Conto - Academia Brasileira de Letras
Conto - Academia Brasileira de Letras
Conto - Academia Brasileira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Ana Paula Maia<br />
Edgar Wilson permanece em silêncio enquanto aguarda a <strong>de</strong>cisão do patrão.<br />
Na mente <strong>de</strong> Edgar não passa nenhuma i<strong>de</strong>ia, pois não é do seu costume<br />
buscar soluções <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que seja solicitado. Também não é do seu costume<br />
<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> cumprir o que pe<strong>de</strong>m. Milo é um homem trabalhador que passa<br />
quatorze horas por dia envolvido nas ativida<strong>de</strong>s da fazenda e do abatedouro.<br />
É um patrão justo aos olhos <strong>de</strong> Edgar.<br />
– O Zeca já abateu algumas vezes, né? – diz Milo.<br />
– É, abateu. Mas ele <strong>de</strong>ixa o bicho acordado ainda. O boi sofre muito, Seu<br />
Milo. O Zeca não tem uma pegada boa não.<br />
Milo olha a planilha <strong>de</strong> funcionários e suas respectivas funções. Pensa um<br />
pouco.<br />
– O Zeca tá na triparia agora, mas só tenho ele mesmo – resmunga para si.<br />
– Senhor, ele <strong>de</strong>ixa o boi acordado.<br />
– Você já disse isso, Edgar. O que eu posso fazer? Na <strong>de</strong>gola ele vai morrer<br />
mesmo – respon<strong>de</strong> Milo alterado.<br />
Edgar permanece imperturbável mantendo o olhar cinzento sobre o patrão.<br />
O telefone toca. Milo aten<strong>de</strong> e pe<strong>de</strong> um instante.<br />
– Edgar, aqui está a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> cobrança. O en<strong>de</strong>reço tá escrito aí. Pega as<br />
chaves da caminhonete com o Tonho e manda o Zeca vir até aqui falar comigo.<br />
Edgar Wilson acena com a cabeça e apanha a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> cobrança. Milo<br />
volta ao telefone. Edgar hesita pouco antes <strong>de</strong> sair, mas atravessa a porta do<br />
escritório e fecha-a ao passar. Segue por um corredor fétido e mal iluminado e<br />
ao virar à direita entra no boxe <strong>de</strong> atordoamento, local em que trabalha muitas<br />
horas por dia. A fila <strong>de</strong> bois e vacas é sempre longa. Um funcionário abre a<br />
portinhola e o boi que já passou pela inspeção e banho entra <strong>de</strong>sconfiando,<br />
<strong>de</strong>vagar, olhando ao redor. Edgar apanha a marreta. O boi caminha até bem<br />
perto <strong>de</strong>le. Edgar olha nos olhos do animal e acaricia a sua fronte. O boi<br />
bate uma das patas, abana o rabo e bufa. Edgar cicia e o animal abranda seus<br />
movimentos. Há algo nesse cicio que <strong>de</strong>ixa o gado sonolento, intimamente<br />
ligado a Edgar Wilson, e <strong>de</strong>ssa forma estabelecem confiança mútua. Com o<br />
polegar, ele faz o sinal da cruz entre os olhos do ruminante e se afasta dois<br />
230