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KALINE MENDES E ANGÉLIGA GONDIM versão Word 97 - cchla

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Introdução<br />

O ESPAÇO DOS GÊNEROS ORAIS EM LIVROS DIDÁTICOS DE PLE<br />

Angélica Lima Gondim (UFC) 1<br />

anaangel.gondim@bol.com.br<br />

Kaline Araujo Mendes(UFC) 2<br />

profakaline@gmail.com<br />

A área de português como língua estrangeira (doravante PLE) se constitui, na atualidade, um<br />

importante campo de investigação. Nas últimas décadas, questões como a fluência na aquisição de<br />

PLE (Arai, 1985), o ensino de português para estrangeiros nas universidades brasileiras (Almeida<br />

Filho, 1992), direitos linguísticos de aprendizes de português como língua estrangeira (Gomes de<br />

Matos, 1999), certificação de proficiência em língua portuguesa para estrangeiros (Schlatter, 1999),<br />

o ensino de português para hispanofalantes (Judice, 2002), a avaliação no processo de aquisição da<br />

escrita em português como segunda língua (Amorim, 2002), a compreensão de leitura no contexto<br />

de PLE (Nobre de Melo, 2003), a avaliação de proficiência oral em português como língua<br />

estrangeira (Schoffen, 2003), a abordagem intercultural no ensino de PLE (Santos, 2003), o material<br />

didático de PLE (Mendes, 2006), o exame Celpe-Bras em contexto hispanofalante (Scaramucci,<br />

2008), a formação de professores de português língua estrangeira (Cunha e Santos, 2002) e Furtoso<br />

(2009) foram foco de debate entre os pesquisadores da área. Consideramos, no entanto, que há,<br />

ainda, muitas questões que precisam ser discutidas. Por essa razão, nossa proposta, no presente<br />

trabalho, é a de identificar e discutir, com base no quadro teórico do interacionismo sociodiscursivo<br />

(Bronckart, 1999), o espaço dos gêneros orais em livros didáticos dirigido ao ensino de português<br />

para estrangeiros. Para tanto, inicialmente, faremos uma breve discussão acerca do tema gêneros. A<br />

seguir, trataremos da relação entre gêneros e ensino de línguas. Por fim, mas não menos importante,<br />

procederemos à análise qualitativa de exercícios colhidos em dois livros didáticos de português<br />

destinados ao público estrangeiro. Tomaremos com norte os seguintes questionamentos: A amostra<br />

de gêneros textuais presente nos livros didáticos analisados pode ser considerada diversificada e<br />

ampla? Em que medida os exercícios com foco na produção de gêneros textuais orais fazem<br />

referência ao contexto de produção, especificamente ao contexto físico? Em que medida os<br />

exercícios que sugerem a produção de gêneros orais fazem menção ao contexto sociossubjetivo da<br />

interação comunicativa?<br />

1 Gêneros: uma conversa inicial<br />

A discussão sobre gêneros ocupa, contemporaneamente, na seara da Linguística, lugar de<br />

destaque. Essa temática, contudo, não tem origem relacionada às ciências da linguagem. Como<br />

assevera Faïta (2004), sua fonte está na retórica, notadamente em Aristóteles, que definiu e<br />

determinou serem os gêneros do discurso em número limitado e finalizados. Posteriormente, a<br />

noção de gêneros se diversificou e, ainda de acordo com Faïta (2004), passou a ser encarada, na<br />

estilística, como gêneros literários; em linguística e análise de textos, como gêneros de textos e,<br />

finalmente, retomada por Bakhtin como gêneros do discurso.<br />

As recentes discussões a respeito de texto, língua e linguagem, discurso, enunciação e<br />

gênero mantêm ligação inelutável com as ideias de Bakhtin (2000). Não são poucos os trabalhos<br />

nas ciências da linguagem que se pautam nas reflexões do teórico. Bakhtin é, pois, considerado o<br />

1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará e bolsista CNPq.<br />

Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Linguística Aplicada (GEPLA).<br />

2 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará e bolsista Capes<br />

Reuni. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Linguística Aplicada (GEPLA).


grande propulsor quanto aos assuntos relacionados a gêneros. Com a afirmação de que “Todas as<br />

esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a<br />

utilização da língua.”, o autor desenvolveu uma noção de língua que vai além da sua imanência, do<br />

código, e discute, a partir disso, os gêneros do discurso como “tipos relativamente estáveis de<br />

enunciados” (BAKHTIN 2000, p. 279) , por meio dos quais nos comunicamos verbalmente.<br />

Em relação aos gêneros do discurso, nomenclatura adotada por Bakhtin (2000), o autor<br />

apresentou enriquecedoras e revolucionárias contribuições à Lingüística. Diferentemente de uma<br />

concepção de língua centrada no código, no teor normativo, Bakhtin (2000) chamou atenção para o<br />

valor funcional dos gêneros, sua facilidade de combinação e agilidade no uso com base nos<br />

diferentes contextos. Para o falante, o valor normativo dos gêneros é algo que existe e lhe é dado,<br />

principalmente porque “a língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam, e<br />

é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua” (BAKHTIN, 2000,<br />

p.282), isto é, em cada situação de utilização da língua, os enunciados individuais integram a<br />

unidade de gênero ao qual se combinam como um elemento indissociável. Para o autor, “a língua<br />

passa a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente através de<br />

enunciados concretos que a vida entra na língua” (BAKHTIN, 2000, p. 265).<br />

Esta relação de mão dupla, delineada pelo teórico, é o cerne da relação enunciadorenunciatário,<br />

concretamente. Não há, portanto, prevalência de posições, já que não existe, na<br />

dinâmica das interações, enunciatário neutro ou passivo, mas ativo. É importante ressaltar que, além<br />

disso, e referente ao que este autor chama de enunciação, o papel do outro é indispensável ao<br />

processo interacional, pois, enquanto na Lingüística Geral esse outro tem papel secundário, é dotado<br />

de uma compreensão passiva, em seus pressupostos enunciativos, Bakhtin (2000) o enfatiza como<br />

peça primordial na interação, aquele que assume papel ativo e representativo.<br />

De fato, o ouvinte que recebe e compreende a significação (linguística) de um discurso<br />

adota simultaneamente, para com este discurso, uma atitude responsiva ativa, ele concorda<br />

ou discorda, completa, adapta, apronta-se para executar (…) (BAKHTIN , 2000, P. 290)<br />

Na verdade, essa alternância dos sujeitos, é constitutiva das atividades humanas, que são<br />

variadas e não estanques. Nesse sentido, atribui-se à língua um papel extremamente diverso, que<br />

tem no diálogo a sua forma mais ampla. Disso pode-se concluir que a discussão a respeito do<br />

dialogismo em Bakhtin é constitutivo da linguagem. E é justamente no diálogo real que esta<br />

alternância dos sujeitos falantes é evidenciada.<br />

Dando continuidade à discussão sobre os gêneros, podemos afirmar que Bakhtin (2000) os<br />

considerava com base nos seguintes critérios:<br />

a) para cada situação social definida é elaborado um tipo específico de enunciado;<br />

b) cada gênero apresenta conteúdo, estilo e composição própria;<br />

c) a opção por um gênero se dá em função da temática em foco, dos participantes<br />

envolvidos no contexto e do propósito do locutor.<br />

Tendo em vista o nível de complexidade das interações sociais, Bakhtin diferenciou, ainda,<br />

os gêneros como: primários, também chamados de gêneros simples (textos constituídos em esferas<br />

sociais cotidianas da relação humana, normalmente entendidos como gêneros orais) ou secundários,<br />

também denominados de complexos (pertencentes a esferas públicas e mais elaboradas).<br />

A partir dos estudos de Bakhtin, muito autores se dedicaram à questão dos gêneros,<br />

dispensando ao tema tratamentos variados, adicionando características ou reformulando o conceito<br />

de gênero deste autor. A título de exemplo, citamos Swales (1990), Bhatia (1993), Bronckart (1999)<br />

e Marcuschi (2000).<br />

Neste estudo, pautamos nossas posições nos pressupostos teóricos do interacionismo<br />

sociodiscursivo e a nossa opção é, portanto, a de assumir a conceitualização de gêneros dada por<br />

Bronckart (1999). Daí assumirmos, de agora em diante, o termo gêneros textuais para tratarmos dos<br />

“produtos da atividade de linguagem em funcionamento permanente nas formações sociais (…),<br />

que apresentam características relativamente estáveis” (BRONCKART , 1999, p. 137).


2 Gêneros à luz do Interacionismo Sociodiscursivo<br />

A proposta do interacionismo sociodiscursivo, no que concerne aos gêneros, guarda relação<br />

com a obra de Bakhtin, ao mesmo tempo que se distancia dela por assumir uma perspectiva mais<br />

empírica e menos teórica do tema. Bronckart (2003) afirma que, no âmbito do ISD, as condutas<br />

humanas são analisadas como ações significantes, ou situadas. O autor defende que, na escala<br />

sócio-histórica, os textos, através das formações sociais, são produtos das atividades de linguagem.<br />

Tais formações sociais elaboram diferentes espécies de textos, denominados pelo autor como<br />

gêneros de textos, que são determinados por contextos específicos.<br />

Entendemos, então, que há uma evidente relação de interconexão e dependência entre<br />

gênero e contexto. Essa relação cria uma dupla necessidade no que concerne à produção dos<br />

gêneros: a de conhecimento do gênero em si e do contexto do qual é expressão e ao qual se destina.<br />

Urge esclarecer que de nenhuma maneira consideramos que tal relação deva ser entendida como<br />

rígida, ou como uma relação biunívoca.<br />

No que tange ao conjunto de gêneros que estão à disposição dos indivíduos para que se<br />

comuniquem de forma eficiente, Bronckart (2004, 2005) sugere a noção de arquitexto, que,<br />

teoricamente, constitui-se de um número de gêneros infinito, em decorrência da atividade humana,<br />

que é, por essência, bastante variada. Com base nisso, o próprio autor propõe o ensino de gênero em<br />

relação a si mesmo a ao arquitexto. Cada texto está enquadrado dentro de um gênero de texto, mas<br />

esse enquadramento não deve ser argumento para que o texto não seja estudado em si mesmo e no<br />

contexto do arquitexto. Com esse saber referente aos gêneros e ao arquitexto, é possível, por<br />

exemplo, distinguimos, logo no princípio de uma ação linguageira, o gênero utilizado, seu tema, sua<br />

estrutura composicional e, assim, a comunicação verbal é viabilizada. Do contrário, teríamos que<br />

criar um gênero a cada ato de fala, o que dificultaria ou, quem sabe, impossibilitaria a comunicação<br />

verbal.<br />

Para Bronckart (1999), o texto<br />

designa uma unidade concreta de produção de linguagem, que pertence necessariamente a<br />

um gênero, composta por vários tipos de discurso, e que também apresenta os traços das<br />

decisões tomadas pelo produtor individual em função da sua situação de comunicação<br />

particular (BRONCKART, 1999, P. 77)<br />

A respeito dos gêneros, Bronckart (1999) afirma que<br />

essa noção tem sido progressivamente aplicada ao conjunto das produções verbais<br />

organizadas: às formas escritas usuais (artigo científico, resumo, notícia, publicidade, etc.)<br />

e ao conjunto das formas textuais orais, ou normatizadas, ou pertencentes à “linguagem<br />

ordinária’(exposição, relato de acontecimentos vividos, conversação, etc.). Disso resulta<br />

que qualquer espécie de texto pode, atualmente ser designada em termos de gênero e que,<br />

portanto, todo exemplar de texto observável pode ser considerado como pertencente a um<br />

determinado gênero (BRONCKART 1999: 73).<br />

Não podemos desconsiderar, ainda no que concerne aos gêneros, que toda produção verbal,<br />

seja ela falada ou escrita, pode ser entendida como uma situação de ação de linguagem, que<br />

representa “as propriedades dos mundos formais (físico, social e subjetivo) que podem exercer<br />

influência sobre a produção textual”(BRONCKART,1999, p.91). Uma ação linguageira reúne e<br />

integra o contexto de produção (parâmetros que podem interferir na forma como um texto é<br />

organizado) e o conteúdo temático (conjunto de informações que se apresentam num dado texto).<br />

De acordo com Bronckart (1999), tais fatores se dividem em, a dois conjuntos: o do mundo físico<br />

(que abrange o lugar de produção, o momento de produção, o emissor e o receptor do texto) e o do<br />

mundo sócio-subjetivo (que engloba o lugar social, a posição social do emissor, a posição social do<br />

receptor e os objetivos da interação).


3 Gêneros, ensino e material didático de PLE<br />

Ultimamente, os estudos sobre gêneros têm contemplado, além de questões teóricas, de<br />

análise e descrição, sua aplicação no ensino de línguas. No que diz respeito a esta última dimensão,<br />

acreditamos que a adoção de uma perspectiva que tome como ponto de partida os gêneros textuais<br />

pode garantir ao aprendiz o desenvolvimento humano por meio das práticas linguageiras efetivas.<br />

Nas palavras de Brandão (2004), no Brasil, o debate em torno dos gêneros ganhou força a<br />

partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que enfatizam o espaço que os gêneros<br />

devem ocupar no ensino de português como língua materna. Esse documento elaborado pelo<br />

Ministério da Educação do Brasil ressalta a importância de se encontrarem formas de garantir,<br />

efetivamente, a aprendizagem da leitura e da escrita. Tal preocupação decorre do fato de que, como<br />

é dito no próprio documento, “(...) evidência de fracasso escolar apontam para a necessidade da reestruturação<br />

do ensino de Língua Portuguesa”(BRASIL, 19<strong>97</strong>, p.19).<br />

Nos PCNs, a linguagem é tomada como “ação interindividual orientada por uma finalidade<br />

específica” (BRASIL, 19<strong>97</strong>, p.23). Também é destacado o fato de que ela, a linguagem, está<br />

presente em todas as práticas sociais do cotidiano.<br />

Partindo dessa linha e com o propósito de tratar de maneira mais efetiva as formas de ação<br />

discursiva, os PCNs adotaram a perspectiva dos gêneros, que, no texto oficial, são assim<br />

tematizados:<br />

Todo texto se organiza dentro de um determinado gênero. Os vários gêneros<br />

existentes, por sua vez, constituem formas relativamente estáveis de<br />

enunciados, disponíveis na cultura, caracterizados por três elementos:<br />

conteúdo temático, estilo e construção composicional. Pode-se ainda afirmar<br />

que a noção de gêneros refere-se a “famílias” de textos que compartilham<br />

algumas características comuns, embora heterogêneas, como visão geral da<br />

ação à qual o texto se articula, tipo de suporte comunicativo, extensão, grau<br />

de literariedade, por exemplo, existindo em número quase ilimitado. Os<br />

gêneros são determinados historicamente. As intenções comunicativas,<br />

como parte das condições de produção dos discursos, geram usos sociais<br />

que determinam os gêneros que darão forma aos textos (PARÂMETROS<br />

CURRICULARES DE LÍNGUA PORTUGUESA, 19<strong>97</strong>, p.18)<br />

Os PCNs discorrem, ainda, sobre os critérios que devem ser considerados na atividade de<br />

linguagem ancorada em gêneros, mostrando que<br />

quando se interage verbalmente com alguém, o discurso se organiza a partir dos<br />

conhecimentos que se acredita que o interlocutor possua sobre o assunto, do que se<br />

supõe serem suas opiniões e convicções, simpatias e antipatias, da relação de<br />

afinidade e do grau de familiaridade que se tem, da posição social e hierárquica que<br />

se ocupa em relação a ele e vice-versa. Isso tudo pode determinar as escolhas que<br />

serão feitas com relação ao gênero no qual o discurso se realizará, à seleção de<br />

procedimentos de estruturação e, também, à seleção de recursos linguísticos<br />

(PARÂMETROS CURRICULARES DE LÍNGUA PORTUGUESA, 19<strong>97</strong>, P.17)<br />

No que se refere ao ensino de PLE, o único documento brasileiro - do qual temos notícia e<br />

que focaliza a questão dos gêneros - são as diretrizes do Exame Celpe-Bras (Certificado de<br />

Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros), que foi outorgado pelo Ministério da<br />

Educação do Brasil (MEC) no ano de 1988, com vistas a avaliar a competência no uso da língua


portuguesa por parte de estrangeiros.<br />

Por ser de cunho qualitativo, o mencionado exame não “busca aferir conhecimentos a<br />

respeito da língua, por meio de questões sobre a gramática e o vocabulário, mas sim a capacidade<br />

de uso dessa língua” (BRASIL, 2006, p.21). Tais capacidades são avaliadas a partir do desempenho<br />

dos candidatos em tarefas que tomam como referências as situações da vida real e “podem envolver<br />

um conjunto variado de operações, propósitos, interlocutores, gêneros do discurso e tópicos”<br />

(BRASIL, 2006, p.21).<br />

Como se pode observar, em território nacional, a questão dos gêneros é enfocada pelos<br />

documentos que tratam não só do português como língua materna, mas também do português como<br />

língua estrangeira, o que sugere serem os gêneros matéria relevante para o ensino do já referido<br />

idioma.<br />

Schneuwly (2004), numa releitura de Bakhtin, propõe que os gêneros podem ser divididos<br />

em duas categorias: a dos primários e a dos secundários. Os primários, de acordo com o autor, são<br />

aqueles que, aprendidos espontaneamente, estariam associados a esfera do oral. Já os secundários<br />

carecem de uma sistematização, e são aprendidos, na maioria das vezes, em ambientes formais.<br />

Contrariamente a Scheneuwly (2004), defendemos que, para os indivíduos que estão em<br />

processo de aprendizagem de uma língua estrangeira, até mesmo os gêneros primários podem ser<br />

considerados complexos. A nossa crença é a de que , no processo de aprendizagem de uma língua<br />

estrangeira, a compreensão e, sobretudo, a produção dos gêneros orais não podem ser consideradas<br />

processos espontâneos. Acreditamos que o material didático utilizado no ensino da língua-alvo<br />

deve levar em conta essa realidade.<br />

Partindo da noção de que é preciso que haja, na aula de PLE, espaço reservado para os<br />

gêneros orais e que o material didático utilizado nas aulas deve considerar a complexidade dessa<br />

ordem de gêneros, julgamos importante, então, empreender uma investigação sobre o livro didático<br />

de PLE e investigar qual é o espaço que os gêneros orais ocupam no referido material que serve de<br />

suporte a alunos e professores que se encontram imersos nos processos de aprender e ensinar a<br />

língua portuguesa.<br />

A amostra que utilizamos para proceder à análise constitui-se de dois livros didáticos de<br />

português voltado para o público estrangeiro. Ambos, o Bem-Vindo: a língua portuguesa no mundo<br />

da comunicação e o Tudo Bem (vol.1), são publicações brasileiras. O primeiro deles é destinado,<br />

como informam as autoras, ao público em geral e o último tem como alvo estudantes com idade a<br />

partir dos 11 anos.<br />

Com base nos dados obtidos na investigação, objetivamos, responder aos seguintes<br />

questionamento, que foram elaborados por nós a partir dos pressupostos teóricos do ISD: A amostra<br />

de gêneros textuais presente nos livros didáticos analisados pode ser considerada diversificada e<br />

ampla? Em que medida os exercícios com foco na produção de gêneros textuais orais fazem<br />

referência ao contexto de produção, especificamente ao contexto físico? Em que medida os<br />

exercícios que sugerem a produção de gêneros orais fazem menção ao contexto sócio-subjetivo da<br />

interação comunicativa?<br />

4 O livro didático de PLE sob investigação<br />

Dedicamo-nos, nesta seção, a analisar dois livros didáticos de PLE, o Bem-Vindo: a língua<br />

portuguesa no mundo da comunicação e o Tudo Bem (vol.1). Propomo-nos a dar tratamento aos<br />

exercícios cujo foco é a produção de gêneros orais.<br />

Vale salientar que, para a análise do Bem-Vindo: a língua portuguesa no mundo da<br />

comunicação, consideramos exercícios de produção oral somente aqueles identificados pelas<br />

autoras, através dos ícones : auto-falante ou balão de conversação. Já no Tudo Bem (vol. 1),<br />

optamos por selecionar os exercício a partir da ocorrência de palavras, em geral verbos no<br />

imperativo, que faziam referência à produção de gêneros orais Isso porque, neste último material<br />

didático, apenas os exercícios de compreensão oral aparecem sinalizados por um ícone específico:<br />

um CD.


Realizada a análise, no que diz respeito à amostra de gêneros textuais nos exercícios<br />

investigados, podemos garantir que ela é reduzida e repetitiva. Não explora a variedade de gêneros<br />

disponíveis no arquitexto. Das 16 propostas recolhidas, 8 sugerem o gênero discussão. As demais<br />

solicitam a produção de entrevista (2), questionário (2), instrução de jogo (1) e exposição (3).<br />

Exemplos 1: Você conhece estes provérbios: Tal pai, tal filho; Filho de peixe, peixinho é;<br />

Pai guardador, filho gastador; Pai rico, filho pobre, neto pobre ? Você concorda ou discorda deles?<br />

Discuta com seus colegas (PONCE; BURIM; FLORISSI, 2003, p. 28).<br />

Exemplos 2: Discuta com seu colega a importância ou não de se conhecer bem a cultura e<br />

os costumes dos países com quem mantemos relações de trabalho ou negócios.(PONCE; BURIM;<br />

FLORISSI, 2009, p.146).<br />

Referente ao contexto de produção, é lícito afirmar que os exercícios que sugerem a<br />

produção de gêneros orais levam em conta os seguintes elementos: lugar de produção (ainda que<br />

implicitamente), emissor (e, algumas vezes, enunciador) e receptor (em alguns casos, co-produtor),<br />

negligenciando um último, mas não menos importantes parâmetro: o momento de produção. Não se<br />

pode deixar de considerar este parâmetro por ser ele aquele que determina o tempo durante o qual<br />

se produz o agir linguageiro, tendo interferência direta nas características do texto produzido.<br />

Exemplo 3: Entreviste um colega sobre sua rotina diária e, depois, passe as informações<br />

para a classe (PONCE; BURIM; FLORISSI, 2003, p.10).<br />

Exemplo 4: Discuta com seu colega a importância ou não de se conhecer bem a cultura e os<br />

costumes dos países com quem mantemos relações de trabalho ou negócios.(PONCE; BURIM;<br />

FLORISSI, 2006, p.146).<br />

No tocante ao contexto sócio-subjetivo da interação comunicativa, os exercícios, em geral,<br />

não fazem menção ao lugar social. Nos comandos investigados, este importante parâmetro da<br />

interação só pode ser percebido por meio da inferência. Além disso, outro relevante elemento é<br />

desconsiderado: os objetivos da interação. Sobre os parâmetros mencionados, é importante que se<br />

destaque a sua importância na produção de gêneros textuais, uma vez que são eles os responsáveis,<br />

respectivamente, pelo modo de interação em que o texto é produzido e o ponto de vista do<br />

enunciador.<br />

Exemplo 5: Discuta as questões com seus colegas (PONCE; BURIM; FLORISSI, 2003, p.<br />

63).<br />

As questões sugeridas pelas autoras para a discussão são as seguintes: 1. Que recursos você<br />

normalmente usa para fazer as lições de casa? Biblioteca, dicionários, professor particular, ajuda<br />

dos pais, pesquisa com amigos...; 2. Você já usou a Internet para fazer alguma lição de casa? 3.<br />

Como a Internet pode ajudá-lo nessa tarefa? 4. Seus pais e professores apoiam a ideia? 5. De acordo<br />

com o texto, por que a Internet é uma forma eficaz na pesquisa estudantil?<br />

Exemplo 6: Discuta com seus colegas as afirmações feitas por José Ermírio de Moraes<br />

Neto, do grupo Votorantim. Atualmente, qual é a posição do jovem no mercado de trabalho? Que<br />

outros programas sociais de empresas nacionais ou multinacionais você conhece ou sobre os quais<br />

já ouviu falar? O que poderia ser feito para incentivar as empresas a investir mais nesse<br />

setor?(PONCE; BURIM; FLORISSI, 2006, p.139).<br />

Ao procedermos à análise dos exercícios, chamaram-nos à atenção propostas de produção de<br />

gênero oral que, de fato, serviam apenas de pano de fundo para a fixação de formas gramaticais,<br />

como se pode conferir nos exemplos abaixo.


Exemplo 7: Você é muito curioso e quer saber tudo ou quase tudo sobre seu colega novo de<br />

sala. Bombardeie-o de perguntas e depois apresente-o à classe. Anote somente palavras-chave para<br />

ajudá-lo a lembrar das informações. Preencha o quadro abaixo (PONCE; BURIM; FLORISSI,<br />

2003, p.13).<br />

No quadro aparecem as seguintes expressões interrogativas: qual, quantos, onde, com quem,<br />

o que, por que, como e quando.<br />

Exemplo 8: Leia trechos da obra “Memorando” de Geraldo Mayrink e Fernanda Moreira<br />

Salles. São memórias de gerações brasileiras do passado, mas que podem muito bem ser<br />

consideradas memórias universais. Após cada lembrança, diga se você se identifica com ela e<br />

comente seus sentimentos. Em seus comentários utilize os advérbios de afirmação, de negação, de<br />

dúvida, de tempo e de intensidade apresentados na página (PONCE; BURIM; FLORISSI, 2006,<br />

p.92).<br />

Considerações finais<br />

O estudo que desenvolvemos com o propósito identificar o espaço ocupado pelo gêneros<br />

orais em livros didáticos de português como língua estrangeira nos fez perceber que a amostra dessa<br />

sorte de gêneros nos livros analisados é bastante reduzida. Detivemo-nos na análise dos exercícios<br />

que sugeriam a produção de gêneros orais. Ao todo, foram 16 os exemplos encontrados, os quais<br />

apresentam variedade questionável, se tomarmos em conta que uma proposta de ensino com base<br />

em gêneros textuais deve contemplar a atividade de comunicação real, a língua em uso.<br />

No que diz respeito à observância dos parâmetros do contexto de produção, tanto no que<br />

concerne aos elementos físicos quanto aos sociossubjetivos, concluímos que, em geral, os<br />

exercícios deixaram de considerar o momento de produção, o lugar social e os objetivos da<br />

interação. Isso, a nosso ver, pode acarretar prejuízos à produção dos gêneros orais propostos.<br />

Destacamos, também, os exercícios sobre gêneros orais que, na verdade, focalizavam a<br />

forma da língua, deixando em segundo plano o uso que dela se faz.<br />

Dado o exposto, posicionamo-nos a favor da elaboração de materiais didáticos voltados ao<br />

ensino de português como língua estrangeira que considerem, verdadeiramente, uma proposta de<br />

ensino baseada em gêneros textuais e que possam dar aos gêneros orais um tratamento mais<br />

cuidado e amplo.


Referências<br />

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.<br />

BRANDÃO, H.H. N. Gêneros do discurso: unidade e diversidade. Polifonia, Cuiabá, n. 8, p. 2 - 10,<br />

2004.<br />

BRASIL. Ministério da Educação. Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para<br />

Estrangeiros: manual do exame. Brasília, DF: MEC/SESU, 2006<br />

_______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos<br />

parâmetros curriculares nacionais. Brasília, DF, 19<strong>97</strong>.<br />

_______. Ministério das Relações Exteriores. Difusão cultural: educação. Brasília, DF, 2011.<br />

Disponível em: . Acesso em: 10 de<br />

jun. 2011.<br />

BRONCKART, J.P. Atividades de linguagem, textos e discursos. Por um interacionismo sóciodiscursivo.<br />

Trad.: A.R. Machado e P. Cunha. São Paulo: EDUC, 1999.<br />

DE PONCE, M. H et al. Bem-Vindo! A Língua Portuguesa do Mundo da Comunicação. São Paulo:<br />

SBS, 2009. 8ª Ed.<br />

____________________________Tudo Bem. Português para a nova geração. São Paulo:SBS, 2003.<br />

2ª Ed.<br />

DOLZ. J; SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. Trad.: R. Rojo e G. S. Cordeiro.<br />

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