memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
partos domiciliares. Naquele tempo não tinha vínculo nenhum <strong>de</strong><br />
emprego, na<strong>da</strong>, nunca ninguém chegou perto <strong>de</strong> mim que dissesse<br />
para pagar o IAPC, naquele tempo só existia o IAPC. Nunca! E a<br />
gente recebia do público, <strong>de</strong> quem pu<strong>de</strong>sse pagar. Mas era quase<br />
tudo <strong>de</strong> graça, minha filha! Pirapora era uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>spreza<strong>da</strong>! Não tinha calçamento, era uma lama, a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> era<br />
cheia <strong>de</strong> porco, cabrito, cachorro, varicela, impaludismo. Se<br />
alguém chegasse na casa não tinha quem <strong>de</strong>sse água para o outro<br />
porque estava todo mundo acamado, impaludismo, coisa tremen<strong>da</strong>!<br />
Até eu apanhei impaludismo.<br />
Que aconteceu? Aconteceu que eu comecei a trabalhar e a<br />
primeira coisa que eu fiz quando cheguei, no dia seguinte, foi<br />
me apresentar. Tinha um postozinho on<strong>de</strong> Dr. Humberto Malard<br />
atendia, eram dois médicos aqui, Dr Humberto Malard e Rodolfo<br />
Malard. O Dr. Rodolfo Malard trabalhava lá no Hospital<br />
distrital <strong>de</strong> Buritizeiro, e o Humberto trabalhava aqui no<br />
Posto. Eu fui no posto, me apresentei, uniformiza<strong>da</strong>, me<br />
apresentei pro Dr. Humberto. Falei, olha eu sou enfermeira, a<br />
dona Ruth aqui já é conheci<strong>da</strong> do senhor, eu vim por intermédio<br />
<strong>de</strong>la para auxiliar no trabalho, agora eu quero me apresentar<br />
ao senhor. Tem aqui um serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, eu preciso me<br />
i<strong>de</strong>ntificar com o senhor para o caso <strong>de</strong> eu também precisar que<br />
o Sr me auxilie. Aí começamos a trabalhar. Só domiciliar. A<br />
gente não tinha hora. Eu tinha uma bicicleta, está ali, tenho<br />
até hoje, atravessava esse rio aí cheio (rio São Francisco),<br />
com uma canoa dirigi<strong>da</strong>, rema<strong>da</strong> por um menino, eu ain<strong>da</strong> voltava<br />
no outro dia, <strong>da</strong>va banho, oito dias no neném, até que o<br />
umbiguinho caísse, cicatrizasse eu não <strong>de</strong>ixava. Nós apren<strong>de</strong>mos<br />
a fazer os exames manuais, audição, qualquer problema que<br />
tivesse eu corria atrás do Dr. Humberto. Humberto, oh, está<br />
acontecendo isso, ou man<strong>da</strong>va a parturiente lá, então fazia um<br />
pré-natal assim por cima, eu não tirava a pressão não mas<br />
exame <strong>de</strong> urina eu aprendi a fazer, eu tinha um estojo<br />
bonitinho completo, quando apresentava o traço <strong>de</strong> albumina,<br />
man<strong>da</strong>va para o médico, era protegi<strong>da</strong> por eles. Trabalhamos<br />
assim muito tempo, muitos anos, cinco anos mais ou menos<br />
quando apareceu o Dr. Mário Meira. O Dr. Mário Meira era um<br />
médico muito especial, ele não gostava <strong>de</strong> pobre, então tinha<br />
problema.<strong>de</strong>mais. Quando precisava <strong>de</strong>le, que ele <strong>de</strong>sse<br />
assistência nas casas ele não ia e para piorar tinha a esposa<br />
<strong>de</strong>le que não permitia, era duro!<br />
O parto em casa era uma história! Em construção usa<br />
cimento, então eu pedia nas construções os sacos <strong>de</strong> cimento,<br />
entregava para o pessoal <strong>da</strong> família, cortava direitinho,<br />
man<strong>da</strong>va eles passarem o pano molhado no saco todinho e colocar<br />
no sol <strong>de</strong> um lado e <strong>de</strong> outro para ficar livre <strong>de</strong> contaminação,<br />
e usava para proteger as camas. Porque a pobreza era <strong>de</strong>mais!<br />
Sabe como essas senhoras faziam? Enrolavam o colchão, <strong>de</strong>itavam<br />
na parte <strong>de</strong> cima do colchão, e queriam forrar lá com o saco <strong>de</strong><br />
cimento, com o cobertor ou uma roupa velha suja. Mas foi<br />
difícil educar essa gente! Até que eu consegui botar os<br />
122