Versão eletrônica - Furb
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UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU – FURB<br />
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – CCE<br />
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE<br />
MESTRADO EM EDUCAÇÃO<br />
DISSERTAÇÃO<br />
ENTRE O SOL E A SOMBRA:<br />
OS SENTIDOS DE ESCOLA PARA O POVO XOKLENG<br />
COMUNIDADE BUGIO - SC<br />
BLUMENAU<br />
2006<br />
MÔNICA MARIA BARUFFI
MÔNICA MARIA BARUFFI<br />
ENTRE O SOL E A SOMBRA:<br />
OS SENTIDOS DE ESCOLA PARA O POVO XOKLENG<br />
Foto: História da vida indígena do povo Xokleng<br />
COMUNIDADE BUGIO - SC<br />
Fonte: Pintura da parede da Escola de Educação Básica Fundamental Indígena Vanhacú Patté – Comunidade<br />
Bugio/SC - feita pela artista Profª Paloma / Departamento de Artes / FURB<br />
BLUMENAU<br />
2006
MÔNICA MARIA BARUFFI<br />
ENTRE O SOL E A SOMBRA:<br />
OS SENTIDOS DE ESCOLA PARA O POVO XOKLENG<br />
COMUNIDADE BUGIO - SC<br />
Dissertação apresentada como requisito parcial à<br />
obtenção do grau de Mestre em Educação, ao<br />
Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro<br />
de Ciências da Educação, da Universidade Regional<br />
de Blumenau – FURB.<br />
Orientadora: Profª Drª Maria da Conceição Lima de<br />
BLUMENAU<br />
2006<br />
Andrade
AGRADECIMENTOS<br />
Ao Cacique e à Comunidade BUGIO/SC que me receberam de braços abertos para a<br />
realização deste trabalho.<br />
Às crianças, professores, merendeiras e direção da Escola de Educação Indígena Vanhecú<br />
Patté.<br />
À professora-orientadora MARIA DA CONCEIÇÃO, por ter acreditado em mim mesmo<br />
quando o medo, fraqueza, angústias e incertezas pairavam sobre minha caminhada.<br />
Ao professor GILSON, que mesmo em seu silêncio, passava força e no momento exato,<br />
estava com uma palavra ou gesto que desse ânimo para todos.<br />
Ao Grupo de Estudos e Pesquisas ATELIÊ SOCIOLÓGICO por poder dividir com os seus<br />
membros do grupo minhas fraquezas e vitórias.<br />
Aos membros das Bancas de Qualificação e Defesa, pelas sugestões e carinho prestados na<br />
leitura deste trabalho.<br />
A todos os AMIGOS indistintamente, colegas e pessoas que de uma forma ou de outra<br />
fizeram parte desta caminhada.<br />
À minha MÃE, meu agradecimento mais profundo.<br />
A meus FAMILIARES que souberam mesmo a distância estarem presentes em todos os<br />
momentos.<br />
À KARINA, EDMILSON, CARLOS ODILON e demais amigos da Turma 2003.<br />
A CLEDES e EDLA, amigos da Turma de 2004, que fizeram e farão parte para sempre de<br />
minha vida.
RESUMO<br />
Este estudo apresenta alguns dos caminhos percorridos e os obstáculos enfrentados pelo povo<br />
Xokleng para a conquista da escola e os vários sentidos dados a ela. Parte-se de situações<br />
ocorridas em uma Escola Pública Estadual, situada no município de Dr. Pedrinho, mais<br />
precisamente no intervalo do recreio, onde crianças indígenas e não-indígenas começaram a<br />
se agredir, culminando com a intervenção da polícia para acalmar os ânimos. Uma das<br />
conseqüências deste fato foi a saída das crianças indígenas desse educandário para uma escola<br />
da comunidade indígena, escola esta sem nenhuma condição física para abrigar quarenta<br />
crianças no último bimestre do ano de 2001. Esta situação foi a desencadeadora de várias<br />
lutas para a obtenção de melhorias físicas da escola e da comunidade indígena. No capítulo<br />
Conhecer, parte-se da necessidade deste povo para obter conhecimento e sua luta para a<br />
freqüência e permanência na instituição escolar. Em Reconhecer, busca-se o lugar da escola<br />
para esta comunidade e os sentidos dados a ela, dentre eles o de obter o reconhecimento dos<br />
outros pela chancela escolar. Identificar vem com o intuito de mostrar que a escola pode ser<br />
um espaço de reconstrução da identidade de um povo. Fazem-se, ainda, reflexões sobre a<br />
busca por escola de um povo que acredita ter encontrado nela o caminho para o resgate de sua<br />
história, identidade e cultura. A escola passa, assim, a ser um celeiro de lideranças, um porto<br />
seguro para onde vêm crianças em busca de maiores conhecimentos e a que envia para a<br />
sociedade novos membros preocupados com a melhoria de sua vida e de seu povo.<br />
Palavras – chave: Escola. Índios Xokleng. Identidade. Resgate Cultural. Educação Escolar<br />
Indígena.
ABSTRACT<br />
This research analyses the ways that Xokleng People had to face to conquer a school and the<br />
several senses that they gave to it. It began with a situation occurred in a public State School,<br />
situated in Dr. Pedrinho town, exactly in the children coffee break, where the Indian and non-<br />
Indian children fought to each other and because of that the Police intervention was<br />
necessary to tranquilize them. One of the consequence of those facts was that the Indian<br />
children left the school in order to continue their studies in a Indian Community School in the<br />
last bimester of 2001. Unfortunately this school had no conditions to receive those forty<br />
students. In that situation the Indians began to fight in order to get betterment in the physical<br />
structure of their school and also in the community. In the chapter Knowing the Indian<br />
Community searches to get knowledge and fight for the frequency and abidance in the school<br />
institution. In Recognizing searches the school place to this community and the senses to it.<br />
Among these senses how to get the acknowledgment of the others to school approval.<br />
Identifying with the intention to show that the school can be a reconstructing space of a people<br />
identity. It is also necessary to make reflections on the search of a people that believes had<br />
found its way to redeem its history, identity and culture. In a frenectical search of a new<br />
school for the Indian Children, the Community found its history, identity and culture. The<br />
school building is the cellar of the leaderships, a safe harbour where the children come get<br />
more information and knowledge and at the same time it gives them back the new members<br />
worried about the improvement of their own lives and their people.<br />
Key words: School. Xokleng Indians. Culture Redêem. Identity. Indian School Education.
LISTA DE FOTOS<br />
FOTO 01 - Entrada a área indígena Xokleng – Comunidade Bugio .............................. 12<br />
FOTO 02 - Dependências da Escola ................................................................................ 43<br />
FOTO 03 - Local onde será construída a casa da cultura ................................................ 46<br />
FOTO 04 - Visualização da horta escolar ....................................................................... 46<br />
FOTO 05 -<br />
Ampliação de duas novas salas e o jardim feito pelas crianças da<br />
comunidade ................................................................................................... 48<br />
FOTO 06 - Vista da nova ala construída nos anos 2004/2005 ........................................ 49<br />
FOTO 07 -<br />
Atividades realizadas em cursos de preparação com professores indígenas e<br />
e não-indígenas (2001-2003).........................................................................<br />
FOTO 08 - Espaço onde eram realizadas as aulas de Arte Diferenciada ........................ 69<br />
FOTO 09 -<br />
Atividades realizadas pelas crianças da Escola da Comunidade<br />
Bugio, no 1º dia cultural................................................. ............................... 70<br />
FOTO 10 - Livro de coletânea de ervas medicinais ........................................................ 72<br />
FOTO 11 - Atividades realizadas na Escola da Comunidade Bugio ............................... 77<br />
55
LISTA DE FIGURAS, MAPAS E TABELAS<br />
FIGURA 01 - Poema elaborado pela aluna W.K.P.A – 19 anos e seu pai J. A. ............. 21<br />
FIGURA 02 - Desenho da aluna Relindes – 16 anos ...................................................... 33<br />
FIGURA 03 - Poema apresentado pela aluna I. P. de 16 anos ........................................ 71<br />
MAPA 01 - Os Vales do Itajaí e as três barragens ....................................................... 17<br />
MAPA 02 - Localização das Aldeias ........................................................................... 29<br />
TABELA 01 - População da Aldeia Bugio. ..................................................................... 30<br />
TABELA 02 - Número de crianças indígenas na Escola.................................................. 38<br />
TABELA 03 - Número de alunos por série - 2004 ...........................................................48<br />
TABELA 04 - Número de alunos por série - 2005 ...........................................................48
SUMÁRIO<br />
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................10<br />
1.1 QUEM FORAM E QUEM SÃO?................................................................................................... 14<br />
1.2 A COLONIZAÇÃO: UM MOVIMENTO DE ATRAÇÃO E REPULSÃO.................................. 16<br />
1.3 A LUTA PELA TERRA.................................................................................................................. 22<br />
1.4 COMO ESTÃO OS ÍNDIOS HOJE?............................................................................................... 29<br />
2 CONHECER......................................................................................................................... 33<br />
2.1 A COLONIZAÇÃO: A TROCA DE EXPERIÊNCIAS E A NECESSIDADE DA EDUCAÇÃO<br />
ESCOLAR................................................................................................................................................<br />
2.2 A PRIMEIRA ESCOLA NA COMUNIDADE BUGIO................................................................. 35<br />
2.3 AS CRIANÇAS VÃO PARA OUTRA ESCOLA.......................................................................... 37<br />
2.4 A ESCOLA NA COMUNIDADE<br />
INDÍGENA.................................................................................<br />
3 RECONHECER..................................................................................................................... 51<br />
3.1 O LUGAR DA ESCOLA................................................................................................................ 51<br />
3.2 PROFESSORES, QUEM FORAM E QUEM SÃO ELES?........................................................... 52<br />
3.3 OS SENTIDOS DA ESCOLA PARA O POVO XOKLENG...........................................................59<br />
4 IDENTIFICAR.................................................................................................................... 66<br />
4.1 COMO (RE)DESCOBRIR O SENTIDO DE SER ÍNDIO POR MEIO DA ESCOLA? ................66<br />
4.2 RESGATE DA AUTO-ESTIMA: UM TRABALHO DE GRUPO................................................. 73<br />
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................ 80<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................... 82<br />
APÊNDICE................................................................................................................................. 85<br />
ANEXOS.................................................................................................................................. 86<br />
34<br />
43
1 INTRODUÇÃO<br />
O trabalho, aqui apresentado, está direcionado para o campo educacional e objetiva<br />
conhecer os motivos que levam uma comunidade indígena a manter suas crianças na<br />
instituição escolar. A Escola Indígena de Educação Fundamental Vanhecú Patté, Aldeia<br />
Bugio – Santa Catarina foi o nosso campo de estudo. As lutas empreendidas por este povo<br />
para a manutenção de seus filhos na escola tornaram-se a preocupação central deste estudo.<br />
Esta pesquisa foi realizada a partir de situações não muito bem esclarecidas para<br />
esta pesquisadora ocorridas no ano de 2001 mais precisamente no 4º bimestre. A saída das<br />
crianças indígenas da Escola que elas freqüentavam situada no centro do município de Doutor<br />
Pedrinho-SC para uma escola na própria área indígena, esta sem as mínimas condições de<br />
acolhimento das crianças foi um dos fatos que fizeram surgir as perguntas que foram o ponto<br />
de partida deste trabalho: por que é tão importante que as crianças se mantenham na escola?<br />
Qual o sentido de escola para este povo? Como a escola influencia na (re) construção da<br />
identidade dos mesmos? Este foi o ponto de partida deste trabalho.<br />
Para tentar responder a estas questões fez-se uso de pesquisa etnográfica. No que se<br />
refere à pesquisa etnográfica é importante salientar “que o investigador interessa-se pelo que<br />
as pessoas fazem, como se comportam como interagem entre si. Buscam [os pesquisadores]<br />
descobrir suas crenças, seus valores, perspectivas, motivações, modo como estas questões se<br />
desenvolvem em tempos e situações diferentes” (FERRI, 2000, p. 48).<br />
Outro ponto a salientar é que além da observação, a entrevista é de suma<br />
importância para investigar a visão de determinadas pessoas sobre os fatos e recolher<br />
informações sobre determinados acontecimentos ou problemas. Assim, as entrevistas foram<br />
realizadas e registradas de forma cuidadosa e minuciosa. Fez-se uso de gravador e registros<br />
escritos, os quais incorporaram além da fala das pessoas, anotações do comportamento dos<br />
entrevistados. Além das entrevistas foram aplicados questionários fechados (Apêndice A),<br />
aos estudantes e feitas algumas fotografias.<br />
As entrevistas foram realizadas de forma semi-estruturada, sendo (32) trinta e dois<br />
os entrevistados. Fez-se a gravação das entrevistas, e (05) cinco preferiram fazer uso de<br />
questionário. Totalizando 37 sujeitos.<br />
Os entrevistados escolhidos são alunos, profissionais da educação e mães, estando<br />
assim distribuídos: (12) doze alunos do Ensino Fundamental – 5ª a 8ª série – entre 12 a 15<br />
anos; (04) quatro alunos do Ensino Médio – entre 15 a 18 anos; (05) cinco alunos do NAES –
Núcleo Avançado de Ensino – idade entre 17 a 25 anos; (05) cinco mães; (01) um Cacique.<br />
(01) uma Diretora da Escola Vanhecú Patté; (02) professores que iniciaram os trabalhos na<br />
Escola Vanhecú Patté, mas que não estão mais atuando lá; (06) seis professores que atuam na<br />
escola e (01) um membro mais antigo do Conselho Indígena.<br />
Também servirá para a formação do corpus empírico da pesquisa as atividades<br />
culturais elaboradas pelos profissionais da educação e membros da comunidade indígena,<br />
enfocando a busca da identidade e da história do Povo Xokleng, bem como poemas e<br />
fotografias.<br />
Esta Escola Indígena de Educação Fundamental Vanhecú Patté, em seus quatro anos<br />
que abrigam o Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries) e o Ensino Médio – 2001 a 2005, cresce a<br />
cada ano, tanto fisicamente como em número de alunos. Os profissionais, que ali atuam, são<br />
índios que buscam o aperfeiçoamento e o conhecimento, para assim garantir seus direitos<br />
políticos e educacionais.<br />
Conforme Bonin (apud FERRI, 2000, p.139), a participação do professor índio nos<br />
movimentos de educação escolar é estratégica e política, pois:<br />
É necessário compreender a estrutura, decifrar as regras da sociedade dominante,<br />
conhecer os mecanismos legais de garantia dos direitos, compreender a política<br />
oficial para os povos indígenas, ter acesso às informações, enfim, apropriar-se de<br />
um instrumental que lhe assegure a autonomia. E a necessidade de conhecer<br />
amplia-se à medida que estes movimentos ampliam o seu campo de ação.<br />
Os primeiros contatos realizados para poder adentrar na Aldeia Bugio foram feitos<br />
por meio de ligações telefônicas com a diretora da Escola. A mesma forneceu as indicações<br />
para conseguir conversar com o então Cacique Hélio Cuzum Farias. Após o término de seu<br />
mandato, em setembro de 2004, foi substituído pelo Sr. João Adão de Almeida.<br />
Para se chegar à Comunidade Indígena Bugio leva-se aproximadamente uma hora.<br />
O caminho de Doutor Pedrinho até a Comunidade é longo. Nele, podiam-se ver empilhadas<br />
ao lado da estrada, muitas toras de madeira – pinus heliotis. Seguindo viagem, pode-se ver,<br />
ainda, a Reserva Biológica de Sassafrás – menina dos olhos da região. Logo após, a presença<br />
de placas indica que se está adentrando em área do Ministério da Justiça.
Foto 01 – Entrada da área indígena Xokleng - Comunidade Bugio.<br />
Ao adentrar na área, vê-se do lado direito a primeira casa, precária, dando mostras<br />
da miséria em que vivem alguns destes índios, tomando-se como parâmetro outras casas da<br />
aldeia. Surge, também, como pano de fundo a devastação ocorrida nas décadas de 1980 e<br />
1990 e que perdura até hoje. O que sobrou foram algumas árvores retorcidas e uma<br />
vegetação rasteira, incluindo a conhecida na região como “matapasto”.<br />
A estrada que vai até a residência da diretora da escola é precária: estreita e<br />
esburacada. Com chuva não há possibilidade de locomoção. A manutenção desta estrada é<br />
realizada por pessoas da comunidade, com pás e enxadas.<br />
Foi por intermédio da diretora, a professora Sandra, e de seu esposo Francisco,<br />
atualmente Cacique da Comunidade Bugio, que esta pesquisadora chegou até ao Cacique da<br />
época Sr. Hélio Cuzum Farias. Após a exposição dos objetivos desta pesquisa e da solicitação<br />
para permanecer na Aldeia, o Cacique e a diretora, que receberam com entusiasmo a proposta<br />
de trabalho, fizeram uma exigência: para que todo o material que viesse a ser produzido, seja<br />
por meio de filmagens, fotografias ou gravações deveria ser duplicado, para também<br />
permanecer na escola. Feitas as negociações, o Cacique, com caneta em punho, redigiu um<br />
documento de autorização para a realização da pesquisa (Anexo A) e para a permanência<br />
durante dois dias por semana nos limites da Comunidade. Isto foi em 28 de julho de 2004.
Ao Coordenador do NAES – Núcleo Avançado de Ensino – esta pesquisadora<br />
solicitou a utilização do mesmo transporte que leva os professores para a Comunidade. O que<br />
foi deferido. Ficou planejado que seriam todas as quartas-feiras, no período vespertino.<br />
Período que a pesquisadora conseguiu liberação da Escola em que trabalha.<br />
Esta pesquisadora permaneceu junto à Comunidade Bugio, por seis meses (agosto a<br />
outubro 2004 e nos meses de março a agosto de 2005). Nestes últimos meses ocorreram<br />
algumas interrupções.<br />
Durante a realização da pesquisa, ocorreram momentos de emoção no reencontro<br />
com ex-alunos e de encontro com os seus pais. Momentos de insegurança por ocasião do<br />
fechamento da estrada por colonos e índios, numa tentativa de serem ouvidos pelas<br />
autoridades em suas reivindicações.<br />
As visitas desta pesquisadora à Comunidade Bugio sempre foram vistas com<br />
respeito pela comunidade indígena. Mesmo com os problemas que assolam este grupo e os<br />
colonos de municípios vizinhos, esta pesquisadora teve liberdade de ir e vir para realização da<br />
pesquisa, excetuando-se os períodos em que aconteceram os conflitos. Estes ocorriam e<br />
ocorrem devido a problemas de terras envolvendo índios e não-índios. Por três vezes houve a<br />
impossibilidade de se chegar à Escola Indígena de Educação Fundamental Vanhecú Patté.<br />
Houve, então, uma solicitação da Polícia Militar de Dr. Pedrinho para que as idas à Aldeia só<br />
se dessem quando as negociações estivessem resolvidas. Vivenciar estes momentos foi como<br />
mergulhar em um outro mundo e, assim, foi possível rever alguns conceitos e idéias.<br />
Ao adentrar nesta Comunidade Indígena não se pode deixar de ser invadida por um<br />
misto de perda, dor, miséria, tristeza e revolta. No caminho até à Escola, tudo era pobreza e<br />
devastação. O silêncio era sentido pelas pessoas que estavam no carro, ninguém proferiu<br />
nenhuma palavra até a chegada à escola. O que se ouvia era somente o motor do carro.<br />
Houve momentos também de encantamento. Ver e ouvir tanta sabedoria dos<br />
membros mais idosos da comunidade. Ver nos olhares de adultos e crianças um misto de<br />
curiosidade e doçura. Tudo isto foi emocionante. Além de ver a força de um povo que luta<br />
pela terra, pelo reconhecimento de seus direitos e, especialmente, pela manutenção de seus<br />
filhos na escola. Por tudo isso, faz-se necessário contar um pouco de sua história, o que será<br />
feito a seguir.
1.1 QUEM FORAM E QUEM SÃO?<br />
O povo que será estudado aqui é conhecido como Xokleng, Botocudo e Bugre. O<br />
antropólogo Sílvio Coelho dos Santos, em “Os Índios Xokleng – Memória Visual” diz que o<br />
nome Xokleng é apenas uma palavra de seu vocabulário com a qual eles foram identificados<br />
na literatura antropológica. Regionalmente, continuam a ser os Botocudos, em conseqüência<br />
do uso pelos homens de um enfeite labial, denominado tembetá, ou os Bugres, termo<br />
pejorativo também dado pelos brancos (SANTOS, 1997).<br />
Além de Xokleng, Botocudos e Bugres, há na literatura as denominações Xokrén,<br />
Aweikoma e Kaingang para designar este grupo indígena. Entretanto, hoje, alguns índios<br />
procuram outra auto-designação, preferindo o termo “Laklanõ”, que quer dizer “povo ligeiro”<br />
ou “povo que conhece todos os caminhos”, conforme informações fornecidas pelo professor<br />
Nãmbla Gakrã (Apud SANTOS, 1997, p.16 e 20).<br />
Em conversa com o Senhor Kango Ingakã, também conhecido como Macaletti – um<br />
dos membros mais antigos desta comunidade ele diz: “Eu não sou Xokleng, nos<br />
consideramos Laklanõ – conforme o sol vem vindo o índio também vêm vindo. Índio<br />
Laklanõ”.<br />
Este povo dominava as florestas que cobriam as encostas das montanhas, os vales<br />
litorâneos e as bordas do planalto no Sul do Brasil. Seu território não era bem definido, os<br />
mesmos eram nômades. Os Laklanõ falam a língua Xokleng, da família lingüística Jê do<br />
tronco Macro Jê. Atualmente, há uma valorização da língua pela comunidade devido à<br />
reformulação da escola neste espaço e de seu currículo, auxiliando na revitalização da língua<br />
Xokleng.<br />
Conforme Santos (1997), este povo vivia em disputa com os povos Kaingang e<br />
Guarani, para obter o controle deste território, que seguia do norte do Paraná, passava por<br />
Santa Catarina até o sul do Rio Grande do Sul. Os Guaranis dominavam extensa parte do<br />
planalto, as margens dos rios que integram as bacias do Paraná/Paraguai e o litoral. Os<br />
Kaingang eram senhores das terras do interior do Estado, ou seja, do planalto. Todos<br />
pretendiam o domínio dos recursos protéicos representados pelos bosques de pinheiros e pela<br />
fauna associada ao pinhão.<br />
Em suas andanças em busca do alimento, a vida seguia seu curso. As funções eram<br />
bem divididas. Aos homens cabia a fabricação de arcos, flechas, lanças e diversos artefatos<br />
necessários ao dia-a-dia. Às mulheres, era outorgada a função de tecerem com fibra de urtiga,
mantas que serviam de agasalho nas noites de inverno; cuidavam de sua prole; faziam<br />
pequenas panelas de barro e cestos de taquara para a guarda de alimentos; limpavam animais<br />
e aves e cuidavam do preparo da comida; colhiam, estocavam e maceravam o pinhão e com<br />
ele faziam um tipo de farinha; preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim. Durante os<br />
deslocamentos, às mulheres cabia carregar toda a tralha doméstica (SANTOS, 1997, p. 15).<br />
As crianças iam sendo socializadas na vida do grupo, num processo crescente de<br />
aprendizado que lhes deveria garantir a sobrevivência futura. O conhecimento era passado de<br />
geração a geração por meio dos ensinamentos dos mais velhos, cabendo aos mais jovens<br />
ouvir e repassar estes ensinamentos. As doenças eram raras. Com a chegada do frio e as<br />
chuvas, os Xokleng enfrentavam estas intempéries como fatos da natureza.<br />
Os Xokleng formavam um povo. Possuíam língua, cultura e território que os<br />
diferenciavam dos outros povos indígenas. A família, o nascimento das crianças, a vida em<br />
grupo, a divisão dos alimentos faziam parte do cotidiano. Os mesmos possuíam uma noção de<br />
grupo muito forte, pois identificavam a si próprios como “nós” e todos os demais estranhos,<br />
como os “outros” (SANTOS, 1997, p. 16).<br />
Como seus antepassados, os Xokleng buscam manter esta noção de grupo coeso,<br />
onde a dificuldade que passa o outro também é a sua dificuldade. Observa-se isto claramente<br />
na fala de um dos membros da comunidade:<br />
“Eu sou índia e eu vou lutar pelo que os meus índios querem. Mesmo sendo muito<br />
jovem. Não importa minha idade, se disserem que tem índio morrendo lá distante, vou até lá<br />
e se for preciso morro junto com eles. Eu não vou deixar um índio morrer e ficar olhando,<br />
não posso fazer isso. É a mesma coisa se estão matando um irmão meu. É assim que o índio<br />
pensa” (W.K.P.A., 19 anos).<br />
A partir da fala desta jovem índia, percebe-se que dentro da comunidade, cada<br />
pessoa é vista como parte do outro. Conforme fala de Todorov (1999), o mesmo ressalta que<br />
a descoberta que o “eu” faz do outro é um assunto profundo. Podem-se descobrir os outros<br />
em si mesmo e perceber que não se é uma substância homogênea e, radicalmente, diferente de<br />
tudo o que não é si mesmo; o eu é um outro. Mas cada um dos outros é um eu também,<br />
sujeito como eu. Nisto reflete que o que nos torna diferentes, é somente meu ponto de vista,<br />
segundo o qual todos estão lá e eu estou só aqui, podendo realmente separá-los e distingui-los<br />
de mim.
O sentido de ajuda é reconhecido pelo povo Xokleng como um meio de manter na<br />
figura do outro um pouco de si, conseguindo juntos resgatar a força que este povo possuía em<br />
seus antepassados e manter-se vivo no espaço em que vivem os mais jovens.<br />
1.2 A COLONIZAÇÃO: UM MOVIMENTO DE ATRAÇÃO E REPULSÃO<br />
Com a chegada dos colonizadores europeus inicia-se um difícil processo de<br />
mudança, tanto cultural como econômico e social para o povo Xokleng e que até hoje ainda<br />
não terminou. Com a instalação da Colônia de Blumenau em 1850, por Doutor Bruno Otto<br />
Blumenau, o espaço dos Xokleng passa a ficar cada vez mais reduzido.<br />
Foram muitas as situações de confronto entre índios e não-índios com a criação de<br />
novas colônias. Uma delas é relatada por Santos (1997) quando os operários que terminavam<br />
a casa do Dr. Blumenau no dia 28 de dezembro de 1852 foram surpreendidos com a presença<br />
de alguns índios nas imediações da residência. Logo pegaram suas armas e gritaram, em<br />
alemão, para que os índios se afastassem. Como isto não aconteceu, pois os índios nada<br />
entendiam a língua dos brancos e estavam muito curiosos e entretidos com as plantações,<br />
equipamentos e instalações em torno da casa, os trabalhadores, em seguida, deram alguns<br />
tiros para assustá-los. Como resultado do “susto”, no dia seguinte, um índio foi encontrado<br />
desfalecido em conseqüência de ferimentos à bala. Logo depois, este índio morreu.<br />
No ano de 1868, os governos do Império e da Província tentaram estimular os<br />
trabalhos de catequese dos índios por intermédio dos padres capuchinhos Virgílio Amplar e<br />
Estévam de Vicenza. Mas nada conseguiram.<br />
Ao mesmo tempo em que aconteciam as tentativas de catequese, também ocorriam o<br />
que se pode chamar de tentativas para “afugentar os índios” que foram inúmeras nos anos<br />
subseqüentes. Surgem as tropas de bugreiros, as quais se compunham em regra, de 8 a 15<br />
homens e que atuavam sob o comando de um líder. O mais conhecido bugreiro em Santa<br />
Catarina foi Martinho Marcelino de Jesus, ou “Martinho Bugreiro”. Estas tropas tinham a<br />
função de afugentar os índios, para que não saqueassem as plantações e as famílias dos<br />
colonos (SANTOS, 1997).<br />
Com a criação do SPI – Serviço de Proteção aos Índios – no ano de 1910, pelo então<br />
General Cândido Mariano da Silva Rondon, foi designado para atuar como inspetor em Santa<br />
Catarina o Tenente José Vieira da Rosa. A idéia era estabelecer a paz no sertão, eliminando-
se as ações violentas dos bugreiros. Um exemplo de tais ações era o decepamento das orelhas<br />
para mostrar quantos eram mortos nas incursões feitas pelos bugreiros na mata. Os<br />
prisioneiros indígenas que não eram mortos eram apresentados às autoridades da<br />
Superintendência ou da Província, sendo em sua maioria mulheres e crianças. Satisfeita a<br />
curiosidade popular, o próximo passo era encontrar um lugar ou alguém que se interessasse<br />
pela sua sorte (KOCH, 2002).<br />
Concomitantemente, no Alto Vale do Itajaí, os trabalhos de “atração” prosseguiam.<br />
No ano de 1914, uma equipe liderada pelo jovem Eduardo de Lima e Silva Hoerhan,<br />
conseguiu estabelecer contato pacífico com os Xokleng. Para conseguir atrair os Xokleng, “o<br />
pacificador” – como é chamado pelos índios – mantinha “posto de atração” nos rios Plate e<br />
Krauel, afluentes do Rio Hercílio.<br />
Mapa 01 – Os Vales do Itajaí e as três Barragens.<br />
Fonte: Mapa retirado do livro Tragédias Euro-Xokleng e Contexto – 2000.
Alguns índios Kaingang e experimentados mateiros colaboravam nas tarefas de<br />
atração. Isto consistia, por exemplo, na colocação de presentes em diferentes pontos das<br />
trilhas na qual a presença indígena era detectada (SANTOS, 1997, p. 56).<br />
Finalmente, em 22 de setembro de 1914, Hoerhan, num ato de coragem atravessou<br />
nu e desarmado o espaço de uma clareira às margens do Patê e se confraternizou com os<br />
índios. A “pacificação” estava em marcha na versão dos brancos. Para os Xokleng, entretanto,<br />
eles é que estavam conseguindo “amansar” Hoerhan e seus companheiros (SANTOS, 1997, p.<br />
56).<br />
No ano de 1926, Adolfo Konder, então governador do Estado de Santa Catarina<br />
(1926-30), em visita aos índios do Posto Indígena Duque de Caxias, concede-lhes um<br />
patrimônio de 15 mil hectares de mata virgem (KOCH, 2002, p. 210).<br />
Nos anos que se sucederam, foram inúmeras as dificuldades enfrentadas por<br />
Hoerhan. Inicialmente, tentou suprir os indígenas em suas necessidades mais imediatas como<br />
alimentação, remédios e vestimenta. Não distante disto, as doenças também assolaram este<br />
povo, tais como: gripe, sarampo, coqueluche, pneumonia, doenças venéreas, etc. o que<br />
acarretou muitos óbitos dentre eles. A alimentação, que era realizada a partir da caça e coleta,<br />
vai sendo substituída por produtos agrícolas. As incursões pela floresta foram desmotivadas<br />
para que os índios não fossem presos pelos brancos que viviam no entorno da reserva. Os<br />
rituais também foram desestimulados para evitar a aglomeração que facilitava a disseminação<br />
das doenças endêmicas (SANTOS, 1997, p. 57).<br />
Hoerhan, em 1914, havia contactado aproximadamente 400 índios. Em 1932, havia<br />
106 índios. Ao antropólogo Darci Ribeiro, Hoerhan desabafa: “Se pudesse prever que iria vê-<br />
los morrer tão miseravelmente, os teria deixado na mata, onde ao menos morriam mais felizes<br />
e defendendo-se de armas na mão dos bugreiros que os assaltavam” (RIBEIRO, 1996,<br />
p. 355). Ainda segundo esse autor (1996, p. 355), Hoerhan após dedicar toda sua vida à<br />
pacificação dos Xokleng, se considerava o único culpado de suas misérias. Em 30 de agosto<br />
de 1976, Eduardo Hoerhan falece no hospital de Ibirama e é sepultado no cemitério público<br />
da cidade.<br />
O povo Xokleng passou por muitas dificuldades devido a sua ingenuidade no trato<br />
de seus recursos naturais. Este povo sempre viveu do que a natureza os oferecia, sendo para<br />
seu sustento e de sua família. Mas com a chegada do não-índio, ocorre uma mudança: os<br />
recursos naturais começam a ser retirados pelos não-índios de maneira cruel, destruindo<br />
parcialmente um ecossistema.
Conforme escritos na década de 60, o governo militar resolve extinguir o SPI devido<br />
a vários escândalos envolvendo o patrimônio indígena e o uso do índio como mão-de-obra<br />
escrava. Em contrapartida, o governo cria a Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Cabia a<br />
este órgão a defesa e tutela das populações indígenas no país, visando a sua “integração à<br />
comunidade nacional” (SANTOS, 1997, p. 59).<br />
Neste período, estradas foram abertas no interior da reserva, permitindo a circulação<br />
de pessoas e veículos. A exploração dos recursos naturais foi intensificada pelos colonos. Os<br />
índios que antes trabalhavam na agricultura e na criação de gado e galinhas, tiveram sua mão-<br />
de-obra (barata) utilizada para o corte do palmito. Com isto, os donos das fábricas de<br />
conserva enriqueciam a olhos vistos. O caminhão da empresa recolhia os feixes de palmitos<br />
que eram depositados à beira da estrada pelos índios. Estes eram logrados na classificação do<br />
produto (KOCH, 2000). Isto durou dez anos, tempo suficiente para o palmito se esgotar.<br />
A madeira foi outro recurso negociado, na maioria das vezes de maneira nada<br />
honesta. A própria FUNAI patrocinou muitos contratos, pois entendia que a área indígena<br />
integrava o patrimônio da União, cabendo a ela, FUNAI, administrá-la visando à obtenção de<br />
recursos para que o órgão pudesse dar conta de “sua missão” – que era de integrá-los à<br />
comunidade nacional (SANTOS, 1997, p. 60).<br />
Assim sendo, além de empresas de conserva surgem também as serrarias. Os<br />
colonizadores, detentores do poder econômico e político, passam a adquirir extensas áreas de<br />
terra, onde exploram a madeira nobre. Estes proprietários revendiam as terras, em lotes, a<br />
agricultores. Estes fatos ocorriam nos anos 50 (KOCH, 2000, p. 230).<br />
Entre os anos 50 até 1963 a cobiça pela madeira foi desmedida, não sendo<br />
respeitados os recursos florestais. Outro fator que veio para agravar ainda mais além da<br />
retirada de madeira e do descaso dos recursos florestais foi o início da construção da<br />
Barragem Norte, iniciada em 1972, para a contenção de cheias no Vale do Itajaí, e concluída<br />
em 1992. Este fato desalojou os índios de suas terras. Muitas lutas foram empreendidas pelo<br />
povo em busca de seus direitos às indenizações coerentes ao que foi retirado. Em entrevista<br />
realizada no dia 11 de agosto de 2004, uma estudante do Ensino Médio diz:<br />
“Antes da construção da barragem norte, as famílias viviam numa aldeia só.<br />
Inclusive a Aldeia Sede era central; ali, os índios viviam e foram pacificados. Plantavam<br />
milho, feijão, batata-doce para se manterem. Com a construção da barragem, inundou tudo.<br />
Aí os índios não trabalham. Mas onde vamos trabalhar? Onde?” (W.K.P.A., 19 anos).
A retirada do grupo do local onde está localizada a barragem fez com que os<br />
mesmos modificassem seus hábitos, trazendo outras formas de convivência. O que antes era<br />
natural, bate-papo, conversa de vizinhos, cultivo da terra (antes produtiva) cedeu lugar a um<br />
espaço onde fica difícil manter uma conversa com os vizinhos, pois a distância das casas é<br />
considerável, o cultivo da terra tornou-se difícil, pois a qualidade da mesma é inferior a<br />
anterior. Por este motivo, este povo busca de todas as maneiras, meios para a obtenção de<br />
melhores condições de vida. O Cacique quando indagado sobre as condições de vida da<br />
comunidade relatou que: “a saúde e a educação são essenciais, para a vida do povo. Nós<br />
temos muitas lutas com autoridades, com pessoal pela discriminação. Hoje nós temos o<br />
conflito de terra e a própria sociedade discrimina nosso povo. O que a gente gostaria de<br />
falar sobre este assunto é que as autoridades competentes revissem todos estes processos e<br />
vissem que muitas vezes o índio é visto como marginal, mas ele não é. Cada um defende sua<br />
tese. Nós defendemos nossa terra, nossa cultura, e isso é visto com maus olhos pela<br />
sociedade”.<br />
A seguir, um poema construída pela aluna W.K.P.A (19 anos) e seu pai João Adão.<br />
Nessas linhas, a saga que ainda mantém vivo este povo, mesmo estando em uma situação<br />
precária, sem condições dignas de vida, os jovens buscam na poesia, um meio de demonstrar<br />
sua indignação para com estas situações. Este poema foi construído por ocasião de uma das<br />
atividades na escola.
Figura 01 - Poema elaborado pela aluna W. K. P. A., 19 anos e seu pai J.A. Cacique da<br />
Comunidade Bugio - 2003<br />
Além dos sentidos dados às palavras, os desenhos remetem à colonização ocorrida.<br />
O colonizador com a lança na mão e o crucifixo no pescoço indica a presença dos elementos<br />
da religião dos europeus, fazendo com que os índios deixassem de acreditar em seus deuses –<br />
da natureza. Outro ponto ressaltado pela jovem é que mesmo se os índios morressem nada os
faria desaparecer, pois como a mesma se expressa: “A luta foi infrutífera, difícil de conseguir.<br />
O povo se fortalecia, tombava um aqui, nascia outro ali [...]”.<br />
O desejo de se manter vivo, em sua cultura e identidade, faz com que o povo<br />
Xokleng tente buscar dentro, da instituição escolar, formas de amenizar os problemas<br />
relacionados à fome e à falta de infra-estrutura da comunidade. Se as lutas enfrentadas<br />
anteriormente eram com relação à invasão dos colonizadores em seu espaço, hoje, os índios<br />
têm outras lutas.<br />
1.3 A LUTA PELA TERRA<br />
Não dá para falar sobre o povo Xokleng sem mencionar a sua luta pela terra. Para os<br />
Xokleng, a terra é reverenciada como sendo “a mãe terra”, donde é retirado o sustento para<br />
as famílias, mesmo sendo insuficiente.<br />
Esta idéia está muito presente nas falas dos membros da comunidade, sejam elas<br />
crianças, jovens ou adultos. A luta deste povo pela terra não é tão recente assim. Tomam-se<br />
por base, para melhor compreensão, alguns fatos que se destacaram do início da colonização<br />
até os dias atuais referentes a acontecimentos que marcaram a trajetória no que tange à<br />
questão de terras.<br />
Em 28 de maio de 1895, é firmado um contrato entre o Governo de Santa Catarina e<br />
a Sociedade Colonizadora hamburguesa: 600.000 hectares de terras do governo são<br />
destinados à colonização do Vale do Itajaí do Norte, num período de vinte anos por colonos<br />
europeus.<br />
Em 20 de setembro de 1914, ocorre a assinatura da pacificação dos índios botocudos<br />
de Santa Catarina, na Reserva Duque de Caxias, pelo Diretor Eduardo de Lima e Silva<br />
Hoerhann. (GOULART, 2000, p.198) Esta data vem a ser um marco histórico. Para os índios,<br />
é vista como a data em que estes conseguiram pacificar os não - índios.<br />
No dia 03 de abril de 1926, o então Governador do Estado em exercício, Antônio<br />
Vicente Bulcão Vianna, assina Decreto nº 15, criando a Reserva Indígena Duque de Caxias,<br />
com 20.000 hectares. A partir da criação desta Reserva, os índios passam a ser aprisionados<br />
em áreas pré-determinadas, vistas como espaço onde os mesmos poderiam estar sendo<br />
protegidos. Observa-se não ser esta a sua real função e, sim, a de coagi-los para estarem numa<br />
área determinada.
No ano de 1947, um grupo de cafuzos ocupa a Reserva Duque de Caxias, onde<br />
passa a residir. Estes cafuzos são remanescentes da Guerra do Contestado. (GOULART,<br />
2000, p. 199).<br />
Já em 05 de novembro de 1952, é estabelecido um acordo entre o Estado e o antigo<br />
Serviço de Proteção aos Índios (SPI), reduzindo a área da reserva de 20.000 para 14.000<br />
hectares.<br />
No mês de março de 1976, os indígenas vêem ser iniciada a construção da Barragem<br />
Norte, pela empresa CONVAP – Alcino Vieira S.A. Com o início da construção desta<br />
barragem, o Posto Indígena passa a sofrer grandes inundações em sua área. Isto aconteceu<br />
entre os anos de 1978 e 1979.<br />
No dia 08 de outubro de 1979, ocorre a migração dos habitantes da Aldeia Sede para<br />
a Aldeia Bugio, devido às inundações na área. Com a migração dos indígenas para a Aldeia<br />
Bugio, inicia-se uma intensa atividade extrativa de madeira na Reserva Duque de Caxias no<br />
ano de 1981.<br />
Já em 23 de junho de1981, é criada uma comissão indígena para lutar pelos seus<br />
direitos frente à construção da barragem, sem a participação dos cafuzos e guaranis.<br />
De 1982 a 1988, ocorrem enchentes freqüentes, assolando municípios catarinenses.<br />
Ainda em 1982 ocorre um incidente entre a família Faustino e os habitantes do Posto<br />
Indígena por disputa de terras agricultáveis. Ainda neste ano, uma menina índia é atacada por<br />
meningite vindo a falecer por falta de transporte (GOULART, 2000, p. 201).<br />
Em 15 de novembro de 1989, é eleito vereador o índio Elpídio Priprá, pela Reserva<br />
Duque de Caxias. Este feito marca o início da participação dos índios na vida política.<br />
Com a retirada das famílias indígenas da área onde foi construída a barragem norte,<br />
o povo passa a viver precariamente na Aldeia Bugio e vai em busca de seus direitos junto à<br />
FUNAI, cobrando desta a promessa de construção de 188 casas na Comunidade. Isto ocorre<br />
em 21 de fevereiro de 1993.<br />
Já em 19 de abril de 1995 ocorrem atritos entre colonos e índios em José Boiteux.<br />
Estes atritos são ocasionados pela venda indevida de terras da área da reserva (GOULART,<br />
2000, p. 204). Os conflitos relacionados à obtenção das terras vão tornando os ânimos cada<br />
vez mais acirrados, fazendo com que a FUNAI, em 20 de abril de 1995, comprometa-se a<br />
fazer a cartografia da Reserva Indígena para instituir o processo de defesa da comunidade da<br />
aldeia no conflito pela posse dos 275 hectares dos herdeiros do pacificador ocupados por<br />
colonos há 25 anos.
Em 30 de maio de 1995, um grupo de índios rebeldes ameaça derrubar o Cacique<br />
Olímpio Veitchá Pripra por considerar que ele está do lado dos colonos nos conflitos de<br />
terras. Para tentar amenizar os problemas existentes na Comunidade Indígena, o Governo do<br />
Estado promete obras na Reserva em 07 de março de 1997 (GOULART, 2000, p. 205).<br />
Já em 02 de outubro de 1997, uma Portaria da FUNAI, determina estudos de<br />
redefinição da área. Imediatamente, os índios, julgando-se proprietários, expulsam os colonos<br />
de suas residências, invadem escolas e áreas de reflorestamento, promovendo a extração de<br />
madeira e sua comercialização. Após uns vinte dias, os mesmos são retirados dessa área e<br />
dessas casas retornando à Aldeia. Durante certo período, eles se organizaram e, em protesto,<br />
invadem e saqueiam em 27 de junho de 1998, madeiras de alto valor de uma área de<br />
reflorestamento da Cia. Batistella. Assim, os empresários entram com mandato judicial, e em<br />
03 de outubro de 1998, um Juiz concede liminar reintegrando a posse das fazendas<br />
madeireiras Terra Nova e Batistella, de Itaiópolis (SC), localizadas na área de litígio entre<br />
Vitor Meirelles, Itaiópolis e Dr. Pedrinho (GOULART, 2000, p. 205).<br />
Em outubro de 1998, dez policiais militares da 3ª Cia. de Mafra (SC), ao realizarem<br />
ronda de rotina na área de litígio, são presos pelos líderes indígenas da reserva Xokleng. Após<br />
diálogo, os índios libertam os policiais.<br />
Já em 29 de maio de 1999, os índios da reserva voltam a invadir terras, agora<br />
espalhando medo em colonos e famílias de José Boiteux, na localidade de Barra do Rio<br />
Dollmann (GOULART, 2000, p. 205).<br />
Em 11 de novembro de 1999, a FUNAI publica relatório que determina a ampliação<br />
da reserva para 37.108 hectares. O Ministério da Justiça acata as reclamações da comunidade<br />
não-indígena e determina novos estudos que atestam que havia no entorno da área mais de<br />
420 famílias, num total aproximado de 1.600 pessoas. O medo tomava conta a cada momento<br />
das famílias não-indígenas e indígenas.<br />
Em 29 de janeiro de 2000, os índios invadem uma área residencial entre a vila de<br />
Bonsucesso e a reserva Biológica de Sassafrás (GOULART, 2000, p. 206).<br />
Pela primeira vez, desde a fundação da reserva Duque de Caxias, o Presidente da<br />
FUNAI (Brasília/DF) visita a área, acompanhado do Administrador Executivo Regional<br />
(Curitiba/PR), para verificar a situação da (re) demarcação das terras do aldeamento. Isto<br />
ocorre entre os dias 06 e 07 de janeiro de 2000.<br />
No ano de 2000, a Comunidade Indígena busca ajuda por meio de outros<br />
mecanismos para assegurar seus direitos quanto à obtenção das terras em litígio e melhorias<br />
em sua Comunidade. Como promessas, surgem em 18 de janeiro de 2001, a notícia de que o
Governo Federal poderá desembolsar pelo menos R$ 13 milhões em indenizações aos não-<br />
índios. Ainda no mês de janeiro de 2001, os índios comemoram a retomada das terras<br />
originais de 1926, faltando somente a demarcação desta área. Isto até o ano de 2005 ainda não<br />
se resolveu (MÉDIO VALE, 2001, p. 10)<br />
Já em 07 de fevereiro de 2002, colonos e outros interessados [empresários e<br />
colonos] ingressam com pedido de impugnação ao relatório da FUNAI. O mesmo<br />
procedimento foi adotado pelo governo do Estado, organizações não-governamentais e<br />
terceiros. No período de tramitação dos processos, permanece um clima de animosidade entre<br />
colonos e indígenas.<br />
Em 27 de fevereiro de 2002, chega ao conhecimento dos colonos que os autos dos<br />
processos, após apreciação e pareceres dos consultores do Ministério da Justiça, encontram-se<br />
no gabinete do ministro Márcio Thomaz Bastos para decisão final. Indígenas e colonos<br />
permanecem ansiosos à espera da resposta do Ministro.<br />
Já em 04 de março de 2003, o então governador do Estado de Santa Catarina, Sr.<br />
Luiz Henrique da Silveira define com o chefe de gabinete do Ministério da Justiça, Sérgio<br />
Sérvulo, e com o Presidente da FUNAI, Eduardo de Almeida, que somente depois de<br />
entendimentos entre não-índios e índios é que será assinada a portaria de ampliação da<br />
reserva (A NOTÍCIA, 2003).<br />
No dia 01 de julho de 2003, os índios começam a ocupar novamente a área da<br />
Barragem Norte, inclusive bloqueando estradas, como forma de pressionar o governo federal<br />
a assinar o documento que determina a demarcação do seu território.<br />
Assim, em 12 de agosto de 2003, o Ministro Márcio Thomaz Bastos, assina portaria<br />
que garante a posse permanente dos 37 mil hectares, com base no levantamento feito por<br />
antropólogos da FUNAI. Estas terras são atualmente divididas com aproximadamente 400<br />
famílias de agricultores e posseiros (SANTA, 2003, p. 3B).<br />
Com o recebimento da notícia, os agricultores prometem defender suas terras,<br />
armados. Os colonos têm títulos de posse há mais de 50 anos e não aceitam a ampliação da<br />
reserva. A comunidade não-indígena vê-se totalmente desamparada e prepara-se para dar sua<br />
vida pelas propriedades (A NOTÍCIA, 2003, p. A7).<br />
Já em 09 de setembro de 2003, sob eminente ameaça de conflito em território<br />
catarinense, assume a FUNAI o Sr. Mércio Gomes. Este se diz aberto ao diálogo (A<br />
NOTÍCIA, 2003, p. AB).
Em 27 de fevereiro de 2004, ocorre a demarcação da reserva assustando o povo do<br />
Alto Vale. O povo indígena dá sinais de ansiedade para ampliar os limites em Dr. Pedrinho,<br />
deixando os colonos em alerta (SANTA, 2004, p. 2B).<br />
Os ânimos tornam-se novamente acirrados, deixando os agricultores em enorme<br />
tensão, pois os índios antecipam a demarcação da reserva e iniciam a venda de madeira. Isto<br />
ocorre em 08 de abril de 2004 (SANTA, 2004, p. 3B).<br />
Os conflitos entre índios e agricultores não cessam, suspendendo assim a<br />
demarcação da reserva Indígena Duque de Caxias e criando pressão por parte dos municípios<br />
atingidos (MÉDIO VALE, 2004, p. 09).<br />
Em 17 de junho de 2004, observam-se sinais de guerra entre agricultores e índios.<br />
Barricadas que impedem o avanço de veículos, terras invadidas e ameaças a policiais<br />
agravam o conflito entre índios e agricultores em Dr. Pedrinho. Toda a comunidade não-<br />
indígena organiza-se para defender aquilo que possui como seu maior bem: a terra (SANTA,<br />
2004, p. 3B).<br />
No dia 18 de junho de 2004, ocorrem novos desentendimentos acirrando os ânimos.<br />
Os trabalhos de demarcação são retomados com acompanhamento da Polícia Federal. Neste<br />
mesmo período, lideranças indígenas condenam a invasão feita por índios da comunidade nas<br />
terras de empresário da região. (Santa, 2004, p.4B) Em 17 e 18 de julho de 2004, a polícia faz<br />
perícia na área invadida por índios. Agentes flagram árvores devastadas e até uma estrada<br />
aberta ilegalmente (SANTA, 2004, p. 5B).<br />
No mês de agosto do mesmo ano, três funcionários de uma madeireira foram<br />
surpreendidos por cerca de 25 índios e mantidos como reféns. Os índios alegavam que o<br />
pinus cortado de uma propriedade, na localidade de Forcação, não podia ser retirado, por se<br />
tratar de território indígena (SANTA, 2004, p. 2B). Ainda no mês de agosto, no dia 10 de<br />
2004, policiais e madeireiros são expulsos por grupo indígena (SANTA, 2004).<br />
Os fatos vão sucedendo, tornando impossível um acordo entre índios e agricultores.<br />
Amedrontada, a comunidade não-indígena se arma para defender terras invadidas e sem<br />
demarcação. Armados de foices, facas, índios e não-índios quase entraram em confronto<br />
direto na localidade de Forcação. Isto ocorre no dia 17 de agosto de 2004. Ônibus de linha,<br />
caminhões e carros foram impedidos de passar pela estrada geral como forma de protesto. No<br />
dia 19 de agosto, índios mantêm estradas bloqueadas com troncos de árvores até que cheguem<br />
representantes do Governo Federal (A NOTÍCIA, 2004, p. A4).<br />
No intuito de encontrar saída para o problema, no dia 1º de outubro de 2004, o<br />
Conselho Comunitário de Segurança, juntamente com a Prefeitura Municipal de Dr.
Pedrinho, promovem uma reunião para tentar solucionar o impasse, mas a ausência da Polícia<br />
Federal, FUNAI e do Cacique Xokleng frustraram os organizadores (MÉDIO VALE, 2004,<br />
p. 26).<br />
Em 2005, vê-se mais um movimento sendo realizado pelo povo Xokleng em busca<br />
de melhorias para seu povo. No mês de março, membros da Comunidade Indígena tomam a<br />
Barragem Norte como forma de protesto, cujas reivindicações são as seguintes: término da<br />
construção das casas, demarcação das terras, melhoria na educação, saúde e indenização em<br />
dinheiro das terras inundadas pela Barragem.<br />
Em conversa com a esposa do Cacique, a Senhora M. V. P., 37 anos, a mesma diz<br />
que esta atitude da comunidade pode ser vista pelos não-índios como vandalismo, mas poucos<br />
sabem o que ocorre dentro da Comunidade. A mesma relatou um fato que não é de<br />
conhecimento das pessoas de fora da Aldeia.<br />
“Em uma noite, mais precisamente às 21h00min horas, cinco pessoas; um casal<br />
com um bebê de seis meses, uma mulher grávida de cinco meses e um rapaz de 20 anos,<br />
estavam voltando da visita a um parente doente, quando a canoa utilizada como transporte<br />
virou próximo à margem da represa. O marido conseguiu salvar a esposa e a mulher grávida<br />
de cinco meses. Quando este conseguiu retornar do fundo da represa ouvia a mulher<br />
gritando que o bebê estava no fundo da mesma. O marido jogou-se nas águas e conseguiu<br />
retirar a criança, fazendo de tudo para conseguir trazer a criança à vida. Após muito esforço<br />
e desespero a criança conseguiu recobrar os sentidos. Neste momento, procuraram pelo<br />
rapaz que os acompanhavam e não o encontraram. Foi necessário chamar o corpo de<br />
bombeiros para retirar o corpo do mesmo das águas da represa. A comoção foi muito forte.<br />
Muitas vidas já foram levadas por estas águas.”<br />
Segundo M. V. P. , existe uma ponte que fazia a ligação entre as Comunidades Sede,<br />
a Comunidade Palmeirinha e a Figueira. Só que esta permanece submersa por ocasião das<br />
cheias, fazendo com que a comunidade se utilize da canoa para fazer a travessia ou tenha que<br />
fazer um percurso de 40 km para chegar ao destino.<br />
O Cacique da Comunidade e Membros do Conselho mantiveram um diálogo com o<br />
Procurador da Justiça, e relataram fatos como este mencionado pela entrevistada. O mesmo<br />
prometeu reavaliar a situação. Mesmo assim, os indígenas afirmam que só sairão da<br />
Barragem quando suas reivindicações forem aceitas.
Pelos fatos aqui relatados, observa-se que este povo vive enfrentando muitas<br />
dificuldades para conquistar seus direitos, muitas vezes utilizando-se de meios nada<br />
agradáveis para obter uma resposta das autoridades.<br />
Em conversa com o Cacique da Comunidade Bugio, o mesmo entregou uma cópia<br />
da Carta Protesto, enviada ao Ministério Público em Blumenau – SC e ao Presidente da<br />
FUNAI, em Brasília-DF, aos Prefeitos do Alto Vale do Itajaí, Imprensa Local, demais<br />
autoridades e a população em geral (Anexo B).<br />
Observam-se em todo o país, vários focos de conflitos relacionados à terra. Assim, a<br />
demarcação das terras indígenas é a bandeira de luta e o mote de reivindicação dos<br />
movimentos indígenas e de apoio aos índios. Para os Xokleng, a terra vem sendo vista como a<br />
sua principal bandeira de luta. Em conversa com membros da comunidade, tem-se este<br />
depoimento:<br />
“Foi no dia 13 de agosto de 2003, a assinatura onde o ministro deu para termos de<br />
volta a terra. Porque muitos morreram, mais de 50 anos de espera. Lutamos para conseguir<br />
os 37 mil hectares, que ainda é pouco para mais de 2000 índios hoje na reserva toda. Para<br />
você ver, nasce por mês mais ou menos cinco a seis crianças. A cada ano, a população vai<br />
aumentando. Quando ele assinou esta portaria, foi uma alegria total, desde o cacique até o<br />
mais simples da reserva. Mas como sempre, teve pessoas lá no poder que se puseram contra e<br />
que estão contra. A demarcação que deveria ter sido feita não foi. Daí, nós temos que fazer<br />
greve, e os outros dizem que os índios são bagunceiros. Mas nós estamos lutando pelo que é<br />
nosso. Isso é nosso. Se for olhar, na realidade, tudo é nosso. E o que o branco, desculpa a<br />
palavra, o que ele roubou de nós? Onde está? Ele tem que pagar pra nós, não nós pra eles.<br />
Aí é que está, mas muitos não entendem, então dizem que não é do índio. Mas quem chegou<br />
primeiro, foram os índios. Mas quem vendeu todo este território? Foi o governo. E hoje ele<br />
não quer devolver para nós. E a terra para nós é muito importante. Para nossos filhos, para<br />
a comunidade, é nossa mãe. Sem ela nós não podemos viver. Se nós vamos tirar um pé de<br />
palmito, os índios estão roubando e antes eles viviam disso. Eles viviam de muitas frutas<br />
silvestres, peixes, palmitos, etc. Hoje nossa água está poluída. Comer peixe de onde? Você<br />
vai ao rio e o que encontra é peixe boiando, morto” (W. A . P. 18 anos – aluna do Ensino<br />
Médio).<br />
Hoje, a situação é delicada e deve ser vista com muito discernimento e sabedoria<br />
pelas autoridades, pois existem dois lados desta história: ambos ansiosos por uma solução<br />
pacífica.
1.4 COMO ESTÃO OS ÍNDIOS HOJE?<br />
Após vários anos de colonização e de tentativas para “civilizá-los” e mantê-los a<br />
salvo dos aldeamentos, estes índios buscam, hoje, encontrar caminhos para a melhoria em sua<br />
comunidade em segmentos como: saúde, moradia, educação e segurança.<br />
Os Xokleng vivem na área indígena de Ibirama encravada entre os municípios de<br />
Doutor Pedrinho, Itaiópolis, José Boiteux e Vitor Meireles, como mapa abaixo.<br />
Mapa 02 – Localização das Aldeias<br />
Fonte: Retirado do Jornal de Santa Catarina. 20 de maio de 2003.<br />
Possui uma superfície de 14.084 hectares, e sua população é de 1,3 mil habitantes.<br />
Os povos que formam esta reserva são Xokleng, Guarani e Kaingang (SANTA CATARINA,<br />
2004, p. 3B). Esta área está formada por sete aldeias assim denominadas: Bugio, Coqueiro,<br />
Figueira, Palmeirinha, Sede, Pavão e Toldo.
Conforme dados demográficos obtidos por intermédio do Censo realizado no ano de<br />
2004, pela FUNAI, a população da Terra Indígena Xokleng ‘Laklanô” em José Boiteux ficou<br />
assim recenseada:<br />
Aldeia Coqueiro: 264 habitantes; Aldeia Figueira: 227 habitantes; Aldeia<br />
Palmeirinha: 329 habitantes; Aldeia Pavão: 111 habitantes; Aldeia Sede (Platê): 241<br />
habitantes; Aldeia Toldo: 433 habitantes. Assim, a Terra Indígena Xokleng possui uma<br />
população de 1.605 habitantes (um mil seiscentos e cinco habitantes).<br />
por faixa etária:<br />
A Aldeia Bugio possui uma população de 384 habitantes, estando assim divididos<br />
Tabela 01 – População da Aldeia Bugio<br />
IDADE MASCULINO FEMININO TOTAL<br />
0 a 3 anos 24 25 49<br />
04 a 06 anos 27 15 42<br />
07 a 10 anos 31 30 61<br />
11 a 15 anos 29 20 49<br />
16 a 20 anos 21 23 44<br />
21 a 30 anos 23 23 46<br />
31 a 40 anos 27 18 45<br />
41 a 50 anos 09 08 17<br />
51 a 60 anos 07 09 16<br />
61 a 70 anos 03 03 06<br />
71 a 80 anos 05 03 08<br />
Mais de 81 01 00 01<br />
TOTAL 206 178 384<br />
Nesta comunidade, existe um posto de saúde, que atende os indígenas em casos não<br />
muito graves. O atendimento é feito por um enfermeiro que reside na comunidade. Os casos<br />
mais graves são transferidos para o município de Ibirama. O transporte utilizado para levar os<br />
doentes é feito por meio de uma picape, que percorre 40 quilômetros para chegar ao Hospital<br />
mais próximo.<br />
Em conversa com os membros da comunidade, os mesmos lamentam as condições<br />
precárias nesta área, fazendo com que a comunidade indígena permaneça em muitos
momentos à mercê de chás caseiros e da proteção divina, antes de poder chegar ao hospital<br />
mais próximo e ser atendido. Outros se utilizam também do ambulatório que existe na<br />
localidade de Alto Forcação, pertencente ao município de Doutor Pedrinho e que faz<br />
atendimento todas as quintas-feiras nesta localidade.<br />
A Aldeia Bugio possui um telefone público que se encontra instalado ao lado da<br />
escola. Este telefone foi instalado nesta comunidade no ano de 2002.<br />
As compras de alimentos e de roupas são realizadas nos municípios vizinhos,<br />
principalmente em José Boiteux, pois não existe este tipo de comércio na Aldeia.<br />
As casas, em sua maioria, são de alvenaria e foram construídas pelo Governo<br />
Federal, após a retirada deste povo de suas terras para a construção da Barragem Norte. Para<br />
conseguirem estas casas foi necessária a mobilização das lideranças e demais membros da<br />
sociedade indígena. Mesmo recebendo as casas, uma vitória para este povo, ainda permanece<br />
muito forte a falta de alimento e de trabalho. Conforme a fala de uma mãe da comunidade<br />
ouviu-se o seguinte desabafo: “Aqui dentro da reserva, não existe serviço para que todos os<br />
índios possam trabalhar. Não adianta o índio ter uma casa bonita pra morar, se ele não tem<br />
o que pôr todos os dias na mesa para comer”.<br />
Outro fator que auxilia na precariedade da vida deste povo é a estrada que corta esta<br />
aldeia. Se chover por algumas horas, fica difícil o acesso para o centro da mesma. A<br />
manutenção da estrada é feita pela Prefeitura de José Boiteux. O Senhor Ivo, morador da<br />
comunidade, faz a conservação da estrada, com enxada, na tentativa de fechar os buracos que<br />
surgem a cada enxurrada. Para a comunidade, o Sr. Ivo é conhecido como o “conservador”.<br />
O meio de subsistência deste povo está na plantação realizada pelas mulheres como:<br />
batata-doce, feijão e milho. Tudo muito precário, pois o solo é pobre e com as queimadas que<br />
são realizadas para o seu preparo, o mesmo torna-se quase improdutivo. Outro modo de<br />
subsistência é a apicultura, realizada por algumas famílias de maneira artesanal. A madeira<br />
também vem auxiliar no orçamento das famílias. Esta madeira proveniente de pequenos<br />
reflorestamentos é vendida quando suas condições econômicas estão insustentáveis.<br />
No que tange à agropecuária, vêem-se poucos animais. Apenas alguns bois e vacas,<br />
que são para o sustento da família. A caça é uma atividade que está praticamente extinta.<br />
Somente os mais velhos ainda fazem algumas incursões, para tentar obter algum animal, já<br />
também escassos nesta área. A vegetação desta região encontra-se totalmente devastada,<br />
restando apenas algumas árvores que vitoriosamente sobreviveram ao corte do facão ou aos<br />
dentes da serra motor.
Na esfera educacional, a comunidade está servida de uma escola, cuja<br />
responsabilidade é do Governo Estadual. No que diz respeito à cultura, observa-se que a sua<br />
perda é grande. Tradições que eram o ponto alto do povo Xokleng, como por exemplo, a<br />
cerimônia da colocação do tembetá foi totalmente esquecida; dentre tantos outros rituais. Os<br />
mais velhos da Aldeia falam com tristeza, em baixa voz da perda desta parte da história de<br />
seu povo. Ouve-se o desabafo: “Foi perdida muita coisa. E não vai dar para trazer de volta.<br />
Eles [os jovens e as crianças] não querem saber a história do que passou, só daqui pra<br />
frente. Não querem saber de fazer o pinhão do mato, não querem saber de achar a comida<br />
dentro da terra. Eu fico muito triste” (Senhor Macaletti).<br />
Na área de saneamento básico, algumas casas possuem fossa, embora muitas delas<br />
estejam apresentando problemas, fazendo com que o mau cheiro seja sentido em muitas<br />
casas; outros não têm esta possibilidade devido à precariedade de suas residências. A<br />
FUNASA (Fundação Nacional da Saúde) está realizando a abertura de poços artesianos para a<br />
melhoria na qualidade da água utilizada por este povo.<br />
A energia elétrica está presente nesta comunidade, auxiliando assim as famílias no<br />
uso de eletrodomésticos como geladeira, aparelho de som, televisão, rádio e tantos outros<br />
aparelhos embora sejam poucos os que os possuem em suas residências. A iluminação<br />
pública não existe. No período noturno, o local torna-se ermo e de difícil acesso, para quem<br />
não está de automóvel.<br />
Na comunidade, existem cinco igrejas evangélicas. São elas: uma Congregação<br />
Cristã Assembléia de Deus do Brasil; uma Igreja Evangélica Voz de Deus; duas Igrejas<br />
Evangélicas Assembléia de Deus e uma Igreja Evangélica Cristã do Brasil.<br />
A luta pela terra é, portanto, a luta pela sobrevivência do próprio povo. Embora<br />
possa parecer um pouco deslocada a exposição dos conflitos pela terra, neste trabalho, ela<br />
fará sentido para se entender os ânimos acirrados entre índios e não-índios e alguns<br />
acontecimentos relacionados à escola relatados a seguir.
2 CONHECER<br />
A necessidade de conhecer sempre esteve presente neste povo. Para um povo que<br />
sempre manteve seus ensinamentos vivos a partir de histórias contadas pelos mais velhos,<br />
passados de geração a geração, após a chegada dos não-índios, este cenário modifica-se.<br />
Os conhecimentos que antes eram transmitidos de forma oral, hoje têm uma nova<br />
roupagem e algumas preocupações. Não se pode negar, portanto, a presença da escola nesse<br />
momento e a sua importância como meio de se obter o conhecimento.<br />
Figura 02 - Desenho da aluna R.P.A. – 16 anos – aluna do Ensino Médio
O desenho criado pela aluna R.P.A., do Ensino Médio, de 16 anos, mostra a forma<br />
como se dá a educação dos mais jovens. A presença do adulto junto à criança, para<br />
desenvolver os valores necessários à sua existência.<br />
2.1 A COLONIZAÇÃO: A TROCA DE EXPERIÊNCIAS E A NECESSIDADE DA<br />
EDUCAÇÃO ESCOLAR.<br />
O processo de colonização, e a intervenção do não-índio trazem consigo uma<br />
curiosidade de ambas as partes em conhecer melhor “o outro”. Tal afirmação pode ser<br />
ilustrada pelo relato de Koch (2002, p. 257):<br />
Um polonês, foragido da guerra viajara pela Argentina e Paraguai. A seguir,<br />
dirigiu-se ao SPI, no Rio de Janeiro, e veio parar na Reserva de Ibirama. Era o<br />
Professor Niesczyslaw Brzazinski, um senhor de uns 50 anos de idade. Ele gostava<br />
de entrosar-se com os índios. Participava das caçadas. Aprendia-lhes a língua.<br />
Ensinava-lhes canções polonesas.<br />
Assim, influenciados pelo professor polonês, também conhecido como “maestro”<br />
pelos índios, o gosto pela leitura foi despertado. Os indígenas, então solicitaram a Eduardo. O<br />
Pacificador - para que tivessem aulas com este professor. Eduardo, Chefe do Posto, não se<br />
omitiu diante deste pedido. O professor polonês prontificou-se em lecionar gratuitamente. As<br />
aulas ocorriam em um salão, que era reservado para folguedos. Neste espaço surgiu a primeira<br />
escola da Reserva Indígena no ano de 1940 (KOCH, 2002).<br />
Como relata o senhor Kangó Ingakã – mais conhecido como Macaletti, em seus 74<br />
anos, ex-aluno do primeiro professor polonês: “Quando começou as aulas, a escola, era um<br />
polonês, estrangeiro. Foi ele que começou a escola. Tinha uma escola bonita, tinha outros<br />
professores depois. Eu já estive na escola. O professor antigo, ele falou pra mim assim; ‘ Eu<br />
vim aqui pra abrir o entendimento de vocês, saber falar, saber respeitar um após os outros.<br />
’Tudo isso ele falou pra mim e eu aprendi com ele. Eu posso respeitar todos aqui, se eles me<br />
respeitam eu também respeito. Aí eu vou ficar igual. Sim. Os índios são iguais”.<br />
Segundo Koch (2002), o professor polonês, não recebendo mais correspondência da<br />
Polônia, se desesperou. Enforcou-se com uma corda no referido salão, que servia de local para<br />
as aulas. Após o ocorrido, as aulas continuaram mesmo os professores não sendo muito<br />
assíduos. Destes professores pouco se sabe sobre sua procedência, mas alguns nomes foram<br />
listados como: José Baldoíno de Andrade, Davi Ramos, Olímpio da Silva Nunfoorô (índio
mestiço), Generino Hoerhann (filho do Pacificador) dentre outros. Nesta escola, aprendia-se a<br />
ler em português. O material escolar reduzia-se ao quadro negro e giz. (KOCH, 2002, p. 259)<br />
Após a morte do professor polonês, muitos outros o sucederam. Desde 1955, o<br />
professor Olímpio da Silva Nunfoorô exercia esta atividade. Conforme Santos, (1973, p. 277):<br />
“Sua instrução era primária, obtida com o professor fundador da escola do posto. Seus<br />
métodos e técnicas de ensino eram tradicionais e superados. Mas ele conhecia a língua<br />
indígena e era um curioso das tradições tribais, além de ser um membro ativo da Igreja<br />
Assembléia de Deus”.<br />
Sobre a escola, Santos ainda relata (1979, p. 276-7): “No ano de 1967, a escola<br />
atendia a 57 alunos, 27 do sexo masculino e 30 do feminino. Desses escolares, 38 estavam<br />
matriculados na 1ª série; 12 encontravam-se na 2ª série; e 07 freqüentavam a 3ª série. Alguns<br />
desses alunos eram civilizados e mestiços. A maioria descendia dos Xokleng”.<br />
Ainda, segundo o autor, o funcionamento da escola era segundo o modelo brasileiro<br />
de escola isolada. Somente um professor era responsável pelo ensino. Em sua maioria, os<br />
professores não possuíam habilitação para o trabalho e desconheciam a cultura indígena<br />
(SANTOS, 1973).<br />
No ano de l979, ocorre a migração dos habitantes da reserva indígena Sede, para o<br />
Bugio, devido à ocorrência de enchentes na área. Com isto, a Comunidade Bugio passa a<br />
organizar-se e buscar junto à FUNAI, ajuda para suas reivindicações (Histórico da Escola/<br />
2002). Dentre as reivindicações estavam a construção de casas e de uma escola, sendo que até<br />
este momento, todos convivam harmonicamente em um só espaço, onde as casas ficavam<br />
próximas umas as outras e conseguiam manter assim seus laços de grupo social.<br />
2.2 A PRIMEIRA ESCOLA NA COMUNIDADE BUGIO<br />
No ano de 1982, foi encaminhado um documento de projetos e benfeitorias à<br />
FUNAI para suprir às necessidades da Comunidade Bugio. Um destes projetos era a<br />
construção de escolas nas Terras Indígenas para as crianças na faixa de 7 a 14 anos de idade.<br />
A caminhada foi penosa, mas as lideranças indigenistas conseguiram convencer a FUNAI a<br />
aprovar alguns dos projetos solicitados, inclusive, a construção da escola.<br />
Após esta situação, surge outro entrave, a contratação de professor, o qual não<br />
receberia seus honorários, pois não havia recursos para esse fim. Dentre os membros da
comunidade indígena, o Sr. Olímpio da Silva NunFoorô, se manifestou para assumir as aulas<br />
como professor sem cobrar nada, solicitando apenas que providenciassem os materiais<br />
didáticos necessários para trabalhar em sala de aula.<br />
O local onde acontecia às aulas era uma casa doada pelo Sr. Vanhecú Patté, em<br />
agosto de 1982, e por isso a escola, mais tarde, recebeu este nome. Uma homenagem à atitude<br />
solidária desse senhor que já tinha 101 anos na época.<br />
Conforme fala de um dos que participaram da construção da escola, Sr. K. W. , o Sr.<br />
Vanhecú Patté, doou parte de sua residência para a construção da escola. Ficando este por<br />
cinco anos vivendo em um pequeno barraco. Os três mentores da construção da primeira<br />
escola no Bugio foram os Srs. Alfredo Priprá, Vanhecú Patté e Kuwei Weitchá. Conta-nos<br />
este último que após desmontarem a residência, os três pagaram um caminhão para levar as<br />
tábuas para o local onde seria construída a escola.<br />
O desejo de construir uma escola nesta aldeia surgiu pela necessidade advinda da<br />
distância que se fazia para chegar à escola da Comunidade Sede. Como nos relata o Sr.K. W.,<br />
era necessário caminhar por uma hora, neste caminho o qual era uma picada, pois não havia<br />
estradas, precisavam cruzar um rio para chegar à escola.<br />
Após a construção da escola, esta passou a abrigar o número de 44 alunos, numa<br />
sala de aproximadamente 24 metros quadrados (6x4) e no decorrer de suas atividades teve<br />
vários professores.<br />
Com o passar dos anos a escola passou por reformas, chegando a ser construída de<br />
alvenaria. A escola, até o ano de 2001, possuía uma sala e um pequeno galpão, onde a<br />
clientela atendida estava na faixa etária entre 06 a 10 anos. Estas crianças de 1ª a 4ª séries,<br />
estavam sob a orientação dos professores Eriti Weitchá e Sandra Denise Uber Farias -<br />
membros da comunidade indígena.<br />
As atividades ali realizadas eram desenvolvidas a partir de materiais cedidos pela<br />
Secretaria Municipal de Educação de José Boiteux, cadernos, lápis, borracha, caneta, régua,<br />
livros didáticos, giz, mapas, etc. A grade curricular utilizada pelos professores nesta escola era<br />
a mesma seguida pelas escolas municipais Eram turmas multisseriadas e um professor para<br />
duas turmas.<br />
Com o passar dos anos, as crianças que terminavam a 4ª série queriam continuar<br />
seus estudos, mas como na comunidade não havia continuidade do Ensino Fundamental, as<br />
mesmas permaneciam impossibilitadas de dar continuidade a estes. Desta forma, membros da<br />
comunidade indígena buscaram meios para conseguir transporte para estas crianças poderem
chegar à escola mais próxima da comunidade indígena. Assim, após alguns contatos estas<br />
crianças passam a freqüentar o educandário existente no município de Dr. Pedrinho.<br />
2.3 AS CRIANÇAS VÃO PARA OUTRA ESCOLA<br />
No ano de 1995, nove crianças saem da Aldeia Bugio para dar continuidade a seus<br />
estudos na Escola de Educação Básica Frei Lucínio Korte. Estes alunos foram assim<br />
matriculados: 09 na 5ª série. O percurso feito por estas crianças era em estrada de barro que,<br />
em época de chuva, tornava-se de difícil acesso.<br />
Estas crianças vinham para a escola em uma picape. Saíam muito cedo da<br />
comunidade indígena. Por volta das cinco da manhã acordavam, tomavam seu café, o que<br />
poucos faziam, e iam até o local onde saía o transporte. Chegavam por volta das 07h10min da<br />
manhã na escola do centro de Dr. Pedrinho. No período de inverno, rigoroso nesta região, os<br />
mesmos vinham bem juntinhos para poder aquecer-se e esquecer um pouco do frio.<br />
No início, as crianças não-indígenas olhavam com curiosidade para eles, pois não<br />
tinham contato com estes até aquele momento. A curiosidade foi desaparecendo a cada dia,<br />
pois as crianças mantinham um diálogo e conseguiam assim, descobrir um pouco de seus<br />
mundos.<br />
A escola possuía, no ano de 1995, trezentos alunos, sendo estes divididos entre o<br />
Ensino Fundamental e Médio. Os alunos, em sua maioria, eram de origem italiana, alemã e<br />
polonesa. A cada ano, o número de crianças indígenas aumentava, conforme tabela a seguir:
ANOS<br />
Tabela 02 – Número de crianças indígenas na escola<br />
ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO MÉDIO<br />
5ª série 6ª série 7ª série 8ª série 1ª série 2ª série 3ª série<br />
M F M F M F M F M F M F M F<br />
TOTAL<br />
1995 07 02 X X X X X X X X X X X X 09<br />
1996 08 01 05 02 X X X X X X X X X X 16<br />
1997 05 05 08 01 05 02 X X X X X X X X 26<br />
1998 04 05 02 01 08 01 05 02 X X X X X X 28<br />
1999 09 10 09 05 03 02 03 X X X X X X X 41<br />
2000 09 12 03 04 03 01 03 02 X X 01 X X X 38<br />
2001 09 12 09 03 03 01 01 01 X X X X 01 X 40<br />
Fonte: Livros de notas da Escola de Educação Básica Frei Lucínio Korte (1995-2001).<br />
Esta tabela apresenta o número de alunos distribuídos por série e sexo, mostra o<br />
aumento de crianças a cada ano.<br />
No ano de 1995, chegaram (09) nove crianças sendo sete meninos e duas meninas,<br />
matriculados na 5ª série. Destes nove alunos, dois reprovaram. Ao iniciar o ano de 1996, o<br />
Conselho Indígena, juntamente com os pais, conseguiu uma Kombi. Esta elevação no número<br />
de crianças se dá pelo fato de que agora outros mais cursariam a 5ª série. (oito meninos e uma<br />
menina) e na 6ª série (cinco meninos e duas meninas). Não houve nenhuma reprovação neste<br />
ano.<br />
O acompanhamento aos estudos destas crianças era feito pelos pais. Estes<br />
demonstravam empenho e dedicação com seus filhos, pois sempre que vinham a Dr.<br />
Pedrinho, buscavam na Escola, informações sobre seus filhos.<br />
A direção e professores da escola sempre conseguiram manter um bom<br />
relacionamento com os pais. Conforme as palavras de alunos que ali estudaram: “ali nós
conhecemos muitos alunos legais, trouxe de lá também lembranças boas que não quero<br />
esquecer” (W.K.P. - 19 anos).<br />
Os estudos foram iniciados com dificuldades, mas, logo, os alunos buscaram<br />
adaptar-se à escola. Inicia-se assim, um processo onde as crianças indígenas tidas como iguais<br />
perante as demais, mas passam a sofrer um processo, onde seus valores e tradições são<br />
substituídos gradativamente por outros, vistos como melhores.<br />
Já em 1997, são matriculadas para a 5ª série (10) dez crianças, sendo (05) cinco<br />
meninos e (05) cinco meninas. Na 6ª série são (08) oito meninos e (01) uma menina,<br />
perfazendo (09) nove crianças e, na 7ª série, são (07) sete crianças, (05) cinco meninos e (02)<br />
duas meninas. Neste ano, ocorre um nível elevado de transferências da 5ª série. O motivo foi<br />
a saída de algumas famílias da comunidade indígena para cidades como Blumenau, Ibirama e<br />
Joinville.<br />
Em 1998, dá-se início ao ano letivo com (09) nove alunos na 5ª série, sendo (04)<br />
quatro meninos e (05) cinco meninas. Na 6ª série, são (03) três crianças, (02) dois meninos e<br />
(01) uma menina. Na 7ª série, são (09) nove crianças, (08) oito meninos e (01) uma menina. E<br />
na 8ª série são (07) sete crianças, sendo (05) cinco meninos e (02) duas meninas.<br />
No ano de 1999, têm-se (19) dezenove crianças na 5ª série. Este número eleva-se<br />
devido à chegada de famílias vindas do Paraná para a Comunidade Xokleng. Deste total, (09)<br />
nove são meninos e (10) dez meninas.<br />
Na 6ª série, ocorre um aumento de alunos ficando com 14 crianças, sendo (09) nove<br />
meninos e (05) cinco meninas. Na 7ª série, são (05) cinco crianças, sendo (03) três meninos e<br />
(02) duas meninas; e na 8ª série tem-se uma diminuição: dos (09) nove alunos matriculados,<br />
permaneceram somente (03) três. Os outros foram transferidos para escolas de cidades<br />
vizinhas.<br />
Em 2000, o número de alunos por série ficou assim dividido: na 5ª série foram (21)<br />
vinte e um alunos, (09) nove meninos e (12) doze meninas; na 6ª série, (07) crianças, (03) três<br />
meninos e (04) quatro meninas; na 7ª série, (04) quatro crianças, sendo (03) três meninos e<br />
(01) uma menina; na 8ª série, (05) cinco crianças, (03) três meninos e (02) duas meninas. No<br />
Ensino Médio, tem-se a matrícula de um aluno na 2ª série. Ocorrem neste ano também<br />
transferências, devido à busca por melhores condições de vida em outras cidades pelas<br />
famílias.<br />
Em 2001, o quadro de alunos permanece desta forma: (21) vinte e um alunos na 5ª<br />
série, sendo (09) nove meninos e (12) doze meninas; 6ª séries são (12) crianças, (09) nove<br />
meninos e (03) três meninas; 7ª série, (04) quatro crianças, (03) três meninos e (01) uma
menina e na 8ª série, (02) duas crianças, sendo (01) um menino e (01) uma menina. No<br />
Ensino Médio, formou-se um aluno da Comunidade Bugio.<br />
Nestes anos de estudo na Escola de Educação Básica Frei Lucínio Korte, município<br />
de Doutor Pedrinho, os pais e os membros do Conselho Indígena lutaram por melhores<br />
condições de transporte para as crianças. No período de 1996 a 1998, as crianças possuíam<br />
como transporte um micro-ônibus, o qual ficou muitas vezes no meio do caminho, com<br />
problemas mecânicos.<br />
Com o aumento de crianças, o Cacique e demais autoridades indígenas buscaram<br />
junto à Prefeitura Municipal de José Boiteux, auxílio para a obtenção de um ônibus. Foi<br />
conseguido um ônibus com capacidade para 47 crianças da empresa Presidente, que assinou<br />
um contrato com a Prefeitura Municipal de José Boiteux para o transporte das crianças. Este<br />
ônibus, também era utilizado pela comunidade para chegar ao centro de Dr. Pedrinho e fazer<br />
as compras de alimentos e medicamentos.<br />
As crianças recebiam da FUNAI, - sede em Curitiba, os uniformes e materiais<br />
básicos necessários para seus estudos. Muitos sonhos cresceram com as crianças e com a<br />
escola. Com estes sonhos, surgiram também às preocupações por parte da direção e<br />
professores, referentes ao currículo que ali se desenvolvia e que não era coerente com a<br />
realidade das crianças indígenas. Além desta preocupação, inicia-se no ano de 2000, um<br />
conflito entre indígenas e colonos da região. Este conflito teve sua origem nas terras que<br />
fazem limite com a área indígena, na localidade de Alto Rio Forcação, pertencente ao<br />
município de Dr. Pedrinho.<br />
Até o ano 2000, a escola não verificava problemas de maior gravidade. Aconteciam<br />
apenas situações corriqueiras, como bate-boca e brigas devido aos jogos e brincadeiras. Mas,<br />
no final do primeiro semestre de 2000, defronta-se a escola com problemas relacionados ao<br />
transporte escolar e a saída da escola. Quando as crianças indígenas saíam da escola para<br />
retornar à Comunidade Indígena, encontravam-se com o transporte que era realizado pelo<br />
município de Dr. Pedrinho para as crianças não indígenas. O trajeto da escola até a localidade<br />
de Alto Rio Forcação, que faz divisa com a área indígena, quando havia uma ultrapassagem<br />
de um ônibus pelo outro, as crianças atiravam objetos como pedras e outros materiais nos<br />
ônibus. Este fato ocorreu duas vezes. Quando a direção foi comunicada, tomou a seguinte<br />
decisão: chamou, inicialmente, as crianças não-indígenas e colocou a situação dizendo a eles<br />
que os problemas existentes entre eles eram de conhecimento de todos, mas que se tornaria<br />
mais difícil se não conseguissem manter a calma.
Por ocasião desta situação, a direção da Escola de Educação Básica Frei Lucínio<br />
Korte, tentou junto ao grupo de alunos, fazer com que percebessem que o medo e a angústia<br />
pelos fatos que estavam ocorrendo, também estavam recaindo sobre as crianças indígenas.<br />
Assim, procedeu-se com as crianças indígenas, conseguindo dirimir estes problemas na saída<br />
da escola. As atividades escolares continuavam seus processos normais, mas estava sempre<br />
presente a insegurança perante as notícias que surgiam a cada dia. Assim, uma disputa antiga<br />
de posse de terras, envolvendo o povo Xokleng e os agricultores da região, vinha cada vez<br />
mais tornando as relações dentro da escola numa “panela de pressão”. Quer dizer, a qualquer<br />
momento se esperava um conflito de maiores proporções, dentro da escola ou nos seus<br />
arredores.<br />
Além das preocupações relacionadas aos fatos que aconteciam entre os colonos e os<br />
índios, os profissionais da educação sentiam a necessidade de rever o currículo da escola.<br />
Apesar de todos esses problemas, conseguiu-se terminar o ano letivo de 2000. Neste<br />
mesmo ano, ocorreu a transição de cargo. Esta pesquisadora, que estava na direção deste<br />
educandário, foi convidada para iniciar um trabalho junto à Secretaria Municipal de Educação<br />
de Dr. Pedrinho, dando lugar a outra profissional que já trabalhava nesta escola.<br />
O ano letivo de 2001 se inicia sem problemas. Como todo início de ano, todos estão<br />
animados para realizar um bom trabalho junto a seus educandos. As crianças da Comunidade<br />
Indígena retornam ao educandário com o transporte que é cedido pela FUNAI por intermédio<br />
do contrato firmado com a empresa Presidente.<br />
O número de alunos neste ano era de 47 matriculados, sendo deste número, sete<br />
foram transferidos para outras escolas já no início do ano. Estes alunos estavam distribuídos<br />
entre os Ensinos Fundamental e Médio. As atividades transcorriam “normalmente” até que,<br />
em uma manhã, no horário do recreio, iniciou-se um bate-boca entre as crianças na escola<br />
culminando em agressões físicas. A direção e serventes precisaram intervir juntamente com a<br />
polícia para conseguir acalmar os ânimos.<br />
Com este último acontecimento toda a comunidade começou a exigir da escola<br />
explicações sobre o ocorrido. Muitas ligações de pais, reuniões extraordinárias constantes<br />
com a presença de autoridades e membros da comunidade indígena e professores. Enfim,<br />
criou-se um clima de tensão não só dentro da escola, mas entre as comunidades indígenas e<br />
não-indígenas. Sem contar que apesar de tudo havia sempre os comentários especulativos de<br />
pessoas que não viviam a situação.
Diante destes fatos, a comunidade indígena, numa atitude para evitar<br />
desdobramentos mais graves, decidiu retirar as crianças do convívio do educandário em pleno<br />
4º bimestre (final de 2001) e levá-los para a escola na própria aldeia.<br />
Estas são as palavras de uma das profissionais que lecionava neste educandário e<br />
vivenciou toda a transição das crianças da escola do centro da cidade de Dr. Pedrinho para a<br />
Comunidade Indígena: “Neste período [em que estavam na escola da cidade] não houve ação<br />
mínima para atendê-los de forma diferenciada, pelo menos com a língua Xokleng, sempre<br />
tiveram atendimento igual do que os outros alunos. Tinha-se a velha visão que ‘aqui todos<br />
são tratados de forma igualitária’. Tudo bem até a questão no que se trata – somos todos<br />
seres humanos e dotados de inteligência. Mas não se pensava e ainda pensam num<br />
tratamento diferenciado de acordo com determinada cultura. Como se não bastasse estar<br />
num lugar onde não tem nada a ver com sua casa, nada confortável e ninguém a entender;<br />
havia um grande obstáculo que viria despertar com o tempo pequenos e grandes<br />
desentendimentos entre etnias diferentes e com metas que iriam rasurar um o espaço do<br />
outro. O jeito de ser e ver as coisas e as pessoas? Sim. A forma de resolver certos problemas?<br />
Creio que esta última é a que mais pesou”.<br />
Quando a profissional diz: “[...] tiveram atendimento igual do que os outros alunos”<br />
nos remetem à questão curricular nas escolas. Observa-se que em muitas escolas, a idéia de<br />
“sermos iguais” traz a sensação de estarmos entrando em uma máquina, onde após passar por<br />
vários processos [séries e normas], no final, todos deverão estar moldados conforme a<br />
“filosofia” que a escola propõe. Para que possamos mudar este quadro, o qual ainda mantém-<br />
se vivo nas escolas, mesmo que velado, vê-se a necessidade de reformular o currículo escolar.<br />
Trabalhar com um currículo voltado para as diferentes culturas ali apresentadas torna-se cada<br />
vez mais urgente, pois, o currículo escolar deve permear não somente o que ali se encontra,<br />
mas estar aberta para as mudanças que possam vir a ocorrer no transcorrer do processo<br />
educacional. Cabe aqui salientar a importância do PPP – Projeto Político Pedagógico – que<br />
traz em seu núcleo o sentido de transitar nas diversas linhas de trabalho, objetivando cultivar e<br />
conhecer as culturas e dando abertura para a criatividade, criticidade e autonomia a<br />
professores, pais e alunos. Assim, poderemos quiçá, desmistificar a idéia de que somos todos<br />
iguais, no âmbito educacional e social, percebendo que as diferenças devem ser respeitadas e<br />
entendidas como peça importante para a convivência e crescimento de cada indivíduo.<br />
Diante disto, passamos a apresentar um pouco do que o povo indígena fez e faz para<br />
transformar uma sala de aula e um galpão num ambiente que possa acolher dignamente alunos<br />
de várias séries.
2.4 A ESCOLA NA COMUNIDADE INDÍGENA.<br />
A Escola Indígena de Educação Fundamental Vanhecú Patté localiza-se em um dos<br />
pontos mais elevados da comunidade, a visão é privilegiada. Até o ano de 2001 possuía<br />
apenas uma sala de aula, um galpão, uma cozinha e dois banheiros (um masculino e um<br />
feminino).<br />
Foto 02 – Dependências da Escola na chegada das crianças sala e galpão.<br />
Fonte: Acervo escola<br />
Como o espaço da escola era precário, buscaram-se várias maneiras para amenizar<br />
as deficiências relacionadas ao espaço físico e às necessidades pedagógicas. Mesmo que suas<br />
crianças tivessem sido transferidas abruptamente de uma escola cujos conteúdos não eram<br />
adequados a sua realidade, este povo buscou ajuda inicialmente de professores não-indígenas,<br />
por não possuírem professores indígenas formados até aquele momento.<br />
Vários esforços foram empreendidos pela Comunidade Indígena e Gerência<br />
Regional de Educação. Esta incumbiu profissionais da Escola Educação Básica Frei Lucínio<br />
Korte a darem continuidade às atividades curriculares com o grupo que agora estava<br />
estudando em uma sala de aula e onde estavam reunidas todas as turmas de 5ª à 8ª séries.<br />
Neste momento, as profissionais que foram realizar os trabalhos na comunidade indígena
Xokleng, tiveram que dividir-se, pois, como afirma uma das profissionais: “Desse instante<br />
em diante, começamos a (re) organizar nossas vidas profissionais, pois além de ter este<br />
desafio, tínhamos que continuar com as crianças e jovens que continuavam na escola do<br />
centro. Dessa maneira continuamos a preparar as aulas dos alunos de Doutor Pedrinho<br />
normalmente seguindo nosso planejamento. Já a turma que estava nos aguardando na<br />
Comunidade Indígena necessitava de um planejamento especial, pois todos os alunos<br />
estariam numa única sala sem condições de dividi-los em turmas [séries]” (S.M. 26 anos).<br />
As professoras foram recebidas pelos alunos e autoridades indígenas com muito<br />
respeito. Os olhares de algumas pessoas, da Comunidade Bugio eram curiosos, pois as<br />
profissionais que ali se encontravam eram de origem italiana e alemã. No dia em que as<br />
profissionais chegaram à escola, lideranças e pais disseram às professoras: “precisamos<br />
preparar nossas crianças para que elas sejam as futuras lideranças e desenvolvam nossa<br />
Aldeia”.<br />
Com esta fala, percebe-se que a escola, na Comunidade, passa a ser como um celeiro<br />
de lideranças: num espaço onde as atividades realizadas estavam voltadas para a formação de<br />
líderes comunitários e futuros caciques. Para tanto, observa-se aqui o sentido político que a<br />
escola tem para este povo. O sentido político não voltado para questões partidárias, mas para a<br />
busca de melhores condições de vida para seu povo junto à esfera governamental. Seu<br />
pensamento é voltado para a igualdade de direitos, sejam índios ou não-índios, dentro do<br />
modelo que o não-índio criou em sua sociedade.<br />
Como nos diz o ex-cacique Sr. J.A.: “Não fomos nós que fizemos as leis, foram os<br />
não-índios. Nós só estamos usando o que eles mesmos nos deram – a lei”.<br />
Observa-se ainda a idéia de futuridade que está ligada à de conhecer. É preciso<br />
conhecer para se obter melhores condições sociais, econômicas e políticas. Falarmos de<br />
futuridade é falar sobre uma “qualidade de coisa futura; tempo ou acontecimento futuro”.<br />
Assim, a escola passa a ser uma possibilidade para um futuro melhor.<br />
Desta maneira, as duas professoras da Escola de Educação Básica Frei Lucínio<br />
Korte, prepararam um projeto interdisciplinar para ser aplicado para atingir as metas de<br />
conteúdos básicos de término de ano. Estas foram assessoradas por outros educadores e<br />
implantaram um projeto que funcionou não só em um mês e meio, mas até hoje se colhem<br />
frutos. Um fato interessante foi o de as crianças indígenas solicitarem a presença destas duas<br />
professoras para realizarem este trabalho na escola da área indígena. Assim, relata uma das<br />
profissionais:
“No início tudo era duvidoso, pois foi algo inesperado e para mim foi da noite para<br />
o dia. O que fazer? Como tratá-los? O que falar aos pais e as crianças? Que projetos<br />
desenvolver? Tivemos apenas três dias para organizarmos o primeiro projeto.Como tudo<br />
aconteceu no 4º bimestre, precisamos fazer um mini-projeto que envolvesse conteúdos finais.<br />
Isto sem conhecer a comunidade. Ao chegarmos à Comunidade Indígena o primeiro contato<br />
me evidenciou algo totalmente diferente. Percebi que o projeto deveria ser bem mais do que<br />
uma forma de ‘não deixar os alunos perderem o ano’. Deveríamos, antes de tudo, trabalhar a<br />
auto-estima que estava muito abalada” (J.F. 25 anos).<br />
As professoras, vendo a situação em que se encontravam as crianças, deixaram de<br />
lado o projeto onde evidenciava a questão do meio-ambiente e iniciaram um trabalho voltado<br />
para o resgate da auto-estima do grupo. Nesta busca, observou-se que a escola passa também<br />
a ter outro sentido: a construtora de sonhos das crianças e dos membros da comunidade. Falar<br />
de escola é sempre uma felicidade para os educandos:<br />
“Sim, porque aqui a gente se entende por sermos índios. E a escola aqui é melhor<br />
para nós” (A. N. P. - 19 anos).<br />
“A escola tem uma representação muito forte” (I.W.W. 20 anos).<br />
O trabalho foi árduo, mas, recebendo o apoio da comunidade indígena, professores e<br />
alunos conseguiram criar meios para revitalizar sua cultura e identidade.<br />
Entre os anos de 2002 e 2003, muitos avanços ocorreram como a construção de duas<br />
novas salas de aula e o ingresso de novos alunos, pois, esta escola passou a atender alunos do<br />
Ensino Fundamental e Médio, sendo uma extensão da Escola de Educação Fundamental<br />
Professor João Bonelli, perfazendo um total de 100 alunos.<br />
Com a ampliação, as crianças conseguiram mais espaço para seus estudos e os<br />
professores ficaram mais animados e passaram a partir destas pequenas vitórias a expressarem<br />
suas opiniões. A escola, neste instante, toma mais um sentido para a comunidade: o de ser a<br />
formadora de opiniões, pois os mais variados assuntos são debatidos neste espaço. Com isto,<br />
passam a reestruturar suas idéias e visualizar mudanças, tais como: construir um jardim em<br />
frente à escola, cercar todo o terreno e limpar o terreno logo abaixo da escola para a<br />
construção da Casa da Cultura, construção que ainda hoje aguarda por verbas.
Foto 03 – Local onde será construída a casa da cultura.<br />
Fonte: Acervo da escola<br />
Outra benfeitoria que a comunidade escolar mostra com orgulho a todos que ali<br />
chegam é sua horta escolar. Em conjunto com o Clube da Árvore, são ali plantados produtos<br />
que servem para a alimentação das crianças durante a merenda, pois se observou por meio de<br />
conversas realizadas com os pais das crianças, que poucas possuíam uma alimentação rica em<br />
verduras. Assim, iniciou-se um trabalho de formação da horta escolar.<br />
Foto 04 – Visualização da Horta Escolar, cuja responsabilidade por sua manutenção é das<br />
crianças.
A manutenção desta horta é realizada pelas crianças e pais, conseguindo assim<br />
mantê-la limpa e com verduras praticamente o ano todo.<br />
Outra vitória desta comunidade escolar foi a inserção do Ensino Médio, pelo fato de<br />
não existir transporte escolar para que estes alunos pudessem continuar seus estudos. Após<br />
reunião envolvendo lideranças da comunidade, professores e Secretaria da Educação ficou<br />
decidido que, em menos de trinta dias, estariam sendo iniciadas às aulas no Ensino Médio.<br />
Isto passa a acontecer no dia 14 de abril de 2003, no período noturno, contando com 13<br />
alunos, com faixa etária de 14 a 27 anos.<br />
A partir de maio de 2003, o NAES – Núcleo Avançado de Ensino de Dr. Pedrinho -<br />
em parceria com o município de José Boiteux, começou a atender nas quartas-feiras na<br />
Escola Indígena de Ensino Fundamental Vanhecú Patté<br />
Em visita à Comunidade Indígena, por ocasião da inauguração das duas salas de<br />
aula, um dos alunos, que conviveu na escola do centro da cidade indagou timidamente a esta<br />
pesquisadora: “Como está à escola lá embaixo?” [centro de Dr. Pedrinho]. Em resposta, ele<br />
obteve que estava tudo como era antes.<br />
Assim, o menino baixou a cabeça e completou: “A única coisa que me dá saudades<br />
da escola são os amigos que deixei lá e dos professores” (F. P. 16 anos).<br />
Com estas palavras, observou-se que por melhor que estivessem na sua escola, em sua<br />
comunidade, a falta do outro também estava presente.<br />
Um fato que para muitos pode ter sido algo corriqueiro deixou para as crianças,<br />
tanto indígenas como não-indígenas, marcas profundas, fazendo com que se perdesse um<br />
momento de riqueza incontestável, onde culturas deixaram de serem conhecidas e<br />
enriquecidas.
Foto 05 – Ampliação de duas novas salas e o jardim feito pelas crianças e comunidade.<br />
De acordo com dados obtidos com a Diretora S. D. U. F. , a escola possuía no ano<br />
de 2004, (140) cento e quarenta alunos divididos entre o Ensino Fundamental e Médio,<br />
conforme tabela abaixo:<br />
Tabela 03 – Número de alunos por série - 2004<br />
ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO MÉDIO<br />
1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 1ª 2ª 3ª Total<br />
16 20 15 10 14 12 11 14 05 11 01 140<br />
Em visita realizada em março de 2005, as informações relacionadas às matrículas<br />
deste ano (2005), davam notícias de um decréscimo no número de alunos, conforme tabela<br />
abaixo.<br />
Tabela 04 – Número de alunos por série - 2005<br />
ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO MÉDIO<br />
1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 1ª 2ª 3ª Total<br />
13 17 21 08 12 12 08 09 11 05 09 125
A causa destas baixas está relacionada a transferências de famílias para outros<br />
municípios como Blumenau, José Boiteux e para a Escola Laklanô, que fica na Aldeia Sede.<br />
Para a diretora da escola e para as mães, a falta de trabalho na Comunidade ocasiona<br />
este declínio de matrículas. “Os jovens estão buscando, fora da área indígena, condições de<br />
trabalho; mas acabam por necessidade e falta de oportunidade, trabalhando no mato para a<br />
obtenção de alimentos, deixando o sonho de estudar e se “formar”, como eles mesmos<br />
dizem, para trás”.<br />
Desta forma, mesmo que a escola mantenha-se como celeiro de lideranças,<br />
formadora de opiniões, faz com que os sonhos de muitos sejam adiados, deixando junto aos<br />
pais, professores e lideranças, a preocupação de manter a escola viva na comunidade.<br />
Mesmo diante das dificuldades, o povo colhe algumas vitórias. Dentre elas está a<br />
escola, que possui hoje seis salas de aula, uma secretaria, galpão, quatro banheiros e cozinha.<br />
Foto 06 – Vista da nova ala construída nos anos de 2004/2005.<br />
Fonte: Acervo da pesquisadora.<br />
Se, inicialmente, a educação escolar foi catequização, domesticação e imposição da<br />
cultura e dos valores do não-índio sobre os índios, isso passa a mudar ao longo do tempo. A<br />
aquisição dos conhecimentos escolares passa a ser uma necessidade dos índios. É preciso<br />
conhecer e compreender “a vida dos brancos” e, então, assim saber lidar com eles. É preciso<br />
aprender sua língua e como eles pensam. É preciso conhecer a lei para usá-la em seu favor. É
preciso eleger candidatos da Aldeia para possuírem voz e vez. É preciso conhecer cada vez<br />
mais. Mas não basta apenas conhecer. A escola passa a ter, então, outros sentidos para este<br />
povo.
3 RECONHECER<br />
3.1 O LUGAR DA ESCOLA<br />
A história dos índios não começa com a presença da instituição escolar em suas<br />
vidas. Esta é trazida pelo contato com o colonizador. Conforme Nascimento (2004, p. 33)<br />
este contato teve objetivos explícitos de catequização, de preparação para o trabalho, de<br />
integração, de assimilação e, mais contemporaneamente, de interculturalidade. Assim sendo,<br />
uma pergunta guiará à escrita deste capítulo: Por que a escola mesmo tendo sido instituída<br />
pelo não-índio, passa a ser tão importante para o povo Xokleng?<br />
Para responder tal questão, é preciso averiguar o que os índios pensam sobre a<br />
escola, o que buscam nela e quais os sentidos que eles atribuem a ela. Para uma comunidade<br />
encravada em um espaço onde a miséria mistura-se com alguns resquícios de<br />
desenvolvimento, onde a aculturação faz-se presente, onde a casa de alvenaria encontra-se ao<br />
lado de casebres, onde a água potável é inexistente, o saneamento básico está longe de ser<br />
uma realidade, surge neste cenário, no topo de uma colina, um espaço muito bem cuidado: a<br />
escola. Chegando nesta Comunidade Indígena o que chama à atenção é o espaço que ela<br />
ocupa neste meio. Surgem então, outras perguntas tais como: Porque a necessidade de escola<br />
para este povo indígena? O que os leva a enfrentar tantos desafios para manter esta<br />
instituição?<br />
Para o povo Laklanõ, como gostam de serem chamados, a escola surge como o<br />
coração da comunidade. Tudo passa pela escola. O dia-a-dia da comunidade confunde-se com<br />
as atividades escolares. Reuniões, bate-papo, encontro de pais, professores e alunos ocorrem<br />
diariamente naquele espaço.<br />
A escola não permanece somente imponente sob a colina, mas percebe-se pulsar no<br />
compasso das necessidades que envolvem a Comunidade Indígena Xokleng. Mas, isso só é<br />
possível por causa dos corações que lá pulsam também.
3.2 PROFESSORES, QUEM FORAM E QUEM SÃO ELES?<br />
A partir de agora este trabalho trará um pouco mais da história da Escola Indígena<br />
de Educação Fundamental Vanhecú Patté, não em seu lado físico, não, mas nas pessoas que<br />
por ali passaram e que de uma maneira ou de outra deixaram sua marca e a questão do<br />
surgimento de trabalhos voltados para a elaboração e execução de uma proposta de educação<br />
indígena. As mudanças frente à questão educacional indígena dão início com a promulgação<br />
da Constituição Federal em 1988. Em seu artigo 210 são asseguradas as comunidades<br />
indígenas o direito ao ensino fundamental regular, o uso da língua materna e processo de<br />
aprendizagem própria.<br />
Observa-se que somente em 1991, ocorrem mudanças com relação ao apresentado<br />
na Constituição Federal. A partir do Decreto Federal nº 26 de 04/02/91 e da Portaria<br />
Interministerial nº 559 de 01/04/91, é atribuído ao Ministério da Educação e às Secretarias<br />
Estaduais e Municipais de Educação a responsabilidade de elaborar e executar uma proposta<br />
de educação indígena e da efetivação dos Núcleos de Educação escolar Indígena – NEIs.<br />
No estado de Santa Catarina, as discussões com referencia a educação escolar<br />
indígena passam a ocorrer com a constituição da uma Comissão Estadual de Educação<br />
Indígena na Secretaria de Estado da Educação e do Desporto, em 1993, através da Portaria<br />
P6207/93.<br />
Conforme FERRI (2000, p. 28): “A discussão de caráter mais amplo e com enfoques<br />
antropológicos e lingüísticos vinham sendo feitas desde 1986, quando se realizou o I Encontro<br />
Estadual de Educação Escolar Indígena, principalmente nas Universidades, porém com<br />
envolvimento incipiente da Secretaria Estadual de Educação. A necessidade de<br />
posicionamento, em função dos acontecimentos e exigências a nível nacional, impõe a<br />
Secretaria de Estado de Educação, através da Diretoria de Ensino Fundamental e Médio, a<br />
publicação de um documento básico, em 1993, que dispunha as diretrizes gerais da Educação<br />
Indígena para o sistema estadual de educação.” E complementa: “as Diretrizes Básicas do<br />
documento encaminhavam, itens importantes como dotação orçamentária para prover ações e<br />
as condições de funcionamento destas unidades escolares, a formação de professores<br />
indígenas, a questão do currículo e conteúdos a serem trabalhados por estas escolas, a<br />
necessidade de material didático-pedagógico, criação de acervos culturais das comunidades<br />
indígenas dentre outras” (FERRI, 2000, p. 28).
Já em 1995, faz-se a implementação e organização do que seria o NEI – Núcleo de<br />
Educação Indígena do Estado de Santa Catarina, com a elaboração de um projeto que<br />
justificava a necessidade da criação do NEI, sendo que no estado encontravam-se 19 escolas<br />
em quatro áreas indígenas. Outro fator é o de que “predominava nas escolas um modelo de<br />
educação para não-índios, servindo como espaço de aculturação e descaracterização das<br />
diversas etnias” (SANTA CATARINA, 1995, p.1). O projeto tem como objetivo geral,<br />
conforme FERRI (2000) a proposição de diretrizes educacionais e a execução de ações com<br />
vistas à efetivação de uma proposta de educação que contemplasse o sistema educacional da<br />
sociedade envolvente, preservando as culturas e tradições das comunidades indígenas no<br />
Estado e Santa Catarina.<br />
Nos anos seguintes, (1996-1999) muitas foram as ações desencadeadas e metas<br />
traçadas pelo NEI/SC, dentre elas estão:<br />
• A oficialização do Núcleo de Educação Indígena com a portaria E/414/1996.<br />
• Em 09 de abril de 1997, é aprovado o Regimento Interno do Núcleo de Educação<br />
Indígena.<br />
• Metas traçadas para o ano de 1997 enfocando a capacitação para professores;<br />
discussão de currículo diferenciado; assessoramento aos professores a nível<br />
regional através de reuniões pedagógicas; acompanhamento ás unidades<br />
escolares de maneira sistemática.<br />
• Realização de cursos de capacitação.<br />
• Elaboração de um documento básico para a Proposta Curricular do Estado de<br />
Santa Catarina – enfocando o currículo intercultural, bilíngüe e diferenciado para<br />
as escolas indígenas.<br />
• Realizou-se em Florianópolis, o I Fórum de Debates sobre Educação escolar<br />
Indígena, com a participação dos Estados do Paraná e Rio Grande do Sul.<br />
• Em 1998, foram previstos cursos de capacitação para professores; cursos de<br />
Formação em regime de suplência de 5ª a 8ª série, com qualificação para o<br />
Magistério e, também, em regime espacial, o curso de Ensino Médio de<br />
Habilitação para o Magistério.<br />
• Reuniões regionais com participação das lideranças, professores e comunidade.<br />
• No ano de 1999, elaboração de material didático específico e discussões<br />
curriculares passam a ocorrer.
• Inicia-se o curso de Magistério específico para formação de professores<br />
Kaingang e Xokleng.<br />
Como já mencionado anteriormente, a escola surge para o povo Xokleng na década<br />
de 1940, na aldeia Sede. Para a Comunidade Bugio – existente dentro da Reserva Indígena<br />
Duque de Caxias – as atividades escolares dão início a partir da década de 1970, com a<br />
construção da Barragem Norte, a qual fez com que a comunidade indígena buscasse outro<br />
espaço para reconstruir suas casas.<br />
Nesta escola passaram vários professores sendo que o primeiro foi o Sr. Olímpio da<br />
Silva Nunfoorô. Ele não cobrava nada pelas aulas dadas e lecionava para 44 alunos numa sala<br />
de aproximadamente 24 metros quadrados (6mx4m). Sua formação era primária, e foi<br />
ministrada pelo antigo “Mestre Polonês”. Com o decorrer do processo passaram por esta<br />
escola professores como: Milca Vaica Patté, Rosangela Maria Nunes, Natalina Vergueiro,<br />
Enilda Gerônimo e Zilda Priprá. Até o ano de 2001, a escola possuía alunos na faixa etária<br />
entre 06 a 10 anos, atendidos pelos professores Sandra Denise Uber Farias e Eriti Weitchá que<br />
lecionavam de 1ª à 4ª séries. Este último já participando das reuniões que tratavam do<br />
currículo, junto aos grupos de professores indígenas.<br />
No final de 2001, a escola começa a receber crianças de 11 a 19 anos em níveis de 5ª<br />
a 8ª séries regidas pelas professoras Juliana Frainer, Simone Maas, Ladir Willrich, Mayumi<br />
Maeda Hassler e Josete Teresinha Kunik Uber. Estas profissionais possuem formação<br />
acadêmica dentro das seguintes áreas: Pedagogia, habilitação Séries Inicias e Educação<br />
Infantil; Matemática, Língua Portuguesa e Inglesa. As mesmas pertencem ao quadro efetivo<br />
do Estado. Com a chegada destas profissionais à Escola de Educação Indígena Wanhecú<br />
Patté, passam a participar ativamente, junto com os demais professores, dos cursos oferecidos<br />
pelas Secretarias Municipais e Estaduais com relação à educação indígena, pois as mesmas<br />
não possuíam conhecimento das diretrizes básicas educacionais.
Foto 07 - Atividades Realizadas em Cursos de Preparação com Professores Indígenas e não-Indígenas<br />
– 2001 a 2003<br />
Em 2003, as professoras Ana Pabla Andreatta, Miriam Priprá, Nadia Kari Paludo,<br />
Otávia Mattiola, Alfredo Patté e Vânia Konell passam a auxiliar os trabalhos agora no Ensino<br />
Médio. A formação destas profissionais fica assim delineada: (04) quatro professores estavam<br />
cursando Pedagogia, habilitação: Séries Iniciais e (02) dois participavam de curso de Ensino<br />
Médio de Habilitação para o Magistério.<br />
No ano de 2005, o quadro de professores é de (13) treze profissionais, sendo eles:<br />
Oséias Patté, Isaías Weitchá, Ilsa Priprá, Fernando Moconã Reis, João Priprá, Congo Ndilli,<br />
Jonilto Krendô, Moacir dos Santos Gonçalves, Walderes Almeida, Miriam Priprá, Alcionete<br />
Almeida, Sandra Denise Uber Farias e Rodrigo Pinto Reis. Estes dois últimos na função de<br />
Diretora e de Secretário da Escola respectivamente. A formação desses profissionais fica<br />
assim delineada: (05) cinco possuem o Ensino Médio completo; (02) dois possuem o Ensino<br />
Fundamental; (05) cinco possuem o Magistério Diferenciado e (01) um cursou Pedagogia por<br />
um ano. Todos buscam participar ativamente dos cursos oferecidos pelas Secretarias<br />
Municipais e Estaduais, para manterem-se informados sobre as mudanças que podem ser<br />
implementadas na escola e na comunidade.<br />
Os profissionais que hoje atuam na Escola Indígena de Educação Fundamental<br />
Vanhecú Patté são todos índios. A exceção é a professora Sandra Denise Uber Farias que já<br />
lecionava neste estabelecimento quando da chegada das crianças. Com referência a isto,<br />
observou-se durante a pesquisa que a mesma mantém junto a este grupo ligações muito fortes.<br />
Sendo questionada sobre a possibilidade de sair deste espaço e voltar à convivência com os<br />
não-índios, a mesma diz:<br />
“Depois de tantos anos aqui, eu já me sinto índia. Porque se hoje chegassem os<br />
meus pais, irmãos, parentes e me dissessem para voltar para Dr. Pedrinho, porque aqui é
distante de tudo e todos, eu diria que não. Muito Obrigada. Poderiam me oferecer de tudo eu<br />
não iria. Eu quero viver os últimos anos de minha vida aqui. Hoje estou com 40 anos, mas<br />
jamais pensaria em sair daqui. Porque este lugar aqui me trouxe muita paz. Aqui eu aprendi<br />
a ter amor pelas pessoas, pelas crianças, pelos adultos, idosos, eles me tratam muito bem.<br />
Trabalho há dezessete anos aqui como professora”.<br />
Outros exemplos podem ser dados de pessoas que trabalham nessa escola e<br />
enriquecem esse ambiente. O grupo é diversificado na questão etária, existem professores que<br />
possuem mais anos de vida, como a senhora Kundin, mulher de força, que trabalhou no ano<br />
de 2004 com Arte Diferenciada e também é membro da comunidade indígena.<br />
Dona Kundin é como gosta de ser chamada. Esta senhora questionou esta<br />
pesquisadora com um olhar bem desafiador: “O que um branco vem fazer aqui na<br />
comunidade, querendo saber o que é ser índio, se preocupar conosco, sabendo que os<br />
brancos lá de fora não gostam muito da gente?”.<br />
Ela obteve como resposta que nem todos têm esta idéia de que o índio é ruim.<br />
Alguns sabem das dificuldades que eles estão enfrentando e os que dizem não gostar é<br />
porque, muitas vezes, não conhecem a realidade em que eles vivem. Ditas estas palavras, a<br />
mesma permaneceu alguns minutos em silêncio, esboçou um sorriso e concedeu a entrevista.<br />
Esta senhora que primeiro fez a entrevista antes de ser entrevistada chama-se<br />
Kundin Ndilli, 54 anos. Traços fortes no rosto mostram os sofrimentos já vividos. Possui um<br />
ar de inocência, mas também é forte em suas afirmações. Ficava feliz quando dizia ter sido<br />
convidada pela comunidade para dar aulas de Arte Diferenciada. Quando indagada sobre<br />
como iniciou suas atividades na escola a mesma relatou:<br />
“Eu nunca havia pensado em trabalhar. Então meu pai me disse que eu deveria<br />
aprender a fazer ártica [arte]. ‘Mas como? ’ - eu disse a ele - se o pai nunca me ensinou.<br />
Mas aí ele começou a me ensinar, fez arco, chocaia [chocalho] e até que a Sandra (Diretora)<br />
me convidou para trabalhar aqui na escola. Mas a questionei: ‘em que vou trabalhar? Por<br />
que eu não sei ler, só um pouco’. Ela disse que iria trabalhar com arte; explicou que iria<br />
trabalhar na cabana fazendo arco, flecha, chocalho. Fiquei de dar resposta para ela. Depois<br />
de um tempo disse que sim e comecei a trabalhar. Faço corda para por na lança, cocau,<br />
[cocar] e faço com as crianças”.
Observa-se na fala desta senhora que se perceber como alguém atuante na<br />
comunidade é de grande importância. Ela diz que os trabalhos não são realizados<br />
individualmente, mas sempre no coletivo. Quanto ao seu trabalho, esta demonstra que o<br />
aprendizado obtido junto a seu pai foi de vital importância para hoje repassar às crianças.<br />
Dona Kundin, diz ainda, que para as crianças aprenderem “as peças eu faço em casa e trago<br />
para as crianças verem. Elas ouvem a explicação e vão fazendo e se ajudando”. Sua<br />
preocupação com o trabalho é bem presente. Dedicada, conta como faz seus cestos que não<br />
vazam água. Via-se o brilho nos olhos desta senhora ao falar de seu trabalho. Questionada<br />
sobre a relação entre o trabalho realizado e a manutenção da cultura indígena a mesma<br />
afirma:<br />
“Sim. Estamos fazendo isto para não acabar; porque as crianças não sabem fazer<br />
estas coisas. Nem meus filhos não sabem. Mas quando meu marido começou a fazer, todos se<br />
interessaram e estão fazendo estes materiais. Em casa eu tenho bastante, até pra vender. Os<br />
outros professores não sabem tudo, aí eu ensino para eles. Este cesto é como um copo dá<br />
para tomar água nele. Sabe por quê? Eu uso uma cera não dessa abelha, é de uma abelha do<br />
mato”.<br />
Pode-se observar que o ensinamento dos mais velhos vem auxiliar o resgate da<br />
cultura e o aprendizado dos mais jovens. A construção de uma prática pedagógica voltada<br />
para as experiências, não deixando que as atividades sejam individualizadas, reforça o que<br />
Ferri (2000, p. 156) afirma sobre os trabalhos em grupo e a preocupação junto aos<br />
professores: “A ação individualizada de sala de aula contraria o modo de agir das<br />
comunidades indígenas em suas tarefas cotidianas. Este é um desafio para os cursos de<br />
formação de professores: superar a crença de que a aprendizagem escolar é uma ação<br />
individual”.<br />
Referente à fala de Dona Kundin observa-se que esta se mantém preocupada em<br />
como trabalhar com estas crianças. A mesma por não possuir curso de magistério ou superior<br />
foi acometida de certa insegurança, a qual foi dissipada quando os seus valores e o seu<br />
trabalho foram visto como importante para a continuidade da cultura artesanal Xokleng.<br />
A entrevista foi permeada de momentos de fortes emoções, quando ela, por<br />
exemplo, falou do Sr. Eduardo que lhe deu a certidão de nascimento, dizendo ele que aquele<br />
documento era para ser guardado como o coração dela. Este Eduardo, ao qual ela se refere,<br />
foi o pacificador. Ao recordar de sua família, a mesma deixou as lágrimas caírem, revelando a<br />
saudade de um passado cujas lembranças são ainda marcantes.
Histórias de vida como a de Dona Kundin se repetem nesta Comunidade. As<br />
valorizações empreendidas pelos professores desta escola mostram que o ser humano, seja<br />
ele, jovem ou idoso, possui suas riquezas e que estas devem ser valorizadas.<br />
Outro exemplo de apoio à escola é o de Vitor Juvei. Sua idade 25 anos. Este jovem<br />
auxilia na busca dos materiais na mata. Ele é conhecido como “coletor de sementes”. Embora<br />
honrado em estar participando de uma pesquisa, inicialmente, sentiu-se preocupado em<br />
encontrar palavras para formar suas frases, mas logo se deixou levar pelo desejo de falar sobre<br />
sua participação na escola:<br />
“Estou fazendo isto porque já perdemos muito de nossa cultura. Em meu trabalho,<br />
eu também estou ensinando às crianças a fazerem artesanato que é a nossa cultura”.<br />
Estando sozinho na tarefa de coletar as sementes e demais materiais para as aulas de<br />
artes, sua fala vem carregada de respeito à tradição e de orgulho de fazer parte do quadro de<br />
profissionais da educação: “Minha função é a de ser o coletor. Eu busco o material no mato.<br />
Quando chego, outros professores utilizam-se destes materiais e juntos trabalhamos com as<br />
crianças”.<br />
Nestas suas andanças pela mata, o “coletor de sementes” observa e relata que o<br />
material utilizado para as aulas de Arte Diferenciada está começando a desaparecer,<br />
principalmente a “imbira”: “O material está diminuindo. Porque tem material que quando<br />
retirado a planta morre. Por exemplo, a imbira, a gente tira a casca, daí não tem como<br />
agüentar. Ela fica só no pau e morre”.<br />
Vê-se que o grupo de profissionais, já está preocupado com a escassez dos materiais<br />
e passam a utilizar materiais que em nossos dias não eram utilizados como a urtiga, que serve<br />
para a fabricação de cobertores. Buscar a diversificação dos materiais é visto com bons olhos<br />
para eles, pois assim pode ocorrer a renovação destes, até agora utilizados sem uma prévia<br />
organização.<br />
Os profissionais mais jovens entre 16 a 19 anos, também demonstram seu amor,<br />
respeito e orgulho de estarem fazendo parte do quadro de profissionais desta escola. Sangue<br />
novo que traz consigo o desejo de revitalizar a cultura do povo Xokleng, não deixando que<br />
sua história seja esquecida. Assim, os profissionais que formam o quadro desta escola,<br />
buscam por intermédio de cursos oferecidos pela Gerência Regional de Educação o seu
aprimoramento. Os sonhos de muitos destes professores é o de cursarem a Universidade,<br />
dando assim continuidade aos seus objetivos.<br />
Observa-se que no quadro de professores a escola está sendo contemplada cada vez<br />
mais com profissionais índios. No início do processo, viu-se que os não-índios perfaziam o<br />
maior número, mas em 2005, este quadro inverteu-se. Há, apenas, 01 profissional não-<br />
indígena, conforme já mencionado.<br />
3.3 OS SENTIDOS DE ESCOLA PARA O POVO XOKLENG<br />
Nestes quatro anos de atividades com o Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série e três<br />
anos com o Ensino Médio, juntamente com o NAEs – Núcleo Avançado de Ensino, a Escola<br />
Indígena de Educação Fundamental Vanhecú Patté vem colhendo os frutos de um trabalho<br />
iniciado por professores não-índios mobilizados em torno de objetivos comuns como o de<br />
reabilitar a auto-estima das crianças e o de enfrentar as incertezas intermediadas pela<br />
compreensão e agora tem sua continuidade com professores da comunidade indígena (2001-<br />
2003).<br />
Ao ouvir cada professor, cada aluno e membros da comunidade indígena, observa-se<br />
que a escola tem, de maneira geral os seguintes sentidos para eles:<br />
• É a responsável em devolver a auto-estima deste povo, por intermédio de seus<br />
profissionais.<br />
• É um celeiro de lideranças. As atividades realizadas nesta Escola são voltadas<br />
para a formação de líderes comunitários e futuros Caciques.<br />
• É a construtora de sonhos e do conhecimento das crianças e membros da<br />
comunidade.<br />
• É o pulmão, ou como dizem “a menina dos olhos” da comunidade. Tudo gira em<br />
torno da Escola.<br />
• É a formadora de opiniões, pois os mais variados assuntos são debatidos neste<br />
espaço.<br />
• É o eixo norteador dos projetos de vida da comunidade. Os temas abordados são<br />
de conhecimento de todos, desde o aluno da 1ª série até o mais antigo membro<br />
da escola.
• É um espaço empreendedor. As mais variadas reuniões como cursos dentre<br />
outros, ocorrem na Escola.<br />
• É motivo de orgulho para a Comunidade Xokleng, pois a consideram “a<br />
melhor”.<br />
• É um auxílio no resgate cultural. Este resgate ocorre pela aprendizagem da<br />
língua materna e das artes fazendo uso de livros já publicados por este povo.<br />
• É um espaço em que se dá a construção e o reconhecimento da identidade deste<br />
povo.<br />
Para ilustrar o acima esboçado, têm-se a seguir algumas falas que revelam o que a<br />
escola vem a ser para cada um deles: “Tem um significado muito grande, principalmente aqui<br />
dentro para nós. Porque eu vi, no início, as crianças não davam valor, agora mesmo que<br />
estudem no período da manhã não deixam de dar uma voltinha no período da tarde. Se elas<br />
pudessem, ficariam o dia inteiro aqui na escola” (S.D.U.F.; 40 anos - Diretora).<br />
Nos diálogos empreendidos junto aos professores da comunidade escolar, vê-se<br />
presente um trabalho de auto-estima, em que vem sendo realizado desde as crianças do Ensino<br />
Fundamental, até o mais antigo membro da comunidade indígena.<br />
“Eu, como professora, ouço crianças dizendo: ‘Professora, eu não gosto de ser<br />
índio, porque eles ficam me abusando lá fora’. E eu digo a eles que devem ter o maior<br />
orgulho de ser índio. [Digam] Eu sou índio. Podem rir, debochar, mas eu tenho orgulho de<br />
ser índio. Vocês tem que dizer, eu sou índio, tenho sangue de índio. ‘Mas será professora?’ Aí<br />
eu digo: é assim sim”.<br />
A inculcação de outros valores, de outra cultura e de um modelo de homem ideal,<br />
que não é o de índio faz com que se sintam desvalorizados naquilo que são e, o índio passa a<br />
buscar assim, no não-índio a figura do homem perfeito, pois não se pode esquecer que como<br />
diz Nascimento (2004), o índio é um ser histórico-social cuja identidade é construída pelas<br />
mediações realizadas entre os diversos “mundos” de representações com os quais estabelece<br />
relações. São relações dominantes e/ou dominadas, mas todas elas mediadas por símbolos e<br />
signos que produzem conhecimentos, idéias, valores, atitudes, comportamentos,<br />
aprendizagem e hábitos.<br />
Outro sentido de escola que permeia as falas diz respeito à formação de lideranças:
“A escola considero uma das prioridades do povo, porque aprendemos muita coisa,<br />
passamos muitas coisas para nossos alunos que futuramente serão os futuros caciques. Serão<br />
as lideranças, serão os representantes do povo”. (Ex-cacique, Sr. João Adão, 52 anos).<br />
Os interesses pessoais e coletivos são percebidos em suas atitudes e falas, indicando<br />
a necessidade da melhoria para si e para os outros membros. O sentido político permeia a<br />
idéia formada pelo povo Xokleng sobre a escola. O que se pode salientar aqui é que cada<br />
criança ou membro da comunidade percebe que dentro da instituição escolar está a<br />
possibilidade de encontrar os meios possíveis para não serem mais vistos ou tratados como<br />
eles mesmo dizem “como antigamente”.<br />
série).<br />
– mãe).<br />
“Eu vejo a escola como uma coisa boa, que ajuda” (J..P.; 23 anos – Professor 1ª<br />
“É um meio de ensino que a gente tem. Uma chance a mais na vida” (S.R.; 31 anos<br />
Assim sendo, por meio de conversa realizada com estes alunos observa-se que a<br />
escola tem para eles o sentido de um espaço diferenciado, onde eles se reconhecem e a<br />
percebem como algo que ajuda. Este ajudar estaria relacionado com projetos de vida de cada<br />
membro da comunidade. O futuro encontra-se presente nas falas. Um futuro que mesmo<br />
sendo visualizado pelos alunos e comunidade, vem também com a preocupação de dar<br />
continuidade aos sonhos criados neste meio.<br />
“Meu futuro é de melhorar minhas condições, fazendo uma faculdade de medicina e<br />
voltar para a comunidade. Porque quando estudamos em Dr. Pedrinho, eu e meus colegas,<br />
conversávamos sobre nossos sonhos e eu disse que eu tinha um sonho o qual não posso dizer<br />
agora, mas se eu não conseguir realiza-lo eu sei bem o que posso fazer” (I.W.; 20 anos).<br />
Dentre estes jovens, há mães estudantes que além da preocupação em deixar um<br />
futuro seguro para seus filhos, sentem na pele as dificuldades de continuar com seus sonhos:<br />
“Eu particularmente tenho um objetivo. Quero estudar até me formar, para ser<br />
alguém na vida, e ver que valeu a pena todos os anos de estudo e dedicação. Apesar das<br />
dificuldades para se enfrentar uma universidade, tenho fé de que um dia ainda chego lá, pois<br />
eu amo estudar e sou apaixonada por tudo o que eu faço” (A. A. P.; 39 anos – aluna e mãe).
Para D. A., 49 anos, mãe e aluna, a escola veio como a realização de um sonho.<br />
Terminar seus estudos e assim conseguiu um trabalho na própria escola: “Para mim, a escola<br />
é muito importante. Porque é nela que aprendemos a ler e escrever. Aqui nós temos um modo<br />
diferente de educação e cultura. Encontramos muitos amigos. Eu hoje trabalho aqui nesta<br />
escola como merendeira e também sou mãe. Se eu não estivesse estudando eu não estaria<br />
trabalhando aqui”.<br />
Outra aluna, outro sonho: “Não pretendo parar por aqui não. Pretendo ser<br />
professora e o que eu conseguir vou fazer para não desistir dos meus estudos” (R.P.A.; 17<br />
anos, estudante).<br />
Todas as famílias contactadas deixam claro o desejo de manter as crianças na escola.<br />
Para essas famílias, um futuro melhor está em estudar para conseguir um bom trabalho e,<br />
assim, melhorar as condições de vida dos mesmos.<br />
Os sonhos vão crescendo na mente de cada jovem Xokleg quando pensam sobre o<br />
futuro. Para os alunos da 3ª Série do Ensino Médio, o seu desejo não está em terminar<br />
somente o Ensino Médio, mas em dar prosseguimento aos seus estudos. Para dez dos<br />
entrevistados todos querem dar continuidade aos seus estudos e retornar à comunidade para<br />
ajudar os que lá permaneceram. Na fala de A. P., observa-se esta vontade: “Pretendo<br />
continuar. Quero fazer faculdade e voltar aqui para a reserva ajudar os índios”.<br />
Outro ponto a ser ressaltado é a presença das famílias no ambiente escolar,<br />
denotando a preocupação e o desejo de ver seus filhos formados, fazendo com que as crianças<br />
também tenham seus desejos de formação profissional levados adiante. Surge assim, após o<br />
término dos estudos, o desejo de retornar à Comunidade Indígena, onde poderão auxiliar os<br />
que ali permaneceram, conseguindo utopicamente assim, diminuir as dificuldades vivenciadas<br />
por este povo.<br />
Nas entrevistas realizadas, os jovens que estão concluindo o Ensino Médio foram<br />
unânimes em salientar que irão cursar a universidade, mesmo que existam dificuldades<br />
financeiras. Surgindo assim, o desejo de retornarem a comunidade como: advogados,<br />
médicos, professores dentre outras profissões.<br />
Como nos afirma Zago (2003 p. 23-24):<br />
O reconhecimento da educação escolar como requisito básico para responder às<br />
exigências do mercado de trabalho e, sobretudo, como possibilidade de romper com<br />
as condições de pobreza familiar, é variável, colocada pelos pais de forma<br />
recorrente, independente das diferenças internas do grupo estudado.
Os desejos e sonhos são explícitos nas falas de cada um. Mas eles mesmos percebem<br />
que para alcançarem seus objetivos será necessário transpor muitas dificuldades. Essas<br />
dificuldades vêm sendo percebidas pelos membros da comunidade Xokleng. Como afirma<br />
uma das mães: “a escola aqui veio para nos ajudar, mas também criou um outro problema.<br />
Como nossos filhos vão continuar seus estudos. Não tem dinheiro... não sei o que fazer”<br />
(A.D.N. - 43 anos, mãe).<br />
Outra mãe, que possui filhos na escola, no Ensino Fundamental e Médio, expressa<br />
assim a sua preocupação: “A escola é muito boa. As crianças vêm para casa com muitos<br />
sonhos. Nossa preocupação é como dar continuidade a eles. Não temos dinheiro para levar<br />
adiante os estudos das crianças. E nós ficamos muito tristes porque sabemos que não será<br />
possível para todos continuarem os estudos”.<br />
Ora, vê-se nas oportunidades de acesso à universidade o resultado de uma seleção<br />
direta ou indireta, que ao longo da escolaridade, pesa com rigor desigual sobre os sujeitos das<br />
diferentes classes sociais (BOURDIEU, 1998, p. 41). Estes são mecanismos de seleção cujo<br />
grau pode ser elevado se se consideram outras etnias. Ainda conforme o autor, “não é<br />
suficiente enunciar o fato da desigualdade diante da escola, é necessário descrever os<br />
mecanismos objetivos que determinam à eliminação contínua das crianças desfavorecidas”.<br />
O que se percebe é que ao terminar o Ensino Médio são poucos os jovens que<br />
conseguem dar continuidade aos estudos. A maioria em municípios vizinhos trabalha para sua<br />
subsistência.<br />
No que diz respeito a esta questão, o fator econômico predomina neste momento. A<br />
falta de condições financeiras e a distância para chegar à universidade são fatores que<br />
auxiliam no desânimo destes jovens em dar continuidade aos estudos. Muitas são as<br />
promessas de ajuda para que estes dêem continuidade, mas as ações são mínimas.<br />
Assim se expressa uma das mães: “Quando falamos com o procurador da justiça<br />
nós dissemos a ele que se o branco usa a caneta para nos matar, nós estamos aprendendo<br />
também a usá-la, não para matar, mas para deixar vivo nosso povo. Se é a lei que estão<br />
usando, é dela que nós também vamos nos utilizar” (M.A. - 39 anos, mãe).<br />
Nestas palavras, percebe-se que os meios utilizados pelos não-índios passam agora a<br />
fazer parte do cotidiano dos índios sendo para estes um ponto de honra. Não deixar que os<br />
outros os usem como o fizeram por muitos anos, fazem com que os Xokleng creiam que uma<br />
das saídas é manter as crianças na escola e os adultos buscarem também seu aprendizado, para<br />
assim conhecer este outro que fez e faz as leis. Eis aqui ressaltado o sentido político da escola.
Com isto, observa-se que as crianças que seguem seus estudos, o fazem não por uma<br />
obrigação, mas por um desejo de conseguir transpor as dificuldades e deficiências que seu<br />
povo possui. O desejo de aprender o que o não-índio sabe e o desejo de manter sua identidade<br />
viva, impulsiona estas crianças, adolescentes, jovens e adultos a estudarem e a buscar a<br />
realização de seus sonhos.<br />
Observa-se, ainda, que existe uma preocupação entre os pais e os membros do<br />
Conselho Indígena sobre os perigos que o mundo apresenta para os jovens. A escola é o<br />
espaço adequado para mostrar a estes jovens e crianças os perigos a serem enfrentados e os<br />
caminhos que estes devem tomar: “A educação é uma das prioridades. A escola vem também<br />
para mostrar às crianças e aos jovens os perigos que existem no mundo lá fora”(Ex-cacique).<br />
Em uma pesquisa realizada por Zago (2003, p. 24), a mesma aborda que,<br />
o significado que eles – pais - atribuem à escolarização de seus filhos revelando<br />
que a valorização da instrução se alicerça ao menos sobre dois pilares: o que<br />
corresponde a uma lógica prática ou instrumental da escola (domínio dos saberes<br />
fundamentais e integração ao mercado de trabalho) e outro, voltado para a escola<br />
como espaço de socialização e proteção dos filhos do contato com a rua, do mundo<br />
e das drogas, das más companhias, indicando a inseparabilidade entre instrução e<br />
socialização.<br />
A necessidade do diploma escolar e o reconhecimento de todos tornam-se, então, um<br />
fator crucial. Sem um elevado nível educacional, os trabalhos que surgem para estes jovens<br />
permanecem no âmbito secundário como: serventes de marcenaria, serrarias e trabalhos no<br />
corte de madeira, etc. A chancela escolar passa a ser algo importante para a realização dos<br />
sonhos: “Quero progredir, melhorar. Ter uma profissão mais tarde; aprender melhor, ajudar<br />
meus filhos. Sempre tive o sonho de ser professora, ou mesmo uma enfermeira. E a escola é<br />
um meio de ensino que a gente tem. Uma “chance a mais na vida” (Mãe, aluna do NAES, 31<br />
anos).<br />
Não se pode deixar de perceber que esta jovem estudante e mãe, deposita na<br />
obtenção do diploma a confiança de que lhe serão abertas portas para seu sucesso profissional.<br />
Isto não é um fato isolado. A busca para a obtenção de diplomas apenas revela que as famílias<br />
e a comunidade indígena, em geral, acabam depositando na escola as esperanças para a<br />
melhoria nas condições de vida e para uma ascensão social. Em outras palavras, é a<br />
necessidade de reconhecimento pelo outro dos seus esforços.<br />
As dificuldades apresentadas pela Comunidade Indígena denotam que a instituição<br />
escolar, mesmo sendo acolhedora, não consegue em seu processo, dar as mesmas
oportunidades para todos, mesmo trazendo o resgate da cultura deste povo, mesmo sendo o<br />
núcleo da comunidade, a mesma não consegue dar conta das desigualdades sociais.<br />
O resgate da cultura e a busca da identidade são outros pontos destacados sobre o<br />
sentido da escola. Assim, o coletor de sementes, que auxilia na obtenção de materiais para as<br />
aulas de Arte Diferenciada, afirma que: “A escola é um meio de trazer de volta alguma coisa.<br />
Por que estamos vendo que estamos perdendo toda a nossa cultura”. (V.J. - 25 anos - Coletor<br />
de Sementes).<br />
A busca incessante pela identidade presente nas falas de alunos e demais membros,<br />
mostra a necessidade do “saber escrever”, para assim se sentirem como um povo que possui<br />
identidade própria.<br />
“[A escola] ajuda bastante. Porque se tu sabes escrever tu tens como dizer que és<br />
índia. Quando você escreve o seu nome eles vêem e dizem, esta é índia. E estudar ajuda<br />
muito” (R. P. A. - 17 anos – Aluna).<br />
No capítulo a seguir, serão abordadas as relações da escola com a construção da<br />
identidade e o resgate da auto-estima e da cultura desse povo.
4 IDENTIFICAR<br />
Falou-se anteriormente do conhecer e reconhecer e dos sentidos de escola<br />
encontrados nos diálogos empreendidos junto ao povo indígena Xokleng. Em cada sentido foi<br />
identificado um pouco de sua história educacional, o porquê da necessidade da escola naquela<br />
comunidade, os sonhos... As falas de alguns membros da comunidade indígena sobre a escola<br />
também podem ser resumidas da seguinte forma: “Escola é o local, onde é possível devolver-<br />
se a auto-estima do povo, por intermédio de seus profissionais; é um auxiliar no resgate da<br />
cultura; é o espaço onde se dá a construção e o reconhecimento da identidade de um povo”<br />
(M.B.)<br />
Este sentido será explorado neste capítulo.<br />
A seguir, então, os caminhos que o povo Xokleng busca para re-descobrir sua<br />
identidade, por intermédio do empenho do trabalho de profissionais da educação e o sentido<br />
de ser índio revitalizado junto à comunidade.<br />
4.1 COMO (RE) DESCOBRIR O SENTIDO DE SER ÍNDIO POR MEIO DA ESCOLA?<br />
Paradoxalmente, é pela via da escola que este povo revitaliza a sua própria<br />
identidade indígena. Isto porque, responsável pela imposição de uma cultura que não é a sua,<br />
sob a forma do currículo escolar e de seus conteúdos, e pela sua aculturação 1 , é a escola que<br />
agora traz as tradições para serem ensinadas também neste espaço.<br />
Assim, o povo Xokleng, por intermédio da escola, busca redescobrir suas tradições e<br />
identidade, pois após anos de convivência com o não-índio, estavam sendo dragados pela<br />
cultura não-indígena, fazendo com que seus valores fossem substituídos por outros.<br />
Conforme artigo de Kathryn Woodward (apud SILVA, 2000) sobre Identidade e<br />
Diferença, a mesma afirma que a redescoberta do passado é parte do processo de construção<br />
1 “é o nome do processo” através do qual culturas intercambiavam “traços” e “complexos” culturais, de tal sorte<br />
que os de uma delas, mais forte, mais impositiva, envolviam os da outra e do encontro surgia uma nova cultura<br />
co-participada por dois grupos sociais diferentes. Os sonhos ora ingênuos, ora mal-intencionados de todos os<br />
colonizadores do mundo, no mínimo imaginavam como sendo: “civilizar”, fazer algo assim, só que com um<br />
domínio de uma cultura sobre a outra. Um domínio intencional e, não raro, destruidor dos valores da cultura<br />
“selvagem”, ”primitiva”, “atrasada”. (BRANDÃO, 1996, p. 90).
da identidade que está ocorrendo neste exato momento e que, ao que parece, é caracterizada<br />
por conflito, contestação e uma possível crise. Segundo a autora, esta crise ocorre devido às<br />
transformações do desenvolvimento global, (capitalismo) onde a convergência de culturas, as<br />
quais estão sendo conhecidas, reconhecidas e identificadas, ficam expostas ao seu embate.<br />
O exemplo dado em seu artigo sobre os sérvios e croatas, onde a identidade sérvia<br />
depende, para existir de algo fora dela: a saber, de outra identidade (croata), de uma<br />
identidade que ela não é que difere da identidade sérvia, mas que, entretanto, fornece as<br />
condições para que ela exista. A identidade sérvia se distingue por aquilo que ela não é. Ser<br />
um sérvio é ser um “não-croata”. A identidade é assim, marcada pela diferença. A diferença é<br />
sustentada pela exclusão (W OODWARD apud SILVA, 2000, p. 09).<br />
A situação acima relatada não difere muito dos problemas ocorridos entre outros<br />
grupos étnicos, como índios e não-índios, em espaços muitas vezes inusitados como a escola.<br />
A identidade é um conceito muito importante a ser discutido, pois conforme<br />
Rutherford, (apud WOODWARD, 2000, p. 19-20): “[...] a identidade marca o encontro de<br />
nosso passado com as relações sociais, culturais e econômicas nas quais vivemos agora [...] a<br />
identidade é a intersecção de nossas vidas cotidianas com as relações econômicas e políticas<br />
de subordinação e dominação”.<br />
Assim sendo, sentir-se índio era algo que trazia vergonha para muitas crianças da<br />
comunidade indígena estudada já foi relatado nesse trabalho e agora retomado aqui:<br />
“Eu, como professora, ouço crianças dizendo: ‘Professora, eu não gosto de ser<br />
índio, porque eles ficam me abusando lá fora.” Mas, todos nós professores estamos<br />
incentivando a auto-estima, o orgulho de ser índio. Por que quando nós estudávamos em<br />
outro município, nós praticamente fomos humilhados, naquele ano em que viemos para cá”<br />
(W.K.P. A. - 19 anos).<br />
A partir desta fala a questão da representação, compreendida como um processo<br />
cultural estabelece identidades individuais e coletivas e os sistemas simbólicos nos quais ela<br />
se baseia fornecem possíveis respostas às questões como: quem eu sou? Quem eu quero ser?<br />
Vê-se também que os sistemas de representação e discursos constroem os lugares a partir dos<br />
quais os indivíduos podem se posicionar e donde podem falar.<br />
Assim sendo, todas as práticas de significação que produzem significados envolvem<br />
relações de poder, incluindo o poder para definir quem é incluído e quem é excluído. A<br />
cultura molda a identidade ao dar sentido à experiência e ao tornar possível optar, entre as
várias identidades possíveis, por um modo específico de subjetividade tal como a feminilidade<br />
loira e distante ou na masculinidade (WOODWARD apud SILVA 2000, p. 18-19).<br />
Neste sentido, a escola também busca em seu dia-a-dia, cativar os alunos para que<br />
percebam que a busca de sua identidade não pode ser focada somente pelo seu passado, mas<br />
para que possuam uma visão também voltada para o seu presente e futuro. Isto pode ser<br />
observado na fala de um professor da Escola Indígena: “Quero dizer que devo valorizar o que<br />
sou do passado e do presente. Hoje em dia tendo a escola é uma vitória e nós vamos<br />
conseguir”.<br />
Olhando por este prisma, o que se observa é que os conflitos étnicos parecem ser<br />
caracterizados por tentativas de recuperar e reescrever a história, as quais podem dar como<br />
exemplo a questão do resgate da identidade do povo Xokleng. Para que ocorra esta<br />
recuperação e tentativa de reescrever sua história a comunidade indígena busca na instituição<br />
escolar estes meios. Como na fala do professor I.W.W. – 20 anos: “A escola tem uma<br />
representação muito forte. Ela procura trabalhar a auto-estima das crianças; o estudo é<br />
diferenciado, vendo o passado e prevendo o futuro”.<br />
Em outra fala observa-se também a tentativa de resgate da cultura e história está<br />
presente no cotidiano da escola: “A escola é um meio de trazer de volta alguma coisa. Porque<br />
estamos vendo que estamos perdendo toda a nossa cultura” (V.J.; 25 anos-Coletores de<br />
sementes).<br />
“Perdendo nossa cultura”, esta frase traz uma idéia do conflito individual e coletivo<br />
que ocorre dentro das comunidades, neste caso a indígena. Sobre isto Hall (apud<br />
WOODWARD, 2000, p. 30) afirma que:<br />
[...] embora possamos nos ver, seguindo o senso comum, como sendo a “mesma<br />
pessoa” em todos os nossos diferentes encontros e interações, não é difícil perceber<br />
que somos diferentemente posicionados, em diferentes momentos e em diferentes<br />
lugares, de acordo com os diferentes papéis sociais que estamos exercendo.<br />
Diferentes contextos sociais fazem com que nos envolvamos em diferentes<br />
significados sociais.<br />
Com isto a escola deveria como diz Silva (2000), através de seu currículo ser capaz<br />
de oferecer oportunidades para que as crianças e os/as jovens desenvolvessem capacidades de<br />
crítica e questionamento dos sistemas e das formas dominantes de representação da identidade<br />
e da diferença.<br />
Na Escola Indígena de Educação Fundamental Vanhecú Patté, pode-se dizer que<br />
ocorre uma tentativa de desenvolver a criticidade e o questionamento. Como? Por meio de
atividades nas qual a sua história é revitalizada, da pesquisa junto aos mais antigos, das ervas<br />
medicinais utilizadas pelos antepassados e que ainda são utilizadas pelos membros mais<br />
antigos da Comunidade. As pesquisas que foram realizadas pelas crianças indígenas<br />
acabaram sendo apresentadas no dia 19 de abril de 2002, num projeto onde se fez um resgate<br />
da cultura indígena Xokleng, atividade esta aberta à comunidade. Nesta feira, foram<br />
apresentados em cartazes: lendas, trabalhos relacionados com as disciplinas principalmente de<br />
Ciências e de Artes.<br />
Foi, também, posto à venda, o artesanato produzido pelas crianças. Em maquetes era<br />
apresentado o espaço da Reserva Indígena. Houve apresentação de danças tribais, em que<br />
algumas crianças se utilizaram de trajes de seus antepassados. Esta atividade foi realizada por<br />
alunos de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental.<br />
Em 2002, foi construído também um espaço específico para a realização das aulas<br />
de Artes: a “Oca”, construção feita de madeira roliça e recoberta de folhas de palmeira seca.<br />
Neste espaço, as pessoas mais antigas da comunidade, que possuíam o conhecimento das artes<br />
indígenas eram convidadas para a realização das aulas. As crianças durante estas aulas,<br />
ouviam com atenção as instruções dos professores e faziam os artesanatos, tais como: colares,<br />
pulseiras, brincos, panelas de barro, chocalhos, arcos, flechas e demais materiais.<br />
Foto 08 – Espaço onde eram realizadas as aulas de Arte Diferenciada. Foi queimada em<br />
2003 e, até agora não foi reconstruída.
No ano de dois mil e três este espaço que era utilizado para as aulas de Arte<br />
Diferenciada foi queimada. Ninguém sabe precisar o porquê, mas o fato é que as aulas<br />
passaram a serem realizadas em sala de aula.<br />
No dia 02 de outubro de 2003, foi realizado o Primeiro Dia Cultural Xokleng, nas<br />
dependências da Escola Indígena de Educação Fundamental Vanhecú Patté no centro da<br />
Aldeia Bugio.<br />
Ao observar as pessoas ali presentes, via-se o olhar emocionado das mães. Neste<br />
espaço, também foram realizadas apresentações de uma das formas de como eram preparados<br />
os seus guerreiros. Para as crianças tudo se transformou em uma bela brincadeira.<br />
Foto 09 – Atividade realizada pelas crianças da Escola, no Primeiro Dia Cultural Xokleng - 2003<br />
Conforme se pode observar na imagem, as crianças são motivadas desde o início<br />
de sua vida escolar para as atividades culturais da comunidade. As histórias, lendas, canções e<br />
danças são reinterpretadas pelas mesmas, fazendo com que parte de sua cultura seja revivida.<br />
Esta atividade, como tantas outras, torna possível o que também o não-índio faz para manter<br />
viva a sua história – buscar no passado, alguma maneira de manter-se ligado com sua própria<br />
identidade.
Depois da cerimônia de abertura, passou-se à visitação das salas onde se<br />
encontravam os materiais, maquetes, cantinho dos poemas, lendas, fotos, trabalhos por<br />
disciplina.<br />
Cada trabalho possuía sua tradução para a língua Xokleng. Outra coisa que chamou<br />
atenção foram os poemas, de autoria dos alunos, que expressavam sua identidade como índios<br />
e sua visão de esperança na transformação de sua comunidade e do mundo. A seguir, um<br />
desses poemas construído pela aluna I.P. de 16 anos:<br />
Figura 03 - Poema apresentado pela aluna I. P. de 16 anos – Ensino Médio<br />
Entre as atividades apresentadas neste dia cultural, estava um livro com a coletânea<br />
de ervas medicinais cujas páginas eram feitas de caixas de leite pasteurizado.
Foto 10 – Livro de coletânea de ervas medicinais<br />
Havia outro livro de coletânea das atividades feitas com as séries iniciais cujas<br />
páginas eram de E.V.A. e com tradução para a língua Xokleng. A linha do tempo foi a que<br />
mais enriqueceu a exposição. Era um painel de aproximadamente 3 x 2 metros, onde estava<br />
registrada a cronologia dos acontecimentos desde 1850: os fatos, vitórias, perdas até os novos<br />
projetos para 2004. Todos os trabalhos eram acompanhados pelos alunos que monitoravam<br />
cada seqüência da exposição, dando a ela uma maior riqueza.<br />
Algo igualmente marcante foi o álbum que conta o início dos trabalhos na Escola no<br />
final de 2001. Neste álbum, estavam fotos da Escola Antiga, da reforma da mesma e da atual;<br />
trabalhos realizados com os alunos; inaugurações; visitantes; desfiles; gincanas, concursos e<br />
artigos de jornais que se referiam à comunidade e, ainda, trabalhos dos alunos. Na<br />
oportunidade, aconteceu a venda de produtos artesanais produzida pelos próprios alunos e<br />
realizada na Oca. Os professores de Arte Xokleng eram os anfitriões dos visitantes na entrada<br />
da Oca.<br />
O que não pode deixar de ser notado é que estas atividades realizadas foram e estão<br />
sendo um caminho para o resgate da auto-estima e preservação da memória da cultura deste<br />
povo. Para tanto o conceito de Ser Índio permeia todo o projeto educacional, conforme a fala<br />
do Professor Baniwa, AM, Gersem dos Santos: “Todo projeto escolar só será escola indígena<br />
se for pensado, planejado, construído e mantido pela vontade livre e consciente da<br />
comunidade”. (RCNE/Indígena, p. 25). Sem esta visão, será difícil ocorrer uma mudança ou
crescimento no âmbito educacional, pois como diz ainda o Professor Gersem : “A escola deve<br />
se constituir a partir dos seus interesses e possibilitar sua participação em todos os momentos<br />
da definição da proposta curricular, de seu funcionamento, da escolha dos professores que vão<br />
lecionar, do projeto pedagógico que vai ser desenvolvido, enfim, da política educacional que<br />
será adotada” (RCN/Indígena, p. 25)<br />
Observa-se que o povo Xokleng vem fazendo este caminho, mas também voltando<br />
a escola para aquilo que lhe é neste momento, mais importante, a luta pela terra. Buscar na<br />
escola o sentido de ser índio vem junto com o desejo de reconquistar o que os mesmos dizem<br />
– lhes foi tirado. O sentido político também permeia este espaço dando assim a possibilidade<br />
de construção e manutenção de seu povo na esfera executiva da sociedade.<br />
Vários são os sentidos, de ser índio para este povo. Estes sentidos foram percebidos<br />
nos diálogos empreendidos junto ao mesmo, quais sejam:<br />
• O índio passou de uma visão poética dos livros para ser uma categoria de lutas;<br />
• É buscar seus direitos para obtenção da mãe-terra, saúde e educação;<br />
• É poder sair da Comunidade indígena e ser respeitado pelo que são;<br />
• Reconstrução de sua história e cultura preservando-as e assim ser valorizado pelo<br />
passado, pelo presente e pelo futuro;<br />
• É encontrar seu espaço dentro da sociedade nacional;<br />
• É manter suas raízes na comunidade, sem esquecer de olhar para a modernidade,<br />
conseguindo assim melhorias para seu povo.<br />
Com estes itens observa-se que a construção do “ser índio” foi e está sendo um<br />
trabalho que necessita ser mantido em constante atividade, sempre sendo visto não como algo<br />
individualizado, mas coletivo; em que o grupo encontra no outro, formas e forças para<br />
continuar sua busca da identidade e cultura.<br />
4.2 RESGATE DA AUTO-ESTIMA: UM TRABALHO DE GRUPO<br />
Diante das atividades desenvolvidas pelos professores junto às crianças na Escola<br />
Indígena de Educação Fundamental Vanhecú Patté, não dá para não ficar maravilhada. Daí<br />
surge a pergunta: Como tudo isso foi e está sendo possível? Em conversa com os
profissionais que iniciaram os trabalhos na escola, eles disseram que logo após a chegada<br />
deles na escola da Comunidade, eles detectaram um ambiente triste: não só no que se refere<br />
ao espaço físico que era reduzido, mas viam-se no semblante das crianças, o desamparo e a<br />
auto-estima reduzida a frangalhos.<br />
Visto isso, as professoras que foram incumbidas de dar continuidade aos estudos<br />
para as crianças, deixaram de lado o que esperavam trabalhar (mini-projeto sobre eco-sistema)<br />
e buscaram junto à comunidade indígena (pais e conselho indígena) meios para revitalizar a<br />
auto-estima destas crianças. Como nos relata uma das professoras (J. F. 27 anos): “Ao<br />
chegarmos à aldeia o primeiro contato me evidenciou algo totalmente diferente. Percebi que<br />
o projeto deveria ser bem mais do que uma forma de não deixar os alunos perderem o ano”.<br />
Deveríamos antes de tudo trabalhar a auto-estima que estava muito abalada. Os primeiros<br />
projetos foram todos voltados às maiores urgências: auto-estima, costume, tradições e saúde.<br />
Estes itens eram precários, portanto, deveríamos tentar sanar.<br />
Assim, as professoras buscaram unir-se para tentar solucionar os problemas mais<br />
imediatos que ali estavam presentes. Não foi fácil como se pode perceber na continuidade do<br />
relato da professora:<br />
“Como nós, professoras não tínhamos embasamento, pois fomos ‘jogados’ ali como<br />
forma de resolver um ‘problema’. Tivemos ajuda da 25ª CRE (Ibirama) da liderança e de<br />
outros professores indígenas. Foi difícil, pois não compreendíamos sua cultura, nunca nos<br />
interessamos saber. Mas com ajuda dos pais conseguimos o sucesso dos projetos. Quer dizer,<br />
tivemos muitos resultados positivos a curto e médio prazo”.<br />
Diante do fato, as profissionais verificaram que seria necessária a participação<br />
efetiva da comunidade indígena para diminuir as dificuldades que ali se apresentavam:<br />
“Durante o tempo que permanecemos desenvolvendo os projetos, observamos não<br />
só a falta de auto-estima, mas as dificuldades político-econômicas enfrentadas dentro desta<br />
Comunidade. São famílias carentes em todos os sentidos. Tanto que organizamos muitas<br />
campanhas do agasalho e o pedido para dobrar a merenda (às vezes, era a única refeição<br />
bem feita do dia). Suas moradias são precárias, apenas a minoria recebeu suas casas. As<br />
estradas são intransitáveis. Quando chovia corríamos o risco de acidentes sérios. Então, não<br />
estávamos ali apenas para solucionar uma questão educacional; mas tinha-se nesse novo<br />
recomeço a chance deste povo conseguir melhores condições de vida”.
Observando a fala desta profissional e de outras, as vitórias conquistadas e as<br />
dificuldades enfrentadas foram todas galgadas não individualmente, mas em grupo. As<br />
profissionais que fizeram parte do início dos trabalhos buscaram forças no outro, e a escola<br />
tornou-se um elemento para as mudanças nesta comunidade. Na fala de uma das professoras,<br />
ela expressa bem os avanços ocorridos no período de permanência das mesmas nesta<br />
comunidade:<br />
“Em menos de três anos que lá ficamos, conseguimos a ampliação da escola,<br />
inserimo-nos em projetos de capacitação continuada na educação indígena, melhorias no<br />
transporte, melhoramos toda a estética da escola e pátio, criamos vínculo com o Clube da<br />
Árvore e a Funasa que instalou um novo Posto de Saúde bem próximo à escola para melhor<br />
atendimento dentro e fora da escola e outros que vieram como conseqüência destes; como a<br />
implantação do Ensino Médio”.<br />
Os avanços eram perceptíveis. Mas para chegarem a este patamar foram necessárias<br />
muitas reuniões, onde professores, comunidade indígena e alunos apresentavam suas<br />
dificuldades, dúvidas, bem como as idéias para modificar o espaço e as atividades<br />
pedagógicas.<br />
Após muitos embates, viu-se que por meio da cooperação e da compreensão<br />
poderiam estar conseguindo dirimir muitos os entraves que surgiam no percurso. A falta de<br />
material didático era suplantado a partir do momento em que os professores buscavam<br />
trabalhar conteúdos voltados para o interesse da comunidade. Buscou-se a ajuda dos mais<br />
antigos membros da comunidade, que contavam as histórias dos antepassados e do encontro<br />
entre índios e não-índios, falavam e faziam uso de plantas medicinais, falavam sobre os rituais<br />
e todos os aspectos que trazem o resgate da identidade cultural da comunidade.<br />
Assim, as crianças deixaram de se ver como pessoas que não possuíam uma história<br />
de vida, mas que, ao contrário, a história delas era e é importante no contexto social do país e<br />
da comunidade local.<br />
Incentivar a auto-estima destas crianças e da comunidade são os reflexos do trabalho<br />
realizado pelos professores, APP – Associação de Pais e Professores e Conselho Indígena,<br />
onde todos uniram forças para a obtenção de resultados positivos. Muitas foram as atividades<br />
desenvolvidas para o resgate da auto-estima das crianças. Além das já mencionadas, pode-se<br />
citar ainda: atividades em grupo, cuja valorização da fala do outro se tornou presente; aulas de<br />
vídeo e palestras para auxiliar nos trabalhos escolares. Muitos trabalhos além da teoria foram
levados para a prática: discussão dos trabalhos por meio de seminários; o companheirismo<br />
entre alunos e professores foi e está sempre presente no grupo.<br />
Estas foram algumas das atividades realizadas no ano de 2001, quando da saída<br />
destes alunos da Escola de Educação Básica Frei Lucínio Korte para a Escola da Comunidade<br />
Indígena. As dificuldades, neste último bimestre de 2001, iam sendo amenizadas com o<br />
empenho das professoras que ali permaneceram. A diretora da Escola Sandra Denise Uber<br />
Faria, professora deste educandário há 17 anos, conta também um pouco das dificuldades<br />
encontradas com a chegada destas crianças à escola:<br />
“Foi difícil. Porque as professoras [Dr.Pedrinho] tinham que trabalhar com as<br />
disciplinas todas juntas, 5ª e 6ª série, 7ª e 8ª série, onde nós só tínhamos uma sala que era de<br />
1ª a 4ª série. E os alunos do ginásio eram atendidos no galpão, onde é servida a merenda<br />
hoje”.<br />
Já no ano de 2002, as atividades escolares foram redimensionadas, as reformas e a<br />
construção de duas novas salas fizeram com que a comunidade escolar e demais membros<br />
estivessem mais fortificados e assim auxiliassem nas benfeitorias como a jardinagem, a<br />
formação da horta escolar, a construção da cerca ao redor da escola, sempre sob o olhar dos<br />
membros mais antigos da comunidade indígena e da APP. Além da Oca, já mencionada<br />
anteriormente.<br />
Entrevistando um dos profissionais que trabalha na Escola, hoje desempenhando a<br />
função de “coletor de sementes” 2 , mencionou-se a possibilidade de reconstrução da Oca. Em<br />
resposta, o mesmo afirmou: “Acredito que seja reconstruída, porque eles (autoridades)<br />
prometeram. Mas nós não estamos esperando pela oca, nós estamos trabalhando e estamos<br />
ensinando as crianças. Nós não estamos parados”.<br />
Pela fala do profissional, percebe-se que a oca estava ali como um local diferente,<br />
mas que se as atividades fossem realizadas em outro espaço não estariam modificando seu<br />
objetivo, que é o de ensinar às crianças as belezas artesanais produzidas pelos seus<br />
antepassados e que hoje passa a ser um meio de auxiliar na renda familiar. Em diálogo<br />
mantido com a diretora da Escola, a mesma disse que a Oca, seria reconstruída no ano de<br />
2005, pela Associação de Pais e Professores e que não iriam esperar pelas autoridades para<br />
isto.<br />
2 Atividade realizada por membro da comunidade mais jovem, o qual vai para a mata e traz todos os materiais<br />
necessários para a confecção de objetos para a posterior venda.
Relacionado ainda às atividades pedagógicas (metodologia) observou-se uma<br />
mudança no que tange à formulação e apresentação das disciplinas. Sobre isto a Diretora da<br />
Escola Indígena relata que: “As professoras nunca trabalharam com matérias separadas. Era<br />
sempre com projetos. Hoje também trabalhamos através de projetos, onde cada professor<br />
busca suas atividades e trabalha”.<br />
Questionada sobre como são dirimidos os problemas que costumam ocorrer na<br />
escola entre professor/aluno, aluno/aluno, ela responde que: “Quando tem dificuldade, chega<br />
à hora do recreio, onde eles se reúnem para o lanche. Os mesmos conversam e procuram<br />
uma resposta para o problema. Se neste tempo não conseguem, sentamos uma meia hora em<br />
uma sala e buscamos solução para o mesmo”.<br />
Os professores buscaram aproximar-se mais dos alunos, quebrando aquele gelo e<br />
medo que pairava nos olhares das crianças. O toque e a fala das crianças foram privilegiados.<br />
As fotos abaixo, não deixam esconder a felicidade das crianças em estarem compartilhando<br />
com seus colegas suas descobertas.<br />
Foto 11 – Atividades realizadas, na Escola da Comunidade Bugio.<br />
Nas conversas empreendidas com os professores percebe-se que a falta de material<br />
também era suplantada, a partir da utilização de jornais, revistas, figuras e livros trazidos por<br />
pessoas da comunidade ou pelos próprios professores. Mas, ainda há uma carência muito
grande. Poucos são os livros disponíveis tanto para alunos como professores. A criatividade<br />
utilizada para superar as carências criou um elo de ligação maior entre alunos e professores.<br />
Quanto à organização escolar, a escola indígena da Comunidade Bugio possui a<br />
mesma estrutura básica de ensino. Na estrutura curricular, quando foi dado início ao Ensino<br />
Fundamental – 5ª a 8ª série – no segundo semestre de 2001, os alunos solicitaram que fossem<br />
implantadas as línguas: Xokleng e o inglês. Dialogando com os professores, os mesmos<br />
disseram que as crianças solicitaram a manutenção do inglês porque “nós não podemos<br />
esquecer que tem um mundo ali fora. E quando acabar o 2º grau, nós queremos estudar e<br />
vamos precisar do inglês”. Com estas palavras, observa-se que as crianças, não estão<br />
desligadas do que ocorre ao seu redor. Visualizam a necessidade desta língua para que no<br />
futuro seus interesses também sejam preservados.<br />
Nas aulas de língua indígena – Xokleng e Guaraní – a carência de materiais também<br />
é gritante. Os profissionais que trabalham afirmam que: “Nós trabalhamos com cantos e<br />
historinhas que eles fazem”. Essas historinhas são feitas através do artesanato, dos que a<br />
gente faz flechinhas também. Antigamente meus avós caçavam com flecha e a gente conta<br />
para que servia isto. O cordão das flechas, meu bisavô dizia que servia para assustar os<br />
bichos ferozes, porque não existia espingarda naquela época. E assim as crianças vão<br />
“aprendendo.”.<br />
Nos anos de 2004 e 2005, ocorreu uma mudança com relação à utilização de livros.<br />
Observa-se que os livros didáticos cedidos pelo MEC fazem parte do cotidiano escolar, vindo<br />
a ajudar na rotina escolar, mas ainda são insuficientes.<br />
As aulas continuam a ter um caráter de compartilhamento e discussão conseguindo<br />
assim a construção e manutenção de um currículo multicultural. Pérez Gómez (apud FERRI,<br />
2000) afirma que a aprendizagem relevante em sala de aula ocorre na medida em que a aula<br />
se torne momento de negociação e discussão, onde o indivíduo aprende reinterpretando os<br />
significados da cultura, mediante contínuos e complexos processos de negociação. O autor<br />
(apud FERRI, 2000, p. 151) ainda diz que:<br />
São necessárias mais duas condições para que a aprendizagem se torne relevante:<br />
a) partir da cultura experiencial do aluno, participando nas aulas trazendo seus<br />
conhecimentos e concepções como seus interesses, preocupações e desejos,<br />
envolvidos num processo vivo, em que o jogo de interações, conquistas e<br />
concessões, provoque, como em qualquer outro âmbito da vida, o enriquecimento<br />
mútuo;<br />
b) criar na aula um espaço de conhecimento compartilhado: supõe esforçar-se para<br />
criar, mediante negociação aberta e permanente, um contexto de compreensão<br />
comum, enriquecido constantemente com as contribuições dos diferentes<br />
participantes, cada um segundo suas possibilidades e competências.
Diante disto, observa-se que, para se conseguir este conhecimento compartilhado, é<br />
necessária uma proposta prática onde o respeito às diferenças e à diversidade cultural, estejam<br />
presentes. Assim, o “trabalho em grupo” foi utilizado como um meio para tentar elevar a<br />
auto-estima das crianças partindo-se da cultura experencial do aluno num espaço que, embora,<br />
pequeno, é compartilhado por todos.<br />
Modificar um quadro de falta de solidariedade e individualismo não é fácil. Porém, o<br />
princípio das coisas pode estar em profissionais envolvidos com a educação que busquem nas<br />
menores coisas, nas pequenas atitudes mostrar que ensinar a viver necessita não só dos<br />
conhecimentos, mas também da transformação, em seu próprio ser mental, do conhecimento<br />
adquirido em sabedoria e da incorporação dessa sabedoria para toda a vida (MORIN, 2000, p.<br />
47).<br />
Muitos são os passos a serem dados, mas o que já se caminhou denota que esta<br />
escola busca a possibilidade de modificar o quadro de miséria em que muitos vivem bem<br />
como o reconhecimento de seus egressos pelo “outro” por intermédio de um trabalho coletivo<br />
de resgate cultural e pela construção da identidade deste povo.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Esta pesquisa fez com que tivéssemos um olhar mais introspectivo junto aos grupos<br />
envolvidos (indígenas e não-indígenas) e percebêssemos que a Escola mesmo esta, muitas<br />
vezes classificadora e seletiva pode ser um dos meios para a obtenção de um sentimento que<br />
tenta florescer em meio a tanta injustiça e incompreensão. Desta forma, buscamos neste<br />
trabalho: Conhecer os caminhos enfrentados pelos membros da Comunidade Bugio, na busca<br />
por conhecimento e na manutenção das crianças na escola; Reconhecer o lugar que a escola<br />
possui dentro da comunidade Bugio e os sentidos a ela empregados, bem como perceber a<br />
busca pelo reconhecimento que a mesma empreende por intermédio da chancela escolar. E<br />
Identificar, vem com o intuito de mostrar que a escola é um espaço de construção da<br />
identidade desse povo e de resgate de sua auto-estima e de sua cultura.<br />
Por ocasião das entrevistas com as mães sobre a importância de manter os seus<br />
filhos na escola, obtivemos a seguinte resposta: “Quero que meus filhos estudem para ter uma<br />
boa profissão. Não quero que fiquem trabalhando no sol [na roça] como a gente, é muito<br />
pesado, na sombra é melhor. Eles podem trabalhar num supermercado, ser doutor, é bem<br />
melhor”.<br />
Desta forma, observamos que para esta mãe, trabalhar ao sol significa trabalho árduo<br />
e pesado, e que pouco traz de melhorias para suas vidas. Enquanto que à sombra, os trabalhos<br />
estariam voltados para o lado intelectual. Assim, a escola é um meio para que nenhum de seus<br />
filhos venha a sofrer como eles com o trabalho ao sol. Podemos generalizar e dizer que para<br />
as famílias entrevistadas, há uma preocupação em manter as crianças na escola que isto<br />
representa uma nova perspectiva de vida para eles. Nada de sol. Nada de ócio. O título deste<br />
trabalho também possibilita outra perspectiva de interpretação, quando nos remetemos à<br />
identificação que este povo faz dele próprio: “Somos Laklanõ!”, que quer dizer que vem com<br />
o sol. Este sol pode ser, aqui, identificado como a busca pela cidadania e a saída da sombra ou<br />
do anonimato.<br />
Nas entrevistadas realizadas, observamos também que a escola se torna para essa<br />
comunidade uma auxiliar nas mudanças presentes e futuras deste povo. Como nos diz um<br />
professor: “a escola está nos mostrando que devemos ter um olhar para o passado e outro no<br />
futuro, sem esquecer do presente”. O sentido de futuridade também se faz presente na fala e
no cotidiano deste povo. A preocupação com o futuro de seus filhos faz com que mães,<br />
Conselho Indígena e demais membros da comunidade depositem um sentido de esperança na<br />
escola. A escola, então, passa a ser vista como a realizadora dos sonhos e como fonte de<br />
conhecimento para as crianças e os membros da comunidade. Para estes, que vivem num<br />
espaço onde as oportunidades não existem, a instituição escolar é uma possibilidade de<br />
melhorar o espaço onde vivem a partir da articulação de todos os segmentos na luta por seus<br />
objetivos.<br />
A escola passa a ser, também, para o povo Xokleng, uma garantia de espaço<br />
territorial. Ali, são formados seus líderes e as questões sociais são debatidas e assim sendo, a<br />
escola passa a não ser somente um belo espaço dentro da Comunidade indígena, mas a que<br />
desencadeia o desejo de conquista de seus espaços. Observa-se ainda, que os motivos que<br />
levaram os pais a enviar suas crianças à escola não são meramente para obtenção da escrita e<br />
leitura, mas também para conhecer as maneiras que o não-índio utiliza-se para conseguir seus<br />
objetivos – pessoais, políticos, sociais. A escola torna-se, assim, um espaço onde suas metas,<br />
lutas e resistências ocupam um lugar de destaque, conseguindo dessa forma, fazer da escola<br />
um espaço onde os problemas possam vir a ser solucionados.<br />
Outro fator observado foram as mudanças que este espaço educacional conseguiu<br />
como a sua própria ampliação, além de outros projetos que foram executados e que trouxeram<br />
a este povo melhorias para a sua comunidade, tais como a instalação do posto de saúde<br />
próximo à escola, o telefone público, o surgimento da água tratada para a população, dentre<br />
outros.<br />
O resgate cultural é outro ponto a ser destacado, pois na fala dos entrevistados<br />
ouvimos que “a escola veio para resgatar aquilo que nós havíamos perdido”. Neste espaço<br />
educacional também se conseguiu com profissionais da educação, resgatar a auto-estima deste<br />
povo, principalmente das crianças e dos jovens que tinham vergonha até de serem<br />
identificados como índios.<br />
Desta forma, a escola que antes era vista como um lugar cuja preocupação era<br />
somente salvaguardar o ano letivo passou a ser, como eles mesmos dizem orgulhosamente “a<br />
melhor”. Podemos perceber, portanto, que tanto índios como não-índios buscam algumas<br />
coisas em comum na escola: o mesmo desejo de conhecer, crescer e de conseguir melhores<br />
condições de vida e de ser alguém na sociedade fazendo uso de seus direitos e deveres.
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1) O QUE É ESCOLA PARA VOCÊ?<br />
APÊNDICE<br />
QUESTIONÁRIO UTILIZADO NA PESQUISA<br />
___________________________________________________________________________<br />
___________________________________________________________________________<br />
___________________________________________________________________________<br />
___________________________________________________________________________<br />
___________________________________________________________________________<br />
2) O QUE É SER ÍNDIO NESTE SÉCULO XXI?<br />
___________________________________________________________________________<br />
___________________________________________________________________________<br />
___________________________________________________________________________<br />
___________________________________________________________________________<br />
3) A ESCOLA TROUXE MUITAS MUDANÇAS PARA VOCÊ E SUA COMUNIDADE?<br />
QUAIS?<br />
___________________________________________________________________________<br />
___________________________________________________________________________<br />
___________________________________________________________________________<br />
___________________________________________________________________________<br />
NOME________________________________________________________(Se Quiser)<br />
SÉRIE: ______________________________<br />
IDADE: _____________________________
ANEXOS<br />
ANEXO A – CARTA DE AUTORIZAÇÃO DEFERIDA PELO CACIQUE HÉLIO<br />
ANEXO B –<br />
CUZUM FARIAS<br />
CARTA PROTESTO EMITIDA PELO POVO XOKLENG
ANEXO A<br />
CARTA DE AUTORIZAÇÃO DEFERIDA PELO CACIQUE HÉLIO CUZUM FARIAS
ANEXO B<br />
CARTA PROTESTO EMITIDA PELO POVO XOKLENG