Carnaúba dos Dantas Portalegre Entrevista - Fundação Jose Augusto
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Pequena biografia sonora<br />
Arte Digital de Flávio Novaes sobre fotogramas de Candinha Bezerra e Flávio Américo<br />
Carlos Gurgel (Poeta)<br />
Bater com as mãos. Escutar o som da<br />
rua. Ouvir os outros como quem<br />
confessa peca<strong>dos</strong>. Ritualidade. Quando<br />
se tem noite, lua e o silêncio do som e<br />
da poesia que falamos. Essa acentuada<br />
aventura de celebrar poemas e canções.<br />
Da sinfonia do pássaro que voa e recua.<br />
Orelhas e olhos. Pandeiros e advérbios.<br />
É com a noite que me torno pescador<br />
de palavras e de tons. Parecido com o<br />
som que sai da rede que embala praias<br />
e varandas.<br />
E o trem que traga trilhos e trilhas sonoras.<br />
O trem que vai e vem, repartindo estrofes<br />
geográficas. E a semântica romântica de<br />
uma janela ferroviária que passa e se<br />
perpetua. Tântricas imagens cercadas<br />
de rosas, promessas de sopros como<br />
nuvens que polvilham sambas, rocks e<br />
baiões. Como uma canção que responde<br />
a corações e ventres. Que assalta sonhos<br />
e sinos, soluçando cortejos e partituras.<br />
Voz que eu canto e me encontro como<br />
um beijo guardado a vida inteira.<br />
Autografo sonatas e sonetos sem datas.<br />
E o som que você me pediu sai como<br />
um pequeno poema frágil, precisamente<br />
parecido com seus passos que carregam<br />
meu pulmão para bem lounge.<br />
Releio como um ventilador que destila<br />
verbos e colhe sincronicidades, a cena e o<br />
tempo que o meu coração sugere.<br />
Sou vocabulário da redenção do humano.<br />
Assepsia de celebração do amor e do riso<br />
que habita a noite insana.<br />
Minha ferramenta é o silêncio. Mesmo<br />
que falhe muito. Mesmo que erre o erro<br />
vil. Mesmo sabendo que o quê se fala é<br />
fruto de muita azia gramatical.<br />
Falo o que ainda não escrevi.<br />
É como subir uma escadaria e olhar para<br />
trás e testemunhar os degraus repletos<br />
de vírgulas, interjeições, pronomes,<br />
exclamações, vogais e consoantes.<br />
Pois eu faço música como quem faz<br />
poesia. Pois no meu repertório cabe<br />
escracho, esquadro e espelho refletido.<br />
Poesia como quem gosta da noite. E o<br />
som que sai da rua que a cidade mora é o<br />
sol que me cabe por inteiro.<br />
Escrever e musicar sonhos é o mesmo<br />
que enviar pelo sedex fotos, escritos e a<br />
vontade de mudar o mundo.<br />
Para mim (e só por isso) serei capaz de<br />
confessar pelas avenidas da cidade a<br />
manhã que não sofri.<br />
Fazer som com a voz que vem do espírito<br />
que me carrega. E do que olhar e guardar<br />
como seu véu, o rastro que percorro.<br />
Porque cantar nada mais é do que<br />
confessar amores. Despir-se. Prometer<br />
palavras. O mais é servir ao tempo o seu<br />
mais precioso segredo: compor é ficar<br />
com alguém.<br />
36 Dezembro 2004 Dezembro 2004<br />
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