14.05.2013 Views

Conto - Academia Brasileira de Letras

Conto - Academia Brasileira de Letras

Conto - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Ana Paula Maia<br />

Na sala do financeiro, uma mulher baixinha e <strong>de</strong> óculos entrega a ele um<br />

cheque nominal e apanha a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> cobrança. Enfiando o cheque <strong>de</strong>ntro do<br />

bolso, Edgar dirige-se à saída. Um carregamento <strong>de</strong> hambúrgueres está sendo<br />

<strong>de</strong>positado <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um dos caminhões. Acen<strong>de</strong> um cigarro e apoiado na<br />

caminhonete observa os homens trabalhando. Uma das caixas <strong>de</strong> papelão cai<br />

<strong>de</strong> uma pilha alta e espatifa-se no chão. Edgar agacha-se ao lado da caixa e<br />

observa o conteúdo. Parece saboroso. Um dos carregadores oferece uma caixa<br />

<strong>de</strong> hambúrguer a Edgar que agra<strong>de</strong>ce e entra na caminhonete. Retorna no fim<br />

da tar<strong>de</strong>, quando o sol está próximo <strong>de</strong> se pôr, um momento em que o céu se<br />

incen<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> cores rosáceas e que faz tremeluzir a alma.<br />

Estaciona a caminhonete no pátio do abatedouro. O expediente <strong>de</strong> trabalho<br />

terminou e restam apenas os funcionários que concluem a limpeza do<br />

lugar. Edgar Wilson entra no escritório <strong>de</strong> Milo e entrega a ele o cheque. No<br />

boxe <strong>de</strong> atordoamento repara na quantida<strong>de</strong> excessiva <strong>de</strong> sangue e em pedaços<br />

<strong>de</strong> crânio esfacelado.<br />

É hora do canto das cigarras. A noite se aproxima, envolvendo o firmamento<br />

e engolindo o crepúsculo. Algumas estrelas já apareceram. Edgar Wilson<br />

entra no banheiro do alojamento. Espera que reste apenas o Zeca no banho.<br />

Com a marreta, sua ferramenta <strong>de</strong> trabalho, acerta precisamente a fronte do<br />

rapaz que cai no chão em espasmos violentos e geme baixinho. Edgar Wilson<br />

faz o sinal da cruz em si antes <strong>de</strong> suspen<strong>de</strong>r o corpo morto <strong>de</strong> Zeca e o enrolar<br />

num cobertor. Nenhuma gota <strong>de</strong> sangue foi <strong>de</strong>rramada. Seu trabalho é<br />

limpo e o golpe é sempre preciso. No fundo do rio com restos <strong>de</strong> sangue e<br />

vísceras <strong>de</strong> bois é on<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixou o corpo <strong>de</strong> Zeca, que com o fluxo das águas,<br />

assim como o rio, também seguirá para o mar.<br />

Edgar Wilson vai para a cozinha e frita os hambúrgueres. Ele e os colegas<br />

comem toda a caixa, admirados. Assim, redondo e temperado, nem parece ter<br />

sido um boi. Não se po<strong>de</strong> vislumbrar o horror <strong>de</strong>smedido que há por trás <strong>de</strong><br />

algo tão saboroso e <strong>de</strong>licado.<br />

∙<br />

234

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!