br />

da prisão temporária, ponderar do acerto da decisão que<br />

posteriormente decretou a prisão preventiva, pois seria imprescindível<br />

o profundo cotejo dos elementos relativos à materialidade e<br />

autoria presentes num e noutro momento do processo.<br />

III - Prisão preventiva: fundamentação: magnitude da lesão,<br />

garantia da aplicação da lei penal e garantia da ordem pública.<br />

1. Garantia da aplicação da lei penal: não constitui fundamento<br />

idôneo a alegação de “mobilidade ou trânsito pelos territórios<br />

nacional ou internacional” (v.g., HC 71.289, Primeira Turma,<br />

9-8-04, Ilmar, DJ de 6-9-96), nem de “boa ou má situação econômica<br />

do acusado” (v.g., HC 72.368, Primeira Turma, 25-4-95, Pertence,<br />

DJ de 15-9-95).<br />

2. O vulto da lesão estimada, por si só, não constitui fundamento<br />

cautelar válido (cf. HC 82.909, Marco Aurélio, DJ de 17-10-<br />

03); no entanto, é pertinente conjugar a magnitude da lesão e a<br />

habitualidade criminosa, desde que ligadas a fatos concretos que<br />

demonstrem o “risco sistêmico” à ordem pública ou econômica, ou<br />

à necessidade da prisão para impedir a continuidade delitiva.<br />

3. No caso, o Juízo local indica o contexto dos fatos a partir do<br />

qual entendeu necessária a prisão, dada a persistência das atividades<br />

delituosas e, para tanto, extrai a conclusão de fatos diversos<br />

daqueles descritos na denúncia – malgrado a eles coligados. Inviável<br />

elidir esse fundamento no procedimento sumário e documental<br />

do Habeas corpus.<br />

IV - Habeas corpus: extensão de decisão favorável a co-réus.<br />

Inteligência e demarcação do alcance do art. 580 do Código de<br />

Processo Penal, a partir de sua inspiração isonômica.


706<br />

R.T.J. — 202<br />

1. Viola o princípio constitucional da isonomia a negativa de<br />

extensão de ordem concedida a co-réu, sem que existam fatores<br />

reais de diferenciação entre a situação do último e a dos demais.<br />

2. A circunstância de também em favor deles se haver requerido<br />

habeas corpus com o mesmo objeto, denegado por decisão<br />

anterior do <strong>Tribunal</strong> de origem, não impede que os Pacientes se<br />

beneficiem da decisão concessiva da ordem, sendo indiferente que<br />

a decisão a estender seja posterior à decisão denegatória da ordem<br />

requerida em favor dos Pacientes.<br />

V - Habeas corpus: deferimento, para tornar sem efeito, com<br />

relação aos Pacientes Eliott Maurice Eskinazi (HC 86.758) e Dany<br />

Lederman (HC 86.916), a ordem de prisão preventiva, a partir,<br />

contudo, da data em que depositem os respectivos passaportes no<br />

Juízo do processo a que respondem.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda<br />

Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade de votos, deferir o pedido de habeas corpus para tornar sem efeito<br />

a ordem de prisão preventiva de Dany Lederman, nos termos do voto do Relator.<br />

Brasília, 2 de maio de 2006 — Sepúlveda Pertence, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Trago para julgamento conjunto o HC<br />

86.758 – a favor de Eliott Maurice Eskinazi – e o HC 86.916 – requerido em prol<br />

de Dany Lederman.<br />

No dia 5-8-04, o Juízo da 2ª Vara Criminal <strong>Federal</strong> de Curitiba decretou a<br />

prisão temporária dos Pacientes e de três outros indiciados, então suspeitos dos<br />

crimes de evasão de divisas (art. 22 da Lei 7.492/86), gestão fraudulenta de<br />

instituição financeira (art. 4º da Lei 7.492/86) e sonegação fiscal (art. 1º da Lei<br />

9.613/98) – fls. 83/86.<br />

Para fundamentar a prisão temporária, considerou-se, de um lado, a “habitualidade<br />

delitiva” com “grave lesão ao sistema financeiro nacional e à ordem<br />

pública como um todo” e, de outro, a sua necessidade para coibir a “interferência<br />

dos investigados na colheita da prova”, “a continuidade da prática delitiva” e a<br />

“fuga de pessoas que mantém recursos expressivos e não-declarados no exterior”<br />

(Lei 7.960/89).<br />

Após, o Juízo local prorrogou o prazo da prisão temporária, com a ressalva<br />

de que, embora “também presentes os pressupostos da preventiva, pela habitualidade<br />

delitiva, magnitude da lesão ao sistema financeiro e risco de fuga”, deixaria<br />

a avaliação de sua necessidade “para momento posterior” (fls. 89/90).


R.T.J. — 202 707<br />

Revogada a prisão temporária em 26-8-04 (fls. 92/93), sobreveio o recebimento<br />

da denúncia por infração dos arts. 4º, 16, e 22, parágrafo único, c/c o art. 1º,<br />

parágrafo único, I e II, da Lei 7.492/86 (crimes contra o SFN); art. 1º, VI e VII, c/c o<br />

art. 1º § 1º, § 2º e § 4º, da Lei 9.613/98 (lavagem de dinheiro); e art. 288 do Código<br />

Penal (fls. 95/170 e 191/196).<br />

No dia 4 de abril de 2005, foi decretada a prisão preventiva do Paciente –<br />

ainda não efetivada (fl. 444) – e de outros Co-réus.<br />

Extrato das 10 laudas do decreto (fls. 198/208):<br />

(...)<br />

Em síntese, segundo a denúncia, os acusados seriam responsáveis pela prática, de<br />

forma empresarial, de crimes financeiros, contando com estabelecimentos de câmbio ou<br />

de prestação de serviços financeiros no Brasil e contas em nome de “off shores” no<br />

exterior, através da qual realizaram operações financeiras e cambiais ilegais e mantidas<br />

à margem do controle por parte das autoridades monetárias e fiscais brasileiras. Com o<br />

seu agir, também ocultariam e dissimulariam a origem, a propriedade, a localização ou<br />

movimentação de valores próprios ou de terceiros mantidos em contas no exterior, e<br />

para lá enviados ou de lá trazidos, sempre às ocultas, com o que teriam praticado crime<br />

de lavagem de dinheiro, tendo por antecedentes crimes contra o sistema financeiro<br />

nacional.<br />

Releva destacar que a denúncia e inquérito foram distribuídos por dependência à<br />

ação Penal 2003.7000051547-7, que tem por objeto a movimentação, em condições<br />

similares, no exterior, da conta titularizada pela off-shore Watson Finance S/S e controlada<br />

pelo acusado Hélio Renato Laniado. Tal conta era mantida na agência do<br />

Banestado em Nova York e movimentou cerca de US$ 698.959.980,02 no período de<br />

1996 a 1998.<br />

Para as contas no exterior especificadas neste processo, ter-se-ia uma movimentação<br />

igualmente expressiva. As contas em nome da Braza Corporation, Beste Consulting,<br />

Tao, Wipper, Durant e Activel, segundo os laudos financeiros e cálculos, teriam movimentado<br />

cerca de US$ 534.245.553,78 no período de 1997 a 2003.<br />

Somando os valores que são objetos das duas ações, tem-se cerca de US$<br />

1.233.205.533,80, digno de uma verdadeira instituição financeira. O valor é compatível<br />

com a afirmação de Alberto Youssef prestada perante este Juízo de que Hélio<br />

Renato Laniado faria parte da “elite do mercado” paralelo, acrescente-se.<br />

O grande problema é que as operações desenvolvidas pelo grupo empresarial,<br />

por serem ilegais, são mantidas à margem de registro junto ao Banco Central, da contabilidade<br />

oficial das empresas, e de declaração à Receita <strong>Federal</strong>, constituindo ambiente<br />

propício para a prática dos crimes de sonegação fiscal e de lavagem de dinheiro.<br />

Considerando o montante da movimentação financeira ilegal, encontra-se presente<br />

o fundamento previsto no art. 30 da Lei 7.492/86, ou seja, a magnitude da lesão<br />

causada ao sistema financeiro nacional. O STF, no famoso precedente consubstanciado<br />

no HC 80.717/SP e que não foi revisto por sua nova composição, reputou válida a<br />

manutenção de prisão preventiva por este específico fundamento.<br />

A ação dos acusados deve também envolver a prática de crimes de sonegação<br />

fiscal por eles e por seus clientes em valor igualmente expressivo. (...)<br />

Mais importante, porém, é o risco à ordem pública, especificamente, à sociedade,<br />

pelo risco da continuidade delitiva. Pelo que se depreende dos fatos, os acusados<br />

estruturaram empresarialmente suas atividades ilegais, servindo-se no Brasil de empresas<br />

de câmbio ou de prestação de serviços financeiros, e no exterior de contas<br />

titularizadas por off shores.<br />

A movimentação, por centenas de operações, no longo período de 1996 a 2003,<br />

pelo menos, revela habitualidade delitiva, autorizando juízo de risco em relação à<br />

continuidade da prática delitiva, bem como conclusão provisória de que os acusados,<br />

operadores no mercado financeiro paralelo, fazem desta atividade ilícita o seu meio de<br />

vida.


708<br />

R.T.J. — 202<br />

Habitualidade delitiva com grave lesão à comunidade é fundamento suficiente<br />

para a decretação da prisão preventiva, visto que é possível concluir ainda provisoriamente<br />

que a manutenção dos acusados em liberdade traz riscos à sociedade. (...)<br />

Registre-se, por oportuno, que os saldos das contas Braza e Best no Merchants de<br />

Nova York (sic) foram bloqueados pelas autoridades norte-americanas na ação criminal<br />

04-CR-617, United States v. Maria Carolina Nolasco (a gerente do Merchants responsável<br />

pelas contas), em trâmite na Corte <strong>Federal</strong> de Nova Jersey. Os autos revelam<br />

tentativas ainda neste ano de 2005 dos acusados em obter o desbloqueio de suas contas<br />

no Merchants Bank, sem que até o momento haja qualquer declaração pelos acusados a<br />

respeito da manutenção destes ativos no exterior ou de suas atividades junto ao Bacen.<br />

Por outro lado, embora as contas no Merchants estejam paralisadas, bem como as<br />

das agências do Banestado em Nova York (sic), pelo encerramento desta, é possível que<br />

a conta Activel na Suíça esteja ainda ativa e há prova de que os acusados são titulares de<br />

outras contas no exterior, em relação às quais não há motivo para crer em seu encerramento.<br />

Assim, por exemplo, há notícia de outra conta da Activel no JP Morgan Chase de<br />

Nova York (sic) e quando da abertura da conta titularizada em nome da off-shore<br />

Wipper no Merchants, foram apresentadas referências bancárias de que a mesma empresa<br />

seria titular de contas no Espírito Santo Bank na Flórida, e no First Newland Bank de<br />

Nassau, Bahamas. Na busca e apreensão realizada durante a assim denominada Operação<br />

Farol da Colina foram igualmente encontrados registros de off-shores e de contas no<br />

exterior controladas pelos acusados, bem como de transações financeiras bastante recentes<br />

no exterior (fls. 745-752 do inquérito – v.g.: Mahale Comercial S/A). Portanto, é<br />

possível conclusão provisória de que o grupo controla outras contas e off-shores no<br />

exterior que não aquelas que são objeto das denúncias e que ainda são mantidas à<br />

margem do conhecimento e controle por parte das autoridades públicas brasileiras,<br />

revelando a persistência da atividade delitiva.<br />

Da mesma forma, diante do fato de que o grupo mantém habitualmente ativos<br />

expressivos no exterior, é certo o risco de fuga, impondo-se a medida para garantir a<br />

aplicação da lei penal. Já são conhecidos por este Juízo casos criminais envolvendo<br />

doleiros que, logo ao se iniciar a persecução contra eles, evadiram-se do país, sem boas<br />

perspectivas de se lograr a extradição (...). Não se exclui, por certo, a possibilidade de<br />

colaboração formal com o processo, com o comparecimento voluntário dos acusados<br />

nas audiências, mas é de se duvidar que, no caso de eventual condenação, submetam-se<br />

a ela quando dispõe de expressivos ativos não-declarados no exterior, o que lhe fornece<br />

meios de sobrevivências e continuidade de suas atividades no exterior.<br />

(...)<br />

Assim, encontram-se presentes provas suficientes para três fundamentos da prisão<br />

preventiva, presentes risco à ordem pública (mais propriamente risco à sociedade pela<br />

habitualidade delitiva), risco à aplicação da lei penal, bem como a magnitude da lesão<br />

causada à sociedade. Trata-se aqui evidentemente de juízo de risco, que deve ser amparado<br />

em motivos concretos, mas, como todo juízo de risco, não é possível aqui exigir<br />

uma prova plena, como a exigida para a condenação criminal (...)<br />

Quanto à presença dos pressupostos da prisão preventiva, prova da materialidade<br />

dos delitos e indícios de autoria, toma-se a liberdade de remeter às considerações expostas<br />

quando do recebimento da denúncia (...).<br />

(...)<br />

Entende este Juízo, com a ressalva de que a conclusão definitiva só é viável após<br />

a instrução e ao final do processo, de que há um quadro probatório suficientemente<br />

robusto para autorizar a prisão pré-julgamento de Hélio Renato Laniado, Elliot Maurice<br />

Eskinazi, Renato Bento Maudonnet Júnior e Dany Lederman, como titulares e responsáveis<br />

pela movimentação das contas no exterior e através delas e de suas empresas no<br />

Brasil, pela prática de operações financeiras e cambiais ilegais e envolvimento em<br />

lavagem de dinheiro.<br />

(...)


R.T.J. — 202 709<br />

Registre-se, por fim, quanto à fundamentação, que os acusados tiveram sua prisão<br />

provisória decretada durante a assim denominada Operação Farol da Colina (agosto e<br />

setembro de 2004). Na oportunidade, os acusados, salvo Hélio Renato Laniado, que<br />

permaneceu foragido, chegaram a ser presos por 10 dias, sendo em seguida soltos.<br />

Embora o risco à sociedade e à aplicação da lei penal então já existisse, a prisão preventiva,<br />

naquela oportunidade, não foi decretada apenas em virtude da precariedade da<br />

prova então acolhida, não havendo até então todos os extratos de movimentação das<br />

contas e perícia sobre a movimentação, o que impedia uma avaliação mais acurada a<br />

respeito dos fatos. Portanto, a decretação da prisão preventiva neste momento não é<br />

incoerente com o ocorrido no passado, visto que é outra a situação do processo.<br />

Assim sendo, (...) considerando que os fatos relatados autorizam juízo conclusivo<br />

de que a manutenção deles em liberdade acarreta risco à ordem pública (mais propriamente<br />

à sociedade), à aplicação da lei penal, bem como considerando a magnitude das<br />

lesões causadas pelo grupo, decreto, com base nos artigos 311 e 312 do CPP, a prisão preventiva<br />

de Hélio Renato Laniado, Elliot Maurice Eskinazi, Renato Bento Maudonnet<br />

Júnior e Dany Lederman. Indefiro, porém, a prisão de Márcio Abdo Sarquis Attié, por<br />

falta de prova de autoria suficiente a autorizar uma prisão pré-julgamento.<br />

Contra essa decisão o Paciente e outro Co-réu – Hélio Renato Laniado –<br />

impetraram habeas corpus no TRF/4ª Região, que, por maioria, cassou a liminar<br />

deferida pelo Relator e denegou a ordem (fls. 210/244 e 345/365).<br />

Em superveniente julgamento de outro habeas corpus, contudo, o TRF/4ª<br />

Região manteve a liminar então concedida e, no mérito, deferiu a ordem em favor<br />

do Co-réu Renato Bento Maudonnet Júnior (fls. 292/317 e 366/384).<br />

Negou-se, em seguida, mediante decisão singular confirmada pelo Colegiado,<br />

o pedido de extensão dos efeitos dessa decisão aos Pacientes da impetração<br />

antecedente, sob o fundamento de que, além de incabível, no caso, a aplicação<br />

do art. 580 do Código de Processo Penal, a prisão foi examinada “ante<br />

variados fatores de ordem pessoal dos presos, tendo inclusive o voto-vista claramente<br />

especificado condições do Paciente Renato Bento Maudonnet Júnior<br />

que justificariam diferenciada decisão” (fls. 386/390; 392/399; voto-vista mencionado<br />

às fls. 313/315).<br />

Daí novo requerimento de revogação da prisão cautelar formulado pelo<br />

Paciente e por Dany Lederman, que foi indeferido pelo Juízo local – no dia 29-7-<br />

05, após, portanto, a impetração ao STJ – com estes fundamentos (fls. 321/322):<br />

(...) saliento que o entendimento deste juízo já consta na decisão inicial e que não<br />

houve modificação da situação fática, antes agravando-se com a fuga dos acusados. A<br />

questão do infante deficiente não é suficiente para justificar a revogação da preventiva<br />

até mesmo porque não se concebe que ele esteja desamparado. De todo modo, se houver<br />

modificação do quadro fático, este Juízo poderá rever o decidido. Seria importante para<br />

que este juízo pudesse avaliar a real intenção pelos acusados de cessação de atividade<br />

delitiva que fossem prestadas informações a seu respeito com a indicação das contas<br />

utilizadas no exterior, bem como no Brasil, e ainda revelada a clientela e a contabilidade<br />

dessa atividade financeira. Por evidente, não se pretende que os acusados abram mão de<br />

seu direito ao silêncio, mas a sua afirmação de cessação da atividade delitiva demanda,<br />

para avaliação da sua sinceridade, atos concretos. Além disso, se os acusados pretenderem<br />

caminhar nessa linha seria necessário oferecer garantias ao Juízo para comparecimento<br />

aos atos do processo e a futura e eventual aplicação da lei penal.


710<br />

R.T.J. — 202<br />

O STJ confirmou a decisão do TRF/4ª Região, por acórdão da lavra do il.<br />

Ministro José Arnaldo da Fonseca, com esta ementa (fls. 324/338):<br />

Habeas corpus. Prisão preventiva. Crime contra o sistema financeiro. Lavagem<br />

de dinheiro. Quadrilha. Operação “farol da colina”. Magnitude da lesão. Autoria e<br />

indícios demonstrados. Pretensão de revogação. Requisitos da custódia atendidos.<br />

Proteção da ordem pública e econômica e da instrução.<br />

A prisão se mostra justificada quando o julgador demonstra os indícios e a autoria,<br />

bem assim, a necessidade de proteção da ordem pública e econômica, tendo em vista<br />

a magnitude da lesão ao sistema financeiro.<br />

O temor relativo à fuga deve receber, em certos casos, que envolvem pessoas de<br />

considerável poder econômico, influência não só da ação direta do acusado, mas da<br />

experiência de outros casos e, principalmente, das dificuldades presentes em se fazer<br />

cumprir uma ordem de prisão em situações de grande vulto.<br />

Ordem denegada.<br />

Donde o presente HC 86.758 (Eskinasi), no qual se alega: (a) ausência de<br />

fundamentação cautelar idônea no decreto de prisão preventiva; (b) invocação<br />

dos mesmos motivos do decreto da prisão temporária e, portanto, sem indicação<br />

de qualquer fato novo que justificasse a prisão (Código de Processo Penal, art.<br />

316), configurando “inaceitável prisão decorrente do recebimento da denúncia”;<br />

(c) manifesta coação para que o paciente realize delação premiada, obrigando-o<br />

a confessar crimes que refuta e a delatar supostos clientes, conforme se infere da<br />

decisão de fl. 321; (d) violação do princípio da isonomia, dado que a ordem<br />

deferida pelo TRF/4ª Região a um dos Co-réus não foi estendida ao Paciente,<br />

embora se encontrasse ele na mesma situação.<br />

Quanto à ausência de fundamentação idônea no decreto, aduzem os Impetrantes<br />

que: (a.1) a magnitude da lesão não é fundamento cautelar válido, mas<br />

sim “elemento do tipo penal, sendo neutra para efeito de segregação preventiva”<br />

(HC 82.909, Primeira Turma, 5-8-03, voto do E. Ministro Marco Aurélio); (a.2)<br />

não há falar em garantia da ordem pública pela habitualidade criminosa, pois,<br />

além de não se indicar, no ponto, nenhum fato concreto que amparasse a ilação,<br />

os fatos objeto da denúncia e das investigações se referem exclusivamente aos<br />

anos de 1996 a 2003; (a.3) e, quanto à garantia da ordem pública, além de também<br />

não ter sido invocado nenhum fato concreto, não basta a alegação de “mobilidade<br />

ou trânsito pelos territórios nacional ou internacional” (HC 71.289, Primeira<br />

Turma, 9-8-04, Ilmar, DJ de 6-9-96), nem a “boa ou má situação econômica<br />

do acusado” (HC 72.368, Primeira Turma, 25-4-95, Pertence, DJ de 15-9-95).<br />

Destacam que a prisão temporária foi cumprida quando o Paciente estava<br />

em sua residência; que somente lá não esteve depois do decreto da prisão preventiva<br />

que, desde logo, impugnou hipótese em que a fuga não pode servir de fundamento<br />

para a sua decretação (HC 82.903, Primeira Turma 24-6-03, Pertence, DJ<br />

de 1º-8-03); e que o Paciente possui ocupação lícita, pois é executivo de uma<br />

empresa de destaque na área de esterilização de produtos médico-hospitalares (fl.<br />

419 e seguintes).<br />

O Ministério Público <strong>Federal</strong>, em parecer da lavra do Il. Subprocurador-<br />

Geral Francisco Pinheiro Filho, opinou pela denegação da ordem (fls. 479/487).


R.T.J. — 202 711<br />

II<br />

Contra outro acórdão do STJ, mas impugnando, com fundamentação similar,<br />

o mesmo decreto da prisão preventiva, o Paciente Dany Lederman impetrou<br />

o HC 86.916, a mim distribuído e no qual o Il. Subprocurador-Geral Haroldo da<br />

Nóbrega opinou pelo indeferimento (fls. 528/548).<br />

III<br />

Deferi a liminar para sustar os efeitos do decreto da prisão preventiva (fls.<br />

198/208) e, em conseqüência, conceder liberdade provisória ao primeiro Paciente,<br />

se por al.<br />

Nos mesmos termos, estendi os efeitos da liminar aos Co-réus Dany<br />

Lederman (Paciente no HC 86.916) e Hélio Renato Laniado, que à primeira<br />

vista se encontrariam em situação de todo assimilável.<br />

Comunicada a decisão ao Juízo da 2ª Vara Criminal <strong>Federal</strong> de Curitiba,<br />

este informou que determinara o recolhimento dos mandados de prisão e, quanto<br />

ao Co-réu Hélio Renato Laniado, além de proferir novo decreto de prisão (fls.<br />

521/524; 709/711), informou ao <strong>Tribunal</strong> que já existia outro, não alcançado<br />

pela decisão liminar (fl. 756).<br />

Os Impetrantes alegaram, no ponto, descumprimento da decisão liminar,<br />

sobrevindo decisão do em. Ministro Nelson Jobim, no recesso forense, determinando<br />

o cumprimento da liminar “nos seus estritos termos” (fls. 719/723).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):<br />

I<br />

Não procede a alegação de que a prisão preventiva não poderia ter sido decretada,<br />

porque já afastados todos os seus requisitos ao tempo em que revogada a<br />

prisão temporária, sem que houvesse qualquer alteração jurídica ou de fato na<br />

situação.<br />

Ao revogar a prisão temporária, que possui requisitos próprios – entre eles<br />

a limitação temporal, cujo termo final, no caso, fora a causa de sua revogação –,<br />

explicitou o Juízo local que deixaria para outro momento a análise dos pressupostos<br />

da prisão preventiva, malgrado já entendesse existentes alguns deles (fls.<br />

89/90).<br />

Daí, ademais, a seguinte passagem do decreto impugnado, verbis (fl. 208):<br />

(...)<br />

Registre-se, por fim, quanto à fundamentação, que os acusados tiveram sua prisão<br />

provisória decretada durante a assim denominada Operação Farol da Colina (agosto e<br />

setembro de 2004). Na oportunidade, os acusados, salvo Hélio Renato Laniado, que


712<br />

R.T.J. — 202<br />

permaneceu foragido, chegaram a ser presos por 10 dias, sendo em seguida soltos. Embora<br />

o risco à sociedade e à aplicação da lei penal então já existisse, a prisão preventiva,<br />

naquela oportunidade, não foi decretada apenas em virtude da precariedade da prova<br />

então acolhida, não havendo até então todos os extratos de movimentação das contas e<br />

perícia sobre a movimentação, o que impedia uma avaliação mais acurada a respeito dos<br />

fatos. Portanto, a decretação da prisão preventiva neste momento não é incoerente com o<br />

ocorrido no passado, visto que é outra a situação do processo.<br />

Ainda que se aplicasse ao caso o disposto no art. 316 do Código de Processo<br />

Penal – como pretendem os Impetrantes –, para ponderar do acerto da decisão,<br />

no ponto, seria necessária a inequívoca demonstração de que a base empírica, ao<br />

tempo da prisão temporária, não fora significativamente alterada quando da prisão<br />

preventiva superveniente.<br />

Não é o habeas corpus, contudo, a via adequada para fazer o profundo e<br />

imprescindível cotejo dos elementos relativos à materialidade e autoria presentes<br />

num e noutro momento do processo, nem a instrução do pedido, de qualquer<br />

modo, permitiria essa análise.<br />

II<br />

Quanto aos fundamentos do decreto, já manifestei o entendimento de que o<br />

vulto da lesão estimada, por si só, não constitui fundamento cautelar válido.<br />

Assim o voto que proferi no HC 80.717, Pleno, Ellen Gracie, no qual<br />

acentuei, RTJ 189/624, 645:<br />

(...)<br />

Não se desconhece a responsabilidade que tem, na difusão social de tais exigências<br />

de imediatidade da punição, evidência que Illuminati verberou como “a clamorosa<br />

disfunção da justiça penal, que (...) se vem transformando na incapacidade de assegurar<br />

em medida aceitável a observância da lei” 1 .<br />

Não obstante – se não se pretende renunciar aos valores fundamentais do Estado<br />

de Direito – o caminho não está no abandono da garantia do devido processo legal, mas<br />

na reforma estrutural do Judiciário (...).<br />

A essas mesmas inspirações medievais, instintivas e irracionais, às quais se têm<br />

rendido certas orientações pretorianas para abusar da prisão preventiva sob o pálio da<br />

garantia da ordem pública, parece filiar-se por fim, no plano legislativo, o art. 30 da Lei<br />

7.492/86, se entendido como tendo erigido a “magnitude da lesão causada” pelos crimes<br />

contra o sistema financeiro nacional, que tipifica, em razão bastante para o decreto de<br />

prisão preventiva.<br />

Se se cuida de estabelecer uma presunção absoluta de abalo da ordem pública pela<br />

só magnitude da lesão patrimonial alegadamente resultante do crime, a sua inconstitucionalidade<br />

é chapada.<br />

Com efeito.<br />

Uma tal presunção teria por pressuposto lógico a afirmação da responsabilidade<br />

do acusado pela lesão acarretada, o que obviamente é repelido pela consagração constitucional<br />

da garantia de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em<br />

julgado da sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII).<br />

O <strong>Tribunal</strong>, ao que pude apurar, jamais se ocupou da legitimidade do preceito,<br />

em que explicitamente lastreado um dos decretos de prisão impugnados: por isso, como<br />

antecipado na decisão liminar, trouxe o habeas corpus à mesa do Plenário.<br />

1 ILLUMINATI, Giorgio. Presunzione d’innocenza e uso della carcerazione preventiva come<br />

sanzione atipica. RIDPP, fascículo 3, 1978, p. 921.


R.T.J. — 202 713<br />

Na sua integralidade, contudo, o teor do dispositivo é equívoco:<br />

“Art. 30. Sem prejuízo do disposto no art. 312 do Código de Processo<br />

Penal (...), a prisão preventiva do acusado da prática de crime previsto nesta Lei<br />

poderá ser decretada em razão da magnitude da lesão causada”.<br />

À cláusula “sem prejuízo do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal”,<br />

pode-se emprestar, no contexto, o significado de que a “magnitude da lesão” passa a<br />

constituir uma razão autônoma para a prisão preventiva, além das previstas no preceito<br />

referido do Código – hipótese em que a terá revogado a Constituição, por inconstitucionalidade<br />

superveniente.<br />

Mas o texto legal admite outra leitura: a de que a “magnitude da lesão causada” só<br />

poderá alicerçar a prisão processual quando, em decorrência dela, se concretize um dos<br />

motivos tradicionais da prisão preventiva – a conveniência da instrução criminal, a<br />

segurança da aplicação da lei penal e a garantia da ordem pública, previstos no art. 312<br />

do Código, ao qual a Lei 5.349/67 aditou o da “garantia da ordem econômica”.<br />

Sob esse prisma é que se lhe pode admitir a recepção pela ordem constitucional<br />

posterior.<br />

“Eleger-se a magnitude da lesão causada como motivo ensejador da prisão<br />

cautelar” – notou, nessa linha, José Carlos Tórtima, em cuidadosos comentários à Lei 2 –<br />

“parece-nos solução das mais infelizes. Como se não bastasse, a disposição é inócua, pois<br />

a exegese do ora comentado art. 30 não permite supor que a magnitude da lesão<br />

causada, por si só, justifique a prisão preventiva. Ao contrário, a disposição em causa<br />

afirma que ela é aplicável sem prejuízo do disposto no art. 312 do Código de Processo<br />

Penal, vale dizer, a decretação da custódia preventiva continuaria na dependência dos<br />

pressupostos (materialidade e indícios de autoria) e de uma das quatro circunstâncias ali<br />

elencadas (garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução<br />

criminal ou segurança de aplicação da lei penal).”<br />

“Somente se justificaria a medida extrema” – ponderam, de sua vez, Paulo José da<br />

Costa Jr et alii em Crimes do Colarinho Branco, Saraiva, 2000, p. 175 – “se a liberdade do<br />

acusado pusesse em risco a segurança ou a credibilidade do Sistema Financeiro Nacional,<br />

ou seja, quando efetivamente houvesse necessidade de garantia da ordem pública.”<br />

Sob essa perspectiva e mediante interpretação conforme a Constituição, é que se<br />

pode salvar o dispositivo, posto que aí reduzido a virtual inocuidade.<br />

Fiquei vencido, não propriamente quanto à interpretação do art. 30 da Lei<br />

7.492/86, mas porque, na linha do voto condutor do julgado, da lavra da em.<br />

Ministra Ellen Gracie, entendera o Plenário que a prisão encontrava apoio no<br />

art. 312 do Código de Processo Penal.<br />

Também a Primeira Turma já decidiu que “a magnitude da lesão é elemento<br />

do tipo penal, sendo neutra”, por si só, “para o efeito de segregação preventiva”<br />

(v.g., HC 82.909, 5-8-03, Marco Aurélio, DJ de 17-10-03).<br />

Aqui, ao lado da “magnitude da lesão”, o que se invoca é a necessidade de<br />

assegurar a aplicação da lei penal e a garantia da ordem pública.<br />

A título de garantia de aplicação da lei penal, contudo, parte o decreto de<br />

meras presunções, sendo que, conforme ressaltaram os Impetrantes – e na linha da<br />

jurisprudência do <strong>Tribunal</strong> –, não constitui fundamento idôneo a alegação de<br />

“mobilidade ou trânsito pelos territórios nacional ou internacional” (v.g., HC<br />

71.289, Primeira Turma, 9-8-04, Ilmar, DJ de 6-9-96), nem a “boa ou má situação<br />

econômica do acusado” (v.g., HC 72.368, Primeira Turma, 25-4-95, Pertence, DJ<br />

de 15-9-95).<br />

2 TÓRTIMA, J.C. Crimes, p. 158.


714<br />

R.T.J. — 202<br />

Pertinente, no entanto, conjugar a magnitude da lesão estimada e a habitualidade<br />

criminosa, desde que ligadas a fatos concretos que demonstrem o “risco<br />

sistêmico” à ordem pública ou econômica, ou a necessidade da prisão para impedir<br />

a continuidade delitiva.<br />

Defendem os Impetrantes não ser este o caso dos autos, pois os últimos fatos<br />

a que faz referência o decreto, que é de abril de 2005, são aqueles narrados na<br />

denúncia – ocorridos até 2003 –, sem que ao menos haja menção a qualquer fato<br />

posterior indicativo do prosseguimento na atividade incriminada.<br />

Mas o Juízo local indica o contexto dos fatos a partir do qual entendeu<br />

necessária a prisão, dada a persistência das atividades delituosas e, para tanto,<br />

extrai a conclusão de fatos diversos daqueles descritos na denúncia – malgrado a<br />

eles coligados, verbis:<br />

(...)<br />

Mais importante, porém, é o risco à ordem pública, especificamente, à sociedade,<br />

pelo risco da continuidade delitiva. Pelo que se depreende dos fatos, os acusados<br />

estruturaram empresarialmente suas atividades ilegais, servindo-se no Brasil de empresas<br />

de câmbio ou de prestação de serviços financeiros, e no exterior de contas titularizadas por<br />

off shores.<br />

A movimentação, por centenas de operações, no longo período de 1996 a 2003,<br />

pelo menos, revela habitualidade delitiva, autorizando juízo de risco em relação à continuidade<br />

da prática delitiva, bem como conclusão provisória de que os acusados, operadores<br />

no mercado financeiro paralelo, fazem desta atividade ilícita o seu meio de vida.<br />

Habitualidade delitiva com grave lesão à comunidade é fundamento suficiente<br />

para a decretação da prisão preventiva, visto que é possível concluir ainda provisoriamente<br />

que a manutenção dos acusados em liberdade traz riscos à sociedade. (...)<br />

Registre-se, por oportuno, que os saldos das contas Braza e Best no Merchants de<br />

Nova York (sic) foram bloqueados pelas autoridades norte-americanas na ação criminal<br />

04-CR-617, United States v. Maria Carolina Nolaco (a gerente do Merchants responsável<br />

pelas contas), em trâmite na Corte <strong>Federal</strong> de Nova Jersey. Os autos revelam<br />

tentativas ainda neste ano de 2005 dos acusados em obter o desbloqueio de suas contas<br />

no Merchants Bank, sem que até o momento haja qualquer declaração pelos acusados a<br />

respeito da manutenção destes ativos no exterior ou de suas atividades junto ao Bacen.<br />

Por outro lado, embora as contas no Merchants estejam paralisadas, bem como as<br />

das agências do Banestado em Nova York, pelo encerramento desta, é possível que a<br />

conta Activel na Suíça esteja ainda ativa e há prova de que os acusados são titulares de<br />

outras contas no exterior, em relação às quais não há motivo para crer em seu encerramento.<br />

Assim, por exemplo, há notícia de outra conta da Activel no JP Morgan Chase de<br />

Nova York e quando da abertura da conta titularizada em nome da off-shore Wipper no<br />

Merchants, foram apresentadas referências bancárias de que a mesma empresa seria<br />

titular de contas no Espírito Santo Bank na Flórida, e no First Newland Bank de Nassau,<br />

Bahamas. Na busca e apreensão realizada durante a assim denominada Operação Farol<br />

da Colina foram igualmente encontrados registros de off-shores e de contas no exterior<br />

controladas pelos acusados, bem como de transações financeiras bastante recentes no<br />

exterior (fls. 745-752 do inquérito – v.g.: Mahale Comercial S/A). Portanto, é possível<br />

conclusão provisória de que o grupo controla outras contas e off-shores no exterior que<br />

não aquelas que são objeto das denúncias e que ainda são mantidas à margem do<br />

conhecimento e controle por parte das autoridades públicas brasileiras, revelando a<br />

persistência da atividade delitiva.<br />

No ponto, assim, seria no mínimo temerário, no procedimento sumário e<br />

documental do habeas corpus, elidir esse fundamento da prisão preventiva, que<br />

o Juízo de origem alicerçou numa série de fatos concretos, extraídos da análise de<br />

autos volumosos.


R.T.J. — 202 715<br />

III<br />

Impressiona mais fundamente a alegação final da primeira impetração em<br />

mesa (fls. 30 e seguintes) – o HC 86.758 (Eskinazi) – à qual também alude<br />

incidentemente o segundo – HC 86.916 (Lederman) – de violação em relação<br />

aos Pacientes, do princípio da isonomia, dado que se lhes negou a extensão da<br />

ordem concedida ao quarto Co-réu – Renato Maudonnet Jr. – contra o mesmo<br />

decreto de prisão preventiva, sem que existissem fatores reais de diferenciação<br />

entre a situação do último e a dos primeiros.<br />

Recordem-se os dados da espécie.<br />

Decretada a prisão preventiva dos quatro denunciados, em favor de três<br />

deles – Eskinazi, Lederman e Laniado –, impetrou-se no TRF/4ª HC 15.120,<br />

que – não obstante deferimento da liminar – acabou denegado, vencido o<br />

Relator, por acórdão de 10-5-05 (fls. 210/244); paralelamente, impetrou-se em<br />

favor do quarto Co-réu – Maudounnet – o HC 15.123, que, ao contrário, semanas<br />

depois, foi deferido, por acórdão de 7-6-05, para relaxar-lhe a preventiva.<br />

O pedido de extensão desse último aos dois Pacientes – Eskinazi e<br />

Lederman –, no entanto, foi indeferido pelo Relator, mantida a decisão em agravo<br />

regimental (fls. 392 e seguintes).<br />

A denegação da extensão fundou-se, em primeiro lugar, na inaplicabilidade<br />

ao caso, sequer em tese, do art. 580 do Código de Processo Penal – fl. 394:<br />

Não entendo, concessa venia, ser caso de extensão da ordem de habeas corpus.<br />

Embora certamente cabível em habeas corpus a figura da extensão a co-réus, nos<br />

moldes do art. 580 CPP, isso somente seria possível para suprir recurso não interposto.<br />

Trata-se de aproveitamento da decisão a quem dela não recorreu e estaria objetivamente<br />

em igual situação:<br />

Art. 580. No caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão<br />

do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de<br />

caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros.<br />

Essa não é a situação em exame. Os peticionários figuram como pacientes no HC<br />

2005.04.01.015120-3, que foi denegado por maioria em 10/05/05, e ainda sequer<br />

transitou em julgado. Ao contrário, foram interpostos novos habeas corpus perante o<br />

Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, tendo este <strong>Tribunal</strong> como Coator.<br />

O argumento é sério: ainda que haja decisões em sentido contrário deste<br />

<strong>Tribunal</strong>, é mais que ponderável que, ao denegar o HC 15.120, impetrado em<br />

favor dos Pacientes, o TRF teria exaurido, com relação a eles a sua jurisdição a<br />

respeito; tanto mais quanto a sua decisão estava então submetida a instância mais<br />

alta – a do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça – ao qual, isoladamente, cada um dos dois<br />

Pacientes – Eskinazi e Lederman – haviam requerido habeas corpus.<br />

Outra questão, porém, é saber se o STJ, de sua vez, ao tomar conhecimento<br />

de que o TRF, posteriormente à decisão questionada, concedera habeas corpus a<br />

outro Co-réu deveria, ou não, ter examinado a identidade da situação entre eles<br />

para, em caso afirmativo, deferir a ordem aos ora Pacientes por força do princípio<br />

de isonomia subjacente ao referido art. 580 do Código de Processo Penal.


716<br />

R.T.J. — 202<br />

Certo, nenhuma das duas impetrações endereçadas àquele <strong>Tribunal</strong> Superior<br />

havia inicialmente suscitado a questão.<br />

Mas, no processo do habeas corpus ali requerido em favor do primeiro<br />

Paciente, Eskinazi, o tema foi aventado no pedido de reconsideração do indeferimento<br />

inicial da liminar (fl. 402).<br />

Omitiu-se, porém, a respeito, o acórdão do STJ – HC 44.200, fl. 324 –, e não<br />

houve embargos de declaração; mas – como tenho iterativamente sustentado –<br />

uma vez provocado a respeito, o <strong>Tribunal</strong>, a omissão, em si mesma, substantiva<br />

coação, que ao <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> é dado remediar em recurso ordinário ou impetração<br />

substitutiva, que não se submetem ao requisito do prequestionamento.<br />

O ponto é saber se impede em absoluto que os Pacientes se beneficiem da<br />

decisão concessiva de habeas corpus ao Co-réu a circunstância de também em<br />

favor deles se haver requerido habeas corpus com o mesmo objeto, denegado por<br />

decisão anterior do <strong>Tribunal</strong> de origem.<br />

O problema foi objeto de intensa discussão no HC 68.442, 11-6-91, Moreira<br />

Alves, que se resolveu – contra o meu voto – no sentido da inadmissibilidade da<br />

extensão, conforme esta ementa – RTJ 143/106:<br />

Habeas corpus. Unificação de penas. Interpretação do art. 580 do Código de<br />

Processo Penal.<br />

Inaplicabilidade do art. 580 do Código de Processo Penal quando co-réus dos<br />

mesmos crimes requerem separadamente a unificação das penas sob alegação de ocorrência<br />

de crime continuado, e agravam das decisões antagônicas de 1º grau.<br />

A extensão a que se refere o citado dispositivo legal só se dá em favor de Co-réu<br />

que não recorreu, e que está objetivamente na mesma situação em que se encontra o Coréu<br />

recorrente.<br />

Habeas corpus conhecido, mas indeferido.<br />

Opus-me à solução vitoriosa em longo voto-vista, do qual – com a Paciente<br />

tolerância dos eminentes Colegas – recordo algumas passagens de relevo para o<br />

caso vertente.<br />

Depois de recordar o fato e os antecedentes processuais relevantes, prossegui<br />

– RTJ 143/109:<br />

8. Efetivamente, pois, os mesmos fatos, considerados crime continuado, em relação<br />

ao seu Co-réu, foram reputados crimes distintos, com referência ao Paciente.<br />

9. Negou-lhe V. Exa., entretanto, a extensão pleiteada da decisão mais favorável,<br />

que deferira ao Co-autor dos mesmos delitos a unificação das penas. Considerou, para<br />

isso, que<br />

“Não ocorre, portanto, ao contrário do que pretende o parecer da Procuradoria-Geral<br />

da República, a hipótese de extensão de decisão prevista no art. 580<br />

do Código de Processo Penal, a qual só se dá quando o recurso apenas tenha sido<br />

interposto por um dos Réus, caso em que sua decisão, se for ele fundado em<br />

motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros<br />

que não o interpuseram. Na hipótese, cada um dos Co-réus pleiteou separadamente<br />

a unificação de suas penas, sendo que, quando foi julgado o agravo de<br />

Geraldo Ferreira da Silva por uma das Câmaras do <strong>Tribunal</strong> de Alçada, o agravo<br />

do ora Paciente já estava tramitando por outra das Turmas do mesmo <strong>Tribunal</strong>,<br />

razão por que a decisão daquele não poderia tornar sem objeto o agravo a esta<br />

submetido.”


R.T.J. — 202 717<br />

E, após transcrever o art. 580 do Código de Processo Penal, aduzi:<br />

12. De logo, da letra do dispositivo não se extrai a restrição do fato de um Co-réu<br />

haver interposto recurso iniba que se lhe estenda a decisão in utilibus do recurso de<br />

outro, se fundada esta em motivos que lhes sejam comuns. Demais, jurisprudência e<br />

doutrina não têm vacilado no emprestar interpretação extensiva e aplicação analógica à<br />

regra legal discutida.<br />

13. O apelo à doutrina brasileira não será de maior utilidade, porque nela é<br />

especialmente pobre e superficial o tratamento dado à matéria (v.g., Espínola Filho,<br />

Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, 1955, 6/64; J. Frederico Marques, Elementos<br />

de Direito Processual Penal, 1965, IV, 211; Magalhães Noronha, Curso Direito<br />

Processual Penal, 1974, fl. 330).<br />

14. No entanto, a ratio essendi e os caracteres essenciais do instituto não escaparam<br />

à lucidez de Heleno Fragoso (Jurisprudência Criminal, 1979, n. 24, I/145), em<br />

breve comentário de julgados sobre o tema.<br />

15. “Visa a norma contida no art. 580” – anotou o saudoso penalista – estabelecer<br />

garantia de eqüidade. Viola regra elementar de justiça decidir desigualmente casos<br />

iguais. A decisão judicial não constitui jogo de azar, nem se faz naquele <strong>Tribunal</strong> a que<br />

aludia Pitigulli, no “Experimento de Pott”, em que a sorte do Réu dependia da extração<br />

de bolinhas brancas ou pretas.<br />

16. “Uma vez proferida decisão pelo <strong>Tribunal</strong>” – prosseguiu –, “surge para o coréu<br />

que se ache na mesma situação jurídica o direito ao mesmo tratamento, para se<br />

excluir qualquer possibilidade de aplicação da regra dos dois pesos e duas medidas”.<br />

17. “Tal direito é de origem processual” – concluiu – “e dispensa qualquer<br />

indagação de mérito, que não seja a que se dirige a estabelecer a identidade de situações.”<br />

18. A essa síntese correspondem substancialmente as conclusões da copiosa discussão<br />

do tema pelos doutrinadores italianos, dos quais, nas circunstâncias, é imperativo pedir<br />

subsídios (v.g. Ugo Aloisi, Manuale Prat. Proced. Penale, IV (Dell’Impugnazione), p. 173<br />

et seq.; Carnellutti, Lecciones sobre el Proc. Penal, trad. EJEA, Bs As, 1950, IV, 86 et seq.<br />

e 159; G. Leone, Prat. Der. Proc. Penal, trad. EJEA, Bs As, III/110 et seq.; Carlo Massa,<br />

L’effeto estensivo dell’impugnazione nel proc. Penale, 1955).”<br />

(...)<br />

21. Dela, é de particular relevo a ênfase no caráter de ordem pública do instituto,<br />

que se manifesta na unanimidade com que se afirma independer, o efeito extensivo da<br />

decisão do recurso, da vontade ou do comportamento processual da parte beneficiada,<br />

fazendo-se imperativa a sua declaração ex officio pelo <strong>Tribunal</strong> (Carnelutti, ob. cit. IV/<br />

160; Aloisi, ob. cit. III/175; Leone, ob. cit., III/117; Massa, ob. cit., p. 124). Igual a<br />

conclusão de Barich (Corso Prat. di Proced. Penale Austríaca, Zara, 1910, p. 333 e<br />

385) em face da lei processual austríaca. É da melhor doutrina que nem a renúncia do<br />

recurso pelo co-réu (Massa, ob. cit. p. 126), nem a eventual inadmissibilidade do<br />

recurso por parte dele impedem que se lhe estenda o provimento da impugnação do<br />

outro, se fundado em razões que lhes sejam comuns (Leone, ob. cit., III/127; Massa, ob.<br />

cit., p. 126).<br />

22. No caso, como visto, apega-se, porém, o voto do em. Relator a ter o Paciente,<br />

ele próprio, recorrido da sentença que lhe fora desfavorável e já tramitar o seu recurso,<br />

quando Câmara diversa do mesmo <strong>Tribunal</strong> deu provimento ao recurso do Co-réu<br />

contra outra sentença do juízo da execução, a ele atinente.<br />

23. O raciocínio impressiona, mas, data venia, não me convenci de que se lhe<br />

deva emprestar força definitiva capaz de impedir a solução reclamada pelo princípio da<br />

eqüidade do tratamento aos co-autores das mesmas infrações penais, em tudo quanto<br />

não resulte de motivos pessoais e incomunicáveis.<br />

24. Certo, é freqüente, nas dissertações e nos julgados, aqui e alhures, a alusão ao<br />

não-recorrente para referir-se ao beneficiário do efeito extensivo da decisão de recurso<br />

alheio.


718<br />

R.T.J. — 202<br />

25. Explica-se. É que, de regra, só cabe cogitar propriamente de efeito extensivo<br />

do recurso ou da decisão dele a quem seja, stricto sensu, um co-réu do recorrente, isto é,<br />

a quem seja ou tenha sido parte de um mesmo processo e, portanto, igualmente atingido<br />

por decisão comum, de primeiro grau, objeto da impugnação.<br />

26. Dá-se, com efeito – mostrou Massa (ob. cit., p. 17, 89 etc.) – que o processo<br />

penal não pode acolher o instituto do litisconsórcio necessário, nos termos em que o<br />

construiu o processo civil, na medida em que, no primeiro “é possível, ainda que o crime<br />

resulte da atividade comum de vários agentes, que esses sejam julgados em processos<br />

separados” (Cf., no Brasil, Código de Processo Penal, arts. 79 e 80).<br />

27. Donde sustentar o autorizado monografista do tema, com insistência, não se<br />

admitir o efeito extensivo do recurso, quando, não obstante a continência, os Co-autores<br />

tenham sido julgados em processos distintos (ob. cit., p. 18 e 89 etc.).<br />

28. Isso posto, na generalidade dos casos, e também em linha de princípio, de<br />

duas, uma: ou todos os Co-réus recorreram da decisão, caso em que da situação de cada<br />

um deles há de cuidar o julgamento conjunto dos recursos; ou só um ou alguns entre eles<br />

recorreram e, então, o problema da extensão a outro da decisão do recurso efetivamente<br />

só se porá em relação ao Co-réu ou Co-réus não recorrentes.<br />

29. Mas a regra não é absoluta, ainda quando rigorosamente se reduza o âmbito<br />

do efeito extensivo aos co-réus no mesmo processo e objetos da mesma decisão.<br />

30. Basta pensar na hipótese de que, tendo recorrido todos os Co-réus, não tenha<br />

sido idêntica a extensão objetiva de todos os recursos interpostos: não obstante, a doutrina<br />

é unânime em reconhecer aí que, embora seja também ele próprio recorrente, ao<br />

Co-réu aproveitará o provimento do recurso de outro, se fundado em razão objetiva,<br />

mas excedente dos limites do recurso que interpôs (Aloisi, ob. cit. III/174; Leone, ob.<br />

cit., III/128; Massa, ob. cit., p. 91).<br />

31. É que, na temática do efeito extensivo da decisão favorável, no processo<br />

penal, vale insistir, nada importa a vontade de cada co-réu, mas, sim, a exigência de<br />

ordem pública de congruência e equanimidade da solução do processo em relação a<br />

todos eles.<br />

32. Segue-se daí um outro ponto em que vale assinalar a opinião comum da<br />

doutrina:<br />

“O efeito extensivo se inclui no quadro dos instrumentos destinados a<br />

evitar o conflito de decisões”, observa Leone (ob. cit., III/10) e, sendo instituto<br />

“votado à regular atuação da jurisdição, não se pode, pois, considerá-lo excepcional<br />

e é susceptível de interpretação extensiva e analógica.”<br />

33. O princípio da personalidade da impugnação – explica Carlo Massa, de sua<br />

vez (ob. cit., p. 92) –, “no processo unitário, caracterizado pela presença de diferentes<br />

partes, vinculadas pela matéria de fundo comum, cede o passo ao princípio diverso da<br />

extensão do alcance subjetivo dos atos de impugnação a favor dos sujeitos interessados<br />

na reforma ou na anulação (...) O efeito extensivo, portanto, em tais casos, é conatural<br />

da impugnação mesma da qual se apresenta como um aspecto normal, do mesmo modo<br />

como o da personalidade da impugnação se põe como o critério normal nas hipóteses<br />

em que o processo se desenvolve com um só acusado (...) A conseqüência é que (...) não<br />

se trata de uma norma excepcional e, daí, que possa ser estendida ainda a outras hipóteses,<br />

nas quais uma interpretação extensiva dela responda a critérios mais corretos de<br />

justiça: “come tale esessa puo essere estesa anche ad altre ipotesi in cui uma sua<br />

interpretazione estensiva risponde a criteri più corretti di giustizia”.<br />

34. A jurisprudência brasileira não tem sido insensível a essas potencialidades de<br />

interpretação extensiva e de aplicação analógica da regra do art. 580 do Código de<br />

Processo Penal: assim, por exemplo, para ficar restrito a casos de unificação de penas, o<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> já admitiu, em tese, a extensão a co-réu de decisão relativa a outro,<br />

não tomada, porém, em grau de recurso, mas em primeira instância, ao mesmo tempo<br />

em que, implicitamente, julgava irrelevante que, no primeiro grau de jurisdição, a<br />

situação de cada um tivesse sido objeto de sentenças separadas (Cf. HC 61.296, 3-8-84,<br />

Néri da Silveira, RTJ 114/119; RvC 4.744, 9-6-88, Octavio Gallotti, RTJ 126/89).<br />

(...)


R.T.J. — 202 719<br />

42. Certo, da duplicidade procedimental dos incidentes e da conseqüente diversidade<br />

formal das decisões de primeiro grau relativas a cada um dos Co-réus, resultou a<br />

correspondente duplicidade de recursos interpostos por um e outro: circunstância<br />

irrelevante, contudo, data venia, se se tem em conta que a situação deles se fizera<br />

definitivamente incindível, a partir das decisões condenatórias que os atingiram em<br />

conjunto, a título de co-autoria em ambos os crimes.<br />

43. Sendo objetivamente comum e subjetivamente incindível a questão posta em<br />

ambos os recursos – vale dizer, a continuidade entre os mesmos dois crimes considerados<br />

–, a decisão favorável de qualquer um deles aproveitaria necessariamente não<br />

apenas a quem a interpusera mas também ao co-réu estranho à impugnação provida.<br />

44. Por conseguinte – e aqui está, a meu ver, o ponto essencial –, a decisão da 6ª<br />

Câmara, que, em 17-5-89, deferiu ao seu Co-réu, Geraldo Ferreira da Silva, a unificação<br />

das penas, estendeu-se ipso jure ao Paciente, com ele condenado às mesmas penas, à<br />

vista de co-autoria nos mesmos crimes.<br />

45. É afirmação que deriva de ensinamento incontroverso da doutrina, a que não<br />

nega acolhida nossa jurisprudência, segundo o qual deve o juiz do recurso estender de<br />

ofício ao co-réu a decisão favorável ao recorrente, se lhe são comuns os fundamentos<br />

acolhidos (v.g., Leone, ob. cit., III/117; Manzini, Tratado Der. Proc. Penal, trad. EJEA,<br />

Bs As, 1954, V/16; Santoro, Manuale Dir. Proc. Penale, 1954, p. 347; Carlo Massa, ob.<br />

cit. p. 50).<br />

46. É que, acentua Ugo Aloisi, as normas relativas ao efeito extensivo devem<br />

entender-se dirigidas também ao juiz, que, ainda na falta de iniciativa do interessado,<br />

deve de ofício proceder à extensão na decisão mesma (ob. cit. p. 175): “anche in difetto<br />

di iniciativa della parte avente interesse alla estensione, deve di ufficio operarre nella sua<br />

sentenza l’estenzione stessa; lanecessitá di assicurare la non contradditorietà di decisione<br />

definitiva nel medesimo procedimento” – explica – “costituisce per il giudice um<br />

obbligo, il cui ademplimento prescinde dalla attività delle parti”.<br />

47. Desse modo, como nota igualmente Carlo Massa (ob. cit., p. 47), dá-se a<br />

extensão ope legis, não reclamando nenhuma atividade processual do beneficiado.<br />

48. Pouco importa que o acórdão que proveu o recurso de um dos Réus, por<br />

motivo comum ao outro, haja omitido a pronúncia devida da extensão derivada da<br />

própria decisão: a qualquer tempo, o reconhecimento dessa extensão ocorrida ipso jure<br />

terá natureza meramente declaratória com eficácia ex tunc, a partir do julgado estendido.<br />

49. A conseqüência na espécie é iniludível. Se a decisão do recurso do Co-réu já<br />

aproveitara ope legis ao Paciente, desde a prolação dela, ficara sem objeto o seu recurso<br />

pendente sobre a mesma questão.<br />

50. A pendência do recurso do Paciente, explicado pelas peculiaridades<br />

procedimentais do caso, data venia, nada tem a ver com a extensão a seu favor da<br />

decisão do recurso do Co-réu, extensão que decorre, permita-se a insistência, de fatores<br />

objetivos independentes da vontade e do comportamento processual do beneficiário.<br />

(...)<br />

53. Ademais, porque, segundo a jurisprudência do <strong>Tribunal</strong>, nem a decisão<br />

contrária de órgão judicial superior impede a extensão devida de julgado proferido em<br />

favor de co-réu: de fato, pelo menos dois precedentes da Corte deferiram, em habeas<br />

corpus, a extensão de decisão de primeiro grau concessiva de unificação de pena a coréu<br />

do paciente, não obstante, em relação a ele, houvesse decisões denegatórias de grau<br />

superior (HC 52.254, 17-6-74, Bilac Pinto, RTJ 71/42; e HC 61.926, 3-8-84, Néri da<br />

Silveira, RTJ 114/119).<br />

54. Assentou, na última, o acórdão (RTJ 114/119, 122):<br />

“Pouco importa, na aplicação do art. 580 do CPP, tenham as decisões sido<br />

proferidas por instâncias diversas. Certo é que se trataram diferentemente situações<br />

análogas, obtendo um dos co-réus, no mesmo feito criminal, tratamento<br />

diverso do concedido a outro.”


720<br />

R.T.J. — 202<br />

55. Note-se que, no ponto, a orientação precedente foi também e expressamente<br />

acolhida pelo Plenário, em 9-6-88, na mencionada RvC 4.744 (RTJ 126/89), fundada<br />

em decisão do <strong>Tribunal</strong> local, que, sem recurso, deferira unificação de penas a Co-réu<br />

do Requerente. Este também a obtivera nas instâncias ordinárias, mas o benefício lhe<br />

fora posteriormente cassado pelo próprio <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong>, em recurso extraordinário.<br />

Não obstante, ponderou o voto condutor do em. Ministro Octavio Gallotti:<br />

“Também não conspira contra a presente revisão a circunstância, só aparentemente<br />

relevante, de pretender-se sobrepor, à decisão revisanda, o resultado<br />

de julgamento proferido em instância inferior, qual seja aquele da Justiça estadual,<br />

em benefício do Co-réu.<br />

Esse obstáculo foi bem afastado no precedente citado pela defesa, à fl. 59<br />

(HC 61.926), em que a Primeira Turma concedeu a ordem, reconhecendo, para<br />

tanto, a vinculação de decisão de segundo grau a do primeiro favorável ao Co-réu<br />

(RTJ 114/119).”<br />

Este voto-vista provocou longa réplica do Relator, o em. Ministro Moreira<br />

Alves (RTJ 143/114-127), que merece ser lida pela riqueza e erudição da pesquisa<br />

doutrinária e pela excelência do cerrado raciocínio dogmático, além da oposição<br />

aos precedentes do <strong>Tribunal</strong> que eu evocara de outros, mais recentes, que haviam<br />

seguido a sua posição (v.g., HC 59.405 e RvC 47.816, ambos de sua relatoria).<br />

Com o respeito devido ao vigor e à qualidade da réplica, persisti, contudo,<br />

na minha visão do problema e acentuei – RTJ 143/128:<br />

Quanto à impugnação à tese principal do meu voto – a possibilidade da aplicação<br />

do art. 580 do Código de Processo Penal ao Co-réu em situação idêntica, ainda que<br />

também recorrente – permito-me nela persistir: reporto-me aos fundamentos longamente<br />

expostos no meu modesto voto e, sobretudo, à consideração de que só ela corresponde,<br />

a meu ver, às inspirações de eqüidade, que estão subjacentes à norma legal discutida<br />

e devem orientar a sua interpretação.<br />

Nessa linha de fidelidade às inspirações de eqüidade que diviso nesta norma,<br />

conforta-me que, no seu conjunto, nela parece situar-se também o entendimento do<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

Aos casos referidos, gostaria de aditar o do HC 67.136, da Segunda Turma, em 23<br />

de março de 1989, Relator o eminente Ministro Aldir Passarinho, publicado após o<br />

início desse julgamento (RTJ 129/1156): em caso, a meu ver, mais discutível do que<br />

este, na linha dos precedentes mencionados por V. Exa. – um do saudoso Ministro Bilac<br />

Pinto e o outro do eminente Ministro Néri da Silveira – estendeu-se a decisão de<br />

primeira instância ao Co-réu, não obstante tivesse ele sido vencido, no incidente de<br />

uniformização da pena, porque a originária decisão de primeira instância, que lhe fora<br />

favorável, foi reformada pelo acórdão do <strong>Tribunal</strong>.<br />

Revendo os precedentes discrepantes, não encontrei razões para recuar das<br />

conclusões daquele voto vencido.<br />

Sigo convencido de que – até por imperativo constitucional – a inteligência<br />

e a demarcação do alcance do art. 580 do Código de Processo Penal hão de<br />

partir de sua inspiração isonômica.<br />

Exemplar, nessa linha, no mencionado HC 61.926, é o voto do saudoso<br />

Ministro Soares Muñoz – RTJ 114/119, 126:<br />

A solução que a conjuntura impõe é a de estender ao Requerente a decisão que<br />

favoreceu o Co-réu.<br />

(...)


R.T.J. — 202 721<br />

Assim decidindo não se estará proclamando o acerto ou o desacerto da decisão<br />

mais favorável, mas desfazendo, pela forma processual adequada o tratamento, escandalosamente,<br />

desigual imposto aos partícipes dos mesmos crimes, em hipótese em que<br />

não ocorreram circunstâncias agravantes de natureza pessoal, que autorizassem a<br />

cominação de reprimendas diferentes.<br />

Como bem observou Vicenzo Manzini, ao focalizar, no direito positivo italiano,<br />

o caso de revisão por inconciabilidade de julgados (Código de Processo Penal, art. 554,<br />

nº 1): “O fim da lei não é tanto o de corrigir o que se costuma denominar um erro<br />

judiciário, quanto o de impedir uma escandalosa contradição de julgados, aplicando o<br />

critério da solução mais favorável ao condenado. E, na verdade, não se indaga nesta<br />

hipótese, qual das sentenças seja errada: apaga-se somente, a inconciabilidade existente<br />

entre elas” (apud Jorge Alberto Romeiro, in Elementos de Direito Penal e Processo<br />

Penal. p. 69).<br />

É de anotar que – ao contrário do que sucedia no HC 68.442, em que proferi<br />

o voto vencido ao qual hoje me reportei, aqui, a decisão favorável a um Co-réu,<br />

no TRF, é posterior à decisão denegatória da ordem requerida em favor dos Pacientes.<br />

Mas a circunstância não foi considerada impeditiva da solução extensiva<br />

dada nos outros precedentes por mim recordados (HC 52.254, Bilac; HC 61.926,<br />

Néri; HC 67.136, Passarinho); de igual modo, no tema similar da extensão a<br />

partícipe da decisão favorável do Júri, com relação ao autor principal, à orientação<br />

do <strong>Tribunal</strong> tem sido indiferente que a decisão a entender fosse anterior (HC<br />

69.741, 15-12-92, Rezek) ou posterior à condenação do Co-réu (RHC 82.473, 3-<br />

12-02, Jobim).<br />

Certo, os casos recordados versaram desigualdade substancial no tratamento<br />

de Co-réus na unificação de penas.<br />

Estou, contudo, em que o mesmo princípio de isonomia de tratamento se<br />

impõe à questão processual da prisão preventiva; e assim, que, mutatis mutandis,<br />

em tese, é de aplicar-se à espécie.<br />

Tem-se aqui, na origem, dois pedidos de habeas corpus – de nítido perfil<br />

recursal – que impugnavam o mesmo decreto de prisão cautelar, na fundamentação<br />

do qual não se indica quaisquer singularidades marcantes entre os três primeiros<br />

denunciados – aos quais se denegou a ordem – e o quarto, ao qual, julgando<br />

a segunda impetração, o TRF a deferiu.<br />

Resta, pois, verificar se, pertinente em tese à situação, a regra legal do art.<br />

580 do Código de Processo Penal – lida a partir do princípio constitucional da<br />

isonomia – é de aplicar-se especificamente aos dois Pacientes ou se, ao contrário,<br />

se deveu a concessão da ordem ao Co-réu a circunstâncias que lhe fossem peculiares.<br />

Já observei que a longa motivação do decreto de prisão preventiva nada<br />

diferencia entre os quatro denunciados por ele atingidos.<br />

Mas é certo que a decisão denegatória da extensão pleiteada – além da<br />

questão atinente à não-incidência, em tese, do art. 580 da lei processual – adita<br />

no final – fl. 397:


722<br />

R.T.J. — 202<br />

Há ainda o obstáculo de ser a extensão cabível em situações de identidade objetiva<br />

e – especialmente por construção jurisprudencial – quando muito clara mesmo a situação<br />

subjetiva. Tal condição não se verifica em habeas corpus onde a prisão é examinada<br />

ante variados fatores de ordem pessoal dos presos, tendo inclusive o voto-vista claramente<br />

especificado condições do paciente Renato Bento Maudonnet Júnior que justificariam<br />

diferenciada decisão.<br />

Nesse voto-vista no HC 15.123, deferida – ao Co-réu Renato Maudonnet<br />

Jr. –, efetivamente se encontra esta passagem – fl. 314:<br />

No que diz respeito à habitualidade criminosa, a documentação juntada afasta a<br />

certeza de que o Paciente continuaria exercendo a sua atividade de operador de mercado<br />

de câmbio, o chamado “doleiro”. Pelo contrário, estaria o mesmo administrando negócio<br />

no ramo de bar e restaurante, inclusive seria proprietário do Restaurante “Coronel<br />

Mostarda”, localizado na Cidade de Campinas/SC, de onde tiraria sua renda para pagar,<br />

inclusive, eventual imposto devido. Assim, este requisito ensejador da custódia cautelar<br />

resta afastado, mesmo que dúvida possa haver com relação a esta nova atividade, eis que<br />

aqui prevalece o princípio de que a dúvida favorece o Réu.<br />

Na mesma senda, o eventual risco de fuga também resta prejudicado, mesmo<br />

porque o Paciente está respondendo a todas as chamadas em Juízo, como se vê das fls.<br />

331/336, em recente interrogatório no qual compareceu perante o Juízo da Segunda<br />

Vara <strong>Federal</strong> Criminal de Curitiba/PR.<br />

Para evitar eventual dúvida de risco de fuga, entendo que deve o Paciente depositar<br />

no juízo de origem o seu passaporte, o que deixaria claro que não pretende criar<br />

embaraços no eventual cumprimento da Lei.<br />

Concluí, entretanto, não se identifica – a teor do preceito invocado do art.<br />

580 do Código de Processo Penal – nenhum motivo de “ordem exclusivamente<br />

pessoal” que pudesse legitimar o discrímen contra os Pacientes.<br />

O exercício de atividade profissional diversa, é claro, não exclui necessariamente<br />

a possibilidade de que continuasse a exercer “a sua atividade de operador no<br />

mercado de câmbio”.<br />

De qualquer sorte, ambos os Pacientes demonstraram por documentação<br />

inequívoca que – pelo menos, até o decreto de prisão – exerciam atividade empresarial<br />

presumidamente lícita, não compreendida no âmbito daquelas nas<br />

quais teriam praticado os crimes imputados: Eskinazi prova ser presidente da<br />

Companhia Brasileira de Esterilização (CBE) (fls. 420 e seguintes); Lederman,<br />

de sua vez, demonstra gerir vultoso patrimônio, havido por herança, que inclui<br />

numerosos imóveis e a participação em diversas empresas (HC 86.916, fls. 216 e<br />

seguintes).<br />

A ser a circunstância relevante, o mínimo a admitir-se é que, em relação à do<br />

Co-réu beneficiário do habeas corpus, a prova da atividade dos Pacientes, estranha<br />

à empreitada criminosa de que são acusados, seria equiparável.<br />

No que toca ao fato de haver o Co-réu Maudonnet Jr. comparecido a atos<br />

recentes do processo, é manifesta a procedência da resposta dos impetrantes que<br />

o fez ao abrigo da liminar e da decisão definitiva que elidiram a eficácia do<br />

decreto de prisão preventiva, mantida, porém, contra os pacientes.<br />

Tenho, pois, que, no estado das coisas, quando da decisão denegatória da<br />

extensão, nada de substantivo e relevante diferençava, da dos Pacientes, a situação<br />

do Co-réu beneficiário da decisão concessiva do habeas corpus contra o<br />

mesmo decreto de prisão preventiva que alcançou os Pacientes.


R.T.J. — 202 723<br />

Não se trata, repiso – conforme o voto evocado do Ministro Soares Muñoz<br />

no HC 61.926 –, de avalizar uma ou outra das duas discrepantes decisões do TRF<br />

a respeito de situações pessoais objetivamente assimiláveis, mas tão-só – ante a<br />

divergência manifesta – de adotar a que assegura o tratamento equânime dos Coréus,<br />

no sentido da solução favorável à liberdade.<br />

Por isso, defiro ambos os pedidos de habeas corpus para tornar sem efeito,<br />

com relação a Eliott Maurice Eskinazi (HC 86.758) e Dany Lederman (HC<br />

86.916), a ordem de prisão preventiva, a partir, contudo – a exemplo do que se<br />

ordenou ao Co-réu Renato Maudonnet Jr. –, da data em que depositem os respectivos<br />

passaportes no Juízo do processo a que respondem.<br />

IV<br />

Resta a decidir sobre Hélio Renato Laniado, que, juntamente com<br />

Eskinazi e Lederman, figurou como Paciente no HC 15.120/TRF; ao deferir a<br />

liminar, no HC 86.758, em favor de Eskinazi, estendi-a, por isso, a Lederman e<br />

a Laniado.<br />

Neste momento, entretanto, não lhe posso estender a ordem que o meu voto<br />

defere aos dois outros.<br />

De início, porque, ao contrário deles, em seu favor, não se requereu habeas<br />

corpus ao STJ, contra a decisão denegatória do TRF, nem se pediu a extensão da<br />

decisão concessiva ao quarto Co-réu.<br />

Tudo isso não se me afiguraria decisivo se a sua situação no processo se<br />

mantivesse idêntica à daqueles a quem meu voto favorece: por isso é que, de<br />

ofício, lhe estendi a liminar.<br />

Sucede que o Juiz de primeiro grau, ao receber e dar cumprimento à decisão<br />

liminar – cancelando os mandados de prisão preventiva objeto dela –, renovou o<br />

decreto com relação a Hélio Laniado.<br />

Para tanto, aduziu o magistrado – fl. 733:<br />

Todos os três, Elliot, Dany e Hélio, estão foragidos desde a decretação da prisão<br />

preventiva, havendo fundada suspeita de que os dois primeiros tenham se refugiado no<br />

exterior.<br />

Hélio, consoante elementos indicativos nos autos, fugiu de fato para Israel. Após<br />

diligências para localizá-lo realizadas pela Polícia israelense, fugiu novamente, sendo,<br />

porém, preso na República Tcheca, por alerta da polícia israelense. Este Juízo formulou,<br />

então, pedido de extradição em decorrência do qual Hélio Renato Laniado foi preso e<br />

assim continua, não havendo ainda decisão final das autoridades da República Tcheca.<br />

(...)<br />

A fuga e o refúgio no exterior, em dois países, não foram por evidente considerados<br />

quando da decretação da preventiva pelo Juízo <strong>Federal</strong> da 2ª Vara <strong>Federal</strong> Criminal.<br />

Da mesma forma, a extensão da liminar no habeas corpus (em segunda impetração)<br />

não levou em consideração tais circunstâncias, até porque, possivelmente, desconhecidas<br />

pelo eminente Ministro Relator.<br />

É de se deixar bem consignado que o levantamento do decreto preventivo coloca<br />

em risco o próprio pedido de extradição e praticamente afasta por completo a possibilidade<br />

da futura aplicação da lei penal.


724<br />

R.T.J. — 202<br />

Sendo tais fatos, fuga, refúgio no exterior e a necessidade de preservação do<br />

pedido de extradição, fundamentos suficientes para, por si só, justificar a prisão preventiva<br />

do acusado Helio Renato Laniado, sob o risco de perder-se o processo de extradição<br />

e esvaziar qualquer possibilidade de aplicação da lei penal no futuro, em caso de<br />

eventual condenação, decreto novamente a prisão preventiva de Helio Renato Laniado,<br />

invocando quanto aos demais pressupostos da preventiva, prova da materialidade e<br />

indícios de autoria, as razões exaustivamente expostas na decisão de recebimento da<br />

denúncia.<br />

Alude-se, mais, ao final, à existência de outra ordem de prisão preventiva de<br />

Hélio Laniado, decretada em outro processo.<br />

A base de que tudo não iria além de pretextos para descumprir a decisão<br />

liminar, Hélio Laniado veio aos autos do HC 85.768 e ajuizou reclamação; por<br />

fim, impetrou-se em seu favor o HC 88.442, a mim distribuído por conexão.<br />

É patente, entretanto, que, com os fatos novos – de todo alheios à fundamentação<br />

na origem do habeas corpus requerido em seu favor e de outros dois<br />

Co-réus, ao TRF –, não cabe ajuizar da procedência ou não dos motivos aventados<br />

pelo Juízo de primeiro grau para a segunda decretação da prisão preventiva<br />

de Hélio Laniado: por isso, torno sem efeito a liminar que lhe deferira no HC<br />

86.758, sem prejuízo, é claro, da Rcl 4.088 e do HC 88.482.<br />

É o meu voto.<br />

V<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, queria inicialmente<br />

parabenizá-lo pelo belíssimo voto proferido. É uma verdadeira lição de<br />

Direito. Confesso que não havia cogitado desse sutil problema ensejado pela<br />

interpretação do art. 580 do CPP, o de colocar em situações distintas, quanto à<br />

extensão dos efeitos, o Réu que recorreu e aquele que não recorreu. De fato,<br />

causaria espécie – e Vossa Excelência tem inteira razão – concluir que o Réu que<br />

recorreu possa estar em situação pior do que aquele que não o fez, quanto aos<br />

benefícios desse art. 580 do CPP.<br />

Estou completamente convencido. Vossa Excelência rebateu com muito<br />

brilho todos os argumentos, com toda a certeza. Ademais, depois dessa percuciente<br />

análise dos autos, não encontro nenhum motivo de caráter exclusivamente pessoal<br />

que possa colocar os Réus em situação distinta.<br />

Portanto, acompanho integramente o voto de Vossa Excelência.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, também secundo o<br />

Ministro Ricardo Lewandowski no elogio que faz a Vossa Excelência.


R.T.J. — 202 725<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Trata-se de Ministro<br />

velho, requentando votos de um tempo em que tinha muito mais disposição<br />

para votos com pesquisa doutrinária.<br />

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: É voto de Ministro cujo talento não se<br />

esgota com o tempo, pelo contrário, renova-se incessantemente.<br />

Esse fundamento do voto de Vossa Excelência, que me parece radicar, na<br />

extensão a co-réu, de decisão benfazeja proferida em habeas corpus, em verdade,<br />

leva às ultimas conseqüências, in bonam parte, naturalmente, o princípio da<br />

eqüidade em matéria processual penal.<br />

Esse princípio da igualdade in bonam parte em matéria processual penal, a<br />

seu turno, arranca diretamente da Constituição <strong>Federal</strong>, pois é verdade – e disso<br />

cada vez mais me convenço – que o spiritus rectus da Constituição, tanto em<br />

matéria penal como em matéria processual penal, é, de fato, benfazejo a partir do<br />

art. 40, que só admite a retroação da lei penal para beneficiar o réu. E diga-se o<br />

mesmo do art. 57, que veicula o direito à presunção de não-culpabilidade.<br />

Por Vossa Excelência também ter deixado claro que, processualmente, os<br />

beneficiários da sua decisão se encontram em situação de rigorosa igualdade, não<br />

havendo motivo de ordem pessoal para estabelecer qualquer diferenciação, cravo<br />

também meu voto na linha do que acaba de decidir Vossa Excelência.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, de fato, Vossa Excelência,<br />

quando – ainda que sob pretexto de requentar o voto – traz à consideração a<br />

profundidade dos seus votos, evidentemente não precisa de nenhum adjutório.<br />

Assim, o que farei é render homenagem ao voto de Vossa Excelência, tecendo,<br />

não considerações adicionais, mas simplesmente sintetizando aquilo que<br />

o voto já tão brilhantemente estabeleceu em relação aos dois pontos fundamentais<br />

de ambas as causas.<br />

O primeiro é em relação à magnitude da lesão como motivo autônomo para<br />

decreto da prisão preventiva. De fato, Vossa Excelência demonstrou bem que<br />

isso só seria lícito a partir do pressuposto de que se presume ter havido lesão<br />

criminosa antes de julgada a causa, em afronta direta, portanto, à garantia constitucional,<br />

que não permite impor ao réu, enquanto pendente a causa penal, nenhuma<br />

conseqüência danosa fundada ou vinculada diretamente a um juízo definitivo<br />

de culpabilidade. E até digo que isso não guarda nenhuma similitude com o<br />

motivo objeto do art. 312 do Código de Processo Penal, ligado à aplicação da lei<br />

penal, porque, no caso, já não se trata de nenhuma presunção, mas, simplesmente,<br />

como é típico da tutela cautelar, de um juízo de probabilidade, e isso não sucederia<br />

em relação à magnitude da lesão, que se subentenderia que esta já tivesse sido<br />

provada no juízo de culpabilidade.<br />

Em relação ao segundo ponto, também o voto de Vossa Excelência deixou<br />

extremamente claro tratar-se de solução tendente a evitar contradição absolutamente<br />

incompatível com o sistema do Direito Penal, em que, não apenas nos


726<br />

R.T.J. — 202<br />

casos de dúvida objetiva, mas também naqueles nos quais possa haver eventual<br />

contradição na disciplina de situações idênticas dos mesmos agentes de um<br />

único fato, ou de uma só imputação penal, pudesse ser resolvido em desfavor da<br />

liberdade.<br />

Acompanho integralmente o voto de Vossa Excelência.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, ingressamos praticamente<br />

juntos na Corte e, por isso mesmo, talvez esteja mais acostumado com os votos de<br />

Vossa Excelência do que os Colegas.<br />

Dispenso-me de qualquer registro quanto à proficiência.<br />

Acompanho Vossa Excelência ao afirmar que a magnitude da lesão diz<br />

respeito ao próprio tipo, à própria consideração contida na Lei 7.492/86. Se<br />

levasse em conta a magnitude, observando a repercussão, caminharia – se fosse o<br />

caso – para a conclusão sobre a existência de uma circunstância judicial a influenciar<br />

na fixação da pena, conforme disposto no art. 59 do Código Penal, mas<br />

jamais – e já externei esse entendimento – para, de forma precoce, açodada,<br />

temporã, cogitar, sob a nomenclatura “custódia preventiva”, da execução de<br />

pena ainda não formalizada.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Vossa Excelência me permite? No voto do<br />

Ministro Sepúlveda Pertence não foi descartada essa possibilidade de se considerar<br />

a magnitude como elemento subsidário.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Não, como<br />

rombudamente diz a lei, a magnitude da lesão causada, mas, sim, da lesão imputada.<br />

Ela pode, evidentemente, ser considerada como elemento coadjuvante, por<br />

exemplo, da prisão preventiva por resguardo da ordem pública ou da ordem<br />

pública econômica.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presumindo-se a culpabilidade, cogitandose<br />

da preservação da ordem pública não em visão prospectiva, mas numa visão<br />

retroativa. Quanto à culpabilidade, há de se aguardar o desfecho do processo<br />

criminal; há de se aguardar não só o decreto condenatório, como a imutabilidade<br />

na via recursal. É o que sempre procuro lançar quando voto sobre essa matéria e<br />

quando, ao apreciar pedido de concessão de medida acauteladora, atuo como<br />

porta-voz do Colegiado.<br />

A acumulação, se formal, se material, se via continuidade, também não<br />

pode repercutir para chegar-se à preventiva, sob pena de antecipar-se juízo de<br />

valor relativamente à persecução criminal, à imputação formalizada pelo Ministério<br />

Público.<br />

Situação do processo. Situação do processo mediante uma articulação sem<br />

citar-se um dado concreto que dissesse respeito à própria instrução? Há uma<br />

prática, por parte da defesa, à margem da ordem jurídica, visando a criar óbice à<br />

instrução? A generalidade afasta o agasalho desse fundamento.


R.T.J. — 202 727<br />

Risco de não-submissão à condenação. Aqui se tem o exercício da simples<br />

capacidade intuitiva. Nesse caso, dever-se-á prender todo e qualquer acusado,<br />

porque é sempre possível a vinda à balha de uma sentença condenatória, e poderse-ia,<br />

portanto, presumir como regra a fuga de todo aquele passível de ser condenado.<br />

Exigir, para o relaxamento da prisão, a colaboração é tripudiar, é desconhecer<br />

que se tem como fundamento da República a dignidade do homem. É algo<br />

que, a meu ver, contraria a ordem natural das coisas e até mesmo a postura esperada<br />

de órgão investido do ofício judicante, que atua como Estado-Juiz. Beira a<br />

chantagem, há de se dizer com desassombro.<br />

Já o art. 580 do Código de Processo Penal não pode ser interpretado alijando-se<br />

o objetivo da norma, senão, de início, pela referência apenas a recurso, a<br />

essa via instrumental, não se teria como empolgar o preceito em outras situações.<br />

O texto do aludido artigo direciona a conclusão de que nem a existência da coisa<br />

julgada mostra-se obstáculo à aplicação, isso considerada a menção nele contida<br />

ao fato de o recurso interposto por um dos Réus favorecer aqueloutro que nem<br />

recorreu. Não há qualquer distinção. Não posso, observada a hermenêutica e a<br />

aplicação do Direito, criar – e de forma contrária àquele a quem o preceito objetiva<br />

beneficiar – uma exceção.<br />

Peço vênia a Vossa Excelência – a minha sina é realmente divergir –, para<br />

utilizar a mesma premissa de não respaldar a magnitude da lesão, no tocante à<br />

custódia preventiva, para utilizar esse mesmo argumento quanto ao cometimento<br />

de outros crimes. A prática de outros delitos deve ser questionada em processo<br />

próprio, sob pena de ter-se mesclagem, a meu ver, incompatível com a ordem<br />

jurídica, sob pena de, tendo em vista atos de constrição que estão em patamares<br />

diversos – da preventiva e possível condenação definitiva –, chegar-se a sobreposição<br />

contrária ao próprio Direito Penal.<br />

Entendo que o fato de se ter levado em conta, não sei objetivamente em<br />

qual época ou unidade de tempo, outras práticas delituosas, sob pena de contrariar-se<br />

o princípio da não-culpabilidade – creio que não havia, sequer, persecução<br />

criminal quanto a eles –, está a merecer glosa.<br />

Também peço vênia a Vossa Excelência para divergir quanto à situação do<br />

Co-réu Hélio. No caso, houve, inicialmente, a decretação de uma preventiva, e o<br />

Juízo, comunicado por Vossa Excelência acerca do afastamento dessa preventiva<br />

em relação aos três acusados – simplesmente acusados até aqui, penso –, veio a<br />

decretar uma nova “preventiva” quanto a Hélio. E o fez tendo em conta que<br />

aspectos? O primeiro, a saída do território nacional. Ambos os Réus, penso, estavam<br />

foragidos quando da primeira preventiva. Logo fugiram ou deixaram o distrito<br />

da culpa – a expressão é melhor – após essa preventiva, e também presente a<br />

particularidade de Hélio haver se transferido de um país para outro, sendo, por<br />

último, preso.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Com relação aos<br />

dois Pacientes, diga-se a verdade, até quando pude tomar conhecimento, trata-se<br />

de apenas uma especulação de que poderia haver fuga para o exterior.


728<br />

R.T.J. — 202<br />

Agora, em face do próprio sistema da extradição, creio que do mero nãocomparecimento<br />

ao processo – que, temos repetidamente dito, pelo menos nesta<br />

Turma, não constitui fundamento bastante para a prisão preventiva – há de distinguir-se<br />

a fuga para o exterior e o conseqüente processo de extradição, ou, ao<br />

contrário, a extradição se tornaria absolutamente impossível, porque pressupõe<br />

ordem de prisão.<br />

Mas não quero prejulgar este caso; apenas não posso dizer que a sua situação<br />

é idêntica à dos Pacientes.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Também não estou prejulgando.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Logo, não se pode aplicar o art. 580 do Código<br />

de Processo Penal.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, não quero investigar para<br />

onde foram os dois Pacientes – a esta altura, já beneficiados pela concessão do<br />

habeas corpus –, se permaneceram no território nacional ou se foram para o<br />

exterior. Não distingo as situações. E não o faço tendo em conta justamente a<br />

figura da busca e, também, a da extradição.<br />

O fato de um dos Réus – vamos admitir – ter deixado o território nacional<br />

não modificou aquela situação primeira que dizia respeito à ausência no distrito<br />

da culpa – situação que se mostrou igual no tocante aos três acusados.<br />

Creio que, com a devida vênia, se foi adiante, num passo demasiadamente<br />

largo, para se estabelecer, nessa segunda preventiva, esvaziando-se a liminar<br />

concedida pelo <strong>Supremo</strong>, singularidade que não é substancial para dizer-se surgido<br />

um novo aspecto capaz de respaldar o segundo decreto de preventiva. Por<br />

isso, peço vênia para divergir.<br />

Na outra parte, evidentemente, apenas não acompanho quanto à fundamentação,<br />

para agasalhar a causa de pedir relativa a outras práticas delituosas, entendendo-as<br />

neutras no tocante à prisão preventiva. E fico vencido, porque estendo,<br />

também, a Hélio Renato Laneado a concessão da ordem, tal como Vossa Excelência<br />

fez em relação aos outros dois Pacientes.<br />

ESCLARECIMENTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, quero deixar o registro de<br />

uma ressalva que, realmente, acabei esquecendo de fazer quando comentava a<br />

segunda questão destes habeas corpus. É a referência ao RHC 86.664, do qual foi<br />

Relator o Ministro Carlos Britto, e em que houve absolvição na Justiça comum e<br />

condenação na Justiça Militar.<br />

Acompanhei o Relator naquele caso, embora estivesse muito inclinado a<br />

aplicar o precedente do RHC 82.473, do qual foi Relator o Ministro Nelson<br />

Jobim – em situação mais ou menos análoga –, porque, ali, me pareceu haver<br />

particularidade que permitisse distinguir ambas as situações, embora se tratasse<br />

de concurso de agentes, só que um julgado pela Justiça comum, e o outro, pela<br />

Justiça Militar.


R.T.J. — 202 729<br />

Assim, até para não me comprometer com esse precedente, não quero que a<br />

minha participação neste caso seja, de alguma forma, desmentido para a adesão a<br />

esta tese. Estou até meio arrependido, Senhor Presidente, de não ter dado provimento<br />

àquele recurso.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 86.916/PR — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Dany<br />

Lederman. Impetrantes: Adriano Salles Vanni e outros. Coator: Superior <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça.<br />

Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus para tornar sem efeito<br />

a ordem de prisão preventiva de Dany Lederman, nos termos do voto do Relator.<br />

Unânime. Falou pelo Paciente o Dr. Adriano Salles Vanni.<br />

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros<br />

Marco Aurélio, Cesar Peluso, Carlos Britto e Ricardo Lewandowski. Subprocurador-Geral<br />

da República, Dr. Rodrigo Janot.<br />

Brasília, 2 de maio de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


730<br />

R.T.J. — 202<br />

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 87.847 — RJ<br />

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes<br />

Agravante: Gilberto Linhares Teixeira — Agravado: Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça<br />

Agravo regimental em habeas corpus. 1. Crimes previstos no<br />

art. 312 do Código Penal e no art. 89 da Lei 8.666/93 (peculato e<br />

fraude contra a lei de licitações). 2. Alegação de excesso de prazo<br />

na prisão preventiva. 3. Constata-se a complexidade da causa. No<br />

caso concreto, apuram-se diversos delitos cometidos por vários<br />

Co-réus, denotando razoabilidade na dilação do prazo de instrução<br />

processual, sem que a prisão dos envolvidos configure constrangimento<br />

ilegal. Dos documentos acostados aos autos, verificase<br />

também haver contribuição da defesa para a demora processual,<br />

não se configurando a ilegalidade por excesso de prazo, por não<br />

haver mora injustificada. Precedentes da Corte: HC 81.905/PE,<br />

Primeira Turma, maioria, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 16-5-03;<br />

HC 82.138/SC, Segunda Turma, unânime, Rel. Min. Maurício Corrêa,<br />

DJ de 14-11-02; e HC 71.610/DF, Pleno, unânime, Rel. Min.<br />

Sepúlveda Pertence, DJ de 30-3-01. 4. Decreto de prisão preventiva<br />

devidamente fundamentado, nos termos do art. 312 do CPP e do<br />

art. 93, IX, da CF. Existência de razões suficientes para a manutenção<br />

da prisão preventiva. 5. Agravo regimental improvido.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e<br />

das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo<br />

regimental.<br />

Brasília, 17 de outubro de 2006 — Gilmar Mendes, Presidente e Relator<br />

(RISTF, art. 37, II).<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ao apreciar o pedido liminar no HC 87.847/<br />

RJ, proferi a seguinte decisão (fls. 574-577):<br />

Decisão: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, em favor de<br />

Gilberto Linhares Teixeira, contra decisão que indeferiu o pedido de liminar no HC<br />

53.043/RJ do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça (fls. 521/522).<br />

O Paciente foi denunciado pela prática dos crimes de peculato e fraude contra a lei<br />

de licitações, e encontra-se preso preventivamente. Alega-se violação ao direito do<br />

Paciente de exercer sua ampla defesa, devido ao fato de o Juízo <strong>Federal</strong> da 6ª Vara<br />

Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro não ter aberto vista para a defesa apreciar<br />

documentos juntados pelo Ministério Público após as alegações finais.


R.T.J. — 202 731<br />

Em 26 de janeiro de 2006, o Ministro Nelson Jobim proferiu despacho solicitando<br />

informações ao Juízo <strong>Federal</strong> da 6ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de<br />

Janeiro quanto às alegações do Impetrante.<br />

No dia 3 de fevereiro seguinte, o Impetrante informou que o Juízo de primeira<br />

instância já havia concedido prazo de 16 dias para que a defesa pudesse analisar os<br />

novos documentos juntados aos autos e, após, apresentar alegações finais. Nesse ato, o<br />

Impetrante assim se pronunciou: “É certo, não se olvida, que o objeto parcial da presente<br />

impetração veiculado à garantia do direito pleno à ampla defesa do acusado restou<br />

afigurado no presente, pela possibilidade de sua manifestação e das outras 4 (quatro)<br />

defesas constituídas perante os demais co-réus acerca da documentação extemporaneamente<br />

juntada” (fl. 547). Com isso, requereu aditamento ao pedido inicial para, desta<br />

vez, não mais pedir a abertura de prazo para a defesa se pronunciar sobre os documentos<br />

juntados pelo Ministério Público, mas para que o Paciente “possa aguardar o julgamento<br />

do processo em trâmite na 6ª Vara <strong>Federal</strong> em liberdade” (fl. 549). O fundamento do<br />

novo pedido está no excesso de prazo da prisão cautelar.<br />

O Juízo <strong>Federal</strong> da 6ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro prestou<br />

informações às fls. 566-567, nos seguintes termos:<br />

“(...) Todavia, Exmo. Ministro, verifico o perecimento do objeto do habeas<br />

corpus impetrado perante essa Augusta Corte, eis que os autos da ação penal nº<br />

2005.5101503399-1, outrora conclusos para sentença, foram convertidos em<br />

diligência, ocasião em que este Juízo, em cumprimento a acórdão proferido pelo<br />

Egrégio TRF – 2ª Região, conferiu à defesa do paciente, mais uma vez, prazo para<br />

apresentação de alegações finais, oportunidade em que poderá a mesma manifestar-se<br />

sobre os documentos acostados aos autos dos quais alega ignorância, conforme<br />

demonstra a cópia da decisão, em anexo.”<br />

Em seguida, o Impetrante, por meio de nova petição (fls. 570-572), volta atrás e<br />

defende que o writ não está prejudicado por perda de objeto, pois a defesa pleiteava não<br />

apenas a concessão de prazo adequado para apresentação de alegações finais mas também<br />

a concessão de vista dos documentos que foram juntados, uma vez concluída a fase<br />

instrutória. Assim, novamente com base no direito de ampla defesa, requer seja concedida<br />

a ordem nos termos da impetração original, para que a defesa possa ter acesso aos<br />

documentos que foram anexados aos autos pelo Ministério Público.<br />

Decido.<br />

A jurisprudência desta Corte é no sentido da inadmissibilidade da impetração de<br />

habeas corpus contra decisão denegatória de liminar em tribunal, antes do julgamento<br />

definitivo do writ (cf. HC 79.776, Moreira Alves, DJ de 3-3-00; HC 76.347-QO,<br />

Moreira Alves, DJ de 8-5-98; HC 79.238, Moreira Alves, DJ de 6-8-99; HC 79.748,<br />

Celso de Mello, DJ de 23-6-00; e HC 79.775, Maurício Corrêa, DJ de 17-3-00). Esse<br />

entendimento restou consolidado na Súmula 691, verbis: “Não compete ao <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que,<br />

em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”.<br />

É certo que o rigor da Súmula 691 tem sido abrandado pela jurisprudência desta<br />

Corte (cf. HC 84.014, Rel. Min. Marco Aurélio; HC 85.185, Rel. Min. Cezar Peluso; HC<br />

85.826, Rel. Min. Gilmar Mendes), nas hipóteses em que seja premente a necessidade de<br />

concessão do provimento cautelar (para evitar flagrante constrangimento ilegal), bem<br />

como naquelas em que a decisão liminar no STJ seja manifestamente contrária à jurisprudência<br />

reiterada do STF.<br />

Porém, este não é o caso dos presentes autos. Não vislumbro a flagrante ilegalidade<br />

capaz de afastar a aplicação da Súmula 691 do STF. As informações prestadas pelo<br />

Juízo <strong>Federal</strong> da 6ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro atestam que à<br />

defesa do Paciente já fora concedido prazo para apresentação de alegações finais, oportunidade<br />

na qual poderá ter acesso e se manifestar sobre os documentos juntados pelo<br />

Ministério Público. Ademais, quanto à alegação de excesso de prazo da prisão cautelar,<br />

ressalte-se que o Impetrante já a havia sustentado tanto no HC 87.974, de minha<br />

relatoria, como no HC 87.755/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, os quais tiveram seguimento<br />

negado com base na Súmula 691 do STF.<br />

Ante o exposto, nego seguimento ao habeas corpus.<br />

(Fls. 574-577.)


732<br />

R.T.J. — 202<br />

O Agravante interpôs agravo regimental de fls. 590-596, no qual sustenta:<br />

O Agravante encontra-se segregado, ininterruptamente, há 1 (um) ano, 2 (dois)<br />

meses e 15 (quinze) dias.<br />

Não seria forçoso argumentar que, analisando-se as penas in abstrato impostas ao<br />

Agravante com o acréscimo do crime continuado, já faria o mesmo jus aos benefícios<br />

incidentais da execução penal.<br />

Destaque-se que a demora na efetiva prestação jurisdicional não pode ser imputada<br />

à defesa, que apenas tem exercido o seu mister com vistas a evitar a proliferação de<br />

nulidades nos autos. O que há é uma demora injustificada na prestação jurisdicional, que<br />

não pode prejudicar o acusado.<br />

A manifesta ilegalidade se revela porquanto o Agravante cumpre verdadeira pena<br />

restritiva de liberdade sem uma sentença judicial com trânsito em julgado. A sua prisão<br />

processual já ultrapassou em quase 5 (cinco) vezes o limite máximo legal.<br />

Em casos tais, o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> tem decidido por flexibilizar o que<br />

dispõe o enunciado da Súmula 691 do Pretório Excelso.<br />

(...)<br />

No caso ora em análise não se pode aplicar a Súmula 691 do Augusto <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, haja vista que a ilegalidade no caso em tela é manifesta e absolutamente<br />

inaceitável, sendo imperioso o prosseguimento do feito com apreciação do mérito<br />

pelo Preclaro Colegiado.<br />

(Fls. 594-596.)<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): O objetivo deste agravo regimental,<br />

além da tentativa da admissibilidade do HC 87.847/RJ, é reiterar o argumento<br />

do excesso de prazo na prisão preventiva do Paciente, que se encontra preso há<br />

mais de 1 ano e 2 meses.<br />

A prisão do Paciente foi decretada em 19-1-05, pelo Juízo da 6ª Vara <strong>Federal</strong><br />

da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, com base na garantia da ordem<br />

pública e na conveniência da instrução criminal, tendo os seguintes fundamentos,<br />

verbis:<br />

De acordo com a narrativa da denúncia, além de toda a instrução do inquérito<br />

policial, foi possível a este Juízo chegar à conclusão de que é necessária a decretação da<br />

prisão preventiva para a garantia da ordem pública e da conveniência da instrução<br />

criminal.<br />

Conforme bem esclareceu o Ministério Público <strong>Federal</strong>, os denunciados cuja<br />

prisão preventiva ora se requer continuam em atividade, inclusive exercendo cargos de<br />

direção da Autarquia, demonstrando-se, desta forma, a possibilidade da continuidade<br />

delitiva uma vez que mesmo após a instauração do inquérito policial, não houve<br />

interrupção das atividades criminosas.<br />

Desta forma, necessária a segregação dos envolvidos para que a ordem pública<br />

reste assegurada, já que permitir que os denunciados ficassem em liberdade poderia<br />

resultar em mais perdas patrimoniais em desfavor da Autarquia.<br />

Reporto-me ao trecho da cota ministerial, de fl. 389, onde afirma, com precisão,<br />

que: “os denunciados acima citados constituem o núcleo da organização criminosa,<br />

sendo que a manutenção deles em liberdade constitui grave ameaça à ordem pública,<br />

pois, certamente, prosseguirá a atividade de desvio de recursos do COFEN que já dura<br />

mais de dez anos sem solução de continuidade em evidente ofensa à sociedade”.<br />

Além do mais, entendo também caracterizado o periculum libertatis, e com isso a<br />

necessidade da decretação da prisão preventiva, para a conveniência da instrução criminal.


R.T.J. — 202 733<br />

Há sérios indícios nos autos do inquérito policial de que os ora denunciados,<br />

por diversas vezes, tentaram retardar o regular processamento das investigações,<br />

além da possibilidade de intimidação de testemunhas e outras pessoas que pudessem<br />

comprometer o esquema criminoso. Foram colacionados trechos de conversas telefônicas<br />

onde os denunciados demonstram o intuito de prejudicar as investigações e<br />

com isso impedir a apuração correta dos fatos.<br />

(Fls. 419/420 – Grifos nossos.)<br />

O Paciente e seus Co-réus, dirigentes e servidores do sistema Cofen/Coren,<br />

foram denunciados por terem recebido de forma fraudulenta recursos desviados<br />

do Cofen, cometendo delitos de peculato e fraude contra a lei de licitações.<br />

O HC 53.043/RJ do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, em face do qual se insurge<br />

o Paciente, encontra-se concluso ao Ministro Relator desde 10-4-06, com parecer<br />

do Ministério Público <strong>Federal</strong>.<br />

A rigor, a jurisprudência desta Corte é no sentido da inadmissibilidade da<br />

impetração de habeas corpus contra decisão denegatória de liminar proferida por<br />

<strong>Tribunal</strong> Superior, antes do julgamento definitivo do writ (cf. HC 76.347-QO/<br />

MS, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, unânime, DJ de 8-5-98; HC<br />

79.238/RS, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, unânime, DJ de 6-8-99; HC<br />

79.776/RS, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, unânime, DJ de 3-3-00; HC<br />

79.775/AP, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, maioria, DJ de 17-3-00; e<br />

HC 79.748/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, maioria, DJ de 23-6-00).<br />

Esse entendimento foi consolidado com a edição da Súmula 691/STF,<br />

verbis: “Não compete ao <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> conhecer de habeas corpus<br />

impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a <strong>Tribunal</strong><br />

Superior, indefere a liminar”.<br />

É bem verdade, por outro lado, que o rigor na aplicação da Súmula 691/STF<br />

tem sido abrandado pela jurisprudência desta Corte nas hipóteses em que: i) seja<br />

premente a necessidade de concessão do provimento cautelar para evitar flagrante<br />

constrangimento ilegal; ii) bem como naquelas em que a decisão liminar no STJ<br />

seja manifestamente contrária à jurisprudência reiterada do STF.<br />

Nesse sentido, arrolo os seguintes precedentes: HC 84.014-AgR/MG, Rel.<br />

Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, unânime, DJ de 25-6-04; HC 85.826/SP, de<br />

minha relatoria, DJ de 3-5-05, decisão monocrática; e HC 85.185/SP, Rel. Min.<br />

Cezar Peluso, Pleno, unânime, DJ de 1º-9-06.<br />

No caso concreto, o decreto de prisão preventiva indicou os seguintes fundamentos<br />

do art. 312 do CPP: garantia da ordem pública e conveniência da instrução<br />

criminal.<br />

Para tal fundamentação, o Juízo originário especificou os seguintes elementos<br />

concretos: i) a posição de chefia na “célula criminosa”; ii) o fato de os<br />

denunciados continuarem praticando os delitos, mesmo após instaurado o inquérito<br />

policial; e, por fim, iii) a circunstância de que a manutenção dos cargos de<br />

direção na Autarquia poderia ocasionar mais perdas patrimoniais ao ente público<br />

(fls. 418/419).


734<br />

R.T.J. — 202<br />

À primeira vista, o decreto de custódia provisória aludiu, ao menos em tese<br />

e de modo expresso, à garantia da ordem pública e à conveniência da instrução<br />

criminal como fundamentos da decretação da prisão preventiva, nos termos do<br />

art. 312 do CPP.<br />

Conclusivamente, sem prejuízo da oportuna apreciação do tema em eventual<br />

impetração decorrente de decisão de mérito no HC 53.043/RJ, não vislumbro,<br />

nesta sede de cognição, manifesto constrangimento ilegal que tenha sido<br />

imputado ao Agravante.<br />

Com relação à alegação de excesso de prazo, segundo informações das fls.<br />

10-19, verifica-se menção à complexidade da causa, uma vez que a denúncia<br />

teria sido oferecida contra 49 denunciados, pela prática de vários crimes de<br />

peculato e fraude em licitações, admitindo-se, em princípio, a excepcional prorrogação<br />

de mais de 81 dias para o término da instrução criminal.<br />

A jurisprudência deste <strong>Tribunal</strong>, para o caso de processos complexos, admite<br />

a possibilidade de dilação do prazo da instrução processual, sem que a prisão do<br />

envolvido configure constrangimento ilegal. Neste sentido, vale destacar os seguintes<br />

precedentes da Corte: HC 81.905/PE, Primeira Turma, maioria, Rel. Min.<br />

Ellen Gracie, DJ de 16-5-03; HC 82.138/SC, Segunda Turma, unânime, Rel. Min.<br />

Maurício Corrêa, DJ de 14-11-02; e HC 71.610/DF, Pleno, unânime, Rel. Min.<br />

Sepúlveda Pertence, DJ de 30-3-01.<br />

Registre-se, por oportuno, que tal como informado pelo Juízo da Sexta Vara<br />

<strong>Federal</strong> ao Ministro Nelson Jobim, por ocasião do julgamento do pedido de<br />

medida liminar, os autos da Ação Penal 2005.5101503399-1 já estavam conclusos<br />

para sentença quando foram convertidos em diligências, para dar cumprimento<br />

a determinação constante de acórdão do TRF/2ª Região, o qual, por sua vez,<br />

deferiu à defesa do Paciente prazo para apresentação de alegações finais.<br />

Dessa forma, creio ser o caso patente de aplicação da Súmula 691 do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, uma vez que não foi proferida decisão de mérito no HC 53.043/<br />

RJ perante o Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça. Conforme já registrado na decisão ora<br />

impugnada, muito embora o rigor do referido enunciado sumular tenha sido<br />

abrandado pela jurisprudência desta Corte, no caso dos autos, não se vislumbra a<br />

flagrante ilegalidade ou manifesta contrariedade à jurisprudência do STF, que<br />

poderia viabilizar, ao menos em tese, o processamento do habeas corpus na<br />

Suprema Corte.<br />

Nesses termos, nego provimento ao presente agravo regimental.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 87.847-AgR/RJ — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Agravante:<br />

Gilberto Linhares Teixeira (Advogado: Luiz Carlos da Silva Neto). Agravado:<br />

Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: Negado provimento ao agravo regimental, decisão unânime. Ausente,<br />

justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu<br />

este julgamento o Ministro Gilmar Mendes.


R.T.J. — 202 735<br />

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros<br />

Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro<br />

Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.<br />

Brasília, 17 de outubro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


736<br />

R.T.J. — 202<br />

RECURSO EM HABEAS CORPUS 88.122 — MG<br />

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio<br />

Recorrente: Fernando Roberto Teixeira — Recorrido: Superior <strong>Tribunal</strong><br />

Militar<br />

Crime militar – Alínea a do inciso II do art. 9º do Código<br />

Penal Militar – Duplo requisito. Consoante dispõe a alínea a do<br />

inciso II do art. 9º do Código Penal Militar, apenas há configuração<br />

de crime militar quando a infração cometida, que também<br />

possua definição na lei penal comum, decorra de atuação de militar<br />

em serviço ou assemelhado contra militar na mesma situação<br />

ou assemelhado. A previsão legal não alcança quadro em que militar<br />

em atividade nitidamente civil – participação em festa carnavalesca<br />

–, desacata militar em serviço, obstaculizando, mediante<br />

violência ou ameaça, ato a consubstanciar dever funcional.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda<br />

Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade, não conhecer do recurso ordinário em habeas corpus, mas em<br />

conceder, de ofício, a ordem, nos termos do voto do Relator.<br />

Brasília, 19 de junho de 2007 — Marco Aurélio, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Superior <strong>Tribunal</strong> Militar indeferiu a ordem<br />

requerida em favor de Fernando Roberto Teixeira, Terceiro Sargento do<br />

Exército, ante fundamentos assim sintetizados (fl. 87):<br />

Ementa. Habeas corpus. Crimes de resistência e de desacato praticados por militar<br />

federal contra integrantes da Polícia Militar de Minas Gerais. Competência da Justiça<br />

Castrense. Ausência de constrangimento ilegal. A conduta delitiva prevista nos arts. 177<br />

e 299 do CPM, tendo como sujeito ativo graduado do Exército e no polo passivo<br />

policiais militares estaduais, amolda-se ao disposto no inciso II, letra a, do art. 9º, do<br />

CPM, tendo como competente a Justiça Militar da União, porquanto a Emenda Constitucional<br />

18/98 estendeu aos integrantes das corporações de milícia estadual o status de<br />

militares. Ordem de habeas corpus denegada. Decisão majoritária.<br />

No recurso ordinário de fls. 125 a 131, insiste-se no cabimento do habeas<br />

para obter-se o trancamento da ação penal, por ausência de justa causa e incompetência<br />

da Justiça Militar, uma vez que a Justiça de Minas Gerais também instaurou<br />

procedimento criminal contra o Paciente, ante a mesma fundamentação<br />

legal, encontrando-se o processo em tramitação no Juizado da Comarca de<br />

Resende Costa, onde ocorreram os fatos narrados na denúncia. Salienta-se que,<br />

para o recebimento da denúncia na Justiça Militar, são necessários, além da condição<br />

de militar do agente, outros requisitos não configurados na espécie: estar o


R.T.J. — 202 737<br />

acusado em serviço; haver utilizado material ou arma da corporação; terem os<br />

fatos acontecidos dentro da unidade militar. Assevera-se que o Paciente foi vítima,<br />

e não autor dos crimes a ele imputados. Considera-se coação ilegal a circunstância<br />

de o Paciente responder, na Justiça Militar, por crime não caracterizado<br />

como militar, em relação ao qual também é processado na Justiça comum, somente<br />

pelo fato de ser militar das Forças Armadas do Brasil. Alude-se a precedentes<br />

jurisprudenciais, inclusive desta Corte, e ressalta-se que o constrangimento sofrido,<br />

apesar de não implicar séria ameaça à liberdade individual, “pode resultar um<br />

grave prejuízo para o conceito pessoal do indivíduo, sua boa fama, tendo que<br />

suportar todo o ônus dessas aleivosias e a conseqüente perda de prestígio e conceito<br />

pessoal, constituindo um dano sério aos sentimentos morais na sociedade,<br />

na profissão e nas suas funções” (fl. 131). Evoca-se o direito à imagem, a ser<br />

protegido contra a incerteza, afirmando-se que qualquer restrição a ele mostra-se<br />

verdadeiro atentado à própria dignidade humana, porquanto consiste a imagem<br />

no bem maior de todo cidadão (fl. 131).<br />

O recurso foi recebido mediante a decisão de fl. 133.<br />

A Procuradoria-Geral da República, no parecer de fls. 142 a 147, preconiza<br />

o recebimento do recurso como pedido originário e a concessão da ordem. Eis o<br />

resumo da peça (fl. 142):<br />

Recurso ordinário em habeas corpus. Intempestividade. Recebimento do writ<br />

como pedido originário. Possibilidade. Limites da discussão. Acórdão do <strong>Tribunal</strong> a<br />

quo. Competência Justiça Militar. Embate físico entre servidor das Forças Armadas e<br />

policiais militares estaduais. Infração cometida fora do horário de serviço. Ausência de<br />

agressão à instituição militar.<br />

Pelo recebimento do recurso como pedido originário e concessão da ordem.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): O recurso foi interposto após o<br />

prazo legal. A decisão impugnada teve notícia no Diário de 31 de janeiro de<br />

2006 – terça-feira (fl. 106) –, vindo o fac-símile da peça recursal em 7 de fevereiro<br />

seguinte – terça-feira (fl. 109). A protocolação do original somente se deu no dia<br />

14 imediato – terça-feira (fl. 125). Daí restar adequada a certidão de trânsito em<br />

julgado de fl. 107. Não conheço do recurso.<br />

Proponho a concessão da ordem de ofício.<br />

Eis como a Procuradoria-Geral da República resumiu o pano de fundo da<br />

ação penal movida contra o Paciente considerado os crimes dos art. 177 e 299 do<br />

Código Penal Militar – resistência mediante ameaça ou violência e desacato a<br />

militar (fl. 143):<br />

Em síntese, Fernando Roberto Teixeira, 3º Sgt. Intendente do Exército Brasileiro,<br />

no dia 16.02.2003, durante as festividades do VII Carnaval Antecipado, no Município<br />

de Coronel Xavier Chaves – MG, envolveu-se em embate físico com Policiais Militares,<br />

quando solicitado para reduzir o volume do som advindo de seu veículo, sendo por este<br />

fato denunciado pelo Ministério Público Militar, em 16.03.2004, como incurso nos arts.<br />

177 e 299 c/c o art. 79 do Código Penal Militar.


738<br />

R.T.J. — 202<br />

Ora, mostra-se insustentável enquadrar o ato na previsão do art. 9º, inciso II,<br />

alínea a, do Código Penal Militar. Esta a redação do preceito:<br />

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:<br />

(...)<br />

II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição<br />

na lei penal comum, quando praticados:<br />

a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma<br />

situação ou assemelhado;<br />

(...)<br />

Conforme consta deste processo, há o atendimento da segunda condição:<br />

os crimes imputados teriam sido cometidos contra militar – policial militar em<br />

serviço. Mas não se faz presente o requisito primeiro, ou seja, a prática, por militar<br />

em situação de atividade ou assemelhado. A participação de integrante do Exército<br />

brasileiro em festividade, mais precisamente em carnaval antecipado, não<br />

pode sequer ser tomada como assemelhada a situação em atividade.<br />

Concedo a ordem de ofício para restabelecer a visão primeira da Juíza-<br />

Auditora Substituta da 4ª Circunscrição Judiciária Militar, no que declinou da<br />

competência em favor da Justiça comum de Minas Gerais, à qual deixo de determinar<br />

a remessa do processo, porquanto nela tramitou, simultaneamente, ação<br />

penal, vindo a ser prolatada sentença que já transitou em julgado (fls. 18 a 25 do<br />

apenso).<br />

Com esta decisão, fica prejudicado o pedido formulado no HC 91.586-8/<br />

MG, impetrado contra ato do Superior <strong>Tribunal</strong> Militar, tendo em conta a falta de<br />

justa causa.<br />

É como voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

RHC 88.122/MG — Relator: Ministro Marco Aurélio. Recorrente: Fernando<br />

Roberto Teixeira (Advogado: Décio Miguel Reis de Melo). Recorrido: Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> Militar.<br />

Decisão: A Turma não conheceu do recurso ordinário em habeas corpus.<br />

Concedeu, porém, de ofício, a ordem, nos termos do voto do Relator. Unânime.<br />

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros<br />

Marco Aurélio, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia.<br />

Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.<br />

Brasília, 19 de junho de 2007 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


R.T.J. — 202 739<br />

HABEAS CORPUS 88.421 — RJ<br />

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto<br />

Paciente: Roberto Cruz Moysés ou Roberto Cruz Moisés — Impetrante:<br />

Melissa Pessotti Taveira Stefani — Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Habeas corpus. Crimes contra a ordem tributária e o sistema<br />

financeiro nacional. Alegação de incompetência do juízo em face<br />

do local da infração. Comprovação documental do local da sede<br />

da empresa. Dilação probatória. Impossibilidade.<br />

Diante do controvertido quadro factual dos autos, correto o<br />

acórdão que denega o writ, ante a impossibilidade de se apreciar<br />

alegação que exija aprofundado exame sobre matéria de prova e<br />

outros dados empíricos. Precedentes.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda<br />

Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus.<br />

Brasília, 29 de junho de 2006 — Carlos Ayres Britto, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de habeas corpus, impetrado<br />

contra acórdão do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça. Acórdão assim ementado:<br />

Processual Penal. Habeas corpus. Art. 1º, inciso II, da Lei 8.137/90 e art. 16 da<br />

Lei 7.492/86. Conflito de competência. Lugar da infração. Vara <strong>Federal</strong> da Comarca<br />

do Rio de Janeiro. Dilação probatória. Impossibilidade. Writ. Rito célere.<br />

A análise de questão relativa à verificação do preenchimento dos requisitos necessários<br />

à configuração de crime continuado não se compatibiliza com a via estreita do<br />

habeas corpus, por demandar aprofundado exame do quadro fático-probatório estabelecido<br />

no processo, em que se reconheceu a ocorrência de concurso material.<br />

Inviável a apreciação, na via de habeas corpus, ação de rito sumário, de alegação<br />

que demande aprofundado exame sobre matéria de prova.<br />

O writ impetrado perante o STJ, demanda ao Paciente, trazer aos autos a prova<br />

pré-constituída, apta a comprovar a ilegalidade aduzida.<br />

Ordem denegada.<br />

2. Pois bem, a Impetrante sustenta que o Paciente está a sofrer constrangimento<br />

ilegal, decorrente da decisão acima transcrita. Isso porque, apesar de correta,<br />

a fundamentação do acórdão não serve para o caso, dado que “o Paciente juntou<br />

fartas e lícitas provas documentais que efetivamente comprovam o funcionamento<br />

da empresa Phoneserv na Comarca de Santana do Parnaíba/SP (...), bem com<br />

provas de seu domicílio pessoal (...), o que não ensejaria a análise aprofundada do<br />

conjunto fático-probatório (...), bastando apenas uma simples compulsada aos<br />

autos”. Diante disso, afirma que, “se houve um suposto delito, este somente


740<br />

R.T.J. — 202<br />

poderia ter sido praticado na sede da empresa Phoneserv (São Paulo) e, alternativamente,<br />

sendo desconhecido o local da infração, somente poderia ser processado<br />

e julgado em São Paulo, local onde tanto o Paciente como o outro Co-réu<br />

são domiciliados e residentes, conforme comprovam os inúmeros documentos<br />

acostados ao presente mandamus”. Pelo que pede a concessão de medida liminar<br />

para determinar a “suspensão do andamento da ação penal em trâmite perante a 2ª<br />

Vara <strong>Federal</strong> da Comarca do Rio de Janeiro”. No mérito, requer o deferimento da<br />

ordem para que os autos sejam remetidos ao Estado de São Paulo, a fim de serem<br />

processados perante juiz competente.<br />

3. Na seqüência, indeferida a liminar e prestadas as informações, foram os<br />

autos encaminhados ao Ministério Público <strong>Federal</strong>, cujo parecer foi pela denegação<br />

do writ.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Consoante relatado, a controvérsia<br />

jurídica a ser equacionada no presente writ consiste em saber qual o juízo<br />

competente para julgar os crimes imputados ao Paciente.<br />

6. Pois bem, colhe-se dos autos que o Paciente foi condenado (fls. 126/160)<br />

pelos crimes descritos no inciso II do art. 1º da Lei 8.137/90 (por duas vezes, em<br />

continuidade delitiva) e no art. 16 da Lei 7.492/86, em concurso material. Isso<br />

porque, juntamente com outro denunciado, “na qualidade de administradores da<br />

empresa Phoneserv de Recebíveis Ltda., contabilizaram operações de prestação<br />

de serviços não efetivamente prestados pela empresa MCBA Consultoria Econômica<br />

S/C Ltda., com o escopo de registrar custos/despesas inexistentes, acarretando,<br />

dessa forma, a redução dos valores devidos a título de Imposto de Renda<br />

Pessoa Jurídica e Contribuição Social; em conduta completamente autônoma e<br />

independente, os denunciados, também (...) fizeram operar instituição financeira<br />

sem autorização do Banco Central do Brasil (...)” (fls. 61/67).<br />

7. Inconformado com o fato de o processo tramitar perante a 2ª Vara <strong>Federal</strong><br />

da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, o ora Paciente ajuizou exceção de incompetência,<br />

sob a alegação de que os supostos crimes foram praticados e consumados<br />

na cidade de Santana do Parnaíba/SP, localidade onde se encontra sediada<br />

sua empresa. Mas rejeitada a exceção, aviou habeas corpus perante o <strong>Tribunal</strong><br />

Regional <strong>Federal</strong> da 2ª Região, e, em seguida, perante o Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça. Restando denegadas as ordens, veio a este <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

8. Ocorre que a primeira impressão da quaestio juris – manifestada quando<br />

da sumária cognição da medida liminar – está a se confirmar neste mais detido<br />

exame da impetração. Juízo ainda que se robusteça com o parecer da douta Procuradoria-Geral<br />

da República (fls. 165/167). É que o Impetrante insiste na tese da<br />

incompetência da 2ª Vara <strong>Federal</strong> da Comarca do Rio de Janeiro para julgar o<br />

feito, em face da comprovação documental de que a sede da empresa é em<br />

Santana do Parnaíba/SP. Razão pela qual, no seu entender, os crimes somente


R.T.J. — 202 741<br />

poderiam ocorrer naquele Município. Contudo, por ocasião do ajuizamento da<br />

ação penal, o Ministério Público <strong>Federal</strong> consignou: “conquanto a empresa<br />

Phoneserv de Recebíveis Ltda. possuísse – e ainda possua formalmente – domicílio<br />

fiscal no Município de Santana do Parnaíba/SP, restou comprovado pela<br />

Receita <strong>Federal</strong> que esse domicílio era meramente de ‘fachada’, porquanto o seu<br />

endereço de fato era o mesmo do Banco Marka S.A., administrado pelo Sr.<br />

Salvatore Cacciola, de quem o segundo denunciado, Roberto Cruz Moysés, foi<br />

ex-cunhado”.<br />

9. Ora bem, se esse é o controvertido quadro factual, correto o acórdão que<br />

denegou a ordem em face da impossibilidade de apreciação, na via estrita do<br />

habeas corpus, de alegação que demande aprofundado exame sobre matéria de<br />

prova e outros dados empíricos. Afinal, o habeas corpus, tal qual o mandado de<br />

segurança, é via processual de verdadeiro atalho. Isso no pressuposto do seu<br />

adequado ajuizamento, a se dar quando a petição inicial já vem aparelhada com<br />

material probatório que se revele, ao menos num primeiro exame, induvidoso<br />

quanto à sua facticidade mesma e enquanto fundamento jurídico da pretensão. A<br />

dispensar, portanto, a chamada dilação probatória. Nessa mesma linha de orientação<br />

é que foi exarado o parecer da Procuradoria-Geral da República, in verbis:<br />

(...)<br />

Com efeito, para se chegar à conclusão de que a competência para processar e<br />

julgar a ação penal seria da Seção Judiciária de São Paulo e não da Seção Judiciária do<br />

Rio de Janeiro, necessário seria um profundo exame probatório a fim de verificar se os<br />

fatos se deram naquela, e não nesta última seção judiciária, operação inviável nos<br />

estreitos limites da via eleita.<br />

Observe-se que a inicial acusatória relata fatos ocorridos no Rio de Janeiro, não<br />

será a simples juntada do contrato social da empresa, sediada formalmente no Estado de<br />

São Paulo, que irá reverter a competência determinada em razão do lugar dos fatos.<br />

Além disso, as informações prestadas pelo Juiz da 2a Vara <strong>Federal</strong> Criminal do<br />

Rio de Janeiro à fl. 126 noticiam que já foi prolatada sentença condenatória, onde, pela<br />

segunda vez, foi solvida a questão atinente à incompetência (já havia sido decidida<br />

anteriormente em incidente de incompetência levado ao TRF da 2a Região), cujas cópias<br />

estão acostadas às fls. 127/160.<br />

10. Por tudo quanto posto, indefiro o habeas corpus.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, acompanho inteiramente<br />

o voto do eminente Relator ressaltando uma particularidade interessante:<br />

quem vive em São Paulo sabe que as empresas abertas em Santana do<br />

Parnaíba e na periferia da região metropolitana o são meramente porque lá o ISS,<br />

o Imposto sobre Serviços, é reduzido, muito menor do que em qualquer outro<br />

local do Estado de São Paulo e quiçá do Brasil. Realmente trata-se de uma mera<br />

fachada.<br />

Além disso, encampo os argumentos do eminente Relator para dizer que o<br />

restante é matéria de prova.<br />

É o meu voto.


742<br />

R.T.J. — 202<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, sem fato não há julgamento.<br />

É a premissa básica a ser assentada. Por isso, sou refratário à colocação de<br />

que não cabe a impetração, tendo em conta o envolvimento de matéria fática,<br />

como proclamou o Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Agora, no caso concreto, ficou elucidado que a empresa, sediada em São<br />

Paulo, e considerado o respectivo estatuto, seria apenas de fachada, sob o ângulo<br />

da localização. Todos nós sabemos também que não se pode definir a competência<br />

para o processo penal a partir do estatuto da empresa, sobrepondo-se o formal<br />

à realidade, a partir da residência do Réu, como se envolvida uma ação cível e<br />

não uma ação penal.<br />

Os fatos narrados na inicial consignam a prática do crime no Rio de Janeiro,<br />

e isso ficou demonstrado mediante a sentença proferida e também o pronunciamento<br />

do <strong>Tribunal</strong> Regional <strong>Federal</strong> da 2ª Região.<br />

Acompanho o Relator, indeferindo a ordem.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Se não me engano, salvo os<br />

crimes de imprensa, o que determina a competência territorial é o fato criminoso.<br />

Se não fosse assim, todos os crimes de trânsito cometidos com automóvel locado<br />

provavelmente teriam de processar-se no foro de Curitiba, ainda que ocorressem<br />

no Pará.<br />

Indefiro a ordem.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 88.421/RJ — Relator: Ministro Carlos Britto. Paciente: Roberto Cruz<br />

Moysés ou Roberto Cruz Moisés. Impetrante: Melissa Pessotti Taveira Stefani.<br />

Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Não<br />

participou, justificadamente, deste julgamento a Ministra Cármen Lúcia.<br />

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros<br />

Marco Aurélio, Carlos Britto e Ricardo Lewandowski. Ausente, justificadamente,<br />

a Ministra Cármen Lúcia. Compareceu o Ministro Cezar Peluso a fim de<br />

julgar processos a ele vinculados, assumindo a cadeira da Ministra Cármen Lúcia.<br />

Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.<br />

Brasília, 29 de junho de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


R.T.J. — 202 743<br />

HABEAS CORPUS 88.528 — RJ<br />

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence<br />

Paciente: Herberth Silvio Vieira Souza ou Herberth Silvio Vieria Sousa ou<br />

Heberth Silvio Vieira Sousa — Impetrante: César Teixeira Dias — Coator: Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Crime continuado: caracterização: pluralidade de delitos de<br />

extorsão mediante seqüestro – no mesmo contexto de fato, dos<br />

quais resultaram mortes: possibilidade de aplicação do parágrafo<br />

único do art. 71 do Código Penal – a ser examinada pelo juízo de<br />

mérito – que impede a imediata aplicação, no habeas corpus, da<br />

pena conforme o caput do art. 71 do Código Penal. Habeas corpus<br />

deferido, em parte. Extensão dos efeitos ao Co-réu.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda<br />

Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

maioria de votos, deferir, em parte, o pedido de habeas corpus, nos termos do<br />

voto do Relator, e estender a ordem ao Co-réu Frederico Matuch Coelho.<br />

Brasília, 6 de junho de 2006 — Sepúlveda Pertence, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O Ministério Público <strong>Federal</strong>, em parecer<br />

da lavra da Il. Subprocuradora-Geral Cláudia Marques, expôs o caso e opinou<br />

nestes termos (fl. 94):<br />

1. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Herberth Silvio Vieira contra<br />

acórdão proferido pelo Eg. Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, que não conheceu do writ ali<br />

ajuizado ao fundamento de que “o reconhecimento de crime continuado exige o<br />

revolvimento da prova”, impossível em sede de habeas corpus.<br />

2. Alega o Impetrante que a sentença que condenou o Paciente é nula porque não<br />

fundamentou o reconhecimento do concurso material, quando a hipótese é de continuidade<br />

delitiva. Segundo afirma, é “indiscutível que os fatos posteriores guardam relação<br />

com o primeiro, estando cumprido assim não só os elementos objetivos (crimes da<br />

mesma espécie; tempo; lugar; maneira de execução) como também o polêmico elemento<br />

subjetivo da continuação delitiva que é a unidade de desígnio” (fls. 6).<br />

3. Sustenta, ainda, que, contrariamente ao que entendeu o Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça, essa Eg. Corte tem admitido o exame da continuidade delitiva em sede de habeas<br />

corpus, “sendo vários os julgados em que a Suprema Corte se lançou ao exame do<br />

material probatório para reconhecer a continuidade delitiva e, em conseqüência, determinar<br />

a nulidade do acórdão condenatório no sentido de que o <strong>Tribunal</strong> do Estado<br />

fundamente o reconhecimento da figura concursal mais grave” (fl. 7).<br />

4. O parecer é pela concessão parcial da ordem.<br />

5. Primeiramente, cumpre registrar que no presente feito, para se verificar a<br />

ocorrência da continuidade delitiva, não se faz necessário o exame de provas. Pela<br />

leitura da denúncia, da sentença e do acórdão proferido pelo <strong>Tribunal</strong> de Justiça do<br />

Estado do Rio de Janeiro há condições de analisar se o crime foi cometido de acordo<br />

com os ditames do art. 71, do CP.


744<br />

R.T.J. — 202<br />

6. A denúncia narrou que três adolescentes foram seqüestrados “em unidade de<br />

ações e desígnio” pelos réus, com “objetivo de obter para si vantagem econômica” (fl.<br />

11). Não tendo sido atendido o pedido de resgate, os mesmos denunciados mataram as<br />

três vítimas, uma após a outra.<br />

7. A sentença descreveu que o pedido de resgate foi feito ao pai de uma das<br />

vítimas, mas que o preço alcançava todas (fl. 30). Ademais, uma testemunha viu os três<br />

adolescentes no banco de trás de um veículo e, “dez minutos depois”, a mãe de uma das<br />

vítimas ouviu vários disparos de tiros. Quando o automóvel retornou, os meninos já não<br />

estavam mais no carro (fl. 30).<br />

8. Para dissipar toda e qualquer dúvida sobre o modo como ocorreram os fatos,<br />

cumpre transcrever o seguinte trecho da denúncia:<br />

“No dia 26 de agosto de 2000, por volta das 20h, nas imediações da Rua<br />

40, Jardim Catarina, nesta comarca, os denunciados, vontade livre e consciente,<br />

em unidade de ações e desígnio, com o objetivo de obter para si vantagem<br />

econômica, seqüestraram os adolescentes Alex Rodrigues, Warlisson da Silva<br />

Alves e Edson Gomes Lima.<br />

Instantes após, o primeiro denunciado, Frederico, utilizando-se da linha<br />

telefônica celular nº 92282720, efetuou duas ligações para o telefone público<br />

(linha 615 6901) localizado nas proximidades do Conjunto Habitacional<br />

(Cohab), situado no Jardim Catarina, ocasião em que, em unidade de desígnio<br />

com os demais denunciados, em conversa com Jorge Antônio Gomes Júnior,<br />

exigiu, como condição para a libertação dos adolescentes, o pagamento da quantia<br />

de R$3.000,00 (três mil reais) e a entrega de duas pistolas.<br />

Desatendidos em seu pleito, os denunciados, vontade livre e consciente,<br />

em unidade de ações e desígnios, nas imediações da Casa de Fogos Santo Antônio,<br />

situada às margens da Rodovia Niterói-Manilha, nesta comarca, mediante o<br />

emprego de arma de fogo, efetuaram disparos contra os referidos adolescentes,<br />

causando-lhes as lesões descritas nos autos de exame cadavérico acostado às fls.<br />

141, 148 e 154, as quais foram a causa de suas mortes.<br />

Certo é, também, que os denunciados, vontade livre e consciente, nesta<br />

comarca, associaram-se entre si e com terceiras pessoas para o fim de, valendo-se<br />

de sua condição de policiais militares, praticarem o que se chama de ‘mineiras’<br />

em desfavor de integrantes de localidades onde grassa o comércio ilícito de<br />

substância entorpecente, ocasião em que, do mesmo modo que procederam no<br />

fato acima descrito, seqüestraram suas vítimas em troca do pagamento de um<br />

resgate, sendo que, restando frustrado o seu intento, culminam por ceifar a vida<br />

dos seus reféns.”<br />

(Fls. 11/12.)<br />

9. Assim descritos os fatos, é indiscutível que os seqüestros, e as mortes subseqüentes,<br />

foram planejadas e praticadas dentro de um mesmo contexto; nas mesmas<br />

“condições de tempo, lugar, maneira de execução”, estando presentes os requisitos<br />

contidos em lei para a existência do crime continuado. Os réus seqüestraram as três<br />

vítimas com o objetivo de praticarem extorsão, pediram resgate único pelos três e<br />

mataram todos em virtude de o preço não ter sido pago, situação que, indiscutivelmente,<br />

tem-se como de crime continuado.<br />

10. Assim, a condenação do Paciente pelos crimes em concurso material importou<br />

em constrangimento ilegal que pode ser corrigido pela via excepcional do habeas<br />

corpus.<br />

11. No entanto, a afirmação de que os crimes foram cometidos em situação de<br />

continuidade delitiva, não importa em redução automática da pena imposta ao Paciente.<br />

Com efeito, o parágrafo único do art. 71 do Código Penal, determina que “Nos crimes<br />

dolosos, com vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa,<br />

poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a<br />

personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de<br />

um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo observadas as<br />

regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código”.


R.T.J. — 202 745<br />

12. Assim, a solução que, ao ver do Ministério Publico <strong>Federal</strong>, afigura-se mais<br />

correta para a hipótese, é a de se anular a sentença apenas na parte em que afirmado o<br />

concurso material, para, mantida a condenação e a pena-base imposta – porque muito<br />

bem fundamentados –, determinar ao Juiz que, observada a continuidade delitiva,<br />

refaça a dosimetria da pena fixando o percentual de aumento, de acordo com os<br />

parâmetros fixados no parágrafo único do art. 71 do Código Penal.<br />

13. Ante o exposto, manifesta-se o Ministério Público <strong>Federal</strong> pela concessão<br />

parcial da ordem para afirmar que os crimes cometidos pelo Paciente foram em continuidade<br />

delitiva e, mantida a condenação e a pena-base fixadas pela sentença<br />

condenatória e confirmadas em sede de apelação, determinar ao Juízo que proceda ao<br />

cálculo do aumento decorrente da continuação, nos moldes do parágrafo único do art.<br />

71, do CP.<br />

Há notícia nos autos de que houve o desmembramento do processo quanto<br />

aos Co-réus Marcos, André e Gustavo, que também teriam sido julgados (fls. 23 e<br />

42).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Correto o parecer do Ministério<br />

Público <strong>Federal</strong>.<br />

Extrato da sentença – confirmada pelo acórdão da apelação (fls. 51/57) – o<br />

tópico relativo à aplicação da pena do Paciente e do Co-réu Frederico Matuch<br />

Coelho, ambos policiais militares, verbis (fls. 41/44):<br />

Sendo assim, condeno os réus Frederico Matuch Coelho e Heberth Silvio Vieira<br />

Souza nas penas dos crimes dos arts. 159, parágrafo terceiro (três vezes) e art. 288 do<br />

CP, com a redação emprestada pelo art. 8º, da Lei 8.072/90, todos na forma do art. 69<br />

do CP, e passo à dosimetria da pena, de acordo com o preceituado no art. 68 do CP.<br />

As condutas criminosas praticadas pelos réus, que não apresentam antecedentes<br />

criminais, são extremamente graves e beiram à barbárie, quer pelas circunstâncias que<br />

antecederam os delitos de extorsão mediante seqüestro, quer pela maneira como foram<br />

executadas as vítimas.<br />

A associação em quadrilha realizada por eles com os réus julgados nos autos em<br />

apartado afigura-se exemplo clássico das organizações criminosas que grassam em<br />

nosso país.<br />

Nos dias de hoje, o fator que torna difícil o desempenho da Segurança Pública é<br />

a existência de grupos armados e organizados para a execução de delitos.<br />

No caso em tela, conforme já demonstrado acima, mais do que a simples prática<br />

de delitos hediondos da extorsão mediante seqüestro com resultado morte, viu-se uma<br />

verdadeira associação, inclusive com desvio de material apreendido em diligência policial.<br />

Tais fatores, além de serem abjetos se considerados isoladamente, no contexto ora<br />

formado constituem circunstâncias que demandam o rigor da lei.<br />

É inconcebível que servidores que exercem a importante função de segurança da<br />

sociedade transmudem-se em criminosos da pior espécie.<br />

É execrável e ignominiosa a conduta da exigência de dinheiro e armas em troca<br />

da liberdade delas.<br />

Os delitos praticados pelos réus são daqueles que afetam qualquer idéia de convivência<br />

humana sadia.<br />

A simples circunstância dos réus terem sido vistos transitando num local onde há<br />

tráfico ilícito de entorpecentes sem estarem no desempenho de seu serviço, por si só,


746<br />

R.T.J. — 202<br />

indica o mais abjeto dos comportamentos e, somado à trama adredemente concebida e<br />

executada, de ligar para o orelhão da favela para fazerem exigências aos familiares das<br />

vítimas, traz aos nossos olhos toda a perversão contida neles.<br />

Inexiste qualquer eventual justificativa que fundamente os atos dos réus, a não ser<br />

a pura e simples maldade daqueles que não se importam com os semelhantes e desprezam<br />

profundamente qualquer sentimento de humanidade ou de harmonia social.<br />

As vítimas eram jovens estigmatizados por viverem num local socialmente excluído,<br />

pouco importando, nessa linha de raciocínio, que tivessem ou não ligação com drogas.<br />

O que deve ser ponderado é a conduta cruel e covarde da privação da liberdade<br />

de jovens indefesos e da sua execução sumária.<br />

Até mesmo a execução de animais, da forma como foram as vítimas executadas,<br />

causaria repulsa.<br />

Revoltante, por outro lado, e demonstrador da pouca importância que os réus<br />

conferem ao que ocorreu, a tranqüilidade como prestaram as declarações em seus<br />

interrogatórios, sendo necessário ressaltar a menção feita às munições que foram desviadas<br />

numa missão policial.<br />

Não pode deixar de ser considerado o desespero das famílias das vítimas e a dor<br />

profunda de seus pais, que tiveram, e têm, que suportar a ausência eterna de seus filhos<br />

jovens.<br />

Sendo assim, e por tudo o que consta dos autos, fixo as penas bases dos réus,<br />

quanto aos delitos do art. 159, parágrafo 3º (três vezes) em 24 (vinte e quatro) anos de<br />

reclusão para cada um dos três crimes, e fixo as penas bases dos réus em 3 (três) anos de<br />

reclusão, para cada um deles, com fulcro no art. 288 do CP c.c. art. 8º da L. 8.072/90,<br />

quanto ao delito de formação de quadrilha.<br />

Ausentes eventuais circunstâncias agravantes e atenuantes, inclusive, quanto às<br />

últimas, as inominadas do art. 66 do CP.<br />

Inexistentes causas de aumento e de diminuição da pena.<br />

Torno, portanto, definitiva as penas de 72 (setenta e dois) anos de reclusão para<br />

cada um dos réus ora julgados, pelos três crimes do art. 159, parágrafo 3º, do CP, e 3<br />

(três) anos de reclusão para cada um dos réus, pelo crime do art. 288 do CP, c.c. art. 8º<br />

da L. 8.072/90.<br />

Com a incidência do art. 69 do CP, cabe a cada um dos réus a pena de 75 (setenta<br />

e cinco) anos de reclusão, obedecido, entretanto, o limite de cumprimento do art. 75 do<br />

CP.<br />

Imponho aos réus o regime integralmente fechado de cumprimento da pena,<br />

pelos três delitos de extorsão mediante seqüestro com resultado morte, e inicialmente<br />

fechado, no que pertine ao delito do art. 288 do CP c.c. o art. 8º da L.8.072/90.<br />

(...)<br />

Declaro a perda dos cargos de policiais militares dos réus ora julgados, nos termos<br />

do art. 92, I, a, CP, uma vez que os delitos por eles praticados ofendem o dever<br />

funcional que deveriam ter para com a Administração Pública, além de constituírem<br />

condutas que discrepam totalmente com a finalidade de suas funções.<br />

Expresso, pois, o reconhecimento do concurso material, em que pese aos<br />

fatos acertados nas instâncias de mérito caracterizarem a continuidade delitiva.<br />

Não se chegou a afirmar, de outro lado, a reiteração criminosa indicadora de<br />

delinqüência habitual ou profissional, circunstância que a jurisprudência dominante<br />

do <strong>Tribunal</strong> – em relação à qual ressalvo minha convicção pessoal em<br />

contrário – entende suficiente para descaracterizar o crime continuado, conforme<br />

consignei na ementa do HC 70.891, de 24-5-94, RTJ 159/836, verbis:<br />

Crime continuado: descaracterização. 1. A jurisprudência do <strong>Tribunal</strong> – com<br />

reservas do Relator, que a entende desbordante da teoria objetiva pura, definida no art.<br />

71, caput, do Código Penal (cf. HC 68.661, 17-8-91, Pertence, Lex 155/313) – vem-se<br />

firmando no sentido da descaracterização do crime continuado, quando independentemente<br />

da homogeneidade das circunstâncias objetivas, a natureza dos fatos e os antece-


R.T.J. — 202 747<br />

dentes do agente identificam reiteração criminosa indicadora de delinqüência habitual<br />

ou profissional (v.g., da Primeira Turma: HC 68.214, 18-12-90, C. Mello, RTJ 133/1 191;<br />

HC 69.799, M. Alves, 29-6-93, Lex 183/282; HC 70.580, 10-5-94, C. Mello; da Segunda<br />

Turma: HC 68.626, 18-6-91, Borja, Lex 157/306, RTJ 137/764; HC 69.831, 24-<br />

11-92, Brossard, RTJ 145/569).<br />

E, malgrado tenha a condenação abrangido o delito de quadrilha (Código<br />

Penal, art. 288 c/c art. 8º da Lei 8.072/90), reconheceu-se que o Paciente e o Coréu<br />

Frederico “não apresentam antecedentes criminais” (fl. 42).<br />

Conforme ressaltou o parecer da Procuradoria-Geral da República, contudo,<br />

isso não resulta – sobretudo no caso, em que as instâncias de mérito reconheceram<br />

diversas circunstâncias judiciais desfavoráveis – na aplicação imediata do<br />

art. 71, caput, do Código Penal.<br />

Nessa linha, entre outros, o HC 83.910 (22-6-04, Pertence, DJ de 27-8-04),<br />

no qual esta Turma, por maioria, deferiu a ordem apenas para reconhecer a continuidade<br />

delitiva, mas facultar a “aplicação do parágrafo único do art. 71 do<br />

Código Penal – a ser examinada pelo juízo de mérito –, que impede a imediata<br />

aplicação, no habeas corpus, da pena conforme o caput do art. 71 do Código<br />

Penal”.<br />

Este o quadro, defiro a ordem, em parte, apenas para que o juízo da execução<br />

proceda à unificação, considerando a continuidade entre os delitos de extorsão<br />

(Código Penal, art. 159, § 3º), mas aplicando ou não, como entender de<br />

direito, o parágrafo único do art. 71 do Código Penal.<br />

Estendo os efeitos dessa decisão ao Co-réu Frederico Matuch Coelho.<br />

Deixo de estendê-los aos demais Co-réus – em relação aos quais houve o<br />

desmembramento do processo –, seja pela ausência de elementos suficientes para<br />

tanto, seja pela consideração, no caso, de circunstâncias de caráter exclusivamente<br />

pessoal reconhecidas pelas instâncias de mérito.<br />

É o meu voto.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, peço vênia para divergir<br />

porque continuo convencido de que a decisão proferida encerra um grande todo<br />

e, então, não consigo chegar à conclusão de que apenas a parte alusiva à<br />

dosimetria da pena, à fixação da pena, pode ser declarada insubsistente quando<br />

passamos a ter condenação sem pena. Sei que talvez essa jurisprudência seja<br />

resultado de uma visão prática, de uma visão de eficácia do próprio Direito Penal,<br />

no que, mantida a condenação sem pena, há, mesmo assim, o fator de interrupção<br />

da própria prescrição, que é o pronunciamento condenatório.<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Ministro, veja<br />

Vossa Excelência – a quem respeito muito – que, na generalidade dos casos, a sua<br />

argumentação, como sói, é extremamente séria. Mas veja Vossa Excelência que o<br />

reconhecimento da continuação delitiva pode ser feito depois da condenação, no<br />

procedimento de unificação, de competência do juízo das execuções.


748<br />

R.T.J. — 202<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Reconheço que essa visão pode transparecer<br />

como um tanto quanto ortodoxa, mas me apego a ela. Peço vênia a Vossa Excelência<br />

e a compreensão dos colegas, quanto à divergência, para ficar vencido.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 88.528/RJ — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Herberth<br />

Silvio Vieira Souza ou Herberth Silvio Vieria Sousa ou Heberth Silvio Vieira<br />

Sousa. Impetrante: César Teixeira Dias. Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: Por maioria de votos, a Turma deferiu, em parte, o pedido de<br />

habeas corpus, nos termos do voto do Relator, e estendeu a ordem ao Co-réu<br />

Frederico Matuch Coelho; vencido, em parte, o Ministro Marco Aurélio, que o<br />

deferia em maior extensão.<br />

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros<br />

Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Ricardo Lewandowski.<br />

Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.<br />

Brasília, 6 de junho de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


R.T.J. — 202 749<br />

HABEAS CORPUS 88.740 — PR<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Paciente: Ezequiel Ferreira dos Santos — Impetrantes: Nilton Ribeiro de<br />

Souza e outros — Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Ação penal. Excesso de prazo. Não-caracterização. Processo<br />

na fase do art. 500 do CPP. Autos em poder do advogado do Paciente<br />

por mais de 5 (cinco) meses para razões finais. Feito, ademais,<br />

complexo, com cinco Réus e várias testemunhas de defesa ouvidas<br />

por precatórias. Retardamento não imputável a deficiência da<br />

máquina judiciária. Habeas corpus denegado. Precedentes. Não<br />

caracteriza constrangimento ilegal o excesso de prazo que decorra<br />

só de culpa da defesa e da complexidade do processo.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes,<br />

na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade<br />

de votos, denegar a ordem. Ausente, justificadamente, neste julgamento,<br />

o Ministro Celso de Mello.<br />

Brasília, 14 de novembro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado em<br />

favor de Ezequiel Ferreira dos Santos, contra ato da Sexta Turma do Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça que lhe denegou o HC 50.657, em acórdão assim ementado:<br />

Habeas corpus. Processual penal. Excesso de prazo na formação da culpa.<br />

Complexidade da causa e presença de co-réus. Inexistência de constrangimento ilegal.<br />

Ordem denegada.<br />

1. Esta Corte mantém entendimento que o prazo para conclusão da instrução<br />

criminal não está submetido às rígidas diretrizes matemáticas. Deve ser analisado o feito<br />

em face de suas peculiaridades para aferir a existência de constrangimento ilegal.<br />

2. A complexidade da causa e a presença de vários co-réus justificam dilação no<br />

prazo para conclusão da instrução criminal.<br />

3. Ordem denegada, recomendando-se, todavia, celeridade no término da instrução<br />

criminal.<br />

(Fl. 7.)<br />

Aduz o Impetrante que “o moroso trâmite processual até aqui observado é<br />

manifestamente injustificável, sendo imperioso consignar que a Defesa do Paciente,<br />

demais disso, em momento algum da judiccium acusationis, deu azo a<br />

qualquer sorte de procrastinações, e ou artifícios capazes de delongar a demanda<br />

penal” (fl. 2-A).


750<br />

R.T.J. — 202<br />

Determinei a expedição de ofício ao Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca<br />

de Curitiba – Foro de São José dos Pinhais, para que prestasse informações acerca<br />

do alegado na peça inicial, as quais vieram aos autos às fls. 23-29.<br />

Indeferi o pedido liminar às fls. 31-32.<br />

Requer o Impetrante a concessão da ordem de habeas corpus liberatório<br />

(fl. 5).<br />

O Ministério Público <strong>Federal</strong> é pelo indeferimento da ordem (fls. 34-40).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Insurge-se o Impetrante contra<br />

acórdão do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça que indeferiu pedido de habeas corpus,<br />

no qual alegara excesso de prazo da prisão processual.<br />

O Paciente foi preso, em caráter preventivo, em 20 de novembro de 2004 e,<br />

em seguida, denunciado, com quatro Co-réus, como incurso nas sanções dos<br />

incisos I, II, e IV do § 2º do art. 121 c/c o art. 70, ambos do Código Penal, e a letra<br />

a do inciso I do art. 1º da Lei 9.455/97, c/c os arts. 69 e 29, ambos do Código<br />

Penal.<br />

Desde então o Paciente responde preso ao processo, sem que haja decisão<br />

sobre a causa.<br />

Em 5 de junho p.p., indeferi o pedido liminar, nos seguintes termos:<br />

(...)<br />

Não é caso de liminar.<br />

É que, ao menos neste juízo prévio e sumário, considerando (i) o número de Coréus<br />

no pólo passivo da ação penal e (ii) que os autos do processo-crime se encontram<br />

com vista à defesa, para fins do art. 500 do CPP, portanto, à véspera da decisão final, não<br />

há reconhecer, por ora, excesso de prazo. Além disso, o deferimento da liminar implicaria<br />

tutela satisfativa e, por conseqüência, usurparia ao órgão competente, a Turma, a<br />

apreciação do writ.<br />

Ante o exposto, indefiro o pedido de liminar. À Procuradoria-Geral da República.<br />

(Fls. 31-32.)<br />

Em consulta ao sítio eletrônico do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado do Paraná<br />

(www.tj.pr.gov.br), verifiquei que, em 19-10-06, os autos da Ação Penal<br />

2004.0002976-9 estavam com carga para a defesa desde, pelo menos, 30 de maio<br />

deste ano (fl. 23), sendo conclusos ao magistrado apenas em 1º-11-06.<br />

Atento ao princípio da razoabilidade, não vislumbro constrangimento ilegal<br />

suportado pelo Paciente, uma vez que, como se viu, o excesso de prazo não<br />

pode ser atribuído a eventual inércia ou desídia do Poder Judiciário. É nesse<br />

sentido a jurisprudência da Corte:<br />

Habeas corpus. Excesso de prazo. Processo que se encontra na fase do art. 499 do<br />

Código de Processo Penal. Ausência de constrangimento ilegal quando tal excesso<br />

deriva das circunstâncias e da complexidade do processo, não sendo eventual retardamento<br />

fruto da inércia e desídia do Poder Judiciário (HC 71.610/DF, Rel. Min.<br />

Sepúlveda Pertence, e RHC 71.498/RJ, Rel. Min. Paulo Brossard). Habeas corpus indeferido.


R.T.J. — 202 751<br />

(HC 81.957, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 28-6-02. No mesmo sentido,<br />

confiram-se: HC 87.847, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 6-11-06; HC<br />

88.608, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 6-11-06; HC 81.905, Rel. Min.<br />

Ellen Gracie, DJ de 16-5-03; HC 82.138, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de<br />

14-11-02.)<br />

Observo, no mais, que cinco são os Denunciados, circunstância que revela<br />

a complexidade da causa, em que foram expedidas várias cartas precatórias para<br />

inquirição de testemunhas das defesas (fl. 9).<br />

2. Assim, denego a ordem.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 88.740/PR — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Ezequiel<br />

Ferreira dos Santos. Impetrantes: Nilton Ribeiro de Souza e outros. Coator: Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: Denegada a ordem, decisão unânime. Ausente, justificadamente,<br />

neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu este julgamento o Ministro<br />

Gilmar Mendes.<br />

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros<br />

Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro<br />

Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Mário José Gisi.<br />

Brasília, 14 de novembro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


752<br />

R.T.J. — 202<br />

HABEAS CORPUS 89.078 — RJ<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Paciente: Josenildo da Costa Cardoso — Impetrante: Antônio de Pádua<br />

Nunes Pereira — Coator: Presidente do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Ação penal. Homicídio doloso. Prisão preventiva. Custódia<br />

cautelar decretada na decisão de pronúncia. Fundamentação idônea.<br />

Constrangimento ilegal não caracterizado. Aplicação do art.<br />

312 do CPP. Não é ilegal a decisão de pronúncia que decreta a<br />

prisão preventiva do réu com base numa das hipóteses do art. 312<br />

do Código de Processo Penal.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Celso de<br />

Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto<br />

do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros Gilmar<br />

Mendes e Joaquim Barbosa.<br />

Brasília, 3 de abril de 2007 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado em<br />

favor de Josenildo da Costa Cardoso, contra decisão do Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça, que lhe denegou a ordem nos autos do HC 49.327.<br />

O Paciente está sendo processado pela prática dos delitos previstos no art.<br />

121, § 2º, incisos II e III; art. 121, c/c art. 14, inciso II, na forma do art. 69, do<br />

Código Penal, perante a 2ª Vara Criminal da Comarca de São Pedro da Aldeia/RJ.<br />

Detido, em razão de prisão temporária, em agosto de 2003, teve depois<br />

decretada a prisão preventiva, nos seguintes termos:<br />

A materialidade e os indícios de autoria exigidos pelo artigo 312 do Código de<br />

Processo Penal encontram-se evidenciados pelas declarações prestadas na fase policial,<br />

principalmente pelo depoimento prestado por Cristiano Henriques Leite, às fls. 06, no<br />

qual este afirmou que populares teriam apontado o investigado como autor dos disparos<br />

de arma de fogo direcionados às vítimas, razão pela qual reputo observado o pressuposto<br />

normativo do fumus boni iuris.<br />

Tal medida cautelar revela-se imprescindível à conveniência da instrução criminal,<br />

a fim de que o acusado não venha a influir negativamente na produção de prova<br />

testemunhal, bem como à garantia da ordem pública, uma vez que o crime em tela é de<br />

extrema gravidade e cometido mediante violência, tendo causado ainda considerável<br />

repercussão social, sendo que, nestes casos, a liberdade do acusado causaria na sociedade<br />

uma efêmera sensação de impunidade e descrédito com a Justiça.


R.T.J. — 202 753<br />

Isto posto, presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, decreto a prisão<br />

preventiva do acusado Josenildo da Costa Cardoso, com fulcro no art. 312 do CPP.<br />

(Fl. 81.)<br />

Finda a instrução processual, o Paciente foi pronunciado (fls. 82-86) e a<br />

prisão processual mantida, agora sob outro fundamento:<br />

Embora primário e de bons antecedentes, o acusado chegou a tentar se subtrair à<br />

aplicação da lei penal, tendo viajado para outro Estado após o crime, tendo sido decretada<br />

sua custódia cautelar, a qual foi mantida, por necessária, não havendo assim sentido<br />

em que após a decisão de pronúncia, fosse o mesmo colocado em liberdade. Por tais<br />

motivos, com base na garantia da aplicação da lei penal, mantenho a prisão do<br />

acusado e nego-lhe o direito de recorrer em liberdade.<br />

(Fl. 86.)<br />

O Paciente recorreu em sentido estrito, mas o <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado<br />

do Rio de Janeiro, em maio p.p., negou provimento ao recurso e indeferiu o<br />

pedido de revogação da prisão (fls. 87-97), nos seguintes termos:<br />

O certo é que ainda se faz mister preservar a conveniência da instrução criminal,<br />

que, em se tratando de processo da competência do Júri, estende-se até a data do<br />

julgamento. Cumpre, ademais, assegurar a aplicação da lei penal, principalmente agora, às<br />

vésperas de ser o Recorrente julgado, e já havendo demonstrado ser capaz de se escafeder<br />

com facilidade – o que adiaria por tempo indeterminado a realização da sessão de julgamento,<br />

somente possível com a sua presença em Plenário.<br />

(Fl. 96.)<br />

Contra tal decisão foi impetrado habeas corpus ao Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça, para a revogação da prisão do Paciente. A ordem, todavia, foi denegada<br />

(fls. 36-43) nos termos da ementa:<br />

Processual penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Art. 121, § 2º,<br />

incisos II e III, e art. 121, c/c art. 14, inciso II, do Código Penal. Pronúncia. Prisão<br />

provisória. Fundamentação. Garantia da aplicação da lei penal. Presença do acusado<br />

na sessão de julgamento pelo <strong>Tribunal</strong> do Júri. Réu que esteve foragido.<br />

Demonstradas, de forma efetiva, as circunstâncias concretas ensejadoras da prisão<br />

preventiva, em decorrência da imprescindibilidade do comparecimento do acusado – o<br />

qual esteve foragido após a ocorrência do delito – à sessão de julgamento pelo <strong>Tribunal</strong><br />

do Júri, resta suficientemente motivado o decreto prisional fundamentado na garantia da<br />

aplicação da lei penal (Precedentes).<br />

Writ denegado.<br />

(Fl. 36.)<br />

Requisitei informações ao Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça (fl. 30) e ao Juízo da<br />

2ª Vara Criminal da Comarca de São Pedro da Aldeia/RJ (fl. 53).<br />

A Procuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem (fls.<br />

47-51):<br />

A ordem não merece ser concedida.<br />

Diz o § 1º do art. 408, do Código de Processo Penal, in verbis:<br />

“§ 1º Na sentença de pronúncia, o juiz declarará o dispositivo legal em cuja<br />

sanção julgar incurso o réu, recomendá-lo-á na prisão em que se achar, ou<br />

expedirás as ordens necessárias para a sua captura.”<br />

Comentando o dispositivo supra, leciona Júlio Fabbrini Mirabete:


754<br />

R.T.J. — 202<br />

“A prisão decorrente da pronúncia constitui, portanto, segundo a lei, efeito<br />

natural e necessário desse ato judicial, não obstando o princípio da presunção de<br />

inocência consagrado no art. 5º, LVII, da Constituição <strong>Federal</strong> de 1988. A carta<br />

Magna não veda a decretação de qualquer espécie de prisão provisória decretada<br />

pelo juiz, entre elas a decorrente de pronúncia, e não autoriza indiscriminadamente<br />

a liberdade do acusado durante a ação penal”.<br />

Por seu turno, a jurisprudência pacífica desta Suprema Corte tem consolidado a<br />

legalidade da segregação cautelar decorrente da sentença de pronúncia, desde que o ato<br />

judicial ordenador da medida constritiva esteja devidamente fundamentado.<br />

“Réu pronunciado e que não satisfaz os requisitos legais para aguardar, em<br />

liberdade, o julgamento (CPP, art. 408, § 2º). Fundamentação da pronúncia que<br />

se traduziu em linguagem moderada e apropriada. 2. Habeas corpus indeferido”<br />

(destaque nosso).<br />

No mesmo sentido, os precedentes: HC 85070/RJ, HC 83148/SP, HC 84474/RJ,<br />

HC 84372/ES, HC 84192/PR, HC 82586/GO.<br />

Na situação em apreço, o réu foi denunciado pela prática do crime previsto no art.<br />

121, § 2º, inciso II e III, e art. 121, c/c art. 14, inciso II, todos do Código Penal. E, ainda<br />

durante a fase inquisitorial, teve a prisão temporária decretada e posteriormente a preventiva,<br />

como garantia da aplicação da lei penal, uma vez que logo após o cometimento<br />

dos crimes evadiu-se.<br />

Conquanto o impetrante não tenha juntado aos autos cópia da sentença de pronúncia,<br />

consta do acórdão hostilizado – fl. 40, que o MM Juiz fundamentou a necessidade<br />

da custódia nos seguintes termos:<br />

“Embora primário e de bons antecedentes, o acusado chegou a tentar se<br />

subtrair à aplicação da lei penal, tendo viajado para outro Estado após o crime,<br />

tendo sido decretada sua custódia cautelar, a qual foi mantida, por necessária, não<br />

havendo assim sentido em que após a decisão de pronúncia, fosse o mesmo<br />

colocado em liberdade. Por tais motivos, com base na garantia da aplicação da<br />

lei penal, mantenho a prisão do acusado e nego-lhe o direito de recorrer em<br />

liberdade”.<br />

Por certo, o § 2º do art. 408, do CPP, confere ao julgar a possibilidade de, em<br />

sendo o réu primário e de bons antecedentes, deixar de decretar a prisão ou revogá-la,<br />

caso já se encontre preso.<br />

Entrementes, não obstante a existência de atributos favoráveis, se o acusado já se<br />

encontra preso preventivamente e persistem os motivos que ensejaram o recolhimento<br />

provisório, inadmissível é a concessão do benefício previsto no dispositivo supra.<br />

“Habeas Corpus. 2. Prisão cautelar. Sentença de pronúncia. 3. Alegação de<br />

inexistência dos requisitos autorizadores para a decretação da prisão preventiva. 4.<br />

Primariedade e bons antecedentes. Elementos que, por si sós, não autorizam a<br />

revogação da medida constritiva da liberdade. Precedentes. 5. Decisão que não<br />

se fundamentou em dados concretos. 6. Habeas corpus deferido”. (destaque<br />

nosso).<br />

In casu, avulta da decisão judicial a necessidade e conveniência da segregação<br />

cautelar do paciente. O ato ordenador da medida excepcional mostra-se devidamente<br />

fundamentado e arrimado em fato concreto. Não se evidencia qualquer ilegalidade<br />

manifesta de modo a configurar constrangimento ilegal ao status libertatis do paciente.<br />

Em outro rumo, a teor do acórdão hostilizado, “por se tratar de processo submetido<br />

à competência do <strong>Tribunal</strong> do Júri, é imprescindível a presença do acusado à sessão<br />

de julgamento” (arts 451 e 465, CPP) e “conforme ressalvado na própria decisão de<br />

pronúncia, o réu este foragido após a ocorrência do delito” – fl. 40.<br />

Por todo o exposto, opina-se pela denegação da ordem.<br />

(Fls. 49-51.)<br />

É o relatório.


R.T.J. — 202 755<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. O Paciente foi preso preventivamente<br />

por decisão com fundamentação aparentemente inidônea (fl. 81). O título da<br />

custódia, todavia, foi, depois, substituído pela decisão de pronúncia (fls. 82-86) e<br />

pelo acórdão que a confirmou (fls. 88-97), com motivação cautelar própria, que até<br />

já foi objeto de análise pelo Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, que denegou a ordem nos<br />

autos do HC 49.327.<br />

2. Não obstante a previsão constante dos parágrafos 1º e 2º do art. 408 do<br />

Código de Processo Penal, a prisão decretada na pronúncia não pode ser automática;<br />

deve ser cautelar, em razão do princípio constitucional da presunção de<br />

inocência.<br />

Toda e qualquer prisão decretada no curso do processo, antes do trânsito em<br />

julgado de eventual decisão condenatória, configura medida extrema, que implica<br />

sacrifício à liberdade individual, devendo, portanto, ordenar-se com redobrada<br />

cautela, à vista, sobretudo, da sua função meramente instrumental, enquanto<br />

tende a garantir a eficácia de eventual provimento definitivo de caráter condenatório,<br />

bem como perante a garantia constitucional da presunção de não-culpabilidade,<br />

de modo que há de fundar-se em razões objetivas e concretas, capazes de<br />

corresponder às hipóteses legais (fattispecie abstratas) que a autorizem.<br />

Por isso, a manutenção da prisão preventiva por ocasião da decisão de<br />

pronúncia deve ser fundamentada, nos termos do art. 312 do Código de Processo<br />

Penal, e não dispensa a análise dos requisitos cautelares que a sustentam:<br />

A prisão nesta hipótese não dispensa a verificação concreta do periculum<br />

libertatis, sem o que não estará justificada a cautela, segundo o contexto das garantias<br />

constitucional (v., n. 3); se estavam presentes motivos para a manutenção do flagrante<br />

ou decretação da preventiva e eles subsistem, não há por que conferir ao réu o direito de<br />

aguardar o julgamento em liberdade tão-somente pelo preenchimento dos requisitos de<br />

ordem s objetiva do art. 408, § 2º, CPP. 1<br />

Colho, porém, da decisão de pronúncia (fls. 82-86) e do acórdão que a confirmou<br />

(fls. 87-97) que a prisão do Paciente foi mantida, porque teria ele empreendido<br />

fuga logo após a prática do delito. Funda-se, pois, em dado concreto e exibe caráter<br />

cautelar, porque decretada para assegurar a aplicação da lei penal.<br />

Não vislumbro no caso constrangimento ilegal.<br />

3. Ante o exposto, denego a ordem.<br />

1 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio<br />

Magalhães. As nulidades no processo penal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.<br />

360.


756<br />

R.T.J. — 202<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 89.078/RJ — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Josenildo da Costa<br />

Cardoso. Impetrante: Antonio de Pádua Nunes Pereira. Coator: Presidente do<br />

Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas<br />

corpus, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento,<br />

os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro<br />

Gilmar Mendes. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.<br />

Brasília, 3 de abril de 2007 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


R.T.J. — 202 757<br />

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 89.198 — RJ<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Agravante: Pedro Vieira — Agravado: Presidente do Superior <strong>Tribunal</strong><br />

Militar<br />

Habeas corpus. Militar. Condenação. Pena acessória. Exclusão<br />

das Forças Armadas. Não-conhecimento. Inexistência de risco<br />

ou dano à liberdade de locomoção. Aplicação da Súmula 694.<br />

Agravo improvido. Não cabe habeas corpus contra imposição de<br />

pena de exclusão das Forças Armadas.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes,<br />

na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade<br />

de votos, negar provimento ao agravo. Compareceu à sessão o Dr. Marcelo da<br />

Silva Trovão. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de<br />

Mello.<br />

Brasília, 14 de novembro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo regimental interposto contra<br />

decisão do teor seguinte:<br />

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Pedro Vieira, contra ato do<br />

Superior <strong>Tribunal</strong> Militar que negou provimento à Apelação 2002.01.049039-6/RJ.<br />

Dado como incurso nos delitos capitulados nos arts. 251, 319 e 71, todos do<br />

Código Penal Militar, foi o Paciente condenado à pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses<br />

de reclusão (fl. 54).<br />

Interpuseram os Réus, então, recursos de apelação perante o Superior <strong>Tribunal</strong><br />

Militar, que, “por unanimidade, conheceu e negou provimento a ambos os recursos,<br />

aplicando pena acessória de exclusão do 1º Sgt Aer Pedro Vieira das forças armadas,<br />

com fulcro no art. 102 do COM” (fl. 84).<br />

Alega o Impetrante que o art. 102 do CPM, cuja interpretação autorizaria o<br />

<strong>Tribunal</strong> Militar, em grau de apelação, a aplicar pena acessória de perda de função<br />

militar ao condenado a pena de dois anos de reclusão, viola os princípios do contraditório<br />

e da ampla defesa.<br />

Requer a concessão da ordem, para determinar a recondução do Paciente aos<br />

quadros da FAB (fl. 10).<br />

Indeferi o pedido liminar, pois implicaria tutela satisfativa, que exauriria o objeto<br />

da causa (fl. 158).<br />

O Ministério Público <strong>Federal</strong> é pelo deferimento da ordem (fls. 160-167).<br />

2. Inviável o writ.<br />

O habeas corpus não é meio idôneo para invalidar pena acessória, consistente em<br />

exclusão das Forças Armadas, imposta a praça que sofre condenação a pena privativa de<br />

liberdade superior a dois anos.<br />

É que tal pena, por não ser conversível em sanção privativa de liberdade, não<br />

representa risco à liberdade de locomoção física daquele que a sofre.


758<br />

R.T.J. — 202<br />

Sucessivos precedentes desta Corte firmaram jurisprudência no sentido de nãoconhecimento<br />

do writ em hipóteses análogas:<br />

“Habeas corpus – Paciente que é integrante do Exército Brasileiro – Exclusão<br />

das Forças Armadas – Pena acessória – Matéria insuscetível de exame em<br />

sede de habeas corpus – Imposição de pena privativa de liberdade – Inobservância,<br />

pelo Superior <strong>Tribunal</strong> Militar, das normas inscritas nos arts. 69 e 77 do<br />

Código Penal Militar – Pedido conhecido em parte e, nessa parte, deferido”.<br />

Não é suscetível de conhecimento o habeas corpus, quando impetrado<br />

contra ato estatal de que não resulta ofensa, atual ou iminente, à liberdade de<br />

locomoção física.<br />

O remédio processual do habeas corpus possui destinação constitucional<br />

específica, achando-se vocacionado à imediata tutela jurisdicional do direito de<br />

ir, vir e permanecer das pessoas. Não pode ser utilizado como sucedâneo de<br />

outras ações judiciais, notadamente naquelas hipóteses em que o direito-fim não<br />

se identifica com a própria liberdade de locomoção física.<br />

Com a cessação da doutrina brasileira do habeas corpus, provocada pela<br />

reforma constitucional de 1926, restaurou-se, em nosso sistema jurídico, a função<br />

clássica desse remédio heróico. Por tal razão, não se revela suscetível de conhecimento<br />

a ação de habeas corpus quando promovida contra ato estatal de que não<br />

resulte ofensa, atual ou iminente, à liberdade de locomoção física, como ocorre<br />

com a decisão judicial que impõe, ao sentenciado, a exclusão punitiva do serviço<br />

público civil ou militar”.<br />

(HC 71.631, Rel Min. Celso de Mello, DJ de 18-5-01. No mesmo sentido: HC<br />

86.073, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 8-3-06; HC 85.182, Rel Min. Celso de<br />

Mello, j. 7-12-04; HC 85.835, Rel Min. Joaquim Barbosa, j. 3-5-05; HC<br />

78.860, Rel Min. Ilmar Galvão, DJ de 7-5-99).<br />

Esse entendimento acabou consolidado na Súmula 694, que enuncia: “Não cabe<br />

habeas corpus contra a imposição de pena de exclusão de militar ou de perda de patente<br />

ou de função pública”.<br />

3. Assim, nego seguimento ao pedido, por ser manifestamente inadmissível (art.<br />

21, § 1º, do RISTF e art. 38 da Lei 8.038, de 28-5-90).<br />

(Fl. 158.)<br />

Insiste o Agravante no processamento do habeas corpus, pelas razões expostas<br />

às fls. 176-179.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. A decisão agravada invocou e<br />

resumiu os fundamentos do entendimento invariável da Corte, cujo teor subsiste<br />

invulnerável aos argumentos do recurso, os quais nada acrescentaram à compreensão<br />

e ao desate da quaestio iuris.<br />

É oportuno, aliás, advertir que o disposto no art. 544, § 3º e § 4º, e no art.<br />

557, ambos do Código de Processo Civil, desvela o grau da autoridade que o<br />

ordenamento jurídico atribui, em nome da segurança jurídica, às súmulas, sobretudo<br />

desta Corte, as quais não podem ser desrespeitadas nem controvertidas sem<br />

graves razões jurídicas capazes de lhes autorizar revisão ou reconsideração. Desse<br />

modo, o inconformismo sistemático, manifestado em recursos carentes de fundamentos<br />

novos, não pode deixar de ser visto senão como abuso do poder recursal.<br />

2. Isso posto, nego provimento ao agravo, mantendo a decisão agravada por<br />

seus próprios fundamentos.


R.T.J. — 202 759<br />

EXPLICAÇÃO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Senhor Presidente, acabei de votar,<br />

mas, excepcionalmente, desta vez vou fazer uma concessão.<br />

O Sr. Advogado do Paciente: Perdoem-me, Senhores Ministros.<br />

É uma questão de fato, Excelência, pois o processo, em segunda instância,<br />

no meu entender, é nulo, porque, com o recurso exclusivo da defesa, foi aplicada<br />

a pena acessória de exclusão das Forças Armadas. Ou seja, em primeira instância,<br />

não tinha essa condenação, foi, apenas, a pena privativa de liberdade de dois<br />

anos e dez meses, o meu cliente recorreu – recurso exclusivo da defesa – e o<br />

Superior <strong>Tribunal</strong> Militar abriu cópia no acessório – é um processo nulo.<br />

Eu faço referência, Excelências, com a devida permissão, ao HC 61.090, em<br />

que o Relator é o Ministro Rafael Mayer.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Vossa Excelência está fazendo argumentação<br />

de ordem jurídica.<br />

O Sr. Advogado do Paciente: Não; a questão de fato, Excelência, seria<br />

justamente a seguinte: se um processo é nulo, por isso fiz menção ao voto do<br />

Ministro Mayer, é porque a via eleita, no caso o habeas corpus, poderia ser<br />

qualquer via: ação de revisão criminal e o próprio habeas corpus, em que a<br />

questão seria nula.<br />

Perdoe-me, muito obrigado pela atenção de todos.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Infelizmente, Senhor Presidente, o<br />

que alegou, agora, o eminente advogado, não me escapou. O problema todo é<br />

saber se, impondo pena acessória, em grau de recurso da defesa, o <strong>Tribunal</strong> Militar<br />

se limitou a declarar o que decorre ope legis, como efeito acessório ou automático<br />

da condenação a mais de dois anos e, portanto, nesse caso não se trataria de<br />

imposição de pena, mas de mera declaração de pena que resulta do fato de a pena<br />

privativa de liberdade ter sido superior a dois anos; ou se, eventualmente, teria<br />

havido, a rigor, aplicação de pena no recurso. Para estimar uma coisa ou outra,<br />

seria preciso conhecer do habeas corpus, mas, como dele não se pode conhecer,<br />

porque a Súmula 694 não o permite, não posso reconhecer nem uma coisa nem<br />

outra.<br />

Daí por que, Senhor Presidente, mantenho o entendimento do meu voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 89.198-AgR/RJ — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Pedro<br />

Vieira (Advogado: Marcelo da Silva Trovão). Agravado: Presidente do Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> Militar.<br />

Decisão: Negado provimento ao agravo, decisão unânime. Compareceu à<br />

sessão o Dr. Marcelo da Silva Trovão. Ausente, justificadamente, neste julgamento,<br />

o Ministro Celso de Mello. Presidiu este julgamento o Ministro Gilmar<br />

Mendes.


760<br />

R.T.J. — 202<br />

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros<br />

Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro<br />

Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Mário José Gisi.<br />

Brasília, 14 de novembro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


R.T.J. — 202 761<br />

HABEAS CORPUS 89.770 — SP<br />

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau<br />

Paciente: Fábio da Silva Barbosa — Impetrante: Cláudio Roberto de Paula<br />

Xavier de Oliveira — Coator: Relator do REsp 794.074 do Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça<br />

Habeas corpus. Penal. Estupro e atentado violento ao pudor.<br />

Continuidade delitiva. Impossibilidade. Concurso material. Crime<br />

hediondo. Regime integralmente fechado. Inconstitucionalidade.<br />

Habeas corpus concedido de ofício.<br />

A jurisprudência desta Corte está sedimentada no sentido de<br />

que estupro e atentado violento ao pudor configuram concurso<br />

material e não crime continuado.<br />

O <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> declarou a inconstitucionalidade<br />

do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, assegurando aos condenados<br />

por crimes hediondos a progressão do regime prisional.<br />

Habeas corpus indeferido; ordem concedida, de ofício, para<br />

assegurar a progressão do regime de cumprimento da pena.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Celso de<br />

Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus, mas conceder, de<br />

ofício, a ordem, nos termos do voto do Relator.<br />

Brasília, 10 de outubro de 2006 — Eros Grau, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Adoto como relatório a parte expositiva do parecer<br />

da lavra do Subprocurador-Geral da República Wagner Gonçalves:<br />

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Fábio da Silva Barbosa, contra a<br />

decisão proferida pelo Min. Relator do REsp 794.074, que deu provimento ao recurso do<br />

Parquet Estadual, para “restabelecer integralmente o decisum de primeiro grau” (fl. 28v).<br />

2. Consta dos autos que o paciente foi condenado a 30 anos e 4 meses de reclusão,<br />

em regime integralmente fechado, pelos crimes do art. 213, caput (2 vezes), c/c o art.<br />

71, e art. 214, caput, (2 vezes), c/c o art. 71, todos combinados com o art. 69, do Código<br />

Penal. Irresignado, interpôs apelação, à qual foi dado provimento parcial, por reconhecimento<br />

da continuidade delitiva, com redução da pena para 15 anos e 2 meses de<br />

reclusão, sendo mantida a sentença nos demais aspectos (fls. 13/16). Em face deste<br />

acórdão reformador, houve recurso especial do órgão ministerial, que foi, monocraticamente,<br />

restabelecendo, por completo, a sentença condenatória (fls. 26/28).<br />

3. O julgamento do REsp, transitado em julgado em 02.05.2006, é objeto de<br />

impugnação no presente writ, buscando o impetrante o reconhecimento da continuidade<br />

delitiva entre os crimes praticados pelo paciente, para fins de restabelecimento da decisão<br />

proferida pela Corte Estadual.


762<br />

R.T.J. — 202<br />

2. O Impetrante requer a concessão da ordem a fim de ser reconhecida a<br />

continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor,<br />

afastando-se o concurso material.<br />

3. A Procuradoria-Geral da República é “pelo indeferimento do writ, e,<br />

ainda, pela concessão da ordem, ex officio, tão-somente para a alteração do regime<br />

de cumprimento da pena, que deverá ser o inicialmente fechado.”<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Adoto como razões de decidir os fundamentos<br />

lançados no seguinte trecho do parecer da Procuradoria-Geral da República:<br />

(...)<br />

5. A discussão levantada neste habeas corpus visa reverter a decisão proferida no<br />

Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, quanto à impossibilidade de reconhecimento da continuidade<br />

delitiva em face dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Trata-se,<br />

todavia, de pretensão inócua, uma vez que o decisório objurgado encontra-se em total<br />

consonância com a jurisprudência pacificada desse Pretório Excelso 1 .<br />

6. Ademais, o acórdão em comento transitou em julgado, em 2-5-06, conforme<br />

andamento processual obtido no internet (em anexo), encontrando-se a pena na fase de<br />

execução (fl. 12). Diante destas circunstâncias, a via estreita do habeas corpus não pode<br />

servir de sucedâneo à revisão criminal e, neste sentido, temos o seguinte precedente:<br />

“Recurso ordinário em habeas corpus. (...) 1. Não se exige que a defesa<br />

técnica adote integralmente a tese formulada pelo recorrente em seu interrogatório,<br />

tendo que necessariamente produzir provas que objetivassem a confirmação<br />

da referida versão, máxime se esta se afigurar desarrazoada ao defensor. 2. Não<br />

havendo a demonstração do antagonismo entre as versões dos acusados, não há se<br />

falar em colidência das defesas. 3. Exame da correlação entre a imputação e a<br />

sentença que é inviável em sede de habeas corpus, ante a necessidade de<br />

revolvimento da matéria fática. Inadmissível a utilização do writ como sucedâneo<br />

de revisão criminal. 4. Recurso improvido”.<br />

(RHC 83.625/RJ. Rel. Min. Ellen Gracie. DJU 30-4-2004, pf. 00070.)<br />

7. Por fim, apesar da hipótese ser de indeferimento da ordem, importa destacar<br />

que foi mantido o regime de cumprimento de pena integralmente fechado, por se tratar<br />

de condenação por crimes hediondos. Contudo, como é deveras sabido, houve decisão<br />

do Plenário do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, nos autos do HC 82.959/7-SP, declarando,<br />

por maioria, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei dos Crimes Hediondos.<br />

Cabível, assim, a concessão da ordem, de ofício, para que o regime de cumprimento de<br />

pena seja substituído para o inicialmente fechado.<br />

1 “Ementa: Penal. Processual penal. Habeas corpus. Acórdão do Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça. Questões novas. Estupro e atentado violento ao pudor. Concurso material e não crime<br />

continuado. I - Por conter questões novas, não apreciadas pelo Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, o<br />

habeas corpus não pode ser conhecido. II - A jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> é<br />

no sentido de que estupro e atentado violento ao pudor praticados contra a mesma vítima,<br />

caracterizam hipótese de concurso material e não de crime continuado. III - Habeas corpus.<br />

conhecido em parte e, nessa parte, indeferido” – Grifo nosso. (STF. HC 83.453/SP, Rel. Min.<br />

Carlos Velloso. DJ de 24-10-03, pf. 28.)


R.T.J. — 202 763<br />

8. Diante de exposto, opina a Procuradoria-Geral da República pelo indeferimento<br />

do writ, e, ainda, pela concessão da ordem, ex officio, tão somente para a alteração do<br />

regime de cumprimento da pena, que deverá ser o inicialmente fechado.<br />

Acolho integralmente a promoção ministerial e denego a ordem quanto à<br />

pretensão de que se reconheça a continuidade delitiva em relação aos crimes de<br />

estupro e atentado violento ao pudor; defiro o habeas corpus, de ofício, para<br />

determinar que o regime de cumprimento da pena seja o inicialmente fechado.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 89.770/SP — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Fábio da Silva<br />

Barbosa. Impetrante: Cláudio Roberto de Paula Xavier de Oliveira. Coator:<br />

Relator do REsp 794.074 do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas<br />

corpus, mas concedeu, de ofício, a ordem, nos termos e para os fins indicados no<br />

voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Gilmar<br />

Mendes.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro<br />

Gilmar Mendes. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.<br />

Brasília, 10 de outubro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


764<br />

R.T.J. — 202<br />

RECURSO EM HABEAS CORPUS 90.376 — RJ<br />

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello<br />

Recorrente: Sérgio Augusto Coimbra Vial — Recorrido: Ministério Público<br />

<strong>Federal</strong><br />

Prova penal – Banimento constitucional das provas ilícitas<br />

(CF, art. 5º, LVI) – Ilicitude (originária e por derivação) – Inadmissibildade<br />

– Busca e apreensão de materiais e equipamentos realizada,<br />

sem mandado judicial, em quarto de hotel ainda ocupado – Impossibilidade<br />

– Qualificação jurídica desse espaço privado (quarto de hotel,<br />

desde que ocupado) como “casa”, para efeito da tutela constitucional<br />

da inviolabilidade domiciliar – Garantia que traduz limitação constitucional<br />

ao poder do Estado em tema de persecução penal, mesmo em<br />

sua fase pré-processual – Conceito de “casa” para efeito da proteção<br />

constitucional (CF, art. 5º, XI, e CP, art. 150, § 4º, II) – Amplitude<br />

dessa noção conceitual, que também compreende os aposentos de habitação<br />

coletiva (como, por exemplo, os quartos de hotel, pensão, motel<br />

e hospedaria, desde que ocupados): necessidade, em tal hipótese, de<br />

mandado judicial (CF, art. 5º, XI). Impossibilidade de utilização, pelo<br />

Ministério Público, de prova obtida com transgressão à garantia da<br />

inviolabilidade domiciliar – Prova ilícita – Inidoneidade jurídica –<br />

Recurso ordinário provido.<br />

Busca e apreensão em aposentos ocupados de habitação coletiva<br />

(como quartos de hotel) – Subsunção desse espaço privado, desde que<br />

ocupado, ao conceito de “casa” – Conseqüente necessidade, em tal<br />

hipótese, de mandado judicial, ressalvadas as exceções previstas no<br />

próprio texto constitucional.<br />

- Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da<br />

Constituição da República, o conceito normativo de “casa” revela-se<br />

abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de habitação coletiva,<br />

desde que, ocupado (CP, art. 150, § 4º, II), compreende, observada<br />

essa específica limitação espacial, os quartos de hotel. Doutrina. Precedentes.<br />

- Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente<br />

previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente<br />

público poderá, contra a vontade de quem de direito (“invito domino”),<br />

ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado<br />

de habitação coletiva, sob pena de a prova resultante dessa diligência<br />

de busca e apreensão reputar-se inadmissível, porque impregnada de<br />

ilicitude originária. Doutrina. Precedentes (STF).<br />

Ilicitude da prova – Inadmissibilidade de sua produção em juízo<br />

(ou perante qualquer instância de poder) – Inidoneidade jurídica da<br />

prova resultante da transgressão estatal ao regime constitucional dos<br />

direitos e garantias individuais.


R.T.J. — 202 765<br />

- A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de<br />

poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não<br />

pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob<br />

pena de ofensa à garantia constitucional do “due process of law”, que<br />

tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas<br />

mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema<br />

de direito positivo.<br />

- A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo<br />

vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados<br />

que regem uma sociedade fundada em bases democráticas<br />

(CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo poder público, derive<br />

de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por<br />

isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação<br />

do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não<br />

prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro,<br />

em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do “male<br />

captum, bene retentum”. Doutrina. Precedentes.<br />

A questão da doutrina dos frutos da árvore envenenada (“fruits<br />

of the poisonous tree”): a questão da ilicitude por derivação.<br />

- Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com<br />

base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária,<br />

quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado<br />

probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente,<br />

não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar<br />

de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária.<br />

- A exclusão da prova originariamente ilícita – ou daquela afetada<br />

pelo vício da ilicitude por derivação – representa um dos meios<br />

mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do “due<br />

process of law” e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova<br />

ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e<br />

prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual<br />

penal. Doutrina. Precedentes.<br />

- A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos “frutos da<br />

árvore envenenada”) repudia, por constitucionalmente inadmissíveis,<br />

os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em<br />

momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo)<br />

da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os,<br />

por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados<br />

probatórios somente foram conhecidos, pelo poder público, em razão<br />

de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes<br />

da persecução penal, que desrespeitaram a garantia constitucional da<br />

inviolabilidade domiciliar.<br />

- Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da<br />

ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos da<br />

persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova origi-


766<br />

R.T.J. — 202<br />

nariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes<br />

estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia<br />

condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz<br />

significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em<br />

face dos cidadãos.<br />

- Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que<br />

obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma<br />

fonte autônoma de prova – que não guarde qualquer relação de dependência<br />

nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não<br />

mantendo vinculação causal –, tais dados probatórios revelar-se-ão<br />

plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da<br />

ilicitude originária.<br />

- A questão da fonte autônoma de prova (“an independent<br />

source”) e a sua desvinculação causal da prova ilicitamente obtida –<br />

Doutrina – Precedentes do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> – Jurisprudência<br />

comparada (a experiência da Suprema Corte americana): casos<br />

Silverthorne Lumber Co. versus United States (1920); Segura versus<br />

United States (1984); Nix versus Williams (1984); Murray versus<br />

United States (1988), v. g.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das<br />

notas taquigráficas, por unanimidade de votos, dar provimento ao recurso ordinário,<br />

nos termos do voto do Relator, para restabelecer a sentença penal absolutória<br />

proferida nos autos do Processo-Crime 1998.001.082771-6 (19ª Vara Criminal da<br />

Comarca do Rio de Janeiro/RJ). Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro<br />

Gilmar Mendes.<br />

Brasília, 3 de abril de 2007 — Celso de Mello, Presidente e Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: O presente recurso ordinário insurge-se contra<br />

decisão, que, emanada do E. Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, encontra-se<br />

consubstanciada em acórdão assim ementado (fl. 166):<br />

“HABEAS CORPUS”. PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE FALSIFICAÇÃO<br />

DE DOCUMENTO PARTICULAR (“CLONAGEM” DE CARTÕES DE CRÉDITO) E<br />

ESTELIONATO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. PEÇA ACUSATÓRIA<br />

QUE EXPÕE O FATO CRIMINOSO, POSSIBILITANDO AO RÉU O EXERCÍCIO DA<br />

AMPLA DEFESA. CONDENAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. PROVA ILÍCITA. VIOLAÇÃO<br />

DE DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE SUBSTRATO FÁTICO APTO A COMPROVAR A<br />

ALEGAÇÃO. ABSORÇÃO DO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTI-<br />

CULAR PELO DELITO DE ESTELIONATO. IMPOSSIBILIDADE. POTENCIALIDADE<br />

LESIVA DA CONDUTA QUE PERDURA.


R.T.J. — 202 767<br />

1. A denúncia, ao contrário do que se alega, expôs a dinâmica das atividades<br />

ilícitas do réu e, satisfatoriamente, amoldou os fatos narrados aos tipos penais correspondentes,<br />

viabilizando, também, sem qualquer dificuldade, o direito de defesa do<br />

Paciente.<br />

2. A insuficiência fática dos autos não auxilia a exata compreensão da alegação<br />

de violação de domicílio, pois não há qualquer documento capaz de esclarecer os<br />

termos do mandado de prisão cumprido em desfavor do Paciente, como também a<br />

forma como foi realizada a diligência de busca e apreensão pelos policiais no quarto do<br />

hotel –- que servia de base para a prática das atividades ilícitas –, mormente porque o<br />

réu se fazia presente no ato.<br />

3. O maquinário utilizado pelo paciente para reproduzir cartões de crédito de<br />

terceiros, continuava apto a cometer novos crimes, ao reter informações de crédito e<br />

identificação particulares, persistindo assim a sua eficácia para atos futuros, não se<br />

aplicando, assim, o disposto no enunciado da Súmula 17, do Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça.<br />

4. Ordem denegada.<br />

(HC 43.952/RJ, Rel. Min. LAURITA VAZ – Grifei.)<br />

A parte ora recorrente, para justificar sua pretensão jurídica, apóia seus<br />

fundamentos (fls. 175/206), em síntese, na (1) inépcia da denúncia; e (2) na<br />

ilicitude da prova penal coligida, sem mandado judicial, no interior de quarto de<br />

hotel ocupado pelo Paciente.<br />

Postula-se, ainda, se vencidas tais questões, a absorção do delito de falso<br />

pelo de estelionato.<br />

O Ministério Público <strong>Federal</strong>, em seu douto parecer (fls. 225/231), opinou<br />

pelo não-provimento do presente recurso, em manifestação de que se destacam as<br />

seguintes passagens (fls. 225/231):<br />

RECURSO ORDINÁRIO EM “HABEAS CORPUS”. ARGÜIÇÃO DE NULIDA-<br />

DE DO PROCESSO DEVIDO À INÉPCIA DA DENÚNCIA E À ILICITUDE DA PROVA.<br />

CONCURSO MATERIAL ENTRE O CRIME DE FALSO E O DE ESTELIONATO. PEDI-<br />

DO DE RECONHECIMENTO DA ABSORÇÃO DE UM DELITO PELO OUTRO.<br />

- Não prosperam as preliminares de nulidade do processo pela suposta inépcia<br />

da denúncia e pela ilicitude da prova, uma vez atendidos os requisitos do art. 41 do<br />

Código de Processo Penal e afastada a natureza domiciliar de quarto de hotel utilizado<br />

apenas para a guarda de instrumentos utilizados em práticas ilícitas.<br />

- A absorção do crime de falso pelo de estelionato, além de consubstanciar tese<br />

não acolhida pelo <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, exige reexame fático-probatório para<br />

seu reconhecimento, incabível na via eleita.<br />

- Parecer pelo conhecimento, mas pelo não-provimento do apelo.<br />

(...)<br />

Aduziu o recorrente – condenado à pena de 10 anos de reclusão, em regime<br />

inicial fechado, pela prática dos crimes previstos nos artigos 171 c/c 71 e 298 c/c 71 do<br />

Código Penal, em concurso material – que a reforma da sentença absolutória deu-se<br />

com base em denúncia inepta e prova ilícita, vez que obtida mediante invasão de<br />

domicílio.<br />

No mérito, defendeu fosse a condenação fundada apenas no delito de estelionato,<br />

dada a absorção do delito de falso, nos moldes da Súmula n. 17 do Superior <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça. Nesse sentido, postulou o provimento do apelo para que fosse declarada a<br />

nulidade do processo ou reduzida a pena em face da absolvição pelo crime de falso (fls.<br />

175/206).<br />

Contra-razões foram ofertadas às fls. 211/214.<br />

O recurso foi admitido à fl. 216.<br />

É o relatório.


768<br />

R.T.J. — 202<br />

O recurso deve ser conhecido, mas não provido.<br />

(...)<br />

De resto, não vislumbramos na leitura de fls. 30/32 a inépcia da exordial<br />

acusatória, que de forma bastante didática, narrou o “modus operandi” do recorrente<br />

quando do cometimento dos crimes pelos quais acabou sendo condenado em segunda<br />

instância.<br />

Os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal foram devidamente preenchidos,<br />

sem que se possa extrair da denúncia qualquer impossibilidade ou dificuldade<br />

de exercício da ampla defesa.<br />

No tocante à ilicitude da prova obtida por policiais no quarto de hotel ocupado<br />

pelo recorrente quando do cumprimento de mandado de prisão por condenação anterior,<br />

bem interpretou o tribunal “a quo” o art. 5º, inciso XI, da Constituição <strong>Federal</strong>, em<br />

conjunto com as disposições civis que regem a matéria, ao concluir:<br />

“O Impetrante alega, ainda, que a prova condenatória é ilícita.<br />

Aduziu, para tanto, que o maquinário utilizado pelo paciente e os documentos<br />

falsos foram apreendidos pela polícia judiciária sem mandado judicial<br />

de busca e apreensão, violando-se, assim, o princípio da inviolabilidade de<br />

domicílio.<br />

Ocorre, todavia, que o quarto de hotel ocupado pelo paciente, na cidade<br />

do Rio de Janeiro, não pode ser entendido como domicílio, à luz do princípio<br />

insculpido no art. 5º, inc. XI, da Constituição da República.<br />

Primeiro, porque, como bem consignou o acórdão ora atacado, o paciente,<br />

ao ser inquirido extrajudicialmente, indicou, como seu endereço residencial: a<br />

Rua São Brás, n.º 14, Apto. 102, Méier, Rio de Janeiro; e profissional: a Rua<br />

Goiás, n.º 1116, Quintino, Rio de Janeiro. Para o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, o<br />

conceito de domicílio, no direito constitucional, abrange não somente a residência<br />

(habitação com ânimo definitivo de estabelecimento), mas também o logradouro<br />

comercial ou o local onde a pessoa exerça sua atividade profissional (v.g.<br />

HC 82.788/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 02-06-2006).<br />

Na hipótese, nenhum destes conceitos se amolda ao caso.<br />

O quarto do hotel, portanto, era usado pelo réu apenas como local para<br />

a prática das suas atividades ilícitas, não gozando, portanto, da aludida proteção<br />

constitucional.<br />

Segundo – ainda que assim não se entenda – porque a deficiência da<br />

impetração, consubstanciada na falta de prova pré-constituída, não esclarece<br />

com elementos concretos se a busca empreendida no dormitório do hotel foi<br />

realizada ou não com a aquiescência do paciente.<br />

Nesse sentido, o próprio acórdão ora atacado, proferido em sede de apelação<br />

criminal, após a revisão fático-probatória dos autos, não foi capaz de<br />

verificar se a diligência foi realizada sem a anuência do Réu, “litteris”:<br />

“Por derradeiro, restou demonstrado que os policiais foram ao quarto<br />

juntamente com o Apelado, podendo-se supor que a revista do cômodo tenha<br />

sido feita com a sua concordância, até porque, até ser ele levado preso, não há<br />

notícias de que saberiam eles que o quarto do hotel era a “base” do Apelado<br />

para a prática dos seus inúmeros crimes.<br />

(Fl. 113.)<br />

No mérito, entendemos que a condenação pelos crimes continuados de<br />

falsificação de documento particular e de estelionato, em concurso material,<br />

deu-se em consonância com a jurisprudência desta Suprema Corte, que não<br />

acolhe a tese de absorção defendida pelo recorrente. Essa tese, mesmo que<br />

transmudada para a hipótese de concurso formal, dependeria de reexame fáticoprobatório<br />

para sua convalidação, a que não se presta a via eleita.<br />

(...)<br />

Ante o exposto, opinamos pelo conhecimento, mas pelo não-provimento do<br />

recurso ordinário.<br />

(Grifei.)<br />

É o relatório.


R.T.J. — 202 769<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Trata-se de recurso ordinário interposto<br />

contra decisão denegatória de “habeas corpus” proferida pelo E. Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça (CF, art. 102, II, “a”).<br />

Cabe destacar, inicialmente, que considero sem consistência a alegação de<br />

inépcia da denúncia. É que a peça acusatória (fls. 30/32), formulada pelo Ministério<br />

Público, atendeu, integralmente, às exigências de ordem formal impostas pelo<br />

art. 41 do Código de Processo Penal, viabilizando, de maneira ampla, o pleno exercício,<br />

pelo Acusado, ora Recorrente, do direito de defesa.<br />

É certo que o ilustre magistrado de primeiro grau julgou improcedente a<br />

pretensão punitiva deduzida contra o ora Recorrente, por considerar a “(...) denúncia<br />

genérica (...)” e “(...) inepta (...)” (fl. 84).<br />

Esse entendimento, contudo, não poderia subsistir, pois, como corretamente<br />

assinalado pelo E. <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao dar provimento<br />

ao recurso de apelação interposto pelo Ministério Público estadual, a peça<br />

acusatória em questão mostrava-se clara e objetiva quanto à descrição dos fatos<br />

e respectivos elementos circunstanciais, o que proporcionou, ao Acusado, ora<br />

Recorrente, o exercício, em plenitude, do direito de defesa e dos meios a ele correspondentes,<br />

tal como o revelou, em seu douto voto, o eminente Desembargador<br />

Antonio José Ferreira Carvalho, Relator, em sede recursal, da mencionada causa<br />

penal (fls. 110/118).<br />

Essa mesma percepção foi revelada, no caso ora em exame, pelo E. Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça, quando da denegação do “writ” constitucional (fls. 166/167).<br />

A simples leitura de trechos da denúncia ora questionada evidencia tratarse<br />

de peça processual incensurável, eis que nela se contém, de modo preciso e<br />

objetivo, como anteriormente ressaltado, a correta descrição dos fatos delituosos<br />

(fls. 31/32).<br />

Como se sabe a denúncia, quando contém todos os elementos essenciais à<br />

adequada configuração típica do delito e atende, integralmente, às exigências de<br />

ordem formal impostas pelo art. 41 do CPP, não apresenta o vício nulificador da<br />

inépcia, pois permite, ao Réu, como sucedeu na espécie, a exata compreensão dos<br />

fatos expostos na peça acusatória, sem qualquer comprometimento ou limitação<br />

ao pleno exercício do direito de defesa, ajustando-se, desse modo, ao magistério<br />

jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte (HC 83.266/MT, v.g.):<br />

1. Não é inepta a denúncia que, apesar de sucinta, descreve fatos enquadráveis<br />

no art. 14 da Lei 6.368/76, atendendo a forma estabelecida no art. 41 do Código Penal,<br />

além de estar instruída com documentos, tudo a possibilitar a ampla defesa.<br />

(HC 86.755/RJ, Rel. Min. EROS GRAU – Grifei.)<br />

Passo, agora, a examinar o fundamento concernente à alegada ilicitude da<br />

prova penal.<br />

A parte ora recorrente, para sustentar suas razões quanto a esse ponto, destacou<br />

que “(...) o alicerce desta ação penal é, sem dúvida, o material arrecadado no<br />

interior do apartamento 201 do Hotel Ipanema Inn, onde supostamente estaria


770<br />

R.T.J. — 202<br />

hospedado o acusado (...)” (fl. 181 – grifei) sem que, para efeito de tal diligência, os<br />

policiais que a realizaram estivessem autorizados por mandado judicial de busca<br />

e apreensão domiciliar.<br />

O ilustre magistrado sentenciante, ao apreciar, em primeira instância, esse<br />

específico aspecto da questão, entendeu que a prova “foi obtida de forma<br />

afrontosa aos direitos e garantias individuais (...)”, sendo, portanto, “(...) absolutamente<br />

ilícita (...)” (fls. 85/86 – grifei).<br />

Cumpre destacar, por isso mesmo, da sentença penal que absolveu o Acusado,<br />

ora Recorrente, a seguinte passagem, que reproduzo “in extenso” (fls. 85/87):<br />

Em seguida, já agora no campo probatório, devemos questionar como todos os<br />

documentos e apetrechos de fls. 5/6 surgiram.<br />

Não existe a menor dúvida de que o acusado foi preso no dia 15 de agosto de<br />

1997, vez que em seu desfavor existia um mandado de prisão para cumprimento de<br />

uma pena privativa de liberdade confirmada em segunda instância.<br />

Quando da prisão os policiais conseguiram arrecadar no apartamento do hotel<br />

em que o imputado estava hospedado os objetos de fls. 5 e 6.<br />

Exatamente para tentar descobrir como tais bens foram arrecadados é que este<br />

julgador converteu o julgamento em diligência para sanar tal dúvida.<br />

As oitivas de fls. 474, 476, 514 e 516, esclareceram o que o julgador já estava<br />

desconfiando. A prova foi obtida de forma afrontosa aos direitos e garantias individuais.<br />

Os policiais foram até o Hotel Ipanema In para prender o imputado, sendo que<br />

ele foi preso fora do quarto, mais precisamente quando chegava ao hotel, fls. 474, 476<br />

e 514. Um dos autores da prisão, Sr. Mário Augusto Azevedo de Oliveira, fls. 514, disse<br />

que o Réu foi preso quando pegava as chaves do apartamento.<br />

Em seguida ele foi levado para a delegacia e somente depois a polícia retornou<br />

ao hotel.<br />

A testemunha Mauro Ricardo, fls. 516, revelou que o retorno foi determinado<br />

verbalmente pela autoridade policial.<br />

Ao retornar, e ingressando no imóvel, foi encontrado o material apreendido.<br />

A prova obtida pela autoridade policial para instaurar o inquérito policial,<br />

passando a apurar os fatos, é absolutamente ilícita, eis que obtida através de incursão<br />

em aposento ainda ocupado (quarto de hotel), sendo necessária ordem judicial de<br />

busca a apreensão, esta inexistente.<br />

Todas as demais oitivas estão impregnadas pela ilicitude por derivação, eis que<br />

as provas foram obtidas após, e por derivação, do encontro do material apreendido,<br />

sendo aplicável a conhecida teoria dos “frutos da árvore envenenada”, cunhada pela<br />

Suprema Corte americana, segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os<br />

seus frutos.<br />

Enfim, podemos resumir o seguinte: Um ingresso em local habitado, não autorizado<br />

judicialmente, resultou na apreensão de vários documentos (fls. 5/6), sendo que<br />

a partir de tal ponto declarações foram tomadas, mas sempre colhidas em razão do<br />

encontro de todos os documentos e petrechos apreendidos no quarto de hotel.<br />

Abstraídas tais provas do mundo jurídico, porque ilícitas, nada mais resta nos<br />

autos para tentar provar que o agente praticou os fatos genericamente mal descritos na<br />

denuncia.<br />

Posto isto, diante da fragilidade probatória existente nos autos, JULGO IMPRO-<br />

CEDENTE A PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL E ABSOLVO SÉRGIO AUGUSTO<br />

COIMBRA VIAL, das imputações descritas na exordial, com fulcro no artigo 386, inciso<br />

VI, do CPP.<br />

(Grifei.)


R.T.J. — 202 771<br />

O E. <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no entanto, ao reformar<br />

a sentença absolutória proferida em favor do ora Recorrente, entendeu legítimo o<br />

comportamento dos agentes policiais, vindo a qualificar, por isso mesmo, como<br />

lícita, a prova resultante da diligência realizada sem ordem judicial, eis que –<br />

segundo aquela colenda Corte judiciária – “o apartamento ou quarto do ‘Hotel<br />

Ipanema Inn’ não era a casa do Apelado, como conceituado no art. 5º, XI, da<br />

Constituição <strong>Federal</strong>” (fl. 113 – grifei).<br />

O E. Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, por sua vez, ao indeferir a ordem de<br />

“habeas corpus” impetrada em favor do Acusado, ora Recorrente, entendeu, no<br />

ponto, que “A insuficiência fática dos autos não auxilia a exata compreensão<br />

da alegação de violação de domicílio, pois não há qualquer documento capaz<br />

de esclarecer os termos do mandado de prisão cumprido em desfavor do paciente,<br />

como também a forma como foi realizada a diligência de busca e apreensão<br />

pelos policiais no quarto do hotel – que servia de base para a prática das<br />

atividades ilícitas –, mormente porque o réu se fazia presente no ato” (fl. 166 –<br />

grifei).<br />

Entendo, não obstante esses doutos pronunciamentos emanados dos Egrégios<br />

Tribunais mencionados, que há elementos suficientes, nestes autos, que<br />

permitem a exata compreensão e que viabilizam, por tal motivo, a conseqüente<br />

análise da alegada transgressão, por agentes policiais, da garantia constitucional<br />

da inviolabilidade domiciliar, considerados notadamente, para tanto, os fundamentos<br />

expostos pelo magistrado sentenciante de primeira instância (fls. 85/87).<br />

Isso significa, portanto, que a questão a ser enfrentada, neste processo,<br />

consiste em saber se agentes policiais, podem, ou não, sem autorização judicial,<br />

ingressar, de modo legítimo, em aposento ocupado de hotel, contra a vontade de<br />

seu ocupante, com o objetivo de proceder à busca e apreensão, em tal aposento, de<br />

materiais supostamente utilizados para práticas criminosas.<br />

Cabe indagar, ainda, se se reveste, ou não, de legitimidade jurídica, para<br />

efeito de válida instauração de “persecutio criminis”, por suposta prática de delitos<br />

de estelionato (CP, art. 171) e de falsificação de documento particular (CP, art.<br />

298), o material probatório resultante de diligência policial executada, sem mandado<br />

judicial, no interior de quarto de hotel, que, embora não fosse a residência<br />

permanente do ora Recorrente, ainda se achava por este ocupado.<br />

Impende analisar, portanto, presente o contexto em exame, se se revelava<br />

juridicamente possível, ou não, a utilização, pelo Poder Público, contra o ora<br />

Recorrente, de acervo documental apreendido por agentes policiais, sem mandado<br />

judicial, em diligência realizada no interior do quarto de hotel, contra a vontade<br />

presumida do hóspede.<br />

Posta a questão nesses termos, reconheço que não são absolutos, mesmo<br />

porque não o são, os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da<br />

polícia judiciária, cabendo assinalar, por relevante, Senhores Ministros, presente<br />

o contexto veiculado nesta impetração, que o Estado, em tema de investigação<br />

policial ou de persecução penal, está sujeito à observância de um complexo de


772<br />

R.T.J. — 202<br />

direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos cidadãos em geral.<br />

Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais,<br />

limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional.<br />

A circunstância de a polícia judiciária achar-se investida de poderes excepcionais<br />

que lhe permitem investigar eventuais práticas delituosas não a exonera<br />

do dever de observar, para efeito do correto desempenho de tais prerrogativas, os<br />

limites impostos pela Constituição e pelas leis da República, sob pena de esses<br />

órgãos incidirem em frontal desrespeito às garantias constitucionalmente asseguradas<br />

aos cidadãos em geral.<br />

O exame dos fundamentos em que se apóia esta impetração, de um lado, e a<br />

análise dos elementos produzidos neste processo, de outro, convencem-me, presente<br />

o contexto em causa, não obstante parecer em sentido contrário da douta<br />

Procuradoria-Geral da República (fls. 225/231), que os agentes policiais – que não<br />

realizaram a diligência de busca e apreensão ora questionada no curso da execução<br />

de mandado de prisão expedido contra o Paciente, ora Recorrente, tal como<br />

enfatizado pelo próprio magistrado sentenciante de primeira instância (fls. 85/87) –<br />

transgrediram a garantia individual pertinente à inviolabilidade domiciliar, tal como<br />

instituída e assegurada pelo inciso XI do art. 5º da Carta Política, que representa<br />

expressiva limitação constitucional ao poder do Estado, oponível, por isso mesmo,<br />

aos próprios órgãos da Administração Pública.<br />

A parte recorrente sustentou, com absoluta correção, que a apreensão de<br />

documentos e cartões magnéticos, por agentes policiais, sem prévia autorização<br />

judicial, no interior de um quarto de hotel ainda ocupado, configurou desrespeito<br />

à cláusula constitucional da inviolabilidade domiciliar (CF, art. 5º, XI) – que também<br />

ampara qualquer “aposento ocupado de habitação coletiva” (CP, art. 150, §<br />

4º, II) –, daí resultando a conseqüente ilicitude material da prova penal colhida na<br />

questionada diligência policial (fls. 175/205).<br />

Sabemos todos – e é sempre oportuno e necessário que esta Suprema Corte<br />

repita tal lição – que a cláusula constitucional da inviolabilidade domiciliar (CF,<br />

art. 5º, XI) revela-se apta a amparar, também, qualquer “aposento ocupado de<br />

habitação coletiva” (CP, art. 150, § 4º, II).<br />

Entendo, por isso mesmo, assistir razão à parte recorrente no ponto em que<br />

sustenta a ilicitude da referida diligência policial, pois a atividade probatória do<br />

Poder Público, no caso, decorreu de procedimento de agentes estatais que infringiram,<br />

porque desvestidos de qualquer autorização judicial (CF, art. 5º, XI), a<br />

proteção constitucional dispensada ao domicílio, cuja noção conceitual – que é<br />

ampla – estende-se, dentre outros espaços privados, “a aposento ocupado de habitação<br />

coletiva” (como um simples quarto de hotel, p. ex.).<br />

Tal orientação – igualmente perfilhada pelo magistério da doutrina (GUI-<br />

LHERME DE SOUZA NUCCI, “Código Penal Comentado”, p. 634, item n. 73, 6. ed.,<br />

2006, RT; RUBENS GERALDI BERTOLO, “Inviolabilidade do Domicílio”, p. 60/61,<br />

item n. 3.1, Editora Método; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código Penal Anotado”, p.<br />

529/530, 15. ed., 2004, Saraiva; CEZAR ROBERTO BITENCOURT, “Código Penal”,<br />

p. 614/615, item n. 1.2, 2005, Saraiva; FERNANDO CAPEZ, “Curso de Direito


R.T.J. — 202 773<br />

Penal – Parte Especial”, vol. 2/309, item n. 2.3, 3. ed., 2004, Saraiva; CELSO<br />

DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JUNIOR e FA-<br />

BIO MACHADO DE ALMEIDA DELMANTO, “Código Penal Comentado”, p.<br />

300, 5. ed., 2000, Renovar; LUIZ REGIS PRADO, “Comentários ao Código Penal”,<br />

p. 510, item n. 8, 2002, RT) – é também acolhida pela jurisprudência dos Tribunais<br />

em geral (RT 635/341 – RT 689/366 – RT 728/588 – Julgados do TACRIM/SP, vol.<br />

20/322 – RT 416/393 – RT 557/353 – RT 559/341 – RT 668/297 – Julgados do<br />

TACRIM/SP, vol. 93/273), inclusive pelo magistério jurisprudencial desta Suprema<br />

Corte:<br />

(...). A GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR COMO LIMITAÇÃO<br />

CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO (...) – CONCEITO DE “CASA” PARA<br />

EFEITO DE PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL – AMPLITUDE DESSA NOÇÃO<br />

CONCEITUAL, QUE TAMBÉM COMPREENDE OS ESPAÇOS PRIVADOS NÃO<br />

ABERTOS AO PÚBLICO, ONDE ALGUÉM EXERCE ATIVIDADE PROFISSIONAL:<br />

NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL (CF, ART. 5º, XI).<br />

- Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da<br />

República, o conceito normativo de “casa” revela-se abrangente e, por estender-se a<br />

qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão<br />

ou atividade (CP, art. 150, § 4º, III), compreende, observada essa específica limitação<br />

espacial (área interna não acessível ao público), os escritórios profissionais, inclusive<br />

os de contabilidade, “embora sem conexão com a casa de moradia propriamente dita”<br />

(NELSON HUNGRIA). Doutrina. Precedentes.<br />

- Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas<br />

no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público, ainda que vinculado à<br />

administração tributária do Estado, poderá, contra a vontade de quem de direito<br />

(“invito domino”), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em espaço privado<br />

não aberto ao público, onde alguém exerce sua atividade profissional, sob pena de a<br />

prova resultante da diligência de busca e apreensão assim executada reputar-se inadmissível,<br />

porque impregnada de ilicitude material. Doutrina. Precedentes específicos,<br />

em tema de fiscalização tributária, a propósito de escritórios de contabilidade (STF).<br />

- O atributo da auto-executoriedade dos atos administrativos, que traduz expressão<br />

concretizadora do “privilège du preálable”, não prevalece sobre a garantia constitucional<br />

da inviolabilidade domiciliar, ainda que se cuide de atividade exercida pelo<br />

Poder Público em sede de fiscalização tributária. Doutrina. Precedentes. (...).”<br />

(HC 82.788/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma.)<br />

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, Senhores Ministros, qualquer<br />

que seja a natureza da atividade desenvolvida por agentes do Poder Público,<br />

em tema de repressão penal, que a garantia constitucional da inviolabilidade<br />

domiciliar atua como fator de restrição às diligências empreendidas pelos órgãos<br />

do Estado, que não poderão desrespeitá-la, sob pena de o ato transgressor<br />

infirmar a própria validade jurídica da prova resultante de tal ilícito comportamento.<br />

É imperioso, portanto, que as autoridades e agentes do Estado não desconheçam<br />

que a proteção constitucional ao domicílio – que emerge, com inquestionável<br />

nitidez, da regra inscrita no art. 5º, XI, da Carta Política – tem por fundamento<br />

norma revestida do mais elevado grau de positividade jurídica, que proclama, a<br />

propósito do tema em análise, que “a casa é asilo inviolável do indivíduo,


774<br />

R.T.J. — 202<br />

ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso<br />

de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por<br />

determinação judicial” (grifei).<br />

Vê-se, pois, que a Carta <strong>Federal</strong>, em cláusula que tornou juridicamente mais<br />

intenso o coeficiente de tutela dessa particular esfera de liberdade individual,<br />

assegurou, em benefício de todos, a prerrogativa da inviolabilidade domiciliar. Sendo<br />

assim, ninguém, especialmente a autoridade pública, pode penetrar em casa<br />

alheia, exceto (a) nas hipóteses taxativamente previstas no texto constitucional ou,<br />

então, (b) com o consentimento de seu morador, que se qualifica, para efeito de<br />

ingresso de terceiros no recinto privado, como o único titular do direito de inclusão<br />

e de exclusão.<br />

Impõe-se enfatizar, por necessário, como previamente já destacado, que o<br />

conceito de “casa”, para o fim da proteção jurídico-constitucional a que se refere<br />

o art. 5º, XI, da Lei Fundamental, reveste-se de caráter amplo (HC 82.788/RJ, Rel.<br />

Min. CELSO DE MELLO – RE 251.445/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO), pois<br />

compreende, na abrangência de sua designação tutelar, (a) qualquer compartimento<br />

habitado, (b) qualquer aposento ocupado de habitação coletiva e (c) qualquer<br />

compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão<br />

ou atividade.<br />

Esse amplo sentido conceitual da noção jurídica de “casa” revela-se plenamente<br />

consentâneo com a exigência constitucional de proteção à esfera de liberdade<br />

individual e de privacidade pessoal (RT 214/409 – RT 277/576 – RT 467/<br />

385 – RT 635/341).<br />

Sendo assim, Senhores Ministros, é preciso advertir – e advertir sempre –<br />

que nem a Polícia Judiciária, nem o Ministério Público, nem a administração tributária,<br />

nem quaisquer outros agentes públicos podem ingressar em domicílio<br />

alheio, sem ordem judicial, ou sem o consentimento de seu titular, ou, ainda, fora<br />

das hipóteses autorizadas pelo texto constitucional, com o objetivo de proceder a<br />

qualquer tipo de diligência, como a execução de busca e apreensão domiciliar (sem<br />

mandado judicial), tal como ocorrido, de modo inteiramente ilegítimo, na espécie<br />

em exame.<br />

A essencialidade da ordem judicial, para efeito de realização de qualquer<br />

diligência de caráter probatório, em área juridicamente compreendida no conceito<br />

de domicílio, nada mais representa senão a plena concretização da garantia<br />

constitucional pertinente à inviolabilidade domiciliar.<br />

Daí a advertência – que cumpre ter presente – feita por CELSO RIBEIRO<br />

BASTOS (“Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2/68, 1989, Saraiva), no<br />

sentido de que, tratando-se do ingresso de agentes estatais (como os agentes<br />

policiais), em domicílio alheio, sem o consentimento do morador, “é forçoso reconhecer<br />

que deixou de existir a possibilidade de invasão por decisão de autoridade<br />

administrativa, de natureza policial ou não. Perdeu, portanto, a Administração<br />

a possibilidade da auto-executoriedade administrativa” (grifei).


R.T.J. — 202 775<br />

Note-se, portanto, seja com apoio no magistério jurisprudencial desta Suprema<br />

Corte, seja com fundamento nas lições da doutrina, que a transgressão, pelo<br />

Poder Público, das restrições e das garantias constitucionalmente estabelecidas<br />

em favor dos cidadãos – inclusive daqueles a quem se atribuiu suposta prática<br />

delituosa – culmina por gerar a ilicitude da prova eventualmente obtida no curso<br />

das diligências estatais, o que provoca, como direta conseqüência desse gesto de<br />

infidelidade às limitações impostas pela Lei Fundamental, a própria inadmissibilidade<br />

processual dos elementos probatórios assim coligidos.<br />

Impõe-se relembrar, bem por isso, Senhores Ministros, até mesmo como<br />

fator de expressiva conquista (e preservação) dos direitos instituídos em favor<br />

daqueles que sofrem a ação persecutória do Estado, a inquestionável hostilidade<br />

do ordenamento constitucional brasileiro às provas ilegítimas e às provas ilícitas.<br />

A Constituição da República tornou inadmissíveis, no processo, as provas<br />

inquinadas de ilegitimidade ou de ilicitude.<br />

A norma inscrita no art. 5º, LVI, da vigente Lei Fundamental consagrou, entre<br />

nós, o postulado de que a prova obtida por meios ilícitos deve ser repudiada – e<br />

repudiada sempre (MAURO CAPPELLETTI, “Efficacia di prove illegittimamente<br />

ammesse e comportamento della parte”, “in” Rivista di Diritto Civile, p. 112, 1961;<br />

VICENZO VIGORITI, “Prove illecite e Costituzione”, “in” Rivista di Diritto<br />

Processuale, p. 64 e 70, 1968) - pelos juízes e Tribunais, “por mais relevantes que<br />

sejam os fatos por ela apurados, uma vez que se subsume ela ao conceito de<br />

inconstitucionalidade (...)” (ADA PELLEGRINI GRINOVER, “Novas Tendências<br />

do Direito Processual” p. 62, 1990, Forense Universitária).<br />

A cláusula constitucional do “due process of law” – que se destina a garantir<br />

a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público –<br />

tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas projeções<br />

concretizadoras mais expressivas, na medida em que o Réu (contra quem jamais se<br />

presume provada qualquer alusão penal) tem o impostergável direito de não ser<br />

denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em elementos<br />

instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites impostos,<br />

pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do<br />

Estado.<br />

A absoluta nulidade da prova ilícita qualifica-se como causa de radical<br />

invalidação de sua eficácia jurídica, destituindo-a de qualquer aptidão para revelar,<br />

legitimamente, os fatos e eventos cuja realidade material ela pretendia evidenciar.<br />

Trata-se, presente tal contexto, de conseqüência que deriva, necessariamente, da<br />

garantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo<br />

(notadamente em juízo penal) e que exclui, de modo peremptório, a possibilidade<br />

de uso, em sede processual, da prova – de qualquer prova – cuja ilicitude venha a<br />

ser reconhecida pelo Poder Judiciário.<br />

A prova ilícita é prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita é prova<br />

imprestável. Não se reveste, por essa explícita razão, de qualquer aptidão jurídicomaterial.<br />

A prova ilícita, qualificando-se como providência instrutória repelida


776<br />

R.T.J. — 202<br />

pelo ordenamento constitucional, apresenta-se destituída de qualquer grau, por<br />

mínimo que seja, de eficácia jurídica como esta Suprema Corte tem reiteradamente<br />

proclamado (RTJ 163/682 – RTJ 163/709 – HC 82.788/RJ, Rel. Min. CELSO DE<br />

MELLO – RE 251.445/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).<br />

Tenho tido a oportunidade de enfatizar, por isso mesmo, neste <strong>Tribunal</strong>, que<br />

a “exclusionary rule” – considerada essencial, pela jurisprudência da Suprema<br />

Corte dos Estados Unidos da América, na definição dos limites da atividade<br />

probatória desenvolvida pelo Estado – destina-se a proteger os Réus, em sede<br />

processual penal, contra a ilegítima produção ou a ilegal colheita de prova<br />

incriminadora (Weeks v. United States, 232 U.S. 383, 1914 – Garrity v. New Jersey,<br />

385 U.S. 493, 1967 – Mapp v. Ohio, 367 U.S. 643, 1961 – Wong Sun v. United States,<br />

371 U.S. 471, 1963, v.g.), impondo, em atenção ao princípio do “due process of law”,<br />

o banimento processual de quaisquer evidências que tenham sido ilicitamente<br />

coligidas pelo Poder Público.<br />

No contexto do sistema constitucional brasileiro, no qual prevalece a<br />

inadmissibilidade processual das provas ilícitas, a jurisprudência do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, ao interpretar o sentido e o alcance do art. 5º, LVI, da Carta<br />

Política, tem repudiado quaisquer elementos de informação, desautorizando-lhes<br />

o valor probante, sempre que a obtenção dos dados probatórios resultar de transgressão,<br />

pelo Poder Público, do ordenamento positivo (RTJ 163/682 – RTJ 163/<br />

709), ainda que se cuide de hipótese configuradora de ilicitude por derivação (RTJ<br />

155/508).<br />

Foi por tal razão que esta Corte Suprema, quando do julgamento plenário da<br />

AP 307/DF, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, desqualificou, por ilícita, prova cuja obtenção<br />

decorrera do desrespeito, por parte de autoridades públicas, da garantia<br />

constitucional da inviolabilidade domiciliar (RTJ 162/4, item n. 1.1).<br />

Cabe referir, neste ponto, o magistério de ADA PELLEGRINI GRINOVER<br />

(“Liberdades Públicas e Processo Penal”, p. 151, itens ns. 7 e 8, 2ª ed., 1982, RT),<br />

para quem – tratando-se de prova ilícita, especialmente daquela cuja produção<br />

derive de ofensa a cláusulas de ordem constitucional – não se revelará aceitável,<br />

para efeito de sua admissibilidade, a invocação do critério de razoabilidade do<br />

direito norte-americano, que corresponde ao princípio da proporcionalidade do<br />

direito germânico, mostrando-se indiferente a indagação sobre quem praticou o<br />

ato ilícito de que se originou o dado probatório questionado:<br />

A inadmissibilidade processual da prova ilícita torna-se absoluta, sempre que a<br />

ilicitude consista na violação de uma norma constitucional, em prejuízo das partes ou de<br />

terceiros.<br />

Nesses casos, é irrelevante indagar se o ilícito foi cometido por agente público ou<br />

por particulares, porque, em ambos os casos, a prova terá sido obtida com infringência<br />

aos princípios constitucionais que garantem os direitos da personalidade. Será também<br />

irrelevante indagar-se a respeito do momento em que a ilicitude se caracterizou (antes<br />

e fora do processo ou no curso do mesmo); será irrelevante indagar-se se o ato ilícito foi<br />

cumprido contra a parte ou contra terceiro, desde que tenha importado em violação a<br />

direitos fundamentais; e será, por fim, irrelevante indagar-se se o processo no qual se<br />

utilizaria prova ilícita deste jaez é de natureza penal ou civil.<br />

(...)


R.T.J. — 202 777<br />

Nesta colocação, não parece aceitável (embora sugestivo) o critério de “razoabilidade”<br />

do direito norte-americano, correspondente ao princípio de “proporcionalidade”<br />

do direito alemão, por tratar-se de critérios subjetivos, que podem induzir a<br />

interpretações perigosas, fugindo dos parâmetros de proteção da inviolabilidade da<br />

pessoa humana.<br />

A mitigação do rigor da admissibilidade das provas ilícitas deve ser feita através<br />

da análise da própria norma material violada: (...) sempre que a violação se der com<br />

relação aos direitos fundamentais e a suas garantias, não haverá como invocar-se o<br />

princípio da proporcionalidade.<br />

(Grifei.)<br />

Essa mesma orientação é registrada por VÂNIA SICILIANO AIETA (“A<br />

Garantia da Intimidade como Direito Fundamental”, p. 191, item n. 4.4.6.4, 1999,<br />

Lumen Juris), cujo lúcido magistério também reconhece que, “Atualmente, a<br />

teoria majoritariamente aceita é a da inadmissibilidade processual das provas<br />

ilícitas (colhidas com lesões a princípios constitucionais), sendo irrelevante a<br />

averiguação, se o ilícito foi cometido por agente público, ou por agente particular,<br />

porque, em ambos os casos, lesa princípios constitucionais” (grifei).<br />

Por isso mesmo, Senhores Ministros, assume inegável relevo, na repulsa à<br />

“crescente predisposição para flexibilização dos comandos constitucionais<br />

aplicáveis na matéria”, a advertência de LUIS ROBERTO BARROSO, que, em<br />

texto escrito com a colaboração de ANA PAULA DE BARCELLOS (“A Viagem<br />

Redonda: Habeas Data, Direitos Constitucionais e as Provas Ilícitas” “in” RDA<br />

213/149-163), rejeita, com absoluta correção, qualquer tipo de prova obtida por<br />

meio ilícito, demonstrando, ainda, o gravíssimo risco de se admitir essa espécie de<br />

evidência com apoio no princípio da proporcionalidade:<br />

O entendimento flexibilizador dos dispositivos constitucionais citados, além de<br />

violar a dicção claríssima da Carta Constitucional, é de todo inconveniente em se<br />

considerando a realidade político-institucional do País.<br />

(...)<br />

Embora a idéia da proporcionalidade possa parecer atraente, deve-se ter em<br />

linha de conta os antecedentes de País, onde as exceções viram regra desde sua criação<br />

(vejam-se, por exemplo, as medidas provisórias). À vista da trajetória inconsistente do<br />

respeito aos direitos individuais e da ausência de um sentimento constitucional consolidado,<br />

não é nem conveniente nem oportuno, sequer de “lege ferenda”, enveredar por<br />

flexibilizações arriscadas.<br />

(Grifei.)<br />

Também corretamente sustentando a tese de que o Estado não pode, especialmente<br />

em sede processual penal, valer-se de provas ilícitas contra o acusado,<br />

mesmo que sob invocação do princípio da proporcionalidade, impõe-se relembrar<br />

o entendimento de EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO (“O Direito à Defesa<br />

na Constituição”, p. 54/56, item n. 5.9, 1994, Saraiva) e de GUILHERME SILVA<br />

BARBOSA FREGAPANI (“Prova Ilícita no Direito Pátrio e no Direito Comparado”,<br />

“in” Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito <strong>Federal</strong><br />

e Territórios 6/231-235).<br />

Cabe ter presente, também, por necessário, que o princípio da proporcionalidade,<br />

em sendo alegado pelo Poder Público, não pode converter-se em instrumento<br />

de frustração da norma constitucional que repudia a utilização, no processo,<br />

de provas obtidas por meios ilícitos.


778<br />

R.T.J. — 202<br />

Esse postulado, portanto, não deve ser invocado nem aplicado indiscriminadamente<br />

pelos órgãos do Estado, ainda mais quando se acharem expostos, a uma<br />

nítida situação de risco, como sucedeu na espécie, direitos fundamentais assegurados<br />

pela Constituição.<br />

Sob tal perspectiva, portanto, Senhores Ministros, tenho como incensurável<br />

a advertência feita por ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO (“Proibição das<br />

Provas Ilícitas na Constituição de 1988”, p. 249/266, “in” “Os 10 Anos da Constituição<br />

<strong>Federal</strong>”, coordenação de ALEXANDRE DE MORAES, 1999, Atlas):<br />

Após dez anos de vigência do texto constitucional, persistem as resistências doutrinárias<br />

e dos tribunais à proibição categórica e absoluta do ingresso, no processo, das<br />

provas obtidas com violação do direito material.<br />

Isso decorre, a nosso ver, em primeiro lugar, de uma equivocada compreensão<br />

do princípio do livre convencimento do juiz, que não pode significar liberdade absoluta<br />

na condução do procedimento probatório nem julgamento desvinculado de regras<br />

legais. Tal princípio tem seu âmbito de operatividade restrito ao momento da valoração<br />

das provas, que deve incidir sobre material constituído por elementos admissíveis e<br />

regularmente incorporados ao processo.<br />

De outro lado, a preocupação em fornecer respostas prontas e eficazes às formas<br />

mais graves de criminalidade tem igualmente levado à admissão de provas maculadas<br />

pela ilicitude, sob a justificativa da proporcionalidade ou razoabilidade. Conquanto<br />

não se possa descartar a necessidade de ponderação de interesses nos casos concretos,<br />

tal critério não pode ser erigido à condição de regra capaz de tornar letra morta a<br />

disposição constitucional. Ademais, certamente não será com o incentivo às práticas<br />

ilegais que se poderá alcançar resultado positivo na repressão da criminalidade.<br />

(Grifei.)<br />

Torna-se importante rememorar, neste ponto, consideradas as razões que<br />

venho de expor, a passagem da sentença absolutória, na qual o ilustre magistrado<br />

de primeiro grau, ao registrar a ilicitude originária da prova penal coligida contra<br />

o ora Recorrente, salientou que os demais elementos de informação produzidos<br />

ao longo do processo penal de conhecimento somente o foram com apoio e a<br />

partir dos dados obtidos mediante a ilícita diligência policial de busca e apreensão,<br />

cuja realização deu-se com evidente transgressão à garantia constitucional da inviolabilidade<br />

domiciliar (fls. 86/87):<br />

A prova obtida pela autoridade policial para instaurar o inquérito policial,<br />

passando a apurar os fatos, é absolutamente ilícita, eis que obtida através de incursão<br />

em aposento ainda ocupado (quarto de hotel), sendo necessária ordem judicial de<br />

busca e apreensão, esta inexistente.<br />

Todas as demais oitivas estão impregnadas pela ilicitude por derivação, eis que<br />

as provas foram obtidas após, e por derivação, o encontro do material apreendido,<br />

sendo aplicável a conhecida teoria dos “frutos da árvore envenenada”, cunhada pela<br />

Suprema Corte americana, segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus<br />

frutos.<br />

Enfim, podemos resumir o seguinte: Um ingresso em local habitado, não autorizado<br />

judicialmente, resultou na apreensão de vários documentos (fls. 5/6), sendo que,<br />

a partir de tal ponto, declarações foram tomadas, mas sempre colhidas em razão do<br />

encontro de todos os documentos e petrechos apreendidos no quarto de hotel.<br />

Abstraídas tais provas do mundo jurídico, porque ilícitas, nada mais resta nos<br />

autos para tentar provar que o agente praticou os fatos genericamente mal descritos na<br />

denúncia.<br />

(Grifei.)


R.T.J. — 202 779<br />

Isso significa, considerada a liquidez dos fatos expostos pelo ilustre magistrado<br />

de primeira instância, que a prova penal ulteriormente colhida apresentavase<br />

impregnada, ela também, de ilicitude, embora se cuidasse de ilicitude por derivação,<br />

eis que o poder público somente conseguiu produzi-la em decorrência<br />

causal dos elementos resultantes da diligência policial tisnada pelo vício da<br />

ilicitude originária.<br />

Na realidade, o defeito inquinador da validade jurídica da prova penal em<br />

questão, surgido com desrespeito à garantia constitucional da inviolabilidade<br />

domiciliar, projetou-se, com evidente repercussão causal, sobre os demais elementos<br />

probatórios, que, não obstante produzidos, em momento superveniente,<br />

de modo (aparentemente) legítimo, achavam-se contaminados pelo vício da<br />

ilicitude de origem, não havendo que se cogitar, desse modo, na espécie, da existência<br />

de fontes autônomas de revelação da prova e que, sem qualquer relação<br />

causal com a prova originariamente ilícita, pudessem dar suporte independente e<br />

legitimador à formulação de um juízo condenatório.<br />

É indisputável, portanto, examinada a questão sob tal perspectiva, que a<br />

prova ilícita, no caso, por constituir prova juridicamente inidônea, contaminou<br />

todos os demais elementos de informação que dela resultaram, e que foram – tal<br />

como o reconheceu o ilustre magistrado de primeiro grau – coligidos em momento<br />

ulterior, de maneira aparentemente válida, pelos órgãos da persecução penal.<br />

A ilicitude originária da prova, nesse particular contexto, transmitiu-se,<br />

por repercussão, a outros dados probatórios que nela se apoiaram, ou que dela<br />

derivaram, ou que nela encontraram o seu fundamento causal.<br />

ADA PELLEGRINI GRINOVER (“A Eficácia dos Atos Processuais à Luz da<br />

Constituição <strong>Federal</strong>”, vol. 37/46-47, 1992, “in” RPGESP), ao versar o tema das<br />

limitações que, fundadas em regra de exclusão, incidem sobre o direito à prova,<br />

analisa a questão da ilicitude – mesmo da ilicitude por derivação – dos elementos<br />

instrutórios produzidos em sede processual, em lição da qual destaco:<br />

A Constituição brasileira toma posição firme, aparentemente absoluta, no sentido<br />

da proibição de admissibilidade das provas ilícitas. Mas, nesse ponto, é necessário<br />

levantar alguns aspectos: quase todos os ordenamentos afastam a admissibilidade<br />

processual das provas ilícitas. Mas ainda existem dois pontos de grande divergência: o<br />

primeiro deles é o de se saber se inadmissível no processo é somente a prova, obtida por<br />

meios ilícitos, ou se é também inadmissível a prova, licitamente colhida, mas a cujo<br />

conhecimento se chegou por intermédio da prova ilícita.<br />

Imagine-se uma confissão extorquida sob tortura, na qual o acusado ou<br />

indiciado indica o nome do comparsa ou da testemunha que, ouvidos sem nenhuma<br />

coação, venham a corroborar aquele depoimento.<br />

Imaginem uma interceptação telefônica clandestina, portanto ilícita, pela qual<br />

se venham a conhecer circunstâncias que, licitamente colhidas, levem à apuração dos<br />

fatos. Essas provas são “ilícitas por derivação”, porque, em si mesmas lícitas, são<br />

oriundas e obtidas por intermédio da ilícita. A jurisprudência norte-americana utilizou<br />

a imagem dos frutos da árvore envenenada, que comunica o seu veneno a todos os<br />

frutos (...).<br />

(Grifei.)<br />

Incensurável a análise que, deste tema, fez o eminente Ministro SEPÚLVEDA<br />

PERTENCE, em voto proferido, como Relator, no julgamento do HC 69.912/RS<br />

(RTJ 155/508, 515):


780<br />

R.T.J. — 202<br />

Estou convencido de que essa doutrina da invalidade probatória do “fruit of the<br />

poisonous tree” é a única capaz de dar eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidade<br />

da prova ilícita.<br />

De fato, vedar que se possa trazer ao processo a própria “degravação” das<br />

conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela colhidas possam ser aproveitadas<br />

pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas, que, sem<br />

tais informações, não colheria, evidentemente, é estimular e, não, reprimir a atividade<br />

ilícita da escuta e da gravação clandestina de conversas privadas.<br />

(...)<br />

Na espécie, é inegável que só as informações extraídas da escuta telefônica<br />

indevidamente autorizada é que viabilizaram o flagrante e a apreensão da droga,<br />

elementos também decisivos, de sua vez, na construção lógica da imputação formulada<br />

na denúncia, assim como na fundamentação nas decisões condenatórias.<br />

Dada essa patente relação genética entre os resultados da interceptação telefônica<br />

e as provas subseqüentemente colhidas, não é possível apegar-se a estas últimas – frutos<br />

da operação ilícita inicial – sem, de fato, emprestar relevância probatória à escuta<br />

vedada.<br />

(Grifei.)<br />

Nem cabe considerar, ainda, na espécie, como precedentemente acentuado<br />

pelo ilustre magistrado de primeira instância (fls. 86/87), a questão da autonomia<br />

das fontes probatórias, pois os novos elementos de informação produzidos nos<br />

autos resultaram, diretamente, da prova penal afetada pelo vício originário da<br />

ilicitude, expondo-se, em conseqüência, à censura da Jurisprudência constitucional<br />

desta Suprema Corte.<br />

Irrecusável, por isso mesmo, que a absoluta ineficácia probatória dos elementos<br />

de convicção – cuja apuração decorreu, em sua própria origem, de comportamento<br />

ilícito dos agentes estatais – torna imprestável a prova penal em<br />

questão, inibindo-lhe, assim, a possibilidade de atuar como suporte legitimador<br />

de qualquer decreto judicial de condenação penal, que, também, por sua vez, não<br />

poderá apoiar-se em outros elementos de convicção dela decorrentes.<br />

Esse entendimento, Senhores Ministros, que constitui a expressão mesma<br />

da teoria dos “frutos da árvore envenenada” (“fruits of the poisonous tree”) –<br />

firmada e desenvolvida na prática jurisprudencial da Suprema Corte dos Estados<br />

Unidos da América (“Nardone v. United States, 308 U.S. 338 (1939); Wong Sun v.<br />

United States, 371 U.S. 471 (1963); Weeks v. United States, 232 U.S. 383 (1914);<br />

Payton v. New York, 445 U.S. 573 (1980)”), atenuada, porém, quando o poder<br />

público, não obstante a ilicitude originária de determinada prova, consegue demonstrar<br />

que obteve, legitimamente, os novos elementos de informação a partir<br />

de uma “independent source” ou fonte autônoma de prova (“Silverthorne<br />

Lumber Co. v. United States, 251 U.S. 385 (1920); Segura v. United States, 468<br />

U.S. 796 (1984); Nix v. Williams, 467 U.S. 431 (1984); Murray v. United States,<br />

487 U.S. 533 (1988)”, v.g.) – encontra pleno suporte na jurisprudência constitucional<br />

do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (RTJ 155/508, Rel. Min. SEPÚLVEDA PER-<br />

TENCE – RTJ 164/950, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – RTJ 168/543-544, Rel.<br />

Min. ILMAR GALVÃO – RTJ 176/735-736, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – HC<br />

74.116/SP, Relator para o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA – HC 82.788/RJ,<br />

Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):


R.T.J. — 202 781<br />

(...) 3. As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as que são “exclusivamente”<br />

delas decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem ensejar a<br />

investigação criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e o julgamento (CF,<br />

art. 5º, LVI), ainda que tenha restado sobejamente comprovado, por meio delas, que o<br />

Juiz foi vítima das contumélias do paciente.<br />

4. Inexistência, nos autos do processo-crime, de prova autônoma e não decorrente<br />

de prova ilícita, que permita o prosseguimento do processo.<br />

5. “Habeas corpus” conhecido e provido para trancar a ação penal instaurada<br />

contra o paciente, por maioria de 6 votos contra 5.<br />

(HC 72.588/PB, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – Grifei.)<br />

Tal orientação, Senhores Ministros, é também acolhida pelo magistério da<br />

doutrina (ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada e<br />

Legislação Constitucional”, p. 386, item n. 5.102, 6. ed., 2006, Atlas; FERNANDO<br />

CAPEZ, “Curso de Processo Penal”, p. 304, item n. 17.2.4.5, 13. ed., 2006, Saraiva;<br />

JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 401,<br />

item n. 155.4, 7. ed., 2000, Atlas; RACHEL PINHEIRO DE ANDRADE MENDON-<br />

ÇA, “Provas Ilícitas: Limites à Licitude Probatória”, p. 78, item n. 3.1, 2. ed., 2004,<br />

Lumen Juris; GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Código de Processo Penal Comentado”,<br />

p. 340/341, item n. 5, 4. ed., 2005, RT; ROGÉRIO LAURIA TUCCI, “Ordem<br />

Judicial de Busca Apreensão e Ilicitude da Prova dela Extrapolante”, “in” RT<br />

848/457-470, 468-469; LENIO LUIZ STRECK, “As Interceptações Telefônicas e os<br />

Direitos Fundamentais”, p. 92, item n. 13.2, 1997, Livraria do Advogado), valendo<br />

referir, ante o relevo de suas observações, a lição de FERNANDO DA COSTA<br />

TOURINHO FILHO (“Código de Processo Penal Comentado”, vol. 1/474-476, 9.<br />

ed., 2005, Saraiva):<br />

Não só as provas obtidas ilicitamente são proibidas (busca domiciliar sem mandado<br />

judicial, escuta telefônica sem autorização da autoridade judiciária competente,<br />

obtenção de confissões mediante toda sorte de violência etc.), como também as denominadas<br />

“provas ilícitas por derivação”.<br />

Na verdade, ao lado das provas ilícitas, há a doutrina do “fruit of the poisonous<br />

tree”, ou simplesmente “fruit doctrine” – “fruto da árvore envenenada” –, adotada nos<br />

Estados Unidos desde 1914 para os Tribunais Federais e nos Estados, por imperativo<br />

constitucional, desde 1961, e que teve sua maior repercussão no caso “Silverthorne<br />

Lumber Co. v. United States, 251 US 385 (1920)”, quando a Corte decidiu que o Estado<br />

não podia intimar uma pessoa a entregar documentos cuja existência fora descoberta<br />

pela polícia por meio de uma prisão ilegal. Mediante tortura (conduta ilícita), obtémse<br />

informação da localização da “res furtiva”, que é apreendida regularmente. Mediante<br />

escuta telefônica (prova ilícita), obtém-se informação do lugar em que se encontra o<br />

entorpecente, que, a seguir, é apreendido com todas as formalidades legais (...) Assim,<br />

a obtenção ilícita daquela informação se projeta sobre a diligência de busca e apreensão,<br />

aparentemente legal, mareando-a, nela transfundindo o estigma da ilicitude penal.<br />

Nisso consiste a doutrina do “fruto da árvore envenenada”. Os Tribunais norteamericanos<br />

têm se valido dessa doutrina “com a finalidade de reafirmar os fundamentos<br />

éticos e dissuasivos da ilegalidade estatal em que se baseia aquela regra”. Aliás, a<br />

Suprema Corte tem sufragado a tese da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação,<br />

ou da doutrina denominada “fruits of the poisonous tree”. No HC 69.912-RS, o<br />

Ministro Sepúlveda Pertence, como Relator, observou: “Vedar que se possa trazer ao<br />

processo a própria ‘degravação’ das conversas telefônicas, mas admitir que as informações<br />

nela colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente,<br />

para chegar a outras provas, que sem tais informações não colheria, evidentemente, é


782<br />

R.T.J. — 202<br />

estimular, e não reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina de<br />

conversas privadas (...). E finalizando: ou se leva às últimas conseqüências a garantia<br />

constitucional ou ela será facilmente contornada pelos frutos da informação ilicitamente<br />

obtida” (“Informativo STF” n. 36, de 21-6-1996). No HC 73.351/SP, o STF,<br />

concedendo o “writ”, observou que ‘a prova ilícita contaminou as provas obtidas a<br />

partir dela. A apreensão dos 80 quilos de cocaína só foi possível em virtude de<br />

interceptação telefônica (...)” (“Informativo STF” n. 30, de 15-5-1996).<br />

E a sanção processual para as provas inadmissíveis é a sua imprestabilidade ou,<br />

na linguagem do novo “Codice de Procedura Penale”, art. 191, sua “non utilizzabilità”<br />

(art. 191, 1: “Le prove acquisite in violazione dei divieti stabiliti dalla legge non<br />

possono essere utilizzate. 2. L’inutilizzabilità è rilevabile anche di ufficio in ogni stato e<br />

grado del procedimento”).<br />

Ninguém pode ser acusado ou julgado com base em provas ilícitas. Ressalte-se<br />

que a exigência do “due process of law” destina-se a garantir a pessoa contra a ação<br />

arbitrária do Estado e a colocá-la sob a imediata proteção das leis.<br />

Aliás o Pretório Excelso já decidiu que, “(...) os meios de prova ilícitos não<br />

podem servir de sustentação ao inquérito ou à ação penal (...)” (RTJ, 122/47)<br />

E se, por acaso, em decorrência de prova obtida ilicitamente, por exemplo, um<br />

depoimento conseguido mediante tortura, a Polícia se dirige ao verdadeiro culpado, e<br />

este, sem a menor resistência, confessa o crime? E se durante busca domiciliar realizada<br />

sem mandado judicial, uma empregada da casa, sem qualquer atitude agressiva da<br />

Policia, delata o criminoso ou indica o lugar onde se encontra o entorpecente procurado?<br />

E, uma vez procurado o criminoso, este, sem qualquer coação, reconhece a sua<br />

culpa ou, no outro exemplo, indo a Polícia ao local onde o objeto procurado deveria<br />

estar, é encontrado e apreendido? “Quid inde”? Será que a ilegalidade inicial (tortura<br />

da testemunha, busca domiciliar ao arrepio da lei), se projeta sobre outras provas<br />

obtidas a partir daquela ilegalidade ou em decorrência dela? Dir-se-á que a confissão<br />

do criminoso e o depoimento da testemunha foram prestados com inteira liberdade, e,<br />

por isso mesmo, constituíram fontes independentes. Mas, se houver outras provas consideradas<br />

autônomas, isto é, colhidas sem necessidade dos elementos informativos,<br />

revelados pela prova ilícita, não haverá invalidade do processo. Disse-o o STF no HC<br />

76.231-RJ (“Informativo”, STF n. 115).<br />

(Grifei.)<br />

Não se desconhece, como previamente salientado, que, tratando-se de elementos<br />

probatórios absolutamente desvinculados da prova originariamente ilícita,<br />

com esta não mantendo qualquer relação de dependência, revelando-se, ao contrário,<br />

impregnados de plena autonomia, não se aplica, quanto a eles, a doutrina da<br />

ilicitude por derivação, por se cuidar, na espécie, de evidência fundada em uma<br />

fonte autônoma de conhecimento (“an independent source”), como o demonstram<br />

julgados de outras Cortes judiciárias (HC 40.089-AgR/MG, Rel. Min. FELIX<br />

FISCHER – HC 43.944/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA – HC 60.584/<br />

RN, Rel. Min. GILSON DIPP, v.g.), inclusive decisões emanadas desta Suprema<br />

Corte (HC 74.116/SP, Relator para o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA – HC<br />

75.497/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – RHC 85.254/RJ, Rel. Min. CARLOS<br />

VELLOSO – RHC 85.286/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA):<br />

“HABEAS CORPUS” SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. RECO-<br />

NHECIMENTO FOTOGRÁFICO NA FASE INQUISITORIAL. INOBSERVÂNCIA DE<br />

FORMALIDADES. TEORIA DA ÁRVORE DOS FRUTOS ENVENENADOS. CONTA-<br />

MINAÇÃO DAS PROVAS SUBSEQÜENTES. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA CONDE-<br />

NATÓRIA. PROVA AUTÔNOMA.


R.T.J. — 202 783<br />

1. Eventuais vícios do inquérito policial não contaminam a ação penal. O reconhecimento<br />

fotográfico, procedido na fase inquisitorial, em desconformidade com o<br />

art. 226, I, do Código de Processo Penal, não tem a virtude de contaminar o acervo<br />

probatório coligido na fase judicial, sob o crivo do contraditório. Inaplicabilidade da<br />

teoria da árvore dos frutos envenenados (“fruits of the poisonous tree”). Sentença<br />

condenatória embasada em provas autônomas produzidas em juízo.<br />

2. Pretensão de reexame da matéria fático-probatória. Inviabilidade do “writ”.<br />

Ordem denegada.<br />

(RTJ 191/598, Rel. Min. EROS GRAU – Grifei.)<br />

Ocorre, no entanto, como anteriormente referido (e enfatizado), que os<br />

novos elementos de prova produzidos na causa penal não possuem autonomia em<br />

face da prova originariamente comprometida pelo vício da inconstitucionalidade.<br />

É que tais novos meios de prova guardam direta, estreita e imediata vinculação<br />

causal com os elementos de informação que somente foram obtidos em virtude do<br />

desrespeito ao princípio que protege a inviolabilidade domiciliar (CF, art. 5º, XI).<br />

Inteiramente aplicável, desse modo, ao caso ora em exame, a doutrina da<br />

ilicitude por derivação, que repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os<br />

meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior,<br />

acham-se afetados, no entanto, por efeito de repercussão causal, pelo vício<br />

(gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os de<br />

modo irremissível.<br />

Em suma: a Constituição da República, em norma revestida de conteúdo<br />

vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que<br />

regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova<br />

cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem<br />

constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que<br />

resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual),<br />

não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em<br />

matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do “male captum, bene<br />

retentum”.<br />

Cabe referir, finalmente, ante sua extrema pertinência ao tema versado na<br />

presente causa, a decisão que esta colenda Segunda Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong> proferiu nos autos do HC 82.788/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO:<br />

(...). ILICITUDE DA PROVA – INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM<br />

JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) – INIDONEIDADE JU-<br />

RÍDICA DA PROVA RESULTANTE DE TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME<br />

CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS.<br />

- A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante<br />

a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos<br />

probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do “due<br />

process of law”, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de<br />

suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito<br />

positivo. A “exclusionary rule” consagrada pela jurisprudência da Suprema Corte dos<br />

Estados Unidos da América como limitação ao poder do Estado de produzir prova em<br />

sede processual penal.<br />

- A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art.<br />

5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade<br />

fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo


784<br />

R.T.J. — 202<br />

Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo,<br />

por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito<br />

material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência,<br />

no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula<br />

autoritária do “male captum, bene retentum”. Doutrina. Precedentes. (...).<br />

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, dou provimento<br />

ao presente recurso ordinário em “habeas corpus”, em ordem a restabelecer a<br />

sentença penal absolutória proferida nos autos do Processo-Crime<br />

1998.001.082771-6 (fl. 55), que tramitou perante a 19ª Vara Criminal da Comarca<br />

do Rio de Janeiro/RJ.<br />

O teor do presente julgamento deverá ser comunicado, ainda, à colenda<br />

Segunda Câmara Criminal do E. <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado do Rio de Janeiro<br />

(Apelação Criminal 2004.050.05509 – fls. 110/114) e ao E. Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça (HC 43.952/RJ, Rel. Min. LAURITA VAZ – fls. 165/172).<br />

É o meu voto.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, quero apenas dizer a Vossa<br />

Excelência que tenho tido seguidamente, aqui, satisfação pelo cumprimento do<br />

dever. Mas poucas vezes obtenho satisfação intelectual como a que obtive com<br />

esse seu voto.<br />

Acompanho-o com satisfação intelectual.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

RHC 90.376/RJ — Relator: Ministro Celso de Mello. Recorrente: Sérgio<br />

Augusto Coimbra Vial (Advogado: Flávio Jorge Martins). Recorrido: Ministério<br />

Público <strong>Federal</strong>.<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, deu provimento ao recurso ordinário,<br />

nos termos do voto do Relator, para restabelecer a sentença penal absolutória<br />

proferida nos autos do Processo-Crime 1998.001.082771-6 (19ª Vara Criminal da<br />

Comarca do Rio de Janeiro/RJ). Ausente, justificadamente, neste julgamento, o<br />

Ministro Gilmar Mendes.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro<br />

Gilmar Mendes. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.<br />

Brasília, 3 de abril de 2007 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


R.T.J. — 202 785<br />

QUESTÃO DE ORDEM NO HABEAS CORPUS 90.617 — PE<br />

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes<br />

Paciente: Etério Ramos Galvão — Impetrantes: Arnaldo Malheiros Filho e<br />

outros — Coator: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

Questão de ordem no habeas corpus. 1. Trata-se de questão de<br />

ordem para submeter à Segunda Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong> a apreciação de medida liminar em habeas corpus em que<br />

se impugna decisão do então Relator da AP 259/PE, Ministro Cesar<br />

Asfor Rocha, do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça. 2. No caso concreto,<br />

o Paciente, então Desembargador do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado<br />

de Pernambuco (TJPE), foi denunciado pela suposta prática dos<br />

delitos de: a) tentativa de aborto sem o consentimento da gestante<br />

(art. 125 c/c arts. 14, II, e 29 do CP); b) lesão corporal leve (art. 129<br />

do CP); c) aborto provocado sem o consentimento da gestante em<br />

concurso de pessoas (art. 125 c/c art. 29 do CP); d) roubo em concurso<br />

de pessoas (art. 157 c/c art. 29 do CP); e) ameaça e coação no<br />

curso de processo em concurso de pessoas (arts. 147 e 344 c/c art.<br />

29 do CP); f) seqüestro, cárcere privado e subtração de incapaz<br />

(arts. 148, § 1º, III, e § 2º, e 249, § 1º, do CP); g) falsidade ideológica<br />

(art. 299, parágrafo único, do CP); h) uso de documento falso (art.<br />

304 do CP); i) falso testemunho (art. 342, § 1º, do CP); j) corrupção<br />

ativa de testemunha (art. 343 do CP); l) denunciação caluniosa (art.<br />

339 do CP); e m) falsidade de atestado médico (art. 29 c/c art. 302<br />

do CP). 3. Perante o STJ, a denúncia não foi recebida quanto aos<br />

crimes de lesão corporal (CP, art. 129 – letra b) e ameaça (CP, art.<br />

147 – letra e). 4. Com relação ao crime de roubo (CP, art. 157 –<br />

letra d), a ação penal foi parcialmente trancada pela Segunda Turma<br />

desta Corte, no julgamento do HC 84.768/PE, DJ de 27-5-05, do<br />

qual fui Relator para o acórdão. 5. Quanto aos crimes de falsidade<br />

ideológica (CP, art. 299, parágrafo único – letra g), uso de documento<br />

falso (CP, art. 304 – letra h), corrupção ativa (CP, art.<br />

343 – letra j), denunciação caluniosa (CP, art. 339 – letra l), falso<br />

testemunho (CP, art. 342 – letra i), e falsidade de atestado médico<br />

(CP, art. 302 – letra m), a Segunda Turma deliberou novamente<br />

pelo trancamento parcial da ação penal (AP 259/PE) no julgamento<br />

do HC 86.000/PE, DJ de 2-2-07, de minha relatoria. 6. Alegações<br />

da defesa neste habeas corpus: i) a inépcia da denúncia recebida<br />

pelo STJ; e ii) o excesso de prazo na instrução criminal no que<br />

concerne ao afastamento cautelar do Paciente, nos termos do art.<br />

29 da Lei Complementar 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura<br />

Nacional – LOMAN). 7. Quanto à alegação de inépcia da denúncia,<br />

salvo melhor juízo quando do julgamento do mérito, não se vislumbra,<br />

em princípio, situação de manifesta ilegalidade ou de desmedido<br />

abuso de poder apta a ensejar o deferimento da medida liminar<br />

pleiteada quanto a esse ponto. 8. Com relação à alegação de


786<br />

R.T.J. — 202<br />

excesso de prazo quanto aos delitos remanescentes (letras a, c e f),<br />

porém, o STF tem deferido pedidos de liminar somente em hipóteses<br />

excepcionais, nas quais a mora processual seja decorrência<br />

exclusiva de diligências suscitadas pela atuação da acusação, ou<br />

ainda, em razão do próprio aparato judicial. Ademais, a defesa<br />

não poderá argüir excesso de prazo quando ela própria der causa<br />

a demora no término da instrução criminal. Precedentes citados:<br />

(HC 85.679/PE, Primeira Turma, maioria, Rel. Min. Carlos Britto,<br />

DJ de 31-3-06; HC 85.298/SP, Primeira Turma, maioria, Rel.<br />

Min. Marco Aurélio, Rel. p/ ac. Min. Carlos Britto, DJ de 4-11-05;<br />

HC 86.618/MT, Segunda Turma, unânime, Rel. Min. Ellen Gracie,<br />

DJ de 28-10-05; e HC 85.237/DF, Pleno, unânime, Rel. Min. Celso<br />

de Mello, DJ de 29-4-05). 9. Dos documentos acostados aos autos,<br />

observa-se, à primeira vista, que a defesa não deu causa ao excesso<br />

de prazo. No entanto, há indícios de que a suposta vítima teria contribuído<br />

para a mora processual. 10. Denúncia recebida em 19 de<br />

março de 2003 (ou seja, há mais de 4 anos). Na espécie, na oportunidade<br />

do recebimento da denúncia, a Corte Especial do STJ deliberou<br />

pelo afastamento cautelar do ora Paciente com relação ao<br />

exercício do cargo de Desembargador do TJPE, nos termos do art.<br />

29 da Loman (LC 35/79). 11. Tese vencida quanto à questão de<br />

ordem para apreciação da medida liminar em habeas corpus (Rel.<br />

Min. Gilmar Mendes): inicialmente, para a análise do alegado excesso<br />

de prazo, surgiria a questão preliminar quanto ao cabimento<br />

do presente writ. Segundo inúmeros julgados desta Corte,<br />

este pedido de habeas corpus não poderia ter seguimento porque o<br />

acórdão impugnado não afetaria diretamente a liberdade de locomoção<br />

do Paciente: HC 84.816/PI, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda<br />

Turma, unânime, DJ de 6-5-05; HC 84.326-AgR/PE, Rel.<br />

Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, unânime, DJ de 1º-10-04; HC<br />

84.420/PI, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, unânime, DJ<br />

de 27-8-04; HC 83.263/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, Segunda Turma,<br />

unânime, DJ de 16-4-04; e HC 77.784/MT, Rel. Min. Ilmar<br />

Galvão, Primeira Turma, unânime, DJ de 18-12-98. No caso concreto,<br />

o STJ determinou o afastamento do Paciente do cargo de<br />

Desembargador do TJPE e essa situação perdura por quase 4<br />

(quatro) anos, sem que a instrução criminal tenha sido devidamente<br />

concluída. Os Impetrantes insurgem-se não exatamente contra o<br />

simples fato do afastamento do Paciente do cargo que ocupava na<br />

magistratura, mas, sim, em face de uma situação de lesão ou ameaça<br />

a direito que persiste por prazo excessivo e que, exatamente<br />

por essa razão, não pode ser excluído da proteção judicial efetiva<br />

(CF, art. 5º, XXXV). 12. Tese condutora do acórdão (divergência<br />

iniciada pelo Ministro Cezar Peluso): o Réu não pode suportar,<br />

preso, processo excessivamente demorado, a cuja delonga a defesa


R.T.J. — 202 787<br />

não deu causa. Diverso é o caso onde a duração do afastamento<br />

cautelar do Paciente está intimamente ligada à duração do próprio<br />

processo: não se cuida de medida destinada a acautelar o próprio<br />

processo-crime, nem a garantir-lhe resultado útil. Trata-se de<br />

medida preordenada à tutela do conceito público do próprio cargo<br />

ocupado pelo Paciente e, como tal, não viola a regra constitucional<br />

da proibição de prévia consideração da culpabilidade. Norma editada<br />

em favor do próprio Réu. Independentemente do tempo de<br />

duração do processo, no seu curso, o Paciente deve permanecer<br />

afastado do cargo, em reverência ao prestígio deste e ao resguardo<br />

daquele. 13. Questão de ordem resolvida no sentido do indeferimento<br />

da medida liminar pleiteada.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de<br />

Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

maioria de votos, resolvendo questão de ordem, indeferir a medida cautelar, nos<br />

termos do voto do Ministro Joaquim Barbosa.<br />

Brasília, 19 de junho de 2007 — Gilmar Mendes, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de questão de ordem para a apreciação<br />

de medida liminar em habeas corpus, impetrado por Arnaldo Malheiros<br />

Filho e outros, em favor de Etério Ramos Galvão, contra decisão do então<br />

Relator da AP 259/PE, Ministro Cesar Asfor Rocha.<br />

Em 19 de março de 2003, a Corte Especial do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

recebeu a denúncia contra o Paciente e determinou o afastamento do magistrado<br />

do cargo, em acórdão assim ementado:<br />

Denúncia. Recebimento. Aplicação do art. 29 da Lei Complementar 35/79.<br />

Alegações de cerceamento de defesa, incompetência do Superior <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça, prevenção de outro Ministro para a relatoria do feito, inépcia e ausência de justa<br />

causa rejeitadas.<br />

Denúncia rejeitada quantos aos crimes de lesão corporal, à míngua de representação<br />

da ofendida no prazo legal, e de ameaça, pela extinção da punibilidade em decorrência<br />

da prescrição, e recebida no mais, ante o atendimento dos pressupostos do artigo<br />

41 e a inexistência dos vícios contemplados pelo artigo 43, ambos do Código de Processo<br />

Penal.<br />

Decreto de prisão preventiva, diante da conveniência da instrução e para assegurar<br />

a aplicação da lei penal, de ré foragida.<br />

Afastamento do réu Desembargador do cargo, nos termos do artigo 29 da Loman.<br />

(Fls. 69/70.)


788<br />

R.T.J. — 202<br />

O Paciente, então Desembargador do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de<br />

Pernambuco, foi denunciado em 28 de maio de 2002 pela suposta prática dos<br />

seguintes delitos:<br />

a) tentativa de aborto sem o consentimento da gestante (art. 125 c/c arts. 14,<br />

II, e 29 do Código Penal: “Art. 125. Provocar aborto, sem o consentimento<br />

da gestante”; “Art. 14. Diz-se o crime: II - tentado, quando, iniciada a execução,<br />

não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”; e<br />

“Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas<br />

a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”);<br />

b) lesão corporal leve (art. 129 do Código Penal: “Ofender a integridade<br />

corporal ou a saúde de outrem”);<br />

c) aborto provocado sem o consentimento da gestante em concurso de pessoas<br />

(art. 125 c/c art. 29 do Código Penal: “Art. 125. Provocar aborto, sem<br />

o consentimento da gestante”; e “Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre<br />

para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”);<br />

d) roubo em concurso de pessoas (art. 157 c/c art. 29 do Código Penal:<br />

“Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante<br />

grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer<br />

meio, reduzido à impossibilidade de resistência”; e “Art. 29. Quem, de<br />

qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na<br />

medida de sua culpabilidade”);<br />

e) ameaça e coação no curso de processo (arts. 147 e 344 c/c art. 29 do<br />

Código Penal: “Art. 147. Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou<br />

qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”; “Art.<br />

344 . Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse<br />

próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que<br />

funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo,<br />

ou em juízo arbitral”; e “Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre<br />

para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”);<br />

f) seqüestro, cárcere privado e subtração de incapaz (arts. 148, § 1º, III, e<br />

§ 2º, e 249, § 1º, do CP: “Art. 148. Privar alguém de sua liberdade, mediante<br />

seqüestro ou cárcere privado: § 1º A pena é de reclusão, de dois a cinco<br />

anos: III - se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias; § 2º Se<br />

resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave<br />

sofrimento físico ou moral”; “Art. 249. Subtrair menor de dezoito anos ou<br />

interdito ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de<br />

ordem judicial: § 1º O fato de ser o agente pai ou tutor do menor ou curador<br />

do interdito não o exime de pena, se destituído ou temporariamente privado<br />

do pátrio poder, tutela, curatela ou guarda”);<br />

g) falsidade ideológica (art. 299 do CP: “Omitir, em documento público ou<br />

particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir


R.T.J. — 202 789<br />

declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar<br />

direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.<br />

Parágrafo único. Se o agente é funcionário público, e comete o crime<br />

prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento<br />

de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte”);<br />

h) uso de documento falso (art. 304 do CP: “Fazer uso de qualquer dos<br />

papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302”); falso<br />

testemunho (art. 342 do CP: “Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a<br />

verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em<br />

processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral.<br />

§ 1º As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado<br />

mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a<br />

produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte<br />

entidade da administração pública direta ou indireta”); corrupção ativa de<br />

testemunha (“Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra<br />

vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para<br />

fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia,<br />

cálculos, tradução ou interpretação”); denunciação caluniosa (“Art. 339.<br />

Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração<br />

de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade<br />

administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe<br />

inocente”); e art. 29 c/c art. 302: “Dar o médico, no exercício da sua profissão,<br />

atestado falso”.<br />

Perante o STJ, a denúncia não foi recebida quanto aos crimes de lesão<br />

corporal (CP, art. 129) e ameaça (CP, art. 147). Com relação ao crime de roubo<br />

(CP, art. 157), a ação penal foi parcialmente trancada pela Segunda Turma desta<br />

Corte, no julgamento do HC 84.768/PE, DJ de 27-5-05, do qual fui Relator para<br />

o acórdão, cuja ementa é a seguinte:<br />

Habeas corpus. Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça. Recebimento de denúncia. Constrangimento<br />

ilegal. Alegação de inépcia da denúncia quanto ao crime de roubo.<br />

1. A técnica da denúncia (art. 41 do Código de Processo Penal) tem merecido<br />

reflexão no plano da dogmática constitucional, associada especialmente ao direito de<br />

defesa. Precedentes.<br />

2. Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação,<br />

não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito. Violação também do<br />

princípio da dignidade da pessoa humana.<br />

3. A denúncia sob exame utiliza-se de um silogismo de feição fortemente artificial<br />

para indicar o Paciente como autor intelectual do roubo. A decisão do Superior <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça pelo recebimento da denúncia nada acrescentou em relação ao crime de<br />

roubo.<br />

4. Deferimento da ordem para anular a denúncia quanto à atribuição ao Paciente<br />

da conduta prevista no art. 157 do Código Penal, ressalvados os votos vencidos da<br />

Ministra Ellen Gracie e do Ministro Joaquim Barbosa.<br />

(HC 84.768/PE, Relatora originária Ministra Ellen Gracie, Relator para<br />

acórdão Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, maioria, DJ de 27-5-05).<br />

Quanto aos crimes de falsidade ideológica (CP, art. 299, parágrafo único), uso<br />

de documento falso (CP, art. 304), corrupção ativa (CP, art. 343), denunciação<br />

caluniosa (CP, art. 339), falso testemunho (CP, art. 342) e falsidade de atestado


790<br />

R.T.J. — 202<br />

médico (CP, art. 302), em sessão de 12 de dezembro de 2006, a Segunda Turma<br />

deliberou novamente pelo trancamento parcial da ação penal (AP 259/PE), no<br />

julgamento do HC 86.000/PE. Eis o teor do acórdão:<br />

Habeas corpus. 1. Denúncia recebida pela Corte Especial do STJ em relação a 13<br />

(treze) crimes: tentativa de aborto sem o consentimento da gestante (CP, art. 125, c/c art.<br />

14, II); aborto provocado sem o consentimento da gestante (CP, art. 125); roubo (CP,<br />

art. 157); coação no curso de processo (CP, art. 344); seqüestro, cárcere privado e<br />

subtração de incapaz (CP, arts. 148, § 1º, III, e § 2º, e 249, § 1º); falsidade ideológica<br />

(CP, art. 299, parágrafo único); falsidade de atestado médico (CP, art. 302); uso de<br />

documento falso (CP, art. 304); denunciação caluniosa (CP, art. 339); falso testemunho<br />

(CP, art. 342); e corrupção ativa (CP, art. 343). 2. Com relação ao crime de roubo (CP,<br />

art. 157), a ação penal foi parcialmente trancada pela Segunda Turma desta Corte, no<br />

julgamento do HC 84.768/PE, Relatora originária a Ministra Ellen Gracie, do qual fui<br />

Relator para o acórdão, DJ de 27-5-05. 3. Neste habeas corpus, a inicial alega inépcia da<br />

denúncia especificamente em relação a 6 (seis) dos delitos imputados, a saber: falsidade<br />

ideológica (CP, art. 299, parágrafo único); falsidade de atestado médico (CP, art. 302);<br />

uso de documento falso (CP, art. 304); denunciação caluniosa (CP, art. 339); falso<br />

testemunho (CP, art. 342); e corrupção ativa (CP, art. 343). 4. A peça acusatória não<br />

observou os requisitos que poderiam oferecer substrato a uma persecução criminal<br />

minimamente aceitável quanto aos delitos especificamente impugnados na inicial. 5.<br />

Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se<br />

coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito. Violação ao princípio da<br />

dignidade da pessoa humana. 6. Concessão da ordem para que seja trancada a ação penal<br />

instaurada perante o STJ tão-somente com relação aos crimes capitulados nos arts. 299,<br />

parágrafo único, 302, 304, 339, 342 e 343, em face da manifesta inépcia da denúncia<br />

quanto a esses delitos.<br />

(HC 86.000/PE, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ de 2-2-07.)<br />

Com relação à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), a defesa<br />

alega, neste habeas corpus, “a gritante inépcia da inicial”, com relação aos delitos<br />

de tentativa de provocação de aborto, seqüestro, cárcere privado e subtração<br />

de incapaz (CP, art. 125 c/c arts. 14, II; 148, § 1º, III, e § 2º; e 249, § 1º), nos termos<br />

em que descritos e capitulados na peça acusatória (fls. 40-82), a qual deu origem<br />

à ação penal instaurada em face do ora Paciente (AP 259/PE).<br />

Com referência à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), os<br />

Impetrantes alegam:<br />

O periculum in mora, por sua vez, advém do fato de que, na mesma oportunidade<br />

em que a Colenda Corte Especial do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça recebeu a denúncia,<br />

determinou-se o afastamento do paciente do cargo que ocupava no <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

de Pernambuco, a título de cautelaridade. Essa decisão, que partiu de requerimento<br />

realizado pelo órgão acusador após a apresentação das defesas preliminares pelos acusados,<br />

não está apoiada em qualquer fundamento que de fato justifique a imposição de<br />

medida tão severa – que mais configura antecipação de efeitos de condenação do que<br />

procedimento acautelatório.<br />

E o feito se eterniza (...) A denúncia foi recebida no dia 19 de março de 2003, há<br />

quase quatro anos e a instrução ainda vai longe. Isso sem falar nas nulidades que co-réus<br />

hão de estar guardando na manga para argüir em momento que lhes seja mais convincente.<br />

(Fl. 35.)<br />

A impetração sustenta ainda os riscos decorrentes da:<br />

(...) perenização do afastamento do Paciente, que haverá de se consumar com sua<br />

aposentadoria compulsória, sem que se repare a sesquipedal injustiça de seu processo e<br />

afastamento.


R.T.J. — 202 791<br />

Socorre ainda ao paciente o novo inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição: “A<br />

todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do<br />

processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Este prolongamento<br />

indefinido da manutenção do Paciente fora de seu cargo fere direito constitucionalmente<br />

assegurado. Se não há meios hábeis de acelerar a marcha processual, que ao menos se<br />

sustem as conseqüências nocivas do recebimento de denúncia inepta e sem justa causa.<br />

(Fl. 36.)<br />

Por fim, a inicial requer “a concessão da medida liminar para o fim de sustar<br />

o andamento da ação penal, com a suspensão temporária dos efeitos do recebimento<br />

da denúncia até que essa Egrégia Suprema Corte julgue o mérito da impetração”<br />

(fl. 36).<br />

Os autos foram distribuídos em 7 de fevereiro de 2007. No dia seguinte (8-<br />

2-07), exarei despacho com o seguinte teor, verbis:<br />

Solicitem-se informações, com urgência, ao Ministro Relator perante o Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça, Min. Cesar Asfor Rocha, acerca: i) da persistência do afastamento<br />

cautelar do Paciente; ii) da atual fase da AP 259/PE, com a respectiva indicação dos atos<br />

processuais da defesa do ora Paciente (Etério Galvão) ou de atos requeridos pela acusação<br />

que tenham efetivamente contribuído para a mora processual; iii) da eventual<br />

ocorrência de questões indicativas da complexidade da causa na tramitação da referida<br />

ação penal; e iv) caso o feito ainda não tenha sido definitivamente apreciado, da previsão<br />

de julgamento do referido processo. Após, prestadas as informações, apreciarei o<br />

pedido de medida liminar.<br />

(Fl. 394.)<br />

Na petição 27.333, de 5 de março de 2007 (fls. 418-420), o Ministro Cesar<br />

Asfor Rocha, Relator da AP 259/PE, do STJ, prestou informações em atenção ao<br />

Ofício 437/R.<br />

Por fim, considerada a relevância da questão suscitada nesta impetração,<br />

submeto à análise desta Segunda Turma questão de ordem para possibilitar, nos<br />

estritos termos do inciso III do art. 21 do RSTF, “o bom andamento” deste processo<br />

no que concerne ao exercício excepcional do poder geral de cautela (CF, art. 5º,<br />

XXXV).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Conforme apresentado no relatório,<br />

em síntese, as alegações em apreço neste habeas corpus são duas, a saber:<br />

i) a inépcia da denúncia recebida pelo STJ; e<br />

ii) o excesso de prazo na instrução criminal no que concerne ao afastamento<br />

cautelar do Paciente, nos termos do art. 29 da Lei Complementar 35/79 (Lei<br />

Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN).<br />

Quanto à alegação de “gritante inépcia da denúncia” (item i, acima), salvo<br />

melhor juízo quando do julgamento do mérito, não vislumbro, em princípio,<br />

situação de manifesta ilegalidade ou de desmedido abuso de poder apta a ensejar<br />

o deferimento da medida liminar, pleiteada quanto a esse ponto.


792<br />

R.T.J. — 202<br />

Com relação à alegação de excesso de prazo (item ii, acima), o <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> tem deferido pedidos de liminar somente em hipóteses excepcionais,<br />

nas quais a mora processual seja decorrência exclusiva de diligências suscitadas<br />

pela atuação da acusação, ou ainda, em razão do próprio aparato judicial<br />

(cf., nesse último caso, o HC 85.237/DF, Pleno, unânime, Rel. Min. Celso de<br />

Mello, DJ de 29-4-05).<br />

Ademais, esta Corte tem o entendimento de que a defesa não poderá argüir<br />

excesso de prazo quando ela própria der causa a demora no término da instrução<br />

criminal. Nesse sentido, vale destacar os seguintes precedentes: HC 85.679/PE,<br />

Primeira Turma, maioria, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 31-3-06; HC 85.298/SP,<br />

Primeira Turma, maioria, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. para o acórdão Min.<br />

Carlos Britto, DJ de 4-11-05; HC 86.618/MT, Segunda Turma, unânime, Rel.<br />

Min. Ellen Gracie, DJ de 28-10-05.<br />

Com referência à alegação de excesso de prazo na instrução criminal, no<br />

caso concreto, a denúncia foi recebida em 19 de março de 2003 (ou seja, há mais<br />

de quatro anos).<br />

Na espécie, na oportunidade do recebimento da denúncia, a Corte Especial<br />

do STJ deliberou pelo afastamento cautelar do ora Paciente com relação ao exercício<br />

do cargo de Desembargador do TJPE, nos termos do art. 29 da Loman (LC<br />

35/79).<br />

Na petição 27.333/07 (fls. 418-420), o Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator<br />

da AP 259/PE, do STJ, ao prestar informações noticia que:<br />

O Ministério Público <strong>Federal</strong> denunciou o acusado Etério Ramos Galvão Filho<br />

pelos crimes de aborto, tentado e consumado, seqüestro e cárcere privado, subtração de<br />

incapaz, falsidade ideológica, uso de documento falso, falso testemunho, corrupção de<br />

testemunha, denunciação caluniosa e falsidade de atestado médico (arts. 125, 125 c/c<br />

14, 148, § 1º, III, § 2º, 249, § 1º, 299, parágrafo único, 304, 342, § 1º, 343, 339 e 302<br />

do Código Penal), em concurso com outras sete pessoas.<br />

(...)<br />

Antes de proceder ao interrogatório dos acusados, e por concluir ser de fundamental<br />

importância ao deslinde destes autos um indicativo da existência de provável<br />

parto, determinei, em observância aos arts. 156 e 181 do Código de Processo Penal,<br />

fosse a vítima novamente periciada, dessa feita, por peritos designados por este Juízo,<br />

nas dependências deste <strong>Tribunal</strong>. As partes designaram profissionais da área de medicina<br />

para acompanhar o exame, formularam quesitos e requereram diligências.<br />

Em razão de reiterados óbices da vítima em comparecer à avaliação médica, antes<br />

mesmo que fosse concluída a perícia procedi, em 10 de março de 2005, ao interrogatório<br />

dos acusados Mário Gil Rodrigues Neto, Túlio José de Souza Linhares, e Eliah Ebsan<br />

Meneses Duarte. O acusado Etério Ramos Galvão Filho foi ouvido em 11 de abril de<br />

2005. Após, os acusados apresentaram alegações preliminares, com rol de testemunhas<br />

e novas diligências.<br />

O exame pericial na vítima foi concluído em 27 de abril de 2005, e seu depoimento<br />

colhido no dia 28 do mesmo mês.<br />

Os demais acusados foram ouvidos mediante Carta de Ordem expedida ao eg.<br />

<strong>Tribunal</strong> Regional <strong>Federal</strong> da 5ª Região, acostada aos autos em 4 de novembro de 2005.<br />

Dos interrogatórios realizados naquele Juízo, somente o acusado Samuel Alves dos<br />

Santos Neto apresentou defesa prévia. A fim de evitar eventual alegação de nulidade,<br />

determinei fossem os autos encaminhados à Defensoria Pública da União, que ofertou as<br />

defesas faltantes em 3 de março de 2006.


R.T.J. — 202 793<br />

Após manifestação do parquet federal nos autos, em 20 de abril de 2006, deleguei<br />

a instrução criminal a um eminente Desembargador <strong>Federal</strong> do eg. <strong>Tribunal</strong> Regional<br />

<strong>Federal</strong> da 5ª Região, que, consoante a Carta de Ordem 4/06, deu início à coleta dos<br />

depoimentos testemunhais.<br />

O acusado Etério Ramos Galvão Filho requereu a reconsideração da medida de<br />

afastamento, que restou indeferida pelo eg. Colegiado desta Corte em 16 de fevereiro de<br />

2006. Em 24 de agosto de 2006, o acusado formulou novo pedido de cancelamento,<br />

indeferido em 5 de setembro do mesmo ano.<br />

Ao todo são 48 (quarenta e oito) testemunhas, estando os autos em fase de oitiva<br />

das testemunhas de defesa.<br />

Nada obstante o trancamento da ação penal quanto aos delitos de falsidade ideológica,<br />

falsidade de atestado médico, uso de documento falso, denunciação caluniosa, e<br />

falso testemunho ou falsa perícia, consoante decisão desse egrégio <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong> (HC 86.000/PE), permanecem contra o acusado Etério Ramos Galvão Filho<br />

acusações da prática dos crimes de aborto, seqüestro e cárcere privado, e subtração de<br />

incapaz, razão pela qual, esta Corte manteve a orientação adotada quando do recebimento<br />

da peça acusatória.<br />

(Fls. 418-420.)<br />

Das informações prestadas pelo Ministro Relator da AP 259/PE do STJ,<br />

observa-se, à primeira vista, que a defesa não deu causa ao excesso de prazo. É<br />

possível identificar, no entanto, que há indícios de que a suposta vítima teria<br />

contribuído para a mora processual.<br />

Em consulta à página do STJ (www.stj.gov.br), verifica-se que, em 25 de<br />

janeiro de 2006, a defesa requereu ao STJ medida cautelar, com pedido de<br />

liminar, pretendendo o cancelamento da medida de afastamento das funções de<br />

magistrado imposta ao Paciente quando do recebimento da denúncia. Em 3 de<br />

fevereiro de 2006, o Ministro Cesar Asfor Rocha negou seguimento à medida<br />

cautelar requerida (MC 11.109/PE), asseverando que o Requerente buscava a<br />

satisfação do próprio direito subjetivo postulado na ação principal (AP 259/PE).<br />

O tema do alegado excesso de prazo foi submetido, ainda, em sede de<br />

questão de ordem suscitada na AP 259/PE, à Corte Especial do STJ em sessão de<br />

15 de fevereiro de 2006. Por maioria de votos, o pleito da defesa foi indeferido.<br />

Entretanto, não obstante o transcurso de mais de 1 (um) ano dessa decisão colegiada<br />

da Corte Especial, até o presente momento, o acórdão da apreciação da<br />

questão de ordem não foi publicado.<br />

Por último, a alegação de excesso de prazo para a instrução criminal foi<br />

novamente submetida à análise do Eminente Relator da AP 259/PE, Ministro<br />

Cesar Asfor Rocha, em setembro de 2006. Em decisão monocrática de 5 de setembro<br />

de 2006 (DJ de 18-9-06), o referido Relator explicitou que, verbis:<br />

O acusado Etério Ramos Galvão peticiona, às fls. 5.721/5.728, requerendo seja<br />

cancelada a medida de afastamento do cargo que lhe foi imposta quando do recebimento<br />

da denúncia.<br />

Alega contar com 68 anos de idade e que, “se mantido o ritmo com que vem se<br />

desenvolvendo o presente feito, não será temporário aquilo que o impede de exercer a<br />

profissão, que dá azo à sua vida. Se não reintegrado à sua função, nunca mais voltará a<br />

judicar, pois dentro em breve será aposentado compulsoriamente” (fl. 5.724).<br />

Sustenta que a conduta procrastinatória da vítima, o elevado número de testemunhas<br />

e o trâmite processual por meio de cartas de ordem retardam o bom andamento<br />

processual, caracterizando constrangimento que deve ser sanado via do cancelamento<br />

da medida.


794<br />

R.T.J. — 202<br />

Ampara seu pedido no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição <strong>Federal</strong>, que<br />

assegura a todos razoável duração do processo, e colaciona julgados do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>, traçando uma comparação ao instituto da prisão.<br />

Em que pese a zelosa argumentação deduzida pela defesa, o fato é que o pedido<br />

já foi apreciado e deliberado pela Eg. Corte Especial do STJ, em 15-2-06, que entendeu<br />

pela manutenção da medida. E da análise dos autos, não se observa a superveniência de<br />

quaisquer fatos que justifiquem nova submissão da questão ao c. Órgão especial deste<br />

<strong>Tribunal</strong>. O processo desenvolve-se regularmente, estando os autos em fase de inquirição<br />

de testemunhas. Com efeito, como anotado quando do exame do tema pela Eg.<br />

Corte Especial, o fato de terem sido noticiados nestes autos episódios envolvendo a<br />

vítima e pessoas estranhas a este processo não tem o condão de subtrair as acusações que<br />

recaem sobre o peticionário e que, segundo entendeu o C. Colegiado, justificam a<br />

mantença da medida de afastamento do cargo.<br />

(AP 259/PE, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, decisão monocrática, DJ de 18-<br />

9-06.)<br />

Para a análise do alegado excesso de prazo, inicialmente, surgiria a questão<br />

preliminar quanto ao cabimento do presente writ. Assim, um argumento usual em<br />

inúmeros julgados deste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> é o de que este pedido de<br />

habeas corpus não poderia ter seguimento porque o acórdão impugnado não<br />

afetaria diretamente a liberdade de locomoção do Paciente.<br />

A prevalecer esse entendimento, conforme reiterada jurisprudência da Corte,<br />

revelar-se-ia incabível o manejo do habeas corpus na situação dos autos. Nesse<br />

sentido, arrolo os seguintes precedentes: HC 84.816/PI, Rel. Min. Carlos Velloso<br />

(Segunda Turma, unânime; DJ de 6-5-05); HC 84.420/PI, Rel. Min. Carlos<br />

Velloso (Segunda Turma, unânime; DJ de 27-8-04); HC 84.326-AgR/PE, Rel.<br />

Min. Ellen Gracie (Segunda Turma, unânime; DJ de 1º-10-04); HC 83.263/DF,<br />

Rel. Min. Nelson Jobim (Segunda Turma, unânime; DJ de 16-4-04); HC 77.784/<br />

MT, Rel. Min. Ilmar Galvão (Primeira Turma, unânime; DJ de 18-12-98).<br />

Em que pese a extensão e a amplitude que essa interpretação tem assumido<br />

em nossa jurisprudência, não me impressiona o argumento de que habeas corpus<br />

é o meio adequado para proteger tão-somente o direito de ir e vir do cidadão em<br />

face de violência, coação ilegal ou abuso de poder.<br />

A esse respeito, devo frisar que, no caso concreto, a decisão do STJ determinou<br />

o afastamento do Paciente do cargo de Desembargador do <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

do Estado do Pernambuco e essa situação perdura por quase 4 (quatro) anos<br />

sem que a instrução criminal tenha sido devidamente concluída. Ou seja, os<br />

Impetrantes insurgem-se não exatamente contra o simples fato do afastamento do<br />

Paciente do cargo que ocupava na magistratura, mas sim em face de uma situação<br />

de lesão ou ameaça a direito que persiste por prazo excessivo e que, exatamente<br />

por essa razão, não pode ser excluído da proteção judicial efetiva (CF, art. 5º,<br />

XXXV).<br />

Nesses termos, considerada essa configuração fática excepcional, entendo<br />

ser o caso de se estabelecer um distinguishing com relação à referida jurisprudência<br />

tradicional deste <strong>Tribunal</strong> quanto à matéria do cabimento do habeas corpus.<br />

Entendo que o writ é cabível porque, na espécie, discute-se efetivamente aquilo<br />

que a dogmática constitucional e penal alemã – a exemplo da ilustre obra<br />

Freiheitliches Strafrecht (Direito Penal Libertário), de Winfried Hassemer – tem<br />

denominado Justizgrundrechte.


R.T.J. — 202 795<br />

Essa expressão tem sido utilizada para se referir a um elenco de normas<br />

constantes da Constituição que tem por escopo proteger o indivíduo no contexto<br />

do processo judicial. Não tenho dúvidas que o termo seja imperfeito, uma vez<br />

que, amiúde, esses direitos transcendem a esfera propriamente judicial.<br />

Assim, à falta de outra denominação genérica, também nós optamos por<br />

adotar designação assemelhada – direitos fundamentais de caráter judicial e garantias<br />

constitucionais do processo –, embora conscientes de que se cuida de<br />

denominações que pecam por imprecisão. De toda forma, independentemente<br />

dessa questão terminológica, um elemento decisivo é o de que, no caso concreto<br />

ora em apreço, invoca-se garantia processual de natureza judicial e administrativa,<br />

que tem repercussão direta quanto ao devido processo legal penal e à dignidade<br />

pessoal e profissional do Paciente.<br />

Desse modo, o tema da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII),<br />

por expressa disposição constitucional, envolve não somente a invocação de<br />

pretensão a “direito subjetivo” de célere tramitação dos processos judiciais e<br />

administrativos mas também o reconhecimento judicial de “meios que garantam<br />

a celeridade de sua tramitação”. Em outras palavras, a interpretação desse dispositivo<br />

também está relacionada à efetivação de legítimas garantias constitucionais<br />

como mecanismos de defesa e proteção em face de atrocidades e desrespeitos<br />

aos postulados do Estado democrático de Direito (CF, art. 1º).<br />

Nesse particular, entendo que, preliminarmente, o habeas corpus é garantia<br />

cabível e apta para levar ao conhecimento deste <strong>Tribunal</strong> a apreciação do tema<br />

do excesso de prazo para a instrução criminal.<br />

É dizer, embora a decisão impugnada não repercuta diretamente no direito<br />

de ir e vir do Paciente (liberdade de locomoção stricto sensu), observa-se situação<br />

de constrangimento ilegal decorrente de mora na prestação jurisdicional no<br />

âmbito processual penal.<br />

No caso concreto, tal constrangimento corresponde à persistência do afastamento<br />

cautelar em razão do recebimento da denúncia pelo STJ.<br />

A viabilidade deste writ se dá, portanto, em razão de que o afastamento<br />

cautelar do Paciente tem perdurado por lapso temporal excessivo.<br />

Ademais, entendo que, em princípio, a excessiva mora processual verificável<br />

de plano, nestes autos, configura-se como aquilo que, em matéria de ilegítima<br />

persistência dos efeitos da custódia cautelar, ambas as Turmas deste STF têm<br />

denominado como “excesso de prazo gritante”. Nesse sentido, arrolo alguns processos<br />

nos quais foi adotado o parâmetro de moras processuais superiores a 2<br />

(dois) anos para o deferimento da ordem, a saber: HC 87.913/PI, Rel. Min. Cármen<br />

Lúcia, Primeira Turma, unânime, DJ de 5-9-06; HC 84.095/GO, Rel. Min.<br />

Joaquim Barbosa, Segunda Turma, unânime, DJ de 2-8-05; HC 83.177/PI, Rel.<br />

Min. Nelson Jobim, Segunda Turma, unânime, DJ de 19-3-04; HC 81.149/RJ,<br />

Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, unânime, DJ de 5-4-02.


796<br />

R.T.J. — 202<br />

Nesses termos, diante de excepcional situação de excesso de prazo para a<br />

conclusão da instrução criminal verificável neste caso concreto, defiro a medida<br />

liminar tão-somente para suspender, até o julgamento de mérito deste habeas<br />

corpus, os efeitos da decisão da Corte Especial do STJ que determinou o afastamento<br />

do cargo do magistrado denunciado (LC 35/79, art. 29).<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, vejo que o próprio<br />

Impetrante já ajuizou nesta Corte três habeas corpus. Um deles foi julgado em<br />

dezembro do ano passado. Ora, quando ajuizado um habeas corpus, naturalmente<br />

se sobrestá o julgamento da ação penal na origem. O julgamento se deu em<br />

dezembro de 2006, nós estamos em abril, é um tempo razoável e, sobretudo,<br />

tendo-se em conta tratar-se de uma ação penal em que há quarenta e oito testemunhas<br />

a serem ouvidas; quarenta e oito perícias. Ora, hoje foi julgado nesta Corte<br />

um habeas corpus da relatoria de um dos Ministros membros desta Corte que<br />

aqui tramitava há mais de dois anos.<br />

Comparamos a situação de um habeas corpus, cuja instrução é singela, com<br />

a de uma ação penal dessa magnitude. Não vejo como excessivo. É a própria<br />

dinâmica rastejante do processo penal brasileiro. É isso.<br />

Peço vênia para divergir.<br />

PEDIDO DE VISTA<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, eu ponderaria em tema de<br />

liminar. Suponhamos que esta venha a ser cassada ao final. A meu ver, a repercussão,<br />

em termos de prestígio da Justiça, seria extremamente grave. Ou seja, concederíamos<br />

liminar para restabelecer a condição do exercício funcional do Paciente.<br />

Eventualmente, se ele voltar a judicar durante o tempo de processamento<br />

do habeas corpus, e, se eventualmente, ao final do julgamento do habeas corpus,<br />

a liminar for cassada e a ordem indeferida, ele vai retornar à situação anterior.<br />

Gostaria que aguardássemos o julgamento definitivo deste habeas corpus,<br />

porque, aí, decidiríamos de uma vez se realmente a medida é cabível ou não,<br />

definitivamente, até que termine o processo penal. Neste caso, não estou propenso<br />

a adentrar a preliminar que Vossa Excelência suscitou – aliás, sempre com<br />

muito brilho – a respeito da extensão do remédio de habeas corpus. Em tese, eu<br />

até concordaria com o entendimento de Vossa Excelência de que o habeas<br />

corpus pode ser usado contra medidas gravosas impostas durante o processo<br />

penal. Mas o que me preocupa, neste caso, é o aspecto prático. Ouviremos o<br />

Ministério Público – o habeas corpus já está instruído –, a Procuradoria-Geral e,<br />

em seguida, julgaremos definitivamente este processo. Parece-me que isso é o<br />

mais viável. Se acontecer – até porque falta a presença, hoje, do Ministro Celso<br />

de Mello, o qual participará, ao que tudo indica, do julgamento final – de, eventualmente,<br />

ser cassada a liminar, isso criará situação danosa não apenas para a<br />

Justiça, mas para o próprio Paciente.


R.T.J. — 202 797<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente e Relator): Vossa Excelência não<br />

quer ficar com o pedido de vista?<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Vista, não. Gostaria que se processasse e se<br />

ouvisse a Procuradoria.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente e Relator): Não. Até que, na<br />

semana vindoura, possamos discutir isso com a presença do Ministro Celso de<br />

Mello.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Eu preferia, Excelência, que fossem encaminhados<br />

os autos instruídos; não há necessidade de requisitar informações. Ouviremos<br />

a Procuradoria-Geral e, em seguida, traremos o caso para julgamento, definitivamente.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente e Relator): Proponho a Vossa<br />

Excelência que fique com a vista até semana que vem.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Se eu ficar com vista, iremos retardar a audiência<br />

da Procuradoria.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente e Relator): Sim. Mas, aí, discutiremos<br />

a questão, tendo em vista a presença do Ministro Celso de Mello, e, se for<br />

o caso, reformula-se.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Está bem.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 90.617-QO/PE — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Paciente: Etério<br />

Ramos Galvão. Impetrantes: Arnaldo Malheiros Filho e outros. Coator: Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: Após o voto do Ministro Relator, que deferia a medida cautelar,<br />

para os fins de suspender os efeitos da decisão da Corte Especial que determinou<br />

o afastamento do cargo do magistrado denunciado, do voto do Ministro Eros<br />

Grau, que o acompanhava, e do voto do Ministro Joaquim Barbosa, que indeferia<br />

a liminar, pediu vista o Ministro Cezar Peluso. Falou, pelo Paciente, o Dr.<br />

Arnaldo Malheiros Filho e, pelo Ministério Público <strong>Federal</strong>, o Dr. Wagner Gonçalves.<br />

Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello.<br />

Presidiu este julgamento o Ministro Gilmar Mendes.<br />

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros<br />

Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro<br />

Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.<br />

Brasília, 10 de abril de 2007 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.<br />

VOTO<br />

(Vista)<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Faço breve retrospecto do caso.


798<br />

R.T.J. — 202<br />

O Paciente foi denunciado, perante o Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, pela<br />

prática dos delitos de (i) tentativa de aborto sem o consentimento da gestante; (ii)<br />

lesão corporal leve; (iii) aborto provocado sem o consentimento da gestante em<br />

concurso de pessoas; (iv) roubo em concurso de pessoas; (v) ameaça e coação no<br />

curso de processo; (vi) seqüestro, cárcere privado e subtração de incapaz; (vii)<br />

falsidade ideológica; e (viii) uso de documento falso, falso testemunho, corrupção<br />

ativa de testemunha, denunciação caluniosa e falsidade de atestado médico.<br />

Em 19 de março de 2003, a Corte Especial daquele <strong>Tribunal</strong> recebeu, em<br />

parte, a denúncia contra o Paciente e determinou-lhe o afastamento do cargo, nos<br />

termos do art. 29 da Loman. A denúncia não foi recebida no tocante às imputações<br />

de lesão corporal e ameaça.<br />

A defesa impetrou habeas corpus. No julgamento do HC 84.768, a Segunda<br />

Turma desta Corte concedeu a ordem, para “anular a denúncia quanto à atribuição<br />

ao Paciente da conduta prevista no art. 157 do Código Penal”.<br />

Depois, ao julgar nova impetração – o HC 86.000 –, a Segunda Turma<br />

também concedeu a ordem, para anular a denúncia em relação à imputação de<br />

seis delitos: falsidade ideológica, falsidade de atestado médico, uso de documento<br />

falso, denunciação caluniosa, falso testemunho e corrupção ativa.<br />

Neste habeas corpus, os Impetrantes voltam-se contra o que restou da denúncia,<br />

que têm por inepta no tocante às imputações de provocação de aborto,<br />

seqüestro, cárcere privado e subtração de incapaz. Requerem, por isso, seja<br />

trancada a ação penal.<br />

Formulam, ainda, pedido de liminar, para que sejam sustadas as “conseqüências<br />

nocivas do recebimento da denúncia inepta e sem justa causa”, pleiteando<br />

suspensão do curso da ação penal e sustação do afastamento do Paciente do<br />

cargo. Alegam que a manutenção do afastamento do cargo de Desembargador do<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de Pernambuco violaria o princípio da duração<br />

razoável do processo e configuraria antecipação dos efeitos da pena.<br />

2. O Ministro Gilmar Mendes, Relator do feito, suscitou questão ordem,<br />

para submeter o pedido de liminar à análise da Turma.<br />

No que concerne ao pedido de suspensão do processo, o Ministro Relator<br />

afirmou não vislumbrar, em princípio, “situação de manifesta ilegalidade ou de<br />

desmedido abuso de poder, apta a ensejar o deferimento da medida liminar pleiteada<br />

quanto a esse ponto”.<br />

Com relação ao excesso de prazo, afastou desde logo, possível alegação de<br />

que o habeas corpus não poderia ter seguimento em razão de o acórdão impugnado<br />

não atingir diretamente a liberdade de locomoção do Paciente. Sublinhou que<br />

o “habeas corpus é garantia cabível e apta para levar ao conhecimento deste<br />

<strong>Tribunal</strong> a apreciação do tema do excesso de prazo para a instrução criminal”,<br />

porque, “embora a decisão impugnada não repercuta diretamente no direito de ir<br />

e vir do Paciente (liberdade de locomoção stricto sensu), observa-se situação de<br />

constrangimento ilegal decorrente de mora na prestação jurisdicional no âmbito<br />

processual penal”.


R.T.J. — 202 799<br />

Entendeu, por fim, que o afastamento cautelar do Paciente perdura por<br />

lapso temporal excessivo, razão por que lhe deferia a liminar, “tão-somente para<br />

suspender, até o julgamento de mérito deste habeas corpus, os efeitos da decisão<br />

da Corte Especial do STJ que determinou o afastamento do cargo do magistrado<br />

denunciado (LC 35/79, art. 29)”.<br />

O Ministro Joaquim Barbosa, por entender não configurado excesso de<br />

prazo, indeferiu o pedido de liminar.<br />

3. Pesa-me divergir do ilustre Ministro Relator.<br />

Transcrevo o pedido de liminar, formulado na impetração: “requerem os<br />

Impetrantes a concessão da medida liminar para o fim de sustar o andamento da<br />

ação penal, com a suspensão temporária dos efeitos do recebimento da denúncia<br />

até que essa Egrégia Suprema Corte julgue o mérito da impetração” (fl. 35). No<br />

mérito, pleiteiam reconhecimento da ausência de justa causa e conseqüente<br />

trancamento da ação penal.<br />

Bem posto o pedido: os Impetrantes requerem a sustação do andamento da<br />

ação penal e, em conseqüência, a suspensão temporária dos efeitos do recebimento<br />

da denúncia até o julgamento do mérito da presente impetração.<br />

Pelo que pude depreender, o Ministro Gilmar Mendes não deferia a liminar<br />

para sustar o processo da ação penal, mas apenas para reconhecer excesso de<br />

prazo no afastamento cautelar do Paciente da função de magistrado.<br />

Determina o art. 29 da Loman:<br />

Art. 29. Quando, pela natureza ou gravidade da infração penal, se torne aconselhável<br />

o recebimento de denúncia ou de queixa contra magistrado, o tribunal, ou seu<br />

órgão especial, poderá, em decisão tomada pelo voto de dois terços de seus membros,<br />

determinar o afastamento do cargo do magistrado denunciado.<br />

Esta Corte tem decidido que o Réu não pode suportar, preso, processo<br />

excessivamente demorado, a cuja delonga a defesa não tiver dado causa.<br />

Bem diverso, porém, é o caso, em que a duração do afastamento cautelar do<br />

Paciente está intimamente ligada à duração do próprio processo: não se cuida de<br />

medida destinada a acautelar o próprio processo-crime, nem a garantir-lhe resultado<br />

útil.<br />

Cuida-se, isto, sim, de medida preordenada à tutela do conceito público do<br />

próprio cargo ocupado pelo Paciente e, como tal, não viola a regra constitucional<br />

da proibição de prévia consideração da culpabilidade. Trata-se, ademais, de norma<br />

editada ainda em favor do próprio Réu, sabendo-se do ônus, que lhe pesa, de<br />

responder a processo criminal. É que tende também a dar-lhe tranqüilidade, protegendo-o,<br />

no curso da ação penal, de ilações indevidas quanto às decisões que<br />

viesse a proferir antes de ser julgado.<br />

Por isso, independentemente do tempo de duração do processo, no seu<br />

curso o Paciente deve permanecer afastado do cargo, em reverência ao prestígio<br />

deste e ao resguardo daquele.<br />

4. Ante o exposto, voto pelo indeferimento do pedido de liminar, com a<br />

vênia devida do eminente Ministro Relator.


800<br />

R.T.J. — 202<br />

VOTO<br />

(Confirmação)<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Senhor Presidente, eu só gostaria<br />

de recordar ao <strong>Tribunal</strong> que este é um caso com múltiplas singularidades, como já<br />

destacado no voto do eminente Ministro Cezar Peluso.<br />

Na verdade, é uma denúncia que imputa ao Desembargador: tentativa de<br />

aborto sem o consentimento da gestante, lesão corporal, aborto provocado, roubo<br />

em concurso de pessoas, ameaça e coação no curso de processo, seqüestro,<br />

cárcere privado, falsidade ideológica e uso de documento falso.<br />

Perante o STJ, a denúncia não foi recebida quanto aos crimes de lesão corporal<br />

(CP, art. 129) e ameaça (CP, art. 147). Com relação ao crime de roubo (CP, art. 157), a<br />

ação penal foi parcialmente trancada pela Segunda Turma desta Corte, no julgamento<br />

do HC 84.768/PE, DJ de 27-5-05, do qual fui Relator para o acórdão (...)<br />

Quando se assentou o caráter de inepta da denúncia:<br />

Quanto aos crimes de falsidade ideológica (CP, art. 299, parágrafo único), uso de<br />

documento falso (CP, art. 304), corrupção ativa (CP, art. 343), denunciação caluniosa<br />

(CP, art. 339), falso testemunho (CP, art. 342) e falsidade de atestado médico (CP, art.<br />

302), em sessão de 12 de dezembro de 2006, a Segunda Turma deliberou novamente<br />

pelo trancamento parcial da ação penal (AP 259/PE), no julgamento do HC 86.000/PE.<br />

Eis o teor do acórdão:<br />

“Habeas corpus. 1. Denúncia recebida pela Corte Especial do STJ em<br />

relação a 13 (treze) crimes: tentativa de aborto sem o consentimento da gestante<br />

(CP, art. 125 c/c art. 14, II); aborto provocado sem o consentimento da gestante<br />

(CP, art. 125); roubo (CP, art. 157); coação no curso de processo (CP, art. 344);<br />

seqüestro, cárcere privado e subtração de incapaz (CP, arts. 148, § 1º, III, e § 2º,<br />

e 249, § 1º); falsidade ideológica (CP, art. 299, parágrafo único); falsidade de<br />

atestado médico (CP, art. 302); uso de documento falso (CP, art. 304); denunciação<br />

caluniosa (CP, art. 339); falso testemunho (CP, art. 342); e corrupção ativa (CP,<br />

art. 343). 2. Com relação ao crime de roubo (CP, art. 157), a ação penal foi<br />

parcialmente trancada pela Segunda Turma desta Corte, no julgamento do HC<br />

84.768/PE, Relatora originária a Ministra Ellen Gracie, do qual fui Relator para o<br />

acórdão, DJ de 27-5-05. 3. Neste habeas corpus, a inicial alega inépcia da denúncia<br />

especificamente em relação a 6 (seis) dos delitos imputados, a saber: falsidade<br />

ideológica (CP, art. 299, parágrafo único), falsidade de atestado médico (CP, art.<br />

302), uso de documento falso (CP, art. 304), denunciação caluniosa (CP, art.<br />

339), falso testemunho (CP, art. 342), e corrupção ativa (CP, art. 343). 4. A peça<br />

acusatória não observou os requisitos que poderiam oferecer substrato a uma<br />

persecução criminal minimamente aceitável quanto aos delitos especificamente<br />

impugnados na inicial. 5. Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua<br />

devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de<br />

Direito.” (...)<br />

Aqui, na verdade, era aquele tipo de denúncia que imputava ao Paciente um<br />

tipo de responsabilidade espiritual. Por isso, o <strong>Tribunal</strong> trancou flagrante e vergonhosamente<br />

inepta. Penso que da autoria do Subprocurador Eithel Santiago.<br />

Isso em relação a seis crimes dos treze recebidos; sete, portanto, já estariam trancados<br />

por decisão desta Corte.<br />

Vem agora a impetração, com relação aos crimes remanescentes, e alega<br />

também:


R.T.J. — 202 801<br />

“A gritante inépcia da inicial”, com relação aos delitos de tentativa de provocação<br />

de aborto, seqüestro, cárcere privado e subtração de incapaz (CP, arts. 125, c/c 14, II;<br />

148, § 1º, III e § 2º e 249, § 1º) nos termos em que descritos e capitulados na peça<br />

acusatória (...)<br />

Alega, então, que:<br />

Com referência à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), os<br />

Impetrantes alegam:<br />

“O periculum in mora, por sua vez, advém do fato de que, na mesma<br />

oportunidade em que a Colenda Corte Especial do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça<br />

recebeu a denúncia, determinou-se o afastamento do paciente do cargo que<br />

ocupava no <strong>Tribunal</strong> de Justiça de Pernambuco, a título de cautelaridade. Essa<br />

decisão, que partiu de requerimento realizado pelo órgão acusador após a apresentação<br />

das defesas preliminares pelos acusados, não está apoiada em qualquer<br />

fundamento que de fato justifique a imposição de medida tão severa – que mais<br />

configura antecipação de efeitos de condenação do que procedimento acautelatório.<br />

E o feito se eterniza (...) A denúncia foi recebida no dia 19 de março de<br />

2003, há quase quatro anos e a instrução ainda vai longe. Isso sem falar nas<br />

nulidades que co-réus hão de estar guardando na manga para argüir em momento<br />

que lhes seja mais convincente” – (fl. 35).<br />

A impetração sustenta ainda os riscos decorrentes da:<br />

“(...) perenização do afastamento do paciente, que haverá de se consumar<br />

com sua aposentadoria compulsória, sem que se repare a sesquipedal injustiça de<br />

seu processo e afastamento.” (...)<br />

Então, nessa linha que o tema se colocou, e eu me dispus a trazê-lo em<br />

questão de ordem.<br />

Requereu-se:<br />

(...) a concessão da medida liminar para o fim de sustar o andamento da ação<br />

penal, com a suspensão temporária dos efeitos do recebimento da denúncia até que essa<br />

Egrégia Suprema Corte julgue o mérito da impetração – (fl. 36).<br />

Os autos foram distribuídos em 7 de fevereiro de 2007. (...)<br />

Pedi informações:<br />

(...) “com urgência, ao Ministro Relator perante o Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça,<br />

Ministro Cesar Asfor Rocha, acerca: i) da persistência do afastamento cautelar do Paciente;<br />

ii) da atual fase da AP 259/PE, com a respectiva indicação dos atos processuais da<br />

defesa do ora Paciente (Etério Galvão) ou de atos requeridos pela acusação que tenham<br />

efetivamente contribuído para a mora processual; iii) da eventual ocorrência de questões<br />

indicativas da complexidade da causa na tramitação da referida ação penal; e iv) caso o<br />

feito ainda não tenha sido definitivamente apreciado, da previsão de julgamento do<br />

referido processo (...)<br />

Na Petição 27.333, de 5 de março de 2007 (fls. 418-420), o Ministro Cesar Asfor<br />

Rocha, Relator da AP 259/PE, do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, prestou informações em<br />

atenção ao Ofício 437/R. (...)<br />

Por isso, trouxe essa questão à análise da Segunda Turma, e o Ministro<br />

Cezar Peluso pediu vista.<br />

Quanto à alegação de inépcia da denúncia, eu dizia neste meu voto, na<br />

questão de ordem, que o tema teria de ser analisado quando do julgamento do<br />

mérito.


802<br />

R.T.J. — 202<br />

Com relação à alegação de excesso de prazo, eu então fazia uma série de<br />

considerações sobre a jurisprudência que o <strong>Tribunal</strong> vem desenvolvendo em<br />

torno deste assunto.<br />

E chamei a atenção para o fato de que:<br />

(...) Com referência à alegação de excesso de prazo na instrução criminal, no caso<br />

concreto, a denúncia foi recebida em 19 de março de 2003 (ou seja, há mais de 4 anos).<br />

Na espécie, na oportunidade do recebimento da denúncia, a Corte Especial do<br />

STJ deliberou pelo afastamento (...)<br />

Na petição 27.333/07 (fls. 418-420), o Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator da<br />

AP 259/PE, do STJ, ao prestar informações, noticia que:<br />

“O Ministério Público <strong>Federal</strong> denunciou o acusado (...)<br />

Antes de proceder ao interrogatório dos acusados, e por concluir ser de<br />

fundamental importância ao deslinde destes autos um indicativo da existência de<br />

provável parto, determinei, em observância aos arts. 156 e 181 do Código de<br />

Processo Penal, fosse a vítima novamente periciada, dessa feita, por peritos designados<br />

por este Juízo, nas dependências deste <strong>Tribunal</strong>. As partes designaram<br />

profissionais da área de medicina para acompanhar o exame, formularam quesitos<br />

e requereram diligências.<br />

Em razão de reiterados óbices da vítima em comparecer à avaliação médica,<br />

antes mesmo que fosse concluída a perícia procedi, em 10 de março de 2005, ao<br />

interrogatório dos acusados Mário Gil Rodrigues Neto, Túlio José de Souza<br />

Linhares, e Eliah Ebsan Meneses Duarte. O acusado Etério Ramos Galvão Filho<br />

foi ouvido em 11 de abril de 2005. Após, os acusados apresentaram alegações<br />

preliminares, com rol de testemunhas e novas diligências.<br />

O exame pericial na vítima foi concluído em 27 de abril de 2005, e seu<br />

depoimento colhido no dia 28 do mesmo mês.<br />

Os demais acusados foram ouvidos mediante Carta de Ordem expedida ao<br />

eg. <strong>Tribunal</strong> Regional <strong>Federal</strong> da 5ª Região, acostada aos autos em 04 de novembro<br />

de 2005. Dos interrogatórios realizados naquele Juízo, somente o acusado<br />

Samuel Alves dos Santos Neto apresentou defesa prévia. A fim de evitar eventual<br />

alegação de nulidade, determinei fossem os autos encaminhados à Defensoria<br />

Pública da União, que ofertou as defesas faltantes em 03 de março de 2006.<br />

Após manifestação do parquet federal nos autos, em 20 de abril de 2006,<br />

deleguei a instrução criminal a um eminente Desembargador <strong>Federal</strong> do eg.<br />

<strong>Tribunal</strong> Regional <strong>Federal</strong> da 5ª Região, que, consoante a Carta de Ordem 4/06,<br />

deu início à coleta dos depoimentos testemunhais.<br />

O acusado Etério Ramos Galvão Filho requereu a reconsideração da medida<br />

de afastamento, que restou indeferida pelo eg. Colegiado desta Corte em 16 de<br />

fevereiro de 2006. Em 24 de agosto de 2006, o acusado formulou novo pedido<br />

de cancelamento, indeferido em 05 de setembro do mesmo ano.<br />

Ao todo são 48 (quarenta e oito) testemunhas, estando os autos em fase de<br />

oitiva das testemunhas de defesa.<br />

Nada obstante o trancamento da ação penal quanto aos delitos de falsidade<br />

ideológica, falsidade de atestado médico, uso de documento falso, denunciação<br />

caluniosa, e falso testemunho ou falsa perícia, consoante decisão desse egrégio<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (HC 86.000/PE), permanecem contra o acusado<br />

Etério Ramos Galvão Filho acusações da prática dos crimes de aborto, seqüestro<br />

e cárcere privado, e subtração de incapaz, razão pela qual, esta Corte manteve a<br />

orientação adotada quando do recebimento da peça acusatória”.<br />

(Fls. 418-420.)<br />

Das informações prestadas pelo Ministro Relator da AP 259/PE do STJ, observase,<br />

à primeira vista, que a defesa não deu causa ao excesso de prazo. É possível identificar,<br />

no entanto, que há indícios de que a suposta vítima teria contribuído para a mora<br />

processual.


R.T.J. — 202 803<br />

Em consulta à página do STJ (www.stj.gov.br), verifica-se que, em 25 de janeiro<br />

de 2006, a defesa requereu ao STJ medida cautelar, com pedido de liminar, pretendendo<br />

o cancelamento da medida de afastamento das funções de magistrado imposta ao Paciente<br />

quando do recebimento da denúncia. Em 3 de fevereiro de 2006, o Ministro<br />

Cesar Asfor Rocha negou seguimento à medida cautelar requerida (MC 11.109/PE)<br />

asseverando que o Requerente buscava a satisfação do próprio direito subjetivo postulado<br />

na ação principal (AP 259/PE).<br />

O tema do alegado excesso de prazo foi submetido, ainda, em sede de questão de<br />

ordem suscitada na AP 259/PE, à Corte Especial do STJ em sessão de 15 de fevereiro de<br />

2006. Por maioria de votos, o pleito da defesa foi indeferido. Entretanto, não obstante<br />

o transcurso de mais de 1 (um) ano dessa decisão colegiada da Corte Especial, até o<br />

presente momento, o acórdão da apreciação da questão de ordem não foi publicado.<br />

Por último, a alegação de excesso de prazo para a instrução criminal foi novamente<br />

submetida à análise do eminente Relator da AP 259/PE, Ministro Cesar Asfor<br />

Rocha, em setembro de 2006. Em decisão monocrática de 5 de setembro de 2006 (DJ de<br />

18-9-06), o referido Relator explicitou que, verbis:<br />

“O acusado Etério Ramos Galvão peticiona, às fls. 5.721/5.728, requerendo<br />

seja cancelada a medida de afastamento do cargo que lhe foi imposta<br />

quando do recebimento da denúncia.<br />

Alega contar com 68 anos de idade e que, ‘se mantido o ritmo com que<br />

vem se desenvolvendo o presente feito, não será temporário aquilo que o impede<br />

de exercer a profissão, que dá azo à sua vida. Se não reintegrado à sua função,<br />

nunca mais voltará a judicar, pois dentro em breve será aposentado compulsoriamente’<br />

(fl. 5.724).<br />

Sustenta que a conduta procrastinatória da vítima, o elevado número de<br />

testemunhas e o trâmite processual por meio de cartas de ordem retardam o bom<br />

andamento processual, caracterizando constrangimento que deve ser sanado via<br />

do cancelamento da medida.<br />

Em que pese a zelosa argumentação deduzida pela defesa, o fato é que o<br />

pedido já foi apreciado e deliberado pela Eg. Corte Especial do STJ, em 15-2-06,<br />

que entendeu pela manutenção da medida. E da análise dos autos, não se observa<br />

a superveniência de quaisquer fatos que justifiquem nova submissão da questão<br />

ao c. Órgão especial deste <strong>Tribunal</strong>. O processo desenvolve-se regularmente,<br />

estando os autos em fase de inquirição de testemunhas. Com efeito, como anotado<br />

quando do exame do tema pela Eg. Corte Especial, o fato de terem sido noticiados<br />

nestes autos episódios envolvendo a vítima e pessoas estranhas a este processo não<br />

tem o condão de subtrair as acusações que recaem sobre o peticionário (...)<br />

Para a análise do alegado excesso de prazo, inicialmente, surgiria a questão<br />

preliminar quanto ao cabimento do presente writ. Assim, um argumento usual em<br />

inúmeros julgados deste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> é o de que este pedido de<br />

habeas corpus não poderia ter seguimento porque o acórdão impugnado não<br />

afetaria diretamente a liberdade de locomoção do Paciente.”<br />

E aí não haveria, portanto, cabimento para o habeas corpus. Cito vários<br />

precedentes da Corte, nessa linha. No entanto, quis realmente suscitar o tema,<br />

dizendo:<br />

Em que pese à extensão e à amplitude que essa interpretação tem assumido em<br />

nossa jurisprudência, não me impressiona o argumento de que habeas corpus é o meio<br />

adequado para proteger tão-somente o direito de ir e vir do cidadão em face de violência,<br />

coação ilegal ou abuso de poder.<br />

A esse respeito, devo frisar que, no caso concreto, a decisão do STJ determinou o<br />

afastamento do Paciente do cargo de Desembargador do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado<br />

do Pernambuco e essa situação perdura por quase 4 (quatro) anos – na verdade, por mais<br />

de quatro anos –, sem que a instrução criminal tenha sido devidamente concluída. Ou<br />

seja, os Impetrantes insurgem-se não exatamente contra o simples fato do afastamento


804<br />

R.T.J. — 202<br />

do Paciente do cargo que ocupava na magistratura, mas, sim, em face de uma situação<br />

de lesão ou ameaça a direito que persiste por prazo excessivo e que, exatamente por essa<br />

razão, não pode ser excluído da proteção judicial efetiva (CF, art. 5º, XXXV).<br />

Nesses termos, considerada essa configuração fática excepcional, entendo ser o<br />

caso de se estabelecer um distinguishing com relação à referida jurisprudência tradicional<br />

deste <strong>Tribunal</strong> quanto à matéria do cabimento do habeas corpus.<br />

Que nem foi o objeto, agora, de ressalva no voto do eminente Ministro<br />

Cezar Peluso, se bem o entendi.<br />

Entendo que o writ é cabível porque, na espécie, discute-se efetivamente aquilo<br />

que a dogmática constitucional e penal alemã – a exemplo da ilustre obra Freiheitliches<br />

Strafrecht (Direito Penal Libertário), de Winfried Hassemer, – tem denominado<br />

Justizgrundrechte.<br />

Essa expressão tem sido utilizada para se referir a um elenco de normas constantes<br />

da Constituição que tem por escopo proteger o indivíduo no contexto do processo<br />

judicial. Não tenho dúvidas que o termo seja imperfeito, uma vez que, amiúde, esses<br />

direitos transcendem a esfera propriamente judicial. (...)<br />

Desse modo, o tema da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII), por<br />

expressa disposição constitucional, envolve não somente a invocação de pretensão à<br />

“direito subjetivo” de célere tramitação dos processos judiciais e administrativos, mas<br />

também o reconhecimento judicial de “meios que garantam a celeridade de sua<br />

tramitação”. Em outras palavras, a interpretação desse dispositivo também está relacionada<br />

à efetivação de legítimas garantias constitucionais como mecanismos de defesa e<br />

proteção em face de atrocidades e desrespeitos aos postulados do Estado democrático de<br />

Direito (CF, art. 1º).<br />

Por isso entendi que:<br />

o habeas corpus seria a garantia cabível e apta para levar ao conhecimento deste<br />

<strong>Tribunal</strong> a apreciação do tema do excesso de prazo para a instrução criminal.<br />

É dizer, embora a decisão impugnada não repercuta diretamente no direito de ir<br />

e vir do Paciente (liberdade de locomoção stricto sensu), observa-se situação de constrangimento<br />

ilegal decorrente de mora na prestação jurisdicional no âmbito processual<br />

penal.<br />

No caso concreto, tal constrangimento corresponde à persistência do afastamento<br />

cautelar em razão do recebimento da denúncia pelo STJ.<br />

A viabilidade deste writ se dá, portanto, em razão de que o afastamento cautelar<br />

do Paciente tem perdurado por lapso temporal excessivo.<br />

Ademais, entendo que, em princípio, a excessiva mora processual verificável de<br />

plano, nestes autos, configura-se como aquilo que, em matéria de ilegítima persistência<br />

dos efeitos da custódia cautelar, ambas as Turmas deste STF têm denominado como<br />

“excesso de prazo gritante”. (...)<br />

E, aí, cito vários precedentes das duas Turmas desta Casa.<br />

Por isso que me manifestei então não só pela viabilidade da análise da<br />

matéria em sede de habeas corpus como também pelo deferimento da medida<br />

liminar:<br />

(...) tão-somente para suspender, até o julgamento de mérito deste habeas corpus,<br />

os efeitos da decisão da Corte Especial do STJ que determinou o afastamento do cargo<br />

do magistrado denunciado (LC 35/79, art. 29).<br />

Até porque, de outro modo, na verdade, já não haverá tempo hábil de discussão<br />

do tema, uma vez que, salvo engano, o magistrado está a um ano da<br />

aposentadoria compulsória.


R.T.J. — 202 805<br />

VOTO<br />

(Confirmação)<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, Vossa Excelência me permite<br />

só fazer uma observação.<br />

Realmente não faço nenhum reparo aos argumentos que considero ponderáveis<br />

do eminente Ministro Relator quanto à admissibilidade do conhecimento<br />

do habeas corpus neste caso, embora não se trate, na verdade, de alguma medida<br />

que atinja diretamente a liberdade de ir e vir.<br />

Penso que o habeas corpus em relação às medidas gravosas tomadas no<br />

curso do processo penal é remédio jurídico adequado.<br />

Até me inclinaria a admitir teoricamente a possibilidade de pôr fim a este<br />

afastamento, se, em relação à questão do trancamento da ação penal, houvesse<br />

razoabilidade jurídica ao pedido, coisa que não foi reconhecida pelo eminente<br />

Relator, pelo menos em sede de liminar. Sua Excelência afastou textualmente o<br />

outro pedido e estaria deferindo a liminar apenas para determinar o fim do afastamento<br />

até o julgamento de mérito do habeas corpus.<br />

Aqui o que me preocupa, Senhor Presidente, é exatamente isto: a falta de<br />

uma patente razoabilidade jurídica da pretensão quanto ao outro pedido pode<br />

gerar conseqüência prática mais gravosa ainda, não apenas ao acusado mas ao<br />

prestígio da Justiça. Por quê? Porque, se nós tomarmos, em sede de liminar, a<br />

medida de cessação temporária do afastamento do exercício do cargo, pode ser<br />

que essa medida caia quando julgarmos o mérito do habeas corpus. Nesse caso,<br />

ele vai tornar a ser afastado, e aí vai ficar pior.<br />

Noutras palavras, se estivéssemos agora julgando o mérito do habeas<br />

corpus, ainda consideraria, à luz eventualmente do que pudesse ser considerado<br />

em relação ao pedido principal, em relação à ação penal, que então se determinasse<br />

o afastamento do cargo até o julgamento ou coisa semelhante.<br />

Mas, se tomarmos essa medida provisória em sede de liminar e se, no julgamento<br />

de mérito do habeas corpus, essa medida vier a ser revogada, penso que,<br />

tanto para o Acusado como para o prestígio da Justiça, a situação seria ainda mais<br />

danosa do que aquela que aparenta sê-lo agora em relação a ambos, tanto ao<br />

Acusado como em relação ao conceito público do seu cargo.<br />

DEBATE<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, indago ao eminente<br />

Relator se o único fundamento do habeas corpus é a questão do afastamento.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Não. É a própria inépcia em relação<br />

aos demais.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ele alega que a denúncia é inepta, ignora a<br />

justa causa na ação penal.


806<br />

R.T.J. — 202<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Na ação penal, na verdade, já<br />

concedemos dois habeas corpus em relação às treze imputações dadas. Esse é um<br />

dado estatístico que fala pela higidez desta denúncia, mas, obviamente, que não<br />

cabia analisá-lo em sede de liminar dada a urgência da matéria, por isso trouxe o<br />

tema à apreciação da Turma.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O que eu estava ponderando era exatamente<br />

isto: sem um juízo prévio, ainda que de caráter provisório, sobre a justa causa da<br />

ação penal – porque os crimes que ainda restam são graves: provocação de aborto,<br />

seqüestro, cárcere privado e subtração de incapaz –, o afastamento do cargo é<br />

mera conseqüência da pendência do processo penal em razão da gravidade da<br />

imputação – o art. 29 diz que é em face da gravidade da imputação que o órgão<br />

competente deve deliberar se afasta ou não o Denunciado.<br />

Penso que seria temerário concedermos liminar que pode vir a ser revogada,<br />

e cuja revogação vai causar mais gravame ainda, sobretudo ao próprio Acusado.<br />

É preferível que a Turma julgue logo o mérito deste habeas corpus e, então,<br />

defina se há, ou não, justa causa, fumus boni juris, para prosseguimento da ação<br />

penal. Aí, analisaremos a questão do afastamento do cargo, que ficará prejudicado<br />

em caso de trancamento da ação penal.<br />

VOTO<br />

(Confirmação)<br />

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, mantenho o meu voto,<br />

agora com o reforço dos argumentos trazidos pelo Ministro Cezar Peluso.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Considerando o que dispõe o<br />

art. 29 da LOMAN – aqui rememorado pelo eminente Ministro CEZAR<br />

PELUSO –, tenho para mim que se impõe, no caso, o indeferimento da pretendida<br />

cessação dos efeitos da decisão emanada da E. Corte Especial do Superior <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça, que ordenou o afastamento cautelar do ora Paciente.<br />

Parece-me que a sugestão do eminente Ministro CEZAR PELUSO revela-se<br />

a mais adequada. De qualquer maneira, vê-se, pelos próprios debates, que o eminente<br />

Relator já dispõe de condições para, em momento oportuno, promover o<br />

julgamento final desta ação de habeas corpus.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Penso até que já não há instrução neste habeas<br />

corpus, pois já está instruído.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Exatamente. Peço vênia, pois,<br />

aos eminentes Ministros Relatores e EROS GRAU para acompanhar a divergência<br />

e indeferir o pedido de medida cautelar.<br />

É o meu voto.


R.T.J. — 202 807<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 90.617-QO/PE — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Paciente: Etério<br />

Ramos Galvão. Impetrantes: Arnaldo Malheiros Filho e outros. Coator: Superior<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça.<br />

Decisão: A Turma, por votação majoritária, resolvendo questão de ordem,<br />

indeferiu a medida cautelar, nos termos do voto do Ministro Joaquim Barbosa,<br />

vencidos os Ministros Relator e Eros Grau, que a deferiam.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-<br />

Geral da República, Dr. Mário José Gisi.<br />

Brasília, 19 de junho de 2007 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


808<br />

R.T.J. — 202<br />

MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS 91.273 — RJ<br />

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio<br />

Paciente: Ana Claudia Rodrigues do Espírito Santo — Impetrantes: Leonardo<br />

Isaac Yarochewsky e outros — Coator: Relator do Inq 2.424 do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong><br />

Inquérito. Remembramento. Acusados sem prerrogativa de<br />

foro. Conexão. Continência. <strong>Supremo</strong>. Não concorre a indispensável<br />

relevância da causa de pedir do remembramento de inquérito,<br />

presente a competência do <strong>Supremo</strong> definida na Constituição <strong>Federal</strong>,<br />

considerada a disciplina legal da conexão e da continência.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie,<br />

na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade,<br />

indeferir a cautelar, vencidos, parcialmente, o Ministro Marco Aurélio, que a<br />

indeferia e ainda negava seguimento ao habeas corpus, e o Ministro Ricardo<br />

Lewandowski, que a indeferia e não conhecia do segundo pedido formulado.<br />

Ausentes, justificadamente, o Ministro Sepúlveda Pertence e, neste julgamento,<br />

os Ministros Cezar Peluso e Joaquim Barbosa.<br />

Brasília, 30 de maio de 2007 — Marco Aurélio, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Eis as informações prestadas pelo Gabinete:<br />

Os Impetrantes sustentam estar a Paciente submetida a constrangimento ilegal, em<br />

razão de ato formalizado pelo Ministro Cezar Peluso, Relator do Inq 2.424-4/RJ, que<br />

implicou o desmembramento da investigação. Alegam que, decretada, por mais cinco<br />

dias, a prisão temporária dos investigados, o Procurador-Geral da República requereu o<br />

desmembramento do processo. O Ministro Cezar Peluso acolheu a proposição. Os investigados<br />

que detêm prerrogativa de foro permaneceram figurando no inquérito que<br />

tramita nesta Corte e, quanto aos demais indiciados, os autos foram remetidos à Justiça<br />

<strong>Federal</strong> Criminal no Estado do Rio de Janeiro.<br />

Afirmam que, a partir de então, instalou-se a distorção processual. Não obstante<br />

o vínculo objetivo existente entre o bilateral crime de corrupção imputado aos investigados,<br />

os mesmos fatos envolvendo a todos os Réus estão sendo apurados em Juízos<br />

distintos. O procedimento, estabelecido pela decisão que determinou o desmembramento<br />

do inquérito, ofende, segundo as razões expendidas, os princípios do devido processo<br />

legal, do contraditório e da ampla defesa. Os Impetrantes ressaltam a inconveniência da<br />

separação e pedem a reunião.<br />

Requerem a concessão de medida liminar para suspender a tramitação do Processo<br />

2007.58.01.802985-5, em curso na 6ª Vara Criminal <strong>Federal</strong> da Seção Judiciária do Rio<br />

de Janeiro, até o julgamento desta impetração, determinando-se a imediata soltura da<br />

Paciente. No mérito, pleiteiam o reconhecimento da ilegalidade do desmembramento do<br />

Inq 2.424-4/RJ e, como conseqüência necessária desse provimento, a reunião das ações<br />

penais, para julgamento pelo <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.


R.T.J. — 202 809<br />

A autoridade apontada como coatora prestou as informações solicitadas (fls. 180<br />

a 192), acompanhadas dos documentos juntados às fls. 193 à 337. Sua Excelência<br />

esclarece que, conforme noticiário da imprensa, no dia 20 de abril próximo passado, o<br />

Ministério Público <strong>Federal</strong> ofereceu denúncia contra a Paciente perante o Juízo da 6ª<br />

Vara <strong>Federal</strong> Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro e, nessa data,<br />

aquele Juízo decretou a prisão preventiva da Denunciada. Afirma que a Paciente não<br />

estaria sujeita à jurisdição do <strong>Supremo</strong>. Anota que o termo “desmembramento”, inserido<br />

no contexto da decisão que proferiu, não tem a acepção técnico-jurídico penal, por<br />

cuidar-se de providência de cunho meramente administrativo. O fato de não estar<br />

pendente nesta Corte a admissibilidade de ação penal contra todos os envolvidos, mas<br />

somente em relação àqueles que detêm prerrogativa de foro, afasta, segundo informações,<br />

a alegação de ter havido deslocamento da causa penal ou de separação de processos.<br />

Acrescenta o argumento de ser irrelevante, para fixação da competência do <strong>Supremo</strong><br />

visando a conhecer e julgar a ação penal proposta contra todos os envolvidos nos<br />

fatos denunciados, a conexão hipotética dos fatos em apuração.<br />

Em 26 de maio de 2007, formalizei o seguinte despacho (fls. 338 e 339):<br />

1. Ao Gabinete, para lançar a notícia do recebimento deste processo.<br />

2. Aciono o disposto no art. 191 do Regimento Interno, mais precisamente considerada<br />

a remissão nele contida ao inciso IV do art. 21, ante a origem do ato atacado. No<br />

ofício judicante, ombreio com a autoridade apontada como coatora. Então incumbe ao<br />

Pleno apreciar, ainda que o seja no campo precário e efêmero da liminar, o pedido<br />

formulado, evitando-se perplexidade.<br />

3. Indico como data em que o processo estará em mesa, liberado para pregão, 30<br />

próximo. Expeçam papeleta independentemente da degravação do relatório e voto,<br />

sublinhando o objeto da remessa, isso considerada a grande fila de processos aguardando<br />

apreciação.<br />

4. Dêem ciência aos Impetrantes, considerada a necessária publicidade dos atos<br />

processuais.<br />

É o relatório.<br />

DEBATE<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Por fidelidade intelectual, devo<br />

ressaltar ao Plenário um aspecto: o indeferimento da medida acauteladora implicará<br />

a negativa de seguimento ao habeas, porque não haverá utilidade na<br />

tramitação depois de assentar-se que o desmembramento se mostrou legítimo.<br />

Por isso não sei se esse dado de que Vossa Excelência, talvez, não tivesse<br />

conhecimento altera a definição da questão de ordem suscitada da tribuna.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Vossa Excelência, na condição<br />

de Relator, defere a sustentação?<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Presente essa peculiaridade, já que<br />

estaremos, em última análise, se o convencimento for no sentido de indeferir-se a<br />

liminar, julgando o próprio fundo do habeas corpus, entendo caber a sustentação.<br />

É uma peculiaridade.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Vossa Excelência, não obstante a<br />

letra do § 2º do art. 131 do Regimento Interno...<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não, Excelência, não me faça ler o<br />

Regimento Interno, porque o conheço suficientemente bem. Creio que iniciei a


810<br />

R.T.J. — 202<br />

minha fala aludindo à fidelidade intelectual para evitar surpresas e ponderei que<br />

o caso concreto apresenta essa peculiaridade. Se Vossa Excelência reabrir a questão<br />

para ouvir o Plenário sobre a sustentação da tribuna, vou pronunciar-me a<br />

favor dessa sustentação.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Por isso mesmo, na qualidade de<br />

Relator, estou colhendo inicialmente o voto de Vossa Excelência.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Mas não quero que Vossa Excelência<br />

diga – e dispenso a censura – que não estou atento ao Regimento Interno.<br />

Conheço-o muito bem, porque tenho dezessete anos nesta Casa.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Que não é muito diferente dos<br />

outros regimentos internos de outras Casas de Justiça, onde também eu tive assento<br />

por longos anos. De modo que, novamente, peço a Vossa Excelência que<br />

manifeste seu voto, na qualidade de Relator, em primeiro lugar, quanto à solicitação<br />

feita da tribuna.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Pronuncio-me presente a peculiaridade<br />

do caso. Repito, se o Colegiado caminhar no sentido do indeferimento da<br />

liminar – o processo veio para a apreciação desse pleito –, estará, em última<br />

análise, julgando o fundo do habeas corpus e a ele negando seguimento.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Ministro MARCO AURÉLIO, qual é o pleito<br />

cautelar, o objeto da postulação cautelar?<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Vou voltar à informação do Gabinete:<br />

Requerem a concessão de medida liminar para suspender a tramitação do Processo<br />

2007.58.01.802985-5, em curso na 6ª Vara Criminal <strong>Federal</strong> da Seção Judiciária do Rio<br />

de Janeiro [como conseqüência da óptica de que não se teria como respaldar o<br />

desmembramento], até o julgamento desta impetração, determinando-se a imediata<br />

soltura da Paciente.<br />

Penso que – pode ser que esteja equivocado nesta visão –, se o <strong>Tribunal</strong><br />

indeferir a medida liminar, tendo presente o acerto do desmembramento, estará<br />

adentrando tema que leva necessariamente à negativa de seguimento ao habeas.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Não pareceria a Vossa Excelência que o<br />

eventual indeferimento do pleito cautelar limitar-se-ia, tão-somente, ao nãoatendimento,<br />

neste momento, da pretendida suspensão do curso processual perante<br />

outro órgão judiciário?<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ministro, se não vislumbrarmos<br />

sequer relevância no pedido – porque deferimento de liminar assenta-se em simples<br />

relevância –, estaremos proclamando o acerto do desmembramento do processo.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: A rigor, seria uma cognição meramente<br />

incompleta, sumária, considerada a natureza eminentemente cautelar.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Quando o Relator atua como portavoz,<br />

aí, evidentemente, há posteriormente a manifestação do Colegiado. Neste<br />

caso, não, a manifestação já se dará nesta assentada.


R.T.J. — 202 811<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: O Eminente Ministro Cezar Peluso já prestou<br />

informações. O próximo passo será, portanto, uma vez decidida a questão,<br />

agora, em julgamento, ouvir o Procurador-Geral da República e, em seguida, o<br />

julgamento pelo Plenário do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>. O que significa que o<br />

eventual indeferimento – digo apenas eventual indeferimento – não irá, na verdade,<br />

prejudicar o julgamento do final da própria controvérsia, apenas o <strong>Tribunal</strong><br />

terá dito – se indeferir – que os pressupostos não lhe parecem presentes, mas só<br />

isso. E, se eventualmente deferir, dar-se-á, então, a suspensão cautelar do andamento<br />

processual.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Eu terei, num sentido ou noutro,<br />

que fundamentar o voto e, ao fazê-lo, posso chegar, como também podem chegar<br />

os Colegas, à abordagem da matéria de fundo. E não teremos, se a abordagem for<br />

negativa quanto ao pedido, a utilidade na seqüência do próprio habeas corpus, a<br />

não ser que hoje se julgue uma coisa e, posteriormente, pretenda-se julgar de<br />

forma diversa.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, num certo sentido,<br />

permito-me acompanhar o raciocínio do eminente Ministro Celso de Mello,<br />

verificando, aqui, na petição inicial do habeas corpus, que realmente há dois<br />

pedidos de caráter liminar que são, primeiramente, um pedido de suspensão do<br />

processo de que cuida o presente writ, e a imediata soltura do Paciente. No pedido<br />

final, pede-se não o trancamento, mas o avocamento – como se diz aqui nesta<br />

petição inicial – desse processo que tramita na 6ª Vara Criminal <strong>Federal</strong> do Rio<br />

de Janeiro, para que ele passe a tramitar aqui.<br />

Portanto, neste primeiro momento, salvo melhor juízo, eminente Ministro<br />

Marco Aurélio, trata-se apenas de suspender eventual tramitação do processo lá<br />

na Vara <strong>Federal</strong> do Rio de Janeiro; depois, no mérito, julgaremos avocação, como<br />

se chama aqui na inicial do writ.<br />

Tenho a impressão, eminente Ministro Marco Aurélio, de que teremos espaço,<br />

ainda, para decidir sobre o mérito da questão, e como recomenda a prudência<br />

das Cortes e dos julgadores, em geral, é importante que não se adentre no julgamento<br />

da liminar, desde logo, no mérito da questão.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ministro, necessariamente, para<br />

suspender o processo em curso no Rio de Janeiro e afastar do cenário jurídico a<br />

custódia, terei de emitir entendimento sobre o acerto ou o desacerto de quê? Do<br />

que é a causa de pedir o desmembramento.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas nós, por enquanto, só estamos<br />

analisando o fumus boni juris e o periculum in mora.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não posso cingir-me a isso, a não<br />

ser que feche a Constituição e assente que caiba, neste momento, apenas um sim<br />

ou não quanto ao pedido formulado. Terei de tecer considerações, e assim farei,<br />

no voto sobre o desmembramento.


812<br />

R.T.J. — 202<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Havendo informações, nos autos, da autoridade<br />

coatora, não seria o caso de ouvir, agora, o Procurador-Geral, ou assegurar-se<br />

que ele se pronunciasse, para que julgássemos logo o mérito.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Sim, é uma solução.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Mas, aí, haveria o problema, o eminente<br />

Procurador-Geral da República, talvez, não tenha conhecimento das informações<br />

alentadas.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Seria tomá-lo de surpresa.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Porque, na verdade, dadas essas implicações.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: A não ser que o <strong>Tribunal</strong> deliberasse submeter<br />

imediatamente o processo à apreciação do eminente Procurador-Geral da República,<br />

que atua como fiscal da lei em matéria de habeas corpus, e, em seguida,<br />

dar-se o julgamento final.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Vossa Excelência me assevera que<br />

poderá trazer, imediatamente, a sua manifestação. É uma questão de ordenação.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Devo apenas, quanto a essa preocupação<br />

relativamente ao domínio da matéria pelo Procurador, lembrar que o<br />

desmembramento resultou de petição de Sua Excelência.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Sim, mas as razões do eminente Ministro<br />

Cezar Peluso, sustentando a legitimidade do ato que se impugna, tendo impressão<br />

de que, talvez, o eminente Procurador-Geral não tenha tido acesso ainda a<br />

essas informações. Penso que seria importante – é claro – permitir que o Chefe do<br />

Ministério Público, que atua como fiscal da lei no processo penal de habeas<br />

corpus, tivesse essa possibilidade. Agora, como é notório, e isso é digno de<br />

aplauso, o eminente Ministro Marco Aurélio é extremamente célere na prestação<br />

jurisdicional, e como, de certa maneira, se cuida de habeas corpus, que demanda,<br />

enfim, preferência, eu penso que, se pudéssemos permitir ao Procurador-Geral<br />

que tivesse vista dos autos e, em seguida, os devolvesse para julgamento final,<br />

permitir-se-ia daí a sustentação oral.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Porque se a questão está tão imbricada,<br />

mérito e a questão cautelar, talvez.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Trouxe o processo, porque há um<br />

pedido de concessão de medida acauteladora, inclusive presente a liberdade de ir<br />

e vir da Paciente.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Uma opção seria essa.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): A outra opção é decidirmos a<br />

questão que tinha sido inicialmente colocada, deferir, ou não, sustentação oral<br />

em medida cautelar.<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: É regimental. É o § 2º do art. 131:<br />

Não haverá sustentação oral nos julgamentos de agravo, embargos declaratórios,<br />

argüição de suspeição e medida cautelar.


R.T.J. — 202 813<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): A segunda questão é indagar ao<br />

eminente Relator se Sua Excelência prefere fazer encaminhamento ao Procurador-Geral<br />

ou, desde logo, lançar seu voto.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Presidente, para mim, não é um<br />

caso de preferência, mas simplesmente a necessidade de apreciar-se – e, se não<br />

fosse a circunstância do processo, ou seja, o ataque a ato de um colega, já o teria<br />

feito individualmente – o pleito de concessão de medida acauteladora. Por mim,<br />

o exame do processo prossegue.<br />

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Vossa Excelência tem a palavra<br />

para o voto.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A organicidade própria ao Direito<br />

é conducente a concluir-se que não cabe atuação individual na análise de pedido<br />

de concessão de medida acauteladora direcionado contra pronunciamento de<br />

integrante deste <strong>Tribunal</strong>. É que se encontram o autor do ato e o relator no mesmo<br />

patamar judicante e, aí, conflito de enfoque somente atrairia o descrédito para a<br />

Corte. Surge campo propício a atentar-se para o art. 191 do Regimento Interno,<br />

constante do capítulo Habeas Corpus, no que direciona à observação do inciso<br />

IV do art. 21 do citado regimento – a suspensão de ato de integrante do <strong>Tribunal</strong><br />

somente é possível mediante atividade de Colegiado.<br />

No mais, as normas definidoras da competência do <strong>Supremo</strong> são de Direito<br />

estrito. Cabe ao <strong>Tribunal</strong> o respeito irrestrito ao art. 102 da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

Sob o ângulo das infrações penais comuns, cumpre-lhe processar e julgar originariamente<br />

o Presidente e o Vice-Presidente da República, os membros do Congresso<br />

Nacional, os próprios Ministros que o integram e o Procurador-Geral da República,<br />

mostrando-se mais abrangente a competência, a alcançar infrações penais<br />

comuns e crimes de responsabilidade, considerados os Ministros de Estado, os<br />

comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no<br />

art. 52, inciso I, da Carta da República, os membros dos Tribunais Superiores, os<br />

do <strong>Tribunal</strong> de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter<br />

permanente – alíneas b e c do inciso I do art. 102 da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

Então, forçoso é concluir que, em se tratando do curso de inquérito voltado<br />

à persecução criminal, embrião da ação a ser proposta pelo Ministério Público, a<br />

tramitação sob a direção desta Corte, presentes atos de constrição, pressupõe o<br />

envolvimento de autoridade detentora da prerrogativa de foro, de autoridade<br />

referida nas citadas alíneas b e c. Descabe interpretar o Código de Processo Penal<br />

conferindo-lhe alcance que, em última análise, tendo em conta os institutos da<br />

conexão ou da continência, acabe por alterar os parâmetros constitucionais definidores<br />

da competência do <strong>Supremo</strong>. Argumento de ordem prática da necessidade<br />

de evitarem-se, mediante a reunião de ações penais, decisões conflitantes, não se<br />

sobrepõe à competência funcional estabelecida em normas de envergadura maior,


814<br />

R.T.J. — 202<br />

de envergadura insuplantável como são as contidas na Lei Fundamental. O argumento<br />

calcado no pragmatismo pode mesmo ser refutado considerada a boa política<br />

judiciária, isso se fosse possível colocar em segundo plano a ordem natural<br />

das coisas, tal como contemplada no arcabouço normativo envolvido na espécie.<br />

O <strong>Supremo</strong>, hoje, encontra-se inviabilizado ante sobrecarga invencível de<br />

processos. Então, os plúrimos, a revelarem ações penais ajuizadas contra diversos<br />

cidadãos, viriam a emperrar, ainda mais, a máquina existente, projetando para as<br />

calendas gregas o desfecho almejado. A problemática do tratamento igualitário –<br />

e cada processo possui peculiaridades próprias, elementos probatórios individualizados<br />

– não é definitiva, ante a recorribilidade prevista pela ordem jurídica e,<br />

até mesmo, a existência da ação constitucional do habeas corpus. Em síntese,<br />

somente devem tramitar sob a direção do <strong>Supremo</strong> os inquéritos que envolvam<br />

detentores de prerrogativa de foro, detentores do direito de ajuizada ação penal<br />

virem a ser julgados por ele, procedendo-se ao desdobramento conforme ocorrido<br />

na espécie.<br />

Indefiro a liminar e, havendo maioria nesse sentido, propugno que o <strong>Tribunal</strong><br />

torne a óptica definitiva, negando-se seguimento ao pedido final.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, acompanho o Relator<br />

no que se refere ao indeferimento da liminar, mas deixarei de acompanhá-lo, com<br />

a devida vênia, na parte final de negativa de seguimento.<br />

Voto nesse sentido.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, vejo aqui, na<br />

inicial, como já consignei anteriormente, que existem dois pedidos: um com<br />

relação à suspensão da tramitação do processo, na 6ª Vara do Rio de Janeiro; e<br />

outro no que tange à libertação imediata da Paciente.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): É que, consideradas as premissas<br />

do meu voto, não vislumbro relevância no pleito formulado, ou seja, as causas de<br />

pedir, para mim, batem com a Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Curiosamente, estudando o material,<br />

fiz uma leitura um tanto quanto diferente de Vossa Excelência, porque eu estaria<br />

propenso a não conhecer do segundo pedido, exatamente o pedido de liberdade<br />

formulado pelo Impetrante, em nome da Paciente. Pelas informações da autoridade<br />

tida como coatora, o eminente Ministro Cezar Peluso, o título da prisão é<br />

outro.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Mas, Ministro, isso é conseqüência.<br />

Se Vossa Excelência entender errôneo o desmembramento, cai a prisão decretada<br />

pela Juíza da 6ª Vara Criminal <strong>Federal</strong> do Rio de Janeiro – a Dra. Ana Paula<br />

Vieira Carvalho.


R.T.J. — 202 815<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Na verdade, entendo que, neste caso,<br />

não poderíamos conhecer porque a autoridade coatora que determinou a prisão<br />

preventiva é a Juíza da 6ª Vara.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Vamos ao julgamento final. Se o<br />

<strong>Tribunal</strong> assentar que realmente é competente para tocar o inquérito, para tocar a<br />

ação penal, ter-se-á a persistência da denúncia ofertada, do recebimento da denúncia<br />

e da prisão? Não.<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, como estamos<br />

apenas em sede de liminar, entendo que não está presente o fumus boni juris, no<br />

que tange à conexão alegada, indefiro a liminar nesse aspecto e não conheço do<br />

pedido de liberdade até para que esse pedido possa ser novamente formulado nas<br />

vias e nas instâncias apropriadas, perante, eventualmente, o <strong>Tribunal</strong> Regional<br />

<strong>Federal</strong> da Região, com recurso para o STJ e, eventualmente, para esta Suprema<br />

Corte.<br />

Então, o meu voto é no sentido de indeferir na parte conhecida e de não<br />

conhecer no que tange ao pedido de liberdade.<br />

ESCLARECIMENTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Presidente, apenas um esclarecimento.<br />

Não estou a analisar o pronunciamento judicial que implicou a custódia.<br />

Não. Estou apenas a registrar, no voto, uma conseqüência.<br />

Como entendo que se mostrou legítimo o desdobramento do inquérito, não<br />

posso, evidentemente, glosar o ato mediante o qual foi determinada a prisão<br />

preventiva da Paciente.<br />

ESCLARECIMENTO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, peço vênia para<br />

esclarecer que, como não estou avançando no mérito, não quero formular um<br />

juízo definitivo sobre a questão da conexão.<br />

Portanto, não avanço tanto quanto o eminente Relator.<br />

ESCLARECIMENTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Presidente, na condição de Relator,<br />

apenas para esclarecer ao Plenário, se tenho a palavra, torno a frisar que a liberdade<br />

pretendida o é no campo da conseqüência, ou seja, assentada a suspensão do<br />

processo na origem pela erronia no desmembramento do inquérito.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, peço vênia ao Ministro Marco<br />

Aurélio para acompanhar a divergência da Ministra Cármen Lúcia.


816<br />

R.T.J. — 202<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, também não tenho como<br />

presente o fumus boni juris quanto ao fundamento da conexão dos fatos; conexão<br />

que, se existente, aí, sim, exigiria o processamento conjunto dos feitos.<br />

O desmembramento pareceu-me procedente à vista dos fundamentos lançados<br />

pelo eminente Relator, porém me limito a negar a liminar.<br />

Acompanho, portanto, a Ministra Cármen Lúcia.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, também indefiro a<br />

liminar na linha proposta pela Ministra Cármen Lúcia, com as vênias de estilo ao<br />

eminente Ministro Relator.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Senhora Presidente, também entendo que<br />

não se reveste de plausibilidade jurídica a pretensão cautelar deduzida pela parte<br />

impetrante.<br />

Ouvi, atentamente, o douto voto do eminente Ministro Relator e tive em<br />

consideração as informações prestadas pela eminente autoridade apontada como<br />

coatora, quando demonstra, de maneira muito clara, a inaplicabilidade, ao caso,<br />

do precedente que esta Corte firmou no julgamento do Inq 2.245-QO-QO/MG, de<br />

que é Relator o eminente Ministro JOAQUIM BARBOSA.<br />

Entendo que se impõe o prosseguimento do processo, limitando-me, no<br />

entanto, quanto a esse aspecto, a uma estrita cognição de caráter meramente<br />

sumário. Quanto ao problema da alegada coação que emanaria da autoridade<br />

apontada como coatora, peço vênia para acompanhar o voto do eminente Ministro<br />

RICARDO LEWANDOWSKY.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Mas o meu voto não obstaculiza a<br />

apreciação de um habeas impetrado no <strong>Tribunal</strong> Regional <strong>Federal</strong>.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Por que não?<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não, Excelência. Penso que não me<br />

fiz entender.<br />

Não se discute a boa ou má procedência do ato de prisão, considerado o<br />

próprio ato. Chega-se ao pleito de afastamento da custódia mediante uma premissa:<br />

a de que o desmembramento não poderia ter ocorrido. Longe de mim fechar à<br />

Paciente a porta de acesso ao <strong>Tribunal</strong> Regional <strong>Federal</strong>.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Concordo inteiramente com Vossa Excelência,<br />

considerada a alta finalidade a que se destina o remédio constitucional do<br />

“habeas corpus”. O voto de Vossa Excelência discute a fundamentação subjacente<br />

ao decreto de prisão cautelar?


R.T.J. — 202 817<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não. Tanto que não analisei, no<br />

voto, a boa fundamentação, nem analisaria, porque não há pedido nesse sentido.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Apenas observo, tal como o fez a autoridade<br />

apontada como coatora, que a Paciente “já não está, pois, sujeita à jurisdição do<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> desde 20 ou 23 de abril de 2007”.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ministro, continuamos falando<br />

línguas diversas. O que tive presente neste caso? O que se ataca, em si, o que é o<br />

objeto do habeas corpus: o desmembramento. E, como conseqüência da erronia<br />

desse desmembramento, chega-se ao pleito no sentido de ser afastada a custódia.<br />

É isso que se tem.<br />

Por isso, não se trata de conhecer, ou não, do habeas nesta ou naquela parte.<br />

A parte é única – a busca do reconhecimento de que o inquérito não poderia ter<br />

sido desmembrado, com as conseqüências jurídicas próprias, que é algo diverso.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Parece-me que, com isso, só para dar uma<br />

achega ao que disse o Ministro Marco Aurélio, não poderia ter ocorrido o<br />

desmembramento, na concepção dos Impetrantes, e, se ocorreu, e foi distribuído<br />

a uma autoridade que não seria competente, mas que expediu o decreto, e o<br />

decreto, como conseqüência, é nulo por expedição. E tudo se reverteria.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Se, por acaso, concluíssemos que,<br />

no caso, não deveria ter ocorrido o desmembramento, cairiam a oferta da denúncia,<br />

o recebimento da denúncia e a prisão.<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Neste momento inicial, prefiro adstringirme,<br />

tão-somente, a um mero juízo de delibação, ressaltando a inaplicabilidade,<br />

ao caso, do precedente que esta Corte firmou no julgamento do Inq 2.245-QO-<br />

QO/MG, de que é Relator o eminente Ministro JOAQUIM BARBOSA.<br />

Atendo-me, unicamente, a esse aspecto, indefiro o pleito cautelar, mantendo,<br />

no entanto, o prosseguimento da ação de “habeas corpus”.<br />

É o meu voto.<br />

EXPLICAÇÃO<br />

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, apenas indago se<br />

não seria o caso de se assentar, então, a prejudicialidade do segundo pedido em vez<br />

de não o conhecermos, porque, na verdade, o segundo pedido estaria prejudicado.<br />

Então, neste momento, de qualquer maneira, não estamos apreciando o<br />

segundo pedido. Ou ele está prejudicado ou não o conhecemos, penso eu, data<br />

venia.<br />

Como em seguida julgaremos outro habeas corpus que trata dos mesmos<br />

fatos – o pedido é ligeiramente diferente –, e até por uma questão de coerência<br />

que procuro manter, verifico que, na inicial do outro habeas corpus – evidentemente<br />

não estão em causa, neste, os argumentos aqui expendidos –, temos, expressamente,<br />

uma insurgência contra a dilação temporal da prisão. Aqui, não se


818<br />

R.T.J. — 202<br />

liga a ilegalidade da prisão à questão da conexão, mas, no outro habeas corpus<br />

que julgaremos em seguida, o Impetrante, em nome da Paciente, insurge-se exatamente<br />

contra o fato de ter sido a prisão temporária já prorrogada por uma vez.<br />

Enfim, de ter continuado no tempo, e, portanto, seria ilegal. De qualquer maneira,<br />

tenho a impressão de que chegaremos aos mesmos resultados.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

HC 91.273-MC/RJ — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente: Ana<br />

Cláudia Rodrigues do Espírito Santo. Impetrantes: Leonardo Isaac Yarochewsky<br />

e outros. Coator: Relator do Inq 2.424 do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimidade, indeferiu a cautelar, vencidos, parcialmente,<br />

o Ministro Marco Aurélio (Relator), que a indeferia e ainda negava<br />

seguimento ao habeas corpus, e o Ministro Ricardo Lewandowski, que a indeferia<br />

e não conhecia do segundo pedido formulado. Ausentes, justificadamente, o<br />

Ministro Sepúlveda Pertence e, neste julgamento, os Ministros Cezar Peluso e<br />

Joaquim Barbosa. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie.<br />

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso<br />

de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim<br />

Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da<br />

República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.<br />

Brasília, 30 de maio de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.


R.T.J. — 202 819<br />

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO<br />

EXTRAORDINÁRIO 245.093 — SP<br />

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence<br />

Agravantes: Sindicato dos Empregados Vendedores e Viajantes do Comércio<br />

no Estado de São Paulo e outros — Agravado: Município da Estância<br />

Balneária de Praia Grande<br />

Sindicato. Colônia de férias. Inexistência de imunidade tributária<br />

por não ser o patrimônio ligado às finalidades essenciais do<br />

sindicato. Recurso extraordinário: descabimento.<br />

1. É da jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> que no recurso<br />

extraordinário devem ser considerados os fatos da causa “na versão<br />

do acórdão recorrido”.<br />

2. Afirmado pelo acórdão recorrido que a colônia de férias<br />

não é destinada às finalidades essenciais do sindicato, para se chegar<br />

a entendimento diverso seria necessário o reexame dos fatos e<br />

das provas, inadmissível no recurso extraordinário (Súmula 279).<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda<br />

Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade de votos, negar provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário,<br />

nos termos do voto do Relator.<br />

Brasília, 14 de novembro de 2006 — Sepúlveda Pertence, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É este o teor da decisão agravada:<br />

Recurso extraordinário, a, de acórdão do Primeiro <strong>Tribunal</strong> de Alçada Civil do<br />

Estado de São Paulo, assim ementado (fl. 528):<br />

“Tributo – IPTU – Imunidade tributária – Colônia de férias – Sindicato –<br />

Art. 150, VI, c, par. 4º, c.c. art. 8º, III, da Constituição <strong>Federal</strong> – Inexistência por<br />

não ser o patrimônio ligado às suas finalidades essenciais – Dando provimento<br />

para julgar improcedentes os embargos.”<br />

Lê-se do voto condutor (fl. 529):<br />

“Fácil verificar que a colônia de férias dos apelantes não é patrimônio<br />

destinado às suas finalidades essenciais. Embora importante para os associados<br />

não há como evitar a conclusão de que se destina exclusivamente ao lazer. E,<br />

sendo assim, não está o patrimônio incluído na imunidade tributária a que se<br />

referem os dispositivos constitucionais acima mencionados.”


820<br />

R.T.J. — 202<br />

Alega o recurso extraordinário, em síntese, a violação dos arts. 6º; 8º, XIII; e 150,<br />

VI, c, da Constituição <strong>Federal</strong>. Aduz que “o patrimônio do Sindicato (sua colônia de<br />

férias) tanto está voltado para as atividades assistenciais que ao Sindicato é proibido<br />

exercer atividade econômica, sendo, ainda, obrigatória a aplicação do produto das contribuições<br />

no atendimento das atividades de lazer” (fl. 553).<br />

Decido.<br />

É da jurisprudência deste <strong>Tribunal</strong> que no recurso extraordinário devem ser<br />

considerados os fatos da causa “na versão do acórdão recorrido” (AI 130.893-AgR,<br />

Velloso, RTJ 146/291; RE 140.265, Marco Aurélio, RTJ 148/550).<br />

O acórdão recorrido afirmou que a colônia de férias não é destinada às finalidades<br />

essenciais do sindicato, para se chegar a entendimento diverso seria necessário o<br />

reexame dos fatos e das provas que permeiam a lide, prática inadmissível no recurso extraordinário:<br />

incide a Súmula 279.<br />

Nego seguimento ao recurso extraordinário (art. 557, caput, do Código de Processo<br />

Civil).<br />

Alegam os Agravantes, em síntese, que não se trata de matéria de fato ou<br />

revolvimento de provas, e que “a colônia de férias não é destinada às finalidades<br />

essenciais, mas, está com elas relacionadas, pois dela decorre, e por causa dela é<br />

que existe, isto nos exatos termos da CLT”.<br />

E acrescentam que é “evidente a violação da doutrina contida na Súmula<br />

724 do C. STF, que reconhece ao imóvel da entidade sindical a imunidade ainda<br />

que o patrimônio seja destinado à renda de aluguéis destinada à entidade sindical<br />

(...)” (fl. 638).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não têm razão os Agravantes.<br />

Como já mencionei na decisão agravada, o acórdão recorrido afirmou que a<br />

colônia de férias não é destinada às finalidades essenciais do sindicato. Para<br />

chegar a entendimento diverso seria necessário o reexame dos fatos e das provas<br />

que permeiam a lide, inadmissível no recurso extraordinário.<br />

A Súmula 724 não se aplica ao caso dos autos.<br />

Nego provimento ao agravo regimental: é o meu voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

RE 245.093-AgR/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Agravantes:<br />

Sindicato dos Empregados Vendedores e Viajantes do Comércio no Estado<br />

de São Paulo e outros (Advogados: Nivaldo Pessini e outros e Leonaldo Silva).<br />

Agravado: Município da Estância Balneária de Praia Grande (Advogada: Maria<br />

Inez Barros Nowill Mariano).<br />

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário,<br />

nos termos do voto do Relator. Unânime. Não participou, justificadamente,<br />

deste julgamento o Ministro Marco Aurélio. Ausente, justificadamente,<br />

o Ministro Carlos Britto.


R.T.J. — 202 821<br />

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros<br />

Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Ausente, justificadamente,<br />

o Ministro Carlos Britto. Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo<br />

Janot.<br />

Brasília, 14 de novembro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


822<br />

R.T.J. — 202<br />

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO<br />

EXTRAORDINÁRIO 255.147 — SP<br />

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence<br />

Agravante: Município de Paulínia — Agravada: Petrogaz Distribuidora S.A.<br />

I - Controle incidente de constitucionalidade de normas: Reserva<br />

de Plenário (CF, art. 97): Viola o dispositivo constitucional o<br />

acórdão proferido por órgão fracionário, que declara a inconstitucionalidade<br />

de lei, sem que haja declaração anterior proferida<br />

por órgão especial ou plenário.<br />

II - Recurso extraordinário: Limitação temática às questões<br />

suscitadas na interposição.<br />

O juízo de conhecimento do recurso extraordinário, como é<br />

da sua natureza, circunscreve-se às questões suscitadas na sua<br />

interposição: Não aventada nesta a nulidade do acórdão recorrido,<br />

que teria declarado a inconstitucionalidade de lei, sem observância<br />

do art. 97 da Constituição, é impossível conhecer do recurso<br />

para declarar o vício não alegado.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda<br />

Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade de votos, negar provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário,<br />

nos termos do voto do Relator.<br />

Brasília, 2 de março de 2007 — Sepúlveda Pertence, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É este o teor da decisão agravada:<br />

Recurso extraordinário, a, de acórdão do Primeiro <strong>Tribunal</strong> de Alçada Civil do<br />

Estado de São Paulo que julgou inconstitucional o art. 3º da Lei Municipal 1.182/89,<br />

assim ementado:<br />

“Imposto – IVVC – Município de Campinas – Inconstitucionalidade da Lei<br />

Municipal 1.182/89, pela inexistência de lei complementar que defina o tributo –<br />

hipótese, ademais, de comércio por atacado, em oposição à venda a varejo, não<br />

incidindo, por conseqüência, o IVV – Embargos à execução fiscal procedentes –<br />

Recursos improvidos”.<br />

Alega o recurso extraordinário, em síntese, a violação do art. 156, III, da Constituição<br />

<strong>Federal</strong> e dos arts. 7º e 34, § 1º, do ADCT.<br />

Decido.<br />

O acórdão recorrido resultou de julgamento de órgão fracionário e não consta<br />

nos autos notícia de declaração de inconstitucionalidade proferida por órgão especial ou<br />

plenário. Portanto, tal pleito só poderia prosperar se observado o princípio constitucional<br />

da reserva de plenário.


R.T.J. — 202 823<br />

Assim, fundado o recurso extraordinário no permissivo constitucional da alínea<br />

a, deveria o Recorrente suscitar violação do art. 97 da Constituição (v.g., RE 273.672-<br />

AgR, 3-9-02, Primeira Turma, Ellen Gracie), o que não ocorreu no caso; e, fundado na<br />

alínea b, necessária seria a indicação do incidente de inconstitucionalidade julgado pelo<br />

órgão plenário ou especial do <strong>Tribunal</strong> a quo, ou de precedente do Pleno do STF, o que<br />

também não ocorreu no caso (v.g., AI 351.042-AgR, 10-9-02, Segunda Turma, Gilmar<br />

Mendes).<br />

É impossível conhecer do recurso para reconhecer o vício não alegado, pois,<br />

como é da sua natureza, o recurso extraordinário circunscreve-se às questões suscitadas<br />

na sua interposição (v.g., RE 140.395, 4-4-95, Primeira Turma, Sepúlveda Pertence).<br />

Nego seguimento ao recurso extraordinário (art. 557, caput, do Código de Processo<br />

Civil).<br />

Alega o Agravante, em síntese, que é “dispensável a remessa dos autos ao<br />

órgão especial ou Plenário da Corte a quo, ante o pronunciamento anterior sobre<br />

o tema e de acordo com o disposto no art. 481, parágrafo único, do Código de<br />

Processo Civil” (fl. 896).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não tem razão o Agravante.<br />

Como já mencionei na decisão agravada, o acórdão recorrido resultou de<br />

julgamento de órgão fracionário, assim, tal pleito só poderia prosperar se observado<br />

o princípio constitucional da reserva de plenário. E fundado o recurso<br />

extraordinário no permissivo constitucional da alínea a, deveria o Recorrente<br />

suscitar violação do art. 97 da Constituição (v.g., RE 273.672-AgR, 3-9-02, Primeira<br />

Turma, Ellen Gracie), o que não ocorreu no caso.<br />

O Agravante alega que “a matéria da inconstitucionalidade da Lei Municipal<br />

1.182/89 já foi sedimentada quando do julgamento e competente trânsito em<br />

julgado da Argüição de Inconstitucionalidade sob nº 446.641/8-01 (...)”, entretanto<br />

não consta nos autos notícia desta declaração de inconstitucionalidade<br />

proferida por órgão especial ou plenário.<br />

Nego provimento ao agravo regimental: é o meu voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

RE 255.147-AgR/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Agravante:<br />

Município de Paulínia (Advogada: Reimy Helena Rosim Sundfeld Tella Ferreira).<br />

Agravada: Petrogaz Distribuidora S.A. (Advogados: Expedito Ramalho de Alencar<br />

e outra).<br />

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário,<br />

nos termos do voto do Relator. Unânime. Ausentes, justificadamente,<br />

os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto.


824<br />

R.T.J. — 202<br />

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros<br />

Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Ausentes, justificadamente, os Ministros<br />

Marco Aurélio e Carlos Britto. Subprocurador-Geral da República, Dr.<br />

Rodrigo Janot.<br />

Brasília, 2 de março de 2007 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


R.T.J. — 202 825<br />

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO<br />

EXTRAORDINÁRIO 367.192 — PB<br />

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau<br />

Agravante: Banco do Brasil S.A. — Agravado: Município de João Pessoa<br />

Agravo regimental no recurso extraordinário. Agências<br />

bancárias. Tempo de atendimento ao público. Competência. Município.<br />

Art. 30, I, CB/88.<br />

1. Ao legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas<br />

agências bancárias estabelecidas em seu território, o Município<br />

exerceu competência a ele atribuída pelo artigo 30, I, da CB/88.<br />

2. Matéria de interesse local.<br />

Agravo regimental improvido.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Celso de<br />

Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do<br />

voto do Relator.<br />

Brasília, 4 de abril de 2006 — Eros Grau, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Tem este teor a decisão proferida no recurso<br />

extraordinário (fl. 197):<br />

Decisão: Cuida-se de recurso extraordinário interposto contra decisão proferida<br />

pelo <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado da Paraíba, assim ementada (fl. 139):<br />

“Mandado de segurança. Lei Municipal nº 8.744/98, que regula o limite<br />

de tempo máximo para o atendimento aos usuários. Inconstitucionalidade. Concessão<br />

do mandamus. Remessa oficial e apelação cível. Desprovimento.<br />

O Egrégio <strong>Tribunal</strong> Pleno desta Corte, no julgamento da Argüição de<br />

Inconstitucionalidade nº 2001.000390-5, entendeu que a norma inserta na Lei<br />

Municipal nº 8.744/98 agride os dispositivos consagrados na Carta Magna de<br />

1988.”<br />

2. Aduz o Recorrente negativa de vigência aos arts. 30, I; e 192, IV, da Constituição<br />

do Brasil.<br />

3. Com efeito, a decisão recorrida merece ser reformada.<br />

4. Observe-se que o Município de João Pessoa, ao legislar sobre os setores de<br />

atendimento ao público em agências bancárias, a fim de evitar a permanência de clientes<br />

em filas prolongadas, o fez conforme competência que lhe é atribuída pelo art. 30, I, da<br />

CB/88.<br />

5. A matéria diz respeito, evidentemente, a interesse local, restando descaracterizada<br />

a transgressão da competência constitucionalmente atribuída ao Congresso Nacional<br />

para legislar sobre matéria financeira e sobre o funcionamento de instituições financeiras.<br />

O assunto tampouco diz respeito à estruturação do sistema financeiro nacional<br />

previsto no art. 192 da CB/88.<br />

Ante o exposto, com base no art. 557, 1º-A, do Código de Processo Civil, dou<br />

provimento ao recurso.


826<br />

R.T.J. — 202<br />

2. Contra essa decisão foi interposto o presente agravo regimental, no qual<br />

a parte recorrente sustenta ser competência exclusiva da União disciplinar a<br />

questão relativa ao tempo de atendimento ao público nas agências bancárias.<br />

3. Requer o provimento do agravo regimental.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não assiste razão ao Agravante. O Município,<br />

ao legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias<br />

estabelecidas no respectivo território, exerceu competência a ele atribuída<br />

pelo art. 30, inciso I, da Constituição do Brasil.<br />

2. O tema diz respeito a interesse local do Município, matéria que não se<br />

confunde com a atinente às atividades-fim das instituições financeiras. Ademais,<br />

incluem-se no âmbito dos assuntos de interesse local os relativos à proteção do<br />

consumidor. Vale mesmo dizer: o Município está vinculado pelo dever de dispor<br />

sobre a questão, no plano local.<br />

3. A lei municipal não dispôs sobre política de crédito, câmbio, seguros e<br />

transferência de valores – art. 22, inciso VII, da CB/88. Também não regulou a<br />

organização, o funcionamento e as atribuições de instituições financeiras. Limitou-se<br />

a impor regras tendentes a assegurar adequadas condições de atendimento<br />

ao público na prestação de serviços, por essas instituições, ao consumidor/cliente.<br />

4. Não envolve transgressão da competência reservada ao Congresso Nacional<br />

pelo art. 48, inciso XIII, da Constituição do Brasil, para dispor sobre matéria<br />

financeira e funcionamento de instituições financeiras. Também não diz respeito<br />

à estruturação do sistema financeiro nacional, matéria que, nos termos do disposto<br />

no art. 192 da CB/88, há de ser regulada por lei complementar.<br />

5. Ao pronunciar-se sobre matéria semelhante, este <strong>Tribunal</strong> assentou a<br />

competência do Município para legislar sobre o atendimento ao público no interior<br />

de agências bancárias, por se tratar de questão vinculada a interesse local.<br />

Nesse sentido: RE 312.050, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 6-5-05; e<br />

RE 208.383, Relator o Ministro Néri da Silveira, DJ de 7-6-99.<br />

Nego provimento ao agravo regimental.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

RE 367.192-AgR/PB — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante: Banco do<br />

Brasil S.A. (Advogados: Patrícia Netto Leão e outros). Agravado: Município de<br />

João Pessoa (Advogados: Aluisio Lundgren Corrêa Regis e outros).<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de<br />

agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento,<br />

o Ministro Joaquim Barbosa.


R.T.J. — 202 827<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Gilmar Mendes e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim<br />

Barbosa. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.<br />

Brasília, 4 de abril de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


828<br />

R.T.J. — 202<br />

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO<br />

EXTRAORDINÁRIO 394.167 — SP<br />

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence<br />

Agravante: Banco Central do Brasil — Agravada: FNC – Comércio e Participações<br />

Ltda.<br />

I - Recurso extraordinário: Em se tratando de declaração de<br />

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no caso de artigos<br />

da Lei 8.024/90, o permissivo constitucional pertinente para fundamentar<br />

o recurso extraordinário é o da alínea b, que não dispensa<br />

a juntada aos autos da cópia do inteiro teor do incidente de<br />

inconstitucionalidade julgado pelo órgão plenário e citado pelo<br />

acórdão recorrido, uma vez que é contra a sua fundamentação que<br />

se volta o recurso extraordinário. Precedente.<br />

II - Recurso extraordinário: Descabimento: Questão relativa<br />

ao índice cabível quando do resgate de títulos (BTNs) que, além de<br />

situada no âmbito infraconstitucional, demandaria o reexame de<br />

claúsulas contratuais, ao que não se presta o extraordinário: Incidência,<br />

mutatis mutandis, da Súmula 636 e da Súmula 454.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda<br />

Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade de votos, negar provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário,<br />

nos termos do voto do Relator.<br />

Brasília, 2 de março de 2007 — Sepúlveda Pertence, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É este o teor da decisão agravada (fls.<br />

650-651):<br />

Recurso extraordinário, a e b, contra acórdão do <strong>Tribunal</strong> Regional <strong>Federal</strong> da 3ª<br />

Região, assim ementado (fls. 352-353):<br />

“Constitucional. Tributário. Mandado de segurança. Resgate de BTN’s<br />

cambiais. Art. 5º da Lei nº 7.777/89. Circulares nº 1.642/90 e 1.694/90 do Bacen<br />

e Lei nº 8.088/90. Inaplicabilidade. IOF. Lei nº 8.033/90. Art. 1º, inciso I.<br />

Inconstitucionalidade.<br />

- Preliminares de ilegitimidade passiva do Banco Central do Brasil, decadência<br />

do direito à impetração e carência da ação rejeitadas.<br />

- Adquiridos os BTN’s sob a égide da Lei nº 7.777/89, que previa expressamente<br />

em seu artigo 5º, a atualização de seu valor nominal a ser efetuado<br />

mensalmente pelo IPC, tem o adquirente direito ao resgate com referida atualização,<br />

sob pena de ofensa aos princípios constitucionais garantidores do direito<br />

adquirido e ato jurídico perfeito (C.F. art. 5º, XXXVI).


R.T.J. — 202 829<br />

- Impossibilidade de aplicação da Lei nº 8.088/90, a qual determinou a<br />

IRVF como índice de atualização dos BTN’s na data de seu resgate, pois estes<br />

foram adquiridos sob a égide da Lei nº 7.777/89, quando o índice vigente era o<br />

IPC.<br />

- Inaplicabilidade, outrossim, das Circulares nº 1.642/90 e 1694/90 do<br />

Banco Central do Brasil, expedidas em complementação ao artigo 7º da Lei nº<br />

8.024/90, pois o Plenário deste <strong>Tribunal</strong>, no julgamento da Argüição de<br />

Inconstitucionalidade na AMS 90.03.32117-9, declarou a inconstitucionalidade<br />

dos artigoss. 5º, 6º, 7º, 8º e 9º da referida lei.<br />

- Inconstitucionalidade do inciso I do artigo 1º da Lei nº 8.033/90 declarada<br />

pelo Plenário desta Corte.<br />

- Preliminares rejeitadas. Apelações e remessa oficial improvidas”.<br />

Lê-se ainda do voto condutor do acórdão (fl. 356):<br />

“De outra parte, não há que se aplicar a atualização com base na variação<br />

cambial, pois optou expressamente pela correção monetária pelo IPC, nos termos<br />

das Portarias nº 147/89 e 170/89 expedidas pelo Ministério da Fazenda.”<br />

Alega o recurso extraordinário do Banco Central do Brasil violação do art. 5º,<br />

XXXVI, da Constituição, sob o argumento de que constitucionais as normas do art. 7º da<br />

Lei 8.024/90, bem como inquestionável a incidência imediata da Lei 8.088/90, que<br />

determina a atualização do BTNs pelo índice de Reajuste de Valores Fiscais (IRVF).<br />

Decido.<br />

Inviável o recurso extraordinário. Com relação à declaração de inconstitucionalidade<br />

dos artigos da Lei 8.024/90, tal pleito só poderia prosperar se observado o<br />

princípio constitucional da reserva de plenário, pois o acórdão recorrido resultou de<br />

julgamento de órgão fracionário e não consta nos autos a cópia do incidente de inconstitucionalidade<br />

citado no julgado, peça obrigatória nos termos da jurisprudência deste<br />

<strong>Tribunal</strong> (v.g., o RE 148.837-AgR, 30-11-93, Primeira Turma, Moreira).<br />

Assim, fundado o recurso extraordinário no permissivo constitucional da alínea a,<br />

deveria o Recorrente suscitar violação do art. 97 da Constituição (v.g., RE 273.672-<br />

AgR, 3-9-02, Primeira Turma, Ellen Gracie), o que não ocorreu no caso; e, fundado na<br />

alínea b, necessária seria a juntada do acórdão proferido no incidente de inconstitucionalidade<br />

julgado pelo órgão plenário ou especial da Corte a quo, ou de precedente do<br />

Pleno do STF, o que também não ocorreu no caso (v.g., AI 351.042-AgR, 10-9-02,<br />

Segunda Turma, Gilmar Mendes).<br />

É impossível conhecer do recurso para reconhecer o vício não alegado, pois,<br />

como é da sua natureza, o recurso extraordinário circunscreve-se às questões suscitadas<br />

na sua interposição (v.g., RE 140.395, 4-4-95, Primeira Turma, Sepúlveda Pertence).<br />

Ademais, quanto ao índice cabível quando do resgate dos títulos (BTNs), além de<br />

situar-se no âmbito infraconstitucional, a questão trazida pelo Agravante demandaria o<br />

reexame de cláusulas contratuais, ao que não se presta o recurso extraordinário:<br />

incidem, mutatis mutandis, a Súmula 636 e a Súmula 454 (RE 232.962, 11-5-99,<br />

Primeira Turma, Ilmar Galvão; AI 225.357-AgR, Segunda Turma, Néri da Silveira,<br />

DJ de 4-6-99).<br />

Nego seguimento ao recurso (art. 557, caput, do Código de Processo Civil).<br />

Alega o Agravante, em suma, o seguinte (fls. 657-658):<br />

(...) não houve qualquer violação ao art. 97 da Constituição <strong>Federal</strong> porque<br />

a Sexta Turma do TFR da 3ª Região fundou a declaração de inconstitucionalidade<br />

em precedente do Plenário daquele <strong>Tribunal</strong>. (...) Tanto é assim que até<br />

mesmo a ementa do acórdão da Sexta Turma do TRF da 3ª Região se reporta à<br />

decisão do plenário. (...) Em outras palavras, ainda que não conste dos autos o<br />

inteiro teor da decisão do plenário do TRF da 3ª região que declarou a inconstitucionalidade<br />

artigos das leis 8.024/90 e 8.033/90 (o que acabou por inviabilizar<br />

o RE fundado na alínea “b” do inciso III do art. 102 da CF), o recurso extraordinário<br />

do Banco Central do Brasil tem viabilidade com fulcro na alínea “a” do<br />

inciso III do art. 102 da CF, pois houve violação ao art. 5º, XXXVI, da CF (mas<br />

não ao art. 97 da CF).<br />

É o relatório.


830<br />

R.T.J. — 202<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Em se tratando de declaração<br />

de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no caso de artigos da Lei<br />

8.024/90, ainda que não haja violação do art. 97 da Constituição, o permissivo<br />

constitucional pertinente para fundamentar o recurso extraordinário é o da alínea<br />

b, que não dispensa a juntada aos autos da cópia do inteiro teor do incidente de<br />

inconstitucionalidade julgado pelo órgão plenário e citado pelo acórdão recorrido,<br />

uma vez que é contra a sua fundamentação que se volta o recurso extraordinário<br />

(v.g., RE 148.837-AgR, Primeira Turma, 30-11-93, Moreira).<br />

Nego provimento ao agravo regimental: é o meu voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

RE 394.167-AgR/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Agravante:<br />

Banco Central do Brasil (Advogado: Procurador-Geral do Banco Central do Brasil).<br />

Agravada: FNC – Comércio e Participações Ltda. (Advogados: Leo Krakowiak<br />

e outros).<br />

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário,<br />

nos termos do voto do Relator. Unânime. Ausentes, justificadamente,<br />

os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto.<br />

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão o Ministro<br />

Ricardo Lewandowski e a Ministra Cármen Lúcia. Ausentes, justificadamente, os<br />

Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto. Subprocurador-Geral da República, Dr.<br />

Rodrigo Janot.<br />

Brasília, 2 de março de 2007 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


R.T.J. — 202 831<br />

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO<br />

EXTRAORDINÁRIO 422.228 — RJ<br />

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio<br />

Agravante: Caixa Econômica <strong>Federal</strong> – CEF — Agravado: Edson Ferreira<br />

de Magalhães<br />

Recurso extraordinário – Decisão de Turma Recursal. O<br />

acesso ao <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> pressupõe o esgotamento da<br />

jurisdição na origem. Acionado pelo Relator integrante da Turma<br />

Recursal o disposto no art. 557 do Código de Processo Civil, há de<br />

ser manuseado o agravo nele previsto, instando-se a própria Turma<br />

a apreciar o tema e a prolatar decisão passível de ser impugnada<br />

perante o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda<br />

Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade, negar provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário.<br />

Brasília, 23 de novembro de 2004 — Marco Aurélio, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Por meio da decisão de fl. 154, neguei seguimento<br />

ao extraordinário, consignando:<br />

Recurso extraordinário – Decisão passível de impugnação na origem – Impropriedade.<br />

1. O recurso extraordinário pressupõe o esgotamento da jurisdição na origem –<br />

inciso III do art. 102 da Constituição <strong>Federal</strong>. Nota-se que a Relatora, na Turma Recursal,<br />

acionou o disposto no art. 557 do Código de Processo Civil. Contra essa decisão era<br />

cabível o agravo previsto no § 1º do citado art. 557. No caso, foi realmente observada esta<br />

regra. A Relatora, todavia, recebeu o agravo como embargos declaratórios e os julgou,<br />

passando tal decisão a integrar a anterior. Surgiu oportunidade, então, para acionar-se o<br />

§ 1º referido. Isso não ocorreu, interpondo-se, de imediato, o extraordinário.<br />

2. Ante o quadro, nego seguimento a este extraordinário.<br />

3. Publique-se.<br />

A Caixa, no agravo de fls. 157 a 161, evoca as Leis 9.099/95 e 10.259/01,<br />

além dos Verbetes 25 e 26 das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de<br />

Janeiro, e sustenta que os recursos, no âmbito do Juizado, ficaram limitados ao<br />

recurso de sentença definitiva e às medidas de urgência para atacar liminares.<br />

Restou autorizada, ainda, a utilização de embargos de declaração. Na espécie, a<br />

Recorrente diz ter protocolado dois agravos inominados: um contra a sentença e<br />

o outro contra a decisão do Relator. Transcreve os Verbetes 25 e 26 citados. No<br />

primeiro, há autorização para o Relator negar seguimento ao recurso; no segundo,<br />

prevê-se o não-cabimento de agravo para a Turma Recursal, na hipótese de decisão


832<br />

R.T.J. — 202<br />

monocrática do Relator. Dessa forma, conclui, não havendo outro recurso, a decisão<br />

impugnada era de última instância, mostrando-se viável o extraordinário.<br />

Passa a discorrer sobre o tema de fundo, relativo à impossibilidade de se proceder à<br />

anulação do termo de adesão, conforme ocorrido no âmbito do juizado especial.<br />

O Agravado, apesar de instado a manifestar-se, permaneceu silente (fl. 170).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na interposição deste agravo, foram<br />

observados os pressupostos de recorribilidade que lhe são inerentes. A peça,<br />

subscrita por profissional da advocacia credenciada mediante o documento de fl.<br />

162, restou protocolada no qüinqüídio. Conheço.<br />

A regência do processo nos juizados especiais faz-se no sentido de, tanto<br />

quanto possível, simplificar-se a tramitação, afastadas normas que têm conteúdo<br />

formal maior. Daí entender-se viável, na Turma Recursal, a evocação do disposto<br />

no art. 557 do Código de Processo Civil, atuando o próprio Relator nos casos<br />

contemplados. Ora, assentada essa premissa, forçoso é concluir que o ato do<br />

Relator não pode ficar imune ao crivo do colegiado. Na hipótese de recurso<br />

inominado para a Turma Recursal e a ele sendo negada seqüência pelo Relator,<br />

ou julgado a partir do mencionado artigo do Código de Processo Civil, abre-se a<br />

via do agravo e este, no caso, não foi apresentado. Então, a decisão não se mostrou<br />

de última instância. Não houve o esgotamento da jurisdição na origem e, se<br />

pertinente o exame do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, dar-se-á a quebra do próprio<br />

sistema, vindo a Corte a fazer as vezes da Turma Recursal, apreciando o acerto, ou<br />

desacerto, não de sentença por esta proferida, mas do ato monocrático.<br />

Desprovejo este agravo.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

RE 422.228-AgR/RJ — Relator: Ministro Marco Aurélio. Agravante: Caixa<br />

Econômica <strong>Federal</strong> – CEF (Advogados: Alison Miranda de Freitas e outros).<br />

Agravado: Edson Ferreira de Magalhães (Advogado: Delglan Vianna Ferreira).<br />

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário.<br />

Unânime.<br />

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros<br />

Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-<br />

Geral da República, Dra. Delza Curvello Rocha.<br />

Brasília, 23 de novembro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


R.T.J. — 202 833<br />

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 447.584 — RJ<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Recorrente: Jornal do Brasil S.A. — Recorrido: José Paulo Bisol<br />

Indenização. Responsabilidade civil. Lei de Imprensa. Dano<br />

moral. Publicação de notícia inverídica, ofensiva à honra e à boa<br />

fama da vítima. Ato ilícito absoluto. Responsabilidade civil da<br />

empresa jornalística. Limitação da verba de vida, nos termos do<br />

art. 52 da Lei 5.250/67. Inadmissibilidade. Norma não recebida<br />

pelo ordenamento jurídico vigente. Interpretação do art. 5º, IV, V,<br />

IX, X, XIII e XIV; e art. 220, caput e § 1º, da CF de 1988. Recurso<br />

extraordinário improvido. Toda limitação, prévia e abstrata, ao<br />

valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade,<br />

é incompatível com o alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada<br />

pela atual Constituição da República. Por isso, já não vige<br />

o disposto no art. 52 da Lei de Imprensa, o qual não foi recebido<br />

pelo ordenamento jurídico vigente.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Celso de<br />

Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade de votos, conhecer do recurso extraordinário, mas lhe negar provimento,<br />

nos termos do voto do Relator. Falou, pelo Recorrido, o Dr. Carlos<br />

Henrique de Carvalho Fróes. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o<br />

Ministro Joaquim Barbosa.<br />

Brasília, 28 de novembro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de recurso extraordinário interposto<br />

contra acórdão da Quinta Câmara Cível do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Rio de Janeiro,<br />

cuja ementa reza:<br />

Responsabilidade civil. Publicação jornalística. Notícias falaciosas destinadas a<br />

desestabilizar candidatura. configuração do dano moral. Indenização não mais tarifada.<br />

Integral manutenção de sentença de procedência do pedido.<br />

Mostra-se configurado o dano moral sofrido, em conseqüência da divulgação de<br />

notícias falaciosas, com a nítida intenção de desestabilizar candidatura da pessoa atingida,<br />

seja por invadir a esfera íntima de sua personalidade – que há de ser resguardada e não<br />

pode ser alvo de comentários vulgares – sem qualquer outro interesse imaginável que<br />

não seja o de achincalhar e desacreditar o candidato perante a opinião pública, em plena<br />

campanha eleitoral. Com a modificação do sistema normativo da denominada Lei de<br />

Imprensa, não mais se acha prevista a indenização tarifada, segundo entendimento do<br />

Egrégio <strong>Tribunal</strong> Superior de Justiça.<br />

(Fls. 649/650.)


834<br />

R.T.J. — 202<br />

O acórdão tem origem em ação de indenização por danos morais, ajuizada<br />

pelo ora Recorrido, que alega ter o jornal, ora Recorrente, publicado notícias<br />

onde foi veiculada “uma série de acusações falaciosas e inverídicas com intuito<br />

explícito de denegrir a imagem pública do autor, então candidato a Vice-Presidência<br />

da República” (fl. 3).<br />

Nas instâncias ordinárias, o pedido foi julgado procedente, para condenar o<br />

Recorrente ao pagamento de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) a título de indenização.<br />

Interposta apelação, negou-lhe provimento o acórdão impugnado (fls.<br />

649/650).<br />

Contra tal decisão foram interpostos recursos especial e extraordinário. O<br />

primeiro não foi conhecido pelo Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça (fl. 791). Ao segundo<br />

o <strong>Tribunal</strong> a quo negou-lhe seguimento, mas, interposto agravo de instrumento,<br />

determinei a subida dos autos para melhor exame (fl. 374).<br />

O Recorrente alega, com base no art. 102, III, a, da Constituição da República,<br />

violação ao disposto no seu art. 5º, incisos V e X. Requer, assim, o provimento<br />

do recurso, a fim de que seja reduzido o “valor da condenação aos termos da Lei<br />

de Imprensa (artigos 51 e 52), cuja vigência não foi maculada pela edição da<br />

Constituição <strong>Federal</strong> de 1988” (fls. 740/741).<br />

É o breve relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. O objeto último deste recurso está<br />

em saber se, negando aplicação ao art. 52 da Lei federal 5.250, de 9 de fevereiro<br />

de 1967, que, como previsão de limite de cálculo da verba indenizatória por dano<br />

moral, já não subsistiria perante o art. 5º, incisos V e X, da vigente Constituição<br />

da República, teria o acórdão violado estas normas constitucionais.<br />

2. Já não vige deveras, ou, segundo reza outra doutrina de igual conseqüência<br />

prática, perdeu seu fundamento de validez, a norma inserta no art. 52 da Lei<br />

5.250, de 1967, porque, incompatível com o alcance das regras estatuídas no art.<br />

5º, V e X, da atual Constituição da República, não foi por esta recebida.<br />

E não custa demonstrá-lo.<br />

Já ninguém tem dúvida de que, pondo termo às controvérsias inspiradas no<br />

silêncio (não eloqüente) do ordenamento anterior, essas regras constitucionais<br />

consagraram de modo nítido e muito mais largo, no plano nomológico supremo,<br />

o princípio da indenizabilidade irrestrita do chamado dano moral, concebendoo,<br />

numa síntese, como ofensa ao direito da personalidade, sob cuja definição,<br />

vem considerado, no plano da experiência pré-normativa, não só todo gravame<br />

não patrimonial subjetivo, que diz com sensações dolorosas ou aflitivas, inerentes<br />

ao sofrimento advindo da lesão a valores da afetividade, senão também o<br />

chamado prejuízo não patrimonial objetivo, que concerne à depreciação da imagem<br />

da pessoa como modo de ser perante os outros. No primeiro caso, a concepção<br />

normativa tende a preservar os elementos introspectivos da personalidade


R.T.J. — 202 835<br />

humana e, no segundo, a consciência da dignidade pessoal, como alvo da estima<br />

e da consideração alheias. Por isso se traduz e resume na previsão de específica<br />

tutela constitucional da dignidade humana, do ponto de vista de um autêntico<br />

direito à integridade ou à incolumidade moral, pertencente à classe dos direitos<br />

absolutos.<br />

Ora, a primeira questão do procedimento metodológico em que se desdobra<br />

a investigação analítica do tema central deste recurso está em saber se tal princípio<br />

encontra, já a título de definição de sua esfera de eficácia, entre as limitações<br />

próprias da estrutura da norma que o condensa, alguma restrição apriorística ao<br />

valor reparatório do dano moral, em qualquer de suas modalidades, ou seja, se o<br />

âmbito de proteção da norma garantidora do direito à integridade moral, que<br />

constitui o objeto último da tutela, é encurtado por algum limite prévio e abstrato<br />

ao valor da reparação pecuniária do mesmo dano.<br />

Aqui, a resposta é evidentemente negativa. Na fisionomia normativa da<br />

proteção do direito à integridade moral, ao qual serve o preceito de reparabilidade<br />

pecuniária da ofensa, a vigente Constituição da República não contém de modo<br />

expresso, como o exigiria a natureza da matéria, nem implícito, como se concede<br />

para argumentar, nenhuma disposição restritiva que, limitando o valor da indenização<br />

e o grau conseqüente da responsabilidade civil do ofensor, caracterizasse<br />

redução do alcance teórico da tutela. A norma garantidora, que nasce da conjugação<br />

dos textos constitucionais (art. 5º, V e X), é, antes, nesse aspecto, de<br />

cunho irrestrito.<br />

A pergunta subseqüente, de certo modo, implicada na primeira, é se a Constituição,<br />

posto não restringindo o valor indenizatório, autorizaria, com o mesmo<br />

resultado prático, de maneira expressa ou não, o preestabelecimento de limites<br />

por mediação de lei subalterna, que, para acomodar sua força restritiva a outros<br />

postulados sistemáticos, deveria atender aos requisitos constitucionais da<br />

restringibilidade legítima, sobretudo aos postulados da proibição de excessos e<br />

do resguardo ao conteúdo essencial do direito fundamental tutelado. 1<br />

Noutras palavras, abrigaria a Constituição, ainda quando por modo indireto,<br />

cláusula da chamada reserva de lei restritiva, à qual autorizasse, por esse artifício,<br />

reduzir o âmbito teórico da tutela?<br />

E, aqui, também é não menos negativa a resposta, porque o princípio por<br />

observar é que, se lho não autoriza a Constituição expressis verbis, não pode lei<br />

alguma restringir direitos, liberdades e garantias constitucionais. Tal como no<br />

1 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1993,<br />

p. 352-355, n. 11; GOMES CANOTILHO, J. J. Direito constitucional. 4. ed. Coimbra:<br />

Almedina, 1986, p. 482 et seq.; MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra:<br />

Coimbra, 1988, t. IV/307-309, n. 64. Sobre a distinção entre o postulado da proporcionalidade,<br />

em que se investigam os aspectos da necessidade, da adequação e da proporcionalidade em<br />

sentido estrito, e o postulado da proibição de excesso, que convém a situações em que se<br />

discuta eventual restrição imoderada de direito fundamental, ver, por todos, ÁVILA, Humberto.<br />

Teoria dos princípios. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 133-137.


836<br />

R.T.J. — 202<br />

Direito português e pelas mesmíssimas e irrespondíveis razões, a Constituição<br />

brasileira “individualizou expressamente os direitos sujeitos a reserva de lei<br />

restritiva”. 2<br />

E, supondo-se por epítrope que o autorizasse a Constituição, ter-se-ia ainda<br />

de indagar se o art. 52 da Lei 5.250, de 1967, não sucumbiria ao contraste com o<br />

postulado da proporcionalidade, o qual impõe à lei restritiva que seja necessária,<br />

adequada e proporcional. 3<br />

Ora, abstraindo-se que o grau das restrições à inviolabilidade pessoal sobrepuja<br />

o fim normativo de tutela da liberdade da imprensa, parece evidente que,<br />

pelo menos, não seria nem necessária (a indenização fixa-se por juízo prudencial),<br />

nem de justa medida, porque firma uma ficção reparatória ao estatuir limites<br />

prévios e abstratos à indenização, a qual, no extremo, estaria sempre a independer<br />

dos critérios concretos, próprios da valoração eqüitativa, cujo resultado, neste<br />

caso exemplar, bem demonstra toda a inconsistência da tese do ora Recorrente.<br />

Que significaria a este, em termos de eficácia da censura normativa, pagar apenas<br />

o valor correspondente a alguns salários mínimos? E ao ora Recorrido, o que lhe<br />

representaria, em termos de satisfação ética à afronta, recebê-lo? Evidentemente,<br />

quase nada.<br />

Não é só. Outra pergunta, envolvida no inquérito teórico, é se, à luz daquele<br />

outro postulado, tal limitação absoluta não sacrificaria o núcleo essencial do<br />

direito fundamental restringido.<br />

E vê-se logo que o sacrificaria, porque, na sua vigência hipotética como<br />

instância legal redutora da responsabilidade civil, aniquilaria toda a função<br />

satisfativa e dissuasória que constitui o cerne mesmo justificador da indenização<br />

garantida pela norma de escalão supremo, a qual perderia a razão de ser, em<br />

não se prestando a tutelar o direito subjetivo à incolumidade moral, pelo só fato<br />

de que o valor econômico do ressarcimento deixaria, em regra, de exprimir algum<br />

significado útil ao titular do mesmo direito.<br />

Descontadas as respostas anteriores, de si já decisivas à demonstração da<br />

incompatibilidade irremissível entre as normas superiores e a inferior, o procedimento<br />

metódico de resolução da questão jurídico-constitucional levaria a outra<br />

perquirição de não menor relevância e que está nisto: se, pressuposta a inexistência<br />

de ordem hierárquica entre os direitos fundamentais, não teria de outro modo<br />

a Constituição, ao proteger a liberdade de imprensa como direito de igual valor<br />

nomológico, introduzido regra cuja incidência provocaria colisão ou conflito<br />

entre direitos fundamentais, no sentido de que, no conjunto estaria a tutelar, ao<br />

mesmo tempo, dois bens ou valores jurídicos pertencentes a sujeitos diversos e<br />

em estado de contradição concreta, de modo que a esfera de exercício de um<br />

interferiria na do outro?<br />

2 CANOTILHO, op. cit., p. 483-484.<br />

3 A respeito, cf. ÁVILA, Humberto, op. cit., p. 148-161.


R.T.J. — 202 837<br />

Não precisa relevar que a liberdade de expressão é sobremodo suscetível de<br />

colidir, em tese, com outros direitos fundamentais, designadamente com os elementares<br />

do chamado direito à incolumidade moral, consoante se dá na espécie.<br />

Considera a doutrina, aliás, como paradigmático de colisão entre direitos constitucionais,<br />

“o caso da liberdade de expressão ou de imprensa, quando se oponha<br />

à intimidade da vida privada, ao direito ao bom nome e à reputação”. 4<br />

Ora, a tratar-se de verdadeira hipótese de conflito entre valores constitucionais,<br />

a solução que lhe predicaria o método da concordância prática, segundo o<br />

qual deve o intérprete harmonizar os preceitos divergentes no quadro da compreensão<br />

unitária da Constituição, 5 parte do reconhecimento da natureza relativa da<br />

liberdade de imprensa como valor jurídico (na verdade, não há direitos absolutos<br />

na ordem jurídica), 6 cuja regulamentação constitucional, esta, sim, encontra limites<br />

textuais nas regras que, contra ela se protegem os valores da integridade moral,<br />

mediante, dentre outras, a estratégia normativa de prever a reparabilidade das conseqüências<br />

civis de sua violação (= indenização do dano moral).<br />

Mas implica outra idéia, a de que se não resolve conflito entre direitos fundamentais<br />

com o sacrifício prático de um deles, conforme o chamado princípio ou<br />

postulado do resguardo do núcleo essencial dos direitos, das liberdades e das<br />

garantias constitucionais.<br />

Este outro postulado, que concorre para definir o próprio campo de<br />

pertinência do critério da concordância prática, do qual está pré-eliminada a<br />

necessidade de sacrifício do núcleo substantivo de algum dos direitos (do contrário<br />

não se conceberia colisão entre eles), como seria, por exemplo, o tolher-se de<br />

modo absoluto a liberdade de imprensa, tem inteira aplicação ao caso.<br />

E tem-no, porque, a admitir por absurdo que, legitimando a restrição<br />

indenizatória da lei subalterna, a garantia constitucional da liberdade de imprensa<br />

significasse autorização para amesquinhar o valor pecuniário da indenização<br />

do dano moral, isso equivaleria a devorar todo o conteúdo significativo do direito<br />

à integridade moral, degradando-o ao nível de mera enunciação simbólica, ou<br />

arremedo de direito.<br />

Não é mister grande esforço intelectual por advertir em que o valor da<br />

indenização há de ser eficaz, vale dizer, deve, perante as circunstâncias históricas,<br />

entre as quais avulta a capacidade econômica de cada responsável, guardar<br />

uma força desencorajadora de nova violação ou violações, sendo como tal perceptível<br />

ao ofensor, e, ao mesmo tempo, de significar, para a vítima, segundo sua<br />

4 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa<br />

de 1976. Coimbra: Almedina, reimp., 1987, p. 220, n. 2.<br />

5 BONAVIDES, op. cit., p. 325; CANOTILHO, op. cit., p. 163, n. 5, e p. 496, n. 1; VIEIRA<br />

DE ANDRADE, op. cit., p. 222.<br />

6 Sobre a completa inadequação jurídica de se representar a liberdade de imprensa como<br />

direito ou valor absoluto e, como tal, capaz de se sobrepor a todos os direitos e valores, cf.<br />

COSTA ANDRADE, Manuel. Liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal. Coimbra:<br />

Coimbra, 1996, p. 45-46 e 166.


838<br />

R.T.J. — 202<br />

sensibilidade e condição sociopolítica, uma forma heterogênea de satisfação psicológica<br />

da lesão sofrida. Os bens ideais da personalidade, como a honra, a<br />

imagem, a intimidade da vida privada, não suportam critério objetivo com pretensões<br />

de validez universal, de mensuração do dano à pessoa. 7 Noutras palavras,<br />

a restituição do gravame a tais bens não é recondutível a uma escala econômica<br />

padronizada, análoga à das valorações relativas dos danos patrimoniais, pois<br />

tem outro sentido, como anota Windscheid, acatando opinião de Wachter: compensar<br />

a sensação de dor da vítima com uma sensação agradável em contrário (nota 31<br />

ao parág. 455 das “Pandette”, trad. Fadda e Bensa). Assim, tal paga em dinheiro deve<br />

representar para a vítima uma satisfação, igualmente moral ou, que seja, psicológica,<br />

capaz de neutralizar ou “anestesiar” em alguma parte o sofrimento impingido (...) A<br />

eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em<br />

justa medida, de modo que tampouco signifique um enriquecimento sem causa da<br />

vítima, mas está também em produzir no causador do mal, impacto bastante para dissuadi-lo<br />

de igual e novo atentado. Trata-se, então, de uma estimação prudencial.8<br />

Ora, limitações prévias que, despojadas de qualquer justificação lógica,<br />

desqualificam a importância estimativa da natureza, da gravidade e da repercussão<br />

da ofensa, bem como dos outros ingredientes pessoais do arbitramento (que é<br />

sempre obra de juízo de eqüidade), capitulados de modo legítimo, mas não<br />

exauriente pela lei (art. 53 da Lei 5.250, de 1967), tornam nula ou vã a proteção<br />

constitucional do direito à inviolabilidade moral e sacrificam-no em concreto.<br />

São imposições excessivas e arbitrárias, que mal se afeiçoam à vertente substantiva<br />

do princípio do justo processo da lei (substantive due process of law),<br />

que, na visão desta Corte, “atua como decisivo obstáculo à edição de atos<br />

legislativos de conteúdo arbitrário ou irrazoável”. 9<br />

Observe-se que à mesmíssima conclusão se chega de outro ângulo, o dos<br />

limites imanentes ao âmbito material das normas, o qual no fundo se reduz ao<br />

problema da configuração ou extensão objetiva dos direitos, ou, o que dá no<br />

mesmo, dos modos de seu exercício. Tal perspectiva metodológica ajusta-se à<br />

hipótese em que, a rigor, não há conflito ou colisão de direitos, simplesmente<br />

porque um deles não existe nos termos ou na amplitude em que é pensado dentro<br />

da situação supostamente conflitiva, onde não pode, pois, ser invocado a título<br />

de objeto de idêntica proteção constitucional. 10<br />

7 Cf. SCOGNAMIGLIO, Renato. Il danno morale. Rivista di Diritto Civile, Ano III, 1ª Parte,<br />

p. 295, n. 8, 1957.<br />

8 TJSP, Ap. 113.190-1, Rel. Des. Walter Moraes, RT 650/66, 1ª col.<br />

9 ÁVILA, Humberto, op. cit., p. 143. No mesmo sentido, para discussão da dimensão do<br />

princípio sob os aspectos da “razoabilidade” ou “racionalidade” das leis, cf. SIQUEIRA<br />

CASTRO, Carlos Roberto. O devido processo legal e os princípios da razoabilidade e da<br />

proporcionalidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 141-193 e 400 et seq. Para solução<br />

em termos de princípio da proporcionalidade, ver BONAVIDES, op. cit., p. 319, e LARENZ,<br />

Karl. Metodologia da ciência do direito. 1. ed. Lisboa: Fund. Calouste Gulbenkian, 1978, trad.<br />

de José de Souza e Brito e José António Veloso, p. 577-578.<br />

10 Cf. VIEIRA DE ANDRADE, op. cit., p. 216-219.


R.T.J. — 202 839<br />

É o esquema teorético que convinha e convém à decisão do caso, em cujos<br />

contornos a liberdade de imprensa, vista como direito subjetivo, aparece na sua<br />

dimensão portadora de limitação imanente, expressa e específica, oriunda da<br />

reserva constitucional aos direitos à inviolabilidade moral: é a própria Constituição<br />

que, demarcando o espaço normativo de abrangência da mesma liberdade,<br />

pré-exclui, por fórmulas inequívocas, mediante remissões textuais a outras normas<br />

suas, bem como imputação da responsabilidade civil e pressuposição da<br />

criminal, que seu exercício legítimo possa implicar lesão à honra, à reputação, à<br />

imagem, ou à intimidade alheias (art. 5º, IV, V, IX, X, XIII e XIV, e art. 220, caput<br />

e § 1º).<br />

Bastaria, aliás, a previsão constitucional da ilicitude civil de todo comportamento<br />

capaz de insultar esses valores da personalidade, objeto de tutela expressa,<br />

por concluir logo que, como ilícito, já transpõe as fronteiras normativas da liberdade<br />

de imprensa, coisa que se realça e confirma perante sua teórica e simultânea<br />

ilicitude penal, cujo reconhecimento está à raiz da idéia de abuso de direitos fundamentais,<br />

a que costuma recorrer a jurisprudência constitucional estrangeira,<br />

especial e “designadamente quando se considera que o exercício de um direito<br />

fundamental viola criminalmente um outro direito (direito à integridade pessoal,<br />

direito ao bom nome e reputação)”. 11<br />

A interpretação unitária das regras constitucionais evidencia, dessarte, que<br />

tal limitação é inerente ao recorte da própria esfera normativa da garantia da<br />

liberdade de imprensa, no sentido de que esta só pode exercida em sintonia com<br />

a Constituição e, portanto, só existe como direito, quando não ofenda os valores<br />

da intimidade e da incolumidade moral. Toda atividade exercida em nome da<br />

liberdade de expressão, mas com ofensa à honra e à reputação alheia, não é<br />

tolerada pela Constituição da República, porque se põe fora do domínio de<br />

proteção normativo-constitucional desse bem jurídico, ou, numa dicção menos<br />

congestionada, não faz parte dos comportamentos facultados pelo direito fundamental<br />

correlato. Trata-se de comportamento ilícito, não do exercício de um<br />

direito!<br />

Em síntese, por força de expressa e específica limitação imanente ao seu<br />

perfil normativo, segundo o diagrama que lhe traça a Constituição, a liberdade de<br />

imprensa não abrange poder jurídico de violentar o direito fundamental à honra,<br />

à boa fama e à intimidade das pessoas. É da sua condição de um dos direitos<br />

11 CANOTILHO, op. cit., p. 496, n. 1. Sobre esse critério, cf., ainda, VIEIRA DE ANDRADE,<br />

op. cit., p. 219, nota n. 11. A respeito dessa questão delicada dos limites contrafáticos da<br />

liberdade de imprensa à custa das sanções criminais e, em especial, sobre análogos limites<br />

normativos desse direito nas Constituições alemã, espanhola e portuguesa, cf. COSTA<br />

ANDRADE, op. cit., p. 47, 55-56, nota n. 107, e p. 76 et seq. Parece curial à nossa ordem<br />

jurídica, onde, como se lhes vê aos respectivos textos invocados, as próprias normas constitucionais<br />

não deixam dúvida de que o exercício da liberdade de imprensa não legitima atentados<br />

à inviolabilidade pessoal, esta sua observação: “Tal exercício é, pelo contrário, compatível com<br />

o estigma da ilicitude, mesmo da ilicitude penal, a mais drástica, e de ultima ratio, forma de<br />

desaprovação ao dispor da ordem jurídica.” (P. 168.)


840<br />

R.T.J. — 202<br />

fundamentais mais complexos, dotado de múltiplas direções e dimensões, dentre<br />

as quais a que interessa ao caso: implicar direito de todos à informação, mas não<br />

a informação qualquer, senão à informação veraz e não privativa (fato da<br />

privatividade), só enquanto tal inocente à dignidade alheia. E não há, aí, nenhuma<br />

novidade constitucional: “por isso mesmo que tal é a alta missão da imprensa,<br />

é claro que se não deve abusar dela e transformá-la em instrumento de calúnia ou<br />

injúria, de desmoralização, de crime. Sua instituição tem por fim a verdade e o<br />

direito”. 12 “Sem isso”, notava outro velho constitucionalista, “reinaria a anarquia<br />

e o direito seria o apanagio do forte e o opprobrio do fraco”. 13<br />

Há quem, preferindo à consideração da existência de limites imanentes a<br />

figura conceitual de restrição, entendida como amputação de faculdades que em<br />

tese o direito fundamental poderia compreender, afirme a mesma coisa, ou seja,<br />

ser óbvio que a norma da liberdade de expressão tem de se coadunar com a “que<br />

garante o direito ao bom nome e reputação das pessoas”. 14<br />

De qualquer modo, o que interessa é que, insista-se, não comporta, agora<br />

por essa outra razão jurídica, garantia prévia e abstrata contra os critérios singulares<br />

da indenização a que está submetido o agente que abuse no seu exercício,<br />

ou, rectius, que, em nome da liberdade de imprensa, atue fora do raio de eficácia<br />

desse direito fundamental. Não pode, é certo, a indenização, pela rudeza de sua<br />

expressão pecuniária, inibir ou conter o exercício geral da mesma liberdade. Mas<br />

tampouco pode a lei subalterna, em homenagem a direito que não existe em<br />

concreto, aliviar a responsabilidade civil do causador de ato ilícito absoluto, sob<br />

pretexto, quem sabe, de eventuais demasias na estipulação do valor justo e proporcional<br />

da medida pecuniária destinada a reparar o dano moral conseqüente,<br />

até porque, para ser proporcional e justo, tem de ser fixado caso por caso, segundo<br />

as condições das pessoas, sem limitações abstratas capazes de inutilizar o sentido<br />

reparatório, intrínseco à indenização.<br />

O caso é, em resumo, de intervenção legislativa na disciplina dos direitos<br />

fundamentais, mas de intervenção contrária à Constituição <strong>Federal</strong> superveniente,<br />

porque, como lei restritiva, o disposto no art. 52 da Lei 5.250, de 1967, põe em<br />

risco o substrato do direito fundamental à honra, à boa fama e à intimidade das<br />

pessoas.<br />

Restrição aqui, essa só seria permitida quando fora necessária para promover<br />

a tutela de um bem constitucionalmente valioso (não há dúvida de que o seja<br />

a liberdade de imprensa) e apenas na medida da necessidade dessa proteção, de<br />

acordo com o postulado da proporcionalidade. Não para premiar o ofensor e<br />

desfazer do ofendido!<br />

12 PIMENTA BUENO, José Antonio. Direito público brazileiro. Rio de Janeiro: J. Villeneuve<br />

e C., 1857. 2ª Parte, p. 396, n. 543.<br />

13 BARBALHO, João. Constituição federal brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia.,<br />

1924. p. 431.<br />

14 MIRANDA, Jorge, op. cit., t. IV/303, n. 64.


R.T.J. — 202 841<br />

Nenhuma interpretação pode comprimir direito fundamental, a ponto de esvaziar-lhe<br />

o significado prático e a valia como bem da vida.<br />

Nesse exato sentido, já decidiu, aliás, esta mesma Segunda Turma, no julgamento<br />

do RE 396.386. 15 Do voto do Relator, quando se reporta ao julgamento dos<br />

RE 348.827/RJ e 420.784/SP, dos quais transcreve trecho do acórdão, consta:<br />

(...)<br />

Mas o que deve ser tomado em linha de conta é que a Constituição de 1988<br />

emprestou ao dano moral tratamento especial – CF, art. 5º, V e X – desejando que a<br />

indenização decorrente desse dano fosse a mais ampla. É o que ressai, efetivamente, do<br />

disposto nos citados incisos V e X: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao<br />

agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (inciso V); “são<br />

invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o<br />

direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (inciso<br />

X). Posta a questão nesses termos, considerado o tratamento especial que a Constituição<br />

emprestou à reparação decorrente do dano moral, não seria possível sujeitá-la aos limites<br />

estreitos da lei de imprensa, como bem decidiu, no Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, o<br />

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, no REsp 52.842 (DJ de 27-10-97):<br />

“(...)<br />

De todos os modos, entendo que com a disciplina constitucional de 1988<br />

abre-se o caminho para melhor tratar essas situações que machucam pessoas<br />

honradas. A limitação imposta pelo art. 52 da Lei de Imprensa, que restringe a<br />

responsabilidade civil da empresa que explora o meio de informação ou divulgação<br />

a dez vezes as importâncias fixadas no artigo 51, a meu juízo, não mais está<br />

presente.<br />

O regime da lei especial impunha a reparação por danos morais e materiais<br />

em casos de calúnia, difamação e injúria e, ainda, quando a notícia gerasse<br />

desconfiança no sistema bancário ou abalo de crédito de instituições financeiras<br />

ou de qualquer empresa, pessoa física ou jurídica, provocasse sensível perturbação<br />

na cotação das mercadorias e dos títulos mobiliários no mercado financeiro,<br />

ou para obter ou procurar obter, para si ou para outrem, favor, dinheiro ou outra<br />

vantagem para não fazer ou impedir que se faça pública transmissão ou distribuição<br />

de notícias (v. art. 49, I). E as limitações foram escalonadas em dois salários<br />

mínimos no caso de publicação ou transmissão de notícia falsa, ou divulgação de<br />

fato verdadeiro truncado ou deturpado (art. 16, II, IV), a cinco salários mínimos<br />

nos casos de publicação ou transmissão que ofenda a dignidade ou decoro de<br />

alguém, a dez salários mínimos nos casos de fato ofensivo à reputação e, finalmente,<br />

a 20 salários mínimos nos casos de falsa imputação de crime a alguém, ou<br />

de imputação de crime verdadeiro, nos casos em que a lei não admite a exceção<br />

da verdade (art. 49, § 1º).<br />

O certo é que o sistema da lei de imprensa compunha no seu tempo um<br />

cenário excepcional de condenação por danos morais, daí que estritamente regulamentado,<br />

alcançando casos concretos especificados no art. 49, I, antes mencionados.<br />

15 Relator Ministro Carlos Velloso, com voto declarado do Ministro Gilmar Mendes. In:<br />

Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 191/329-335, e Revista de Processo, v. 119/181-184<br />

(observe-se que, nesta segunda publicação, não consta trecho final do voto do Relator). E foi<br />

também o que, com idênticas razões substanciais às deste voto, professamos, há muitos anos,<br />

como Relator, em recursos julgados no <strong>Tribunal</strong> de Justiça de São Paulo, onde contamos com<br />

a honrosa adesão dos ilustres componentes da turma julgadora (cf. Embargos Infringentes<br />

219.954. In: JTJ 189/236-253 e Boletim da AASP 2.078, p. 69. E, ainda, Embargos<br />

Infringentes 105.951).


842<br />

R.T.J. — 202<br />

A Constituição de 1988 cuidou dos direitos da personalidade, direitos subjetivos<br />

privados, ou, ainda, direitos relativos à integridade moral, nos incisos V e X<br />

do artigo 5º, assegurando o direito de resposta proporcional ao agravo, além da<br />

indenização por dano material, moral ou à imagem, declarando, ademais,<br />

invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, assegurando,<br />

também, o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente<br />

de sua violação.<br />

Na verdade, com essa disciplina clara, a Constituição de 1988 criou um<br />

sistema geral de indenização por dano moral decorrente da violação dos agasalhados<br />

direitos subjetivos privados. E, nessa medida, submeteu a indenização por<br />

dano moral ao direito civil comum e não a qualquer lei especial. Isso quer dizer,<br />

concretamente, que não se postula mais a reparação pela violação dos direitos da<br />

personalidade, enquanto direitos subjetivos privados, no cenário da lei especial,<br />

que regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação. Não teria<br />

sentido pretender que a regra constitucional nascesse limitada pela lei especial<br />

anterior ou, pior ainda, que a regra constitucional autorizasse tratamento<br />

discriminatório. Diante dessa realidade é inaplicável, até mesmo, a discutida<br />

gesetzeskonformen Verfassungsinterpretation, isto é, a interpretação da Constituição<br />

em conformidade com a lei ordinária. Dentre os perigos que tal interpretação<br />

pode acarretar, Gomes Canotilho aponta o ‘perigo de a interpretação da Constituição<br />

de acordo com as leis ser uma interpretação inconstitucional’ (Direito<br />

Constitucional, Liv. Almedina, Coimbra, 5ª ed., 1991, p. 242). E tal é exatamente<br />

o que aconteceria no presente caso ao se pôr a Constituição de 1988 na estreita<br />

regulamentação dos danos morais nos casos tratados pela lei de imprensa.<br />

Por tais razões, entendo, desde quando ainda tinha assento na 1ª Câmara<br />

Cível, período que aguardo sempre na melhor das lembranças da minha vida, que<br />

a indenização por dano moral, com a Constituição de 1988, é igual para todos,<br />

inaplicável o privilégio de limitar o valor da indenização para a empresa que<br />

explora o meio de informação ou divulgação, mesmo porque a natureza da regra<br />

jurídica constitucional é mais ampla, indo além das estipulações da lei de imprensa.<br />

E, sendo assim, preciosa é a lição de Sílvio Rodrigues, verbis:<br />

‘Será o juiz, no exame do caso concreto, quem concederá ou não a<br />

indenização e a graduará de acordo com a intensidade e duração do sofrimento<br />

experimentado pela vítima’ (Direito Civil, Saraiva, S. Paulo, vol. 4,<br />

7ª ed., 1983, págs. 208/209).’<br />

(...)”<br />

Nos citados RE 348.827/RJ e 420.784/SP, cuidamos do tema aqui versado. Sustentamos:<br />

o que deve ser tomado em linha de conta é que a Constituição de 1988<br />

emprestou ao dano moral tratamento especial – CF, art. 5º, V e X – desejando que a<br />

indenização decorrente desse dano fosse a mais ampla. Posta a questão nesses termos,<br />

considerado o tratamento especial que a Constituição emprestou à reparação decorrente<br />

do dano moral, não seria possível sujeitá-la aos limites estreitos da lei de imprensa. Se o<br />

fizéssemos, estaríamos interpretando a Constituição no rumo da lei ordinária, quando é<br />

de sabença comum que as leis devem ser interpretadas no rumo da Constituição, já que<br />

esta é pressuposto de validade e de eficácia de toda a ordem normativa instituída pelo<br />

Estado.16<br />

3. Do exposto, nego provimento ao recurso.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, acompanho o Relator, fazendo<br />

uma referência à importância desse voto que acaba de proferir o Ministro Cezar<br />

Peluso.<br />

16 Estes três últimos parágrafos não constam, por engano, da publicação na citada Revista de<br />

Processo. Vide nota n. 15.


R.T.J. — 202 843<br />

Não resta a menor dúvida em relação à relevância da liberdade de imprensa,<br />

que, na verdade, não é da imprensa, é do povo. O direito de expressão não é do<br />

dono do jornal nem do acionista, mas do povo, pertence a ele, que merece ser<br />

informado adequadamente. Entretanto, não tem cabimento nenhum abuso no<br />

exercício dessa liberdade. A imprensa não pode se transformar em um quarto<br />

poder, imune a qualquer tipo de controle.<br />

Louvo a excelência do voto do Ministro Cezar Peluso, ao qual vou aderir<br />

com satisfação plena.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, também eu, naquela<br />

assentada, quando se discutiu o caso referido da tribuna, acompanhei o voto do<br />

Ministro Carlos Velloso, e agora não tenho razão para não fazê-lo em relação ao<br />

brilhante voto proferido pelo Ministro Cezar Peluso.<br />

Como muito bem demonstra Sua Excelência, a Constituição, na verdade,<br />

faz uma opção clara no sentido da preservação de valores. Claro que a liberdade<br />

de imprensa tem um valor fundamental na democracia e deve ser preservada,<br />

todavia não há de se fazer em detrimento de valores centrais como a própria<br />

expressão “da dignidade da pessoa humana”.<br />

De modo que, louvando o magnífico voto proferido por Sua Excelência, eu<br />

o acompanho integralmente.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Vossa Excelência me permite um aparte?<br />

Tenho visto certas manifestações, às vezes a propósito da interpretação do<br />

Texto Constitucional quanto à liberdade de imprensa, no sentido geral, e tenho<br />

chamado a atenção – Vossa Excelência já destacou – para o significado não só do<br />

inciso X do art. 5º mas também para o princípio da dignidade da pessoa humana.<br />

Parece-me fundamental compreender toda essa questão no contexto do art. 220,<br />

§ 1º, do Texto Constitucional, que destaca:<br />

Art. 220 (...)<br />

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena<br />

liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado<br />

o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.<br />

Portanto, é um caso típico de reserva legal qualificada.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Já fiz no meu voto expressa remissão<br />

à conjugação de todos esses dispositivos.<br />

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É fundamental que se compreenda nesse<br />

contexto. Quer dizer, de fato, aqui, o texto foi explícito no sentido de dizer que<br />

essa liberdade de comunicação social deve levar em conta esses valores, como<br />

destacado no voto do Ministro.


844<br />

R.T.J. — 202<br />

EXTRATO DA ATA<br />

RE 447.584/RJ — Relator: Ministro Cezar Peluso. Recorrente: Jornal do<br />

Brasil S.A. (Advogados: Clério Borges Martins e outros). Recorrido: José Paulo<br />

Bisol (Advogados: Carlos Henrique de Carvalho Fróes e outros).<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, conheceu do recurso extraordinário,<br />

mas negou-lhe provimento, nos termos do voto do Relator. Falou, pelo Recorrido,<br />

o Dr. Carlos Henrique de Carvalho Fróes. Ausente, justificadamente,<br />

neste julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro<br />

Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da República, Dr. Mário José Gisi.<br />

Brasília, 28 de novembro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


R.T.J. — 202 845<br />

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO<br />

EXTRAORDINÁRIO 452.723 — SP<br />

Relatora: A Sra. Ministra Cármen Lúcia<br />

Agravante: Universidade de São Paulo – USP — Agravados: Vicente Alessi<br />

e outros<br />

Agravo regimental no recurso extraordinário. Servidor público<br />

estadual. Gratificação executiva. Agravo regimental ao qual<br />

se nega provimento.<br />

1. Autonomia universitária. Limites. Precedentes.<br />

2. Inaplicabilidade da Lei Complementar estadual 797/95<br />

aos servidores da Universidade de São Paulo. Impossibilidade do<br />

exame da legislação infraconstitucional pertinente em recurso extraordinário.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Marco<br />

Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade, negar provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário,<br />

nos termos do voto da Relatora.<br />

Brasília, 31 de maio de 2007 — Cármen Lúcia, Relatora.<br />

RELATÓRIO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: 1. Em 16 de outubro de 2005, a Ministra<br />

Ellen Gracie, então Relatora do presente recurso, negou seguimento ao recurso<br />

extraordinário interposto pela Universidade de São Paulo contra acórdão do <strong>Tribunal</strong><br />

de Justiça de São Paulo, o qual decidira que os Agravados teriam direito a<br />

receber a gratificação executiva. É a seguinte a decisão agravada:<br />

1. Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão do <strong>Tribunal</strong> de<br />

Justiça local que julgou procedente o pedido dos Recorridos, servidores ativos e inativos<br />

da Universidade de São Paulo, de incluir nos seus vencimentos e proventos a chamada<br />

Gratificação Executiva, concedida aos servidores do Estado e de suas autarquias.<br />

2. A Universidade de São Paulo sustenta, em síntese, que, nos termos do art. 207<br />

da Constituição <strong>Federal</strong>, possui autonomia administrativa e de gestão financeira e<br />

patrimonial, por isso seus servidores têm carreira própria, com normas e regime<br />

remuneratório diferentes daqueles a que estão sujeitos os integrantes dos demais entes da<br />

administração direta e indireta. Conclui, assim, que a citada gratificação não pode ser<br />

estendida automaticamente aos Recorridos.<br />

3. Esta Suprema Corte, entretanto, tem dado à autonomia universitária um alcance<br />

menor que o defendido no presente recurso extraordinário, mas ele “não é irrestrito,<br />

mesmo porque não cuida de soberania ou independência, de forma que as universidades


846<br />

R.T.J. — 202<br />

devem ser submetidas a diversas outras normas gerais previstas na Constituição, como as<br />

que regem o orçamento (art. 165, § 5º, I), a despesa com pessoal (art. 169), a submissão<br />

dos seus servidores ao regime jurídico único (art. 39), bem como as que tratam do<br />

controle e da fiscalização” (<strong>ADI</strong> 1.599, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 18-5-01).<br />

Especificamente quanto ao caso dos autos, a Primeira Turma desta Corte, ao<br />

julgar o RE 331.285, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 2-5-03, já se pronunciou<br />

no sentido de que “o fato de gozarem as universidades da autonomia que lhes é constitucionalmente<br />

garantida não retira das autarquias dedicadas a esse mister a qualidade de<br />

integrantes da administração indireta, nem afasta, em conseqüência, a aplicação, a seu<br />

servidores, do regime jurídico comum a todo o funcionalismo, inclusive as regras<br />

remuneratórias”.<br />

4. Não há, ainda, que falar em contrariedade à Súmula STF 339 ou ofensa ao art.<br />

169 da Constituição <strong>Federal</strong>, pois, segundo ficou assentado na instância de origem, a Lei<br />

Complementar estadual 797/95, expressamente, garantiu ao Recorrido o pagamento da<br />

gratificação ora em debate.<br />

5. Diante do exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (art. 557,<br />

caput, do CPC).<br />

(Fls. 375-376 – Grifos no original.)<br />

2. Publicada essa decisão no DJ de 28-11-05 (fl. 377), interpõe a Universidade<br />

de São Paulo, ora Agravante, em 7-12-05, tempestivamente, agravo regimental<br />

(fls. 379; 398-414).<br />

3. Alega a Agravante a contrariedade aos arts. 37; 39; 167, III; 169; e 207 da<br />

Constituição da República.<br />

Afirma, também, que a Lei Complementar estadual 797/95, a qual teria<br />

instituído a gratificação executiva, teria sua aplicação restrita aos entes públicos<br />

que não teriam quadro próprio de carreira.<br />

Assim, sustenta que essa gratificação não se estenderia aos servidores da<br />

Universidade de São Paulo, pois eles teriam regime próprio e a Universidade,<br />

autonomia.<br />

Assevera, ainda, que seria autarquia estadual de regime especial, com sua<br />

organização e seu funcionamento disciplinados em Estatuto, não se submetendo<br />

a aplicação da lei complementar em exame.<br />

Por fim, defende que, no caso, não existira lei específica, o que impossibilitaria<br />

a extensão do benefício nos termos da Súmula 339 do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong><br />

<strong>Federal</strong>.<br />

Requer o provimento do presente recurso.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): 1. Razão jurídica não assiste à<br />

Agravante.<br />

2. Como assentado na decisão agravada, a autonomia universitária não é<br />

irrestrita e não afasta a aplicação de regras remuneratórias aos seus servidores.<br />

Nesse sentido, o julgado seguinte:


R.T.J. — 202 847<br />

Ementa: Autarquia estadual universitária. Servidores públicos. Extensão de vantagem<br />

genericamente concedida. Alegada ofensa ao art. 207 da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

O fato de gozarem as universidades da autonomia que lhes é constitucionalmente<br />

garantida não retira das autarquias dedicadas a esse mister a qualidade de integrantes da<br />

administração indireta, nem afasta, em conseqüência, a aplicação, a seus servidores, do<br />

regime jurídico comum a todo o funcionalismo, inclusive as regras remuneratórias.<br />

Recurso não conhecido.<br />

(RE 331.285, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 2-5-03.)<br />

3. Ademais, o <strong>Tribunal</strong> de Justiça de São Paulo decidiu sobre o direito dos<br />

Agravados nestes termos:<br />

A lei complementar nº 797, de 7 de novembro de 1995, instituiu a gratificação<br />

executiva para os servidores pertencentes aos Quadros das Secretarias de Estado, da<br />

Procuradoria Geral do Estado e das autarquias, enquadrados nas referências de vencimentos<br />

indicados nos anexos I a IV dessa lei complementar (...)<br />

Os cargos dos autores vencedores da demanda pelo v. acórdão embargado estão<br />

relacionados nos anexos mencionados nas leis complementares mencionadas na lei<br />

complementar nº 797/95, e como ocupantes de cargos que eram, de autarquias<br />

abrangidas pela lei que concedeu o benefício, eles tinham direito à vantagem pretendida<br />

e deferida pelo v. acórdão embargado, e o só fato de os autores serem servidores da<br />

autarquia que é Universidade que goza de autonomia universitária não afasta o direito<br />

dos autores, porque deferido por lei aplicável aos cargos dos autores.<br />

(Fls. 275, 277.)<br />

Para concluir – como sustenta a Agravante – que essa lei complementar<br />

estadual seria inaplicável aos seus servidores em razão do regime especial a que<br />

estariam submetidos, seria necessário o prévio exame da legislação infraconstitucional<br />

pertinente, qual seja, a Lei Complementar estadual 797/95, a Resolução<br />

3.461/88 (Estatuto da Universidade), o Decreto 29.272/88, a Lei 9.394/96 e a Lei<br />

5.540/68.<br />

Essa hipótese não pode ser apreciada e acolhida em recurso extraordinário.<br />

4. Por fim, inaplicável, ao caso a Súmula 339 do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,<br />

pois o <strong>Tribunal</strong> a quo não estendeu aos Agravados a gratificação executiva com<br />

fundamento no princípio da isonomia, mas baseou-se no disposto na Lei Complementar<br />

estadual 797/95.<br />

5. Os fundamentos da Agravante, insuficientes para modificar a decisão<br />

agravada, demonstram apenas seu inconformismo e sua resistência em pôr termo<br />

a processos que se arrastam em detrimento da eficiente prestação jurisdicional.<br />

6. Pelo exposto, nego provimento ao agravo regimental.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

RE 452.723-AgR/SP — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Agravante: Universidade<br />

de São Paulo – USP (Advogados: José Marco Tayah e outros). Agravados:<br />

Vicente Alessi e outros (Advogados: Simone Monteiro de Carvalho e outros).


848<br />

R.T.J. — 202<br />

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário,<br />

nos termos do voto da Relatora. Unânime. Presidiu o julgamento o<br />

Ministro Marco Aurélio. Ausentes, justificadamente, os Ministros Sepúlveda<br />

Pertence e Carlos Britto.<br />

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão o Ministro<br />

Ricardo Lewandowski e a Ministra Cármen Lúcia. Ausentes, justificadamente, os<br />

Ministros Sepúlveda Pertence e Carlos Britto. Ausente, justificadamente, o<br />

Subprocurador-Geral da República Dr. Rodrigo Janot.<br />

Brasília, 31 de maio de 2007 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


R.T.J. — 202 849<br />

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE<br />

DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE<br />

INSTRUMENTO 471.215 — DF<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Embargante: União — Embargado: Olair Teixeira de Oliveira Sampaio<br />

1. Recurso. Embargos de declaração. Efeito modificativo.<br />

Omissão. Existência. Embargos de declaração acolhidos para dar<br />

provimento ao agravo regimental. Acolhem-se embargos de declaração<br />

quando seja omisso o acórdão embargado.<br />

2. Recurso. Embargos de declaração. Multa aplicada em<br />

agravo regimental. Má-fé descaracterizada. Relevação da pena.<br />

Embargos acolhidos para esse fim. Merece relevada aplicação da<br />

multa quando se descaracterize má-fé processual.<br />

3. Recurso. Extraordinário. Adicional por tempo de serviço.<br />

Magistrados da União. Cômputo do tempo de serviço prestado à<br />

administração pública. É computável, para fins de gratificação<br />

adicional dos magistrados da União, o tempo de serviço prestado a<br />

pessoas de direito público integrantes da administração pública,<br />

ainda que despidas de natureza autárquica.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda<br />

Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade de votos, receber, em parte, os embargos de declaração nos embargos<br />

de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento. Não participou,<br />

justificadamente, deste julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Ausente,<br />

justificadamente, os Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski.<br />

Brasília, 14 de dezembro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de embargos opostos contra acórdão<br />

e assim ementado:<br />

Ementa: Recurso. Embargos de declaração. Multa aplicada em agravo regimental.<br />

Depósito não efetuado. Não satisfação da condição para interposição de recurso.<br />

Embargos não conhecidos. Aplicação do art. 557, § 2º, do CPC. Não se conhece do<br />

recurso quando não depositado o valor da multa imposta em recurso anterior, como<br />

condição de admissibilidade.<br />

(Fl. 269.)


850<br />

R.T.J. — 202<br />

Requer a Embargante sejam acolhidos os embargos, para reconhecer<br />

indevida a percepção de adicional por tempo de serviço auferido quando o<br />

Embargante exercia cargo em comissão nos quadros do serviço público federal<br />

incompatível com a carreira da magistratura, com relevação da multa.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Com razão a Embargante. De fato,<br />

a matéria prescinde de análise de legislação infraconstitucional. Mas é ainda<br />

inviável no mérito.<br />

O Plenário desta Corte, ao julgar a Rp 1.490 (Rel. Min. Carlos Madeira, DJ<br />

de 28-9-88), assentou ser computável, para fins de atribuição da gratificação<br />

adicional a magistrados da União, o tempo de serviço prestado a pessoas jurídicas<br />

integrantes da administração pública indireta. O aresto está sintetizado nesta<br />

ementa:<br />

Representação de interpretação de lei em tese. Art. 65, VIII, da Lei Complementar<br />

35, de 14-3-79 e art. 1º do Decreto-Lei 2.019, de 28-3-79. Tempo de serviço<br />

computável para fins de concessão de gratificação adicional aos magistrados da União.<br />

A inteligência dos dispositivos mencionados resulta em relação aos magistrados, num<br />

conceito mais amplo da prestação de serviço público, de modo a abranger, além da<br />

administração direta e autárquica, as empresas públicas, as sociedades de economia<br />

mista e as fundações instituídas pelo poder público. Descabe, porém, a contagem de<br />

tempo de serviço em empresa privada, não tendo relevo, para aqueles fins, o critério de<br />

contagem recíproca de tempo de serviço público e de atividade privada, adotado para<br />

fins de aposentadoria pela previdência social. Representação acolhida, para declarar que<br />

não é computável, para fins de gratificação adicional devida aos magistrados da União,<br />

o tempo de serviço prestado a pessoas de direito privado, salvo quando integrantes da<br />

administração pública indireta – empresas públicas, sociedades de economia mista e<br />

fundações instituídas pelo poder público, ainda que despidas de natureza autárquica.<br />

3. Do exposto, acolho, em parte, os embargos, mas nego seguimento ao<br />

agravo, com relevação da multa.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

AI 471.215-AgR-ED-ED/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Embargante:<br />

União (Advogado: Advogado-Geral da União). Embargado: Olair Teixeira de<br />

Oliveira Sampaio (Advogados: Simão Guimarães de Sousa e outros).<br />

Decisão: A Turma recebeu, em parte, os embargos de declaração nos embargos<br />

de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do<br />

voto do Relator. Unânime. Não participou, justificadamente, deste julgamento a<br />

Ministra Cármen Lúcia. Ausentes, justificadamente, os Ministros Marco Aurélio<br />

e Ricardo Lewandowski.


R.T.J. — 202 851<br />

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros<br />

Carlos Britto e Cármen Lúcia. Ausentes, justificadamente, os Ministros Marco<br />

Aurélio e Ricardo Lewandowski. Compareceu o Ministro Cezar Peluso, a fim de<br />

julgar processos a ele vinculados. Subprocuradora-Geral da República, Dra.<br />

Cláudia Sampaio Marques.<br />

Brasília, 14 de dezembro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


852<br />

R.T.J. — 202<br />

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO<br />

EXTRAORDINÁRIO 496.246 — CE<br />

Relatora: A Sra. Ministra Cármen Lúcia<br />

Embargante: Júlio Carlos Sampaio Neto — Embargada: União<br />

Embargos de declaração no recurso extraordinário. Conversão<br />

em agravo regimental. Processo administrativo. Acumulação:<br />

juiz classista e cargo efetivo. Devolução ao erário dos valores<br />

recebidos.<br />

1. As questões suscitadas no recurso sobre o processo administrativo<br />

não foram examinadas no acórdão recorrido, nem foram<br />

objeto de embargos de declaração. Incidem, no caso, as<br />

Súmulas 282 e 356 do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

2. Acumulação: Juiz classista e cargo efetivo. Impossibilidade.<br />

Precedentes.<br />

3. Devolução ao erário dos valores recebidos como juiz<br />

classista. Inadmissibilidade. Valor social do trabalho. Precedente.<br />

4. Agravo regimental parcialmente provido.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio,<br />

na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria<br />

de votos, converter os embargos de declaração no recurso extraordinário em<br />

agravo regimental no recurso extraordinário e, no mérito, dar parcial provimento<br />

a ele para afastar a obrigatoriedade de devolução do que percebido pelo Agravante,<br />

nos termos do voto da Relatora.<br />

Brasília, 22 de maio de 2007 — Cármen Lúcia, Relatora.<br />

RELATÓRIO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: 1. Em 30 de agosto de 2006, dei provimento<br />

ao recurso extraordinário interposto pela União contra acórdão do <strong>Tribunal</strong> Regional<br />

<strong>Federal</strong> da 5ª Região, o qual decidira ser possível juiz classista da Junta de<br />

Conciliação e Julgamento de Juazeiro do Norte/CE manter outro vínculo com a<br />

administração, desde que seu contrato permanecesse suspenso enquanto estivesse<br />

investido no cargo de juiz classista.<br />

É a seguinte a decisão embargada:<br />

1. Trata-se de recurso extraordinário interposto pela União com base no art. 102,<br />

inciso III, alínea a, da Constituição da República, contra acórdão do <strong>Tribunal</strong> Regional<br />

<strong>Federal</strong> da 5ª Região.


R.T.J. — 202 853<br />

Em 2-2-99, o Recorrido foi empossado Juiz Classista da Junta de Conciliação e<br />

Julgamento de Juazeiro do Norte/CE, mas continuou vinculado ao cargo de médico<br />

veterinário do Ministério da Agricultura.<br />

O <strong>Tribunal</strong> a quo decidiu que o Recorrido pode manter outro vínculo com a<br />

administração desde que enquanto investido no cargo de juiz classista o outro vínculo<br />

permaneça suspenso, portanto, sem remuneração.<br />

Alega a União que o <strong>Tribunal</strong> Regional <strong>Federal</strong> da 5ª Região, ao entender que a<br />

vedação constitucional de cumulação de cargos era apenas remuneratória, violou os<br />

arts. 37, incisos XVI e XVII; 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição.<br />

Sustenta a inconstitucionalidade da cumulação dos cargos e cita precedente deste<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> em favor da sua tese.<br />

2. Decido.<br />

A Recorrente tem razão de direito. O entendimento adotado pelo <strong>Tribunal</strong> a quo<br />

está em confronto com a jurisprudência deste <strong>Tribunal</strong>.<br />

Destaco o precedente:<br />

“Ementa: recurso ordinário em mandado de segurança. Acumulação de<br />

cargo efetivo com a função de juiz classista: Vedação. Impossibilidade de<br />

reexaminar em mandado de segurança matéria fática apreciada em processo<br />

administrativo disciplinar. Precedentes. Abandono de cargo por mais de trinta<br />

dias. Demissão do serviço público. Ato legal. Inexistência de direito líquido e<br />

certo.<br />

1. Se o ato impugnado em mandado de segurança decorre de fatos apurados<br />

em processo administrativo, a competência do Poder Judiciário circunscrevese<br />

ao exame da legalidade do ato coator, dos possíveis vícios de caráter formal ou<br />

dos que atentem contra os postulados constitucionais da ampla defesa e do due<br />

process of law. Precedentes.<br />

2. A jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> firmou-se no sentido de<br />

que a vedação constitucional de acumular cargos, funções e empregos remunerados<br />

estende-se aos juízes classistas, sendo que a renúncia à remuneração por uma<br />

das fontes, mesmo se possível, não teria o condão de afastar a proibição. Precedente.<br />

3. A CLT, em seus arts. 645, 663, 726, 727 e 728, não autoriza o servidor<br />

público sindicalizado, no exercício de função de direção, a afastar-se do seu<br />

cargo efetivo após o indeferimento da licença para tratar de interesse particular.<br />

4. A estabilidade provisória de representante sindical, prevista no art. 8º,<br />

VIII, da Carta da República, é assegurada aos empregados celetistas, e não ao<br />

servidor estatutário.<br />

Recurso ordinário a que se nega provimento.” (RMS 24.437, Rel. Min.<br />

Maurício Corrêa, DJ de 4-4-03.)<br />

3. Pelo exposto, conheço do recurso extraordinário para dar-lhe provimento.<br />

(Fls. 352-353.)<br />

Publicada essa decisão no DJ de 26-9-06 (fl. 354), opõe Júlio Carlos<br />

Sampaio Neto, ora Embargante, em 2-10-06, tempestivamente, embargos de declaração<br />

(fls. 358, 442-524).<br />

2. Alega o Embargante que a decisão embargada teria omissões, contradições<br />

e erros materiais, além de contrariar decisões deste <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,<br />

pois os juízes classistas não exerceriam cargo público nem seriam funcionários<br />

públicos.<br />

Afirma, também, que, no julgamento da <strong>ADI</strong> 2.201, este <strong>Tribunal</strong> teria decidido<br />

que os juízes classistas não poderiam ser destituídos depois da posse.


854<br />

R.T.J. — 202<br />

Sustenta que o RMS 24.347, Relator o Ministro Maurício Corrêa, não poderia<br />

ter sido utilizado como fundamento da decisão embargada, em razão do<br />

ajuizamento de ação rescisória contra o acórdão proferido naqueles autos.<br />

3. Assevera que as omissões seriam sobre:<br />

a) a instituição pelo <strong>Tribunal</strong> Regional do Trabalho da 7ª Região de uma<br />

comissão de processo administrativo com afronta ao Regimento Interno<br />

daquele <strong>Tribunal</strong>;<br />

b) o art. 662, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, que dispõe que a<br />

investidura do juiz classista somente poderia ser contestada até quinze dias<br />

depois de sua efetivação, e, no caso, a impugnação teria ocorrido mais de<br />

dezoito meses depois da investidura;<br />

c) o julgado deste <strong>Tribunal</strong> no MS 20.781, Relator o Ministro Octavio<br />

Gallotti, que entendera não ser possível a revogação de nomeação de juiz<br />

classista;<br />

d) os vícios da Portaria 420/00 não teriam sido examinados pelo acórdão<br />

recorrido, e, portanto, o Embargante estaria sendo apenado pela segunda<br />

vez na esfera administrativa;<br />

e) o cerceamento de defesa ocorrido no processo administrativo, que teria<br />

maculado o devido processo legal;<br />

f) o Parecer 410/90, aprovado pelo Chefe da Divisão de Regulamentação<br />

<strong>Federal</strong> e pelo Diretor do Departamento de Recursos Humanos, que teria<br />

afirmado ser lícito aos servidores o exercício de atividades na condição de<br />

juiz classista;<br />

g) o disposto na Resolução 182/97 e no MS 5.634/99 do <strong>Tribunal</strong> Regional<br />

do Trabalho da 7ª Região, no qual o Embargante teria sido “restabelecido<br />

através de liminar e ratificada no mérito em ação mandamental (...) já<br />

transitada em julgado” (fl. 481 – grifo no original) como juiz classista;<br />

h) a falta de eqüidade de tratamento com outros juízes classistas e o<br />

gravame ao princípio do non bis in idem;<br />

i) a vedação contida no art. 117 da Lei 8.112/90; e<br />

j) as falhas de composição da comissão processante, que seriam nulidades<br />

absolutas e oponíveis em qualquer fase do processo.<br />

4. A decisão embargada seria obscura, pois, “em defesa do princípio tempus<br />

regit actum, que permeia a própria CF/88, (...) a Jornada de Trabalho dos médicos<br />

veterinários, à época da eleição, era de 20 horas semanais, sendo regida pela Lei<br />

<strong>Federal</strong> 9.436/97, permitindo-se o livre exercício profissional na iniciativa<br />

privada e o acúmulo com cargo público privativo de médico (veterinário),<br />

posto que havia plena compatibilidade de horários, estando, ademais, afastado<br />

do seu cargo público, sem percepção de vencimentos, o que já restou demonstrado<br />

demasiadamente nas instâncias ordinárias, não havendo espaço para<br />

tal análise em sede de recurso extraordinário, ao qual é vedado o reexame de<br />

matéria fática, a teor da súmula 279 do STF” (fl. 452 – grifos no original).


R.T.J. — 202 855<br />

5. E, ainda, haveria as seguintes contradições:<br />

a) quanto à nulidade absoluta do Processo Administrativo 90.828/00;<br />

b) não-reconhecimento de coisa julgada em relação ao MS 5.634/00, julgado<br />

pelo <strong>Tribunal</strong> Regional do Trabalho da 7ª Região;<br />

c) entre as definições de “cargo” e “mandato”, pois juiz classista não seria<br />

cargo, mas mandato. E, ainda, que, considerado cargo, o Embargante afirma<br />

ter seu direito garantido pelo art. 37, inciso XVI, alínea c, da Constituição<br />

da República;<br />

d) a afirmação de que deveria ter sido designado juiz classista, e não<br />

nomeado, nos termos do art. 682 da Consolidação das Leis do Trabalho; e<br />

e) o enriquecimento ilícito da União, na hipótese de ter o Embargante que<br />

devolver os valores recebidos em razão do mandato exercido, e, assim, a<br />

decisão de anulação da sua nomeação apenas poderia ter efeitos ex nunc.<br />

6. Por fim, sustenta a possibilidade de atribuição de efeitos infringentes aos<br />

presentes embargos de declaração.<br />

7. Requer “a ratificação do julgado pelo TRF-5ªRg, com a imediata anulação<br />

do Ato TRT 70/00, 59/00/TRT-7ªRg, de 7/jun/2000, bem como a invalidação<br />

do Ato TRT 70/00, considerando constitucional a pretérita situação do embargante,<br />

e julgando inconstitucional todo o processo administrativo guerreado,<br />

e que na mesma seqüência lógica, seja afastada a absurda determinação de<br />

ressarcimento ao erário (...)” (fl. 525 – grifos no original).<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora):<br />

O caso<br />

1. Em 10 de dezembro de 1998, pelo Ato 240/98, o Presidente do <strong>Tribunal</strong><br />

Regional do Trabalho da 7ª Região nomeou Júlio Carlos Sampaio Neto para<br />

exercer o cargo de juiz classista temporário, representante dos empregados da<br />

Junta de Conciliação e Julgamento de Juazeiro do Norte, para o triênio de 1999<br />

a 2002 (fl. 21).<br />

2. Em 7 de junho de 2000, pela Portaria 420/00, o Presidente daquele <strong>Tribunal</strong><br />

resolveu compor comissão para conduzir “processo administrativo disciplinar<br />

para apuração de irregularidades apontadas no Processo Administrativo nº<br />

90859/99, estabelecendo o prazo de 30 (trinta) dias para a conclusão dos trabalhos”<br />

(fl. 24).<br />

Na mesma data, aquela autoridade determinou o afastamento de Júlio<br />

Carlos Sampaio Neto do exercício do cargo de juiz classista por trinta dias (fl. 23 –<br />

Ato 59/00).


856<br />

R.T.J. — 202<br />

3. Em 10 de agosto de 2000, o Vice-Presidente do <strong>Tribunal</strong> Regional do<br />

Trabalho da 7ª Região, no exercício da Presidência, nos autos do Processo Administrativo<br />

90.828/00, decidiu:<br />

a) declarar inválido o Ato n. 240/98, de 10/12/98, que nomeou Júlio Carlos<br />

Sampaio Neto no cargo de Juiz Classista Representante dos Empregados na Junta de<br />

Conciliação e Julgamento de Juazeiro do Norte;<br />

b) declarar nulo o ato de posse de Júlio Carlos Sampaio Neto, no cargo acima<br />

referido;<br />

c) determinar a devolução dos valores ilegalmente recebidos no cargo de Juiz<br />

Classista, declarando sem efeito o tempo de serviço prestado naquele cargo.<br />

(Fl. 39.)<br />

Em 15 de agosto de 2000, pelo Ato 70/00, foi ratificada a decisão proferida<br />

no Processo Administrativo 90.828/00 (fl. 93).<br />

4. Em 31 de agosto de 2000, Júlio Carlos Sampaio Neto foi intimado por<br />

ofício da Diretora da Secretaria de Orçamentos e Finanças do <strong>Tribunal</strong> Regional<br />

do Trabalho da 7ª Região, para que providenciasse “o recolhimento aos cofres do<br />

erário da quantia de R$ 52.700,82 (cinqüenta e dois mil, setecentos reais e oitenta<br />

e dois centavos) correspondentes aos valores recebidos no exercício do cargo<br />

de Juiz Classista da JCJ de Juazeiro do Norte, no período de 2/2/99 a 3/7/00 (...)”<br />

(fl. 67).<br />

5. Em 15 de janeiro de 2001, Júlio Carlos Sampaio Neto ajuizou ação<br />

ordinária contra a União (fl. 3), na qual requereu: a) a anulação da Portaria 420, de<br />

7-6-00, por ilegitimidade e incompetência de seus membros, tornando sem efeito<br />

o relatório do Processo Administrativo 90.828/00 e, ainda, as conseqüências dele<br />

advindas; e b) o pagamento dos meses de agosto e setembro de 2000, além do<br />

desbloqueio dos meses subseqüentes.<br />

6. Em 30 de novembro de 2001, o Juízo da 10ª Vara da Justiça <strong>Federal</strong> no<br />

Ceará julgou improcedente a ação (fls. 159-161).<br />

7. Em 9 de novembro de 2004, o <strong>Tribunal</strong> Regional <strong>Federal</strong> da 5ª Região<br />

deu provimento à apelação de Júlio Carlos Sampaio Neto nos termos seguintes:<br />

Apelação. Juiz classista. Possibilidade do seu exercício por titular de cargo efetivo,<br />

desde que suspensa a remuneração deste. Provimento.<br />

I - Desnecessidade de observância, pelo TRT da 7ª Região, do disposto no art. 142<br />

do seu Regimento Interno, uma vez o procedimento instaurado em detrimento do<br />

apelante não se revestir de natureza disciplinar, antes visando à invalidação de sua<br />

investidura como juiz classista.<br />

II - Sem embargo das vedações gerais de acumular cargos, empregos e funções,<br />

constantes da Lei Fundamental (arts. 37, XVI, e 95, parágrafo único, I, da CF), não há<br />

óbice ao desempenho, por titular de cargo efetivo na área de saúde pública, do cargo<br />

temporário de juiz classista, porquanto suspenso, durante o prazo da respectiva<br />

investidura, o desempenho e a remuneração daquele. Conclusão que se impõe em<br />

virtude da Lei Maior vedar, a esse respeito, a acumulação de caráter remunerado.<br />

III - Apelação provida.<br />

(Fl. 253.)


R.T.J. — 202 857<br />

8. Contra aquela decisão, a União interpôs recurso extraordinário, ao qual<br />

dei provimento em 30 de agosto de 2006, para reconhecer a impossibilidade de<br />

acumulação do cargo efetivo de médico veterinário do Ministério da Agricultura<br />

e do exercício como juiz classista.<br />

Analisada a matéria posta à apreciação, passo a examinar o presente<br />

recurso.<br />

9. Recebo os embargos de declaração como agravo regimental.<br />

10. O processo administrativo instaurado no <strong>Tribunal</strong> Regional do Trabalho<br />

da 7ª Região foi examinado pelo <strong>Tribunal</strong> Regional <strong>Federal</strong> da 5ª Região,<br />

que decidiu:<br />

Inicialmente, afasto a alegação de vício formal quanto ao procedimento administrativo,<br />

cujas conseqüências busca o apelante invalidar.<br />

A uma, porque não se trata de pena de demissão, mas de procedimento destinado<br />

a invalidar, com base no princípio da legalidade ato de nomeação de juiz classista.<br />

Por essa razão, não seria a hipótese de observar o art. 142 do Regimento Interno<br />

do TRT – 7ª Região, o qual versa sobre o Conselho Disciplinar.<br />

Isso porque a norma regimental diz respeito à prática de penalidade pelos juízes<br />

e servidores do mencionado seguimento do Poder Judiciário, situação não vivenciada<br />

nos autos.<br />

(Fl. 249.)<br />

11. Assim, as questões sobre o processo administrativo suscitadas pelo<br />

Agravante, além de não terem sido examinadas no acórdão recorrido nem terem<br />

sido objeto de embargos de declaração, demandariam o prévio exame da legislação<br />

infraconstitucional pertinente e do reexame do conjunto probatório.<br />

A pretensão recursal encontra óbice nas Súmulas 282, 279 e 356 deste<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.<br />

12. Quanto às alegações sobre a contestação em até quinze dias da investidura<br />

como juiz classista, à impossibilidade de revogação da nomeação, aos vícios<br />

da Portaria TRT 420/00, ao Parecer 410/90 e à Resolução 182/97, à eqüidade de<br />

tratamento e à vedação do art. 117 da Lei 8.112/90, essas questões não foram<br />

examinadas pelo tribunal a quo, nem contra elas foram opostos embargos de<br />

declaração (Súmulas 282 e 356 deste <strong>Tribunal</strong>), o que impossibilita o exame da<br />

controvérsia nesta via recursal.<br />

13. No que concerne à acumulação do cargo de médico veterinário do<br />

Ministério da Agricultura com o exercício como Juiz Classista, o <strong>Tribunal</strong> Regional<br />

<strong>Federal</strong> da 5ª Região assim decidiu:<br />

Não nego – e também não desconheço – que o exercício do cargo de investidura<br />

temporária, de juiz classista, não está abrangido pelas exceções à proibição de cumular,<br />

salvo no caso de magistério.<br />

Mesmo que não se considerasse o juiz classista como detentor de cargo, a vedação<br />

para o acúmulo advém do termo função, utilizado nos arts. 37, XVII, e 95, parágrafo<br />

único, I, ambos da Constituição <strong>Federal</strong>.<br />

No entanto, um ponto haverá de ser considerado: a Lei Fundamental veda o<br />

acúmulo de cargos, emprego e funções quando remunerado. No caso do apelante, após<br />

a devida comunicação, restou cessado o pagamento relativo ao desempenho do cargo de<br />

médico veterinário do Ministério da Agricultura (vide doc. de fls. 64-65).


858<br />

R.T.J. — 202<br />

Considerando-se que o cargo de juiz classista era de natureza temporária, nada<br />

mais razoável que fosse afastado o óbice à acumulação desde que, durante o seu exercício,<br />

ficasse o apelante com o seu vínculo junto à Administração Pública <strong>Federal</strong> Direta<br />

suspenso.<br />

Exigir que o apelante abdicasse de cargo efetivo, ao invés da suspensão do<br />

pagamento da remuneração deste, como pressuposto para a assunção de cargo temporário,<br />

seria consagrar o reino do summum ius summa injuria, resulta que o princípio da<br />

legalidade, em sua acepção moderna de conformidade com o Direito, busca afastar.<br />

(Fls. 249-250.)<br />

14. Apesar dos argumentos do Agravante no sentido da possibilidade da<br />

acumulação, ao fundamento de que o juiz classista não exerceria cargo, este<br />

<strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> decidiu de forma contrária ao interesse do Agravante no<br />

julgamento do RMS 24.437, Relator o Ministro Maurício Corrêa, nestes termos:<br />

Ementa: Recurso ordinário em mandado de segurança. Acumulação de cargo<br />

efetivo com a função de juiz classista: vedação. Impossibilidade de reexaminar em<br />

mandado de segurança matéria fática apreciada em processo administrativo disciplinar.<br />

Precedentes. Abandono de cargo por mais de trinta dias. Demissão do serviço<br />

público. Ato legal. Inexistência de direito líquido e certo.<br />

1. Se o ato impugnado em mandado de segurança decorre de fatos apurados em<br />

processo administrativo, a competência do Poder Judiciário circunscreve-se ao exame<br />

da legalidade do ato coator, dos possíveis vícios de caráter formal ou dos que atentem<br />

contra os postulados constitucionais da ampla defesa e do due process of law. Precedentes.<br />

2. A jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> firmou-se no sentido de que a<br />

vedação constitucional de acumular cargos, funções e empregos remunerados estendese<br />

aos juízes classistas, sendo que a renúncia à remuneração por uma das fontes, mesmo<br />

se possível, não teria o condão de afastar a proibição. Precedente.<br />

3. A CLT, em seus arts. 645, 663, 726, 727 e 728, não autoriza o servidor público<br />

sindicalizado, no exercício de função de direção, a afastar-se do seu cargo efetivo após<br />

o indeferimento da licença para tratar de interesse particular.<br />

4. A estabilidade provisória de representante sindical, prevista no art. 8º, VIII, da<br />

Carta da República, é assegurada aos empregados celetistas e não ao servidor estatutário.<br />

No mesmo sentido, os julgados seguintes: MS 24.001, Relator o Ministro<br />

Maurício Corrêa, DJ de 20-9-02; e RE 282.258-AgR, Relator o Ministro Carlos<br />

Velloso, DJ de 26-3-04.<br />

15. Ademais, também não pode ser acolhido o fundamento do Agravante de<br />

que ele estaria abrangido pelo disposto no art. 37, inciso XVI, alínea c, da Constituição<br />

da República, e, portanto, poderia “possuir dois Cargos de Médico, sendo<br />

um no Poder Executivo e outro no Poder Judiciário, pois foi legalmente investido<br />

no Encargo de Juiz Classista por ser Médico Veterinário atuante, condição<br />

sine qua non para tal Múnus Público” (fl. 497).<br />

16. A exceção estabelecida pela Constituição da República é a seguinte:<br />

Art. 37. (...)<br />

XVI - é vedada a acumulação remunerada de dois cargos públicos, exceto, quando<br />

houver compatibilidade de honorários, observado em qualquer caso o disposto no<br />

inciso XI:<br />

(...)<br />

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões<br />

regulamentadas;


R.T.J. — 202 859<br />

Apenas cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde estão<br />

abrangidos pela exceção, o que não é o caso do Agravante.<br />

Assim, há de ser mantida a decisão agravada.<br />

17. Quanto à determinação de devolução dos valores recebidos como Juiz<br />

Classista, o <strong>Tribunal</strong> a quo decidiu nestes termos:<br />

(...) descabida a determinação tendente a que houvesse a devolução das importâncias<br />

recebida em razão do exercício do cargo de Juiz classista. Prestado o serviço em<br />

prol da entidade de direito público, o seu não-pagamento, ainda que em face de possível<br />

ilegalidade, configuraria enriquecimento sem causa pelo Estado.<br />

Estando demonstrado o exercício do cargo de juiz classista, em face de encontrarse<br />

o apelante afastado do desempenho de cargo efetivo, também não poderia o apelante<br />

ser privado das remunerações que lhe seriam devidas nos meses de agosto de setembro<br />

de 2000.<br />

(Fl. 250.)<br />

18. Esse entendimento guarda perfeito acordo com o decidido por esta<br />

Primeira Turma no julgamento do RMS 25.104, Relator o Ministro Eros Grau, DJ<br />

de 31-3-06. Confira-se excerto do voto do Relator:<br />

10. Não se trata, pois, de má-fé presumida, mas perfeitamente comprovada pelo<br />

próprio candidato, ao firmar declaração falsa, consciente de que um dos requisitos para<br />

ascensão ao cargo consistia no reconhecimento de sua idoneidade moral.<br />

11. Por outro lado, deve-se reconhecer o fato de que o Recorrente efetivamente<br />

exerceu a função de juiz classista até a data do seu afastamento, conforme bem destacou<br />

a Procuradoria-Geral da República.<br />

12. O trabalho consubstancia valor social constitucionalmente protegido, que<br />

sobreleva o direito do Recorrente a perceber remuneração pelos serviços prestados até o<br />

seu afastamento liminar, por força da decisão monocrática prolatada pelo Relator do<br />

recurso administrativo no TST. Este entendimento, ademais, coaduna-se com a recente<br />

jurisprudência daquele tribunal superior, que confere à decisão que acolhe a impugnação<br />

ao juiz classista efeitos ex nunc. O posicionamento contrário implicaria sufragar<br />

abominável enriquecimento ilícito pela Administração.<br />

19. Razão jurídica assiste ao Agravante neste ponto.<br />

20. Pelo exposto, dou parcial provimento ao agravo regimental, para<br />

afastar a exigência de devolução ao erário dos valores recebidos como juiz<br />

classista.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Peço vênia para ficar vencido na<br />

conversão. Entendo que até mesmo as causas de pedir são diversas, considerados<br />

os embargos declaratórios e o agravo para o Colegiado. Também assento que<br />

todo e qualquer pronunciamento com carga decisória, pouco importando o rito,<br />

pouco importando a natureza, se individual ou de Colegiado, desafia, de início,<br />

embargos declaratórios – tenho procedido assim como Relator.<br />

Quanto à matéria de fundo, em última análise, afastamos o provimento do<br />

extraordinário, no que este visou à reforma do que decidido pelo <strong>Tribunal</strong> Regional<br />

<strong>Federal</strong> da 5ª Região relativamente à percepção acumulada do que relativo ao<br />

cargo de Juiz. Era Juiz de <strong>Tribunal</strong>?


860<br />

R.T.J. — 202<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Juiz classista da Junta de Conciliação<br />

de Juazeiro do Norte.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): É uma situação muito peculiar,<br />

porque o juiz classista – hoje não temos mais essa figura na primeira instância –<br />

recebia avos do vencimento do juiz titular, a partir de comparecimentos.<br />

No caso, tenho o memorial em mesa, vejo que o cargo efetivo é de médico.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Ele disse que dois cargos de médico<br />

seriam acumuláveis, mas dois cargos de médico.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Vislumbro, na possibilidade de<br />

acumulação de até dois cargos idênticos – o de médico –, a viabilidade de acumular<br />

o de classista, com essas peculiaridades, e o de médico.<br />

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): A Constituição permite a acumulação<br />

de dois cargos de médico.<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Sim, mas vejo, nessa autorização,<br />

a possibilidade de acumular o cargo de médico com, levando em conta as<br />

peculiaridades, o de classista de Junta.<br />

Por isso, no caso, o provimento que dou é em extensão maior, para apontar<br />

que o recurso extraordinário não tinha condições de ser conhecido e provido.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

RE 496.246-ED/CE — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Embargante: Júlio<br />

Carlos Sampaio Neto (Advogados: José Célio Peixoto Silveira e outros).<br />

Embargada: União (Advogado: Advogado-Geral da União).<br />

Decisão: Por maioria de votos, a Turma converteu os embargos de declaração<br />

no recurso extraordinário em agravo regimental no recurso extraordinário;<br />

vencido o Ministro Marco Aurélio, Presidente. No mérito, deu-lhe parcial provimento<br />

para afastar a obrigatoriedade de devolução do que percebido pelo Agravante,<br />

nos termos do voto da Relatora; vencido, em parte, o Presidente, que lhe<br />

dava provimento em maior extensão. Ausente, justificadamente, o Ministro<br />

Sepúlveda Pertence.<br />

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />

Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Ausente, justificadamente,<br />

o Ministro Sepúlveda Pertence. Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo<br />

Janot.<br />

Brasília, 22 de maio de 2007 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


R.T.J. — 202 861<br />

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE<br />

INSTRUMENTO 497.905 — SP<br />

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello<br />

Embargante: Henry Naoum Haddad — Embargada: Maria da Conceição da<br />

Motta Hodge<br />

Agravo de instrumento – Embargos de declaração recebidos<br />

como recurso de agravo – Acórdão que defere medida cautelar –<br />

Ato decisório que não se reveste de definitividade – Mera análise<br />

dos pressupostos do fumus boni juris e do periculum in mora – Ausência<br />

de qualquer pronunciamento sobre os fundamentos constitucionais<br />

da impetração mandamental – Inviabilidade do recurso<br />

extraordinário – Agravo improvido.<br />

Não cabe recurso extraordinário contra decisões que concedem<br />

ou que denegam medidas cautelares ou provimentos liminares,<br />

pelo fato de que tais atos decisórios – precisamente porque<br />

fundados em mera verificação não conclusiva da ocorrência do<br />

periculum in mora e da relevância jurídica da pretensão deduzida<br />

pela parte interessada – não veiculam qualquer juízo definitivo de<br />

constitucionalidade, deixando de ajustar-se, em conseqüência, às<br />

hipóteses consubstanciadas no art. 102, III, da Constituição da República.<br />

Precedentes.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e<br />

das notas taquigráficas, preliminarmente, por unanimidade de votos, conhecer<br />

dos embargos de declaração como recurso de agravo. Prosseguindo no julgamento,<br />

e também por votação unânime, negar provimento ao recurso de agravo, nos<br />

termos do voto do Relator.<br />

Brasília, 28 de junho de 2005 — Celso de Mello, Presidente e Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de embargos de declaração opostos<br />

a decisão monocrática, que, proferida em sede de agravo de instrumento,<br />

interposto pela parte ora Embargante, negou provimento ao mencionado recurso.<br />

Inconformada com esse ato decisório, opõe, a parte ora Recorrente, os<br />

presentes embargos de declaração, alegando, em síntese a ocorrência dos vícios<br />

a que se refere o art. 535 do CPC.<br />

Submeto, à apreciação desta Colenda Turma, os presentes embargos<br />

declaratórios.<br />

É o relatório.


862<br />

R.T.J. — 202<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Cumpre acentuar, preliminarmente,<br />

que o <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> – embora sempre enfatizando que não<br />

cabem embargos declaratórios contra decisão singular proferida por Juiz desta<br />

Corte – tem conhecido desse recurso, quando deduzido, como “agravo regimental”<br />

(RTJ 145/664 – RTJ 153/834 – AI 243.159-ED/DF, Rel. Min. NÉRI DA<br />

SILVEIRA – AI 243.832-ED/MG, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.).<br />

Sendo assim, e considerando a jurisprudência de ambas as Turmas desta<br />

Suprema Corte, conheço do presente recurso como recurso de agravo e, em<br />

conseqüência, assim passo a apreciá-lo.<br />

E, ao fazê-lo, reconheço que não assiste razão à parte ora Recorrente, eis<br />

que a decisão agravada ajusta-se, com integral fidelidade, à diretriz jurisprudencial<br />

firmada pelo <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> na matéria ora em exame.<br />

É que, em situações como a destes autos, a jurisprudência do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> tem enfatizado não caber recurso extraordinário contra decisões<br />

que concedem ou que denegam medidas cautelares ou provimentos liminares,<br />

pelo fato de que tais atos decisórios – precisamente porque apenas fundados<br />

na verossimilhança das alegações ou na mera plausibilidade jurídica da pretensão<br />

deduzida – não veiculam qualquer juízo conclusivo de constitucionalidade,<br />

deixando de ajustar-se, em conseqüência, à hipótese consubstanciada no art.<br />

102, III, a, da Constituição, que, uma vez caracterizada, legitimaria a interposição<br />

de recurso extraordinário.<br />

Com efeito, ambas as Turmas do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> já firmaram<br />

entendimento no sentido de que o ato decisório – que apenas verifica a ocorrência<br />

do “periculum in mora” e a relevância jurídica da pretensão deduzida pelo<br />

autor – não traduz manifestação jurisdicional conclusiva em torno da procedência,<br />

ou não, dos fundamentos jurídicos alegados pela parte interessada, inviabilizando,<br />

desse modo, a utilização do recurso extraordinário, ante a ausência de<br />

contrariedade a qualquer dispositivo constitucional (AI 269.395/SP, Rel. Min.<br />

CELSO DE MELLO – RE 226.471/RO, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – RE<br />

234.153/PE, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RE 272.194/AL, Rel. Min. SYD-<br />

NEY SANCHES – RE 239.874-AgR/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, v.g.):<br />

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – DEMANDA CAUTELAR – Liminar. A<br />

liminar concedida em demanda cautelar, objeto de confirmação no julgamento de<br />

agravo de instrumento, não é impugnável mediante recurso extraordinário.<br />

(AI 245.703-AgR/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – Grifei.)<br />

Agravo regimental. Não-cabimento de recurso extraordinário contra acórdão<br />

que defere liminar por entender que ocorrem os requisitos do “fumus boni iuris” e do<br />

“periculum in mora”.<br />

- Em se tratando de acórdão que deu provimento a agravo para deferir a liminar<br />

pleiteada por entender que havia o “fumus boni iuris” e o “periculum in mora”, o que<br />

o aresto afirmou, com referência ao primeiro desses requisitos, foi que os fundamentos<br />

jurídicos (no caso, constitucionais) do mandado de segurança eram relevantes, o que,<br />

evidentemente, não é manifestação conclusiva da procedência deles para ocorrer a


R.T.J. — 202 863<br />

hipótese de cabimento do recurso extraordinário pela letra “a” do inciso III do art. 102<br />

da Constituição (que é a dos autos), que exige, necessariamente, decisão que haja desrespeitado<br />

dispositivo constitucional, por negar-lhe vigência ou por tê-lo interpretado erroneamente<br />

ao aplicá-lo ou ao deixar de aplicá-lo.<br />

Agravo a que se nega provimento.<br />

(AI 252.382-AgR/PE, Rel. Min. MOREIRA ALVES – Grifei.)<br />

Recurso extraordinário: cabimento: decisão cautelar, desde que definitiva: conseqüente<br />

inadmissibilidade contra acórdão que, em agravo, confirma liminar, a qual,<br />

podendo ser revogada a qualquer tempo pela instância a quo, é insuscetível de ensejar<br />

o cabimento do recurso extraordinário, não por ser interlocutória, mas sim por não ser<br />

definitiva.<br />

(RE 263.038/PE, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – Grifei.)<br />

Impende ressaltar, neste ponto, que o entendimento jurisprudencial ora<br />

referido sempre prevaleceu no <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, cuja orientação, na<br />

matéria, embora admitindo a possibilidade de interposição de recurso extraordinário<br />

contra decisão interlocutória, tem exigido, no entanto, que o ato decisório<br />

se revele definitivo (RTJ 17-18/114, Rel. Min. VICTOR NUNES – RTJ 31/322,<br />

Rel. Min. EVANDRO LINS):<br />

(...) O recurso extraordinário é admissível de decisão de caráter interlocutório,<br />

quando ela configura uma questão federal, encerrada definitivamente nas instâncias<br />

locais.<br />

(RTJ 41/153, Rel. Min. HERMES LIMA – Grifei.)<br />

Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, nego provimento<br />

ao presente recurso de agravo, mantendo, em conseqüência, por seus próprios<br />

fundamentos, a decisão ora questionada.<br />

É o meu voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

AI 497.905-ED/SP — Relator: Ministro Celso de Mello. Embargante:<br />

Henry Naoum Haddad (Advogados: Maria Angélica David Kreile e outros).<br />

Embargada: Maria da Conceição da Motta Hodge (Advogados: Natalia L. Pavan<br />

Imparato e outros).<br />

Decisão: A Turma, preliminarmente, por votação unânime, conheceu dos<br />

embargos de declaração como recurso de agravo. E a este, também por unanimidade,<br />

negou provimento, nos termos do voto do Relator.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Carlos Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral<br />

da República, Dra. Sandra Verônica Cureau.<br />

Brasília, 28 de junho de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


864<br />

R.T.J. — 202<br />

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE<br />

INSTRUMENTO 539.891 — RS<br />

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio<br />

Agravante: Moto Cicle Veículos Ltda. — Agravado: Estado do Rio Grande<br />

do Sul<br />

Tributo – Autolançamento – Exigibilidade. O instituto do<br />

autolançamento do tributo, a revelar, em última análise, a confissão<br />

do contribuinte, dispensa a notificação para ter-se a exigibilidade<br />

– Precedentes: RE 107.741-7/SP, Relator o Ministro Francisco<br />

Rezek, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 4 de abril de<br />

1986; RE 102.059-8/SP, Relator o Ministro Sydney Sanches, com<br />

acórdão publicado no Diário da Justiça de 1º de março de 1985;<br />

RE 93.039-6/SP, Relator o Ministro Djaci Falcão, com acórdão<br />

publicado no Diário da Justiça de 12 de abril de 1982; RE 93.036-<br />

1/SP, Relator o Ministro Rafael Mayer, com acórdão publicado no<br />

Diário da Justiça de 17 de outubro de 1980; e RE 87.229/SP, Relator<br />

o Ministro Cordeiro Guerra, com acórdão publicado no Diário<br />

da Justiça de 31 de março de 1978.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e<br />

das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental<br />

no agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente,<br />

o Ministro Sepúlveda Pertence.<br />

Brasília, 22 de maio de 2007 — Marco Aurélio, Presidente e Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Por meio da decisão de fl. 104, conheci e<br />

desprovi o agravo, consignando:<br />

Lançamento por homologação – Dispensa de auto de infração<br />

– Cerceio de defesa inexistente. Agravo desprovido.<br />

1. A hipótese versa sobre lançamento por homologação e a não-instauração de<br />

prévio procedimento administrativo. Os precedentes desta Corte sobre o tema são reiterados,<br />

no sentido de que não se configura, no caso, a transgressão do inciso LV do art.<br />

5º da Carta de 1988. É que a cobrança do tributo faz-se a partir da própria indicação<br />

formalizada pelo contribuinte. Essa modalidade de lançamento equivale à confissão,<br />

dispensando, portanto, o processo administrativo.<br />

2. Conheço deste agravo e o desprovejo.<br />

3. Publique-se.


R.T.J. — 202 865<br />

A Agravante, na minuta de fls. 108 a 114, discorre sobre os fatos do processo<br />

e sustenta que a disciplina atinente ao lançamento do tributo é da competência<br />

da União e que, nos termos do art. 46, inciso III, alínea b, da Constituição, a<br />

matéria está sujeita à edição de lei complementar. Aponta que, então, a Fazenda<br />

Pública estadual não poderia utilizar-se de informações prestadas pelo contribuinte<br />

para lavrar o autolançamento e, conseqüentemente, constituir o crédito<br />

tributário. Segundo alega, a atividade administrativa do lançamento é vinculada<br />

e obrigatória, sendo exercida pela autoridade administrativa, sob pena de responsabilidade<br />

funcional, conforme o art. 141 do Código Tributário Nacional. Assevera<br />

que o procedimento não comporta delegação, não existindo, portanto, crédito<br />

tributário formalizado pela confissão do contribuinte. Afirma a necessidade<br />

de ocorrer o lançamento pela autoridade administrativa competente, o que não<br />

seria suprível pelo comparecimento do sujeito passivo da obrigação tributária ao<br />

processo ou pelo fato de este haver prestado informações à autoridade fiscal.<br />

Disso resultaria que, entre a declaração do contribuinte e a formação do título<br />

executivo fiscal, pela inscrição na dívida ativa, viria o momento intermediário da<br />

realização do lançamento. Como decorrência dessa premissa, o Fisco deveria<br />

proceder a esse ato administrativo e à notificação do contribuinte para, querendo,<br />

apresentar impugnação, com a utilização de todos os meios de prova em direito<br />

admitidos, sob pena de nulidade por inobservância da garantia constitucional da<br />

ampla defesa e do contraditório.<br />

O Estado, na contraminuta de fls. 120 a 122, ressalta que a pretensão da<br />

Agravante está circunscrita à reapreciação da prova, o que não autoriza o conhecimento<br />

do extraordinário. Pede, por isso, o desprovimento do recurso.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na interposição deste agravo, foram<br />

observados os pressupostos de recorribilidade. A peça, subscrita por advogados<br />

regularmente constituídos, restou protocolada no prazo legal.<br />

O autolançamento do tributo é aplicado de preferência aos impostos indiretos<br />

e instantâneos, cujo fato gerador se realiza em cada ato, fato ou situação, pois<br />

seria impossível na prática que, a cada momento, a repartição pública competente<br />

efetuasse diretamente o lançamento. Assim, consoante dispõe o art. 150 do<br />

Código Tributário Nacional, o contribuinte de direito presta à autoridade administrativa<br />

informações sobre a matéria de fato, indispensável à efetivação do<br />

lançamento. Por isso, a notificação é desnecessária e não constitui condição de<br />

exigibilidade do tributo, porquanto o sujeito passivo da obrigação tributária tem<br />

conhecimento do montante do débito e do momento para a realização do pagamento.<br />

O crédito torna-se definitivo, independentemente da instauração de procedimento<br />

administrativo para a inscrição e posterior cobrança do débito fiscal,<br />

declarado e não pago, cuja liquidez e certeza foram declaradas pelo contribuinte –<br />

precedentes: RE 107.741-7/SP, Relator o Ministro Francisco Rezek, com acórdão


866<br />

R.T.J. — 202<br />

publicado no Diário da Justiça de 4 de abril de 1986; RE 102.059-8/SP, Relator o<br />

Ministro Sydney Sanches, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 1º de<br />

março de 1985; RE 93.039-6/SP, Relator o Ministro Djaci Falcão, com acórdão<br />

publicado no Diário da Justiça de 12 de abril de 1982; RE 93.036-1/SP, Relator<br />

o Ministro Rafael Mayer, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 17 de<br />

outubro de 1980; e RE 87.229/SP, Relator Ministro Cordeiro Guerra, com acórdão<br />

publicado no Diário da Justiça de 31 de março de 1978.<br />

Também não se verifica, no processo fiscal disciplinado pela legislação<br />

estadual, nenhuma invasão na competência da União para legislar sobre matéria<br />

tributária nem delegação de poder vedada pela Constituição, uma vez que a<br />

cobrança do tributo em decorrência de lançamento pelo contribuinte tem amparo<br />

em lei complementar – art. 150 do Código Tributário Nacional –, que não exige<br />

o procedimento administrativo de lançamento e notificação do obrigado. Incabível,<br />

portanto, a argüição de ofensa ao art. 146, inciso III, alínea b, da Carta <strong>Federal</strong>.<br />

Insubsistente, alfim, a alegação de cerceamento do direito de defesa, em<br />

virtude de o procedimento do lançamento por homologação dispensar a notificação<br />

do contribuinte. Conforme disposto no § 1º do art. 147 do Código Tributário<br />

Nacional, verificada a existência de erro na declaração, é facultado ao sujeito<br />

passivo da obrigação tributária proceder à retificação, antes de notificado o lançamento.<br />

Não há que falar, então, em inobservância à garantia prevista no art. 5º,<br />

inciso LV, da Constituição se, no momento próprio, o contribuinte não se<br />

desincumbiu do mister que se lhe impunha.<br />

Ante o exposto, conheço do agravo e o desprovejo. Imponho à Agravante,<br />

nos termos do art. 557, § 2º, do Código de Processo Civil, a multa de 5% sobre o<br />

valor da causa devidamente corrigido, a reverter em benefício do Agravado.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

AI 539.891-AgR/RS — Relator: Ministro Marco aurélio. Agravante: Moto<br />

Cicle Veículos Ltda. (Advogados: Geraldo Paulo Seifert e outros). Agravado:<br />

Estado do Rio Grande do Sul (Advogada: PGE/RS – Karina da Silva Brum).<br />

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no agravo de<br />

instrumento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidiu o julgamento o<br />

Ministro Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Ministro Sepúlveda Pertence.<br />

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros<br />

Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Ausente, justificadamente,<br />

o Ministro Sepúlveda Pertence. Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo<br />

Janot.<br />

Brasília, 22 de maio de 2007 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


R.T.J. — 202 867<br />

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE<br />

INSTRUMENTO 556.855 — BA<br />

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello<br />

Agravantes: José Eugênio Tramontano e outros — Agravada: União<br />

Agravo de instrumento – Ausência de impugnação dos fundamentos<br />

em que se assentou o ato decisório questionado – Recurso<br />

improvido.<br />

O recurso de agravo deve impugnar, especificadamente, todos<br />

os fundamentos da decisão agravada.<br />

- O recurso de agravo a que se referem os arts. 545 e 557, § 1º,<br />

ambos do CPC, deve infirmar todos os fundamentos jurídicos em que<br />

se assenta a decisão agravada. O descumprimento dessa obrigação<br />

processual, por parte do recorrente, torna inviável o recurso de agravo<br />

por ele interposto. Precedentes.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das<br />

notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de<br />

agravo, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento,<br />

os Ministros Carlos Velloso e Gilmar Mendes.<br />

Brasília, 25 de outubro de 2005 — Celso de Mello, Presidente e Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de recurso de agravo, tempestivamente<br />

interposto, contra decisão que não conheceu do agravo de instrumento<br />

deduzido pela parte ora Recorrente.<br />

Eis o teor da decisão, que, por mim proferida, sofreu a interposição do presente<br />

recurso de agravo (fl. 404):<br />

Este recurso não impugna o único fundamento em que se apóia o ato decisório<br />

ora questionado.<br />

A jurisprudência do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, por mais de uma vez, já advertiu<br />

sobre a imprescindibilidade de a parte Recorrente, quando da interposição do agravo<br />

de instrumento, impugnar todas as razões em que se assentou a decisão que não<br />

admitiu o recurso extraordinário (RTJ 133/485 – RTJ 145/940 – RTJ 158/975).<br />

Sendo assim, e pelas razões expostas, não conheço do presente agravo de instrumento.<br />

(...)<br />

Ministro CELSO DE MELLO<br />

Relator


868<br />

R.T.J. — 202<br />

Inconformada com esse ato decisório, a parte ora agravante interpõe o presente<br />

recurso, postulando o provimento do agravo de instrumento que deduziu<br />

(fls. 412/413), deixando, entretanto, de impugnar os fundamentos em que se assentou<br />

a decisão recorrida.<br />

Sendo esse o contexto, submeto, à apreciação desta Colenda Turma, o presente<br />

recurso de agravo.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): O presente recurso de agravo é<br />

inacolhível, eis que a parte ora agravante, ao insurgir-se contra a decisão ora<br />

questionada, deixou de ilidir os fundamentos jurídicos em que se assentou esse<br />

ato decisório.<br />

Ao assim proceder, a parte agravante descumpriu uma típica obrigação processual<br />

que lhe incumbia atender, pois, como se sabe, impõe-se ao Recorrente<br />

afastar, pontualmente, cada uma das razões invocadas como suporte da decisão<br />

agravada (AI 238.454-AgR/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).<br />

O descumprimento desse dever jurídico – ausência de impugnação de cada<br />

um dos fundamentos em que se apóia o ato decisório agravado – conduz, nos<br />

termos da orientação jurisprudencial firmada por esta Suprema Corte, ao<br />

improvimento do agravo interposto (RTJ 126/864 – RTJ 133/485 – RTJ 146/320):<br />

O RECURSO DE AGRAVO DEVE IMPUGNAR, ESPECIFICADAMENTE, TO-<br />

DOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA.<br />

- O recurso de agravo a que se referem os arts. 545 e 557, § 1º, ambos do CPC,<br />

na redação dada pela Lei 9.756/98, deve infirmar todos os fundamentos jurídicos em<br />

que se assenta a decisão agravada. O descumprimento dessa obrigação processual, por<br />

parte do Recorrente, torna inviável o recurso de agravo por ele interposto. Precedentes.<br />

(AI 257.310 - AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)<br />

Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, nego provimento<br />

ao presente recurso de agravo, mantendo, em conseqüência, por seus próprios<br />

fundamentos, a decisão ora agravada.<br />

É o meu voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

AI 556.855-AgR/BA — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravantes: José<br />

Eugênio Tramontano e outros (Advogado: Jairo Andrade de Miranda). Agravada:<br />

União (Advogado: Advogado-Geral da União).<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de<br />

agravo, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento,<br />

os Ministros Carlos Velloso e Gilmar Mendes.


R.T.J. — 202 869<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Carlos Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-<br />

Geral da República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos.<br />

Brasília, 25 de outubro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.<br />

.


870<br />

R.T.J. — 202<br />

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE<br />

INSTRUMENTO 557.353 — RS<br />

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello<br />

Agravante: Wesley de Macedo Zuanazzi — Agravado: Ministério Público<br />

do Estado do Rio Grande do Sul<br />

Agravo de instrumento – Processo de natureza penal – Início<br />

da contagem do prazo (CPP, art. 798, § 5º, a) – Data da efetiva<br />

intimação (e não da juntada, aos autos, do mandado de intimação) –<br />

Intempestividade do recurso interposto – Recurso não conhecido.<br />

- O início do prazo, em sede processual penal, há de se contar<br />

da data da efetiva ocorrência da intimação, e não da data em que se<br />

registrou, em momento ulterior, a juntada, aos autos, do respectivo<br />

mandado. Inteligência do art. 798, § 5º, a, do CPP. Doutrina.<br />

Súmula 710/STF.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e<br />

das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, não conhecer do recurso de<br />

agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento,<br />

a Ministra Ellen Gracie.<br />

Brasília, 7 de fevereiro de 2006 — Celso de Mello, Presidente e Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de recurso de agravo, que, interposto<br />

em sede processual penal, insurge-se contra decisão que negou provimento a<br />

agravo de instrumento interposto pela parte ora Recorrente, representada pela<br />

Defensoria Pública da União.<br />

A ilustrada Defensoria Pública foi intimada, pessoalmente, da decisão em<br />

causa e, a despeito da prerrogativa legal da contagem em dobro dos prazos<br />

processuais, deixou de interpor, em tempo oportuno, o pertinente recurso de<br />

agravo, não observando, no ponto, o que dispõe, em matéria de contagem de<br />

prazos processuais penais, a Súmula 710/STF.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Preliminarmente, não conheço do<br />

presente recurso de agravo, eis que deduzido extemporaneamente.


R.T.J. — 202 871<br />

Cumpre observar, por necessário, que a ilustrada Defensoria Pública foi<br />

intimada, pessoalmente, da decisão de fls. 70/72, em 14-6-05 (fl. 74), consumando-se,<br />

“in albis”, o prazo legal em 24-6-05, sexta-feira, não obstante consideradas,<br />

para esse efeito, as prerrogativas da intimação pessoal e da contagem em<br />

dobro dos prazos processuais.<br />

Impende assinalar, para os fins a que se refere o art. 798, § 5º, “a”, do CPP,<br />

que o início do prazo, em sede processual penal, há de se contar da data da<br />

efetiva ocorrência da intimação (que foi pessoal, no caso), e não da data em que<br />

se registrou, em momento ulterior, a juntada, aos autos, do respectivo mandado.<br />

Esse entendimento – que encontra apoio no magistério doutrinário<br />

(DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 420/421 e<br />

508, 14. ed., 1998, Saraiva; PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN e JORGE ASSAF<br />

MALULY, “Curso de Processo Penal”, p. 543/544, item n. 16.4.3.2, 3. ed., 2005,<br />

Forense; FAUZI HASSAN CHOUKR, “Código de Processo Penal – Comentários<br />

Consolidados e Crítica Jurisprudencial”, p. 967, 2005, Lumen Juris, v.g.) –<br />

nada mais reflete senão diretriz jurisprudencial desta Suprema Corte (RTJ<br />

133/1179, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), cuja orientação, no tema, adverte<br />

que, no âmbito do processo penal, o estatuto de regência pertinente à contagem<br />

dos prazos reside no art. 798, § 5º, “a”, do CPP, o que torna inaplicável, à<br />

matéria, a disciplina fundada na legislação processual civil (CPC, art. 241).<br />

Isso significa, portanto, diversamente do que sucede no âmbito do processo<br />

civil, que o início do prazo, em sede processual penal, há de se contar da data<br />

da efetiva ocorrência da intimação (CPP, art. 798, § 5º, “a”), e não da data em<br />

que se registrou, em momento ulterior, a juntada, aos autos, do respectivo mandado.<br />

Cabe acentuar, finalmente, por relevante, que essa exegese do art. 798,<br />

§ 5º, “a”, do CPP traduz posição predominante na jurisprudência do <strong>Supremo</strong><br />

<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, que se acha consolidada, presentemente, no enunciado constante<br />

da Súmula 710/STF, que assim dispõe: “No processo penal, contam-se os<br />

prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da<br />

carta precatória ou de ordem” (grifei).<br />

Sendo assim, e em face das razões expostas, não conheço, por intempestivo,<br />

do presente recurso de agravo.<br />

É o meu voto.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

AI 557.353-AgR/RS — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravante:<br />

Wesley de Macedo Zuanazzi (Advogada: Defensoria Pública da União). Agravado:<br />

Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul.<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, não conheceu do recurso de agravo,<br />

nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento,<br />

a Ministra Ellen Gracie.


872<br />

R.T.J. — 202<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen<br />

Gracie. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos.<br />

Brasília, 7 de fevereiro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


R.T.J. — 202 873<br />

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE<br />

INSTRUMENTO 562.241 — MG<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Agravante: Jonatas Lopes Pereira da Silva — Agravado: Ministério Público<br />

do Estado de Minas Gerais<br />

Ação penal. Homicídio doloso. Sentença de pronúncia. Fundamentação<br />

adstrita aos requisitos do art. 408 do Código de Processo<br />

Penal. Excesso de eloqüência acusatória. Não-ocorrência.<br />

Nulidade que, ademais, só se caracterizaria e apenas em relação<br />

ao respectivo julgamento, se, na sessão do júri, fossem lidas ou<br />

referidas expressões que revelassem tal excesso. Recurso extraordinário<br />

não conhecido. Agravos improvidos. Não há nulidade em<br />

sentença de pronúncia que, atendo-se aos requisitos do art. 408 do<br />

Código de Processo Penal, não incorre no chamado excesso de<br />

eloqüência acusatória, o qual, quando caracterizado e invocado<br />

na sessão, pode marear o veredicto do tribunal do júri.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Celso de<br />

Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do<br />

voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros<br />

Grau.<br />

Brasília, 31 de outubro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de agravo regimental interposto<br />

contra decisão que negou seguimento ao agravo de instrumento interposto de<br />

decisão que indeferira processamento de recurso extraordinário contra acórdão<br />

do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de Minas Gerais.<br />

O Agravante foi denunciado pela prática do delito previsto no art. 121, § 2º,<br />

incisos I e III, do Código Penal. Pronunciado, recorreu em sentido estrito, mas o<br />

<strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de Minas Gerais negou-lhe provimento ao recurso,<br />

nos termos da ementa:<br />

Recurso em sentido estrito – Pronúncia – Preliminar de excesso de fundamentação<br />

– Pré-julgamento – Inexistência da nulidade argüida – Rejeição – Prova da<br />

materialidade – Indícios suficientes de autoria – Desclassificação – Ausência de animus<br />

necandi não comprovada de forma inconteste – Aplicação do princípio do in dubio pro<br />

societate – Manutenção das qualificadoras – Inteligência da Súmula Criminal 64 do<br />

TJMG – Recurso conhecido, rejeitada a preliminar e, no mérito, desprovido.<br />

(Fl. 83.)


874<br />

Lê-se, ainda, no julgado:<br />

R.T.J. — 202<br />

Não merece prosperar a preliminar levantada.<br />

É certo que o Magistrado, no exame da prova dos autos, por ocasião da pronúncia,<br />

deve, ao fundamentar e assim cumprir requisito constitucional (art. 93, IX, da CF),<br />

ser comedido para evitar que suas palavras possam influir no ânimo dos jurados. Não lhe<br />

é permitido analisar, com profundidade, o mérito da causa e nem proceder à apreciação<br />

valorativa das provas colhidas ao longo da persecução penal, sob pena de pré-julgamento.<br />

Entretanto, não pode o Juiz de Direito ser lacônico, o que implicaria ofensa ao<br />

princípio constitucional da ampla defesa, pois o réu tem o direito de saber, em detalhes,<br />

as razões pelas quais está sendo sentenciado e remetido a julgamento pelo <strong>Tribunal</strong> do<br />

Júri.<br />

No caso concreto, o ilustre Magistrado a quo limitou-se a exteriorizar os motivos<br />

do seu convencimento, sem analisar com profundidade o mérito da causa.<br />

Conforme lhe competia, por expressa previsão legal (art. 408 do CPP), buscou<br />

decidir as questões conflituosas, sem efetivar a análise de todo o acervo probatório. Por<br />

tais razões, rejeito a preliminar.<br />

(Fl. 85.)<br />

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados, porque visavam à<br />

rediscussão de matéria já tratada expressamente no julgamento do recurso em<br />

sentido estrito (fl. 99).<br />

Em recurso extraordinário, o Recorrente alegou violação ao disposto no art.<br />

5º, XXXVIII, d, da Constituição da República, sob o fundamento de que a decisão<br />

de pronúncia teria extravasado os “limites de sua competência ao aprofundar-se<br />

no exame das provas externando juízo de certeza exclusivo do <strong>Tribunal</strong> do Júri”<br />

(fl. 106). Reportou-se, para isso, aos seguintes trechos da decisão de pronúncia:<br />

Ora, além das descrições do auto de corpo de delito, não há dúvida de que o<br />

ânimo do réu foi de matar a vítima, e não de praticar nela simples lesões corporais.<br />

Tendo o réu, de forma deliberada, desfiro (sic) chutes na cabeça da vítima,<br />

conforme demonstram o a. c. d. e as provas testemunhais, não pretendia simplesmente<br />

causar nela lesões corporais, mas agiu com propósito homicida. No mínimo, assumiu o<br />

risco de produzir a morte da vítima (art. 18, inciso I, segunda parte, do Código Penal).<br />

Por isso, mostra-se inviável, pelo menos nesta fase do processo, a desclassificação<br />

do crime.<br />

(Fl. 52.)<br />

O <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado de Minas Gerais, todavia, indeferiu o processamento<br />

do recurso extraordinário (fls. 117-118).<br />

Neguei, então, seguimento ao agravo de instrumento (fls. 144-146), nos<br />

seguintes termos:<br />

2. Inadmissível o recurso.<br />

Como esta Corte tem reiteradamente decidido (cf. HC 68.606, Rel. Min. Celso de<br />

Mello, DJ de 21-2-92; HC 77.044, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 7-8-98; HC<br />

81.959, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 7-6-02; HC 86.460, Rel. Min. Sepúlveda<br />

Pertence, DJ de 11-11-05), a fundamentação da decisão de pronúncia há de adscreverse<br />

aos requisitos do art. 408 do Código de Processo Penal, sem incorrer naquilo que o<br />

primeiro desses precedentes sintetiza como “excesso de eloqüência acusatória”.<br />

Não quadra, todavia, impor às decisões de pronúncia um padrão teórico de<br />

fundamentação, perante o qual as decisões sejam nulas por excesso ou por escassez de<br />

razões decisórias (cf. AI 406.566, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 30-9-02; AI<br />

482.807, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 28-11-03). É preciso examinar cada<br />

caso.


R.T.J. — 202 875<br />

Ora, a decisão aqui atacada equilibra-se entre o dever de motivação, constante do<br />

art. 93, inciso IX, da Constituição da República, e o de não exceder os limites próprios<br />

do juízo de pronúncia. Fundamenta com suficiência a impossibilidade de, ao menos<br />

nesse juízo, desclassificar a imputação formulada contra o ora Agravante, e, por conseqüência,<br />

remete a causa ao julgamento do tribunal do júri.<br />

Ademais, ainda que, por hipótese, estivera configurado eventual excesso, cumpre<br />

consignar que a doutrina tem sustentado, com acerto, que, “bem analisadas as coisas, o<br />

juiz que se excede na justificação da pronúncia não está invadindo a esfera de competência<br />

do júri, o que só ocorreria se, por absurdo, condenasse o réu ou o absolvesse por<br />

precariedade de provas. Tal excesso parece caracterizar, antes disso, uma impropriedade<br />

ligada ao estilo da motivação, ou seja, trata-se do emprego de expressões lingüísticas não<br />

apropriadas para um tipo de decisão que, apresentada em plenário, pode representar<br />

uma indevida influência na formação da convicção dos jurados. Sob esse enfoque,<br />

haverá também, nulidade, mas não da decisão de pronúncia e sim do julgamento em<br />

plenário, se aos jurados forem lidas ou referidas as expressões que revelam uma opinião<br />

judicial peremptória sobre questões relacionadas ao próprio mérito da causa” (FILHO,<br />

Antonio Magalhães Gomes. A motivação das decisões penais. São Paulo: Revista dos<br />

Tribunais, 2001, p. 234), o que, é óbvio, não pode ter ocorrido, pois que a sessão de<br />

julgamento está designada para o próximo dia 9 do corrente.<br />

3. Ante o exposto, nego seguimento ao agravo (arts. 21, § 1º, RISTF; 38 da Lei<br />

8.038, de 28-5-90; e 557 do CPC).<br />

(Fls. 144-146.)<br />

2. O Agravante insiste no processamento do recurso extraordinário, pelas<br />

razões expostas às fls. 155-160.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Inconsistente o agravo.<br />

A decisão impugnada reconheceu que a decisão que pronunciou o Paciente<br />

medeia entre o dever de motivação, constante do art. 93, inciso IX, da Constituição<br />

da República, e o de não exceder os limites próprios do juízo de pronúncia,<br />

porque fundamenta com suficiência a impossibilidade de, ao menos naquele<br />

juízo, desclassificar a imputação formulada contra o ora Agravante, e, por conseqüência,<br />

remete a causa ao julgamento do tribunal do júri.<br />

Ademais, nulidade haveria, se, na sessão do júri – que ainda não havia<br />

ocorrido, à data do julgamento do agravo de instrumento –, fossem lidas ou<br />

referidas expressões que revelassem o chamado “excesso de eloqüência acusatória”.<br />

Não logrou o Agravante, desse modo, convelir os fundamentos da decisão<br />

que, na instância de origem, lhe indeferiu o processamento do recurso extraordinário,<br />

nem os da que negou seguimento ao agravo de instrumento.<br />

Seu teor, portanto, subsiste invulnerável aos argumentos do recurso, os<br />

quais nada acrescentaram à compreensão e ao desate da quaestio iuris.<br />

2. Do exposto, nego provimento ao agravo, mantendo a decisão agravada<br />

por seus próprios fundamentos.


876<br />

R.T.J. — 202<br />

EXTRATO DA ATA<br />

AI 562.241-AgR/MG — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante:<br />

Jonatas Lopes Pereira da Silva (Advogados: Geraldo Eustáquio Alves e outros).<br />

Agravado: Ministério Público do Estado de Minas Gerais.<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de<br />

agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento,<br />

o Ministro Eros Grau.<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o<br />

Ministro Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto<br />

Nóbrega.<br />

Brasília, 31 de outubro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


R.T.J. — 202 877<br />

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO<br />

AGRAVO DE INSTRUMENTO 564.963 — BA<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Embargante: Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia – COELBA —<br />

Embargada: Crisvânia Soares Kirch<br />

Recurso. Embargos de declaração. Imposição de multa. Valor<br />

excessivo. Depósito efetuado. Redução. Embargos declaratórios<br />

acolhidos para esse fim. Autorização para levantamento da diferença.<br />

Se, perante o valor da causa, é demasiada a multa imposta<br />

com base no art. 557, § 2º, c/c os arts. 14, II e III, e 17, VII, do<br />

Código de Processo Civil, pode ser reduzida a valor inferior ao<br />

mínimo, nos termos do seu art. 18.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes,<br />

na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade<br />

de votos, receber parcialmente os embargos de declaração, nos termos do<br />

voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso<br />

de Mello.<br />

Brasília, 5 de dezembro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de embargos de declaração interpostos<br />

contra julgado assim ementado:<br />

Ementa: 1. Recurso. Extraordinário. Inadmissibilidade. Companhia Elétrica.<br />

Responsabilidade. Morte por acidente automobilístico. Veículo da empresa contratada<br />

mal estacionado em local sem iluminação. Indenização. Apreciação da causa<br />

perante a prova e a legislação infraconstitucional. Aplicação da Súmula 279. Não se<br />

admite, em recurso extraordinário, alegação de ofensa que, irradiando-se de má interpretação,<br />

aplicação, ou, até, de inobservância de normas infraconstitucionais, seria<br />

apenas indireta à Constituição da República, nem tampouco de violação que dependeria<br />

de reexame prévio de provas.<br />

2. Recurso. Agravo. Regimental. Jurisprudência assentada sobre a matéria.<br />

Caráter meramente abusivo. Litigância de má-fé. Imposição de multa. Aplicação do<br />

art. 557, § 2º, c/c os arts. 14, II e III, e 17, VII, do CPC. Quando abusiva a interposição<br />

de agravo, manifestamente inadmissível ou infundado, deve o <strong>Tribunal</strong> condenar o<br />

agravante a pagar multa ao agravado.<br />

Requer a Embargante sejam acolhidos e providos os presentes embargos,<br />

a fim de que: a) defina-se a base de cálculo sobre a qual deve incidir o percentual<br />

fixado, se sobre o valor atribuído à causa na petição inicial ou ao valor indenizatório<br />

deferido à Embargada; b) seja sanada a contradição entre a aplicação da


878<br />

R.T.J. — 202<br />

multa e a sua fundamentação; c) haja redução da multa aplicada, para evitar-se o<br />

enriquecimento sem causa da parte contrária; e d) após a redução da multa, seja<br />

expedido alvará para levantamento do saldo remanescente do depósito judicial<br />

efetuado.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Com razão a Embargante no que<br />

concerne ao valor da multa, que ficou obscuro ante a falta de elementos que lhe<br />

permitam a exata avaliação. Não parece, pois, infundado o reclamo da Embargante<br />

quando sustenta haver sido fixada em valor superior aos limites da razoabilidade<br />

e da proporcionalidade.<br />

Tomando por base a informação, trazida aos autos no presente recurso, de<br />

que o valor atribuído à causa, atualizado, estaria a ultrapassar o montante de R$<br />

3.000.000,00 (três milhões de reais – fl. 263), e atento ao disposto no art. 18 do<br />

Código de Processo Civil, reputo que o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais)<br />

seja apto a cumprir a função dissuasória inerente à sanção legal.<br />

2. Do exposto, acolho os embargos, apenas para reduzir a condenação da<br />

Embargante, por litigância de má-fé, ao valor correspondente a R$ 15.000,00<br />

(quinze mil reais), ficando-lhe autorizado o levantamento da diferença do depósito.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

AI 564.963-AgR-ED/BA — Relator: Ministro Cezar Peluso. Embargante:<br />

Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia – COELBA (Advogados: Angela<br />

Oliveira Baleeiro e outros). Embargada: Crisvânia Soares Kirch (Advogados:<br />

Carlos Frederico Guerra Andrade e outros).<br />

Decisão: Embargos de declaração recebidos parcialmente, nos termos do<br />

voto do Relator. Decisão unânime. Ausente, justificadamente, neste julgamento,<br />

o Ministro Celso de Mello. Presidiu este julgamento o Ministro Gilmar Mendes.<br />

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros<br />

Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro<br />

Celso de Mello. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica<br />

Cureau.<br />

Brasília, 5 de dezembro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


R.T.J. — 202 879<br />

QUESTÃO DE ORDEM NOS EMBARGOS DE<br />

DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE<br />

INSTRUMENTO 582.429 — MG<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Embargante: Fiat Automóveis S.A. — Embargado: Leonardo Silva Ferreira<br />

Julgamento. Nulidade caracterizada. Transação e desistência<br />

anteriores. Homologação. Extinção do recurso. Impossibilidade<br />

do julgamento. Desconstituição deste. Questão de ordem resolvida<br />

nesse sentido. É sem efeito o julgamento de recurso extinto por<br />

desistência anterior.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda<br />

Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, resolvendo<br />

questão de ordem, em face do trânsito em julgado da decisão embargada,<br />

por unanimidade, tornar sem efeito o julgamento dos presentes embargos, realizado<br />

em 14-12-06. Não participou, justificadamente, deste julgamento a Ministra<br />

Cármen Lúcia.<br />

Brasília, 6 de fevereiro de 2007 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: A Agravante opôs embargos de declaração<br />

contra acórdão assim ementado:<br />

Ementa: Recurso. Extraordinário. Inadmissibilidade. Horas extras. Trabalhador<br />

horista. Forma do pagamento. Divisor 180. Matéria Infraconstitucional. Agravo regimental<br />

não provido. Precedentes. A questão sobre o pagamento de horas extras a<br />

trabalhador horista submetido a turnos ininterruptos de revezamento e a aplicação do<br />

divisor para o cálculo de seu salário é regida pela legislação infraconstitucional.<br />

(Fl. 90.)<br />

Na sessão do dia 14 de dezembro de 2006, os embargos foram rejeitados à<br />

unanimidade por decisão da Primeira Turma, e a Embargante foi condenada a<br />

pagar ao Embargado multa de 1% do valor da causa.<br />

Ocorre, no entanto, que anteriormente a essa data, as partes celebraram<br />

acordo sobre o objeto do litígio e desistiram dos recursos pendentes de apreciação,<br />

conforme noticiado por meio do ofício de fl. 102.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Conforme informou o magistrado<br />

de primeiro grau, as partes firmaram transação, da qual, homologada, decorreu a<br />

desistência do recurso interposto, ainda antes do julgamento destes embargos de<br />

declaração.


880<br />

R.T.J. — 202<br />

Como o acordo homologado põe fim à controvérsia (CPC, art. 269, inciso<br />

III), e o ato de desistência recursal opera efeitos logo que praticado (CPC, art.<br />

501), os recursos então pendentes de apreciação estavam extintos.<br />

2. Do exposto, torno sem efeito o julgamento dos embargos de declaração,<br />

datado de 14 de dezembro do ano passado, reputando extinto os recursos e determinando<br />

remessa imediata dos autos ao Juízo de origem.<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Senhor Presidente, este é caso em que<br />

ocorreu equívoco. Julgamos embargos de declaração, quando já tinha havido<br />

desistência do recurso, em transação homologada pelo Juízo.<br />

Proponho tornar sem efeito o julgamento dos embargos.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

AI 582.429-AgR-ED-QO/MG — Relator: Ministro Cezar Peluso. Embargante:<br />

Fiat Automóveis S.A. (Advogados: Hélio Carvalho Santana e outros). Embargado:<br />

Leonardo Silva Ferreira (Advogados: Vânia Duarte Vieira Resende e<br />

outros).<br />

Decisão: A Turma, resolvendo questão de ordem, em face do trânsito em<br />

julgado da decisão embargada, tornou sem efeito o julgamento dos presentes<br />

embargos, realizado em 14-12-06. Unânime. Não participou, justificadamente,<br />

deste julgamento a Ministra Cármen Lúcia.<br />

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros<br />

Marco Aurélio, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Compareceu<br />

o Ministro Cezar Peluso, a fim de julgar processo a ele vinculado. Subprocurador-Geral<br />

da República, Dr. Rodrigo Janot.<br />

Brasília, 6 de fevereiro de 2007 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.


R.T.J. — 202 881<br />

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE<br />

INSTRUMENTO 608.432 — PR<br />

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso<br />

Agravante: Município de Curitiba — Agravada: Bilhares Palácio dos Esportes<br />

Ltda.<br />

1. Recurso. Agravo de instrumento. Petição de recurso extraordinário.<br />

Data de protocolo. Alegação de carimbo ilegível.<br />

Agravo regimental não provido. Não há que falar em ilegibilidade<br />

do protocolo de interposição de recurso extraordinário, quando de<br />

sua leitura for possível inferir que o recurso foi interposto tempestivamente.<br />

ACÓRDÃO<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda<br />

Turma do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, sob a Presidência do Ministro Celso de<br />

Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por<br />

unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do<br />

voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Gilmar<br />

Mendes.<br />

Brasília, 18 de dezembro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.<br />

RELATÓRIO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo regimental interposto contra<br />

decisão do teor seguinte:<br />

1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que indeferiu processamento<br />

de recurso extraordinário interposto contra acórdão do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Estado do<br />

Paraná que entendeu ser legítima a incidência do Imposto Sobre Serviço – ISSQN sobre<br />

a locação de bens móveis.<br />

2. Consistente o recurso.<br />

O acórdão impugnado decidiu em desconformidade com a jurisprudência assentada<br />

da Corte sobre o tema, como se pode ver na seguinte ementa exemplar:<br />

Tributo – Figurino constitucional. A supremacia da Carta <strong>Federal</strong> é<br />

conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos.<br />

Imposto sobre Serviços – Contrato de locação. A terminologia constitucional<br />

do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei<br />

Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de<br />

bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido<br />

próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas<br />

diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável<br />

– art. 110 do Código Tributário Nacional.<br />

(RE 116.121, Relator para o acórdão Min. Marco Aurélio, Plenário, DJ de 25-<br />

5-01, p. 17).


882<br />

R.T.J. — 202<br />

Também mais recentemente a Segunda Turma:<br />

Imposto sobre Serviços (ISS) – Locação de veículo automotor – Inadmissibilidade<br />

da incidência desse tributo municipal – Distinção entre locação de<br />

bens móveis (obrigação de dar ou de entregar) e prestação de serviços (obrigação<br />

de fazer) – Impossibilidade de a legislação tributária municipal alterar a<br />

definição e o alcance de conceitos de direito privado (CTN, art. 110) – Inconstitucionalidade<br />

do item 79 da antiga lista de serviços anexa ao Decreto-Lei 406/<br />

68) – Precedentes do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> – Atendimento, na espécie, dos<br />

pressupostos legitimadores da concessão de provimento cautelar (RTJ 174/437-<br />

438) – Outorga de eficácia suspensiva a recurso extraordinário, que, interposto<br />

por empresas locadoras de veículos automotores, já foi admitido pela presidência<br />

do tribunal recorrido – decisão referendada pela Turma.<br />

(AC 661-QO, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 8-4-05, Segunda Turma. No<br />

mesmo sentido: RE 445.981, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 8-4-05; RE 442.677,<br />

Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 15-4-05; RE 443.621, Rel. Min. Gilmar Mendes,<br />

DJ de 16-3-05.)<br />

3. Do exposto, adotando os fundamentos dos precedentes, e invocando o disposto<br />

no art. 544, § 3º e § 4º, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei 9.756/<br />

98 e pela Lei 8.950/94, acolho o agravo, para desde logo conhecer do recurso extraordinário<br />

e dar-lhe provimento, para julgar indevida a incidência do tributo, invertidos os<br />

ônus da sucumbência.<br />

(Fl. 209.)<br />

O Agravante requer a reconsideração da decisão recorrida em razão da existência<br />

de vício na formação do agravo de instrumento. Alega, em síntese, que o<br />

protocolo que indica a data da interposição do recurso extraordinário está ilegível,<br />

o que caracteriza óbice para a verificação de sua tempestividade.<br />

É o relatório.<br />

VOTO<br />

O Sr. Ministro Cezar Peluso(Relator): 1. Sem razão o Agravante.<br />

Não há que falar em ilegibilidade do carimbo do protocolo de interposição<br />

do recurso extraordinário, quando, de sua leitura, for possível verificar que o<br />

recurso extraordinário foi interposto tempestivamente.<br />

No caso em análise, conforme se depreende da leitura do carimbo de protocolo<br />

(fl. 137), verifica-se que o recurso extraordinário foi interposto em 1º de<br />

dezembro de 2003.<br />

2. Isso posto, nego provimento ao agravo.<br />

EXTRATO DA ATA<br />

AI 608.432-AgR/PR — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Município<br />

de Curitiba (Advogados: Roberto de Souza Moscoso e outros). Agravada:<br />

Bilhares Palácio dos Esportes Ltda. (Advogados: Luiz Alberto Giombelli Simoni<br />

e outros).<br />

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de<br />

agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento,<br />

o Ministro Gilmar Mendes.


R.T.J. — 202 883<br />

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros<br />

Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocuradora-<br />

Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau.<br />

Brasília, 18 de dezembro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.


ÍNDICE ALFABÉTICO


A<br />

PrPn Absolvição de co-réu. (...) Apelação criminal. AO 1.046 RTJ 202/472<br />

PrSTF Ação declaratória de constitucionalidade. (...) Medida cautelar. ADC<br />

11-MC RTJ 202/463<br />

PrSTF Ação declaratória de constitucionalidade. Pressupostos de admissibilidade.<br />

Controvérsia judicial. ADC 11-MC RTJ 202/463<br />

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. (...) Ação direta de<br />

inconstitucionalidade por omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Descabimento. Vantagem<br />

funcional: ausência de dotação orçamentária prévia. Aplicação no<br />

mesmo exercício financeiro: impossibilidade. CF/88, art. 169, § 1º.<br />

<strong>ADI</strong> 3.599 RTJ 202/569<br />

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. (...) Embargos de declaração.<br />

<strong>ADI</strong> 2.728-ED RTJ 202/516<br />

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Legitimidade ativa. Partido<br />

político. Perda superveniente de representação no Congresso Nacional.<br />

<strong>ADI</strong> 2.427 RTJ 202/510<br />

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Manifestação do Congresso<br />

Nacional: prejudicialidade inocorrente. Ofício do STF: ausência de<br />

folha. Novo prazo: descabimento. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. (...) Medida cautelar. <strong>ADI</strong><br />

3.684-MC RTJ 202/609<br />

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Prejudicialidade inocorrente.<br />

Alteração da norma impugnada. Cargo em comissão: criação. Modificação<br />

da denominação do cargo. Atribuições: alteração inocorrente.<br />

Aditamento. <strong>ADI</strong> 3.233 RTJ 202/553


888 Açã-Acu — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Ação direta de<br />

inconstitucionalidade. Autonomia processual: indistinção. Lista<br />

numérica: identidade. CF/88, art. 102, I, a. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Cabimento.<br />

Inertia deliberandi. Desencadeamento do processo legislativo: temperamento.<br />

CF/88, art. 18, § 4º, redação da EC 15/96. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ<br />

202/583<br />

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Cabimento.<br />

Omissão total ou parcial. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Ilegitimidade<br />

ativa. Presidente da República, Mesa do Senado <strong>Federal</strong> e Mesa da<br />

Câmara dos Deputados. Iniciativa legislativa. Estado de inconstitucionalidade:<br />

responsabilidade. Iniciativa privativa de Poder diverso:<br />

exceção. Princípio da maior eficácia possível à norma constitucional.<br />

CF/88, art. 103. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Legitimidade<br />

ativa. Presidente da Assembléia Legislativa. Mesa da Assembléia<br />

Legislativa: ausência de deliberação. Iniciativa: presunção de legitimidade.<br />

Substância: preferência sobre a forma. Constituição estadual:<br />

previsão de representação. Princípio da supremacia da Constituição.<br />

<strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Omissão constitucional:<br />

reconhecimento. Decisão mandamental. Legislador: dever<br />

de eliminação da inconstitucionalidade. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Processo objetivo.<br />

Ordem fundamental: defesa. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrPn Ação penal. Condenação penal: invalidação. Furto. Tipicidade<br />

penal: descaracterização material. Princípio da insignificância, da<br />

fragmentariedade e da intervenção mínima. De minimis, non curat<br />

praetor. HC 84.687 RTJ 202/682<br />

PrPn Ação penal: processo e julgamento. (...) Competência criminal. <strong>ADI</strong><br />

3.684-MC RTJ 202/609<br />

PrPn Ação penal pública condicionada. Legitimidade ativa. Ministério<br />

Público. Atentado violento ao pudor contra menor impúbere. Ofendido<br />

e representante legal: conflito de interesse. Curador especial:<br />

representação posterior. Constrangimento ilegal inocorrente. Condição<br />

de procedibilidade: dispensa de formalismo. HC 84.765 RTJ 202/690<br />

PrSTF Acórdão recorrido. (...) Recurso extraordinário. RE 394.167-AgR<br />

RTJ 202/828<br />

Adm Acumulação vedada. (...) Cargo público. RE 496.246-ED RTJ 202/<br />

852


ÍNDICE ALFABÉTICO — ADC-Ape<br />

889<br />

Ct ADCT da Constituição do Estado do Pará/89, art. 44: inconstitucionalidade.<br />

(...) Competência legislativa. <strong>ADI</strong> 3.438 RTJ 202/564<br />

Adm Adicional por tempo de serviço. (...) Vantagem. AI 471.215-AgR-ED-<br />

ED RTJ 202/849<br />

PrSTF Aditamento. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. <strong>ADI</strong> 3.233<br />

RTJ 202/553<br />

Adm Administração pública indireta. (...) Vantagem. AI 471.215-AgR-ED-<br />

ED RTJ 202/849<br />

PrSTF Advogado: credenciamento por ex-governador. (...) Embargos de<br />

declaração. <strong>ADI</strong> 2.728-ED RTJ 202/516<br />

Adm Afastamento cautelar do cargo: excesso de prazo. (...) Magistrado.<br />

HC 90.617-QO RTJ 202/785<br />

PrPn Agente policial. (...) Prova criminal. RHC 90.376 RTJ 202/764<br />

PrSTF Agravo: necessidade. (...) Recurso extraordinário. RE 422.228-AgR<br />

RTJ 202/831<br />

PrPn Agravo regimental. Intempestividade. Processo penal. Prazo: contagem.<br />

Termo inicial: efetiva intimação. CPP/41, art. 798, § 5º, a. Súmula<br />

710. AI 557.353-AgR RTJ 202/870<br />

PrCv Agravo regimental. Razões. Decisão agravada: ausência de impugnação<br />

dos fundamentos. CPC/73, arts. 545 e 547, § 1º. AI 556.855-<br />

AgR RTJ 202/867<br />

PrCv Agravo regimental: cabimento. (...) Mandado de segurança. MS<br />

25.846-QO RTJ 202/640<br />

PrCv Agravo regimental: provimento. (...) Embargos de declaração. AI<br />

471.215-AgR-ED-ED RTJ 202/849<br />

PrSTF Alteração da norma impugnada. (...) Ação direta de<br />

PrPn<br />

inconstitucionalidade. <strong>ADI</strong> 3.233 RTJ 202/553<br />

Ameaça ou lesão a direito: alegação. (...) Habeas corpus. HC 90.617-QO<br />

RTJ 202/785<br />

PrPn Andamento regular da ação penal: ameaça. (...) Prisão preventiva. HC<br />

86.175 RTJ 202/699<br />

Ct Animal submetido a crueldade. (...) Meio ambiente. <strong>ADI</strong> 3.776 RTJ<br />

202/620<br />

Ct Apelação criminal. (...) Competência originária. AO 1.046 RTJ 202/472<br />

PrPn Apelação criminal. Recurso. Pedido de extensão: descabimento.<br />

Absolvição de co-réu. Apelante: autor intelectual do crime. AO 1.046<br />

RTJ 202/472


890<br />

Ape-Bus — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

PrPn Apelante: autor intelectual do crime. (...) Apelação criminal. AO<br />

1.046 RTJ 202/472<br />

Ct Apelo ao legislador. (...) Controle de constitucionalidade. <strong>ADI</strong> 3.682<br />

RTJ 202/583<br />

PrPn Aplicação da lei penal. (...) Prisão preventiva. HC 89.078 RTJ 202/<br />

752<br />

PrSTF Aplicação no mesmo exercício financeiro: impossibilidade. (...) Ação<br />

direta de inconstitucionalidade. <strong>ADI</strong> 3.599 RTJ 202/569<br />

Ct Aposento de habitação coletiva ocupado: extensão. (...) Garantia<br />

constitucional. RHC 90.376 RTJ 202/764<br />

PrCv Arrecadação e produto da arrecadação: distinção. (...) Medida<br />

cautelar. AC 1.689-QO RTJ 202/506<br />

PrPn Assistente da acusação. (...) Júri. AO 1.046 RTJ 202/472<br />

Adm Assistente de segurança pública (suplente de delegado). (...) Cargo<br />

em comissão. <strong>ADI</strong> 2.427 RTJ 202/510<br />

PrPn Atentado violento ao pudor contra menor impúbere. (...) Ação penal<br />

pública condicionada. HC 84.765 RTJ 202/690<br />

PrPn Ato de ministro do STF. (...) Habeas corpus. HC 91.273-MC RTJ 202/<br />

808<br />

PrSTF Atribuições: alteração inocorrente. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.<br />

<strong>ADI</strong> 3.233 RTJ 202/553<br />

Adm Audição e ciência da vistoria: desnecessidade. (...) Desapropriação.<br />

MS 25.185 RTJ 202/634<br />

Trbt Autonomia estadual: ofensa inocorrente. (...) Imposto sobre Circulação<br />

de Mercadorias e Serviços (ICMS). <strong>ADI</strong> 3.246 RTJ 202/558<br />

Adm Autonomia: limite. (...) Universidade. RE 452.723-AgR RTJ 202/845<br />

PrSTF Autonomia processual: indistinção. (...) Ação direta de<br />

inconstitucionalidade por omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrPn Autoridade coatora. (...) Habeas corpus. HC 69.993 RTJ 202/667<br />

Ct Autoridade indicada: ampliação do rol por lei ordinária. (...) Competência<br />

originária. <strong>ADI</strong> 3.140 RTJ 202/530<br />

B<br />

Ct Banco: tempo máximo de espera na fila. (...) Competência legislativa.<br />

RE 367.192-AgR RTJ 202/825<br />

Ct Briga de galo. (...) Meio ambiente. <strong>ADI</strong> 3.776 RTJ 202/620<br />

PrPn Busca e apreensão. (...) Prova criminal. RHC 90.376 RTJ 202/764


ÍNDICE ALFABÉTICO — Cab-CF/<br />

C<br />

891<br />

PrSTF Cabimento. (...) Ação direta de inconstitucionalidade por omissão.<br />

<strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrPn Cabimento. (...) Habeas corpus. HC 90.617-QO RTJ 202/785<br />

PrCv Caráter abusivo: não-configuração. (...) Embargos de declaração. AI<br />

471.215-AgR-ED-ED RTJ 202/849<br />

Adm Cargo em comissão. Criação. Assistente de segurança pública (suplente<br />

de delegado). Função de delegado: impossibilidade. CF/88,<br />

art. 144, § 4º: ofensa. Lei estadual 10.704/94/PR: inconstitucionalidade.<br />

Lei estadual 10.818/94/PR: inconstitucionalidade. <strong>ADI</strong> 2.427<br />

RTJ 202/510<br />

Adm Cargo em comissão. Criação. Exercício de direção, chefia ou<br />

assessoramento: não-caracterização. CF/88, art. 37, II: ofensa. Lei<br />

estadual 6.600/98/PB, art. 1º, caput e I e II: inconstitucionalidade.<br />

Leis estaduais 7.679/04/PB e 7.696/04/PB: inconstitucionalidade.<br />

Lei Complementar estadual 57/03/PB, art. 5º: inconstitucionalidade.<br />

<strong>ADI</strong> 3.233 RTJ 202/553<br />

PrSTF Cargo em comissão: criação. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.<br />

<strong>ADI</strong> 3.233 RTJ 202/553<br />

Adm Cargo público. Juiz classista e médico veterinário. Acumulação vedada.<br />

Renúncia a uma remuneração: irrelevância. Valor recebido:<br />

devolução descabida. Valor social do trabalho. CF/88, art. 37, XVI.<br />

RE 496.246-ED RTJ 202/852<br />

Ct Casa: conceito. (...) Garantia constitucional. RHC 90.376 RTJ 202/<br />

764<br />

Adm Cerceamento de defesa: inocorrência. (...) Recurso administrativo.<br />

RMS 22.252 RTJ 202/631<br />

PrPn Certidão de oficial de justiça: presunção de veracidade. (...) Júri. AO<br />

1.046 RTJ 202/472<br />

Adm CF/88, arts. 2º; 5º, caput; 37, X; e 61, § 1º, II, a. (...) Remuneração. <strong>ADI</strong><br />

3.599 RTJ 202/569<br />

Cv CF/88, arts. 5º, IV, V, IX, X, XIII e XIV; e 220, caput e § 1º: inteligência.<br />

(...) Responsabilidade civil. RE 447.584 RTJ 202/833<br />

Ct CF/88, art. 5º, XI. (...) Garantia constitucional. RHC 90.376 RTJ 202/<br />

764<br />

PrPn CF/88, art. 5º, XI e LVI. (...) Prova criminal. RHC 90.376 RTJ 202/764<br />

PrPn CF/88, art. 5º, XXXV. (...) Habeas corpus. HC 90.617-QO RTJ 202/<br />

785


892<br />

CF/-CF/ — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

PrPn CF/88, art. 5º, LVII. (...) Processo criminal. HC 84.687 RTJ 202/682<br />

Trbt CF/88, arts. 18 e 155, § 2º, XII, g. (...) Imposto sobre Circulação de<br />

Mercadorias e Serviços (ICMS). <strong>ADI</strong> 3.246 RTJ 202/558<br />

PrSTF CF/88, art. 18, § 4º, redação da EC 15/96. (...) Ação direta de<br />

inconstitucionalidade por omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

Ct CF/88, art. 18, § 4º, redação da EC 15/96. (...) Município. <strong>ADI</strong> 3.682<br />

RTJ 202/583<br />

Ct CF/88, art. 22, I. (...) Competência legislativa. <strong>ADI</strong> 3.438 RTJ 202/<br />

564<br />

Ct CF/88, art. 22, XX. (...) Competência legislativa. <strong>ADI</strong> 3.147 RTJ 202/<br />

537<br />

Ct CF/88, art. 27, § 1º. (...) Deputado estadual. <strong>ADI</strong> 3.825-MC RTJ 202/<br />

624<br />

Ct CF/88, art. 30, I. (...) Competência legislativa. RE 367.192-AgR RTJ<br />

202/825<br />

Adm CF/88, art. 37, II: ofensa. (...) Cargo em comissão. <strong>ADI</strong> 3.233 RTJ 202/<br />

553<br />

Adm CF/88, art. 37, XVI. (...) Cargo público. RE 496.246-ED RTJ 202/852<br />

Ct CF/88, art. 64, § 1º e § 2º: hipótese excepcional. (...) Processo<br />

legislativo. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrPn CF/88, art. 93, IX. (...) Pronúncia. AI 562.241-AgR RTJ 202/873<br />

Pn CF/88, art. 93, IX: compatibilidade. (...) Pena. HC 69.987 RTJ 202/<br />

664<br />

Ct CF/88, art. 97. (...) Controle de constitucionalidade. RE 255.147-<br />

AgR RTJ 202/822<br />

PrSTF CF/88, arts. 97 e 102, I, b. (...) Recurso extraordinário. RE 394.167-<br />

AgR RTJ 202/828<br />

PrSTF CF/88, art. 102, I, a. (...) Ação direta de inconstitucionalidade por<br />

omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

Ct CF/88, art. 102, I, n. (...) Competência originária. AO 1.046 RTJ 202/<br />

472<br />

PrSTF CF/88, art. 103. (...) Ação direta de inconstitucionalidade por omissão.<br />

<strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrPn CF/88, art. 114, I, IV e IX, redação da EC 45/03: interpretação conforme<br />

à Constituição. (...) Competência criminal. <strong>ADI</strong> 3.684-MC RTJ 202/<br />

609<br />

Ct CF/88, art. 125, § 1º: ofensa. (...) Competência originária. <strong>ADI</strong> 3.140<br />

RTJ 202/530


ÍNDICE ALFABÉTICO — CF/-Com<br />

893<br />

Adm CF/88, art. 144, § 4º: ofensa. (...) Cargo em comissão. <strong>ADI</strong> 2.427 RTJ<br />

202/510<br />

PrCv CF/88, art. 158, IV. (...) Medida cautelar. AC 1.689-QO RTJ 202/506<br />

PrSTF CF/88, art. 169, § 1º. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. <strong>ADI</strong><br />

3.599 RTJ 202/569<br />

Ct CF/88, art. 225, § 1º, VII. (...) Meio ambiente. <strong>ADI</strong> 3.776 RTJ 202/620<br />

PrPn Chefia em “célula criminosa”. (...) Prisão preventiva. HC 87.847-<br />

AgR RTJ 202/730<br />

Pn Circunstância judicial: reconhecimento. (...) Crime continuado. HC<br />

88.528 RTJ 202/743<br />

PrCv Citação: descabimento. (...) Medida cautelar. AC 1.689-QO RTJ 202/<br />

506<br />

PrSTF Cláusula contratual. (...) Recurso extraordinário. RE 394.167-AgR<br />

RTJ 202/828<br />

PrSTF Colônia de férias. (...) Recurso extraordinário. RE 245.093-AgR RTJ<br />

202/819<br />

PrPn Competência criminal. Justiça comum. Ação penal: processo e julgamento.<br />

Justiça do Trabalho: incompetência. Princípio da legalidade e<br />

do juiz natural. CF/88, art. 114, I, IV e IX, redação da EC 45/03:<br />

interpretação conforme à Constituição. <strong>ADI</strong> 3.684-MC RTJ 202/609<br />

PrPn Competência criminal. Justiça comum estadual. Militar do Exército<br />

em atividade civil: participação em festa carnavalesca. Crime contra<br />

policial militar em serviço. CPM/69, art. 9º, II, a. RHC 88.122 RTJ<br />

202/736<br />

PrPn Competência do relator: ausência. (...) Habeas corpus. HC 91.273-<br />

MC RTJ 202/808<br />

Ct Competência legislativa. Município. Banco: tempo máximo de espera<br />

na fila. Interesse local. CF/88, art. 30, I. RE 367.192-AgR RTJ 202/<br />

825<br />

Ct Competência legislativa. União <strong>Federal</strong>. Direito civil. Posse e propriedade.<br />

CF/88, art. 22, I. Constituição do Estado do Pará/89, art. 316,<br />

caput e § 1º e § 2º: inconstitucionalidade. ADCT da Constituição do<br />

Estado do Pará/89, art. 44: inconstitucionalidade. <strong>ADI</strong> 3.438 RTJ<br />

202/564<br />

Ct Competência legislativa. União <strong>Federal</strong>. Sistemas de consórcios e<br />

sorteios. CF/88, art. 22, XX. Decreto estadual 11.106/03/PI: inconstitucionalidade.<br />

Decreto estadual 11.435/04/PI: inconstitucionalidade.<br />

<strong>ADI</strong> 3.147 RTJ 202/537<br />

Trbt Competência legislativa da União: ofensa inocorrente. (...) Débito<br />

fiscal. AI 539.891-AgR RTJ 202/864


894<br />

Com-Con — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

Ct Competência originária. <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (STF). Apelação<br />

criminal. Impedimento ou suspeição de mais da metade dos membros<br />

de tribunal de origem. CF/88, art. 102, I, n. AO 1.046 RTJ 202/472<br />

Ct Competência originária. <strong>Tribunal</strong> de Justiça. Mandado de segurança<br />

e habeas data: processo e julgamento. Autoridade indicada: ampliação<br />

do rol por lei ordinária. CF/88, art. 125, § 1º: ofensa. Constituição do<br />

Estado do Ceará/89, art. 108, VII, b, expressão: inconstitucionalidade.<br />

<strong>ADI</strong> 3.140 RTJ 202/530<br />

PrPn Complexidade da causa: pluralidade de réus e delitos. (...) Prisão<br />

preventiva. HC 87.847-AgR RTJ 202/730<br />

Adm Conceito público do cargo: tutela. (...) Magistrado. HC 90.617-QO<br />

RTJ 202/785<br />

Pn Concurso material: configuração. (...) Regime prisional. HC 89.770<br />

RTJ 202/761<br />

PrPn Condenação penal: invalidação. (...) Ação penal. HC 84.687 RTJ<br />

202/682<br />

PrPn Condenação penal irrecorrível: ausência. (...) Processo criminal. HC<br />

84.687 RTJ 202/682<br />

PrPn Condição de procedibilidade: dispensa de formalismo. (...) Ação<br />

penal pública condicionada. HC 84.765 RTJ 202/690<br />

PrPn Conexão e continência: inaplicabilidade. (...) Processo criminal. HC<br />

91.273-MC RTJ 202/808<br />

Ct Congresso Nacional: providência legislativa no prazo de 18 meses.<br />

(...) Município. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrPn Conhecimento. (...) Habeas corpus. HC 86.916 RTJ 202/705<br />

Ct Constituição do Estado do Ceará/89, art. 108, VII, b, expressão:<br />

inconstitucionalidade. (...) Competência originária. <strong>ADI</strong> 3.140 RTJ<br />

202/530<br />

Ct Constituição do Estado do Pará/89, art. 316, caput e § 1º e § 2º:<br />

inconstitucionalidade. (...) Competência legislativa. <strong>ADI</strong> 3.438 RTJ<br />

202/564<br />

PrSTF Constituição estadual: previsão de representação. (...) Ação direta de<br />

inconstitucionalidade por omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrPn Constituição <strong>Federal</strong>: fixação da competência do STF. (...) Processo<br />

criminal. HC 91.273-MC RTJ 202/808<br />

PrPn Constrangimento ilegal inocorrente. (...) Ação penal pública condicionada.<br />

HC 84.765 RTJ 202/690<br />

PrPn Constrangimento ilegal inocorrente. (...) Instrução criminal. HC<br />

88.740 RTJ 202/749


ÍNDICE ALFABÉTICO — Con-CPP<br />

895<br />

Pn Continuidade delitiva: inocorrência. (...) Regime prisional. HC<br />

89.770 RTJ 202/761<br />

Ct Controle de constitucionalidade. Incidenter tantum. Órgão fracionário.<br />

Reserva de plenário: ofensa. CF/88, art. 97. RE 255.147-AgR<br />

RTJ 202/822<br />

Ct Controle de constitucionalidade. Omissão. Técnica. Declaração de<br />

inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade. Apelo ao legislador.<br />

Princípio da independência e harmonia dos Poderes. Postulado<br />

democrático. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

Ct Controle jurisdicional. (...) Medida provisória. ADC 11-MC RTJ<br />

202/463<br />

PrSTF Controvérsia judicial. (...) Ação declaratória de constitucionalidade.<br />

ADC 11-MC RTJ 202/463<br />

Trbt Convênio interestadual: necessidade. (...) Imposto sobre Circulação<br />

de Mercadorias e Serviços (ICMS). <strong>ADI</strong> 3.246 RTJ 202/558<br />

Pn CP/40, art. 71, parágrafo único: impossibilidade de aplicação imediata.<br />

(...) Crime continuado. HC 88.528 RTJ 202/743<br />

Pn CP/40, art. 117. (...) Prescrição. HC 69.859 RTJ 202/660<br />

Ct CP/40, art. 150, § 4º, II. (...) Garantia constitucional. RHC 90.376 RTJ<br />

202/764<br />

PrCv CPC/73, arts. 14, II e III; 17, VII; 18; e 557, § 2º. (...) Embargos de<br />

declaração. AI 564.963-AgR-ED RTJ 202/877<br />

PrCv CPC/73, arts. 545 e 547, § 1º. (...) Agravo regimental. AI 556.855-<br />

AgR RTJ 202/867<br />

PrSTF CPC/73, art. 557, § 1º. (...) Recurso extraordinário. RE 422.228-AgR<br />

RTJ 202/831<br />

PrCv CPC/73, arts. 796 e seguintes: inaplicabilidade. (...) Medida cautelar.<br />

AC 1.689-QO RTJ 202/506<br />

PrPn CPM/69, art. 9º, II, a. (...) Competência criminal. RHC 88.122 RTJ<br />

202/736<br />

PrPn CPP/41, art. 41. (...) Denúncia. RHC 90.376 RTJ 202/764<br />

PrPn CPP/41, art. 312. (...) Prisão preventiva. HC 89.078 RTJ 202/752<br />

PrPn CPP/41, art. 408. (...) Pronúncia. AI 562.241-AgR RTJ 202/873<br />

PrPn CPP/41, art. 433. (...) Júri. AO 1.046 RTJ 202/472<br />

PrPn CPP/41, art. 580: inteligência. (...) Habeas corpus. HC 86.916 RTJ<br />

202/705<br />

PrPn CPP/41, art. 798, § 5º, a. (...) Agravo regimental. AI 557.353-AgR RTJ<br />

202/870


896<br />

Cri-Dec — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

Adm Criação. (...) Cargo em comissão. <strong>ADI</strong> 2.427 RTJ 202/510 – <strong>ADI</strong><br />

3.233 RTJ 202/553<br />

Ct Criação. (...) Município. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

Pn Crime continuado. Crimes da mesma espécie: sucessão. Extorsão<br />

mediante seqüestro. Circunstância judicial: reconhecimento. Unificação<br />

da pena: Juízo da Execução. CP/40, art. 71, parágrafo único:<br />

impossibilidade de aplicação imediata. HC 88.528 RTJ 202/743<br />

PrPn Crime contra a ordem tributária e o sistema financeiro . (...) Habeas<br />

corpus. HC 88.421 RTJ 202/739<br />

PrPn Crime contra policial militar em serviço. (...) Competência criminal.<br />

RHC 88.122 RTJ 202/736<br />

Pn Crime hediondo. (...) Regime prisional. HC 89.770 RTJ 202/761<br />

Pn Crimes da mesma espécie: sucessão. (...) Crime continuado. HC<br />

88.528 RTJ 202/743<br />

Trbt CTN/66, art. 150: previsão. (...) Débito fiscal. AI 539.891-AgR RTJ<br />

202/864<br />

PrPn Curador especial: representação posterior. (...) Ação penal pública<br />

condicionada. HC 84.765 RTJ 202/690<br />

D<br />

Cv Dano moral. (...) Responsabilidade civil. RE 447.584 RTJ 202/833<br />

Ct Data da posse: modificação. (...) Deputado estadual. <strong>ADI</strong> 3.825-MC<br />

RTJ 202/624<br />

PrSTF Data do protocolo: legibilidade. (...) Recurso extraordinário. AI<br />

608.432-AgR RTJ 202/881<br />

PrPn De minimis, non curat praetor. (...) Ação penal. HC 84.687 RTJ 202/<br />

682<br />

Trbt Débito fiscal. Lançamento por homologação. Procedimento administrativo:<br />

dispensa. Competência legislativa da União: ofensa inocorrente.<br />

CTN/66, art. 150: previsão. AI 539.891-AgR RTJ 202/864<br />

PrCv Decisão agravada: ausência de impugnação dos fundamentos. (...)<br />

Agravo regimental. AI 556.855-AgR RTJ 202/867<br />

PrPn Decisão colegiada: exigência. (...) Habeas corpus. HC 91.273-MC<br />

RTJ 202/808<br />

PrPn Decisão contrária à prova dos autos: ausência. (...) Júri. AO 1.046 RTJ<br />

202/472


ÍNDICE ALFABÉTICO — Dec-Des<br />

897<br />

PrSTF Decisão de relator de Turma Recursal de Juizado Especial. (...) Recurso<br />

extraordinário. RE 422.228-AgR RTJ 202/831<br />

PrSTF Decisão mandamental. (...) Ação direta de inconstitucionalidade por<br />

omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrSTF Decisão plenária: traslado ausente. (...) Recurso extraordinário. RE<br />

394.167-AgR RTJ 202/828<br />

PrSTF Decisão que concede ou denega medida liminar. (...) Recurso extraordinário.<br />

AI 497.905-ED RTJ 202/861<br />

PrSTF Declaração de inconstitucionalidade. (...) Recurso extraordinário.<br />

RE 394.167-AgR RTJ 202/828<br />

PrSTF Declaração de inconstitucionalidade: retroatividade. (...) Embargos<br />

de declaração. <strong>ADI</strong> 2.728-ED RTJ 202/516<br />

Ct Declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade. (...)<br />

Controle de constitucionalidade. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

Ct Decreto estadual 11.106/03/PI: inconstitucionalidade. (...) Competência<br />

legislativa. <strong>ADI</strong> 3.147 RTJ 202/537<br />

Ct Decreto estadual 11.435/04/PI: inconstitucionalidade. (...) Competência<br />

legislativa. <strong>ADI</strong> 3.147 RTJ 202/537<br />

PrPn Defensor público. (...) Intimação criminal. HC 85.946 RTJ 202/695<br />

Ct Deliberação. (...) Processo legislativo. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrPn Denúncia. Inépcia inocorrente. Descrição suficiente do fato. Direito<br />

de defesa: exercício. CPP/41, art. 41. RHC 90.376 RTJ 202/764<br />

PrPn Denúncia. Inépcia inocorrente. Ilegalidade ou abuso de poder: ausência.<br />

HC 90.617-QO RTJ 202/785<br />

Adm Denúncia: recebimento pelo STJ. (...) Magistrado. HC 90.617-QO<br />

RTJ 202/785<br />

Ct Deputado estadual. Eleição. Data da posse: modificação. Modelo<br />

federal: observância compulsória. CF/88, art. 27, § 1º. <strong>ADI</strong> 3.825-MC<br />

RTJ 202/624<br />

PrCv Desapropriação. (...) Mandado de segurança. MS 25.185 RTJ 202/<br />

634<br />

Adm Desapropriação. Reforma agrária. Entidade de classe. Indicação de<br />

imóvel: ausência. Audição e ciência da vistoria: desnecessidade. MS<br />

25.185 RTJ 202/634<br />

Adm Desapropriação. Reforma agrária. Imóvel rural. Notificação prévia<br />

por edital: regularidade. Laudo firmado por engenheiro em débito:<br />

irrelevância. MS 25.185 RTJ 202/634


898<br />

Des-Efi — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

PrSTF Descabimento. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. <strong>ADI</strong> 3.599<br />

RTJ 202/569<br />

PrPn Descabimento. (...) Habeas corpus. HC 89.198-AgR RTJ 202/757<br />

PrSTF Descabimento. (...) Recurso extraordinário. RE 394.167-AgR RTJ<br />

202/828 – RE 422.228-AgR RTJ 202/831 – AI 497.905-ED RTJ 202/<br />

861<br />

PrPn Descrição suficiente do fato. (...) Denúncia. RHC 90.376 RTJ 202/764<br />

Adm Desembargador. (...) Magistrado. HC 90.617-QO RTJ 202/785<br />

PrPn Desembargador: afastamento cautelar do cargo. (...) Habeas corpus.<br />

HC 90.617-QO RTJ 202/785<br />

PrSTF Desencadeamento do processo legislativo: temperamento. (...) Ação<br />

direta de inconstitucionalidade por omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/<br />

583<br />

PrCv Desistência: homologação. (...) Embargos de declaração. AI<br />

582.429-AgR-ED-QO RTJ 202/879<br />

PrPn Desmembramento. (...) Processo criminal. HC 91.273-MC RTJ 202/<br />

808<br />

Ct Direito civil. (...) Competência legislativa. <strong>ADI</strong> 3.438 RTJ 202/564<br />

PrPn Direito de defesa: exercício. (...) Denúncia. RHC 90.376 RTJ 202/764<br />

PrPn Distribuição prévia e regular. (...) Procedimento penal. HC 69.993<br />

RTJ 202/667<br />

Ct Domicílio: inviolabilidade. (...) Garantia constitucional. RHC<br />

90.376 RTJ 202/764<br />

PrPn Domicílio: violação. (...) Prova criminal. RHC 90.376 RTJ 202/764<br />

PrPn Dosimetria da pena: impossibilidade de agravamento. (...) Processo<br />

criminal. HC 84.687 RTJ 202/682<br />

E<br />

PrSTF Efeito ex tunc. (...) Medida cautelar. <strong>ADI</strong> 3.684-MC RTJ 202/609<br />

PrCv Efeito modificativo. (...) Embargos de declaração. AI 471.215-AgR-<br />

ED-ED RTJ 202/849<br />

PrCv Efeito suspensivo a recurso extraordinário. (...) Medida cautelar. AC<br />

1.469-AgR RTJ 202/502 – AC 1.689-QO RTJ 202/506<br />

PrCv Efeito suspensivo a recurso extraordinário admitido. (...) Medida<br />

cautelar. AC 1.689-QO RTJ 202/506<br />

Pn Eficácia interruptiva. (...) Prescrição. HC 69.859 RTJ 202/660


ÍNDICE ALFABÉTICO — Ele-Exc<br />

899<br />

Ct Eleição. (...) Deputado estadual. <strong>ADI</strong> 3.825-MC RTJ 202/624<br />

PrSTF Embargos à execução. (...) Medida cautelar. ADC 11-MC RTJ 202/<br />

463<br />

PrSTF Embargos de declaração. Ação direta de inconstitucionalidade. Legitimidade<br />

para recorrer. Governador. Procuradora-chefe do Estado:<br />

subscrição. Mandato: desnecessidade. Advogado: credenciamento<br />

por ex-governador. Representação processual: regularidade. Princípio<br />

da impessoalidade. <strong>ADI</strong> 2.728-ED RTJ 202/516<br />

PrSTF Embargos de declaração. Ação direta de inconstitucionalidade.<br />

Omissão: ausência. Declaração de inconstitucionalidade: retroatividade.<br />

Limitação dos efeitos: ausência de pedido anterior. <strong>ADI</strong> 2.728-<br />

ED RTJ 202/516<br />

PrCv Embargos de declaração. Desistência: homologação. Julgamento:<br />

nulidade. AI 582.429-AgR-ED-QO RTJ 202/879<br />

PrCv Embargos de declaração. Multa em agravo regimental: pagamento.<br />

Redução do valor. Levantamento da diferença: autorização. CPC/73,<br />

arts. 14, II e III; 17, VII; 18; e 557, § 2º. AI 564.963-AgR-ED RTJ 202/<br />

877<br />

PrCv Embargos de declaração. Omissão. Efeito modificativo. Agravo regimental:<br />

provimento. AI 471.215-AgR-ED-ED RTJ 202/849<br />

PrCv Embargos de declaração. Segundos embargos. Multa em agravo<br />

regimental: revogação. Litigância de má-fé: ausência. Caráter<br />

abusivo: não-configuração. AI 471.215-AgR-ED-ED RTJ 202/849<br />

Adm Entidade da administração indireta. (...) Universidade. RE 452.723-<br />

AgR RTJ 202/845<br />

Adm Entidade de classe. (...) Desapropriação. MS 25.185 RTJ 202/634<br />

Ct Estado de inconstitucionalidade: necessidade de reconhecimento<br />

pelo legislador. (...) Município. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrSTF Estado de inconstitucionalidade: responsabilidade. (...) Ação direta<br />

de inconstitucionalidade por omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrCv Estado-membro: concessão de incentivo fiscal e creditício. (...) Medida<br />

cautelar. AC 1.689-QO RTJ 202/506<br />

Pn Estupro e atentado violento ao pudor. (...) Regime prisional. HC<br />

89.770 RTJ 202/761<br />

PrPn Excesso de eloqüência acusatória: ausência. (...) Pronúncia. AI<br />

562.241-AgR RTJ 202/873<br />

PrPn Excesso de prazo. (...) Habeas corpus. HC 90.617-QO RTJ 202/785<br />

PrPn Excesso de prazo: configuração. (...) Instrução criminal. HC 88.740<br />

RTJ 202/749


900<br />

Exc-Gar — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

PrPn Excesso de prazo: inocorrência. (...) Prisão preventiva. HC 87.847-<br />

AgR RTJ 202/730<br />

Adm Exercício de direção, chefia ou assessoramento: não-caracterização.<br />

(...) Cargo em comissão. <strong>ADI</strong> 3.233 RTJ 202/553<br />

Ct Existência de fato do Município. (...) Município. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/<br />

583<br />

PrPn Extensão a co-réu. (...) Habeas corpus. HC 86.916 RTJ 202/705 – HC<br />

88.528 RTJ 202/743<br />

PrPn Extensão a co-réu: impossibilidade. (...) Habeas corpus. HC 88.528<br />

RTJ 202/743<br />

Pn Extorsão mediante seqüestro. (...) Crime continuado. HC 88.528 RTJ<br />

202/743<br />

F<br />

PrSTF Fazenda Pública. (...) Medida cautelar. ADC 11-MC RTJ 202/463<br />

Pn Fixação acima do mínimo legal. (...) Pena-base. HC 82.713 RTJ 202/<br />

675<br />

Pn Fixação no mínimo legal. (...) Pena. HC 69.987 RTJ 202/664<br />

PrPn Foro por prerrogativa de função: ausência. (...) Processo criminal. HC<br />

91.273-MC RTJ 202/808<br />

PrPn Fuga do acusado após a prática do delito. (...) Prisão preventiva. HC<br />

89.078 RTJ 202/752<br />

Adm Função de delegado: impossibilidade. (...) Cargo em comissão. <strong>ADI</strong><br />

2.427 RTJ 202/510<br />

Pn Fundamentação insuficiente. (...) Pena-base. HC 82.713 RTJ 202/675<br />

PrPn Fundamentação suficiente. (...) Prisão preventiva. HC 86.175 RTJ<br />

202/699 – HC 87.847-AgR RTJ 202/730 – HC 89.078 RTJ 202/752<br />

PrCv Fundo de Participação dos Municípios. (...) Medida cautelar. AC<br />

1.689-QO RTJ 202/506<br />

PrPn Furto. (...) Ação penal. HC 84.687 RTJ 202/682<br />

G<br />

Ct Garantia constitucional. Domicílio: inviolabilidade. Casa: conceito.<br />

Aposento de habitação coletiva ocupado: extensão. CP/40, art. 150,<br />

§ 4º, II. CF/88, art. 5º, XI. RHC 90.376 RTJ 202/764<br />

PrPn Garantia da ordem pública. (...) Prisão preventiva. HC 86.175 RTJ<br />

202/699<br />

PrPn Garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal. (...)<br />

Prisão preventiva. HC 87.847-AgR RTJ 202/730


ÍNDICE ALFABÉTICO — Gov-Hab<br />

901<br />

PrSTF Governador. (...) Embargos de declaração. <strong>ADI</strong> 2.728-ED RTJ 202/<br />

516<br />

PrSTF Gratificação executiva: extensão. (...) Recurso extraordinário. RE<br />

452.723-AgR RTJ 202/845<br />

H<br />

PrPn Habeas corpus. Autoridade coatora. Informações: presunção juris<br />

tantum de veracidade. HC 69.993 RTJ 202/667<br />

PrPn Habeas corpus. Cabimento. Liberdade de locomoção: ofensa direta<br />

inocorrente. Desembargador: afastamento cautelar do cargo. Excesso<br />

de prazo. Ameaça ou lesão a direito: alegação. CF/88, art. 5º, XXXV.<br />

HC 90.617-QO RTJ 202/785<br />

PrPn Habeas corpus. Conhecimento. Questão não apreciada pelo STJ.<br />

Impetração substitutiva: possibilidade. Prequestionamento: desnecessidade.<br />

HC 86.916 RTJ 202/705<br />

PrPn Habeas corpus. Descabimento. Militar. Pena acessória de exclusão<br />

das Forças Armadas. Súmula 694. HC 89.198-AgR RTJ 202/757<br />

PrPn Habeas corpus. Extensão a co-réu. Prisão preventiva: cassação em<br />

outro habeas corpus. Habeas corpus anterior denegado: irrelevância.<br />

Princípio da isonomia. CPP/41, art. 580: inteligência. HC 86.916 RTJ<br />

202/705<br />

PrPn Habeas corpus. Extensão a co-réu. Situação objetivamente idêntica.<br />

HC 88.528 RTJ 202/743<br />

PrPn Habeas corpus. Extensão a co-réu: impossibilidade. Processo criminal<br />

desmembrado. HC 88.528 RTJ 202/743<br />

PrPn Habeas corpus. Matéria de prova. Crime contra a ordem tributária e o<br />

sistema financeiro . Incompetência do juízo em face do local da<br />

infração: alegação. HC 88.421 RTJ 202/739<br />

PrPn Habeas corpus. Matéria de prova. Materialidade do crime e indícios<br />

de autoria. Prisão temporária: revogação. Prisão preventiva decretada.<br />

HC 86.916 RTJ 202/705<br />

PrPn Habeas corpus. Matéria de prova. Pena. Redução: impossibilidade.<br />

HC 82.713 RTJ 202/675<br />

PrPn Habeas corpus. Matéria de prova. Substância entorpecente: alegação<br />

de inexistência. HC 69.993 RTJ 202/667<br />

PrPn Habeas corpus. Medida cautelar. Ato de ministro do STF. Competência<br />

do relator: ausência. Decisão colegiada: exigência. Regimento<br />

Interno do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (RISTF), arts. 21, IV, e 191. HC<br />

91.273-MC RTJ 202/808


902<br />

Hab-Iné — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

PrPn Habeas corpus anterior denegado: irrelevância. (...) Habeas corpus.<br />

HC 86.916 RTJ 202/705<br />

I<br />

PrPn Ilegalidade inocorrente. (...) Processo criminal. HC 91.273-MC RTJ<br />

202/808<br />

PrPn Ilegalidade ou abuso de poder: ausência. (...) Denúncia. HC 90.617-<br />

QO RTJ 202/785<br />

PrSTF Ilegitimidade ativa. (...) Ação direta de inconstitucionalidade por<br />

omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

Adm Imóvel rural. (...) Desapropriação. MS 25.185 RTJ 202/634<br />

Ct Impedimento ou suspeição de mais da metade dos membros de tribunal<br />

de origem. (...) Competência originária. AO 1.046 RTJ 202/472<br />

PrPn Impetração substitutiva: possibilidade. (...) Habeas corpus. HC<br />

86.916 RTJ 202/705<br />

PrSTF Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). (...) Recurso extraordinário.<br />

RE 245.093-AgR RTJ 202/819<br />

Trbt Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Isenção,<br />

incentivo e benefício fiscal. Convênio interestadual: necessidade.<br />

Autonomia estadual: ofensa inocorrente. CF/88, arts. 18 e 155, § 2º,<br />

XII, g. Lei estadual 6.489/02/PA, art. 5º, I: interpretação conforme à<br />

Constituição. <strong>ADI</strong> 3.246 RTJ 202/558<br />

PrCv Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS): repartição.<br />

(...) Medida cautelar. AC 1.689-QO RTJ 202/506<br />

PrSTF Imunidade tributária. (...) Recurso extraordinário. RE 245.093-AgR<br />

RTJ 202/819<br />

Ct Incidenter tantum. (...) Controle de constitucionalidade. RE 255.147-<br />

AgR RTJ 202/822<br />

PrPn Incompetência do juízo em face do local da infração: alegação. (...)<br />

Habeas corpus. HC 88.421 RTJ 202/739<br />

PrPn Incomunicabilidade dos jurados: alegação de quebra. (...) Júri. AO<br />

1.046 RTJ 202/472<br />

Cv Indenização: limitação descabida. (...) Responsabilidade civil. RE<br />

447.584 RTJ 202/833<br />

Adm Indicação de imóvel: ausência. (...) Desapropriação. MS 25.185 RTJ<br />

202/634<br />

PrPn Inépcia inocorrente. (...) Denúncia. RHC 90.376 RTJ 202/764 – HC<br />

90.617-QO RTJ 202/785


ÍNDICE ALFABÉTICO — Ine-Ise<br />

903<br />

PrSTF Inertia deliberandi. (...) Ação direta de inconstitucionalidade por<br />

omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrPn Informações: presunção juris tantum de veracidade. (...) Habeas<br />

corpus. HC 69.993 RTJ 202/667<br />

PrSTF Iniciativa legislativa. (...) Ação direta de inconstitucionalidade por<br />

omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrSTF Iniciativa: presunção de legitimidade. (...) Ação direta de inconstitucionalidade<br />

por omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrSTF Iniciativa privativa de Poder diverso: exceção. (...) Ação direta de<br />

inconstitucionalidade por omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

Ct Iniciativa privativa do presidente da República: usurpação inocorrente.<br />

(...) Processo legislativo. <strong>ADI</strong> 3.599 RTJ 202/569<br />

Pn Inocorrência. (...) Prescrição. HC 69.859 RTJ 202/660<br />

PrPn Inquérito policial ou processo penal em andamento ou arquivado. (...)<br />

Processo criminal. HC 84.687 RTJ 202/682<br />

PrSTF Instância ordinária não esgotada. (...) Recurso extraordinário. RE<br />

422.228-AgR RTJ 202/831<br />

PrPn Instrução criminal. Excesso de prazo: configuração. Responsabilidade<br />

da defesa e complexidade da causa. Constrangimento ilegal<br />

inocorrente. HC 88.740 RTJ 202/749<br />

PrPn Intempestividade. (...) Agravo regimental. AI 557.353-AgR RTJ 202/<br />

870<br />

Adm Intempestividade. (...) Recurso administrativo. RMS 22.252 RTJ<br />

202/631<br />

Ct Interesse local. (...) Competência legislativa. RE 367.192-AgR RTJ<br />

202/825<br />

Adm Interposição após o término da licença especial. (...) Recurso administrativo.<br />

RMS 22.252 RTJ 202/631<br />

PrPn Intimação criminal. Defensor público. Recurso especial inadmitido.<br />

Intimação pessoal: ausência. Trânsito em julgado da sentença<br />

condenatória. Nulidade processual: reconhecimento. HC 85.946 RTJ<br />

202/695<br />

PrPn Intimação pessoal: ausência. (...) Intimação criminal. HC 85.946 RTJ<br />

202/695<br />

Trbt Isenção, incentivo e benefício fiscal. (...) Imposto sobre Circulação<br />

de Mercadorias e Serviços (ICMS). <strong>ADI</strong> 3.246 RTJ 202/558


904<br />

Jui-Leg — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

J<br />

Adm Juiz classista e médico veterinário. (...) Cargo público. RE 496.246-<br />

ED RTJ 202/852<br />

PrPn Julgamento. (...) Júri. AO 1.046 RTJ 202/472<br />

PrCv Julgamento: nulidade. (...) Embargos de declaração. AI 582.429-<br />

AgR-ED-QO RTJ 202/879<br />

PrPn Jurado. (...) Júri. AO 1.046 RTJ 202/472<br />

PrPn Júri. Assistente da acusação. Nomeação: irregularidade. Nulidade inocorrente.<br />

AO 1.046 RTJ 202/472<br />

PrPn Júri. Julgamento. Decisão contrária à prova dos autos: ausência.<br />

Parcialidade de juiz: rejeição. AO 1.046 RTJ 202/472<br />

PrPn Júri. Jurado. Sorteio: número superior à previsão legal. Nulidade relativa:<br />

não-configuração. Prejuízo não demonstrado. CPP/41, art.<br />

433. AO 1.046 RTJ 202/472<br />

PrPn Júri. Nulidade inocorrente. Incomunicabilidade dos jurados: alegação<br />

de quebra. Certidão de oficial de justiça: presunção de veracidade.<br />

AO 1.046 RTJ 202/472<br />

PrPn Justiça comum. (...) Competência criminal. <strong>ADI</strong> 3.684-MC RTJ 202/<br />

609<br />

PrPn Justiça comum estadual. (...) Competência criminal. RHC 88.122 RTJ<br />

202/736<br />

PrPn Justiça do Trabalho: incompetência. (...) Competência criminal. <strong>ADI</strong><br />

3.684-MC RTJ 202/609<br />

L<br />

Trbt Lançamento por homologação. (...) Débito fiscal. AI 539.891-AgR<br />

RTJ 202/864<br />

Adm Laudo firmado por engenheiro em débito: irrelevância. (...) Desapropriação.<br />

MS 25.185 RTJ 202/634<br />

PrSTF Legislador: dever de eliminação da inconstitucionalidade. (...) Ação<br />

direta de inconstitucionalidade por omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/<br />

583<br />

PrSTF Legitimidade ativa. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. <strong>ADI</strong><br />

2.427 RTJ 202/510<br />

PrSTF Legitimidade ativa. (...) Ação direta de inconstitucionalidade por<br />

omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583


ÍNDICE ALFABÉTICO — Leg-Lei<br />

905<br />

PrPn Legitimidade ativa. (...) Ação penal pública condicionada. HC<br />

84.765 RTJ 202/690<br />

PrSTF Legitimidade para recorrer. (...) Embargos de declaração. <strong>ADI</strong> 2.728-<br />

ED RTJ 202/516<br />

Adm Lei Complementar estadual 57/03/PB, art. 5º: inconstitucionalidade.<br />

(...) Cargo em comissão. <strong>ADI</strong> 3.233 RTJ 202/553<br />

PrSTF Lei Complementar estadual 797/95/SP. (...) Recurso extraordinário.<br />

RE 452.723-AgR RTJ 202/845<br />

Ct Lei complementar federal: ausência. (...) Município. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ<br />

202/583<br />

Cv Lei de Imprensa, art. 52: não-recepção pela CF/88. (...) Responsabilidade<br />

civil. RE 447.584 RTJ 202/833<br />

Ct Lei específica: necessidade. (...) Processo legislativo. <strong>ADI</strong> 3.599 RTJ<br />

202/569<br />

Trbt Lei estadual 6.489/02/PA, art. 5º, I: interpretação conforme à Constituição.<br />

(...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços<br />

(ICMS). <strong>ADI</strong> 3.246 RTJ 202/558<br />

Adm Lei estadual 6.600/98/PB, art. 1º, caput e I e II: inconstitucionalidade.<br />

(...) Cargo em comissão. <strong>ADI</strong> 3.233 RTJ 202/553<br />

Ct Lei estadual 7.380/98/RN: inconstitucionalidade. (...) Meio ambiente.<br />

<strong>ADI</strong> 3.776 RTJ 202/620<br />

Adm Lei estadual 10.704/94/PR: inconstitucionalidade. (...) Cargo em<br />

comissão. <strong>ADI</strong> 2.427 RTJ 202/510<br />

Adm Lei estadual 10.818/94/PR: inconstitucionalidade. (...) Cargo em<br />

comissão. <strong>ADI</strong> 2.427 RTJ 202/510<br />

Adm Lei 6.880/80, art. 70: inteligência. (...) Militar. RMS 22.252 RTJ 202/<br />

631<br />

Pn Lei 8.072/90: inaplicabilidade. (...) Pena-base. AO 1.046 RTJ 202/<br />

472<br />

Pn Lei 8.072/90, art. 2º, § 1º: inconstitucionalidade declarada no HC<br />

82.959. (...) Regime prisional. HC 89.770 RTJ 202/761<br />

PrSTF Lei 9.494/97, art. 1º-B, redação da MP 2.180-35/01. (...) Medida<br />

cautelar. ADC 11-MC RTJ 202/463<br />

PrSTF Lei 9.868/99, art. 21, caput. (...) Medida cautelar. ADC 11-MC RTJ<br />

202/463<br />

Adm Leis estaduais 7.679/04/PB e 7.696/04/PB: inconstitucionalidade.<br />

(...) Cargo em comissão. <strong>ADI</strong> 3.233 RTJ 202/553


906<br />

Lei-Man — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

Adm Leis 11.169/05 e 11.170/05. (...) Remuneração. <strong>ADI</strong> 3.599 RTJ 202/<br />

569<br />

PrCv Levantamento da diferença: autorização. (...) Embargos de declaração.<br />

AI 564.963-AgR-ED RTJ 202/877<br />

PrPn Liberdade de locomoção: ofensa direta inocorrente. (...) Habeas<br />

corpus. HC 90.617-QO RTJ 202/785<br />

Adm Licença especial: possibilidade de interrupção. (...) Militar. RMS<br />

22.252 RTJ 202/631<br />

PrCv Liminar de ministro do STF em mandado de segurança diverso:<br />

cassação. (...) Mandado de segurança. MS 25.846-QO RTJ 202/640<br />

PrSTF Limitação dos efeitos: ausência de pedido anterior. (...) Embargos de<br />

declaração. <strong>ADI</strong> 2.728-ED RTJ 202/516<br />

PrSTF Limitação temática. (...) Recurso extraordinário. RE 255.147-AgR<br />

RTJ 202/822<br />

PrSTF Lista numérica: identidade. (...) Ação direta de inconstitucionalidade<br />

por omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrCv Litigância de má-fé: ausência. (...) Embargos de declaração. AI<br />

471.215-AgR-ED-ED RTJ 202/849<br />

Adm Loman/79, art. 29. (...) Magistrado. HC 90.617-QO RTJ 202/785<br />

M<br />

Adm Magistrado. Desembargador. Afastamento cautelar do cargo: excesso<br />

de prazo. Denúncia: recebimento pelo STJ. Conceito público do<br />

cargo: tutela. Princípio da não-culpabilidade: ofensa inocorrente.<br />

Loman/79, art. 29. HC 90.617-QO RTJ 202/785<br />

Adm Magistrado. (...) Vantagem. AI 471.215-AgR-ED-ED RTJ 202/849<br />

PrCv Mandado de segurança. Liminar de ministro do STF em mandado de<br />

segurança diverso: cassação. Questão de ordem: inadmissibilidade.<br />

Agravo regimental: cabimento. Prevenção: reconhecimento excepcional.<br />

MS 25.846-QO RTJ 202/640<br />

PrCv Mandado de segurança. Matéria de prova. Desapropriação. Produtividade<br />

do imóvel. MS 25.185 RTJ 202/634<br />

Ct Mandado de segurança e habeas data: processo e julgamento. (...)<br />

Competência originária. <strong>ADI</strong> 3.140 RTJ 202/530<br />

PrPn Mandado judicial: ausência. (...) Prova criminal. RHC 90.376 RTJ<br />

202/764<br />

PrSTF Mandato: desnecessidade. (...) Embargos de declaração. <strong>ADI</strong> 2.728-<br />

ED RTJ 202/516


ÍNDICE ALFABÉTICO — Man-Med<br />

907<br />

PrSTF Manifestação do Congresso Nacional: prejudicialidade inocorrente.<br />

(...) Ação direta de inconstitucionalidade. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrPn Manutenção em cargo de direção: possibilidade de perda patrimonial<br />

de autarquia. (...) Prisão preventiva. HC 87.847-AgR RTJ 202/730<br />

PrPn Matéria de prova. (...) Habeas corpus. HC 69.993 RTJ 202/667 – HC<br />

82.713 RTJ 202/675 – HC 86.916 RTJ 202/705 – HC 88.421 RTJ<br />

202/739<br />

PrCv Matéria de prova. (...) Mandado de segurança. MS 25.185 RTJ 202/<br />

634<br />

PrSTF Matéria de prova. (...) Recurso extraordinário. RE 245.093-AgR RTJ<br />

202/819<br />

PrSTF Matéria infraconstitucional. (...) Recurso extraordinário. RE 394.167-<br />

AgR RTJ 202/828 – RE 452.723-AgR RTJ 202/845<br />

PrPn Materialidade do crime e indícios de autoria. (...) Habeas corpus. HC<br />

86.916 RTJ 202/705<br />

Pn Maus antecedentes: desconsideração. (...) Pena-base. AO 1.046 RTJ<br />

202/472<br />

PrPn Maus antecedentes: não-configuração. (...) Processo criminal. HC<br />

84.687 RTJ 202/682<br />

PrSTF Medida cautelar. Ação declaratória de constitucionalidade. Fazenda<br />

Pública. Embargos à execução. Prazo: ampliação. Processos idênticos:<br />

suspensão do julgamento. Lei 9.494/97, art. 1º-B, redação da MP<br />

2.180-35/01. Lei 9.868/99, art. 21, caput. ADC 11-MC RTJ 202/463<br />

PrSTF Medida cautelar. Ação direta de inconstitucionalidade. Efeito ex<br />

tunc. <strong>ADI</strong> 3.684-MC RTJ 202/609<br />

PrCv Medida cautelar. Efeito suspensivo a recurso extraordinário. Citação:<br />

descabimento. CPC/73, art. 796 e seguintes: inaplicabilidade.<br />

AC 1.689-QO RTJ 202/506<br />

PrCv Medida cautelar. Efeito suspensivo a recurso extraordinário. Pressupostos<br />

inocorrentes. AC 1.469-AgR RTJ 202/502<br />

PrCv Medida cautelar. Efeito suspensivo a recurso extraordinário admitido.<br />

Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS):<br />

repartição. Fundo de Participação dos Municípios. Estado-membro:<br />

concessão de incentivo fiscal e creditício. Repasse integral a Município:<br />

pretensão. Arrecadação e produto da arrecadação: distinção. CF/<br />

88, art. 158, IV. AC 1.689-QO RTJ 202/506<br />

PrPn Medida cautelar. (...) Habeas corpus. HC 91.273-MC RTJ 202/808<br />

Ct Medida provisória. Requisitos. Urgência e relevância. Controle<br />

jurisdicional. ADC 11-MC RTJ 202/463


908<br />

Mei-Nat — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

Ct Meio ambiente. Proteção. Animal submetido a crueldade. Briga de<br />

galo. CF/88, art. 225, § 1º, VII. Lei estadual 7.380/98/RN: inconstitucionalidade.<br />

<strong>ADI</strong> 3.776 RTJ 202/620<br />

PrSTF Mesa da Assembléia Legislativa: ausência de deliberação. (...) Ação<br />

direta de inconstitucionalidade por omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/<br />

583<br />

PrPn Militar. (...) Habeas corpus. HC 89.198-AgR RTJ 202/757<br />

Adm Militar. (...) Recurso administrativo. RMS 22.252 RTJ 202/631<br />

Adm Militar. Reserva remunerada: transferência legítima. Quota compulsória.<br />

Licença especial: possibilidade de interrupção. Lei 6.880/80,<br />

art. 70: inteligência. RMS 22.252 RTJ 202/631<br />

PrPn Militar do Exército em atividade civil: participação em festa carnavalesca.<br />

(...) Competência criminal. RHC 88.122 RTJ 202/736<br />

PrPn Ministério Público. (...) Ação penal pública condicionada. HC<br />

84.765 RTJ 202/690<br />

Ct Modelo federal: observância compulsória. (...) Deputado estadual.<br />

<strong>ADI</strong> 3.825-MC RTJ 202/624<br />

PrSTF Modificação da denominação do cargo. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.<br />

<strong>ADI</strong> 3.233 RTJ 202/553<br />

PrPn Modus operandi: formação de quadrilha. (...) Prisão preventiva. HC<br />

86.175 RTJ 202/699<br />

Ct Mora legislativa. (...) Município. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

Pn Motivação: remissão aos fundamentos da sentença condenatória. (...)<br />

Pena. HC 69.987 RTJ 202/664<br />

PrCv Multa em agravo regimental: pagamento. (...) Embargos de declaração.<br />

AI 564.963-AgR-ED RTJ 202/877<br />

PrCv Multa em agravo regimental: revogação. (...) Embargos de declaração.<br />

AI 471.215-AgR-ED-ED RTJ 202/849<br />

Ct Município. (...) Competência legislativa. RE 367.192-AgR RTJ 202/<br />

825<br />

Ct Município. Criação. Lei complementar federal: ausência. Existência<br />

de fato do Município. Mora legislativa. Congresso Nacional: providência<br />

legislativa no prazo de 18 meses. Estado de inconstitucionalidade:<br />

necessidade de reconhecimento pelo legislador. CF/88, art.<br />

18, § 4º, redação da EC 15/96. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

N<br />

Adm Natureza não-autárquica: irrelevância. (...) Vantagem. AI 471.215-<br />

AgR-ED-ED RTJ 202/849


ÍNDICE ALFABÉTICO — Nom-Par<br />

909<br />

PrPn Nomeação: irregularidade. (...) Júri. AO 1.046 RTJ 202/472<br />

Adm Notificação prévia por edital: regularidade. (...) Desapropriação. MS<br />

25.185 RTJ 202/634<br />

PrSTF Novo prazo: descabimento. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.<br />

<strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrPn Nulidade inocorrente. (...) Júri. AO 1.046 RTJ 202/472<br />

PrPn Nulidade inocorrente. (...) Pronúncia. AI 562.241-AgR RTJ 202/873<br />

PrPn Nulidade processual: reconhecimento. (...) Intimação criminal. HC<br />

85.946 RTJ 202/695<br />

PrPn Nulidade relativa: não-configuração. (...) Júri. AO 1.046 RTJ 202/<br />

472<br />

O<br />

PrPn Ofendido e representante legal: conflito de interesse. (...) Ação penal<br />

pública condicionada. HC 84.765 RTJ 202/690<br />

PrSTF Ofício do STF: ausência de folha. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.<br />

<strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

Ct Omissão. (...) Controle de constitucionalidade. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/<br />

583<br />

PrCv Omissão. (...) Embargos de declaração. AI 471.215-AgR-ED-ED RTJ<br />

202/849<br />

PrSTF Omissão: ausência. (...) Embargos de declaração. <strong>ADI</strong> 2.728-ED RTJ<br />

202/516<br />

PrSTF Omissão constitucional: reconhecimento. (...) Ação direta de inconstitucionalidade<br />

por omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrSTF Omissão total ou parcial. (...) Ação direta de inconstitucionalidade<br />

por omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrSTF Ordem fundamental: defesa. (...) Ação direta de inconstitucionalidade<br />

por omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

Ct Órgão fracionário. (...) Controle de constitucionalidade. RE 255.147-<br />

AgR RTJ 202/822<br />

P<br />

PrPn Paciente: mentor da organização criminosa. (...) Prisão preventiva.<br />

HC 86.175 RTJ 202/699<br />

PrPn Parcialidade de juiz: rejeição. (...) Júri. AO 1.046 RTJ 202/472


910<br />

Par-Pre — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

PrSTF Partido político. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. <strong>ADI</strong><br />

2.427 RTJ 202/510<br />

PrPn Pedido de extensão: descabimento. (...) Apelação criminal. AO 1.046<br />

RTJ 202/472<br />

Pn Pena. Fixação no mínimo legal. Motivação: remissão aos fundamentos<br />

da sentença condenatória. Prejuízo ao réu: ausência. CF/88, art. 93,<br />

IX: compatibilidade. HC 69.987 RTJ 202/664<br />

PrPn Pena. (...) Habeas corpus. HC 82.713 RTJ 202/675<br />

PrPn Pena acessória de exclusão das Forças Armadas. (...) Habeas corpus.<br />

HC 89.198-AgR RTJ 202/757<br />

Pn Pena-base. Fixação acima do mínimo legal. Reincidência: aplicação.<br />

Fundamentação insuficiente. HC 82.713 RTJ 202/675<br />

Pn Pena-base. Redução. Maus antecedentes: desconsideração. Lei<br />

8.072/90: inaplicabilidade. AO 1.046 RTJ 202/472<br />

Pn Pena-base. Redução. Semi-imputabilidade. Perturbação da saúde<br />

mental: ausência de avaliação da intensidade. Prejuízo ao paciente:<br />

demonstração. HC 82.713 RTJ 202/675<br />

PrSTF Perda superveniente de representação no Congresso Nacional. (...)<br />

Ação direta de inconstitucionalidade. <strong>ADI</strong> 2.427 RTJ 202/510<br />

Pn Perturbação da saúde mental: ausência de avaliação da intensidade.<br />

(...) Pena-base. HC 82.713 RTJ 202/675<br />

Ct Posse e propriedade. (...) Competência legislativa. <strong>ADI</strong> 3.438 RTJ<br />

202/564<br />

Ct Postulado democrático. (...) Controle de constitucionalidade. <strong>ADI</strong><br />

3.682 RTJ 202/583<br />

PrSTF Prazo: ampliação. (...) Medida cautelar. ADC 11-MC RTJ 202/463<br />

Ct Prazo: ausência. (...) Processo legislativo. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrPn Prazo: contagem. (...) Agravo regimental. AI 557.353-AgR RTJ 202/<br />

870<br />

PrSTF Prejudicialidade inocorrente. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.<br />

<strong>ADI</strong> 3.233 RTJ 202/553<br />

Pn Prejuízo ao paciente: demonstração. (...) Pena-base. HC 82.713 RTJ<br />

202/675<br />

Pn Prejuízo ao réu: ausência. (...) Pena. HC 69.987 RTJ 202/664<br />

PrPn Prejuízo não demonstrado. (...) Júri. AO 1.046 RTJ 202/472<br />

PrPn Prequestionamento: desnecessidade. (...) Habeas corpus. HC 86.916<br />

RTJ 202/705


ÍNDICE ALFABÉTICO — Pre-Pri<br />

911<br />

Pn Prescrição. Inocorrência. Eficácia interruptiva. Recebimento da denúncia.<br />

CP/40, art. 117. HC 69.859 RTJ 202/660<br />

PrSTF Presidente da Assembléia Legislativa. (...) Ação direta de inconstitucionalidade<br />

por omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrSTF Presidente da República, Mesa do Senado <strong>Federal</strong> e Mesa da Câmara<br />

dos Deputados. (...) Ação direta de inconstitucionalidade por omissão.<br />

<strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrSTF Pressupostos de admissibilidade. (...) Ação declaratória de constitucionalidade.<br />

ADC 11-MC RTJ 202/463<br />

PrCv Pressupostos inocorrentes. (...) Medida cautelar. AC 1.469-AgR RTJ<br />

202/502<br />

PrCv Prevenção: reconhecimento excepcional. (...) Mandado de segurança.<br />

MS 25.846-QO RTJ 202/640<br />

PrSTF Princípio da impessoalidade. (...) Embargos de declaração. <strong>ADI</strong><br />

2.728-ED RTJ 202/516<br />

Ct Princípio da independência e harmonia dos Poderes. (...) Controle de<br />

constitucionalidade. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrPn Princípio da insignificância, da fragmentariedade e da intervenção<br />

mínima. (...) Ação penal. HC 84.687 RTJ 202/682<br />

PrPn Princípio da isonomia. (...) Habeas corpus. HC 86.916 RTJ 202/705<br />

Adm Princípio da isonomia: ofensa inocorrente. (...) Remuneração. <strong>ADI</strong><br />

3.599 RTJ 202/569<br />

PrPn Princípio da legalidade e do juiz natural. (...) Competência criminal.<br />

<strong>ADI</strong> 3.684-MC RTJ 202/609<br />

PrSTF Princípio da maior eficácia possível à norma constitucional. (...) Ação<br />

direta de inconstitucionalidade por omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/<br />

583<br />

PrPn Princípio da não-culpabilidade. (...) Processo criminal. HC 84.687<br />

RTJ 202/682<br />

Adm Princípio da não-culpabilidade: ofensa inocorrente. (...) Magistrado.<br />

HC 90.617-QO RTJ 202/785<br />

PrPn Princípio da proporcionalidade: inaplicabilidade indiscriminada. (...)<br />

Prova criminal. RHC 90.376 RTJ 202/764<br />

PrSTF Princípio da supremacia da Constituição. (...) Ação direta de inconstitucionalidade<br />

por omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrPn Princípio do juiz natural: observância. (...) Procedimento penal. HC<br />

69.993 RTJ 202/667


912<br />

Pri-Pro — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

PrPn Prisão cautelar: ausência de suporte legitimador. (...) Processo criminal.<br />

HC 84.687 RTJ 202/682<br />

PrPn Prisão preventiva. Excesso de prazo: inocorrência. Complexidade da<br />

causa: pluralidade de réus e delitos. HC 87.847-AgR RTJ 202/730<br />

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação suficiente. Garantia da ordem<br />

pública. Andamento regular da ação penal: ameaça. Paciente: mentor<br />

da organização criminosa. Modus operandi: formação de quadrilha.<br />

HC 86.175 RTJ 202/699<br />

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação suficiente. Garantia da ordem<br />

pública e conveniência da instrução criminal. Chefia em “célula<br />

criminosa”. Reiteração criminosa. Manutenção em cargo de direção:<br />

possibilidade de perda patrimonial de autarquia. HC 87.847-AgR<br />

RTJ 202/730<br />

PrPn Prisão preventiva. Pronúncia. Fundamentação suficiente. Aplicação<br />

da lei penal. Fuga do acusado após a prática do delito. CPP/41, art.<br />

312. HC 89.078 RTJ 202/752<br />

PrPn Prisão preventiva: cassação em outro habeas corpus. (...) Habeas<br />

corpus. HC 86.916 RTJ 202/705<br />

PrPn Prisão preventiva decretada. (...) Habeas corpus. HC 86.916 RTJ 202/<br />

705<br />

PrPn Prisão temporária: revogação. (...) Habeas corpus. HC 86.916 RTJ<br />

202/705<br />

Trbt Procedimento administrativo: dispensa. (...) Débito fiscal. AI 539.891-<br />

AgR RTJ 202/864<br />

PrPn Procedimento penal. Distribuição prévia e regular. Princípio do juiz<br />

natural: observância. HC 69.993 RTJ 202/667<br />

PrPn Processo criminal. Desmembramento. Ilegalidade inocorrente. Foro<br />

por prerrogativa de função: ausência. Constituição <strong>Federal</strong>: fixação<br />

da competência do STF. Conexão e continência: inaplicabilidade.<br />

HC 91.273-MC RTJ 202/808<br />

PrPn Processo criminal. Inquérito policial ou processo penal em andamento<br />

ou arquivado. Condenação penal irrecorrível: ausência. Maus antecedentes:<br />

não-configuração. Dosimetria da pena: impossibilidade de<br />

agravamento. Prisão cautelar: ausência de suporte legitimador. Princípio<br />

da não-culpabilidade. CF/88, art. 5º, LVII. HC 84.687 RTJ 202/682<br />

PrPn Processo criminal desmembrado. (...) Habeas corpus. HC 88.528 RTJ<br />

202/743<br />

Ct Processo legislativo. Deliberação. Prazo: ausência. CF/88, art. 64, § 1º<br />

e § 2º: hipótese excepcional. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583


ÍNDICE ALFABÉTICO — Pro-Que<br />

913<br />

Ct Processo legislativo. Projeto de iniciativa parlamentar. Revisão geral<br />

anual de remuneração e revisão setorial: distinção. Lei específica:<br />

necessidade. Iniciativa privativa do presidente da República:<br />

usurpação inocorrente. <strong>ADI</strong> 3.599 RTJ 202/569<br />

PrSTF Processo objetivo. (...) Ação direta de inconstitucionalidade por<br />

omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrPn Processo penal. (...) Agravo regimental. AI 557.353-AgR RTJ 202/<br />

870<br />

PrSTF Processos idênticos: suspensão do julgamento. (...) Medida cautelar.<br />

ADC 11-MC RTJ 202/463<br />

PrSTF Procuradora-chefe do Estado: subscrição. (...) Embargos de declaração.<br />

<strong>ADI</strong> 2.728-ED RTJ 202/516<br />

PrCv Produtividade do imóvel. (...) Mandado de segurança. MS 25.185<br />

RTJ 202/634<br />

Pn Progressão: possibilidade. (...) Regime prisional. HC 89.770 RTJ<br />

202/761<br />

Ct Projeto de iniciativa parlamentar. (...) Processo legislativo. <strong>ADI</strong> 3.599<br />

RTJ 202/569<br />

PrPn Pronúncia. Nulidade inocorrente. Excesso de eloqüência acusatória:<br />

ausência. CPP/41, art. 408. CF/88, art. 93, IX. AI 562.241-AgR RTJ<br />

202/873<br />

PrPn Pronúncia. (...) Prisão preventiva. HC 89.078 RTJ 202/752<br />

Ct Proteção. (...) Meio ambiente. <strong>ADI</strong> 3.776 RTJ 202/620<br />

PrPn Prova criminal. Busca e apreensão. Quarto de hotel ocupado. Agente<br />

policial. Mandado judicial: ausência. Domicílio: violação. Prova ilícita:<br />

inadmissibilidade. Princípio da proporcionalidade: inaplicabilidade<br />

indiscriminada. CF/88, art. 5º, XI e LVI. RHC 90.376 RTJ 202/<br />

764<br />

PrPn Prova ilícita: inadmissibilidade. (...) Prova criminal. RHC 90.376<br />

RTJ 202/764<br />

Q<br />

PrPn Quarto de hotel ocupado. (...) Prova criminal. RHC 90.376 RTJ 202/<br />

764<br />

PrCv Questão de ordem: inadmissibilidade. (...) Mandado de segurança.<br />

MS 25.846-QO RTJ 202/640<br />

PrPn Questão não apreciada pelo STJ. (...) Habeas corpus. HC 86.916 RTJ<br />

202/705


914<br />

Que-Rec — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

PrSTF Questão suscitada na interposição. (...) Recurso extraordinário. RE<br />

255.147-AgR RTJ 202/822<br />

Adm Quota compulsória. (...) Militar. RMS 22.252 RTJ 202/631<br />

R<br />

PrCv Razões. (...) Agravo regimental. AI 556.855-AgR RTJ 202/867<br />

Adm Reajuste geral: compensação. (...) Remuneração. <strong>ADI</strong> 3.599 RTJ 202/<br />

569<br />

Adm Reajuste setorial. (...) Remuneração. <strong>ADI</strong> 3.599 RTJ 202/569<br />

Pn Recebimento da denúncia. (...) Prescrição. HC 69.859 RTJ 202/660<br />

PrPn Recurso. (...) Apelação criminal. AO 1.046 RTJ 202/472<br />

Adm Recurso administrativo. Intempestividade. Militar. Interposição<br />

após o término da licença especial. Transferência para a reserva remunerada.<br />

Cerceamento de defesa: inocorrência. RMS 22.252 RTJ 202/<br />

631<br />

PrPn Recurso especial inadmitido. (...) Intimação criminal. HC 85.946<br />

RTJ 202/695<br />

PrSTF Recurso extraordinário. Descabimento. Acórdão recorrido. Declaração<br />

de inconstitucionalidade. Decisão plenária: traslado ausente. CF/88,<br />

arts. 97 e 102, I, b. RE 394.167-AgR RTJ 202/828<br />

PrSTF Recurso extraordinário. Descabimento. Decisão que concede ou<br />

denega medida liminar. AI 497.905-ED RTJ 202/861<br />

PrSTF Recurso extraordinário. Descabimento. Instância ordinária não esgotada.<br />

Decisão de relator de Turma Recursal de Juizado Especial.<br />

Agravo: necessidade. CPC/73, art. 557, § 1º. RE 422.228-AgR RTJ<br />

202/831<br />

PrSTF Recurso extraordinário. Limitação temática. Questão suscitada na<br />

interposição. RE 255.147-AgR RTJ 202/822<br />

PrSTF Recurso extraordinário. Matéria de prova. Imunidade tributária.<br />

Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Sindicato: finalidades<br />

essenciais. Colônia de férias. RE 245.093-AgR RTJ 202/819<br />

PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Cláusula<br />

contratual. Resgate de BTN: índice. Súmulas 454 e 636. RE 394.167-<br />

AgR RTJ 202/828<br />

PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Universidade<br />

estadual. Gratificação executiva: extensão. Lei Complementar estadual<br />

797/95/SP. RE 452.723-AgR RTJ 202/845


ÍNDICE ALFABÉTICO — Rec-Res<br />

915<br />

PrSTF Recurso extraordinário. Tempestividade: verificação. Data do protocolo:<br />

legibilidade. AI 608.432-AgR RTJ 202/881<br />

Pn Redução. (...) Pena-base. AO 1.046 RTJ 202/472 – HC 82.713 RTJ<br />

202/675<br />

PrCv Redução do valor. (...) Embargos de declaração. AI 564.963-AgR-<br />

ED RTJ 202/877<br />

PrPn Redução: impossibilidade. (...) Habeas corpus. HC 82.713 RTJ 202/<br />

675<br />

Adm Reforma agrária. (...) Desapropriação. MS 25.185 RTJ 202/634<br />

Adm Regime jurídico único: aplicação. (...) Universidade. RE 452.723-<br />

AgR RTJ 202/845<br />

Pn Regime prisional. Crime hediondo. Progressão: possibilidade. Estupro<br />

e atentado violento ao pudor. Concurso material: configuração. Continuidade<br />

delitiva: inocorrência. Lei 8.072/90, art. 2º, § 1º: inconstitucionalidade<br />

declarada no HC 82.959. HC 89.770 RTJ 202/761<br />

PrPn Regimento Interno do <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (RISTF), arts. 21, IV,<br />

e 191. (...) Habeas corpus. HC 91.273-MC RTJ 202/808<br />

Pn Reincidência: aplicação. (...) Pena-base. HC 82.713 RTJ 202/675<br />

PrPn Reiteração criminosa. (...) Prisão preventiva. HC 87.847-AgR RTJ<br />

202/730<br />

Adm Remuneração. Servidor público: Câmara dos Deputados e Senado<br />

<strong>Federal</strong>. Reajuste setorial. Reajuste geral: compensação. Princípio da<br />

isonomia: ofensa inocorrente. CF/88, arts. 2º; 5º, caput; 37, X; e 61,<br />

§ 1º, II, a. Leis 11.169/05 e 11.170/05. <strong>ADI</strong> 3.599 RTJ 202/569<br />

Adm Renúncia a uma remuneração: irrelevância. (...) Cargo público. RE<br />

496.246-ED RTJ 202/852<br />

PrCv Repasse integral a Município: pretensão. (...) Medida cautelar. AC<br />

1.689-QO RTJ 202/506<br />

PrSTF Representação processual: regularidade. (...) Embargos de declaração.<br />

<strong>ADI</strong> 2.728-ED RTJ 202/516<br />

Ct Requisitos. (...) Medida provisória. ADC 11-MC RTJ 202/463<br />

Ct Reserva de plenário: ofensa. (...) Controle de constitucionalidade.<br />

RE 255.147-AgR RTJ 202/822<br />

Adm Reserva remunerada: transferência legítima. (...) Militar. RMS 22.252<br />

RTJ 202/631<br />

PrSTF Resgate de BTN: índice. (...) Recurso extraordinário. RE 394.167-<br />

AgR RTJ 202/828


916<br />

Res-Téc — ÍNDICE ALFABÉTICO<br />

Cv Responsabilidade civil. Indenização: limitação descabida. Dano<br />

moral. Lei de Imprensa, art. 52: não-recepção pela CF/88. CF/88, arts.<br />

5º, IV, V, IX, X, XIII e XIV; e 220, caput e § 1º: inteligência. RE<br />

447.584 RTJ 202/833<br />

PrPn Responsabilidade da defesa e complexidade da causa. (...) Instrução<br />

criminal. HC 88.740 RTJ 202/749<br />

Ct Revisão geral anual de remuneração e revisão setorial: distinção. (...)<br />

Processo legislativo. <strong>ADI</strong> 3.599 RTJ 202/569<br />

S<br />

PrCv Segundos embargos. (...) Embargos de declaração. AI 471.215-AgR-<br />

ED-ED RTJ 202/849<br />

Pn Semi-imputabilidade. (...) Pena-base. HC 82.713 RTJ 202/675<br />

Adm Servidor público. (...) Universidade. RE 452.723-AgR RTJ 202/845<br />

Adm Servidor público: Câmara dos Deputados e Senado <strong>Federal</strong>. (...) Remuneração.<br />

<strong>ADI</strong> 3.599 RTJ 202/569<br />

PrSTF Sindicato: finalidades essenciais. (...) Recurso extraordinário. RE<br />

245.093-AgR RTJ 202/819<br />

Ct Sistemas de consórcios e sorteios. (...) Competência legislativa. <strong>ADI</strong><br />

3.147 RTJ 202/537<br />

PrPn Situação objetivamente idêntica. (...) Habeas corpus. HC 88.528 RTJ<br />

202/743<br />

PrPn Sorteio: número superior à previsão legal. (...) Júri. AO 1.046 RTJ<br />

202/472<br />

PrPn Substância entorpecente: alegação de inexistência. (...) Habeas<br />

corpus. HC 69.993 RTJ 202/667<br />

PrSTF Substância: preferência sobre a forma. (...) Ação direta de inconstitucionalidade<br />

por omissão. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/583<br />

PrPn Súmula 694. (...) Habeas corpus. HC 89.198-AgR RTJ 202/757<br />

PrPn Súmula 710. (...) Agravo regimental. AI 557.353-AgR RTJ 202/870<br />

PrSTF Súmulas 454 e 636. (...) Recurso extraordinário. RE 394.167-AgR<br />

RTJ 202/828<br />

Ct <strong>Supremo</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (STF). (...) Competência originária. AO<br />

1.046 RTJ 202/472<br />

T<br />

Ct Técnica. (...) Controle de constitucionalidade. <strong>ADI</strong> 3.682 RTJ 202/<br />

583


ÍNDICE ALFABÉTICO — Tem-Van<br />

917<br />

PrSTF Tempestividade: verificação. (...) Recurso extraordinário. AI<br />

608.432-AgR RTJ 202/881<br />

Adm Tempo de serviço público federal: contagem. (...) Vantagem. AI<br />

471.215-AgR-ED-ED RTJ 202/849<br />

PrPn Termo inicial: efetiva intimação. (...) Agravo regimental. AI 557.353-<br />

AgR RTJ 202/870<br />

PrPn Tipicidade penal: descaracterização material. (...) Ação penal. HC<br />

84.687 RTJ 202/682<br />

Adm Transferência para a reserva remunerada. (...) Recurso administrativo.<br />

RMS 22.252 RTJ 202/631<br />

PrPn Trânsito em julgado da sentença condenatória. (...) Intimação criminal.<br />

HC 85.946 RTJ 202/695<br />

Ct <strong>Tribunal</strong> de Justiça. (...) Competência originária. <strong>ADI</strong> 3.140 RTJ 202/<br />

530<br />

U<br />

Ct União <strong>Federal</strong>. (...) Competência legislativa. <strong>ADI</strong> 3.147 RTJ 202/537 –<br />

<strong>ADI</strong> 3.438 RTJ 202/564<br />

Pn Unificação da pena: Juízo da Execução. (...) Crime continuado. HC<br />

88.528 RTJ 202/743<br />

Adm Universidade. Autonomia: limite. Entidade da administração indireta.<br />

Servidor público. Regime jurídico único: aplicação. RE 452.723-<br />

AgR RTJ 202/845<br />

PrSTF Universidade estadual. (...) Recurso extraordinário. RE 452.723-<br />

AgR RTJ 202/845<br />

Ct Urgência e relevância. (...) Medida provisória. ADC 11-MC RTJ 202/<br />

463<br />

V<br />

Adm Valor recebido: devolução descabida. (...) Cargo público. RE<br />

496.246-ED RTJ 202/852<br />

Adm Valor social do trabalho. (...) Cargo público. RE 496.246-ED RTJ<br />

202/852<br />

Adm Vantagem. Adicional por tempo de serviço. Magistrado. Tempo de<br />

serviço público federal: contagem. Administração pública indireta.<br />

Natureza não-autárquica: irrelevância. AI 471.215-AgR-ED-ED RTJ<br />

202/849<br />

PrSTF Vantagem funcional: ausência de dotação orçamentária prévia. (...)<br />

Ação direta de inconstitucionalidade. <strong>ADI</strong> 3.599 RTJ 202/569


ÍNDICE NUMÉRICO


ACÓRDÃOS<br />

11 (ADC-MC) Rel.: Min. Cezar Peluso ............................ 202/463<br />

1.046 (AO) Rel.: Min. Joaquim Barbosa .................... 202/472<br />

1.469 (AC-AgR) Rel.: Min. Cármen Lúcia .......................... 202/502<br />

1.689 (AC-QO) Rel.: Min. Celso de Mello ........................ 202/506<br />

2.427 (<strong>ADI</strong>) Rel.: Min. Eros Grau .................................. 202/510<br />

2.728 (<strong>ADI</strong>-ED) Rel.: Min. Marco Aurélio ......................... 202/516<br />

3.140 (<strong>ADI</strong>) Rel.: Min. Cármen Lúcia .......................... 202/530<br />

3.147 (<strong>ADI</strong>) Rel.: Min. Carlos Britto ............................ 202/537<br />

3.233 (<strong>ADI</strong>) Rel.: Min. Joaquim Barbosa .................... 202/553<br />

3.246 (<strong>ADI</strong>) Rel.: Min. Carlos Britto ............................ 202/558<br />

3.438 (<strong>ADI</strong>) Rel.: Min. Carlos Velloso ......................... 202/564<br />

3.599 (<strong>ADI</strong>) Rel.: Min. Gilmar Mendes ........................ 202/569<br />

3.682 (<strong>ADI</strong>) Rel.: Min. Gilmar Mendes ........................ 202/583<br />

3.684 (<strong>ADI</strong>-MC) Rel.: Min. Cezar Peluso ............................ 202/609<br />

3.776 (<strong>ADI</strong>) Rel.: Min. Cezar Peluso ............................ 202/620<br />

3.825 (<strong>ADI</strong>-MC) Rel.: Min. Cármen Lúcia .......................... 202/624<br />

22.252 (RMS) Rel.: Min. Cezar Peluso ................................ 202/631<br />

25.185 (MS) Rel.: Min. Carlos Velloso ............................. 202/634<br />

25.846 (MS-QO) Rel. p/ o ac.: Min. Sepúlveda Pertence ...... 202/640<br />

69.859 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello ............................ 202/660<br />

69.987 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello ............................ 202/664<br />

69.993 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello ............................ 202/667<br />

82.713 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello ............................ 202/675<br />

84.687 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello ............................ 202/682<br />

84.765 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello ............................ 202/690<br />

85.946 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ................................ 202/695


922<br />

ÍNDICE NUMÉRICO<br />

86.175 (HC) Rel.: Min. Eros Grau ......................... 202/699<br />

86.916 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ....... 202/705<br />

87.847 (HC-AgR) Rel.: Min. Gilmar Mendes ............... 202/730<br />

88.122 (RHC) Rel.: Min. Marco Aurélio ................ 202/736<br />

88.421 (HC) Rel.: Min. Carlos Britto .................... 202/739<br />

88.528 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ....... 202/743<br />

88.740 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ................... 202/749<br />

89.078 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ................... 202/752<br />

89.198 (HC-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso ................... 202/757<br />

89.770 (HC) Rel.: Min. Eros Grau ......................... 202/761<br />

90.376 (RHC) Rel.: Min. Celso de Mello ............... 202/764<br />

90.617 (HC-QO) Rel.: Min. Gilmar Mendes ............... 202/785<br />

91.273 (HC-MC) Rel.: Min. Marco Aurélio ................ 202/808<br />

245.093 (RE-AgR) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ....... 202/819<br />

255.147 (RE-AgR) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ....... 202/822<br />

367.192 (RE-AgR) Rel.: Min. Eros Grau ......................... 202/825<br />

394.167 (RE-AgR) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ....... 202/828<br />

422.228 (RE-AgR) Rel.: Min. Marco Aurélio ................ 202/831<br />

447.584 (RE) Rel.: Min. Cezar Peluso ................... 202/833<br />

452.723 (RE-AgR) Rel.: Min. Cármen Lúcia .................. 202/845<br />

471.215 (AI-AgR-ED-ED) Rel.: Min. Cezar Peluso ................... 202/849<br />

496.246 (RE-ED) Rel.: Min. Cármen Lúcia .................. 202/852<br />

497.905 (AI-ED) Rel.: Min. Celso de Mello ............... 202/861<br />

539.891 (AI-AgR) Rel.: Min. Marco Aurélio ................ 202/864<br />

556.855 (AI-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello ............... 202/867<br />

557.353 (AI-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello ............... 202/870<br />

562.241 (AI-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso ................... 202/873<br />

564.963 (AI-AgR-ED) Rel.: Min. Cezar Peluso ................... 202/877<br />

582.429 (AI-AgR-ED-QO) Rel.: Min. Cezar Peluso ................... 202/879<br />

608.432 (AI-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso ................... 202/881

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