Construindo uma nova masculinidade: - Fazendo Gênero 10 - UFSC
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<strong>Gênero</strong> e sexualidade nas práticas escolares – ST 7<br />
Fernando Leocino da Silva<br />
Universidade Federal de Santa Catarina - <strong>UFSC</strong><br />
Palavras-chave: Escolarização, Masculinidade, Distinção.<br />
<strong>Construindo</strong> <strong>uma</strong> <strong>nova</strong> <strong>masculinidade</strong>:<br />
A cultura escolar do Ginásio Diocesano na educação secundária da serra catarinense.<br />
Ginásio Diocesano. Uma escola de educação secundária, confessional católica, privada e<br />
voltada para um público masculino, criada em 1931, estava ligada como parte de <strong>uma</strong> ação que se ateve<br />
a formar com caráter de distinção aqueles que em um futuro próximo tomariam as rédeas do poder nas<br />
terras da Serra Catarinense.<br />
Neste cenário, a cultura escolar (JULIA, 2001) difundida no Ginásio Diocesano, sob a égide da<br />
Igreja Católica, estava marcada por <strong>uma</strong> percepção sexista. Para os franciscanos – responsáveis por<br />
administrar a escola, bem como a Diocese de Lages - assim como para toda a Igreja Católica, a divisão<br />
escolar estava conectada a generificação burguesa dos espaços e papéis sociais, existia assim <strong>uma</strong><br />
preparação educacional voltada para o exercício de papéis aceitos na esfera das classes abastadas da<br />
serra catarinense. Desta maneira as meninas, filhas da elite Planaltina, desde cedo tinham seus estudos<br />
ministrados no Colégio Santa Rosa de Lima, das Irmãs da Divina Providencia, ali tinham o preparo<br />
para o exercício da maternidade e tarefas próprias para mulheres de “boas famílias” (SERPA,<br />
1989:143/156). Os rapazes por outro lado eram construídos para o exercício de funções nas esferas<br />
pública e política: para estes estava o Ginásio Diocesano, que procurava conferir <strong>uma</strong> escolarização<br />
que desse acesso a cursos superiores que formassem advogados, médicos, engenheiros e<br />
administradores. A preparação e a construção burguesa de homens e mulheres para papéis distintos, ou<br />
seja, a menina para ser a “rainha do lar” e o homem como “provedor” parece estar na ordem das coisas<br />
a partir do imaginário de percebê-las como normal e natural. Ela está presente objetivado no mundo<br />
social e, em estado incorporado nos corpos e nos “habitus” dos agentes, funcionando como sistemas de<br />
esquemas de percepção, de pensamento e de ação (BOURDIEU,2003:17). Estes elementos são frutos<br />
da experiência das sociabilidades e suas arbitrárias divisões que constroem socialmente as divisões<br />
entre os sexos, como naturais e adquire todo um reconhecimento de legitimação. O estabelecimento de<br />
<strong>uma</strong> escola de ensino secundário em Lages é a corporificação mais pontual deste interesse. Acima de<br />
tudo pelo contexto histórico local pela decadência das fazendas e a emergência da <strong>masculinidade</strong> na<br />
busca de <strong>uma</strong> escolarização que garantisse o acesso a um novo patamar da manutenção das classes<br />
abastadas - à burocracia do Estado, tão em voga durante os anos Vargas.
Além da instrução propriamente dita, o Ginásio Diocesano, ao acolher os meninos-moços<br />
oriundos das famílias mais abastadas da serra, apresentava a particularidade de garantir um trabalho<br />
educacional que tendia não somente a firmar a instrução de saberes necessários ao bom desempenho<br />
nos exames de concurso público e a entrada nos cursos superiores. Para além disso, esta escola<br />
colocada para a educação de poucos, assegurava <strong>uma</strong> educação do espírito e do corpo que substitui ou<br />
reforça o trabalho de educação propriamente familiar, trata-se de tomar a seu cargo também a<br />
incultação e a interiorização das boas maneiras, mas também, a autodisciplina do espírito e do corpo<br />
que é a única forma de garantir a possibilidade de ocupar, de maneira eficaz, a posição social eminente<br />
que o nascimento permitiu vislumbrar (PINÇON;PINÇON-CHARLOT, 2002:20).<br />
Assim, a escola dos padres franciscanos tem o dever de formar a personalidade completa de<br />
seus alunos e não somente desenvolver suas capacidades intelectuais, configurando, desta maneira, a<br />
“educação global” posta em marcha durante os cinco anos do curso ginasial. Neste intuito, o ensino<br />
centrava-se no controle total da instituição sobre a utilização do tempo do aluno, vigilância esta<br />
possibilitada entre outras razões pela estrutura da escolarização do semi-internato e mais precisamente<br />
do internato. O ritmo solicitado aos alunos deixa muito pouco tempo para tomarem “fôlego” ao saírem<br />
das aulas de manhã para o refeitório ao meio-dia e, em seguida, ao terminarem as aulas da tarde, para a<br />
quadra de esportes ou os clubes escolares no fim do dia, antes de voltarem ao refeitório e dirigirem-se<br />
para a sala de estudo, à noite. Toda esta dinâmica estava centrada em <strong>uma</strong> lógica de controlar o tempo,<br />
as relações, o espaço, assim como, a personalidade dos ginasianos.<br />
Além de espaço de instruir e educar, era o Diocesano um lugar de socialização entre os filhos<br />
das famílias abastadas da serra. A escola correspondia à expectativa dos pais em afastar os filhos –<br />
enquanto não atingirem a idade de emancipação legítima – dos perigos e tentações da vida exterior, da<br />
vida estudantil e de tudo o que poderia levar o adolescente a distanciar-se do seu meio de origem. Na<br />
medida que é aplicado em tempo integral, o modelo de formação colocado em exercício tende a separar<br />
claramente os alunos não só do universo escolar, assim como, extra-escolar dos outros adolescentes<br />
(JAY,2002:125). As inúmeras atividades esportivas e culturais, além das de lazer e descanso, são<br />
propostas no interior da instituição e constitui um significante fator de confinamento.<br />
No Ginásio franciscano foram colocadas em marcha à fundação de várias associações, das quais<br />
os próprios alunos em seus tempos “livres” organizavam suas atividades. Entre elas estavam a<br />
“Congregação Mariana Nossa Senhora do Bom Conselho e São Luiz Gonzaga”, “Liga das Boas<br />
Conversas”, “Grupo dos Escoteiros Católicos” e o “Clube Esportivo”. Fazia parte de cada <strong>uma</strong> destas<br />
associações do projeto pedagógico de assimilar com naturalidade a construção de um “capital cultural”<br />
e “capital social” ligado à religiosidade e brasilidade, sob o signo de educação de distinção. Além<br />
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disso, eram significativas as socializações realizadas pelos alunos naqueles espaços, independentes de<br />
série e idades ali começavam redes de amizade, firmavam-se relações importantes para o<br />
desdobramento do futuro. A estrutura do internato e semi-internato eram assim necessárias para ocupar<br />
e roubar o tempo do aluno, em <strong>uma</strong> conjuntura que procurava impedir a livre saída para evitar que eles<br />
viessem a misturar-se com os outros. É importante ser observado aqui <strong>uma</strong> preocupação com a<br />
separação entre o grupo selecionado pela instituição e o conjunto excluído, formado por outros jovens<br />
que não fazem parte e não podem ter acesso ao primeiro grupo.<br />
A escola confessional, ao introjetar nos alunos <strong>uma</strong> responsabilidade quanto aos atos<br />
assistenciais de ajuda a pobreza, auxiliava na autenticação de suas posições sociais de classe abastada,<br />
sendo levados a naturalizar as diferenças sociais a partir da participação dos atos de “piedade”<br />
organizados pela instituição escolar;<br />
O amor ao próximo e o sentimento da piedade chistã pelos desprotegidos e mendigos,<br />
constituiu sempre seria preocupação do revmo. P. Director a ser incutida no animo dos<br />
seus educandos. Eis porque, aproveitou-se da festa de Santo Antonio, padroeiro do<br />
Colégio e grande amigo da pobreza, fizeram os alumnos várias esmolas de dinheiro do<br />
‘bolsinho’ e de roupas e calçados aos pobres da cidade. (VIDA...,1931:15)<br />
Desta forma, percebe-se um imaginário que firmava os ginasianos em papéis sociais de distinção, a<br />
caridade se reveste da efetivação das desigualdades de classe, assim aprendiam a se abalizar daqueles<br />
que não tinham estudo, não tinham garbo, não tinham o brio necessário para ascender socialmente. Ao<br />
separar o pobre, ele concretizava a sua imagem de superior, de escolhido e seu papel de caridade tão<br />
“necessária” para a Igreja Católica Franciscana.<br />
Para além das aprendizagens puramente escolares, os menino-moços aprendiam a viver entre<br />
iguais e controlar a gestão de seu “capital social”, as quais mais tarde se-lhes-iam preciosos. Neste<br />
campo, elementos aparentemente não tão significantes ajudam a configurar esta educação homogênea,<br />
assim, a imagem de si – dos alunos - não é deixada a vontade pelo uso obrigatório do uniforme diário e<br />
do uniforme de gala nas missas de domingo e solenidades públicas das quais o Ginásio participava.<br />
Deste modo, o vestuário não era tratado como <strong>uma</strong> questão de escolha individual, mas sim, sugere o<br />
sentimento de compartilhamento do grupo de status do qual participavam.<br />
O Ginásio Diocesano colocava grande ênfase da prática de esportes, fosse através das aulas de<br />
educação física ou no Clube Esportivo, lá estavam seus alunos no exercício de atividades como futebol,<br />
voleibol, basquetebol, tênis, natação, ginástica sueca, salto em altura, salto em distância, lançamento de<br />
disco, corrida, exercícios em barra, trapézio e argolas (CLUBE...,1936:26-30); eram as modalidades<br />
intensamente praticadas. Como é evidenciado;<br />
O sporte que muito concorre para <strong>uma</strong> completa formação physica, intellectual e moral.<br />
Sim, sejamos homens não somente intelectuais, mas também fortes, robustos, pela<br />
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prática de nossos exercícios sportivos, para que assim possamos ser amanhã servidores<br />
à Deus, à pátria e à família – ‘mens sana in corpore sano’ (RAMOS NETTO, 1934:11).<br />
É possível entender para além da imagem do corpo são, trata-se do aluno aprender a ter controle sobre<br />
o seu corpo, no mesmo tempo, que aprende portar-se com garbo a partir da hexis corporal de seu<br />
pertencimento às classes superiores (PINÇON;PINÇON-CHARLOT,2002:24).<br />
Eram estas práticas desportivas importantes como instrumentos que forjavam a solidariedade de<br />
grupo em um espaço de educação homogênea. Sempre separados pelas equipes do Internato e<br />
Externato, o jogos durante o ano tinham em sua disputa <strong>uma</strong> das formas mais importantes na afirmação<br />
dos laços de amizade. Fossem nas atividades coletivas ou individuais, os alunos eram incumbidos de<br />
um papel a desempenhar dentro de sua equipe. Fosse ele parte do time de futebol, ou um competidor<br />
individual no lançamento de disco, ele era incitado a representar não somente si mas toda sua equipe. A<br />
vitória era o cume esperado por todos, para isso dentro de cada modalidade os alunos eram separados<br />
por categorias - maiores; médios; sub-médios; menores – o que leva a avaliar que todos tinham<br />
grandes possibilidades de se sagrar campeão, e no auge das expectativas ganhar <strong>uma</strong> medalha e ver seu<br />
nome estampado do jornal da escola.<br />
Aqui o ginasiano naturalizava seu disciplinamento enquanto futuro homem do poder, num meio<br />
entre iguais ele era mais <strong>uma</strong> peça da engrenagem: mais um dos homens que precisam ter sua agilidade<br />
individual para fazer parte da equipe, seja ela da turma do Ginásio, seja ela das relações de poder do<br />
vindouro. Os laços de ajuda mútua como parte da coletividade eram muito presentificados não somente<br />
nas práticas desportivas dos jogos, mas também nas atividades que envolviam excursões e<br />
acampamentos pela cidade, como é exemplo:<br />
Alvoroça-se a colméia do Diocesano com as alviçaras do nosso bom Director...<strong>uma</strong><br />
excursão ao Morro Grande. Apresentam-se, celeres, os estudantes e em pouco dirigemse<br />
encorporados para aquele aprazível ponto dos nossos arrabaldes. Chegado ao sopé,<br />
trata-se de fazer a escalada da íngreme monte. Os mais arrojados seguem na frente, não<br />
faltando os pequenos, a porfiarem com os mais crescidos, em galgar com rapidez o<br />
cume do altaneiro monte. Entretanto o nosso Joãosinho, ante a espectativa de tão<br />
temerosa a arriscada ascenção, empallidece, queda-se mudo, bambeando-lhe as pernas e<br />
se vê na imminencia de cahir em desmaio, se não fosse a generosidade dos<br />
companheiros que o apóiam, encorajem e o auxiliam naquella delicada conjunctura.<br />
(EPHERMERIDES...,1931:08)<br />
Na vida cotidiana do Diocesano é significativo perceber o papel desempenhado pelos alunos no<br />
que diz respeito à disciplina escolar. Principiando com o primeiro ano deve ter o educando a atribuição<br />
de <strong>uma</strong> responsabilidade sempre crescente, visando levá-lo a habituar-se ao governo de si mesmo.<br />
Deste a habilidade de estudar sozinho, até a ocupação de cargos na diretoria das associações escolares o<br />
estudante ia naturalizando um poder sobre si e sobre os outros. Neste cenário, os alunos das últimas<br />
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séries são chamados a desempenhar ocupações em <strong>uma</strong> forjação de hierarquia escolar. Exemplo claro<br />
pode ser percebido quando da passagem do ano letivo de 1936:<br />
Quadro 1 – Associações de alunos do Ginásio Diocesano (1936)<br />
Associações Presidente Série Vice-presidente Série<br />
Congregação Mariana Nossa<br />
Senhora do Bom Conselho<br />
Belisário Ramos Neto 5ª Catulo Sá 5ª<br />
Liga das Boas Conversas Euclides Granzotto 4ª Lauro Ribeiro Junior 5ª<br />
Clube Esportivo - Internato Antonio Homero Ramos 5ª (?)<br />
Clube Esportivo - Externato Belisário Ramos Neto 5ª Wilson Burguer Castro 4ª<br />
Fonte: Écos do Ginásio Diocesano, dez.1936, p.26-30.<br />
Percebe-se que os alunos dos últimos anos são chamados a cumprir importantes papéis de liderança na<br />
operação cotidiana do Ginásio. Compreende-se neste contexto que os estudantes mais próximos da<br />
“formação completa” julga-se que estavam mais bem preparados para exercerem com seriedade e<br />
competência as funções cuja responsabilidade eram maiores do que dos outros integrantes das<br />
associações. Estes ao mesmo tempo em que aprendem a organizar e ordenar, são tidos por seus<br />
subordinados um modelo passível de cópia ou não, afinal de contas no futuro breve este passará de<br />
subordinado a líder. São estes alunos que em <strong>uma</strong> hierarquia escolar são tidos como autoridades já que<br />
devem dar o exemplo e prezar para que o dia a dia da escola não seja perturbado. Não somente dentro<br />
do Ginásio estes alunos são chamados a responsabilidades sobre os outros, mas também fora da escola<br />
quando dos passeios, excursões e dos acampamentos, estes tem o dever de manter a ordem frente aos<br />
seus condiscípulos, afinal de contas, fora do ambiente escolar os estudantes são a própria representação<br />
da escola, portanto o encargo sobre os líderes é redobrado. É importante constatar, que por tratar-se de<br />
<strong>uma</strong> escola imbuída de naturalizar o poder desempenhado pelas suas famílias, os ginasianos no futuro<br />
terão que assumir importantes heranças deixadas pelos seus pais. Para o desempenho de tal tarefa<br />
torna-se indispensável cultivar o espírito de responsabilidades fazendo desde cedo a habituarem o<br />
controle de si mesmos e sobre os outros.<br />
Falar em público era um grande desafio, que pressupunha <strong>uma</strong> futura ordenança, por isso além<br />
da habilidade com a escrita, os alunos dos franciscanos, eram constantemente incumbidos de<br />
escreverem pronunciamentos públicos ou declamarem poemas tanto para solenidades internas como<br />
externas da escola. Como ocorreu quando da passagem do dia das mães no ano de 1934;<br />
Promovido pelos alumnos do Collégio e abrilhantado pelo excelente ‘Jazz Iracy’ realizouse<br />
em homenagem ás Mães chistãs um festival litero-musical, cujo programma foi o<br />
seguinte: 1. Minha Mãe – Walmor Oscar de Brito, 2. Protesto energicamente – Ary<br />
Borges, 3. Alla nonna morta – Euclydes Granzotto, 4. Le coeur dune mère – Waldyr<br />
Ortigari, 5. O que amo mais – João de Castro, 6. Macaulay´s Mother – Nilson Borges, 7.<br />
Allocução – Catullo Sá, 8. Minha Mãe – Mario Ruy Furtado, 9. És de Braga – Aldo<br />
Oliveira, <strong>10</strong>. Beautiful Hands – Rogério Fagundes. (DA…,1934:16)<br />
O teatro neste meio era chamado a ter grande importância tanto para a expressão corporal quanto para a<br />
projeção da voz, ajudando assim, a habituarem a enfrentar o público diante de seus olhos. Além disso,<br />
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eles representam papéis, declamam claramente e fazem o drama tomar vida, este treinamento pode ser<br />
considerado como <strong>uma</strong> preparação para cumprir papéis de liderança na vida de adulto, nos quais definir<br />
a cena e demonstrar presença, postura e tom pode ser muito importante (COOKSON;<br />
PERSELL,2002:118).<br />
Enfim, percebe-se que dentro da educação entre "iguais" ocorre <strong>uma</strong> hierarquia escolar<br />
transferível, a educação de distinção faz com que desde cedo os educandos incorporem a habilidade de<br />
sua alto gestão no compartilhamento de experiências com seus colegas. Aqui é importante constatar<br />
que apesar da dita educação "homogênea", o aluno tem que dar o máximo de si para continuar fazendo<br />
parte do jogo, da comunidade escolar. Os ginasianos na construção do seu conhecimento são<br />
estimulados a se disciplinarem na busca pela sua “formação global”, este incitamento pode ser<br />
constatado quando das congratulações dos alunos modelos, aqueles que tiram as melhores notas são<br />
glorificados publicamente aos receberem medalhas, assinarem o Livro de Honra, e verem seus nomes<br />
publicados no periódico do Ginásio, assim como nos jornais da cidade. São estes as:<br />
Falanges de alunos modelos, que trazem convicção e serenidade, qualidades que,<br />
livrando do nível comum, elevam, forçosamente, o coração juvenil ás mais nobres<br />
aspirações na luta da vida. (PAGINA..., 1936:08)<br />
Desta forma, como no esporte, os discentes são instigados por sua vontade própria a alcançar méritos<br />
para que possa se efetivar e continuar fazendo parte do grupo entre os iguais; daqueles capazes de<br />
enfrentarem a seleção da educação de distinção e chegarem ao auge que o Ginásio Diocesano pode<br />
proporcionar – a formatura de Bacharel em Ciências e Letras.<br />
Por fim, é neste espaço social que são adquiridos o valor social do aluno, a partir de suas formas<br />
de ser e de se fazer. Aquele espaço está conjugado na busca educar mais que instruir, de formar o<br />
caráter, à vontade, a iniciativa mais que o saber, de valorizar <strong>uma</strong> ideologia do desempenho, do esforço<br />
e da competitividade (JAY,2002:128). Estas determinações sociais vão sendo legitimadas a partir de<br />
<strong>uma</strong> ilusão bem fundamentada tendo por base o sentimento de liberdade que acompanha esta<br />
“realização de si” – do aluno – no entanto, ela é produto de <strong>uma</strong> perfeita adequação entre as<br />
predisposições interiorizadas, o “habitus”, e determinadas condições da prática que pode ser controlada<br />
e que as pessoas realmente conseguem dominar (PINÇON;PINÇON-CHARLOT,2002:28). A<br />
instalação deste “habitus” só pode ser efetivada a partir da "homogeneidade" do grupo da qual está<br />
sendo aplicado, por isso se faz importante, separar as crianças de outros espaços sociais da qual as<br />
expectativas não são as mesmas. Lembrando que o Ginásio Diocesano não tem apenas objetivos<br />
estratégicos focalizados no acesso as posições profissionais dominantes, mas também, para a<br />
confirmação do status quo de suas famílias, para a construção de “capitais sociais” significativos para o<br />
porvir. Ainda sim, esta <strong>uma</strong> sociabilidade católica, que além do enquadramento da moral religiosa,<br />
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uscava a manutenção de sua hegemonia, ameaçada pelas transformações sociais que estavam<br />
colocadas em sua volta.<br />
Estava o Ginásio Diocesano, neste cenário, legitimado pela Igreja Católica e pelas famílias<br />
fazendeiras com naturalidade para a reprodução da ordem androgênica como as responsáveis pelos<br />
mandos dos espaços públicos. Assim, a ordenação das disciplinas-saber indicava o critério masculino a<br />
partir da seleção e organização das atividades escolares. Estavam seus alunos imbuídos de um ensino<br />
que lhes desenvolvessem raciocínio rápido e lógico, elementos estes conferidos desde a resolução dos<br />
cálculos matemáticos até o aprendizado das línguas estrangeiras. A construção de <strong>uma</strong> “hexis<br />
corporal” foi também colocada em marcha nas práticas dos mais diversificados esportes, até na<br />
habilidade de falar em público através das aulas de teatro. Elementos estes aparentemente sem<br />
importância na vida cotidiana do alunado, na verdade, ajudavam a constituir <strong>uma</strong> distinção cultural<br />
masculina dando as primeiras bases na preparação dos futuros advogados, políticos, militares,<br />
administradores, médicos, engenheiros. Estas disposições eram constituídas, ao mesmo tempo que se<br />
estimulava <strong>uma</strong> sociabilidade que cultivava atitudes de honra, como o compromisso de competir nas<br />
diversas disputas estudantis, respeitando os critérios e os resultados das mesmas com elegância e<br />
“nobreza” – a honra era a principal aptidão esperada pelo homem na esfera pública da sociedade<br />
burguesa, e a escola masculina estava imbuída de introduzir este papel. (BOURDIEU apud<br />
DALLABRIDA,2001:228). Enfim, o Ginásio Diocesano, enquanto espaço de legitimação de posições<br />
das famílias abastadas da Serra tinha na construção do “capital social” e “cultural” do aluno um<br />
compromisso com a educação do “habitus” masculino burguês de lançar sólidas bases para a<br />
constituição do homem no espaço público, tomando a frente das instituições econômicas, culturais e<br />
políticas como já exerciam seus pais.<br />
Referências<br />
BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertharnd Brasil, 2003.<br />
COOKSON JR, P.; PERSELL, C. Internatos americanos e ingleses: um estudo comparativo sobre a<br />
reprodução das elites. In ALMEIDA, A. M.; NOGUEIRA, M. A. A escolarização das elites.<br />
Petrópolis: Vozes, 2002.<br />
CLUBE esportivo. Ecos do Ginásio Diocesano. Lages, dez.1936.<br />
EPHERMERIDES. Ecos do Collegio Diocesano. Lages, dez.1931.<br />
DA nossa chonica. Ecos do Ginásio Diocesano. Lages, dez.1934.<br />
DALLABRIDA, N. Fabricação escolar das elites: O Ginásio Catarinense na primeira republica.<br />
Florianópolis: Cidade Futura, 2001.<br />
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JAY, E. As escolas das grandes burguesias: o caso da Suíça. In ALMEIDA, A. M.; NOGUEIRA, M. A.<br />
A escolarização das elites. Petrópolis: Vozes, 2002.<br />
JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. Revista brasileira de história da educação.<br />
Campinas: A.Associados, 2001<br />
PAGINA de honra. Ecos do Ginásio Diocesano. Lages, dez.1936<br />
PINÇON, M; PINÇON-CHARLOT, M. A infancia dos chefes: a socialização dos herdeiros ricos da<br />
França. In ALMEIDA, A. M.; NOGUEIRA, M. A. A escolarização das elites. Petrópolis: Vozes,<br />
2002.<br />
SERPA, E. C. Igreja e catolicismo popular no planalto catarinense. Florianópolis, 1989. Dissertação<br />
(mestrado em História) Universidade Federal de Santa Catarina.<br />
VIDA religiosa. Ecos do Ginásio Diocesano. Lages, dez.1931<br />
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