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Avaliação Pré-Anestésica em Paciente com Pneumopatia

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Objetivos<br />

<strong>Avaliação</strong> <strong>Pré</strong>-<strong>Anestésica</strong> <strong>em</strong> <strong>Paciente</strong><br />

<strong>com</strong> <strong>Pneumopatia</strong><br />

As metas a ser<strong>em</strong> alcançadas numa correta avaliação pré-anestésica da função pulmonar de pacientes pneumopatas são:<br />

diagnóstico da situação; preparo adequado; conduta cirúrgica; identificação de doenças associadas; estimativa do risco;<br />

informação ao paciente; e definição da estratégia de anestesia.<br />

Diagnóstico da situação<br />

Compreend<strong>em</strong>-se todas as medidas clínicas (anamnese, exame físico e estudo dos exames <strong>com</strong>pl<strong>em</strong>entares) utilizadas pelo<br />

anestesiologista para estabelecer o grau exato de <strong>com</strong>prometimento da função pulmonar do paciente; sua reserva funcional; suas<br />

limitações físicas, enfim; idealmente, a avaliação pré-anestésica deveria ser feita <strong>em</strong> consultório, por possibilitar ao profissional<br />

todas as condições necessárias. Nada impede, entretanto, que estes objetivos sejam atingidos mediante avaliação <strong>em</strong> meticulosa<br />

visita pré-anestésica hospitalar, preferencialmente na véspera da cirurgia.<br />

Preparo adequado<br />

O preparo adequado do paciente exige atenção redobrada do profissional anestesiologista. Se, normalmente, a população leiga e<br />

os profissionais médicos de outras áreas receiam as <strong>com</strong>plicações de natureza respiratória oriundas da anestesia, mesmo <strong>em</strong><br />

pacientes hígidos, independent<strong>em</strong>ente da cirurgia indicada, muito mais apreensão e ansiedade resultam para todos, quando o<br />

paciente já é portador de enfermidade das vias aéreas. Portanto, todo cuidado é pouco. Se o paciente é asmático, por ex<strong>em</strong>plo,<br />

candidato a uma colecistectomia, jov<strong>em</strong>, não-fumante, está há anos s<strong>em</strong> crises e não t<strong>em</strong> sibilos ao exame físico, que é<br />

inteiramente normal, não carece de qualquer avaliação <strong>em</strong> termos de exames <strong>com</strong>pl<strong>em</strong>entares específicos para o sist<strong>em</strong>a<br />

respiratório. N<strong>em</strong> por isso o anestesiologista deixará de tomar as cautelas necessárias para a condução de uma anestesia <strong>em</strong><br />

paciente <strong>com</strong> asma, tais <strong>com</strong>o evitar drogas potencialmente liberadoras de histamina e minimizar manobras que possam provocar<br />

irritabilidade das vias aéreas. Por outro lado, se o paciente é fumante, relata crises recentes, encontra-se fazendo uso de<br />

broncodilatadores e apresenta sibilos ao exame físico, interessa sim, ao anestesiologista, investigar as reais condições clínicas do<br />

paciente. Um simples raio X de tórax, nestas condições, poderá ser útil, podendo d<strong>em</strong>onstrar uma infecção con<strong>com</strong>itante ou um<br />

padrão de bronquite crônica, ou até mesmo de enfis<strong>em</strong>a pulmonar. A detecção de probl<strong>em</strong>as ao exame físico e/ou radiológico<br />

poderá determinar a realização de uma espirometria para melhor avaliação funcional do paciente. Por sua própria intervenção, ou<br />

via pneumologista, o anestesiologista contribuirá para a obtenção do estado ideal (melhores condições possíveis pré-operatórias)<br />

do paciente, seja através de fisioterapia apropriada ou de esqu<strong>em</strong>as terapêuticos indicados, ficando a cirurgia eletiva postergada<br />

até que se alcance a condição desejada.<br />

Conduta cirúrgica<br />

A indicação cirúrgica é um el<strong>em</strong>ento de fundamental importância nesta avaliação. Qualquer que seja a conclusão do<br />

anestesiologista sobre a situação real do paciente, ter<strong>em</strong>os um contexto de preparação e de estratégia anestésica totalmente<br />

diferente, dependendo de tratar-se de um procedimento de m<strong>em</strong>bros inferiores, andar inferior do abdome, andar superior do<br />

abdome ou ainda toracopulmonar.<br />

Identificação de doenças associadas<br />

É imperativa sua identificação e conhecimento pelo anestesiologista, que se obriga a <strong>com</strong>preender sua histopatologia e o potencial<br />

de risco que acarreta para o paciente. Neste sentido, é fundamental dirigir a anamnese e o exame físico e <strong>com</strong>pl<strong>em</strong>entar para a<br />

avaliação dos sist<strong>em</strong>as nobres (SNC, cardiovascular, respiratório, renal, hepático e endócrino). Até mesmo principiantes <strong>em</strong><br />

Anestesiologia sab<strong>em</strong> que os pacientes hígidos <strong>em</strong> relação a estes sist<strong>em</strong>as dificilmente <strong>com</strong>plicam no transoperatório e, quando<br />

o faz<strong>em</strong>, apresentam grande probabilidade de superar possíveis intercorrências. Por outro lado, os pacientes que são portadores<br />

de disfunções importantes nestes sist<strong>em</strong>as tornam-se muito mais vulneráveis a <strong>com</strong>plicações de toda ord<strong>em</strong>, acrescendo-se o<br />

risco de não conseguir<strong>em</strong> superá-las, a despeito de todo o esforço terapêutico instituído. Doenças neuromusculares, diabetes,<br />

hipertensão, asma, hipo ou hipertireoidismo, nefro ou hepatopatias dev<strong>em</strong> estar controladas, ou <strong>com</strong> a gravidade b<strong>em</strong><br />

estabelecida, incluindo-se aí toda a interação medicamentosa prevista <strong>com</strong> os agentes anestésicos, antes da definição pelo<br />

tratamento anestésico-cirúrgico.<br />

Estimativa do risco<br />

Obviamente, cumpridas as etapas de uma criteriosa avaliação pré-anestésica, t<strong>em</strong> agora o anestesiologista as condições ideais<br />

para fazer a estimativa do risco do procedimento anestésico-cirúrgico, lançando mão, caso a caso, de todas as escalas e escores<br />

conhecidos, b<strong>em</strong> <strong>com</strong>o de imprescindíveis conhecimentos clínicos.<br />

Sociedade Brasileira de Anestesiologia – Curso de Ensino à Distância 2002 1


Informações ao paciente<br />

A partir daí, investindo no ponto mais importante da função social do médico, qual seja, a de estabelecer <strong>com</strong> seu paciente e <strong>com</strong><br />

a família do mesmo uma relação absolutamente saudável e positiva, deve o profissional informar ao paciente e a<strong>com</strong>panhante, se<br />

possível, de forma transparente, mas não alarmista, todos os riscos inerentes ao procedimento. É o momento mais importante da<br />

consulta, <strong>em</strong> que num diálogo aberto todas as dúvidas do paciente e de sua família pod<strong>em</strong> ser dirimidas, conferindo ao profissional<br />

que t<strong>em</strong> a devida sensibilidade e paciência, geralmente, um conceito e uma <strong>em</strong>patia altamente favoráveis ao seu trabalho. Diante<br />

dos casos mais <strong>com</strong>plicados e havendo o menor sinal de in<strong>com</strong>preensão, cabe ao anestesiologista, nesta ocasião, por zelo e<br />

prudência, solicitar ao paciente e familiar a<strong>com</strong>panhante a assinatura de um termo de consentimento informado, que deve ser<br />

sucinto, específico para o caso, e escrito numa linguag<strong>em</strong> inteiramente acessível a leigos, para maior alcance legal.<br />

Definição da estratégia de anestesia<br />

Finalmente, tendo um <strong>com</strong>pleto domínio da situação real do paciente, pode o anestesiologista definir a melhor estratégia para o<br />

caso <strong>em</strong> questão, cumprindo-se à risca todas as etapas de uma meticulosa avaliação pré-anestésica.<br />

Sinais e Sintomas<br />

Do ponto de vista da avaliação da função pulmonar, s<strong>em</strong> dúvida os el<strong>em</strong>entos s<strong>em</strong>iotécnicos mais importantes são: dispnéia,<br />

sibilos, tosse, h<strong>em</strong>optise e dor.<br />

A dispnéia deve ser explorada, tanto quanto possível, <strong>com</strong> relação ao grau de esforço permitido s<strong>em</strong> sua manifestação. N<strong>em</strong><br />

s<strong>em</strong>pre é tarefa fácil, mesmo para clínicos habilidosos, mas é s<strong>em</strong>pre desejável a identificação de sua orig<strong>em</strong> (cardíaca,<br />

essencialmente respiratória ou mista), e a conseqüente resposta ao tratamento ministrado.<br />

Os sibilos pod<strong>em</strong> ser uma fonte extr<strong>em</strong>amente útil de informações para o profissional atento. Quando localizados, pod<strong>em</strong> revelar a<br />

primeira suspeita de um carcinoma endobrônquico; se difusos, costumam d<strong>em</strong>onstrar doença broncoespástica generalizada;<br />

presentes na inspiração, têm efeito significativo, d<strong>em</strong>onstrando a insuficiência da terapêutica utilizada para o controle do<br />

broncoespasmo; por outro lado, expiratórios e esparsos, não são úteis para avaliar a correção do tratamento broncodilatador<br />

instituído. Por sua vez, os estertores úmidos costumam ser uma boa indicação de <strong>com</strong>prometimento da respiração associado <strong>com</strong><br />

insuficiência cardíaca congestiva.<br />

A tosse deve ser explorada <strong>em</strong> todas as suas características: é contínua ou intermitente? É seca ou a<strong>com</strong>panhada de<br />

expectoração? Qual o aspecto do escarro? V<strong>em</strong> sendo tratada ou não? Respondeu ou está respondendo ao tratamento utilizado?<br />

Tosse crônica, <strong>em</strong> geral, associa-se a uma bronquite crônica, mas pode revelar uma asma insuspeitada.<br />

O aparecimento de h<strong>em</strong>optise revela maior gravidade e risco da doença de base, que deve ser muito b<strong>em</strong> esclarecida na fase préoperatória<br />

(tuberculose avançada, bronquiectasia, neoplasia, etc.). Interessa saber se foi um episódio isolado ou se o paciente<br />

teve crises repetidas. Qual a repercussão h<strong>em</strong>odinâmica ou h<strong>em</strong>atológica resultante para o paciente?<br />

Por fim, a dor do paciente deve ser pesquisada, caracterizada <strong>com</strong>o aguda ou crônica, merecendo tratamento pré-operatório<br />

adequado não por importantes questionamentos sociais e humanísticos, mas sobretudo pelos inegáveis efeitos de controle da<br />

homeostase, <strong>com</strong> redução da morbidade pós-operatória, diminuição da resposta metabólica ao estresse, menor t<strong>em</strong>po de<br />

internamento, custos hospitalares, etc. As causas de dor torácica são multifatoriais, incluindo doenças do coração e pericárdio,<br />

espaço pleural, cavidade torácica e esôfago. Embora a <strong>em</strong>bolia pulmonar possa causar dor pleurítica, às vezes se manifesta <strong>com</strong><br />

vago desconforto torácico. A história de tromboflebite pode também ser um importante indicativo de disfunção cardiorrespiratória<br />

secundária à <strong>em</strong>bolia pulmonar.<br />

Exame Físico<br />

Desnecessário <strong>com</strong>entar a importância de um cuidadoso exame físico pelo anestesiologista nesta fase de avaliação prévia.<br />

A cianose, quando presente, costuma ser um sinal clínico relevante de maior morbidade, tornando imperativo o esclarecimento das<br />

reais condições cardiovasculares e respiratórias do paciente. Neste mister, a investigação <strong>com</strong>pl<strong>em</strong>entar deve se aprofundar até a<br />

obtenção de todas as informações úteis possíveis, lançando-se mão de exames <strong>com</strong>o a espirometria, gasometria arterial e dos<br />

testes funcionais respiratórios e cardiovasculares que se fizer<strong>em</strong> necessários.<br />

As vias aéreas superiores dev<strong>em</strong> ser avaliadas, buscando-se nos exames <strong>com</strong>pl<strong>em</strong>entares afastar possíveis fatores de risco. Por<br />

ex<strong>em</strong>plo, no paciente <strong>com</strong> estridor e/ou rouquidão, a pesquisa clínica da região laríngea e traqueal por exames <strong>com</strong>pl<strong>em</strong>entares, a<br />

partir de um simples raio X de tórax e/ou do cavum, pode ser extr<strong>em</strong>amente útil.<br />

Dependendo da história clínica e do exame físico, poderá surgir a necessidade de exploração laboratorial <strong>com</strong>pl<strong>em</strong>entar dos<br />

sist<strong>em</strong>as nobres (cardiovascular, respiratório, SNC, renal e hepático), tudo girando <strong>em</strong> torno do benefício para o paciente e do bom<br />

senso do profissional anestesiologista, considerando-se especialmente as relações risco-benefício e custo-benefício.<br />

Exames Compl<strong>em</strong>entares<br />

De um modo geral, o bom anestesiologista não trabalha <strong>com</strong> uma receita preestabelecida de exames <strong>com</strong>pl<strong>em</strong>entares. Numa<br />

época <strong>em</strong> que a preocupação <strong>com</strong> os custos dos insumos de saúde é uma realidade, contrapondo-se aos recursos diagnósticos e<br />

Sociedade Brasileira de Anestesiologia – Curso de Ensino à Distância 2002 2


terapêuticos cada vez mais invasivos e agressivos, a relação risco-benefício e custo-benefício, mais uma vez, deve ser o el<strong>em</strong>ento<br />

fundamental a nortear a conduta do profissional, devendo-se ter <strong>em</strong> mente s<strong>em</strong>pre que o maior meio de diagnóstico continua<br />

sendo uma cuidadosa avaliação clínica do paciente (anamnese e exame físico). Contudo, respeitando-se as peculiaridades de<br />

cada caso, <strong>com</strong> todas as suas variações (sexo, idade, patologia de base, indicação cirúrgica, etc.), na maioria dos procedimentos<br />

<strong>em</strong> pacientes pneumopatas que serão submetidos a cirurgia toracopulmonar ou no andar superior do abdome, costuma-se lançar<br />

mão dos seguintes exames laboratoriais na avaliação pré-operatória: h<strong>em</strong>ograma, glic<strong>em</strong>ia, uréia, creatinina, coagulograma, ECG,<br />

raio X de tórax, tomografia <strong>com</strong>putadorizada de tórax, gasometria arterial e espirometria.<br />

Os testes de função pulmonar, mais dispendiosos e específicos, são reservados para casos particulares, especialmente na<br />

identificação e definição do risco anestésico-cirúrgico, ou seja, da viabilidade da execução do procedimento, pesando-se sobretudo<br />

a relação risco-benefício <strong>em</strong> relação à morbiletalidade perioperatória.<br />

Vício do Fumo<br />

Muito se t<strong>em</strong> especulado sobre a utilidade ou não da interrupção pré-operatória do hábito de fumar, suas conseqüências e o<br />

momento ideal de suspender o vício. Hoje há praticamente um consenso sobre as vantagens fisiológicas resultantes desta<br />

interrupção: redução da taxa de carboxi<strong>em</strong>oglobina; melhora da atividade mucociliar; melhora da função das pequenas vias<br />

aéreas; e redução do sputum, facilitando a expectoração. De todas estas repercussões clínicas importantes, apenas a diminuição<br />

dos níveis de carboxi<strong>em</strong>oglobina pode ser alcançada <strong>com</strong> a proibição aguda do vício. Sabe-se que 24 horas após a interrupção da<br />

prática do fumo já se consegue uma redução significativa deste paraefeito do cigarro, <strong>com</strong> conseqüente melhora das condições de<br />

transporte/ligação de oxigênio-h<strong>em</strong>oglobina. Sob este aspecto, vale a pena, por conseguinte, incentivar ao grande fumante<br />

candidato a uma cirurgia de maior porte, na atitude de suspender esta prática pelo menos no dia anterior ao do ato anestésicocirúrgico.<br />

Quanto aos outros malefícios do cigarro, só advirão vantagens <strong>com</strong> a recuperação de condições favoráveis da atividade<br />

mucociliar, funcionamento das pequenas vias aéreas e capacidade de expectorar, se a interrupção ocorrer no mínimo dez<br />

s<strong>em</strong>anas antes do procedimento. 1<br />

Questões Básicas<br />

Os testes de função pulmonar dev<strong>em</strong> mesmo ser realizados? Em que pacientes? Como proceder na seleção dos candidatos a tais<br />

testes e na escolha dos testes adequados? Quais as informações realmente úteis daí resultantes? 2<br />

Espirometria<br />

A espirometria se mostra bastante útil na avaliação prévia de pacientes <strong>com</strong> alguma forma de pneumopatia candidatos<br />

especialmente a cirurgia toracopulmonar. Obviamente tais aplicações pod<strong>em</strong> ser estendidas, <strong>com</strong> boa marg<strong>em</strong> de acerto, para as<br />

cirurgias de andar superior do abdome.<br />

Há quase um consenso de que os parâmetros mais importantes para definir a viabilidade de uma cirurgia pulmonar são:<br />

• CVF (Capacidade vital forçada) > 50% (1,75 a 2,0 L);<br />

• VEF1(Volume expiratório forçado <strong>em</strong> 1 segundo) > 1,5 L<br />

• VVM (Ventilação voluntária máxima) > 50%<br />

A maioria dos trabalhos aponta para uma maior segurança nos procedimentos realizados (menor morbiletalidade perioperatória),<br />

quando obedecidos estes níveis espirométricos.<br />

Testes de função pulmonar<br />

Outros testes têm sido aplicados, <strong>em</strong> situações especiais, tendo cada um sua utilidade específica, dependendo das condições<br />

prévias do paciente e do procedimento cirúrgico indicado. Assim, o teste de difusão pulmonar do monóxido de carbono, a<br />

cintigrafia de perfusão, os testes de pressão da artéria pulmonar, além de testes de avaliação respiratória no repouso e no<br />

exercício pod<strong>em</strong>, <strong>em</strong> casos individualizados, d<strong>em</strong>onstrar grande utilidade e especificidade na investigação da viabilidade ou não<br />

do tratamento cirúrgico proposto, face ao risco inerente às condições respiratórias prévias do paciente.<br />

O teste de difusão do monóxido de carbono - DL-CO p. o. d<strong>em</strong>onstrou-se exeqüível e importante na detecção de alterações<br />

funcionais na m<strong>em</strong>brana alvéolo-capilar, seja por fatores que aumentam a barreira ou por <strong>com</strong>prometimento anatomofuncional<br />

direto (fibroses, derrames, pneumonias, <strong>em</strong>bolias, etc.). Certamente a interpretação dos valores obtidos passa pelo<br />

reconhecimento do anestesista das implicações e repercussões histopatológicas e clínicas decorrentes de variações na m<strong>em</strong>brana<br />

de difusão e das propriedades dos gases envolvidos no teste (geralmente hélio e monóxido de carbono).<br />

Em trabalho pioneiro, Markos J e cols., 1989, d<strong>em</strong>onstraram que pacientes <strong>com</strong> previsão de função pós-operatória abaixo de 50%<br />

pelo DL-CO apresentaram uma prevalência muito significativa de <strong>com</strong>plicações cardiovasculares e respiratórias pós-operatórias,<br />

do tipo: pneumonia, atelectasia, <strong>em</strong>bolia, arritmias e infarto agudo do miocárdio. 3<br />

A cintigrafia de perfusão é bastante usada para avaliar a ressectabilidade cirúrgica de pacientes cujo tratamento cirúrgico<br />

permanece <strong>com</strong>o a melhor opção terapêutica e que apresentam dados clínicos pouco satisfatórios do ponto de vista do risco<br />

cirúrgico. Permite, <strong>com</strong>o grande vantag<strong>em</strong>, estimar o VEF1 e a CVF pós-operatórias, tornando possível prever a reserva funcional<br />

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pulmonar que permanecerá após a ressecção parenquimatosa. Em geral, são liberados para a cirurgia os pacientes <strong>com</strong> VEF1 p.<br />

o. previsto acima de 800 ml.<br />

Segall JJ e Butterworth BA, 1966, estudando 20 pacientes submetidos a ressecção pulmonar <strong>com</strong> VEF1 p. o. acima de 0,8 l,<br />

d<strong>em</strong>onstraram uma mortalidade <strong>em</strong> 30 dias de 15%, contrastando <strong>com</strong> uma mortalidade de 50% no mesmo período para aqueles<br />

<strong>com</strong> VEF1 abaixo de 40% (0,8 l). 4<br />

Os pacientes <strong>com</strong> hipertensão pulmonar são aqueles de maior risco anestésico-cirúrgico, inclusive de óbito transoperatório por<br />

ed<strong>em</strong>a agudo de pulmão e/ou des<strong>com</strong>pensação cardíaca, à custa sobretudo do ventrículo direito, manifestações estas decorrentes<br />

das dificuldades de adaptação pressórica e de fluxo na circulação pulmonar, conseqüentes à retirada abrupta de tecido<br />

funcionante. Geralmente são medidas as pressões de artéria pulmonar média <strong>em</strong> repouso e/ou no exercício, havendo contraindicação<br />

ao procedimento nos registros mais elevados (acima de 30 mmHg <strong>em</strong> repouso e 40 mmHg sob exercício).<br />

Os testes clínicos de exercício também são relevantes. Van Nostrand D e cols., já <strong>em</strong> 1968, d<strong>em</strong>onstravam a importância da<br />

limitação funcional clínica ao exercício <strong>com</strong>o um parâmetro a ser observado na indicação cirúrgica. A<strong>com</strong>panhando 91 pacientes<br />

submetidos a pneumonectomia, que mostraram-se incapazes de subir dois andares de escada, registrou uma mortalidade de 50%<br />

<strong>em</strong> 30 dias. 5<br />

Outro teste muito útil <strong>em</strong> situações especiais é o do consumo máximo de oxigênio. Smith TP e cols., 1984, registraram a<br />

ocorrência de 100% de <strong>com</strong>plicações <strong>em</strong> pacientes operados cujo consumo de oxigênio pré-operatório encontrava-se abaixo de<br />

15 ml/kg/min; no grupo <strong>com</strong> taxa de consumo de O2 entre 15 e 20 ml/kg/min, aconteceram <strong>com</strong>plicações <strong>em</strong> 66% dos pacientes; e,<br />

finalmente, nos doentes <strong>com</strong> consumo de O2 acima de 20 ml/kg/min, só houve um caso de <strong>com</strong>plicação .6<br />

Diante de tudo que foi exposto acima, pode-se ressaltar que a medida mais importante no estabelecimento e definição do risco<br />

pulmonar de um procedimento cirúrgico qualquer consiste na obediência à regra-padrão a ser seguida <strong>em</strong> qualquer ato médico:<br />

nihil non nocere (primeiro não prejudicar!).<br />

Análise de risco<br />

A escala de Torrington - 1988 7 permanece <strong>com</strong>o um bom indicador do risco cirúrgico de um paciente pneumopata. Após<br />

meticuloso estudo, ele definiu parâmetros clínico-laboratoriais úteis nesta avaliação, atribuindo-se-lhes escores de acordo <strong>com</strong> a<br />

sua importância clínica:<br />

• espirometria - 0 a 4<br />

• idade - 0 a 1<br />

• obesidade - 0 a 1<br />

• sítio - 0 a 3<br />

• estado pulmonar - 0 a 3<br />

Na espirometria, a relação VEF1/CVF acima de 75% denota boa função (s<strong>em</strong> pontuação); entre 65 e 75% (1 ponto); entre 50 e<br />

65% (2 pontos); e, abaixo de 50% (3 pontos). Além disso, VVM < 50% também vale 1 ponto.<br />

Em relação à idade, considera-se fator de risco (1 ponto) nos casos acima de 65 anos.<br />

Quanto ao sítio cirúrgico, as cirurgias torácicas e aórticas val<strong>em</strong> 2 pontos; as de <strong>em</strong>ergência val<strong>em</strong> também 2 pontos; e as d<strong>em</strong>ais<br />

1 ponto.<br />

A caracterização do estado pulmonar assim se caracterizou: história prévia de pneumopatia (1 ponto), tosse persistente (1 ponto);<br />

vício do fumo (1 ponto); sibilos presentes (1 ponto).<br />

No total, segundo Torrington, de 0 a 3 pontos t<strong>em</strong>os um risco baixo; de 4 a 6 pontos, um risco moderado; e de 7 a 12 pontos<br />

possíveis, um risco cirúrgico elevado.<br />

Ainda sobre a importância de testes de função pulmonar, merece destaque o trabalho pioneiro de Gaensler EA e cols., 1954, <strong>em</strong><br />

que a<strong>com</strong>panharam 460 pacientes portadores de tuberculose pulmonar submetidos a ressecções de parênquima (lobectomia e/ou<br />

pneumonectomia). Houve 50% de mortalidade nos pacientes <strong>com</strong> VVM < 50%, <strong>com</strong>binada <strong>com</strong> CVF < 70% do previsto. 8<br />

Modernamente, Epstein SK e cols., 1993, 9 associaram parâmetros laboratoriais e dados clínicos utilizados nas escalas de<br />

Goldman e Caldera, 1977 - risco cirúrgico do cardiopata submetidos a cirurgias não-cardíacas 10 - e Torrington, 7 na criação de<br />

índices capazes de avaliar o risco cardiopulmonar (IRCP) <strong>com</strong>o um todo. Segundo estes critérios, qualquer fator de risco implicaria<br />

na marcação de um ponto e uma pontuação final acima de quatro implicaria num alto risco para o paciente. Dentre os fatores de<br />

risco utilizados estão:<br />

• Sinais de ICC (turgência jugular, terceira bulha, ou fração de ejeção < 40% no ecocardiograma);<br />

• IAM há menos de 6 meses;<br />

• Contrações ventriculares pr<strong>em</strong>aturas > 5/min;<br />

• Estenose aórtica;<br />

• Condições gerais ruins;<br />

• Obesidade;<br />

• Fumo;<br />

• Tosse produtiva;<br />

• Sibilos;<br />

• Espirometria ruim;<br />

• VEF1/CVF < 70%;<br />

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• PaCO2 > 43 mmHg.<br />

Para melhor ilustração, da aplicabilidade dos critérios descritos, apresentamos dois casos de pacientes cuja avaliação préoperatória<br />

requisitou um bom a<strong>com</strong>panhamento clínico e exigiu testes especiais para a decisão de operabilidade.<br />

Caso 1<br />

M.F.A.P.S., 35 anos, sexo f<strong>em</strong>inino, portadora de seqüela de tuberculose pulmonar (pulmão destruído), <strong>com</strong> história pregressa de<br />

h<strong>em</strong>optise de repetição, além de dispnéia a esforços de média intensidade. Raio X de tórax anexo. Indicada cirurgia de<br />

pneumonectomia direita. A espirometria revelou CFV de 1,18 l (36%). Após o uso de broncodilatadores subiu para 1,42 l (44%). O<br />

VEF1 P. O. estimado foi de 0,9 l (32%), subindo para 1,11 l (48%) <strong>com</strong> o uso de broncodilatadores. A TC de tórax (anexa) revela<br />

uma destruição quase maciça do pulmão direito, <strong>com</strong> manutenção de pequena porção de parênquima constituído de ilhotas de<br />

bronquiectasias. Diante do quadro, foi solicitada uma cintigrafia de perfusão, que revelou 97% de perfusão do pulmão esquerdo e<br />

3% do pulmão direito. Nesta situação, a cirurgia foi decidida, posto que o parênquima pulmonar a ser ressecado praticamente não<br />

contribuía para a função pulmonar <strong>com</strong>o um todo, assegurando-se a manutenção dos índices satisfatórios de espirometria já<br />

previstos para o pós-operatório. A cirurgia transcorreu s<strong>em</strong> anormalidades, b<strong>em</strong> <strong>com</strong>o o pós-operatório, e a paciente evoluiu b<strong>em</strong>,<br />

estando há seis meses <strong>em</strong> a<strong>com</strong>panhamento ambulatorial <strong>com</strong> boa qualidade de vida, tendo-se livrado da tosse persistente, dos<br />

escarros h<strong>em</strong>optóicos e dos episódios de h<strong>em</strong>optise.<br />

Sociedade Brasileira de Anestesiologia – Curso de Ensino à Distância 2002 5


Caso 2<br />

E.F.S., masculino, 60 anos, portador de miocardiopatia dilatada, diabetes mellitus tipo I, hipertensão arterial sistêmica controlada e<br />

insuficiência cardíaca <strong>em</strong> tratamento. Diversos episódios de internamento anterior <strong>em</strong> UTI por des<strong>com</strong>pensação cardíaca (o último<br />

há um ano aproximadamente). Fazia uso de insulina NPH duas vezes/ dia; digoxina; furos<strong>em</strong>ida; diltiaz<strong>em</strong>; e captopril. Indicou-se<br />

pneumonectomia direita por neoplasia pulmonar hilar (zona de confluência dos lobos - raio X anexo). O paciente chegou ao<br />

consultório do anestesiologista <strong>com</strong> pedido de avaliação do cirurgião quanto ao risco anestésico-cirúrgico. Sua gasometria arterial<br />

revelava: pH - 7,38; PaCO2 - 46,5 mmHg; PaO2 - 76 mmHg; e Sat. O2 - 94,7%. À espirometria, verificava-se: CVF - 2,65 l (74%); e<br />

VEF1 - 2,ll l (75,5%). A TC de tórax confirmava os achados do raio X <strong>em</strong> PA. O ecocardiograma do paciente mostrou: FE = 40,4%;<br />

hipocontratilidade miocárdica difusa grave; aumento importante das câmaras esquerdas.<br />

Diante da situação, optamos por internar o paciente <strong>em</strong> UTI, pedindo ao seu cardiologista/intensivista uma avaliação da pressão<br />

pulmonar através do cateter de Swan-Ganz. A PAP <strong>em</strong> repouso foi de 46 mmHg. O procedimento então foi contra-indicado, <strong>com</strong> a<br />

pronta anuência do cirurgião. O paciente foi encaminhado para quimioterapia, vindo a falecer cerca de três meses depois por<br />

<strong>com</strong>plicações cardíacas durante este tratamento.<br />

Sociedade Brasileira de Anestesiologia – Curso de Ensino à Distância 2002 6


Referências<br />

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Sociedade Brasileira de Anestesiologia – Curso de Ensino à Distância 2002 7

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